A cor na arquitectura

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A COR NA ARQUITECTURA NA “ESCOLA DO PORTO” Juliano Silva DISSERTAÇÃO DE MESTRADO FAUP | 2011

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A COR NA ARQUITECTURA NA “ESCOLA DO PORTO”

Juliano Silva

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO FAUP | 2011

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MESTRADO INTEGRADO EM ARQUITECTURA | Juliano Miguel Oliveira da Silva

Docente orientador: Arquitecto Manuel Graça Dias

Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto | 2011

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RESUMO

O interesse pelo tema - cor na arquitectura - resulta da falta de exploração e

consequente desconhecimento das potencialidades da cor, enquanto matéria,

ao longo da minha experiência académica. Este reconhecimento motivou a

que o presente estudo se inscrevesse no contexto - “Escola do Porto” -

conduzindo a uma dupla reflexão enquanto matéria transversal, quer ao

âmbito académico quer ao profissional.

Deste modo, a primeira parte do trabalho centra-se na preponderância da cor

no universo académico, no sentido de procurar compreender a origem das

(não)soluções cromáticas e os (não)critérios inseridos na “Escola do Porto”.

Para tal, é dada especial atenção aos princípios pedagógicos, que a priori

terão maior influência na elaboração projectual, nomeadamente o Desenho, a

História (referências) e o Lugar.

Para que esta reflexão não seja um caso isolado é, de igual modo, feita uma

abordagem ao estudo da cor associada ao método da Escola Bauhaus com o

objectivo de procurar um entendimento sobre as diferentes induções

cromáticas. Neste sentido, dá-se particular destaque à visão partilhada pelos

Artistas, Arquitectos e à resultante da Cooperação entre ambas.

O alargamento do estudo da cor à “Escola Alemã” tem como principal

propósito suscitar possíveis confrontações sobre a importância da cor,

comparativamente à metodologia da “Escola do Porto” (atendendo ao factor

da evolução temporal).

A segunda parte do trabalho centra-se na preponderância da cor no universo

profissional e, apoia-se nos projectos realizados por três gerações de

arquitectos (de referência da “Escola do Porto”), Fernando Távora, Álvaro

Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura enquanto “objecto de estudo”.

À semelhança da organização da primeira parte do trabalho, é igualmente

proposto que as soluções cromáticas inerentes ao património arquitectónico

da “Escola do Porto” sejam relacionadas com as mais distintas abordagens

cromáticas propostas pelo Movimento Moderno, nomeadamente as

Monocromáticas, as Naturalistas e as Policromáticas.

O cruzamento das soluções cromáticas propostas, quer pelos três arquitectos

da “Escola do Porto” quer pelos mais notáveis arquitectos Modernistas, tem

III

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como objectivo determinar usos análogos referentes a ambas. Por seu lado, as

afinidades reconhecidas através desse cruzamento, têm como principal

objectivo contribuir para um melhor entendimento das possíveis e mais

variadas soluções cromáticas.

Numa fase conclusiva, a pesquisa encerra-se com a reflexão entre as soluções

que resultam de cada um dos universos (académico e profissional) e, com as

consequentes ilações que daí provêm.

IV

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ABSTRACT

The interest in the theme - color in arquitectura - is the result of lack of

exploitation and consequent knowledge of potential of color, while matter,

throughout my academic experience. This recognition led to the present study

in the context - "Escola do Porto " - leading to a double reflection as cross-

cutting issue, both at academic and professional field.

Thus, the first part of the work focuses on the preponderance of color in

academic universe, to try to understand the origin of (non)chromatic

solutions and (not)criteria entered in the "Escola do Porto". To this end,

particular attention is paid to pedagogical principles, which a priori will have

greater influence in shaping planning, in particular Drawing, History

(references) and Place.

So that this reflection is not an isolated case is likewise made an approach to

the study of color associated with the Bauhaus school method in order to seek

an understand the different chromatic mischaracterizations. In this sense,

there is particular emphasis to the vision shared by Artists, Architects and the

resulting from the Cooperation between both.

Extending the study of color to "German school" has as main purpose as to

raise possibles confrontations about the importance of color, compared to the

methodology of "Escola do Porto" (given the temporal factor of evolution).

The second part of the work focuses on the preponderance of professional

color in the universe and, based on projects carried out by three generations

of Architects (reference "Escola do Porto"), Fernando Távora, Álvaro Siza

Vieira and Eduardo Souto de Moura while "object of study".

Like the organization of the first part of the work, it is also proposed that the

chromatic solutions inherent architectural heritage of "Escola do Porto" are

related to the most distinguished chromatic approaches proposed by the

modern movement, including Monochrome, Naturalists and Polychromatic.

The intersection of chromatic solutions proposed, either by three architects of

the "Escola do Porto" either by the most notable architects Modernist, aims to

determine similar uses for both. For its part, the affinities are recognized

through this intersection, have as their main objective to contribute to a better

understanding of the possible and most varied chromatic solutions.

V

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In a conclusive stage, the survey closes with the reflection among the

solutions resulting from each of the universes (academic and professional)

and, with the consequent lessons that comes.

VI

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INTRODUÇÃO

Nesta última etapa do meu percurso académico, que se prende com a

elaboração da presente dissertação de Mestrado em Arquitectura, pretendo

realizar uma reflexão sobre a importância da aplicação da cor na arquitectura

inserida no universo da “Escola do Porto”.1 Este interesse deve-se subretudo

ao facto de ter desconsiderado e descurado a aplicação da cor nos trabalhos

práticos por mim realizados ao longo do curso de arquitectura. Esta

autocrítica evidencia-se em certos aspectos, tais como a consciência de que,

por vezes, as minhas respostas cromáticas se apoiavam num facilitismo, em

alguns casos elegendo “gratuitamente” materiais em voga, aplicando-os sem

o propósito de acrescentar aos objectos qualidades consequentes da sua cor

própria; noutros casos, fui levado por “contágio” ou por meio da

“formatação”, ao uso do “branco”; e no extremo, resultando de uma atitude

defensiva, houve casos de um desconsiderar total do uso da cor.

Um facto que contribui determinantemente para a obtenção desta consciência

(levando-me posteriormente ao actual interesse pelo tema cor), prende-se

com a experiência de ter estudado ao longo de um ano na Escola Técnica

Superior d'Arquitectura de Barcelona, bem como a consequente vivência da

cidade. O contacto com uma nova "Escola", propiciou uma nova

aprendizagem de caracter académico, através do contacto com professores e

estudantes de outras origens, que possibilitou presenciar diversas formas de

"fazer" arquitectura. Os diferentes métodos evidenciavam distintas

concepções (face à minha anterior aprendizagem), caracterizadas por

interpretações "extremamente liberais" do local, do programa e da

materialização do desenho e das maquetes, resultando em distintas

linguagens arquitectónicas que punham em evidência aspectos por mim não

explorados (nos quais a cor se inclui). O novo contexto pedagógico acabou

por possibilitar um alargamento de horizontes, no sentido de me encaminhar

para o interesse particular da cor aliada à arquitectura. O diversificado

contexto da cidade (Barcelona) propiciou, juntamente com a minha

predisposição para a experienciar, o desejo de interiorização da sua imagem

tão sugestiva captando “todos” os aspectos que dela fazem parte. Vivência

que acabou por assumir um papel de igual importância na indução do

interesse pela cor, e o seu sentido aplicado à arquitectura, de modo, a que

VII

1 “A Escola do Porto enquanto referência de um modo de fazer, a que está associado um modo de pensar poucas vezes exposto, é o epicentro da cultura arquitectónica das últimas quatro décadas do século XX português”. Figueira, 2002: 17

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num futuro (no âmbito profissional) possa tirar partido integral e consciente

deste "elemento" arquitectónico.

Face a esta reflexão, levanta-se a questão: como foi possível passar cinco

anos, enquanto estudante de arquitectura, desprezando a questão da cor?

Aparentemente a resposta pode parecer simples; se estratificarmos por

prioridades sequenciais qualquer concepção arquitectónica, denota-se que a

cor não constitui um elemento preponderante na sua materialização, como, é

o caso da forma, do programa ou do lugar. O presente entendimento acaba

indirectamente por explicar que a cor seja “secundarizada” nos critérios de

ensino da arquitectura na FAUP. Porém, a sua importância não é omitida: o

uso da cor é desde cedo estimulado no âmbito da disciplina de Desenho, ou

inclusive, no acompanhamento de Projecto, ao ser conferido especial

destaque à importância da luz, ou mesmo, quando nos são sugeridas algumas

referências arquitectónicas (casos de estudo), alertando-nos para a

importância da materialidade epidérmica na caracterização espacial.

Apesar dos incentivos de indução ao uso da cor, por parte dos docentes, os

alunos revelam uma acrescida dificuldade no seu uso, o que torna estes

estímulos pouco consequentes. As dificuldades tornam-se visíveis no desenho

(normalmente linear), ao não ambicionarem mais do que a exploração e

procura formal, raras são as vezes que servem para "testar" (por meio de

manchas), o claro e o escuro, ensaiando os efeitos da luz sobre as formas.

Aparentemente tratam-se de desenhos que auxiliam a procura de ideias

“incolores”. Outra repercussão similar parece resultar do uso quase exclusivo

das maquetes brancas, usadas de um modo objectual/abstracto ao servir como

auxilio “restrito” na procura da forma. A abstracção inerente à cor, própria

dos materiais de execução das maquetes, passa a ser assumido como algo

concreto (o branco do cartão transporta-nos ao branco do reboco e/ou do

betão). Ainda neste sentido pode ser salientada a importância do lugar na

condução de uma proposta projectual académica; no entanto, as

potencialidades intrínsecas ao lugar nem sempre são apreendidas na sua

totalidade pelos alunos que normalmente referenciam ao lugar alinhamentos,

cérceas, métricas, ritmos, direcções e relações visuais. Embora, o lugar

também tenha cor, esta quase nunca é tida como referência.

As aparentes "limitações" cromáticas sugerem uma dupla leitura do

fenómeno da cor: por um lado, parece tratar-se de uma matéria demasiado

complexa para ser instruída e explorada integralmente no Projecto (devido à

sua subjectividade), por outro, por se considerar pouco significante para a

definição do projecto académico.

VIII

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Numa tentativa de demonstrar um sentido contrário às soluções resultantes

do âmbito académico, irá ser dado especial e particular atenção ao uso da cor

em algumas obras representativas da “Escola do Porto”, pertencentes a três

distintas gerações de Arquitectos: Fernando Távora, Álvaro Siza Vieira e

Eduardo Souto de Moura. Essa observação terá o propósito de “averiguar” as

distintas motivações e lógicas do uso da cor, de modo a dar a conhecer os

mais variados leques de abordagens marcados por uma “racionalidade” no

manuseamento de uma matéria tão subjectiva.

A principal questão à qual a presente reflexão pretende responder prende-se

com a constatação das limitadas soluções cromáticas sugeridas nos trabalhos

académicos pelos alunos da FAUP (ao longo da sua formação), anunciando

um grande desconhecimento ao nível do domínio e dos critérios de uso da

matéria em causa; no entanto, o mesmo, não é evidenciável nas soluções

propostas nas obras arquitectónicas (resultantes da prática profissional). O

desfasamento, que é aqui verificado, resulta da constatação de distintos

resultados ao nível da caracterização cromática, referentes a distintos

universos (âmbito académico e experiência profissional). É pretendido apurar

quais as razões que motivam esta discrepância e tentar compreender a que se

deve a maturação do uso da cor no âmbito profissional.

Por fim, é pretendido com o presente trabalho superar os desconhecimentos

ao nível do âmbito da cor, ao qual acresce a ambição de “anticipar” a

maturação anunciada nas soluções cromáticas inerentes às obra dos

arquitectos em estudo, com o objectivo de obter uma consciência das

valências e potencialidades do uso da cor, de modo a servirem de base num

futuro profissional. É também, intenção desta dissertação, lançar pistas à

reflexão, com o desejo de despertar e suscitar a curiosidade pelo tema da cor,

em particular por parte de outros alunos da “Escola do Porto”.

IX

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X

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SUMÁRIO

I! ESQUEMA DE SÍNTESE [Contexto | Temática]

III! RESUMO [Abstract]

VII! INTRODUÇÃO [Objectivo | Metodologia]

X! SUMÁRIO

1! A ORIGEM DA “ESCOLA DO PORTO”! - Carlos Ramos e os jovens arquitectos | Reforma de 57 | SAAL | Bases Gerais -

7! A COR NO UNIVERSO ACADÉMICO

9! A cor nos princípios pedagógicos ! - O domínio da “não-cor” -

13 No Desenho

! - Desenho analógico | Maqueta | Desenho digital -

21! No Lugar

! - Cor natural | Construída - Fotografia -

25! Na História

! - Referências - Construtivas | Cromáticas | Programáticas -

29! O método Bauhaus! - A fusão artística/arquitectónica - Walter Gropius -

31! A visão plástica

! - Curso Básico | Curso Formal -

35! A visão arquitectónica

! - Walter Gropius | Mies Van Der Rohe -

41! O resultado da Cooperação

! - Bauhaus de Dessau | Casa dos Professores - Síntese plástica/arquitectónica -

45! O branco “Escola do Porto” e o cromatismo Bauhaus! - Estímulo - Princípios pedagógicos | Abstracção - Síntese plástica/arquitectónica -

51! A COR NO UNIVERSO PROFISSIONAL

53! As distintas abordagens do Movimento Moderno! - Monocromatismo | Naturalismo | Policromatismo - três abordagens cromáticas -

55! O monocromatismo

! - O domínio do Branco - Purista -

59! O naturalismo

! - A cor própria - Organista -

63! O policromatismo

! - A importância da cor - Expressionista | Brutalista -

69! A cor no património arquitectónico! - Naturalista | Homogenista | Experimentalista - três “talentos (in)comunicantes” -

71! A proposta “naturalista” de Fernando Távora

! - História | Memória | Tradição - materiais e instrumentos de criação e enraizamento -

XI

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83! A proposta homogenista de Álvaro Siza Vieira ! - Unidades Plásticas - resultantes de diferentes metamorfoses -

97! A proposta “heterogeneidade” de Eduardo Souto Moura! - Sistema Construtivo | Material | Linguagem - triologia -

111! CONCLUSÃO

115! BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA

117! Bibliografia referente à fonte das imagens

XII

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A ORIGEM DA “ESCOLA DO PORTO”- Carlos Ramos e os jovens arquitectos | Reforma de 57 | SAAL | Bases Gerais -

“[Entenda-se] a “Escola do Porto” enquanto referência de um modo de fazer, a

que está associado um modo de pensar poucas vezes exposto, é o epicentro da

cultura arquitectónica das últimas quatro décadas do século XX português”.1

Ainda anteriormente à origem do “epicentro arquitectónico” referido pelo

arquitecto Jorge Figueira, a “Escola” contaria com a presença do arquitecto

de formado em Paris Marques da Silva (1892-1969) para seu director (desde

1913). O facto de ser um homem visionário (para o seu tempo), propiciou

algumas condições de “expansão” à que viria a ser reconhecida como “Escola

do Porto”, ao auxilia-la na obtenção de uma directriz própria; apesar de

seguir os cânones das Beaux-Arts, Marques da Silva defendia que “a

linguagem é de cada um”.2

Durante a direcção de Marques da Silva, mais especificamente a partir da

década de quarenta, o arquitecto lisboeta Carlos Ramos (1892-1969)

integrava o corpo docente da “Escola”, e aprofundava uma “didáctica” que

viria a ganhar uma preponderância relevante, ao ponto de em 1952 assumir a

direcção da Escola, facto que a encaminharia no sentido de um

aprofundamento e alargamento cultural.

“Todos sabemos da Escola do Mestre Ramos que institucionalizou um debate

arquitectónico em plataforma [contribuiu para a construção de] consensos

metodológicos que sempre admitiram a diferença das expressões

individuais”.3

Um pouco à semelhança de Marques da Silva, Carlos Ramos defendia a

individualidade. Em 1950, Ramos propõe e conta com a agregação e auxílio

de jovens arquitectos na procura de identidade da “Escola”, nos quais se

inclui o nome de Agostinho Ricca (1915-2010), João Andresen (1920-1967),

Mário Bonito (1921-1976), José Carlos Loureiro (1925-) e posteriormente

Octávio Filgueiras (1922-1996), Fernando Távora (1923-2005) e Arnaldo

Araújo (1925-1982). Os jovens arquitectos eram membros da ODAM -

Organização dos Arquitectos Modernos, formada em 1947, que tinha como

principal objectivo, “o aprofundamento colectivo das propostas Modernistas

em oposição à arquitectura de regime”.4 Em 1951 alguns dos membros desta

organização participariam no CIAM - Congresso Internacional da

1

1 Figueira, 2002: 17 2 Idem: 273 Alves Costa [1980], 2007: 2484 Figueira, 2002: 30

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Arquitectura Moderna, em Hoddesdon. Ao longo da mesma década foi

estabelecido um contacto contínuo e directo que, permitia a posteriori passar

sinais da cultura arquitectónica internacional para o seio da “Escola do

Porto”. A par da fundação da ODAM (em 1947), o arquitecto Fernando

Távora escreve o manifesto O Problema da Casa Portuguesa (1947), que irá

servir para despertar as consciência para a importância das lições

arquitectónicas intrínsecas à construção popular.

“Desde o escrito de 1947 sobre O Problema da Casa Portuguesa que o

problema do enraizamento, do carácter, da continuidade surge como

preocupação básica do seu autor [procurando responder] à falsidade

demagógica do “estilo português”, exaltação da condição de ser moderno para

poder ser validamente português, deixando implícita a conclusão otimista de

que a aplicação qualificada dos princípios do movimento moderno (na linha

do CIAM) permitiria a síntese desejada”.5

O arquitecto Jorge Figueira reconhece que a receptividade às lições do

Moderno, paralelamente à atenção dada à arquitectura tradicional portuguesa

(sugerida por Távora) seriam duas vias que viriam a erguer a “Escola do

Porto”.6

Ambos os aspectos denunciavam a visão aberta e reformista que

caracterizava o núcleo de jovens arquitectos. Com o ingresso dos promissores

docentes na “Escola”, rapidamente foi notória a intransigência destes face aos

tradicionalismos académicos próprios de um regime fascista (Estado Novo),

o que os levaria a questionar “a insuficiência e a desactualização do ensino

ministrado nas Escolas de Belas Artes Portuguesas”.7

O director Carlos Ramos juntamente com os restantes “ambiciosos” docentes

teriam “desenhado” um percurso ao, “institucionalizar o debate

arquitectónico em plataforma [...] construindo consensos metodológicos que

sempre admitiram a diferença das expressões individuais”8, percurso ao qual

o arquitecto Fernando Távora viria a dar continuidade, aprofundando-o.

O pensamento anunciado no início do século XX, por Marques da Silva, a

linguagem é de cada um, continuado mais tarde por Carlos Ramos ao aceitar

a diferença das expressões individuais, podem estar por detrás da defesa do

arquitecto Távora ao afirmar que, “a individualidade não desaparece como o

fumo e se a possuímos nada perderemos em estudar a Arquitectura

2

5 Portas [1960], 2005: 1276 Figueira, 2002: 457 Mário Bonito, 1948 cit. Figueira, 2002: 298 Alves Costa [1980], 2007: 248

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estrangeira, caso contrário será inútil a pretensão de falar em Arquitectura

portuguesa”.9

O manifesto escrito por Fernando Távora em 1947, viria em 1955, a estar na

base da elaboração do importante inquérito à arquitectura popular

portuguesa, publicado em 1961 com o nome Arquitectura Popular em

Portugal. Inicia-se um processo composto por diversas equipas que se

distribuiriam pelo território português à procura de sinais que traduzissem ou

verificassem as várias identidades que caracterizavam a heterogeneidade da

arquitectura popular. A partir do inquérito passa a ser possível verificar-se

uma compatibilização entre a erudição Moderna e a espontaneidade da

arquitectura popular.

“O Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal [teve uma] larga profusão de

imagem e de desenhos de levantamento, marca um ponto de viragem [na

“Escola do Porto”] caracteriza o fluxo das ideias que se tornaram dominantes

durante a década entre os mais ilustres Arquitectos do Porto, os que realizaram

obra que faz Escola”.10

Para o arquitecto Domingos Tavares são as ideias destes “ilustres arquitectos”

que “realizavam obra” que estaria na base da construção construir a “Escola

do Porto”. A sua defesa partilha pontos comuns com a posição defendida pelo

arquitecto Jorge Figueira - o modo de fazer e de pensar que define um

“epicentro da cultura arquitectónica”; e também com a do arquitecto Alves

Costa - o grupo de arquitectos de referência capaz de definir um processo

pedagógico e institucionalizar a “Escola”.

“É evidente para todos que a designação Escola do Porto ou Arquitectura do

Porto se refere cada vez menos à [sua] produção corrente [...] e cada vez mais,

ou até exclusivamente, a um grupo de arquitectos que se referenciam à

existência de uma Escola, no sentido de plataforma colectiva com a

consciência, que nos últimos anos se sedimentou, que se deve aí investir [...]

com o desejo de transformar uma suposta inteligência comum do fenómeno da

arquitectura em um projecto pedagógico institucionalizado”.11

As pressões ocorridas por parte do novo núcleo docente iria conduzir a

“Escola” à tão desejada reforma. Contudo, a designada “Reforma de [19]57

vai levantar alguma frustração, ao ser dado um destaque mais institucional à

pedagogia praticada”12, com a aspiração de atribuir alguma equiparação do

ensino de arquitectura com o estatuto universitário. A consequente

3

9 Távora, 1947 cit. Figueira, 2002: 4310 Tavares [1980], 1984: 2211 Alves Costa [1987], 2007: 24012 Figueira, 2002: 30

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correspondência acabaria por resultar num ensino de arquitectura mais

cientifico, mais técnico e menos artístico. Mas o novo corpo docente iria

fazer de tudo para criar as condições para um ensino de arquitectura

alternativo, apoiado numa prática, que espelhasse e “simulasse” as

experiências profissionais desenvolvidas nos ateliers (do qual resultaria o

modelo pedagógico Escola-Atelier) - “o ensino saía da abstracção”13.

“Da recusa da Reforma e [...] dos temas convencionais - vai nascer um

projecto alternativo de ensino que tem na autonomia disciplinar da

arquitectura e no reforço intimista da “escola-atelier”, dois vectores de

fundação da Escola do Porto”.14

Para o arquitecto Alexandre Alves Costa, a sua activa luta (enquanto

estudante e posteriormente como docente) conjunta com outros docentes

contra a Reforma de 1957, resultou na criação de novas plataformas

pedagógicas para o ensino da arquitectura, facto que contribui directamente

para a definição da chamada “Escola do Porto”.15 Para o arquitecto (da

mesma geração) Manuel Correia Fernandes é a partir da Reforma de 1957

que se passa “a abordar a problemática escolar em termos globais e a partir

de pressupostos completamente novos [assumindo-se decisivo para o] futuro

da Escola, justifica que sobre ele se [classificam] as grandes linhas de

orientação que passam a dinamizar o processo pedagógico até à proposta de

Março de 1977 [definição das Bases Gerais, que] acaba por reunir na sua

base um consenso muito amplo”.16

Ainda em 1969, a “Escola do Porto” terá passado por um importante

momento descrito, quer pelo arquitecto Manuel Correia Fernandes quer por

Domingos Tavares, como a crise estudantil. Terá sido um reflexo “tardio” das

tensões ideológicas entre jovens da crise de Maio de 68 de Paris. Através de

Correia Fernandes (1980), é possível perceber que, a partir desta altura a

“Escola” passa a encontra-se orientada por uma comissão de professores e

alunos com consequências relevantes e decisivas para o seu futuro. Segundo

Tavares (1980) da crise estudantil de 1969 resultou uma nova prática

pedagógica integrada, que passava a privilegiar o desenho enquanto

instrumento aglutinador do processo criativo.

Anos mais tarde, em 1974, com o 25 de Abril dá-se um momento marcante, a

“Escola” ganha “liberdade de expressão”. Ainda, nesse ano dá-se inicio ao

processo SAAL - Serviço de Apoio Ambulatório Local, o qual irá ser uma

4

13 Alves Costa, 1987: 814 Figueira, 2002: 3215 Alves Costa [1979], 2007: 21916 Fernandes, 1980: 46

Page 19: A cor na arquitectura

experiência relevante para a “segunda geração” de arquitectos da “Escola”.

Através desta nova prática propiciam-se condições para a inovação, que

resultaria numa nova atitude de projecto: a “participação popular”. A nova

experiência “provoc[ou] o esvaziamento temporário da escola, transferindo

para [o] processo SAAL toda a atenção política e ideológica que se vivera

intra-muros, no que se convencionou chamar a !viragem da Escola para o

exterior’.17

“[O SAAL] vai ter profunda influência não só no exercício da actividade

profissional em quase todo o país mas também ao nível da actividade

pedagógica e escolar em geral, sobretudo, no que se refere ao curso de

arquitectura da Escola do Porto. [...] De um só golpe, processo pedagógico e

profissional se aproximam [...] eliminando o corte (que existia anteriormente)

entre eles. A aprendizagem passava a estar comprometida com a produção já

que a motivação principal deixaria de ser a simples resolução de problemas ou

o simples estudo de casos-modelo para se situar ao nível da resposta concreta

a casos reais e de consequências imediatas sobre o território e o cliente-

utente”.18

No que refere ao processo SAAL os arquitectos Manuel Correia Fernandes e

Jorge Figueira reconhecem que foi uma experiência da qual resultou um

herança disciplinar capaz de solucionar a formação crítica da “Escola do

Porto” e dos seus intervenientes.

“A experiência do inquérito permite a leitura convergente da matriz

racionalista com os processos da arquitectura popular; o SAAL permite testar

esse encontro num momento de exultante entrega onde se expõe todo o

tentativo universo ideológico da Escola do Porto [...] Estes dois eventos são a

matéria prima que sustém a Escola do Porto como estrutura integrada e

integradora da cultura portuguesa”.19

Paralelamente a este momento, e no que se refere nomeadamente à

pedagogia, foram iniciados esforços no sentido de definir uma nova orgânica

que, em 1977, acaba por resultar no estabelecimento das reguladoras Bases

Gerais para o curso de arquitectura, com a pretensão de superar as

contradições existentes na intimista Escola-atelier. O arquitecto Álvaro Siza

por esta altura escrevera que “o curso de Arquitectura do Porto [...] sofria

uma “passividade ou falta de convicção [que] só poderão conduzir a um

ensino inspirado numa provinciana caricatura de tecnocracia”.20 Em 1979, já

com as respectivas reformulações, as Bases Gerais acabariam por transitar

para a Faculdade de Arquitectura. Contudo, a pedagogia que em 1982

5

17 Tavares [1980], 1984: 6918 Fernandes, 1980: 51/5219 Figueira, 2002: 8020 Siza, 1978 cit. Alves Costa, 1987: 8

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decorria na “Escola” levou o arquitecto Álvaro Siza a afirmar que “a

dificuldade de organização de uma escola de arquitectura passa pela criação

de uma estrutura que permita um contacto directo com a prática extra-escolar

e simultânea aplicação de bases teóricas rigorosas que apoiem o mergulho

nessa prática”.21 Apenas em 1985 o curso de arquitectura transitou da

ESBAP, integrando-se na Faculdade de Arquitectura.

“O problema em questão é portanto, o de garantir uma linha de

desenvolvimento do curso para que o estudante, como indivíduo e como

elemento de grupo e de interdisciplinaridade, intensifique continuamente a sua

capacidade compreender e de responder [aos problemas da arquitectura]”. 22

Ao longo das últimas décadas, o processo de consolidação da ideia de

“Escola” foi conduzido pelas diferentes convicções defendidas pelos

docentes, como a liberdade e o respeito que caracterizava a relação com a

individualidade de cada um (manifestada para com as propostas dos aluno),

ou ainda o permanente questionar do ensino que, em determinados

momentos, proporcionaram rupturas ou viragens fundamentais para a

“Escola”. As convicções comuns tinham a capacidade de aproximar e unir

professores e alunos, deste modo criaram-se as condições para ser “fundada”

a Escola-Atelier, na qual ao longo de décadas foi possível assistir a uma

partilha e correspondência de conhecimentos entre os dois distintos universos

o académico e o profissional. Embora, como sugerem as palavras do

arquitecto Álvaro Siza, de 1982, a dificuldade da organização de uma escola

de arquitectura, passa pela compatibilização entre estes mesmos universos.

Deste modo poder-se-á concluir que, a transição do ensino para a Faculdade

de Arquitectura contribui para algum distanciamento e consequente

separação entre os respectivos âmbitos (o académico e o profissional). É com

base nessa “ruptura” que é visível, actualmente, a dissonância entre as

soluções cromáticas propostas pelos alunos face às sugeridas pelos

arquitectos (docentes).

6

21 Siza, 1982 cit. Alves Costa [1979], 1987: 24022 Preâmbulo das Bases Gerais, 1977 cit. Alves Costa [1991], 1987: 259

Page 21: A cor na arquitectura

A cor nos princípios pedagógicos- O domínio da “não-cor” -

Desde sempre estamos habituados a observar de um modo natural a realidade

e as “suas” cores, adquirindo-as como uma só realidade. No entanto, a cor só

se torna “palpável” a partir da decomposição das propriedades da luz branca,

que quando incide sobre determinado objecto, produz uma impressão

sensorial de cor. É significante ter presente, que este fenómeno tem

dependência das características de cada objecto, como é o caso da sua

capacidade de absorver as diferentes partes que compõe o espectro luminoso.

A sugestão de cor têm esta constante interdependência - com o espectro

luminoso - é desse modo que nos habituamos a ver as cores. O espectro por

sua vez define-se pelas “radiações de energia [lumínica] no campo visível

[que se compreende entre os ultra-violetas e os infra-vermelhos], de acordo

com o seu comprimento de onda [que é capaz de ser captado pelo olho

humano.] Quando a luz é absorvida na sua totalidade, vemos o preto; quando

é refletida [integralmente - contendo todo o espectro], observamos o branco.

[A percepção da] cor é o !resto’ de luz que não foi absorvida por um

determinando [objecto]. Sem luz, a cor não existe.”.23

Compreende-se, deste modo, que o branco não é “cor”, é o conjunto de todas

as “cores” e a “não-cor” seria ausência da luz, embora neste trabalho se opte

por especificar o branco como “não-cor”. Entenda-se que este termo não se

trata da omissão da “cor”, mas sim da negligenciação da sua importância, da

qual resulta, ao nível das propostas académicas, o uso genérico do branco.

O branco é tão significante na arquitectura como outra “cor” qualquer, se

estiver intrínseco à sua eleição um propósito. No entanto é possível constatar

que a genérica caracterização branca das propostas académicas é resultante

de um gesto vulgarizado (1-6), esse facto pode suscitas leituras como

despropositado e inconsequente. O vulgar uso do branco leva a que se

especule que, a sua corrente utilização, se trata de uma colagem ou de uma

“imitação gratuita” de outras abordagens cromáticas, patentes em diversas

obras de prestígio, nomeadamente do Movimento Moderno ou próximas dos

projectos do arquitecto Siza Vieira. O que denuncia por parte dos alunos um

consciente facilitismo, assente na “réplica directa” da cor branca, acabando

por evidenciar um pensamento redutor e pouco crítico. Por outro lado, a

“omnipresença” do branco revela um conservadorismo cromático, que poderá

ser também consequente do receio de arriscar por parte dos mesmos.

9

23 Aguiar, 2002: 149

1.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto II, Residência estudantes, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

2.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto II, Residência de estudantes, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

3.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto III, Edifício de habitação, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

4.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto III, Edifício de habitação, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

Page 22: A cor na arquitectura

A presente limitação, revela uma dificuldade de caracterização por parte dos

alunos, que é também, reconhecida por alguns professores, como anuncia o

Arquitecto Pedro Alarcão (em 1997), ao formular uma questão ao Arquitecto

Manuel Graça Dias: “eu dou aulas ao 2º ano e tenho consciência que ainda é

muito difícil para eles [alunos] que me digam como é tratada uma

determinada superfície”. Ao qual Manuel Graça Dias (referindo-se ao período

que ensinava na FAUTL) responde: “eu também sinto essa dificuldade. Nos

5º anos muitas vezes acontecia que, depois de grandes explicações dos alunos

sobre o espaço projectado, eu perguntava: E essa parede [...] é feita de quê?

Depois de alguma hesitação, respondiam, invariavelmente, que era de betão à

vista ou então em alvenaria rebocada e pintada de branco. Havia sempre

grande dificuldade em caracterizar o espaço”.24

Se em alguns momentos a arquitectura da “Escola do Porto” é conotada

injustamente como genericamente “branca”, no que se refere especificamente

ao contexto académico (sabendo que os trabalhos académicos são

representativos da “Escola”), a mesma conotação aparenta razão de existir.

No entanto, para que se compreenda com profundidade este fenómeno

redutor, é desejável reflectir sobre a preponderância conferida à cor, nos mais

significantes princípios pedagógicos, de modo a verificar o seu

comprometimento.

A metodologia projectual adoptada na “Escola do Porto” resulta em parte do

encontro da disciplina de Desenho com a de Projecto. Segundo uma leitura

genérica dos “Programas e Objectivos destas Disciplinas”, é possível

salientar alguns aspectos que apontam no sentido de auxiliar o Pensar, Ver e

Fazer:

“Desenho I - desenvolver no estudante a capacidade de observação, a

habilidade e o conhecimento do acto do desenho e a sensibilidade aos valores

plásticos e estéticos; - introdução à percepção, à prática do ver e à sua

consciencialização; - criar condições para que o estudante enfrente o acto de

projectar com agilidade espontaneidade e consciência. Desenho II -

desenvolver a prática do desenho no sentido de favorecer uma livre e eficaz

construção de imagens na relação estreita com a concepção figural do projecto

de arquitectura; - análise do real e representações e figurações de um lugar; -

noções de análise e de "levantamento" de um sítio; - estudo das relações

existentes entre os modos do desenho e as diferentes estratégias de construção

das imagens. Projecto I - a consciencialização da importância do contexto

real. Projecto II - desenvolvimento do processo do conhecimento do lugar e da

capacidade crítica e criativa do aluno [no sentido de revelar um] progressivo

10

24 Graça Dias in Alarcão, 1997 :67

Page 23: A cor na arquitectura

enriquecimento na fundamentação da proposta e do seu desenho; - o objectivo

de que cada aluno construa e fundamente a sua leitura do lugar; - o processo

de observação do contexto da intervenção deverá conduzir à identificação e

caracterização dos diversos elementos e formas arquitectónicas que

constituem o lugar do projecto”.25

De acordo com esta leitura poder-se-á ter presente que a metodologia

projectual adoptada na “Escola do Porto” resulta do encontro/fusão da

disciplina de Desenho com a de Projecto de modo a privilegiar: o aprender a

pensar a partir do desenho; o aprender a ver, de modo a que o aluno possa

captar e estudar o sítio; o aprender a fazer, recorrendo às referências e aos

ensinamentos históricos. Em todos estes relevantes aspectos metodológicos,

o desenho acaba por assumir-se mais como um instrumento de auxílio,

entendendo a história e o lugar enquanto premissas projectuais. No entanto é

estranho que a matéria “cor” não ocupe “o seu próprio espaço”, visto

relacionar-se com estes aspectos. Porém, na realidade, a sua relevância não

parece fazer parte das preocupações da maior parte dos alunos, e neste

sentido irei procurar possíveis abordagens/caminhos para contornar este

“descuido”, já que o desenho, o lugar e as referências histórias sugerem o seu

uso.

