A Comercialização da Arte Marginal e os seus Impactos nas ...

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3 Universidade de Lisboa Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril Instituto de Geografia e Ordenamento do Território A Comercialização da Arte Marginal e os seus Impactos nas Comunidades Locais Estudo de Caso sobre o Bairro Padre Cruz Jéssica da Silva Gato Orientada pela Professora Doutora Silvia Valencich Frota, especialmente elaborada para a obtenção do grau de mestre em Turismo e Comunicação 2021

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril

Instituto de Geografia e Ordenamento do Território

A Comercialização da Arte Marginal e os seus Impactos nas

Comunidades Locais

Estudo de Caso sobre o Bairro Padre Cruz

Jéssica da Silva Gato

Orientada pela Professora Doutora Silvia Valencich Frota, especialmente

elaborada para a obtenção do grau de mestre em Turismo e Comunicação

2021

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Agradecimentos

Gostaria, em primeiro lugar, de agradecer à minha Orientadora de Mestrado, Professora

Silvia Valencich Frota, por toda a disponibilidade, conselhos e apoio que me proporcionou,

tanto na redação desta dissertação, como em assuntos de cariz pessoal.

Aproveito para agradecer, igualmente, a todos os professores das instituições do curso de

Turismo e Comunicação, por me proporcionarem uma experiência letiva positiva e um

agradável espaço de aprendizagem e discussão de ideias.

Agradecimento especial a todos aqueles que se disponibilizaram a conversar

informalmente sobre os tópicos desta dissertação: Fábio Sousa e Gonçalo Ferreira da Junta de

Freguesia de Carnide; Hugo Cardoso e José Vicente da Galeria de Arte Urbana; Ana Paulos do

Bola P’ra Frente; Rosário Cotrim da Biblioteca Natália Correia; Paulo Quaresma e Marta

Mateus da Boutique da Cultura; e, os artistas Urbanos, Robô e Nomen. Todos contribuíram

para uma maior perceção do objeto de estudo e cujo estudo não teria existido sem eles.

Agradeço à minha família que sempre me apoiou e me incentivou a prosseguir com os

estudos. Em especial, aos meus pais, Elisabete e Luciano, e às minhas irmãs, Ana e Alexandra.

Também aos meus avós, que sem eles seria impossível encontrar-me neste lugar.

Aos meus amigos, que me motivaram e auxiliaram a redigir este estudo, através do apoio

e de troca de ideias.

Aos meus colegas, com os quais troquei palavras de encorajamento e experiências

pessoais.

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À memória de Maria Margarida Silva e Severino Marques da Silva.

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Índice:

Introdução ................................................................................................................................... 9

1- Graffiti, Street Art e Arte Urbana ..................................................................................... 12

1.1- Introdução conceptual às iniciativas artísticas ........................................................... 12

1.1.1- Graffiti ................................................................................................................ 13

1.1.2- Street Art e Arte Urbana: o ilegal e o aceitável .................................................. 17

1.2- Banalização Cultural .................................................................................................. 20

1.2.1- Parâmetros legais .................................................................................................... 21

1.3- Banksy, Vhils e o Papel da Ilegalidade para a Street Art .......................................... 22

2. Arte Urbana e o Turismo: Impactos nas Comunidades Locais ......................................... 26

2.1- Introdução ao Turismo: Noções Conceptuais ............................................................ 26

2.2- Importância da Cultura para o Turismo ..................................................................... 28

2.2.1- Turismo Contemporâneo: Autenticidade e Periferização .................................. 30

2.3- Banalização da Arte Urbana e o Papel do Turismo ................................................... 32

2.3.1- Arte urbana em Lisboa ....................................................................................... 34

2.3.2- Iniciativas e organizações ................................................................................... 35

2.4- Comunidades Locais e Inserção da Arte Urbana ....................................................... 37

3- Bairro Padre Cruz: um passado, um presente e um futuro de renovações imagéticas urbanas

39

3.1- Metodologia e Critérios de Análise ........................................................................... 39

3.2- Bairro Padre Cruz: caracterização histórico-geográfica e renovações urbanísticas .. 40

3.3- Arte Urbana no Bairro ............................................................................................... 42

3.3.1- Documentação da arte urbana ............................................................................ 46

3.4- Impactos das intervenções e mudanças registadas .................................................... 49

4- Reflexões ........................................................................................................................... 55

4.1- Arte Urbana: de Marginal a Mainstream ................................................................... 55

4.2- Arte Urbana e o Turismo ........................................................................................... 59

4.3- Transformação Social ................................................................................................ 61

4.4- Integração do Bairro Padre Cruz ............................................................................... 63

4.5- Reflexões sobre o futuro ............................................................................................ 64

Considerações Finais ................................................................................................................ 66

Referências Bibliográficas: ...................................................................................................... 68

Apêndice ................................................................................................................................... 72

Anexos ...................................................................................................................................... 77

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Índice de Figuras:

Figura 1. Tag de TAKI 183. ..................................................................................................... 82

Figura 2. Tag de CORNBREAD. ............................................................................................. 82

Figura 3. Panfleto da Junta de Freguesia de Carnide (frente) .................................................. 83

Figura 4. Panfleto da Junta de Freguesia de Carnide (verso) ................................................... 83

Figura 5. Panfleto da Junta de Freguesia de Carnide ............................................................... 84

