Antropologia e Classes Sociais no Brasil Contemporâneo1 · mobilidade social estejam em jogo, ......
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Antropologia e Classes Sociais no Brasil Contemporâneo1
Moisés Kopper — UFRGS/RS
Resumo
Recentemente, talvez mais que em momentos anteriores de nossa história, o conceito de classe
social tornou-se objeto de um variado número de intervenções que emergem de distintas partes
do espectro político e intelectual brasileiro. Este artigo parte da recente mobilidade social
brasileira para indagar-se pelo significado desses processos de justificação: sobre o que estamos
falando, quando invocamos classe social como um operador de sentido privilegiado? Que
imagens de classe estão em jogo? Quem fala e quem silencia? Quais são os narradores desses
dispositivos? O paper discute como a emergência de uma “nova classe média” deu lugar a
novas agendas de pesquisa e de intervenção, que ademais respondem a demandas políticas,
econômicas e morais específicas. Finalmente, o artigo sugere mediações e passagens possíveis
entre esse mercado de ideias que cerceia a “nova classe média” – observando os
desdobramentos de suas tentativas e critérios de classificação, assim como a agência dos
institutos de propaganda e marketing que sobre ele se debruçam – e as ideias que ganham vida
no mercado a partir do campo acadêmico – atentando para os oradores e silenciadores dessa
gramática intelectual.
Palavras-chave: antropologia, classes sociais, etnografia
O constante crescimento do mercado interno brasileiro, desde a implementação do Plano
Real, nos anos 1990, associado a diversas mudanças conjunturais, pôs às claras um conjunto
heteróclito de estudos, argumentos e políticas públicas voltadas para um novo segmento da
população: a emergente “classe C”. Uma miríade de agentes, instituições públicas e privadas
de pesquisa e marketing, jornalistas e elaboradores de políticas públicas sugeriu critérios para
a sua apreensão e classificação, arrogando-se o direito de falar em seu nome, de acessar sua
subjetividade e, enfim, destinar-lhe a tão aguardada cidadania política através de seu ingresso
visível no universo do consumo.
Os mais diferentes meios de comunicação têm se empenhado em divulgar os resultados
de diversas pesquisas científicas que emergiram, progressivamente, a partir de 2005, e tiveram
seu ápice em torno de 2010. A tal “classe C”, cujo critério de circunscrição aproximado é o a
renda familiar entre R$ 1200 e R$ 5174 mensais, representaria 53% da população do censo de
2010, o que equivaleria a aproximadamente 102,6 milhões de pessoas. Um estudo realizado
pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e publicado em setembro
do mesmo ano sugere que, entre 2003 e 2010, cerca de 40 milhões de brasileiros teriam
“migrado” para a classe C.
Se tais números não dão a dimensão exata dos fluxos de mobilidade social, as estatísticas
1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de
2014, Natal/RN.
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econômicas, baseadas no consumo material, são apresentadas como indicativos decisivos:
tratar-se-ia de uma população com renda total estimada em R$ 815 bilhões e expectativa de
consumo que ultrapassa R$ 1 trilhão. Assim, a classe C seria responsável por 78% do que é
comprado em supermercados, 70% dos cartões de crédito em circulação no Brasil e 80% do
acesso à internet; movimentaria um montante anual de R$ 273 bilhões no comércio eletrônico,
em produtos como eletrodomésticos, informática, livros e telefonia celular, além de influenciar
diretamente, por pesquisas de preço, opinião e informações, 50% das compras no varejo
tradicional.
As “táticas de conquista” também mobilizam estratégias políticas e governamentais
visando captar seus desejos e definir suas necessidades. As especulações em torno da “nova
classe média” brasileira ficam evidentes, ainda, na criação de órgãos específicos e na
formulação de políticas públicas para o seu fomento, como é o caso, respectivamente, da
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE-PR) e do projeto “Vozes
da Classe Média”2. Como consequência desse complexo e arrojado sistema de monitoramento,
que alia a ciência às táticas de governo, através do mercado, novos critérios de classificação da
população em estratos socioeconômicos permitirão fazer a passagem da classe média como um
segmento para a classe média como representativa da população brasileira. É ela, em última
instância, que deverá estar na origem de futuras políticas públicas, ao mesmo tempo em que
deverá tornar governável o país. Mais que a consolidação de um projeto político, tem-se,
igualmente, uma mudança significativa em termos de um projeto de nação — o que envolve,
efetivamente, a caracterização de seu povo como uma espécie de patrimônio sociocultural.
Subitamente, responder à pergunta sobre o que é o Brasil contemporâneo passa, como
referência retórica obrigatória, pela caracterização de sua classe média.
Tendo por pano de fundo esse cenário ainda em constituição, pode-se observar que nos
últimos anos a expressão “nova classe média” se tornou mote para discursos muitas vezes
conflitantes sobre a realidade nacional. Onde quer que performances de estratificação e
mobilidade social estejam em jogo, parece haver certo encantamento no modo reiterado como
diferentes instâncias discursivas apelam para a ideia de “classe” como fundamento explicativo.
Um rápido exame das justificativas produzidas na esfera pública brasileira sobre eventos
cotidianos demonstraria que este foi o caso em pelo menos dois acontecimentos. De um lado,
2 De acordo com o site oficial [disponível em http://www.sae.gov.br/vozesdaclassemedia/?page_id=156], o
Projeto Vozes da Nova Classe Média pretende "contribuir para a definição do perfil atual desse estrato social. O
que se pretende é identificar as múltiplas faces da classe média: de onde vem, onde mais cresceu, como se
comporta, como utiliza os serviços públicos, o que pensa e quer, quais as suas necessidades, receios, valores e
como avalia os serviços públicos".
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uma matéria publicada alguns dias após os protestos de junho de 2013 3 pela agência
internacional Reuters, sob o título sugestivo de “Por que a nova classe média está
protestando?”4, condensa a maior parte das associações realizadas entre as demonstrações e a
emergência de uma nova classe média consciente de seus direitos e deveres.
A conclusão do artigo é de que, não obstante a ascensão recente de milhões de
brasileiros à classe média, não haveria muito o que comemorar: “como trabalhador da área de
saúde pública em um imenso subúrbio no Rio de Janeiro, Tamandaré é o tipo de cidadão que o
governo do Brasil pensa estar realizado. Em vez disso, ele é um dos mais de um milhão de
pessoas no maior país da América Latina que foi às ruas em uma onda de protestos em massa”.
Perpassando toda a análise, não está apenas a pressuposição da incontestabilidade dessa “saída
da pobreza”, senão que ela tenha evocado, como que de supetão, tal reconfiguração de pobres
irrelevantes a cidadãos de bem – não apenas conscientes de suas obrigações como capazes de
encontrar os caminhos tidos como adequados para expressar suas insatisfações nos espaços
públicos. Em poucas palavras, sua narrativa vai ao encontro de dois paradigmas presentes nas
análises correntes sobre o assunto (cf. Kopper, 2014): de um lado, a ideia de que o acesso ao
consumo não é suficiente para caracterizar estratos sociais como médios, e de outro o
pressuposto de que uma classe média deve compartilhar atributos simbólicos e bandeiras
políticas tidos como característicos em diferentes sociedades, tais como, apenas para citar
questões levantadas pelo autor, críticas contra a má qualidade de escolas, hospitais e transporte
público, contra o aumento dos preços, o crime e a corrupção; e, finalmente, contra o marasmo
da classe política.
No segundo caso empírico referido, mais recente, diferentes autores e figuras públicas
sugerem haver uma articulação entre o fenômeno dos assim chamados “rolezinhos” 5 e a
democratização no acesso à tecnologia e ao universo do consumo que os teria propiciado. Como
consequência, são rápidos em apontar, tratar-se-iam de jovens da nova classe média a frequentar
3 Os protestos no Brasil em 2013, também conhecidos como Jornadas de Junho, surgiram por todo o país
inicialmente para contestar os aumentos nas tarifas de transporte público, em grandes capitais como Manaus,
Vitória, Fortaleza, Natal, Salvador, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. Rapidamente
ganharam grande apoio popular após a forte repressão policial contra as passeatas. Atos semelhantes proliferaram
em diversas cidades do Brasil e do exterior em apoio aos protestos, passando a abranger uma grande variedade de
temas, como os gastos públicos em grandes eventos esportivos internacionais, a má qualidade dos serviços
públicos e a indignação com a corrupção política em geral. 4 Disponível em: http://br.reuters.com/article/topNews/idBRSPE96200S20130703. Acessado em 18.02.2014. 5 A palavra “rolê” é uma gíria associada a dar uma volta e se divertir. Os primeiros rolezinhos aconteceram em
dezembro de 2013, organizados por cantores de funk, em resposta à aprovação de um projeto de lei que proibia
bailes nas ruas de São Paulo (proposta que depois foi vetada pelo prefeito Fernando Haddad). Depois, MC’s
passaram a promover encontros ao vivo com suas fãs, seguidos por pequenas “webcelebridades”, pessoas com
milhares de seguidores nas redes sociais, que levaram seus fãs do Facebook aos shoppings. O objetivo era conhecer
gente nova, ser visto, paquerar, se divertir e escutar funk ostentação, gênero musical que mistura batidas de funk
a letras sobre consumo e marcas de luxo.
4
espaços até então tidos como “elitizados”, o que daria margem a uma série de reações morais
conservadoras. De modo geral, os debates que se seguiram aos “rolezinhos” oscilaram entre
dois pólos em tensão: de um lado, havia quem percebesse na ocupação de shoppings centers –
não raro vistos, nessa perspectiva, de “templos de consumo” – o sinal de uma resistência política
à exclusão crônica que assolaria essas populações, tradicionalmente à margem do consumo (e,
por extensão, supõe-se, da cidadania). De outro lado, havia quem apontasse tão somente para o
processo de reificação de marcas e objetos subjacente ao ato de consumo. Não deixa de ser
interessante que, se no primeiro caso é a suposta “nova classe média” o termo utilizado para
referir-se aos “rolezeiros”, no segundo são aglutinados, em geral, sob a alcunha de “pobres”.
Essas distinções não são fortuitas, e nos conduzem às apropriações políticas dos jogos
taxonômicos na origem pelas disputas de entendimento desses fenômenos – como de fato
pretendo sugerir ao longo deste texto. Por hora, cabe assinalar, apenas, que: a) o jargão “nova
classe média” predispõe seu empregador a uma positivação do consumo e da cidadania, na
medida em que converte os participantes desses eventos em sujeitos cujas vidas, desejos e
reivindicações merecem ser melhor entendidas; b) tais alterações emergem em contextos de
dramatização da retórica da “desigualdade brasileira”, e o jargão “nova classe média”, na busca
por definir participantes de protestos ou “rolezinhos”, parece sugerir mudanças estruturais na
pirâmide social – essa “coisa antiga, sólida, estruturada (…), o que tínhamos de mais nosso”6.
