A Produção Artística Engajada de Carlos Zílio

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Universidade Federal do Espírito Santo Programa Institucional de Iniciação Científica Relatório Final de Pesquisa A Produção Artística Engajada de Carlos Zílio: o artista como ativista Identificação: Grande área do CNPq.: Linguística, Letras e Artes Área do CNPq: Artes Título do Projeto: O Acervo da Galeria de Arte Espaço Universitário e a atualização das linguagens no ES: 1970-1990. Professor Orientador: Profa. Drª Almerinda da Silva Lopes Estudante PIBIC/PIVIC: Marcelo Prado Soares Resumo: Este subprojeto investigou as peculiaridades simbólicas e poéticas, bem como as articulações metafóricas da linguagem e conteúdo ideológico, em um recorte específico que contemplou algumas das séries temáticas produzidas pelo artista, professor e militante político carioca Carlos Zílio (1944), entre 1967 e 1980. Respaldado na ironia e na autonomia postuladas por Duchamp, o artista lançou um olhar crítico sobre a realidade perversa do país, transformando seu fazer artístico em instrumento de conscientização e de oposição ao regime militar, que transparece de diferentes maneiras nas séries selecionadas. São elas: “Lute”, “Atensão” (sic) “Para um Jovem de Brilhante Futuro”, e “Equilíbrio”, constituídas por pinturas, desenhos, objetos e fotografias. Busca-se compreender como o autor transformou em agenciamento irônico referências extraídas da pop arte e da arte conceitual. A investigação contemplou as obras doadas ao acervo da UFES, por ocasião da exposição individual que o mesmo realizou na Galeria de Arte e Pesquisa, as quais integram a série “Para um jovem de brilhante futuro”, uma das mais contundentes e engajadas de sua carreira. Palavras chave: Ditadura militar, Arte Conceitual, Arte e política, Carlos Zílio. 1 – Introdução A variedade de acontecimentos decorrentes do complexo quadro sócio-político vivenciado pela população brasileira, a partir do estabelecimento da Ditadura (1964-1985) propiciou um solo rico e fértil na produção artística nacional, trazendo consigo trabalhos

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Este subprojeto investigou as peculiaridades simbólicas e poéticas, bem como as articulações metafóricas da linguagem e conteúdo ideológico, em um recorte específico que contemplou algumas das séries temáticas produzidas pelo artista, professor e militante político carioca Carlos Zílio (1944), entre 1967 e 1980. Respaldado na ironia e na autonomia postuladas por Duchamp, o artista lançou um olhar crítico sobre a realidade perversa do país, transformando seu fazer artístico em instrumento de conscientização e de oposição ao regime militar, que transparece de diferentes maneiras nas séries selecionadas.

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Universidade Federal do Espírito SantoPrograma Institucional de Iniciação Científica

Relatório Final de Pesquisa

A Produção Artística Engajada de Carlos Zílio: o artista como ativista

Identificação:Grande área do CNPq.: Linguística, Letras e ArtesÁrea do CNPq: Artes

Título do Projeto: O Acervo da Galeria de Arte Espaço Universitário e a atualização das

linguagens no ES: 1970-1990.Professor Orientador: Profa. Drª Almerinda da Silva LopesEstudante PIBIC/PIVIC: Marcelo Prado Soares

Resumo: Este subprojeto investigou as peculiaridades simbólicas e poéticas, bem como as articulações

metafóricas da linguagem e conteúdo ideológico, em um recorte específico que contemplou algumas das

séries temáticas produzidas pelo artista, professor e militante político carioca Carlos Zílio (1944), entre

1967 e 1980. Respaldado na ironia e na autonomia postuladas por Duchamp, o artista lançou um olhar

crítico sobre a realidade perversa do país, transformando seu fazer artístico em instrumento de

conscientização e de oposição ao regime militar, que transparece de diferentes maneiras nas séries

selecionadas. São elas: “Lute”, “Atensão” (sic) “Para um Jovem de Brilhante Futuro”, e “Equilíbrio”,

constituídas por pinturas, desenhos, objetos e fotografias. Busca-se compreender como o autor

transformou em agenciamento irônico referências extraídas da pop arte e da arte conceitual. A

investigação contemplou as obras doadas ao acervo da UFES, por ocasião da exposição individual que o

mesmo realizou na Galeria de Arte e Pesquisa, as quais integram a série “Para um jovem de brilhante

futuro”, uma das mais contundentes e engajadas de sua carreira.

Palavras chave: Ditadura militar, Arte Conceitual, Arte e política, Carlos Zílio.

1 – Introdução

A variedade de acontecimentos decorrentes do complexo quadro sócio-político vivenciado pela

população brasileira, a partir do estabelecimento da Ditadura (1964-1985) propiciou um solo rico e fértil

na produção artística nacional, trazendo consigo trabalhos engajados e revelando artistas e críticos, em

oposição ao intenso clima de sangue e horror. Potencializada crítica e ironicamente, a produção artística

desse período introduz conceitos importantes e peculiaridades que merecem um acurado estudo e

aprofundamento teórico, tendo o experimentalismo como principal alternativa para uma produção

brasileira que foge dos padrões dos chamados “ismos”, ou tendências que marcaram as vanguardas até à

década de 1960. Utilizando-se de uma enxurrada de materiais, artistas como Carlos Zílio, Carlos Vergara,

Antônio Dias, Rubens Gerchman destacaram-se com uma produção de caráter critico e irônico e quebram

o estatuto da arte tradicional, tornando a produção artística brasileira de difícil identificação neste

período, quanto a categorias artísticas e padrões tradicionais.