Figura 6. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016. .................... 86

Figura 7. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016 ..................... 86

Figura 8. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Concursos de Graffiti ........................ 87

Figura 9. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016 ..................... 87

Figura 10. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016 ................... 88

Figura 11. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016 ................... 88

Figura 12. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Boutique da Cultura ....................... 89

Figura 13. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Concursos de Graffiti ..................... 89

Figura 14. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Concursos de Graffiti ..................... 90

Figura 15. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Boutique da Cultura ....................... 90

Índice de Mapas:

Mapa 1. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz. ............................................................................ 47

Mapa 2. Mapa da arte urbana no Bairro Padre Cruz ................................................................ 84

Mapa 3. Mapa da arte urbana do projeto BIP-ZIP ................................................................... 85

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Índice de siglas:

APAURB: Associação Portuguesa de Arte Urbana

ATL: [Centro de] Atividades de Tempos Livres

BNC: Biblioteca Natália Correia

BC: Boutique da Cultura

BPC: Bairro Padre Cruz

CML: Câmara Municipal de Lisboa

CPCJ: Comissão de Proteção de Crianças e Jovens

EGEAC: Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural

ET2027: Estratégia de Turismo 2027

GAU: Galeria de Arte Urbana

GEBALIS: Gestão do Arrendamento Social em Bairros Municipais de Lisboa

JFC: Junta de Freguesia de Carnide

UNWTO: United Nations World Travel Organization

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Resumo:

A presente dissertação de mestrado foca-se no estudo do graffiti, da street art e da arte

urbana e da conglomeração destes fenómenos em comunidades marginalizadas. Aliadas às

novas tendências do turismo, como a autenticidade e a periferização, a arte urbana e a indústria

turística são facilitadoras da expansão turística para regiões menos propícias para a atividade,

como os bairros municipais.

Esta análise engloba um estudo de caso ao Bairro Padre Cruz, o qual situado na zona

periférica de Lisboa, e que possui cerca de 100 registos de inscrições artísticas legais. Esta

dissertação procura entender as motivações por detrás das instalações artísticas, bem como as

mudanças ocorridas na região com a propagação da arte urbana e a vinda do turismo, sendo que

bastantes das características deste estudo poderão ser transversais a outros territórios de

características similares ou com a ocorrência de iniciativas artísticas do mesmo género.

Palavras-chave: arte urbana, autenticidade, comunidades locais, turismo cultural,

turismo periférico

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Abstract:

The present thesis aligns with the study of graffiti, street art and urban art and how they

perform in marginalized communities. Connected to the new tourism trends, such as

authenticity and peripheralization, urban art and the tourism industry are facilitators of the

touristic expansion to places less prepared to the tourism activity, in this case, communitarian

neighborhoods.

This analysis comprises a case study of Bairro Padre Cruz, located in the periphery of

Lisbon: a neighborhood that contains about one hundred registries of legal urban inscriptions.

This study aims to understand what are the motivations behind the artistic installations and the

changes are occurred in the region with the placement of urban art and the coming of tourism,

being that many of the characteristics in this study can be transversal to places of similar

characteristics or with the same type of artistic initiatives.

Keywords: authenticity, cultural tourism, local communities, periphery tourism, urban

art

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Introdução

A arte urbana – e os seus fenómenos contíguos – têm sido registados enquanto

tendências crescentes na renovação do espaço urbano. As contínuas intervenções artísticas que

forçam o contacto do transeunte comum com as manifestações presentes na arte mural,

vastamente motivadas pelas representações artísticas e culturais nos media, produzem

modificações relevantes nos tecidos sociais das regiões em que se inserem. A inserção do

considerado marginal em territórios marginalizados, como é o caso maioritário destas

intervenções, é um dos objetos de estudo primários e ao qual se buscam respostas nesta

dissertação de mestrado. Os territórios fragilizados aqui abordados constituem-se em torno da

sua localização periférica, condições sociais enfraquecidas (como condições habitacionais

ineptas e empobrecimento generalizado), onde indubitavelmente se podem inserir os bairros

municipais.

A introdução da indústria turística, um dos maiores polos económicos mundiais, conectada

a novas tendências conceptuais – como a periferização e a autenticidade – que procuram a visita

a locais com as características descritas acima, levam à necessidade de investigação das

implicações que o turismo pode criar nestes mesmos territórios enfraquecidos.

Desta forma, a presente dissertação de mestrado procura a exploração das ligações

explicitadas acima e o estudo destas nas comunidades locais. Para tal, foi realizado um estudo

exploratório num bairro municipal, situado na região periférica da capital, o Bairro Padre Cruz.

Esta é uma região que possui cerca de cem registos urbanos por via de intervenções artísticas

legalizadas e programadas para o território.

Os objetivos do estudo geral subdividem-se: objetivos gerais e objetivos do estudo

exploratório. Os objetivos centrais do estudo focam-se na evolução das tipologias autorizadas

– ou não – em superfícies urbanas e no porquê do seu estabelecimento em locais marginalizados

e com relações sociais enfraquecidas, bem como no comportamento das populações e dos media

em torno do assunto. Ao longo da análise, questiona-se a aceitação da arte urbana, não só nos

círculos sociais do objeto de estudo do caso exploratório, bem como da generalidade da

população, abordando-se o tópico da massificação cultural. O estudo exploratório pretende

responder aos itens apresentados na questão de investigação, a qual: “De que forma a arte

urbana contribui para a imagem do bairro em termos de transformação social, incremento

turístico e integração do bairro no cenário lisboeta e internacional?” – ou seja, o estudo

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exploratório procura acompanhar a entrada das intervenções artísticas e compreender as

mudanças ocorridas com o estabelecimento dos programas artísticos no bairro.