11

25 Objectivos estruturais das disciplinas de Desenho e Projecto (2010), publicados em: www.sigarra.up.pt [site da FAUP onde surge divulgado os mais diversos assuntos relacionados esta]

Page 24: A cor na arquitectura

12

Page 25: A cor na arquitectura

No Desenho- Desenho analógico | Maqueta | Desenho digital -

Desde o momento que estabeleci contacto (enquanto aluno) com o curso de

arquitectura da FAUP, em particular com a cadeira de Projecto, apercebi-me

do quanto é essencial, o auxílio do Desenho, no processo de (auto)descoberta

e (auto)aprendizagem. A importância dada à matéria do Desenho, quer pelos

docentes de Projecto quer pelos próprios docentes da disciplina, sugere que

esta se trate da maior ferramenta ao dispor do arquitecto. O culto do Desenho

aparenta ter origem no surgimento da “Escola do Porto”. Actualmente, o

expresso domínio do Desenho, assume-se como um cunho, ou uma “marca”

que tanto caracteriza os arquitectos e os estudantes desta “Escola” (observa-

ção experienciada por mim, enquanto aluno externo na ETSAB - Escola

Tècnica Superior d'Arquitectura de Barcelona). Contudo, a exploração por

parte dos alunos, deste importante instrumento de condução projectual,

denuncia algumas restrições, em particular na exploração cromática.

É durante os dois primeiros anos do curso de arquitectura na FAUP, com

características propedêuticas, que é dado particular destaque à disciplina do

Desenho. A inter-relação disciplinar em torno da cadeira “nuclear” de

Projecto (multidisciplinaridade), tem a pretensão de munir o aluno de

ferramentas, assim como garantir-lhe uma bagagem cultural que,

posteriormente, o auxiliará no desenvolvimento das suas propostas projectais.

É durante a elaboração dessas propostas que possíveis estudos da cor

poderiam ser indiciados nos primeiros desenhos.

Segundo o programa da disciplina de Desenho I (Sigarra, 2010), é intenção

desta promover a representação e o conhecimento do mundo visível;

desenvolver a capacidade de observação, assim como a sensibilidade para o

uso dos valores plásticos e estéticos; criando condições para que o acto de

projectar seja espontâneo e consciente. Neste sentido, é possível entender-se

que o processo de aprendizagem a que o Desenho (na FAUP) se compromete

surge-nos (aos alunos) como um acontecimento sequencial e crescente. No

início do ano lectivo os exercícios desenvolvidos procuram ajustar-se à sua

simplificação, deste modo tendem a ser monocromáticos; com a progressão

temporal, passam a introduzir novas questões, como as manchas e a cor (7-12).

No entanto, no que refere à exploração do uso cor nos desenhos de auxilio à

disciplina de Projecto, esses indicam o contrário (denunciam um processo

inverso). Enquanto que os alunos do primeiro ano “tentam” superar as suas

13

7.Desenhos re fe ren te ao exerc íc io de representação desenvolvido na disciplina de Desenho I, Formas naturais, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

8 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io de representação desenvolvido na disciplina de Desenho I, Figura humana, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

9 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io de representação desenvolvido na disciplina de Desenho I, Espaços arquitectónicos, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

Page 26: A cor na arquitectura

limitações ao nível do Desenho, recorrendo ao uso diversificado de cores

(13-18), com o aproximar do final do ano, ou durante o ano seguinte, ao

revelarem um uso cada vez mais fluido e intuitivo do desenho, passam a

descurar o uso das cores e das manchas, dando lugar a um desenho linear,

sintético e estilizado (esquisso elementar) (19).

Um dos aspectos mais significantes do Desenho, é o facto de servir de

ferramenta de auxílio à exploração das ideias. Nas palavras do artista

Joaquim Vieira, (1995) - professor responsável pela disciplina entre 1974 e

2008 - o Desenho poderá ser entendido enquanto “instrumento pedagógico

capaz de desenvolver a percepção e a representação, através do qual,

recorrendo a valores gráficos é possível expressar o inconsciente”. Numa

dimensão mais alargada, defende que o “Desenho para além de arte e técnica,

é poder - trata-se da afirmação metodológica/artística do arquitecto - é ter

presente, antecipar, ir ao encontro da cultura, dos valores formais e

ideológicos, no sentido de transformar e construir o mundo.”

No entanto, genericamente os processos dos alunos são compostos por

desenhos comunicantes de procura e de aprofundamento de ideias

aparentemente “incolores” (19). A minha própria experiência, diz-me que as

ideias nos surgem turvas e imateriais (indefinidas), daí a necessidade do

desenho para as registar, de modo a permitir trabalhá-las e desenvolvê-las. Ao

longo deste processo é natural que as ideias tendam a alterar ou a incluir

novas questões, como é o caso da caracterização cromática do objecto

arquitectónico, no sentido de se definirem. Seria expectável que os desenhos

acompanhem os contornos inerentes à evolução e complexificação das ideias,

e que saíssem do mesmo registo e não se limitarem unicamente ao uso

exclusivo da linha. As manchas também têm as suas virtudes, servem de

auxílio ao estudo do claro/escuro, assim como de ensaio às sombras/forma,

no entanto raramente são usadas, evitando “contaminar” o imaculado

desenho linear na respectiva superfície.

14

9.Desenhos re fe ren te ao exerc íc io de representação desenvolvido na disciplina de Desenho I, Formas naturais, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

10.Desenhos referente ao exercíc io de representação desenvolvido na disciplina de Desenho I, Figura humana, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

11.Desenhos referente ao exercíc io de representação desenvolvido na disciplina de Desenho I, Espaços arquitectónicos, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

Page 27: A cor na arquitectura

16 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io desenvolvido na disciplina de Projecto I, Malha urbana, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

17 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io desenvolvido na disciplina de Projecto I, Bar modelar, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

18 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io desenvolvido na disciplina de Projecto I, Casa modelar, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

13 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io desenvolvido na disciplina de Projecto I, Malha urbana, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

14 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io desenvolvido na disciplina de Projecto I, Bar modelar, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

15 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io desenvolvido na disciplina de Projecto I, Casa modelar, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

15

19.Desenhos referente a diferentes exercício desenvolvido na disciplina de Projecto III e IV,(2007-08). (Joaquim Carlos. AF)

Page 28: A cor na arquitectura

O arquitecto Jorge Figueira descreve o desenho como algo que, “começa a

passar da cabeça para a mão, deslocando-se de forma a viabilizar o

pensamento”26, esta afirmação suscita-me uma questão: em que momento é

que a cor surge durante este processo criativo? O desenho que Figueira

descreve não aparenta ser muito diferente do utilizado por nós (alunos) no

auxilio do pensamento, através do qual, as nossas ideias ganham

“materialidade” na folha do papel. No entanto, raros são os desenhos que

apontam uma escolha ou eleição cromática; os indícios de cor, por

contraditório que seja, geralmente são indicados na recta final do processo

criativo. O que conduz a que os resultados sejam pouco aprofundados e

genericamente semelhantes, limitam-se ao uso exclusivo do reboco branco e

do betão aparente, deste modo tornam-se pouco consequentes. Raras são as

vezes que aliada a alguma ingenuidade ou audácia são propostas cores nos

projectos académicos. O surgimento de propostas cromáticas mesmo que

aleatórias (no universo académico), seria um bom indício para suscitar

discussões, contribuindo para o esclarecimento e posterior aprendizagem e

desenvolvimento do tema. Embora, como veremos, dentro da disciplina de

Desenho, sejam realizados esforços no sentido de estimular o uso da cor, de

modo a inverter o conservadorismo intrínseco aos alunos, propiciando-lhes

maior liberdade e abertura.

A minha experiência testemunha que a disciplina do Desenho I tem como

objectivo inicial treinar a visão do aluno, despertar-lhe a atenção para todas

as realidades e consequentes relações. À observação, acresce (ao aluno) a

exigência de um registo “descritivo rigoroso” (através do desenho) que, se

apoia num sistema constante de relações, assente numa medição compulsiva

e exaustiva de distâncias, alturas, larguras, ângulos e inclusive do claro

escuro, de modo a introduzir e munir o aluno de alguns conceitos, como a

escala, a proporção e a luz.

Segundo o artista e professor Armando Ferraz na sua prova de aptidão

pedagógica e capacidade científica (2004) “o curso de Arquitectura

compreende, a disciplina de Desenho I, a representação cromática do real. O

programa da Disciplina desenvolve-se à volta de matérias que sustentam o

entendimento sobre o lugar do desenho nas artes visuais e, especificamente,

sobre a sua função na projectarão arquitectónica”.27

A exigência que acompanha a evolução da aprendizagem, faz com que a

disciplina do Desenho introduza novas questões, comuns ao Projecto. A

16

26 Idem: 10027 Ferraz, 2004: 4

Page 29: A cor na arquitectura

interdisciplinidade anunciada, assume-se como um aspecto central no curso

de arquitectura da “Escola do Porto”, também este comum à metodologia da

Bauhaus.

A evolução do Desenho tenta de algum modo, acompanhar as exigências

crescentes de Projecto, e ao mesmo tempo, acaba por antecipar e retirar

alguma estranheza à abordagens de novas questões.

Durante o segundo ano é visível uma transformação ao nível da disciplina do

Desenho (de arquitectura), passa a ser feita uma abordagem “mais artística”,

é intensamente sugerido e estimulado a combinação de diferentes meios

expressivos: traços, manchas e cores, de modo a auxiliar e conduzir o aluno

na descoberta da sua própria expressão, de modo a permitir-lhe comunicar

com maior eficácia e identidade as suas ideias de Projecto. Um exercício que

tem esta finalidade, acrescida do interesse de “libertar” o aluno, baseia-se na

reprodução e interpretação de desenhos de autores conhecidos, exercício que

é designado por “desenhos dos desenhos” (20.21). De acordo com o programa

da disciplina (Sigarra, 2010), é possível concluir-se que o exercício - desenho

dos desenhos - pretende estimular a visão, pela comparação e estudo

realizado de repetição e elaboração de cópia de imagens oriundas do universo

do desenho. No sentido de ser obtido pelo aluno um significado das imagens,

da história e da cultura do desenho de arquitectura. Já os outros exercício

desenvolvidos - “desenho do imaginário e de comunicação” - têm como

principal objectivo por em prática esses conhecimentos, no sentido de

comunicar formalmente e expressivamente um projecto.

Partindo das palavras do professor Joaquim Vieira desenhar é “imaginar,

observar, representar e pensar; é, simultaneamente, realidade e processo de

realização”28, remetendo-o para a disciplina de projecto será mais do que um

estimulo - é um acto de projectar - é projecto. Desse modo, é natural que na

disciplina de Projecto (onde são abordadas genericamente questões

arquitectónicas), o Desenho seja altamente participativo, não fosse o

instrumento comunicante mais significativo (quer do aluno de arquitectura

quer do arquitecto). A partir dele é possível explorar e aprofundar ideias,

confrontar dúvidas e desbloquear caminhos. Se, no início, os alunos utilizam

todos os meios riscadores com as mais diversas cores, com o passar do

tempo, o adestramento da mão conduz o aluno a um fenómeno altamente

17

28 Vieira, 1995: 25

20.Desenhos referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Desenho II, Desenho dos desenhos, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

21.Desenhos referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Desenho II, Desenho dos desenhos, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

Page 30: A cor na arquitectura

redutor, a descrença nesses meios, dá lugar ao fetiche da caneta bic 29 e ao

típico esquisso ilustrativo (22-23).

Ainda no âmbito de Projecto outro importante instrumento comunicante (de

“desenho”) pode ser considerada a maqueta- um “desenho” tridimensional .

Contudo, estas parecem “desde sempre” ser brancas (como se não existissem

materiais alternativos de outras cores e texturas como, por exemplo o k-line,

cartão bristol e cartolinas de cor etc. O que sugere ser uma regra, afinal tem

uma razão de ser, já que o “branco” privilegia a leitura das formas do objecto

arquitectónico.

Contudo, enquanto aluno, presenciei propostas que exploravam a

fragmentação volumétrica e que, porventura, poderiam, durante o período de

exploração e aprofundamento da ideia, resultar em distintas caracterizações

(para cada corpo), através de uma maior experimentação ao nível da

materialidade/coloração da maqueta. A introdução da cor poderia acentuar a

ideia formal, na qual a unidade seria reforçada pela diversidade de cores

usadas. As maquetas (24-25) constituem alguns dos vários exemplos, que

ilustram estas limitações cromáticas, em que o material utilizado na maqueta,

poderá restringir o processo criativo e fragilizar a comunicação inerente à

lógica geral do projecto (implantação, forma, etc). No entanto existiam

pontualmente alguma excepções, alunos mais atentos a determinadas

questões (em particular com a cor), como é o caso das maquetas (26-27) que

revelam duas posições intencionais e cuidadosas a esse respeita. No primeiro

caso é feita uma diferenciação cromática entre o volume elevado - é cinzento

- e o perímetro inferior que circunscreve - é branco. Através desta opção

cromática o seu autor explicita que, ambos os elementos têm linguagens

arquitectónicas e materializações construtivas diferentes. No segundo caso

apesar de ambos os corpos terem aparentemente a mesma linguagem,

indicada pelo mesmo desenho dos vãos, existe uma intenção de estabelecer

um contraste cromático que procura acentuar a relação existente entre

volumes. É deste modo, que a ideia do conjunto - formado por um (grande)

volume branco que é amparado, por um volume castanho (mais pequeno) que

lhe serve de apoio -, se afirma.

18

29 “Ninguém desenha por desenhar. Desenhar não é um hobby, desenhar em arquitectura, é ter de resolver um problema. Os arquitectos desenham compulsivamente, não por prazer; como nas Belas-Artes [...] Desenhar em arquitectura é correr contra o tempo, é apanhar o que está à mão [...] ou o nosso próprio caderno, que não deve ter bom papel. O papel se tiver qualidade, espessura, intimida-nos, fazemos cerimónia, inibe-nos o gesto [...] a caneta também tem que ser banal, leve, anónima e disponível em qualquer esquina. Uma caneta de marca, com um bom design, desvia-nos do objecto, distrai-nos porque lhe sentimos o peso, a sua qualidade, que nunca entope mesmo com gestos frenéticos. Desenhar com um lápis, pode também não ser a melhor solução. Quando constatamos que os resultados não estão a ser brilhantes, podemos escorregar para texturas amáveis, sugerir nuanças de “grafite” e adiar o inadiável: “A Construção da Forma” (meter cores, bom, sobre isso o melhor é nem falarmos). Quase sempre desenho e escrevo com uma “Bic-Cristal”, preta, que é igual a si própria há 40 anos. (Souto de Moura cit. Esposito, 2003: 367)

22.Desenhos referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto II, Esquiços, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

23.Desenhos referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto II, Esquiços, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

Page 31: A cor na arquitectura

A maqueta ao mesmo tempo que é um “campo” de investigação e de

aprofundamento ao projecto, é uma préfiguração do mesmo. Desse modo, o

aluno poderá procurar alguma “correspondência” (nem que seja de um modo

abstracto), entre a ideia para a caracterização cromática e os materiais de

concepção da maqueta. Se em alguns momentos esta correspondência poderá

prejudicar algumas leituras (como a de inserção do objecto arquitectónico),

no que refere à explicitação da caracterização, materialização e das lógicas

projectuais, essas poderiam surgir reforçadas. Para além de que se poderiam

tornar um forte contributo pedagógico, na medida em que possibilitam o

levantamento de questões como a importância da cor na afirmação de

princípios formais que, de outro modo não seriam suscitadas.

À primeira vista, as maquetes finais resultantes de síntese da elaboração

projectual, denotam ainda menos um caracter experimental; neste sentido,

normalmente, têm tanto de descaracterizadas como de abstractas. Limitam-se

a comunicar unicamente a proposta formal e a relação com o sítio. O que leva

a concluir que as potencialidades “deste tipo de desenho” não são exploradas

ao limite.

“Como a maqueta branca, não duvido, será elegante, limitada à agressão da

cor, da impura construção real que perpassou os desenhos já impuros que lhe

impuseram a forma. Mas a maqueta e as páginas temem; temem o confronto

com o mundo real, com o mundo do risco (embora !riscar é arriscar’), temem

a marginalização do !mundo da verdade’, temem a mulatagem, o conspurco, a

falta de garantia dos perigosos territórios dos gritos selvagens ou dos sonhos,

dos doidos alarves rudes. O branco é o estar à parte, completamente

reguardado; protegido”.30

Apesar de os dois primeiros anos do curso de arquitectura estarem fortemente

marcados por um processo de exploração e aprofundamento do uso do

Desenho no auxilio do aprofundamento projectual, durante este período de

tempo já são notórias diversas limitações ao nível da exploração da cor. No

ano seguinte, o tão útil meio analógico “passa a dar lugar” (ainda dentro da

mesma disciplina) à aprendizagem do Desenho assistido por computador.

Contudo, nos nossos dias existem diversas “metodologias sistemáticas que

pretendem substituir o desenho como meio privilegiado para a elaboração do

projecto”.31 Aparentemente, o novo Desenho revelar-se-á um campo propício

ao “comodismo”, onde as limitações marcadas pela não - exploração da cor

irão permanecer, tendendo inclusive a acentuar-se.

19

30 Graça Dias, 1991: 19 31 Vieira, 1995: 95

24.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto II, Residência estudantes, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

25.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto II, Residência estudantes, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

26.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto III Bloco de habitação, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

27.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto III Bloco de habitação, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

Page 32: A cor na arquitectura

Se ao longo do forte período de aprofundamento do Desenho analógico esta

questão não for desenvolvida, a não potenciação das suas virtudes, irá

permanecer no interregno. O “encanto” manifestado por parte dos alunos ao

novo Desenho digital, irá “conduzi-los” a uma inconsciente e fácil

substituição do pragmático e trabalhoso “Desenho analógico,” e as contínuas

limitações ao nível da exploração da cor vão permanecer e arrastar-se; apesar

da fé no novo Desenho, este trata-se de um meio mais limitado.

“O processo tornou-se mais rápido com os novos instrumentos de desenho.

Mas a arquitectura não é feita a a partir de renderings, como por vezes pensa a

geração mais nova. Vejo que hoje se pretende resolver alguma arquitectura à

volta de uma visualização “realista”, quando as coisas se resolvem afinal

melhor (para quem saiba um bocadinho de geometria) em duas dimensões.

Compete ao arquitecto manipular as variáveis, uma vez que o raciocínio não é

digital”.32

A experiência intrínseca à elaboração manual do Desenho ou da maqueta

obedece a um processo trabalhoso, na medida em que é sempre acompanhado

por um contínuo pensamento. Contudo, é a partir deste exaustivo meio que é

possível aprofundar as mais diversas questões, sem quaisquer tipo de

restrições. No entanto, no sentido contrário, os meios digitais propiciam o

facilitismo que, por sua vez, está por detrás da não existência de cor nos

projectos arquitectónicos. Seria desejável que os alunos olhassem para este

novo tipo de Desenho não como um substituto, mas sim e apenas como um

complemento aos eficientes meios “rudimentares” do Desenho de

arquitectura. A experiência adquirida ao longo de vários anos de prática

profissional arquitectónica levam Eduardo Souto de Moura a reconhecer que

“enquanto que a maqueta de cartão branco recompõe a ideia do projecto, os

renders falseiam a percepção dos espaços e manipulam a elegância do

projecto”.33

Num curso em que o programa e os conhecimentos são sequenciais e de

crescente complexidade, existe um “tempo próprio” para a abordagem a

determinadas questões, mas se os alunos, seja por meio do desenho ou de

maquetas, as introduzirem e anteciparem, como é o caso da caracterização

projectual e dos seus critérios, essas serão abordadas, contribuindo para um

melhor entendimento do fenómeno cromático.

20

32 Graça Dias, 2010: 8533 Souto Moura, 2008: 61

Page 33: A cor na arquitectura

No Lugar- Cor local natural | Construída - Fotografia -

Fazer equivaler a importância do Lugar a um princípio pedagógico, terá

certamente a ver com o quanto este é importante para a condução projectual,

ao tratar-se de um “meio” repleto de “potencialidades latentes, à espera de

um olhar revelador de elementos ocultos mas virtualmente decifráveis”.34

A consciência da importância do Lugar sempre existiu na arquitectura. Prova

disso, são os cuidados de implantação de um edifício de acordo com a

topografia do terreno, ou atendendo aos pontos cardeais de modo a

privilegiar a luz solar a vigilância sobre o território ou, mais recentemente, de

modo a privilegiar as vistas, etc. A história da arquitectura descreve, de modo

crescente, a valorização do fenómeno do lugar; já no século XX, alguns

arquitectos do Movimento Moderno (organicistas) - Frank Lloyd Wright e

posteriormente Alvar Aalto -, alargaram a sua importância e significado, ao

estabelecem uma relação mais poética que funcional com o lugar.

Os docentes da “Escola do Porto” revelam ser herdeiros das “referências

modernistas [ao se] deixaram influenciar, pelas doces referências históricas e

locais”35 . As mais sensíveis abordagens modernistas ao Lugar, são

anunciadoras de uma consciência que atende às potencialidades do mesmo.

Neste sentido, é sugerido pelo arquitecto Nuno Portas (1983), enquanto

interpretação para a arquitectura da “Escola”, que esta resulta “a partir do

sítio, da morfologia existente, da tradição local, e não dos modelos

académicos pré-estabelecidos”36. Parece inevitável cruzar ou comprometer

esta afirmação com o resultado, quer da experiência decorrida a partir do

Inquérito quer da desenvolvida posteriomente pelo SAAL. Ambas constituem

“matéria-prima que sustém a !Escola do Porto’ como estrutura integrada e

integradora da cultura portuguesa”37que valoriza a natureza do Lugar.

A preponderância dada ao Lugar é transversal e caracterizadora do modelo

pedagógico “Escola do Porto”. A importância atribuída a esta premissa é

visível pela sua introdução logo nos primeiros exercícios da disciplina de

Projecto I, como é o caso do exercício abstracto de composição que, a partir

de pequenos sólidos de esferovite sobre um tabuleiro do mesmo material

21

34 Francastel, 1966 cit. Rodrigues, 1996 : 3235 Portas [1983], 2005: 26036 Portas, 1983 cit. Figueira, 2002: 8637 Figueira, 2002: 80

Page 34: A cor na arquitectura

pretende recriar as mais elementares e principiantes relações espaciais.

Contudo este tabuleiro, apesar de primário, tem todos os anos características

distintas (limites, desníveis, forma, etc) são premissas que procuram simular

um “Lugar comum” que, permitirá de uma maneira ou de diferentes maneiras

condicionar as diferentes respostas (28-31). Dessas soluções resultam novos

“Lugares” individuais (mas materialmente descaracterizados), aos quais é

posteriormente possível associar um novo exercício que, servindo-se de uma

parte da anterior proposta, a desenvolve e aprofunda a outra escala. É durante

esta primeira experiência que os alunos começam a apontar e a sugerir o uso

de materiais que contribuem para a caracterização da sua proposta. É

paralelamente no decorrer deste exercício que o branco da esferovite, passa a

adquirir sugestões cromáticas-miméticas (com o objectivo de diferenciar o

espaço natural do construído), através da inclusão de cartolinas e de outros

materiais, de modo a tornarem mais comunicantes as maquetes.

Após a realização destes trabalhos (apoiados num Lugar fictício) passa a ser

imperativo o "salto" para um Lugar real (sem envolvente urbana, de modo a

evitar alguma complexidade). De acordo com a evolução projectual, também

a eleição do Lugar tende a acompanhar essa complexidade, passando a

introduzir especificidades que suscitam problemas de outra natureza, nos

quais se inclui a resposta ao nível da materialização/caracterização exterior

das propostas.

Apesar deste tipo de questões ser introduzido desde Projecto I, é apenas em

Projecto III que são exigidas respostas mais precisas da materialização/

caracterização do objecto arquitectónico. Contudo, normalmente estas

limitam-se à referência exclusivo do betão aparente (cinzento) e do reboco

branco (32-33); tendo em conta que os Lugares são variados (e nunca são

propostos os mesmos lugares aos alunos, de ano para ano), é possível denotar

uma “insensibilidade” por parte dos alunos para com o sítio.

Apesar do Lugar ser muito relevante, nós assumimo-lo como mais uma

condicionante projectual que permite suscitar respostas aos mais diversos

níveis. Estes aparentam conter “pistas” relevantes para possíveis

caracterizações cromática: o Lugar contém uma soma de aspectos

proeminentes que, embora sejam altamente dependentes da sensibilidade e

formação de cada um, poderão ser muito sugestivos à exploração cromática,

tais como a cor dos elementos naturais ou construídos; é então estranho que

nenhum aluno, ao elaborar um projecto, relacione/filtre a cor com/do Lugar.

Poder-mos-ia ser muito útil que se passasse a entender o contexto cromático

de cada Lugar, de modo a ser aproximada uma sugestão ou resposta

22

28.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto I, Estrutura e composição, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

29.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto I, Estrutura e composição, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

30.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto I, Estrutura e composição, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

31.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto I, Estrutura e composição, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

Page 35: A cor na arquitectura

cromática mais consciente e propositada e, talvez, mais adaptada. O que não

quer dizer que o aluno tenha que estabelecer um diálogo com a cor do Lugar;

este poderá, através da eleição de uma cor não presente, procurar fazer

ressaltar o objecto arquitectónico, segundo uma atitude que atende ao lugar,

mas que propõe uma oposição cromática. Tanto a solução cromática de

integração ou a de oposição, revelam de igual modo um cuidado com o

contexto.

Como já referenciado, as soluções cromáticas são geralmente as mesmas, e

“contraditas” pelo Lugar que é composto por diversas condicionantes (pré-

existências - a cor própria das construções e da natureza local, a luz também

essa é muito variável; memórias - a cor própria dos materiais provenientes

desse lugar; tradições - a cor resultante dos métodos construtivos específicos;

cultura - existem povos e regiões com mais ou menos cultura do uso da cor).

Mesmo tendo em conta a individualidade de cada aluno (da qual resulta a

valorização/eleição ou não de determinado aspecto), aparenta ser

despropositado que todos estes aspectos que têm algum tipo de

comprometimento com a eleição de determinada cor, sejam descurados.

A arquitectura made in "Escola do Porto" reúne diversos exemplos que,

sugerem os mais sensíveis e diferentes “diálogos” a este nível, visíveis nos

projectos que ilustram - A Cor No Património Arquitectónico. O “projectar

em diálogo não é uma técnica, é uma disposição, um estado de espírito e uma

necessidade para a arquitectura”.38 No entanto, o facto de os alunos se

socorrerem de diversos exemplos, apenas à procura de respostas de natureza

aparentemente mais prioritárias (ligadas à forma), e não enquanto campo de

exploração e de aprofundamento de entendimentos mais genéricos, revela

uma não disposição por parte destes. Sabendo que não há arquitectura sem

Lugar, e tendo em conta que as formas propostas, assim como a preocupação

de implantação, são pensadas de um modo tão rigoroso, seria desejável que

os variados diálogos com o Lugar cumprissem o mesmo rigor.

“As formas que ele [arquitecto ou aluno] criará deverão resultar, antes, de um

equilíbrio sábio entre a sua visão pessoal e a circunstância que o envolve e

para tanto deverá ele conhecê-la intensamente, tão intensamente que conhecer

e ser se confundem”.39

O lugar apesar de conter as suas subjectividade é uma exigência e existência

da arquitectura, como tal, terá que ser considerado. O facto de ser sempre

diferente, torna-o um “laboratorio” que pode propiciar diferentes estímulos à

23

38 Alves Costa, 1987 cit. Figueira, 2002: 12439 Távora [1962], 1999: 74

3 2 . D e s e n h o s r e f e r e n t e s a o e x e r c í c i o desenvolvido na disciplina de Projecto IV-III, Pormenor construtivo, Piscinas - Bloco habitação, (2007). (Joaquim Carlos. AF)

33.Desenho referente ao exercício desenvolvido na discipl ina de Projecto IV, Pormenor construtivo, Museu, (2008). (Joaquim Carlos. AF)

Page 36: A cor na arquitectura

não repetição (cromática).

Contudo, a relação com o lugar não é a mesma que há uns anos atrás; os

diversos meios tecnológicos, como a fotografia ou a internet tendem a

interferir na relação física do observador e o espaço (lugar). A fotografia é

vulgarmente usada de modo soberano - como se os diferentes registos fossem

o lugar - mas são apenas fragmentos, que apesar de poderem ser úteis em

questões pontuais, conduzem geralmente à não experienciação do lugar. Em

casos mais extremos chegam a substituir a experiência física, que é

certamente mais rica e capaz de despertar a sensibilidade para os mais

variadíssimos aspectos - como a proeminência cromática. A divulgação

generalizada de imagens “credíveis”, contida na internet, facilita o

conhecimento de fragmentos de lugares que, por vezes parecem suficientes

para nos convencer. Como na relação do desenho digital e o analógico, será

utópico que acreditemos que, quer a internet quer a fotografia ou outro meio,

fácilmente “substituam” a experiência de nos movermos nos lugares e de os

assimilarmos por completo.

24

Page 37: A cor na arquitectura

Na História- Referências - Construtivas | Cromáticas | Programáticas -

Será importante referir que a preponderância da cor na História, não se

prende com a sua presença na disciplina pedagógica, ou tão pouco, com

algum momento especifico desta. Trata-se sim, de um campo de referências

que, de um modo directo ou indirecto nos pode (alunos de arquitectura e

arquitectos) servir de referência às propostas/soluções das concepções

arquitectónicas.

Aparentemente, desde a sua origem o Homem terá nascido com uma

capacidade criativa e comunicativa que o conduziu, entre outras coisas, à

caracterização cromática das mais elementares construções espaciais. O facto

de qualquer construção espacial exigir a presença de matéria, e sabendo que a

mesma tem cor, acabou por sugerir que o Homem retirasse algum proveito

desta condicionante. Se na pré-história a sua utilização estava associado com

temas como a natureza, ou a caça, durante a idade média referenciava-se na

religião ou no poder, com o passar dos séculos passam a ser recorrente os

mais variadas motivos para caracterizar o espaço. Para além, do facto que

essas utilizações serviam de diferentes maneiras para a afirmação da

individualidade criativa. A evolução temporal, de certa maneira, revela-nos

que a presença da cor na arquitectura foi uma realidade crescente e em

constante desenvolvimento, até ser entendida enquanto materialidade

incontornável, à qual nós alunos, de uma maneira ou de outra, não poderemos

fugir.

Ao longo dos tempos o fenómeno da cor foi adquirindo complexidade com a

descoberta de novos pigmentos, o surgimento de novas técnicas de coloração,

o fabrico de novos materiais e com a introdução de novos meios construtivos.

É neste sentido crescente e evolutivo que a arquitectura contemporânea nos

surja com as mais diversas expressões cromáticas. Todo este longo processo,

aparenta ter evoluído no sentido de uma valorização cada vez mais

consciente e menos subjectiva das potencialidades da cor.

Sabendo que “os arquitectos não inventam. Trabalham continuamente com

modelos”40, os alunos de arquitectura, de algum modo, deveriam ter

consciência deste facto. Apesar da ingenuidade e da ilusão própria dos seus

desconhecimentos, não são capazes de criar algo a partir do nada, sentem a

necessidade de, tal como os arquitectos, se referenciarem a algo.

25

40 Peter Testa, 1988 cit. Figueira, 2002: 123

Page 38: A cor na arquitectura

Como já foi anteriormente salientado, uma das orientações do Desenho

ministrado na FAUP é “ensinar a ver”; o presente capítulo sugere uma nova

fase, que se prende com olhar atentamente para este campo referencial

(História) constituído por diversos e ricos modelos. Será desejável que os

alunos “invistam” nos modelos de referência movidos por uma pesquisa

crítica, de modo a fundamentarem, aprofundarem e esclarecerem as suas

decisões, ampliando os seus conhecimentos, e não se limitarem a olhar para

estes unicamente como ponto de partida, ou soluções pontuais.

O presente contexto Histórico, é um vasto campo capaz de servir de apoio às

mais diversas decisões mas, por estranho que pareça, os alunos, normalmente

apenas recorrem a este contexto para se auxiliarem em questões muito

particulares. As referências históricas, geralmente são vistas, como uma soma

de fragmentos, às quais atendem somente ao desenho da forma volumétrica,

às plantas, às soluções programáticas. Enquanto aluno da FAUP, raras as

foram as vezes que presenciei (noutros projectos, ou numa “defesa oral”)

uma solução cromática sugerida ou assente num caso referenciado (com

excepção do uso genérico do branco, facilmente apoiado na obra do

arquitecto Álvaro Siza), ou consequente da adopção de um sistema

construtivo específico, com repercussões no resultado cromático projectual.

Neste sentido, é visível alguma limitação por parte dos aluno, aparentemente

proveniente da pouca profundidade crítica ou, no extremo, da não observação

integral das obras de referência. Deste modo, é natural que não assimilem a

sua complexidade total, nem as razões que apoiam determinadas escolhas,

como é por exemplo a relação de correspondência de determinada escolha

construtiva e o seu acabamento, do qual a cor faz parte.