Em ambos os casos, o que parece estar em jogo são eventos cujas próprias fronteiras de
entendimento ainda não estão sedimentadas – vale dizer, que estão sujeitas a contestações
abertas e jogos taxonômicos em torno de seu legado. Não deixa de ser curioso que uma noção
igualmente afeita a disputas semânticas – como a de “nova classe média” – seja empregada
como condensadora e articuladora de tais fenômenos, numa espiral profusa de experimentações
associativas. Com efeito, se prosseguíssemos, para efeitos argumentativos, numa busca pela
concretude incontestável do que esteja na sua origem, pouco encontraríamos. Talvez mais que
certezas, depararíamo-nos com diferentes instâncias de mediação produzindo narrativas
inteligíveis para definir novos problemas a partir de velhas ferramentas. Antes de perguntarmo-
nos acerca dos efeitos de mobilização política que tais eventos possam implicar, valeria a pena
uma reflexão anterior sobre o que suscita essa crise nos sentimentos de pertencimento a certas
coletividades – sejam elas políticas, sociais ou econômicas. Antes do esfacelamento de partidos
políticos, movimentos sociais e classes econômicas, encontramos novas modalidades de
6 Termos extraídos de crônica de Luís Fernando Veríssimo, disponível em
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,buuu,711779,0.htm.
5
sociabilidade forjadas a partir da apropriação de dispositivos tecnológicos – seja a própria
internet, ou os objetos que a formatam – e de novas dinâmicas de mobilidade social ascendente7.
Sem descurar da importância da primeira, este artigo toma como ponto de partida a
recente mobilidade social brasileira para indagar-se pelo significado desses processos de
justificação: do que estamos tratando, quando invocamos classe social como um operador de
sentido privilegiado? Que imagens de classe estão em jogo? Quem fala e quem silencia na
narração desses dispositivos? A que efeitos políticos e econômicos seu emprego conduz?
Não se pode negar que uma genealogia do termo “nova classe média” apontaria para a
emergência de novas agendas de pesquisa e de intervenção, que ademais respondem a
demandas políticas, econômicas e morais específicas. Este artigo toma como ponto de partida
teórico a pesquisa de doutorado, em andamento, e como referência empírica os eventos
brevemente aduzidos acima, para sugerir mediações e passagens possíveis entre o mercado de
ideias que cerceia a nova classe média. A proposta está em observar os desdobramentos das
tentativas e critérios de classificação, atentando para os oradores e silenciadores dessa
gramática intelectual. Para tanto, divide-se em três partes: num primeiro momento concentra-
se na agência dos institutos de propaganda e marketing que se debruçam sobre a nova classe
média; em seguida, sobre o campo intelectual e no modo como as disputas no mercado ganham
vida a partir de construções semânticas elaboradas por acadêmicos; finalmente, sinaliza
algumas razões possíveis para o silenciamento da antropologia nesse debate.
1. Renato Meirelles e o Instituto Data Popular
Em uma de suas várias entrevistas recentes, Renato Meirelles foi apresentado da
seguinte maneira: “O Sr. é especialista na nova classe média. Quem levar essa fatia do
eleitorado tem muitas chances de ganhar esta eleição. Quais são as demandas da nova classe
média na próxima eleição presidencial? Que que é prioridade pra esse público?”. Diretor
fundador do Instituto Data Popular, Meirelles consolidou-se rapidamente como referência
consultiva quando o que está em jogo é traçar tendências, explicar comportamentos e
prognosticar reações da chamada “Classe C”8. Seu nome transformou-se numa espécie de selo
certificador dos saberes produzidos em torno da nova classe média – a tal ponto que sua rotina
atual concentra-se mais na concessão de entrevistas e palestras que propriamente na
administração da empresa que detém – e certamente não é de menor importância para isso o
7 Não sugiro, aqui, que estas sejam as duas explicações principais na origem desses eventos; certamente, há outras
instâncias disruptivas, como a própria realização de megaeventos e a proximidade com o ciclo da política
convencional. Porém, ambos poderiam ser tomados como eventos catalizadores, e menos como dinâmicas que,
pela sua formatação empírica, dão origem a novas formas de apropriação e arranjo de relações sociais. 8 Trecho extraído de entrevista acessível em http://jornalggn.com.br/noticia/rolezinho-nao-e-um-movimento-
politico-diz-renato-meirelles.
6
fato de haver convertido, no início da década de 2000, o que até então era apenas uma agência
de marketing num instituto de pesquisa.
A gente não tem pretensão de dizer para onde o Brasil vai ou apontar critérios. O que
a gente tenta fazer é montar uma equipe que junte os diversos olhares num primeiro
momento. Por isso que lá no Data Popular a gente tem antropólogos, sociólogos,
temos economistas na nossa equipe fixa, e todo mundo fica se matando, debatendo a
análise das pesquisas. Que não são apenas pesquisas quantitativas, gosto ou nao gosto,
pesquisa de opinião. Muitas vezes nós vamos olhar os grandes dados do IBGE, a
leitura necessária para essas dúvidas, mas muitas vezes nós moramos nas casas dessas
pessoas. A gente passa um tempo convivendo, conversando com essas pessoas,
porque elas tem que ser as próprias intérpretes disso.
Os institutos privados de pesquisa foram os primeiros a sugerirem e apostarem numa
possível associação entre mobilidade social, redução da desigualdade e ascensão de uma nova
classe média. Dentre aqueles especializados em consultoria sobre esse novo público
consumidor, o mais evidente é o Data Popular, sediado em São Paulo. Conforme relatos que
ouvi em conversas com profissionais e coordenadores de pesquisa, a conversão da empresa de
marketing à condição de instituto de pesquisa ocorreu num período em que poucos teciam
suspeitas sobre a emergência de um novo estrato da população, capaz de consumir. Nas palavras
de um dos analistas,
O Data Popular surgiu em 2001, e foi o primeiro instituto de pesquisa de mercado a
se especializar no consumo de baixa renda. Isso é curioso, porque em 2001 esse debate
ainda não tinha deslanchado. O Lula ainda não tinha ganhado a primeira eleição. De
2004 pra cá, esse debate muda de patamar, aqui no Brasil, quando a gente começa a
ver de fato mudanças ali nos indicadores de pobreza, de desigualdade, e uma série de
outros indicadores. Então de lá pra cá, o Data Popular, enquanto empresa, também
ganhou muito mais visibilidade. Um pouco depois, em 2007, 2008, isso vira um tema
público e depois, principalmente ali em 2009, 2010, tem um boom de notícias sobre
isso, né. E pras empresas também vem nessa mesma onda. O Data Popular, enquanto
provedor de serviços, passa a ter uma demanda muito maior do que tinha. Inclusive
passa a ter fora do Brasil. Tem empresa multinacional que vem pra cá, ‘estou ouvindo
dizer que tem essa nova classe média, que ascendeu no Brasil, e que ta todo mundo
vendendo muito pra ela’. De fora também vindo pra cá. (...) Então se por um lado a
gente tinha, tem ainda, como meta prioritária do governo atual, a redução da pobreza,
passa a ganhar espaço, principalmente na secretaria de assuntos estratégicos, a
manutenção dessas pessoas que ascenderam pruma dita classe média, nesse novo
estrato.
Apesar de a pobreza ter emergido apenas recentemente como um problema de governo
(Sprandel, 2001), o relato aponta para algumas problemáticas centrais no entendimento de uma
frente discursiva em torno da “nova classe média”. De um lado, era essencial que, para investir
seus números de maior eficácia mercadológica, mas também para torná-los eficientes do ponto
de vista de sua potencial utilização como instrumento de elaboração de políticas públicas, era
preciso “cientificizar” sua abordagem, através da criação de um novo braço de mercado, o
instituto de pesquisa. Mais do que alterações práticas, o que estava em jogo era a incorporação
de um conjunto de experts e profissionais capazes de imprimir a credibilidade necessária para
um público doravante mais amplo. Este incluía, segundo site da empresa, os tradicionais
clientes varejistas – alguns dos quais, como o Grupo Sílvio Santos, Grupo Pão de Açúcar, o
7
Ministério do Turismo, Casas Bahia, Editora Abril e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) –
mas passaram a incluir, igualmente, instituições que trabalham com a veiculação de dados e
números, como editoras de revistas, jornais, emissoras de televisão, e o próprio governo federal.
Em julho de 2012 tive a oportunidade de conhecer pela primeira vez o Data Popular, em
sua sede na cidade de São Paulo, próximo à Avenida Paulista. O Instituto ocupa todo o terceiro
pavimento de um prédio comercial no coração corporativo da cidade. Em meio à alta demanda
pela finalização e entrega de relatórios, fui recebido em um dos espaços destinados à realização
de grupos focais e reuniões de apresentação para clientes. O ambiente era sóbrio sem ser
austero: uma generosa televisão de mais de 50 polegadas preenchia um dos lados, com home
theaters acoplados e moveis sob medida – para a apresentação performática dos relatórios. Do
outro lado, um grande painel chama a atenção, em que se lê uma definição completa, extraída
de algum dicionário, sobre o significado do verbete “popular” – em letras típicas de dicionário;
ao fundo, ainda, um grande painel espelhado e, em frente a ele, um cavalete que hospedava um
calhamaço de folhas brancas, do tamanho de uma cartolina, usadas para apresentar produtos a
clientes.
Fui recebido, nas ocasiões em que lá estive, por diferentes profissionais encarregados
da coordenação das pesquisas qualitativas e quantitativas. Trata-se de jovens habilidosos em
converter resultados e instrumentos de pesquisa em materiais apropriáveis pelo mercado. São
em sua maioria oriundos das Ciências Sociais, embora especializados em distintas áreas do
conhecimento – fato que permite ao instituto exercer o argumento de sua multidisciplinaridade.
Ao longo dessas entrevistas foram-me apresentadas algumas das técnicas de investigação,
apropriadas das Ciências Sociais, e empregadas no cotidiano da pesquisa de mercado. Antes,
porém, era preciso resolver um problema metodológico na passagem da academia ao mercado,
que poderia parecer inconveniente para cientistas sociais colocados em diálogo desde
perspectivas distintas do exercício da ciência: como é possível falar em nome de uma classe
média brasileira? Que artifício de autoridade científica permite, afinal de contas, essa “licença
poética”? Um dos entrevistados9 relatou:
Eu chamaria de ex-pobres. Talvez isso eles tenham em comum. Mas é claro, em
termos metodológicos são pessoas muito diferentes. Mas isso traz algumas
implicações comportamentais. Digamos, uma família que viveu muito tempo num
ambiente de restrição muito acentuado de renda e, sei lá, em cinco anos passa a ter
uma renda 40% maior, é claro que ela não virou rica. Mas é claro que isso passa a ter
consequências. Ela passa a poder fazer coisas que ela não fazia antes. Então em termos
de capital econômico, isso traz mudanças importantes. E por isso que de fato é eficaz
né, esse tipo de foco que as empresas dão pra essa população em termos de mercado.
De fato, esses caras passaram a representar uma fatia maior do mercado do que elas
ocupavam antes. E você entender se ele gosta de um café mais forte ou mais fraco
agora faz mais sentido do que há 10 anos atrás, quando o mercado de café era mais
9 Por solicitação expressa dos próprios entrevistados, seus nomes serão preservados no anonimato.
8
elitista. Claro, em termos de capital cultural isso evolui da mesma forma? Não. Isso
vai de uma forma muito mais lenta. Esse tipo de transformação tem a ver com
escolaridade, com ambiente familiar, com hábitos culturais. Isso você não muda em
cinco anos como você muda a renda de uma família. Mas em termos de mercado, isso
teve sim um efeito que se reflete, por exemplo, no aumento da demanda que o Data
Popular enquanto instituto teve.