Existem vários estudos a abordar os conceitos presentes neste trabalho de investigação.

No entanto, a maior parte dos conceitos nos vários estudos são abordados em separado, não

refletindo uma aplicação prática e aprofundada da teoria num estudo de caso. A análise aqui

encontrada distingue-se dos existentes e apresenta-se como uma ferramenta para estudos

futuros, seja em redor dos conceitos abordados ou enquanto referência de estudo para o

território em questão.

O estudo encontra-se dividido em 4 capítulos principais, cada um contendo secções

direcionadas para o estudo em questão ou para servir de ligação com tópicos referenciais.

O primeiro capítulo com o nome de “Graffiti, Street Art e Arte Urbana” revolve em

torno dos próprios itens, analisando as suas origens e características, explorando os seus

significados, formas de atuação e possível aceitação em sociedade. Posto isto, este capítulo

possui uma introdução conceptual às tipografias urbanas, seguindo-se de uma secção para o

estudo do graffiti e de uma outra para a street art e arte urbana. Algo que impulsionou a

existência do presente estudo é a banalização cultural perpetuada em torno destes fenómenos,

pelo que é necessária uma secção para a sua exposição e delimitação dos parâmetros culturais

em termos nacionais. O capítulo termina com o estudo de uma das características mais

relevantes para a street art atualmente – a ilegalidade – e o papel de Banksy e Vhils nos

contributos para a street art e arte urbana respetivamente.

O segundo capítulo, com o título de “Arte Urbana e o Turismo: Impactos nas

Comunidades Locais” tem o objetivo de refletir na atividade turística, conectando-se na vertente

do turismo cultural e pretende posicionar a arte urbana e as tipografias similares neste núcleo e

iniciar o estudo destes nas comunidades locais. Este capítulo inicia-se com uma secção dedicada

à conceptualização do turismo enquanto foco académico e veículo económico, seguindo-se a

importância da cultura para o turismo e uma breve análise do conceito de turismo cultural,

contendo uma secção designada para as novas tendências no turismo – a autenticidade e

periferização. Abordar-se-á o tópico da banalização, mas conectando-o às noções de turismo e

ao papel que o turismo desempenha na promoção das atividades. Nesta secção inserem-se ainda

as principais iniciativas e organizações diretamente conectadas à arte urbana em Lisboa. Por

último, o capítulo aplica as noções anteriormente consolidadas para o estudo das comunidades

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locais e a inserção de projetos artísticos urbanos, o que serve de conector para o terceiro capítulo

da presente dissertação, o estudo de caso.

O terceiro capítulo, intitulado de “Bairro Padre Cruz: um passado, um presente e um

futuro de transformações imagéticas urbanas” concentra a parcela mais significativa deste

estudo pois trata-se de uma tentativa de aplicação teórica e prática dos capítulos prévios. Após

uma breve secção dedicada à metodologia e aos critérios de análise aplicados, bem como a

algumas fontes de informação relevantes, nomeadamente uma série de conversas do ponto de

vista informal com representantes de entidades ligadas tanto à arte urbana como a centros

comunitários no bairro. De seguida, encontra-se uma caracterização histórico-geográfica do

bairro, contendo as renovações urbanas registadas até à data. Este capítulo contém,

adicionalmente, uma documentação da arte urbana no bairro. É realizada uma análise dos

impactos das intervenções e tentativa de entendimento sobre a ocorrência – ou não – de

mudanças significativas na região sob várias égides: económica, social, cultural.

Por último, o quarto capítulo, denominado de “Reflexões”, pretende refletir sobre todos

os aspetos abordados no decorrer do estudo, interligando-os com as informações e experiências

encontradas no estudo de caso bem como aos itens apresentados na questão de investigação.

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1- Graffiti, Street Art e Arte Urbana

1.1- Introdução conceptual às iniciativas artísticas

As transformações artísticas visualizadas atualmente em fachadas de edifícios ou muros

não são, de todo, uma prática criada recentemente. Estas expressões públicas apresentam-se

com nomenclaturas bastante distintas, mas os nomes mais comuns são “graffiti”, “street art” e

“arte urbana” e, na sua maioria, são visíveis no espaço público, em locais de passagem, por um

elevado número de pessoas. A vulgarização da demonstração pictórica urbana destes conceitos

levou a um interesse crescente por parte das massas, bem como de organizações e empresas

interessadas no fenómeno. Em parte, este movimento foi também fomentado pelos media.

Apesar de os meios de comunicação social não empregarem nenhuma estratégia de

diferenciação aliada a estes conceitos, a distinção destes é algo bastante importante para este

estudo, pois, apesar de possuírem características comuns e serem facilmente confundíveis, os

seus significados são bastante diferentes e, por vezes, contraditórios entre autores.