A indicação feita por parte dos docentes ao aluno, para que este observe

determinada obra, pressupõe que este venha a estabelecer uma relação mais

profunda com o caso de estudo. Contudo, normalmente, o aluno cinge-se à

anunciada observação fragmentada, aspirando, da obra observada, uma

resposta pontual a uma questão específica (serve-se desta como uma bomba

de ar). Creio que este auxílio, por parte dos docentes, aspira estimular e

despertar os alunos para a observação crítica e integral do objecto

arquitectónico, mais do que encontrar nele soluções fáceis ou pontuais.

Aparenta também procura suscitar aos alunos a inquietude e vontade de

aprofundamento de modo a que percebam integralmente “todas” as lições

arquitectónicas intrínsecas aos modelos, e assim possam expandir os seus

conhecimentos, dilatando a sua cultura arquitectónica, para que, se possível,

à semelhança dos arquitectos, possam trabalhar continuamente os modelos.

26

Page 39: A cor na arquitectura

A visão parcial dos alunos também é extensível às obras made In (Escola do)

Porto. O património constituído por essas obras, é um precioso exemplo para

que se privilegie um elemento que está muito relacionado com a cor: a luz.

Como em qualquer curso, na FAUP não sendo excepção (em particular em

Projecto) é muito vulgar falar-se da importância da luz, o diverso espolio,

constituído pelas obras de arquitectos como Fernando Távora, Álvaro Siza

Vieira, Eduardo Souto de Moura entre outros, é um contributo vivo para o

entendimento de como tirar partido da luz em arquitectura. Os projectos

desenvolvidos por estes arquitectos, ilustrados nos capítulos referentes - A

Cor No Património Arquitectónico - têm a capacidade de fazer transparecer

uma coerência de conciliar a luz e a cor com as formas e as ideias. Para estes

significantes arquitectos tratam-se de realidades indissociáveis, das quais o

objecto arquitectónico é dependente.

Um aspecto meramente arquitectónico que também está intimamente

relacionado, contribuindo para a caracterização epidérmica projectual, é o

claro/escuro que resulta dos avanços e recuos da superfície. A partir da

criação de saliências ou de reentrâncias (pela aproximação ou afastamento à

luz), é possível conferir ao objecto diferentes “tonalidades”. A caracterização

cromática pode também resultar do aprofundamento (opcional) deste artifício

arquitectónico; já a presença da luz e os seus efeitos (sombras) e a eleição da

cor (seja ou não pela selecção de um material) trata-se de uma

obrigatoriedade, como tal o arquitecto tem que a considerar (a luz) e dar

resposta (à cor). Os mais díspares modelos arquitectónicos terão intrínsecas

lições muito complexas destes domínios, seja pela compatibilização de todos

estes aspectos, ou apenas alguns. Como tal, seria recomendado que quando

os docentes referenciam/evidenciam a importância da luz em determinado

projecto, a abordassem na sua totalidade e complexidade, e que nós alunos

estivessemos mais despertos e receptivos às mais diversas soluções.

“A verdade é que sempre houve referências, utilização de modelos e

reinterpretações. Mas, hoje em dia [com o fácil acesso à informação], a

divulgação é muito mais rápida e expande-se globalmente. Assim, tanto se

corre o risco da realização de cópias acéfalas, como se pode abrir um enorme

potencial para novas perspectivas. Terá que ser o sentido crítico na aplicação

desses conceitos e na leitura dos contextos e condicionantes locais, a fazer a

diferença”.41

Um outro aspecto relevante com algum comprometimento (com o não uso da

cor) resulta, nos dias de hoje, do problema da aceleração da informação que,

ao permitir ao aluno servir-se das mais variadas referências, faz com que este

27

41 Graça Dias, 2010: 85

Page 40: A cor na arquitectura

se “perca” nesse vasto campo de múltiplas sugestões, na medida em que os

alunos têm dificuldades autónomas de filtrar as diversas referências, devido a

não terem um sentido crítico amadurecido capaz de lhes permitir estabelecer

critérios de eleição claros (e como é visível, no facto destes tenderem a

hierarquizar os vários problemas que compõem uma proposta arquitectónica,

de acordo com o grau de exigência, privilegiando muitas vezes

inconscientemente mais uns aspectos do que outros). No entanto, a ausência

de um sentido crítico “equitativo”, marcado pelas variações de empenho nas

respostas aos aspectos menos privilegiados, acaba por ter comprometimento

com os resultados cromáticos consequentes, quer da forma como são

conduzidos os projectos quer da atitude cómoda como são apenas solicitados

os aspectos requeridos pelo programa da disciplina.

Ainda de salientar, para além das diversas sugestões cromáticas/construtivas,

será a importância e a relação que essas sugestões podem ter com

determinado programa. Como é descrito com algum “colorido” pelo

arquitecto Álvaro Siza a “Rua do Crucifixo [como a] menos cinzenta, [onde]

há antiquários, barbeiros, bares, floristas e papelarias”42. Esta frase têm

implícita a ideia de que a cada programa/uso está associado uma cor, e o

facto desta Rua compreender diferentes usos faz com que adquira diferentes

tonalidades. A descrição do arquitecto Álvaro Siza acaba por introduzir ou

conduzir para um possível entendimento entre relação cor-programa. Neste

sentido, poder-se-á especular que a um tipo de programa poderá estar

associado uma maior ou menor liberdade cromática. O facto do

caracterização cromática se poder relacionar com programa que compõe o

objecto arquitectónico, faz com que a sua função possa ser entendida

enquanto possível premissa para a sugestão da cor. Este aspecto acaba por

“alertar” para a importância de um factor crucial de projecto, que é o

programa, que, de igual modo, juntamente com a solução formal, construtiva

ou material poderá lançar pistas para possíveis caracterizações cromáticas.

28

42 Siza [1989], 2009: 64

Page 41: A cor na arquitectura

O método Bauhaus- A fusão artística/arquitectónica - Walter Gropius -

“As ideias de uma escola são feitas principalmente pelas ideias dos seus

líderes, mas não se deve esquecer as dos alunos [...] as ideias dos mestres

unidas às dos alunos que constituem o que chamamos ‘Escola’. A utilidade

dos alunos é também esgotar as fórmulas dos mestres, aumentar os seus

excessos e torná-los rapidamente insuportáveis, desatando assim a liberdade

que os mestres acorrentam”.43

“A entrada de alguns pioneiros modernos nas instituições de ensino [como foi

o caso de] Van de Velde em Weimar [1863-1957] terá influência decisiva na

teorização da nova arquitectura e prepara o aparecimento [em] Novembro de

1918, da primeira instituição especialmente concebida para o ensino da nova

Sachlichkeit - a primeira Bauhaus”44 que resultara da fusão entre a Academia

de Arte de Weimar e a Escola de Artes Aplicadas da mesma cidade dirigida

pelo pintor Henry Van de Velde desde 1906 (na qual, já existia uma tradição

do ensino da teoria da cor e do ornamento). A fusão entre a Kunsthochschule

(Academia de Belas-Artes) e a Kunstgewerbeschule (Escola de Artes

Aplicadas) foi conduzida pelo arquitecto Walter Gropius (1983-1969) que

viria a assumir-se como director da nova Escola entre 1919 e 1927.

Como descreve William Curtis (2006), ao longo da sua existência, a Escola

viria a passar por três fases distintas, marcadas pela mudança de direcção

(nas quais, o estudo da cor constitui sempre matéria integrante): uma

primeira fase expressionista (1919-1927), onde a prioridade recaía sobre a

expressão emocional e a individualidade dos estudantes; uma segunda fase

formalista construtivista (1927-1929), sob a direcção do arquitecto Hannes

Meyer (1889-1954); e, por fim, a fase racionalista radical (1929-1933) sob a

direcção do arquitecto Mies Van der Rohe (1886-1969).

Walter Gropius, apesar de ter iniciado a sua formação em arquitectura no

ensino politécnico (conjuntamente com engenheiros), acabaria por privilegiar

a sucessiva formação na Technischen Hochschule que integrava um ensino

artístico resultante da elevação do curso de base politécnico à categoria

universitária. As diferentes experiências formativas pelas quais passou,

revelaram-se significantes para a formulação das bases reformistas da

Bauhaus.

“Todos os arquitectos, escultores, pintores, devem voltar-se para o oficio. A

29

43 Ozenfant [1918], 2005: 28 44 Portas [1964], 2005: 356

Page 42: A cor na arquitectura

arte não é uma profissão, não há nenhuma diferença essencial entre artista e

artesão [...] Em momentos raros, a inspiração [...] pode fazer com que o

trabalho desemboque na arte, no entanto a perfeição no ofício é essencial para

todos os artistas, como fonte de imaginação criativa. Formamos uma nova

comunidade de artífices sem distinção de classes [...] e juntos criaremos o

novo edifício do futuro, que abarcará a arquitectura, a escultura e a pintura

numa só unidade”.45

Inicialmente, na Bauhaus, foi notório um esforço de convergência para unir o

mundo da arte e o mundo da produção, na mesma pedagogia. Da fusão

artística com a artesanal resultaria uma Escola com características não-

universitárias, que optaria por seguir um modelo escola-atelier, no qual os

alunos trabalhariam nos projectos dos seus mestres e onde não haveria espaço

para disciplinas científicas. A adopção do modelo escola-atelier que, “não

compreendia disciplinas fundamentais, como matemáticas, estudos

estruturais, física do conforto, ciências humanas e história [indiciava que a]

estrutura [da Bauhaus] descendia afinal, da École [Polytechnique],

integrando-lhe os ideais da pupilagem oficinal de Morris [de uma pedagogia

prática e artesanal de trabalho de atelier], apesar de ambas se oporem à

ideologia artística”.46

Para Gropius, o momento teórico, o criativo e o pedagógico eram

inseparáveis, daí ter implementado uma reforma no ensino formal (da qual, o

ensinamento da cor viria a fazer parte), com o propósito de converter

simultaneamente todos os conteúdos em formulação teórica e aplicação

prática ao acto criativo.

Tanto a formação de Gropius como a fusão entre a Academia de Belas-Artes

e a Escola de Artes e Ofícios e, a consequente defesa de cooperação entre

artistas, artesãos e a indústria, constituíram aspectos relevantes para instituir

um novo programa de ensino. Contudo, para levar ávante o novo método

Gropius contou com a colaboração de diferentes artistas, dos quais se

destacam Johannes Itten (1888-1967), László Moholy-Nagy (1895-1946),

Josef Albers (1888-1976), Paul Klee (1879-1940) e Wassily Kandinsky

(1866-1944). Porém, não menos importante, foi a colaboração dos

arquitectos Hannes Meyer e Mies Van der Rohe que dariam continuidade ao

seu projecto de “Escola” (Curtis, 2006).

30

45 Gropius, 1919 cit. Argan, 1990: 3346 Portas [1964], 2005: 356

Page 43: A cor na arquitectura

A visão plástica- Curso Básico | Curso Formal -

Com o ingresso do pintor suíço Johannes Itten na Escola alemã em 1919, foi

criado e desenvolvido um programa de estudos preliminar (com

características propedêuticas) que viria a ser obrigatório para todos os

estudantes, independentemente da área de especialização posterior. Itten

assumira a responsabilidade de estruturar e aprofundar o curso base que se

tornara central na transformação da Escola. O estudo preliminar teria como

principal objectivo a compreensão e a exploração dos componentes primários

da linguagem visual - a cor (farbe) e materiais - tecido (gewebe), metal

(metall), madeira (holz), pedra (stein), e o vidro (glas) (34). Era desejável que

os alunos explorassem e manipulassem os elementos formais, através de

diversificados estudos de composição, de modo a adquirirem uma

consciência das possibilidades e limitações de cada material. O programa/

processo caracterizado pela intuição e a auto-descoberta, tornou-se vital na

estrutura educacional da Escola, ficando conhecido como o "método

Bauhaus", do qual, resultaria uma base visual comum aos mais diversos

projectos, apesar dos professores da Escola não reconhecerem a existência de

um “estilo Bauhaus” (Curtis, 2006).

Após a demissão de Johannes Itens (1923), O curso básico - Vorkurs -

passaria a ter um novo sucessor/director, o artista László Moholy-Nagy que,

mais tarde, iria contar com a colaboração do artista Josef Albers (ex-aluno da

Bauhaus). Ambos continuariam o trabalho do seu antecessor (Itten),

encorajando os alunos no sentido de uma nova aprendizagem, motivando-os

a “!desaprenderem’ os hábitos e clichés das tradições !académicas’ europeias

e recomeçar a aprendizagem através da experimentação de materiais naturais

e de formas abstractas”.47

Após a nova aprendizagem consequente do curso base, seguia-se o ensino

formal - Formlehre - leccionado pelo artista Paul Klee e posteriormente por

Wassily Kandinsky. O ensino formal incidia em três estádios: a observação

(estudo da realidade e teoria dos materiais); a representação (teoria da

projectação, técnicas de construção); a composição (teoria do espaço, teoria

da cor e teoria da composição).

Para Paul Klee o estudo da forma dividia-se (num sentido estrito) na

superfície e espaço e (num sentido mais amplo), na relação que a cor pode

31

47 Curtis, 2006: 185

34.Gráfico ilustrativo dos diferentes conteúdos

programático que compunham o curso básico

ministrado por Johannes Itens, no qual a cor (farbe) constitui um sétimo dos respectivos

conteúdos. (Droste, 2004)

Page 44: A cor na arquitectura

estabelecer com a forma. O facto de Klee incorporar o estudo da cor no

ensino formal, sugere que teria consciência que a cor e a forma se afectam

mutuamente (como tentariam demonstrar os estudos de Kandinsky (35.36)). De

acordo com a arquitecta Teresa Veleiro (1991), outro aspecto relevante para a

inclusão da cor no estudo da forma (que estaria relacionado com a

experiencia artística de Paul Klee), é a potencialidade da cor enquanto meio

de comunicação visual.

Com a passagem de “testemunho” de Klee para Kandinsky, o ensino formal

altera-se, dividindo-se na teoria da cor e na teoria da forma da cor. A nova

estruturação do curso formal (de Kandinsky), portanto, parece-me pretender

conferir uma maior preponderância à cor. Apesar da cor se tornar central no

ensino formal, as ideias defendidas pelo artista russo revelar-se-iam

altamente subjectivas. Como era possível verificar na sua teoria que relaciona

e equipara formas e cores, defendendo que os efeitos formais se acentuam

quando a expressão da forma “coincide” com a expressão da cor (37.38).

“A forma, mesmo que seja abstracta, tem uma sonoridade interna, daí se

associar (nos seus estudos) a cada forma uma cor específica, correspondendo

às formas primárias igualmente cores primárias. As formas têm que ser

elementares na sua expressão, e não na sua geometria, e a cor não tem que ser

mais do que representativa da sua sonoridade interna”.48

Apesar da cor ser um fenómeno que não tem limites distintos e de ser

altamente subjectiva, fez parte de diversas disciplinas, enquanto conteúdo

didáctico da Bauhaus, ao ser estudada como fenómeno visual e matéria

potenciadora de caracterização e transformação formal. O estudo sobre os

efeitos na caracterização do espaço constituiu um dos aspectos mais

importantes no trabalho desenvolvido pela Bauhaus. A acção transformadora

da cor era avaliada segundo duas forças distintas: por combinação - entre a

cor e a forma, acentuando as particularidades formais; e, por oposição - a cor

“traz” consigo a transformação de uma forma inicial, originando uma nova

forma (Veleiro, 1991).

Neste contexto, tanto Klee como Kandinsky continuaram a desenvolver

exercícios didácticos em torno da equivalência forma/cor, no sentido de obter

uma resposta cromática mais adequada à caracterização de uma determinada

superfície formal ou ao seu tratamento global. Embora, para os artistas da

Escola, as ideias de forma e de cor fossem indissociáveis, na prática (nos

projectos) era demonstrado que a forma era proeminente e que precedia a cor

32

48 Wassily Kandinsky cit. Gerstner, 1988: 118

35.Desenho que encabeçava o questionário com o f im de corrobogar “cienti f icamente” a coordenação de cores primárias para formas elementares, propostas por Kandinsky. Wassily Kandinsky, (1923). (Droste, 2004)

36.Desenho elaborado na aula de Kandinsky, partindo da relação entre as cores primárias e

formas elementares propostas por si, propunha a

obtenção de formas secundárias coloridas, (1931). (Droste, 2004)

37.38.Desenhos elaborados na aula de Kandinsky, correspondência de cores a formas

primárias e secundárias - e ordenação de cores segundo ângulos, Eugen Batz, (1929); Fritz

Tschaschnig, (1931). (Whitford, 2006)

Page 45: A cor na arquitectura

(que sugeriam ser um dos seus “acessórios”). Aparentemente, nem a

proeminência atribuída ao estudo da cor por dos artistas se revelou suficiente

para inverter esta “tendência natural”.

33

Page 46: A cor na arquitectura

34

Page 47: A cor na arquitectura

A visão arquitectónica- Walter Gropius | Mies Van Der Rohe -

Na Bauhaus, as ideias desenvolvidas pelo Departamento de Arquitectura

viabilizar-se-iam nas aulas práticas de projecto - Werklehre. Contudo, a falta

de meios (consequente do Pós-Guerra) levaria a que muitas experiências

académicas e profissionais não se efectuassem e, quando tinham condições

para tal, estavam geralmente sujeitas a limitações. Devido a esse facto, poder-

se-á dizer que a partilha pedagógica que reflectia a visão arquitectónica se

resumia unicamente aos poucos projectos desenvolvidos por parte dos

arquitectos e às teorias que lhes serviriam de apoio. Como tal, de modo a

“reunir” uma visão arquitectónica, será necessário olhar para alguns desses

projectos de arquitectura realizados, quer por Walter Gropius quer por Mies

Van der Rohe, desenvolvidos durante o período de funcionamento da Escola.

Ainda de salientar, enquanto factor significante para a visão arquitectónica de

ambos arquitectos, foi o facto de terem complementado as suas diferentes

formações no atelier/escola de Peter Behrens (1868-1940), onde Gropius terá

permanecido de 1907 a 1910 e Mies de 1908 a 1912. Outro relevante aspecto

(comum) foi à ligação à Deutscher Werkbund (Associação de artistas,

artesãos e publicitários), fundada por Behrens juntamente com outros

arquitectos em 1907-1938.

“A crença expressa por Gropius na necessidade de reunir a sensibilidade

estética e o projecto utilitário estava de acordo com as experiências na

Werkbund [assentes num] retorno às raízes do movimento Arts and Crafts, a

William Morris, e a acreditar que o trabalho artesanal fosse a única garantia

viável para a qualidade do projecto. O currículo escolar inicial da Bauhaus

reflecte esta posição”.49

Apesar de ambos os arquitectos terem partilhado e adquirido experiência

profissional no atelier de Behrens, os projectos desenvolvidos por cada um

(após este estágio) anunciam diferentes abordagens cromáticas, embora

privilegiando maioritariamente a cor resultante e consequente do uso de

materiais.

Após estagiar, Gropius desenha um significante projecto, a Fábrica Fagus

(1911-1925) (39). Apesar do projecto anteceder a abertura da Bauhaus, a sua

construção prolongou-se ao longo dos primeiros anos de existência da

Escola. Poder-se-á dizer que este edifício representa o paradigma inicial da

35

49 Curtis, 2006: 185

39.Walter Gropius, Fábrica Fagus, Alfeld (1928-1929). (Curtis, 2006)

40.41.Pormenor do remate do edifício com o solo e do recuo da alvenaria. (Lupfer, 2004)

42.Pormenor do recuo da estrutura, em relação ao alinhamento da fachada.(Lupfer, 2004)

Page 48: A cor na arquitectura

arquitectura moderna (funcionalista entre Guerras) na qual, Gropius explorou

volumes paralelipipédicos combinadas com extensos planos de vidro (Curtis,

2006). No que refere ao uso da cor, o Arquitecto ter-se-á limitado àquelas

“oferecidas” pelos materiais eleitos. A cor própria destes seria a mais

adequada para conferir ao edifício uma expressão industrial racionalista.

Neste sentido, Gropius constrói maioritariamente a “caixa” edificada com

tijolo de cor clara, conferindo às diferentes superfícies uma coloração e

textura uniformes (animada pelas contínuas juntas contra-fiadas da

alvenaria). No entanto, o tijolo utilizado para realizar o remate com o solo é

de cor mais escura e a fiada superior é disposta na vertical, ambos os aspectos

sugerem viabilizar uma “transição cromática”. Para além destes contrastes,

são ainda exploradas diferentes relações de claro/escuro, resultantes, quer

pelo recuo de fiadas da alvenaria quer da estrutura (40-42). A utilização de uma

cor escura - castanho - para a caixilharia e para os restantes elementos

metálicos procura acentuar os anteriores contrastes. A Fábrica Fagus, apesar

de ser o primeiro projecto de Gropius, é um exemplo de objectividade

cromática, onde são indiciadas algumas das futuras abordagens referentes ao

uso da cor (elaboradas ao longo da década de 1920) que, contribuiriam para

uma imagem de aspecto fabril .

“Os novos tempos demandam a sua expressão. A forma exactamente

estampada e livre de qualquer acidente, os contrastes claros, o ordenamento

dos elementos, o arranjo em série de partes similares, a unidade de formas e

cores [...]”.50

Quando no capitulo “método da Bauhaus” são apresentadas as diferentes

fases a que a Escola esteve sujeita, começa-se por evidenciar como primeira -

a expressionista, relacionada com o seu director Walter Gropius. Nesta frase

pode verificar-se alguma relação e correspondência expressionista no seu

primeiro projecto arquitectónico realizado por Gropius em colaboração com a

Bauhaus, para a Residência Sommerfeld, em Berlim, em 1920-1921 (43). O

comprometimento expressionista nesta obra poderá estar associado à imagem

resultante do uso exclusivo da madeira e do seu trabalho rebuscado. O facto

deste projecto ter sido construído durante o Pós-Grande-Guerra condicionou

o uso diversificado de materiais que, até então, Gropius já teria mostrado

interesse em usar (tomando como exemplo a Fábrica Fagus), aspecto que

teria sido decisivo para um uso reduzido de cores. A limitação a que Gropius

esteve sujeito conduziu-o à exploração das complexas texturas cromáticas da

madeira, no sentido de tirar o maior partido da expressão deste material

natural e enriquecer a imagem do edifício.

36

50 Walter Gropius,1913 cit. Curtis, 2006:183

43.Walter Gropius, Residência Sommerfeld, Berlim (1920-1921). (Curtis, 2006)

44.Mies Van der Rohe, Vila de Tijolos, (1923). (Curtis, 2006)

45.Mies Van der Rohe, Monumento aos Mártires Espartaquistas Comunistas, Berlim (1926). (Curtis, 2006)

46.Mies Van der Rohe, Casa Mosler, Potsmam (1924-1926). (Van der Rohe, 2009)

47.Mies Van der Rohe, Museu Haus Lange, Krefeld (1927-1930). (Van der Rohe, 2009)

Page 49: A cor na arquitectura

Por outro lado, Mies Van der Rohe após ter estagiado no atelier de Behrens,

em 1912, migrou para a Holanda, tendo tido oportunidade de estudar

minuciosamente a obra de Hendrik Petrus Berlage (1856-1934). Ao ler e ver

os seus trabalhos, compreendeu que a arquitectura deveria resultar numa

construção clara, na qual o uso da cor e textura própria dos tradicionais

tijolos, contribuiria significantemente para essa clareza. A verdade dos

materiais presente na obra de Berlage aparenta ter contagiado Mies, levando-

o, durante a década de vinte, a desenhar alguns edifícios em alvenaria de

tijolo aparente de aspecto rústico, tais como a Vila de Tijolos, (não

construída) de 1923 (44), o Monumento aos Mártires Espartaquistas

Comunistas, em Belim, de 1926 (45), a Casa Mosler, de 1924-1926 (46), o

Museu Haus Lange e o Haus Esters, em Krefeld, de 1927-1930 (47). À

semelhança da Residência Sommerfeld de Gropius, estes projectos poderiam

ser facilmente designados como “expressionistas”.

No entanto, no fim da mesma década, Mies sugere uma viragem na

linguagem arquitectónica, na qual é já visível uma certa a complexização

cromática, prova disso é o Pavilhão Alemão da Exposição Internacional de

Barcelona (1928-1929) (48). Tal como a Fábrica Fagus anunciava as futuras

abordagens cromáticas de Gropius, o conhecido Pavilhão de Barcelona

antecipava também as posteriores caracterizações de Mies. Para Bruno Zevi

(1984), o Pavilhão pode ser descrito materialmente como uma composição

“de painéis de travertino, mármore, lâminas de vidro, superfícies de água,

planos horizontais e verticais que quebram a imobilidade dos espaços

fechados, rompem os volumes e orientam o olhar para vistas exteriores"51. A

variedade de materiais/superfícies de cor descritas por Zevi sugere a

“complexização cromática” que caracteriza e dá identidade a este projecto

(49.50). Contudo, Mies consegue garantir a ideia de clareza construtiva

resultante da verdade dos materiais, defendida por Berlage.

“O que estou a tentar fazer na arquitectura é desenvolver uma estrutura clara

[...] confronta[r-me] com o material [...] averigua[ando] como o utilizar

correctamente. Isto não tem nada a ver com a forma”.52

O que parece interessar a Mies é o uso correcto dos materiais, de modo, a

retirar o maior partido dos seus padrões, reflexos, texturas e cores próprias.

Neste projecto, em particular, a compatibilização de superfícies de pedra com

diferentes cores e padrões contribui para a caracterização e enriquecimento

da singela estrutura edificada. A cada uma das superfícies é dada uma

37

51 Zevi, 1984: 4652 Van der Rohe [1964], 2006: 58

48.Mies Van der Rohe, Vista frontal, Pavilhão Alemão da Exposição Internacional de Barcelona, Barcelona (1928-1929). (Van der Rohe, 2000)

49 .Vis ta das d ive rsas super f í c ies que caracterizam o interior do edifício. (Van der Rohe, 2000)

50.As diferentes cores/texturas das pedras utilizadas no Pavilhão de Barcelona. (Quintas, 2009)

Page 50: A cor na arquitectura

especial atenção; algumas acabam por adquirir uma expressão cromática

única, ao lhes ser associado um material muito especifico. O especial cuidado

“cromático” e o desenho de determinado plano, faz com que este adquira a

capacidade de “representar” e “expressar” reconhecimento a todo o projecto.

A postura de Mies em relação ao uso exclusivo da cor própria, leva-o a

reconhecer: “adoro os materiais naturais e as coisas metálicas [...] poucas

vezes utilizei paredes coloridas. Realmente gostaria de encarregar a pintura

das paredes a Pablo Picasso ou a Paul Klee”.53 Para Mies, a responsabilidade

de caracterizar determinada superfície ou espaço recorrendo ao uso da cor

aplicada, “deveria” ser remetido a um artista. Acrescenta ainda: “as poucas

vezes que pintei de branco [um projecto] era porque estava entre o verde, a

campo aberto. Podia utilizar qualquer cor”.54

A “objectividade” cromática conferida pela atribuição de determinado

material, constitui um aspecto significante para a sua futura arquitectura mais

pavilhonar, que de certo modo dará continuidade a alguns propósitos (como o

trabalho da cor) já anunciados no Pavilhão de Barcelona. Para além da

questão de gosto, Mies revela através da eleição de determinado material (do

qual resulta determinada cor) um desejo de clareza e consequentemente de

menor subjectividade.

“Se eu fosse uma pessoa subjectiva, seria pintor e não arquitecto. [Na

arquitectura] não é possível ser-se verdadeiramente subjectivo; porque os

edifícios poderiam ficar estranhos. [...] acho que a arquitectura é uma arte

objectiva”.55

O estilo racional baseado na acentuação poética da estrutura e da tecnologia

que passa a caracterizar a obra de Mies, segundo Willian Curtis (2006) e

Bruno Zevi (1984) sugere uma síntese neoplástica. Apesar de Mies Van der

Rohe (1964), o contrariar, reconhecendo que nunca foi um propósito seu e,

que, se alguma vez acabou por propor alguma correspondência com o

neoplasticismo, foi fruto do acaso. A verdade é que a sua arquitectura baseia-

se numa composição de planos que tem a virtude de possibilitar uma

multiplicidade de tratamentos e a atribuição de diversos materiais (cores). Por

outro lado, o facto da arquitectura desenvolvida por Gropius ser mais

“volumétrica”, “não propiciaria” a mesma diversidade de tratamentos ao

nível das paredes, do que a obra de Mies. Deste modo, obra de Gropius mais

facilmente adoptaria uma caracterização cromática unitária, conformando a

38

53 Idem: 60/6154 Idem: Ibidem55 Idem: Ibidem

Page 51: A cor na arquitectura

massa construída numa leitura global.

Contudo, a defesa do uso da cor própria dos materiais também aparece na

postura de Gropius, embora, este utilize geralmente a cor resultante da

escolha de um único material. No entanto, o interior dos seus projectos

adquire normalmente, através da pintura, a cor branca aplicada - funcional, na

medida em que tem elevada capacidade de reflectir a luz.Em comparação

com os projectos de Mies, a “barreira” interior-exterior, é geralmente

imperceptível, na medida em que é diluída, pela continuidade cromática

(conferida pela atribuição dos mesmos materiais), “indiferente” a cada uma

destas realidades.

A arquitectura de Gropius passará mais tarde a formular aspectos da estética

e da ética Modernista (aspirando solucionar diversos problemas de ordem

social consequentes do Pós-Guerra), e neste sentido, o Arquitecto vai adoptar

frequentemente o uso da cor aplicada - branca - associada ao Modernismo,

reflectindo uma visão social e funcional associada a aspectos de razão

económica. Por sua vez, a obra do arquitecto Mies vai oscilar entre uma

exploração cromática já anunciada e uma versão pontual mais contida,

influenciada pela adesão aos valores sociais do Modernismo.

39

Page 52: A cor na arquitectura

40

Page 53: A cor na arquitectura

O resultado da cooperação- Bauhaus de Dessau | Casa dos Professores - síntese plástica/arquitectónica -

A aplicação e fusão entre os ideais artísticos e os arquitectónicos foram

visíveis maioritariamente nos projectos de arquitectura realizados por Walter

Gropius.

Contrariamente à visão de William Curtis (2006), Giulio Carlo Argan (1990)

reconhece que “no estilo da Bauhaus [representado também, pelos projectos

arquitectónicos de Gropius ligados à Escola], encontram-se infalivelmente

sinais de coerência, de exactidão e de economia mental, e sobretudo, de uma

infalível segurança na designação da imagem nas mais diversas obras que,

mesmo sem possuírem uma forte personalidade artística, [passam pelo

mesmo] mecanismo didáctico”.56

Os sinais de coerência didáctica poderão estar comprometidos com o facto,

dos artistas e artesãos se servirem dos conhecimentos/intuições adquiridos no

curso base - Vorkurs, e no ensino formal - Formlehre para propor uma

harmonização assente numa base unitária de formas e de cores, de modo a

conferir identidade ao espaço arquitectónico..

A partir da síntese da teoria das formas e das cores, desenvolvida e ensinada

pelos artistas Paul Klee e Wassily Kandinsky, resultaria a “linguagem da

Bauhaus”, na qual a expressão cromática teria a função de acentuar e

sublinhar os aspectos formais. A este facto se deve a “fé” de Gropius na

pintura, que “facilmente” poderia servir como instrumento de estímulo e de

enfatização da nova linguagem arquitectónica, levando-o a referir que juntos

(artistas e arquitectos) iriam criar o edifício do futuro que constituiria um

“todo em um”, conciliando a arquitectura e a pintura (Pérez, 2005). O ensino

prático, dominado pela procura da harmonização, serviria para desenvolver e

elaborar diversas e diferentes ideias sobre o uso da cor, às quais acabariam

por ser incorporadas no acto criativo projectual, como base unitária referida

às formas, de modo a conferir identidade ao espaço.

Gropius sempre acreditou e defendeu a cooperação entre as diversas áreas

artísticas, como tal, é-nos possível ler nas suas idealizações arquitectónicas

conjuntas com artistas, um esforço acrescido de as pensar de modo

“abstracto” (ao não equacionar qualquer tipo de caracterização cromática,

quer para o exterior quer para o interior), permitindo aos artistas a maior

41

56 Argan, 1990: 32

Page 54: A cor na arquitectura

liberdade possível, talvez, de modo a estimular-lhes a criatividade e os

conhecimentos, para o estabelecimento de critérios cromáticos ajustados às

diversas soluções espaciais.

Exemplo do optimismo de Gropius, na cooperação e na coerência artísticas

foi o projecto da nova Escola em Dessau, construída em 1925-1926 (51).

Apesar de ter ficado a seu cargo, o Arquitecto contou com a colaboração de

outros professores e inclusive de alguns alunos, que proporiam diversos

estudos apontando diferentes caracterizações espaciais. Seria um exercício

que acabaria por assumir um relevante contributo didáctico. Aparentemente,

a cooperação reflectia uma nova atitude artística - de fazer arquitectura - na

medida em que o projecto arquitectónico “resultava” da convergência de

diferentes pensamentos inerente aos seus intervenientes, culminando num

“produto” representativo da pedagogia da Bauhaus.

A cor e a forma eram defendidas na pedagogia didáctica enquanto potências

da linguagem visual. Ao concordar com a respectiva indução didáctica,

Gropius tinha presente que ambas deveriam ser elementos básicos do

projecto de arquitectura. De modo a que estes pudessem ser explorados com

a mesma profundidade, propôs, para o novo edifício da Bauhaus, uma série

de repetições volumétricas e de vazios e uma multiplicidade de elementos

standard, que para além de revelarem uma racionalização de projecto (que

viria a servir posteriormente à linguagem da Arquitectura Moderna),

denunciavam uma preocupação com o trabalho de equipa. As repetições

consequentes da normalização de projecto acabariam por facilitar as diversas

propostas cromáticas. O “esforço” de Gropius (e da pedagogia da Bauhaus)

era no sentido de viabilizar uma construção mais fácil, capaz de

compatibilizar a interacção entre a arquitectos e artistas para a obtenção de

um resultado comum.