Sendo assim, o foco deste subprojeto foi o estudo de algumas séries de obras de autoria do artista

plástico e professor carioca Carlos Zílio (1944), em um recorte específico que contemplou algumas das

séries temáticas produzidas por ele entre 1967 e 1980. Sendo Zílio, considerado um dos medulares

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artistas brasileiro da contemporaneidade, sua produção artística desencadeada no período citado, tem se

colocado com o passar dos anos, como parte integral da história artística e política do país, devido suas

marcantes peculiariaridades simbólicas e poéticas, bem como as articulações metafóricas da linguagem e

conteúdo ideológico presente em muitos de seus trabalhos. Sua destacada produção no início de sua

carreira (1965), é considerada, por muitos críticos, tais como Otília Arantes e Mário Pedrosa, referência

de produção engajada, pois, de forma singular, ironizou as mazelas sociais e criticou a repressão, a

violência, a falta de liberdade, bem como o cerceamento e a interferência da censura na produção

artística.

Levando em conta que, a partir da década de 60, importantes mudanças começaram a acontecer no

sistema das artes plásticas em nível internacional, é de se considerar que o panorama artístico brasileiro

no mesmo período foi fortemente influenciado por aquelas. As décadas de 1960 e 1970 caracterizaram-se

pela experimentação artística, busca por novos meios e linguagens, avanços na tecnologia, que serão

utilizadas pelos artistas em suas produções e possibilidades de intercâmbio propostas pelas Bienais,

transformações essas que causaram relevantes mudanças em relação às décadas anteriores.

Segundo Glória Ferreira, esse momento “repotencializou a interpelação sistemática de valores

estéticos, éticos e políticos, que foi levado a cabo pelos artistas e que fez toda a diferença na produção

artística desse período” (Ferreira, 2007, p.21). Artistas como Helio Oiticica, Lygia Clarck e Lygia Pape,

que já faziam parte da vanguarda concretista, e lutavam pelo processo de rompimento com a arte do

passado, desde 1950, assimilaram as novas inovações artísticas e políticas e juntamente com novos

artistas, e iriam produzir uma arte experimental e engajada, em resposta à situação política e artística que

estavam vivenciando. Artistas como Carlos Zílio, Cildo Meireles, Nelson Leiner, Carlos Fajardo, Wesley

Duke Lee, Artur Barrio, entre outros, aderem em suas produções, de forma parcial ou integral, a

elementos que evidenciam o engajamento político e uma tomada de posição face à situação política. O

esforço desses artistas consistia dentre outras razões, na “criação de estratégias para trazer o cerco à

liberdade de expressão, a acusação contra a mercantilização da arte, apontar para a necessidade de

interação público-espectador, denunciar o aburguesamento social e o debate sobre a evanescência da arte

e a fragilidade da vida”. (Cavalcante, 2005, p.2).

Carlos Zílio foi um dos mais notáveis artistas que atuou nesse período . Durante toda sua trajetória

artística, iniciada em meados dos anos 1960, o artista participou ativamente de importantes mostras de

arte, bem como produziu marcantes obras e séries repletas de ironia. Utilizando-se de diferentes

linguagens, técnicas e suporte, e tendo o experimentalismo como uma das principais bases de suas

criações plásticas, este artista, possui ainda uma profunda pesquisa no campo teórico da arte, sendo autor

de artigos e livros. Produzindo há quase 50 anos e possuidor de uma extensa produção, o artista, segundo

Paulo Venâncio Filho, “nunca se perdeu na coerência de sua linguagem, e também soube transitar por

fases e vertentes das artes contemporâneas” (2006, p.07).

Sob um forte contexto de hesitação e dúvida, é que o artista inicia a sua trajetória artística. Apesar

de ser admirador confesso da pintura expressionista de Iberê Camargo e da do americano Barnett

Newman, ao obter sua formação artística (1965), inicia a sua carreira artística profissional, introduzindo

pinturas e objetos que refletem de forma direta a opressão militar. Sua opção pela arte com aproximação à

figuração se deu após visitar exposições como a “Nova Figuração” no MAM-RJ, em 1965 e Opinião 65.

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Em momento posterior a tais visitas, o artista elaborou obras que remetem à pop art, (que no Brasil

integra a corrente das novas figurações). Nessa mesma década, vários outros artistas brasileiros, que

participaram daquelas exposições, já se mostravam familiarizados em especial com essa linguagem

americana, entre eles Rubens Gerchman, Antônio Dias, Claudio Tozzi, Carlos Vergara. Segundo Zílio,

algumas obras desses artistas chamariam sua atenção e contribuíram para sua nova opção poética, entre

elas Time de Futebol, de Antônio Dias e Misses, de Gerchmam (Cocchiarale, 2006, p.36).

O artista acreditava que essa interação com formulações da nova figuração (pop art), possibilitava

adicionar códigos visuais em seus trabalhos, que ironizassem e denunciassem algumas situações que

estavam vivenciando, devido o regime militar. Ao utilizar tais códigos visuais, havia uma preocupação e

cuidado, para que fossem de certa forma camuflados, e assim minimizar o risco de ser preso, pela crítica

que imprimia a seus trabalhos. Além de sua participação em Opinião 66, a qual foi uma das mais

importantes mostras a demonstrar o descontentamento com relação ao governo, e que segundo as palavras

de Paulo Reis, “representou um momento no qual as discussões sobre a volta da figuração tomavam

corpo” (Reis, 2006, p.31), o artista participou na IX Bienal de São Paulo, com o emblemático o trabalho

LUTE (marmita). Trata-se de uma marmita de alumínio, em cujo interior se encontra um rosto moldado

em resina. E sobre o plástico que recobre a boca da figura inseriu o escrito “Lute”, fazendo assim uma

panfletagem direta contra o FMI, e incitando o trabalhador a lutar contra a opressão.