A análise histórico-conceptual dos conteúdos mencionados anteriormente constituir-se-á

enquanto objeto de estudo principal para esta secção, com a finalidade de formar as bases

teóricas necessárias para os outros conceitos a abordar no restante do estudo. De modo a

coordenar melhor a informação, o presente capítulo terá a estrutura que se seguirá. A estrutura

do capítulo iniciar-se-á com uma componente histórica, de modo a um levantamento de

informação mais eficaz sobre a origem e evolução do fenómeno. Tal como foi mencionado no

parágrafo anterior, o fenómeno em questão é constituído por iniciativas urbanas dissimilares

umas das outras. O objetivo da contextualização histórica do fenómeno é o de entender os

conceitos sob o ponto de vista cronológico com uma progressão gradual até aos dias que correm,

mas ao mesmo tempo enquadrar as diferenças entre os vários conceitos, a sua integração em

sociedade e as suas diferenças principais. O primeiro conceito a abordar será o de graffiti, o

qual deverá ser o início em qualquer estudo sobre os objetos de estudo artísticos retratados nesta

dissertação. Os conceitos que se seguem serão o de street art e o de arte urbana. Entender as

diferenças e as semelhanças fundamentais entre estes conceitos leva a um maior entendimento

da situação atual. A arte urbana enquanto objeto de estudo popularizado destaca-se enquanto

análise que segue.

Ao longo deste capítulo, serão mencionadas técnicas, materiais, vernáculo corrente

associado ao estudo e alguns artistas de especial interesse. A escolha dos autores e referências

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bibliográficas em volta do estudo tem o objetivo de o tornar mais globalizado, conseguindo

entender a progressão do fenómeno em torno do globo.

1.1.1- Graffiti

O conceito de graffiti inscreve-se enquanto objeto de estudo primário nesta secção. No

entanto, ao invés de se tentar estabelecer de imediato em que consiste o fenómeno, iniciar-se-á

o estudo com o que vários autores imaginam ser a origem do conceito, de modo a poder

estabelecer-se um panorama espácio-temporal mais adequado para a investigação que advirá.

A utilização contemporânea do graffiti teve origem nos Estados Unidos, na década de 1960.

Todavia, vários autores afirmam que a forma de comunicação que consiste em escrever e

desenhar em paredes é similar à utilizada na pré-história e que deverá existir uma ligação entre

ambos períodos históricos, como afirma Rafael Schacter (2013):

As a practice that is as old as human culture itself, the act of writing upon walls (also known

as parietal writing) is an equally ubiquitous and elemental act, one linked to the primal human

desire to decorate, adorn and physically shape the material environment. (p.9)

Miguel Noronha (2017) procura romper com a noção de que o graffiti possa ser

considerado enquanto uma prática pré-histórica. Apesar da existência de pinturas rupestres ser

inegável, o autor explica: “a institucionalização, ainda que primitiva, daquelas inscrições,

demonstra que é um grande equívoco chamar de Graffiti o que se pintava nas paredes do

Paleolítico.” (p.15)

Os dois autores apresentam noções da origem do graffiti bastante distintas. O certo é que

existem características importantes do fenómeno nas duas ideias. Por um lado, o graffiti é um

ato que utiliza as paredes para comunicar, assim como seria feito na pré-história. Por outro lado,

as mensagens e a estilização presentes, e os objetivos atuais com as inscrições são bastante

diferentes dos das realizadas na pré-história, especialmente se tivermos em conta a inexistência

do conceito de espaço urbano naquela época.

A análise deste conceito deve ter em conta, também, a origem da palavra, como sugere

Marta Simões (2013):

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No que toca à semântica, o termo ‘graffiti’ provém do termo latino graphium, do infinitivo grego

γράφειν – graphein –, traduzido como ‘escrever’. (…) Assim, graphein corresponde ao infinitivo

de ‘riscar’, ‘esgravatar’, ‘raspar’, ‘gravar’, ‘rabiscar’. Actualmente considera-se que o termo

graffiti partilha uma ligação com o termo italiano (s)graffiare, que corresponde à forma do

plural de (s)graffito. (p.11)

A etimologia é uma ferramenta útil nesta situação, pois permite entender o que se pretende

com o exercício do graffiti: adornar, riscar, decorar ou modificar o ambiente social de alguma

forma - um exercício que pode implicar o objetivo artístico ou não.

De forma mais contemporânea e aplicada à realidade social, Pedro Soares Neves (2014)

afirma que esta é uma palavra que pode ter dois significados. De certo modo, pode ser a

realização de inscrições não oficiais ou não autorizadas que ocorrem em espaços públicos. De

outro modo, a palavra pode ser utilizada para identificar um conjunto de convenções

subculturais estilísticas que se desenvolveram a partir de finais da década de 1960, nos Estados

Unidos da América (p. 122). Para o propósito deste estudo, quando se falar do conceito de

subcultura, este será falado tendo em conta a visão de Dick Hebdige, na obra “Subculture: The