O artista Hinnerk Scheper (1897-1957) propôs para o tratamento exterior dos

volumes, uma correspondência entre as cores e as suas diferentes funções, e

sugeria ainda que, alguns pequenos elementos da fachada adquirissem uma

diferenciação cromática. Contudo, no que refere ao tratamento exterior,

Gropius acabou por optar por alguma contenção cromática, face à proposta

de Scheper. O edifício acabou por ter como cor dominante o branco que

adquiria uma extrema vivacidade pela acentuação dos jogos de claro-escuro,

propiciados pelos avanços e recuos dos planos envidraçados, assim como

pelas expressivas sombras “desenhadas” pelos palas e varandas (52). A

“contenção” cromática propiciava uma sobriedade ao exterior edificado, no

qual a cor branca era compatibilizada com um cinza que se prolongava por

42

51.Walter Gropius, Escola Bauhaus, Dessau (1925-1926). (Nerdinger, 1988)

52.Walter Gropius, Vista da fachada do bloco de habitação, Escola Bauhaus, Dessau (1925-1926). (Nerdinger, 1988)

53.54.Walter Gropius, Vista dos acessos, Escola Bauhaus, Dessau (1925-1926). (Nerdinger, 1988)

Page 55: A cor na arquitectura

todo o embasamento e se estendia a algumas superfícies de remate. O

contraste resultante fazia “libertar” os volumes, acentuando a leitura de toda a

composição, como é visível no ensaio perspéctico de Hinnerk Scheper (55.56).

Ainda referente à caracterização exterior, é possível notar que a “excepção”

cromática se dá exclusivamente nos pontos de acesso ao edifício, com um

propósito quase que só “funcional”, acabando por adquirir a “cor de alerta” -

vermelho.

No que refere à caracterização epidérmica dos diferentes espaços interiores

da nova Escola em Dessau, Gropius contou com o complexo plano cromático

elaborado pelo artista Hinnerk Scheper (53.54). Nesta proposta era visível uma

correspondência entre uma cor específica e um espaço determinado, que teria

como principal objectivo “organizar” e tornar a utilização do edifício

intuitiva. A mudança de cores proposta para os espaços de fronteira e planos

de transição, teria o mesmo propósito - encaminhar os utilizadores (57). Para

além do esquema de cores estar associado às diferentes tarefas aparentava

pretender que os espaços se tornassem mais aprazíveis e expressivos.

Segundo Veleiro (1991), todas as lógicas propostas no plano de cor

(funcionais, plásticas e expressivas) tenderiam a igualar o uso da cor a

qualquer outro elemento integrante e indispensável à materialização

arquitectónica, o efeito espacial resultante do uso de cores era ainda

complementado e reforçado pelo uso de uma variedade de materiais com

diferentes acabamentos superficiais: uns polidos, lisos com alto brilho, outros

rugosos, superfícies mate, tintas de alto brilho, vidro, metal, etc. Deste modo,

o projecto arquitectónico tornava-se um verdadeiro “campo experimental”,

onde a cor assumia uma importância “co-igual” ao espaço arquitectónico,

esta equivalência foi possível, porque, para Gropius, “toda a forma visual

aparece como efeito conjunto; como um efeito visual total”.57

Também nas Casas dos Professores em Dessau (1925-1926), foi notória a

mesma coerência artística por parte de Gropius. Trata-se de um projecto

composto por quatro construções, três delas semi-independentes (destinado a

dois professores cada) e partilham os mesmo elementos standard.

O Arquitecto contou com a sugestão cromática do seu ex-aluno na Bauhaus,

Alfred Arndt (1896-1976) que pretendia pôr em evidência aspectos comuns

às quatro edificações, de modo a assegurar a leitura unitária do conjunto (58).

A sua proposta, tal como a de Hinnerk Scheper para a Escola, sugere a

aplicação de uma “codificação de cor”. Embora, neste caso, esta seja

43

57 Gropius cit. Veleiro, 1991: 16

55.56.Desenhos da proposta de cor para o edifício da Bauhaus. Alçados, perspectiva. (Hinnerk Scheper, 1926). (Nerdinger, 1988)

57.Desenho do estudos cromáticos para os diferentes tectos do edifício da Bauhaus (Hinnerk Scheper, 1926). (Nerdinger, 1988)

Page 56: A cor na arquitectura

associada aos elementos arquitectónicos repetidos, pontuando e conferindo a

todo o conjunto uma acentuação rítmica.

A proposta de Arndt tinha ainda outras intenções, pretendia sugerir a

diferenciação entre as superfícies maiores e os pequenos volumes salientes

das fachadas. Pelo facto de Gropius não ter adoptado integralmente esta

proposta, deduz-se que talvez fosse demasiado “rebuscada”. O Arquitecto

acabou por adoptar apenas o esquema de cores associado à parte inferior das

varandas e a todas as portas e janelas, que seriam suficientes para conferir a

cada bloco edificado uma identidade (59.60). No entanto, a caracterização

cromática interior ficou ao critério dos moradores, acabando por resultar

numa certa diversidade consequente das diferentes personalidades. As casas

partilhadas pelos artistas continham caracterizações cromáticas variadas

(61.62); já as ocupadas pelos arquitectos tenderiam para a sobriedade, ao serem

dominantemente brancas. Esta diferenciação leva a que eu questione sobre se

os artistas não teriam uma relação de maior proximidade com a cor, enquanto

os arquitectos se manteriam mais distantes desta, denunciando um certo

conservadorismo.

Ambos os projectos (a Escola Bauhaus de Dessau e a Casas Professores) são

representantes de uma tentativa de coerência e síntese entre a visão

arquitectónica e a plástica.

44

58.Desenho axonométrico da Casas dos Mestres, Alfred Arndt, (1926). (Nerdinger, 1988)

59.60.Walter Gropius, Casas dos Mestres, (1925-1926). (Lupfer, 2004)

61.62.Vista do interior da Casa dos Mestres, habitada por Kandinsky e Klee (1925-1926). (Lupfer, 2004)

Page 57: A cor na arquitectura

O branco “Escola do Porto” e o cromatismo Bauhaus- Estímulo - Princípios pedagógicos | Abstracção - Síntese plástica/arquitectónica -

O arquitecto Carlos Ramos, “criara” a “Escola do Porto” ao promover um

ensino assente numa permanente liberdade, acabando por entusiasmar tanto

professores como alunos. A sua acuidade crítica levou-o nos anos de 1950 a

captar valores, resgatando, Mário Bonito, Agostinho Ricca, José Carlos

Loureiro, João Andresen, Fernando Távora, Octávio Filgueiras e Arnaldo

Araújo para que aliassem os seus saberes à devoção pedagógica, de modo a

“construir” o projecto que viria a ser chamado “Escola do Porto”.

Alguns anos antes Gropius teria “construído” a sua Escola - Bauhaus - de

modo semelhante a Carlos Ramos, contando com determinados artistas e

arquitectos escolhidos por si, acabaria por conseguir vingar a sua ideia de

“Escola”. Como descreve Mies, a Bauhaus era fruto de “ uma ideia, esse

seria o principal motivo da sua enorme influência no mundo [...] uma

ressonância tão ampla não era possível conseguir-se só com organização,

nem com propaganda. Só uma ideia tem força para se ampliar tanto”.58

Ramos fez singrar a sua Escola “através de uma política das pessoas mais

úteis”.59 Neste sentido, poder-se-á dizer que, mais que a vontade individual

de Carlos Ramos, a “Escola” resultou de um esforço conjunto.

“Os apelos à manifestação da individualidade num regime de aprendizagem

flexível, ao sabor das necessidades de cada um, como que adequando o

percurso do ensino ao progresso natural do conhecimento; a formação global

do aluno implícita na actividade de síntese que constitui a parte central do

curso [na “Escola do Porto” durante a década de 30]; o aprender a fazer

fazendo 60 , nunca enganando os alunos, apresentando-lhes como um saber

acabado uma disciplina cuja actividade decorre precisamente de o não ser [...]

divisão e sectorização dos conhecimentos, especialidade nos confrontos do

desenvolvimento. Mas a involução se trata apenas de atraso, seja em relação à

Bauhaus, seja em relação ao ensino tecnocrático a favorecer os saltos

qualitativos que o sistema requeria”.61

Walter Gropius, algumas décadas atrás (1919) teria feito o mesmo na

Alemanha, na Bauhaus. O Arquitecto “muniu” o corpo docente com diversos

e diferentes artistas, cativando-os pelo entusiasmo de trabalho em equipa que,

de um modo genérico, acabaria por resultar na cooperação entre artistas e

arquitectos.

45

58 Van der Rohe [1953], 2006: 6359 Portas [1969], 2005: 27560 e fazer-recorrendo às referências e aos ensinamentos históricos, conforme experienciei na FAUP61 Alves Costa [2001], 2007: 256

Page 58: A cor na arquitectura

“[Gropius com 36 anos dirigiu a Bauhaus ao longo de seis anos,] lançando um

novo tipo de projectistas [...] interessados na purificação formal, na ruptura

com o vocabulário do passado e na extensão da beleza mais essencial [assente

numa] pedagogia aberta, em equipa oficinal, democrática”.62

Ambas as Escolas tinham em comum serem herdeiras da École des Beaux-

Arts, aspecto que propiciou à “Escola do Porto” uma aproximação

pedagógica, acabando por “adoptar” uma derivante Bauhausiana - o modelo

“escola-atelier”63, visível no sistema de aulas, nos quais eram elaborados

trabalhos práticos oficinais (projectos) com o apoio do mestre (professor). O

modelo “escola-atelier” foi transversal à “Escola” prolongando-se até à

aplicação das Bases-Gerais (1979); este “modelo” é descrito pelo arquitecto

Álvaro Siza como “uma pequena família de estudantes e mestres

deslumbrada pelo empenho em responder, [...] através da arquitectura, a um

desejo de transformação” 64 , como foi visível no trabalho de equipa

desenvolvido no inquérito que resultou na Arquitectura Popular em Portugal

(1961), e posteriormente no realizado pelo SAAL.

“As escolas de arquitectura deixam de ter como material pedagógico a

!arquitectura que se faz fora das suas portas’ para procurarem antes !os

caminhos da arquitectura que o seu território [e a sua Era] necessitam’.

Procura, que não pode ser feita apenas em fase pós-escolar, [...] se o fazer

arquitectura é hoje (como temos vindo a defender), pesquisa de necessidades e

de respostas significantes, a educação será também prática e desenvolvimento

dessa pesquisa”.65

No entanto, a actualidade do ensino da “Escola do Porto”, mais precisamente

na FAUP, sofreu alterações devido ao substancial aumento do número de

estudantes. Nesse sentido, a “Escola” teve que encontrar uma saída, evoluir e

“modernizar”, tendo que renunciar ao seio familiar anunciado por Álvaro

Siza.

O anterior modelo (“escola-atelier”) propiciava uma grande proximidade

entre aprendiz e mestre, permitindo inclusive ao aluno assistir e acompanhar

directamente o desenvolvimento dos trabalhos realizados pelos docentes.

Este contexto “académico-profissional” aparenta propiciar “melhores”

condições para uma consciência crítica sobre a matéria e uso da cor, visto ser

uma inevitabilidade profissional (uma exigência projectual), que é a de

propor uma ou várias soluções cromáticas para determinado projecto.

Sabendo que o arquitecto não pode “fugir” a esta exigência, ao ter que

46

62 Portas [1969], 2005: 27263 Figueira, 2002: 7064 Siza [1995], 2009: 16365 Portas [1964], 2005: 354

Page 59: A cor na arquitectura

atribuir uma resposta responsável, permite que o campo da prática

profissional seja adequado a sensibilizar e a despertar o formando para as

diferentes realidades (como o exemplo da cor). Embora, este particular

método ensino tenha deixado de vigorar em 1979, e possa aparentar

constituir-se como uma perda substancial, é de referir que não existem

modelos perfeitos e uma das desvantagens deste poderia ser a imitação,

causada pela estreita relação entre o aprendiz e o seu mestre.

“O método da participação no trabalho e personalidade do mestre tem-se

traduzido numa tendência para a imitação do vocabulário [onde a cor se

inclui], que se explica pelo vazio teórico que caracteriza a formação de atelier.

[Contudo,] uma consequência pedagógica é o facto de que, no trabalho dos

génios [Gropius e Mies], há aspectos que são sistematicamente

subestimados”.66

Na Bauhaus o modelo “escola-atelier” seria equivalente, na medida em que

as aulas se processavam de modo semelhante, em torno de um admirado

“protagonista” - o mestre. Alguns docentes (com formação plástica) já teriam

conquistado grande reconhecimento pela sua obra, factor que contribui para o

acrescido interesse dos alunos. O destaque atribuído aos docentes artistas,

prende-se com este terem sido os mentores e educadores, quer da formação

básica quer do ensino formal. Inicialmente, auxiliavam os alunos (pela

experimentação) a libertarem-se; posteriormente davam início à nova

aprendizagem, à qual se seguia uma indução formal mais complexa que,

aspirava a que os alunos adquirissem e desenvolvessem os seus próprios

critérios para uma racional combinação de cor, textura e formas. Apesar da

estética (arquitectónica) defendida na Bauhaus estar fortemente associada ao

funcionalismo, a cor surgia integrada nos estudos das mais variadas

especialidades, aspecto que se revelaria uma inovação didáctica (Veleiro,

1991).

No entanto na “FAUP”, hoje com um número de alunos significantemente

maior que aquele que estaria pensado há uns anos atrás, levaria a que o papel

pedagógico dos professores artistas se prestasse a outro fim, não menos

importante - o leccionar da disciplina de Desenho. Trata-se de um

instrumento base que serve de “aliado” à disciplina de Projecto, é a partir

dele que as ideias são testadas, conduzidas e comunicadas.

“Característica desta Escola tem sido uma estreita relação entre o que

projectam nos seus “escritórios” e o que ensinam na Escola, ou seja, uma

pedagogia mais experimental do que académica, uma ênfase no conhecimento

47

66Idem: 358

Page 60: A cor na arquitectura

da realidade através do Desenho mais do que a partir da teoria, um

enraizamento da construção no desenho, uma visão mais arquitectónica dos

problemas do território do que administrativa ou funcional”.67

Da mesma maneira que o curso base - Vorkurs - e das formas - Formlehre -

teria a capacidade de ser reconhecido como “método Bauhaus”, o Desenho na

“Escola do Porto” tem a capacidade de lhe elevar o estatuto a “Escola do

Desenho”. Poder-se-á dizer que enquanto o curso base da Bauhaus pretendia

munir o aluno com alguns instrumentos base - uma formação artística,

artesanal, racional mais ligada ao abstraccionismo na arte e procurando no

funcionalismo - em arquitectura uma resposta nova aos novos problemas do

seu tempo instrumentos básicos, já na “Escola do Porto” o Desenho assume-

se como o grande instrumento.

É possível também estabelecer-se correspondências didácticas com

influência ao nível do uso da cor. Enquanto na Bauhaus o ensino formal tinha

o papel de estabelecer critérios de harmonia entre a forma e a cor, na “Escola

do Porto” é possível identificar “motores” de elaboração projectual com

capacidades semelhantes. Dos quais é possível destacar, o Lugar e a História,

que serão de igual modo estimulantes quer para as sugestões formais quer à

caracterização cromática.

“A escola [em geral] é um lugar de transmissão do melhor que sabemos mas é

também, desde logo, um lugar em que a didáctica e investigação se

confundem, ou, por outras palavras, na qual a didáctica da arquitectura é

criadora responsabilizando-se não apenas um reflectir o melhor nível existente

mas em acrescentar possibilidades ao futuro exercício da profissão. E neste

sentido se pode dizer que, e apesar de todas as suas contradições, na escola de

Bauhaus se forjou uma nova etapa da arquitectura contemporânea”.68

Na Bauhaus as motivações que espoletavam o uso da cor pelos artistas

aparentam demonstrar uma “construção” de “regras” para a sua aplicação nos

projectos arquitectónicos. A liberdade dada aos alunos sugeria ser o único

“ingrediente” da descoberta e desenvolvimento de ideias, para a sugestão

cromática, estando essas, no entanto, sujeitas a regras rigorosas no que

respeita à sua aplicação, em sintonia com a integridade volumétrica ou

planimétrica dos edifícios a tratar.

Contudo, apesar da visão dos arquitectos aparentar privilegiar princípios de

outra natureza como a forma e a função, procuram paralelamente estabelecer

algumas regras que servirão de auxílio e motivo às possíveis propostas de

48

67 Portas [1983], 2005: 24868 Portas [1964], 2005: 353

Page 61: A cor na arquitectura

cor.

Na FAUP “o método pedagógico [que] resulta da estabilização de um método

operativo”.69, terá comprometimento com os três “princípios pedagógicos” (o

Desenho, o Lugar e a História) que são capazes de despertar ideias para o uso

racional da cor, embora isso não se verifica. O uso “fácil” do branco,

caracteriza de modo genérico “todos” os projectos. Contudo, a utilização

crítica e consciente dos diferentes princípios pedagógicos, permitirá ao aluno

imaginar a evidência70, no que respeita ao uso da cor, evitando a solução

“fácil” - o branco. Se estudamos forma e cor como “realidades conjuntas”,

será tão importante uma ideia formal quanto uma ideia de cor; nesse sentido,

será ainda mais significante ter uma ideia de cor ajustada a determinada

forma.

No entanto, segundo o arquitecto-professor Manuel Correia Fernandes “a

herança das Belas-Artes [...] e das experiencias da Bauhaus que, desde então,

entraram nos hábitos de várias escolas, não conduziram a uma utilização

correcta das suas potencialidades [, os] princípios [que] se devem aos homens

da Bauhaus [...] continham perigos evidentes para o ensino da arquitectura, já

que, na relação forma-conteúdo (significante-significado), propunha uma

aprendizagem independente da teoria e uma pesquisa reduzida ao mundo das

formas puras”.71 Neste sentido, poder-se-á dizer que a relação dos artistas da

Bauhaus com a cor, resultava da experiência desenvolvida através da pintura

- orientada segundo uma intuição que procurava a harmonia entre formas e

cor. No entanto a arquitectura introduz outras realidades (a) que estes não

consideram (desconhecem), devido a proporem uma solução cromática para

um “produto” formal elaborado por outra pessoa - o arquitecto. Apesar do

método de ensino da Bauhaus ter sido abstracto, em particular no que respeita

ao ensino da cor, ao ser abordada de modo “autónomo” ou apenas

relacionada com a forma, foi um contributo altamente relevante e inovador

para o seu tempo. Contudo, na actualidade, será aconselhável que o estudo ou

a abordagem pedagógica ao tema cor, se proponha ser mais extensível, e a

abranger as mais diversas questões a que um projecto de arquitectura está

comprometido. Sabendo que no ensino da FAUP somos frequentemente

“alertados” para a importância do Lugar - da História - referências, do

programa, da construção e materialização do projecto (entre outros aspectos)

enquanto elementos essenciais à concepção do projecto, é importante

também ter presente, que estes mesmos aspectos, são capazes de estimular e

49

69 Portas [1959], 2005: 2470 Título de um dos livros de Álvaro Siza, (1998)71 Fernandes, 1980:61

Page 62: A cor na arquitectura

dar pistas para a utilização da cor.

50

Page 63: A cor na arquitectura

A COR NO UNIVERSO PROFISSIONAL

51

Page 64: A cor na arquitectura

52

Page 65: A cor na arquitectura

As distintas abordagens do Movimento Moderno- Monocromatismo | Naturalismo | Policromatismo - três abordagens cromáticas -

O Movimento Moderno trata-se de uma corrente arquitectónica com

tendência internacional que terá surgido das vanguardas europeias do início

do século XX, desenvolvendo-se durante a década de vinte. O facto deste

período temporal ter sido fortemente marcado pelas consequências da

Primeira Guerra Mundial, acabaria por conduzir ao amadurecimento das

experiências e das teorias Modernistas. É neste contexto, que esta tendência

irá assumir-se essencialmente como uma causa social, mais do que como uma

causa estética. A necessidade de responder à escassez de habitação, assim

como, de solucionar problemas que se prendiam com a insalubridade,

conduziu a uma simplificação geral das geometrias, das linhas e das cores.

No entanto, o Modernismo foi conduzido por um vasto número de

arquitectos de diferentes gerações, nacionalidades, culturas e, inclusive, com

diferentes formações, tais como: Frank Lloyd Wright (1867-1959), Adolf

Loos (1870-1933), August Perret (1874-1954), Bruno Taut (1880-1938),

Walter Gropius (1883-1969), Mies van der Rohe (1886-1969), Le Corbusier

(1887-1965), J.J. Pieter Oud (1890-1963) e Alvar Aalto (1898-1976), entre

outros.

Seria através dos CIAM - Congressos Internacionais de Arquitectura

Moderna -, que decorreriam entre 1928 e 1956, que algumas destas

diversificadas personalidades iriam encontrar pontos de convergência. Ainda

assim, o facto dos Arquitectos do Movimento Moderno serem personalidades

tão distintas, alguns com interesses que iam para além do universo da

arquitectura, nomeadamente a pintura, fez com que aproximadamente até ao

final da década de 1950 viessem a existir diferentes abordagens, possíveis

vertentes ou versões do mesmo Movimento. Na vontade colectiva de criação

de uma “arquitectura comum” é possível evidenciar-se algum pluralismo.

No que refere à utilização da cor, é possível destacar-se, enquanto posturas

extremas, as monocromáticas relacionadas com o Purismo Corbusiano, as

“naturalistas” ligadas ao Organicismo Wrightiano e ainda as policromáticas

associadas, quer ao Expressionismo de Taut quer ao Brutalismo Corbusiano.

Partindo destas posições é possível constatar-se enquanto personalidade

aparentemente mais “instável” o nome de Le Corbusier, visto estar associado

às posturas mais antagónicas (monocromática e policromática). No entanto,

essa “instabilidade” reproduz e reflecte a “obtenção” de uma nova

consciência, relacionada com a sua experiência pessoal enquanto artista, mas

53

Page 66: A cor na arquitectura

também com a sua sensibilidade face às diversas e diferentes influências

produzidas ao longo de décadas pelos Arquitectos do Movimento Moderno

(Quintas, 2009).

Um dos aspecto mais interessante relacionados com a utilização da cor neste

período da História da arquitectura, prende-se com a pontual diversidade de

soluções, apesar de estarem associadas a este momento, quase

exclusivamente, as soluções monocromáticas.

Geralmente a este período da História da Arquitectura associa-se unicamente

as abordagens monocromáticas, contudo, um aspecto interessante relacionado

com este momento, prende-se com a existência de uma diversidade pontual

de soluções. Na realidade, cada um dos diversos “partidos cromáticos” teve

os seus seguidores, os quais reinterpretaram, ajustaram e adaptaram as suas

soluções cromáticas aos novos problemas levantados, problemas que iam

para além dos unicamente funcionais que fomentaram a origem do

Modernismo. É deste modo que nomes com uma ligação mais próxima ao

“policromatismo” como Taut ou Oud, assim como ao “naturalismo” de

Wright, Mies ou Aalto, irão também pontualmente propor pontuais soluções

monocromáticas brancas.

54

Page 67: A cor na arquitectura

Monocromatismo- O domínio do Branco - Purista -

Se ao longo das duas primeiras décadas do século XX a utilização da cor era

recorrente e, tenderia a ser-lhe conferida contínua proeminência pelas

vanguardas, a partir de 1928 com o início dos CIAM - instrumento/meio de

convergência dos princípios Modernos - terá sido “estipulado” o

acromatismo - da homogeneidade branca - como ideal comum. O “consenso”

em torno da cor branca enquanto resposta generalizada, estaria

particularmente comprometido com a posição de Adolf Loos (1870-1933)

abordada no seu ensaio de 1908 - Ornamento e Crime - no qual defendia uma

arquitectura objectiva e essencial. Contudo, é apenas a partir do período do

Pós-Guerra, marcado pela escassez de habitação e pelos diversos problemas

funcionais associados a esta, como o espaço mínimo e a sua insalubridade,

que o entendimento de Loos sobre o ornamento (o qual via como “ruído”),

começa progressivamente a reflectir-se na arquitectura Moderna.

“O depuramento prescrito por Loos iria conduzir necessariamente à

fundamentação da Carta de Atenas pelos seus signatários e seguidores,

ficando, assim, criadas as condições para o Movimento Moderno”.72

A sua arquitectura apoiava-se na “modéstia e discreção contra o culto da

originalidade tendo influenciado o Movimento Moderno no capítulo da

utilização da cor, através da neutralidade da expressão cromática dos seus

edifícios”.73 Das suas diversas obras, onde a exclusividade da cor branca

aparentava ser a solução para todos os “problemas”, poder-se-á referenciar,

nomeadamente, as Casas Steiner (63) e Müller (64.65). Ambos os projectos

seriam o reflexo de uma solução cromática pautada por uma “expressividade

discreta”, onde a exclusão do ornamento associada à cor branca, contribuiria

para a afirmação da ideia de pureza que deveria caracterizar o objecto

arquitectónico.

“Os pioneiros do movimento moderno entendem que o carácter !pitoresco’ e

!anedótico’ da linguagem medieval, oculta um profundo compromisso de

registo dos factos na sua essência individual”.74

O novo “ideal” arquitectónico (Modernista) aparentava rejeitar a tendência

natural de desenvolvimento da arquitectura e, passaria a propor uma ruptura.

É deste modo que é iniciada a nova linguagem, apoiada num conjunto de

55

72 Quintas, 2009: 2473 Figueira, 2002: 6474 Zevi, 1984: 136

63.Adolf Loos, Casa Steiner, Vienna (1910). (Gravagnuolo, 1981)

64 .65 .Ado l f Loos ,Casa Mü l l e r, V ienna (1927-1928). (Gravagnuolo, 1981)

Page 68: A cor na arquitectura

preocupações sociais, que a conduziria a um período de “nudismo

arquitectónico” que rejeitava a decoração (Quintas, 2009). Será neste

contexto que a eliminação da ornamentação supérflua terá dado lugar ao uso

exclusivo do branco, talvez por ser uma cor ideal à pureza (reflexo de um

pensamento higienista). É deste modo, que as depuradas volumetrias-

geométricas brancas passam a ser unicamente caracterizadas e animadas pela

exploração assimétrica da disposição e diversidade dos vãos.

“O Movimento Moderno vai-se caracterizar pela reintepretação e pela

adaptação aos princípios do purismo formal ou à abstracção geométrica, o que

irá conduziu a um descurar da aplicação cromática, ou no extremo à sua

exclusão”.75

O facto dos arquitectos Modernos defenderem que os edifícios dever-se-iam

“vestir” de branco, aparentemente não estava apenas associado à crença de

obtenção de “maior eficácia”, mas também seria o reflexo da posição

expressa por Le Corbusier no seu escrito - Vers une architecture - de 1923. Aí

o Arquitecto francês defende que a nova estética da arquitectura deveria ser

racionalista e extremamente funcional. Seria de acordo com estas premissas

que a expressão cromática das inumeras Casas Puristas realizadas ao longo

de toda a década de 1920 (66-70) seriam genericamente brancas. A estética

Purista procurava reflectir o significado literal do próprio termo: a pureza

formal geométrica combinada com os elementos essenciais da arquitectura,

resultaria na sua própria expressão. O facto de estes projectos terem sido

orientados apenas em função da forma, levou a que durante anos a

importância da cor fosse negada. As mais diversas casas acabariam por

reflectir um vocabulário (tanto cromático como formal) de origem purista,

baseado numa pintura sem valores emocionais, racional e rigorosa, que

excluía a subjectividade e qualidades decorativas, Barba (2006). É deste

modo que a tradicional “compensação” artificial e ornamental, seria

“substituída” pelo princípio normativo - o branco. Esta seria a ideal, visto que

era capaz de criar cenografias neutras, “fundos despersonalizados” que não

colidissem com a expressão formal do edifício.

“O branco é do ponto de vista simbólico a cor mais perfeita. Não há nenhum

conceito do branco com significado negativo. O simbolismo ligado a esta cor

tem uma história tão larga como a da humanidade, e só por si, constitui uma

verdadeira história da linguagem cromática”.76

Para Le Corbusier a policromia aparentava ser desnecessária e supérflua, na

medida em que considerava a cor como “[…] um agente perigoso na

56

75 Barba, 2006: 33076 Idem: 327

66.Le Corbusier, Casa La Roche-Jeanneret, Paris (1923). (Gössel, 2005)

67.Le Corbusier, Pavilhão de “L´esprit Nouveau”, Paris (1925). (Gössel, 2005)

68.Le Corbusier, Conjunto Habitacional de Stuttgard - Weißenhofsiedlung, (1926-1927). (Curtis,1995)

69.Le Corbusier, Casa Stein, Estugarda (1926-1928). (Curtis, 1995)

70.Le Corbusier, Casa Savoye, França (1928-1931). (Curtis, 1995)

Page 69: A cor na arquitectura

expressão do volume. Ela é muitas vezes destrutiva e desorganizadora do

volume porque as suas propriedades intrínsecas são muito variáveis: umas

são radiantes […] outras são evasivas e por fim outras são massivas”. 77 A

economia de meios era tendencialmente comum à nova estética que,

resultava da correspondência entre a pureza formal e cromática, ajustava-se à

racionalização e repetição das mais diversas “maquina de habitar”. De acordo

com Frampton (1994), Le Corbusier terá criado a exaustiva “máquina de

habitar” de estética Purista. No entanto, este conceito (máquina de habitar)

seria adoptado por diferentes personalidades modernas que acabariam por

“multiplicá-lo” e, criar as mais diversas variantes (todas elas acromáticas),

como é exemplo do conjunto habitacional realizado em Stuttgart (71) -

Weißenhofsiedlung (1926-1927) - realizado por um colectivo de arquitectos

Modernistas, tais como: Le Corbusier (72), Ludwig Mies van der Rohe (73),

Jacobus Johannes Pieter Oud (74) e Walter Gropius (75), (segundo o plano

geral de Ludwig Mies van der Rohe).

Ainda no que refere à economia de meios, é relevante salientar que estes

arquitectos eram conscientes que o “puritanismo” cromático favorecia os

efeitos da luz. A monocromia branca, enquanto solução pictórica

“económica” potenciava a riqueza lumínica. As sombras produzidas pela

acção da luz pareciam ser suficientemente capazes de animar as volumetrias

uniformes. O valor lumínico era tão relevante para Le Corbusier que o levava

a declarar: “eu uso […] abundantemente a luz; a luz é para mim o prato

principal da arquitectura. Eu componho com a luz”.78 Um outro aspecto,

meramente arquitectónico explorado pelos Modernistas, prende-se com as

incisivas fenestrações que rompem as volumetrias, e através das quais as

variações de claro-escuro eram introduzidas no volume monocromático.

A renovação arquitectónica proposta foi também particularmente

influenciada pela adopção de um novo tipo de solução construtiva realizada

em betão - pilar-viga - que introduziria maior liberdade ao nível da

exploração formal, espacial e da fachada, acabando por propiciar a

“renovação” formal da linguagem da arquitectura. É deste modo que os

tradicionais telhados deixam de fazer sentido e dão lugar às coberturas planas

que acentuam a regularidade geométrica, os vãos deixam de ter a mesma

dimensão e espaçamento e passam a introduzir variedade nas caixas-

Modernas. A “expressiva” diversidade cromática existente até então dá lugar

à “discreção” do branco, simplificação que passa a “cristalizar” a arquitectura

Modernista. É neste contexto que a “convenção do branco” terá encontrado a

57

77 Ozenfant [1918], 2005:8178 Le Corbusier cit. Quintas, 2009: 296

71.Complexo Habitacional de Stuttgard -Weißenhofsiedlung (1926-1927). (Gössel, 1996)

72.Le Corbusier, Conjunto Habitacional de Stuttgard - Weißenhofsiedlung, (1926-1927). (Gössel, 2005)

73.Ludwig Mies van der Rohe, Conjunto Habitacional de Stuttgard - Weißenhofsiedlung, (1926-1927). (Weston, 1996)

74.Jacobus Johannes Pieter Oud, Conjunto Habitacional de Stuttgard - Weißenhofsiedlung, (1926-1927). (Weston, 1996)

75.Walter Gropius Conjunto Habitacional de Stuttgard - Weißenhofsiedlung, (1926-1927). (Gössel, 1996)

Page 70: A cor na arquitectura

sua razão de ser enquanto ruptura e transgressão aos cânones arquitectónicos

tradicionais. A descontinuidade da linguagem arquitectónica passou também

a ser caracterizada e reconhecida pela “redução” do uso da cor

(acromatismo). Apesar da eleição do branco poder estar relacionada com

alguns aspectos funcionais, aparentemente esta escolha terá sido autónoma e

pouco referenciada, visto que esta procurava ser uma “convenção” que se

cingia à “uniformização” dos mais diversos projectos arquitectónico

Modernos. Partindo do conhecimento geral de que os arquitectos Modernos

se moviam por um pressuposto ligado à causa social, da qual resultaria uma

arquitectura racional, económica e eficiente, estes terão acreditado que

através da “uniformização branca”, alcançariam e expressariam esse

simbolismo.

58

Page 71: A cor na arquitectura

O naturalismo- A cor própria - Organicista -

No que refere à utilização da cor na arquitectura, uma diferente “posição”

terá sido adoptada por alguns dos arquitectos Modernistas, ao darem

particular destaque à cor própria dos materiais, enquanto meio praticamente

“exclusivo” de caracterização dos mais diversos objectos arquitectónicos. Da

mesma maneira que surgiram ensaios apologistas da não-decoração, que

iriam estar aparentemente ligados ao monocromatismo (nomeadamente -

Ornamento e Crime), terão existido escritos que defendiam uma

“arquitectura verdadeira” que exibisse a sua própria materialidade. Neste

sentido, poder-se-á destacar o papel do crítico de arte John Ruskin

(1819-1900), em particular o seu tratado ensaio The seven lamps of

architecture (1849). Neste ensaio Ruskin faz referência à arquitectura como

uma disciplina orgânica, servindo-se da natureza enquanto exemplo para

“apelar” à utilização das cores naturais própria dos materiais.79 Para Ruskin a

decoração fazia parte integral da arquitectura e estaria relacionada com as

formas da natureza (Quintas, 2009). A sua valorização do uso e da

combinação das cores próprias dos materiais apoiava-se no facto destes

terem, para além das suas cores, outras características significantes para a

caracterização do objecto arquitectónico, tais como as texturas, a opacidade

ou transparência, o brilho e o fosco, pretendendo deste modo incentivar a

superação da “timidez” que caracterizava as soluções cromáticas.

A caracterização arquitectónica resultante da cor própria dos materiais seria

aparentemente mais “honesta”, pelo facto de estar intimamente relacionada

com o universo da arquitectura, nomeadamente com a construção. Ao mesmo

tempo distanciava-se do campo artístico e de possíveis subjectividades

intrínsecas a este, como seria aparentemente o caso do uso da cor aplicada na

pintura.

