A Obrigação Como Processo - Clóvis v. Do Couto e Silva

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    ORIGINAI..

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    A obrigaocomo processo

    Clvis V. do Couto e Silva

  • ISBN85-225-0581-0

    Copyright

  • DOAAOIJU-clENClAS JURIDICASRegistro NO.Sge. ,ao Dota: 29/00/20"1 3Autor.SILVA. CLOVIS DO COUTO E

    Titulo:A OBRIOACAO COMO PROCESSO

    .Apresent~o

    "Toda re1eitura de um clssico uma leitura de descobertacomo a primeira. Toda primeira leitura de um clssico

    na realidade uma releitura."(!talo Calvino, Por que ler os clssicos)

    Este o primeiro fruto de um projeto editorial quetem por objetivo ampliar o acessodo pblico leitor a obras clssicasda dogmticade direito privado nacional que, por inmeras razes, esto fora de catlogo jh alguns anos. A expresso "obra clssica" aqui aplicada a "livros que, quan-to mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando so lidos de fato mais serevelam novos, inesperados, inditos", conforme uma das definies sugeridaspor !talo Calvino.

    Com esse projeto pretende-se contribuir para o debate acerca do papeldesempenhado por um determinado grupo de profissionais da rea jurdica, osadvogados, na formao da dogmtica de direito privado no Brasil. verdadeque nossa forte tradio praxstica nos legou uma dogmtica de baixo teorauto-reflexivo que corresponderia ao.que, no Esprito do direito romano, RudolfIhering denominou "jurisprudncia inferior", satisfeita apenas em dissipar obs-curidades e descartar contradies aparentes, revelando, desse modo, o queseria a real vontade da lei e cuja forma habitual de manifestao ainda omanual ou curso de direito que, em pleno sculo XXI,fazuma pssima exegticavazada nos moldes do sculo XIX.Entretanto, tambm verdade que essa tra-dio praxstica permitiu o surgimento de obras que conseguiram aliar refle-xes tericas de alta qualidade profunda imerso nos problemas apresenta-dos pela realidade prtica como exemplo daquilo que, na mesma obra, Iheringchamava de "jurisprudncia superior", preocupada com todo um trabalho deorganizao dos modelos que compem o sistema jurdico, com vistas a inven-tar, a partir da reconstruo dos conceitos jurdicos, novas solues a seremap.licadasa problemas atuais.

    Nessas obras, em que a dogmtica se revela como atividade criadora,est registrada uma forma peculiar de produO que no pode ser desconside-

  • 8 I A obrigao como processorada, sob pena de chancelarmos uma compreenso equivocada de nossa tradi-o jurdica. Alm disso, em razo das contribuies dessa linhagem de juris-tas que tem emTeix~iE~de Freitas um de seus marcos iniciais, com suas cons-trues legislatim- congregando inquietaes tericas de alta abstrao com apreocupao da formulao de solues aplicveis a questes concretas, que sed hoje a inco~porao, pelo atual Cdigo Civil, da "diretriz da operabilidade".Tal diretriz, assim denominada por Miguel Reale, coordenador da comissoresponsvel pelo anteprojeto de lei que deu origem ao Cdigo Civil, permitiu"dar ao anteprojeto antes um sentido operacional do que conceitual, procuran-do configurar os modelos jurdicos luz do princpio da realizabilidade, emfuno das foras sociais operantes no Pas, par:;~t~are~c;~o-instrmentosde paz social e de desenvolvimento".

    Diante disso, parece-nos que um empreendimento educacional com operfil do Curso Advogado Cvel da Fundao Getulio Vargas indissocivel daassuno de certo conjunto de obrigaes, entre as quais a de realizar projetoscomo o que ora~presenta, pois so essenciais para atender da maneira maisampla possvel~os objetivos fundamentais de um curso de ps-graduaolato sensu: democratizaro acesso a reflexeS-teoncs-eac6istruesdogmticaslde alta qualidade@stimular a sua assimilao, para que o profissional do direi- \to obtenha as competncias necessrias para enfrentar os desafios que lhe so!. a resentados pelo mundo contem orneo. Acreditando que damos neste mo-mento mais um passo importante em direo ao cumprimento dessas obriga-es', deSejamos a voc uma tima leitura.

    Andr Rodrigues CorraProfessor do Curso Advogado Cvel- FGV

    Coordenador do projeto editorial Relendo a Dogmtica

    Prefcio

    Faz@nos da publicao de A obrigao como proces-so, tese apresentada por Clvis V.do Couto e Silva ao candidatar-se ctedra dedireito civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do RioGrande doSul, emUJ6'fJO transcurso desse quase meio sculo permite, agora, avaliaose~ura sobre a importncia da obra, ,escrita aos 33 anos pelo jurista gacho.Dao testemunho do seu significado, na evoluo do direito brasileiro ao longodesse perodo, as referncias sempre mais freqentes feitas na doutrina e najurisprudncia a posies que ali foram pioneiramente sustentadas e a concei-t?S que at ento eram, se no desconhecidos, pelo menos pouco ou nada valo-nzados por nossos autores e magistrados.

    Nesse quadro, sobressai a noo de boa-f, que se manifesta "como mxi-ma ~b~etivaque deter:m~naaumento de deveres, alm daqueles que a conveno~xphc~tame~te constitUi. Enderea-se a todos os partcipes do vnculo e pode,mcluslv~, cnar de:er~s p:ra o credoE?o qual, tradicionalmente, era apenas consi-derado titular de dIreItos (cap. I,"Boa-f o Cdigo Civil",p. 31). princpio daboa-.f: e~erce "~U~Oha~onizadora, conciliando o rigorismo lgico-dedutivod~ ClenCla,do dl.reItodo sec~lo ~assado (sculo XIX) com a vida e as exignciastlcas atuaIS,abnndo, por asSImdizer,no hortus conclusus do sistemado positivismojurdico, ~anelas para o ~ (cap. I, "Boa-f e direito dos juzes", p. 40),

    Foram ~recisamente concepes ligadas ao positivismo jurdico, profun-damente arraIgadas em nossa histria cultural, que retardaram no Brasil, at~ue viesse a l~m~~ obri~ao como procesi1o reconhecimento da boa-f obje-tIva como pnnClplO emmente do nosso direito das obrigaes,! Certamente

    ! ~e~mo Pontes de ~iranda, de marcada formao germnica e que tanto influiu no pensamento deClo,?s do Couto e Silva, no deu boa.f objetiva a ateno e a importncia que o tema merecera econtmua a merecer no direito alemo.

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  • 5 Larenz, Karl. Lehrbuch des Schuldrechl5. 14. ed. Mnchen: Beck, 1987, v. I (Allgemeiner Tei!), p. 26-29.Registra Clvis do Couto e Silva, na Introduo da sua obra, que Larenz, entretanto, no curso da suaexposio, no utilizou explicitamente o conceito de obrigao como processo.

    turais da eficcia jurdica, colocando, ao lado do direito propriamente dito, apretenso, a ao em sentido material, assim como os direitos formativos e asposies jurdicas, correspondendo aos primeiros o dever, a obrigao e a ex-ceo do direito material". A esse elenco o princpio da boa-f agregou ainda osdeveres anexos (NebenpjIichte), secun~.los ou instrumentais, que podem sur-gir "dt;ante O curso e o desenvolvimento da relao jurdica e, em certoscasos, posteriormente ao adimplemento da obrigaO principaL Consistem emindicaes, atos de proteo, como o dever de afastar danos, atos de vigilncia,de guarda, de cooperao, de assistncia" (cap. lI, "Deveres secundrios", p. 91).

    Por certo, a idia de obrigao como totalidade, ou como estrutura oujQrn:@...(Gefge; Gestalt), ou da 2brigao como processo j era conhecida, so-bretudo pelos autores germnicos. Karl Larenz, na introduo do primeiro vo-lume do seu manual clssico sobre o direito das obrigaes, trata da "relaoobrigacional como estrutura e como processo" (Das Schuldverhltnis aIs Gefgeund aIs Proze) e acentua esses aspectos.5 A originalidade de Clvis do Couto eSilva no est, pois, na identificao dessas peculiaridades da relao obrigacionale nem mesmo, portanto, no ttulo que deu sua tese, mas sim em ter constitu-do aquelas peculiaridades em permanente fio condutor de sua anlise do nasci-mento e desenvolvimento do vinculum obligationis em todas as suas fases emomentos, sempre polarizado por um fim que o adimplemento e a satisfaodos interesses do credor.

    "E precisamente a finalidade que determina a concepo da Qbrigao~o processo", diz ele, e, logo aps, cuida de destacar a singular importnciaque tem, no nosso sistema jurdico, a concepo da obrigao c.om~cesso,em contraste com o que se verifica no direito alemo, que separa rigidamente'os planos do direito das illrrigaes e do direito das coisas, ou no direito francs_ ...e italiano, onde a propriedade se transmite solo consensu: "A dogmtica atualconsidera a finalidade que polariza o vnculo como a ele inerente. Em se tratan-do de ato abstrato, embora exista uma unidade funcional (a solutio extingue aobrigao), impede-se, no obstante, a verificao da causa. No sistema de se-parao absoluta de planos, entre o direito das obrigaes e o direito das coi-sas, a unidade em razo do fim passa a um plano secundrio. Dulckeit, emcrtica ao sistema do BGB, segundo o qual a alienao a non domino vlida, em

    Prefcio I 11

  • razo da abstratividade do negcio dispositivo, salienta que o problema jurdi-co do prejudicado, incongruentemente, se desloca, cabendo-lhe apenas a aode .mriguecimentQ sem causa, e no a reivindicatria. A concepo da obriga-o como processo , em v~dade, somente adequada queles sistemas nosquais o nexo finalstico tem posio relevante. Tanto nos sistemas que adotama separao absoluta entre direito das obrigaes e direito das.c:oisas, quantonaqueles em que a prpria convenon:nsmite a propriedade, ~inda que so-mente inter partes, difcil ser considerar o desenvolvimento do dever como umprocesso. IA unidacleflincional e a sepai-~';etiti~~ de planos, entre direito

    r-das (;brigaes e direito das coisas, que tornam possvel considerar a obriga-lS_~()_~?mo_um pr~~~~,_cla,~do-Ihe~~p-ecficos_~g!1_~(ig.j~t:.~dic?.::r---'---

    O exame dessa separao de planos feito, em A obrigao como processo,com admirvel cuidado cientfico e com ricas contribuies trazidas da histriado direito, do direito romano e do direito medieval, no tocante particularmente teoria da causa.

    A ciso entre o negcio jurdico obrigacional, constitutivo do vnculo, e onegcio jurdico de direito das coisas, negcio jurdico de adimplemento, e quetem, obviamente, carter dispositivo, chamado comumente de "acordo de trans-misso", , antes de tudo, uma exigncia lgica. No Brasil, diante do que precei-tuava o art. 859 do Cdigo Civil de 1916, muito se discutiu se a transmisso dapropriedade seria causal ou abstrata, prevalecendo, por fim, nos pronuncia-mentos dos tribunais, a posio dos que sustentavam sua causalidade. "Estabe-lecido que a transmisso era causal e que a boa-f no tinha a virtude de tornarinatacvel o domnio adquirido de quem no era proprietrio, desprezou-se afundamentao dogmtica que essa posio deveria forosamente exigir" (cap.I, "A causa no direito moderno e o problema de separao de planos", p. 52.)