Nem todos os setores empresariais e varejistas tiveram, como parte de suas estratégias
de inserção de mercado, a mesma sensibilidade de atentar para esse novo segmento da
população. As empresas de bens de consumo de massa foram as primeiras a aderir ao discurso
da “nova classe média”, contratando os serviços do instituto para propulsionar seu escopo de
vendas. Empresas que comercializam itens como iogurtes, arroz ou café sentiram seus efeitos
de modo imediato. Nas palavras de um dos especialistas do instituto: “São produtos que todo
mundo consome, e qualquer variação na renda faz ali que o cara mude de marca, que o cara
compre mais ou menos”. Na mesma sequência vieram os bens de consumo duráveis, como
eletroeletrônicos e eletrodomésticos. Segundo o mesmo interlocutor,
As grandes empresas de varejo tiveram um reflexo muito rápido. Supermercados,
todas essas do varejo, foram as primeiras a demandar esse tipo de conhecimento,
porque elas foram as primeiras a achar que isso era um fenômeno importante que
impactava o negócio delas. Eletroeletrônicos, por exemplo, tinha uma demanda
reprimida imensa pra esse tipo de produto, né. Tinha milhões e milhões de domicílios
que não tinham máquina de lavar. E começa a ter aí 200 reais a mais por mês, a
primeira coisa que uma dona de casa quer é pegar uma prestação e comprar uma
máquina de lavar.
Uma segunda onda de setores a se interessarem pelo uso de pesquisas científicas
baseadas numa pretensa "nova classe média" incluiria, por exemplo, companhias aéreas e
indústrias de produção de veículos automotores:
As companhias aéreas passam a vender passagem em redes de varejo, umas com a
entrada de tapete vermelho; outras com um posicionamento mais popular, abrindo
algumas lojas em áreas populares, em lojas de rua, né. Passa a focar, por exemplo, em
migrantes que queiram visitar a família no nordeste, que passam quatro dias num
ônibus, pagam uma grana, pagam 250 reais numa passagem, sem contar que tem que
tomar banho no caminho, tem que comer no caminho, então passa a ver isso como um
público potencial também, né, paga um pouquinho a mais mas vai em quatro horas,
não em quatro dias.
Duas restrições principais são apontadas quando se trata de explicar tal diferença de
“timming”: de um lado, poder-se-ia tratar de segmentos de mercado diferentes — isto é, o
sujeito que adquire seus primeiros bens de consumo duráveis não é, potencialmente, o mesmo
que está preocupado com veículos de transporte pessoal ou aéreo. Por outro lado, essa distensão
temporal pode ainda ser justificada pelos receios e preconceitos de algumas empresas que
resistiam a abrir-se à nova classe média, sob o argumento de que os clientes mais rentáveis
eram os de renda média e alta. O setor financeiro, e a consequente abertura e ampliação da
oferta de crédito, seriam os maiores exemplos desses realinhamentos e reposicionamentos de
mercado.
A gente tem até trabalhos de levar algumas pessoas que trabalham em empresas pra
visitar uma casa de baixa renda. Pra que o cara veja melhor, consiga olhar, sair um
9
pouco do ambiente, do escritório dele, e vá ver na prática, dar um choque de realidade
rápido pro cara se abrir à diferença que esse novo tipo de pessoa representa ao
interesse de mercado.
Os slides de apresentação do instituto, disponíveis na página
http://www.datapopular.com.br/home_empresa_pt.htm, reiteram essa perspectiva, ao sugerir
que há, entre o mundo corporativo e o universo do consumidor popular, uma “dissonância
cognitiva” [sic]. A desconsideração das diferenças culturais, educacionais, econômicas e
linguísticas estaria na origem dos fracassos das estratégias de marketing voltadas para
“conquistar” a “nova classe média”. Em outros slides, Renato Meirelles sugere um choque de
realidade aos empresários ainda excessivamente direcionados pela “lógica corporativa”: “passe
um dia trabalhando como corretor e você descobrirá que o que vale é explicar, não vender.
Aproveite para ver de perto as dificuldades do dia-a-dia dos corretores e saber o que o cliente
realmente precisa”; “vá ao Feirão da Caixa e fique na fila, esperando para ser atendido, como a
maioria da população brasileira. Troque uma ideia com as pessoas ao seu lado e você aprenderá
muito sobre o que a nova classe média está procurando”; “caminhe por um bairro tradicional
da baixa renda, como Ermelino Matarazzo ou mesmo no stand da Olá (Klabin Segal) em
Guarulhos, para desvendar o que é o sonho da casa própria. Enxergue além do óbvio!”; “Bem-
vindo ao Brasil de verdade”. De fato, a primeira página de apresentação, tanto do site quanto
dos slides, procura “fazer imergir” o leitor ou potencial cliente nessa “nova realidade”:
Bem-vindo ao mundo do carnê, do consórcio, do SPC.
Bem-vindo ao mundo do metrô, do buzão, da lotação, da CBTU, do seminovo zerado.
Bem-vindo ao mundo do vale-refeição, do PF e da marmita.
Bem-vindo ao mundo do supletivo, da escola de cabeleireiro e do curso de
computação.
Bem-vindo ao mundo do celular pré-pago, da megasena.
Bem-vindo ao mundo do trabalho informal, da pensão do INSS, do despertador pras
5, da mobilidade social.
Bem-vindo ao mundo do Ratinho, Raul Gil, Bruno & Marrone, Banda Calypso,
Calcinha Preta, MC Leozinho e da Rádio Tupi.
Bem-vindo ao mundo do supermercado com a família, da cervejinha gelada, da
macarronada com frango, do financiamento da Caixa.
Bem-vindo ao mundo surpreendente da economia da base da pirâmide.
De um ponto de vista organizativo, o instituto divide-se em dois departamentos, de
acordo como tipo de investigação realizada. Por um lado, os estudos quantitativos se realizam
a partir de dados secundários, como análise de informações do IBGE, do censo demográfico ou
ainda de amostragens do PNAD. De acordo com as demandas de cada cliente, o Data Popular
pode organizar pesquisas primárias, através da realização de surveys com dezenas, centenas ou
até milhares de entrevistados.
O departamento de pesquisa quantitativa trabalha de modo mais ou menos independente
em relação ao de pesquisas qualitativas – este último sendo conduzido por outra cientista social
com doutorado em antropologia. Nesses casos, o custo de uma pesquisa varia substantivamente,
de acordo com a amplitude, o escopo, e as necessidades do cliente; o leque de produtos
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ofertados inclui desde realização de grupos focais para teste de determinadas logomarcas,
produtos, comerciais, propagandas ou estratégias de marketing, até a realização de entrevistas
em profundidade com potenciais consumidores – para o que certos tipos de perfis são
selecionados aleatoriamente, de acordo com a região de vendas a ser atingida pelo cliente:
É pesquisa de sabão em pó? O cara ta querendo vender mais pro interior do nordeste?
A gente vai, pega um antropólogo que vai na casa de quatro ou cinco mulheres que
vivem no interior do nordeste, e vê como é que elas lavam roupa, se lavam roupa com
sabão em pó, ou sabão em pedra, o que ela acha que é bom de cada um, por que ela
faz aquilo... Podem inclusive levar junto o cliente. Se o cliente não tem
disponibilidade, a gente vai, depois a gente faz um relatório, e entrega isso como
resultado do trabalho. Como ela se relaciona com a roupa, como ela se relaciona com
o produto que é usado lá na limpeza da roupa.
Algumas empresas, mais estruturadas, com departamento de pesquisa próprio,
costumam solicitar demandas bastante específicas, que podem variar desde a simples aplicação
de grupos focais para testes de marcas ou produtos, até a execução de pesquisas já previamente
montadas. Pesquisas menos direcionadas geralmente implicam o acionamento do departamento
de pesquisas qualitativas:
Entre a seleção e de fato o antropólogo ir na casa, tem uma atividade que a gente
chama de recrutamento, que é uma pessoa responsável por encontrar essa casa. Então
essa pessoa diz: ‘eu preciso de quatro casos no interior, mulheres com esse perfil, essa
idade’. Aí essas mulheres que prestam esses serviços vão lá, veem bem a casa, veem
se ela tem condições de receber uma pessoa, se ela quer, né… Então é dado assim um
dinheiro pra pessoa receber, né, se por exemplo ela trabalha, ela tem que ficar em casa,
então você dá um determinado valor pra que ela aceite receber uma pessoa, fazer um
almoço pra uma pessoa, então isso é selecionado, e aí o pesquisador vai pra essa casa,
às vezes acompanhado do cliente, e passa lá o dia inteiro com um roteiro de perguntas,
né, fazendo as suas pesquisas. (...) Geralmente isso dura um dia, mas também varia
muito em função dos interesses do cliente. Já teve casos em que o pesquisador ficou
lá uma semana para dormir na casa da pessoa. Isso já aconteceu. O objetivo era mais
exploratório, então… Não se trata de entender o sabão em pó. É uma pesquisa
institucional pra uma determinada organização, e o objetivo é entender a realidade…
Todos estes “esforços” de “compreensão” da alteridade são mensurados, do ponto de
vista de seu produto final, em termos dos custos unitários de logística e realização. Nesse
sentido, uma pesquisa qualitativa, apesar de lidar com universos de pesquisa significativamente
menores que aqueles das abordagens quantitativas, desponta como o produto mais inflacionado
do instituto:
O custo unitário de uma pesquisa, de um entrevistado numa pesquisa qualitativa, é
infinitamente maior do que uma qualitativa. Por outro lado, uma pesquisa qualitativa
com oito, dez pessoas, você já consegue ter várias hipóteses, já consegue ter uma série
de insights bacanas sobre o seu tema de interesse. Então vá lá, dez casos, você passa
o dia inteiro ali vendo como elas trabalham com… lavando a roupa, você já tem uma
ideia. Numa pesquisa quantitativa isso é inviável. Você precisa de uma amostra que
te permita fazer inferências estatísticas. Senão você não consegue trabalhar. Você vai
precisar de pelo menos 120, 300, 500, dependendo da margem de erro que você vai
considerar aceitável. (...) Por outro lado, a pesquisa qualitativa tem as suas
peculiaridades, você sabe que não é trivial você ir conversar com uma pessoa com um
perfil completamente diferente, não é qualquer um… Têm técnicas pra conseguir
acessar o que ela quer dizer, então é superimportante mesmo.
Uma das questões mais curiosas, a partir desse duplo ponto de encontro antropológico,
11
consiste em perguntar-se a respeito do caráter dessa diferença constantemente enunciada como
o marcador da alteridade, da fronteira entre o horizonte do pesquisador - ele próprio, muito
provavelmente, um sujeito de classe média mais ou menos afetado pela mobilidade social - e
dos grupos pesquisados. Neste ponto, a ideia de que algo como uma “dissonância cognitiva”
entre nós e eles pontue dissemelhanças irreversíveis é sugestiva de certos modelos de autoridade
“etnográfica” — daquilo que opera, no ato de realização da pesquisa, como ratificador da
legitimidade científica que o uso de metodologias qualitativas em pesquisas de mercado
permite. Mas igualmente relevante significa indagar-se sobre os diferentes públicos dessas
técnicas de escrita e produção do outro: quais Outros lerão ou apropriar-se-ão dessa alteridade
produzida pela expertise desses pesquisadores? Mais importante, que modelos de diferença
estão esses receptores aptos a enxergar como legítimos de sua própria condição de alteridade
(Strathern, 1987)?