A participação do artista em Nova Objetividade Brasileira também foi um ponto marcante de

sua carreira, onde apresentou uma produção bem sedimentada: cabeças reunindo objetos, cabeças e

palavras, com implicações sociais e críticas (Peccinini, 1999, p.07).

Nessas já citadas séries, estão presentes trabalhos com algumas formulações e códigos de indicação

pop. Visão Total (1966), Massificação (João) 1966 e Reina Tranquilidade (1967). São exemplos de

pinturas dessa época, somadas a objetos que apresentam a marcante presença de rostos desfigurados.

Esses rostos, feitos de resina são postos em sequências, sempre apresentando um diferencial entre si: ora

os rostos estão vendados, ora estão com a boca tapada, ora estão numerados como gado ou prisioneiros.

Tais trabalhos podem representar as pessoas e as diversas situações que eram impostas pela ditadura.

O espírito de contestação por parte do artista intensificou-se com o passar do tempo, em especial

depois do estabelecimento do AI5 (dezembro de 1968). Concentrando-se em um olhar mais irônico sobre

as injustas ocorrências contra a sociedade e a liberdade, e desejoso em fazer algo mais pela democracia,

engaja-se no Movimento Revolucionário (MR-8). Atuando em combates armados, até ser ferido e preso

entre 1970-1972, Zílio continuaria a fazer sua produção artística mesmo estando encarcerado.

Algumas das séries produzidas nesse período, ironizam com clareza, momentos de tortura que o

artista vivenciou, além de, retratar também, aspectos do cotidiano na cela e suas esperanças de liberdade.

Um sentimento muito presente na vida do artista, nesse momento, é o de proximidade com a morte. Antes

mesmo de ser preso, ainda no hospital, o artista começa a se dedicar ao desenho e à pintura. Referente à

produção desse período, Carlos Zílio expressa: ”aí não é mais tanto o artista que age, mas o militante que

desenha e pinta” (Cocchiarale, 2006: 35).

A constante presença do vermelho como a representação do sangue é muito notada nas obras desse

período, elaboradas por Zílio: Autorretrato aos 26 anos, na qual o próprio artista se representou em sua

condição de prisioneiro. Suas digitais e a marcação em vermelho no seu coração registram, com grande

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ênfase, o personagem principal da obra. Na obra Fixação (1970), insere aparentemente vários

autorretratos do artista, pondo um ao lado do outro, envoltos em uma poça de sangue, em que faz menção

ao órgão genital do próprio artista. Já o trabalho Zé (1970) retrata, sob uma grande mancha de sangue, em

razão de um tiro a queima roupa, um indivíduo em uma aparente mostra de arte. A retratação da rotina na

prisão pode ser encontrada em trabalhos como: A cela, (1971). Trata-se do projeto de um grande caixote

negro, possuindo no centro uma abertura em que há duas mãos entregando (ou pegando um prato),

representando assim a rotina de entregar o prato de comida na cela, ou de devolvê-lo. Rotina Dilacerante

(1971) é uma espécie de calendário sobre uma representação de órgãos humanos , sendo esta uma possível

vívida lembrança de sua rotina na prisão. Trabalhos como a Quase Partida (1971) e Semana da Pátria

refletem a esperança de liberdade sentida pelo artista na prisão.

No período que se seguiu à prisão, em um clima de intensa ameaça, o artista parte para uma

produção menos direta, minimalista. Se sentindo derrotado, o questionamento se torna mais discreto,

porém, não menos engajado. Trabalhos que marcam este momento e que refletem bem sua situação de

certa maneira desorientada são: Identidade ignorada (1973) uma foto da sola de dois pés, sendo que em

um existe uma etiqueta com a inscrição: “identidade ignorada”. Autorretrato, 1973, consiste em uma

folha de papel em branco, apenas com uma gota vermelha espirrada no papel, com a Palavra

“autorretrato”. . Já a obra Atenção , 1973, um alicate apertando uma mancha vermelha lançada sobre a

superfície, com a inscrição “Atenção”, trocadilho para “Há tenção”, um importante símbolo do momento

em que vivia sob constante pressão. O perigo nesse momento era iminente. O artista teria sua obra

cerceada pela censura e passa a ser perseguido por órgãos da ditadura.

Ao participar da X Bienal de Paris, o artista se exila voluntariamente por muitos anos nessa capital, onde

deu continuidade a sua pesquisa. Sendo ele um pesquisador bem informado sobre a realidade que vivia e

sobre as novas linguagens em evidência, passa a se dedicar à produção de objetos e fotografias, nos quais

critica ainda mais a realidade do seu país de origem. Recorre a diferentes processos e materiais, tais

como fotografias, desenhos, objetos ou múltiplos, construídos com couro, madeira, plástico, metal, vidro,

resina, para produzir importantes trabalhos ao longo de sua carreia. Os trabalhos: Lute - apresentado na

IX Bienal de São Paulo (1969), Atensão (sic) – trocadilho para “há tensão” -, apresentada na exposição

realizada na sala experimental do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1976), e na série Para um

Jovem de Brilhante Futuro e na série de objetos Equilíbrio trabalhos que destacaram-se na trajetória do

artista.