    A elaborao de tal fundamentao dogmtica foi realizada por Clvis doCouto e Silva com mo de mestre, ao traar, no direito brasileiro, em contrastecom o direito alemo, o perfil do negcio obrigacional, que d nascimento aosdeveres, e o do negcio de direito das coisas, que se enderea extino daque-les deveres pelo adimplemento, sendo importante definir, nesse contexto, omomento em que se identifica a manifestao volitiva que d contedo e ori-gem a u e outro. Para alguns, o negcio obrigacional (e.g., a compra e venda)tem dupl~ eficcia, projetando efeitos tanto no campo do direito das obrigaes~------ .quanto no do direito das coisas, inexistindo, conseqentemente, no Brasil, o"acordo de transmisso", que seria prprio do sistema alemo. Nesse esquemaconceitual, a compra e venda j vista como negcio jurdico de adimplemento.No entanto, registra Clvis, a exigncia da titularidade do poder de disposio

    12 I A obrigao como processo Prefcio I .r~quisito de eficcia do adimplemento, nos termos do ~rt. 933 do CdigoClVlIde 1916 (atual art. 307), e no da compra e venda. Alm disso, no sediscute que a tradio, modo de aquisio de bens mveis, no negcio jurdi-co, mas sim ato-fato jurdico ou ato real (Realakt), no tendo e no podendoter, assim, carter dispositivo e nem podendo igualmente ser condicionado.Bem se v, pois, que ser foroso admitir a existncia de um outro negciojurdico, "situado entre a compra e venda (obrigacional) e a tradio (direitodas coisas), entre o titulus e o modus adquirendi". Uma vez, p~ o acor-do de transmisso, entre ns, negcio jurdico causal, e no abstrato, comoocorre no sistema germnico, no h como deixar de reconhecer que a vontadeque lhe indispensvel "deve ser considerada co-declarada no negcio de com-pra e venda" (idem supra).

    Creio que no me engano ao atribuir tambm a Clvis do Couto e Silva aprimazia, entre nossos doutrinadores, no tratamento da teoria da subsuno eda questo das lacunas e clusulas gerais em sistemas jurdicos abertos, luzdos trabalhos ento ainda muito recentes de Esser (Grundsatz und Norm),Viehweg (Topik undJurisprudenz), Larem (Methodenlehre der Rechtswissenschaft),Engisch (Einfhrung in das juristische Denken), Coing (Zur Geschichte desPrivatrechtssystems), Wieacker (Gesetz und Richterkunst), que se tornariam,depois, todos eles, clssicos da teoria geral do direito.

    Alis, essa intimidade com a cincia jurdica alem e as numerosas cita-es feitas em A obrigao como processo de autores e obras germnicos desgos-taram a alguns integrantes da banca examinadora, por ocasio da defesa datese, os quais perguntaram a Clvis; com alguma irritao, por que fazia toabundantes referncias aos alemes. A essa objeo, ojovem candidato respon-deu que no lhe parecia pecado conhecer alemo e o que lhe interessava era ovalor cientfico das obras e no a lngua em que eram escritas.

    A inclinao pelo estudo da cincia jurdica alem foi despertada em Cl-vis quando aluno do professor R'lYCirne Lima, tambm na Faculdade de Direi-to da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e pelos contatos pessoaisque, depois de formado, continuou a manter com aquele eminente mestre, no-tvel, entre outras muitas qualidades, pela sua vasta erudio nos mais diversoscampos da cultura, jurdica ou geral. Acentuou-se esse pendor com o incio dapublicao, na dcada de 50 do sculo passado, do Tratado de direito privado, dePontes de Miranda, de quem Clvis era grande ad~dor, embora a admiraonunca o fizesse perder o senso crtico e a independncia de pensamento.

    Essas influncias, da cincia jurdica alem e da obra de Pontes de Miranda,esto confessadas na Introduo d~ao como processo: "Fundamental,

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    14 I A obrigao como processopara o nosso direito das obrigaes," escreve Clvis, " o Tratado de direito pri-vado de Pontes de Miranda. Entre os estrangeiros, freqentemente citados nes-ta exposio e absolutamente indispensveis, esto Esser (Schuldrecht) e Larenz(Lehrbuch des Schuldrechts). A parte geral e o direito das obrigaes dos gran-des comentrios alemes, sobretudo os de Staudinger e de Planck, foram-nosde grande valia, bem como os Motive do Cdigo Civil alemo."

    Em pontos especficos, porm, h remisses doutrina italiana, especial-mente Teoria generale de! negozio giuridico, de Emilio Betti, tambm um dosautores preferidos por Clvis, vrias vezes mencionado, ou doutrina francesa,como no concernente ao discrime entre "obrigaes de meios" e "obrigaesde resultado". constante, ainda, o exame dos textos dos nossos principaiscivilistas, para a necessria comparao crtica de suas opinies com o susten-tado por ele, Clvis, no seu~do. ---

    No se pode esquecer, entretanto, que temas como "contato social", "atosexistenciais", "teoria da base do negcio jurdico", "dbito e responsabilidade",entre outros versados em A obrigao como processo, tm raiz germnica, e queo prprio princpio da boa-f, embora ligado geneticamente ao direito romano,s ganhou expresso moderna e alcanou o significado que tem atualmenteaps ser incorporado ao BGB e submetido anlise exaustiva dos comentaris-tas do Cdigo Civil alemo, recebendo assim os valiosos subsdios dajurispru-

    "dncia germnica. de intuitiva evidncia, portanto, que esses temas s poderiam ser trata-

    dos ou desenvolvidos em A obrigao como processo com apoio na cincia jurdi-ca alem, embora o autor - apesar das semelhanas de estrutura, por ele obser-vada, entre o BGB e o nosso Cdigo Civil- permanea sempre consciente dasdiferenas, muitas vezes profundas, existentes entre os dois sistemas jurdicos.De qualquer modo, as citaes de autores alemes nunca so feitas para mera-mente tentar impressionar o leitor, ou cedendo tentao inconseqente dequerer mostrar erudio. Elas atendem invariavelmente ~OS pro-blemas que so suscitados e tm, assim, uma utilidade funcional no esclareci-mento das questes que vo sendo propostas.

    Alm desses predicados que at agora resumidamente apontei, outro,igualmente importante, de A o~ao ~mo processo est, no meu modo de ver,no extraordinrio rigor metodolgico (a evocar o ostinato rtgore, lema de Leo-nardo da VincO com que o livro foi concebido e elaborado, apesar da rapidezcom que foi escrito, sob a presso dos prazos fatais do concurso, de que fuitestemunha. .

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    Prefcio I 15A preocupao com a~exatido cientfica e com as imposies da lgica

    jurdica perpassa e valoriza toda a obra. esse apreo pela c"incia--;Pelo mefiJ-do cientfico e pela coerncia do sistema que leva o autor a encontrar soluoterica para os efeitos do pr-contrato de compra e venda de bem imvel, semclusula de arrependimento, quitado e registrado, em oposio doutrina en-to dominante e jurisprudncia consolidada dos tribunais.

    Para Clvis do Couto e Silva, a obrigao que resulta de pr-contrato decompra e venda de bem imvel, sem clusula de arrependi~ quitado eregistrado, a obrigao de fazer, consistente no chamado contrato definitivode compra e venda. "O pr-con!.~ato", afirma, parece-me que com inteiro acer-to, "no tem a qualificao jurdica de negcio de disposiO, pois no se situano plano do direito das coisas." Desse modo, apesar dos termos do art. 22 doDecreto-lei nO58, e do entendimento firmado pela jurisprudncia, reconhecen-do eficcia real ao pr-contrato, reitera Clvis: "A exata exegese, a nosso ver,est em considerar o pr-contrato como gerador, em princpio de mera obriga-o de fazer. Esta a obrigao principal definidora da categoria" .

    E acrescenta: "Relativamente eficcia perante terceiros, decorrente doregistro, o fenmeno assemelha-se, para no dizer que se identifica, com o queresulta da pr-notao (Vormerkung) dos direitos de crdito do direitogermnico. A pr-notao destina-se segurana do nascimento ou desfazimentode direitos sobre propriedade imvel, ou que a onerem, permitindo-se inclusi-ve a inscrio de pretenses futuras ou condicionadas. A natureza do direito,aps a inscriO' no Registro Imobilirio, tem sido, tambm no direito germnico,objeto de rduo exame. Assim Seckel e Wolff tm-no como 'direito negativo desenhorio ou propriedade', porque o credor, de nenhum modo, tem direito so-bre a coisa, mas 'a sua disposio no pode ser prejudicada pelo devedor'. Ou-tros vem no efeito da pr-notao direito expectativo ou aquisio, ou mes-mo direito coisa (Gierke, Dernburg e Lehmann). Todavia, a possibilidade deinscrio de pretenses futuras ou mesmo condicionadas parece indicar que dosimples registro no pode resultar situao equivalente a direito real. Em mat-ria de aquisio derivada da propriedade, h a fase do desenvolvimento do vn-culo, cuja proteo no deve significar a transformao da prpria obrigaoem direito real. A eficcia do registro deu nova dimenso ao direito obrigacional,o qual, por vezes, por meio da publicidade, atingir crculo maior do que aspartes e seus herdeiros, ultrapassando o mbito previsto no art. 928 do CdigoCivil, que definiu, poca, a extenso da,gficcia dos direitos obrigacionais,segundo a doutrina ento prevalente. Os efeitos, em algumas hipteses, serosemelhantes queles dos direitos reais. Mas isto no importar admitir a natu-

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    16 I A obrigao como processoreza real do direito de crdito. A dogmtica possui seus princpios e a qualifica-o de direito real no pode ser conferida de modo arbitrrio pelo legislador. aprincpio da separao de planos permite que se possa precisar exatamente sese trata de direito real ou de eficcia superior comum conferida a determina-do direito obrigacional. Do pr-contrato nasce obrigao de fazer, vale dizerque o desenvolvimento se opera na dimenso dos direitos obrigacionais." (Cap.1II, "A obrigao de fazer como processo", p. 125-126).

    Em consonncia com essas idias e com a pureza dos princpios esto osarts. 463 e 464 do novo Cdigo Civil, pertinentes a~ contrato preliminar.

    No posso ter a pretenso de fazer aqui o inventrio de tudo o que h deoriginal ou de pioneiro em.1.-0bngao como p!.ocesso.Devo ser breve. Bastar o quej foi dito. Permitam-me, entretanto, apenas mais umas palavras, para concluir.

    Conquanto em alguns poucos aspectos a evoluo do nosso direito tenhasuperado afirmaes feitas na obra que agora reeditada, e que estavam, alis,em harmonia com o entendimento doutrinrio e jurisprudencial ento vigoran-te (o que sucede, por exemplo, no tocante aos danos imateriais, entre os quaisse inscreveo dano mora!), indiscutvel qu~ A obrigao como processo umlivro de surpreendente modernidade, sendo tantas e to variadas as questesnele enfrentadas que possuem vivo e palpitante interesse nos tempos atuais. desse estofo de modernidade duradoura ou de permanente contemporaneidadeque so feitos os clssicos.

    Da a importncia dessa~ As duas edies anteriores, a de~~4e a de 1976,_esto h muito esgotadas, o que equivale a dizer que existir certa-mente, no universo dos estudiosos do direito civil, sejam alunos em nvel degraduao ou de ps-graduao, sejam professores, advogados ou magistrados,um nmero expressivo de pessoas que ainda no tiveram acesso ao livro. Anova publicao ter, portanto, o efeito de colocar essas p~em contatocom uma obra de grande valor, diria at mesmo fundamental p~r_a~om-.Ereen-~o do direito das ob~,e que ir seguram~ar-Ihes os horiz~tesdo esprito, servindo-lhes de estmulo para novas pesquisas.

    Quero agradecer, por fim, ao mestre e doutorando em direito Marcos deCampos Ludwig pela dedicao com que espontaneamente efetuou o trabalhode digitao, reviso e consolidao do texto, pela anlise e comparao dasduas edies do livro, pelas notas de atualizao que redigiu e pela inseroque fez, entre parnteses, ao lado de cada artigo citado do Cdigo Civil de1916, do artigo correspondente no novo Cdigo Civil.

    Almiro do Couto e Silva

    Introduo

    A presente obra, A obngaocomo processo, tem porfinalidade salientar os aspectos dinmicos que o-conceito de dever revela, exa-minando-se a relao obrigacional como algo que se encadeia e se desdobra emdireo ao adimplemento, satisfao dos interesses do credor.

    a trabalho divide-se em~aptuios. No@m~ sero tratados osprincpios que se relacionam com as fontes e desenvo vimento posterior daobrigao. N00egund~ estudaremos aS~a obrigao, a ~ e aintensidade do vinculum obligationis, bem como a teoria da im ossibilidade,obs-

    -tculo ao desenvolvimento da relao obrigacional. Finalmente, no terceiro serobjeto de anlise o desenvolvimento da rela -oobri acionaI em es cie.

    a adimQlemento atrai e polariza a obrigao. . o seu fim. a tratamentoteleolgico permeiawda a obra, e lhe d unidade.

