A cor na arquitectura
-
Upload
juliano-silva -
Category
Documents
-
view
217 -
download
0
description
Transcript of A cor na arquitectura
A COR NA ARQUITECTURA NA “ESCOLA DO PORTO”
Juliano Silva
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO FAUP | 2011
MESTRADO INTEGRADO EM ARQUITECTURA | Juliano Miguel Oliveira da Silva
Docente orientador: Arquitecto Manuel Graça Dias
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto | 2011
RESUMO
O interesse pelo tema - cor na arquitectura - resulta da falta de exploração e
consequente desconhecimento das potencialidades da cor, enquanto matéria,
ao longo da minha experiência académica. Este reconhecimento motivou a
que o presente estudo se inscrevesse no contexto - “Escola do Porto” -
conduzindo a uma dupla reflexão enquanto matéria transversal, quer ao
âmbito académico quer ao profissional.
Deste modo, a primeira parte do trabalho centra-se na preponderância da cor
no universo académico, no sentido de procurar compreender a origem das
(não)soluções cromáticas e os (não)critérios inseridos na “Escola do Porto”.
Para tal, é dada especial atenção aos princípios pedagógicos, que a priori
terão maior influência na elaboração projectual, nomeadamente o Desenho, a
História (referências) e o Lugar.
Para que esta reflexão não seja um caso isolado é, de igual modo, feita uma
abordagem ao estudo da cor associada ao método da Escola Bauhaus com o
objectivo de procurar um entendimento sobre as diferentes induções
cromáticas. Neste sentido, dá-se particular destaque à visão partilhada pelos
Artistas, Arquitectos e à resultante da Cooperação entre ambas.
O alargamento do estudo da cor à “Escola Alemã” tem como principal
propósito suscitar possíveis confrontações sobre a importância da cor,
comparativamente à metodologia da “Escola do Porto” (atendendo ao factor
da evolução temporal).
A segunda parte do trabalho centra-se na preponderância da cor no universo
profissional e, apoia-se nos projectos realizados por três gerações de
arquitectos (de referência da “Escola do Porto”), Fernando Távora, Álvaro
Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura enquanto “objecto de estudo”.
À semelhança da organização da primeira parte do trabalho, é igualmente
proposto que as soluções cromáticas inerentes ao património arquitectónico
da “Escola do Porto” sejam relacionadas com as mais distintas abordagens
cromáticas propostas pelo Movimento Moderno, nomeadamente as
Monocromáticas, as Naturalistas e as Policromáticas.
O cruzamento das soluções cromáticas propostas, quer pelos três arquitectos
da “Escola do Porto” quer pelos mais notáveis arquitectos Modernistas, tem
III
como objectivo determinar usos análogos referentes a ambas. Por seu lado, as
afinidades reconhecidas através desse cruzamento, têm como principal
objectivo contribuir para um melhor entendimento das possíveis e mais
variadas soluções cromáticas.
Numa fase conclusiva, a pesquisa encerra-se com a reflexão entre as soluções
que resultam de cada um dos universos (académico e profissional) e, com as
consequentes ilações que daí provêm.
IV
ABSTRACT
The interest in the theme - color in arquitectura - is the result of lack of
exploitation and consequent knowledge of potential of color, while matter,
throughout my academic experience. This recognition led to the present study
in the context - "Escola do Porto " - leading to a double reflection as cross-
cutting issue, both at academic and professional field.
Thus, the first part of the work focuses on the preponderance of color in
academic universe, to try to understand the origin of (non)chromatic
solutions and (not)criteria entered in the "Escola do Porto". To this end,
particular attention is paid to pedagogical principles, which a priori will have
greater influence in shaping planning, in particular Drawing, History
(references) and Place.
So that this reflection is not an isolated case is likewise made an approach to
the study of color associated with the Bauhaus school method in order to seek
an understand the different chromatic mischaracterizations. In this sense,
there is particular emphasis to the vision shared by Artists, Architects and the
resulting from the Cooperation between both.
Extending the study of color to "German school" has as main purpose as to
raise possibles confrontations about the importance of color, compared to the
methodology of "Escola do Porto" (given the temporal factor of evolution).
The second part of the work focuses on the preponderance of professional
color in the universe and, based on projects carried out by three generations
of Architects (reference "Escola do Porto"), Fernando Távora, Álvaro Siza
Vieira and Eduardo Souto de Moura while "object of study".
Like the organization of the first part of the work, it is also proposed that the
chromatic solutions inherent architectural heritage of "Escola do Porto" are
related to the most distinguished chromatic approaches proposed by the
modern movement, including Monochrome, Naturalists and Polychromatic.
The intersection of chromatic solutions proposed, either by three architects of
the "Escola do Porto" either by the most notable architects Modernist, aims to
determine similar uses for both. For its part, the affinities are recognized
through this intersection, have as their main objective to contribute to a better
understanding of the possible and most varied chromatic solutions.
V
In a conclusive stage, the survey closes with the reflection among the
solutions resulting from each of the universes (academic and professional)
and, with the consequent lessons that comes.
VI
INTRODUÇÃO
Nesta última etapa do meu percurso académico, que se prende com a
elaboração da presente dissertação de Mestrado em Arquitectura, pretendo
realizar uma reflexão sobre a importância da aplicação da cor na arquitectura
inserida no universo da “Escola do Porto”.1 Este interesse deve-se subretudo
ao facto de ter desconsiderado e descurado a aplicação da cor nos trabalhos
práticos por mim realizados ao longo do curso de arquitectura. Esta
autocrítica evidencia-se em certos aspectos, tais como a consciência de que,
por vezes, as minhas respostas cromáticas se apoiavam num facilitismo, em
alguns casos elegendo “gratuitamente” materiais em voga, aplicando-os sem
o propósito de acrescentar aos objectos qualidades consequentes da sua cor
própria; noutros casos, fui levado por “contágio” ou por meio da
“formatação”, ao uso do “branco”; e no extremo, resultando de uma atitude
defensiva, houve casos de um desconsiderar total do uso da cor.
Um facto que contribui determinantemente para a obtenção desta consciência
(levando-me posteriormente ao actual interesse pelo tema cor), prende-se
com a experiência de ter estudado ao longo de um ano na Escola Técnica
Superior d'Arquitectura de Barcelona, bem como a consequente vivência da
cidade. O contacto com uma nova "Escola", propiciou uma nova
aprendizagem de caracter académico, através do contacto com professores e
estudantes de outras origens, que possibilitou presenciar diversas formas de
"fazer" arquitectura. Os diferentes métodos evidenciavam distintas
concepções (face à minha anterior aprendizagem), caracterizadas por
interpretações "extremamente liberais" do local, do programa e da
materialização do desenho e das maquetes, resultando em distintas
linguagens arquitectónicas que punham em evidência aspectos por mim não
explorados (nos quais a cor se inclui). O novo contexto pedagógico acabou
por possibilitar um alargamento de horizontes, no sentido de me encaminhar
para o interesse particular da cor aliada à arquitectura. O diversificado
contexto da cidade (Barcelona) propiciou, juntamente com a minha
predisposição para a experienciar, o desejo de interiorização da sua imagem
tão sugestiva captando “todos” os aspectos que dela fazem parte. Vivência
que acabou por assumir um papel de igual importância na indução do
interesse pela cor, e o seu sentido aplicado à arquitectura, de modo, a que
VII
1 “A Escola do Porto enquanto referência de um modo de fazer, a que está associado um modo de pensar poucas vezes exposto, é o epicentro da cultura arquitectónica das últimas quatro décadas do século XX português”. Figueira, 2002: 17
num futuro (no âmbito profissional) possa tirar partido integral e consciente
deste "elemento" arquitectónico.
Face a esta reflexão, levanta-se a questão: como foi possível passar cinco
anos, enquanto estudante de arquitectura, desprezando a questão da cor?
Aparentemente a resposta pode parecer simples; se estratificarmos por
prioridades sequenciais qualquer concepção arquitectónica, denota-se que a
cor não constitui um elemento preponderante na sua materialização, como, é
o caso da forma, do programa ou do lugar. O presente entendimento acaba
indirectamente por explicar que a cor seja “secundarizada” nos critérios de
ensino da arquitectura na FAUP. Porém, a sua importância não é omitida: o
uso da cor é desde cedo estimulado no âmbito da disciplina de Desenho, ou
inclusive, no acompanhamento de Projecto, ao ser conferido especial
destaque à importância da luz, ou mesmo, quando nos são sugeridas algumas
referências arquitectónicas (casos de estudo), alertando-nos para a
importância da materialidade epidérmica na caracterização espacial.
Apesar dos incentivos de indução ao uso da cor, por parte dos docentes, os
alunos revelam uma acrescida dificuldade no seu uso, o que torna estes
estímulos pouco consequentes. As dificuldades tornam-se visíveis no desenho
(normalmente linear), ao não ambicionarem mais do que a exploração e
procura formal, raras são as vezes que servem para "testar" (por meio de
manchas), o claro e o escuro, ensaiando os efeitos da luz sobre as formas.
Aparentemente tratam-se de desenhos que auxiliam a procura de ideias
“incolores”. Outra repercussão similar parece resultar do uso quase exclusivo
das maquetes brancas, usadas de um modo objectual/abstracto ao servir como
auxilio “restrito” na procura da forma. A abstracção inerente à cor, própria
dos materiais de execução das maquetes, passa a ser assumido como algo
concreto (o branco do cartão transporta-nos ao branco do reboco e/ou do
betão). Ainda neste sentido pode ser salientada a importância do lugar na
condução de uma proposta projectual académica; no entanto, as
potencialidades intrínsecas ao lugar nem sempre são apreendidas na sua
totalidade pelos alunos que normalmente referenciam ao lugar alinhamentos,
cérceas, métricas, ritmos, direcções e relações visuais. Embora, o lugar
também tenha cor, esta quase nunca é tida como referência.
As aparentes "limitações" cromáticas sugerem uma dupla leitura do
fenómeno da cor: por um lado, parece tratar-se de uma matéria demasiado
complexa para ser instruída e explorada integralmente no Projecto (devido à
sua subjectividade), por outro, por se considerar pouco significante para a
definição do projecto académico.
VIII
Numa tentativa de demonstrar um sentido contrário às soluções resultantes
do âmbito académico, irá ser dado especial e particular atenção ao uso da cor
em algumas obras representativas da “Escola do Porto”, pertencentes a três
distintas gerações de Arquitectos: Fernando Távora, Álvaro Siza Vieira e
Eduardo Souto de Moura. Essa observação terá o propósito de “averiguar” as
distintas motivações e lógicas do uso da cor, de modo a dar a conhecer os
mais variados leques de abordagens marcados por uma “racionalidade” no
manuseamento de uma matéria tão subjectiva.
A principal questão à qual a presente reflexão pretende responder prende-se
com a constatação das limitadas soluções cromáticas sugeridas nos trabalhos
académicos pelos alunos da FAUP (ao longo da sua formação), anunciando
um grande desconhecimento ao nível do domínio e dos critérios de uso da
matéria em causa; no entanto, o mesmo, não é evidenciável nas soluções
propostas nas obras arquitectónicas (resultantes da prática profissional). O
desfasamento, que é aqui verificado, resulta da constatação de distintos
resultados ao nível da caracterização cromática, referentes a distintos
universos (âmbito académico e experiência profissional). É pretendido apurar
quais as razões que motivam esta discrepância e tentar compreender a que se
deve a maturação do uso da cor no âmbito profissional.
Por fim, é pretendido com o presente trabalho superar os desconhecimentos
ao nível do âmbito da cor, ao qual acresce a ambição de “anticipar” a
maturação anunciada nas soluções cromáticas inerentes às obra dos
arquitectos em estudo, com o objectivo de obter uma consciência das
valências e potencialidades do uso da cor, de modo a servirem de base num
futuro profissional. É também, intenção desta dissertação, lançar pistas à
reflexão, com o desejo de despertar e suscitar a curiosidade pelo tema da cor,
em particular por parte de outros alunos da “Escola do Porto”.
IX
X
SUMÁRIO
I! ESQUEMA DE SÍNTESE [Contexto | Temática]
III! RESUMO [Abstract]
VII! INTRODUÇÃO [Objectivo | Metodologia]
X! SUMÁRIO
1! A ORIGEM DA “ESCOLA DO PORTO”! - Carlos Ramos e os jovens arquitectos | Reforma de 57 | SAAL | Bases Gerais -
7! A COR NO UNIVERSO ACADÉMICO
9! A cor nos princípios pedagógicos ! - O domínio da “não-cor” -
13 No Desenho
! - Desenho analógico | Maqueta | Desenho digital -
21! No Lugar
! - Cor natural | Construída - Fotografia -
25! Na História
! - Referências - Construtivas | Cromáticas | Programáticas -
29! O método Bauhaus! - A fusão artística/arquitectónica - Walter Gropius -
31! A visão plástica
! - Curso Básico | Curso Formal -
35! A visão arquitectónica
! - Walter Gropius | Mies Van Der Rohe -
41! O resultado da Cooperação
! - Bauhaus de Dessau | Casa dos Professores - Síntese plástica/arquitectónica -
45! O branco “Escola do Porto” e o cromatismo Bauhaus! - Estímulo - Princípios pedagógicos | Abstracção - Síntese plástica/arquitectónica -
51! A COR NO UNIVERSO PROFISSIONAL
53! As distintas abordagens do Movimento Moderno! - Monocromatismo | Naturalismo | Policromatismo - três abordagens cromáticas -
55! O monocromatismo
! - O domínio do Branco - Purista -
59! O naturalismo
! - A cor própria - Organista -
63! O policromatismo
! - A importância da cor - Expressionista | Brutalista -
69! A cor no património arquitectónico! - Naturalista | Homogenista | Experimentalista - três “talentos (in)comunicantes” -
71! A proposta “naturalista” de Fernando Távora
! - História | Memória | Tradição - materiais e instrumentos de criação e enraizamento -
XI
83! A proposta homogenista de Álvaro Siza Vieira ! - Unidades Plásticas - resultantes de diferentes metamorfoses -
97! A proposta “heterogeneidade” de Eduardo Souto Moura! - Sistema Construtivo | Material | Linguagem - triologia -
111! CONCLUSÃO
115! BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA
117! Bibliografia referente à fonte das imagens
XII
A ORIGEM DA “ESCOLA DO PORTO”- Carlos Ramos e os jovens arquitectos | Reforma de 57 | SAAL | Bases Gerais -
“[Entenda-se] a “Escola do Porto” enquanto referência de um modo de fazer, a
que está associado um modo de pensar poucas vezes exposto, é o epicentro da
cultura arquitectónica das últimas quatro décadas do século XX português”.1
Ainda anteriormente à origem do “epicentro arquitectónico” referido pelo
arquitecto Jorge Figueira, a “Escola” contaria com a presença do arquitecto
de formado em Paris Marques da Silva (1892-1969) para seu director (desde
1913). O facto de ser um homem visionário (para o seu tempo), propiciou
algumas condições de “expansão” à que viria a ser reconhecida como “Escola
do Porto”, ao auxilia-la na obtenção de uma directriz própria; apesar de
seguir os cânones das Beaux-Arts, Marques da Silva defendia que “a
linguagem é de cada um”.2
Durante a direcção de Marques da Silva, mais especificamente a partir da
década de quarenta, o arquitecto lisboeta Carlos Ramos (1892-1969)
integrava o corpo docente da “Escola”, e aprofundava uma “didáctica” que
viria a ganhar uma preponderância relevante, ao ponto de em 1952 assumir a
direcção da Escola, facto que a encaminharia no sentido de um
aprofundamento e alargamento cultural.
“Todos sabemos da Escola do Mestre Ramos que institucionalizou um debate
arquitectónico em plataforma [contribuiu para a construção de] consensos
metodológicos que sempre admitiram a diferença das expressões
individuais”.3
Um pouco à semelhança de Marques da Silva, Carlos Ramos defendia a
individualidade. Em 1950, Ramos propõe e conta com a agregação e auxílio
de jovens arquitectos na procura de identidade da “Escola”, nos quais se
inclui o nome de Agostinho Ricca (1915-2010), João Andresen (1920-1967),
Mário Bonito (1921-1976), José Carlos Loureiro (1925-) e posteriormente
Octávio Filgueiras (1922-1996), Fernando Távora (1923-2005) e Arnaldo
Araújo (1925-1982). Os jovens arquitectos eram membros da ODAM -
Organização dos Arquitectos Modernos, formada em 1947, que tinha como
principal objectivo, “o aprofundamento colectivo das propostas Modernistas
em oposição à arquitectura de regime”.4 Em 1951 alguns dos membros desta
organização participariam no CIAM - Congresso Internacional da
1
1 Figueira, 2002: 17 2 Idem: 273 Alves Costa [1980], 2007: 2484 Figueira, 2002: 30
Arquitectura Moderna, em Hoddesdon. Ao longo da mesma década foi
estabelecido um contacto contínuo e directo que, permitia a posteriori passar
sinais da cultura arquitectónica internacional para o seio da “Escola do
Porto”. A par da fundação da ODAM (em 1947), o arquitecto Fernando
Távora escreve o manifesto O Problema da Casa Portuguesa (1947), que irá
servir para despertar as consciência para a importância das lições
arquitectónicas intrínsecas à construção popular.
“Desde o escrito de 1947 sobre O Problema da Casa Portuguesa que o
problema do enraizamento, do carácter, da continuidade surge como
preocupação básica do seu autor [procurando responder] à falsidade
demagógica do “estilo português”, exaltação da condição de ser moderno para
poder ser validamente português, deixando implícita a conclusão otimista de
que a aplicação qualificada dos princípios do movimento moderno (na linha
do CIAM) permitiria a síntese desejada”.5
O arquitecto Jorge Figueira reconhece que a receptividade às lições do
Moderno, paralelamente à atenção dada à arquitectura tradicional portuguesa
(sugerida por Távora) seriam duas vias que viriam a erguer a “Escola do
Porto”.6
Ambos os aspectos denunciavam a visão aberta e reformista que
caracterizava o núcleo de jovens arquitectos. Com o ingresso dos promissores
docentes na “Escola”, rapidamente foi notória a intransigência destes face aos
tradicionalismos académicos próprios de um regime fascista (Estado Novo),
o que os levaria a questionar “a insuficiência e a desactualização do ensino
ministrado nas Escolas de Belas Artes Portuguesas”.7
O director Carlos Ramos juntamente com os restantes “ambiciosos” docentes
teriam “desenhado” um percurso ao, “institucionalizar o debate
arquitectónico em plataforma [...] construindo consensos metodológicos que
sempre admitiram a diferença das expressões individuais”8, percurso ao qual
o arquitecto Fernando Távora viria a dar continuidade, aprofundando-o.
O pensamento anunciado no início do século XX, por Marques da Silva, a
linguagem é de cada um, continuado mais tarde por Carlos Ramos ao aceitar
a diferença das expressões individuais, podem estar por detrás da defesa do
arquitecto Távora ao afirmar que, “a individualidade não desaparece como o
fumo e se a possuímos nada perderemos em estudar a Arquitectura
2
5 Portas [1960], 2005: 1276 Figueira, 2002: 457 Mário Bonito, 1948 cit. Figueira, 2002: 298 Alves Costa [1980], 2007: 248
estrangeira, caso contrário será inútil a pretensão de falar em Arquitectura
portuguesa”.9
O manifesto escrito por Fernando Távora em 1947, viria em 1955, a estar na
base da elaboração do importante inquérito à arquitectura popular
portuguesa, publicado em 1961 com o nome Arquitectura Popular em
Portugal. Inicia-se um processo composto por diversas equipas que se
distribuiriam pelo território português à procura de sinais que traduzissem ou
verificassem as várias identidades que caracterizavam a heterogeneidade da
arquitectura popular. A partir do inquérito passa a ser possível verificar-se
uma compatibilização entre a erudição Moderna e a espontaneidade da
arquitectura popular.
“O Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal [teve uma] larga profusão de
imagem e de desenhos de levantamento, marca um ponto de viragem [na
“Escola do Porto”] caracteriza o fluxo das ideias que se tornaram dominantes
durante a década entre os mais ilustres Arquitectos do Porto, os que realizaram
obra que faz Escola”.10
Para o arquitecto Domingos Tavares são as ideias destes “ilustres arquitectos”
que “realizavam obra” que estaria na base da construção construir a “Escola
do Porto”. A sua defesa partilha pontos comuns com a posição defendida pelo
arquitecto Jorge Figueira - o modo de fazer e de pensar que define um
“epicentro da cultura arquitectónica”; e também com a do arquitecto Alves
Costa - o grupo de arquitectos de referência capaz de definir um processo
pedagógico e institucionalizar a “Escola”.
“É evidente para todos que a designação Escola do Porto ou Arquitectura do
Porto se refere cada vez menos à [sua] produção corrente [...] e cada vez mais,
ou até exclusivamente, a um grupo de arquitectos que se referenciam à
existência de uma Escola, no sentido de plataforma colectiva com a
consciência, que nos últimos anos se sedimentou, que se deve aí investir [...]
com o desejo de transformar uma suposta inteligência comum do fenómeno da
arquitectura em um projecto pedagógico institucionalizado”.11
As pressões ocorridas por parte do novo núcleo docente iria conduzir a
“Escola” à tão desejada reforma. Contudo, a designada “Reforma de [19]57
vai levantar alguma frustração, ao ser dado um destaque mais institucional à
pedagogia praticada”12, com a aspiração de atribuir alguma equiparação do
ensino de arquitectura com o estatuto universitário. A consequente
3
9 Távora, 1947 cit. Figueira, 2002: 4310 Tavares [1980], 1984: 2211 Alves Costa [1987], 2007: 24012 Figueira, 2002: 30
correspondência acabaria por resultar num ensino de arquitectura mais
cientifico, mais técnico e menos artístico. Mas o novo corpo docente iria
fazer de tudo para criar as condições para um ensino de arquitectura
alternativo, apoiado numa prática, que espelhasse e “simulasse” as
experiências profissionais desenvolvidas nos ateliers (do qual resultaria o
modelo pedagógico Escola-Atelier) - “o ensino saía da abstracção”13.
“Da recusa da Reforma e [...] dos temas convencionais - vai nascer um
projecto alternativo de ensino que tem na autonomia disciplinar da
arquitectura e no reforço intimista da “escola-atelier”, dois vectores de
fundação da Escola do Porto”.14
Para o arquitecto Alexandre Alves Costa, a sua activa luta (enquanto
estudante e posteriormente como docente) conjunta com outros docentes
contra a Reforma de 1957, resultou na criação de novas plataformas
pedagógicas para o ensino da arquitectura, facto que contribui directamente
para a definição da chamada “Escola do Porto”.15 Para o arquitecto (da
mesma geração) Manuel Correia Fernandes é a partir da Reforma de 1957
que se passa “a abordar a problemática escolar em termos globais e a partir
de pressupostos completamente novos [assumindo-se decisivo para o] futuro
da Escola, justifica que sobre ele se [classificam] as grandes linhas de
orientação que passam a dinamizar o processo pedagógico até à proposta de
Março de 1977 [definição das Bases Gerais, que] acaba por reunir na sua
base um consenso muito amplo”.16
Ainda em 1969, a “Escola do Porto” terá passado por um importante
momento descrito, quer pelo arquitecto Manuel Correia Fernandes quer por
Domingos Tavares, como a crise estudantil. Terá sido um reflexo “tardio” das
tensões ideológicas entre jovens da crise de Maio de 68 de Paris. Através de
Correia Fernandes (1980), é possível perceber que, a partir desta altura a
“Escola” passa a encontra-se orientada por uma comissão de professores e
alunos com consequências relevantes e decisivas para o seu futuro. Segundo
Tavares (1980) da crise estudantil de 1969 resultou uma nova prática
pedagógica integrada, que passava a privilegiar o desenho enquanto
instrumento aglutinador do processo criativo.
Anos mais tarde, em 1974, com o 25 de Abril dá-se um momento marcante, a
“Escola” ganha “liberdade de expressão”. Ainda, nesse ano dá-se inicio ao
processo SAAL - Serviço de Apoio Ambulatório Local, o qual irá ser uma
4
13 Alves Costa, 1987: 814 Figueira, 2002: 3215 Alves Costa [1979], 2007: 21916 Fernandes, 1980: 46
experiência relevante para a “segunda geração” de arquitectos da “Escola”.
Através desta nova prática propiciam-se condições para a inovação, que
resultaria numa nova atitude de projecto: a “participação popular”. A nova
experiência “provoc[ou] o esvaziamento temporário da escola, transferindo
para [o] processo SAAL toda a atenção política e ideológica que se vivera
intra-muros, no que se convencionou chamar a !viragem da Escola para o
exterior’.17
“[O SAAL] vai ter profunda influência não só no exercício da actividade
profissional em quase todo o país mas também ao nível da actividade
pedagógica e escolar em geral, sobretudo, no que se refere ao curso de
arquitectura da Escola do Porto. [...] De um só golpe, processo pedagógico e
profissional se aproximam [...] eliminando o corte (que existia anteriormente)
entre eles. A aprendizagem passava a estar comprometida com a produção já
que a motivação principal deixaria de ser a simples resolução de problemas ou
o simples estudo de casos-modelo para se situar ao nível da resposta concreta
a casos reais e de consequências imediatas sobre o território e o cliente-
utente”.18
No que refere ao processo SAAL os arquitectos Manuel Correia Fernandes e
Jorge Figueira reconhecem que foi uma experiência da qual resultou um
herança disciplinar capaz de solucionar a formação crítica da “Escola do
Porto” e dos seus intervenientes.
“A experiência do inquérito permite a leitura convergente da matriz
racionalista com os processos da arquitectura popular; o SAAL permite testar
esse encontro num momento de exultante entrega onde se expõe todo o
tentativo universo ideológico da Escola do Porto [...] Estes dois eventos são a
matéria prima que sustém a Escola do Porto como estrutura integrada e
integradora da cultura portuguesa”.19
Paralelamente a este momento, e no que se refere nomeadamente à
pedagogia, foram iniciados esforços no sentido de definir uma nova orgânica
que, em 1977, acaba por resultar no estabelecimento das reguladoras Bases
Gerais para o curso de arquitectura, com a pretensão de superar as
contradições existentes na intimista Escola-atelier. O arquitecto Álvaro Siza
por esta altura escrevera que “o curso de Arquitectura do Porto [...] sofria
uma “passividade ou falta de convicção [que] só poderão conduzir a um
ensino inspirado numa provinciana caricatura de tecnocracia”.20 Em 1979, já
com as respectivas reformulações, as Bases Gerais acabariam por transitar
para a Faculdade de Arquitectura. Contudo, a pedagogia que em 1982
5
17 Tavares [1980], 1984: 6918 Fernandes, 1980: 51/5219 Figueira, 2002: 8020 Siza, 1978 cit. Alves Costa, 1987: 8
decorria na “Escola” levou o arquitecto Álvaro Siza a afirmar que “a
dificuldade de organização de uma escola de arquitectura passa pela criação
de uma estrutura que permita um contacto directo com a prática extra-escolar
e simultânea aplicação de bases teóricas rigorosas que apoiem o mergulho
nessa prática”.21 Apenas em 1985 o curso de arquitectura transitou da
ESBAP, integrando-se na Faculdade de Arquitectura.
“O problema em questão é portanto, o de garantir uma linha de
desenvolvimento do curso para que o estudante, como indivíduo e como
elemento de grupo e de interdisciplinaridade, intensifique continuamente a sua
capacidade compreender e de responder [aos problemas da arquitectura]”. 22
Ao longo das últimas décadas, o processo de consolidação da ideia de
“Escola” foi conduzido pelas diferentes convicções defendidas pelos
docentes, como a liberdade e o respeito que caracterizava a relação com a
individualidade de cada um (manifestada para com as propostas dos aluno),
ou ainda o permanente questionar do ensino que, em determinados
momentos, proporcionaram rupturas ou viragens fundamentais para a
“Escola”. As convicções comuns tinham a capacidade de aproximar e unir
professores e alunos, deste modo criaram-se as condições para ser “fundada”
a Escola-Atelier, na qual ao longo de décadas foi possível assistir a uma
partilha e correspondência de conhecimentos entre os dois distintos universos
o académico e o profissional. Embora, como sugerem as palavras do
arquitecto Álvaro Siza, de 1982, a dificuldade da organização de uma escola
de arquitectura, passa pela compatibilização entre estes mesmos universos.
Deste modo poder-se-á concluir que, a transição do ensino para a Faculdade
de Arquitectura contribui para algum distanciamento e consequente
separação entre os respectivos âmbitos (o académico e o profissional). É com
base nessa “ruptura” que é visível, actualmente, a dissonância entre as
soluções cromáticas propostas pelos alunos face às sugeridas pelos
arquitectos (docentes).
6
21 Siza, 1982 cit. Alves Costa [1979], 1987: 24022 Preâmbulo das Bases Gerais, 1977 cit. Alves Costa [1991], 1987: 259
A cor nos princípios pedagógicos- O domínio da “não-cor” -
Desde sempre estamos habituados a observar de um modo natural a realidade
e as “suas” cores, adquirindo-as como uma só realidade. No entanto, a cor só
se torna “palpável” a partir da decomposição das propriedades da luz branca,
que quando incide sobre determinado objecto, produz uma impressão
sensorial de cor. É significante ter presente, que este fenómeno tem
dependência das características de cada objecto, como é o caso da sua
capacidade de absorver as diferentes partes que compõe o espectro luminoso.
A sugestão de cor têm esta constante interdependência - com o espectro
luminoso - é desse modo que nos habituamos a ver as cores. O espectro por
sua vez define-se pelas “radiações de energia [lumínica] no campo visível
[que se compreende entre os ultra-violetas e os infra-vermelhos], de acordo
com o seu comprimento de onda [que é capaz de ser captado pelo olho
humano.] Quando a luz é absorvida na sua totalidade, vemos o preto; quando
é refletida [integralmente - contendo todo o espectro], observamos o branco.
[A percepção da] cor é o !resto’ de luz que não foi absorvida por um
determinando [objecto]. Sem luz, a cor não existe.”.23
Compreende-se, deste modo, que o branco não é “cor”, é o conjunto de todas
as “cores” e a “não-cor” seria ausência da luz, embora neste trabalho se opte
por especificar o branco como “não-cor”. Entenda-se que este termo não se
trata da omissão da “cor”, mas sim da negligenciação da sua importância, da
qual resulta, ao nível das propostas académicas, o uso genérico do branco.
O branco é tão significante na arquitectura como outra “cor” qualquer, se
estiver intrínseco à sua eleição um propósito. No entanto é possível constatar
que a genérica caracterização branca das propostas académicas é resultante
de um gesto vulgarizado (1-6), esse facto pode suscitas leituras como
despropositado e inconsequente. O vulgar uso do branco leva a que se
especule que, a sua corrente utilização, se trata de uma colagem ou de uma
“imitação gratuita” de outras abordagens cromáticas, patentes em diversas
obras de prestígio, nomeadamente do Movimento Moderno ou próximas dos
projectos do arquitecto Siza Vieira. O que denuncia por parte dos alunos um
consciente facilitismo, assente na “réplica directa” da cor branca, acabando
por evidenciar um pensamento redutor e pouco crítico. Por outro lado, a
“omnipresença” do branco revela um conservadorismo cromático, que poderá
ser também consequente do receio de arriscar por parte dos mesmos.
9
23 Aguiar, 2002: 149
1.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto II, Residência estudantes, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
2.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto II, Residência de estudantes, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
3.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto III, Edifício de habitação, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
4.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto III, Edifício de habitação, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
A presente limitação, revela uma dificuldade de caracterização por parte dos
alunos, que é também, reconhecida por alguns professores, como anuncia o
Arquitecto Pedro Alarcão (em 1997), ao formular uma questão ao Arquitecto
Manuel Graça Dias: “eu dou aulas ao 2º ano e tenho consciência que ainda é
muito difícil para eles [alunos] que me digam como é tratada uma
determinada superfície”. Ao qual Manuel Graça Dias (referindo-se ao período
que ensinava na FAUTL) responde: “eu também sinto essa dificuldade. Nos
5º anos muitas vezes acontecia que, depois de grandes explicações dos alunos
sobre o espaço projectado, eu perguntava: E essa parede [...] é feita de quê?
Depois de alguma hesitação, respondiam, invariavelmente, que era de betão à
vista ou então em alvenaria rebocada e pintada de branco. Havia sempre
grande dificuldade em caracterizar o espaço”.24
Se em alguns momentos a arquitectura da “Escola do Porto” é conotada
injustamente como genericamente “branca”, no que se refere especificamente
ao contexto académico (sabendo que os trabalhos académicos são
representativos da “Escola”), a mesma conotação aparenta razão de existir.
No entanto, para que se compreenda com profundidade este fenómeno
redutor, é desejável reflectir sobre a preponderância conferida à cor, nos mais
significantes princípios pedagógicos, de modo a verificar o seu
comprometimento.
A metodologia projectual adoptada na “Escola do Porto” resulta em parte do
encontro da disciplina de Desenho com a de Projecto. Segundo uma leitura
genérica dos “Programas e Objectivos destas Disciplinas”, é possível
salientar alguns aspectos que apontam no sentido de auxiliar o Pensar, Ver e
Fazer:
“Desenho I - desenvolver no estudante a capacidade de observação, a
habilidade e o conhecimento do acto do desenho e a sensibilidade aos valores
plásticos e estéticos; - introdução à percepção, à prática do ver e à sua
consciencialização; - criar condições para que o estudante enfrente o acto de
projectar com agilidade espontaneidade e consciência. Desenho II -
desenvolver a prática do desenho no sentido de favorecer uma livre e eficaz
construção de imagens na relação estreita com a concepção figural do projecto
de arquitectura; - análise do real e representações e figurações de um lugar; -
noções de análise e de "levantamento" de um sítio; - estudo das relações
existentes entre os modos do desenho e as diferentes estratégias de construção
das imagens. Projecto I - a consciencialização da importância do contexto
real. Projecto II - desenvolvimento do processo do conhecimento do lugar e da
capacidade crítica e criativa do aluno [no sentido de revelar um] progressivo
10
24 Graça Dias in Alarcão, 1997 :67
enriquecimento na fundamentação da proposta e do seu desenho; - o objectivo
de que cada aluno construa e fundamente a sua leitura do lugar; - o processo
de observação do contexto da intervenção deverá conduzir à identificação e
caracterização dos diversos elementos e formas arquitectónicas que
constituem o lugar do projecto”.25
De acordo com esta leitura poder-se-á ter presente que a metodologia
projectual adoptada na “Escola do Porto” resulta do encontro/fusão da
disciplina de Desenho com a de Projecto de modo a privilegiar: o aprender a
pensar a partir do desenho; o aprender a ver, de modo a que o aluno possa
captar e estudar o sítio; o aprender a fazer, recorrendo às referências e aos
ensinamentos históricos. Em todos estes relevantes aspectos metodológicos,
o desenho acaba por assumir-se mais como um instrumento de auxílio,
entendendo a história e o lugar enquanto premissas projectuais. No entanto é
estranho que a matéria “cor” não ocupe “o seu próprio espaço”, visto
relacionar-se com estes aspectos. Porém, na realidade, a sua relevância não
parece fazer parte das preocupações da maior parte dos alunos, e neste
sentido irei procurar possíveis abordagens/caminhos para contornar este
“descuido”, já que o desenho, o lugar e as referências histórias sugerem o seu
uso.