Se consideramos que entre o pesquisador e seus leitores (na verdade, os consumidores
de suas idéias, isto é, os clientes do instituto) há uma extensividade de contexto — no sentido
de que a mesma imagem da “cultura popular” que me foi desenhada pelos profissionais do
instituto é, provavelmente, idêntica à que qualquer empresário esteja esperando ler em seus
relatórios de pesquisa (da mesma forma como havia uma ponte contextual entre Frazer e seus
leitores) – então a persuasividade ficcional da diferença, elaborada nos relatórios de pesquisa
entregues diante de clientes ávidos por decifrar algo que está distante, mas que nem por isso
pode permanecer indecifrável, deve ser encontrada num equilíbrio entre proximidade e
distanciamento ideais. A nova classe média, alvo constante desse escrutínio, não poderá ser
excessivamente próxima ao universo pesquisador/cliente – sob pena de este último considerar
dispensáveis os serviços de “descoberta do outro” prestados pelos expertos autorizados para
tanto pela ciência à serviço do mercado – mas também não deverá ser totalmente impenetrável,
vale dizer, selvagem, a tal ponto de tornar o serviço do primeiro, o pesquisador, sem sentido,
ou seja, o efeito de uma busca epistemológica (e não mercadológica) desse Outro. Pergunta-se,
então: que circunstâncias levaram à configuração de uma retórica da nova classe média, e como
esta se tornou um problema de gestão de marketing, para o qual uma série de grupos de varejo
estão dispostos a investir?
É Meirelles quem responde a isso, em um slide de sua apresentação dedicado
exclusivamente ao problema: “Precisamos repetir o óbvio: o consumo popular tem uma
participação importante na economia”. Vale dizer, o sujeito (da nova classe média) só existe ou
aparece como cidadão – livre para escolher – na medida em que se torna um consumidor cujas
práticas ou lógicas podem ser escrutinadas pelo saber econômico que cria esse próprio sujeito.
Ou seja, é porque a “economia” pode “crescer” que é preciso valorizar a particularidade e a
12
liberdade desse sujeito, suas aspirações, desejos e expectativas; mas isto é também, novamente,
apenas verdade na medida em que este sujeito consuma – e é mais bem no ato de consumir que
sua liberdade, controlada pelo “mercado” e pelo “governo”, se materializa.
Refiro-me ao mercado enquanto instância reguladora de suas práticas, na medida em
que tal saber é produzido com base em um complexo e articulado regime de verdade que, como
vimos, está ancorado no refinamento dos métodos de apreensão e classificação da realidade
acerca de uma determinada população. Isso passa, como mostrei, pela pesquisa quantitativa e
qualitativa. Ademais, seu resultado, nos próprios materiais produzidos, está em propor uma
certa visão “multicultural” das classes sociais e dos grupos de interesse. Multicultural na
medida em que pretende valorizar certas especificidades, tidas como culturais ou determinantes
de um “povo”:
como trabalhamos: respeitando o conhecimento adquirido pelo cliente; contribuindo
para refinar as perguntas do cliente e entender o papel do estudo na tomada da decisão;
ajustando as metodologias ao problema, e não o problema às metodologias;
oferecendo um olhar multidisciplinar que permite uma análise diferenciada do
problema”.
Mas é, igualmente, multicultural, no sentido de que a valorização destas particularidades
implica a produção de essencialismos, “dissidências cognitivas” e fechamentos culturais.
Uma das premissas do mercado é a de que quem subestima a inteligência do
consumidor sai perdendo. As agências de publicidade que ainda acreditam que a
classe C deseja ser como as classes A e B se encaixam nesse equívoco. As referências
são completamente distintas, principalmente os padrões de beleza. Um exemplo é a
estética feminina. Nas classes altas, a magreza é vista como padrão ideal, já na classe
C as formas curvilíneas prevalecem. Cores fortes também são as preferidas da Nova
Classe Média, pois remetem a valores de brasilidade.
Em última instância, é isso que permite responder à pergunta sobre “como atingir esse
segmento?”. Ao propor que há certos valores como definidores de uma determinada
comunidade (Rose, 2007), o social torna-se comunitário, fragmentado pelas estratégias de
governamentalidade), a agência desses pesquisadores logra converter o “qualitativo” em
“quantitativo”, isto é, tornando-o apto a ser mensurável economicamente, fazendo sua
população-alvo emergir enquanto um número, ao mesmo tempo em que sugere valorizar suas
“especificidades” culturais. É nesse sentido que seu discurso é efetivo, persuasivo, e está
alinhavado à grande mídia – voraz por esse tipo de conhecimento numérico-centrado – e ao
governo, para quem o desafio está em atingir esses “segmentos”, transformando-os, na medida
em que se os produz como escopo de nação. Em outras palavras, como essa retórica da nova
classe média se converte num problema de gestão e de governo da nação?
Aqui, governar o social, a nação, implica converter uma determinada população (a
classe C) em escopo da nação, vale dizer, “num país de classe média”, para usar as palavras de
nossa atual Presidente da República. Ao mesmo tempo, isso implica tomar como “método” de
governo a retórica da “inclusão social” e do “estado multicultural” – ou ainda a ideologia do
13
Estado neoliberal que, para Rose (2011), está, justamente, em propor uma racionalidade formal
baseada no exercício controlado da liberdade. Assim, o problema do governo de si emerge
como questão na medida em que esse novo sujeito de classe média desponta enquanto número
para os saberes econômicos e mercadológicos, encarregados de produzir uma determinada
versão do que seja essa nova brasilidade. Ao mesmo tempo, sugere novos critérios pelos quais
a vida nua (para usar um termo de Agamben, 2007) se converte em “viver bem”, ou “viver de
acordo com” – o que emerge, de fato, da ideologia da inclusão social, que transforma essas
populações, na medida em que se tornam consumidoras, em alvos de governo, cidadãos
integrados à nação, à economia e à (bio)política.
2. Os intelectuais e a nova classe média
Para além dos conflitos travados entre economistas acerca das leituras possíveis dos
recentes processos de mobilidade social nos termos de uma “nova classe média”, estou
interessado, aqui, particularmente, na atuação do sociólogo Jessé Souza enquanto articulador
de uma crítica ao tema. A escolha não é arbitrária, na medida em que ele conduziu diversas
experiências de pesquisa que dialogam com o conceito, e ademais tem desenvolvido acirradas
defesas acerca da retomada do conceito de “classe social” nos debates contemporâneos sobre o
entendimento do Brasil.
Para compreender o engajamento do sociólogo no debate sobre a nova classe média, é
preciso recuperar rapidamente dois economistas contra os quais se posiciona. Marcelo Neri e
Marcio Pochmann, são, muito provavelmente, os principais mentores e protagonistas
intelectuais desse debate. O estudo pioneiro de Neri (2008), talvez o maior responsável pela
cunhagem do termo “nova classe média” no Brasil, que se ampara no chamado “Critério
Brasil”10 para delimitar a sociedade brasileira, a secciona em quatro esferas de renda: classes
AB, C, D e E. Situando a faixa C entre os “remediados” e a “elite”, e baseando-se numa série
de critérios econométricos, como a “linha de pobreza”, que gravitam em torno do acesso à
renda, sua pesquisa, levada à cabo no âmbito da FGV, vale-se da noção estatística da mediana
para definir a classe média como o estrato mais representativo situado ao meio da pirâmide
10 Uma corrente crescente de estudos sobre o tema – incluindo as argumentações dos institutos de pesquisa – tem
se concentrado em salientar a insuficiência dos critérios baseados unicamente no consumo como marcadores de
distinção de classe. Um deles, o chamado Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB), propõe um sistema
de classificação de preços ao público brasileiro que objetiva avaliar o poder de compra de grupos de consumidores
de acordo com a posse de determinados bens. Deixa de lado a pretensão de classificar a população em termos de
“classes sociais” e divide o mercado exclusivamente em classes econômicas. Outro critério, o da renda doméstica,
é apontado como igualmente impreciso, já que não faz distinção entre os diferentes modelos de família (nuclear,
individual, extensa, etc.). Institutos de pesquisa, como o próprio Data Popular, interessados no mapeamento da
nova classe, adotam o critério de renda per capita familiar (o mesmo aprovado recentemente pelo governo para a
formulação de políticas públicas para a nova classe média), embora sociólogos, mais afeitos à vertente weberiana,
constantemente questionem a legitimidade em fazê-lo exclusivamente pelo viés do consumo e da produção
econômicos.
14
social, entre ricos e pobres e, por isso mesmo, sendo ilustrativo da sociedade brasileira como
um todo11 (Neri, 2008, p. 14-15). O estudo coordenado pelo economista Marcio Pochmann
(2012) questiona a pertinência do conceito de “nova classe média” para dar conta desses
processos recentes de mobilidade social. Baseando sua análise na estrutura de ocupações da
população, o autor sugere, desde uma perspectiva marcada pelo marxismo, que poucas
mudanças em termos de estratificação social foram efetivamente observadas ao longo da última
década no país12.
Mesmo com o contido nível educacional e a limitada experiência profissional, as
novas ocupações de serviços, absorvedoras de enormes massas humanas resgatadas
da condição de pobreza, permitem inegável ascensão social, embora ainda distante de
qualquer configuração que não a de classe trabalhadora. Seja pelo nível de
rendimento, seja pelo tipo de ocupação, seja pelo perfil e atributos pessoais, o grosso
da população emergente não se encaixa em critérios sérios e objetivos que possam ser
claramente identificados como classe média. Associam-se, sim, às características
gerais das classes populares, que, por elevar o rendimento, ampliam imediatamente o
padrão de consumo. Não há, nesse sentido, qualquer novidade, pois se trata de um
fenômeno comum, uma vez que trabalhador não poupa, e sim gasta tudo que ganha
[sic] (Pochmann, 2012:10)
Antes mesmo da entrada de Pochmann nessas disputas, Jessé Souza já havia publicado
duas obras em que analisa a fundo o tema (2009; 2010). A primeira delas, chamada
“provocativamente” – como assinalam algumas resenhas menos críticas – de “A Ralé
Brasileira” (2009), busca traçar o panorama “etnográfico” de uma classe de “excluídos” ou
“desclassificados”, que representaria um terço da população do país. O argumento é
providencial para empreender uma crítica às teorias do “atraso” que, desde Sérgio Buarque de
Holanda (1995), seriam reproduzidas, embora com novas roupagens, como a “grande verdade”
a respeito da brasilidade ou, alternativamente, do “caráter brasileiro”. Embora o livro sugira
que essa classe “é moderna”, e não mera continuidade de um passado distante, o faz apenas
para ressituar o caráter dessa diferença (em relação aos dominantes) a partir de uma ontologia
do presente, isto é, buscando na constituição familiar, afetiva, emocional e moral o fundamento
para a construção das distinções de classe.