    A relao obrigacional tem sido visualizada, modernamente, sob o ngu-lo da totalidade. a exame do Vllculo como um todo no se ope entretanto ~ ' ,sua compreenso como processo, mas, antes, o complementa.

    Como totalidade, a relao obrigacional um sistema de processos.6A concepo da relao jurdica como totalidade relativamente recen-

    te. A ela aludiu Savigny, ao definir a relao jurdica como um, organismo.A idia de totalidade era corrente, no mundo grego, pois se adllltia a

    existncia do logos da coisa, apesar da completa modificao das partes quematerialmente a compunham. E tanto assim que o cmico Epikarmos anotou,com certa ironia, contra os adeptos da concepo atomstica, que, se o todo semodificasse com as alteraes sofridas pelas partes, ento o devedor poderia

    6 !-arenz, Lehrbuch des Schuldrechts, 1962, v. l. p. 22.

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    18 I A obrigao como processorecusar-se a adimplir a sua dvida, sab a alegao. de que, desde a canclusa daata jurdica, pelas madificaes fsicas par que passara, se havia transfarmadaem autra pessaa.1 < __ o

    O canceita de caisa fai, na direito, a catalisadar da idia de tatalidade,que preside a diviso. das caisas em simples e camplexas, e sabre tudo. aparecenas universitates rerum e nas corpora ex distantibus. Ao.influxo. da filasafia grega,caube aas juristas romanas elabarar a tearia das bens. No. nas parece apartu-na examinar, aqui, as diversas estgias atravessadas pela~-dade, cama apliCao. da idealismo. platnica,da pensamento. aristotlica auda realismo. canceitual estica. Basta sinalar que apenas em nassas dias pas-sau-se a cansiderar a vnculo. abrigacianal co.ma um tada, a qual, muitas vezes,no. se altera o.Umadifica co.m certas alteraes e madificaes so.fridas pelaspartes. Par- esse mativa, o ad~mplementa de um crdito. determinada pad~extinguir, au mo.dificar, a relao. jurdica.

    Essa co.ncepa ressurge s na incio. da presente sculo., quando., pelasuperao. das idias atamsticas, passou a ter papel significativo a canceito detatalidade. Driesch, na bialo.gia, e Ehrenfels, na psicalagia, fizeram dele impar-tantes aplicaes.a

    Depo.is da exaustiva anlise a que fo.i submetido. a co.nceita de relao.jurdica, na sculo. XIX, natadamente co.m a Pandect~tica, o.rienta-se agara acincia da direito. para a tratamento. da vnculo. cama tatalidade, transcarridasquase dais milnio.s da aplicao. da mesma canceito. tearia das bens.

    O sculo. precedente legau-nas a exame minucio.so. das ~~~!!J~~J:~s-truturais da eficcia jurdica, calacanda, ao. lado. da direita propriamente dito,a pretenso., a ao. em sentida material, assim cama as direitas fo.rmativas e aspasies jurdicas, co.rrespo.ndenda aas primeiros o. dever, a o.brigaa e a ex-ceo da direito. material.

    Os deveres, na dagmtica atual, so.freram ainda diviso. em deveres princi-pais e secundrio.s (anexas au instrumentais), e em dependentes e independentes.

    7 Sokolowski, Die Philosophie im Privatrecht, 1907-1959, v. I, p. 38.a Brugger, Philosophisches Wrterbuch, 1953, p. 95. No sculo XIX, a concepilo de totalidade seendereava ao exame das relaes entre o parcular e o Estado, e da decorriam diversas idias organicistas.Dessa idias derivava o conceito de pessoa e o condicionamento dos direitos subjetivos pelos deveres(Trendelenburg, Naturrecht, 1868, p. 196 e segs.). Veja-se a anlise atual das diferentes correntes depensamento em Messner, Naturrecht, 1958, p. 152 e segs. Todavia o cdnceito da prpria relao jurdicaobrigacional, corno um todo, no parece que haja sido objeto de maior exame pelos juristas daquelesculo.

    Introduo I 19Co.mo. co.nquista cientfica, ainda que no. tenha a msma valo.r prtica

    que resulto.u da aplicao. da idia de to.talidade teoria do.s bens, a co.mpreen-so. da relao. o.brigacianal camo. um tada representa, cantudo., um grandeavano., lanando. luz so.bre aspectos ainda no. perfeitamente esclarecido.s pela-tearia da direita.

    A relao. abrigacianal pade ser entendida em sentida ampla au em sen-tida estrito.. Lato sensu, abrange ta das as direito.s, inclusive as farmativo.s, pre-tenses e aes, deveres (principais e secundrias, dependentes e independen-tes), abrigaes, excees e, ainda, po.sies jurdicas.9 Stricto sensu, dever-se- defini-la to.manda em cansideraa o.Selemento.s que co.mpem crdito. e o.dbito., co.ma faziam o.Sjuristas ramanas.

    Siber j ano.tara, partindo. da co.ncepo. de Savigny da relao. co.mo. o.r-ganismo., que a dbito. e a crdito. aparecem na vnculo. no. co.mo. o.Snicaselemento.s existentes, mas ao. lado. de o.utros igualmente impartantes, cama o.Sdireito.s fo.rmativo.s e as pasies jurdicas. 10 .

    A ino.vaa, que permitiu tratar a relao. jurdica co.ma uma to.talidade,realmente argnica, veia da canceita da vnculo. cama uma o.rdem de co.o.pera-a, farmado.ra de uma unidade que no. se esgo.ta na sarna do.s ele,mentas queacampem.

    Dentro dessa o.rdem de co.aperaa, credar e devedo.r no. acupam maispasies antagnicas, dialticas e po.lmicas. Transfo.rmando. a status em que seencantravam, tradicio.nalmente, devedo.r e credo.r, abriu-se espao. ao. trata-mento. da relao. o.brigacianal.co.ma um tada.

    Definem alguns, co.ma Jo.sef Esser, a relao. co.mo. uma camplexidade,cuja canteda no. se restringe s diferentes actiones (actio empti, actio venditi,actio mutui etc.), po.is que a relevante para a definio. no. .prapriamen~e apro.teojurdica, mas o. fim a que se dirige o.vnculo.. 11

    Po.r igual, co.mplexidade e co.mplexo. tm o.mesmo. sentido de to.talidadee servem para afirmar a mesma idia, que anterio.rmente expusemo.s.

    Outros, entretanto., cansideram o. vinculum iuris co.ma uma fo.rma pr-pria, no. sentida da teo.ria da Gestalt. Tambm af a to.da esta antes as partes en-a se mo ifica, embora estas se alterem.'2

    9 Zepos, Zu einer "gestalttheoretischen" AufIassung, Archiv f. die civ. Praxs, 1956, v. ISS, p. 486.10 Idem, p. cit.11 Schuldruht, 1960, p. 82.t2 Zepos, op. cit., p. cit. .

  • j...,~~.

    ......

    20 I A obrigao como processoEm suma, quer se defina a relao como complexidade,13 ou como ~st!"u-

    ~ (Gefge), no sentido hegeliano,14 ouJorma (Gestalttheorie),15 sempre seexprime a mesma idia.

    Sob o ngulo da totalidade, o vnculo passa a ter o sentido prprio,diverso do que assumiria se se tratasse de pura soma de suas partes, de umcompsito de direitos, deveres e pretenses, obrigaes, aes e excees. Seo conjunto no fosse algo de "orgnico", diverso dos elementos ou das partesque o formam, o desaparecimento de um desses direitos ou deveres, emborapudesse no modificar o sentido do vnculo, de algum modo alteraria a suaestrutura. Importa, no entanto, contrastar que, mesmo adimplido o deverprincipal, ainda assim pode a relao jurdica perdurar como ..fundamento daaquisio (dever de garantia), ou em razo de outro dever secundrio inde-penden~

    Com a expresso "obrigao como processo", tenciona-se sublinhar oser dinmico da obrigaO, as vrias fases que surgem no desenvolvimento darelao obrigacional e que entre si se ligam com interdependncia. 16

    De certa forma tinha presente Philipp Heck essa concepo, ao caracteri-zar o evoluir do vinculum obligationis como o "programa da obrigao". 17

    Karl Larenz chegou mesmo a definir a obrigao como um processo, em-bora no curso .de sua exposio no se tenha utilizado, explicitamente, desseconceito.18 .

    A obrigao, vista como processo, compe-se, em sentido largo, do con-junto de atividades necessrias satisfao do interesse do credor. Dogmatica-mente, contudo, indispensvel distinguir os planos em que se desenvolve e sea~imple a obrigao.

    Os atos praticados pelo devedor, assim como os realizados pelo credor,repercutem no mundo jurdico, nele ingressam e so dispostos e classi~segundo uma ordem, atendendo-se aos conceitos elaborados pela teoria do direi-

    13 Esser, op. cit., p. cito14 Larenz, op. cit., V.I, p. 20.15 Zepos, op. cit., p. cit..16termo processus era desconhecido dos juristas romanos. Mesmo no campo que hoje se denominacomo "processo civil", a expresso era iudicium. Da ordo iudiciorum privatorum. Processus, de procede-re, tem origem canonlstica e indica uma srie de atos relacionados entre si, condiclonados um ilO outroe interdependentes. Com idntico sentido fala-se, em outros setores, de processo qumico, processocrtico, processo histrico (Biscardi, Processo Romano, 1963, p. 1).l7 Grundrit1 des Schuldrechts, 1974,passim.18 Lehrbuch, v. I, p. 21. .

    Introduo I 21to. Esses atos, evidentemente, tendem a um fim. E precisamente a finalidadeque determina a concepo da obrigao como processo. 19

    A dogmtica atual considera a finalidade, que polariza o vnculo, como aele inerente.2o Em se tratando de ato abstrato, embora exista uma unidade fun-cional (a solutio extingue a obrigao), impede-se, no obstante, a verificao dacausa. No sistema de separao absoluta de planos, entre o direito das obriga-es e o direito das coisas, a unidade em razo do fi.mpassa a um plano secund-rio. Dulckeit, em crtica ao sistema do BGB, segundo o qual a alienao a nondomino vlida, em virtude da abstratividade do negcio dispositivo, salienta queo problema jurdico do prejudicado, incongruentemente, se desloca, cabendo-lheapenas a ao de enriquecimento sem causa, e no a reivindicatria.21

    A concepo da obrigao como processo , em verdade, somente ade-quada queles sistemas nos quais o nexo finalstico tem posio relevante. Tan-to nos sistemas que adotam a separao absoluta, entre direito das obrigaese direito das coisas, quanto naqueles em que a prpria conveno transmite apropriedade, ainda que somente interpartes, difcil ser considerar o desenvol-vimento do dever como um processo.22