11
25 Objectivos estruturais das disciplinas de Desenho e Projecto (2010), publicados em: www.sigarra.up.pt [site da FAUP onde surge divulgado os mais diversos assuntos relacionados esta]
12
No Desenho- Desenho analógico | Maqueta | Desenho digital -
Desde o momento que estabeleci contacto (enquanto aluno) com o curso de
arquitectura da FAUP, em particular com a cadeira de Projecto, apercebi-me
do quanto é essencial, o auxílio do Desenho, no processo de (auto)descoberta
e (auto)aprendizagem. A importância dada à matéria do Desenho, quer pelos
docentes de Projecto quer pelos próprios docentes da disciplina, sugere que
esta se trate da maior ferramenta ao dispor do arquitecto. O culto do Desenho
aparenta ter origem no surgimento da “Escola do Porto”. Actualmente, o
expresso domínio do Desenho, assume-se como um cunho, ou uma “marca”
que tanto caracteriza os arquitectos e os estudantes desta “Escola” (observa-
ção experienciada por mim, enquanto aluno externo na ETSAB - Escola
Tècnica Superior d'Arquitectura de Barcelona). Contudo, a exploração por
parte dos alunos, deste importante instrumento de condução projectual,
denuncia algumas restrições, em particular na exploração cromática.
É durante os dois primeiros anos do curso de arquitectura na FAUP, com
características propedêuticas, que é dado particular destaque à disciplina do
Desenho. A inter-relação disciplinar em torno da cadeira “nuclear” de
Projecto (multidisciplinaridade), tem a pretensão de munir o aluno de
ferramentas, assim como garantir-lhe uma bagagem cultural que,
posteriormente, o auxiliará no desenvolvimento das suas propostas projectais.
É durante a elaboração dessas propostas que possíveis estudos da cor
poderiam ser indiciados nos primeiros desenhos.
Segundo o programa da disciplina de Desenho I (Sigarra, 2010), é intenção
desta promover a representação e o conhecimento do mundo visível;
desenvolver a capacidade de observação, assim como a sensibilidade para o
uso dos valores plásticos e estéticos; criando condições para que o acto de
projectar seja espontâneo e consciente. Neste sentido, é possível entender-se
que o processo de aprendizagem a que o Desenho (na FAUP) se compromete
surge-nos (aos alunos) como um acontecimento sequencial e crescente. No
início do ano lectivo os exercícios desenvolvidos procuram ajustar-se à sua
simplificação, deste modo tendem a ser monocromáticos; com a progressão
temporal, passam a introduzir novas questões, como as manchas e a cor (7-12).
No entanto, no que refere à exploração do uso cor nos desenhos de auxilio à
disciplina de Projecto, esses indicam o contrário (denunciam um processo
inverso). Enquanto que os alunos do primeiro ano “tentam” superar as suas
13
7.Desenhos re fe ren te ao exerc íc io de representação desenvolvido na disciplina de Desenho I, Formas naturais, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
8 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io de representação desenvolvido na disciplina de Desenho I, Figura humana, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
9 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io de representação desenvolvido na disciplina de Desenho I, Espaços arquitectónicos, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
limitações ao nível do Desenho, recorrendo ao uso diversificado de cores
(13-18), com o aproximar do final do ano, ou durante o ano seguinte, ao
revelarem um uso cada vez mais fluido e intuitivo do desenho, passam a
descurar o uso das cores e das manchas, dando lugar a um desenho linear,
sintético e estilizado (esquisso elementar) (19).
Um dos aspectos mais significantes do Desenho, é o facto de servir de
ferramenta de auxílio à exploração das ideias. Nas palavras do artista
Joaquim Vieira, (1995) - professor responsável pela disciplina entre 1974 e
2008 - o Desenho poderá ser entendido enquanto “instrumento pedagógico
capaz de desenvolver a percepção e a representação, através do qual,
recorrendo a valores gráficos é possível expressar o inconsciente”. Numa
dimensão mais alargada, defende que o “Desenho para além de arte e técnica,
é poder - trata-se da afirmação metodológica/artística do arquitecto - é ter
presente, antecipar, ir ao encontro da cultura, dos valores formais e
ideológicos, no sentido de transformar e construir o mundo.”
No entanto, genericamente os processos dos alunos são compostos por
desenhos comunicantes de procura e de aprofundamento de ideias
aparentemente “incolores” (19). A minha própria experiência, diz-me que as
ideias nos surgem turvas e imateriais (indefinidas), daí a necessidade do
desenho para as registar, de modo a permitir trabalhá-las e desenvolvê-las. Ao
longo deste processo é natural que as ideias tendam a alterar ou a incluir
novas questões, como é o caso da caracterização cromática do objecto
arquitectónico, no sentido de se definirem. Seria expectável que os desenhos
acompanhem os contornos inerentes à evolução e complexificação das ideias,
e que saíssem do mesmo registo e não se limitarem unicamente ao uso
exclusivo da linha. As manchas também têm as suas virtudes, servem de
auxílio ao estudo do claro/escuro, assim como de ensaio às sombras/forma,
no entanto raramente são usadas, evitando “contaminar” o imaculado
desenho linear na respectiva superfície.
14
9.Desenhos re fe ren te ao exerc íc io de representação desenvolvido na disciplina de Desenho I, Formas naturais, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
10.Desenhos referente ao exercíc io de representação desenvolvido na disciplina de Desenho I, Figura humana, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
11.Desenhos referente ao exercíc io de representação desenvolvido na disciplina de Desenho I, Espaços arquitectónicos, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
16 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io desenvolvido na disciplina de Projecto I, Malha urbana, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
17 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io desenvolvido na disciplina de Projecto I, Bar modelar, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
18 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io desenvolvido na disciplina de Projecto I, Casa modelar, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
13 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io desenvolvido na disciplina de Projecto I, Malha urbana, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
14 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io desenvolvido na disciplina de Projecto I, Bar modelar, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
15 .Desenhos re fe ren te ao exerc íc io desenvolvido na disciplina de Projecto I, Casa modelar, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
15
19.Desenhos referente a diferentes exercício desenvolvido na disciplina de Projecto III e IV,(2007-08). (Joaquim Carlos. AF)
O arquitecto Jorge Figueira descreve o desenho como algo que, “começa a
passar da cabeça para a mão, deslocando-se de forma a viabilizar o
pensamento”26, esta afirmação suscita-me uma questão: em que momento é
que a cor surge durante este processo criativo? O desenho que Figueira
descreve não aparenta ser muito diferente do utilizado por nós (alunos) no
auxilio do pensamento, através do qual, as nossas ideias ganham
“materialidade” na folha do papel. No entanto, raros são os desenhos que
apontam uma escolha ou eleição cromática; os indícios de cor, por
contraditório que seja, geralmente são indicados na recta final do processo
criativo. O que conduz a que os resultados sejam pouco aprofundados e
genericamente semelhantes, limitam-se ao uso exclusivo do reboco branco e
do betão aparente, deste modo tornam-se pouco consequentes. Raras são as
vezes que aliada a alguma ingenuidade ou audácia são propostas cores nos
projectos académicos. O surgimento de propostas cromáticas mesmo que
aleatórias (no universo académico), seria um bom indício para suscitar
discussões, contribuindo para o esclarecimento e posterior aprendizagem e
desenvolvimento do tema. Embora, como veremos, dentro da disciplina de
Desenho, sejam realizados esforços no sentido de estimular o uso da cor, de
modo a inverter o conservadorismo intrínseco aos alunos, propiciando-lhes
maior liberdade e abertura.
A minha experiência testemunha que a disciplina do Desenho I tem como
objectivo inicial treinar a visão do aluno, despertar-lhe a atenção para todas
as realidades e consequentes relações. À observação, acresce (ao aluno) a
exigência de um registo “descritivo rigoroso” (através do desenho) que, se
apoia num sistema constante de relações, assente numa medição compulsiva
e exaustiva de distâncias, alturas, larguras, ângulos e inclusive do claro
escuro, de modo a introduzir e munir o aluno de alguns conceitos, como a
escala, a proporção e a luz.
Segundo o artista e professor Armando Ferraz na sua prova de aptidão
pedagógica e capacidade científica (2004) “o curso de Arquitectura
compreende, a disciplina de Desenho I, a representação cromática do real. O
programa da Disciplina desenvolve-se à volta de matérias que sustentam o
entendimento sobre o lugar do desenho nas artes visuais e, especificamente,
sobre a sua função na projectarão arquitectónica”.27
A exigência que acompanha a evolução da aprendizagem, faz com que a
disciplina do Desenho introduza novas questões, comuns ao Projecto. A
16
26 Idem: 10027 Ferraz, 2004: 4
interdisciplinidade anunciada, assume-se como um aspecto central no curso
de arquitectura da “Escola do Porto”, também este comum à metodologia da
Bauhaus.
A evolução do Desenho tenta de algum modo, acompanhar as exigências
crescentes de Projecto, e ao mesmo tempo, acaba por antecipar e retirar
alguma estranheza à abordagens de novas questões.
Durante o segundo ano é visível uma transformação ao nível da disciplina do
Desenho (de arquitectura), passa a ser feita uma abordagem “mais artística”,
é intensamente sugerido e estimulado a combinação de diferentes meios
expressivos: traços, manchas e cores, de modo a auxiliar e conduzir o aluno
na descoberta da sua própria expressão, de modo a permitir-lhe comunicar
com maior eficácia e identidade as suas ideias de Projecto. Um exercício que
tem esta finalidade, acrescida do interesse de “libertar” o aluno, baseia-se na
reprodução e interpretação de desenhos de autores conhecidos, exercício que
é designado por “desenhos dos desenhos” (20.21). De acordo com o programa
da disciplina (Sigarra, 2010), é possível concluir-se que o exercício - desenho
dos desenhos - pretende estimular a visão, pela comparação e estudo
realizado de repetição e elaboração de cópia de imagens oriundas do universo
do desenho. No sentido de ser obtido pelo aluno um significado das imagens,
da história e da cultura do desenho de arquitectura. Já os outros exercício
desenvolvidos - “desenho do imaginário e de comunicação” - têm como
principal objectivo por em prática esses conhecimentos, no sentido de
comunicar formalmente e expressivamente um projecto.
Partindo das palavras do professor Joaquim Vieira desenhar é “imaginar,
observar, representar e pensar; é, simultaneamente, realidade e processo de
realização”28, remetendo-o para a disciplina de projecto será mais do que um
estimulo - é um acto de projectar - é projecto. Desse modo, é natural que na
disciplina de Projecto (onde são abordadas genericamente questões
arquitectónicas), o Desenho seja altamente participativo, não fosse o
instrumento comunicante mais significativo (quer do aluno de arquitectura
quer do arquitecto). A partir dele é possível explorar e aprofundar ideias,
confrontar dúvidas e desbloquear caminhos. Se, no início, os alunos utilizam
todos os meios riscadores com as mais diversas cores, com o passar do
tempo, o adestramento da mão conduz o aluno a um fenómeno altamente
17
28 Vieira, 1995: 25
20.Desenhos referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Desenho II, Desenho dos desenhos, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
21.Desenhos referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Desenho II, Desenho dos desenhos, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
redutor, a descrença nesses meios, dá lugar ao fetiche da caneta bic 29 e ao
típico esquisso ilustrativo (22-23).
Ainda no âmbito de Projecto outro importante instrumento comunicante (de
“desenho”) pode ser considerada a maqueta- um “desenho” tridimensional .
Contudo, estas parecem “desde sempre” ser brancas (como se não existissem
materiais alternativos de outras cores e texturas como, por exemplo o k-line,
cartão bristol e cartolinas de cor etc. O que sugere ser uma regra, afinal tem
uma razão de ser, já que o “branco” privilegia a leitura das formas do objecto
arquitectónico.
Contudo, enquanto aluno, presenciei propostas que exploravam a
fragmentação volumétrica e que, porventura, poderiam, durante o período de
exploração e aprofundamento da ideia, resultar em distintas caracterizações
(para cada corpo), através de uma maior experimentação ao nível da
materialidade/coloração da maqueta. A introdução da cor poderia acentuar a
ideia formal, na qual a unidade seria reforçada pela diversidade de cores
usadas. As maquetas (24-25) constituem alguns dos vários exemplos, que
ilustram estas limitações cromáticas, em que o material utilizado na maqueta,
poderá restringir o processo criativo e fragilizar a comunicação inerente à
lógica geral do projecto (implantação, forma, etc). No entanto existiam
pontualmente alguma excepções, alunos mais atentos a determinadas
questões (em particular com a cor), como é o caso das maquetas (26-27) que
revelam duas posições intencionais e cuidadosas a esse respeita. No primeiro
caso é feita uma diferenciação cromática entre o volume elevado - é cinzento
- e o perímetro inferior que circunscreve - é branco. Através desta opção
cromática o seu autor explicita que, ambos os elementos têm linguagens
arquitectónicas e materializações construtivas diferentes. No segundo caso
apesar de ambos os corpos terem aparentemente a mesma linguagem,
indicada pelo mesmo desenho dos vãos, existe uma intenção de estabelecer
um contraste cromático que procura acentuar a relação existente entre
volumes. É deste modo, que a ideia do conjunto - formado por um (grande)
volume branco que é amparado, por um volume castanho (mais pequeno) que
lhe serve de apoio -, se afirma.
18
29 “Ninguém desenha por desenhar. Desenhar não é um hobby, desenhar em arquitectura, é ter de resolver um problema. Os arquitectos desenham compulsivamente, não por prazer; como nas Belas-Artes [...] Desenhar em arquitectura é correr contra o tempo, é apanhar o que está à mão [...] ou o nosso próprio caderno, que não deve ter bom papel. O papel se tiver qualidade, espessura, intimida-nos, fazemos cerimónia, inibe-nos o gesto [...] a caneta também tem que ser banal, leve, anónima e disponível em qualquer esquina. Uma caneta de marca, com um bom design, desvia-nos do objecto, distrai-nos porque lhe sentimos o peso, a sua qualidade, que nunca entope mesmo com gestos frenéticos. Desenhar com um lápis, pode também não ser a melhor solução. Quando constatamos que os resultados não estão a ser brilhantes, podemos escorregar para texturas amáveis, sugerir nuanças de “grafite” e adiar o inadiável: “A Construção da Forma” (meter cores, bom, sobre isso o melhor é nem falarmos). Quase sempre desenho e escrevo com uma “Bic-Cristal”, preta, que é igual a si própria há 40 anos. (Souto de Moura cit. Esposito, 2003: 367)
22.Desenhos referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto II, Esquiços, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
23.Desenhos referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto II, Esquiços, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
A maqueta ao mesmo tempo que é um “campo” de investigação e de
aprofundamento ao projecto, é uma préfiguração do mesmo. Desse modo, o
aluno poderá procurar alguma “correspondência” (nem que seja de um modo
abstracto), entre a ideia para a caracterização cromática e os materiais de
concepção da maqueta. Se em alguns momentos esta correspondência poderá
prejudicar algumas leituras (como a de inserção do objecto arquitectónico),
no que refere à explicitação da caracterização, materialização e das lógicas
projectuais, essas poderiam surgir reforçadas. Para além de que se poderiam
tornar um forte contributo pedagógico, na medida em que possibilitam o
levantamento de questões como a importância da cor na afirmação de
princípios formais que, de outro modo não seriam suscitadas.
À primeira vista, as maquetes finais resultantes de síntese da elaboração
projectual, denotam ainda menos um caracter experimental; neste sentido,
normalmente, têm tanto de descaracterizadas como de abstractas. Limitam-se
a comunicar unicamente a proposta formal e a relação com o sítio. O que leva
a concluir que as potencialidades “deste tipo de desenho” não são exploradas
ao limite.
“Como a maqueta branca, não duvido, será elegante, limitada à agressão da
cor, da impura construção real que perpassou os desenhos já impuros que lhe
impuseram a forma. Mas a maqueta e as páginas temem; temem o confronto
com o mundo real, com o mundo do risco (embora !riscar é arriscar’), temem
a marginalização do !mundo da verdade’, temem a mulatagem, o conspurco, a
falta de garantia dos perigosos territórios dos gritos selvagens ou dos sonhos,
dos doidos alarves rudes. O branco é o estar à parte, completamente
reguardado; protegido”.30
Apesar de os dois primeiros anos do curso de arquitectura estarem fortemente
marcados por um processo de exploração e aprofundamento do uso do
Desenho no auxilio do aprofundamento projectual, durante este período de
tempo já são notórias diversas limitações ao nível da exploração da cor. No
ano seguinte, o tão útil meio analógico “passa a dar lugar” (ainda dentro da
mesma disciplina) à aprendizagem do Desenho assistido por computador.
Contudo, nos nossos dias existem diversas “metodologias sistemáticas que
pretendem substituir o desenho como meio privilegiado para a elaboração do
projecto”.31 Aparentemente, o novo Desenho revelar-se-á um campo propício
ao “comodismo”, onde as limitações marcadas pela não - exploração da cor
irão permanecer, tendendo inclusive a acentuar-se.
19
30 Graça Dias, 1991: 19 31 Vieira, 1995: 95
24.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto II, Residência estudantes, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
25.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto II, Residência estudantes, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
26.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto III Bloco de habitação, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
27.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto III Bloco de habitação, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
Se ao longo do forte período de aprofundamento do Desenho analógico esta
questão não for desenvolvida, a não potenciação das suas virtudes, irá
permanecer no interregno. O “encanto” manifestado por parte dos alunos ao
novo Desenho digital, irá “conduzi-los” a uma inconsciente e fácil
substituição do pragmático e trabalhoso “Desenho analógico,” e as contínuas
limitações ao nível da exploração da cor vão permanecer e arrastar-se; apesar
da fé no novo Desenho, este trata-se de um meio mais limitado.
“O processo tornou-se mais rápido com os novos instrumentos de desenho.
Mas a arquitectura não é feita a a partir de renderings, como por vezes pensa a
geração mais nova. Vejo que hoje se pretende resolver alguma arquitectura à
volta de uma visualização “realista”, quando as coisas se resolvem afinal
melhor (para quem saiba um bocadinho de geometria) em duas dimensões.
Compete ao arquitecto manipular as variáveis, uma vez que o raciocínio não é
digital”.32
A experiência intrínseca à elaboração manual do Desenho ou da maqueta
obedece a um processo trabalhoso, na medida em que é sempre acompanhado
por um contínuo pensamento. Contudo, é a partir deste exaustivo meio que é
possível aprofundar as mais diversas questões, sem quaisquer tipo de
restrições. No entanto, no sentido contrário, os meios digitais propiciam o
facilitismo que, por sua vez, está por detrás da não existência de cor nos
projectos arquitectónicos. Seria desejável que os alunos olhassem para este
novo tipo de Desenho não como um substituto, mas sim e apenas como um
complemento aos eficientes meios “rudimentares” do Desenho de
arquitectura. A experiência adquirida ao longo de vários anos de prática
profissional arquitectónica levam Eduardo Souto de Moura a reconhecer que
“enquanto que a maqueta de cartão branco recompõe a ideia do projecto, os
renders falseiam a percepção dos espaços e manipulam a elegância do
projecto”.33
Num curso em que o programa e os conhecimentos são sequenciais e de
crescente complexidade, existe um “tempo próprio” para a abordagem a
determinadas questões, mas se os alunos, seja por meio do desenho ou de
maquetas, as introduzirem e anteciparem, como é o caso da caracterização
projectual e dos seus critérios, essas serão abordadas, contribuindo para um
melhor entendimento do fenómeno cromático.
20
32 Graça Dias, 2010: 8533 Souto Moura, 2008: 61
No Lugar- Cor local natural | Construída - Fotografia -
Fazer equivaler a importância do Lugar a um princípio pedagógico, terá
certamente a ver com o quanto este é importante para a condução projectual,
ao tratar-se de um “meio” repleto de “potencialidades latentes, à espera de
um olhar revelador de elementos ocultos mas virtualmente decifráveis”.34
A consciência da importância do Lugar sempre existiu na arquitectura. Prova
disso, são os cuidados de implantação de um edifício de acordo com a
topografia do terreno, ou atendendo aos pontos cardeais de modo a
privilegiar a luz solar a vigilância sobre o território ou, mais recentemente, de
modo a privilegiar as vistas, etc. A história da arquitectura descreve, de modo
crescente, a valorização do fenómeno do lugar; já no século XX, alguns
arquitectos do Movimento Moderno (organicistas) - Frank Lloyd Wright e
posteriormente Alvar Aalto -, alargaram a sua importância e significado, ao
estabelecem uma relação mais poética que funcional com o lugar.
Os docentes da “Escola do Porto” revelam ser herdeiros das “referências
modernistas [ao se] deixaram influenciar, pelas doces referências históricas e
locais”35 . As mais sensíveis abordagens modernistas ao Lugar, são
anunciadoras de uma consciência que atende às potencialidades do mesmo.
Neste sentido, é sugerido pelo arquitecto Nuno Portas (1983), enquanto
interpretação para a arquitectura da “Escola”, que esta resulta “a partir do
sítio, da morfologia existente, da tradição local, e não dos modelos
académicos pré-estabelecidos”36. Parece inevitável cruzar ou comprometer
esta afirmação com o resultado, quer da experiência decorrida a partir do
Inquérito quer da desenvolvida posteriomente pelo SAAL. Ambas constituem
“matéria-prima que sustém a !Escola do Porto’ como estrutura integrada e
integradora da cultura portuguesa”37que valoriza a natureza do Lugar.
A preponderância dada ao Lugar é transversal e caracterizadora do modelo
pedagógico “Escola do Porto”. A importância atribuída a esta premissa é
visível pela sua introdução logo nos primeiros exercícios da disciplina de
Projecto I, como é o caso do exercício abstracto de composição que, a partir
de pequenos sólidos de esferovite sobre um tabuleiro do mesmo material
21
34 Francastel, 1966 cit. Rodrigues, 1996 : 3235 Portas [1983], 2005: 26036 Portas, 1983 cit. Figueira, 2002: 8637 Figueira, 2002: 80
pretende recriar as mais elementares e principiantes relações espaciais.
Contudo este tabuleiro, apesar de primário, tem todos os anos características
distintas (limites, desníveis, forma, etc) são premissas que procuram simular
um “Lugar comum” que, permitirá de uma maneira ou de diferentes maneiras
condicionar as diferentes respostas (28-31). Dessas soluções resultam novos
“Lugares” individuais (mas materialmente descaracterizados), aos quais é
posteriormente possível associar um novo exercício que, servindo-se de uma
parte da anterior proposta, a desenvolve e aprofunda a outra escala. É durante
esta primeira experiência que os alunos começam a apontar e a sugerir o uso
de materiais que contribuem para a caracterização da sua proposta. É
paralelamente no decorrer deste exercício que o branco da esferovite, passa a
adquirir sugestões cromáticas-miméticas (com o objectivo de diferenciar o
espaço natural do construído), através da inclusão de cartolinas e de outros
materiais, de modo a tornarem mais comunicantes as maquetes.
Após a realização destes trabalhos (apoiados num Lugar fictício) passa a ser
imperativo o "salto" para um Lugar real (sem envolvente urbana, de modo a
evitar alguma complexidade). De acordo com a evolução projectual, também
a eleição do Lugar tende a acompanhar essa complexidade, passando a
introduzir especificidades que suscitam problemas de outra natureza, nos
quais se inclui a resposta ao nível da materialização/caracterização exterior
das propostas.
Apesar deste tipo de questões ser introduzido desde Projecto I, é apenas em
Projecto III que são exigidas respostas mais precisas da materialização/
caracterização do objecto arquitectónico. Contudo, normalmente estas
limitam-se à referência exclusivo do betão aparente (cinzento) e do reboco
branco (32-33); tendo em conta que os Lugares são variados (e nunca são
propostos os mesmos lugares aos alunos, de ano para ano), é possível denotar
uma “insensibilidade” por parte dos alunos para com o sítio.
Apesar do Lugar ser muito relevante, nós assumimo-lo como mais uma
condicionante projectual que permite suscitar respostas aos mais diversos
níveis. Estes aparentam conter “pistas” relevantes para possíveis
caracterizações cromática: o Lugar contém uma soma de aspectos
proeminentes que, embora sejam altamente dependentes da sensibilidade e
formação de cada um, poderão ser muito sugestivos à exploração cromática,
tais como a cor dos elementos naturais ou construídos; é então estranho que
nenhum aluno, ao elaborar um projecto, relacione/filtre a cor com/do Lugar.
Poder-mos-ia ser muito útil que se passasse a entender o contexto cromático
de cada Lugar, de modo a ser aproximada uma sugestão ou resposta
22
28.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto I, Estrutura e composição, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
29.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto I, Estrutura e composição, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
30.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto I, Estrutura e composição, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
31.Maqueta referente ao exercício desenvolvido na disciplina de Projecto I, Estrutura e composição, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
cromática mais consciente e propositada e, talvez, mais adaptada. O que não
quer dizer que o aluno tenha que estabelecer um diálogo com a cor do Lugar;
este poderá, através da eleição de uma cor não presente, procurar fazer
ressaltar o objecto arquitectónico, segundo uma atitude que atende ao lugar,
mas que propõe uma oposição cromática. Tanto a solução cromática de
integração ou a de oposição, revelam de igual modo um cuidado com o
contexto.
Como já referenciado, as soluções cromáticas são geralmente as mesmas, e
“contraditas” pelo Lugar que é composto por diversas condicionantes (pré-
existências - a cor própria das construções e da natureza local, a luz também
essa é muito variável; memórias - a cor própria dos materiais provenientes
desse lugar; tradições - a cor resultante dos métodos construtivos específicos;
cultura - existem povos e regiões com mais ou menos cultura do uso da cor).
Mesmo tendo em conta a individualidade de cada aluno (da qual resulta a
valorização/eleição ou não de determinado aspecto), aparenta ser
despropositado que todos estes aspectos que têm algum tipo de
comprometimento com a eleição de determinada cor, sejam descurados.
A arquitectura made in "Escola do Porto" reúne diversos exemplos que,
sugerem os mais sensíveis e diferentes “diálogos” a este nível, visíveis nos
projectos que ilustram - A Cor No Património Arquitectónico. O “projectar
em diálogo não é uma técnica, é uma disposição, um estado de espírito e uma
necessidade para a arquitectura”.38 No entanto, o facto de os alunos se
socorrerem de diversos exemplos, apenas à procura de respostas de natureza
aparentemente mais prioritárias (ligadas à forma), e não enquanto campo de
exploração e de aprofundamento de entendimentos mais genéricos, revela
uma não disposição por parte destes. Sabendo que não há arquitectura sem
Lugar, e tendo em conta que as formas propostas, assim como a preocupação
de implantação, são pensadas de um modo tão rigoroso, seria desejável que
os variados diálogos com o Lugar cumprissem o mesmo rigor.
“As formas que ele [arquitecto ou aluno] criará deverão resultar, antes, de um
equilíbrio sábio entre a sua visão pessoal e a circunstância que o envolve e
para tanto deverá ele conhecê-la intensamente, tão intensamente que conhecer
e ser se confundem”.39
O lugar apesar de conter as suas subjectividade é uma exigência e existência
da arquitectura, como tal, terá que ser considerado. O facto de ser sempre
diferente, torna-o um “laboratorio” que pode propiciar diferentes estímulos à
23
38 Alves Costa, 1987 cit. Figueira, 2002: 12439 Távora [1962], 1999: 74
3 2 . D e s e n h o s r e f e r e n t e s a o e x e r c í c i o desenvolvido na disciplina de Projecto IV-III, Pormenor construtivo, Piscinas - Bloco habitação, (2007). (Joaquim Carlos. AF)
33.Desenho referente ao exercício desenvolvido na discipl ina de Projecto IV, Pormenor construtivo, Museu, (2008). (Joaquim Carlos. AF)
não repetição (cromática).
Contudo, a relação com o lugar não é a mesma que há uns anos atrás; os
diversos meios tecnológicos, como a fotografia ou a internet tendem a
interferir na relação física do observador e o espaço (lugar). A fotografia é
vulgarmente usada de modo soberano - como se os diferentes registos fossem
o lugar - mas são apenas fragmentos, que apesar de poderem ser úteis em
questões pontuais, conduzem geralmente à não experienciação do lugar. Em
casos mais extremos chegam a substituir a experiência física, que é
certamente mais rica e capaz de despertar a sensibilidade para os mais
variadíssimos aspectos - como a proeminência cromática. A divulgação
generalizada de imagens “credíveis”, contida na internet, facilita o
conhecimento de fragmentos de lugares que, por vezes parecem suficientes
para nos convencer. Como na relação do desenho digital e o analógico, será
utópico que acreditemos que, quer a internet quer a fotografia ou outro meio,
fácilmente “substituam” a experiência de nos movermos nos lugares e de os
assimilarmos por completo.
24
Na História- Referências - Construtivas | Cromáticas | Programáticas -
Será importante referir que a preponderância da cor na História, não se
prende com a sua presença na disciplina pedagógica, ou tão pouco, com
algum momento especifico desta. Trata-se sim, de um campo de referências
que, de um modo directo ou indirecto nos pode (alunos de arquitectura e
arquitectos) servir de referência às propostas/soluções das concepções
arquitectónicas.
Aparentemente, desde a sua origem o Homem terá nascido com uma
capacidade criativa e comunicativa que o conduziu, entre outras coisas, à
caracterização cromática das mais elementares construções espaciais. O facto
de qualquer construção espacial exigir a presença de matéria, e sabendo que a
mesma tem cor, acabou por sugerir que o Homem retirasse algum proveito
desta condicionante. Se na pré-história a sua utilização estava associado com
temas como a natureza, ou a caça, durante a idade média referenciava-se na
religião ou no poder, com o passar dos séculos passam a ser recorrente os
mais variadas motivos para caracterizar o espaço. Para além, do facto que
essas utilizações serviam de diferentes maneiras para a afirmação da
individualidade criativa. A evolução temporal, de certa maneira, revela-nos
que a presença da cor na arquitectura foi uma realidade crescente e em
constante desenvolvimento, até ser entendida enquanto materialidade
incontornável, à qual nós alunos, de uma maneira ou de outra, não poderemos
fugir.
Ao longo dos tempos o fenómeno da cor foi adquirindo complexidade com a
descoberta de novos pigmentos, o surgimento de novas técnicas de coloração,
o fabrico de novos materiais e com a introdução de novos meios construtivos.
É neste sentido crescente e evolutivo que a arquitectura contemporânea nos
surja com as mais diversas expressões cromáticas. Todo este longo processo,
aparenta ter evoluído no sentido de uma valorização cada vez mais
consciente e menos subjectiva das potencialidades da cor.
Sabendo que “os arquitectos não inventam. Trabalham continuamente com
modelos”40, os alunos de arquitectura, de algum modo, deveriam ter
consciência deste facto. Apesar da ingenuidade e da ilusão própria dos seus
desconhecimentos, não são capazes de criar algo a partir do nada, sentem a
necessidade de, tal como os arquitectos, se referenciarem a algo.
25
40 Peter Testa, 1988 cit. Figueira, 2002: 123
Como já foi anteriormente salientado, uma das orientações do Desenho
ministrado na FAUP é “ensinar a ver”; o presente capítulo sugere uma nova
fase, que se prende com olhar atentamente para este campo referencial
(História) constituído por diversos e ricos modelos. Será desejável que os
alunos “invistam” nos modelos de referência movidos por uma pesquisa
crítica, de modo a fundamentarem, aprofundarem e esclarecerem as suas
decisões, ampliando os seus conhecimentos, e não se limitarem a olhar para
estes unicamente como ponto de partida, ou soluções pontuais.
O presente contexto Histórico, é um vasto campo capaz de servir de apoio às
mais diversas decisões mas, por estranho que pareça, os alunos, normalmente
apenas recorrem a este contexto para se auxiliarem em questões muito
particulares. As referências históricas, geralmente são vistas, como uma soma
de fragmentos, às quais atendem somente ao desenho da forma volumétrica,
às plantas, às soluções programáticas. Enquanto aluno da FAUP, raras as
foram as vezes que presenciei (noutros projectos, ou numa “defesa oral”)
uma solução cromática sugerida ou assente num caso referenciado (com
excepção do uso genérico do branco, facilmente apoiado na obra do
arquitecto Álvaro Siza), ou consequente da adopção de um sistema
construtivo específico, com repercussões no resultado cromático projectual.
Neste sentido, é visível alguma limitação por parte dos aluno, aparentemente
proveniente da pouca profundidade crítica ou, no extremo, da não observação
integral das obras de referência. Deste modo, é natural que não assimilem a
sua complexidade total, nem as razões que apoiam determinadas escolhas,
como é por exemplo a relação de correspondência de determinada escolha
construtiva e o seu acabamento, do qual a cor faz parte.
A indicação feita por parte dos docentes ao aluno, para que este observe
determinada obra, pressupõe que este venha a estabelecer uma relação mais
profunda com o caso de estudo. Contudo, normalmente, o aluno cinge-se à
anunciada observação fragmentada, aspirando, da obra observada, uma
resposta pontual a uma questão específica (serve-se desta como uma bomba
de ar). Creio que este auxílio, por parte dos docentes, aspira estimular e
despertar os alunos para a observação crítica e integral do objecto
arquitectónico, mais do que encontrar nele soluções fáceis ou pontuais.
Aparenta também procura suscitar aos alunos a inquietude e vontade de
aprofundamento de modo a que percebam integralmente “todas” as lições
arquitectónicas intrínsecas aos modelos, e assim possam expandir os seus
conhecimentos, dilatando a sua cultura arquitectónica, para que, se possível,
à semelhança dos arquitectos, possam trabalhar continuamente os modelos.
26
A visão parcial dos alunos também é extensível às obras made In (Escola do)
Porto. O património constituído por essas obras, é um precioso exemplo para
que se privilegie um elemento que está muito relacionado com a cor: a luz.
Como em qualquer curso, na FAUP não sendo excepção (em particular em
Projecto) é muito vulgar falar-se da importância da luz, o diverso espolio,
constituído pelas obras de arquitectos como Fernando Távora, Álvaro Siza
Vieira, Eduardo Souto de Moura entre outros, é um contributo vivo para o
entendimento de como tirar partido da luz em arquitectura. Os projectos
desenvolvidos por estes arquitectos, ilustrados nos capítulos referentes - A
Cor No Património Arquitectónico - têm a capacidade de fazer transparecer
uma coerência de conciliar a luz e a cor com as formas e as ideias. Para estes
significantes arquitectos tratam-se de realidades indissociáveis, das quais o
objecto arquitectónico é dependente.