Embora o uso das cores próprias/naturais dos materiais tenha sido associado

e conotado, ao longo do tempo, a uma arquitectura “nobre”, distante da que

caracterizava o Modernismo enquanto causa social, alguns arquitectos

acabariam por adoptar este tipo de “solução” cromática, revelando que não

eram nem menos Modernistas nem menos conscientes das potencialidades

das cores. A utilização da cor proveniente dos materiais ter-se-á espelhado

nos ideais organicistas. O arquitecto americano Frank Lloyd Wright terá sido

o precursor desta variante Modernista que, mais tarde, seria continuada pelo

59

79 Ruskin, 1849 cit. Caivano, 2005: 706

Page 72: A cor na arquitectura

seu contemporâneo: o finlandês Alvar Aalto. Ao longo da sua experiência

arquitectónica, Wright terá dado particular destaque à importância do lugar e,

neste sentido, terá procurado soluções formais e possíveis caracterizações

para estas, capazes de estabelecer um diálogo recíproco com a singularidade

de cada sítio. Este tipo de Organicismo proposto por Wright seria também

extensível à caracterização cromática, mais precisamente aos critérios de

eleição dos materiais que, acabariam por introduzir a cor nos objectos

arquitectónicos criados por si. A criatividade (e os critérios) que procuram

acentuar (e definem) o uso dos materiais e das suas cores, aparenta resultar da

constante procura em fundir a imagem do objecto arquitectónico com a

natureza (e as suas qualidades) do lugar.

“Todo o material novo significa uma nova forma, um novo uso, se utilizado de

acordo com a sua natureza. A mente liberta do arquitecto natural utilizá-los-ia

assim, não fosse a inibição pouco natural de tal liberdade, imposta a todos por

uma falsa adequação devida à timidez da ignorância”.80

O gosto particular de Wright pelo uso dos materiais revela-se um dos

aspectos comuns e essenciais à sua extensa obra. A variação de cor proposta

pelo uso de diferentes materiais pode-se adaptar tanto a uma solução

arquitectónica volumétrica como a uma constituída genericamente por

planos. Nos seus diversos projectos, a caracterização cromática que resulta

do emprego de diferentes materiais aparenta estar mais intimamente ligada ao

lugar do que à forma do objecto arquitectónico. A criatividade de Wright,

potenciada pelo uso de materiais atendendo à natureza específica de cada

lugar, é visível nos seus diversos projectos, nomeadamente a Casa Alice

Millard, (76), Casa da Cascata (77), Taliesin West (78), Casa Rose e Gertrude

Pausen (79) e a Casa da Norman Lykes (80). Genericamente, os materiais/cores

escolhidos para caracterizar o objecto arquitectónico tendem a ser sugeridos

pelos diferentes contextos, de modo a acentuar a integração da obra com o

lugar. De certa maneira, esta sensibilidade está relacionado com um ideal

arquitectónico de carácter vernacular (Quintas, 2009).

O conceito criado na América por Frank Lloyd Wright - de uma arquitectura

“Organicista” - seria, anos mais tarde, adoptado pelo arquitecto finlandês

Alvar Aalto. O gosto pelos materiais, em particular os naturais, tais como a

pedra e a madeira, em conjunto com uma morfologia integrante e sensível

com o lugar, seriam alguns dos aspectos “herdados” por Aalto. A sua

arquitectura iria caracterizar-se, à semelhança da obra de Wright, por uma

compatibilização de diferentes materiais. No entanto, o facto de ambos os

60

80 Wright, 1928 cit. Quintas, 2009: 289

76.Frank Lloyd Wright, Casa Alice Millard, Califórnia (1923-1924). (Gössel, 1991)

77.Frank Lloyd Wright, Casa da Cascata, Pennsylvania (1935-1939). (Gössel, 1991)

78.Frank Lloyd Wright, Taliesin West, Arizona (1937-1938). (Gössel, 1991)

79.Frank Lloyd Wright, Casa Rose e Gertrude Pausen, Arizona (1939-1940). (Gössel, 1991)

80.Frank Lloyd Wright, Casa Norman Lykes, Arizona (1959-1968). (Gössel, 1991)

Page 73: A cor na arquitectura

arquitectos terem idealizado os seus projectos para contextos muito

diferentes, nomeadamente para distintos continentes, terá contribuído para

resultados muito divergentes. O facto das diferentes caracterizações

cromáticas propostas por ambos procurarem e resultarem de um diálogo com

as especifícidade de cada lugar, como o clima, a vegetação dominante e os

materiais locais, levariam à sua singularidade. Uma particularidade comum a

alguns projectos realizados por Alvar Aalto é a compatibilização da cor

própria dos materiais com a cor branca aplicada. Provavelmente, da mesma

maneira que Aalto terá sido influenciado pela arquitectura de Wright, terá

sido sensível às abordagens da arquitectura Modernista Europeia. De um

modo geral, as suas soluções cromáticas aparentam ser o reflexo da

convergência de possíveis influências.

A sua individualidade criativa afirma-se pela singularidade das suas

propostas que, normalmente são caracterizadas por soluções cromáticas que

variam de acordo com cada contexto. Neste sentido, poder-se-ão destacar os

projecto da Casa Mairea (81), Casa de Verão (82) e a Câmara Municipal de

Saynatsalo (83). A adequação dos materiais empregues nas construções

realizadas por Alvar Aalto são aparentemente resultantes de um grande rigor

disciplinar e de uma sensibilidade para com o espírito de cada lugar.

Uma outra abordagem que, de certo modo, se pode enquadrar numa solução

cromática “naturalista” é visível nos projectos realizados pelo arquitecto

Mies van der Rohe. Contudo, as suas propostas cromáticas não aparentam

estabelecer possíveis relações com o lugar, nem tão pouco resultar da eleição

de materiais naturais. A sua arquitectura deriva de uma estrutura clara e

minimalista que, se cinge genericamente a um esqueleto e uma pele (less is

more), da qual a escolha dos materiais procura expressar os novos tempos. A

sua “arquitectura eficiente” apropriada à era industrial, espelhava o seu

grande gosto pelo utilização de materiais industriais modernos.

A caracterização cromática dos seus projectos resulta genericamente da

associação de uma determinada cor aplicada a todos elementos estruturais

metálicos. No entanto, as pontuais superfícies que fazem parte destes

projectos tendem a autonomizar-se, ao serem-lhes atribuídos materiais muito

específicos para a sua caracterização, tais como diferentes tipos de pedra ou

de madeira. É através do critério da atribuição destes materiais/cores que

Mies confere a toda a estrutura projectual, um sentido e hierarquia. Ou seja, a

cor não se presta apenas a animar os espaços e toda a composição geral, mas

também a organizar o objecto arquitectónico.

61

81.Alvar Aal to, Casa Mairea, F in lândia (1938-1939). (Lahti, 2005)

82.Alvar Aalto, Casa de Verão, Finlândia (1952-1954). (Lahti, 2005)

83.Alvar Aalto, Câmara Municipal de Saynatsalo, Finlândia (1949-1952). (Lahti, 2005)

84.Mies van der Rohe, Edifício Morris Greenwald, Weston (1951-1956). (Van der Rohe, 2009)

85.Mies van der Rohe, Nova Galeria Nacional de Berlim, (1960-1968). (Van der Rohe, 2009)

Page 74: A cor na arquitectura

Das diversas obras realizadas por Mies poder-se-á destacar o Edifício Morris

Greenwald (84) e a Nova Galeria Nacional de Berlim (85), enquanto exemplo

de uma estrutura e uma caracterização cromática igualmente precisas.

62

Page 75: A cor na arquitectura

O policromatismo- A importância da cor - Expressionista | Brutalista -

Alguns dos arquitectos que aderiram ao Modernismo permaneceram durante

todo o seu período tendencialmente “fiéis” à utilização corrente da cor, e os

seus projectos foram o reflexo dessa mesma “crença”. Para estes, a

importância atribuída à cor não teria aparentemente o propósito de contrariar

as abordagens mais “elementares”, monocromáticas, mas de reflectir a sua

individualidade, a formação e sensibilidade artística.

No entanto, um dos arquitectos que defendia com maior afinco o uso corrente

da cor foi Bruno Taut (1880-1938). A sua posição revelar-se-ia excepcional,

ao ponto de contestar o uso corrente da cor generalista branca. O facto de ser

explorada enquanto recurso limitado, levava-o a considerar uma “limitação”

criativa/artística. Aparentemente o seu gosto pela cor terá resultado da

“adesão” ao Expressionismo que o terá influenciado e, conduzido a que os

seus projectos fossem resultantes da fusão da cor com a forma. Segundo a

arquitecta Maria Alexandra Quintas (2009), Bruno Taut e os restantes

arquitectos expressionistas procuravam libertar a forma arquitectónica das

regras.81 Neste sentido, a permanente vontade de inclusão da cor na

arquitectura poderá estar relacionada com esta aspiração, visível no acreditar

que o uso corrente da cor poderia, face ao período histórico

“cinzento” (profundamente marcado pelas Guerras) pontuar a vida da

civilização moderna com a sua “alegria”. A sua audácia, ligada ao regime de

cor defendido por Taut, levaram-no a contestar algumas práticas cromáticas,

dizendo que “embora as casas fossem propriedades privadas, o aspecto das

ruas era assunto público, apelando ao tratamento policromático dos

edifícios”.82

“Do ponto de vista artístico o muro branco tem os seus méritos, mas do ponto

de vista social não funciona. As cores existem precisamente para eliminar as

“superfícies mortas” para fazer a vida mais confortável”.83

Seria através dos seus projectos que Taut iria expressar as mais diversas

abordagens cromáticas, que lhe serviriam de exemplo para “contestar” a cor

generalista branca, que aparentemente servia para dar resposta a todos os

“males” e que, de acordo com a sua individualidade não seria assim tão

eficaz. Em 1914, Bruno Taut demonstrava os seus interesses cromáticos

63

81 Quintas, 2009: 12582 Avilés, 1983: 3783 Léger,1933 cit. Veleiro,1991: 178

Page 76: A cor na arquitectura

através do Pavilhão do Vidro destinado à Exposição de Colónia, propondo

um objecto arquitectónico de base circular genericamente composto por uma

cúpula constituída por painéis de vidro de diferentes cores (86). No Conjunto

Habitacional de Stuttgard, predominantemente monocromático e de cor

branca, Taut utilizou a cor vermelha para “diferenciar” os seus edifícios (87).

A policromia, para além de ser um cunho pessoal, contribuía para conferir

identidade aos seus projecto, deste modo, seria aplicada à generalidade dos

seus edifícios de habitação elaborados em Berlim (88-90).

Para Taut, a arquitectura deveria resultar “da ligação entre a [sua]

sensibilidade para a cor, e a [sua] capacidade como arquitecto. Composição

espacial cromática e arquitectura policromática são os campos nos quais

posso contribuir”.84

O facto de acreditar que a cor poderia animar as construções correntes,

levava-o a tecer críticas aos arquitectos tendencialmente monocromáticos, de

modo a sensibilizá-los, no sentido de darem mais atenção a essa questão e,

tentar retirar o maior partido da cor enquanto matéria. A utilização da cor não

devia ser entendida como decoração, mas como algo que é parte integrante

do objecto arquitectónico.

Outro arquitecto que também usava recorrentemente a cor, ainda que sempre

ligado ao Movimento Moderno, foi Pieter Oud (1886-1968). No entanto, a

sua posição face à sua utilização manter-se-ia menos “extremista”. O facto de

ter integrado (em 1917) o “movimento” holandês - de stijl - levou-o à

realização de inúmeros projectos em conjunto com o artista Theo van

Doesburg (1883-1931). Um dos ideais defendidos pelos elementos deste

grupo prendia-se com o acreditar na colaboração entre as diferentes

disciplinas artísticas, nomeadamente a pintura e a arquitectura, num regime

de igualdade. Tanto Van Doesburg como o fundador do neoplasticismo - o

artista Piet Mondrian (1872-1944) - acreditavam que a libertação/abstracção

da pintura poderia auxiliar e potenciar a inovação da arquitectura. É com base

nesta “crença” que, as propostas arquitectónicas realizadas pelos arquitectos

neoplásticos eram posteriormente caracterizadas pelos artistas. No entanto a

síntese das artes acabaria por suscitar diversas controvérsias, na medida em

que os artistas não se inteiravam e não eram sensíveis nem conhecedores

profundos das lógicas e conceitos formais que constituíam os objectos

arquitectónicos. Esse aspecto levaria a que Pieter Oud se desligasse do grupo

de stijl e encontrasse o seu próprio modo de expressão, no qual, a aplicação

64

84 Taut, 1905 cit. Veleiro, 1991: 177

86.Bruno Taut, Pavilhão do Vidro, Colónia (1914). (Weston, 1996)

87.Bruno Taut, Conjunto Habitacional de Stuttgard - Weißenhofsiedlung, (1926-1927). (Gössel, 2005)

88-90.Bruno Taut, Conjuntos Habitacionais, Berlim (1926-1932). (Biofarben, http://www.biofarben.de)

Page 77: A cor na arquitectura

da cor se remeteria aos elementos exclusivos da arquitectura, como as portas,

janelas e varandas. No entanto, as suas sugestões cromáticas tenderiam a

resumir-se às cores primárias (que eram recorrentes da pintura

neoplasticista), como seria visível nos projectos Casa de Obras (91), Café De

Unie (92) e nas Habitações Kiefhoek (93). O facto destas escolhas serem

idealizadas pela mesma pessoa levava a um resultado integral, capaz de

estabelecer uma relação mais ajustada entre cor e forma.

Também o facto do “lider” do Movimento Moderno - Le Corbusier - se ter

desligado do Purismo e se ter “convertido” ao Brutalismo, levaria a que Le

Corbusier passasse a utilizar correntemente a cor. Em 1931, a sua defesa do

branco daria gradualmente lugar ao interesse pelo uso das cores, chegando ao

ponto de citar Fernand Léger, ao dizer, "o homem precisa de cores para viver,

é um elemento tão necessário como a água e o fogo".85 Anos mais tarde, em

1957, numa conversa com estudantes de arquitectura diria: “Ora encontramo-

nos no ponto mais inadaptado da forma vestimentar, tendo aliás aqui

renunciado à cor; que é um dos sinais da vida. Desde 1910 que acredito nas

virtudes tonificantes e purificadoras da cal. A prática mostrou-me que, para

fazer ressaltar a alegria do branco, era preciso acompanha-lo do poderoso

rumor de cores. Discernindo do betão armado, gérmem da “planta-

livre” (uma planta liberta dos entraves da parede), fui conduzido à policromia

arquitectónica, criadora de espaço, de diversidade, de respostas aos impulsos

da alma e, por conseguinte, pronta a acolher os movimentos da vida”.86

Tendo em conta estes diferentes testemunhos, é possível denotar-se uma

inversão do seu extremo apologismo do branco, para um uso tendencial das

cores. O que demonstra que Le Corbusier seria uma das personalidades mais

“inconformado” e “ambicioso” do Movimento Moderno. A sua reconversão

terá aparentemente sido suscitada pela pintura que, ao servir-lhe de campo

experimental acabou por lhe suscitar o entusiasmo pelas propriedades da cor.

Aparentemente, terá sido este o meio que o conduziu à sua exploração e

manuseamento de diversas composição plásticas que acabariam por o auxiliar

no sentido de se “libertar”. A reflexão que daí resultou levaria, em 1925, à

elaboração dos primeiros escritos sobre o tema da cor, publicados na revista

L'Esprit Nouveau.

“[…] apesar da sua reputação como o padrinho da arquitectura branca, Le

Corbusier desenvolveu ideias complexas sobre a cor”.87

65

85 Quintas, 2009: 29786 Le Corbusier [1957], 2003: 74 87 Caivano, 2005: 59

91.Pieter Oud, Casa de Obras, Roterdão (1923). (http://www.rotterdam.nl)

92.Pieter Oud, Café De Unie, Roterdão (1925). (http://www.rotterdam.nl)

93.Pieter Oud, Conjunto Habitações Kiefhoek, Roterdão (1925-1929). (http://www.rotterdam.nl)

Page 78: A cor na arquitectura

Durante a década de 1930, terá criado um primeiro diagrama de cores e na

década de 1950, elaborado um segundo; ambos os sistemas de cores

pretendiam ser normativos, como se tratasse de um instrumento específico

da concepção arquitectónica, nomeadamente da caracterização cromática. Em

1937, já teria incluído um capítulo intitulado "Policromia = Alegria", numa

monografia destinada à exposição do Pavillon des Temps Nouveaux, no qual

fazia referência à vitalidade da cor em oposição ao academicismo estagnado.

“Na qual devia ser evidenciada a existência de uma contradição, por parte dos

defensores da moderna arquitectura de cores, que era geralmente associada à

decoração e ao ornamento da arquitectura tradicional, em oposição aos

defensores da extrema pureza branca que o ideal da arquitectura moderna

deveria exibir”.88

A concepção inerente aos diagramas, juntamente com algumas ideias

teóricas paralelas sobre a cor, levaram Le Corbusier a editar um livro

sobre o tema - Polychromie architecturale. Contudo, a transição de Le

Corbusier da abstenção da cor para o seu uso corrente, não aparenta ter-se

devido unicamente ao campo experimental da pintura; possivelmente

terá sido influência das obras e das diferentes posições dos arquitectos

defensores da cor. O facto de estes terem contribuído para a sua reflexão

sobre a importância da cor, terá também influenciado para que Le

Corbusier descobrisse a cor enquanto novo interesse. No entanto, o

arquitecto suiço continua a atribuir uma importância específica ao branco,

enquanto composição de fundo, visto que a sua neutralidade seria ideal

para a incorporação de outras cores, que lhe acabaria por conferir um

significado mais intenso e preciso. Quando a caracterização cromática

base da cor branca dá lugar ao cinzento do betão aparente, este, de igual

modo, é pontuado e enfatizado por diferentes cores.

“Le Corbusier trata a matéria, tal como trata a policromia, ou seja, como uma

forma de estruturar o espaço. Assim, os contrastes dizem respeito às

qualidades fundamentais: o bruto e o “acabado”, o mate e o luminoso, para as

texturas, o pesado e o móbil, o transparente e o opaco, o ortogonal e o

contínuo para as massas”.89

Durante o período "Brutalista" do segundo Pós-Guerra, Le Corbusier passa a

combinar (nos seus diversos projectos) superfícies pintadas de cores

(normalmente primárias) com as superfícies de betão aparente e com planos

de vidro colorido, relacionado a cor com a luz e a forma. O facto de Le

Cobusier ter adquirido uma nova posição no que respeita à exploração da cor-

66

88 Le Corbusier, 1937 cit. Caivano, 2005: 70789 Besset, 1987 cit. Quintas, 2009: 296

94.Le Corbusier, Unidade de Habitação de Marselha, (1946-1952). (Weston, 1996)

95.Le Corbusier, Interior do Mosteiro de La Tourette, França (1953-1960). (Gössel, 2005)

96.Le Cobrires, Pavilhão do Brasil, Paris (1957-1959).

97.Le Corbusier, Centro Le Corbusier, Zurique (1961-1967). (Weston, 1996)

98.Le Corbusier, Interior da Igreja de Firminy, França (1961-2006).

Page 79: A cor na arquitectura

forma (ao passar a acreditar nas potencialidades da cor) leva-o a defender

que, se deveria ir “[...] buscar os pintores para fazer saltar as paredes [...] a

policromia não mata as paredes, mas pode fazê-las deslocar-se em

profundidade e classificá-las em importância”.90 É apoiado nesta sua nova

consciência que a cor passa a estar potenciada em múltiplas dimensões, como

é o caso dos pequenos planos de cor (semelhantes à linguagem plástica de

Mondrian) (94-97), a exploração de diversos materiais (opacos, transparentes

etc), os diferentes acabamentos das superfícies (texturas) e ainda a cor

associada às entradas de luz (vitrais) (95.98). Estas seriam as múltiplas

dimensões do uso da cor adoptadas e experienciadas, que ao serem

combinadas entre si geravam diferentes/complexas composições cromáticas.

67

90 Le Corbusier cit. Quintas, 2009: 162

Page 80: A cor na arquitectura

68

Page 81: A cor na arquitectura

A cor no património arquitectónico- Naturalista | Homogenista | Experimentalista - três “talentos (in)comunicantes” -

Para representar três gerações da “Escola do Porto” foram escolhidos os

arquitectos Fernando Távora, Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura

visto serem personalidades que conferem reconhecimento à “Escola do

Porto” e, fizeram ou fazem (de alguma maneira) “Escola” - através dos seus

escritos, práticas pedagógicas, projectos e desenhos. Deste modo, e com a

pretensão de identificar possíveis posições referentes ao uso da cor na

arquitectura (por parte destes significantes arquitectos), será dada especial

atenção aos seus diferentes “testemunhos”.

Em cada uma destas individualidades é possível, de uma maneira ou de outra,

apercebermo-nos que marcaram diferentes gerações da “Escola”; entre elas é

possível identificar uma relação que se prolonga para além da relação de

docente-discente (visível quando o arquitecto Fernando Távora identificou no

seu aluno Álvaro Siza capacidades invulgares, ou posteriormente, quando

Eduardo Souto Moura terá “feito” o seu curso praticamente no atelier do

arquitecto Álvaro Siza). Estes arquitectos constituem três “nomes” que se

mantiveram ligados ao ensino na “Escola do Porto”, aparentando sempre uma

coesão reveladora de um “desejo de construir um destino comum, [...]

Távora, Siza [e ainda] Souto Moura [mantendo o objectivo de] prolongar o

projecto inacabado da modernidade, enraizado numa interpretação crítica e

criativa da história do lugar, afirmando aí a sua individualidade”.91 Apesar

dos três arquitectos terem partilhado experiências comuns relacionadas com a

prática pedagógica e com a profissional, acabam por revelar a sua

individualidade através da forma singular como utilizam a cor nos seus

projectos.

Tendo em conta que será possível identificar diferentes abordagens

cromáticas, inerentes à obra de cada um dos arquitectos em estudo, são

propostas três versões simbólicas do uso da cor:

- uma primeira, naturalista - proveniente do tradicionalismo e do

enraizamento cultural - cromático -, ou seja, o facto do arquitecto Távora

partir da compreensão integral de cada lugar (contexto físico, história,

tradição, cultura) enquanto referência, faz com que geralmente proponha uma

solução cromática resultante da compatibilização de diferentes materiais, no

sentido de dialogar com os “valores” do Lugar.

- uma segunda, baseada na homogeneidade - proveniente do

69

91 Alves Costa [1990], 2007: 93

Page 82: A cor na arquitectura

“conservadorismo” e da unidade - cromática -, ou seja, o facto do arquitecto

Álvaro Siza idealizar as suas composições volumétricas enquanto resultado

da agregação de sólidos ou de peças esculpidas leva-o a usar a

homogeneidade branca para as fundir, tornando-as unidades plásticas que

resultam do equilíbrio entre a exploração formal e a “contenção” cromática.

- e, por último uma assente na heterogeneidade - proveniente do

experimentalismo e da variedade - cromática -, ou seja, o facto do arquitecto

Eduardo Souto de Moura não recorrer sempre ao mesmo sistema construtivo,

material e linguagem e, sendo as suas propostas cromáticas consequentes

desta triologia, geralmente resultam em soluções diversificadas. Neste

sentido, irá ser observado como é possível, através das escolhas cromáticas

respectivas a cada autor, identificar aspectos e qualidades específicas que

contribuem para esta leitura.

70

Page 83: A cor na arquitectura

A proposta “naturalista” de Fernando Távora- História | Memória | Tradição - materiais e instrumentos de criação e enraizamento -

O arquitecto Fernando Távora é reconhecido como uma das mais importantes

individualidades ligada à “Escola do Porto”. Ainda antes de se formar (na

EBAP, em 1950), contribui para a reflexão da importância das lições

inerentes às construções populares, com o ensaio crítico O Problema da Casa

Portuguesa (1947). Contudo, é através do estudo proposto pelo inquérito à

arquitectura popular portuguesa (1955), que o arquitecto Távora viria a

consumar a validade da sua anterior reflexão. Tanto o ensaio como o estudo

desenvolvidos por Távora terão contribuído para que fosse adquirida, na

“Escola do Porto”, uma consciência das variações das condições culturais,

geográficas, históricas, etc, que constituem e caracterizam as diferentes

circunstâncias portuguesas. Deste modo, os respectivos estudos (o ensaio e o

estudo) viriam a revelar-se fundamentais para a sua posição enquanto docente

e enquanto arquitecto. O trabalho de investigação proposto por si terá

contribuído, de algum modo, para “abertura de portas”, realizando uma ponte

com as gerações seguintes, despertando-as para questões como a importância

do lugar.

“Em 1947, o jovem portuense Fernando Távora coloca em termos novos a

questão do regionalismo e da !casa portuguesa’ [assim] construirá uma obra

pioneira, referencial, em função das inquietações do seu percurso projectual,

mas também pelo valor perturbante das suas reflexões e tomadas de posição

escritas. Para ele, a história !vale na medida em que pode resolver os

problemas do presentee na medida em que se torna um auxiliar e não uma

obsessão’ [...] o seu percurso de autor e professor revela[rá] uma busca de

autenticidade na continuidade de uma tradição, equacionando o desejado

compromisso da história com a vanguarda”.92

A sua arquitectura passa a integrar uma consciência que o leva a adoptar

alguns aspectos sugeridos pelo Inquérito, dos quais é possível identificar um

afunilar de preocupações que resulta numa arquitectura de integração,

enfatizada pela sugestões cromáticas. O arquitecto Távora adquire a

capacidade de reconhecer em cada sítio formas, materiais construtivos e

cores capazes de conferirem aos seus projectos uma coerência, de acordo

com cada contexto físico, cultural e temporal.

Após ter estudado na EBAP entre 1945 e 1950, passa a estabelecer contacto

ao longo da década de 1950 com os CIAM, paralelamente dá início à sua

71

92 Tostões, 2008: 48

Page 84: A cor na arquitectura

actividade enquanto arquitecto, compatibilizando-a ao longo da sua vida,

com a docência, num período descrito pelo arquitecto Álvaro Siza como uma

“época essencialmente rural, economicamente pobre e alienada pelas ideias

de um regime autoritário”.93 Apesar, de todas estas condicionantes o

arquitecto Fernando Távora tinha a capacidade de identificar qualidades

especificas em cada sítio e as incorporar nos seus projectos. No que respeita

às sugestões pitorescas, essas aparentemente resultavam de um processo

similar de identificação do lugar, que procurava relacionar as suas qualidades

com as suas tradições. As variadas “continuidades” a que se propõem os seus

projectos, sejam elas históricas ou culturais, estão geralmente sujeitas a uma

postura crítica e a uma interpretação pessoal, para que as mesmas não se

tornem miméticas.

De um modo geral, o arquitecto Fernando Távora vai acabar por propor

enquanto percusor, uma nova atitude - direcionada para a procura de uma

identidade nacional - em parte, pelo Inquérito, que lhe propicia um

conhecimento abrangente das variadas soluções arquitectónicas que

caracterizam cada região, associadas aos materiais recorrentes, às técnicas

construtivas e à sua história. Por seu lado, este estudo teve comprometimento

com a especial atenção atribuída ao Lugar e às suas especificidades, que o

viriam a servir, enquanto fundamentos para os critérios das suas propostas

cromáticas onde se pode denotar o modo como interpreta a linguagem

popular comum a cada sítio, conciliando o traditional como o moderno.

“Aprendida a lição do Inquérito à Arquitectura Popular, era tempo de reler e

interpretar de novo a herança extremamente forte, que continuava a ser, dos

internacionalistas, conduzida ainda por figuras tão poderosas como Corbusier,

Mies ou Gropius, dar atenção a Zevi, que nos propunha Wright […] procurar a

verdadeira dimensão para uma proposta bem localizada no espaço e no tempo

como teria de ser necessariamente em Portugal, nos anos [19]60”.94

Todos estes aspectos irão ser altamente significativos para as futuras

caracterizações cromáticas, e por sua vez, vão estar continuamente implícitos

nos seus desenhos. Já em 1950 com a idealização do projecto - Casa sobre o

Mar - era possível constatar a importância atribuída a este instrumento de

investigação e estudo por parte do arquitecto Fernando Távora (99). Neste

desenho, como em outros que se seguem, são visíveis diferentes

apontamentos que sugerem possíveis caracterizações cromáticas para o

objecto arquitectónico. Para o Arquitecto estes não lhe serviam apenas para

procura ou indiciar soluções formais, mas também cromáticas. Após observar

72

93 Siza, 2008: 25994 Fernandes, 1980: 35

99.Desenho referente ao projecto para obtenção do diploma em arquitectura - Casa sobre o Mar, Porto, Távora (1950). (Esposito, 2005)

100.101.Desenhos de estudo referente ao projecto - Conjunto habitacional no bairro do Ramalde, Porto, Távora, (1952). (Esposito, 2005)

102.Desenho referente ao projecto - Escola Primária do Cedro, Vila Nova de Gaia, Távora, (1957-1961). (Esposito, 2005)

103.Desenho de estudo de uma versão não realizada - Casa Pablo Galli, Porto, Távora. (1960). (Esposito, 2005)

Page 85: A cor na arquitectura

e ter presente os respectivos aspectos de interesse que irá privilegiar, quer em

cada Lugar ou na História, inicia a sua procura e apuramento através do

desenho. Apoiando-se em critérios e conceitos mais o menos pré-

estabelecidos, desenha procurando a legibilidade formal-cromática. Por sua

vez, este processo tende a automatizar-se e procurar, quase unicamente, uma

correspondência entre a forma e a cor, contudo o arquitecto Távora aparenta

ter sempre presente no seu imaginário, as cores tradicionais, da natureza, dos

materiais construtivos próprios de cada Lugar. É a partir desses pré-conceitos

que o arquitecto Fernando Távora inicia, através do desenho, de modo seguro

e integral a relação forma-cor (100-103).

Com o passar do tempo, a grande destreza com que passa a desenhar a par da

plena e intuitiva consciência e manuseamento das potencialidades de cada

Lugar, assim como dos materiais que tem em mente, leva-o a conduzir o

desenho numa direção menos “ilustrativa”. Neste sentido, deixa de sentir

necessidade de pre-visualizar a relação forma-cor, é deste modo que

aparentam resultar os seus desenhos monocromáticos. Contudo, não são

menos expressivos nem elucidativos, no que refere a possíveis ensaios desta

natureza, apesar de se tornarem extremamente expeditos, permitem testar e

sugerir através da variação e precisão dos traços e, dos diferentes

apontamentos e manchas, a diversidade cromática e de materiais que

fundamentam a sua ideia e caracterizam o projecto (104-107). A partir dos seus

desenhos poder-se-á antecipar a leitura da complexidade cromática que

acompanha e caracteriza os seus projectos. Visto que estes se comprometem a

servir de teste para as mais diversas ideias, acabam por recrear a

individualização cromática dos diferentes elementos que caracterizam e

constituem os seus objectos arquitectónicos.

Ainda muito jovem, com apenas 30 anos, começa por projectar, entre outros

edifícios, o Mercado Municipal Vila da Feira, em 1953, ao qual se sucede o

Pavilhão de Ténis, em 1956; posteriormente, desenha a Casa de Ofir, em

1957 e, ainda no mesmo ano, projecta a Escola Primária do Cedro. Os

respectivos projectos contêm registos cromáticos comuns, que denunciam

uma coerência por parte do Arquitecto na determinação de critérios de

eleição do uso da cor.

Segundo o arquitecto Rogério Vieira de Almeida (2007), os projectos do

Arquitecto Fernando Távora propõem uma modernidade radical assente no

sentido do lugar e da escala das suas intervenções, das quais resultam

tipologias simples e tradicionais - permanentemente reintrepretadas. De

modo a garantir uma “fusão” entre a tradição, a cultura e a memória local, o

73

104.Desenhos de estudo das diferentes secções do projecto - Piscinas do Campo Alegre, Porto, Távora, (1968). (Esposito, 2005)

105.Desenho referente ao projecto - Casa Unifamiliar, Gerês, Távora, (1973). (Esposito, 2005)

106.Desenho referente ao projecto - Escola Superior Agraria, Ponte de Lima, Távora, (1986-1991). (Esposito, 2005)

107.Desenho referente à recuperação do projecto - Casa em Vila Nova de Cerveira, Távora, (1994). (Esposito, 2005)

Page 86: A cor na arquitectura

arquitecto Távora recorre à mão de obra artesanal e normalmente a materiais

locais, dos quais resulta uma estética vernacular - comum à Arquitectura

Popular. As cores utilizadas procuram corresponder e reforçar a integração do

objecto arquitectónico com os diferentes contextos, de acordo com a sua

época. Neste sentido, o arquitecto Távora recorre a cores capazes de competir

e compartilhar com a autenticidade construtiva e com a cor própria dos

materias locais, num enraizamento comum. A vontade de reforçar as suas

formas arquitectónicas com cores locais ou com os vulgares materiais

construtivos característicos de cada local, revela que o arquitecto Távora está

desperto para a(s) cor(es) existente(s) e dominante(s) no contexto a intervir,

de modo a poder estabelecer uma relação visual una, entre a caracterização

cromática do objecto arquitectónico e a existente no lugar, obtendo um

resultado total e harmonioso.

Em particular, nos seus projectos iniciais é possível perceber o modo

expedito de como o arquitecto Távora tira partido, quer da cor própria quer

da cor aplicada aos materiais com o propósito de viabilizar determinados

enraizamentos, aos quais acresce o desejo de reforçar os diferentes elementos

que constituem o projecto. Neste sentido, opta por fazer diferenciação

cromática da estrutura, da cobertura, das caixilharias e das paredes, quando

estas se destinam a rematar os volumes ou propõe pontualmente a alteração

de acabamento, para efectuar a transição de planos, como é o caso do

embasamento. A partir destas e de outras diferenciações de cor, é-lhe possível

sugerir uma “decomposição” cromática dos elementos que constituem cada

projecto. Deste modo, o objecto arquitectónico adquire uma legibilidade

global, que resulta da caracterização cromática individual de cada

“fragmento” que o compõe.