O Artista, expôs em 1978 na Galeria de Arte e Pesquisa da UFES, doando ao acervo da instituição

um conjunto de gravuras de uma das mais contundentes e irônicas séries de sua carreira: “Para um Jovem

de Brilhante Futuro”. As obras que foram doadas ao acervos são algumas gravuras que fazem parte da

série já citada. A série constitui também de objetos e fotografias em que o artista aparece travestido de um

bem sucedido executivo, rodeado de objetos ameaçadores ou de tortura, ou portando uma maleta.

Este subprojeto manteve estrita ligação com o projeto desenvolvido e coordenado pela Profª Dra.

Almerinda da Silva Lopes que tem por título: O acervo da Galeria de Arte do Espaço Universitário da

UFES e a atuação e diversificação das linguagens artísticas no ES: 1975-1990, constituindo-se em recorte

específico desse. Formado por doações dos artistas que expuseram nas citadas galerias de arte, a partir de

1976, quando se deu a criação da GAP, o estudo do acervo da UFES e da obra dos artistas que o integram

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ganha maior relevância e torna-se oportuno, principalmente no momento em que se discute a criação do

Museu de Arte Contemporânea da UFES, ao qual a referida coleção será integrada.

2 – Objetivos

Objetivo Geral

Analisar e refletir sobre a especificidade, estratégias e práticas conceituais e poéticas, bem como sobre o

teor político/crítico da produção engajada de Carlos Zílio, tomando como objeto de investigação um

recorte de quatro séries temáticas, produzidas por ele entre o final dos anos de 1960 e o início da década

de 1980.

Específicos:

Levantar e registrar da produção artística de Carlos Zílio, por meio de recorte específico

referente ao período da ditadura militar, que contemplará o acervo da UFES, analisando suas

características formais, técnicas, suportes e materiais.

Com base em bibliografia específica e catálogos de mostras, analisar a fortuna crítica do artista,

que permita compreender sua prática e propósitos estéticos.

3. Estabelecer comparações entre a produção do artista, com a de seus contemporâneos, no sentido

de ampliar a compreensão de seu engajamento político do período de abordagem da pesquisa.

4. Levantar as obras do artista pertencentes ao acervo da UFES, analisando suas peculiaridades

formais e críticas, como elas dialogam com os demais objetos que integram a série Para um jovem de

brilhante futuro (1973).

5. Colaborar para a compreensão do significado do acervo da UFES, oferecendo novas informações

tanto sobre esse conjunto de obras, quanto sobre o conjunto da produção de Carlos Zílio no período

da ditadura militar.

6. Contribuir para a compreensão da ampliação e diversificação das linguagens artísticas no contexto

dos anos de 1960 e 1970, tomando como referência a obra de Carlos Zílio em paralelo à de outros

artistas seus contemporâneos.

7. Ampliar e consolidar meus conhecimentos teóricos em história e crítica de arte no Brasil,

apresentando os resultados da pesquisa em congressos científicos e artigos.

8. Iniciar minha inserção na pesquisa artística, pesquisando a obra desse emblemático e engajado

artista brasileiro, visando dar prosseguimento e aprofundamento aos estudos de sua obra no mestrado

em Artes.

3 – Metodologia

Parte-se da hipótese que a obra de Carlos Zílio detém em suas metáforas e elementos simbólicos

referências estéticas e índices da memória histórica de um momento político que impôs o terror e o medo

e cerceou a liberdade de expressão e os direitos civis. Por essa razão, não houve até muito recentemente

estímulo e um clima mais propício à pesquisa e à análise da produção engajada deste e de outros artistas

brasileiros. Nesse sentido, e no caso específico de Carlos Zílio, os estudos publicados até o momento

sobre sua obra contemplam prioritariamente a chamada “retomada da pintura”, elaborada por ele, de

modo especial, a partir metade da década de 1980. Isso se explica por ter sido nessa época que o artista,

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pautado na euforia que tomava conta dos artistas, a partir da redemocratização do país, desviou-se - ou

pelo menos atenuou – o antigo viés crítico, centrando forças no que ele chama de “solução de problemas

da pintura”. Assim, o estudo proposto contempla justamente algumas das séries que englobam diferentes

processos e linguagens e nas quais se desvela mais intensamente o engajamento político do artista. Esta

pesquisa detém-se justamente na produção que foi muito pouco abordada e investigada, tanto no que diz

respeito ao conjunto de sua produção, quanto a recortes específicos ou mais pontuais.

Para atingir os objetivos propostos, a metodologia desta pesquisa compreendeu duas etapas distintas, mas

que se complementam: 1. Levantamento, registro fotográfico e organização de arquivos de imagens de

cada uma das séries de obras do artista estudadas, em catálogos de exposição, livros, sites e na reserva

técnica da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES; 2. Levantamento, leitura e análise da fortuna crítica de

Zílio, e de bibliografia específica e complementar, que ajudou a compreender suas opões plásticas e

poéticas, bem como sua intencionalidade política. Para proceder a esse levantamento recorreremos às

seguintes instituições: Biblioteca Central da UFES, Biblioteca Setorial e Arquivo do Centro de Artes,

Biblioteca do Museu de Arte do Espírito Santo, Arquivo da Bienal de São Paulo (considerando que no

período de abrangência da investigação, o artista participou do evento em 1969).