11 Como se vê, para os defensores de uma definição de “nova classe média” como recurso explicativo capaz de ser
acionado para o entendimento dos recentes processos de mobilidade social ascendente de um estrato social
específico, até então considerado “popular”, “operário”, “trabalhador” ou simplesmente “pobre”, as razões que o
justificam estariam na incontestabilidade das estatísticas e dos números brutos — o que nos conduz ao interessante
da persuasividade dos números públicos. 12 As disputas argumentativas e institucionais entre Marcelo Neri e Marcio Pochmann constituem um bom ponto
de partida para a análise dos jogos de poder subjacentes à temática da classe média. Entre 2007 e 2012, Pochmann,
formado em economia pela Unicamp, ocupou a presidência do IPEA, após exercer alguns cargos políticos pelo
PT, como a Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, durante o governo da prefeita
Marta Suplicy, em São Paulo. A saída de Pochmann da presidência coincidiu com a publicação de seu livro crítico
a respeito da classe média (2012), e ao anúncio de sua candidatura à prefeitura de Campinas, pelo PT, ao mesmo
tempo em que trouxe a nomeação de Marcelo Neri, formado em economia pela PUC-RJ, para o mesmo cargo.
Entre as habilidades que concorreram para sua escolha, estavam, de acordo com matérias jornalísticas, sua
expertise e “sensibilidade” analítica no que toca ao problema da classe média brasileira - tema que seria chave
para o governo federal a partir de então.
15
Em “Os Batalhadores Brasileiros” (2010), o mesmo autor dá sequência às reflexões, ao
sustentar que a propalada “nova classe média” brasileira é, na verdade, uma “nova classe
trabalhadora” – visto que lhe faltaria, do ponto de vista dos capitais que caracterizariam a classe
média enquanto estrato, os principal deles, qual seja, o acesso privilegiado ao capital cultural,
técnico ou intelectual, essencial para a sua reprodução e legitimação tanto no mercado quanto
no Estado.
A vida dos "batalhadores" é completamente outra. Ela é marcada pela ausência dos
privilégios de nascimento que caracterizam as classes médias e altas. E, quando se
fala de "privilégios de nascimento", não se está falando apenas do dinheiro transmitido
por herança de sangue nas classes altas. Esses privilégios envolvem também o recurso
mais valioso das classes médias, que é o tempo. Afinal, é necessário muito tempo livre
para incorporar qualquer forma de conhecimento técnico, científico ou filosófico-
literário valioso. Os batalhadores, em sua esmagadora maioria, precisam começar a
trabalhar cedo e estudam em escolas públicas muitas vezes de baixa qualidade. Como
lhes faltam tanto o capital cultural altamente valorizado das classes médias quanto o
capital econômico das classes altas, eles compensam essa falta com extraordinário
esforço pessoal, dupla jornada de trabalho e aceitação de todo tipo de superexploração
da mão de obra. Essa é uma condução de vida típica das classes trabalhadoras, daí
nossa hipótese de trabalho desenvolvida no livro que nega e critica o conceito de
"nova classe média".
Souza é, provavelmente, o autor brasileiro mais bem sucedido no processo de
importação das teorias de Pierre Bourdieu (ver, por exemplo, 1998; 2001; 2005; 2006; 2007a)13
para a compreensão da sociedade brasileira. Interessantemente, boa parte de seus investimentos
críticos se dirigem a contestar autores que, antes dele, fizeram o mesmo, como Roberto
DaMatta, Sergio Buarque de Holanda, e por aí afora. Nesse caso, a indisposição recai sobre a
literatura histórico-sociológica brasileira que dá grande ênfase à problemática do “atraso”
desenvolvimentista, tomando como parâmetros de comparação os paradigmas estruturais,
econômicos e sociais que se desenvolveram nos grandes centros14.
Mas é, sobretudo, em artigo recente apresentado e “defendido” no 37º Encontro Anual
da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), em
setembro de 2013, que tais altercações taxonômicas se cristalizam. O texto é nitidamente um
convite à disputa – é escrito em tom coloquial e propositadamente provocativo, alfinetando
sucessivas vezes seus interlocutores para suscitar réplicas e tréplicas. Tudo se passa,
efetivamente, como se estivéssemos assistindo a um esporte excitante (Elias e Dunning, 1992)
ou, para usarmos outra terminologia, a um esporte de combate (Carles, 2001) – e certamente
sua visão acerca do papel crítico da ciência não é menos trivial nesse processo:
Aqui eu não quero apenas “dizer” a crítica. Eu quero enfrentar o desafio de
13 A apropriação de Souza (2000; 2003) da obra de Bourdieu parece se realizar, sobretudo, a partir de sua análise
da distinção no contexto francês (2008) – embora possa remontar, eventualmente, a outros livros, como a
Dominação Masculina (2007b) ou os escritos sobre Argélia (2006). Parecem menos presentes, contudo, as
reflexões tardias de Bourdieu, em torno dos múltiplos campos ou dos atos desinteressados (1996). 14 Sobre as apropriações recentes dessa literatura ver, por exemplo, Botelho e Schwarcz, 2009; Ricupero, 2008;
Roiz, 2010; Souza e Lamonier, 2010
16
“comprová-la” com o meio típico do debate científico por excelência que é a
competição entre argumentos. Isso parece ser obvio, mas, infelizmente, nao é. Entre
nós confunde-se o tempo todo o poder interpretativo dos conceitos com as posições
políticas pessoais – ou, ainda pior, as posições partidárias – dos autores que as
enunciam com resultados previsivelmente lamentáveis. (...) Mas a confusão entre
pessoa e obra é fruto da pouca institucionalização da esfera científica e, portanto, da
fragilidade do mundo das ideias entre nós. Ainda hoje a imensa maioria dos nossos
intelectuais ainda pensa que quem tem uma boa ideia deve “realiza-la”, e torna-la
“prática” no Estado. Como se houvesse um abismo entre “ideia” e “prática”, quando
na verdade as ideias são “performativas”, ou seja, elas são em si “ação”, e “pensar” o
mundo de modo alternativo, ou contribuir no mundo das ideias para uma percepção
crítica deste mundo já é, em alguma medida variável, muda-lo. É por isso que o debate
de ideias científicas é primeira trincheira da luta política e da luta de classes (2013, p.
8).
Não deixa de ser curioso notar que, antes dessas palavras, contrariando sua própria
perspectiva acerca de como deva ser o “debate científico”, Jessé dedica um parágrafo ao que
parece ser um “acerto de contas” com Pochmann:
Ao ler o livro do Prof. Pochmann fui surpreendido com o fato de que este autor, tão
sério e competente, ter feito uma alusão ao meu livro “Os batalhadores brasileiros”,
como sendo um daqueles que teriam associado a assim chamada “classe C” ao
“conceito de classe média ascendente”. Em consideração a capacidade de
interpretação do Prof. Pochmann eu presumo que ele não leu o livro e sequer atentou
ao título, o qual já antecipa o debate precisamente contra essas mesmas interpretações
as quais ele me vincula, talvez, na ânsia de por todos os autores que escreveram sobre
o tema em uma mesma gaveta. Não existe uma só vírgula em todo o texto coletivo do
livro que possa ter levado Pochmann a essa conclusão. O contrário é o caso. (...) A
verdade é que antecipamos em 2010 a conclusão principal do trabalho do próprio Prof.
Pochmann dois anos mais tarde: ou seja, em suas próprias palavras, que a suposta
classe C na verdade “representa uma reconfiguração de parte significativa da classe
trabalhadora” (2013, p. 3).
O que Jessé deixa de perceber, com a mesma acuidade, entretanto, é que ele próprio é
peça-chave do jogo político-acadêmico subjacente às disputas taxonômicas em torno da nova
classe média. Sua crítica esboçada na primeira parte do artigo deixa isso claro: não se trata de
rechaçar de todo a abordagem economicista de Neri e Pochmann, apenas de situá-la numa
hierarquia moral dos saberes científicos, de acordo com a qual aos economistas caberia uma
primeira explicitação – um “campo a ser explorado” (p. 7) – e, aos sociólogos, desde longa data
imbuídos das ferramentas de problematização, as possíveis interpretações dos fenômenos de
classe.
Com efeito, a reivindicação de uma sociologia crítica, tal como proposta por Souza,
parece derivar de uma tentativa de monopolizar o debate desde a ótica da sociologia. Ou, para
dizê-lo de outro modo, há importantes consequências políticas quando o que está em jogo é a
possibilidade de reivindicação do monopólio do conceito de “classe”. A principal delas talvez
seja a própria ideia de que o conceito só se torna apreensível quando entendido a partir de um
rompimento epistemológico do pesquisador com a realidade – o que deslegitima quaisquer
outras tentativas de associação entre consumo e cidadania, como nas justificações produzidas
por intelectuais e agentes de mercado favoráveis à retórica da nova classe média. Mais
17
importante ainda, a única via de legitimação possível, dessa perspectiva, consiste numa
retomada sociológica do conceito de classe – e, mais bem, não qualquer conceito de classe,
senão aquele capaz de descobrir o “véu” que torna os sujeitos “cegos” para as posições
estruturais que ocupariam na estrutura social. Seu efeito consiste em politizar as visões que
pretende combater – sugerindo que estas satisfazem a interesses difusos e nem sempre
nominados, mas que supõe-se, sejam os do “grande capital” (p. 1-2) –, ao mesmo tempo em
que se auto-arroga o estatuto de ciência total e, portanto, mais próxima de uma representação
legítima porque verdadeira do mundo social, na mesma medida livre de condicionantes
políticos tidos como externalidades ao processo argumentativo.
Pochmann não responde - na verdade nem sequer atenta - para o fato de que a questão
principal para o problema que ele próprio quer resolver é a questão acerca do “por
que?” precisamente “aquela classe” está condenada a exercer aquele tipo de ocupação
e quais são os fatores que a eternizam nela. Não são as ocupações que criam as classes
sociais, como parece pensar Pochmann, mas é o pertencimento a certa classe que pré-
decide a “escolha” por certo tipo de ocupação. (...) Assim, uma família de “classe
média”, que tem menos capital econômico que a “classe alta”, só pode assegurar a
reprodução de seus privilégios - como empregos de maior prestígio e salário seja no
mercado seja no Estado - se a família possui algum capital econômico para “comprar”
o “tempo livre” dos filhos, que não precisam trabalhar cedo como os filhos das classes
populares, para o estudo de línguas ou de capital cultural técnico ou literário mais
sofisticado (2013, p. 13 e 11, respectivamente).