Um aspecto meramente arquitectónico que também está intimamente
relacionado, contribuindo para a caracterização epidérmica projectual, é o
claro/escuro que resulta dos avanços e recuos da superfície. A partir da
criação de saliências ou de reentrâncias (pela aproximação ou afastamento à
luz), é possível conferir ao objecto diferentes “tonalidades”. A caracterização
cromática pode também resultar do aprofundamento (opcional) deste artifício
arquitectónico; já a presença da luz e os seus efeitos (sombras) e a eleição da
cor (seja ou não pela selecção de um material) trata-se de uma
obrigatoriedade, como tal o arquitecto tem que a considerar (a luz) e dar
resposta (à cor). Os mais díspares modelos arquitectónicos terão intrínsecas
lições muito complexas destes domínios, seja pela compatibilização de todos
estes aspectos, ou apenas alguns. Como tal, seria recomendado que quando
os docentes referenciam/evidenciam a importância da luz em determinado
projecto, a abordassem na sua totalidade e complexidade, e que nós alunos
estivessemos mais despertos e receptivos às mais diversas soluções.
“A verdade é que sempre houve referências, utilização de modelos e
reinterpretações. Mas, hoje em dia [com o fácil acesso à informação], a
divulgação é muito mais rápida e expande-se globalmente. Assim, tanto se
corre o risco da realização de cópias acéfalas, como se pode abrir um enorme
potencial para novas perspectivas. Terá que ser o sentido crítico na aplicação
desses conceitos e na leitura dos contextos e condicionantes locais, a fazer a
diferença”.41
Um outro aspecto relevante com algum comprometimento (com o não uso da
cor) resulta, nos dias de hoje, do problema da aceleração da informação que,
ao permitir ao aluno servir-se das mais variadas referências, faz com que este
27
41 Graça Dias, 2010: 85
se “perca” nesse vasto campo de múltiplas sugestões, na medida em que os
alunos têm dificuldades autónomas de filtrar as diversas referências, devido a
não terem um sentido crítico amadurecido capaz de lhes permitir estabelecer
critérios de eleição claros (e como é visível, no facto destes tenderem a
hierarquizar os vários problemas que compõem uma proposta arquitectónica,
de acordo com o grau de exigência, privilegiando muitas vezes
inconscientemente mais uns aspectos do que outros). No entanto, a ausência
de um sentido crítico “equitativo”, marcado pelas variações de empenho nas
respostas aos aspectos menos privilegiados, acaba por ter comprometimento
com os resultados cromáticos consequentes, quer da forma como são
conduzidos os projectos quer da atitude cómoda como são apenas solicitados
os aspectos requeridos pelo programa da disciplina.
Ainda de salientar, para além das diversas sugestões cromáticas/construtivas,
será a importância e a relação que essas sugestões podem ter com
determinado programa. Como é descrito com algum “colorido” pelo
arquitecto Álvaro Siza a “Rua do Crucifixo [como a] menos cinzenta, [onde]
há antiquários, barbeiros, bares, floristas e papelarias”42. Esta frase têm
implícita a ideia de que a cada programa/uso está associado uma cor, e o
facto desta Rua compreender diferentes usos faz com que adquira diferentes
tonalidades. A descrição do arquitecto Álvaro Siza acaba por introduzir ou
conduzir para um possível entendimento entre relação cor-programa. Neste
sentido, poder-se-á especular que a um tipo de programa poderá estar
associado uma maior ou menor liberdade cromática. O facto do
caracterização cromática se poder relacionar com programa que compõe o
objecto arquitectónico, faz com que a sua função possa ser entendida
enquanto possível premissa para a sugestão da cor. Este aspecto acaba por
“alertar” para a importância de um factor crucial de projecto, que é o
programa, que, de igual modo, juntamente com a solução formal, construtiva
ou material poderá lançar pistas para possíveis caracterizações cromáticas.
28
42 Siza [1989], 2009: 64
O método Bauhaus- A fusão artística/arquitectónica - Walter Gropius -
“As ideias de uma escola são feitas principalmente pelas ideias dos seus
líderes, mas não se deve esquecer as dos alunos [...] as ideias dos mestres
unidas às dos alunos que constituem o que chamamos ‘Escola’. A utilidade
dos alunos é também esgotar as fórmulas dos mestres, aumentar os seus
excessos e torná-los rapidamente insuportáveis, desatando assim a liberdade
que os mestres acorrentam”.43
“A entrada de alguns pioneiros modernos nas instituições de ensino [como foi
o caso de] Van de Velde em Weimar [1863-1957] terá influência decisiva na
teorização da nova arquitectura e prepara o aparecimento [em] Novembro de
1918, da primeira instituição especialmente concebida para o ensino da nova
Sachlichkeit - a primeira Bauhaus”44 que resultara da fusão entre a Academia
de Arte de Weimar e a Escola de Artes Aplicadas da mesma cidade dirigida
pelo pintor Henry Van de Velde desde 1906 (na qual, já existia uma tradição
do ensino da teoria da cor e do ornamento). A fusão entre a Kunsthochschule
(Academia de Belas-Artes) e a Kunstgewerbeschule (Escola de Artes
Aplicadas) foi conduzida pelo arquitecto Walter Gropius (1983-1969) que
viria a assumir-se como director da nova Escola entre 1919 e 1927.
Como descreve William Curtis (2006), ao longo da sua existência, a Escola
viria a passar por três fases distintas, marcadas pela mudança de direcção
(nas quais, o estudo da cor constitui sempre matéria integrante): uma
primeira fase expressionista (1919-1927), onde a prioridade recaía sobre a
expressão emocional e a individualidade dos estudantes; uma segunda fase
formalista construtivista (1927-1929), sob a direcção do arquitecto Hannes
Meyer (1889-1954); e, por fim, a fase racionalista radical (1929-1933) sob a
direcção do arquitecto Mies Van der Rohe (1886-1969).
Walter Gropius, apesar de ter iniciado a sua formação em arquitectura no
ensino politécnico (conjuntamente com engenheiros), acabaria por privilegiar
a sucessiva formação na Technischen Hochschule que integrava um ensino
artístico resultante da elevação do curso de base politécnico à categoria
universitária. As diferentes experiências formativas pelas quais passou,
revelaram-se significantes para a formulação das bases reformistas da
Bauhaus.
“Todos os arquitectos, escultores, pintores, devem voltar-se para o oficio. A
29
43 Ozenfant [1918], 2005: 28 44 Portas [1964], 2005: 356
arte não é uma profissão, não há nenhuma diferença essencial entre artista e
artesão [...] Em momentos raros, a inspiração [...] pode fazer com que o
trabalho desemboque na arte, no entanto a perfeição no ofício é essencial para
todos os artistas, como fonte de imaginação criativa. Formamos uma nova
comunidade de artífices sem distinção de classes [...] e juntos criaremos o
novo edifício do futuro, que abarcará a arquitectura, a escultura e a pintura
numa só unidade”.45
Inicialmente, na Bauhaus, foi notório um esforço de convergência para unir o
mundo da arte e o mundo da produção, na mesma pedagogia. Da fusão
artística com a artesanal resultaria uma Escola com características não-
universitárias, que optaria por seguir um modelo escola-atelier, no qual os
alunos trabalhariam nos projectos dos seus mestres e onde não haveria espaço
para disciplinas científicas. A adopção do modelo escola-atelier que, “não
compreendia disciplinas fundamentais, como matemáticas, estudos
estruturais, física do conforto, ciências humanas e história [indiciava que a]
estrutura [da Bauhaus] descendia afinal, da École [Polytechnique],
integrando-lhe os ideais da pupilagem oficinal de Morris [de uma pedagogia
prática e artesanal de trabalho de atelier], apesar de ambas se oporem à
ideologia artística”.46
Para Gropius, o momento teórico, o criativo e o pedagógico eram
inseparáveis, daí ter implementado uma reforma no ensino formal (da qual, o
ensinamento da cor viria a fazer parte), com o propósito de converter
simultaneamente todos os conteúdos em formulação teórica e aplicação
prática ao acto criativo.
Tanto a formação de Gropius como a fusão entre a Academia de Belas-Artes
e a Escola de Artes e Ofícios e, a consequente defesa de cooperação entre
artistas, artesãos e a indústria, constituíram aspectos relevantes para instituir
um novo programa de ensino. Contudo, para levar ávante o novo método
Gropius contou com a colaboração de diferentes artistas, dos quais se
destacam Johannes Itten (1888-1967), László Moholy-Nagy (1895-1946),
Josef Albers (1888-1976), Paul Klee (1879-1940) e Wassily Kandinsky
(1866-1944). Porém, não menos importante, foi a colaboração dos
arquitectos Hannes Meyer e Mies Van der Rohe que dariam continuidade ao
seu projecto de “Escola” (Curtis, 2006).
30
45 Gropius, 1919 cit. Argan, 1990: 3346 Portas [1964], 2005: 356
A visão plástica- Curso Básico | Curso Formal -
Com o ingresso do pintor suíço Johannes Itten na Escola alemã em 1919, foi
criado e desenvolvido um programa de estudos preliminar (com
características propedêuticas) que viria a ser obrigatório para todos os
estudantes, independentemente da área de especialização posterior. Itten
assumira a responsabilidade de estruturar e aprofundar o curso base que se
tornara central na transformação da Escola. O estudo preliminar teria como
principal objectivo a compreensão e a exploração dos componentes primários
da linguagem visual - a cor (farbe) e materiais - tecido (gewebe), metal
(metall), madeira (holz), pedra (stein), e o vidro (glas) (34). Era desejável que
os alunos explorassem e manipulassem os elementos formais, através de
diversificados estudos de composição, de modo a adquirirem uma
consciência das possibilidades e limitações de cada material. O programa/
processo caracterizado pela intuição e a auto-descoberta, tornou-se vital na
estrutura educacional da Escola, ficando conhecido como o "método
Bauhaus", do qual, resultaria uma base visual comum aos mais diversos
projectos, apesar dos professores da Escola não reconhecerem a existência de
um “estilo Bauhaus” (Curtis, 2006).
Após a demissão de Johannes Itens (1923), O curso básico - Vorkurs -
passaria a ter um novo sucessor/director, o artista László Moholy-Nagy que,
mais tarde, iria contar com a colaboração do artista Josef Albers (ex-aluno da
Bauhaus). Ambos continuariam o trabalho do seu antecessor (Itten),
encorajando os alunos no sentido de uma nova aprendizagem, motivando-os
a “!desaprenderem’ os hábitos e clichés das tradições !académicas’ europeias
e recomeçar a aprendizagem através da experimentação de materiais naturais
e de formas abstractas”.47
Após a nova aprendizagem consequente do curso base, seguia-se o ensino
formal - Formlehre - leccionado pelo artista Paul Klee e posteriormente por
Wassily Kandinsky. O ensino formal incidia em três estádios: a observação
(estudo da realidade e teoria dos materiais); a representação (teoria da
projectação, técnicas de construção); a composição (teoria do espaço, teoria
da cor e teoria da composição).
Para Paul Klee o estudo da forma dividia-se (num sentido estrito) na
superfície e espaço e (num sentido mais amplo), na relação que a cor pode
31
47 Curtis, 2006: 185
34.Gráfico ilustrativo dos diferentes conteúdos
programático que compunham o curso básico
ministrado por Johannes Itens, no qual a cor (farbe) constitui um sétimo dos respectivos
conteúdos. (Droste, 2004)
estabelecer com a forma. O facto de Klee incorporar o estudo da cor no
ensino formal, sugere que teria consciência que a cor e a forma se afectam
mutuamente (como tentariam demonstrar os estudos de Kandinsky (35.36)). De
acordo com a arquitecta Teresa Veleiro (1991), outro aspecto relevante para a
inclusão da cor no estudo da forma (que estaria relacionado com a
experiencia artística de Paul Klee), é a potencialidade da cor enquanto meio
de comunicação visual.
Com a passagem de “testemunho” de Klee para Kandinsky, o ensino formal
altera-se, dividindo-se na teoria da cor e na teoria da forma da cor. A nova
estruturação do curso formal (de Kandinsky), portanto, parece-me pretender
conferir uma maior preponderância à cor. Apesar da cor se tornar central no
ensino formal, as ideias defendidas pelo artista russo revelar-se-iam
altamente subjectivas. Como era possível verificar na sua teoria que relaciona
e equipara formas e cores, defendendo que os efeitos formais se acentuam
quando a expressão da forma “coincide” com a expressão da cor (37.38).
“A forma, mesmo que seja abstracta, tem uma sonoridade interna, daí se
associar (nos seus estudos) a cada forma uma cor específica, correspondendo
às formas primárias igualmente cores primárias. As formas têm que ser
elementares na sua expressão, e não na sua geometria, e a cor não tem que ser
mais do que representativa da sua sonoridade interna”.48
Apesar da cor ser um fenómeno que não tem limites distintos e de ser
altamente subjectiva, fez parte de diversas disciplinas, enquanto conteúdo
didáctico da Bauhaus, ao ser estudada como fenómeno visual e matéria
potenciadora de caracterização e transformação formal. O estudo sobre os
efeitos na caracterização do espaço constituiu um dos aspectos mais
importantes no trabalho desenvolvido pela Bauhaus. A acção transformadora
da cor era avaliada segundo duas forças distintas: por combinação - entre a
cor e a forma, acentuando as particularidades formais; e, por oposição - a cor
“traz” consigo a transformação de uma forma inicial, originando uma nova
forma (Veleiro, 1991).
Neste contexto, tanto Klee como Kandinsky continuaram a desenvolver
exercícios didácticos em torno da equivalência forma/cor, no sentido de obter
uma resposta cromática mais adequada à caracterização de uma determinada
superfície formal ou ao seu tratamento global. Embora, para os artistas da
Escola, as ideias de forma e de cor fossem indissociáveis, na prática (nos
projectos) era demonstrado que a forma era proeminente e que precedia a cor
32
48 Wassily Kandinsky cit. Gerstner, 1988: 118
35.Desenho que encabeçava o questionário com o f im de corrobogar “cienti f icamente” a coordenação de cores primárias para formas elementares, propostas por Kandinsky. Wassily Kandinsky, (1923). (Droste, 2004)
36.Desenho elaborado na aula de Kandinsky, partindo da relação entre as cores primárias e
formas elementares propostas por si, propunha a
obtenção de formas secundárias coloridas, (1931). (Droste, 2004)
37.38.Desenhos elaborados na aula de Kandinsky, correspondência de cores a formas
primárias e secundárias - e ordenação de cores segundo ângulos, Eugen Batz, (1929); Fritz
Tschaschnig, (1931). (Whitford, 2006)
(que sugeriam ser um dos seus “acessórios”). Aparentemente, nem a
proeminência atribuída ao estudo da cor por dos artistas se revelou suficiente
para inverter esta “tendência natural”.
33
34
A visão arquitectónica- Walter Gropius | Mies Van Der Rohe -
Na Bauhaus, as ideias desenvolvidas pelo Departamento de Arquitectura
viabilizar-se-iam nas aulas práticas de projecto - Werklehre. Contudo, a falta
de meios (consequente do Pós-Guerra) levaria a que muitas experiências
académicas e profissionais não se efectuassem e, quando tinham condições
para tal, estavam geralmente sujeitas a limitações. Devido a esse facto, poder-
se-á dizer que a partilha pedagógica que reflectia a visão arquitectónica se
resumia unicamente aos poucos projectos desenvolvidos por parte dos
arquitectos e às teorias que lhes serviriam de apoio. Como tal, de modo a
“reunir” uma visão arquitectónica, será necessário olhar para alguns desses
projectos de arquitectura realizados, quer por Walter Gropius quer por Mies
Van der Rohe, desenvolvidos durante o período de funcionamento da Escola.
Ainda de salientar, enquanto factor significante para a visão arquitectónica de
ambos arquitectos, foi o facto de terem complementado as suas diferentes
formações no atelier/escola de Peter Behrens (1868-1940), onde Gropius terá
permanecido de 1907 a 1910 e Mies de 1908 a 1912. Outro relevante aspecto
(comum) foi à ligação à Deutscher Werkbund (Associação de artistas,
artesãos e publicitários), fundada por Behrens juntamente com outros
arquitectos em 1907-1938.
“A crença expressa por Gropius na necessidade de reunir a sensibilidade
estética e o projecto utilitário estava de acordo com as experiências na
Werkbund [assentes num] retorno às raízes do movimento Arts and Crafts, a
William Morris, e a acreditar que o trabalho artesanal fosse a única garantia
viável para a qualidade do projecto. O currículo escolar inicial da Bauhaus
reflecte esta posição”.49
Apesar de ambos os arquitectos terem partilhado e adquirido experiência
profissional no atelier de Behrens, os projectos desenvolvidos por cada um
(após este estágio) anunciam diferentes abordagens cromáticas, embora
privilegiando maioritariamente a cor resultante e consequente do uso de
materiais.
Após estagiar, Gropius desenha um significante projecto, a Fábrica Fagus
(1911-1925) (39). Apesar do projecto anteceder a abertura da Bauhaus, a sua
construção prolongou-se ao longo dos primeiros anos de existência da
Escola. Poder-se-á dizer que este edifício representa o paradigma inicial da
35
49 Curtis, 2006: 185
39.Walter Gropius, Fábrica Fagus, Alfeld (1928-1929). (Curtis, 2006)
40.41.Pormenor do remate do edifício com o solo e do recuo da alvenaria. (Lupfer, 2004)
42.Pormenor do recuo da estrutura, em relação ao alinhamento da fachada.(Lupfer, 2004)
arquitectura moderna (funcionalista entre Guerras) na qual, Gropius explorou
volumes paralelipipédicos combinadas com extensos planos de vidro (Curtis,
2006). No que refere ao uso da cor, o Arquitecto ter-se-á limitado àquelas
“oferecidas” pelos materiais eleitos. A cor própria destes seria a mais
adequada para conferir ao edifício uma expressão industrial racionalista.
Neste sentido, Gropius constrói maioritariamente a “caixa” edificada com
tijolo de cor clara, conferindo às diferentes superfícies uma coloração e
textura uniformes (animada pelas contínuas juntas contra-fiadas da
alvenaria). No entanto, o tijolo utilizado para realizar o remate com o solo é
de cor mais escura e a fiada superior é disposta na vertical, ambos os aspectos
sugerem viabilizar uma “transição cromática”. Para além destes contrastes,
são ainda exploradas diferentes relações de claro/escuro, resultantes, quer
pelo recuo de fiadas da alvenaria quer da estrutura (40-42). A utilização de uma
cor escura - castanho - para a caixilharia e para os restantes elementos
metálicos procura acentuar os anteriores contrastes. A Fábrica Fagus, apesar
de ser o primeiro projecto de Gropius, é um exemplo de objectividade
cromática, onde são indiciadas algumas das futuras abordagens referentes ao
uso da cor (elaboradas ao longo da década de 1920) que, contribuiriam para
uma imagem de aspecto fabril .
“Os novos tempos demandam a sua expressão. A forma exactamente
estampada e livre de qualquer acidente, os contrastes claros, o ordenamento
dos elementos, o arranjo em série de partes similares, a unidade de formas e
cores [...]”.50
Quando no capitulo “método da Bauhaus” são apresentadas as diferentes
fases a que a Escola esteve sujeita, começa-se por evidenciar como primeira -
a expressionista, relacionada com o seu director Walter Gropius. Nesta frase
pode verificar-se alguma relação e correspondência expressionista no seu
primeiro projecto arquitectónico realizado por Gropius em colaboração com a
Bauhaus, para a Residência Sommerfeld, em Berlim, em 1920-1921 (43). O
comprometimento expressionista nesta obra poderá estar associado à imagem
resultante do uso exclusivo da madeira e do seu trabalho rebuscado. O facto
deste projecto ter sido construído durante o Pós-Grande-Guerra condicionou
o uso diversificado de materiais que, até então, Gropius já teria mostrado
interesse em usar (tomando como exemplo a Fábrica Fagus), aspecto que
teria sido decisivo para um uso reduzido de cores. A limitação a que Gropius
esteve sujeito conduziu-o à exploração das complexas texturas cromáticas da
madeira, no sentido de tirar o maior partido da expressão deste material
natural e enriquecer a imagem do edifício.
36
50 Walter Gropius,1913 cit. Curtis, 2006:183
43.Walter Gropius, Residência Sommerfeld, Berlim (1920-1921). (Curtis, 2006)
44.Mies Van der Rohe, Vila de Tijolos, (1923). (Curtis, 2006)
45.Mies Van der Rohe, Monumento aos Mártires Espartaquistas Comunistas, Berlim (1926). (Curtis, 2006)
46.Mies Van der Rohe, Casa Mosler, Potsmam (1924-1926). (Van der Rohe, 2009)
47.Mies Van der Rohe, Museu Haus Lange, Krefeld (1927-1930). (Van der Rohe, 2009)
Por outro lado, Mies Van der Rohe após ter estagiado no atelier de Behrens,
em 1912, migrou para a Holanda, tendo tido oportunidade de estudar
minuciosamente a obra de Hendrik Petrus Berlage (1856-1934). Ao ler e ver
os seus trabalhos, compreendeu que a arquitectura deveria resultar numa
construção clara, na qual o uso da cor e textura própria dos tradicionais
tijolos, contribuiria significantemente para essa clareza. A verdade dos
materiais presente na obra de Berlage aparenta ter contagiado Mies, levando-
o, durante a década de vinte, a desenhar alguns edifícios em alvenaria de
tijolo aparente de aspecto rústico, tais como a Vila de Tijolos, (não
construída) de 1923 (44), o Monumento aos Mártires Espartaquistas
Comunistas, em Belim, de 1926 (45), a Casa Mosler, de 1924-1926 (46), o
Museu Haus Lange e o Haus Esters, em Krefeld, de 1927-1930 (47). À
semelhança da Residência Sommerfeld de Gropius, estes projectos poderiam
ser facilmente designados como “expressionistas”.
No entanto, no fim da mesma década, Mies sugere uma viragem na
linguagem arquitectónica, na qual é já visível uma certa a complexização
cromática, prova disso é o Pavilhão Alemão da Exposição Internacional de
Barcelona (1928-1929) (48). Tal como a Fábrica Fagus anunciava as futuras
abordagens cromáticas de Gropius, o conhecido Pavilhão de Barcelona
antecipava também as posteriores caracterizações de Mies. Para Bruno Zevi
(1984), o Pavilhão pode ser descrito materialmente como uma composição
“de painéis de travertino, mármore, lâminas de vidro, superfícies de água,
planos horizontais e verticais que quebram a imobilidade dos espaços
fechados, rompem os volumes e orientam o olhar para vistas exteriores"51. A
variedade de materiais/superfícies de cor descritas por Zevi sugere a
“complexização cromática” que caracteriza e dá identidade a este projecto
(49.50). Contudo, Mies consegue garantir a ideia de clareza construtiva
resultante da verdade dos materiais, defendida por Berlage.
“O que estou a tentar fazer na arquitectura é desenvolver uma estrutura clara
[...] confronta[r-me] com o material [...] averigua[ando] como o utilizar
correctamente. Isto não tem nada a ver com a forma”.52
O que parece interessar a Mies é o uso correcto dos materiais, de modo, a
retirar o maior partido dos seus padrões, reflexos, texturas e cores próprias.
Neste projecto, em particular, a compatibilização de superfícies de pedra com
diferentes cores e padrões contribui para a caracterização e enriquecimento
da singela estrutura edificada. A cada uma das superfícies é dada uma
37
51 Zevi, 1984: 4652 Van der Rohe [1964], 2006: 58
48.Mies Van der Rohe, Vista frontal, Pavilhão Alemão da Exposição Internacional de Barcelona, Barcelona (1928-1929). (Van der Rohe, 2000)
49 .Vis ta das d ive rsas super f í c ies que caracterizam o interior do edifício. (Van der Rohe, 2000)
50.As diferentes cores/texturas das pedras utilizadas no Pavilhão de Barcelona. (Quintas, 2009)
especial atenção; algumas acabam por adquirir uma expressão cromática
única, ao lhes ser associado um material muito especifico. O especial cuidado
“cromático” e o desenho de determinado plano, faz com que este adquira a
capacidade de “representar” e “expressar” reconhecimento a todo o projecto.
A postura de Mies em relação ao uso exclusivo da cor própria, leva-o a
reconhecer: “adoro os materiais naturais e as coisas metálicas [...] poucas
vezes utilizei paredes coloridas. Realmente gostaria de encarregar a pintura
das paredes a Pablo Picasso ou a Paul Klee”.53 Para Mies, a responsabilidade
de caracterizar determinada superfície ou espaço recorrendo ao uso da cor
aplicada, “deveria” ser remetido a um artista. Acrescenta ainda: “as poucas
vezes que pintei de branco [um projecto] era porque estava entre o verde, a
campo aberto. Podia utilizar qualquer cor”.54
A “objectividade” cromática conferida pela atribuição de determinado
material, constitui um aspecto significante para a sua futura arquitectura mais
pavilhonar, que de certo modo dará continuidade a alguns propósitos (como o
trabalho da cor) já anunciados no Pavilhão de Barcelona. Para além da
questão de gosto, Mies revela através da eleição de determinado material (do
qual resulta determinada cor) um desejo de clareza e consequentemente de
menor subjectividade.
“Se eu fosse uma pessoa subjectiva, seria pintor e não arquitecto. [Na
arquitectura] não é possível ser-se verdadeiramente subjectivo; porque os
edifícios poderiam ficar estranhos. [...] acho que a arquitectura é uma arte
objectiva”.55
O estilo racional baseado na acentuação poética da estrutura e da tecnologia
que passa a caracterizar a obra de Mies, segundo Willian Curtis (2006) e
Bruno Zevi (1984) sugere uma síntese neoplástica. Apesar de Mies Van der
Rohe (1964), o contrariar, reconhecendo que nunca foi um propósito seu e,
que, se alguma vez acabou por propor alguma correspondência com o
neoplasticismo, foi fruto do acaso. A verdade é que a sua arquitectura baseia-
se numa composição de planos que tem a virtude de possibilitar uma
multiplicidade de tratamentos e a atribuição de diversos materiais (cores). Por
outro lado, o facto da arquitectura desenvolvida por Gropius ser mais
“volumétrica”, “não propiciaria” a mesma diversidade de tratamentos ao
nível das paredes, do que a obra de Mies. Deste modo, obra de Gropius mais
facilmente adoptaria uma caracterização cromática unitária, conformando a
38
53 Idem: 60/6154 Idem: Ibidem55 Idem: Ibidem
massa construída numa leitura global.
Contudo, a defesa do uso da cor própria dos materiais também aparece na
postura de Gropius, embora, este utilize geralmente a cor resultante da
escolha de um único material. No entanto, o interior dos seus projectos
adquire normalmente, através da pintura, a cor branca aplicada - funcional, na
medida em que tem elevada capacidade de reflectir a luz.Em comparação
com os projectos de Mies, a “barreira” interior-exterior, é geralmente
imperceptível, na medida em que é diluída, pela continuidade cromática
(conferida pela atribuição dos mesmos materiais), “indiferente” a cada uma
destas realidades.
A arquitectura de Gropius passará mais tarde a formular aspectos da estética
e da ética Modernista (aspirando solucionar diversos problemas de ordem
social consequentes do Pós-Guerra), e neste sentido, o Arquitecto vai adoptar
frequentemente o uso da cor aplicada - branca - associada ao Modernismo,
reflectindo uma visão social e funcional associada a aspectos de razão
económica. Por sua vez, a obra do arquitecto Mies vai oscilar entre uma
exploração cromática já anunciada e uma versão pontual mais contida,
influenciada pela adesão aos valores sociais do Modernismo.
39
40
O resultado da cooperação- Bauhaus de Dessau | Casa dos Professores - síntese plástica/arquitectónica -
A aplicação e fusão entre os ideais artísticos e os arquitectónicos foram
visíveis maioritariamente nos projectos de arquitectura realizados por Walter
Gropius.
Contrariamente à visão de William Curtis (2006), Giulio Carlo Argan (1990)
reconhece que “no estilo da Bauhaus [representado também, pelos projectos
arquitectónicos de Gropius ligados à Escola], encontram-se infalivelmente
sinais de coerência, de exactidão e de economia mental, e sobretudo, de uma
infalível segurança na designação da imagem nas mais diversas obras que,
mesmo sem possuírem uma forte personalidade artística, [passam pelo
mesmo] mecanismo didáctico”.56
Os sinais de coerência didáctica poderão estar comprometidos com o facto,
dos artistas e artesãos se servirem dos conhecimentos/intuições adquiridos no
curso base - Vorkurs, e no ensino formal - Formlehre para propor uma
harmonização assente numa base unitária de formas e de cores, de modo a
conferir identidade ao espaço arquitectónico..
A partir da síntese da teoria das formas e das cores, desenvolvida e ensinada
pelos artistas Paul Klee e Wassily Kandinsky, resultaria a “linguagem da
Bauhaus”, na qual a expressão cromática teria a função de acentuar e
sublinhar os aspectos formais. A este facto se deve a “fé” de Gropius na
pintura, que “facilmente” poderia servir como instrumento de estímulo e de
enfatização da nova linguagem arquitectónica, levando-o a referir que juntos
(artistas e arquitectos) iriam criar o edifício do futuro que constituiria um
“todo em um”, conciliando a arquitectura e a pintura (Pérez, 2005). O ensino
prático, dominado pela procura da harmonização, serviria para desenvolver e
elaborar diversas e diferentes ideias sobre o uso da cor, às quais acabariam
por ser incorporadas no acto criativo projectual, como base unitária referida
às formas, de modo a conferir identidade ao espaço.
Gropius sempre acreditou e defendeu a cooperação entre as diversas áreas
artísticas, como tal, é-nos possível ler nas suas idealizações arquitectónicas
conjuntas com artistas, um esforço acrescido de as pensar de modo
“abstracto” (ao não equacionar qualquer tipo de caracterização cromática,
quer para o exterior quer para o interior), permitindo aos artistas a maior
41
56 Argan, 1990: 32
liberdade possível, talvez, de modo a estimular-lhes a criatividade e os
conhecimentos, para o estabelecimento de critérios cromáticos ajustados às
diversas soluções espaciais.
Exemplo do optimismo de Gropius, na cooperação e na coerência artísticas
foi o projecto da nova Escola em Dessau, construída em 1925-1926 (51).
Apesar de ter ficado a seu cargo, o Arquitecto contou com a colaboração de
outros professores e inclusive de alguns alunos, que proporiam diversos
estudos apontando diferentes caracterizações espaciais. Seria um exercício
que acabaria por assumir um relevante contributo didáctico. Aparentemente,
a cooperação reflectia uma nova atitude artística - de fazer arquitectura - na
medida em que o projecto arquitectónico “resultava” da convergência de
diferentes pensamentos inerente aos seus intervenientes, culminando num
“produto” representativo da pedagogia da Bauhaus.
A cor e a forma eram defendidas na pedagogia didáctica enquanto potências
da linguagem visual. Ao concordar com a respectiva indução didáctica,
Gropius tinha presente que ambas deveriam ser elementos básicos do
projecto de arquitectura. De modo a que estes pudessem ser explorados com
a mesma profundidade, propôs, para o novo edifício da Bauhaus, uma série
de repetições volumétricas e de vazios e uma multiplicidade de elementos
standard, que para além de revelarem uma racionalização de projecto (que
viria a servir posteriormente à linguagem da Arquitectura Moderna),
denunciavam uma preocupação com o trabalho de equipa. As repetições
consequentes da normalização de projecto acabariam por facilitar as diversas
propostas cromáticas. O “esforço” de Gropius (e da pedagogia da Bauhaus)
era no sentido de viabilizar uma construção mais fácil, capaz de
compatibilizar a interacção entre a arquitectos e artistas para a obtenção de
um resultado comum.
O artista Hinnerk Scheper (1897-1957) propôs para o tratamento exterior dos
volumes, uma correspondência entre as cores e as suas diferentes funções, e
sugeria ainda que, alguns pequenos elementos da fachada adquirissem uma
diferenciação cromática. Contudo, no que refere ao tratamento exterior,
Gropius acabou por optar por alguma contenção cromática, face à proposta
de Scheper. O edifício acabou por ter como cor dominante o branco que
adquiria uma extrema vivacidade pela acentuação dos jogos de claro-escuro,
propiciados pelos avanços e recuos dos planos envidraçados, assim como
pelas expressivas sombras “desenhadas” pelos palas e varandas (52). A
“contenção” cromática propiciava uma sobriedade ao exterior edificado, no
qual a cor branca era compatibilizada com um cinza que se prolongava por
42
51.Walter Gropius, Escola Bauhaus, Dessau (1925-1926). (Nerdinger, 1988)
52.Walter Gropius, Vista da fachada do bloco de habitação, Escola Bauhaus, Dessau (1925-1926). (Nerdinger, 1988)
53.54.Walter Gropius, Vista dos acessos, Escola Bauhaus, Dessau (1925-1926). (Nerdinger, 1988)
todo o embasamento e se estendia a algumas superfícies de remate. O
contraste resultante fazia “libertar” os volumes, acentuando a leitura de toda a
composição, como é visível no ensaio perspéctico de Hinnerk Scheper (55.56).
Ainda referente à caracterização exterior, é possível notar que a “excepção”
cromática se dá exclusivamente nos pontos de acesso ao edifício, com um
propósito quase que só “funcional”, acabando por adquirir a “cor de alerta” -
vermelho.
No que refere à caracterização epidérmica dos diferentes espaços interiores
da nova Escola em Dessau, Gropius contou com o complexo plano cromático
elaborado pelo artista Hinnerk Scheper (53.54). Nesta proposta era visível uma
correspondência entre uma cor específica e um espaço determinado, que teria
como principal objectivo “organizar” e tornar a utilização do edifício
intuitiva. A mudança de cores proposta para os espaços de fronteira e planos
de transição, teria o mesmo propósito - encaminhar os utilizadores (57). Para
além do esquema de cores estar associado às diferentes tarefas aparentava
pretender que os espaços se tornassem mais aprazíveis e expressivos.
Segundo Veleiro (1991), todas as lógicas propostas no plano de cor
(funcionais, plásticas e expressivas) tenderiam a igualar o uso da cor a
qualquer outro elemento integrante e indispensável à materialização
arquitectónica, o efeito espacial resultante do uso de cores era ainda
complementado e reforçado pelo uso de uma variedade de materiais com
diferentes acabamentos superficiais: uns polidos, lisos com alto brilho, outros
rugosos, superfícies mate, tintas de alto brilho, vidro, metal, etc. Deste modo,
o projecto arquitectónico tornava-se um verdadeiro “campo experimental”,
onde a cor assumia uma importância “co-igual” ao espaço arquitectónico,
esta equivalência foi possível, porque, para Gropius, “toda a forma visual
aparece como efeito conjunto; como um efeito visual total”.57
Também nas Casas dos Professores em Dessau (1925-1926), foi notória a
mesma coerência artística por parte de Gropius. Trata-se de um projecto
composto por quatro construções, três delas semi-independentes (destinado a
dois professores cada) e partilham os mesmo elementos standard.
O Arquitecto contou com a sugestão cromática do seu ex-aluno na Bauhaus,
Alfred Arndt (1896-1976) que pretendia pôr em evidência aspectos comuns
às quatro edificações, de modo a assegurar a leitura unitária do conjunto (58).