Meaning of Style”. Nesta obra, o autor afirma que existe uma grande diferença em termos da

dinâmica de poder e que esta se traduz na forma como alguns grupos possuem mais voz do que

outros, e é a partir dessa base teórica que este estudo fala de vários aspetos, nomeadamente as

abordagens não só às tipologias artísticas urbanas, como também, às relações das comunidades

locais.1

A definição do graffiti, bem como dos conceitos adjacentes, os quais serão analisados nos

próximos capítulos, é algo bastante difícil devido à multitude de nomes conferidos e à rápida

destruição do graffiti em espaço público. Consequentemente, esta dificuldade parece ter

sustentado ainda mais a noção de efemeridade em torno das obras, onde o artista ou writer, ao

realizar a inscrição, encontra-se ciente de que a obra terá um limite temporal bastante reduzido

no espaço urbano, quer por via da deterioração temporal, quer por via da sua remoção ou

alteração. Embora esta noção não ajude com as dissonâncias discutíveis devido às falhas nos

registos históricos acerca da origem do fenómeno, poderá ajudar a definir a forma como este se

apresenta na contemporaneidade. Esta passa pela motivação em cometer atos de transgressão e

ilegalidade. Sendo assim, o graffiti poderá ser entendido, simultaneamente, enquanto um

1 Ver a página 14 do capítulo 1 de “Subculture: The meaning of Style” de Dick Hebdige (1979)

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exercício que combina um ato de transgressão e um objeto de arte subcultural. Deste modo,

conjugando esta última característica com as raízes etimológicas da palavra “graffiti”, é

possível entender que, mais do que a técnica ou forma utilizada, esta forma de manifestação

artística procura fazer uso da sua ilegalidade para transmitir mensagens, como defende Noronha

(2017):

O graffiti está indubitavelmente associado à transgressão no espaço público, ao desenho não

autorizado, ao desafio à lei e, muitas vezes ao vandalismo. Porém ainda que saibamos a que

nos referimos, parece ser impossível chegar a acordo quanto ao medo de designar este

fenómeno. (p.20)

Esta transposição comunicacional iniciou-se com a prática do tag. O tag baseia-se no

desenho de figuras, assinaturas ou simples inscrições pouco estilizadas no espaço público. Dois

dos usos principais desta técnica desde os seus primórdios são o de demarcar sítios de passagem,

por parte de indivíduos, ou delimitar territórios. Esta é uma ferramenta rápida e simples de

utilizar e que implica pouco risco para o utilizador, visto que os materiais mais utilizados são

marcadores ou latas em spray e a área coberta pelo tag é usualmente limitada, o que auxilia em

questões de tempo relativas à conclusão das obras.

Segundo Nicholas Ganz (2004: 8), o graffiti que podemos observar atualmente deve-se a

artistas de tag como o Taki 183, Julio 204, Cat 161 e o Cornbread. As simples inscrições

tomadas a cabo por estes writers levaram à propagação deste tipo de atividades, o que levou

naturalmente a um maior número de writers a realizarem as suas próprias inscrições no espaço

público. Contudo, conforme foi existindo uma normalização da prática através da disseminação

destes comportamentos marginais, as palavras inscritas foram-se modificando.

Nos anos de 60 e 70, em Nova Iorque, bastante aliado aos movimentos culturais do hip hop

e do punk, o tag fazia uso das paredes e muros encontrados em espaços públicos para dispor as

suas mensagens. O conteúdo destas envolvia, na sua maioria, opiniões políticas e críticas

sociais. Até na Europa, no mesmo período, eram utilizadas várias técnicas consideradas aliadas

ao graffiti para difundir mensagens, que segundo um coletivo de artistas de street art

autodenominados de Visual Street Performance (2007), se dedicavam ao questionamento de:

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(…) temas determinantes, desde a gestão e fruição do espaço público, à reivindicação selvagem

da presença individual no mesmo, passando pelo levantamento de novas propostas formais

estéticas onde se desenvolveram correntes, tendências e movimentos, o graffiti parece ter

tomado de assalto e ter-se fixado de forma permanente no panorama da nova urbanidade. (p.8)

A sua fixação permanente em ambiente social não indica, no entanto, que todos os tags

tenham tido significados políticos, sociais ou providos com qualquer carácter moralista. Aliás,

esta prática, tal como foi mencionado anteriormente, iniciou-se com indivíduos a marcarem

certos territórios ou sítios de passagem. Para gangues, o objetivo desta seria a delimitação de

territórios. Para alguns grupos de indivíduos, seria uma forma de glorificação do

comportamento marginal e, possivelmente, uma espécie rito de passagem à entrada de uma

crew. O tag era igualmente utilizado para reconhecimento da persona que escrevia, sendo que

o costume era inscrever as mensagens ou assinaturas inúmeras vezes no espaço público, em

locais de bastante passagem, de modo que o writer passasse a ser reconhecido.

Embora represente uma prática relevante para a história e atualidade do graffiti, os tags são

vistos, por vezes, como uma prática iniciante. As suas formas simples e o facto de serem

passíveis de realização com um simples marcador leva a que sejam exercícios mais rápidos de

realizar, o que envolve, também, menos risco para quem o realiza, o que é deveras relevante,

tendo em conta que a transgressão é uma característica fulcral no exercício do graffiti. Tais

circunstâncias favoreceram a criação de uma variedade de técnicas e exercícios que lhe eram

inerentes, de modo a ser possível conferir-lhes formas mais artísticas e estilizadas, e também

mais complexas e lentas pois ocupavam mais espaço público, como afirma Ganz (2004):

Over the years the original letter style has developed to encompass a whole range of different

typographic forms: the legible ‘black letter’, the distorted and intertwined ‘wild style’, the

familiar ‘bubble style’ and ‘3D’. (p. 10)

Apesar de serem contribuições caligráficas significativas para o graffiti, e ainda hoje serem

facilmente encontráveis nos meios urbanos, além de representativas de uma evolução a nível

artístico, estas passaram a ser insuficientes. A secção seguinte incidirá sobretudo na street art

e arte urbanas nas suas distinções do graffiti.