    19.0. fim se constitui num dos elementos mais fecundos para a sistematizao jurdica. Um dos grandes~entos da recepo do pensame~to aristotlico no Ocidente foi o de proporcionar a conciliao dediferentes passagens do Corpus Iuns. E, entre os muitos conceitos transmitidos pela filosofia aristotlicacertamente um dos mais utilizados foi o de causa, notadamente afinalis. A causa finalis, embora caus~causa rum, er~ extr~eca a? ato ju~di.co, re:ultando longa srie de disquisies sobre como separ-la damer~mente Imp~lslva, po~ esta ultima nao dava margem a uma condictio. J em Baldo, porm, afinahdade haVida como Intrnseca em certas hipteses: "de natura actus, videtur tacite actum abutraque parte" (Glossa Condictionem, ao C. 4, 6, 7 - apud Sllner, Die causa im Kondi/ltionen- undVertragsrecht des Mittelalters, 1958, p. 62). .20 Para que o motivo (causa impulsiva) seja relevante, necessrio que atenda ao disposto no art. 92(145) do Cdigo Civil.21 Die Verdinglichung obligatorischer Rechte, 1951, p. 31-32. .22 Sobr~ a dualida~e de ~l.a~os, v~r infra: c~pltulo I, "A causa no direito moderno e o problema daseparaao deplan~s '.A dlVl~a~ denva do dlr~lto romano, no qual, alm do negcio obrigacional, exigia-se, para ~ tr~nsferencla de dlrel.tos de dommo, a mancipatio, a in iure cessio ou a traditio. O princpio datransferencla solo consensu fOI posto em relevo pelos juristas d direito natural racionalista, comoGrcio (Jus Belli ac Pacis, 2, 12, llI5), Nettelbladt (SystemaJurisprudentiae Naturalis, ll496) ,Wolf (JusNaturae, m, C. I, ll3.) e outros. Mas, antes deles, alguns ps-glossadores j mencionavam o princpio,como ~ngelus de Ubaldls, bem como alguns canonistas (vd. Suess, Das Traditionsprinzip, Festschriftf Martm Wolff, 1952, p. 146-147). No direito comparado, adotamo sistema, alm da Frana (art. 711),Portugal, Romnia, Canad, Itlia (segundo Suess, em face dos arts. 922 e 1.470).]apo e Rssia. O

    . mesmo princpio vigia no direito gennnico antigo, no qual se fazia a distino entre sala e investitura.A sala era um contrato de direito real que transmitia, interpartes, a propriedade. Como a sala, entretanto,s transmitia a propriedade interpartes, os herdeiros, quando ainda no se houvesse realizado a nvestiturapoderiam .exigir a restituio da coisa. Com o tempo, a sala foi substituda pela traditio cartae, ma'nten~do-se a eXigncia da investitura para transferncia de imveis. Esta ltima tambm sofreu modificaes,transfonnandocse, de real que era, em simblica, atravs de atos notariais, que tinham o efeito detransmitir a posse. Da surgiu a Aujlassung (Mitteis, Das deutsche Privatrecht, 1953, p. 76).

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    22 I A obrigao como processoA unidade funcional e a separao relativa de planos, entre direito das

    obrigaes e direito das coisas, que tornam possvel considerar a obrigaocomo um processo, dando-lhe especfico significado jurdico.

    A illra~ dever pelo adim2~~ determina mtuas implicaesdas regras que se referem ao nascimento e desenvolvimento do vnculocbrigacional.

    Assim, regras h que se dirigem ..J1.(estao,e mesmo ao seu objeto, queproduzem conseqncias no desdobramento da relao. E o prprioordenamento jurdico, ao dispor sobre o nascimento e o desenvolvimento dovinculum obligationis, tem presente o sentido, o movimento e o fim da mesmarelao, ou seja, o encadeamento, em forma processual, dos atos que tendemao adimplemento do dever.

    Fundamental, para o nosso direito das obrigaes, o Tratado de direitoprivad!! de Porites de Miranda. Entre os estrangeiros, freqentemente citadsnesta exposio e absolutamente indispensveis esto Esser (Schuldrecht) e~(Lehrbuch des Schuldrechts). Aparte geral e o dirciU>das obrigaes dosgrandes comentrios alemes, sobretudo os de Staudinger e de Planck, foram-nos de grande valia, bem como os Motive do Cdigo Civil alemo.

    Alm dessas obras, de carter geral, encontrar o leitor as indicaessobre as monografias consultadas nas notas ao p da pgina.

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  • 24 I A obrigao como processoMas, em realidade, salvo os conceitos empricos, de objetos do mundo

    fsico, todos os demais, inclusive os de natureza tcnico-jurdica, s ganhamsentido para o direito quando relacionados CGm a justia, que, elemodo geral,lhes imanente.24

    Assim, ser., falar no princpio da autonomia da vontade e no seuconsectrio lgico, a declarao, at mesmo o princpio da separao de fasesou planos, da obrigao, que fixa os limites entre o nascimento e desenvolvi-mento do dever e a sua extino, tem, em suas razes, o problema tico dotratamento das transmisses causais, ou abstratas, da propriedade.

    Por fim, os tr~s princpios gerais ligam-se por fio lgico, pois tanto o daautonomia quanto o da boa-f dizem respeito ao nascimento, s fontes e aodesenvolvimento do vnculo obrigacional e o da separao delimita o mundo, adimenso na qual os aludidos deveres surgem, se processam e se adimplem.

    Autonomia da vontade

    Do direito romano herdou o direito moderno ti maior parte de suas ex-presses tcnicas, de seus institutos e de seus preceitos. O princpio da autono-

    . mia da vontade, como hoje conhecido, no foi, todavia, legado de Roma.Entende-se por autonomia da vontade afacultas, a possibilidade, embora

    no ilimitada, que possuem os particulares para resolver seus conflitos de inte-resses, criar associaes, efetuar o escambo dos Dens e dinamizar, enfim, a vidaem sociedade. Para a realizao desses objetivos, as pessoas vinculam-se, evinculam-se juridicamente, atravs de sua vontade.

    A atividade individul, contudo, est sob a vigilncia do Estado, aindaque, como emanao da liberdade, a autonomia da vontade se constitua emdireito supra-estatal, e no seja, assim, faculdade delegada.15 Em determinadostipos de Estado, certo que tal poder se manifesta reduzido, quando reduzida tambm a liberdade poltica.

    .Amtua rela~o entre tipo de Estado e autonomia da vontade16 permite,at ce.rto'ponto, suporem-se as razes pelas quais no atingiu o princpio, em

    14 Esser, Elementi di diritto natural e nel pensiero giuridico dogmtico, Nuova Rivista di Diritto Comercia/c,v. V,p. 1 e segs., 1952; cf. Viehweg, TOpiJlundJurisprudenz, 1963, p, 69.15 S:audingcr-Coing, Kommentar zum Bargerlichen Gesetzbuch, 1957, v. I, p. 495.16 Flume, Al1gemeiner Teil des Bargerlichen Rechts, 1965, v. li (Das Rechtsgeschft), p. 17.

    I

    Os princpios I 25"'Roma, a posio desfrutada em nossos dias de fundamento da ordem jurdicaprivada. No mundo romano, deveu-se ao imperiuf>'. dos magistrados o desenvol-

    ~fvimento do direito civil, atravs do direito hono,'rio. O conceito dinmico deactio, e n'\.o c estt~co de direito subjetivo, ocupava, ento, o lugar de centro dosistema jurdico. A determinao do direito pela atividade processuaF7 e o rgi-do formalismo, qt1e marcam caracteristicamente a primeira fase do direito ro-mano, fizeram com que, mesmo no perodo clssico, a vontade fosse sempreconsiderada algo ftico, no se reconhecendo, sua autonomia, a posio deprincpio jurdico.

    No Estado liberal, 120ma ntida separao entre o Estado e a sociedade,18assumiu extraordinrio relevo a autonomia dos particulares, sendo-lhes deferida.quase totalmente a formao da orcem privada.

    Pela teoria do direito, a vontade passou, ento, a ser considerada elemen-to natural para a explicaO das figuras jurdicas, extensiva at quebs que noa pres5upunham.1Q

    No h separao to rigorosa, no Estado r::.oderno, eutre Estado e socie-dade, pois ambas as esferas, a pblica e a privada, se conjugam, se coordenam,"se interpenetram e se completam" .30 evidente, em nossos dias, que por auto-nomia da vontade no se designa o poder de criar efeitos jurdicos, baseadosomente na vontade de uma ou mais partes, fora de toda habilitao legislativa.

    Sobre a faculdade dispositiva das partes, existe o ordenamento jurdico, oqual, mediante a incidncia da norma, confere efeitos aos atos dos particulares.

    Com relao faculdade de regramento que possuem os indivduos, afuno do ordenamento jurdico meramente negativa e limitadora, competin-do s partes constituir e determinar o contedo do negcio jurdico. Afirma~se,

    17 Kaser, Das altrmische lus, 1949, p. 35 e segs.18 Vd. Forsthoff, Lehrbuch des Verwaltungsrechts, 1958, p. 43.19 Sobre os excessos, escreve Waline: "En France, Cambacres, dans son discours prliminaire sur le 1er.projet du Code Civil, va jusqu' supposer des conventions tacites pour expliqueI' les obligations lgales .Pou;. lui lorsqu'une obligation paraifdriverdirectement de la loi, c'est que cel1e-ci suppose une convention.Le philosophe Fouil1 crit encore en 1885 que le 'droit contractuellend se conJondre avec le dmit civil

    . tiilhtier'. Des nombreuxjurisconsultes expliquent alors le rgime de la succession ab intestato par l'ideede testamenttacile, oubliant que la succession ab intestato a partout prcede la succession testarnentaireet qu'elle derive en ralit de I'de d'une co-pmpriet familiale qu'enJin il Jaudrait supposer que lelegislateur se fat refere POUl" tablir cette sorte de testament que sr.rait la succession ab i.ltestato auxintcntions d'une sorte de homo juridicus aussi ::lylique que lefameux homo economicus" (Lindividualismeelle dmit, 1945,!,. 178-179).30 Siebert, Trcu und Glauben, 1959, p. 16.

  • Restrio autonomia da vontade no momento da conclusodo negcio jurdico

    assim, o dualismo entre fato e norma; entre "contedo do negcio jurdico etratamento juridico".J1

    A vontade negociaI passvel, entretanto, de restries, qup:r no momen-to em que o neg0cio jurdico .;e LOnclui, quer no regramento das clusulascontratuais. Tais restries podem ocorrer pela incidncia de lei, ou de atoadministrativo, ou ainda por motivo de desproporo entre o poder social e oindividual.

    A liberdade para concluir negcio jUridico a faculdade que tem cada umde decidir se quer, e com quem quer, realiz-lo.32 Tal liberdade pode, excepcio-nalmente, ser restringida, a ponto de transformar o negcio em ato de cogncia. o que ocorre com os denominados "contratos ditados", utilizados em certostipos de planificao econmica, surgidos nas ltimas guerras, como instru-mentos para a melhor distribuio de certos produtos ou de determinados bens,considerados bsicos.

    No que diz respeito, todavia, escolha do outro sujeito da relao con-tratual, os exemplos multiplicam-se. A restrio de s poder realizar o contra-Oto com determi!1adas pessoas decorre de certas condies, legais ou naturais.

    Algum~satividades, consideradas i.mprescindveis, tais como correios,transportes, gua, luz etc., ou so executadas pelo Estado, diretamente, oumediatamente, no regime d~ concesso. Opera-se, nesses casos, no plano soci-olgico, verdadeira coao para contratar, imposta pela necessidade, no ten-do os particulares qualquer possibilidade de escolha.

    A posio de monoplio legal ou natural, cu ainda a particularidade deser de interesse geral o servio, coloca o seu prestador sob o risco de ter deresponder por todos os danos causados, se no se quiser obrigar com determi-nada pessoa, sem fundamento relevante. Importa isso em dizer que ele no

    --p-de-deix,{r de coni.htar, sbpena de ser-chamado a satisfazer os prejuzosoriginados poromisso.33

    Os princpios I 27A subordinao dos negcios juridicos dos particulares s diretrizes de

    UIJlaplanificao econmica altera, profundamente, a liberdade de contratar,entendida em sentido clssico. A pla!1ificao, oatrossim, pode nao somentemodificar os contratos de direito comercial, como interferir nos de direito civil.F no apenas nos ce!~brados entre pessoas residentes num mesmo pas, comotambm em pases distintos, tal como ocorre no "Mercado Comum".