A sua proposta, tal como a de Hinnerk Scheper para a Escola, sugere a
aplicação de uma “codificação de cor”. Embora, neste caso, esta seja
43
57 Gropius cit. Veleiro, 1991: 16
55.56.Desenhos da proposta de cor para o edifício da Bauhaus. Alçados, perspectiva. (Hinnerk Scheper, 1926). (Nerdinger, 1988)
57.Desenho do estudos cromáticos para os diferentes tectos do edifício da Bauhaus (Hinnerk Scheper, 1926). (Nerdinger, 1988)
associada aos elementos arquitectónicos repetidos, pontuando e conferindo a
todo o conjunto uma acentuação rítmica.
A proposta de Arndt tinha ainda outras intenções, pretendia sugerir a
diferenciação entre as superfícies maiores e os pequenos volumes salientes
das fachadas. Pelo facto de Gropius não ter adoptado integralmente esta
proposta, deduz-se que talvez fosse demasiado “rebuscada”. O Arquitecto
acabou por adoptar apenas o esquema de cores associado à parte inferior das
varandas e a todas as portas e janelas, que seriam suficientes para conferir a
cada bloco edificado uma identidade (59.60). No entanto, a caracterização
cromática interior ficou ao critério dos moradores, acabando por resultar
numa certa diversidade consequente das diferentes personalidades. As casas
partilhadas pelos artistas continham caracterizações cromáticas variadas
(61.62); já as ocupadas pelos arquitectos tenderiam para a sobriedade, ao serem
dominantemente brancas. Esta diferenciação leva a que eu questione sobre se
os artistas não teriam uma relação de maior proximidade com a cor, enquanto
os arquitectos se manteriam mais distantes desta, denunciando um certo
conservadorismo.
Ambos os projectos (a Escola Bauhaus de Dessau e a Casas Professores) são
representantes de uma tentativa de coerência e síntese entre a visão
arquitectónica e a plástica.
44
58.Desenho axonométrico da Casas dos Mestres, Alfred Arndt, (1926). (Nerdinger, 1988)
59.60.Walter Gropius, Casas dos Mestres, (1925-1926). (Lupfer, 2004)
61.62.Vista do interior da Casa dos Mestres, habitada por Kandinsky e Klee (1925-1926). (Lupfer, 2004)
O branco “Escola do Porto” e o cromatismo Bauhaus- Estímulo - Princípios pedagógicos | Abstracção - Síntese plástica/arquitectónica -
O arquitecto Carlos Ramos, “criara” a “Escola do Porto” ao promover um
ensino assente numa permanente liberdade, acabando por entusiasmar tanto
professores como alunos. A sua acuidade crítica levou-o nos anos de 1950 a
captar valores, resgatando, Mário Bonito, Agostinho Ricca, José Carlos
Loureiro, João Andresen, Fernando Távora, Octávio Filgueiras e Arnaldo
Araújo para que aliassem os seus saberes à devoção pedagógica, de modo a
“construir” o projecto que viria a ser chamado “Escola do Porto”.
Alguns anos antes Gropius teria “construído” a sua Escola - Bauhaus - de
modo semelhante a Carlos Ramos, contando com determinados artistas e
arquitectos escolhidos por si, acabaria por conseguir vingar a sua ideia de
“Escola”. Como descreve Mies, a Bauhaus era fruto de “ uma ideia, esse
seria o principal motivo da sua enorme influência no mundo [...] uma
ressonância tão ampla não era possível conseguir-se só com organização,
nem com propaganda. Só uma ideia tem força para se ampliar tanto”.58
Ramos fez singrar a sua Escola “através de uma política das pessoas mais
úteis”.59 Neste sentido, poder-se-á dizer que, mais que a vontade individual
de Carlos Ramos, a “Escola” resultou de um esforço conjunto.
“Os apelos à manifestação da individualidade num regime de aprendizagem
flexível, ao sabor das necessidades de cada um, como que adequando o
percurso do ensino ao progresso natural do conhecimento; a formação global
do aluno implícita na actividade de síntese que constitui a parte central do
curso [na “Escola do Porto” durante a década de 30]; o aprender a fazer
fazendo 60 , nunca enganando os alunos, apresentando-lhes como um saber
acabado uma disciplina cuja actividade decorre precisamente de o não ser [...]
divisão e sectorização dos conhecimentos, especialidade nos confrontos do
desenvolvimento. Mas a involução se trata apenas de atraso, seja em relação à
Bauhaus, seja em relação ao ensino tecnocrático a favorecer os saltos
qualitativos que o sistema requeria”.61
Walter Gropius, algumas décadas atrás (1919) teria feito o mesmo na
Alemanha, na Bauhaus. O Arquitecto “muniu” o corpo docente com diversos
e diferentes artistas, cativando-os pelo entusiasmo de trabalho em equipa que,
de um modo genérico, acabaria por resultar na cooperação entre artistas e
arquitectos.
45
58 Van der Rohe [1953], 2006: 6359 Portas [1969], 2005: 27560 e fazer-recorrendo às referências e aos ensinamentos históricos, conforme experienciei na FAUP61 Alves Costa [2001], 2007: 256
“[Gropius com 36 anos dirigiu a Bauhaus ao longo de seis anos,] lançando um
novo tipo de projectistas [...] interessados na purificação formal, na ruptura
com o vocabulário do passado e na extensão da beleza mais essencial [assente
numa] pedagogia aberta, em equipa oficinal, democrática”.62
Ambas as Escolas tinham em comum serem herdeiras da École des Beaux-
Arts, aspecto que propiciou à “Escola do Porto” uma aproximação
pedagógica, acabando por “adoptar” uma derivante Bauhausiana - o modelo
“escola-atelier”63, visível no sistema de aulas, nos quais eram elaborados
trabalhos práticos oficinais (projectos) com o apoio do mestre (professor). O
modelo “escola-atelier” foi transversal à “Escola” prolongando-se até à
aplicação das Bases-Gerais (1979); este “modelo” é descrito pelo arquitecto
Álvaro Siza como “uma pequena família de estudantes e mestres
deslumbrada pelo empenho em responder, [...] através da arquitectura, a um
desejo de transformação” 64 , como foi visível no trabalho de equipa
desenvolvido no inquérito que resultou na Arquitectura Popular em Portugal
(1961), e posteriormente no realizado pelo SAAL.
“As escolas de arquitectura deixam de ter como material pedagógico a
!arquitectura que se faz fora das suas portas’ para procurarem antes !os
caminhos da arquitectura que o seu território [e a sua Era] necessitam’.
Procura, que não pode ser feita apenas em fase pós-escolar, [...] se o fazer
arquitectura é hoje (como temos vindo a defender), pesquisa de necessidades e
de respostas significantes, a educação será também prática e desenvolvimento
dessa pesquisa”.65
No entanto, a actualidade do ensino da “Escola do Porto”, mais precisamente
na FAUP, sofreu alterações devido ao substancial aumento do número de
estudantes. Nesse sentido, a “Escola” teve que encontrar uma saída, evoluir e
“modernizar”, tendo que renunciar ao seio familiar anunciado por Álvaro
Siza.
O anterior modelo (“escola-atelier”) propiciava uma grande proximidade
entre aprendiz e mestre, permitindo inclusive ao aluno assistir e acompanhar
directamente o desenvolvimento dos trabalhos realizados pelos docentes.
Este contexto “académico-profissional” aparenta propiciar “melhores”
condições para uma consciência crítica sobre a matéria e uso da cor, visto ser
uma inevitabilidade profissional (uma exigência projectual), que é a de
propor uma ou várias soluções cromáticas para determinado projecto.
Sabendo que o arquitecto não pode “fugir” a esta exigência, ao ter que
46
62 Portas [1969], 2005: 27263 Figueira, 2002: 7064 Siza [1995], 2009: 16365 Portas [1964], 2005: 354
atribuir uma resposta responsável, permite que o campo da prática
profissional seja adequado a sensibilizar e a despertar o formando para as
diferentes realidades (como o exemplo da cor). Embora, este particular
método ensino tenha deixado de vigorar em 1979, e possa aparentar
constituir-se como uma perda substancial, é de referir que não existem
modelos perfeitos e uma das desvantagens deste poderia ser a imitação,
causada pela estreita relação entre o aprendiz e o seu mestre.
“O método da participação no trabalho e personalidade do mestre tem-se
traduzido numa tendência para a imitação do vocabulário [onde a cor se
inclui], que se explica pelo vazio teórico que caracteriza a formação de atelier.
[Contudo,] uma consequência pedagógica é o facto de que, no trabalho dos
génios [Gropius e Mies], há aspectos que são sistematicamente
subestimados”.66
Na Bauhaus o modelo “escola-atelier” seria equivalente, na medida em que
as aulas se processavam de modo semelhante, em torno de um admirado
“protagonista” - o mestre. Alguns docentes (com formação plástica) já teriam
conquistado grande reconhecimento pela sua obra, factor que contribui para o
acrescido interesse dos alunos. O destaque atribuído aos docentes artistas,
prende-se com este terem sido os mentores e educadores, quer da formação
básica quer do ensino formal. Inicialmente, auxiliavam os alunos (pela
experimentação) a libertarem-se; posteriormente davam início à nova
aprendizagem, à qual se seguia uma indução formal mais complexa que,
aspirava a que os alunos adquirissem e desenvolvessem os seus próprios
critérios para uma racional combinação de cor, textura e formas. Apesar da
estética (arquitectónica) defendida na Bauhaus estar fortemente associada ao
funcionalismo, a cor surgia integrada nos estudos das mais variadas
especialidades, aspecto que se revelaria uma inovação didáctica (Veleiro,
1991).
No entanto na “FAUP”, hoje com um número de alunos significantemente
maior que aquele que estaria pensado há uns anos atrás, levaria a que o papel
pedagógico dos professores artistas se prestasse a outro fim, não menos
importante - o leccionar da disciplina de Desenho. Trata-se de um
instrumento base que serve de “aliado” à disciplina de Projecto, é a partir
dele que as ideias são testadas, conduzidas e comunicadas.
“Característica desta Escola tem sido uma estreita relação entre o que
projectam nos seus “escritórios” e o que ensinam na Escola, ou seja, uma
pedagogia mais experimental do que académica, uma ênfase no conhecimento
47
66Idem: 358
da realidade através do Desenho mais do que a partir da teoria, um
enraizamento da construção no desenho, uma visão mais arquitectónica dos
problemas do território do que administrativa ou funcional”.67
Da mesma maneira que o curso base - Vorkurs - e das formas - Formlehre -
teria a capacidade de ser reconhecido como “método Bauhaus”, o Desenho na
“Escola do Porto” tem a capacidade de lhe elevar o estatuto a “Escola do
Desenho”. Poder-se-á dizer que enquanto o curso base da Bauhaus pretendia
munir o aluno com alguns instrumentos base - uma formação artística,
artesanal, racional mais ligada ao abstraccionismo na arte e procurando no
funcionalismo - em arquitectura uma resposta nova aos novos problemas do
seu tempo instrumentos básicos, já na “Escola do Porto” o Desenho assume-
se como o grande instrumento.
É possível também estabelecer-se correspondências didácticas com
influência ao nível do uso da cor. Enquanto na Bauhaus o ensino formal tinha
o papel de estabelecer critérios de harmonia entre a forma e a cor, na “Escola
do Porto” é possível identificar “motores” de elaboração projectual com
capacidades semelhantes. Dos quais é possível destacar, o Lugar e a História,
que serão de igual modo estimulantes quer para as sugestões formais quer à
caracterização cromática.
“A escola [em geral] é um lugar de transmissão do melhor que sabemos mas é
também, desde logo, um lugar em que a didáctica e investigação se
confundem, ou, por outras palavras, na qual a didáctica da arquitectura é
criadora responsabilizando-se não apenas um reflectir o melhor nível existente
mas em acrescentar possibilidades ao futuro exercício da profissão. E neste
sentido se pode dizer que, e apesar de todas as suas contradições, na escola de
Bauhaus se forjou uma nova etapa da arquitectura contemporânea”.68
Na Bauhaus as motivações que espoletavam o uso da cor pelos artistas
aparentam demonstrar uma “construção” de “regras” para a sua aplicação nos
projectos arquitectónicos. A liberdade dada aos alunos sugeria ser o único
“ingrediente” da descoberta e desenvolvimento de ideias, para a sugestão
cromática, estando essas, no entanto, sujeitas a regras rigorosas no que
respeita à sua aplicação, em sintonia com a integridade volumétrica ou
planimétrica dos edifícios a tratar.
Contudo, apesar da visão dos arquitectos aparentar privilegiar princípios de
outra natureza como a forma e a função, procuram paralelamente estabelecer
algumas regras que servirão de auxílio e motivo às possíveis propostas de
48
67 Portas [1983], 2005: 24868 Portas [1964], 2005: 353
cor.
Na FAUP “o método pedagógico [que] resulta da estabilização de um método
operativo”.69, terá comprometimento com os três “princípios pedagógicos” (o
Desenho, o Lugar e a História) que são capazes de despertar ideias para o uso
racional da cor, embora isso não se verifica. O uso “fácil” do branco,
caracteriza de modo genérico “todos” os projectos. Contudo, a utilização
crítica e consciente dos diferentes princípios pedagógicos, permitirá ao aluno
imaginar a evidência70, no que respeita ao uso da cor, evitando a solução
“fácil” - o branco. Se estudamos forma e cor como “realidades conjuntas”,
será tão importante uma ideia formal quanto uma ideia de cor; nesse sentido,
será ainda mais significante ter uma ideia de cor ajustada a determinada
forma.
No entanto, segundo o arquitecto-professor Manuel Correia Fernandes “a
herança das Belas-Artes [...] e das experiencias da Bauhaus que, desde então,
entraram nos hábitos de várias escolas, não conduziram a uma utilização
correcta das suas potencialidades [, os] princípios [que] se devem aos homens
da Bauhaus [...] continham perigos evidentes para o ensino da arquitectura, já
que, na relação forma-conteúdo (significante-significado), propunha uma
aprendizagem independente da teoria e uma pesquisa reduzida ao mundo das
formas puras”.71 Neste sentido, poder-se-á dizer que a relação dos artistas da
Bauhaus com a cor, resultava da experiência desenvolvida através da pintura
- orientada segundo uma intuição que procurava a harmonia entre formas e
cor. No entanto a arquitectura introduz outras realidades (a) que estes não
consideram (desconhecem), devido a proporem uma solução cromática para
um “produto” formal elaborado por outra pessoa - o arquitecto. Apesar do
método de ensino da Bauhaus ter sido abstracto, em particular no que respeita
ao ensino da cor, ao ser abordada de modo “autónomo” ou apenas
relacionada com a forma, foi um contributo altamente relevante e inovador
para o seu tempo. Contudo, na actualidade, será aconselhável que o estudo ou
a abordagem pedagógica ao tema cor, se proponha ser mais extensível, e a
abranger as mais diversas questões a que um projecto de arquitectura está
comprometido. Sabendo que no ensino da FAUP somos frequentemente
“alertados” para a importância do Lugar - da História - referências, do
programa, da construção e materialização do projecto (entre outros aspectos)
enquanto elementos essenciais à concepção do projecto, é importante
também ter presente, que estes mesmos aspectos, são capazes de estimular e
49
69 Portas [1959], 2005: 2470 Título de um dos livros de Álvaro Siza, (1998)71 Fernandes, 1980:61
dar pistas para a utilização da cor.
50
A COR NO UNIVERSO PROFISSIONAL
51
52
As distintas abordagens do Movimento Moderno- Monocromatismo | Naturalismo | Policromatismo - três abordagens cromáticas -
O Movimento Moderno trata-se de uma corrente arquitectónica com
tendência internacional que terá surgido das vanguardas europeias do início
do século XX, desenvolvendo-se durante a década de vinte. O facto deste
período temporal ter sido fortemente marcado pelas consequências da
Primeira Guerra Mundial, acabaria por conduzir ao amadurecimento das
experiências e das teorias Modernistas. É neste contexto, que esta tendência
irá assumir-se essencialmente como uma causa social, mais do que como uma
causa estética. A necessidade de responder à escassez de habitação, assim
como, de solucionar problemas que se prendiam com a insalubridade,
conduziu a uma simplificação geral das geometrias, das linhas e das cores.
No entanto, o Modernismo foi conduzido por um vasto número de
arquitectos de diferentes gerações, nacionalidades, culturas e, inclusive, com
diferentes formações, tais como: Frank Lloyd Wright (1867-1959), Adolf
Loos (1870-1933), August Perret (1874-1954), Bruno Taut (1880-1938),
Walter Gropius (1883-1969), Mies van der Rohe (1886-1969), Le Corbusier
(1887-1965), J.J. Pieter Oud (1890-1963) e Alvar Aalto (1898-1976), entre
outros.
Seria através dos CIAM - Congressos Internacionais de Arquitectura
Moderna -, que decorreriam entre 1928 e 1956, que algumas destas
diversificadas personalidades iriam encontrar pontos de convergência. Ainda
assim, o facto dos Arquitectos do Movimento Moderno serem personalidades
tão distintas, alguns com interesses que iam para além do universo da
arquitectura, nomeadamente a pintura, fez com que aproximadamente até ao
final da década de 1950 viessem a existir diferentes abordagens, possíveis
vertentes ou versões do mesmo Movimento. Na vontade colectiva de criação
de uma “arquitectura comum” é possível evidenciar-se algum pluralismo.
No que refere à utilização da cor, é possível destacar-se, enquanto posturas
extremas, as monocromáticas relacionadas com o Purismo Corbusiano, as
“naturalistas” ligadas ao Organicismo Wrightiano e ainda as policromáticas
associadas, quer ao Expressionismo de Taut quer ao Brutalismo Corbusiano.
Partindo destas posições é possível constatar-se enquanto personalidade
aparentemente mais “instável” o nome de Le Corbusier, visto estar associado
às posturas mais antagónicas (monocromática e policromática). No entanto,
essa “instabilidade” reproduz e reflecte a “obtenção” de uma nova
consciência, relacionada com a sua experiência pessoal enquanto artista, mas
53
também com a sua sensibilidade face às diversas e diferentes influências
produzidas ao longo de décadas pelos Arquitectos do Movimento Moderno
(Quintas, 2009).
Um dos aspecto mais interessante relacionados com a utilização da cor neste
período da História da arquitectura, prende-se com a pontual diversidade de
soluções, apesar de estarem associadas a este momento, quase
exclusivamente, as soluções monocromáticas.
Geralmente a este período da História da Arquitectura associa-se unicamente
as abordagens monocromáticas, contudo, um aspecto interessante relacionado
com este momento, prende-se com a existência de uma diversidade pontual
de soluções. Na realidade, cada um dos diversos “partidos cromáticos” teve
os seus seguidores, os quais reinterpretaram, ajustaram e adaptaram as suas
soluções cromáticas aos novos problemas levantados, problemas que iam
para além dos unicamente funcionais que fomentaram a origem do
Modernismo. É deste modo que nomes com uma ligação mais próxima ao
“policromatismo” como Taut ou Oud, assim como ao “naturalismo” de
Wright, Mies ou Aalto, irão também pontualmente propor pontuais soluções
monocromáticas brancas.
54
Monocromatismo- O domínio do Branco - Purista -
Se ao longo das duas primeiras décadas do século XX a utilização da cor era
recorrente e, tenderia a ser-lhe conferida contínua proeminência pelas
vanguardas, a partir de 1928 com o início dos CIAM - instrumento/meio de
convergência dos princípios Modernos - terá sido “estipulado” o
acromatismo - da homogeneidade branca - como ideal comum. O “consenso”
em torno da cor branca enquanto resposta generalizada, estaria
particularmente comprometido com a posição de Adolf Loos (1870-1933)
abordada no seu ensaio de 1908 - Ornamento e Crime - no qual defendia uma
arquitectura objectiva e essencial. Contudo, é apenas a partir do período do
Pós-Guerra, marcado pela escassez de habitação e pelos diversos problemas
funcionais associados a esta, como o espaço mínimo e a sua insalubridade,
que o entendimento de Loos sobre o ornamento (o qual via como “ruído”),
começa progressivamente a reflectir-se na arquitectura Moderna.
“O depuramento prescrito por Loos iria conduzir necessariamente à
fundamentação da Carta de Atenas pelos seus signatários e seguidores,
ficando, assim, criadas as condições para o Movimento Moderno”.72
A sua arquitectura apoiava-se na “modéstia e discreção contra o culto da
originalidade tendo influenciado o Movimento Moderno no capítulo da
utilização da cor, através da neutralidade da expressão cromática dos seus
edifícios”.73 Das suas diversas obras, onde a exclusividade da cor branca
aparentava ser a solução para todos os “problemas”, poder-se-á referenciar,
nomeadamente, as Casas Steiner (63) e Müller (64.65). Ambos os projectos
seriam o reflexo de uma solução cromática pautada por uma “expressividade
discreta”, onde a exclusão do ornamento associada à cor branca, contribuiria
para a afirmação da ideia de pureza que deveria caracterizar o objecto
arquitectónico.
“Os pioneiros do movimento moderno entendem que o carácter !pitoresco’ e
!anedótico’ da linguagem medieval, oculta um profundo compromisso de
registo dos factos na sua essência individual”.74
O novo “ideal” arquitectónico (Modernista) aparentava rejeitar a tendência
natural de desenvolvimento da arquitectura e, passaria a propor uma ruptura.
É deste modo que é iniciada a nova linguagem, apoiada num conjunto de
55
72 Quintas, 2009: 2473 Figueira, 2002: 6474 Zevi, 1984: 136
63.Adolf Loos, Casa Steiner, Vienna (1910). (Gravagnuolo, 1981)
64 .65 .Ado l f Loos ,Casa Mü l l e r, V ienna (1927-1928). (Gravagnuolo, 1981)
preocupações sociais, que a conduziria a um período de “nudismo
arquitectónico” que rejeitava a decoração (Quintas, 2009). Será neste
contexto que a eliminação da ornamentação supérflua terá dado lugar ao uso
exclusivo do branco, talvez por ser uma cor ideal à pureza (reflexo de um
pensamento higienista). É deste modo, que as depuradas volumetrias-
geométricas brancas passam a ser unicamente caracterizadas e animadas pela
exploração assimétrica da disposição e diversidade dos vãos.
“O Movimento Moderno vai-se caracterizar pela reintepretação e pela
adaptação aos princípios do purismo formal ou à abstracção geométrica, o que
irá conduziu a um descurar da aplicação cromática, ou no extremo à sua
exclusão”.75
O facto dos arquitectos Modernos defenderem que os edifícios dever-se-iam
“vestir” de branco, aparentemente não estava apenas associado à crença de
obtenção de “maior eficácia”, mas também seria o reflexo da posição
expressa por Le Corbusier no seu escrito - Vers une architecture - de 1923. Aí
o Arquitecto francês defende que a nova estética da arquitectura deveria ser
racionalista e extremamente funcional. Seria de acordo com estas premissas
que a expressão cromática das inumeras Casas Puristas realizadas ao longo
de toda a década de 1920 (66-70) seriam genericamente brancas. A estética
Purista procurava reflectir o significado literal do próprio termo: a pureza
formal geométrica combinada com os elementos essenciais da arquitectura,
resultaria na sua própria expressão. O facto de estes projectos terem sido
orientados apenas em função da forma, levou a que durante anos a
importância da cor fosse negada. As mais diversas casas acabariam por
reflectir um vocabulário (tanto cromático como formal) de origem purista,
baseado numa pintura sem valores emocionais, racional e rigorosa, que
excluía a subjectividade e qualidades decorativas, Barba (2006). É deste
modo que a tradicional “compensação” artificial e ornamental, seria
“substituída” pelo princípio normativo - o branco. Esta seria a ideal, visto que
era capaz de criar cenografias neutras, “fundos despersonalizados” que não
colidissem com a expressão formal do edifício.
“O branco é do ponto de vista simbólico a cor mais perfeita. Não há nenhum
conceito do branco com significado negativo. O simbolismo ligado a esta cor
tem uma história tão larga como a da humanidade, e só por si, constitui uma
verdadeira história da linguagem cromática”.76
Para Le Corbusier a policromia aparentava ser desnecessária e supérflua, na
medida em que considerava a cor como “[…] um agente perigoso na
56
75 Barba, 2006: 33076 Idem: 327
66.Le Corbusier, Casa La Roche-Jeanneret, Paris (1923). (Gössel, 2005)
67.Le Corbusier, Pavilhão de “L´esprit Nouveau”, Paris (1925). (Gössel, 2005)
68.Le Corbusier, Conjunto Habitacional de Stuttgard - Weißenhofsiedlung, (1926-1927). (Curtis,1995)
69.Le Corbusier, Casa Stein, Estugarda (1926-1928). (Curtis, 1995)
70.Le Corbusier, Casa Savoye, França (1928-1931). (Curtis, 1995)
expressão do volume. Ela é muitas vezes destrutiva e desorganizadora do
volume porque as suas propriedades intrínsecas são muito variáveis: umas
são radiantes […] outras são evasivas e por fim outras são massivas”. 77 A
economia de meios era tendencialmente comum à nova estética que,
resultava da correspondência entre a pureza formal e cromática, ajustava-se à
racionalização e repetição das mais diversas “maquina de habitar”. De acordo
com Frampton (1994), Le Corbusier terá criado a exaustiva “máquina de
habitar” de estética Purista. No entanto, este conceito (máquina de habitar)
seria adoptado por diferentes personalidades modernas que acabariam por
“multiplicá-lo” e, criar as mais diversas variantes (todas elas acromáticas),
como é exemplo do conjunto habitacional realizado em Stuttgart (71) -
Weißenhofsiedlung (1926-1927) - realizado por um colectivo de arquitectos
Modernistas, tais como: Le Corbusier (72), Ludwig Mies van der Rohe (73),
Jacobus Johannes Pieter Oud (74) e Walter Gropius (75), (segundo o plano
geral de Ludwig Mies van der Rohe).
Ainda no que refere à economia de meios, é relevante salientar que estes
arquitectos eram conscientes que o “puritanismo” cromático favorecia os
efeitos da luz. A monocromia branca, enquanto solução pictórica
“económica” potenciava a riqueza lumínica. As sombras produzidas pela
acção da luz pareciam ser suficientemente capazes de animar as volumetrias
uniformes. O valor lumínico era tão relevante para Le Corbusier que o levava
a declarar: “eu uso […] abundantemente a luz; a luz é para mim o prato
principal da arquitectura. Eu componho com a luz”.78 Um outro aspecto,
meramente arquitectónico explorado pelos Modernistas, prende-se com as
incisivas fenestrações que rompem as volumetrias, e através das quais as
variações de claro-escuro eram introduzidas no volume monocromático.
A renovação arquitectónica proposta foi também particularmente
influenciada pela adopção de um novo tipo de solução construtiva realizada
em betão - pilar-viga - que introduziria maior liberdade ao nível da
exploração formal, espacial e da fachada, acabando por propiciar a
“renovação” formal da linguagem da arquitectura. É deste modo que os
tradicionais telhados deixam de fazer sentido e dão lugar às coberturas planas
que acentuam a regularidade geométrica, os vãos deixam de ter a mesma
dimensão e espaçamento e passam a introduzir variedade nas caixas-
Modernas. A “expressiva” diversidade cromática existente até então dá lugar
à “discreção” do branco, simplificação que passa a “cristalizar” a arquitectura
Modernista. É neste contexto que a “convenção do branco” terá encontrado a
57
77 Ozenfant [1918], 2005:8178 Le Corbusier cit. Quintas, 2009: 296
71.Complexo Habitacional de Stuttgard -Weißenhofsiedlung (1926-1927). (Gössel, 1996)
72.Le Corbusier, Conjunto Habitacional de Stuttgard - Weißenhofsiedlung, (1926-1927). (Gössel, 2005)
73.Ludwig Mies van der Rohe, Conjunto Habitacional de Stuttgard - Weißenhofsiedlung, (1926-1927). (Weston, 1996)
74.Jacobus Johannes Pieter Oud, Conjunto Habitacional de Stuttgard - Weißenhofsiedlung, (1926-1927). (Weston, 1996)
75.Walter Gropius Conjunto Habitacional de Stuttgard - Weißenhofsiedlung, (1926-1927). (Gössel, 1996)
sua razão de ser enquanto ruptura e transgressão aos cânones arquitectónicos
tradicionais. A descontinuidade da linguagem arquitectónica passou também
a ser caracterizada e reconhecida pela “redução” do uso da cor
(acromatismo). Apesar da eleição do branco poder estar relacionada com
alguns aspectos funcionais, aparentemente esta escolha terá sido autónoma e
pouco referenciada, visto que esta procurava ser uma “convenção” que se
cingia à “uniformização” dos mais diversos projectos arquitectónico
Modernos. Partindo do conhecimento geral de que os arquitectos Modernos
se moviam por um pressuposto ligado à causa social, da qual resultaria uma
arquitectura racional, económica e eficiente, estes terão acreditado que
através da “uniformização branca”, alcançariam e expressariam esse
simbolismo.
58
O naturalismo- A cor própria - Organicista -
No que refere à utilização da cor na arquitectura, uma diferente “posição”
terá sido adoptada por alguns dos arquitectos Modernistas, ao darem
particular destaque à cor própria dos materiais, enquanto meio praticamente
“exclusivo” de caracterização dos mais diversos objectos arquitectónicos. Da
mesma maneira que surgiram ensaios apologistas da não-decoração, que
iriam estar aparentemente ligados ao monocromatismo (nomeadamente -
Ornamento e Crime), terão existido escritos que defendiam uma
“arquitectura verdadeira” que exibisse a sua própria materialidade. Neste
sentido, poder-se-á destacar o papel do crítico de arte John Ruskin
(1819-1900), em particular o seu tratado ensaio The seven lamps of
architecture (1849). Neste ensaio Ruskin faz referência à arquitectura como
uma disciplina orgânica, servindo-se da natureza enquanto exemplo para
“apelar” à utilização das cores naturais própria dos materiais.79 Para Ruskin a
decoração fazia parte integral da arquitectura e estaria relacionada com as
formas da natureza (Quintas, 2009). A sua valorização do uso e da
combinação das cores próprias dos materiais apoiava-se no facto destes
terem, para além das suas cores, outras características significantes para a
caracterização do objecto arquitectónico, tais como as texturas, a opacidade
ou transparência, o brilho e o fosco, pretendendo deste modo incentivar a
superação da “timidez” que caracterizava as soluções cromáticas.
A caracterização arquitectónica resultante da cor própria dos materiais seria
aparentemente mais “honesta”, pelo facto de estar intimamente relacionada
com o universo da arquitectura, nomeadamente com a construção. Ao mesmo
tempo distanciava-se do campo artístico e de possíveis subjectividades
intrínsecas a este, como seria aparentemente o caso do uso da cor aplicada na
pintura.
Embora o uso das cores próprias/naturais dos materiais tenha sido associado
e conotado, ao longo do tempo, a uma arquitectura “nobre”, distante da que
caracterizava o Modernismo enquanto causa social, alguns arquitectos
acabariam por adoptar este tipo de “solução” cromática, revelando que não
eram nem menos Modernistas nem menos conscientes das potencialidades
das cores. A utilização da cor proveniente dos materiais ter-se-á espelhado
nos ideais organicistas. O arquitecto americano Frank Lloyd Wright terá sido
o precursor desta variante Modernista que, mais tarde, seria continuada pelo
59
79 Ruskin, 1849 cit. Caivano, 2005: 706
seu contemporâneo: o finlandês Alvar Aalto. Ao longo da sua experiência
arquitectónica, Wright terá dado particular destaque à importância do lugar e,
neste sentido, terá procurado soluções formais e possíveis caracterizações
para estas, capazes de estabelecer um diálogo recíproco com a singularidade
de cada sítio. Este tipo de Organicismo proposto por Wright seria também
extensível à caracterização cromática, mais precisamente aos critérios de
eleição dos materiais que, acabariam por introduzir a cor nos objectos
arquitectónicos criados por si. A criatividade (e os critérios) que procuram
acentuar (e definem) o uso dos materiais e das suas cores, aparenta resultar da
constante procura em fundir a imagem do objecto arquitectónico com a
natureza (e as suas qualidades) do lugar.
“Todo o material novo significa uma nova forma, um novo uso, se utilizado de
acordo com a sua natureza. A mente liberta do arquitecto natural utilizá-los-ia
assim, não fosse a inibição pouco natural de tal liberdade, imposta a todos por
uma falsa adequação devida à timidez da ignorância”.80
O gosto particular de Wright pelo uso dos materiais revela-se um dos
aspectos comuns e essenciais à sua extensa obra. A variação de cor proposta
pelo uso de diferentes materiais pode-se adaptar tanto a uma solução
arquitectónica volumétrica como a uma constituída genericamente por
planos. Nos seus diversos projectos, a caracterização cromática que resulta
do emprego de diferentes materiais aparenta estar mais intimamente ligada ao
lugar do que à forma do objecto arquitectónico. A criatividade de Wright,
potenciada pelo uso de materiais atendendo à natureza específica de cada
lugar, é visível nos seus diversos projectos, nomeadamente a Casa Alice
Millard, (76), Casa da Cascata (77), Taliesin West (78), Casa Rose e Gertrude
Pausen (79) e a Casa da Norman Lykes (80). Genericamente, os materiais/cores
escolhidos para caracterizar o objecto arquitectónico tendem a ser sugeridos
pelos diferentes contextos, de modo a acentuar a integração da obra com o
lugar. De certa maneira, esta sensibilidade está relacionado com um ideal
arquitectónico de carácter vernacular (Quintas, 2009).
O conceito criado na América por Frank Lloyd Wright - de uma arquitectura
“Organicista” - seria, anos mais tarde, adoptado pelo arquitecto finlandês
Alvar Aalto. O gosto pelos materiais, em particular os naturais, tais como a
pedra e a madeira, em conjunto com uma morfologia integrante e sensível
com o lugar, seriam alguns dos aspectos “herdados” por Aalto. A sua
arquitectura iria caracterizar-se, à semelhança da obra de Wright, por uma
compatibilização de diferentes materiais. No entanto, o facto de ambos os
60
80 Wright, 1928 cit. Quintas, 2009: 289
76.Frank Lloyd Wright, Casa Alice Millard, Califórnia (1923-1924). (Gössel, 1991)
77.Frank Lloyd Wright, Casa da Cascata, Pennsylvania (1935-1939). (Gössel, 1991)
78.Frank Lloyd Wright, Taliesin West, Arizona (1937-1938). (Gössel, 1991)
79.Frank Lloyd Wright, Casa Rose e Gertrude Pausen, Arizona (1939-1940). (Gössel, 1991)
80.Frank Lloyd Wright, Casa Norman Lykes, Arizona (1959-1968). (Gössel, 1991)
arquitectos terem idealizado os seus projectos para contextos muito
diferentes, nomeadamente para distintos continentes, terá contribuído para
resultados muito divergentes. O facto das diferentes caracterizações
cromáticas propostas por ambos procurarem e resultarem de um diálogo com
as especifícidade de cada lugar, como o clima, a vegetação dominante e os
materiais locais, levariam à sua singularidade. Uma particularidade comum a
alguns projectos realizados por Alvar Aalto é a compatibilização da cor
própria dos materiais com a cor branca aplicada. Provavelmente, da mesma
maneira que Aalto terá sido influenciado pela arquitectura de Wright, terá
sido sensível às abordagens da arquitectura Modernista Europeia. De um
modo geral, as suas soluções cromáticas aparentam ser o reflexo da
convergência de possíveis influências.