No Mercado Municipal Vila da Feira é possível observar uma conjugação

entre diferentes elementos (108.109), acentuada pela diferenciação cromática

que relaciona as cores próprias dos materiais naturais e artificiais com a cor

aplicada. Os pavimentos, coberturas, paredes, estrutura, mobiliário, palas e

caixilharias adquirem uma cor independente, aparentemente capaz de

conferir ao conjunto uma “vivacidade” cromática. Essas diferenciações são

visíveis no tratamento cromático ou escolhas dos materiais dos pavimentos,

que se alteram de acordo com a função destinada a cada espaço, visível na

cor da cobertura - laranja - revestida com telhas cerâmicas que é reproduzida

na parte interior desta, através da cor aplicada (110). As paredes são

maioritariamente revestidas a azulejo de cor azul e branca que conjugam

brilhos e reflexos próprios deste material tradicional; já os planos de remate

(empenas) são revestidos pelo granito. A estrutura apresenta-se integral em

74

108.109.Fernando Távora, Mercado Municipal Vila da Feira, Vila da Feira, (1953-1959). (Silva, 2006)

110.Coberto externo do Mercado Municipal Vila da Feira, Vila da Feira, (1953-1959). (Silva, 2006)

111.Fachada lateral do Mercado Municipal Vila da Feira, Vila da Feira, (1953-1959). (Silva, 2006)

Page 87: A cor na arquitectura

betão aparente e, nos momentos em que esta é complanar com as superficies

da parede, é possível, através da diferenciação cromáticas proposta pelos

materiais obter-se uma leitura de cada um (111). A pala que circunscreve o

perímetro de cada volume, resguardando-os, tem a cor branca, a qual

contrasta com as caixilharias de madeira de cor escura, que se “diluem” na

sombra propiciada pelo recuo do plano da fachada protegido pela pala.

“É evidente na expressão maciça dos elementos e no contraste de materiais,

cores e texturas, a adesão às técnicas expressivas do Le Corbusier do pós-

guerra. Mas aqui, os materiais aludem à identidade do lugar e a tradições

arquitectónicas portuguesas: o betão bujardado da estrutura e a pedra artificial

do pavimento respeitam o ambiente granítico do sítio, a tijoleira da cobertura

faz a ligação aos telhados da vila, o azulejo azul e branco das paredes insere-

se na tradição portuguesa dessa arte e a ardósia e o mármore são usados,

conforme é costume, em bancas de venda e pias de lavagem”.95

O projecto do Mercado revela um conceito cromático capaz de conferir ao

todo uma unidade que, no entanto, resulta da caracterização

independentemente de cada elemento que constitui o projecto. A unidade

cromática proposta resulta da caracterização individual e coerente das partes

que concebem o projecto. As diferentes escolhas cromáticas propostas pelo

arquitecto Távora, procuram também, de algum modo, corresponder e

partilhar critérios comuns com a arquitectura tradicional e ao mesmo tempo,

propõem criar uma relação com a modernidade, como é visível na

compatibilização entre cores resultantes de materiais construtivos tradicionais

e materiais modernos de fabrico industrial.

O Pavilhão de Ténis, projectado três anos depois, denuncia algumas

semelhanças no que refere à utilização da cor, embora este projecto se insira

num contexto diferenciado - não urbano - dominado maioritariamente por

elementos vegetais. Uma vez mais o Arquitecto mantêm-se fiel à utilização

do tradicional telhado de cor laranja, própria da telha cerâmica (112),

propondo agora que o interior da cobertura seja revestida a madeira escura,

que por sua vez estabelece um contraste com as paredes/lâminas de cor

branca (113). A excepção cromática dos planos é visível no tratamento da

parede sul (que serve de suporte ao edifício) materializada em pedra - granito

- fundindo-se a toda a extensão com o contínuo muro de contenção de terras

(114). Ainda referente à estrutura é visível uma distinção cromática, quer dos

quatro blocos de granito/pilares quer da viga em betão aparente (que serve de

apoio à estrutura da cobertura) com as superficies brancas, que são

“mordidas” por estes. À semelhança do anterior projecto, a verdade

75

95 Távora, 1993 in Becker, 1997: 222

112-114.Fernando Távora, Pavilhão de Ténis, Leça da Palmeira, (1956-1960). (Silva, 2006)

115.Interior do Pavilhão de Ténis, Leça da Palmeira, (1956-1960). (Silva, 2006)

Page 88: A cor na arquitectura

construtiva e dos materiais faz com que cada elemento se assuma enquanto

realidade individual (115).

Tanto nesta obra como na anterior é possível evidenciarem-se aspectos

comuns relacionados com o uso da cor, visíveis pela aparente vontade de

tornar cromaticamente independente cada elemento que constitui o projecto.

Contudo, é de salientar que esta abordagem poderá facilmente estar

relacionada com os Lugares onde se inscreve cada projecto, assim como nas

referências - História - quer local (tradicional) quer internacional

(Modernismo), ambos aspectos são instrumentos de criação que auxiliam na

obtenção de “objetividades” cromáticas.

Em 1957 projecta a Casa de Ofir, inserida num pinhal, onde a força da

vegetação e da densa massa arbórea conferem a este lugar um domínio da cor

verde. É neste cenário que o arquitecto Távora propõe - como caracterização

cromática - um enraizamento - capaz de estabelecer uma harmonia com as

condições naturais do local (116). Este cuidado é revelador de possíveis

influências, consequentes do inquérito (1955), mas também da aparente

admiração por alguns arquitectos Modernistas, tais como Le Corbusier.

Segundo o arquitecto Sérgio Fernandez “os materiais, as soluções

construtivas, a inserção no terreno e a escala adoptada [na Casa de Ofir]

evidenciam um profundo conhecimento da arquitectura vernacular, valores

que correcta e desassombradamente se cotejam com alguns sinais plásticos

de Le Corbusier”.96

O edifício, apesar de ter as superficies externas e internas maioritariamente

brancas, é pontuado pela riqueza cromática anunciada nos seus anteriores

projectos. No que respeita à caracterização exterior, é possível ler-se uma

distinção de cor, quer no volume externo da chaminé - amarelo - quer no

núcleo centrar - azul (que compreende os três corpos) (116.117). À semelhança

dos anteriores projectos é possível, uma vez mais, verificar a presença da

cobertura tradicional - laranja e ainda alguns elementos estruturais em betão

aparente, como as vigas que servem de apoio à cobertura, que neste caso são

“abraçadas” pelas paredes rebocadas de branco (118).

Contudo, em comparação com os anteriores projectos, é possível verificar-se

a introdução de uma nova realidade: um espaço exterior e um interior,

precisos. Tanto o Mercado como o Pavilhão eram projectos extremamente

permeáveis, dificultando uma leitura precisa entre o espaço exterior e o

76

96 Fernandez, 2007: 58

116.117.Fernando Távora, Casa de Ofir, Fão, (1957-1959).

118.Pormenor do encontro de diferentes materiais/cores, Casa de Ofir, Fão, (1957-1959).

119.Interior da Casa de Ofir, Fão, (1957-1959).

Page 89: A cor na arquitectura

interior. Neste sentido, no que respeita ao tratamento cromático interior, é

possível evidenciar-se a presença da madeira, quer nas caixilharias quer no

mobiliário quer na estrutura que serve de suporte à cobertura de cor laranja,

que, por sua vez, establece um contraste cromático com a cor cinzenta do

material que preenche os espaços que a compreende (119). As superfícies em

pedra pintadas de cor branca, para além de serem animadas pela sua textura,

pontualmente, revelam a cor original do granito. Ainda no que respeita ao

interior, o arquitecto Fernando Távora terá diferenciado alguns espaços,

atribuindo-lhes cores distintas.

Uma vez mais a eleição e critério dos materiais/cores aparenta estar

relacionada com os métodos construtivos utilizados: a estrutura em betão, a

cobertura em telha assente numa estrutura em madeira e as superficies

brancas, assim como outros elementos comuns, partilhados, quer pelo

exterior quer pelo interior, que contribuem para uma continua relação entre

estas realidades espaciais. Atendendo às anteriores premissas - Lugar e

História - o arquitecto Távora evidencia ser altamente sensível ao que estas

lhe são capazes de despertar.

Neste mesmo ano, o arquitecto Fernando Távora projecta ainda a Escola

Primária do Cedro (120), que se implanta num contexto urbanizado semelhante

ao do Mercado Municipal de Vila da Feira. Segundo a arquitecta Ana Tostões

a “Casa de Ofir [...] constitui a revelação da via que norteará o caminho de

Fernando Távora no momento em que [...] parece ligar a teoria à prática e

que condensará na Escola do Cedro, [projecto] !que parece institucionalizar

os caminhos da Casa de Ofir’”.97 Neste sentido, é possível constatar na

Escola do Cedro diversas heranças, referentes ao tratamento cromático, como

é o caso do tratamento exterior dos diferentes volumes que compõe o

projecto, de cor branca e uma vez mais, partilham proeminência com a cor

laranja da telha cerâmica que reveste as diferentes coberturas. No exterior

ainda é possível verifica-se alguns recintos cobertos semelhantes ao

“coberto” do Pavilhão de Ténis, onde se pode ler uma complexa variação

cromática sugerida pelas superfícies brancas, pilares e vigas em betão

aparente e o revestimento interior da cobertura em madeira (121-123). Neste

projecto outro aspecto que contribui fortemente para a caracterização

cromática e expressiva do edifício é o facto dos vãos estarem ligeiramente

recuados, acentuando os efeitos de claro-escuro, reforçados pela cor escura

da caixilharia em madeira.

77

97 Tostões, 2007 in Becker, 1997: 50

120.Fernando Távora, Escola Primária do Cedro, Vila nova de Gaia, (1957-1961). (Silva, 2006)

121.Coberto exterior, Escola Primária do Cedro, Vila nova de Gaia, (1957-1961). (Silva, 2006)

122.123.Diferentes volumes que constituem a Escola Primária do Cedro, Vila nova de Gaia, (1957-1961). (Silva, 2006)

124.125.Interior da Escola Primária do Cedro, Vila Nova de Gaia, (1957-1961). (Silva, 2006)

Page 90: A cor na arquitectura

A diversidade cromática que pontua cada um dos seus anteriores projectos é

particularmente participativa no interior da Escola Primária do Cedro, como é

o caso das paredes brancas que delimitam as galerias de acesso às salas de

aulas com um rodapé de cor mais escura - amarelo - que para além de

responder a uma questão funcional, pretende “quebrar” a monotonia destes

espaços de circulação, que também são animados com a presença cromática

ritmada das vigas estruturais em betão aparente (124). Ainda nestes espaços,

são visíveis marcações cromáticas no pavimento, com o objectivo de

anunciar os pontos de acesso às salas de aula (125). O arquitecto Távora alia à

sugestão cromática aspectos funcionais e estéticos fundindo-os no sentido de

obter uma solução ajustada e coerente. Tanto este, como os anteriores

projectos denunciam a exploração de diferentes contrastes cromáticos,

motivados por interesses e preocupações que terão como pretensão máxima

contribuir para a inteligibilidade e organização do espaço98. Paralelamente, a

uma escala mais ampla o arquitecto Távora mantém a preocupação de

estabelecer uma atitude dialogante com o Lugar e com a tradição construtiva

- História -, de acordo com o seu tempo. A utilização da cor nos seus

projectos tem a capacidade de elucidar como se materializa todo o projecto,

acabando por caracterizar cada espaço de singularidade, partindo da

caracterização individual dos diferentes elementos construtivos.

Sendo este Arquitecto profundo conhecedor da História, estabelece uma

relação com esta, que compatibiliza o seu entendimento entre a modernidade

e a tradição. Este cuidado é manifestado pela preocupação que leva o

arquitecto Távora ao estabelecimento de um equilíbrio entre as sugestões

propostas pela arquitectura Moderna - numa dimensão internacional -, e as

necessidades de cada local - numa dimensão regional. Conforme as

circunstâncias, opta por seguir algumas sugestões (“pistas”) das construções

populares, ou propostas pelos eruditos arquitectos Modernistas.

No entanto, a partir destes projectos será possível evidenciar uma oscilação

entre a mesma intensificação do uso da cor e uma nova abordagem que tende

para a homogeneidade. Os projectos realizados posteriormente, com

diferentes sugestões cromáticas, poderão ser entendidos como um esforço por

parte do arquitecto Távora em se adaptar à evolução temporal e contextual,

ou inclusive aos novos programas e escalas a que se propõem os novos

projectos. Neste sentido, conforme a situação, opta por abandonar ou

recuperar alguns dos critérios que pautavam os seus anteriores projectos, que

lhe auxiliavam e regulavam o uso da cor passando a propor novas

78

98 Título de um dos livros de Fernando Távora, (1962)

Page 91: A cor na arquitectura

abordagens. Embora essas tendam a ser mais genéricas, são verdadeiras

lições de uma utilização consciente e propositada da cor, que não retiram

qualquer validade às suas anteriores propostas. Pelo contrário, o facto de

essas estarem ancoradas a um determinado período temporal, demonstra

explicitamente, a atenção e capacidade do arquitecto Távora em captar

“sinais” próprios do seu tempo. A partir da década de 1960 passa a propor

novos ensaios cromáticos anunciadores de uma visão mais optimista, que vai

para além da sua herança obtida através da observação de inúmeras sugestões

ao longo do Inquérito, as quais lhe possibilitam a elaboração de um “padrão”

cromático - uma linguagem - estável e comum que procurava reflectir a

essência da arquitectura regional. A partir desta altura, o arquitecto passa a

propôr novas experiências, novas adaptações, conciliando alguns dos

anteriores critérios, com os novos. A sua atenção para com a evolução

temporal, leva-o a acompanhar a vontade dos tempos, e responder às

necessidades mais profundas dos lugares, apoiando-se no que de melhor é

feito na História enquanto referência. A evolução adjacente à utilização da

cor aparenta resultar desta procura permanente.

Em 1961, propõe para o Convento das Irmãs Franciscanas de Calis, uma

dicotomia cromática “simplificada”, entre planos brancos e elementos

cinzentos, onde as superficies que encerram a caixa edificada genericamente

rebocada e pintada de cor branca, contrasta com a estrutura em betão

aparente - cinzento -, característica comum aos projectos antecessores, assim

como o uso da tradicional cobertura revestida a telha (126). Ao nível das

paredes o uso pontual do granito destina-se ao embasamento, e os elementos

estruturais adjacentes em betão e as caixilharia em madeira de cor escura

estão ligeiramente recuados das superficies brancas, contribuindo para a

acentuação dos efeitos de claro-escuro, consequente das alterações de

profundidade que acompanha estes elementos face aos planos brancos

(127.128). A forte proeminência das superfícies brancas é interrompida pela

presença de elementos com diferentes cores que, de certo modo, contribuem

para quebrar essa preponderância cromática.

Os mesmo critérios estendem-se ao interior, as paredes brancas são

pontualmente esventradas pela estrutura que emana a sua cor natural cinzenta

(129.130). A separação cromática inicial tende a ser gradualmente “substituida”

por uma homogeneidade que é apenas animada pontualmente. Esse processo

talvez tenha alguma relação com o aumento significativo da escala dos novos

projectos e dos novos programas.

Nas duas década seguintes, mais precisamente em 1972 e em 1986, surge ao

79

126.Fernando Távora, Convento das Irmãs Franciscanas de Calis, Gondomar, (1961). (Távora, 1993)

127.128.Fachadas referente a cada topo do Convento das Irmãs Franciscanas de Calis, Gondomar, (1961). (Silva, 2006)

129.130.Vistas do interior do Convento das Irmãs Franciscanas de Calis, Gondomar, (1961). (Silva, 2006)

Page 92: A cor na arquitectura

arquitecto Távora a oportunidade de restaurar e ampliar dois edifícios

existentes, de modo a que estes possam abrigar novos usos: o Convento de

Santa Marinha da Costa (131) e a Escola Superior Agrária (134). Em ambos os

casos propõe uma solução cromática que procura diluir a presença dos novos

volumes nos pré-existentes. Trata-se de uma adequação cromática capaz de

estabelecer uma continuidade física e temporal entre cada uma das realidades

(o novo e o pré-existente). Se no primeiro caso a homogeneidade dos planos,

da caixilharia das janelas e da estrutura adquirem como única cor, o

vermelho (132), evitando qualquer diferenciação entre elementos, no segundo

caso o novo edifício “herda” do existente a cor amarela (135.137). O arquitecto

Fernando Távora revela “trabalhar e moldar a preexistência, usando-a como

matéria de projecto. Relê nela o fluir da história e, aceitando sobreposições

ou aposições estilísticas ou de linguagem, usa de todos os meios para o

clarificar”.99 Neste sentido, a cor é utilizada pelo Arquitecto com esse mesmo

propósito, tornar os seus projectos mais explícitos.

Contudo, no Convento reconvertido a Pousada, é possível verificar-se uma

alteração face aos seus anteriores pressupostos, que passa por não propor a

separação cromática dos diferentes elementos arquitectónicos. No sentido

oposto ao que vinha propondo, o arquitecto Távora opta como único

contraste cromático, sugerido pela atribuição individual da cor vermelha e

branca, respectivamente a cada um dos dois volumes que compõem o

projecto (133).

Em 1991 e 1996, projecta dois novos edifícios destinados a usos pedagógicos

como é o caso do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de

Coimbra (138) e da Faculdade de Arquitectura de Guimarães (140). Em ambos

os projectos privilegia, uma vez mais, o branco, caracterizando os volumes

de forma homogénea, solução que passa a ser cada vez mais recorrente nos

seus projectos recentes. Embora de diferentes maneiras, quer a separação

cromática inicial quer fusão cromática recente, são soluções que contribuem

para a afirmação da unidade arquitectónica: a mais recente pela

homogeneidade cromática; e, a anterior através da legibilidade individual dos

elementos que compõem o conjunto, resultante da atribuição individual de

uma cor a cada elemento.

Nos seus últimos projectos, tanto os volumes, como os espaços passam a ser

caracterizados genericamente pelo reboco branco, a pedra escolhida é

maioritariamente de cor clara, a caixilharia passa geralmente a ser de ferro

80

99 Becker, 1997: 276

131-133.Fernando Távora, Convento de Santa Marinha da Costa, Guimarães,(1972-1985). (Silva, 2006)

134-137.Fernando Távora, Escola Superior Agrária e pré-existencia, Ponta de Lima, (1986-1991). (Silva, 2006)

Page 93: A cor na arquitectura

pintada da mesma cor, e as tradicionais coberturas - em telha -, deixam de

estar ajustadas à nova expressão. Estes novos critérios contribuem para uma

imagem cada vez mais abstracta - objectual - comparativamente com as suas

primeiras obras, mais “enraizadas”, aparentemente estimuladas e

comprometidas com uma forte influência com origem no Modernismo.

Mais recentemente, em edifícios que se prestam a funções pedagógicas,

talvez pela sua grande escala e complexidade programática o arquitecto

Távora, terá optado por não privilegiado nenhum plano face a outro ou

respectivamente nenhum volume face a outro, todas as superfícies adquirem

o mesmo valor (139). Geralmente nestes projectos a excepção cromática dá-se

apenas no interior, com a inclusão da cor da madeira, que é “capaz” de

complementar e partilhar a proeminência cromática com as superfícies

brancas. O arquitecto Fernando Távora passa a usar com regularidade o

lambril contínuo em “folheado” de madeira, que se prolonga por todo o

interior edificado, fundindo-se com as portas, invadindo os espaços e

estendendo-se ao mobiliário, “agarrando” e expandindo a cor amarela da faia

(141-142).

A partir destes diversos projectos do arquitecto Fernando Távora, é possível

constatar-se através das suas abordagens cromáticas, que o seu autor se

manteve desperto - aos sinais do tempo e aos ecos de cada lugar -

balançando-os, entre momentos que propunha “avanços” ou “recuos” na

História. Ainda assim, neste permanente e atribulado esforço pela procura de

coerência, percebe-se a partir dos seus projectos que o Arquitecto tem uma

visão integrante, capaz de reconhecer valores estéticos em cada Lugar, assim

como no campo referencial que é a História. Foi, deste modo, que propôs ao

longo da sua actividade profissional diversas soluções/explorações

cromáticas, capazes de estabelecer as mais diversas adaptações, sem que

nunca necessitasse de propor uma transgressão total para conferir sentido à

utilização da cor. A evolução visível, de projecto para projecto revela a

capacidade constante do Arquitecto de se adaptar, recuperar e propor novos

propósitos cromáticos.

81

138.Fernando Távora, Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Coimbra, Coimbra, (1991-2000). (Silva, 2006)

139.Interior da Faculdade de Arquitectura de Guimarães, Guimarães, (1996-2006). (Silva, 2006)

140.Fernando Távora, Faculdade de Arquitectura de Guimarães, Guimarães, (1996-2006). (Silva, 2006)

141.142.Interior da Faculdade de Arquitectura de Guimarães, Guimarães, (1996-2006). (Silva, 2006)

Page 94: A cor na arquitectura

82

Page 95: A cor na arquitectura

A proposta “homogenista” de Álvaro Siza Vieira - Unidades plásticas - resultantes de diferentes metamorfoses -

“Num dos muitos passeios de família, Siza foi a Barcelona e ficou muito

impressionado com as obras de Gaudí: !Pareciam mais esculturas que

arquitectura. Fiquei muito impressionado. Depois vi que essas esculturas eram

feitas de maneira invulgar, de portas, janelas, molduras, de elementos que se

encontram em qualquer casa. Acho que foi a primeira vez que me interessei

pela arquitectura. Tinha então catorze anos’”.100

Os projectos do arquitecto Antoni Gaudí (1852-1926) aparentemente, terão

despertado o interesse de Álvaro Siza para o universo da arquitectura, que até

então, apenas demonstrara interesse pela escultura. No entanto, por parte de

alguma “pressão” paternal, terá enveredado pela Arquitectura. Um outro

factor que também terá sido determinante para essa escolha terá sido as

“imagens” da arquitectura de Gaudí retidas no seu imaginário as quais o

levaram a acreditar que seria possível compatibilizar os dois universos

(arquitectura e escultura), estabelecendo um constante paralelismo ou mesmo

fundindo-os numa só realidade artística da qual resultariam - unidades-

plásticas/arquitectónicas.

Em 1949, o arquitecto Álvaro Siza inicia a frequência no Curso de

Arquitectura na EBAP (Escola de Belas Artes do Porto), mas é apenas no

quarto ano do curso que é “descoberto”, ao ser aluno do arquitecto Fernando

Távora, quando este reconheceu em Álvaro Siza capacidades invulgares, o

que fez com que o convidasse e passasse a contar com a sua colaboração no

atelier, onde permaneceria até 1958.

Durante este período, o arquitecto Fernando Távora ter-se-á ausentado do seu

atelier com o propósito de viajar (em 1956); este momento acabou por se

revelar “oportuno” para o jovem arquitecto Álvaro Siza que ganhou uma

maior autonomia, acabando por desenhar a Casa de Chá da Boa Nova,

(1956-1963) (143). Este projecto iria marcar o início do seu longo e brilhante

trajecto enquanto arquitecto, “recheado” das mais diversas obras inseridas em

diferentes contextos (países), anunciadores de uma coerência transversal às

cinco décadas de actividade.

No projecto da Casa de Chá o arquitecto Siza terá “incorporado” o

pensamento do arquitecto Távora, visível pela partilha de alguns aspectos

comuns à linguagem vernacular ai utilizada. Esta influência seria natural, na

83

100 Siza cit. Fleck, 1999: 25

Page 96: A cor na arquitectura

medida em que o arquitecto Álvaro Siza exercia a sua actividade no atelier

do arquitecto Távora, tendo presente não só a sua maneira de projectar, como

algumas das “premissas” comuns aos seus projectos, relacionadass com a

herança do inquérito à arquitectura popular portuguesa (1955). Neste sentido,

o arquitecto Siza, de projecto para projecto, interpreta e revalida alguns

desses conceitos utilizados até então pelo arquitecto Távora, embora os ajuste

aos propósitos a que se propõe em cada projecto, acabando por obter um

resultado altamente personalizado.

No que refere ao uso da cor, vai ser possível constatar que a solução

cromática proposta pelo arquitecto Álvaro Siza para a Casa de Chá terá

aparentemente resultado e se apoiado nas anteriores soluções propostas pelo

arquitecto Fernando Távora, nomeadamente na individualização cromática

dos elementos que caracteriza o Mercado Municipal da Feira. Deste modo, é

possível evidenciar-se um contraste entre o branco aplicado às paredes e o

laranja da telha que reveste a cobertura (144-145). A cor laranja da cobertura

para além de “anunciar” o edificio, procura ligar e relacionar a dualidade

cromática existente entre a fachada nascente encerrada e a poente permeável.

Enquanto a primeira exibe as suas superficies brancas, a segunda conta

unicamente com as cores próprias dos materiais, como a madeira das

caixilharias - castanha - e os reflexos cromáticos dos vidros. Por sua vez, a

permeabilidade potenciada pelo vidro terá o objectivo de permitir a

contemplação e participação das cores dominantes na natureza do lugar (mar

e rochas) no interior do edifício, sendo que, as escolhas cromáticas propostas

pelo arquitecto Siza para a caracterização interna do projecto, procurariam

estabelecer uma relação harmoniosa com as cores dominantes do lugar.

Neste sentido, as cores propostas resultariam da eleição dos materiais de

aspecto natural, como é o caso da forte presença - do castanho - do mogno

que reveste os tectos e - do cinzento - dos elementos estruturais em betão

aparente (146.147). Ambas as escolhas apontam no sentido de procurar

relacionar-se ou até fundir-se com as cores existentes no contexto, revelando

um extremo cuidado com o Lugar. Neste dialogo cromático (interior -

exterior) pode ser evidenciada enquanto excepção - as superficies brancas

interiores - que se deixam contagiar pela cor das superficies exteriores que

encerram o edifício, reproduzindo-a no interior.

Ao Salão de Chá seguiu-se em 1961-1966 a Piscina das Marés (148), onde,

uma vez mais, é possível evidênciar um cuidado referente à escolha dos

materiais, atendendo às suas características cromáticas. No sentido de propor

uma “fusão” cromática com as cores dominantes do lugar, arquitecto Siza

recorre exclusivamente ao betão à vista - de cor cinzenta - para materializar

84

143.Álvaro Siza, Casa de Chá da Boa Nova, Leça da Palmeira, (1956-1963). (Ferreira, 2007)

144.145.Vista nascente e poente da Casa de Chá da Boa Nova, Leça da Palmeira, (1956-1963). (Ferreira, 2007)

146.147.Interior da Casa de Chá da Boa Nova, Leça da Palmeira, (1956-1963). (Siza, 2000)

Page 97: A cor na arquitectura

todo o projecto. A proposta monocromática que se diluía com o contexto

rochoso, evitando qualquer “concorrência” com as cores dominantes, acabara

inclusive por contribuir para a afirmação do Lugar.

Na Piscina das Marés é possível reconhecer uma particularidade que se irá

tornar maioritariamente recorrente nos seus projectos seguintes, que se

prende com o facto de trabalhar exclusivamente com uma cor/matéria

dominante, capaz de materializar e caracterizar as suas futuras “unidades

plásticas”. O arquitecto Siza opta pela predominância de uma só cor, capaz

de condensar todas as suas ideias, formas e unidades plásticas através de uma

força cromática aglutinadora. A homogenização cromática ajusta-se e afirma

a imagem pretendida de uma arquitectura cada vez mais volumétrica/

escultórica, como diria o arquitecto Eduardo Souto Moura “Siza gosta de

ligar as superfícies - quanto mais “ovo” for, melhor”.101 Neste sentido, ao

longo da década de 1970 o arquitecto Siza passou a adoptar e a propôr

diferentes unidades cromáticas para caracterizar os mais diversos projectos,

tais como no Banco Pinto & Sotto Mayor, Oliveira de Azeméis em

1971-1974 (149), na reabilitação SAAL do Bairro de S. Vitor em 1974-1977

(150), na Casa António Carlos Siza, Santo Tirso (151) em 1976 e 1978, no

Banco Borges & Irmão, Vila do Conde em 1978-1985 (152), no conjunto de

Vivendas Sociais da Quinta da Malagueira, Évora, 1977-1998 (153) e ainda na

Casa Avelino Duarte, Ovar, (1980-1984) (154).

Contudo, é possível evidenciar-se que a contínua evolução que acompanha e

caracteriza a linha de pensamento do arquitecto Álvaro Siza passa a

privilegiar a homogeneidade, que se tornará recorrente e tenderá a convergir

para a supremacia da cor branca. Esta leitura poderá estar relacionada com

possíveis influências ou heranças “Históricas” dos seus admirados

arquitectos Modernos, conforme reconhece o arquitecto Rafael Moneo,

(2004) “a arquitectura [de Álvaro Siza] é uma continuação da doutrina e dos

princípios dos arquitectos modernos”.102 Também o arquitecto Nuno Portas

partilha que: apesar do arquitecto Álvaro Siza “ter sido capaz de se manter

liberto de atitudes abstractas de adesão a quaisquer escolas formais, procura

uma expressão própria [...] a partir de uma base de ideias e simpatias

adquiridas no estudo das personalidades e correntes do movimento

moderno”.103

“Siza é um autor difícil de classificar em termos de tendências do panorama

mundial, apesar de nunca ter recusado sucessivas e evidentes referências a

85

101 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 51102 Moneo, 2004 cit. Figueira, 2010: 30103 Portas [1960], 2005: 119

148.Álvaro Siza, Piscina das Marés, Leça da Palmeira, (1961-1966). (Siza, 2000)

149.Álvaro Siza, Banco Pinto & Sotto Mayor, Oliveira de Azeméis, (1971-1974). (Frampton, 1999)

150.Álvaro Siza, reabilitação SAAL, Bairro de S. Vitor, (1974-1977). (Rodrigues, 1992)

151.Álvaro Siza, Casa António Carlos Siza, Santo Tirso, (1976-1978). (Ferreira, 2007)

Page 98: A cor na arquitectura

obra de autores que admirava e tão díspares como Le Corbusier, Alvar Aalto

ou Scarpa nos primeiros períodos, ou Loos e Taut nos recentes. No entanto,

mesmo quando essa influência é profundamente assumida - como no caso do

mestre finlandês - é sempre dominada pela interpretação de cada sítio e

problema e, sobretudo, pela expressão inconfundível de uma personalidade

sempre inquieta ou incómoda que, de obra para obra, parece recusar a

aparência da continuidade”.104

Segundo o arquitecto Nuno Portas, os “sinais” captados pelo arquitecto

Álvaro Siza a possíveis referências Modernas, poderão estar sujeitos a uma

interpretação crítica tão pessoal, que através da profunda transformação

consequente do ajuste ao programa e ao lugar acabaria por se libertar,

tornando-se difícil qualquer leitura referente às anteriores referências.

O virtuosismo descrito pelo arquitecto Nuno Portas, a par da sua inquietante

capacidade criativa, leva-me em certa medida a acreditar que se possa fazer

um esforço no sentido de procurar um entendimento autónomo referente ao

uso da cor na extensa obra do arquitecto Siza, partindo exclusivamente dos

seus projectos. Neste sentido, acredito que o arquitecto Siza acaba por propor

uma linguagem “estabilizada”, capaz de garantir alguma margem para

possíveis experiências ou adaptações, sem que com isso, cada projecto perca

coerência. É deste modo que o arquitecto Álvaro Siza acaba por propor

diferentes metamorfoses formais que se procuram adaptar incisivamente a

cada lugar, e que a proposta cromática que lhe está associada terá

aparentemente como principal objectivo estabelecer um dialogo reciproco

com essas mesmas formas. Ou seja, a eleição de determinada cor destina-se

particularmente a reforçar todo o conjunto formal, e indirectamente, o

Arquitecto acaba por intensificar a relação entre o edifício e o lugar. Esta

relação entre a cor e a forma tende a simplificar-se, e a homogeneidade - do

branco - passará a ser um dos meios recorrentes para conferir aos seus

projectos e à sua relação com o lugar singularidade, pontuando-os e

qualificando-os.

O facto da força expressiva e personalizada das suas formas-escultóricas

passar a estar embebida em matéria branca, faz com que seja reforçada a

leitura do todo - da unidade-plástica. Talvez esteja relacionado com esta

atitude plástica e criativa tão própria do arquitecto Siza, que o arquitecto

Nuno Portas (1960) diz ser possível evidenciar nos seus projectos uma

experiência singular entre a arquitectura e as artes plásticas, em particular

com a escultura. Para o arquitecto Laurent Beaudouin “Siza é espantosamente

escultor quando é arquitecto e afinal tão arquitecto quando se torna escultor, a

86

104 Portas [1987], 2005: 255

152.Álvaro Siza, Banco Borges & Irmão, Vila do Conde, (1980-1986). (Siza, 2000)

153.Álvaro Siza, Visita do conjunto, Vivendas Sociais da Quinta da Malagueira, Évora, (1977-1998). (Siza,1993)

154.Álvaro Siza, Casa Avelino Duarte, Ovar, (1980-1984). (Frampton, 1999)

Page 99: A cor na arquitectura

sua primeira paixão”.105 No seguimento das suas palavras o mesmo autor,

descreve de forma escultórica/poética o Banco Borges & Irmão, (1980-1986)

como “uma baleia branca que deu à costa no centro de Vila do Conde. O seu

corpo de dupla curvatura não tem mais do que duas faces em vez dos quatro

lados de um edifício tradicional, a sua pele macia e branca é marmoreada

sobre o ventre. Pousada como um livro aberto, a pedra é utilizada pela sua

cor delicada e a sua densidade luminosa, quase carnal. Ao aproximar-nos do

edifício, tomamos consciência da diferença de material entre a sua base em

mármore e os embasamentos de granito das casas vizinhas [...] aumentando o

efeito de flutuação do volume branco [enquanto] figura geométrica mais forte

que Siza utilizou”.106

Contudo, a conformidade aparentemente simples entre as metamorfoses

formais e a cor branca, pode conduzir a uma leitura menos poética, de acordo

com o arquitecto Nuno Portas poderá estar relacionada com “algumas razões

de economia e de tempo de elaboração [que] podem explicar a multiplicação

de arquitecturas com amplas superfícies brancas, planas e curvas, sem remate

e com aberturas recortadas, com formas variadas [que servirão] para reflectir

sobre a vulnerabilidade construtiva ou verificar uma perda do pretendido

efeito de contraste entre relação com envolvente [como] com a História”.107

Um entendimento semelhante é proposto pelo arquitecto Jorge Figueira, “a

experiência única do elemento singular [...] permite uma ritualização [da

qual] Siza passa a repetir - por razões que passam pelo aumento de

encomenda e pela simultaneidade dos projectos - alguns esquemas

competitivos e formais, dando-lhes uma reprodutibilidade que se adapta ao

novo quadro de trabalho. Deste modo, Siza estabelece uma linguagem

identificável para lá da caricatura, estabilizada pelo tempo e uso, a partir de

invariantes que são manipuladas por adição, subtracção ou mimesis, de

projecto para projecto”.108

É durante este período crescente de encomendas que, o arquitecto Álvaro

Siza, num esforço que procura solucionar e responder a todas as solicitações,

passa a dar primazia ao branco, que ao longo dos anos seguintes passa a

adquirir uma preponderância cada vez mais significativa, tornando-se de um

modo generalizado, um aspecto comum a toda a sua obra.