Considerando que partimos da premissa que o período em que o artista atuou, explica de alguma maneira

tanto a particularidade, quanto as constantes transformações de sua gramática visual e conceitual,

estabeleceremos, em alguns momentos das análises propostas, comparação com formulações igualmente

engajadas de artistas que atuaram na mesma época.

Por tratar-se de pesquisa teórica, que buscou compreender tanto a trajetória de artista, quando o

significado e a articulação conceitual, poética e crítica da obra de Carlos Zílio, além da necessidade de

dialogar com a bibliografia específica, o discurso sobre a produção do artista será respaldado no

pensamento de teóricos contemporâneos brasileiros, entre eles Daisy Peccinine, Aracy Amaral, Fernando

Cocchiarale, Celso Favarreto, Glória Ferreira, dentre outros. Essa bibliografia encontra-se disponível nas

Bibliotecas da UFES e na biblioteca pessoal da orientadora da pesquisa. Mesmo que esses autores não

tenham escrito especificamente sobre a produção do nosso artista, ampliaram a compreensão sobre as

linguagens artísticas contemporâneas, bem como a reflexão que pretendemos traçar sobre o panorama

social, político e cultural do período, enfocado pela investigação, que contribuiu para a contextualização

da obra e do pensamento de Carlos Zílio.

4 – Resultados

Diversas foram as séries engajadas produzidas por Carlos Zílio, que intercalam o período contido

entre 1967 até 1980. Destacamos algumas que denotam um arraigado conteúdo ideológico e uma potente

crítica de oposição ao governo ditador. São elas: “Lute(1967)”, “Atensão” (sic) (1976)”,

“Equilíbrio(1977)” e “Para um Jovem de Brilhante Futuro(1974) .

Esses trabalhos revelam uma multiplicidade de articulações metafóricas, simbólicas e poéticas, e se

tornaram destaques na vida do artista, pontuando de diferentes maneiras sua crítica à Ditadura Militar. E

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foi por meio de tais produções, que o mesmo introduziu-se no mundo artístico, atiçou a censura e a

repressão, revelou penosos momentos que vivenciou antes e depois de ser perseguido, ferido, preso.

O contexto brasileiro quando da realização da IX Bienal de São Paulo foi agitado. Nesse mesmo ano,

a atuação do governo ditador gerou muita indignação. Entre outras medidas repressivas, o Congresso

Nacional do Brasil rejeitou a proposta para eleições diretas para presidente, e também sancionou a Lei de

Imprensa, a qual estabeleceu a censura prévia nas redações, emissoras de rádio e televisão. Ao observar

muitas das obras apresentadas na citada Bienal e tendo tal contexto em mente, fica clara a ligação que

houve entre muitos desses trabalhos e os acontecimentos vivenciados no período. Inúmeros artistas

utilizaram-se da Bienal para expressarem por meio de diversas linguagens o espírito de revolta, de

indignação e do descontentamento que estavam sentindo.

As situações difíceis proporcionadas pela Ditadura adentraram os muros da Bienal. Apesar de muitos

artistas acharem que a mostra seria um lugar neutro, e que poderiam se expressar de forma livre, isso não

aconteceu. Um exemplo disso foi o tratamento oposto dado a obras apresentadas no evento. Enquanto o

tema patriota estadunidense era aclamado pela crítica – a exemplo de “Tree Flags(1958)”, do americano

Jasper Johns, os símbolos nacionais presentes na série Meditação sobre a Bandeira Nacional(1966/67) de

Quissak Jr foram considerados subversivos a ponto de serem tirados da mostra. A situação causou a

revolta de muitos artistas, na ocasião, inclusive do próprio Zílio. Essa revolta (que já vinha sendo

construída mediante as inúmeras situações presenciadas por ele), desde o início da ditadura impulsionou

internamente, um espírito de luta e busca pela justiça, no artista, sendo que o trabalho que apresentou

poderia ser uma sutil, porém, direta referência a esse desejo, o de agir contra a situação.

Muitos trabalhos que foram selecionados para a IX Bienal de São Paulo eram de jovens artistas, e o

critério de seleção das obras foi muito criticado, sendo este outro problema ocorrido nessa Bienal. O

trabalho de Carlos Zílio foi aceito, e assim apresentou: Lute (marmita)1967.

(a)

Figura 1.(a)Carlos Zílio, Lute (marmita)(1966)Lute (marmita), 1967, alumínio, plástico, resina plástica, 18x10,5x6cm.

Fonte: Site Oficial Carlos Zílio.

Inicialmente, este trabalho foi projetado por Zílio com o intuito de ser reproduzido e distribuído na

porta de fábricas. A ideia inicial se assemelhava exatamente a uma panfletagem. O trabalho pode ser

classificado como um convite direto ao expectador. A marmita, que contém em seu interior um rosto

amarelo desfigurado de resina e uma película plástica escrita a palavra em vermelho LUTE condensa o

sentimento existente no interior de quem se posicionou contra as injustiças impostas pelo governo.

Sob a boca muda da máscara de resina, a palavra LUTE pode ser considerada uma sugestão para o

espectador. A obra incita um convite direto ao espectador para o combate, fazendo com que, o mesmo,

além de observador, pense na possibilidade de agir.

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Considerando que o rosto é símbolo de identidade, o artista, ao utilizar o rosto desfigurado cria a

possibilidade do mesmo poder ser qualquer pessoa, incluindo o espectador da obra, ou até o próprio

artista. O rosto, por si próprio já transporta a pessoa para dentro do combate, e a marmita passa a ideia do

popular e necessário, exatamente como a comida do trabalhador de cada dia.