A sua individualidade criativa afirma-se pela singularidade das suas
propostas que, normalmente são caracterizadas por soluções cromáticas que
variam de acordo com cada contexto. Neste sentido, poder-se-ão destacar os
projecto da Casa Mairea (81), Casa de Verão (82) e a Câmara Municipal de
Saynatsalo (83). A adequação dos materiais empregues nas construções
realizadas por Alvar Aalto são aparentemente resultantes de um grande rigor
disciplinar e de uma sensibilidade para com o espírito de cada lugar.
Uma outra abordagem que, de certo modo, se pode enquadrar numa solução
cromática “naturalista” é visível nos projectos realizados pelo arquitecto
Mies van der Rohe. Contudo, as suas propostas cromáticas não aparentam
estabelecer possíveis relações com o lugar, nem tão pouco resultar da eleição
de materiais naturais. A sua arquitectura deriva de uma estrutura clara e
minimalista que, se cinge genericamente a um esqueleto e uma pele (less is
more), da qual a escolha dos materiais procura expressar os novos tempos. A
sua “arquitectura eficiente” apropriada à era industrial, espelhava o seu
grande gosto pelo utilização de materiais industriais modernos.
A caracterização cromática dos seus projectos resulta genericamente da
associação de uma determinada cor aplicada a todos elementos estruturais
metálicos. No entanto, as pontuais superfícies que fazem parte destes
projectos tendem a autonomizar-se, ao serem-lhes atribuídos materiais muito
específicos para a sua caracterização, tais como diferentes tipos de pedra ou
de madeira. É através do critério da atribuição destes materiais/cores que
Mies confere a toda a estrutura projectual, um sentido e hierarquia. Ou seja, a
cor não se presta apenas a animar os espaços e toda a composição geral, mas
também a organizar o objecto arquitectónico.
61
81.Alvar Aal to, Casa Mairea, F in lândia (1938-1939). (Lahti, 2005)
82.Alvar Aalto, Casa de Verão, Finlândia (1952-1954). (Lahti, 2005)
83.Alvar Aalto, Câmara Municipal de Saynatsalo, Finlândia (1949-1952). (Lahti, 2005)
84.Mies van der Rohe, Edifício Morris Greenwald, Weston (1951-1956). (Van der Rohe, 2009)
85.Mies van der Rohe, Nova Galeria Nacional de Berlim, (1960-1968). (Van der Rohe, 2009)
Das diversas obras realizadas por Mies poder-se-á destacar o Edifício Morris
Greenwald (84) e a Nova Galeria Nacional de Berlim (85), enquanto exemplo
de uma estrutura e uma caracterização cromática igualmente precisas.
62
O policromatismo- A importância da cor - Expressionista | Brutalista -
Alguns dos arquitectos que aderiram ao Modernismo permaneceram durante
todo o seu período tendencialmente “fiéis” à utilização corrente da cor, e os
seus projectos foram o reflexo dessa mesma “crença”. Para estes, a
importância atribuída à cor não teria aparentemente o propósito de contrariar
as abordagens mais “elementares”, monocromáticas, mas de reflectir a sua
individualidade, a formação e sensibilidade artística.
No entanto, um dos arquitectos que defendia com maior afinco o uso corrente
da cor foi Bruno Taut (1880-1938). A sua posição revelar-se-ia excepcional,
ao ponto de contestar o uso corrente da cor generalista branca. O facto de ser
explorada enquanto recurso limitado, levava-o a considerar uma “limitação”
criativa/artística. Aparentemente o seu gosto pela cor terá resultado da
“adesão” ao Expressionismo que o terá influenciado e, conduzido a que os
seus projectos fossem resultantes da fusão da cor com a forma. Segundo a
arquitecta Maria Alexandra Quintas (2009), Bruno Taut e os restantes
arquitectos expressionistas procuravam libertar a forma arquitectónica das
regras.81 Neste sentido, a permanente vontade de inclusão da cor na
arquitectura poderá estar relacionada com esta aspiração, visível no acreditar
que o uso corrente da cor poderia, face ao período histórico
“cinzento” (profundamente marcado pelas Guerras) pontuar a vida da
civilização moderna com a sua “alegria”. A sua audácia, ligada ao regime de
cor defendido por Taut, levaram-no a contestar algumas práticas cromáticas,
dizendo que “embora as casas fossem propriedades privadas, o aspecto das
ruas era assunto público, apelando ao tratamento policromático dos
edifícios”.82
“Do ponto de vista artístico o muro branco tem os seus méritos, mas do ponto
de vista social não funciona. As cores existem precisamente para eliminar as
“superfícies mortas” para fazer a vida mais confortável”.83
Seria através dos seus projectos que Taut iria expressar as mais diversas
abordagens cromáticas, que lhe serviriam de exemplo para “contestar” a cor
generalista branca, que aparentemente servia para dar resposta a todos os
“males” e que, de acordo com a sua individualidade não seria assim tão
eficaz. Em 1914, Bruno Taut demonstrava os seus interesses cromáticos
63
81 Quintas, 2009: 12582 Avilés, 1983: 3783 Léger,1933 cit. Veleiro,1991: 178
através do Pavilhão do Vidro destinado à Exposição de Colónia, propondo
um objecto arquitectónico de base circular genericamente composto por uma
cúpula constituída por painéis de vidro de diferentes cores (86). No Conjunto
Habitacional de Stuttgard, predominantemente monocromático e de cor
branca, Taut utilizou a cor vermelha para “diferenciar” os seus edifícios (87).
A policromia, para além de ser um cunho pessoal, contribuía para conferir
identidade aos seus projecto, deste modo, seria aplicada à generalidade dos
seus edifícios de habitação elaborados em Berlim (88-90).
Para Taut, a arquitectura deveria resultar “da ligação entre a [sua]
sensibilidade para a cor, e a [sua] capacidade como arquitecto. Composição
espacial cromática e arquitectura policromática são os campos nos quais
posso contribuir”.84
O facto de acreditar que a cor poderia animar as construções correntes,
levava-o a tecer críticas aos arquitectos tendencialmente monocromáticos, de
modo a sensibilizá-los, no sentido de darem mais atenção a essa questão e,
tentar retirar o maior partido da cor enquanto matéria. A utilização da cor não
devia ser entendida como decoração, mas como algo que é parte integrante
do objecto arquitectónico.
Outro arquitecto que também usava recorrentemente a cor, ainda que sempre
ligado ao Movimento Moderno, foi Pieter Oud (1886-1968). No entanto, a
sua posição face à sua utilização manter-se-ia menos “extremista”. O facto de
ter integrado (em 1917) o “movimento” holandês - de stijl - levou-o à
realização de inúmeros projectos em conjunto com o artista Theo van
Doesburg (1883-1931). Um dos ideais defendidos pelos elementos deste
grupo prendia-se com o acreditar na colaboração entre as diferentes
disciplinas artísticas, nomeadamente a pintura e a arquitectura, num regime
de igualdade. Tanto Van Doesburg como o fundador do neoplasticismo - o
artista Piet Mondrian (1872-1944) - acreditavam que a libertação/abstracção
da pintura poderia auxiliar e potenciar a inovação da arquitectura. É com base
nesta “crença” que, as propostas arquitectónicas realizadas pelos arquitectos
neoplásticos eram posteriormente caracterizadas pelos artistas. No entanto a
síntese das artes acabaria por suscitar diversas controvérsias, na medida em
que os artistas não se inteiravam e não eram sensíveis nem conhecedores
profundos das lógicas e conceitos formais que constituíam os objectos
arquitectónicos. Esse aspecto levaria a que Pieter Oud se desligasse do grupo
de stijl e encontrasse o seu próprio modo de expressão, no qual, a aplicação
64
84 Taut, 1905 cit. Veleiro, 1991: 177
86.Bruno Taut, Pavilhão do Vidro, Colónia (1914). (Weston, 1996)
87.Bruno Taut, Conjunto Habitacional de Stuttgard - Weißenhofsiedlung, (1926-1927). (Gössel, 2005)
88-90.Bruno Taut, Conjuntos Habitacionais, Berlim (1926-1932). (Biofarben, http://www.biofarben.de)
da cor se remeteria aos elementos exclusivos da arquitectura, como as portas,
janelas e varandas. No entanto, as suas sugestões cromáticas tenderiam a
resumir-se às cores primárias (que eram recorrentes da pintura
neoplasticista), como seria visível nos projectos Casa de Obras (91), Café De
Unie (92) e nas Habitações Kiefhoek (93). O facto destas escolhas serem
idealizadas pela mesma pessoa levava a um resultado integral, capaz de
estabelecer uma relação mais ajustada entre cor e forma.
Também o facto do “lider” do Movimento Moderno - Le Corbusier - se ter
desligado do Purismo e se ter “convertido” ao Brutalismo, levaria a que Le
Corbusier passasse a utilizar correntemente a cor. Em 1931, a sua defesa do
branco daria gradualmente lugar ao interesse pelo uso das cores, chegando ao
ponto de citar Fernand Léger, ao dizer, "o homem precisa de cores para viver,
é um elemento tão necessário como a água e o fogo".85 Anos mais tarde, em
1957, numa conversa com estudantes de arquitectura diria: “Ora encontramo-
nos no ponto mais inadaptado da forma vestimentar, tendo aliás aqui
renunciado à cor; que é um dos sinais da vida. Desde 1910 que acredito nas
virtudes tonificantes e purificadoras da cal. A prática mostrou-me que, para
fazer ressaltar a alegria do branco, era preciso acompanha-lo do poderoso
rumor de cores. Discernindo do betão armado, gérmem da “planta-
livre” (uma planta liberta dos entraves da parede), fui conduzido à policromia
arquitectónica, criadora de espaço, de diversidade, de respostas aos impulsos
da alma e, por conseguinte, pronta a acolher os movimentos da vida”.86
Tendo em conta estes diferentes testemunhos, é possível denotar-se uma
inversão do seu extremo apologismo do branco, para um uso tendencial das
cores. O que demonstra que Le Corbusier seria uma das personalidades mais
“inconformado” e “ambicioso” do Movimento Moderno. A sua reconversão
terá aparentemente sido suscitada pela pintura que, ao servir-lhe de campo
experimental acabou por lhe suscitar o entusiasmo pelas propriedades da cor.
Aparentemente, terá sido este o meio que o conduziu à sua exploração e
manuseamento de diversas composição plásticas que acabariam por o auxiliar
no sentido de se “libertar”. A reflexão que daí resultou levaria, em 1925, à
elaboração dos primeiros escritos sobre o tema da cor, publicados na revista
L'Esprit Nouveau.
“[…] apesar da sua reputação como o padrinho da arquitectura branca, Le
Corbusier desenvolveu ideias complexas sobre a cor”.87
65
85 Quintas, 2009: 29786 Le Corbusier [1957], 2003: 74 87 Caivano, 2005: 59
91.Pieter Oud, Casa de Obras, Roterdão (1923). (http://www.rotterdam.nl)
92.Pieter Oud, Café De Unie, Roterdão (1925). (http://www.rotterdam.nl)
93.Pieter Oud, Conjunto Habitações Kiefhoek, Roterdão (1925-1929). (http://www.rotterdam.nl)
Durante a década de 1930, terá criado um primeiro diagrama de cores e na
década de 1950, elaborado um segundo; ambos os sistemas de cores
pretendiam ser normativos, como se tratasse de um instrumento específico
da concepção arquitectónica, nomeadamente da caracterização cromática. Em
1937, já teria incluído um capítulo intitulado "Policromia = Alegria", numa
monografia destinada à exposição do Pavillon des Temps Nouveaux, no qual
fazia referência à vitalidade da cor em oposição ao academicismo estagnado.
“Na qual devia ser evidenciada a existência de uma contradição, por parte dos
defensores da moderna arquitectura de cores, que era geralmente associada à
decoração e ao ornamento da arquitectura tradicional, em oposição aos
defensores da extrema pureza branca que o ideal da arquitectura moderna
deveria exibir”.88
A concepção inerente aos diagramas, juntamente com algumas ideias
teóricas paralelas sobre a cor, levaram Le Corbusier a editar um livro
sobre o tema - Polychromie architecturale. Contudo, a transição de Le
Corbusier da abstenção da cor para o seu uso corrente, não aparenta ter-se
devido unicamente ao campo experimental da pintura; possivelmente
terá sido influência das obras e das diferentes posições dos arquitectos
defensores da cor. O facto de estes terem contribuído para a sua reflexão
sobre a importância da cor, terá também influenciado para que Le
Corbusier descobrisse a cor enquanto novo interesse. No entanto, o
arquitecto suiço continua a atribuir uma importância específica ao branco,
enquanto composição de fundo, visto que a sua neutralidade seria ideal
para a incorporação de outras cores, que lhe acabaria por conferir um
significado mais intenso e preciso. Quando a caracterização cromática
base da cor branca dá lugar ao cinzento do betão aparente, este, de igual
modo, é pontuado e enfatizado por diferentes cores.
“Le Corbusier trata a matéria, tal como trata a policromia, ou seja, como uma
forma de estruturar o espaço. Assim, os contrastes dizem respeito às
qualidades fundamentais: o bruto e o “acabado”, o mate e o luminoso, para as
texturas, o pesado e o móbil, o transparente e o opaco, o ortogonal e o
contínuo para as massas”.89
Durante o período "Brutalista" do segundo Pós-Guerra, Le Corbusier passa a
combinar (nos seus diversos projectos) superfícies pintadas de cores
(normalmente primárias) com as superfícies de betão aparente e com planos
de vidro colorido, relacionado a cor com a luz e a forma. O facto de Le
Cobusier ter adquirido uma nova posição no que respeita à exploração da cor-
66
88 Le Corbusier, 1937 cit. Caivano, 2005: 70789 Besset, 1987 cit. Quintas, 2009: 296
94.Le Corbusier, Unidade de Habitação de Marselha, (1946-1952). (Weston, 1996)
95.Le Corbusier, Interior do Mosteiro de La Tourette, França (1953-1960). (Gössel, 2005)
96.Le Cobrires, Pavilhão do Brasil, Paris (1957-1959).
97.Le Corbusier, Centro Le Corbusier, Zurique (1961-1967). (Weston, 1996)
98.Le Corbusier, Interior da Igreja de Firminy, França (1961-2006).
forma (ao passar a acreditar nas potencialidades da cor) leva-o a defender
que, se deveria ir “[...] buscar os pintores para fazer saltar as paredes [...] a
policromia não mata as paredes, mas pode fazê-las deslocar-se em
profundidade e classificá-las em importância”.90 É apoiado nesta sua nova
consciência que a cor passa a estar potenciada em múltiplas dimensões, como
é o caso dos pequenos planos de cor (semelhantes à linguagem plástica de
Mondrian) (94-97), a exploração de diversos materiais (opacos, transparentes
etc), os diferentes acabamentos das superfícies (texturas) e ainda a cor
associada às entradas de luz (vitrais) (95.98). Estas seriam as múltiplas
dimensões do uso da cor adoptadas e experienciadas, que ao serem
combinadas entre si geravam diferentes/complexas composições cromáticas.
67
90 Le Corbusier cit. Quintas, 2009: 162
68
A cor no património arquitectónico- Naturalista | Homogenista | Experimentalista - três “talentos (in)comunicantes” -
Para representar três gerações da “Escola do Porto” foram escolhidos os
arquitectos Fernando Távora, Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura
visto serem personalidades que conferem reconhecimento à “Escola do
Porto” e, fizeram ou fazem (de alguma maneira) “Escola” - através dos seus
escritos, práticas pedagógicas, projectos e desenhos. Deste modo, e com a
pretensão de identificar possíveis posições referentes ao uso da cor na
arquitectura (por parte destes significantes arquitectos), será dada especial
atenção aos seus diferentes “testemunhos”.
Em cada uma destas individualidades é possível, de uma maneira ou de outra,
apercebermo-nos que marcaram diferentes gerações da “Escola”; entre elas é
possível identificar uma relação que se prolonga para além da relação de
docente-discente (visível quando o arquitecto Fernando Távora identificou no
seu aluno Álvaro Siza capacidades invulgares, ou posteriormente, quando
Eduardo Souto Moura terá “feito” o seu curso praticamente no atelier do
arquitecto Álvaro Siza). Estes arquitectos constituem três “nomes” que se
mantiveram ligados ao ensino na “Escola do Porto”, aparentando sempre uma
coesão reveladora de um “desejo de construir um destino comum, [...]
Távora, Siza [e ainda] Souto Moura [mantendo o objectivo de] prolongar o
projecto inacabado da modernidade, enraizado numa interpretação crítica e
criativa da história do lugar, afirmando aí a sua individualidade”.91 Apesar
dos três arquitectos terem partilhado experiências comuns relacionadas com a
prática pedagógica e com a profissional, acabam por revelar a sua
individualidade através da forma singular como utilizam a cor nos seus
projectos.
Tendo em conta que será possível identificar diferentes abordagens
cromáticas, inerentes à obra de cada um dos arquitectos em estudo, são
propostas três versões simbólicas do uso da cor:
- uma primeira, naturalista - proveniente do tradicionalismo e do
enraizamento cultural - cromático -, ou seja, o facto do arquitecto Távora
partir da compreensão integral de cada lugar (contexto físico, história,
tradição, cultura) enquanto referência, faz com que geralmente proponha uma
solução cromática resultante da compatibilização de diferentes materiais, no
sentido de dialogar com os “valores” do Lugar.
- uma segunda, baseada na homogeneidade - proveniente do
69
91 Alves Costa [1990], 2007: 93
“conservadorismo” e da unidade - cromática -, ou seja, o facto do arquitecto
Álvaro Siza idealizar as suas composições volumétricas enquanto resultado
da agregação de sólidos ou de peças esculpidas leva-o a usar a
homogeneidade branca para as fundir, tornando-as unidades plásticas que
resultam do equilíbrio entre a exploração formal e a “contenção” cromática.
- e, por último uma assente na heterogeneidade - proveniente do
experimentalismo e da variedade - cromática -, ou seja, o facto do arquitecto
Eduardo Souto de Moura não recorrer sempre ao mesmo sistema construtivo,
material e linguagem e, sendo as suas propostas cromáticas consequentes
desta triologia, geralmente resultam em soluções diversificadas. Neste
sentido, irá ser observado como é possível, através das escolhas cromáticas
respectivas a cada autor, identificar aspectos e qualidades específicas que
contribuem para esta leitura.
70
A proposta “naturalista” de Fernando Távora- História | Memória | Tradição - materiais e instrumentos de criação e enraizamento -
O arquitecto Fernando Távora é reconhecido como uma das mais importantes
individualidades ligada à “Escola do Porto”. Ainda antes de se formar (na
EBAP, em 1950), contribui para a reflexão da importância das lições
inerentes às construções populares, com o ensaio crítico O Problema da Casa
Portuguesa (1947). Contudo, é através do estudo proposto pelo inquérito à
arquitectura popular portuguesa (1955), que o arquitecto Távora viria a
consumar a validade da sua anterior reflexão. Tanto o ensaio como o estudo
desenvolvidos por Távora terão contribuído para que fosse adquirida, na
“Escola do Porto”, uma consciência das variações das condições culturais,
geográficas, históricas, etc, que constituem e caracterizam as diferentes
circunstâncias portuguesas. Deste modo, os respectivos estudos (o ensaio e o
estudo) viriam a revelar-se fundamentais para a sua posição enquanto docente
e enquanto arquitecto. O trabalho de investigação proposto por si terá
contribuído, de algum modo, para “abertura de portas”, realizando uma ponte
com as gerações seguintes, despertando-as para questões como a importância
do lugar.
“Em 1947, o jovem portuense Fernando Távora coloca em termos novos a
questão do regionalismo e da !casa portuguesa’ [assim] construirá uma obra
pioneira, referencial, em função das inquietações do seu percurso projectual,
mas também pelo valor perturbante das suas reflexões e tomadas de posição
escritas. Para ele, a história !vale na medida em que pode resolver os
problemas do presentee na medida em que se torna um auxiliar e não uma
obsessão’ [...] o seu percurso de autor e professor revela[rá] uma busca de
autenticidade na continuidade de uma tradição, equacionando o desejado
compromisso da história com a vanguarda”.92
A sua arquitectura passa a integrar uma consciência que o leva a adoptar
alguns aspectos sugeridos pelo Inquérito, dos quais é possível identificar um
afunilar de preocupações que resulta numa arquitectura de integração,
enfatizada pela sugestões cromáticas. O arquitecto Távora adquire a
capacidade de reconhecer em cada sítio formas, materiais construtivos e
cores capazes de conferirem aos seus projectos uma coerência, de acordo
com cada contexto físico, cultural e temporal.
Após ter estudado na EBAP entre 1945 e 1950, passa a estabelecer contacto
ao longo da década de 1950 com os CIAM, paralelamente dá início à sua
71
92 Tostões, 2008: 48
actividade enquanto arquitecto, compatibilizando-a ao longo da sua vida,
com a docência, num período descrito pelo arquitecto Álvaro Siza como uma
“época essencialmente rural, economicamente pobre e alienada pelas ideias
de um regime autoritário”.93 Apesar, de todas estas condicionantes o
arquitecto Fernando Távora tinha a capacidade de identificar qualidades
especificas em cada sítio e as incorporar nos seus projectos. No que respeita
às sugestões pitorescas, essas aparentemente resultavam de um processo
similar de identificação do lugar, que procurava relacionar as suas qualidades
com as suas tradições. As variadas “continuidades” a que se propõem os seus
projectos, sejam elas históricas ou culturais, estão geralmente sujeitas a uma
postura crítica e a uma interpretação pessoal, para que as mesmas não se
tornem miméticas.
De um modo geral, o arquitecto Fernando Távora vai acabar por propor
enquanto percusor, uma nova atitude - direcionada para a procura de uma
identidade nacional - em parte, pelo Inquérito, que lhe propicia um
conhecimento abrangente das variadas soluções arquitectónicas que
caracterizam cada região, associadas aos materiais recorrentes, às técnicas
construtivas e à sua história. Por seu lado, este estudo teve comprometimento
com a especial atenção atribuída ao Lugar e às suas especificidades, que o
viriam a servir, enquanto fundamentos para os critérios das suas propostas
cromáticas onde se pode denotar o modo como interpreta a linguagem
popular comum a cada sítio, conciliando o traditional como o moderno.
“Aprendida a lição do Inquérito à Arquitectura Popular, era tempo de reler e
interpretar de novo a herança extremamente forte, que continuava a ser, dos
internacionalistas, conduzida ainda por figuras tão poderosas como Corbusier,
Mies ou Gropius, dar atenção a Zevi, que nos propunha Wright […] procurar a
verdadeira dimensão para uma proposta bem localizada no espaço e no tempo
como teria de ser necessariamente em Portugal, nos anos [19]60”.94
Todos estes aspectos irão ser altamente significativos para as futuras
caracterizações cromáticas, e por sua vez, vão estar continuamente implícitos
nos seus desenhos. Já em 1950 com a idealização do projecto - Casa sobre o
Mar - era possível constatar a importância atribuída a este instrumento de
investigação e estudo por parte do arquitecto Fernando Távora (99). Neste
desenho, como em outros que se seguem, são visíveis diferentes
apontamentos que sugerem possíveis caracterizações cromáticas para o
objecto arquitectónico. Para o Arquitecto estes não lhe serviam apenas para
procura ou indiciar soluções formais, mas também cromáticas. Após observar
72
93 Siza, 2008: 25994 Fernandes, 1980: 35
99.Desenho referente ao projecto para obtenção do diploma em arquitectura - Casa sobre o Mar, Porto, Távora (1950). (Esposito, 2005)
100.101.Desenhos de estudo referente ao projecto - Conjunto habitacional no bairro do Ramalde, Porto, Távora, (1952). (Esposito, 2005)
102.Desenho referente ao projecto - Escola Primária do Cedro, Vila Nova de Gaia, Távora, (1957-1961). (Esposito, 2005)
103.Desenho de estudo de uma versão não realizada - Casa Pablo Galli, Porto, Távora. (1960). (Esposito, 2005)
e ter presente os respectivos aspectos de interesse que irá privilegiar, quer em
cada Lugar ou na História, inicia a sua procura e apuramento através do
desenho. Apoiando-se em critérios e conceitos mais o menos pré-
estabelecidos, desenha procurando a legibilidade formal-cromática. Por sua
vez, este processo tende a automatizar-se e procurar, quase unicamente, uma
correspondência entre a forma e a cor, contudo o arquitecto Távora aparenta
ter sempre presente no seu imaginário, as cores tradicionais, da natureza, dos
materiais construtivos próprios de cada Lugar. É a partir desses pré-conceitos
que o arquitecto Fernando Távora inicia, através do desenho, de modo seguro
e integral a relação forma-cor (100-103).
Com o passar do tempo, a grande destreza com que passa a desenhar a par da
plena e intuitiva consciência e manuseamento das potencialidades de cada
Lugar, assim como dos materiais que tem em mente, leva-o a conduzir o
desenho numa direção menos “ilustrativa”. Neste sentido, deixa de sentir
necessidade de pre-visualizar a relação forma-cor, é deste modo que
aparentam resultar os seus desenhos monocromáticos. Contudo, não são
menos expressivos nem elucidativos, no que refere a possíveis ensaios desta
natureza, apesar de se tornarem extremamente expeditos, permitem testar e
sugerir através da variação e precisão dos traços e, dos diferentes
apontamentos e manchas, a diversidade cromática e de materiais que
fundamentam a sua ideia e caracterizam o projecto (104-107). A partir dos seus
desenhos poder-se-á antecipar a leitura da complexidade cromática que
acompanha e caracteriza os seus projectos. Visto que estes se comprometem a
servir de teste para as mais diversas ideias, acabam por recrear a
individualização cromática dos diferentes elementos que caracterizam e
constituem os seus objectos arquitectónicos.
Ainda muito jovem, com apenas 30 anos, começa por projectar, entre outros
edifícios, o Mercado Municipal Vila da Feira, em 1953, ao qual se sucede o
Pavilhão de Ténis, em 1956; posteriormente, desenha a Casa de Ofir, em
1957 e, ainda no mesmo ano, projecta a Escola Primária do Cedro. Os
respectivos projectos contêm registos cromáticos comuns, que denunciam
uma coerência por parte do Arquitecto na determinação de critérios de
eleição do uso da cor.
Segundo o arquitecto Rogério Vieira de Almeida (2007), os projectos do
Arquitecto Fernando Távora propõem uma modernidade radical assente no
sentido do lugar e da escala das suas intervenções, das quais resultam
tipologias simples e tradicionais - permanentemente reintrepretadas. De
modo a garantir uma “fusão” entre a tradição, a cultura e a memória local, o
73
104.Desenhos de estudo das diferentes secções do projecto - Piscinas do Campo Alegre, Porto, Távora, (1968). (Esposito, 2005)
105.Desenho referente ao projecto - Casa Unifamiliar, Gerês, Távora, (1973). (Esposito, 2005)
106.Desenho referente ao projecto - Escola Superior Agraria, Ponte de Lima, Távora, (1986-1991). (Esposito, 2005)
107.Desenho referente à recuperação do projecto - Casa em Vila Nova de Cerveira, Távora, (1994). (Esposito, 2005)
arquitecto Távora recorre à mão de obra artesanal e normalmente a materiais
locais, dos quais resulta uma estética vernacular - comum à Arquitectura
Popular. As cores utilizadas procuram corresponder e reforçar a integração do
objecto arquitectónico com os diferentes contextos, de acordo com a sua
época. Neste sentido, o arquitecto Távora recorre a cores capazes de competir
e compartilhar com a autenticidade construtiva e com a cor própria dos
materias locais, num enraizamento comum. A vontade de reforçar as suas
formas arquitectónicas com cores locais ou com os vulgares materiais
construtivos característicos de cada local, revela que o arquitecto Távora está
desperto para a(s) cor(es) existente(s) e dominante(s) no contexto a intervir,
de modo a poder estabelecer uma relação visual una, entre a caracterização
cromática do objecto arquitectónico e a existente no lugar, obtendo um
resultado total e harmonioso.
Em particular, nos seus projectos iniciais é possível perceber o modo
expedito de como o arquitecto Távora tira partido, quer da cor própria quer
da cor aplicada aos materiais com o propósito de viabilizar determinados
enraizamentos, aos quais acresce o desejo de reforçar os diferentes elementos
que constituem o projecto. Neste sentido, opta por fazer diferenciação
cromática da estrutura, da cobertura, das caixilharias e das paredes, quando
estas se destinam a rematar os volumes ou propõe pontualmente a alteração
de acabamento, para efectuar a transição de planos, como é o caso do
embasamento. A partir destas e de outras diferenciações de cor, é-lhe possível
sugerir uma “decomposição” cromática dos elementos que constituem cada
projecto. Deste modo, o objecto arquitectónico adquire uma legibilidade
global, que resulta da caracterização cromática individual de cada
“fragmento” que o compõe.
No Mercado Municipal Vila da Feira é possível observar uma conjugação
entre diferentes elementos (108.109), acentuada pela diferenciação cromática
que relaciona as cores próprias dos materiais naturais e artificiais com a cor
aplicada. Os pavimentos, coberturas, paredes, estrutura, mobiliário, palas e
caixilharias adquirem uma cor independente, aparentemente capaz de
conferir ao conjunto uma “vivacidade” cromática. Essas diferenciações são
visíveis no tratamento cromático ou escolhas dos materiais dos pavimentos,
que se alteram de acordo com a função destinada a cada espaço, visível na
cor da cobertura - laranja - revestida com telhas cerâmicas que é reproduzida
na parte interior desta, através da cor aplicada (110). As paredes são
maioritariamente revestidas a azulejo de cor azul e branca que conjugam
brilhos e reflexos próprios deste material tradicional; já os planos de remate
(empenas) são revestidos pelo granito. A estrutura apresenta-se integral em
74
108.109.Fernando Távora, Mercado Municipal Vila da Feira, Vila da Feira, (1953-1959). (Silva, 2006)
110.Coberto externo do Mercado Municipal Vila da Feira, Vila da Feira, (1953-1959). (Silva, 2006)
111.Fachada lateral do Mercado Municipal Vila da Feira, Vila da Feira, (1953-1959). (Silva, 2006)
betão aparente e, nos momentos em que esta é complanar com as superficies
da parede, é possível, através da diferenciação cromáticas proposta pelos
materiais obter-se uma leitura de cada um (111). A pala que circunscreve o
perímetro de cada volume, resguardando-os, tem a cor branca, a qual
contrasta com as caixilharias de madeira de cor escura, que se “diluem” na
sombra propiciada pelo recuo do plano da fachada protegido pela pala.
“É evidente na expressão maciça dos elementos e no contraste de materiais,
cores e texturas, a adesão às técnicas expressivas do Le Corbusier do pós-
guerra. Mas aqui, os materiais aludem à identidade do lugar e a tradições
arquitectónicas portuguesas: o betão bujardado da estrutura e a pedra artificial
do pavimento respeitam o ambiente granítico do sítio, a tijoleira da cobertura
faz a ligação aos telhados da vila, o azulejo azul e branco das paredes insere-
se na tradição portuguesa dessa arte e a ardósia e o mármore são usados,
conforme é costume, em bancas de venda e pias de lavagem”.95
O projecto do Mercado revela um conceito cromático capaz de conferir ao
todo uma unidade que, no entanto, resulta da caracterização
independentemente de cada elemento que constitui o projecto. A unidade
cromática proposta resulta da caracterização individual e coerente das partes
que concebem o projecto. As diferentes escolhas cromáticas propostas pelo
arquitecto Távora, procuram também, de algum modo, corresponder e
partilhar critérios comuns com a arquitectura tradicional e ao mesmo tempo,
propõem criar uma relação com a modernidade, como é visível na
compatibilização entre cores resultantes de materiais construtivos tradicionais
e materiais modernos de fabrico industrial.
O Pavilhão de Ténis, projectado três anos depois, denuncia algumas
semelhanças no que refere à utilização da cor, embora este projecto se insira
num contexto diferenciado - não urbano - dominado maioritariamente por
elementos vegetais. Uma vez mais o Arquitecto mantêm-se fiel à utilização
do tradicional telhado de cor laranja, própria da telha cerâmica (112),
propondo agora que o interior da cobertura seja revestida a madeira escura,
que por sua vez estabelece um contraste com as paredes/lâminas de cor
branca (113). A excepção cromática dos planos é visível no tratamento da
parede sul (que serve de suporte ao edifício) materializada em pedra - granito
- fundindo-se a toda a extensão com o contínuo muro de contenção de terras
(114). Ainda referente à estrutura é visível uma distinção cromática, quer dos
quatro blocos de granito/pilares quer da viga em betão aparente (que serve de
apoio à estrutura da cobertura) com as superficies brancas, que são
“mordidas” por estes. À semelhança do anterior projecto, a verdade
75
95 Távora, 1993 in Becker, 1997: 222
112-114.Fernando Távora, Pavilhão de Ténis, Leça da Palmeira, (1956-1960). (Silva, 2006)
115.Interior do Pavilhão de Ténis, Leça da Palmeira, (1956-1960). (Silva, 2006)
construtiva e dos materiais faz com que cada elemento se assuma enquanto
realidade individual (115).
Tanto nesta obra como na anterior é possível evidenciarem-se aspectos
comuns relacionados com o uso da cor, visíveis pela aparente vontade de
tornar cromaticamente independente cada elemento que constitui o projecto.
Contudo, é de salientar que esta abordagem poderá facilmente estar
relacionada com os Lugares onde se inscreve cada projecto, assim como nas
referências - História - quer local (tradicional) quer internacional
(Modernismo), ambos aspectos são instrumentos de criação que auxiliam na
obtenção de “objetividades” cromáticas.
Em 1957 projecta a Casa de Ofir, inserida num pinhal, onde a força da
vegetação e da densa massa arbórea conferem a este lugar um domínio da cor
verde. É neste cenário que o arquitecto Távora propõe - como caracterização
cromática - um enraizamento - capaz de estabelecer uma harmonia com as
condições naturais do local (116). Este cuidado é revelador de possíveis
influências, consequentes do inquérito (1955), mas também da aparente
admiração por alguns arquitectos Modernistas, tais como Le Corbusier.
Segundo o arquitecto Sérgio Fernandez “os materiais, as soluções
construtivas, a inserção no terreno e a escala adoptada [na Casa de Ofir]
evidenciam um profundo conhecimento da arquitectura vernacular, valores
que correcta e desassombradamente se cotejam com alguns sinais plásticos
de Le Corbusier”.96
O edifício, apesar de ter as superficies externas e internas maioritariamente
brancas, é pontuado pela riqueza cromática anunciada nos seus anteriores
projectos. No que respeita à caracterização exterior, é possível ler-se uma
distinção de cor, quer no volume externo da chaminé - amarelo - quer no
núcleo centrar - azul (que compreende os três corpos) (116.117). À semelhança
dos anteriores projectos é possível, uma vez mais, verificar a presença da
cobertura tradicional - laranja e ainda alguns elementos estruturais em betão
aparente, como as vigas que servem de apoio à cobertura, que neste caso são
“abraçadas” pelas paredes rebocadas de branco (118).