Como em todo debate que faz brotar ânimos em efervescência, os investimentos nas
críticas e depreciações – sejam elas de argumentos, disciplinas ou sujeitos – são
significativamente maiores que eventuais soluções ou propostas. E assim Souza segue na
apresentação de como as diferenças de classe devem operar na realidade social. Como se vê, a
atribuição de certos conjuntos de valores, habilidades e recursos a um estrato (neste caso,
médio) da sociedade não elimina o problema de sua arbitrariedade conceitual. Em última
instância, a crítica de Jessé – e tantos outros sociólogos que entraram nesse debate15 – ao
economicismo tem o fundamento implícito de uma deslegitimação interpretativa dos
economistas, e não o questionamento radical de seus critérios de corte. O fundamento da crítica
reside, essencialmente, nas fronteiras políticas entre diferentes disciplinas na produção do
conhecimento – é, portanto, menos uma questão técnica que de política acadêmica. Em resumo:
se a crítica de Souza, acertadamente, aponta para a construção de um sujeito universal ou
genérico subjacente aos modelos teóricos de Neri e Pochmann, não é menos verdade que sua
15 O argumento não é essencialmente novo, já que conclusões semelhantes são apresentadas por outros autores,
como é o caso de Xavier Sobrinho (2011). Note-se, contudo, a constância dos argumentos sacados tanto da parte
de economistas e sociólogos, seja para concordar ou detratar a “nova classe média”. O tom acalorado dos debates
não permite uma maior explicitação acerca da própria noção de classe social, tomando-a geralmente como algo
dado ou, alternativamente, importando-a como modelo configuracional gerado em outro contexto (geralmente
anglo-saxão). Note-se ainda que Scalon & Salata (2012) chegam a conclusões muito semelhantes a outros autores
na tentativa de definir esse novo estrato, chamado de “classe trabalhadora” (ver, a esse respeito, Scalon, Araújo,
Marques & Oliveira, 2009) — o que coloca a interessante questão do significado político e simbólico dessas
disputas semânticas.
18
própria proposta difere apenas em reduzir o caráter dessa generalidade para estratos no interior
da sociedade, em que, supõe-se, sujeitos sejam igualmente homogêneos. Do homo economicus
ao homem das classes há uma diferença de grau, não de natureza epistemológica.
Do ponto de vista de uma antropologia da ciência 16 , a produção de evidências
argumentativas é tão mais interessante quanto for capaz de demonstrar sua performatização
concreta – o que, vale dizer, implica numa observação dos contextos de ação em que essas
ideias adquirem vida própria, são dramatizadas e celebradas. Nesse sentido, torna-se
especialmente relevante atentar para os eventos em que essas perspectivas são consolidadas e
assumem um corpus institucional, mais que teórico. O Seminário Temático (ST) “As Classes
Sociais no Brasil Contemporâneo" permitiu, assim, observar in locum as disputas taxonômicas
em torno do legado da nova classe média. Coordenado pelo próprio Jessé Souza, radicado na
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e por Carlos Sávio Teixeira, da Universidade
Federal Fluminense (UFF), o ST contou com a presença de pesquisadores de diferentes
instituições e de turmas de estudantes de graduação em Ciências Sociais – particularmente da
USP – o que transmitia a impressão de um ambiente bem frequentado. De acordo com seus
participantes, em conversas informais mantidas durante o evento, esta fora a primeira vez que
o grupo se reunia na ANPOCS, embora tivessem mantido certa regularidade em outros espaços.
Entre os apresentadores, havia professores vinculados a diferentes universidades de São Paulo,
Rio de Janeiro e Minas Gerais, embora a “estrela” da tarde fosse, nitidamente Jessé Souza.
Todos aguardavam sua presença com alguma ansiedade – sobretudo o co-coordenador da mesa,
Carlos, que procurava localizá-lo por telefone enquanto não chegava. O tom de abertura
demarcou que aquele ST tinha a pretensão de ser, mais que um simples espaço de troca de ideias
acadêmicas, a possibilidade de um manifesto a favor da recuperação das “classes sociais” como
problemática que permitiria o entendimento do Brasil contemporâneo — o único capaz de levar
a ciência a desempenhar a sua função mais legítima, qual seja, a de crítica social da realidade.
Carlos Sávio Teixeira: (…) Dando início à primeira sessão, dedicado à nova classe
média no Brasil, o tema da classe surgiu no Brasil nos últimos anos por conta da
temática da mobilidade social. Esta é uma das razões pelas quais nós estamos com
este ST na ANPOCS. Mas tem toda uma razão de fundo, que é o fato de as sociedades
humanas continuarem sendo sociedades de classes. Todas elas. E há uma confusão
entre um capítulo da história recente sobre a temática das classes, numa versão
16 Não pretendo referir, aqui, a uma antropologia das ciências exatas, tal como sugerida por Latour (2000) e já
bastante consolidada em diferentes programas de pesquisa no Brasil. Ainda que tal perspectiva conduza a
resultados interessantes – acompanhando especialistas em seus laboratórios, por exemplo – parece-me que o efeito
resultante dessas investigações acaba por “comprar” problemas de representação e poder clássicos da antropologia,
na medida em que pressupõe que, numa hierarquia moral das ciências, que caberia unicamente à antropologia, por
estar melhor “instrumentada”, o debate e problematização dos fundamentos de verdade subjacentes às ciências
(sempre exatas). O que está em jogo, aqui, é, antes, uma aproximação com a perspectiva de Neiburg acerca da
performação da economia (2004; 2010) – no entendimento de como certas ideias, intelectuais e instituições logram
condensar frentes discursivas altamente persuasivas na contemporaneidade, concentrando o potencial adscritivo
de fenômenos estratégicos.
19
marxista mais ortodoxa, e a relevância geral do conceito. E essa ST tem por objetivo
também superar essa confusão, no sentido de que é possível se pensar a temática da
classe como inovadora, ultrapassando os limites dessa forma como o tema foi tratado
até aqui.
Jessé: Só para corroborar o que o Carlos disse, eu iria até um pouco mais adiante.
Porque a sociologia foi totalmente rasgada de seu potencial explicativo. (...) Há
questões que são principais, outras secundárias, e a questão principal é a questão de
como o poder social é articulado de tal modo a legitimar o acesso privilegiado de
alguns a todos os bens e recursos escassos, ideais e materiais, e a outros não. Essa
forma não é só injusta, essa forma é uma mentira, uma fraude. E caberia à ciência
aquilo que ela não faz; caberia à ciência exatamente compreender de que modo isso
se dá e denunciar isso. Eu acho que a ciência é isso. (...) Eu acho que muito mais do
que uma questão entre outras, ela é a questão, porque não tem nenhuma outra questão
que seja mais importante do que essa. Eu acho que isso tem a ver com o fato de que
o Brasil até hoje ainda é interpretado de modo tão superficial. (…) Nosso boas vindas
a todos, que é um boas-vindas ambicioso, né [grifos meus].
A primeira a apresentar foi Christiane Barbosa Elian Uchoa, que inicia colocando-se a
questão de para onde foram ou se deslocaram os assim chamados “pobres”. Seu título, bem
sugestivo, chama-se “em busca da nova classe média”. Trata-se de um estudo econômico acerca
das possibilidades de perceber nas tabelas e números o fenômeno evocado. Baseia-se nas
análises de Pierre Bourdieu e Thorstein Veblen acerca das preferências relacionadas à formação
do gosto. Sua abordagem parte da classificação proposta por Neri (2008), fazendo ainda uso de
dados da POF – Pesquisa de Orçamentos Familiares –, apenas para chegar ao inverso da
conclusão do economista. Não obstante, uma de suas frases deixa claro que não há grandes
distinções de metodologia, na medida em que salienta que os dados apontariam ou garantiriam
que sua pesquisa estaria “no caminho certo”, o que outra vez deixa claro a superioridade dos
números enquanto narradores próprios e demarcadores dessas certezas.
Apesar do esforço de Christiane, todos aguardavam pela apresentação de Jessé Souza,
que seguiu-se imediatamente à dela. Talvez por algum problema de ansiedade – ou exatamente
percebendo as expectativas que sobretudo os estudantes de graduação lhe imprimiam – Jessé
gaguejou bastante em suas palavras iniciais. O tom de seu discurso foi pontuado por palavras
de chamamento ao "combate" científico, numa crítica acirrada ao papel tido como "tradicional"
da ciência estabelecida que, em sua opinião, poderia ser comparado ao das grandes religiões
mundiais: "A ciência serve não pra descobrir coisas, mas para montar uma interpretação sobre
o mundo que fazem com que as forças que dominam este mundo possam continuar exercendo
esse papel. Isso não é só provocação, isso é fato". Na sequência, ele sugere que há duas correntes
principais tidas como pré-sociológicas — ideia, que como vimos, não é gratuita — a serem
superadas. De um lado estaria o "culturalismo" – sobre o qual não são dadas grandes
explicações, apenas associando-o a interpretações tradicionais acerca do Brasil e de seu vínculo
com o primeiro mundo, particularmente a Portugal durante o período colonial, derivadas,
segundo ele, de uma leitura equivocada de Weber. De outro lado, estaria o economicismo, que
seria igualmente pré-sociológico e obliterador da questão da classe como problema essencial.
20
Ele é pré-sociológico, dá a aparência de que explica, como o Marcelo Neri fez, né.
Você divide arbitrariamente, completamente arbitrário, as faixas de renda da
população, e depois você acha que isso explica alguma coisa sobre o Brasil, sobre o
comportamento das pessoas. Isso não explica literalmente nada, zero. Você não sabe
por que as pessoas da classe C têm comportamentos diferenciados da faixa B ou da
faixa D. É um informação inicial. Informação! Importante? Claro que é. Mas isso
não é interpretação!
Sua proposta para situar o debate acerca da nova classe média partiria, ao contrário, de
uma tentativa de entender os efeitos do capitalismo enquanto modo de produção hegemônico
no mundo contemporâneo. Desse ponto de vista, tanto a religião — nesse caso, sobretudo, o
neopentecostalismo — quanto a ciência ofereceriam gramáticas de justificação adequadas à sua
reprodução no tempo e no espaço, isto é, capazes de entronificar "trabalho" e "dignidade" como
valores a serem alcançados nesse processo de ajuste ao capitalismo. Assim, também, o
fenômeno da nova classe média não poderia ser entendido como algo essencialmente brasileiro:
Nós temos as mesmas massas com superexploração do trabalho, que é o que
caracteriza essa nova classe trabalhadora, não só no Brasil, na Tailândia, na Índia,
todo o sudeste asiático, na China, né. Você não vai ver isso na Alemanha ou na
França. Então é um fenômeno mundial, da forma de exploração do capitalismo.
E volta a fazer novo chamado em prol de uma concepção crítica de ciência — que
paradoxalmente se engaja a partir de um distanciamento epistemológico do mundo, perspectiva
que ganha tanto mais adeptos quanto seduz quem esteja ávido por "descobrir" verdades por
"debaixo dos panos" da realidade:
É a legitimação do mundo como ele é! É a legitimação com o selo da ciência! (...)
Nem Bourdieu colocou isso. Bourdieu pesquisou a Argélia, ele poderia ter percebido
a ralé como classe fundamental. Mas ele não percebeu. (...) Quem não é produtor
útil, no sentido do capitalismo, é menos do que gente. É nesse sentido que a gente
precisa voltar na ralé, nos estudos sobre a ralé. A ralé é o lixo, são os desclassificados
objetivamente. Não tem acho ou não acho, se voce encontrar alguém na calçada,
espumando de alcool, impedindo que as pessoas passem, alguém vai dizer “sai daí
senão eu vou chutar a sua cabeça, seu bêbado, louco”, quer dizer, é o desprezo.
Outros vao dizer, "não faça isso, você precisa de ajuda”, ou seja, a pena, a piedade.