Mas a obra Lute (1967) também representou muito na vida de Zílio. Segundo sua declaração, o

trabalho pontua o fim de uma fase inicial de sua trajetória, “o momento que viveu a dicotomia entre

artista e estudante, sendo este, o esforço final de juntar a arte e politica” (Cocchiarale, 2006, p.36).

A inscrição LUTE não foi exclusivamente utilizada pelo artista. Existe outro trabalho de arte, de

mesmo título, também do ano de 1967, de autoria de Rubens Gerchman que embora de material e

características diferenciadas da de Zílio, também pode se caracterizar com um trabalho que fez um direto

convite à luta e ao questionamento, sendo na verdade quase uma postura de ordem. A obra se constitui de

letras de tamanho gigante feita de madeira, formando a palavra LUTE. Tal palavra foi posta em uma

avenida central do Rio de Janeiro, de grande movimento, porém, a original ideia foi que “a palavra

passeasse a bordo de um caminhão pelo centro do Rio nos horários de pico, e na entrada e saída do

trabalho, ou seja no momento de maior fluxo de pessoas” (BASTOS, 2005,p.5).

Ambos os trabalhos, se unem pelo mesmo sentimento de convidar o público à luta, e também suas

estratégias iniciais se aproximam com o intuito de atingir a classe de trabalhadores. Segundo Cláudia

Porto “toda obra de arte contém um certo número de informações, de mensagens que o artista deseja

comunicar ao expectador”, e referente às obras citadas, a mensagem foi simples e direta: lute

(PORTO,2013,p.01)

(b)

Fígura 2 - (b) Carlos Zílio, (Atensão, 1976) (fotografia, 30x40cm)

Fonte: Site Oficial do Artista

Outra importante série realizada em 1976 por Zílio foi a série “Atensão”. Em 1976, acontecimentos

como mortes que repercutiram na mídia, como é o caso da morte dos dirigentes do partido comunista do

Brasil, do metalúrgico Manuel Filho, e a chacina da Lapa, o estabelecimento de leis injustas, como a do

controle e redução da propaganda de rádio e televisão (lei Falcão).

(c)

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Figura 3 - (c) Atensão, 1976, (vista parcial da instalação com as obras Por um fio e Sem título I, II e III)Fonte: Site Oficial de Carlos Zílio

A artista aceita convite para participar da Xª Bienal de Paris, que ocorreu no final da década de 1970 ,

no Museu de Moderna de Paris e passa a viver no país, permanecendo até 1980. Sua produção plástica

continua a sua produção acadêmica se intensifica. A produção que ganha destaque em sua trajetória nesse

momento é a série Equilíbrio(1976). Cildo Meireles, juntamente com Carlos Zílio divide espaço

participou da Bienal, exatamente como importantes outros nomes da arte intencional, como é o caso dos

artistas Laurie Anderson, Sandro chia, Francesco Clemente, Claudio Parmiggiani dentre muitos outros.

Basicamente as obras que o artista apresentou na Bienal foram feitas de materiais precários como:

madeira, tijolos e serras de metal. Utilizando-se do conceito de equilíbrio, o artista distribui os materiais

simplesmente equilibrando um sobre o outro (como é o caso de tábuas e lajotas) ou também criando

equilíbrios entre ripas de madeira ligadas a serras de ferro, como é o caso dos trabalhos: Equilíbrio I, II,

III e IV, (1976).

Fig.(e) – Carlos Zílio, Equilíbrio I, II, III e IV, 1976, Fig.(f) – Carlos Zílio. Equilíbrio I, II, III, (1977)

(madeira, tijolos, 270x10x2cm) (madeira, serras de metal, 500cmx30x2cm)Fonte: Site Oficial Carlos Zílio Fonte: Site Oficial Carlos Zílio

Já trabalhos como Equilibro I II III (1977) que apresentam duas madeiras iguais, sendo ligadas

apenas pelas serras, foram apresentadas em três pares de madeira que se encontram combinadas de

formas diferentes, formando diferentes pontos de equilíbrio. Diferentemente de seus trabalhos anteriores,

a ideia se torna mais condensada, o equilíbrio fica evidente nesses trabalhos.

Um importante ponto que pode ser observado nesses trabalhos está no fato das tábuas estarem

ligadas a serras, ironicamente a ligação se faz pelo instrumento que corta elas próprias. Ao mesmo tempo

o que se destrói é o que une. Apesar dos trabalhos apresentarem a estabilidade e a simplicidade, o perigo

se encontra ligado as tábuas, o objeto cortante.

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Relatório Final de Pesquisa

Fig.(g) – Para um jovem de brilhante futuro(1974)(Para um jovem de brilhante futuro, 1974, maleta de couro , pregos, múltiplo, 10 exemplares)

Fonte: Site Oficial Carlos Zílio

Um importante trabalho que se destacou na carreira de artista é a série é o já citado “Para um Jovem

de Brilhante Futuro(1973)”. Composta por performance, fotografias, objetos e gravuras. A série é

considerada uma das mais irônicas e contundentes produzidas pelo artista. Nesse trabalho, existe uma

sequência de fotografias de uma performance realizada pelo artista, sendo que o mesmo aparece

travestido de um bem sucedido executivo, caminhando pelas ruas do Rio, portando sempre uma maleta,

até chegar ao pretenso escritório.