A relação cromática que o arquitecto Siza desenvolveu entre o interior e

87

105 Beaudouin, 2008 in Siza, 2008: 21106 Idem: Ibidem107 Portas [1972], 2005: 227108 Figueira, 2002: 125

Page 100: A cor na arquitectura

exterior pode ser antecipada nas suas palavras “eu não consigo fazer um

edifício sem dominar o interior e o exterior, porque acho que o exterior

depende do interior e vice-versa, se me tiram um, fico sem material para

projectar”.109 O branco é, desde os seus primeiros projectos, o grande

caracterizador dos espaços interiores, devido à sua alta capacidade de

reflexão luminosa e pela “neutralidade”, torna-se capaz de conviver

harmoniosamente com as restantes cores propostas a posteriori, pela inclusão

do mobiliário e de outros objectos. Neste sentido, a escolha do branco torna-

se progressivamente recorrente à caracterização exterior, sendo proposta uma

continuidade e interdependência-cromática, entre o interior e exterior,

acabando por evitar qualquer autonomia de uma realidade face à outra. Esta

interpretação poderá ancorar-se nas suas palavras, quando diz “senti [...] cada

vez mais a necessidade de uma ligação entre o interior e o exterior não

imediata e total, como o fora nas origens, nas ambições e na prática do

Movimento Moderno”.110

Segundo o arquitecto Álvaro Siza “[o processo criativo] tem que ser, no seu

desenvolvimento, !bombardeado’ com hipóteses, para uma escolha que tudo

relacione. Tem que contar com todas as componentes e condicionamentos.

[...] Podemos dizer que a primeira ideia arquitectónica tem que estar

!embebida’ em matéria”.111 Aparentemente, a sua “primeira ideia” destinada à

caracterização do interior e do exterior do objecto arquitectónico é

geralmente a mesma - o branco - que possibilita a leitura de que o edifício é

totalmente materializado pela mesma matéria. A homogeneidade serve-lhe de

modo a que não privilegie nenhuma destas realidades, e pense nelas com o

mesmo valor, quer o interior quer o exterior assumem o mesmo

compromisso, conferindo ao conjunto unidade.

“[O] receio da monotonia é um desafio à busca da diferença que não pode

resolver-se numa questão estética, porque se assim fosse, o resultado aparecia

logo artificial, caricaturado ou inventado”.112

Ao mesmo tempo, e de modo habilidoso é na homogeneidade - branca - que

ressalta a profunda exploração e expressão do claro-escuro assim como as

sombras que conjugam a luz com as formas. A exploração dos respectivos

efeitos aparentam ser pensados em conjunto com - a “massa branca” -

abstracta, capaz de moldar uma ou um conjunto de volumetrias - escultóricas,

às quais é possível posteriormente romper, perfurar ou esventrar

88

109 Siza, 2010: 26110 Siza [1998], 2009: 45111 Siza, 1997 in Alarcão, 1997: 39112 Siza [1998], 2009: 117

Page 101: A cor na arquitectura

incisivamente, incorporando de modo artístico semelhante aos projectos de

Gaudí as portas, e as janelas, originando o espaço. Para o arquitecto Siza a

arquitectura é mesmo isso “um volume num sítio com buracos, portas e

janelas”.113 É a partir desta visão tão esclarecida, que resultam as suas

unidades-plásticas, que tendem a “parecer mais escultura que arquitectura”,

reforçadas pelo branco que é caracterizado por uma grande vivacidade

acrescida pela forte expressão dos claro-escuros, consequentes da exploração

de profundidade dos expressivos vãos e palas que, aparentemente, são

capazes de romper com qualquer monotonia.

Ao descrever o seu processo projectual o arquitecto Álvaro Siza diz

“lentamente, a evolução do projecto orienta-se para uma redução à essência e

uma gradual aproximação à substância”.114 A simplificação e redução ao

essencial é também visível nos seus projectos através da harmonia espacial

obtida, em parte, pelo uso do branco, capaz de “controlar” as formas, ou

mesmo de reforçar o desenho depurado do objecto arquitectónico. O

arquitecto Álvaro Siza terá encontrado um equilíbrio entre a diversidade

formal e a simplicidade cromática.

As primeiras décadas do seu percurso enquanto arquitecto foram fortemente

marcadas pelas experiências motivadas, pelo SAAL, o Serviço de Apoio

Ambulatório Local, que o levou em 1973 a elaboração das Habitações

Sociais da Bouça, em 1974 a restruturação do Bairro de S. Vitor e em 1977, à

construção do complexo conjunto de Habitação Social da Quinta da

Malagueira. Estes projectos contribuiriam para a ressonância e

reconhecimento internacional do arquitecto Álvaro Siza.

Neste sentido, a década seguinte tornou-se oportuna para a experimentação

criativa, em virtude de lhe ter sido proposta a elaboração de diversos

projectos, além fronteiras, tais como em 1982 as Habitações Schelesisches

Tor, em Berlim (155), em 1984, as Duas Casas no Parque Van Der Venne, em

Haia (156), em 1984, o Museu de Arte Contemporânea, em Santiago de

Compostela (157) e, ainda em 1989, o Centro de Meteorologia na Vila

Olímpica, Barcelona (158). Estes projectos introduziram novos desafios, visto

os lugares e as culturas onde se inseriam serem distintas. Contudo, estes

projectos acabariam por ser considerados pela crítica, mais locais do que os

propostos pelos arquitectos desses países. Aspecto que talvez se deva, em

parte, ao esforço em se adaptar a cada circunstância, como é visível também

nas diferentes soluções cromáticas propostas. Enquanto na Alemanha optou

89

113 Souto Moura, 2005 in Siza, 2005: 14114 Siza [1998], 2009: 137

155.Álvaro Siza, Habitações Schelesisches Tor, Berlim, (1982-1990). (Frampton, 1999)

156.Álvaro Siza, Duas Casas no Parque Van Der Venne, Haia (1984-1988). (Frampton, 1999)

157.Álvaro Siza, Museu de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela (1988-1993). (Siza, 2000)

158.Álvaro Siza, Centro de Meteorologia de Barcelona, (1989-1992). (Frampton, 1999)

Page 102: A cor na arquitectura

pela homogeneidade do reboco pintado de cor cinzenta, na Holanda recorreu

ao contraste entre os dois tipos de tijolo, o castanho avermelhado, rugoso, e o

branco polido, ambos tradicionais. Já em Espanha, em Santiago de

Compostela, optou uma vez mais por uma solução homogénea, elegendo a

pedra bege para caracterizar/materializar todo o exterior, em Barcelona

recorreu ao contraste entre o cinzento do betão e o bege dos azulejos. A partir

destes quatro projectos internacionais (quatro propostas cromáticas) é

possível constatar que às metamorfoses formais, corresponde uma adaptação

cromática que atende às qualidades mais profundas de cada sítio.

“As duas casas de Haia partem duma matriz volumétrica [...] entre duas

linguagens com referencial à cultura arquitectónica dos anos vinte da Holanda

(Neoplasticismo e Expressionismo), gera-se um núcleo tensional que se

expande perifericamente sem se fragmentar, pois as suas linguagens vão

encontrar processos de diálogo”.115

A interpretação do professor António Rodrigues da obra Duas Casas de Haia

pode ser ligo segundo a dicotomia cromática, intrínseca a cada volume que

constitui o projecto. Se aqui, este foi o propósito que levou o arquitecto Siza

a adoptar mais que uma cor, no caso de Barcelona possivelmente estará

relacionado com a intenção de sugerir uma tampa de cor bege (mais clara)

para encerramento do topo do volume cilíndrico de cor mais escura. A ideia

conceptual/formal que “construiu” ambos os projectos ajusta-se à utilização

de mais que uma cor, no sentido de esta se tornar mais explícita.

Para o professor António Rodrigues (1996), a obra do arquitecto Álvaro Siza

apoia-se numa “triunicidade sistémica”, lugar - estrutura - programa.

Possivelmente as suas unidades-plásticas derivam da conciliação destas três

dominantes, assim como a sua adequação ao lugar e à função, mas também

aparentam resultar do desenho, não fosse o arquitecto Álvaro Siza um grande

defensor do desenho. Neste sentido, a obtenção formal do objecto

arquitectónico relaciona-se com esta “triucidade” - que por sua vez, é

apurada, clarificada a partir do desenho - que a desvenda, atendendo ao lugar,

à estrutura e ao programa.

Apesar dos Desenhos do arquitecto Álvaro Siza comparativamente aos do

arquitecto Távora, serem mais genéricos, menos aprofundados e com menos

pormenor, têm a capacidade de antever com clareza as unidades-plásticas que

representam. Sabendo que estas são geralmente massas homogéneas

simplificadas (volumes brancos depurados), os desenhos que servem de

90

115 Rodrigues [1988], 1996: 44/45

159.Desenhos da Casa de Chá da Boa Nova, Leça da Palmeira, Álvaro Siza, (1956-1963).(Rodrigues, 1992)

160.Desenho da Piscina das Marés, Leça da Palmeira, Álvaro Siza, (1961-1966). (Rodrigues, 1992)

161.Desenho do Banco Pinto & Sotto Mayor, Oliveira de Azeméis, Álvaro Siza, (1971-1974). (Siza, 2008)

162.Desenho do Bairro de S. Vitor, Álvaro Siza (1974-1977). (Siza, 2008)

163.Álvaro Siza, Casa Avelino Duarte, Ovar, (1980-1984). (Siza, 2008)

Page 103: A cor na arquitectura

auxilio à sua determinação são de igual modo sintético, evitando o ruído do

traço supérfluo (159-163). Excepcionalmente, quando o arquitecto Siza tem

intenção de utilizar um material diferente, faz um pequeno apontamento que

induz à leitura da estereotomia desejada. A estreita correspondência entre os

seus desenhos e as unidades-plásticas prende-se com ambos se cingirem ao

essencial. Desse modo, são excluídos todos os aspectos menos significantes,

o seu desenho descreve este esforço de depuração, de decomposição, até à

obtenção de uma estrutura essencial - a unidade-plástica. Em todo este

processo de clarificação-subtracção, o Arquitecto opta por não incluir a cor,

na medida em que iria estar a acrescentar ou considerar mais um aspecto,

conduzindo o desenho para a complexização. Pelo contrário, acaba por dirigir

todo o seu processo criativo, no qual o desenho se inclui, no sentido de

apurar do objecto arquitectónico. A coerência correspondente entre os seus

desenhos e as suas unidades-plásticas é de tal modo ajustada, que permite ao

arquitecto Siza Vieira antever e comunicar “rigorosamente” o objecto

arquitectónico idealizado. Conforme reconhece, “mal sei que materiais

escolher. As ideia vêm-me imateriais, linhas sobre papel branco; e quando

quero fixá-las tenho dúvidas, escapam, esperam distantes”116

Neste sentido, é possível constatar que o branco não só se adequa ao desenho,

mas também à forma que resulta da triunicidade sistémica, ao dar sentido à

unidade-plástica, ao programa que a compõe e ao lugar onde esta se insere.

No que respeita à inserção do objecto arquitectónico, é possível acrescentar

que a forte presença do branco “actua” de modo a suscitar novas leituras do

lugar. No extremo, a sua expressão, quando acentuada pelas formas, terá a

capacidade de originar novos lugares. O branco torna-se assim sintético e

incisivo a todos os lugares.

Paralelamente à elaboração destes projectos internacionais, o arquitecto

Álvaro Siza terá projectado para Portugal diferentes unidades-plásticas -

maioritariamente brancas, no que respeita, quer ao tratamento exterior quer

interior - como é o caso da Casa Vieira de Castro, em Vila Nova de

Famalição (1984-1994) (164.165), o Pavilhão Carlos Ramos, Porto

(1985-1996) (166), a Escola de Educação de Setúbal (1986-1993) (167.168), a

Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (1987-1994) (169-171), a

Igreja do Marco de Canavezes (1990-1997) (172-174) ou o Museu da Fundação

de Serralves, Porto (1991-1999) (175-177).

No entanto, se aceitarmos que o acabamento exterior destes projectos - “o

91

116 Siza [1988], 2009: 47

164.Álvaro Siza, Casa Vieira de Castro, Vila Nova de Famalição, (1984-1994). (Siza, 2000)

165.interior da Casa Vieira de Castro, Vila Nova de Famalição (1984-1994). (Siza, 2000)

166.Álvaro Siza, Pavilhão Carlos Ramos, Porto, (1985-1996). (Siza, 2000)

167.Álvaro Siza, Escola de Educação de Setúbal, (1986-1993). (Siza, 2000)

168.Interior da Escola de Educação de Setúbal, (1986-1993). (Siza, 2000)

Page 104: A cor na arquitectura

reboco e [o] pintar é a chamada construção social”117 - , pelo facto de se

tratar de uma solução económica, este aspecto não limita nem intimida o

arquitecto Álvaro Siza, bem pelo contrário, já que propõe com regularidade

que esta solução se estende aos mais diversos programas e contextos

económicos e sociais. O arquitecto Siza tem a capacidade de “elevar” este

tipo de solução a um nível de excelência capaz de conferir reconhecimento à

sua obra. Segundo o arquitecto Manel Somoza (2008) estes “seriam os

primeiros tempos mediáticos da sua arquitectura branca”.118 No entanto a

interpretação que o arquitecto Eduardo Souto de Moura faz ao longo período

de experimentação do arquitecto Siza, leva-o a declarar que se tratou de um

período “praticamente autónomo [originando] uma libertação de referências e

de percursos. [...] É um período laboratório [onde] depois há uma

consolidação em que se começa a construir uma linguagem própria - com

influências é evidente - é o volume e o sítio adaptado, [o] material é quase

sempre o mesmo - o reboco. O Rafael Moneo diz: !Porque o Siza pensa

sempre em branco’”.119 A opinião do arquitecto Kenneth Frampton não é tão

“redutora”, ampliando, “o uso do branco em Álvaro Siza a infinitos tons de

cinza”.120

Partindo do conhecimento que o branco - não é uma cor - mas a presença

absoluta da luz, estamos a falar de uma abstracção, na medida em que a luz

natural não é constante. Contudo, o arquitecto Siza parece estar interessado

em desenvolver ao longo deste período autónomo diversas experiências, no

sentido de retirar partido desta “abstracção”, que se revela ajustada e capaz

de favorecer as suas formas. Se esta opção, terá sido consequente do

arquitecto Siza “pensar sempre em branco”, ou porque afinal “o uso do [seu]

branco são infinitos tons de cinza”, parece-me insuficiente para descrever a

dinâmica alcançada pelas suas unidades-plásticas-brancas. Apesar, de

existirem enumeras especulações sobre possíveis dificuldades por parte do

arquitecto Siza em eleger determinada cor ou materialidade, à qual reage com

sentido de humor, comentando, “para mim é muito difícil eleger um material,

porque está relacionado com muitas coisas e não é só uma escolha de gosto,

ainda que involuntariamente, o projecto começa muito antes de ser iniciado o

próprio projecto, a forma parte da história pessoal vivida pelo próprio

arquitecto”.121 Todas estas dúvidas tendem a dissipar-se tornando-se

explícitas através do Desenho.

92

117 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 47118 Somoza, 2008 in Siza, 2008: 78119 Souto Moura, 2005 in Siza, 2005: 7120 Frampton, 2003 cit. Barba, 2005/06: 338121 Siza [2007], 2008: 15

169.170.Álvaro Siza, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, (1987-1994). (Siza, 2000)

171.Interior da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, (1987-1994). (Siza, 2000)

172.Álvaro Siza, Igreja do Marco de Canavezes, Marco de Canavezes (1990-1997). (Siza, 2000)

173.174.Inter ior da Igreja do Marco de Canavezes, Marco de Canavezes (1990-1997). (Siza, 2000)

Page 105: A cor na arquitectura

Contudo, o arquitecto Álvaro Siza revela ser altamente consciente de como

utilizar a cor, como é visível na conversa reproduzida para texto - “Só as

pessoas estão alegres ou tristes”122 - ocorrida em 2007 durante uma visita ao

Multiusos de Gondomar, na qual a jornalista começa por dizer ao arquitecto

Siza, “é tão cinzento!” Ao que este responde “Pois é. Imagine este espaço

povoado de gente. Acção, momentos intensos. Entusiasmo, ansiedade,

alegria. Olhe para a sua camisa (vermelha). Olhe à volta. Oh as roupas dos

outros e os olhos dos outros: as cores do arco-íris misturam-se, movem-se,

cintilam. Massa contínua que fala alto. Vê isso? O espetáculo acaba. Toda a

gente parte. O edifício fica só, prepara-se para receber outra gente ou a

mesma: repousa. As luzes apagam-se. Não é cinzento, é negro. Não é triste,

repousa. Os edifícios e os objectos e os espaço, não são tristes nem alegres.

Existem quando recebem gente e existem por isso e para isso. Cada um de

nós chega a casa, acompanhado ou só. Dorme, só com os seus sonhos com ou

sem cor. Semi-cerre os olhos. É capaz de repousar? É capaz de sonhar

desperta?”.123 Poder-se-á retirar o entendimento de que para o arquitecto Siza

o branco não é um refúgio, mas uma escolha consciente e propositada, na

medida em que esta cor não retira protagonismo às suas formas, nem aos

espaços que são apropriados pontualmente pelo Homem. Segundo o próprio,

esta escolha é tão natural e intuitiva como “quando se pinta; tens uma

quantidade de cores e a tendência é utilizá-las todas. De acordo com as

conveniências, um leque que abrange muitas possibilidades das quais se

elege uma”.124

As unidades-plásticas criadas pelo arquitecto Álvaro Siza geralmente

resultam em contextos cromáticos homogéneos, onde a cor aplicada e a

própria cor dos materiais utilizados é uniforme. A introdução ou variação da

cor é “unicamente” proporcionada pelos pavimentos, guarnições e

caixilharias, estando normalmente associada à transição de materiais. O

arquitecto Álvaro Siza associa muitas vezes aos volumes brancos, planos

contínuos de cor - pedra no exterior - madeira no interior - “resguardando” as

massa brancas. De um modo geral, essas massas que até então adquiriam um

forte valor expressivo através das suas formas escultóricas, irão permanecer

e, inclusive, reforçarem-se através de uma maior libertação formal-

geométrica do objecto arquitectónico. Conforme reconhece, “sou dos que

persistem em encontrar nos territórios da Arquitectura e das (outras) Artes -

nomeadamente a Escultura, mas também a Pintura, ou a Música - uma

relação original indestrutível”125, esta ideia é visível nos projectos

93

122 Siza (2007) Reflexão, Arquitectura: Pavilhão Multiusos de Gondomar123 Siza [2007], 2009: 373124 Idem: 13125 Siza [1994], 2009: 145

175.Álvaro Siza, Museu da Fundação de Serralves, Porto (1991-1999). (Siza, 2000)

176.177.Interior do Museu da Fundação de Serralves, Porto (1991-1999). (Siza, 2000)

Page 106: A cor na arquitectura

internacionais realizados na década de 2000, em 1998-2008 projecta para o

Continente Americano, a Fundação Iberê Gamargo, Brasil (178), em

2002-2007 e respectivamente em 2002-2008 desenha para a Peninsula Ibérica

a Casa em Maiorca (179) e o Complexo Desportivo Ribera Serrallo, em

Barcelona (180) e, em 2005-2006 propõe para o Continente Asiático o

Pavilhão Anayang (181) e o Museu Mimeis (182), Coreia do Sul.

Contudo, através da escrita o arquitecto Siza demonstra uma profunda

atenção e sensibilidade para as cores - enquanto realidades significantes -

visível em diversos textos, dos quais saliento A cidade que temos, de 1980 e

Barragan, 1994, ambos descrevem minuciosamente diferentes realidades a

partir da sua cor. No universo da arquitectura, ao longo da sua vasta obra

existem excepções, conforme demonstra ao responder: “faço todos os meus

edifícios brancos [...] sim é verdade que uma grande parte dos edifícios são

brancos, contudo existem excepções, o pavilhão de Portugal que é em

cerâmica azul e amarela, e tenho outros que são cor de rosa, outros cinza,

mas alguns acabam por ficar mais referenciais. Acredito que a conotação do

branco é muito generalista, porque a arquitectura está muito referenciada a

circunstâncias, como o lugar”.126

Neste sentido, é possível reconhecer enquanto soluções cromáticas

excepcionais realizadas em Portugal, a Biblioteca da Universidade de Aveiro

1988-1994 (183), o Complexo Desportivo de Gondomar 1991-1999 (184), a

Casa do Pego, Sintra 2002-2007 (185), os Terraços de Brangança, Lisboa

2003-2005 (186) e ainda a Quinta do Portal, Sabrosa 2006-2008 (187). Na

Universidade de Aveiro mais que uma ideia pré-definida do autor, a

utilização do tijolo tradicional tratou-se de uma exigencia, na medida em que

todo o pólo Universitário deveria ser caracterizado pelo mesmo material de

cor laranja. Contudo, o arquitecto Álvaro Siza introduz à extensa

homogeneidade laranja do tijolo - o branco. Neste projecto, a

convencionalidade do branco é “contrariada”, ao ser apenas introduzida nos

planos recuados, nas caixilharias, no embasamento e quando o grande

volume laranja é esventrado. Os critérios estipulados pelo arquitecto Siza

para esta dualidade cromática, aparentam traduzir a ideia de que a cor laranja

que reveste todo o exterior do edifício se trata de uma “casca”, e enquanto o

branco fosse o seu “miolo”. Embora de um modo distinto, o edifício revela

pontualmente a “massa branca que o constituí”, que é revestida por um

“manto” protector de cor laranja - próprio do tijolo.

94

126 Siza, 2003: 27

178.Álvaro Siza, Fundação Iberê Gamargo, Brasil (1998-2008). (Castanheira, 2009)

179.Álvaro Siza, Casa em Maiorca, Espanha (2002-2007). (Castanheira, 2009)

180.Álvaro Siza, Complexo Desportivo Ribera Serrallo, Barcelona (2002-2008). (Castanheira, 2009)

181.Álvaro Siza, Pavilhão Anayang, Coreia do Sul (2005-2006). (Castanheira, 2009)

182.Álvaro Siza, Museu Mimesis, Coreia do Sul (2005-2006). (Castanheira, 2009)

Page 107: A cor na arquitectura

Apesar do Complexo Desportivo de Gondomar aparentemente se assemelhar

ao anterior projecto, onde a homogeneidade do tijolo laranja caracteriza a

unidade-plástica, e todos volumes e planos externos que circunscrevem os

limites do projecto serem tratados equitativamente, adquirindo a mesma cor -

laranja - o critério de utilização da cor terá mais a ver com as anteriores

propostas, totalmente brancas. Neste projecto, o reboco pintado de branco ou

o betão branco é “substituido” pelo tijolo - laranja - que, de igual modo,

confere unidade a todo o conjunto. Os únicos elementos de cor excepcionais

ocorrem na pala que anuncia a entrada do edifício - em betão branco - e

também no embasamento, com a introdução de um elemento metálico

contínuo recuado - de cor cinza - que dá a impressão que a imponente massa

laranja levita.

A distinção entre o embasamento e o restante corpo do objeto arquitectónico

é também visível na Casa do Pego que, apesar de ter como cor predominante

o castanho - da madeira, contrasta com o contínuo cinzento da pedra ardósia.

Ambas as cores, facilmente se referenciam no contexto natural próprio do

Lugar, e sugerem estabelecer uma relação de inclusão/enraizamento com o

mesmo. Ainda referente ao programa habitação, mas num contexto

assumidamente urbano, o arquitecto Álvaro Siza projectou os Terraços de

Bragança em Lisboa. Neste projecto a cor é introduzida pelo azulejo azul,

cinzento e verde; a variação cromática sugere, de certo modo, o

desenvolvimento natural da cidade de Lisboa. A “partição” cromática do

conjunto de habitações propõe isso mesmo, integrar-se nas variadas cores que

caracterizam cada edifício que constitui o perfil da rua.

No caso da Quinta do Portal a proposta de cor encontra-se nos antípodas do

Complexo Desportivo de Gondomar, visto neste caso os planos que

delimitam todo o projecto adquirirem uma variada gama de tons castanhos,

próprios da diversidade das pedras utilizadas para o seu revestimento, os

quais, por sua vez, contrastam com a cor da massa construida que se inscreve

no interior destes - pintadas de cor laranja. De algum modo, a dualidade

cromática proposta neste projecto assemelha-se à utilizada na Biblioteca de

Aveiro, embora neste caso a interacção entre as duas cores seja maior e não

esteja sujeita a contornos tão explícitos.

Um aspecto a salientar, transversal a todos estes projectos, é que ao nível da

caracterização cromática dos espaços internos não é visível um tratamento

excepcional. Neste sentido será possível dizer que o domínio do branco do

reboco pintado, do betão aparente, etc, continua a assegurar aos seus espaços

interiores a serenidade desejada, contribuindo essencialmente para a

95

183.Álvaro Siza, Biblioteca da Universidade de Aveiro, (1988-1994). (Siza, 2000)

184.Álvaro Siza, Complexo desportivo, Gondomar (1991-1999). (Castanheira, 2009)

185.Álvaro Siza, Casa do Pego, Sintra (2002-2007). (Castanheira, 2009)

186.Álvaro Siza, Terraços de Bragança, Lisboa (2003-2005). (Castanheira, 2009)

187.Álvaro Siza, Quinta do Portal, Sabrosa (2006-2008). (Castanheira, 2009)

Page 108: A cor na arquitectura

continuidade espacial que tanto caracteriza as suas unidades-plásticas.

96

Page 109: A cor na arquitectura

A proposta “heterogeneidade” de Eduardo Souto Moura- Sistema construtivo | Material | Linguagem - triologia -

O facto de Eduardo Souto de Moura ter estudado de 1974 a 1980 na ESBAP,

durante um período temporal coincidente com o 25 Abril, proporcionou-lhe a

frequência de um curso “invulgar” - na “escola-atelier” de Siza - conforme

reconhece “em boa verdade, fiz o curso no atelier do Siza”.127

Do mesmo modo que o arquitecto Álvaro Siza terá “herdado” saberes do

arquitecto Fernando Távora, durante o período em que cooperou com ele (de

1955 a 1958), embora os tenha usado segundo a sua interpretação crítica da

qual resultaria na sua plasticidade tão própria, o arquitecto Eduardo Souto de

Moura terá passado por uma experiência similar ao ter colaborado com o

arquitecto Siza. No entanto, de igual modo, potenciado pela sua autonomia

crítica viria, a adoptar uma linguagem arquitectónica que resultava da

exploração dos materiais e das suas possíveis combinações.

“Quando Souto Moura chegou ao atelier de Siza, este compreendeu

imediatamente !com pérfido desagrado e grande prazer’ que não o teria como

colaborador por muito tempo. O neo-Miesiano rigoroso e independente

rapidamente se afastou. O fascínio da sua arquitectura assenta na utilização de

materiais extravagantes: granito, mármore, tijolo, perfis de aço importado,

betão à vista, cores inesperadas, madeira africana, iluminações refinadas”.128

Em 1980, o arquitecto Eduardo Souto de Moura autonomiza-se e passa a dar

início à sua actividade enquanto profissional liberal. Os seus projectos

passam a assentar no interesse constante pela exploração dos materiais, mais

do que a tentativa de organismo aparente na arquitectura de Távora (visível

pela procura de enraizamento), os materiais assumem-se como a razão do

projecto e o sentido do espaço. Os seus projectos ao contrário dos realizados

pelo arquitecto Álvaro Siza, são caracterizados por imensas excepções que

indirectamente acabam por reforçar a regra. A importância conferida por si

aos meios tecnológicos e aos materiais “de ponta” leva-o a declarar que “o

espaço não [lhe] interessa nada. Um cubo todo de pedra, em vidro, em

ardósia ou em estuque branco, não é a mesma coisa. Um espaço, com

determinada medida, não é nada. A mim interessam-me só os materiais.

Porque, perante o espaço que me dão […] se achar pequeno, faço-o em vidro,

porque preciso que fique maior. Se achar excessivo, faço-o em ardósia, que

me dá o efeito egocêntrico, que me aperta. Se achar monótono, faço-o em

97

127 Souto Moura, 2010: 35128 Fleck, 1999: 110

Page 110: A cor na arquitectura

pedra, porque consigo veios de ferrugem. Se me disserem assim: - O senhor

tem que fazer uma casa com “tanto por tanto”. E eu digo: - Sim, senhor. E só

me interessa trabalhar e tratar isso com materiais, para que o espaço seja

aquilo que eu quiser […] isto é o que eu acho aliciante e a actividade

específica do arquitecto”.129 Os materiais são dispostos nos seus projectos de

modo extremamente refinado e criterioso; à semelhança do trabalho realizado

por Mies, é dado um especial interesse e atenção à composição dos veios, das

texturas e das juntas, resultando uma disposição/caracterização combinada -

uma linguagem. Segundo o arquitecto Eduardo Souto de Moura a sua

arquitectura é constituída por uma “triologia projectual, que compreende o

sistema construtivo, o material e a linguagem”.130 Contudo, é importante

referenciar que os aspectos que constituem esta triologia estão sujeito a uma

constante gestão, que relaciona - o que lhe é materialmente possível fazer

com os custos - resultando deste esforço as mais variadas experiências ao

nível da caracterização cromática.

É neste sentido que o seu discurso converge de modo natural para a

valorização dos custos, já que para si, são uma preexistência. “As pessoas

falam muito do sítio como uma preexistência, mas hoje, mais do que o sítio -

se é granito ou calcário, se é no sul ou com luz mediterrânea - o sítio é o

Dólar, ou o Ecu”.131 Esta realidade está interligada com a sua grande vontade

de exploração dos materiais e dos sistemas construtivos, que para si, se

ajustam à caracterização/materialização das suas ideias-projectos-espaços. Os

seus projectos são reflexo desse permanente desafio, que compatibiliza a

ideia (constituída pela trilogia) com os custos. É através de uma grande

ginástica mental/criativa que o Arquitecto contorna essa contingência. O

facto do que gostaria de fazer, ser diferente do que lhe é realmente possível

fazer, faz com que recorra às mais diversas soluções, “mesmo que possa

conferir a chamada !verdade’, estou a mentir, dizendo a verdade, isto é: faço

uma casa de pedra por fora e, se quero fingir que a casa é de pedra, ponho a

pedra por dentro. Mas a pedra por fora não tem nada a ver com a pedra por

dentro”.132

Para o arquitecto Eduardo Souto de Moura o reconhecimento e a valorização

dos materiais faz com que a cor normalmente resulte nos projectos pela

inclusão de determinado material. Para si esta escolha será aparentemente

mais segura, na medida em que a eleição de uma determinada cor aplicada

acaba por ser um maior compromisso, geralmente relacionado com decisões

98

129 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 50130 Souto Moura, 2010: 37131 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 46132 Idem: Ibidem

Page 111: A cor na arquitectura

arbitrárias e altamente subjectivas, apesar de nunca ser uma decisão aleatória.

Neste sentido, opta por escolher um material que, para além da proposta

cromática, responde a questões construtivas, funcionais e materiais. O facto

do arquitecto Eduardo Souto de Moura definir critérios para a utilização de

determinado material ancorados num conjunto de propósitos, que vão para

além da escolha única de uma cor, poderá contribuir para amenizar alguma

subjectividade, por tentar responder a um conjunto de solicitações.

“A escolha de determinado material é uma tentativa de retirar subjectividade à

arquitectura. Cada vez mais, as opções da arquitectura são subjectivas [...]

quase todas as minhas cores resultam da introdução dos materiais que têm

essa cor. Pode-se, até, chamar a isso uma certa cobardia; mas assim durmo

descansado”.133

Contudo, o arquitecto Eduardo Souto de Moura tem presente que a escolha

de determinado material “é uma questão de gosto, porque, se faz com

determinados materiais, é porque se identifica com eles e é uma questão de

oportunidade”.134 Tanto a sua preferência como o sentido de oportunidade,

levam-no a retirar o maior partido dos diversos materiais, combinando

artificiais - homogéneos - com naturais - de cor mais complexa e que podem

adquirir maior variação quando sujeitos a diferentes acabamentos. Para si, a

liberdade criativa possibilitada pelos materiais, assim como a par dos

sistemas construtivos e da linguagem arquitectónica, motivam-no à

exploração dos materiais. A relação da linguagem adoptada com esse aspecto,

terá a ver com esta se caracterizar genericamente por uma composição

constituída por planos. A abordagem do arquitecto Souto de Moura revela-se

contrária à que é recorrente nos projectos do arquitecto Álvaro Siza;

composta por massas volumétricas, e também distinta da utilizada pelo

arquitecto Fernando Távora, o que evidencia uma composição constituída por

elementos construtivos. O facto da linguagem projectual do arquitecto

Eduardo Souto de Moura propor uma composição de planos diferenciados, e

este ter particular interesse e gosto pela utilização de materiais, leva-o a

explorar a fragmentação desses planos, destacando-os, isolando-os

cromaticamente. Ou seja, a recorrente fragmentação dos planos propícia o

uso diversificado de materiais, de modo a reforçar esta ideia, que é intrínseca

à generalidade dos seus projectos realizados ao longo de três décadas.

A fragmentação dos planos é indiciada no seu primeiro projecto, realizado

entre 1980 e 1984 para o Mercado Municipal. A permeabilidade do programa

do proporcionou a decomposição dos planos, autonomizando-se os verticais

99

133 Idem: 48134 Idem: 47

Page 112: A cor na arquitectura

uns dos outros e todos respectivamente ao plano horizontal. O projecto pode

ser descrita cromáticamente pela dualidade entre a cor aplicada - branca - de

textura homogénea e a cor própria da pedra - granito - de textura heterogénea

(188.189). Enquanto os planos que circunscrevem o perímetro do Mercado são

materializados maioritariamente em pedra, o plano horizontal da cobertura é

branco, assim como a estrutura de pilares que o suporta. A dualidade

cromática é ainda expressa pela independência de cada um dos dois planos

que se prolongam para além dos limites do Mercado, anunciando-o.