    Na planificao econmica - alis s parciaImente admissvel -, certosatos se manifestam externamente como verdadeiros contratos. Mas, material-mente, eis que no h acordo ou declarao de vontade, o nascimento dessesCO!1tratos,chamados de "contrato:> ditados", opera-se atravs de ato de c.ireitopblico, de ato administrativo.3i No desenvolvimento e trmino da relao ju-rdica, entretanto, vigoram os direitos formativos prprios s relaesobrigacionais comuns, como os de resoluo, renncia, resciso, redibio,dtnncia.35

    Tais contratos, sureidos durante o primeiro conflito mundial e, durante oltimo, largamente usados nos pases totalitrios - como meio para disciplinara economia, resolver problemas sociais como os de habilitao e atender aosesforos de guerra -, com a redemocratizao dessas naes, continuaram aser empregados residualmente, embora dvidas tenham surgido quanto suaconsti tucionalidade. 36

    Nos "contratos ditados", o ato administrativo que lhe d nascimento estsujeito, obviamente, s regras de direito pblico, podendo ser impugnado pordesvio de poder ou qualquer oUtro vcio. O desenvlvimento da relao contra-tual, no entanto, regido pelo direito privado, bem como sua extino. O atoadministrativo, do qual se origina o contrato, , pois, "formativo de direitosprivados".

    A interferncia da planificao na esfera individual, nos Estados constitu-cionais, apresenta-se limitada pelos direitos e garantias que a Constituio ou-torga aos particulares. Por outro lado, para que se possa falar em "contratoditado", imprescindvel que, nas fases ulteriores do vnculo obrigacional, sedeixe margem vontade dos participantes, o que se manifesta pela existncia

    -- -- --_.-"de direitos Ic)nnati\:;os, modiicativ.os~()u-ex'tintivos~ Assm":a"-bolio absoiutadesses direitos formativos, no desenvolvimento daquelas relaes que o Estado

    A obrigao c:)mo processo26

    31 Betti, Teoria generale dei negozio giuridico, 1952, p. 82.32 Larem, Lehrbuch, 1962, v. I, p. 44.33 Esser, Schuldrechl, 1960, p. 36-37. omesmo pode ocorrer em certas profisses, como na de mdico,alm de censuras penais, por omisso de socorro.

    J4Idem, op. cit., p. cir.35 Idem, op. cit., p. cit.36 Larenz, Lehrbuch, v. I, p. 38; Loeber, Der hoheillich geslawe Verlrag, 1969, especialmente p. 45 e 101e segs.; Raiser, Die Zuhunft des PrivatrechlS, 1971, p. 25.

  • 28 I Aobrigao como processoestabelece, e nas quais ele tambm parte', transformaria a figura jurdica emrequisio de servios ou de bens, s admitida nos casos e na forma em que aConstituio a permite. A ordem de s;Jbordinao absoluta exclui a idia decontrato.

    Restrio autonomia da vontade para o regramento das clusulascontratuais

    A liberdade de dar contedo ao negcio jurdico tem sido grandementealterada. No direito das obrigaes, o princpio dominante o da livre forma~o de tipos. Contrariamente ao que ocorre em outros setores do direito, nodas obrigaes no extenso o nmero de normas imperativas.

    As partes podem organizar como lhes aprouver o contedo do negciojurdico e no esto vinculadas, como ocorre com os direitos reais, a um ntlmerusclausus.

    O direito real absoluto por natureza e, como cautela, impe-se suafixao em nmero diminuto. Historicamente, todavia, nem sempre tiveram osdireitos reais estrutura tpica, bastando lembrar que no antigo direito germnicovigorava o princpio de sua livre formao.37

    Atualmente, porm, a importncia da propriedade e a circulabilidade dosbens impedem que assim seja, ao contrrio do que sucede no direito das obri-gaes. Esta, alis, uma das notas mais significativas, para o discrime entre osdois campos.

    Exemplo frisante da imitao da liberdade de dar clusulas ao negciojurdico o da fixao de preos para certas utilidades. O ato administrativoque, com base em lei especial, determina o preo altera as obrigaes em cursono contrato.

    Dentro da filosofia do Estado liberal, atos dessa natureza seriam inadmis-sveis, por existir; como j notamos, a separao ntida e quase absoluta entreEstado e sociedade. manifesto, porm, que tal separao no dizia respeito atodos os aspectos, Pois, do contrrio, no se poderia compreender em que. .consis~iriam as funes do Estado. Este intervinha para tornar orgnicos,navida social, os princpios apregoados pelo liberalismo e erradicar tudo aquilo

    37 Afirma Heusler: "Secondo a/cul1i tutli i dirilli reali alluaci COI1la Gewehre sarebcro Slali dirilli reali:pcrci aliche la lOCzione, il mutuo, il comodalo, il depsito". Cf. Barassi, Dirlli reali e possesso, 1952,v.l,p.49. I

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    Os princpios I 2que se vinculasse estruturao de classes ao estilo do sistema feudal. A inge-rncia do E:;tado efetuava-se no sentido da igualdade, no do nivelamento, no dageneralizao dos princpios polticos dc;:orrentes da insero dos Bill ofRightsnas ('artas ~onstitucionais.

    Modernamente,o Estado possui funes de formador subsidirio do meioeconmico e social, exarando normas que se dirigem planificao de certasatividades dos particulares, em determinados momentos, e editando, por ve-zes, legislao marginal ao fenmeno sociolgico do mercado.

    No desempenho dessas prerrogativas, derivadas do conceito de Estadosocial, praticam-se atos iure imperii, destinados a alterar e ajus!ar os negciosprivados, afeioando-os poltica governamental. Alguns desses atos refletem-se nas relaes obrigacionais, como aqueles, por exemplo, que fixam preos:estipulando as partes preo superior ao constante da tabela, nula a estipulao,e, se a fixao de preo ocorrer na vigncia do contrato, o preo convencionadoser reduzido ao montante previsto na determinao administrativa.

    Com relao incidncia de leis li:nitadoras do poder de regulamentarclusulas, discute-se a aplicao de certas garantias e direitos individuais, pre-vistos, entre ns, no art. SQ da Constiwio de 1988. O dissdio de opinioiniciou-se em torno dos denominados restrictive covenants,38 isto , de clusulasque impossibilitem, por exemplo, seja efetuada sublocao para pessoas dedeterminada raa ou cor. Postular-se-ia a aplicao, numa relao contratualde direito privado, entre particulares, de uma garantia que .se parece dirigir,to-somente, aos vnculos entre Estado e indivduo.

    Por certo, existem determinados direitos inalienveis, como os de deci-so em questes de crena e conscincia, como os direitos vida ou liberdadeindividual, que se manifestam tanto perante o Estado quan!o perante os indiv-duos ut singuli. Qualquer contrato, em que se abolisse ou restringisse um des-ses direitos, seria, ipso facto, nulo.

    Mas tambm direitos de outras categorias, assegurados na Constituio,aplicam-se s relaes entre particulares. No seria exato, entretanto, pensar"que todasas disposies const'Ciomi.is, endereadas ao indivduo, refleterri~sede forma imediata no direito civil ou comercial. Geralmente, faz-se mister aexistncia de lei ordinria.39

    38 Buchanan v. "Warley", 1917,245 US 60; Harmon v. Tyler, 1927,273 US 668.39 Esser, Schuldrecht, p. 15; Larenz, Lehrbuch, p. 57; Siebert, Treu ul1dGlaubcn, p. 16.

  • Ij,4

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    30 I A obrigao como processoOs neg6cios jurdicos do tipo dos restrictive covenants no ferem apenas o

    princpio constitucional da igualdade perante a lei, mas infnngem tambm prin-cpio de direito que limite da autonomia da vontade: o dos bons costumes.40

    A nulidade, portanto, de~sas ::onvcnes vincula-se a princpio geral de direitode contedo dinmico. Em alguns setores, como no direito das sociedades,considera-se hoje imanente o axioma do igual tratamento.

    Finalmente, a faculdade de determinar o contedo do negcio jurdicopode ainda ser restringida em razo do desnvel de poder econmico, do qualdecorre a fixao unilateral das condies gerais do contrato, como sucede nosde adeso.'

    O poder econmico, no plano sociolgico, altera sensivelmente, ou atmesmo anula, a faculdade de uma das partes estabe!ecer clusulas ao negciojurdico, influindo no apenas nos contratos celebrados entre empresas e indi-vduos, mas tambm entre sociedades, pelos efeitos da sua concentrao.

    A liberdade absoluta de concratar, sem legislao marginal ao mercado,que harmonizasse as foras econmicas em litgio, ocasionou, nos pases alta-mente industrializados, profundas restries ao princpiO da autonomia da von-tade. Os particulares se viam no s forados a no poder escolher com quemcontratar;.... OrgQilsatonzwang -, como igualmente se lhes impossibilitava odilogo a respeito do contedo do contrato.41

    Logo, entretanto, manifestou-se reao legislativa em todos os pases oci-dentais,no sentido da liberdade de concorrncia, contra o monoplio e os con-tratos reveladores de prtic;as monopolsticas.42

    iO Flume, AlIgemeiner, 1965, v. 11,p. 22.41 Lehnich, Die Wettbewerbsbeschrnkung, 195, p. 50.42 Idem, p. 51. A luta contra a concentrao do poder econmico comeou cedo. A common lawpropiciou o arsenal conceitual, proibindo, desde o sculo XVI, os contratos in restraint oftrade, por lhesfaltar, para a validade - dizia-se - uma good consideraton. As leis nesse sentido, principalmente nosEstados Unidos, multiplicaram-se, a partir do Sherrnan Acr, 1890. Na Frana, o preceito do Cdigo Civil,arL -1."133';'de que a causa'test pmibepar la loi quand elle est contrare aux bonnes moeursou l'ordrePubJiqu( foi ~plicado aos atos que afetassem a livre concorrncia. No direito alemo, embora a doutrinase'esforasse 'em afirmar a proibio desses atos, em razo da clusula que estabelece a nulidade dos atoscontra os bons costumes, a jurisprudncia entendeu que, perante a mencionada regra, os sistemas demonoplio ou de livre concorrncia eram indiferentes. As prticas monopolsticas ensejaram o surgi.mento de contratos que impedem a escolha do alter, como nos chamados tying contrac/s, bem como oestabelecimento de algumas clusulas com eficcia perante terreiros, tal como ocorre na fixao depreos para revenda. Sobre este ltimo aspecto, vd. Michael R. Will, Resale price mantenance, 1961,p. 40 esegs.

    Os princpios I 31Apesar diSso, as exigncias do trfico econmico moderno tm mantido

    como fenmeno irreversvel, os chamados contratos de adeso, nos quais ape~nas uma das partes estabelece as condies do contrato e a outra a elas sesubmete.

    . J se percebe, desse quadro sumrio, que o meio social llo apresenta,hOJe, a face que ..presentava no sculo passado.

    A .construo sistemtica do direito, tal como a empreenderam os~andectlstas~ procurou estender uma rede de princpios rgidos, os quais, pra-tlcamente, nao comportavam excees. Princpio dominante era o da autono-~ia da.vontad.e e, conceito c~ntr

  • 32 I A obrigao como processo

    No fundo, cuida-se de uma harmonizao da teoria de Windscheid - odireito st'bjetivo como poder da vontade - com a de Jhering - o direito subjeti-vo como interesse jl1ridicamente protegido -, abrangendo campos definidosdentro da teoria das fontes das obrigaes.

    Boa-f

    A influncia da boa-f na formao dos institutos jurdicos algo que nose pode desconhecer ou desprezar. Basta contemplar o direito romano paraavaliar sua importncia. A atividade criadora dos magistrados romanos,restringida num primeiro momento ao ius gentium, e posteriormente estendidas relaes entre os cives, atravs do ius hOllorarium, valorizava grandemente ocomportamento tico das partes, o que se expressava, sobretudo, nas actiollesexfide bona, nas quais o arbtrio do iudex se ampliava, para que pudesse consi-duar, na sentena, a retido e a lisura do procedimento dos litigantes, c;uandoda celebrao do negcio jurdicoY

    Modernamente, fato similar ocorre com as chamadas clusulas gerais queconsagram o princpio da boa-f, como o 9242 do BGB.