O que une esses dois sentimentos morais é o desvalor objetivo dessas pessoas. A
pena é o outro lado da moeda do desprezo. (…) Eu chamei de ralé porque eu vi que
as pessoas nao gostavam disso, e eu disse ‘puxa, se não gosta é porque toca em
alguma ferida importante’.
Após a apresentação de Jessé, parte significativa das pessoas deixou o recinto. A terceira
fala concentrou-se na apresentação de dados quantitativos, levada a cabo por Gustavo Venturi,
sob o título de “Estratos Emergentes: nova classe média? Nova classe trabalhadora? Classes
sociais de perecimento e expressões de cultura política”. Não deixa de ser curioso que tanto
este quanto outros trabalhos apresentados na mesma sessão de Jessé realizem exatamente aquilo
que ele tenha configurado como alvo de críticas em sua exposição, ou seja, a impossibilidade
explicativa da realidade social tão somente através de dados quantitativos17. O que deflagra o
17 O enfoque deste trabalho, como se pode denotar, consiste em tentar captar os pertencimentos de classe a partir
de questionários, com categorias mais ou menos prontas que poderiam denotar essas vinculações. Trata-se,
segundo o autor, de pensar autopercepções acerca da mobilidade social, numa percepção crítica de classe. Com
21
problema dos arranjos e alianças acadêmicas que permitem a coexistência dessas perspectivas
até certo ponto antagônicas; se não se pode dizer, propriamente, que o critério de aceitação seja
o de uma coerência teórica com a concepção de classe proposta por Jessé e por Carlos — como
seus discursos, não obstante, pareciam indicar — que outras chaves políticas podem estar em
jogo na formação desse grupo de interesses? Sem oferecer respostas definitivas a essa questão,
limito-me a indicar que, por menos homogêneos que fossem os trabalhos, ainda assim
cumpriam o importante papel de legitimação de um grupo de interesses comuns constituídos
sobre o tema — o que nos conduz ao problema da construção de suas fronteiras e limites.
No retorno do intervalo, iniciaram-se os debates. A primeira a falar foi a debatedora
propriamente dita, Veneza Mayora Ronsini (UFSM) que, pela primeira vez participava do
grupo e que, por isso mesmo, se sentia compelida a respeitar a hierarquia que parecia haver
entre ela e Jessé – que era frequentemente apontado como o grande inspirador e mentor teórico
de sua tese. Ainda assim, dirigiu críticas pertinentes ao sociólogo, entre elas o fato de que,
eventualmente, ele devesse pensar numa crítica à nova classe média pelo viés do consumo, e
não apenas, ou não simplesmente, o da produção e do trabalho. Além disso, sugeriu também
que pudessem ser feitos cruzamentos interpretativos de classe com outras categorias igualmente
relevantes, como gênero e raça. Formada novamente a mesa com os apresentadores, a resposta
de Jessé às provocações apenas fez reiterar sua própria perspectiva de trabalho.
Foi, sobretudo, a partir de uma nova rodada de perguntas abertas ao público, que o debate
adquiriu contornos mais exasperados. Roberto Grun, sociólogo radicado na Universidade
Federal de São Carlos, pesquisador de longa data de fenômenos econômicos, foi quem lançou
as maiores dúvidas a respeito da proposta de Jessé:
Me desculpe, mas eu não resisto, mas eu o que acontece é o seguinte: alguns acasos
da minha vida me levaram a discutir, em momentos diferentes da minha vida, um
conjunto de pesquisas que o Pochmann fez quando ainda estava em São Paulo, e
depois essa pesquisa do Amaury e do Bolívar. Espaços muito distintos do espectro
político, mas a vida nos leva a essas situações extremas [risos]. Mas o que eu quero
chamar a atenção aí é o seguinte: em ambos os casos, nos dois extremos, o que que
eles estão fazendo, quando eles estão fazendo essas pesquisas? Nenhum deles está
fazendo sociologia. Mas nem passa pela cabeça deles que eles estão fazendo
sociologia! O que eles estão fazendo, eles estão criando fatos públicos. Eles estão
perfomando, são enunciados performáticos. As pesquisas deles servem para chamar
a atenção para o que eles querem dizer, e o que eles querem dizer são enunciados
performáticos. Ele não dizem o que satisfaz, eles dizem o que eles querem que as
classes sejam. Tanto o Marcio quanto o Amaury [grifos meus].
efeito, todo o seu esforço consiste em separar os dados a partir de duas categorias distintas: aqueles entrevistados
que teriam tido mobilidade social nos últimos anos, e aqueles que teriam permanecidos estagnados. Há distinções
importantes em uma série de posicionamentos, a mais significativa situando-se no posicionamento político, com
uma maioria expressiva declarando-se favorável ao PT, da parte dos que tiveram mobilidade, enquanto que para
os outros esse percentual cai significativamente. Quando chegou a clássica pergunta acerca de qual classe social o
entrevistado se declarava, 75% ter-se-iam dito de classe trabalhadora, ao passo que apenas 20% de classe média;
o que, supostamente, validaria o argumento de Jessé.
22
De minha parte, resolvi inquirir a mesa a respeito de possíveis interpretações do
entrecruzamento da problemática de classe e da recente entrada da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República na questão — na esperança de que, em alguma
medida, pudessem ser feitas ilações políticas entre os jogos de alianças entre mercado, Estado
e ciência que pareciam subjazer a essa discussão. Jesse não respondeu à pergunta — na verdade
tampouco interessou-lhe tocar na provocativa questão levantada por Grun. Quem esboçou
alguma reação a isso foi Gustavo, que disse, entre outras coisas, que o governo estava
interessado numa discussão política desses critérios de classificação, ao contrário dos
sociólogos, que buscavam por uma definição de classe social da realidade – e o que essas
definições políticas tinham por efeito era justamente escamotear a verdadeira problemática que
interessava, que eram as clivagens de classe18.
Antes que a sessão fosse encerrada, Christiane é convidada a explicar o processo de
seleção dos indicadores de classe que indiquem "pensamento no futuro" em sua pesquisa
quantitativa — que, segundo ela, seriam poupança, endividamento e previdência privada.
Assim, a escolha desta última se justificaria na medida em que "como é privada, ela é resultado
de um desejo seu, uma escolha sua, não há nada que te obrigue a ter uma previdência privada,
a não ser o seu desejo de se preocupar se quando vai ser velho querer ter cuidados". E, ainda
sobre o endividamento, a racionalidade é de que "se o sujeito tem despesas com juros,
empréstimos, cheque especial, é porque ele está se endividando, alguma coisa mais lá pra frente
vai acontecer. Ta comprometendo a capacidade de alocar recursos até para pensar no futuro!".
Enquanto falava, Christiane foi interrompida a todo o momento por Grun, que a questiona sobre
sua metodologia de trabalho: "Esse que é o teu problema, você ta sempre supondo, falando em
tendências… O que eu to sugerindo é que você trabalhe com classe média como um enunciado
performático". Já irritada pelas intromissões, Christiane retruca que "o que a gente ta sugerindo
exatamente é que são performances, porque como o sujeito vai estar preocupado com o futuro
se o sujeito não tem previdência, se o sujeito não poupa, se o sujeito ta endividado!".
Encerrada a sessão, ficava mais uma vez claro que, mesmo uma análise sociológica que
tripudiasse da falta de rigidez analítica de economistas — sugerindo inclusive que estariam
fazendo um debate "político" a partir dos números produzidos — esbarra no problema da
arbitrariedade dos modelos de classe subjacentes às pesquisas empíricas. Paradoxalmente, a
sociologia crítica de Jessé Souza encobre o próprio problema da reflexividade representacional,
na medida em que, sob o jugo da "ciência", despolitiza o debate ao propor certos modelos de
18 Sobre isso, novamente, é interessante perceber por onde passam as disputas pela verdade, pela legitimidade e
pela autenticidade do conceito de classe social; igualmente, o campo acadêmico da sociologia seria o único lócus
em que o debate acerca da classe poderia ser destituído de disputas políticas/eleitorais, isto é, onde as disputas não
seriam escondidas nem seus critérios tornados implícitos.
23
conduta e valores que orientariam os fatores de corte entre classes. Na origem dessas
altercações, permanecem operando certos modelos de subjetividade imaginados como ideais
— na expectativa de que haja uma co-extensividade entre o mundo das ideias (na verdade, o
mundo tal como imaginado por certos intelectuais) e a realidade efetiva experimentada pelos
sujeitos apontados por essas pesquisas. A questão é, em última instância, como o próprio Jessé
anteviu, de ordem moral — não uma moral dos agentes, mas as dos próprios pesquisadores na
produção dessas subjetividades hiperreais.
3. A “Classe C” da antropologia brasileira
A sociologia crítica de Jessé Souza — que subsume grupos altamente diversos na cara
noção de "classes populares", sintetizando suas experiências de vida através de noções como
"ralé" ou "batalhadores" — soa particularmente perniciosa a qualquer antropólogo brasileiro
formado numa tradição de comprometimento moral, mesmo que indireto, mas garantido pelo
código de ética da disciplina, com essas mesmas populações. Pretendo, nesta última sessão,
sugerir algumas hipóteses que permitam jogar luz sobre o silêncio da antropologia no debate
acerca da nova classe média brasileira, tomando como ponto de partida, sobretudo, seus
compromissos políticos com os grupos estudados.
A sistemática ausência da antropologia no debate mais amplo sobre classes sociais já
foi sentida por outros intelectuais (ver, sobretudo, Fonseca, 2006). Se nos restringíssemos
somente à questão das classes médias, contaríamos apenas com a exceção da linha de pesquisa
inaugurada por Gilberto Velho (1973; 1987; 1994). Ainda aqui, a problemática ideia de classe
social sempre foi tratada como um recorte metodológico possível, ao invés de representar a
possibilidade de problematizá-la enquanto discurso classificatório e prática social: à maneira
dos antropólogos que privilegiam o trabalho na cidade – sem ocupar-se com a reflexão das
implicações de conduzir sua etnografia desde esse ponto de escuta e enunciação para o estudo
da cidade – os problemas empíricos de produção dessas categorias na própria lógica de
ordenamento do espaço e de produção de uma paisagem urbana são tão pouco explorados
quanto é naturalizada, para a sociologia e as ciências econômicas, a noção de classe social.