Contudo, em comparação com os anteriores projectos, é possível verificar-se
a introdução de uma nova realidade: um espaço exterior e um interior,
precisos. Tanto o Mercado como o Pavilhão eram projectos extremamente
permeáveis, dificultando uma leitura precisa entre o espaço exterior e o
76
96 Fernandez, 2007: 58
116.117.Fernando Távora, Casa de Ofir, Fão, (1957-1959).
118.Pormenor do encontro de diferentes materiais/cores, Casa de Ofir, Fão, (1957-1959).
119.Interior da Casa de Ofir, Fão, (1957-1959).
interior. Neste sentido, no que respeita ao tratamento cromático interior, é
possível evidenciar-se a presença da madeira, quer nas caixilharias quer no
mobiliário quer na estrutura que serve de suporte à cobertura de cor laranja,
que, por sua vez, establece um contraste cromático com a cor cinzenta do
material que preenche os espaços que a compreende (119). As superfícies em
pedra pintadas de cor branca, para além de serem animadas pela sua textura,
pontualmente, revelam a cor original do granito. Ainda no que respeita ao
interior, o arquitecto Fernando Távora terá diferenciado alguns espaços,
atribuindo-lhes cores distintas.
Uma vez mais a eleição e critério dos materiais/cores aparenta estar
relacionada com os métodos construtivos utilizados: a estrutura em betão, a
cobertura em telha assente numa estrutura em madeira e as superficies
brancas, assim como outros elementos comuns, partilhados, quer pelo
exterior quer pelo interior, que contribuem para uma continua relação entre
estas realidades espaciais. Atendendo às anteriores premissas - Lugar e
História - o arquitecto Távora evidencia ser altamente sensível ao que estas
lhe são capazes de despertar.
Neste mesmo ano, o arquitecto Fernando Távora projecta ainda a Escola
Primária do Cedro (120), que se implanta num contexto urbanizado semelhante
ao do Mercado Municipal de Vila da Feira. Segundo a arquitecta Ana Tostões
a “Casa de Ofir [...] constitui a revelação da via que norteará o caminho de
Fernando Távora no momento em que [...] parece ligar a teoria à prática e
que condensará na Escola do Cedro, [projecto] !que parece institucionalizar
os caminhos da Casa de Ofir’”.97 Neste sentido, é possível constatar na
Escola do Cedro diversas heranças, referentes ao tratamento cromático, como
é o caso do tratamento exterior dos diferentes volumes que compõe o
projecto, de cor branca e uma vez mais, partilham proeminência com a cor
laranja da telha cerâmica que reveste as diferentes coberturas. No exterior
ainda é possível verifica-se alguns recintos cobertos semelhantes ao
“coberto” do Pavilhão de Ténis, onde se pode ler uma complexa variação
cromática sugerida pelas superfícies brancas, pilares e vigas em betão
aparente e o revestimento interior da cobertura em madeira (121-123). Neste
projecto outro aspecto que contribui fortemente para a caracterização
cromática e expressiva do edifício é o facto dos vãos estarem ligeiramente
recuados, acentuando os efeitos de claro-escuro, reforçados pela cor escura
da caixilharia em madeira.
77
97 Tostões, 2007 in Becker, 1997: 50
120.Fernando Távora, Escola Primária do Cedro, Vila nova de Gaia, (1957-1961). (Silva, 2006)
121.Coberto exterior, Escola Primária do Cedro, Vila nova de Gaia, (1957-1961). (Silva, 2006)
122.123.Diferentes volumes que constituem a Escola Primária do Cedro, Vila nova de Gaia, (1957-1961). (Silva, 2006)
124.125.Interior da Escola Primária do Cedro, Vila Nova de Gaia, (1957-1961). (Silva, 2006)
A diversidade cromática que pontua cada um dos seus anteriores projectos é
particularmente participativa no interior da Escola Primária do Cedro, como é
o caso das paredes brancas que delimitam as galerias de acesso às salas de
aulas com um rodapé de cor mais escura - amarelo - que para além de
responder a uma questão funcional, pretende “quebrar” a monotonia destes
espaços de circulação, que também são animados com a presença cromática
ritmada das vigas estruturais em betão aparente (124). Ainda nestes espaços,
são visíveis marcações cromáticas no pavimento, com o objectivo de
anunciar os pontos de acesso às salas de aula (125). O arquitecto Távora alia à
sugestão cromática aspectos funcionais e estéticos fundindo-os no sentido de
obter uma solução ajustada e coerente. Tanto este, como os anteriores
projectos denunciam a exploração de diferentes contrastes cromáticos,
motivados por interesses e preocupações que terão como pretensão máxima
contribuir para a inteligibilidade e organização do espaço98. Paralelamente, a
uma escala mais ampla o arquitecto Távora mantém a preocupação de
estabelecer uma atitude dialogante com o Lugar e com a tradição construtiva
- História -, de acordo com o seu tempo. A utilização da cor nos seus
projectos tem a capacidade de elucidar como se materializa todo o projecto,
acabando por caracterizar cada espaço de singularidade, partindo da
caracterização individual dos diferentes elementos construtivos.
Sendo este Arquitecto profundo conhecedor da História, estabelece uma
relação com esta, que compatibiliza o seu entendimento entre a modernidade
e a tradição. Este cuidado é manifestado pela preocupação que leva o
arquitecto Távora ao estabelecimento de um equilíbrio entre as sugestões
propostas pela arquitectura Moderna - numa dimensão internacional -, e as
necessidades de cada local - numa dimensão regional. Conforme as
circunstâncias, opta por seguir algumas sugestões (“pistas”) das construções
populares, ou propostas pelos eruditos arquitectos Modernistas.
No entanto, a partir destes projectos será possível evidenciar uma oscilação
entre a mesma intensificação do uso da cor e uma nova abordagem que tende
para a homogeneidade. Os projectos realizados posteriormente, com
diferentes sugestões cromáticas, poderão ser entendidos como um esforço por
parte do arquitecto Távora em se adaptar à evolução temporal e contextual,
ou inclusive aos novos programas e escalas a que se propõem os novos
projectos. Neste sentido, conforme a situação, opta por abandonar ou
recuperar alguns dos critérios que pautavam os seus anteriores projectos, que
lhe auxiliavam e regulavam o uso da cor passando a propor novas
78
98 Título de um dos livros de Fernando Távora, (1962)
abordagens. Embora essas tendam a ser mais genéricas, são verdadeiras
lições de uma utilização consciente e propositada da cor, que não retiram
qualquer validade às suas anteriores propostas. Pelo contrário, o facto de
essas estarem ancoradas a um determinado período temporal, demonstra
explicitamente, a atenção e capacidade do arquitecto Távora em captar
“sinais” próprios do seu tempo. A partir da década de 1960 passa a propor
novos ensaios cromáticos anunciadores de uma visão mais optimista, que vai
para além da sua herança obtida através da observação de inúmeras sugestões
ao longo do Inquérito, as quais lhe possibilitam a elaboração de um “padrão”
cromático - uma linguagem - estável e comum que procurava reflectir a
essência da arquitectura regional. A partir desta altura, o arquitecto passa a
propôr novas experiências, novas adaptações, conciliando alguns dos
anteriores critérios, com os novos. A sua atenção para com a evolução
temporal, leva-o a acompanhar a vontade dos tempos, e responder às
necessidades mais profundas dos lugares, apoiando-se no que de melhor é
feito na História enquanto referência. A evolução adjacente à utilização da
cor aparenta resultar desta procura permanente.
Em 1961, propõe para o Convento das Irmãs Franciscanas de Calis, uma
dicotomia cromática “simplificada”, entre planos brancos e elementos
cinzentos, onde as superficies que encerram a caixa edificada genericamente
rebocada e pintada de cor branca, contrasta com a estrutura em betão
aparente - cinzento -, característica comum aos projectos antecessores, assim
como o uso da tradicional cobertura revestida a telha (126). Ao nível das
paredes o uso pontual do granito destina-se ao embasamento, e os elementos
estruturais adjacentes em betão e as caixilharia em madeira de cor escura
estão ligeiramente recuados das superficies brancas, contribuindo para a
acentuação dos efeitos de claro-escuro, consequente das alterações de
profundidade que acompanha estes elementos face aos planos brancos
(127.128). A forte proeminência das superfícies brancas é interrompida pela
presença de elementos com diferentes cores que, de certo modo, contribuem
para quebrar essa preponderância cromática.
Os mesmo critérios estendem-se ao interior, as paredes brancas são
pontualmente esventradas pela estrutura que emana a sua cor natural cinzenta
(129.130). A separação cromática inicial tende a ser gradualmente “substituida”
por uma homogeneidade que é apenas animada pontualmente. Esse processo
talvez tenha alguma relação com o aumento significativo da escala dos novos
projectos e dos novos programas.
Nas duas década seguintes, mais precisamente em 1972 e em 1986, surge ao
79
126.Fernando Távora, Convento das Irmãs Franciscanas de Calis, Gondomar, (1961). (Távora, 1993)
127.128.Fachadas referente a cada topo do Convento das Irmãs Franciscanas de Calis, Gondomar, (1961). (Silva, 2006)
129.130.Vistas do interior do Convento das Irmãs Franciscanas de Calis, Gondomar, (1961). (Silva, 2006)
arquitecto Távora a oportunidade de restaurar e ampliar dois edifícios
existentes, de modo a que estes possam abrigar novos usos: o Convento de
Santa Marinha da Costa (131) e a Escola Superior Agrária (134). Em ambos os
casos propõe uma solução cromática que procura diluir a presença dos novos
volumes nos pré-existentes. Trata-se de uma adequação cromática capaz de
estabelecer uma continuidade física e temporal entre cada uma das realidades
(o novo e o pré-existente). Se no primeiro caso a homogeneidade dos planos,
da caixilharia das janelas e da estrutura adquirem como única cor, o
vermelho (132), evitando qualquer diferenciação entre elementos, no segundo
caso o novo edifício “herda” do existente a cor amarela (135.137). O arquitecto
Fernando Távora revela “trabalhar e moldar a preexistência, usando-a como
matéria de projecto. Relê nela o fluir da história e, aceitando sobreposições
ou aposições estilísticas ou de linguagem, usa de todos os meios para o
clarificar”.99 Neste sentido, a cor é utilizada pelo Arquitecto com esse mesmo
propósito, tornar os seus projectos mais explícitos.
Contudo, no Convento reconvertido a Pousada, é possível verificar-se uma
alteração face aos seus anteriores pressupostos, que passa por não propor a
separação cromática dos diferentes elementos arquitectónicos. No sentido
oposto ao que vinha propondo, o arquitecto Távora opta como único
contraste cromático, sugerido pela atribuição individual da cor vermelha e
branca, respectivamente a cada um dos dois volumes que compõem o
projecto (133).
Em 1991 e 1996, projecta dois novos edifícios destinados a usos pedagógicos
como é o caso do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de
Coimbra (138) e da Faculdade de Arquitectura de Guimarães (140). Em ambos
os projectos privilegia, uma vez mais, o branco, caracterizando os volumes
de forma homogénea, solução que passa a ser cada vez mais recorrente nos
seus projectos recentes. Embora de diferentes maneiras, quer a separação
cromática inicial quer fusão cromática recente, são soluções que contribuem
para a afirmação da unidade arquitectónica: a mais recente pela
homogeneidade cromática; e, a anterior através da legibilidade individual dos
elementos que compõem o conjunto, resultante da atribuição individual de
uma cor a cada elemento.
Nos seus últimos projectos, tanto os volumes, como os espaços passam a ser
caracterizados genericamente pelo reboco branco, a pedra escolhida é
maioritariamente de cor clara, a caixilharia passa geralmente a ser de ferro
80
99 Becker, 1997: 276
131-133.Fernando Távora, Convento de Santa Marinha da Costa, Guimarães,(1972-1985). (Silva, 2006)
134-137.Fernando Távora, Escola Superior Agrária e pré-existencia, Ponta de Lima, (1986-1991). (Silva, 2006)
pintada da mesma cor, e as tradicionais coberturas - em telha -, deixam de
estar ajustadas à nova expressão. Estes novos critérios contribuem para uma
imagem cada vez mais abstracta - objectual - comparativamente com as suas
primeiras obras, mais “enraizadas”, aparentemente estimuladas e
comprometidas com uma forte influência com origem no Modernismo.
Mais recentemente, em edifícios que se prestam a funções pedagógicas,
talvez pela sua grande escala e complexidade programática o arquitecto
Távora, terá optado por não privilegiado nenhum plano face a outro ou
respectivamente nenhum volume face a outro, todas as superfícies adquirem
o mesmo valor (139). Geralmente nestes projectos a excepção cromática dá-se
apenas no interior, com a inclusão da cor da madeira, que é “capaz” de
complementar e partilhar a proeminência cromática com as superfícies
brancas. O arquitecto Fernando Távora passa a usar com regularidade o
lambril contínuo em “folheado” de madeira, que se prolonga por todo o
interior edificado, fundindo-se com as portas, invadindo os espaços e
estendendo-se ao mobiliário, “agarrando” e expandindo a cor amarela da faia
(141-142).
A partir destes diversos projectos do arquitecto Fernando Távora, é possível
constatar-se através das suas abordagens cromáticas, que o seu autor se
manteve desperto - aos sinais do tempo e aos ecos de cada lugar -
balançando-os, entre momentos que propunha “avanços” ou “recuos” na
História. Ainda assim, neste permanente e atribulado esforço pela procura de
coerência, percebe-se a partir dos seus projectos que o Arquitecto tem uma
visão integrante, capaz de reconhecer valores estéticos em cada Lugar, assim
como no campo referencial que é a História. Foi, deste modo, que propôs ao
longo da sua actividade profissional diversas soluções/explorações
cromáticas, capazes de estabelecer as mais diversas adaptações, sem que
nunca necessitasse de propor uma transgressão total para conferir sentido à
utilização da cor. A evolução visível, de projecto para projecto revela a
capacidade constante do Arquitecto de se adaptar, recuperar e propor novos
propósitos cromáticos.
81
138.Fernando Távora, Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Coimbra, Coimbra, (1991-2000). (Silva, 2006)
139.Interior da Faculdade de Arquitectura de Guimarães, Guimarães, (1996-2006). (Silva, 2006)
140.Fernando Távora, Faculdade de Arquitectura de Guimarães, Guimarães, (1996-2006). (Silva, 2006)
141.142.Interior da Faculdade de Arquitectura de Guimarães, Guimarães, (1996-2006). (Silva, 2006)
82
A proposta “homogenista” de Álvaro Siza Vieira - Unidades plásticas - resultantes de diferentes metamorfoses -
“Num dos muitos passeios de família, Siza foi a Barcelona e ficou muito
impressionado com as obras de Gaudí: !Pareciam mais esculturas que
arquitectura. Fiquei muito impressionado. Depois vi que essas esculturas eram
feitas de maneira invulgar, de portas, janelas, molduras, de elementos que se
encontram em qualquer casa. Acho que foi a primeira vez que me interessei
pela arquitectura. Tinha então catorze anos’”.100
Os projectos do arquitecto Antoni Gaudí (1852-1926) aparentemente, terão
despertado o interesse de Álvaro Siza para o universo da arquitectura, que até
então, apenas demonstrara interesse pela escultura. No entanto, por parte de
alguma “pressão” paternal, terá enveredado pela Arquitectura. Um outro
factor que também terá sido determinante para essa escolha terá sido as
“imagens” da arquitectura de Gaudí retidas no seu imaginário as quais o
levaram a acreditar que seria possível compatibilizar os dois universos
(arquitectura e escultura), estabelecendo um constante paralelismo ou mesmo
fundindo-os numa só realidade artística da qual resultariam - unidades-
plásticas/arquitectónicas.
Em 1949, o arquitecto Álvaro Siza inicia a frequência no Curso de
Arquitectura na EBAP (Escola de Belas Artes do Porto), mas é apenas no
quarto ano do curso que é “descoberto”, ao ser aluno do arquitecto Fernando
Távora, quando este reconheceu em Álvaro Siza capacidades invulgares, o
que fez com que o convidasse e passasse a contar com a sua colaboração no
atelier, onde permaneceria até 1958.
Durante este período, o arquitecto Fernando Távora ter-se-á ausentado do seu
atelier com o propósito de viajar (em 1956); este momento acabou por se
revelar “oportuno” para o jovem arquitecto Álvaro Siza que ganhou uma
maior autonomia, acabando por desenhar a Casa de Chá da Boa Nova,
(1956-1963) (143). Este projecto iria marcar o início do seu longo e brilhante
trajecto enquanto arquitecto, “recheado” das mais diversas obras inseridas em
diferentes contextos (países), anunciadores de uma coerência transversal às
cinco décadas de actividade.
No projecto da Casa de Chá o arquitecto Siza terá “incorporado” o
pensamento do arquitecto Távora, visível pela partilha de alguns aspectos
comuns à linguagem vernacular ai utilizada. Esta influência seria natural, na
83
100 Siza cit. Fleck, 1999: 25
medida em que o arquitecto Álvaro Siza exercia a sua actividade no atelier
do arquitecto Távora, tendo presente não só a sua maneira de projectar, como
algumas das “premissas” comuns aos seus projectos, relacionadass com a
herança do inquérito à arquitectura popular portuguesa (1955). Neste sentido,
o arquitecto Siza, de projecto para projecto, interpreta e revalida alguns
desses conceitos utilizados até então pelo arquitecto Távora, embora os ajuste
aos propósitos a que se propõe em cada projecto, acabando por obter um
resultado altamente personalizado.
No que refere ao uso da cor, vai ser possível constatar que a solução
cromática proposta pelo arquitecto Álvaro Siza para a Casa de Chá terá
aparentemente resultado e se apoiado nas anteriores soluções propostas pelo
arquitecto Fernando Távora, nomeadamente na individualização cromática
dos elementos que caracteriza o Mercado Municipal da Feira. Deste modo, é
possível evidenciar-se um contraste entre o branco aplicado às paredes e o
laranja da telha que reveste a cobertura (144-145). A cor laranja da cobertura
para além de “anunciar” o edificio, procura ligar e relacionar a dualidade
cromática existente entre a fachada nascente encerrada e a poente permeável.
Enquanto a primeira exibe as suas superficies brancas, a segunda conta
unicamente com as cores próprias dos materiais, como a madeira das
caixilharias - castanha - e os reflexos cromáticos dos vidros. Por sua vez, a
permeabilidade potenciada pelo vidro terá o objectivo de permitir a
contemplação e participação das cores dominantes na natureza do lugar (mar
e rochas) no interior do edifício, sendo que, as escolhas cromáticas propostas
pelo arquitecto Siza para a caracterização interna do projecto, procurariam
estabelecer uma relação harmoniosa com as cores dominantes do lugar.
Neste sentido, as cores propostas resultariam da eleição dos materiais de
aspecto natural, como é o caso da forte presença - do castanho - do mogno
que reveste os tectos e - do cinzento - dos elementos estruturais em betão
aparente (146.147). Ambas as escolhas apontam no sentido de procurar
relacionar-se ou até fundir-se com as cores existentes no contexto, revelando
um extremo cuidado com o Lugar. Neste dialogo cromático (interior -
exterior) pode ser evidenciada enquanto excepção - as superficies brancas
interiores - que se deixam contagiar pela cor das superficies exteriores que
encerram o edifício, reproduzindo-a no interior.
Ao Salão de Chá seguiu-se em 1961-1966 a Piscina das Marés (148), onde,
uma vez mais, é possível evidênciar um cuidado referente à escolha dos
materiais, atendendo às suas características cromáticas. No sentido de propor
uma “fusão” cromática com as cores dominantes do lugar, arquitecto Siza
recorre exclusivamente ao betão à vista - de cor cinzenta - para materializar
84
143.Álvaro Siza, Casa de Chá da Boa Nova, Leça da Palmeira, (1956-1963). (Ferreira, 2007)
144.145.Vista nascente e poente da Casa de Chá da Boa Nova, Leça da Palmeira, (1956-1963). (Ferreira, 2007)
146.147.Interior da Casa de Chá da Boa Nova, Leça da Palmeira, (1956-1963). (Siza, 2000)
todo o projecto. A proposta monocromática que se diluía com o contexto
rochoso, evitando qualquer “concorrência” com as cores dominantes, acabara
inclusive por contribuir para a afirmação do Lugar.
Na Piscina das Marés é possível reconhecer uma particularidade que se irá
tornar maioritariamente recorrente nos seus projectos seguintes, que se
prende com o facto de trabalhar exclusivamente com uma cor/matéria
dominante, capaz de materializar e caracterizar as suas futuras “unidades
plásticas”. O arquitecto Siza opta pela predominância de uma só cor, capaz
de condensar todas as suas ideias, formas e unidades plásticas através de uma
força cromática aglutinadora. A homogenização cromática ajusta-se e afirma
a imagem pretendida de uma arquitectura cada vez mais volumétrica/
escultórica, como diria o arquitecto Eduardo Souto Moura “Siza gosta de
ligar as superfícies - quanto mais “ovo” for, melhor”.101 Neste sentido, ao
longo da década de 1970 o arquitecto Siza passou a adoptar e a propôr
diferentes unidades cromáticas para caracterizar os mais diversos projectos,
tais como no Banco Pinto & Sotto Mayor, Oliveira de Azeméis em
1971-1974 (149), na reabilitação SAAL do Bairro de S. Vitor em 1974-1977
(150), na Casa António Carlos Siza, Santo Tirso (151) em 1976 e 1978, no
Banco Borges & Irmão, Vila do Conde em 1978-1985 (152), no conjunto de
Vivendas Sociais da Quinta da Malagueira, Évora, 1977-1998 (153) e ainda na
Casa Avelino Duarte, Ovar, (1980-1984) (154).
Contudo, é possível evidenciar-se que a contínua evolução que acompanha e
caracteriza a linha de pensamento do arquitecto Álvaro Siza passa a
privilegiar a homogeneidade, que se tornará recorrente e tenderá a convergir
para a supremacia da cor branca. Esta leitura poderá estar relacionada com
possíveis influências ou heranças “Históricas” dos seus admirados
arquitectos Modernos, conforme reconhece o arquitecto Rafael Moneo,
(2004) “a arquitectura [de Álvaro Siza] é uma continuação da doutrina e dos
princípios dos arquitectos modernos”.102 Também o arquitecto Nuno Portas
partilha que: apesar do arquitecto Álvaro Siza “ter sido capaz de se manter
liberto de atitudes abstractas de adesão a quaisquer escolas formais, procura
uma expressão própria [...] a partir de uma base de ideias e simpatias
adquiridas no estudo das personalidades e correntes do movimento
moderno”.103
“Siza é um autor difícil de classificar em termos de tendências do panorama
mundial, apesar de nunca ter recusado sucessivas e evidentes referências a
85
101 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 51102 Moneo, 2004 cit. Figueira, 2010: 30103 Portas [1960], 2005: 119
148.Álvaro Siza, Piscina das Marés, Leça da Palmeira, (1961-1966). (Siza, 2000)
149.Álvaro Siza, Banco Pinto & Sotto Mayor, Oliveira de Azeméis, (1971-1974). (Frampton, 1999)
150.Álvaro Siza, reabilitação SAAL, Bairro de S. Vitor, (1974-1977). (Rodrigues, 1992)
151.Álvaro Siza, Casa António Carlos Siza, Santo Tirso, (1976-1978). (Ferreira, 2007)
obra de autores que admirava e tão díspares como Le Corbusier, Alvar Aalto
ou Scarpa nos primeiros períodos, ou Loos e Taut nos recentes. No entanto,
mesmo quando essa influência é profundamente assumida - como no caso do
mestre finlandês - é sempre dominada pela interpretação de cada sítio e
problema e, sobretudo, pela expressão inconfundível de uma personalidade
sempre inquieta ou incómoda que, de obra para obra, parece recusar a
aparência da continuidade”.104
Segundo o arquitecto Nuno Portas, os “sinais” captados pelo arquitecto
Álvaro Siza a possíveis referências Modernas, poderão estar sujeitos a uma
interpretação crítica tão pessoal, que através da profunda transformação
consequente do ajuste ao programa e ao lugar acabaria por se libertar,
tornando-se difícil qualquer leitura referente às anteriores referências.
O virtuosismo descrito pelo arquitecto Nuno Portas, a par da sua inquietante
capacidade criativa, leva-me em certa medida a acreditar que se possa fazer
um esforço no sentido de procurar um entendimento autónomo referente ao
uso da cor na extensa obra do arquitecto Siza, partindo exclusivamente dos
seus projectos. Neste sentido, acredito que o arquitecto Siza acaba por propor
uma linguagem “estabilizada”, capaz de garantir alguma margem para
possíveis experiências ou adaptações, sem que com isso, cada projecto perca
coerência. É deste modo que o arquitecto Álvaro Siza acaba por propor
diferentes metamorfoses formais que se procuram adaptar incisivamente a
cada lugar, e que a proposta cromática que lhe está associada terá
aparentemente como principal objectivo estabelecer um dialogo reciproco
com essas mesmas formas. Ou seja, a eleição de determinada cor destina-se
particularmente a reforçar todo o conjunto formal, e indirectamente, o
Arquitecto acaba por intensificar a relação entre o edifício e o lugar. Esta
relação entre a cor e a forma tende a simplificar-se, e a homogeneidade - do
branco - passará a ser um dos meios recorrentes para conferir aos seus
projectos e à sua relação com o lugar singularidade, pontuando-os e
qualificando-os.
O facto da força expressiva e personalizada das suas formas-escultóricas
passar a estar embebida em matéria branca, faz com que seja reforçada a
leitura do todo - da unidade-plástica. Talvez esteja relacionado com esta
atitude plástica e criativa tão própria do arquitecto Siza, que o arquitecto
Nuno Portas (1960) diz ser possível evidenciar nos seus projectos uma
experiência singular entre a arquitectura e as artes plásticas, em particular
com a escultura. Para o arquitecto Laurent Beaudouin “Siza é espantosamente
escultor quando é arquitecto e afinal tão arquitecto quando se torna escultor, a
86
104 Portas [1987], 2005: 255
152.Álvaro Siza, Banco Borges & Irmão, Vila do Conde, (1980-1986). (Siza, 2000)
153.Álvaro Siza, Visita do conjunto, Vivendas Sociais da Quinta da Malagueira, Évora, (1977-1998). (Siza,1993)
154.Álvaro Siza, Casa Avelino Duarte, Ovar, (1980-1984). (Frampton, 1999)
sua primeira paixão”.105 No seguimento das suas palavras o mesmo autor,
descreve de forma escultórica/poética o Banco Borges & Irmão, (1980-1986)
como “uma baleia branca que deu à costa no centro de Vila do Conde. O seu
corpo de dupla curvatura não tem mais do que duas faces em vez dos quatro
lados de um edifício tradicional, a sua pele macia e branca é marmoreada
sobre o ventre. Pousada como um livro aberto, a pedra é utilizada pela sua
cor delicada e a sua densidade luminosa, quase carnal. Ao aproximar-nos do
edifício, tomamos consciência da diferença de material entre a sua base em
mármore e os embasamentos de granito das casas vizinhas [...] aumentando o
efeito de flutuação do volume branco [enquanto] figura geométrica mais forte
que Siza utilizou”.106
Contudo, a conformidade aparentemente simples entre as metamorfoses
formais e a cor branca, pode conduzir a uma leitura menos poética, de acordo
com o arquitecto Nuno Portas poderá estar relacionada com “algumas razões
de economia e de tempo de elaboração [que] podem explicar a multiplicação
de arquitecturas com amplas superfícies brancas, planas e curvas, sem remate
e com aberturas recortadas, com formas variadas [que servirão] para reflectir
sobre a vulnerabilidade construtiva ou verificar uma perda do pretendido
efeito de contraste entre relação com envolvente [como] com a História”.107
Um entendimento semelhante é proposto pelo arquitecto Jorge Figueira, “a
experiência única do elemento singular [...] permite uma ritualização [da
qual] Siza passa a repetir - por razões que passam pelo aumento de
encomenda e pela simultaneidade dos projectos - alguns esquemas
competitivos e formais, dando-lhes uma reprodutibilidade que se adapta ao
novo quadro de trabalho. Deste modo, Siza estabelece uma linguagem
identificável para lá da caricatura, estabilizada pelo tempo e uso, a partir de
invariantes que são manipuladas por adição, subtracção ou mimesis, de
projecto para projecto”.108
É durante este período crescente de encomendas que, o arquitecto Álvaro
Siza, num esforço que procura solucionar e responder a todas as solicitações,
passa a dar primazia ao branco, que ao longo dos anos seguintes passa a
adquirir uma preponderância cada vez mais significativa, tornando-se de um
modo generalizado, um aspecto comum a toda a sua obra.
A relação cromática que o arquitecto Siza desenvolveu entre o interior e
87
105 Beaudouin, 2008 in Siza, 2008: 21106 Idem: Ibidem107 Portas [1972], 2005: 227108 Figueira, 2002: 125
exterior pode ser antecipada nas suas palavras “eu não consigo fazer um
edifício sem dominar o interior e o exterior, porque acho que o exterior
depende do interior e vice-versa, se me tiram um, fico sem material para
projectar”.109 O branco é, desde os seus primeiros projectos, o grande
caracterizador dos espaços interiores, devido à sua alta capacidade de
reflexão luminosa e pela “neutralidade”, torna-se capaz de conviver
harmoniosamente com as restantes cores propostas a posteriori, pela inclusão
do mobiliário e de outros objectos. Neste sentido, a escolha do branco torna-
se progressivamente recorrente à caracterização exterior, sendo proposta uma
continuidade e interdependência-cromática, entre o interior e exterior,
acabando por evitar qualquer autonomia de uma realidade face à outra. Esta
interpretação poderá ancorar-se nas suas palavras, quando diz “senti [...] cada
vez mais a necessidade de uma ligação entre o interior e o exterior não
imediata e total, como o fora nas origens, nas ambições e na prática do
Movimento Moderno”.110
Segundo o arquitecto Álvaro Siza “[o processo criativo] tem que ser, no seu
desenvolvimento, !bombardeado’ com hipóteses, para uma escolha que tudo
relacione. Tem que contar com todas as componentes e condicionamentos.
[...] Podemos dizer que a primeira ideia arquitectónica tem que estar
!embebida’ em matéria”.111 Aparentemente, a sua “primeira ideia” destinada à
caracterização do interior e do exterior do objecto arquitectónico é
geralmente a mesma - o branco - que possibilita a leitura de que o edifício é
totalmente materializado pela mesma matéria. A homogeneidade serve-lhe de
modo a que não privilegie nenhuma destas realidades, e pense nelas com o
mesmo valor, quer o interior quer o exterior assumem o mesmo
compromisso, conferindo ao conjunto unidade.
“[O] receio da monotonia é um desafio à busca da diferença que não pode
resolver-se numa questão estética, porque se assim fosse, o resultado aparecia
logo artificial, caricaturado ou inventado”.112
Ao mesmo tempo, e de modo habilidoso é na homogeneidade - branca - que
ressalta a profunda exploração e expressão do claro-escuro assim como as
sombras que conjugam a luz com as formas. A exploração dos respectivos
efeitos aparentam ser pensados em conjunto com - a “massa branca” -
abstracta, capaz de moldar uma ou um conjunto de volumetrias - escultóricas,
às quais é possível posteriormente romper, perfurar ou esventrar
88
109 Siza, 2010: 26110 Siza [1998], 2009: 45111 Siza, 1997 in Alarcão, 1997: 39112 Siza [1998], 2009: 117
incisivamente, incorporando de modo artístico semelhante aos projectos de
Gaudí as portas, e as janelas, originando o espaço. Para o arquitecto Siza a
arquitectura é mesmo isso “um volume num sítio com buracos, portas e
janelas”.113 É a partir desta visão tão esclarecida, que resultam as suas
unidades-plásticas, que tendem a “parecer mais escultura que arquitectura”,
reforçadas pelo branco que é caracterizado por uma grande vivacidade
acrescida pela forte expressão dos claro-escuros, consequentes da exploração
de profundidade dos expressivos vãos e palas que, aparentemente, são
capazes de romper com qualquer monotonia.
Ao descrever o seu processo projectual o arquitecto Álvaro Siza diz
“lentamente, a evolução do projecto orienta-se para uma redução à essência e
uma gradual aproximação à substância”.114 A simplificação e redução ao
essencial é também visível nos seus projectos através da harmonia espacial
obtida, em parte, pelo uso do branco, capaz de “controlar” as formas, ou
mesmo de reforçar o desenho depurado do objecto arquitectónico. O
arquitecto Álvaro Siza terá encontrado um equilíbrio entre a diversidade
formal e a simplicidade cromática.
As primeiras décadas do seu percurso enquanto arquitecto foram fortemente
marcadas pelas experiências motivadas, pelo SAAL, o Serviço de Apoio
Ambulatório Local, que o levou em 1973 a elaboração das Habitações
Sociais da Bouça, em 1974 a restruturação do Bairro de S. Vitor e em 1977, à
construção do complexo conjunto de Habitação Social da Quinta da
Malagueira. Estes projectos contribuiriam para a ressonância e
reconhecimento internacional do arquitecto Álvaro Siza.
Neste sentido, a década seguinte tornou-se oportuna para a experimentação
criativa, em virtude de lhe ter sido proposta a elaboração de diversos
projectos, além fronteiras, tais como em 1982 as Habitações Schelesisches
Tor, em Berlim (155), em 1984, as Duas Casas no Parque Van Der Venne, em
Haia (156), em 1984, o Museu de Arte Contemporânea, em Santiago de
Compostela (157) e, ainda em 1989, o Centro de Meteorologia na Vila
Olímpica, Barcelona (158). Estes projectos introduziram novos desafios, visto
os lugares e as culturas onde se inseriam serem distintas. Contudo, estes
projectos acabariam por ser considerados pela crítica, mais locais do que os
propostos pelos arquitectos desses países. Aspecto que talvez se deva, em
parte, ao esforço em se adaptar a cada circunstância, como é visível também
nas diferentes soluções cromáticas propostas. Enquanto na Alemanha optou
89
113 Souto Moura, 2005 in Siza, 2005: 14114 Siza [1998], 2009: 137
155.Álvaro Siza, Habitações Schelesisches Tor, Berlim, (1982-1990). (Frampton, 1999)
156.Álvaro Siza, Duas Casas no Parque Van Der Venne, Haia (1984-1988). (Frampton, 1999)
157.Álvaro Siza, Museu de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela (1988-1993). (Siza, 2000)
158.Álvaro Siza, Centro de Meteorologia de Barcelona, (1989-1992). (Frampton, 1999)
pela homogeneidade do reboco pintado de cor cinzenta, na Holanda recorreu
ao contraste entre os dois tipos de tijolo, o castanho avermelhado, rugoso, e o
branco polido, ambos tradicionais. Já em Espanha, em Santiago de
Compostela, optou uma vez mais por uma solução homogénea, elegendo a
pedra bege para caracterizar/materializar todo o exterior, em Barcelona
recorreu ao contraste entre o cinzento do betão e o bege dos azulejos. A partir
destes quatro projectos internacionais (quatro propostas cromáticas) é
possível constatar que às metamorfoses formais, corresponde uma adaptação
cromática que atende às qualidades mais profundas de cada sítio.