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1.1.2- Street Art e Arte Urbana: o ilegal e o aceitável

A popularização dos tags e a mudança de paradigma em relação ao valor destes levaram a

que vários participantes quisessem evoluir e passar a realizar obras mais complexas e ricas em

composição. Posterior ao tag, surgiu a criação de iniciativas artísticas mais complexas e cujos

estilos e técnicas lhe eram bastante distintos. Esta prática será apelidada de arte urbana ou de

street art neste estudo. No entanto, a sua nomenclatura é alvo de discussão entre autores, e é

comum a utilização de expressões como street art, neo-graffiti e pós-graffiti, como refere VSP

(2007):

Na década de 1990, nos Estados Unidos, vários destes fenómenos gráficos urbanos marginais

seriam gradual e naturalmente aproximados, dando origem a cruzamentos de técnicas, estilos

e meios, que iriam igualmente encontrar eco na Europa e no resto do mundo, agrupados sob

novos chavões: Street-Art, Neo-Graffiti, Pós-Graffiti. (p. 40)

Estas inovações a nível de técnicas e materiais levaram à criação de novas nomenclaturas

para as expressões artísticas da altura, mas sobretudo a uma elevação na complexidade das

obras demonstradas até então. Esta afirmação poderá ser completada por via de Anna Waclawek

(2008):

Post-graffiti art, commonly referred to as "neo-graffiti," "urban painting," or simply "street

art” exists as a new term in the graffiti literature to identify a renaissance of illegal, ephemeral,

public art production. Unlike the easily recognizable letter-based graffiti style, the post-graffiti

art movement boasts greater diversity and includes art produced as an evolution of, rebellion

against, or an addition to the established signature graffiti tradition. (p.3)

Estas distinções apontadas pela autora são bastante relevantes para os estudos artísticos

relacionados com o fenómeno. Segundo a autora, embora as iniciativas que ocorrem sob estas

nomenclaturas se afastem da criação de tags quer seja, por adição a formas imagéticas mais

estilizadas quer por serem consideradas como movimentos artísticos, estas continuam a ser, na

sua grande maioria, iniciativas ilegais, realizadas em espaços públicos, criados sob a prospetiva

da transgressão e aliadas à característica da efemeridade. No entanto, uma das características

mais importantes em termos de reflexão é o da aproximação da street art a estilos artísticos

vistos como convencionais ou pelo menos padronizados na esfera pública. Segundo Ricardo

Campos (2009):

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A street-art compreende um conjunto de expressões visuais, relativamente coerentes do ponto

de vista formal, simbólico e ideológico, que remetem para processos comunicacionais não-

institucionais, informais e, na maioria dos casos, ilegais. A aproximação às artes plásticas e ao

design é evidente na maioria das propostas, demonstrando a permeabilidade característica do

graffiti e destas linguagens que lhe são tão próximas. Entre as diferentes manifestações

encontramos os stickers, os stencils ou posters, entre outros produtos híbridos que se inspiram

em técnicas e referencias iconográficas variadas (pp. 48 e 49)

O autor confirma a evolução generalizada da street art em relação ao graffiti inicial, a qual

faz uso de diferentes técnicas, materiais e a aproximação desta às artes plásticas. Ou seja,

embora esta se continue a revolver em torno do exercício de inscrever palavras, expressões ou

desenhos em espaço público, tal como acontecia com o graffiti, o certo é que é notável a

progressividade artística em relação aos primórdios deste, com o exemplo do tag. Não obstante

ao registo da evolução artística, o tag continua a ser um dos exemplos do graffiti mais trivial.

Relembrando a afirmação anterior de Waclawek, esta evolução observável foi estudada por

vários académicos, os quais lhes conferiram nomenclaturas díspares. Um dos nomes

comumente associados ao conceito de street art é o de arte urbana: “Em Portugal o termo Arte

Urbana vem sendo o escolhido para anunciar os eventos de pintura mural espetacularmente

promovidos por autarquias e empresas privadas.” (Noronha, 2017: 59), ou seja, podemos dizer

que o termo arte urbana usualmente consiste na fração legal do graffiti.

A dificuldade em entender se a street art se apresenta enquanto uma expressão evolutiva

do fenómeno do graffiti assenta no facto de não existirem testemunhos suficientes da época e

um consenso entre autores. Neste estudo, porém, tendo em conta que este se iniciou com o

conceito de graffiti, este conceito deverá ser visto enquanto primário, colocando, portanto, os

conceitos da street art e arte urbana enquanto fenómenos evolutivos do mesmo.