A sequência de fotos em que aparece o artista sempre bem arrumado, encenando momentos da rotina

de um jovem executivo de sucesso. Ora no escritório atendendo ao telefone ou executando alguma rotina

administrativa, ora em contanto com outras pessoas, possíveis falando com clientes ou empregados, ora

entrando no carro, subindo escadas ou caminhando pela rua, o artista é fotografado em diversas cenas

desse cotidiano. Apesar das posições e lugares diferentes, todas essas fotografias possuem algo em

comum, a maleta presente. No contexto da foto, a maleta (que apresenta) ora aberta ou ora fechada,

possui pregos pontiagudos em seu interior, os pregos foram colados organizadamente e uniformemente.

A ironia presente nas fotografias pode ser contextualizada pelo perigo em virtude da realidade

política que o artista vivia. O estereótipo de um jovem de sucesso foi ironizado pelo artista, a ideia de que

todo jovem deve buscar esse brilhantismo pode ser uma das críticas que Zílio queria mostrar.

Nesse momento, o próprio artista, sendo ele, um recém formado na universidade, poderia ser o

jovem que busca o sucesso na carreira. Esse desejo, o do sucesso no trabalho é o mesmo desejo da

grande maioria dos jovens, e por trás da busca pelo sucesso, são incentivados a busca constante e

acirrada pelo brilhantismo pessoal e satisfação econômica, mesmo que de forma perversa ou alienada.

A busca perversa e alienada pelo sucesso pode ser representada pela maleta com pregos. O símbolo

que a maleta impõe, sendo ela sinônimo de seriedade, importância e respeito é posta em xeque ao ser

aberta. O que se esperava portar em uma maleta de um executivo são papéis importantes, e ao se deparar

com uma maleta com pregos, o simbolismo de prestigio é rapidamente trocado pelos sinônimos de perigo

e traição. É essa ironia que os simples pregos dentro da maleta podem simbolizar ou revelar.

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Fig.(h)- Para um jovem de brilhante futuro, (1974) Fig.(i)- Para um jovem de brilhante futuro, (1974)(múltiplo, serie fotográfica, 18x24) (múltiplo, serie fotográfica, 18x24)

Fonte: Site Oficial Carlos Zílio Fonte: Site Oficial Carlos Zílio

É interessante notar a constante presença do objeto prego em trabalhos de Carlos Zílio. A já citada

maleta que contêm a distribuição de pregos em seu interior que é uma representação eminente do

contexto perigoso pode fazer ligação com outros trabalhos do artista, que também possuem o prego como

principal indício de terror.

Também outro trabalho que integra a série e que se utiliza do objeto citado é Espaço vida (1974),

uma área retangular demarcada no chão, do qual no meio possui um amontoado de pregos. Ironicamente

parte do título do trabalho se chama vida, do qual não dialoga com a representação dos pregos, pois os

mesmos estão longe de representar vida, se encontram mais próximos de significar sofrimento e até de

morte.

Outro trabalho que também pode ser ligado aos já citados trabalhos é o Fragmento de Paisagem

(1974), um pote de vidro transparente que está cheio de uma grande quantidade de pregos. Ao reunir

fragmentos (os pregos) de uma paisagem (o ambiente da ditadura militar) em um pote, o artista pode

sugerir a reunião de lembranças de um período sombrio, levando em consideração que Zílio sofreu com a

perseguição, é fácil ligar tais a sua vida (FERREIRA, 2009, p.321).

Fíg. (j) – Carlos Zílio, Espaço-vida, 1974 Fig. (k) – Carlos Zílio, Fragmentos de Paisagem, 1974(vinil sobre eucatex, pregos, 122x276cm) (objeto, vidro, pregos, 12x6m, 8 exemplares)

Fonte: Site Oficial de Carlos Zílio Fonte: Site Oficial de Carlos Zílio Além da utilização de pregos nos dois citados trabalhos, outra relação existente entre eles é o termo

espaço (no Espaço Vida (1974)) e o termo paisagem (no Fragmento de Paisagens(1974)). Enquanto um

utiliza-se dos pregos para ironicamente retratar a vida, outro veda vestígios de uma paisagem (os pregos)

dentro de um pote de vidro com tampa. Uma direta representação de ambientes, que podem fazer ligação

com o ambiente ditador.

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Outra importante série produzida pelo artista que tem o símbolo do prego como principal elemento

da obra é a série Paisagens (1974), compostas exclusivamente por serigrafias que retratam paisagens de

pregos, sendo que apenas em uma das serigrafias os pregos projetam uma sombra. Daí o título de

paisagem com sombra. Estas gravuras, juntamente com outros trabalhos do artista encontram-se na

Galeria de Arte Espaço Universitário, na Universidade Federal do Espírito Santo. O artista doou as obras

para a Galeria na ocasião em que o mesmo realizou uma exposição em 1987.

Fig. (l) – Carlos Zílio, Paisagem, 1973 Fig. (m) – Carlos Zílio, Paisagem, 1973(gravura, 45x70cm) (gravura, 45x70cm)

Fonte: Acervo do GAEUFonte: Acervo do GAEU

Essa exposição ocorreu em dia 26 de Novembro ao dia 13 de dezembro de 1987, totalizando dessa

forma em torno de 20 dias de exposição. Essa importante exposição realizada pelo o artista na Galeria se

torna um marco (para a universidade) pelo fato de ajudar a incluir o Espírito Santo no eixo das exposições

dos artistas mais renomados da época. Não somente Zílio, mas outros artistas expuseram na Galeria.