    As mximas, que penetram pela clusula geral no corpo do direito pbli-co e privado, encontram-se em certos princpios constitucionais, nas concejJ-es culturais claramente definidas e susceptveis de serem objetivadas, na na-tureza das coisas e na domrina e julgados acolhidos. H

    43 Enquanto no processo das legis aetiones o officium iudieis limitava-se "legalmente", sendo reduzidoo seu arbtrio, nos processos que repousavam apenas no imperium do magistrado para aplicao dasregras do ius gentium, o arbtrio do iudex ampliava-se, ensejando a recepo de principias gerais quedavam origem a vinciJlos juridicos e serviam de medida s pretenses. Quando as aes de boa-f foramadmitidas na ordem processual da Estada, passando a integrar a ius civile, a boa-f perdeu a funocriadara de deveres principais, canservanda, entretanto, a de medida dos deveres ou de formadora dedeveres secundrios (Kaser, Das rmisehe Privatreeht, v. I, 1955, p. 406-407; "Resliluere" aIsProzessgegenstand, 1932, p. 40).Par outra lado, na atividade processual a aequitas, pelo menos na forma de aequum bonum, apareceiiltimariirie Iigad bon~ fides, passuinda um s sentido (Broggini, ludex arbHerve, 1957, p. 124 e[l()ta 3Q) .. A aequHas corresponde, na direito ramana, epieiheia grega, sendo o termo traduo dasara dores romanos (Schulz, Geschiehte der rmisehen Reehtswissensehaf!, 1961, p. 90). A epiei/zeia 'e~a~anceito bastante definida na literatura grega e se caracteriziWa, praticamente, como "comportemen!rfleehi l'gard d'autrui", import;;ndo, muitas vezes, em renncia " san droit strict au profit d'autrui"(Jger,Justinien et I'''episcapalis audientia", Rev. Hist. de DlOil Franais el lranger, 1960, p. 252).A essncia dos deveres de baa-f, em sentido moderno, est no "comportement rJleehi I'gard'autrui", como mandamento bilateral de conduta.+! Wieacker, Gesetz und Richterhunst, 1958, p. 17.

    0< princpios I 33.. A seu turno, o dever que promana da concreo do princpio da boa-f ~dever de considerao pan com o altero Mas tais deveres no se manifestam emtodas as hipteses concretas,45 pois que, em muitos casos, dependem de situa-

    ,

  • 34 I A obrigao como processo

    o princpio da boa-f contribui para determinar o que e o como da presta-ao e, ao relacio:1ar ambos os figurantes do vnculo, fixa, tambm, os limites daprestao. '18

    Nos neg'dos bilaterais, o interesse, conferido a cada participante da re-lao jrdica (mea res agitur), encontra sua fronteira nos interesses do outrofigurante, dignos de serem protegidos. O princpio da boa-f opera, aqui, signi-ficativamente, como mandamento de considerao.

    Quando o vnculo se dirige a uma atividade em proveito de terceiro (ges-to de negcios, negcios fiducirios), o dever de leva;-em conta o interesse daoutra parte (tua res agitur) contedo do dever o gestor ou do fidpcirio.49

    Nas relaes jurdicas em que a cooperao se manifesta em sua plenitu-de (nostra res agitur), como nas 2~ sociedade, em parte nas de trabalho e, prin-cipalmente, na comunidade familiar, cuida-se de algo mais do que a mera con-siderao, pois existe dever de aplicao tarefa suprapessoal, e eXIge-se dis-posio ao trab.:

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    36 I A obrigao CC;TlO processesem dificuldade, caso o interesse de ambas as ;Jartes no fosse devidamenteconsiderado. 52

    Por meio da interpretao da vontade, possvel integrar o contedodo negcio jurdico com outros deveres que no emergeTll diretar:lente dadedal ao.

    Em muitos casos, difcil determinar, com firmeza, o que resultado daaplicao do princpio da boa-f e o que conquista da interpretao integradora. certo que tal forma de interpretao serve, realmente, para aumentar o conte-do do negcio jurdico; mas, por outro lado, no menos exato que se adstringe,to-somente, pesquisa e explicitao volitiva das partes no momento da consti-tuio do ato, no abrangendo, por conseqncia, as mesmas situaes atingidaspelo princpio da boa-f, o qual traa uma rbita bem mais ampla, assumindo,por vezes, funo limitadora de direitos (inclusive formativos) dos partcipes darelao,53 e alcanando todos os momentos e fases do vnculo, desde o seu nasci-mento at o adimplemento ce deveres e obrig1es.

    Alm disso, o princpio da boa-f revela-se como delineador do campo aser preenchido pela interpretao integradora, pois, de perquirio dos prop-sitos e intenGs dos contratantes, pode manifestar-se a contrariedade do atoaos bons costumes ou boa-f.

    Finalmente, em muitos casos, quando se pensa estar fazendo interpreta-oo integradora, em realidade o que se realiza a aplicao do princpio daboa-f. A explicao de todos os atos jurdicos tendo por critrio a vontade -mesmo quando inexistente - sobrevivncia da cincia do direito do scu-lo XIX, e pertence categoria das concepes j relegadas ao museu do pensa-mento. O rigor cientfico exige a separao entre as hipteses da interpretaointegradora e a de concreo do princpio da boa-f, o qual tem vigncia mes-mo como norma no escrita.

    Boa-f e usos de trfico

    O 9242 do BG~ determina a observncia, na efetivao da prestao, dosditames dos usos de trfico.

    52 A vontade, di-lo Belli, "di pcr s~ mua CIlcila psiclJica i"diddu,,/i "O" acquisla rive/a"za socia/c se "O"'cndcdosi reco"oscibilc agli a/cri SOliO fOlm" di diclJiarao"c o di colllponalllCllli e da"dosi un COlllcllucosocialmenle aprezzabi/e sullerreno del/"auco"omia privara" (Teoria gcnerale dei negozio giUlidico, p. 4).53 Slaudnger-We~er, Kommenlar, v. 11,p. 12.

    Os princpios I 37J afirmamos qlie a boa-f, como proposio fundamental de direito, tem

    vigncia ~ aplicao, independentemente de haver sido recebida como artigoexpresse de lei.

    Mas, perguntamos, ter o princpio, no direito civil brasileiro extensoigual do art. 131, I, do Cdigo Comercial, ou dn 9242 do BGB?

    A resposta pressupe um exame mais minucioso do carter dos usosde trfico.

    Os usos de trfico, tanto no 9242 do BGB, quanto no art. 131, I, do Cdi-go Comercial, integram o corpo do direito objetivo. Como conseqncia, a am-pliao ou o enriquecimtnto do contedo do negcio jurdico, o.tnves dos usosdo trfico, opera-se ex vi legis.

    Ao contrrio do que sucede com o princpio da boa-f, os usos de trfico,para incidirem como norma, necessitam recepo legislativa. Quando tal requi-sito implemenudo - esclarec.e \Volfgang Siebert -, os usos de trfico no semanifestam como meio para a pesquisa da vontade inclividu~tlmente declarada,mas explicam ecop.:plerr.entam a declarao, como regra legal de hermenuti-ca.54 No direito comercial brasileiro e no direito civil alemo, o uso assimmeio legal de interpretao. Uma vez admitido em artigo de lei, passa a integraro negcio jurdico, complementando a declarao de vontade das partes, nosendo alegvel, conseqentemente, erro a respeito de sua existncia ou signifi-cao.

    No direito civil brasileiro, por ausncia de artigo expresso, os usos detrfico penetram como simples elemento auxiliar, para a interpretao da von-tade dos contratantes, no se constituindo em regra legal de exegese.

    Boa-f e autonomia da vontade

    Os deveres resultantes do princpio da boa-f so denominados deveressecundrios, anexos ou instrumentais. Impe-se, entretanto, cautela na aplica-o do princpio da boa-f, pois, do contrrio, poderia resultar verdadeira sub-

    . verso da dogmtica, aluindo os conceitos fundamentais da relao jurdica,dos direitos e dos deveres.

    Desde logo, importa deixar claro que nem todo adimplemento que nosatisfaa integralmente outra parte redunda em leso ao princpio, pois a

    54 Treu und Glauben; p. 12.

  • 38 I A obrigao como processoinfringncia h de se relacionar sempre com a lealdade de tratamento e o respeito esera jurdica de outrem. 53

    Por outro lado no se trata a~solutamente Cleconceito de ordem subjetiva,,que levaria a exigir-se das partes a conscincia do enquadramento da condutadentro de um dever genrico e despersonalizado, como o o da correo social.-

    O dever que se cumpre, ou se descumpre, dever para com uma pess.)adeterminada. As relaes que se estabelecem com essa pessoa so, tambm,determinadas. A conformidade ou desconformidade do procedimento dos sujei-tos da relao com a boa-f , por igual, verificvel apenas in concreto, examinan-do-se o fato sobre o qual o princpio ip..cide, e da ipduzindo o seu significado ..

    Constituindo a boa-f conceito dinmico, no possvel percel:Jer todasas suas virtualidades, mas apenas estabelecer a linha divisria entre o seu cam-po e o da autonomia da vontade.

    A prestao principal do negcio jmdico determinada pela vontade.. Para que a finalidade do negcio seja atingida, necessrio que o devedor rea-lize certos atos preparatrios, destinarlos a satisfaz~r a pretenso do credor.Alguns desses atos constituem adimplemento de deveres que nascem da mani-festao ou declarao de vontade jurisdicizada.

    Outros, porm, surgem desvinculados da vontade, ncleo do negcio ju-.rdico, por vezes ligados aos deveres principais e deles dependentes, por vezespossuindo vida autnorri3. Os deveres desta ltima categoria, chamados inde-pendentes, podem perdurar mesmo depois de adimplida a obigao principal.

    A dogmtica do sculo passado tinha por centro a vontade, de forma que,para os juristas daquela poca, todos os deveres dela resultavam. Em movimen-to dialtico e polmico pder-se-ia chegar concluso oposta, isto , a de quetodos os deveres resultassem do princpio da boa-f. Mas a verdade est nocentro: h deveres que promanam da vontade e outros que decorrem da inci-dnci2

    O Cdig0 Napolenico, todavia, embora no houvesse dado tratamentllegislativo s espcies susceptveis de ocorrerem, enunciou o princpio geralcom rara felicidade, ao dispor que "les cotlvcntions obligcnt no)] seulcmcnt ccqui Y cst exprim, mais encore toutes les suitcs que l'quit, l'usage, Oll la loidOl1ncnt l'obligatol1 d'apres sa )]ature" .63

    O exame da obrigao, "d'apres sa nature", d precisamente a chave paraa conceituao dos deveres anexos, pois "natureza" expressa-se a no sentidode finalidade do contrato.64.

    57 Cdigo Civil, art. 1.300 (667).58 Cdigo Civil, art. 1.336 (866) .59 Cdigo Civil, art. 865 (234), infinc; arts. 867 (236) e 8/L' (239).60 Cdigo Civil, art. 87

  • 40 I A obrigao como processoo conceito de dever secundrio mais amplo que o de culpa, embora

    entre ambos existam pontos de contato.65

    princpio consagrado, inclusive em nosso cdigo, qli~ se a prestao se'ornar impossvel, no todo ou em parte (quantitativa ou qualitativamente), por

  • 42 I A obrigao como processo~---- -- ----------,

    preciso ter presente, portanto, a ad~ert~~ia_~eLe_~n:ann:J"no se pode Iremover os males do mundo com o 9242, nem com ~~~amp~~0._~1_t~

  • 44 I A obrigao como processodo no plano do direito obrigacional. As obrigaes resultantes do contrato detrabalho ou da cesso de crditos so adimplidas nessa dimenso, embora nemsempre o ato de adimplemento tenha a mesma categoria. Nas hipteses deobligatio faciendi, o cumprimento, salvo nos casos de pr-contrato, ato-fato;na cesso de crdito, por sua vez, negcio jurdico dispositivo.