As peças (comumente apelidadas de pieces) aumentaram em dimensão, mas passou a

existir, também, uma diversificação nas técnicas e materiais utilizados. Os materiais mais

comuns seriam os que também eram usados no exercício do graffiti, como marcadores e latas

de spray, mas passou a existir uma maior aproximação às artes plásticas. Noronha (2017) indica

que, no exercício da arte urbana, “predominam o desenho à mão livre, o estêncil, os

autocolantes e os cartazes, mas na lista de técnicas também figuram o crochet, as instalações,

as esculturas, a manipulação de luzes, os azulejos, etc.” (pp. 48, 49). Acrescenta, ainda, que os

conteúdos presentes nesta expressão artística contêm uma noção superior de liberdade e de

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19

afastamento dos restringimentos impostos pelo graffiti norte-americano. Esta liberdade pode

ser observável pela mudança de mentalidade sobre o que se pretende atingir enquanto produto

final, como o autor afirma:

Temos que a finalidade do Graffiti contemporâneo é comunicar dentro de uma comunidade

hermética de writers, de alguns poucos indivíduos que dominam os seus apertados códigos de

interpretação. Por contraste, a Street Art direciona-se a um público mais amplo, podendo ser

apreciada por todo e qualquer transeunte. (p. 49)

Desta forma, é possível afirmar que o tag enquanto exemplo do graffiti, é um exercício

visto como fundamentalmente vandálico para um público geral, o que pode levar a que as

pessoas não o vejam enquanto expressão artística. A arte urbana, em contrapartida, apresenta-

se de formas diversas, mas as suas obras tendem a ser completas e ricas em composição, o que

leva a que, tal como o autor afirma acima, estas possam ser apreciadas publicamente de uma

forma mais facilitada, e que segundo Ulrich Blanché (2015) explícita na citação abaixo:

Street Art consists of self-authorized pictures, characters, and forms created in or applied to

surfaces in the urban space that intentionally seek communication with a larger circle of people.

Street Art is done in a performative and often site-specific, ephemeral and, participatory way.

(p. 33)

A arte urbana é uma expressão artística que faz uso do espaço público para disseminar

conteúdos de interesse para o autor, e neste sentido é uma forma mais eficaz do que o graffiti,

pois consegue comunicar mensagens mais complexas e fazer com que estas sejam entendidas

por um maior número de pessoas. O facto de as obras se mostrarem de forma mais apelativa

esteticamente através da utilização das cores, das formas e até da dimensão leva a que chamem

mais a atenção da população e sejam suscetíveis à atração de pessoas para a sua visualização.

Também a efemeridade é algo que não se pode deixar esquecido, pois é uma característica

presente em todos os conceitos contíguos ao graffiti. Tal como os autores acima indicam, os

writers escolhem os locais especificamente para a passagem de mensagens, e, apesar do

significado que as obras possam ter seja real e os writers despenderem o seu tempo em busca

do local perfeito e do tempo para a confeção destas, estes sabem que estão a criar algo efémero.

Assim, quando o Blanché afirma que a street art é participativa e que qualquer pessoa pode

alterar as iniciativas artísticas (p.33), não só nos remete para a noção de que as próprias obras

Page 20: A Comercialização da Arte Marginal e os seus Impactos nas ...

20

em fachadas possam sofrer alterações, mas também para a ideia de que um dos papeis principais

das obras é o de atrair a atenção pública ao passar mensagens para a população para que esta se

interesse em participar no fenómeno. A efemeridade está naturalmente conectada ao facto das

obras serem, devido ao seu estabelecimento no espaço público, mais vulneráveis, pois estão

sujeitas a condições de deterioração, que segundo KET (2014):

The lifespan of the art pieces […] is typically short. Many are cleaned off, erased, covered, and

destroyed within days of their creation. Some lucky ones perhaps, the sanctioned ones […] tend

to last much longer but I would argue that their impact isn’t as strong as the art that is illegal

and that we can encounter spontaneously. (p.6)

O autor conclui a sua afirmação ao falar do valor passível de ser encontrado nas obras

legais e ilegais e expressando a sua opinião de que as iniciativas ilegais possuem um valor

superior ao das legais. O valor encontrado nas obras é subjetivo, no entanto, o tópico das

iniciativas legais é de especial interesse para esta análise e algo que será abordado na secção

seguinte. Adicionalmente, tentar-se-á entender as diferenças principais entre os trabalhos legais

e os ilegais, bem como o surgimento da necessidade de criação dos primeiros.

1.2- Banalização Cultural

Tal como foi afirmado no início do capítulo, o exercício do graffiti foi uma atividade

que rapidamente se disseminou para o restante do globo. Esta secção pretende entender a

evolução do fenómeno até à atualidade, através do estudo breve do percurso de alguns artistas

especialmente relevantes e influentes, e entender como é que uma atividade ilegal conseguiu

tornar-se, vulgarizada. Para tal, a secção incidirá na demarcação do carácter legal e ilegal da

street art e arte urbana, bem como na recente normalização destas. Esta análise é sobretudo

relevante para o ponto de vista do estudo que irá ocorrer no capítulo seguinte “Arte Urbana e o

Turismo: Impactos nas Comunidades Locais”, quando se introduzir a atividade turística e a

comercialização da arte urbana.

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21

1.2.1- Parâmetros legais

Tal como foi referido anteriormente, até agora o estudo abordou maioritariamente a origem

das atividades ligadas ao graffiti e à arte urbana. Algo que ficou a faltar, no entanto, foi a

separação entre os objetos de estudo legais e ilegais. A presente análise serve para o referido,

tendo em conta as leis existentes em torno do assunto. Foi inevitável reduzir o estudo em termos

geográficos, abordando apenas o regime jurídico nacional. Apresentam-se dois motivos

centrais. O primeiro foca-se no facto de existirem procedimentos legais diversos em torno do

globo, o que tornaria impossível a exploração de todos nesta dissertação. E o segundo é

consequente do primeiro: caso se tentasse investigar os regimes jurídicos de forma global,

perder-se-ia o foco de estudo desta dissertação. Isto significa, portanto, que esta secção será

bastante breve, pois o seu objetivo é o de distinguir o exercício legal do ilegal.