“As duas casas de Haia partem duma matriz volumétrica [...] entre duas
linguagens com referencial à cultura arquitectónica dos anos vinte da Holanda
(Neoplasticismo e Expressionismo), gera-se um núcleo tensional que se
expande perifericamente sem se fragmentar, pois as suas linguagens vão
encontrar processos de diálogo”.115
A interpretação do professor António Rodrigues da obra Duas Casas de Haia
pode ser ligo segundo a dicotomia cromática, intrínseca a cada volume que
constitui o projecto. Se aqui, este foi o propósito que levou o arquitecto Siza
a adoptar mais que uma cor, no caso de Barcelona possivelmente estará
relacionado com a intenção de sugerir uma tampa de cor bege (mais clara)
para encerramento do topo do volume cilíndrico de cor mais escura. A ideia
conceptual/formal que “construiu” ambos os projectos ajusta-se à utilização
de mais que uma cor, no sentido de esta se tornar mais explícita.
Para o professor António Rodrigues (1996), a obra do arquitecto Álvaro Siza
apoia-se numa “triunicidade sistémica”, lugar - estrutura - programa.
Possivelmente as suas unidades-plásticas derivam da conciliação destas três
dominantes, assim como a sua adequação ao lugar e à função, mas também
aparentam resultar do desenho, não fosse o arquitecto Álvaro Siza um grande
defensor do desenho. Neste sentido, a obtenção formal do objecto
arquitectónico relaciona-se com esta “triucidade” - que por sua vez, é
apurada, clarificada a partir do desenho - que a desvenda, atendendo ao lugar,
à estrutura e ao programa.
Apesar dos Desenhos do arquitecto Álvaro Siza comparativamente aos do
arquitecto Távora, serem mais genéricos, menos aprofundados e com menos
pormenor, têm a capacidade de antever com clareza as unidades-plásticas que
representam. Sabendo que estas são geralmente massas homogéneas
simplificadas (volumes brancos depurados), os desenhos que servem de
90
115 Rodrigues [1988], 1996: 44/45
159.Desenhos da Casa de Chá da Boa Nova, Leça da Palmeira, Álvaro Siza, (1956-1963).(Rodrigues, 1992)
160.Desenho da Piscina das Marés, Leça da Palmeira, Álvaro Siza, (1961-1966). (Rodrigues, 1992)
161.Desenho do Banco Pinto & Sotto Mayor, Oliveira de Azeméis, Álvaro Siza, (1971-1974). (Siza, 2008)
162.Desenho do Bairro de S. Vitor, Álvaro Siza (1974-1977). (Siza, 2008)
163.Álvaro Siza, Casa Avelino Duarte, Ovar, (1980-1984). (Siza, 2008)
auxilio à sua determinação são de igual modo sintético, evitando o ruído do
traço supérfluo (159-163). Excepcionalmente, quando o arquitecto Siza tem
intenção de utilizar um material diferente, faz um pequeno apontamento que
induz à leitura da estereotomia desejada. A estreita correspondência entre os
seus desenhos e as unidades-plásticas prende-se com ambos se cingirem ao
essencial. Desse modo, são excluídos todos os aspectos menos significantes,
o seu desenho descreve este esforço de depuração, de decomposição, até à
obtenção de uma estrutura essencial - a unidade-plástica. Em todo este
processo de clarificação-subtracção, o Arquitecto opta por não incluir a cor,
na medida em que iria estar a acrescentar ou considerar mais um aspecto,
conduzindo o desenho para a complexização. Pelo contrário, acaba por dirigir
todo o seu processo criativo, no qual o desenho se inclui, no sentido de
apurar do objecto arquitectónico. A coerência correspondente entre os seus
desenhos e as suas unidades-plásticas é de tal modo ajustada, que permite ao
arquitecto Siza Vieira antever e comunicar “rigorosamente” o objecto
arquitectónico idealizado. Conforme reconhece, “mal sei que materiais
escolher. As ideia vêm-me imateriais, linhas sobre papel branco; e quando
quero fixá-las tenho dúvidas, escapam, esperam distantes”116
Neste sentido, é possível constatar que o branco não só se adequa ao desenho,
mas também à forma que resulta da triunicidade sistémica, ao dar sentido à
unidade-plástica, ao programa que a compõe e ao lugar onde esta se insere.
No que respeita à inserção do objecto arquitectónico, é possível acrescentar
que a forte presença do branco “actua” de modo a suscitar novas leituras do
lugar. No extremo, a sua expressão, quando acentuada pelas formas, terá a
capacidade de originar novos lugares. O branco torna-se assim sintético e
incisivo a todos os lugares.
Paralelamente à elaboração destes projectos internacionais, o arquitecto
Álvaro Siza terá projectado para Portugal diferentes unidades-plásticas -
maioritariamente brancas, no que respeita, quer ao tratamento exterior quer
interior - como é o caso da Casa Vieira de Castro, em Vila Nova de
Famalição (1984-1994) (164.165), o Pavilhão Carlos Ramos, Porto
(1985-1996) (166), a Escola de Educação de Setúbal (1986-1993) (167.168), a
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (1987-1994) (169-171), a
Igreja do Marco de Canavezes (1990-1997) (172-174) ou o Museu da Fundação
de Serralves, Porto (1991-1999) (175-177).
No entanto, se aceitarmos que o acabamento exterior destes projectos - “o
91
116 Siza [1988], 2009: 47
164.Álvaro Siza, Casa Vieira de Castro, Vila Nova de Famalição, (1984-1994). (Siza, 2000)
165.interior da Casa Vieira de Castro, Vila Nova de Famalição (1984-1994). (Siza, 2000)
166.Álvaro Siza, Pavilhão Carlos Ramos, Porto, (1985-1996). (Siza, 2000)
167.Álvaro Siza, Escola de Educação de Setúbal, (1986-1993). (Siza, 2000)
168.Interior da Escola de Educação de Setúbal, (1986-1993). (Siza, 2000)
reboco e [o] pintar é a chamada construção social”117 - , pelo facto de se
tratar de uma solução económica, este aspecto não limita nem intimida o
arquitecto Álvaro Siza, bem pelo contrário, já que propõe com regularidade
que esta solução se estende aos mais diversos programas e contextos
económicos e sociais. O arquitecto Siza tem a capacidade de “elevar” este
tipo de solução a um nível de excelência capaz de conferir reconhecimento à
sua obra. Segundo o arquitecto Manel Somoza (2008) estes “seriam os
primeiros tempos mediáticos da sua arquitectura branca”.118 No entanto a
interpretação que o arquitecto Eduardo Souto de Moura faz ao longo período
de experimentação do arquitecto Siza, leva-o a declarar que se tratou de um
período “praticamente autónomo [originando] uma libertação de referências e
de percursos. [...] É um período laboratório [onde] depois há uma
consolidação em que se começa a construir uma linguagem própria - com
influências é evidente - é o volume e o sítio adaptado, [o] material é quase
sempre o mesmo - o reboco. O Rafael Moneo diz: !Porque o Siza pensa
sempre em branco’”.119 A opinião do arquitecto Kenneth Frampton não é tão
“redutora”, ampliando, “o uso do branco em Álvaro Siza a infinitos tons de
cinza”.120
Partindo do conhecimento que o branco - não é uma cor - mas a presença
absoluta da luz, estamos a falar de uma abstracção, na medida em que a luz
natural não é constante. Contudo, o arquitecto Siza parece estar interessado
em desenvolver ao longo deste período autónomo diversas experiências, no
sentido de retirar partido desta “abstracção”, que se revela ajustada e capaz
de favorecer as suas formas. Se esta opção, terá sido consequente do
arquitecto Siza “pensar sempre em branco”, ou porque afinal “o uso do [seu]
branco são infinitos tons de cinza”, parece-me insuficiente para descrever a
dinâmica alcançada pelas suas unidades-plásticas-brancas. Apesar, de
existirem enumeras especulações sobre possíveis dificuldades por parte do
arquitecto Siza em eleger determinada cor ou materialidade, à qual reage com
sentido de humor, comentando, “para mim é muito difícil eleger um material,
porque está relacionado com muitas coisas e não é só uma escolha de gosto,
ainda que involuntariamente, o projecto começa muito antes de ser iniciado o
próprio projecto, a forma parte da história pessoal vivida pelo próprio
arquitecto”.121 Todas estas dúvidas tendem a dissipar-se tornando-se
explícitas através do Desenho.
92
117 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 47118 Somoza, 2008 in Siza, 2008: 78119 Souto Moura, 2005 in Siza, 2005: 7120 Frampton, 2003 cit. Barba, 2005/06: 338121 Siza [2007], 2008: 15
169.170.Álvaro Siza, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, (1987-1994). (Siza, 2000)
171.Interior da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, (1987-1994). (Siza, 2000)
172.Álvaro Siza, Igreja do Marco de Canavezes, Marco de Canavezes (1990-1997). (Siza, 2000)
173.174.Inter ior da Igreja do Marco de Canavezes, Marco de Canavezes (1990-1997). (Siza, 2000)
Contudo, o arquitecto Álvaro Siza revela ser altamente consciente de como
utilizar a cor, como é visível na conversa reproduzida para texto - “Só as
pessoas estão alegres ou tristes”122 - ocorrida em 2007 durante uma visita ao
Multiusos de Gondomar, na qual a jornalista começa por dizer ao arquitecto
Siza, “é tão cinzento!” Ao que este responde “Pois é. Imagine este espaço
povoado de gente. Acção, momentos intensos. Entusiasmo, ansiedade,
alegria. Olhe para a sua camisa (vermelha). Olhe à volta. Oh as roupas dos
outros e os olhos dos outros: as cores do arco-íris misturam-se, movem-se,
cintilam. Massa contínua que fala alto. Vê isso? O espetáculo acaba. Toda a
gente parte. O edifício fica só, prepara-se para receber outra gente ou a
mesma: repousa. As luzes apagam-se. Não é cinzento, é negro. Não é triste,
repousa. Os edifícios e os objectos e os espaço, não são tristes nem alegres.
Existem quando recebem gente e existem por isso e para isso. Cada um de
nós chega a casa, acompanhado ou só. Dorme, só com os seus sonhos com ou
sem cor. Semi-cerre os olhos. É capaz de repousar? É capaz de sonhar
desperta?”.123 Poder-se-á retirar o entendimento de que para o arquitecto Siza
o branco não é um refúgio, mas uma escolha consciente e propositada, na
medida em que esta cor não retira protagonismo às suas formas, nem aos
espaços que são apropriados pontualmente pelo Homem. Segundo o próprio,
esta escolha é tão natural e intuitiva como “quando se pinta; tens uma
quantidade de cores e a tendência é utilizá-las todas. De acordo com as
conveniências, um leque que abrange muitas possibilidades das quais se
elege uma”.124
As unidades-plásticas criadas pelo arquitecto Álvaro Siza geralmente
resultam em contextos cromáticos homogéneos, onde a cor aplicada e a
própria cor dos materiais utilizados é uniforme. A introdução ou variação da
cor é “unicamente” proporcionada pelos pavimentos, guarnições e
caixilharias, estando normalmente associada à transição de materiais. O
arquitecto Álvaro Siza associa muitas vezes aos volumes brancos, planos
contínuos de cor - pedra no exterior - madeira no interior - “resguardando” as
massa brancas. De um modo geral, essas massas que até então adquiriam um
forte valor expressivo através das suas formas escultóricas, irão permanecer
e, inclusive, reforçarem-se através de uma maior libertação formal-
geométrica do objecto arquitectónico. Conforme reconhece, “sou dos que
persistem em encontrar nos territórios da Arquitectura e das (outras) Artes -
nomeadamente a Escultura, mas também a Pintura, ou a Música - uma
relação original indestrutível”125, esta ideia é visível nos projectos
93
122 Siza (2007) Reflexão, Arquitectura: Pavilhão Multiusos de Gondomar123 Siza [2007], 2009: 373124 Idem: 13125 Siza [1994], 2009: 145
175.Álvaro Siza, Museu da Fundação de Serralves, Porto (1991-1999). (Siza, 2000)
176.177.Interior do Museu da Fundação de Serralves, Porto (1991-1999). (Siza, 2000)
internacionais realizados na década de 2000, em 1998-2008 projecta para o
Continente Americano, a Fundação Iberê Gamargo, Brasil (178), em
2002-2007 e respectivamente em 2002-2008 desenha para a Peninsula Ibérica
a Casa em Maiorca (179) e o Complexo Desportivo Ribera Serrallo, em
Barcelona (180) e, em 2005-2006 propõe para o Continente Asiático o
Pavilhão Anayang (181) e o Museu Mimeis (182), Coreia do Sul.
Contudo, através da escrita o arquitecto Siza demonstra uma profunda
atenção e sensibilidade para as cores - enquanto realidades significantes -
visível em diversos textos, dos quais saliento A cidade que temos, de 1980 e
Barragan, 1994, ambos descrevem minuciosamente diferentes realidades a
partir da sua cor. No universo da arquitectura, ao longo da sua vasta obra
existem excepções, conforme demonstra ao responder: “faço todos os meus
edifícios brancos [...] sim é verdade que uma grande parte dos edifícios são
brancos, contudo existem excepções, o pavilhão de Portugal que é em
cerâmica azul e amarela, e tenho outros que são cor de rosa, outros cinza,
mas alguns acabam por ficar mais referenciais. Acredito que a conotação do
branco é muito generalista, porque a arquitectura está muito referenciada a
circunstâncias, como o lugar”.126
Neste sentido, é possível reconhecer enquanto soluções cromáticas
excepcionais realizadas em Portugal, a Biblioteca da Universidade de Aveiro
1988-1994 (183), o Complexo Desportivo de Gondomar 1991-1999 (184), a
Casa do Pego, Sintra 2002-2007 (185), os Terraços de Brangança, Lisboa
2003-2005 (186) e ainda a Quinta do Portal, Sabrosa 2006-2008 (187). Na
Universidade de Aveiro mais que uma ideia pré-definida do autor, a
utilização do tijolo tradicional tratou-se de uma exigencia, na medida em que
todo o pólo Universitário deveria ser caracterizado pelo mesmo material de
cor laranja. Contudo, o arquitecto Álvaro Siza introduz à extensa
homogeneidade laranja do tijolo - o branco. Neste projecto, a
convencionalidade do branco é “contrariada”, ao ser apenas introduzida nos
planos recuados, nas caixilharias, no embasamento e quando o grande
volume laranja é esventrado. Os critérios estipulados pelo arquitecto Siza
para esta dualidade cromática, aparentam traduzir a ideia de que a cor laranja
que reveste todo o exterior do edifício se trata de uma “casca”, e enquanto o
branco fosse o seu “miolo”. Embora de um modo distinto, o edifício revela
pontualmente a “massa branca que o constituí”, que é revestida por um
“manto” protector de cor laranja - próprio do tijolo.
94
126 Siza, 2003: 27
178.Álvaro Siza, Fundação Iberê Gamargo, Brasil (1998-2008). (Castanheira, 2009)
179.Álvaro Siza, Casa em Maiorca, Espanha (2002-2007). (Castanheira, 2009)
180.Álvaro Siza, Complexo Desportivo Ribera Serrallo, Barcelona (2002-2008). (Castanheira, 2009)
181.Álvaro Siza, Pavilhão Anayang, Coreia do Sul (2005-2006). (Castanheira, 2009)
182.Álvaro Siza, Museu Mimesis, Coreia do Sul (2005-2006). (Castanheira, 2009)
Apesar do Complexo Desportivo de Gondomar aparentemente se assemelhar
ao anterior projecto, onde a homogeneidade do tijolo laranja caracteriza a
unidade-plástica, e todos volumes e planos externos que circunscrevem os
limites do projecto serem tratados equitativamente, adquirindo a mesma cor -
laranja - o critério de utilização da cor terá mais a ver com as anteriores
propostas, totalmente brancas. Neste projecto, o reboco pintado de branco ou
o betão branco é “substituido” pelo tijolo - laranja - que, de igual modo,
confere unidade a todo o conjunto. Os únicos elementos de cor excepcionais
ocorrem na pala que anuncia a entrada do edifício - em betão branco - e
também no embasamento, com a introdução de um elemento metálico
contínuo recuado - de cor cinza - que dá a impressão que a imponente massa
laranja levita.
A distinção entre o embasamento e o restante corpo do objeto arquitectónico
é também visível na Casa do Pego que, apesar de ter como cor predominante
o castanho - da madeira, contrasta com o contínuo cinzento da pedra ardósia.
Ambas as cores, facilmente se referenciam no contexto natural próprio do
Lugar, e sugerem estabelecer uma relação de inclusão/enraizamento com o
mesmo. Ainda referente ao programa habitação, mas num contexto
assumidamente urbano, o arquitecto Álvaro Siza projectou os Terraços de
Bragança em Lisboa. Neste projecto a cor é introduzida pelo azulejo azul,
cinzento e verde; a variação cromática sugere, de certo modo, o
desenvolvimento natural da cidade de Lisboa. A “partição” cromática do
conjunto de habitações propõe isso mesmo, integrar-se nas variadas cores que
caracterizam cada edifício que constitui o perfil da rua.
No caso da Quinta do Portal a proposta de cor encontra-se nos antípodas do
Complexo Desportivo de Gondomar, visto neste caso os planos que
delimitam todo o projecto adquirirem uma variada gama de tons castanhos,
próprios da diversidade das pedras utilizadas para o seu revestimento, os
quais, por sua vez, contrastam com a cor da massa construida que se inscreve
no interior destes - pintadas de cor laranja. De algum modo, a dualidade
cromática proposta neste projecto assemelha-se à utilizada na Biblioteca de
Aveiro, embora neste caso a interacção entre as duas cores seja maior e não
esteja sujeita a contornos tão explícitos.
Um aspecto a salientar, transversal a todos estes projectos, é que ao nível da
caracterização cromática dos espaços internos não é visível um tratamento
excepcional. Neste sentido será possível dizer que o domínio do branco do
reboco pintado, do betão aparente, etc, continua a assegurar aos seus espaços
interiores a serenidade desejada, contribuindo essencialmente para a
95
183.Álvaro Siza, Biblioteca da Universidade de Aveiro, (1988-1994). (Siza, 2000)
184.Álvaro Siza, Complexo desportivo, Gondomar (1991-1999). (Castanheira, 2009)
185.Álvaro Siza, Casa do Pego, Sintra (2002-2007). (Castanheira, 2009)
186.Álvaro Siza, Terraços de Bragança, Lisboa (2003-2005). (Castanheira, 2009)
187.Álvaro Siza, Quinta do Portal, Sabrosa (2006-2008). (Castanheira, 2009)
continuidade espacial que tanto caracteriza as suas unidades-plásticas.
96
A proposta “heterogeneidade” de Eduardo Souto Moura- Sistema construtivo | Material | Linguagem - triologia -
O facto de Eduardo Souto de Moura ter estudado de 1974 a 1980 na ESBAP,
durante um período temporal coincidente com o 25 Abril, proporcionou-lhe a
frequência de um curso “invulgar” - na “escola-atelier” de Siza - conforme
reconhece “em boa verdade, fiz o curso no atelier do Siza”.127
Do mesmo modo que o arquitecto Álvaro Siza terá “herdado” saberes do
arquitecto Fernando Távora, durante o período em que cooperou com ele (de
1955 a 1958), embora os tenha usado segundo a sua interpretação crítica da
qual resultaria na sua plasticidade tão própria, o arquitecto Eduardo Souto de
Moura terá passado por uma experiência similar ao ter colaborado com o
arquitecto Siza. No entanto, de igual modo, potenciado pela sua autonomia
crítica viria, a adoptar uma linguagem arquitectónica que resultava da
exploração dos materiais e das suas possíveis combinações.
“Quando Souto Moura chegou ao atelier de Siza, este compreendeu
imediatamente !com pérfido desagrado e grande prazer’ que não o teria como
colaborador por muito tempo. O neo-Miesiano rigoroso e independente
rapidamente se afastou. O fascínio da sua arquitectura assenta na utilização de
materiais extravagantes: granito, mármore, tijolo, perfis de aço importado,
betão à vista, cores inesperadas, madeira africana, iluminações refinadas”.128
Em 1980, o arquitecto Eduardo Souto de Moura autonomiza-se e passa a dar
início à sua actividade enquanto profissional liberal. Os seus projectos
passam a assentar no interesse constante pela exploração dos materiais, mais
do que a tentativa de organismo aparente na arquitectura de Távora (visível
pela procura de enraizamento), os materiais assumem-se como a razão do
projecto e o sentido do espaço. Os seus projectos ao contrário dos realizados
pelo arquitecto Álvaro Siza, são caracterizados por imensas excepções que
indirectamente acabam por reforçar a regra. A importância conferida por si
aos meios tecnológicos e aos materiais “de ponta” leva-o a declarar que “o
espaço não [lhe] interessa nada. Um cubo todo de pedra, em vidro, em
ardósia ou em estuque branco, não é a mesma coisa. Um espaço, com
determinada medida, não é nada. A mim interessam-me só os materiais.
Porque, perante o espaço que me dão […] se achar pequeno, faço-o em vidro,
porque preciso que fique maior. Se achar excessivo, faço-o em ardósia, que
me dá o efeito egocêntrico, que me aperta. Se achar monótono, faço-o em
97
127 Souto Moura, 2010: 35128 Fleck, 1999: 110
pedra, porque consigo veios de ferrugem. Se me disserem assim: - O senhor
tem que fazer uma casa com “tanto por tanto”. E eu digo: - Sim, senhor. E só
me interessa trabalhar e tratar isso com materiais, para que o espaço seja
aquilo que eu quiser […] isto é o que eu acho aliciante e a actividade
específica do arquitecto”.129 Os materiais são dispostos nos seus projectos de
modo extremamente refinado e criterioso; à semelhança do trabalho realizado
por Mies, é dado um especial interesse e atenção à composição dos veios, das
texturas e das juntas, resultando uma disposição/caracterização combinada -
uma linguagem. Segundo o arquitecto Eduardo Souto de Moura a sua
arquitectura é constituída por uma “triologia projectual, que compreende o
sistema construtivo, o material e a linguagem”.130 Contudo, é importante
referenciar que os aspectos que constituem esta triologia estão sujeito a uma
constante gestão, que relaciona - o que lhe é materialmente possível fazer
com os custos - resultando deste esforço as mais variadas experiências ao
nível da caracterização cromática.
É neste sentido que o seu discurso converge de modo natural para a
valorização dos custos, já que para si, são uma preexistência. “As pessoas
falam muito do sítio como uma preexistência, mas hoje, mais do que o sítio -
se é granito ou calcário, se é no sul ou com luz mediterrânea - o sítio é o
Dólar, ou o Ecu”.131 Esta realidade está interligada com a sua grande vontade
de exploração dos materiais e dos sistemas construtivos, que para si, se
ajustam à caracterização/materialização das suas ideias-projectos-espaços. Os
seus projectos são reflexo desse permanente desafio, que compatibiliza a
ideia (constituída pela trilogia) com os custos. É através de uma grande
ginástica mental/criativa que o Arquitecto contorna essa contingência. O
facto do que gostaria de fazer, ser diferente do que lhe é realmente possível
fazer, faz com que recorra às mais diversas soluções, “mesmo que possa
conferir a chamada !verdade’, estou a mentir, dizendo a verdade, isto é: faço
uma casa de pedra por fora e, se quero fingir que a casa é de pedra, ponho a
pedra por dentro. Mas a pedra por fora não tem nada a ver com a pedra por
dentro”.132
Para o arquitecto Eduardo Souto de Moura o reconhecimento e a valorização
dos materiais faz com que a cor normalmente resulte nos projectos pela
inclusão de determinado material. Para si esta escolha será aparentemente
mais segura, na medida em que a eleição de uma determinada cor aplicada
acaba por ser um maior compromisso, geralmente relacionado com decisões
98
129 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 50130 Souto Moura, 2010: 37131 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 46132 Idem: Ibidem
arbitrárias e altamente subjectivas, apesar de nunca ser uma decisão aleatória.
Neste sentido, opta por escolher um material que, para além da proposta
cromática, responde a questões construtivas, funcionais e materiais. O facto
do arquitecto Eduardo Souto de Moura definir critérios para a utilização de
determinado material ancorados num conjunto de propósitos, que vão para
além da escolha única de uma cor, poderá contribuir para amenizar alguma
subjectividade, por tentar responder a um conjunto de solicitações.
“A escolha de determinado material é uma tentativa de retirar subjectividade à
arquitectura. Cada vez mais, as opções da arquitectura são subjectivas [...]
quase todas as minhas cores resultam da introdução dos materiais que têm
essa cor. Pode-se, até, chamar a isso uma certa cobardia; mas assim durmo
descansado”.133
Contudo, o arquitecto Eduardo Souto de Moura tem presente que a escolha
de determinado material “é uma questão de gosto, porque, se faz com
determinados materiais, é porque se identifica com eles e é uma questão de
oportunidade”.134 Tanto a sua preferência como o sentido de oportunidade,
levam-no a retirar o maior partido dos diversos materiais, combinando
artificiais - homogéneos - com naturais - de cor mais complexa e que podem
adquirir maior variação quando sujeitos a diferentes acabamentos. Para si, a
liberdade criativa possibilitada pelos materiais, assim como a par dos
sistemas construtivos e da linguagem arquitectónica, motivam-no à
exploração dos materiais. A relação da linguagem adoptada com esse aspecto,
terá a ver com esta se caracterizar genericamente por uma composição
constituída por planos. A abordagem do arquitecto Souto de Moura revela-se
contrária à que é recorrente nos projectos do arquitecto Álvaro Siza;
composta por massas volumétricas, e também distinta da utilizada pelo
arquitecto Fernando Távora, o que evidencia uma composição constituída por
elementos construtivos. O facto da linguagem projectual do arquitecto
Eduardo Souto de Moura propor uma composição de planos diferenciados, e
este ter particular interesse e gosto pela utilização de materiais, leva-o a
explorar a fragmentação desses planos, destacando-os, isolando-os
cromaticamente. Ou seja, a recorrente fragmentação dos planos propícia o
uso diversificado de materiais, de modo a reforçar esta ideia, que é intrínseca
à generalidade dos seus projectos realizados ao longo de três décadas.
A fragmentação dos planos é indiciada no seu primeiro projecto, realizado
entre 1980 e 1984 para o Mercado Municipal. A permeabilidade do programa
do proporcionou a decomposição dos planos, autonomizando-se os verticais
99
133 Idem: 48134 Idem: 47
uns dos outros e todos respectivamente ao plano horizontal. O projecto pode
ser descrita cromáticamente pela dualidade entre a cor aplicada - branca - de
textura homogénea e a cor própria da pedra - granito - de textura heterogénea
(188.189). Enquanto os planos que circunscrevem o perímetro do Mercado são
materializados maioritariamente em pedra, o plano horizontal da cobertura é
branco, assim como a estrutura de pilares que o suporta. A dualidade
cromática é ainda expressa pela independência de cada um dos dois planos
que se prolongam para além dos limites do Mercado, anunciando-o.
Em 1981, para o projecto da Casa das Artes, o arquitecto Eduardo Souto de
Moura optou por uma caracterização exterior totalmente materializada em
pedra - granito -, os muros encerrados dissimulam com os restantes que
circunscrevem o perímetro do projecto (190). No entanto, é ao nível da
caracterização do espaço interior que a diversidade cromática é explorada.
Esta solução terá alguma relação com as palavras do arquitecto, quando diz:
“eu tinha a ideia de que tratar o espaço interior e o exterior era a mesma
coisa, mas, desde o momento que tive que fazer um projecto desse tipo,
percebi que era um mundo específico”.135 Neste sentido, o arquitecto
Eduardo Souto de Moura terá optado por caracterizar cromáticamente todo o
exterior através da pedra, unificando-o, já no espaço interior terá atribuído
diferentes materiais/cores aplicados/as às superfícies, com o objectivo de as
individualizar. Neste sentido, são também adoptados diferentes materiais/
cores para os pavimentos, assim como para todos os elementos metálicos, tais
como as caixilharias, as guardas, escadas, etc (191.192). De modo sucinto, a
ideia cromática associada à Casa das Artes explora uma abordagem exterior -
simplificada - e uma interior - complexificada.
“A construção do Mercado de Braga (1985) e da Casa das Artes (1988), de
Eduardo Souto Moura, davam sinais de uma determinação e radicalidade
expressiva que iriam ter forte impacto disciplinar, construindo-se como a
“saída” mais performativa e bem sucedida da Escola do Porto”.136
Três anos mais tarde o arquitecto Eduardo Souto de Moura projecta a Casa 2
em Nevogilde, e uma vez mais recorre à pedra (granito) para a
caracterização/materialização exterior. No entanto, face ao anterior projecto é
proposta uma atitude distinta, introduzida pela irregularidade dos planos de
pedra e pelas suas diversas aberturas, que aparentemente sugerem/recriam
uma ruína (193.194). No que refere ao tratamento exterior, é ainda de
acrescentar a presença da cor aplicada - castanha escura - que caracteriza os
restantes elementos. Já no que respeita à proposta cromática do espaço
100
135 Idem: 43136 Figueira, 2002: 108
188.189.Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal de Braga, Braga (1980-1984). (Souto Moura, 2004)
190.Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto (1981-1991). (Souto Moura, 2009)
191.192.Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto (1981-1991). (Souto Moura, 2000)
interior, é possível evidenciar-se um pontual contágio das cores exteriores
dominantes. No entanto, estas compartilham proeminência com o reboco
branco e a madeira (castanha) do pavimento (195). Neste projecto, ao contrário
do anterior, a ideia cromática que serve de caracterização ao espaço exterior e
ao interior tende a fundir-se.
No ano seguinte, o arquitecto Eduardo Souto de Moura projecta a Casa na
Quinta do Lago. Inserida num contexto dominado pelo verde da vegetação,
propõe um contraste cromático ao optar pelo uso genérico do branco
unificando toda a volumetria do objecto arquitectónico (196). No entanto, o
facto desta massa conter uma série de vazios, vai potenciar a que a cor
dominante na vegetação (verde), seja usada no interior desses pátios
exteriores (197). No que refere à caracterização cromática do espaço interior, é
dada continuidade ao branco usado no espaço exterior, igualando/unificando
toda a superfície interior (198.199).
Em 1987, o arquitecto Eduardo Souto de Moura propõe de novo uma
composição constituída por planos com o projecto a Casa em Alcanena.
Neste projecto são conciliadas superfícies revestidas a tijolo de cor bege com
superfícies rebocadas e pintadas de branco (200). No entanto, quando estes
planos se prolongam e cruzam com as superfícies que definem o espaço
interior, acabam (através do encontro de diferentes cores) por potenciar a
transição da cor. À semelhança da Casa 2 em Nevogilde, neste projecto as
cores que caracterizam o exterior edificado acabam por qualificar o espaço
interior, o encontro dos planos acaba por servir de tema e potenciar a
transição cromática (201).
Na mesma década o arquitecto Eduardo Souto de Moura projecta a Casa no
“Bom Jesus” e, volta uma vez mais a considerar e compatibilizar os
anteriores materiais/cores: a pedra e o reboco branco. Contudo, estes
prestam-se a novos propósitos, como é visível pela separação física entre
planos de diferentes cores. Enquanto ao nível do piso térreo os planos
encerrados e opacos são definidos pela pedra, ao nível do piso superior o
grande envidraçado é circunscrito por um conjunto de planos brancos
(definindo um pórtico) que sugere abraçar o anterior volume (202). De acordo
com a memória descritiva, o projecto resulta de “duas plataformas, dois
pisos, dois sistemas construtivos, duas linguagens”137 , assim como duas
caracterizações cromáticas distintas, acrescentaria eu.
101
137 Souto de Moura, 2000:135
193.Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto (1983-1988). (Souto Moura, 2000)
194.195.Fachada e interior da Casa 2 em Nevogilde, Porto (1983-1988). (Souto Moura, 2000)
196.197.Eduardo Souto de Moura, Casa na Quinta do Lago, Almansil (1984-1989). (Souto Moura, 2000)
198.199.Interior da Casa na Quinta do Lago, Almansil (1984-1989). (Souto Moura, 2009)
A complexidade cromática conferida pela combinação de diferentes
materiais, é uma característica transversal à obra deste arquitecto, estando
geralmente sujeita a uma racionalidade capaz de determinar critérios para o
seu uso, tais como o de privilegiar determinado plano face a outro. É deste
modo que a base-arquitectónica “descaracterizada” adquire hierarquia e
sentido. Durante a década de 1980 o arquitecto Eduardo Souto de Moura
demonstrava através da caracterização cromática que, “a história da
arquitectura […] tem um significado mais fragmentado e específico. E
enquanto, por exemplo, o suporte da arquitectura era feito pelo muro, era
bastante difícil, nesse próprio objecto, distinguir a face interior e exterior.
Mas neste momento, todos os tratamentos, interiores e exteriores, são
fragmentados”.138 É deste modo, que a cor, que está associada aos diferentes
planos que compõem o espaço acaba, através da sua diferenciação, por
acentuar, ou não, as descontinuidades ou continuidades que caracterizam a
ideia espacial. Este sentido, recorrente nos projecto do arquitecto Eduardo
Souto de Moura, assemelha-se particularmente ao que foi utilizado pelo
arquitecto Mies. Segundo o texto titulado Souto Moura, escrito em 1989 pelo
arquitecto Siza Vieira, a sua obra é composta por “planos rectangulares
verticais e horizontais que modelam o volume e os espaços internos
relacionam-se por gradual transição, por juntas, por ruptura, mantendo uma
constante capacidade de autonomização. As tensões resultantes evocam a
componente neoplástica de um Mies […] mas evocam igualmente a
materialidade e o peso que, voluntariamente e antes, acompanham o impulso
centrifugador das casas usonianas de Wright”.139
No que respeita à utilização do desenho, o arquitecto Eduardo Souto de
Moura revela que este se presta a ensaiar a trilogia que compõe/constitui cada
projecto, definida pelo sistema construtivo, material e pela linguagem. O
desenho tende a acompanhar o experimentalismo que caracteriza os seu
projectos. Apesar dos seus desenhos não incorporarem a cor, esta é sugerida
através da variação do traço e das manchas, de modo a “traduzir” os diversos
tratamentos que constituem a ideia cromática/material de cada projecto. De
acordo com as palavras do arquitecto Siza Vieira “os esquissos feitos por
Souto de Moura [caracterizam-se por um] desenho firme, esquemático e
denso. Traduz a clareza da ideia orientadora do Projecto - tal como se
apresenta, depois de concluído este”.140
De acordo com as palavras anteriormente citadas do arquitecto Siza Vieira, os
102
138 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 44139 Siza [1989], 2009: 70140 Idem: 68
200.Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas (1987-1992). (Souto Moura, 2000)
201.Interior da Casa em Alcanena, Torres Novas (1987-1992). (Souto Moura, 2000)
202.Eduardo Souto de Moura, Casa no “Bom Jesus”, Braga (1989-1994). (Souto Moura, 2000)
desenhos do arquitecto Eduardo Souto de Moura têm a capacidade de fazer
antever o resultado final de cada projecto. Da mesma maneira que o
arquitecto Souto de Moura define de modo tão expedito e criterioso o que é
essencial em cada um dos seus projectos, enquanto “estímulo” para a
caracterização cromática, esse esclarecimento parece ser antecipado e
“resultar” dos seus desenhos. Os diferentes apontamentos e registos
procuram mais que a definição formal do objecto arquitectónico, servem de
auxílio à experimentação, e terão o comprometimento de validar algumas
dessas ideias menos usuais. O facto da sua obra ser caracterizada por uma
grande experimentação e esta ser extensível aos desenhos, faz com que se
torne difícil reconhecer aspectos comuns a cada um.