    A distino entre a fase do nascimento e desenvolvimento dos deveres e ado adimplemento adquire, entretanto, sua mxima relevncia, dogmtica e pra-ticamente, quando o adimplemento importa em tr~llsIl1i.?sOda ~ropri~9a~e. Afase do adimplemento se desloca, ento, para--plano do c~eitodas coisas. Taldiviso em planos, quando absoluta, significa abstrao da causa, nos casos deaquisio derivada. O exame das fases da relao obrigacional leva-nos, assim, anlise da teoria da causa, a fim de que os problemas dogmticos decorrentesda separao entre o plano do direito das obrigaes - em que se inserem onascimento e o desenvolvimento dos deveres - e o do direito das coisas, em queo adimplemento se verifica, sempre que esse adimplemento importar na trans-ferncia de propriedade, possam ser tratados.

    Teoria da causa no direito romano e medieval

    No direito romano, o conceito de causa aparece relacionado com acondictio e com a traditio. Com referncia aos demais atos, como a mancipatio e---- --------- --a in iure cessio - alis abstratos, segundo a terminologia moderna - a esar deeviden~iarem a ntida2..eparao entre o plano do direito das obrigaes e o dodireito das0isa5:)a idia de causa permanece na sombra.

    A teoria atual da ciusa, como fundamento ou base do ato juridico, oresultado da generalizao de regras isoladas do direito romano, atinentes traditio. Por outra parte, a causa concebida como fim, ou funo, do negciojurdico o produto do exame do conceito de causa no direito das condictiones.Todavia, a condictio no direito romano clssico no se vinculava, de nenhummodo, ao enriquecimento sem causa, mas referia-se possibilidade de exigir-secerta res ou certa pecunia, e isso somente na datio.76 Inexistia qualquer condictiosine causa, de mbito geral, que facultasse corrigir o deslocamento patrimonial

    . sem fundamento, ou causa.79

    76 Esser, Gnmdsatz und Norm, p. 45.79 Esser, idem, p. cito

    .':::. ..3

    Os princpios 45

    A~na traditio e na condictio

    _ Vigorav~ no direito romano clssico o princpio de que, na frmula daaa~, se d~vena mencionar o~. A condictio constitua, contudo, ex-ceao (Gal~, .4, ~7b) ..Usava-se a condictio nas hipteses defrepet~de paga-ment~ de dIVIda mexIstente, servindo-se, por analogia, da ao correspondenteao. mutuo_.

    60!al repetio, entretanto, ao contrrio da efetuada com base no

    ~utuo, nao tmha seu fundamento em contrato preexistente, mas decorria daSImples entrega da coisa (ex re). Da a afirmao de Gaio (3 91)' "U d 'd~ . . . ' . n eqLIl ampupz um aut mulzerem, cU! szne tutoris auctoritate non debitum per errarem datumest, 11011 tenaz condictione, 11011 magis quam mutui datiolle Sed h .bl" '. . . aec speCles

    o Igatl~/llS 11011 v!detur ex contractu consistere, quia is, qui solvendi animo datmagls dzstrahere vult llegotill1ll quam contrahere". '

    O mesmo pensamento encontra-se em Celso (D 12 1 32) d" .. _ . " ,ao Istmgulrentre o mut~o ~ue nao se pode realizar nisi inter consentientes e a obrigao quenasce da propna entrega da coisa, isto , ex re, e sem o contrahere.

    Tendo~se presente as concepes gerais de Gaio, no fcil harmonizar apassagem acnna ~eproduzida com a Summa dvisio das obrigaes 0, 88) em excontractu e ex ~elzcto. O mtuo ~i~ha como pressuposto de existncia a entregada res. Mas, alem da entrega, eXIgIa-se, ainda, elemento volitivo, que se expres-sav~ no con.trahere. Se a vontade fosse completamente indiferente, nenhumar~zao havena para contrapor, ao contrahere, o distrahere. Demais disso comoVImos, a mesma idia se reflete em Celso. Restaria, ento, outra fonte ex 're noconumerada por Gaio, no trecho aludido. '

    Confirmaria este ponto de vista o fr. de Gaio no D 44 7 1 I .d' . - d" I d ' '", no qua , aIVlsao tra IClOna as fontes, verifica-se o acrscimo de uma o t .... . u ra, ex van!s

    causarum f!guns, por muitos tido, no entanto, por interpolado.De qualquer forma, a discusso est aberta, e o texto referido parece

    demonstrar que o Contrato estava em germe, constituindo "a vontade d _t '"'' d d -----,,-- e conralr e a vonta e e solver" coisas perfeitamente distintas.61. . Verdade , entretanto, que o conceito fundamental do direito romano

    cla.sslco era o de actio. A obrigao no nascia somente porque as partes oqUIsessem, mas sobretudo porque existia uma actio iuris civlis para a hiptese,

    80 Gaio 391'''[ . db'proind '.' d:' s quoque, qUI /1011 e Itum aecepit ab eo, qui per errarem solvit, re obligatur; nam. 81 e el con leI potest SI paret ewn dare oportere, ae si mutuum aeeepisset".

    Vd. Schwarz, Dre Grundlage der eOlldietio im hlassisehen Rmisehen Reeht 1952 13-14, ,p. .

  • 46 I A obrigao como processomuito embora a actio no fosse concedida caso as partes no visassem o efeito

    obrigaciona1.82 .'De grande importncia para a ~ia da causa, em senndo moderno, e a

    col1dictio causa data, causa 110n secuta, tambm denominada ob rem, paradiferenci-la da ob causam, ou seja, da que se refere a algo que j ocorreu.

    Num fragmento de Pompnio diz-se que: "ob rem vere datur ut aliquidsequatur 110nsequel1te repetitio competit" .83A mesma regra surge em Paulo: :'OIl111equod datur aut ob rem aut ob causam. Ob rem igitur honestum datur et repeti potest

    tn 84si res propter quam datum est secuta 11011es . .Res (ob rem no fragmento de Pompnio e de Paulo) tem a acepo de~,

    em oposio simples caus~retrita.85 Os juristas romanos diferenavam,perfeitamente, a datio ob rem da datio ob causam. Esta ltima dizia respeito aoque, desde Baldo, se denomina motivo e era irrelevante.

    A significao de callsa, porm, sofreu aumento em seu ~rc,!l5?-deabrangnci-lJazendo com que os juristas posteriores poca de DlOcleClanousassem, indiferenciadamente, as expresses res e causa, como se pode consta-tar do D. 12,5,9: "quamvis propter rem datum sit et causa secuta 11011sit", ou do

    d d. " 86D. 12,6,65,3, onde se l: "quia causa propter qual11 e [nOI1 est secuta .Lenel, examinando a condictio ob rem, define a causa do ato jurdico ao

    afirmar que "juridicamente relevante somente o fim da prestao que for fun-~ )J 87

    da mental para a sua natureza economlca . .., ..Embora seja discutidssimo o problema da iusta causa tradItlOnlS no direI-

    to romano clssico, parece, entretanto, que a vinculao ao negcio anteceden-te era exigida para a transferncia de domnio. Como meio de transpasse dapropriedade sobre coisas nec mancipi, necessitava a traditio de uma cau~a quequalificasse o ato material da entrega da coisa, fazendo com que o~ ~feltos sediferenassem dos verificados no comodato, na locao ou no deposito, ondeessa entrega tambm ocorria, embora com a simples significao de transmis-

    82 Schwarz, Oie Grundlage, p. 13: "Auch bei diesem negotium contrahere in nwen $inneen1sceh1 dieobligatio nich1, weil die Parteien die VerpJlich1ung wol/m, sondem weil es eine acuo Juns :,v,hs g,bl. Oochen15teht sie nicht, wenn nicht beide Parteien diese VerpjlrchtungswlrJwng beabslchtrgen .83 D. 12,6,56.

    84 D. 12,5, L "( I D' L h85 "Oiesen Zwecn nennt Pomponius res in Gegensatz zum blossen causa praeterita. Lene, le e re vonVoraussetzung, Archiv J. die civ. Praxis, v. 74, p. 235); Schwarz, op. Clt., p. Clt.86 Schwarz, op. cit., p. 132.87 Die Lehre cit., p. cit.

    Os princpios I 47so de posse. Desenvolveram-se, assim, diversos tipos de causa, sob uma uni-dade conceitual, tais como a donandi, credendi, solvendi etc.

    A causa no direito medieval

    Os juristas medievais continuaram a elaborao romanstica, e a eles sedeve, em muito, o conceito atual de causa. Sob a influncia de mtodo e concei-tos escolsticos, e convictos de que o Digesto era algo completo e perfeitamenteconcordante, comearam a elaborar um sistema, do qual emergiu a modernacincia do direito. -

    E dos jur'istas medievais a doutrina dos pacta vestita, a qual distinguia oscontratos segundo o "vestimenta", ou seja, o aspecto ou a forma com que seapresentavam. Azo entendia que o pacto poderia ser "vestido" das seguintesmaneiras: re, verbis, litteris, co1Jaerentia contractus e interventu rei.88 Acrsio acres-centou enumerao o vestil1lentum legis auxilio,

    Bastante elucidativo do processo utilizado a glosa ao D. 2, 14, 4: "Sedcum nu lia subest causa propter conventiol1em hic col1stat non posse constituiobligationem" - em que se afirmou - "si in contractibus non valet conventio sinecausa id est sine vestimento". Na Summa Trecensis (2, 3,8), atribuda por uns aIrnrio, por outros a Rogrio, definiu-se a causa como "dationem seu factum autcontractWTI" .

    No esforo de harmonizao das diferentes passagens do Dgesto, tenta-ram os juristas medievais reunir os pressupostos necessrios existncia dosatos jurdicos sob o imprio de conceito que fosse comum a todos eles.

    Na busca de unidade, em meio a elementos to heterogneos, pareceu-lhes que a teoria do vestimento teria a virtude, ao menos, de dar aspecto siste-mtico matria. -

    Com referncia, de outra parte, elaborao sobre o conceito da condictioob rem, podemos resumir as concluses de Sl1ner, partindo do direito romano.A condietio causa data, causa non secuta mereceu exame acurado dos glosadores:possua ela especial importncia ao tempo em que a actio praescriptis verbis nose constitura em ao de adimplemento de mbito generalizado. Cabia aquela

    88 A respeito da elaborao medieval, vd. Sllner, op. cil., passim; Brmann, "Pac~ sunt servanda", Rev.Inc. de Orait Campa r, 1961, p. 18 e 55.; Calasso, Il negazo giuridico, 1959. A respeito da terminologia

    , medieval: cohaerentia conlractus era o relacionamento do pacto nu com um contrato acionvel, emforma de acordo adjcto; a in1erven1u rei constitua-se na prestao prvia feita nos contratos inominados.

  • 48 I A obrigao como processo

    condictio nos casos de contratos reais inominados, quando a outra parte deixas-~de cumprir sua obrigao. Com a elaborao do Digesto, conservou-se acondictio em sua forma primitiva, embora fosse facultado, quele que adimpliu,exigir da outra parte a prestao, usando, para esse efeito, a actio praeseriptisverbis. E, sob a influncia da escolstica, transportaram para o campo jurdicoo conceito de causa finals, aplicando-o s hipteses da condictio callsa data,callsa non seCllta. O fim a prestao que se visa obter atravs do contrato.89

    Para chegar-se a um conceito geral e unitrio de causa, houve a necessi-dade de superar o de pacto nu, dando-se eficcia a toda e qualquer conveno,independentemente da teoria do vestimento. Tal superao realizou-se atravsdos canonistas.

    Ainda para a unificao do conceito, era imprescindvel a harmonizaoda causa da condictio com a callsa da traditio. J foi mencionado que a causa datradio era conceito unitrio, tpico, o mesmo no ocorrendo, no entanto,com a causa das condictiones. As mesmas discusses que, com relao colldietio,se travaram no direito romano, foram repetidas, embora com outros termos,

    - pelos glosadores. A colldictio ob callsam (motivo) passou a ter equivalente, naIdade Mdia, no conceito de callsa impulsiva, que no dava margem repetio.Finalmente, com Acrsio e a sua teoria a respeito da stiplllatio e das obrigaesliterais, nas quais a causa uma obrigao antecedente, comea, em verdade, aunificao dos conceitos de causa na traditio e na condictio, muito embora so----mente mais tarde essa unificao viesse a se completar.