Neste ponto, um rápido contraste com o contexto argentino seria elucidativo. Além de
obras significativas que privilegiam as trajetórias das classes médias, vinculando-as a
determinados projetos nacionais (ver Adamovsky, 2010), há uma série de intelectuais que
constroem diferentes problemáticas de pesquisa a partir do ideário das classes médias,
resultando em encontros acadêmicos diversos, programas e grupos de estudos — como é o caso
do “Programa de Estudios sobre Clases Medias”, do Instituto de Desarrollo Económico y Social
24
— e numa vasta produção intelectual sobre o tema (ver, sobretudo, Visacovsky e Garguin,
2009; Visacovsky, 2008; Adamovsky, Visacovsky e Vargas, 2014)
A antropologia brasileira, pensada em termos de seus ciclos de debate históricos, parece
ter reconfigurado ou diluído o debate das classes em outras esferas de discussão. Assim, é
possível constatar que, se durante o regime militar o que estava em jogo era o engajamento do
operariado, o período imediatamente após a redemocratização foi marcado por uma
reintrodução do "popular" como categoria de análise (Duarte, 1986; Fonseca, 2000; Magnani,
1984; Cardoso, 1986; Zaluar, 1985), rapidamente diluídas em outras questões que marcaram a
década de 1990 — tais como as temáticas da identidade, do consumo, da globalização e dos
estilos de vida. Se seguirmos as pistas fornecidas por Fonseca (2006), e argumentarmos a favor
de uma sobreposição crítica entre políticas etnográficas e os contextos sociais, econômicos e
políticos mais amplos de uma época — que, em última análise, conduziria ao papel de
intelectuais na formulação de projetos de nação —, seria preciso colocar, antes de tudo, a
pergunta sobre quem define o "popular", e a partir de quais configurações concretas ele emerge
como categoria privilegiada de entendimento da problemática de classes no contexto histórico-
político da antropologia brasileira. Ao escrutinar em torno das razões que levaram à dissolução
do "popular" enquanto categoria analítica antropológica, Fonseca (2006, p. 20) aponta:
Alguns pesquisadores pretendem que a realidade é que mudou, que os grupos
populares não são mais o que eram. Contudo, é igualmente possível que o
desaparecimento do "popular" reflita uma mudança das formas de organização
política e das ideologias políticas que as acompanham. (...) Já foi amplamente
comentado como, na época [anos 1980], o excesso discursivo levava os
pesquisadores a "ver" a cultura popular mesmo lá onde ela não existia. Entretanto,
cabe perguntar se, no atual clima de conciliação neoliberal, os pesquisadores não
fazem o oposto, tomando o silêncio discursivo em torno desse tema como prova da
ausência de qualquer realidade distintiva dos setores populares. Será que esses
setores deixaram de existir, será que esses indivíduos deixaram de compartilhar
experiências e um modo particular de viver quando as camadas dominantes passaram
a redefinir o alvo de suas atenções? (p.20).
Nessa mesma perspectiva, qual seja, a de que termos como "classe social" e "grupos
populares" são, antes de tudo, performances ou atos de instituição (nesse caso acadêmicos), é
preciso atentar aos não-ditos fundantes de cada campo de conhecimento intelectual. Se no caso
de Souza isso era válido quanto ao caráter e estatuto das classes médias — contra as quais ele
procurava definir, atributivamente, a "ralé" e os "batalhadores", algo semelhante se passa com
a natureza política e definitória do que sejam os "grupos populares" na abordagem de Fonseca19.
19 Não é demais lembrar que Fonseca (2006) está absolutamente correta em apontar para os modos como a pobreza
é tratada como moralmente degradante a ser superado, no modo como militantes, políticos, assistentes sociais,
etc., se referem a ela. O que estou sugerindo, apenas, é que nao se deve descurar que a antropologia se engaja de
modo semelhante nesse debate, isto é, como mais uma vertente a falar dos e em nome dos pobres, na medida em
que pretende a uma aproximação epistemológica que tem por efeito produzir narrativas (mais ou menos
comprometidas) sobre a pobreza e os grupos populares.
25
Tudo se passa como se houvesse um compromisso não questionado com a fidedignidade da
experiência e a lógica êmica desses grupos — a tal ponto que se confunde com a experiência
do próprio antropólogo em campo, num movimento espiralado de sobreposição epistêmica20.
Prova disso é a discussão empreendida pela autora (2006, p. 23-30) acerca das implicações
analíticas da explicitação dos compromissos militantes de Scheper-Hughes (1995) e Wacquant
(1996) que — embora tenha o mérito de apontar para os perigos da espetacularização da
pobreza —, acaba por configurar certos modelos de narração da pobreza e dos grupos populares
como mais legítimos que outros: "Estamos, antes, tentando exemplificar diferentes estilos de
análise — uns mais, outros menos fiéis à agenda etnográfica, com sua forma particular de
empirismo" (p. 29). Por conseguinte, somos levados a crer que há modos socialmente mais bem
aceitos de colocar a pobreza e os grupos populares num discurso antropológico — e que tais
formas obedecem a compromissos políticos tornados, de alguma forma, implícitos no modo
como a "agenda etnográfica" é acionada como recurso de legitimação descritivo pretensamente
"neutro" à medida que for mais "denso" ou mais próximo das perspectivas êmicas.
O silêncio da antropologia ao tratarmos de estratos sociais reflete, nesse sentido, o
profundo esvaziamento analítico de um modelo que, de alguma forma, edificou-se sobre
paradigmas teóricos que estabelecem gradações entre dominantes e dominados — e se limitou,
de formas variadas, a propor distintas perspectivas "de baixo para cima" (cf. Ortner, 1994, apud
Fonseca, 2006). Não é à toa que a própria ideia de classe média foi tida, por muito tempo, como
sinônimo da despolitização por excelência — já que, sobretudo nos EUA, país apontado desde
longa data como de "classe média", acabaria por desdenhar a existência de conflitos motivados
por desigualdades sociais (Vincent, 1993 apud Fonseca, 2006).
Tudo isso tem por efeito visível a formulação de verdadeiras hierarquias morais entre
vidas (e posições, subjetividades, instituições, classes, agências) que merecem ser mais bem
entendidas que outras. Tal qual os sujeitos da "nova classe média" se tornam alvos de pesquisas
e intervenções para institutos de marketing e agências de mercado na mesma medida em que
são produzidos e nomeados como tais, assim também a recusa antropológica à entrada no debate
constitui-se no sinal evidente dos usos políticos do método etnográfico em favor de
comprometimentos prévios que deflagram políticas e acordos de escrita e interesses
acadêmicos. A questão, portanto, não é tanto se os grupos populares de ontem são a nova classe
média de hoje, mas, antes, por onde passam, efetivamente, as disputas taxonômicas pela
20 Seríamos tentados mesmo a afirmar que, se para Jessé Souza há um nítido rompimento epistemológico na
definição da "ralé" e dos "batalhadores" (que implica, inversamente, uma proximidade com o universo imaginado
da classe média como medida contrastante de referência), na perspectiva que toma as “classes populares” como
paradigma central observa-se esse mesmo rompimento epistemológico operando no entendimento dos agentes dos
chamados "campos up", em favor de uma proximidade epistêmica para com os primeiros.
26
classificação desses sujeitos hiperreais — que deixam entrever jogos de classificação e noções
morais na origem do interesse e desinteresse pela produção de alteridades. Escrever sobre a
(nova) classe média, dentro deste quadro de tradições morais da disciplina, implicaria afastar-
se na mesma medida de comprometimentos políticos por demais valiosos — da antropologia
com o conceito (mais que com as pessoas) de grupos populares, da antropologia com sua
tradição insurgente e de resistência (já que a nova classe média parece oferecer engajamentos
econômicos e políticos pouco contestatórios ou alternativos aos padrões hegemônicos para uma
descrição "etnográfica"), enfim, da antropologia com uma parte importante de si própria.
Considerações Finais
O objetivo geral deste artigo — e, poder-se-ia emendar, da tese, ainda em andamento
— consistiu em produzir evidências que auxiliem a entender os modos pelos quais certas
categorias de sujeitos são definidas como pontos centrais de ancoragem de debates mais amplos
— sobre o Brasil, sobre as desigualdades, sobre as mobilidades, e por aí afora — e acabam por
funcionar, por conseguinte, como chaves diacríticas que oferecem justificações mais ou menos
persuasivas para esses mesmos eventos. Para entender de que modo as disputas taxonômicas
associadas à retórica da nova classe média ganharam forma, debrucei-me, num primeiro
momento, na análise etnograficamente embasada do Instituto Data Popular. Compreender o
papel desempenhado por essas agências de pesquisa de mercado é essencial no entendimento
dos processos de formação de saberes e alianças políticas entre mercado, ciência e governo.
Apesar de concentrar-me na trajetória de um desses institutos — não por acaso aquele que tem
tido maior exposição midiática no debate dramatizado na grande mídia — seria preciso, aqui,
ainda, estender o leque de problemáticas para dar conta da formação e legitimação de sua
posição no concorrido mercado de ideias, através de uma incursão pela história da propaganda
e do marketing no contexto brasileiro pós-ditadura. Ainda mais importante, seria preciso
reconstituir seu campo de agência - o que inclui, por exemplo, as tensas relações de
concorrência com outros institutos, como Plano CDE e A Ponte Estratégia, que emergiram de
dentro do Data Popular a partir de disputas internas, bem como examinar a pertinência das
críticas que lhe são frequentemente dirigidas, seja quanto à metodologia e idoneidade dos dados
produzidos, seja quanto às cadeias de relações (não tão evidentes) com clientes e outros
mediadores desse mercado dependente de consultorias e grandes investimentos de pesquisa —
questões para as quais este artigo ofereceu uma primeira aproximação.
Em seguida, concentrei-me no papel de certos intelectuais acadêmicos nesse debate.
Sem descurar da atuação de economistas, na origem da proposição de uma nova classe média,
dediquei especial atenção a sociólogos e antropólogos. Entre outras razões, porque oferecem
27
um contraponto acadêmico à configuração do mercado em rearranjo. Nesse sentido, concentrei-
me na sociologia crítica tal como proposta por Jessé Souza, no intuito de mapear a estruturação
desses debates a partir de um selo "científico". Além de retomar parte de trajetória de pesquisa,
dediquei especial atenção aos espaços legítimos de enunciação dessas críticas — os eventos
inerentes ao campo acadêmico — a partir da ideia, desde uma antropologia da ciência, de que
tais argumentos adquirem vida e forma através dos eventos que os performatizam. Também
neste caso, seria preciso ainda investigar as repercussões e circulações desses saberes na
mediação para outros campos — não apenas com o mercado, mas sobretudo com a formulação
de políticas públicas para a nova classe média, outro ponto de toque da tese em andamento.
Por fim, é preciso ainda uma nota de conclusão a respeito do trabalho etnográfico com
fragmentos de evidências empíricas — numa espécie de múltiplas colagens de saberes,
argumentos, tensões, sujeitos e instituições. Há, nisso tudo, mais do que a simples constatação
de que o trabalho do antropólogo não pode ser pensado como circunscrito a fronteiras
facilmente delimitáveis no ou a partir do “campo” — e de sua consequência mais evidente, que
sinaliza para uma agência autoral explícita nos modos de recorte e formulação de
problemáticas, que colocam o antropólogo como autor e parte do conjunto de evidências que
compõem a problemática que pretende aclarar. Há, da mesma forma, a constatação de que o
processo de elaboração e produção de justificações que tomam por referencial mais ou menos
implícito a nova classe média opera de modo igualmente difuso e fragmentado; ou, para dizê-
lo de outro modo, não seria possível observar os caminhos delineados por esse debate — que
equivale a atentar para as diferentes apropriações dessas justificações — sem perceber que esta
é uma retórica móvel e adaptável às diferentes circunstancialidades evocadas pelos fenômenos
em jogo. No acompanhamento etnográfico desses rastros, o antropólogo é convidado a dirigir
sua atenção para os excedentes não percebidos e não ditos que são transferidos nessas operações
de transubstanciação ideológica.
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