Além da abertura da exposição, ocorrida em uma quinta feira, as 20:00 horas, aconteceu também um

encontro com o artista, no dia 10 de dezembro, no campus da Universidade, mais especificamente no

Centro de Artes (CEMUNI IV), em Vitória – ES.

A exposição cujo nome foi: Carlos Zílio – Pinturas. Essa exposição faz parte do projeto intitulado

Pinturas Brasil Tendências 1987/1988. O texto do catálogo intitulado Passado Presente, foi escrito por

Paulo Venâncio Filho. O jornal A Gazeta publicou uma matéria escrita pela jornalista Pupe Gatti escreveu

um artigo cujo o titulo é: Vivências na Capela de Santa Luzia, no mesmo dia que ocorreu a abertura da

exposição na galeria. Esta exposição antes de chegar na galeria, passou por Rio de Janeiro e São Paulo.

Além das já citadas obras de paisagens, o artista doou também a pintura : “Você se lembra...” (1986).

Inconfundivelmente, a “máscara democrática” do qual o regime militar apresentou, de certo modo,

algumas de suas vertentes foram desmascaradas pelas críticas contidas nos trabalhos de Zílio (ANSARA,

2007, p.17). O artista de forma objetiva soube, verdadeiramente, “representar ideias por elementos

suficientes a sua concretização, e deste modo estabelecer uma relação direta entre o real, a reflexão e a

economia de meios da representação” (FERREIRA, 2006, p.140).

Talvez, a soma da essência de cada trabalho engajado produzida por Zílio pode se resumir, dentre

muitas, na busca pela liberdade. O trabalho produzido por Zílio, mesmo que pequeno comparado às

atrocidades impostas pelo governo, somado aos trabalhos de outros artistas se torna uma corrente firme e

forte que liga as experiências do passado à condição de democracia que temos hoje.

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5– Discussão e Conclusões

Com os dados obtidos, com o levantamento e com o registro da produção artística de Carlos Zílio no

recorte específico referente ao período da ditadura, nota-se a forte participação que o artista teve na

crítica contra a o governo militar. O período inicial de sua carreira com sua posição direta e combativa

contra o governo, o período em que foi ferido e preso pelos militares na cadeira e o incerto clima pós

prisão foram bem representados por Zílio, por meio de pinturas, desenhos e objetos. Ao mesmo tempo em

que retratou experiências pessoais em seus trabalhos, o artista também apresentou questões que a

sociedade vivenciava naquele momento. Cabeças, malas, pregos, pedras dentre outros foram utilizados

pelo artista e transformados em ferramenta ideológica ou de crítica. Não deixando de desconsiderar a

experimentação utilizada pelo artista, talvez a principal característica de suas obras sejam as marcas que

expressam seu sofrimento pessoal, pois foi através da produção de muitas de suas obras que o artista

manifestou sua própria vivência (considerando que o mesmo foi o único artista a aderir de forma integral

à militância).

Além dos trabalhos citados nessa pesquisa, existem inúmeros outros produzidos pelo artista e que

carecem de serem devidamente estudados. Pontos específicos das difíceis situações propiciadas pela

ditadura militar significou para mim um conhecimento da numerosa produção artística engajada que o

artista realizou no período. Ao conhecer algumas de suas obras, por meio de fotos e tomar conhecimento

de suas características formais, técnicas, suportes e materiais, pude adquirir uma compreensão da

diversidade de métodos utilizados pelo artista, e assim a sua significativa participação na produção

experimental a partir da década de 60 no país. Pude também, tendo como base a bibliografia específica e

catálogos de mostras, analisar a fortuna crítica do artista, que permitiu compreender sua prática e

propósitos estéticos. Ao estabelecer comparações entre a produção do artista, com a de seus

contemporâneos, no sentido de ampliar a compreensão de seu engajamento político do período de

abordagem da pesquisa pode-se perceber que Zílio fazia parte de um grupo de artistas plásticos, que

interagiam e comunicavam-se entre si, fazendo com que o engajamento político pudesse ser influenciado

por outros artistas. As principais perspectivas de continuidade do trabalho consistem na análise e reflexão

mais aprofundada sobre a especificidade, estratégias e práticas conceituais e poéticas, bem como sobre o

teor político/crítico da produção engajada de Carlos Zílio, tomando como objeto de investigação um

recorte de quatro séries temáticas já citadas, pretendendo realizar essa pesquisa na pós graduação.

Também é importante salientar que existe a possibilidade de buscar novas informações tanto sobre esse

conjunto de obras, quanto sobre o conjunto da produção de Carlos Zílio no período da ditadura militar e

assim contribuir para a compreensão da ampliação e diversificação das linguagens artísticas no contexto

dos anos de 1960 e 1970. Referente à bibliografia existente sobre o artista, considerei o conteúdo restrito,

porém apesar do mesmo, a bibliografia presente na biblioteca, nos arquivos e na galeria ajudaram a

introduzir a obra engajada de Zílio. O conhecimento pessoal obtido com a realização do trabalho foi

importante, porém, reconhece a necessidade de ampliação e consolidação de meus conhecimentos

teóricos em história e crítica de arte no Brasil. Vê-se uma oportunidade de continuar a pesquisa artística

do emblemático e engajado artista brasileiro, visando dar prosseguimento e aprofundamento aos estudos

de sua obra no mestrado em Artes.

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Relatório Final de Pesquisa

6 – Referências Bibliográficas

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