    A causa no direito moderno e o problema da separao de planos

    O direito moderno reelaborou a teoria da causa, com os dados do direitoromano e medieval. Da surgiram duas linhas de pensamento ou duas correntes(objetiva e subjetiva), que, respectivamente, salientaram os aspectos emergen-tes da illsta causa traditiOllis e da condictio ob callsam. Por fim, vincularam-seambos os conceitos atravs da funo objetiva do negcio jurdico, o que ensejoua ligao do ato jurdico antecedente ao subseqente. Note-se que se cuida defuno e no de fim, propriamente, porque a transmisso abstrata da proprie-dade ato final (Flume, op. cir., p. 24).

    89 Die Causa, p. 36-37; Brmann, op. cit., p. cit.

    Os princpios I 49A doutrina, denominada clssica, examinou o conceito de causa e rela-

    cionou-o ao de atribuio patrimonial. Algumas crticas foram feitas a esse enten-dimento,90 mas no cabe aqui examin-las, pois tais crticas no negam que acausa se expresse na atribuio patrimonial, mas apenas afirmam que o concei-to de causa mais amplo.

    Em se tratando de transferncia de bens, vale o axioma de que no hatribuio sem causa. A causa existe sempre, embora os sistemas jurdicos, emcertos casos, possam ~pedir a sua verificao, abstraindo-a.

    No direito germnico, o acordo de transmisso de propriedade de bensmveis e imveis abstrato, em razo de dispositivo do ordenamento jurdicoque torna a causa irrelevante. J no direito francs, a prpria compra e vendaque transfere a propriedade, embora somente interpartes, antes do registro. OCdigo Civil brasileiro adotou posio intermediria, ao fazer depender a efic-cia da tradio do negcio jurdico antecedente, princpio este que a jurispru-dncia estendeu transferncia de imveis pela transcrio.

    Para melhor compreender a estrutura jurdica dos negcios deadimplemento, preciso, entretanto, confrontar o nosso sistema com o doCdigo Civil alemo, que grandemente o influenciou.

    Direito germnico

    O direito comum exigia, para a transferncia da propriedade, negcioobrigacional e, alm disso, a tradio ou a transcrio, conforme fossem osbens mveis ou imveis. Savigny, em 1840, no seu Sistema de direito romanoatual, classificou, porm, a tradio com? contrato de direito real, diverso doobrigacional, partindo do pressuposto de que, quando a tradio importasseadimplemento, se exigiriam declara~s'C.1~v.~m~~~ c!2.c:r~rrr.~~t,:}!e e doadquirente.91 Mais tarde, nos@!otivS)para o Projeto do Cdigo Civil alemo,encontra-se a afirmao de que o conceito fundamental o do contrato, e, emverdade, no menos importante para o direito das coisas d;que para o dasobrigaes.92 E o direito alemo de nossos dias o resultado da elaboraorealizada pela ltima fase da pandectstica, na qual ressalta o conceito de neg-

    90 Vd. Cohn, Zur lehre von Wesen der abstrakten Geschfte, Archiv f die civ.Praxis, v. 135, p. 67 e segs.91 5yslem des heuligen Rmischen Rechls. 1840, v. 1lI, p. 312-313: "50 isl die Tradilion ein wahrerVertrag(.. .). Man knnle, zur sch1eren Unlerscheidung, alle diese Fllen aIs dinglichen Vertrag bezeichnen".92 Motive, 111,1896, p. 7.

  • 50 I A obrigao como processocio jurdico de direito das coisas. No sistema alemo, direito das_~briga~es edireito das coi~~;~ntraTI rigidamente separados, de sorte que o acordo,.de transmi~ ou seja, o negcio jurdico dispositivo que adimple a obriga-o - abstrato e se situa no plano do direito das coisas. A compra e venda,porm, causal:Como negcio jurdico, embora de direito das coisas, o acordode transmisso submete-se a regras que incidem tambm sobre os demais ne-gcios jurdicos, como aquelas que dispem sobre validade. Enquanto, porm,o poder de disposio no requisito de eficcia dos negcios jurdicosobrigacionais, apresenta-se como indispensvel produo de efeitos dos ne-gcios jurdicos do direito das coisas. Discute-se se ser nulo, quando perse-guir fim imoraL Segundo a doutrina dominante, sendo o negcio dispositivo um"fim em si mes~o", moralmente indiferente. A jurisprudncia mais recente/\...,"_ -.,.r __ '......../ J" ,, __

    tem, contudo, admitido a possibilidade de contgio, embora seja aindagrandemente controvertida. No cabe dvida, no entanto, que~~transmisso so a licveis as re ras ara os negcios obrigacionais, desde que~m com a natureza do ato dispositivo, isto , de declarao de vontadedestinada aproduzir imediatamente a perda de um direito ou a sua modificaogravosa.93

    OE:incpio da separ~ absoluta entre o plano dos direitos obrigacionaise o dos direitos reais tem sofrido temperamentos, em alguns casos, em parte~.como decorrncia das crticas feitas ao sistema da transmisso abstrata da pro-priedade. Assim, a circunstncia de ser o negcio antecedente contrrio aosbons costumes poder afetar a validade do negcio jurdico dispositivo. Igual-mente, quando o negcio jurdico do direito das obrigaes e o real se origina-rem de um ato de vontade unitrio, cabe a impugnao do negcio jurdico dedireito das coisas.94 Ainda, em se tratando de bens mveis, admite-se que aeficcia do acordo de transmisso possa ser condicionada do negcio jurdicoobrigacional; as transmisses de imveis so, porm,incondicionveis, em vir-tude do s925, n, que declara ineficazes tanto a condio quanto o termo.

    Constatam-se, hoje, na doutrina alem, as posies mais diversas comrelao ao problema da transmisso abstrata da propriedade. Alguns postulam

    93 \8 egcio jurdico dispositivo'f aquele que se constitui por declarao d~, destinada apr

  • 52 I A obrigao como processoMas, nada impede que a separao seja considerada de modo relativo, ao

    invs de absoluto, conferindo-se carter causal ao negcio dispositivo e fazen-do-se com que ele dependa do negotium antecedens.

    Direito brasileiro

    o sistema adotado, no Cdigo Civil brasile~o_,_~o da separao relativa;e nele[no se encontra a express "negcio jrdi~e, conseqentemente, ade "negcio jurdico de disposio".

    Como tivemos oportunidade de examinar, no sistema germnico, o atode disposio negcio jurdico das coisas e ~ Tem-se afirmado, e issoparece deduzir-se de Gaio (3,91), que ~ obrigaes nem sem-pre a mesma de solver. Assim, o ato de soluo deveria abrigar, em seu con-tedo, vontade, seno adversa, pelo menos diversa do ato que cria obrigaes.Na trilha dessa ordem de raciocnios, entendem alguns que a solutio necessitade vontade especfica. O negcio dispositivo, em sistema de separao absolu-ta, tem vida prpria e, em conseqncia, dever-se- exigir vontade diversa dado ato que cria dever.

    Alm da vontade de adimplir em geral, exige o sistema germnico, em setratando de imveis, que o acordo diga respeito ao incio da alienao ou modi-ficao do direito (transferncia ou imposio de nus) e transcrio dessamodificao no livro fundirio,98 com a presena dos interessados.99 No quediz respeito s coisas mveis, o acordo referir-se-, simplesmente, transfern-cia.100

    Em sistema de separao relativa, a declarao de vontade que d con-tedo ao negcio dispositivo pode ser considerada co-declarad~_no negcioobrigacional antecedente. 101 que na vontade de criar obrigaes insere-senaturalmente a vontade de adimplir o prometido. No fora assim, o negciojurdico no teria as condies mnimas de seriedade que o direito exige. Da

    98 !l8?3.99 !l925.100 !l929 (trad.): "Para transferncia da propriedade de uma coisa mvel, necessrio que o proprietrioa entregue ao adquirente e que ambos estejam de acordo em que a proprie~ade deva s.er tra~ferida:'_.101 Sem esclarecer suficientemente a sua concepo de lege ferenda, a respeito da conslderaao unHanade ambos os negcios, mesmo quando devessem ser separados no plano do pensamento (gedanklich),admite Larenz a hiptese de declarao, implcita, ou co-declarao (LehrbuclI, v: !l, p_ 18).

    Os princpios I 53porque, quando algum vende algo, demonstra, tambm, nesse preciso mo-mento, vontade de adimplir o prometido.

    Esta vontade de adimplir inseparvel, no plano psicolgico, da vontadede crir obrigaes. Faltaria seriedade vontade criadora de dever, se, ao mes-mo tempo, no se desejasse adimplir o prometido. Esta insepar1iliU~de~e~ontades, entretanto, s existe, como tal, no plano psicolgico. No plano jur-dico, bifurca-se essa vontade unitria, a fim de encher negcios jurdicos dedimenses diferentes: o ~acion~_~c!~dimplemento, (lu_d~ c!ire\to das_~oi?as.Mas a vontade de adimplir, como decorrncia lgica da vontade criado-ra de direitos e obrigaes, somente existe naqueles casos em que o cumpri-mento de dever seja, a sua vez, negcio jurdico. Esta afirmativa parece bvia,mas convm ter sempre presente que existem outros negcios dispositivos,inclusive de direito das coisas, que no se constituem em adimplemento de umaobrigao. Nos de garantia, quando algum diz que "d em hipoteca determina-do imvel para garantir mtuo anteriormente realizado", cuida-se de negciode direito das coisas, negcio esse que no decorrncia lgica do mtuo,porque existem emprstimos sem garantia real, e o acordo de constituio donus negcio jurdico no plano dos direitos reais. E a se faz imprescindvel avontade dirigida constituio do gravame. Essa, por sua vez, no se poderconsiderar implcita no mtuo. Por outro lado, preciso excluir, tambm, aquelesnegcios jurdicos que tenham por finalidade a feitura de outros como os depr~a~. A, apesar de poder-se considerar implcita no plano psicolgicoa vontade de adimplir, juridicamente, em vista de o objeto do ato ser a feiturade um negcio, sua concluso necessrio que se manifeste a vontade. Cuida-se a de uma obrigao de fazer, de realizar o negcio jurdico, e a obrigao de emitir vontade de declar-la. Por esse motivo, no se pode considerar co-declarada no pr-contrato.

    Em nosso direito imobilirio, o problema da causa encontrou singularrelevo quanto interpretao do art. 859 do Cdigo Civil: "Presume-se per-tencer o direito real pessoa, em cujo nome se inscreveu, ou transcreveu".Para uns, entre eles, Filadelfo de Azevedo e Lysipo Garcia, a presuno eraiure et de iure, determinando, assim, a legitimao aparente ao non dominus eacarretando ipso facto a aquisio da propriedade ao comprador, desde quede boa-f.

    Para outros, como Soriano de Souza Neto, Orosimbo Nonato e HahnemannGuimares, a presuno meramente iuns tantum. o ato causal e no abstra-

  • 54 I A obrigao como processoto. Por esta ltima corrente se inclinou o Supremo Tribunal Federal, o qual, emreiterados arestos, vem pondo termo velha discusso. 102

    A abstrao ou causalidade no tem sido examinada sob o ngulo doprincpio da separao relativa de planos, pois o litgio se cingiu ao exame dapresuno dimanante do art. 859 do Cdigo Civil. Estabelecido que a transmis-so era causal e que a boa-f no tinha a virtude de tornar inatacvel o domnioadquirido de quem no era proprietrio, desprezou-se a fundamentaodogmtica que essa posio deveria forosamente exigir. Colaborou, para isso,a circunstncia de examinar-se o sistema de translao de domnio independen-temente de seu relacionamento com o negcio produtor de obrigaes. Comoaquisio derivada, como negcio de adimplemento (pagamento), fazia-se ne-cessrio o exame sob o cnon da totalidade, sem esquecer-se, todavia, das li-nhas diferenciais e das peculiaridades de ambos os setores do direito civil.

    A diviso em planos no tem por final