Em 1981, para o projecto da Casa das Artes, o arquitecto Eduardo Souto de

Moura optou por uma caracterização exterior totalmente materializada em

pedra - granito -, os muros encerrados dissimulam com os restantes que

circunscrevem o perímetro do projecto (190). No entanto, é ao nível da

caracterização do espaço interior que a diversidade cromática é explorada.

Esta solução terá alguma relação com as palavras do arquitecto, quando diz:

“eu tinha a ideia de que tratar o espaço interior e o exterior era a mesma

coisa, mas, desde o momento que tive que fazer um projecto desse tipo,

percebi que era um mundo específico”.135 Neste sentido, o arquitecto

Eduardo Souto de Moura terá optado por caracterizar cromáticamente todo o

exterior através da pedra, unificando-o, já no espaço interior terá atribuído

diferentes materiais/cores aplicados/as às superfícies, com o objectivo de as

individualizar. Neste sentido, são também adoptados diferentes materiais/

cores para os pavimentos, assim como para todos os elementos metálicos, tais

como as caixilharias, as guardas, escadas, etc (191.192). De modo sucinto, a

ideia cromática associada à Casa das Artes explora uma abordagem exterior -

simplificada - e uma interior - complexificada.

“A construção do Mercado de Braga (1985) e da Casa das Artes (1988), de

Eduardo Souto Moura, davam sinais de uma determinação e radicalidade

expressiva que iriam ter forte impacto disciplinar, construindo-se como a

“saída” mais performativa e bem sucedida da Escola do Porto”.136

Três anos mais tarde o arquitecto Eduardo Souto de Moura projecta a Casa 2

em Nevogilde, e uma vez mais recorre à pedra (granito) para a

caracterização/materialização exterior. No entanto, face ao anterior projecto é

proposta uma atitude distinta, introduzida pela irregularidade dos planos de

pedra e pelas suas diversas aberturas, que aparentemente sugerem/recriam

uma ruína (193.194). No que refere ao tratamento exterior, é ainda de

acrescentar a presença da cor aplicada - castanha escura - que caracteriza os

restantes elementos. Já no que respeita à proposta cromática do espaço

100

135 Idem: 43136 Figueira, 2002: 108

188.189.Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal de Braga, Braga (1980-1984). (Souto Moura, 2004)

190.Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto (1981-1991). (Souto Moura, 2009)

191.192.Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto (1981-1991). (Souto Moura, 2000)

Page 113: A cor na arquitectura

interior, é possível evidenciar-se um pontual contágio das cores exteriores

dominantes. No entanto, estas compartilham proeminência com o reboco

branco e a madeira (castanha) do pavimento (195). Neste projecto, ao contrário

do anterior, a ideia cromática que serve de caracterização ao espaço exterior e

ao interior tende a fundir-se.

No ano seguinte, o arquitecto Eduardo Souto de Moura projecta a Casa na

Quinta do Lago. Inserida num contexto dominado pelo verde da vegetação,

propõe um contraste cromático ao optar pelo uso genérico do branco

unificando toda a volumetria do objecto arquitectónico (196). No entanto, o

facto desta massa conter uma série de vazios, vai potenciar a que a cor

dominante na vegetação (verde), seja usada no interior desses pátios

exteriores (197). No que refere à caracterização cromática do espaço interior, é

dada continuidade ao branco usado no espaço exterior, igualando/unificando

toda a superfície interior (198.199).

Em 1987, o arquitecto Eduardo Souto de Moura propõe de novo uma

composição constituída por planos com o projecto a Casa em Alcanena.

Neste projecto são conciliadas superfícies revestidas a tijolo de cor bege com

superfícies rebocadas e pintadas de branco (200). No entanto, quando estes

planos se prolongam e cruzam com as superfícies que definem o espaço

interior, acabam (através do encontro de diferentes cores) por potenciar a

transição da cor. À semelhança da Casa 2 em Nevogilde, neste projecto as

cores que caracterizam o exterior edificado acabam por qualificar o espaço

interior, o encontro dos planos acaba por servir de tema e potenciar a

transição cromática (201).

Na mesma década o arquitecto Eduardo Souto de Moura projecta a Casa no

“Bom Jesus” e, volta uma vez mais a considerar e compatibilizar os

anteriores materiais/cores: a pedra e o reboco branco. Contudo, estes

prestam-se a novos propósitos, como é visível pela separação física entre

planos de diferentes cores. Enquanto ao nível do piso térreo os planos

encerrados e opacos são definidos pela pedra, ao nível do piso superior o

grande envidraçado é circunscrito por um conjunto de planos brancos

(definindo um pórtico) que sugere abraçar o anterior volume (202). De acordo

com a memória descritiva, o projecto resulta de “duas plataformas, dois

pisos, dois sistemas construtivos, duas linguagens”137 , assim como duas

caracterizações cromáticas distintas, acrescentaria eu.

101

137 Souto de Moura, 2000:135

193.Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto (1983-1988). (Souto Moura, 2000)

194.195.Fachada e interior da Casa 2 em Nevogilde, Porto (1983-1988). (Souto Moura, 2000)

196.197.Eduardo Souto de Moura, Casa na Quinta do Lago, Almansil (1984-1989). (Souto Moura, 2000)

198.199.Interior da Casa na Quinta do Lago, Almansil (1984-1989). (Souto Moura, 2009)

Page 114: A cor na arquitectura

A complexidade cromática conferida pela combinação de diferentes

materiais, é uma característica transversal à obra deste arquitecto, estando

geralmente sujeita a uma racionalidade capaz de determinar critérios para o

seu uso, tais como o de privilegiar determinado plano face a outro. É deste

modo que a base-arquitectónica “descaracterizada” adquire hierarquia e

sentido. Durante a década de 1980 o arquitecto Eduardo Souto de Moura

demonstrava através da caracterização cromática que, “a história da

arquitectura […] tem um significado mais fragmentado e específico. E

enquanto, por exemplo, o suporte da arquitectura era feito pelo muro, era

bastante difícil, nesse próprio objecto, distinguir a face interior e exterior.

Mas neste momento, todos os tratamentos, interiores e exteriores, são

fragmentados”.138 É deste modo, que a cor, que está associada aos diferentes

planos que compõem o espaço acaba, através da sua diferenciação, por

acentuar, ou não, as descontinuidades ou continuidades que caracterizam a

ideia espacial. Este sentido, recorrente nos projecto do arquitecto Eduardo

Souto de Moura, assemelha-se particularmente ao que foi utilizado pelo

arquitecto Mies. Segundo o texto titulado Souto Moura, escrito em 1989 pelo

arquitecto Siza Vieira, a sua obra é composta por “planos rectangulares

verticais e horizontais que modelam o volume e os espaços internos

relacionam-se por gradual transição, por juntas, por ruptura, mantendo uma

constante capacidade de autonomização. As tensões resultantes evocam a

componente neoplástica de um Mies […] mas evocam igualmente a

materialidade e o peso que, voluntariamente e antes, acompanham o impulso

centrifugador das casas usonianas de Wright”.139

No que respeita à utilização do desenho, o arquitecto Eduardo Souto de

Moura revela que este se presta a ensaiar a trilogia que compõe/constitui cada

projecto, definida pelo sistema construtivo, material e pela linguagem. O

desenho tende a acompanhar o experimentalismo que caracteriza os seu

projectos. Apesar dos seus desenhos não incorporarem a cor, esta é sugerida

através da variação do traço e das manchas, de modo a “traduzir” os diversos

tratamentos que constituem a ideia cromática/material de cada projecto. De

acordo com as palavras do arquitecto Siza Vieira “os esquissos feitos por

Souto de Moura [caracterizam-se por um] desenho firme, esquemático e

denso. Traduz a clareza da ideia orientadora do Projecto - tal como se

apresenta, depois de concluído este”.140

De acordo com as palavras anteriormente citadas do arquitecto Siza Vieira, os

102

138 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 44139 Siza [1989], 2009: 70140 Idem: 68

200.Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas (1987-1992). (Souto Moura, 2000)

201.Interior da Casa em Alcanena, Torres Novas (1987-1992). (Souto Moura, 2000)

202.Eduardo Souto de Moura, Casa no “Bom Jesus”, Braga (1989-1994). (Souto Moura, 2000)

Page 115: A cor na arquitectura

desenhos do arquitecto Eduardo Souto de Moura têm a capacidade de fazer

antever o resultado final de cada projecto. Da mesma maneira que o

arquitecto Souto de Moura define de modo tão expedito e criterioso o que é

essencial em cada um dos seus projectos, enquanto “estímulo” para a

caracterização cromática, esse esclarecimento parece ser antecipado e

“resultar” dos seus desenhos. Os diferentes apontamentos e registos

procuram mais que a definição formal do objecto arquitectónico, servem de

auxílio à experimentação, e terão o comprometimento de validar algumas

dessas ideias menos usuais. O facto da sua obra ser caracterizada por uma

grande experimentação e esta ser extensível aos desenhos, faz com que se

torne difícil reconhecer aspectos comuns a cada um.

No entanto, no desenho do arquitecto Eduardo Souto de Moura são possíveis

de se evidenciar alguns pontos comuns com a obra do arquitecto Távora, em

particular, pela procura de definir determinados acabamentos ou sugerir

alguma alternância/diversidade de tratamento (203.205). Mas também é

possível identificar traços análogos com os desenhos do arquitecto Siza

Vieira, genericamente caracterizados pela linha precisa e altamente

definidora da forma do objecto arquitectónico (204). Normalmente, os

desenhos do arquitecto Eduardo Souto de Moura balançam entre estes dois

registos tão distintos, mas também é comum, que ambos sejam

compatibilizados no mesmo desenho (206.207). Esta compatibilidade estará

relacionada com a diversidade e o experimentalismo que caracteriza os seus

projectos, captando e reunindo pontuais aspectos referenciados nos anteriores

arquitectos. O facto de não considerar nem recorrer frequentemente ao

mesmo sistema construtivo, materialidade e linguagem, propícia a

diversidade, que acaba por se reflectir nos seus mais variados desenhos.

Durante a década de 1990, o arquitecto Eduardo Souto de Moura dá

continuidade ao experimentalismo que caracteriza os seus projectos, e as suas

soluções cromáticas, assentes na relação custos e na trilogia “sistema

construtivo, material e linguagem”. Outro aspecto que se mantém comum aos

seus projecto é a escala e o programa de habitação. Em 1991 projecta a Casa

em Moledo do Minho que, aparentemente, pelo facto de ter sido idealizada

para um contexto rural, levou a que se materializasse exteriormente em

pedra. A imagem cromática exterior do objecto arquitectónico resulta num

extenso muro granítico, que sugere simular os muros de contenção de terras

comuns nesta região (208). A relação/fusão do objecto arquitectónico com o

lugar é tal, que a sua própria leitura é difícultada. De acordo com as palavras

do arquitecto Alexandre Alves Costa, “Souto de Moura inventa histórias

quando não existe história, constrói os sinais do tempo para os preservar e

103

203.Desenho da Casa das Artes, Porto, Eduardo Souto de Moura (1981-1991). (Souto Moura, 2009)

204.Desenho da Casa na Quinta do Lago, Almansil (1984-1989). (Souto Moura, 2009)

205.Desenho do Edifício de Apartamentos da Rua do Teatro, Porto (1992-1995). (Souto Moura, 2009)

206.Desenho da Casa em Cascais (1994-2002). (Souto Moura, 2009)

207.Desenho da Casa do Cinema, Porto (1998-2003). (Souto Moura, 2009)

Page 116: A cor na arquitectura

qualifica a sua narrativa com a dignidade dos materiais naturais, disposto

como na natureza humanizada”.141 Terá sido esta a relação arquitectónica e

cromática que o arquitecto procurou estabelecer com este lugar, retirando

partido de algumas das suas realidades/qualidades, e propondo outras,

ajustando-as e integrando-as como se fizessem parte desse mesmo lugar.

Através desta profusão cromática com o sítio, o impacto da transformação é

“atenuado”. Esta abordagem é também visível ao nível da caracterização

cromática interior, a possível proeminência de alguns elementos pré-

existentes (como as rochas), convivem com a aproximação e fusão de outros

elementos, tornando “imperceptível” o que é proposto e o existente. A grande

variedade cromática proposta para o espaço interior acaba por contribuir para

este “jogo”, caracterizado pelos muros de pedra, pela madeira castanha

escura do pavimento, pela mais clara que reveste as superfícies recuadas e

ainda pelo tecto pintado de branco, esta variedade acaba também por

contribuir para o enriquecimento cromático do espaço interior (209).

No ano seguinte, num contexto oposto - citadino -, o arquitecto Eduardo

Souto de Moura projecta o Edifício de Apartamentos da Rua do Teatro,

totalmente idealizando em materiais metálicos industrializados. A cor exterior

do objecto arquitectónico é dominantemente metalizada, resultando da

estrutura adoptada e do seu preenchimento por venezianas no mesmo

material (210). No que respeita à caracterização interior, as paredes são

brancas, e a variação cromática é introduzida pela madeira dos pavimentos e

pelos elementos metálicos, alguns dos quais pintados (211.212). Neste projecto

a abordagem cromática surge genericamente da eleição do sistema

construtivo, no sentido oposto ao anterior projecto, a escolha resulta de uma

decisão autónoma do lugar.

De acordo com as palavras do arquitecto Eduardo Souto de Moura, “os

custos de construção são de tal maneira apertados e rígidos […] cada vez

mais os espaços são monocórdicos; e a variedade possível é à custa da

coloração, ou da textura, ou da variação dos materiais”.142 O reconhecimento

da responsabilidade das contingências económicas, enquanto condicionante

que pode “determinar” a solução cromática, poderá ser uma das razões da

proposta genérica da cor aplicada à Casa na Serra de Setúbal de 1994. O

motivo apontado poderá facilmente ter conduzido à eleição da cor aplicada

em detrimento da cor própria. Comparativamente com o anterior projecto

(estrutural) caracterizado pela cor dos materiais, é proposta aqui uma massa

volumétrica recortada, de cor amarela aplicada. Neste projecto, a “modesta”

104

141 Alves Costa [1990], 2007: 92142 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 45

208.Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo do Minho, Caminha (1991-1998). (Souto Moura, 2000)

209.Interior da Casa em Moledo do Minho, Caminha (1991-1998). (Souto Moura, 2009)

210.Eduardo Souto de Moura, Edifício de Apartamentos da Rua do Teatro, Porto (1992-1995). (Souto Moura, 2009)

211.212.Eduardo Souto de Moura, Edifício de Apartamentos da Rua do Teatro, Porto (1992-1995). (Souto Moura, 2009)

Page 117: A cor na arquitectura

abordagem monocromática exterior é favorecida pela exploração de outros

meios (sem custos aparentes) como é o caso do claro-escuro anunciado pela

variação de profundidade provocada pela abertura de vãos, assim como as

sombras potenciais pelos recortes da volumetria (213). No interior é visível

uma dualidade cromática entre superfícies pintadas de branco e a cor

castanha da madeira e do tijolo que, aparentemente, servem de tema à

individualização dos planos criando alguma complexidade (214.215). A Casa na

Serra da Arrábida terá intrínseca uma ideia cromática para o exterior que

afirma a unidade volumétrica; já no que se refere à caracterização do espaço

interior procura potenciar a fragmentação dos planos.

No mesmo ano projecta a Casa em Cascais e retoma a uma solução cromática

que tende a diferenciar os planos. Neste sentido, o projecto assemelha-se a

uma caixa que é materializada em betão e, apenas os topos são diferenciados,

sendo um totalmente permeável - em vidro e o outro encerrado - revestido a

azulejo amarelo (216.217). A ideia cromática que caracteriza o espaço interior

passa por uma duplicação da cor/tratamento exterior de cada superfície para o

plano interior adjacente (218). Em 1996 projecta a Casa 2 na Maia, e propõe

uma nova solução cromática, que compatibiliza no mesmo plano superfícies

de mármore (branco com veios cinzentos) complanares com reboco pintado

de cinzento (219). A ideia que caracteriza o exterior do objecto arquitectónico

vive desta dualidade, entre cor própria e a cor aplicada, que terá a capacidade

de definir e distinguir diferentes partes da parede, e ainda a de viabilizar

pontuais continuidades ao prolongar o mesmo material/cor dos espaços

exteriores até ao interior. No que refere ao tratamento cromático do espaço

interior, é maioritariamente caracterizado por superfícies brancas, com

excepção do pavimento em madeira. Da mesma forma original que foi

utilizada a mármore nas paredes exteriores, esta foi pontualmente usada nos

planos interiores, isolando-os, destacando-os ou ainda prolongando-os até ao

exterior (220). No ano seguinte, num contexto relativamente próximo ao que

foi implantada a Casa 2 na Maia, o arquitecto Eduardo Souto de Moura

projecta o Edifício de Habitação Colectiva que, relativamente ao anterior terá

optado por uma ideia cromática distinta, ao estender a cor metalizada a todas

as faces caracterizando o prisma arquitectónico de modo uniforme. Neste

projecto é retomada a teoria cromática proposta no Edifício de Apartamentos

da Rua do Teatro: a estrutura metálica e as venezianas são os únicos

elementos que dão cor a todo o volume (221).

No projecto para a Casa do Cinema Manoel de Oliveira de 1998, o arquitecto

Souto de Moura terá optado por revestir com um material metálico o piso

inferior, e eleito a cor aplicada cinzenta para a caracterização do piso

105

213.Eduardo Souto de Moura, Casa na Serra da Arrábida, Setúbal (1994-2002). (Souto Moura, 2009)

214.215.Eduardo Souto de Moura, Casa na Serra da Arrábida, Setúbal (1994-2002). (Souto Moura, 2009)

216.217.Eduardo Souto de Moura, Casa em Cascais (1994-2002). (Souto Moura, 2009)

218.Interior da Casa em Cascais (1994-2002). (Souto Moura, 2004)

Page 118: A cor na arquitectura

superior. Esta ideia cromática explora a fragmentação do projecto, através da

sua divisão por estratos, procurando enfatizar/diferenciar o piso térreo,

relativamente ao superior, o qual se abre através dos janelões que se assumem

como tema central do projecto (222). A experimentação que acompanha cada

um dos seus projectos, está uma vez mais implícita aqui, a mais “comum”

fragmentação dos planos proposta por si dá lugar a uma fragmentação por

extractos que é enfatizada pela diferenciação de cores/materiais.

Quando o arquitecto Siza Vieira fala sobre a natureza da obra de Souto de

Moura, diz que essa “deve muito à complexidade e singularidade da sua

materialização: granito do Norte, tijolo de fabrico artesanal do Sul, perfis de

aço inoxidável importados, betão descofrado de cores inesperadas, madeira

africana intensamente vermelha, equipamentos de iluminação e de

condicionamento de ar distribuídos sem preconceito, estuques com a

execução primorosa dos homens do Alto Minho. Ninguém mais vejo querer e

poder utilizar, em área tão limitada, uma tão vasta gama de materiais, cores,

texturas; multiplicam-se as juntas - momentos de transformação do

desenho”.143 De projecto para projecto o arquitecto recupera materiais, ideias,

introduz outras, considera a utilização de novos sistemas construtivos e

subverte e alterna constantemente os elementos que constituem a sua trilogia

projectual. Na verdade, não são apenas os materiais que se renovam, o

próprio sistema construtivo adoptado não é constante, ambos os aspectos

contribuem para alterações pontuais ao nível da linguagem. A partir da

experimentação/variação desses elementos resultam as mais diversas

soluções cromáticas. Se num projecto o arquitecto Eduardo Souto de Moura

privilegia o Lugar, ou procura o enraizamento do objecto arquitectónico com

este, “captando” na sua própria natureza possíveis cores/materiais, noutros

projectos é o próprio sistema construtivo quem “estipula” a caracterização

cromática - autonomizando-a - e, ainda noutros casos, a ideia adjacente à

utilização da cor é ainda mais autónoma, estabelecendo unicamente uma

relação estrita com a forma do objecto arquitectónico.

Na última década o arquitecto Eduardo Souto de Moura terá tido a

oportunidade de projectar para além das casas que constituem a generalidade

das suas obras, diversos equipamentos, dos quais se destaca o Estádio

Municipal de Braga. Para a materialização deste complexo equipamento o

Arquitecto terá optado pelo betão, deixando-o integralmente aparente (223).

Esta escolha fez com que o objecto arquitectónico obtivesse genericamente a

cor cinzenta que, por seu lado, aparenta estabelecer uma relação de

106

143 Siza [1989], 2009: 69

219.Eduardo Souto de Moura, Casa 2 na Maia (1996-2007). (Souto Moura, 2009)

220.Interior da Casa 2 na Maia (1996-2007). (Souto Moura, 2009)

221.Eduardo Souto de Moura, Edifício de Habitação Colectiva, Maia (1997-2001). (Souto Moura, 2009)

222.Eduardo Souto de Moura, Casa do Cinema Manoel de Oliveira, Porto (1998-2003). (Souto Moura, 2009)

Page 119: A cor na arquitectura

“possível” continuidade com a proximidade da pedreira existente no lugar.

Por outro lado, a unidade cromática proposta contribui para enfatizar da

expressão formal e estrutural que constitui ambas as bancadas.

Em 2002 o arquitecto Eduardo Souto de Moura terá projectado o Museu do

Centro de Arte Contemporânea de Bragança e, uma vez mais, retomado a

solução totalmente homogénea, optando pelo reboco pintado de branco.

Segundo o próprio, esta opção é descrita enquanto solução económica - “o

reboco e [o] pintar é a chamada construção social”.144 Contudo, o Arquitecto

terá levado este tipo de solução ao extremo, ao caracterizar todo o

paralelepípedo encerrado de branco (224). A caracterização homogénea para

além de unificar todo o objecto arquitectónico, reforça a imagem da massa

que é sugerida por este volume horizontal assente numa superfície também

esta branca. O facto do plano que serve de apoio à grande caixa se encontrar

recuado, faz com que este se encontre numa zona permanentemente em

sombra e, deste modo seja “acentuada” a ideia de “flutuação” que caracteriza

o grande volume. Se olharmos para a ideia que constituí esta proposta,

apercebemo-nos que a “elementaridade” da forma é acompanhada pela cor.

À forma paralelepipédica pura faz corresponder a cor “mais usual” - o branco

- ambas terão contribuído para a acentuação e a afirmação de um possível

projecto essencial, “o grau zero” da arquitectura. A caracterização interior

assemelha-se à do exterior, visto também ter sido pretendido prolongar ao

interior edificado a ideia de um espaço unitário. Deste modo, foi também

escolhido o branco para caracterizar a generalidade dos espaços interiores

(225). No entanto, a solução cromática destes espaço poderá facilmente estar

também comprometida com aspectos funcionais e de iluminação do próprio

programa/museu.

Em 2004, o arquitecto Eduardo Souto de Moura projectou o Edifício de

Comércio e Escritórios da Boavista, onde optou por uma solução formal/

cromática que partilha aspectos comuns com a abordagem utilizada na Casa

do Cinema Manoel de Oliveira. Ambos os projectos fazem uma distinção

cromática dos diferentes pisos que compõem o objecto arquitectónico.

Enquanto na Casa do Cinema o primeiro extracto é metalizado e o superior é

cinzento-escuro, neste edifício o extracto inferior é cinzento-escuro e o

superior é branco. Em relação ao interior, apenas é identificável uma inversão

de contrastes cromáticos, visto que a ideia formal que constitui o Edifício de

Escritórios e Comércio procura afirmar a presença das caixas que definem o

piso superior (226). Neste sentido, o arquitecto opta por caracterizar todo o

107

144 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 47

223.Eduardo Souto de Moura, Estádio Municipal de Braga (2000-2003). (Souto Moura, 2009)

224.Eduardo Souto de Moura, Museu do Centro d e A r t e C o n t e m p o r â n e a d e B r a g a n ç a (2002-2008). (Souto Moura, 2008)

225.Interior do Museu do Centro de Arte Contemporânea Bragança (2002-2008). (Souto Moura, 2008)

226.Eduardo Souto de Moura, Edifício de Comércio e Escritórios, Boavista (2004-2007). (Souto Moura, 2008)

Page 120: A cor na arquitectura

perímetro do piso térreo com a cor - cinzento-escuro - que acaba por se fundir

com as sombras produzidas pelo avanço dos volumes superiores brancos,

destacando-os.

Embora a caracterização formal e cromática da generalidade das obras do

arquitecto Eduardo Souto de Moura revelem um elevado grau de

experimentalismo, de acordo com os anteriores projectos é notório que estes

tendam a tornar-se cada vez mais volumétricos e a adoptarem uma

caracterização homogénea. Este aspecto poderá ter alguma relação com o

aumento de escala dos edifícios, assim como com a complexidade dos

diferentes programas que caracterizam os seus equipamentos. Um outro

projecto que poderá incluir-se nesta abordagem, é o Museu Paula Rego de

2005. Apesar deste projecto se constituir formalmente por uma massa

recortada que aparentemente resulta da adição de diferentes volumes, a

caracterização cromática não faz essa distinção. A cor uniforme - vermelha -

que resulta da junção deste pigmento ao betão, contribuí para a “união” dos

sólidos que constituem o conjunto (227). Respectivamente à caracterização

cromática do espaço interior, esta não é muito diferente da que foi utilizada

no edifício com o mesmo programa (Museu do Centro de Arte

Contemporânea de Bragança). Face a este, apenas foi proposto um aumento

do contraste da cor do pavimento - preto - com as restantes superfícies que

são brancas (228). Em 2006, o arquitecto Eduardo Souto de Moura projectou a

Casa do “Bom Jesus” 2, na qual foi aplicado o mesmo sentido formal e

cromático ao projecto, optando por o materializar em betão aparente, como o

já teria feito anteriormente no Estado do Braga. Uma vez mais, a proposta

formal é volumétrica e constitui-se por um conjunto de volumes sobrepostos

e escalonados, que adquirem o mesmo valor cromático - a cor cinzenta -

própria do betão (229). A leitura cromática unitária é apenas animada pela

variação de direcções da textura da cofragem, e essencialmente pela variação

e acentuação da profundidade dos vãos. No que refere à caracterização

interior, esta é de igual modo unitária, usando como cor preferencial o branco

(230). Contudo, a homogeneidade que caracteriza o espaço interior convive

pontualmente com superficies em betão aparente (cinzentas), que

aparentemente propõem estender/ligar o espaço interior ao exterior (231). De

um modo geral, todos os projectos do arquitecto Eduardo Souto de Moura

são pautados pela experimentação que o(s) caracteriza(m). A constante

renovação, quer dos materiais quer dos sistemas construtivos ou da

linguagem resulta em diferentes soluções cromáticas. As suas ideias formais,

assim como as das suas propostas cromáticas, podem fundamentar-se com

aparente facilidade em aspectos mais academizados - como a importância do

Lugar ou mesmo da História - mas também em muitas outras sugestões

108

227.Eduardo Souto de Moura, Museu Paula Rego (Casa das Histórias), Cascais (2005-2007). (Souto Moura, 2009)

228.Interior do Museu Paula Rego (Casa das Histórias), Cascais (2005-2007). (Souto Moura, 2009)

229.Eduardo Souto de Moura, Casa “Bom Jesus” 2, Braga (2006-2007). (Souto Moura, 2008)

230.231.Interior da Casa “Bom Jesus” 2, Braga (2006-2007). (Souto Moura, 2009)

Page 121: A cor na arquitectura

externas e autónomas, referenciadas noutras realidades que vão para além do

universo da arquitectura.

109

Page 122: A cor na arquitectura

110

Page 123: A cor na arquitectura

CONCLUSÃO

Quando se iniciou a minha formação na FAUP, o meu desconhecimento da

Arquitectura levava-me a olhar para os projectos com pouca clareza e

profundidade. Raras eram as vezes que dava conta da cor dos edifícios, já que

havia sempre outros aspectos que sobressaíam, ao ponto de me impressionar,

como era o caso da forma. Com a contínua aprendizagem e consequente

aquisição de conhecimento comecei a sentir-me desperto para outras

especificidades, tais como o espaço, a luz, a materialidade e o modo como

estas se relacionavam com o que inicialmente me havia despertado a atenção.

Contudo, ao longo deste percurso sequencial a cor permanecia como um

“tabu”.

A par de outros alunos, acreditava que os projectos associados à “Escola”

eram genericamente brancos; lidava confortavelmente com essa ideia, visto

alguns dos projectos mais representativos da arquitectura internacional do

século XX serem brancos, nomeadamente o Museu Gugenheim de Frank

Lloyd Wright, a Casa Farnsworth de Mies Van der Rohe ou a Ville Savoye de

Le Corbusier. A falta de sentido crítico levava-me a acreditar que o branco

era “a solução”. Nesse sentido, confiava e partilhava da conotação fácil, se

associar à arquitectura que representa a “Escola do Porto” um domínio

exclusivo do branco. Durante esse período, os meus projectos

caracterizavam-se por um desacerto em relação ao real, que se manifestava

na forma superficial e limitada como utilizava os instrumentos de Projecto (o

Desenho e a Maqueta), assim como das referências que se prestam a auxiliá-

lo (o Lugar e a História), acabando posteriormente por reflectir-se em

limitadas soluções cromáticas.

Apenas no quinto ano do curso de arquitectura, durante o período em que

estudei na Escola Técnica Superior d'Arquitectura de Barcelona, comecei a

tomar consciência da cor enquanto qualidade da arquitectura, e

consequentemente, comecei a interessar-me por compreender e desvendar o

“tabu”. A partir desse momento/experiência, passei a olhar para a

arquitectura integralmente, com toda a sua complexidade e a aperceber-me da

sua cor, o que me levou a questionar sobre a(s) sua(s) significância e (ou)

possibilidades. No entanto, agora, apercebo-me que este despertar de

consciência não se deveu apenas às novas condições (ter estudado numa

outra escola e vivido noutra cidade), mas essencialmente ao saber acumulado

durante os anos formativos, que me terão permitido aprofundar/desenvolver

um novo “interesse”: a cor enquanto qualidade da arquitectura.

111

Page 124: A cor na arquitectura

Contudo, foi apenas a partir da reflexão que acompanhou o presente trabalho,

em particular, através da análise da obra dos autores em estudo, que se tornou

possível um melhor entendimento da importância da cor. Apercebi-me de

como esta pode ser potenciada e potenciar as ideias e os projecto, conforme

foi possível verificar, através das soluções cromáticas próprias do universo

profissional (aqui representado pelos arquitectos Fernando Távora, Álvaro

Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura). Apesar de estas não aparentarem

resultar do Desenho, são geralmente potenciadas pela especificidade de cada

Lugar e pela História (enquanto campo de referências para possíveis

sugestões - conceptuais, construtivas e materiais). Através de projectos destes

autores, constatei que as abordagens cromáticas propostas são extremamente

optimistas, procurando geralmente estabelecer relações que vão para além da

cor-forma, como por exemplo cor-lugar-história-tradição-memória-cultura-

função-tempo, tornando possível uma diversidade de soluções. Neste sentido,

verificou-se que a consciência cromática destes arquitectos os leva, não só a

acentuar aspectos formais, mas também a estabelecer diálogos/relações com

aspectos “externos” ao objecto arquitectónico, mantendo um elevado sentido

de apropriação da solução cromática. Normalmente, as soluções cromáticas

adoptadas por estes arquitectos prestam-se a propósitos associados a uma (ou

mais) ideia(s) de projecto, às quais acresce a intenção de aligeirar alguma

carga subjectiva própria do uso da cor. Como é visível a uma escala mais

ampla, pela integração ou destaque cromático do objecto arquitectónico no

seu contexto (físico, social e temporal), assim como pela unificação ou

fragmentação do mesmo, e a uma escala mais aproximada, prestando-se à

individualização dos elementos arquitectónicos que compõem o objecto e

ainda à acentuação de uma ideia ou organização espacial (contínua ou

descontínua)."

Através da análise de projectos realizados por estes arquitectos, tornou-se

possível refutar as mais fáceis conotações cromáticas associadas à “Escola do

Porto”, visto que as soluções cromáticas adoptadas são bastante

diversificadas.

O presente trabalho contribuiu não só para a aquisição de novos saberes (em

particular, que a cor na arquitectura não deve ser entendida com indiferença

nem isoladamente), assim como para o desenvolvimento de um olhar crítico

que me permite, hoje, aperceber que a minha cidade (o Porto), não é menos

colorida que a de Barcelona, sendo que eu, apenas por não me encontrar

desperto para a cor, era incapaz de o sentir.

112

Page 125: A cor na arquitectura

No que refere à sua importância no universo académico, penso ser relevante

que a actividade profissional (arquitectura) exercida paralelamente pelos

docentes, se projecte “assumidamente” para o interior da pedagogia,

alertando, enquanto exemplo, para as possibilidades do uso da cor, de modo a

serem partilhadas as linhas de pensamento e os critérios que apoiam as suas

decisões cromáticas, assumindo a subjectividade (ou arbitrariedade) dos

mesmos, de maneira a que os alunos os compreendam integralmente.

“A relação entre a teoria e a prática para o professor (de fora para dentro) e

entre a prática e a teoria para o aluno (de dentro para fora). O que quer dizer

que, à partida, quem ensina observa o campo e quem aprende é observado no

campo, embora, nos desenvolvimentos do processo pedagógico/didáctico,

todos as posições possam ser ocupadas por ambos”.145

Talvez, através destes testemunhos, fosse possível alertar e incentivar o aluno

para as valências da cor, de modo a que estes as passem a considerar e a

incorporar conscientemente nos seus projectos, com o propósito de

fundamentar ou acentuar as mais diversas ideias projectuais.

É ainda importante relembrar que a formação dos arquitectos não termina no

que se aprende na Escola; esta presta-se à transmissão de noções básicas no

sentido de dar autonomia ao estudante para que, futuramente, possa alcançar

a maturação. Neste sentido, cabe ao aluno, através das bases adquiridas e da

sua inquietação, aprofundar os mais diversos temas, nomeadamente o da cor

na arquitectura. Só através do estudo, pensamento e discussão deste tema,

será possível dominá-lo e aligeirar a sua carga subjectiva.

113

145 Vieira, 2005: 18

Page 126: A cor na arquitectura

114

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