No entanto, no desenho do arquitecto Eduardo Souto de Moura são possíveis
de se evidenciar alguns pontos comuns com a obra do arquitecto Távora, em
particular, pela procura de definir determinados acabamentos ou sugerir
alguma alternância/diversidade de tratamento (203.205). Mas também é
possível identificar traços análogos com os desenhos do arquitecto Siza
Vieira, genericamente caracterizados pela linha precisa e altamente
definidora da forma do objecto arquitectónico (204). Normalmente, os
desenhos do arquitecto Eduardo Souto de Moura balançam entre estes dois
registos tão distintos, mas também é comum, que ambos sejam
compatibilizados no mesmo desenho (206.207). Esta compatibilidade estará
relacionada com a diversidade e o experimentalismo que caracteriza os seus
projectos, captando e reunindo pontuais aspectos referenciados nos anteriores
arquitectos. O facto de não considerar nem recorrer frequentemente ao
mesmo sistema construtivo, materialidade e linguagem, propícia a
diversidade, que acaba por se reflectir nos seus mais variados desenhos.
Durante a década de 1990, o arquitecto Eduardo Souto de Moura dá
continuidade ao experimentalismo que caracteriza os seus projectos, e as suas
soluções cromáticas, assentes na relação custos e na trilogia “sistema
construtivo, material e linguagem”. Outro aspecto que se mantém comum aos
seus projecto é a escala e o programa de habitação. Em 1991 projecta a Casa
em Moledo do Minho que, aparentemente, pelo facto de ter sido idealizada
para um contexto rural, levou a que se materializasse exteriormente em
pedra. A imagem cromática exterior do objecto arquitectónico resulta num
extenso muro granítico, que sugere simular os muros de contenção de terras
comuns nesta região (208). A relação/fusão do objecto arquitectónico com o
lugar é tal, que a sua própria leitura é difícultada. De acordo com as palavras
do arquitecto Alexandre Alves Costa, “Souto de Moura inventa histórias
quando não existe história, constrói os sinais do tempo para os preservar e
103
203.Desenho da Casa das Artes, Porto, Eduardo Souto de Moura (1981-1991). (Souto Moura, 2009)
204.Desenho da Casa na Quinta do Lago, Almansil (1984-1989). (Souto Moura, 2009)
205.Desenho do Edifício de Apartamentos da Rua do Teatro, Porto (1992-1995). (Souto Moura, 2009)
206.Desenho da Casa em Cascais (1994-2002). (Souto Moura, 2009)
207.Desenho da Casa do Cinema, Porto (1998-2003). (Souto Moura, 2009)
qualifica a sua narrativa com a dignidade dos materiais naturais, disposto
como na natureza humanizada”.141 Terá sido esta a relação arquitectónica e
cromática que o arquitecto procurou estabelecer com este lugar, retirando
partido de algumas das suas realidades/qualidades, e propondo outras,
ajustando-as e integrando-as como se fizessem parte desse mesmo lugar.
Através desta profusão cromática com o sítio, o impacto da transformação é
“atenuado”. Esta abordagem é também visível ao nível da caracterização
cromática interior, a possível proeminência de alguns elementos pré-
existentes (como as rochas), convivem com a aproximação e fusão de outros
elementos, tornando “imperceptível” o que é proposto e o existente. A grande
variedade cromática proposta para o espaço interior acaba por contribuir para
este “jogo”, caracterizado pelos muros de pedra, pela madeira castanha
escura do pavimento, pela mais clara que reveste as superfícies recuadas e
ainda pelo tecto pintado de branco, esta variedade acaba também por
contribuir para o enriquecimento cromático do espaço interior (209).
No ano seguinte, num contexto oposto - citadino -, o arquitecto Eduardo
Souto de Moura projecta o Edifício de Apartamentos da Rua do Teatro,
totalmente idealizando em materiais metálicos industrializados. A cor exterior
do objecto arquitectónico é dominantemente metalizada, resultando da
estrutura adoptada e do seu preenchimento por venezianas no mesmo
material (210). No que respeita à caracterização interior, as paredes são
brancas, e a variação cromática é introduzida pela madeira dos pavimentos e
pelos elementos metálicos, alguns dos quais pintados (211.212). Neste projecto
a abordagem cromática surge genericamente da eleição do sistema
construtivo, no sentido oposto ao anterior projecto, a escolha resulta de uma
decisão autónoma do lugar.
De acordo com as palavras do arquitecto Eduardo Souto de Moura, “os
custos de construção são de tal maneira apertados e rígidos […] cada vez
mais os espaços são monocórdicos; e a variedade possível é à custa da
coloração, ou da textura, ou da variação dos materiais”.142 O reconhecimento
da responsabilidade das contingências económicas, enquanto condicionante
que pode “determinar” a solução cromática, poderá ser uma das razões da
proposta genérica da cor aplicada à Casa na Serra de Setúbal de 1994. O
motivo apontado poderá facilmente ter conduzido à eleição da cor aplicada
em detrimento da cor própria. Comparativamente com o anterior projecto
(estrutural) caracterizado pela cor dos materiais, é proposta aqui uma massa
volumétrica recortada, de cor amarela aplicada. Neste projecto, a “modesta”
104
141 Alves Costa [1990], 2007: 92142 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 45
208.Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo do Minho, Caminha (1991-1998). (Souto Moura, 2000)
209.Interior da Casa em Moledo do Minho, Caminha (1991-1998). (Souto Moura, 2009)
210.Eduardo Souto de Moura, Edifício de Apartamentos da Rua do Teatro, Porto (1992-1995). (Souto Moura, 2009)
211.212.Eduardo Souto de Moura, Edifício de Apartamentos da Rua do Teatro, Porto (1992-1995). (Souto Moura, 2009)
abordagem monocromática exterior é favorecida pela exploração de outros
meios (sem custos aparentes) como é o caso do claro-escuro anunciado pela
variação de profundidade provocada pela abertura de vãos, assim como as
sombras potenciais pelos recortes da volumetria (213). No interior é visível
uma dualidade cromática entre superfícies pintadas de branco e a cor
castanha da madeira e do tijolo que, aparentemente, servem de tema à
individualização dos planos criando alguma complexidade (214.215). A Casa na
Serra da Arrábida terá intrínseca uma ideia cromática para o exterior que
afirma a unidade volumétrica; já no que se refere à caracterização do espaço
interior procura potenciar a fragmentação dos planos.
No mesmo ano projecta a Casa em Cascais e retoma a uma solução cromática
que tende a diferenciar os planos. Neste sentido, o projecto assemelha-se a
uma caixa que é materializada em betão e, apenas os topos são diferenciados,
sendo um totalmente permeável - em vidro e o outro encerrado - revestido a
azulejo amarelo (216.217). A ideia cromática que caracteriza o espaço interior
passa por uma duplicação da cor/tratamento exterior de cada superfície para o
plano interior adjacente (218). Em 1996 projecta a Casa 2 na Maia, e propõe
uma nova solução cromática, que compatibiliza no mesmo plano superfícies
de mármore (branco com veios cinzentos) complanares com reboco pintado
de cinzento (219). A ideia que caracteriza o exterior do objecto arquitectónico
vive desta dualidade, entre cor própria e a cor aplicada, que terá a capacidade
de definir e distinguir diferentes partes da parede, e ainda a de viabilizar
pontuais continuidades ao prolongar o mesmo material/cor dos espaços
exteriores até ao interior. No que refere ao tratamento cromático do espaço
interior, é maioritariamente caracterizado por superfícies brancas, com
excepção do pavimento em madeira. Da mesma forma original que foi
utilizada a mármore nas paredes exteriores, esta foi pontualmente usada nos
planos interiores, isolando-os, destacando-os ou ainda prolongando-os até ao
exterior (220). No ano seguinte, num contexto relativamente próximo ao que
foi implantada a Casa 2 na Maia, o arquitecto Eduardo Souto de Moura
projecta o Edifício de Habitação Colectiva que, relativamente ao anterior terá
optado por uma ideia cromática distinta, ao estender a cor metalizada a todas
as faces caracterizando o prisma arquitectónico de modo uniforme. Neste
projecto é retomada a teoria cromática proposta no Edifício de Apartamentos
da Rua do Teatro: a estrutura metálica e as venezianas são os únicos
elementos que dão cor a todo o volume (221).
No projecto para a Casa do Cinema Manoel de Oliveira de 1998, o arquitecto
Souto de Moura terá optado por revestir com um material metálico o piso
inferior, e eleito a cor aplicada cinzenta para a caracterização do piso
105
213.Eduardo Souto de Moura, Casa na Serra da Arrábida, Setúbal (1994-2002). (Souto Moura, 2009)
214.215.Eduardo Souto de Moura, Casa na Serra da Arrábida, Setúbal (1994-2002). (Souto Moura, 2009)
216.217.Eduardo Souto de Moura, Casa em Cascais (1994-2002). (Souto Moura, 2009)
218.Interior da Casa em Cascais (1994-2002). (Souto Moura, 2004)
superior. Esta ideia cromática explora a fragmentação do projecto, através da
sua divisão por estratos, procurando enfatizar/diferenciar o piso térreo,
relativamente ao superior, o qual se abre através dos janelões que se assumem
como tema central do projecto (222). A experimentação que acompanha cada
um dos seus projectos, está uma vez mais implícita aqui, a mais “comum”
fragmentação dos planos proposta por si dá lugar a uma fragmentação por
extractos que é enfatizada pela diferenciação de cores/materiais.
Quando o arquitecto Siza Vieira fala sobre a natureza da obra de Souto de
Moura, diz que essa “deve muito à complexidade e singularidade da sua
materialização: granito do Norte, tijolo de fabrico artesanal do Sul, perfis de
aço inoxidável importados, betão descofrado de cores inesperadas, madeira
africana intensamente vermelha, equipamentos de iluminação e de
condicionamento de ar distribuídos sem preconceito, estuques com a
execução primorosa dos homens do Alto Minho. Ninguém mais vejo querer e
poder utilizar, em área tão limitada, uma tão vasta gama de materiais, cores,
texturas; multiplicam-se as juntas - momentos de transformação do
desenho”.143 De projecto para projecto o arquitecto recupera materiais, ideias,
introduz outras, considera a utilização de novos sistemas construtivos e
subverte e alterna constantemente os elementos que constituem a sua trilogia
projectual. Na verdade, não são apenas os materiais que se renovam, o
próprio sistema construtivo adoptado não é constante, ambos os aspectos
contribuem para alterações pontuais ao nível da linguagem. A partir da
experimentação/variação desses elementos resultam as mais diversas
soluções cromáticas. Se num projecto o arquitecto Eduardo Souto de Moura
privilegia o Lugar, ou procura o enraizamento do objecto arquitectónico com
este, “captando” na sua própria natureza possíveis cores/materiais, noutros
projectos é o próprio sistema construtivo quem “estipula” a caracterização
cromática - autonomizando-a - e, ainda noutros casos, a ideia adjacente à
utilização da cor é ainda mais autónoma, estabelecendo unicamente uma
relação estrita com a forma do objecto arquitectónico.
Na última década o arquitecto Eduardo Souto de Moura terá tido a
oportunidade de projectar para além das casas que constituem a generalidade
das suas obras, diversos equipamentos, dos quais se destaca o Estádio
Municipal de Braga. Para a materialização deste complexo equipamento o
Arquitecto terá optado pelo betão, deixando-o integralmente aparente (223).
Esta escolha fez com que o objecto arquitectónico obtivesse genericamente a
cor cinzenta que, por seu lado, aparenta estabelecer uma relação de
106
143 Siza [1989], 2009: 69
219.Eduardo Souto de Moura, Casa 2 na Maia (1996-2007). (Souto Moura, 2009)
220.Interior da Casa 2 na Maia (1996-2007). (Souto Moura, 2009)
221.Eduardo Souto de Moura, Edifício de Habitação Colectiva, Maia (1997-2001). (Souto Moura, 2009)
222.Eduardo Souto de Moura, Casa do Cinema Manoel de Oliveira, Porto (1998-2003). (Souto Moura, 2009)
“possível” continuidade com a proximidade da pedreira existente no lugar.
Por outro lado, a unidade cromática proposta contribui para enfatizar da
expressão formal e estrutural que constitui ambas as bancadas.
Em 2002 o arquitecto Eduardo Souto de Moura terá projectado o Museu do
Centro de Arte Contemporânea de Bragança e, uma vez mais, retomado a
solução totalmente homogénea, optando pelo reboco pintado de branco.
Segundo o próprio, esta opção é descrita enquanto solução económica - “o
reboco e [o] pintar é a chamada construção social”.144 Contudo, o Arquitecto
terá levado este tipo de solução ao extremo, ao caracterizar todo o
paralelepípedo encerrado de branco (224). A caracterização homogénea para
além de unificar todo o objecto arquitectónico, reforça a imagem da massa
que é sugerida por este volume horizontal assente numa superfície também
esta branca. O facto do plano que serve de apoio à grande caixa se encontrar
recuado, faz com que este se encontre numa zona permanentemente em
sombra e, deste modo seja “acentuada” a ideia de “flutuação” que caracteriza
o grande volume. Se olharmos para a ideia que constituí esta proposta,
apercebemo-nos que a “elementaridade” da forma é acompanhada pela cor.
À forma paralelepipédica pura faz corresponder a cor “mais usual” - o branco
- ambas terão contribuído para a acentuação e a afirmação de um possível
projecto essencial, “o grau zero” da arquitectura. A caracterização interior
assemelha-se à do exterior, visto também ter sido pretendido prolongar ao
interior edificado a ideia de um espaço unitário. Deste modo, foi também
escolhido o branco para caracterizar a generalidade dos espaços interiores
(225). No entanto, a solução cromática destes espaço poderá facilmente estar
também comprometida com aspectos funcionais e de iluminação do próprio
programa/museu.
Em 2004, o arquitecto Eduardo Souto de Moura projectou o Edifício de
Comércio e Escritórios da Boavista, onde optou por uma solução formal/
cromática que partilha aspectos comuns com a abordagem utilizada na Casa
do Cinema Manoel de Oliveira. Ambos os projectos fazem uma distinção
cromática dos diferentes pisos que compõem o objecto arquitectónico.
Enquanto na Casa do Cinema o primeiro extracto é metalizado e o superior é
cinzento-escuro, neste edifício o extracto inferior é cinzento-escuro e o
superior é branco. Em relação ao interior, apenas é identificável uma inversão
de contrastes cromáticos, visto que a ideia formal que constitui o Edifício de
Escritórios e Comércio procura afirmar a presença das caixas que definem o
piso superior (226). Neste sentido, o arquitecto opta por caracterizar todo o
107
144 Souto Moura, 1997 in Alarcão, 1997: 47
223.Eduardo Souto de Moura, Estádio Municipal de Braga (2000-2003). (Souto Moura, 2009)
224.Eduardo Souto de Moura, Museu do Centro d e A r t e C o n t e m p o r â n e a d e B r a g a n ç a (2002-2008). (Souto Moura, 2008)
225.Interior do Museu do Centro de Arte Contemporânea Bragança (2002-2008). (Souto Moura, 2008)
226.Eduardo Souto de Moura, Edifício de Comércio e Escritórios, Boavista (2004-2007). (Souto Moura, 2008)
perímetro do piso térreo com a cor - cinzento-escuro - que acaba por se fundir
com as sombras produzidas pelo avanço dos volumes superiores brancos,
destacando-os.
Embora a caracterização formal e cromática da generalidade das obras do
arquitecto Eduardo Souto de Moura revelem um elevado grau de
experimentalismo, de acordo com os anteriores projectos é notório que estes
tendam a tornar-se cada vez mais volumétricos e a adoptarem uma
caracterização homogénea. Este aspecto poderá ter alguma relação com o
aumento de escala dos edifícios, assim como com a complexidade dos
diferentes programas que caracterizam os seus equipamentos. Um outro
projecto que poderá incluir-se nesta abordagem, é o Museu Paula Rego de
2005. Apesar deste projecto se constituir formalmente por uma massa
recortada que aparentemente resulta da adição de diferentes volumes, a
caracterização cromática não faz essa distinção. A cor uniforme - vermelha -
que resulta da junção deste pigmento ao betão, contribuí para a “união” dos
sólidos que constituem o conjunto (227). Respectivamente à caracterização
cromática do espaço interior, esta não é muito diferente da que foi utilizada
no edifício com o mesmo programa (Museu do Centro de Arte
Contemporânea de Bragança). Face a este, apenas foi proposto um aumento
do contraste da cor do pavimento - preto - com as restantes superfícies que
são brancas (228). Em 2006, o arquitecto Eduardo Souto de Moura projectou a
Casa do “Bom Jesus” 2, na qual foi aplicado o mesmo sentido formal e
cromático ao projecto, optando por o materializar em betão aparente, como o
já teria feito anteriormente no Estado do Braga. Uma vez mais, a proposta
formal é volumétrica e constitui-se por um conjunto de volumes sobrepostos
e escalonados, que adquirem o mesmo valor cromático - a cor cinzenta -
própria do betão (229). A leitura cromática unitária é apenas animada pela
variação de direcções da textura da cofragem, e essencialmente pela variação
e acentuação da profundidade dos vãos. No que refere à caracterização
interior, esta é de igual modo unitária, usando como cor preferencial o branco
(230). Contudo, a homogeneidade que caracteriza o espaço interior convive
pontualmente com superficies em betão aparente (cinzentas), que
aparentemente propõem estender/ligar o espaço interior ao exterior (231). De
um modo geral, todos os projectos do arquitecto Eduardo Souto de Moura
são pautados pela experimentação que o(s) caracteriza(m). A constante
renovação, quer dos materiais quer dos sistemas construtivos ou da
linguagem resulta em diferentes soluções cromáticas. As suas ideias formais,
assim como as das suas propostas cromáticas, podem fundamentar-se com
aparente facilidade em aspectos mais academizados - como a importância do
Lugar ou mesmo da História - mas também em muitas outras sugestões
108
227.Eduardo Souto de Moura, Museu Paula Rego (Casa das Histórias), Cascais (2005-2007). (Souto Moura, 2009)
228.Interior do Museu Paula Rego (Casa das Histórias), Cascais (2005-2007). (Souto Moura, 2009)
229.Eduardo Souto de Moura, Casa “Bom Jesus” 2, Braga (2006-2007). (Souto Moura, 2008)
230.231.Interior da Casa “Bom Jesus” 2, Braga (2006-2007). (Souto Moura, 2009)
externas e autónomas, referenciadas noutras realidades que vão para além do
universo da arquitectura.
109
110
CONCLUSÃO
Quando se iniciou a minha formação na FAUP, o meu desconhecimento da
Arquitectura levava-me a olhar para os projectos com pouca clareza e
profundidade. Raras eram as vezes que dava conta da cor dos edifícios, já que
havia sempre outros aspectos que sobressaíam, ao ponto de me impressionar,
como era o caso da forma. Com a contínua aprendizagem e consequente
aquisição de conhecimento comecei a sentir-me desperto para outras
especificidades, tais como o espaço, a luz, a materialidade e o modo como
estas se relacionavam com o que inicialmente me havia despertado a atenção.
Contudo, ao longo deste percurso sequencial a cor permanecia como um
“tabu”.
A par de outros alunos, acreditava que os projectos associados à “Escola”
eram genericamente brancos; lidava confortavelmente com essa ideia, visto
alguns dos projectos mais representativos da arquitectura internacional do
século XX serem brancos, nomeadamente o Museu Gugenheim de Frank
Lloyd Wright, a Casa Farnsworth de Mies Van der Rohe ou a Ville Savoye de
Le Corbusier. A falta de sentido crítico levava-me a acreditar que o branco
era “a solução”. Nesse sentido, confiava e partilhava da conotação fácil, se
associar à arquitectura que representa a “Escola do Porto” um domínio
exclusivo do branco. Durante esse período, os meus projectos
caracterizavam-se por um desacerto em relação ao real, que se manifestava
na forma superficial e limitada como utilizava os instrumentos de Projecto (o
Desenho e a Maqueta), assim como das referências que se prestam a auxiliá-
lo (o Lugar e a História), acabando posteriormente por reflectir-se em
limitadas soluções cromáticas.
Apenas no quinto ano do curso de arquitectura, durante o período em que
estudei na Escola Técnica Superior d'Arquitectura de Barcelona, comecei a
tomar consciência da cor enquanto qualidade da arquitectura, e
consequentemente, comecei a interessar-me por compreender e desvendar o
“tabu”. A partir desse momento/experiência, passei a olhar para a
arquitectura integralmente, com toda a sua complexidade e a aperceber-me da
sua cor, o que me levou a questionar sobre a(s) sua(s) significância e (ou)
possibilidades. No entanto, agora, apercebo-me que este despertar de
consciência não se deveu apenas às novas condições (ter estudado numa
outra escola e vivido noutra cidade), mas essencialmente ao saber acumulado
durante os anos formativos, que me terão permitido aprofundar/desenvolver
um novo “interesse”: a cor enquanto qualidade da arquitectura.
111
Contudo, foi apenas a partir da reflexão que acompanhou o presente trabalho,
em particular, através da análise da obra dos autores em estudo, que se tornou
possível um melhor entendimento da importância da cor. Apercebi-me de
como esta pode ser potenciada e potenciar as ideias e os projecto, conforme
foi possível verificar, através das soluções cromáticas próprias do universo
profissional (aqui representado pelos arquitectos Fernando Távora, Álvaro
Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura). Apesar de estas não aparentarem
resultar do Desenho, são geralmente potenciadas pela especificidade de cada
Lugar e pela História (enquanto campo de referências para possíveis
sugestões - conceptuais, construtivas e materiais). Através de projectos destes
autores, constatei que as abordagens cromáticas propostas são extremamente
optimistas, procurando geralmente estabelecer relações que vão para além da
cor-forma, como por exemplo cor-lugar-história-tradição-memória-cultura-
função-tempo, tornando possível uma diversidade de soluções. Neste sentido,
verificou-se que a consciência cromática destes arquitectos os leva, não só a
acentuar aspectos formais, mas também a estabelecer diálogos/relações com
aspectos “externos” ao objecto arquitectónico, mantendo um elevado sentido
de apropriação da solução cromática. Normalmente, as soluções cromáticas
adoptadas por estes arquitectos prestam-se a propósitos associados a uma (ou
mais) ideia(s) de projecto, às quais acresce a intenção de aligeirar alguma
carga subjectiva própria do uso da cor. Como é visível a uma escala mais
ampla, pela integração ou destaque cromático do objecto arquitectónico no
seu contexto (físico, social e temporal), assim como pela unificação ou
fragmentação do mesmo, e a uma escala mais aproximada, prestando-se à
individualização dos elementos arquitectónicos que compõem o objecto e
ainda à acentuação de uma ideia ou organização espacial (contínua ou
descontínua)."
Através da análise de projectos realizados por estes arquitectos, tornou-se
possível refutar as mais fáceis conotações cromáticas associadas à “Escola do
Porto”, visto que as soluções cromáticas adoptadas são bastante
diversificadas.
O presente trabalho contribuiu não só para a aquisição de novos saberes (em
particular, que a cor na arquitectura não deve ser entendida com indiferença
nem isoladamente), assim como para o desenvolvimento de um olhar crítico
que me permite, hoje, aperceber que a minha cidade (o Porto), não é menos
colorida que a de Barcelona, sendo que eu, apenas por não me encontrar
desperto para a cor, era incapaz de o sentir.
112
No que refere à sua importância no universo académico, penso ser relevante
que a actividade profissional (arquitectura) exercida paralelamente pelos
docentes, se projecte “assumidamente” para o interior da pedagogia,
alertando, enquanto exemplo, para as possibilidades do uso da cor, de modo a
serem partilhadas as linhas de pensamento e os critérios que apoiam as suas
decisões cromáticas, assumindo a subjectividade (ou arbitrariedade) dos
mesmos, de maneira a que os alunos os compreendam integralmente.
“A relação entre a teoria e a prática para o professor (de fora para dentro) e
entre a prática e a teoria para o aluno (de dentro para fora). O que quer dizer
que, à partida, quem ensina observa o campo e quem aprende é observado no
campo, embora, nos desenvolvimentos do processo pedagógico/didáctico,
todos as posições possam ser ocupadas por ambos”.145
Talvez, através destes testemunhos, fosse possível alertar e incentivar o aluno
para as valências da cor, de modo a que estes as passem a considerar e a
incorporar conscientemente nos seus projectos, com o propósito de
fundamentar ou acentuar as mais diversas ideias projectuais.
É ainda importante relembrar que a formação dos arquitectos não termina no
que se aprende na Escola; esta presta-se à transmissão de noções básicas no
sentido de dar autonomia ao estudante para que, futuramente, possa alcançar
a maturação. Neste sentido, cabe ao aluno, através das bases adquiridas e da
sua inquietação, aprofundar os mais diversos temas, nomeadamente o da cor
na arquitectura. Só através do estudo, pensamento e discussão deste tema,
será possível dominá-lo e aligeirar a sua carga subjectiva.
113
145 Vieira, 2005: 18
114
BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA
Aguiar,! José. Cor e cidade histórica! :! estudos cromáticos e conservação do património. Porto:
FAUP, 2002.
Alarcão, Pedro Duarte Santos. A materialização do espaço interior [prova de aptidão pedagógica e
capacidade científica]. Porto: FAUP, 1997.
Alves Costa, Alexandre. “Considerações sobre o ensino da arquitectura”. Jornal dos arquitectos
(nº55), 1987. (p.8-9)
Alves Costa, Alexandre. Textos datados. Coimbra: DARQ, 2007.
Argan, Giulio Carlo. Walter Gropius e a Bauhaus. Lisboa: Presença, 1990.
Avilés, José;!Montoya, Alfonso. Arquitectura y color. Valencia: COAV. 1983.
Barba, Marina; Serna, Elena Morón. “Blanco sobre blanco la arquitectura y el cambio cromático”.
Revista Espacio, Tiempo y Forma (Serie VII). Madrid: UNED, 2005-2006. (p. 321-344)
Becker,!Annette. Portugal: arquitectura do século XX . München!:!Prestel,!1997.
Caivano. José Luis. “The research on environmental color design: Brief history, current
developments, and possible future”. Proceedings of 10th Congress of the International Colour
Association. Granada, 2005. (p.705-713)
Carneiro, Alberto. Campo sujeito e representação no ensino e na prática de desenho-projecto.
Porto: FAUP, 1995.
Curtis, William J. R. La arquitectura moderna desde 1900. Londres: Phaidon, 2006.
Le Corbusier. Conversas com os estudantes das escolas de arquitectura. Lisboa: Edições Cotovia,
2003 [1957].
Esposito, Antonio. Eduardo Souto de Moura. Milão: Electa,!2003.
Fernandes, Manuel Correia. Esbap/Arquitectura anos 60 e 70 apontamentos. Porto: FAUP. 1980.
Ferraz, Armando. Imagens da cor: dos discursos às representações. [prova de aptidão pedagógica
e capacidade científica]. Porto: FAUP, 2004.
Figueira, Jorge. Escola do Porto: Um mapa crítico. Coimbra: DARQ, 2002.
Figueira, Jorge. “Siza: Play Time!”. Arquitectura 21 (nº9). Rio de Mouro: Filipe Gil, 2010. (p.28-31)
Frampton,!Kenneth. Historia critica de la arquitectura moderna. Barcelona:!Gustavo Gili, 1994.
Fleck,!Brigitte. Álvaro Siza. Santa Maria da Feira: Relógio D'Água, 1999.
Gerstner,!Karl. Las formas del color!:!la interacción de elementos visuales. Madrid: Blume,1988.
Graça Dias, Manuel. “Luvas Brancas”. Páginas Brancas (nº 2). Porto: FAUP, 1991. (p.18-19)
Graça Dias, Manuel. “Geração Z perspectivas críticas”. Arquitectura e Arte (nº84.85). Lisboa: Future
Magazine, 2010. (p.26-28)
Maza, Ricardo Meri. “En la orbita de Álvaro Siza”. En Blanco. Valencia: General de ediciones de
arquitectura, 2008. (p.18-21)
Ozenfant, Amédée; Le Corbusier. Depois do cubismo. São Paulo: Cosca Naify. 2005 [1918].
Pérez, Santiago Prieto. La Bauhaus: Contexto, Evolución e influencias posteriores [dissertação de
doutoramento]. Madrid: UCM, 2005 .
Portas, Nuno. Arquitectura(s) História e crítica, ensino e profissão. Porto: FAUP, 2005 .
Quintas, Maria Alexandra Salgado. Transfigurações do espaço arquitectónico através da pintura na
arquitectura portuguesa entre os anos sessenta e noventa do século XX [dissertação de
doutoramento]. Lisboa: FAUTL, 2009.
Rodrigues, António Jacinto. Teoria da Arquitectura O projecto como processo integral na
arquitectura de Álvaro Siza. Porto: FAUP, 1996.
115
Siza, Álvaro. “Entrevista a Álvaro Siza” [entrevista por: Lagardera, Juan].! Álvaro Siza y la
arquitectura universitaria.Valencia: UV, 2003. (p.14-29)
Siza, Álvaro. “A Linguagem do Siza”.!Álvaro Siza!:!candidatura ao prémio UIA gold medal [entrevista
por: Souto Moura, Eduardo]. Lisboa: Odem dos Arquitectos, 2005. (p.7-18)
Siza, Álvaro. “entrevista a Álvaro Siza”. En Blanco. Valencia: General de ediciones de arquitectura,
2008 [2007]. (p.12-17)
Siza, Álvaro. “Entrevista a Álvaro Siza” [entrevista por: Llorens, Vicente; Lominchar, Garcia]. En
Blanco. Valência: General de ediciones de arquitectura, 2008. (p.12-17)
Siza, Álvaro. Álvaro Siza Imaginar a evidência. Lisboa: Edições 70, 2009 [1998].
Siza, Álvaro. Álvaro Siza uma questão de medida. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2008.
Siza, Álvaro. 01 textos. Porto: Civilização editora, 2009.
Siza, Álvaro Siza. “Sizaless”. Arquitectura 21 (nº9). Rio de Mouro: Filipe Gila, 2010. (p.18-80)
Somoza, Manel. Álvaro Siza conversas no obradoiro. Ourense: Verlibros, 2007.
Souto Moura, Eduardo. Eduardo Souto de Moura. Lisboa!:!Blau,!2000
Souto Moura, Eduardo. Conversas com estudantes. Barcelona: Gustavo Gili, 2008.
Souto Moura, Eduardo. “Entrevista”. Archi news (nº16). Lisboa: Insidecity, 2010. (p.34-43)
Tavares, Domingos. Da rua Formosa à Firmeza. Porto: ESBAP, 1985 [1980].
Távora, Fernando. Da Organização do Espaço. Porto: FAUP Publicações, 1999 [1962].
Tostões, Ana. “La permanente experimentación en Álvaro Siza”. En Blanco. Valencia: General de
ediciones de arquitectura, 2008. (p. 6-11)
Van der Rohe, Mies. Conversas com Mies Van der Rohe. Barcelona: Gustavo Gili, 2006 [1950].
Veira, Joaquim. O desenho e o projecto São o mesmo?. Porto: FAUP, 1995.
Veleiro, Teresa Tábuas. El Color en arquitectura. Corunha: Ediciós do Castro, 1991.
Zevi, Bruno. A Linguagem Moderna da Arquitectura. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1984.
Zevi, Bruno. Saber Ver a Arquitectura. São Paulo: Martins Fontes, 1998 [1948].
116
Bibliografia referente à fonte das imagens
Castanheira, Carlos. Álvaro Siza: the function of beauty. Londres. Phaidon. 2009.
Curtis,!William. Le Corbusier!:!ideas and forms. Londres: Phaidon, 1995.
Droste,!Madalena. Bauhaus!:!1919-1933. Kôln!:!Taschen,!2004.
Ferreira, Bruno. Uma visão a partir da obra de Álvaro Siza.[dissertação de licenciatura]. Porto:
FAUP, 2007.
Frampton,!Kenneth. Álvaro Siza: Tutte le Opere. Milão: Electa, 1999.
Gössel, Peter; Leuthäuser, Gabriele. Frank Lloyd Wright. Koln: Taschen, 1991.
Gössel, Peter; Leuthäuser, Gabriele. Arquitectura no século XX. Koln: Taschen, 1996.
Gössel, Peter. Le Corbusier. Koln: Taschen, 2005.
Gravagnuolo,!Benedito. Adolf Loos!:!teoria e opere. Milão: Idea Books,!1981.
Lahti,!Louna. Alvar Aalto, 1898-1976!:!paraíso para gente comum. Koln. Taschen, 2005.
Nerdinger,!Winfried. Walter Gropius!:!opera completa. Milão:!Electa,!1996 [1988].
Rodrigues, Jacinto. Álvaro Siza!:!obra e método. Porto:!Civilização,!1992.
Siza, Álvaro. Álvaro Siza!:!obras y proyetos,1954-1992. Barcelona:!Gustavo Gili, 1993.
Siza, Álvaro. Álvaro Siza: 1958-2000. El Coquis (nº68-69). Madrid: El Coquis, 2000.
Siza, Álvaro. Álvaro Siza y Al arquitectura universitaria. Valência:!UV,!2002.
Siza, Álvaro. Edifício da Faculdade de arquitectura da Universidade do Porto. Porto:!Faup,!2003.
Souto Moura, Eduardo. Eduardo Souto de Moura. Lisboa: Dinalivro, 2004.
Souto Moura, Eduardo. Eduardo Souto de Moura 2008. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2008.
Souto Moura, Eduardo. Eduardo Souto de Moura: Architect. Barcelona: Loft, 2009.
Távora, Fernando. Fernando Távora. Lisboa: Blau, 1993.
Van der Rohe, Mies. Mies Van der Rhoe. Lisboa: Blas,!2000.
Van der Rohe, Mies. Mies Van der Rhoe Casas. 2G (nº48-49). Barcelona: Gustavo Gili,!2009.
Lupfer, Gilberto; Sigel, Paul. Gropius. Belim:!Taschen,!2004.
Weston,!Richard. Modernismo. Londres: Phaidon,1996.
Whitford, Frank. Bauhaus. Londres:!Word of Art,!2006.
Silva, Gisela. Fernando Távora _Vénus de Milo e Picasso. [dissertação de licenciatura]. FAUP: Porto, 2006.
Esposito,!António. Fernando Távora!:!opera completa. Milão: Electa,!2005.
117