Tal como foi referido até este momento, a grande maioria das atividades ligadas ao graffiti

assenta na ilegalidade, sendo a exceção à regra a comumente apelidada, em Portugal, de arte

urbana.

A Lei 61/2013 (Anexo A12) estabelece o regime jurídico base relativo à realização de

graffiti, bem como de outras formas de alteração da paisagem urbana ilegais. No artigo 3º da

presente lei, é comunicado que cabe às câmaras municipais o licenciamento da inscrição de

graffiti. Nos artigos 6º ao 9º encontram-se delineadas as punições pela realização de graffiti

ilegal, sendo que estas se encontram divididas consoante a gravidade da transgressão, mas os

valores das coimas poderão ir dos 100€ aos 25,000€.

No artigo 212º do Decreto-Lei 48/95 do Código Penal (Anexo A2)3, encontram-se

descritas as punições relativas aos crimes de danificação, desfiguração ou destruição de

propriedade privada, onde as punições poderão ser de pagamento de multa ou prisão até 3

anos.

Tendo em conta o regime jurídico, o que se pode entender é que, apesar da realização de

graffiti ser ilegal, existem exercícios excecionais, como os exercícios autorizados pelas

entidades competentes. O que isto implica é que existiu a necessidade de criar uma vertente

2 Lei 61/2013 – também disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/lei/61-2013-499057

3 Artigo 212º do Decreto-Lei 48/95 do Código Penal – também disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/48-1995-185720

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22

legal voltada para as atividades de graffiti e arte urbana. A próxima secção irá tentar explorar

o porquê do súbito interesse de vários organismos artísticos enquanto analisa alguns artistas

relevantes no exercício da street art e arte urbana.

1.3- Banksy, Vhils e o Papel da Ilegalidade para a Street Art

Como foi mencionado previamente, o fenómeno do graffiti começou a sua disseminação

nos EUA e os consequentes conceitos conectados à prática da escrita e do desenho nas paredes

foram-se espalhando continuamente em torno do globo. Esta secção terá em consideração não

só os conceitos anteriores analisados, como também a adição de dois importantes nomes de

artistas relevantes para o estudo, nos quadros nacional e internacional. Um dos focos de estudo

principais nesta secção será o da tentativa de entendimento do porquê da disseminação destas

atividades, para que se possa entender posteriormente a razão do interesse regional e municipal

nestas. No entanto, é de notar que, contemporaneamente, a arte urbana realizou uma

aproximação com o público ao encontrar-se em contacto deste, não obstante da especialização

ou não especialização deste, algo diferente do realizado em museus e galerias de arte, como

Margarida Calado (2011) afirma:

A novidade trazida pelo séc. XX está em que agora a obra de arte vem ao encontro do público

não especializado, não preparado ou até menos interessado nestas questões. Por outro lado e

se, como dissemos, arte pública sempre existiu, a outra novidade é que a arte que agora se

apresenta como pública não pretende – pelo menos ostensivamente – dar uma imagem ao

poder, transmitir uma mensagem religiosa, ou imortalizar determinada personalidade, mas

visa colocar o público não especializado em contacto directo e involuntário com arte moderna.

(p. 2)

A visualização do objeto de estudo desta dissertação é cada vez mais comumente

observável em sociedade, e não só em termos de iniciativas ilegais, mas também por livre

vontade de câmaras e outros órgãos ligados à arte e urbanidade estética. Apesar de não se saber

em concreto quando passou a existir uma maior aceitação das formas artísticas previamente

vistas enquanto marginais, o facto é que cada vez existem mais organizações de promoção e

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23

financiamento de writers e da sua arte. Pensa-se, no entanto, que Banksy tenha tido bastante

impacto mundial a este nível.

Em 1997, houve o surgimento de uma obra de crítica social em Bristol, que se pensa ser a

primeira obra assinada do artista. Esta obra não seria a única. Bansky é um artista

contemporâneo que continua a espalhar os seus murais por todo o mundo. Os seus objetos

temáticos principais giram em torno de críticas sociopolíticas, em que o autor faz uso de animais

e de frases e símbolos oportunos para explicitar o que sente em relação a vários tópicos e

momentos em sociedade. Em termos de técnicas e materiais, estes são usualmente simples –

stencils e latas de spray –, o que faz com que o foco da obra seja sobre as mensagens que o

artista procura apresentar.

A popularidade das obras, talvez porque as mensagens ressoavam com a população, levou

a que Bansky ganhasse uma reputação a nível mundial. A partir de 2000, as suas obras haviam-

se espalhado pelo globo, para países como os Estados Unidos, Jerusalém, Síria, Israel, Canadá,

Mali, entre outros. Para além da pintura mural, o artista possui livros escritos sob a sua autoria

e é responsável por um documentário intitulado de Exit Through the Gift Shop, de 2010. Não

obstante a sua popularidade, é relevante notar que os murais de Bansky são constituídos, na sua

grande maioria, por iniciativas ilegais.

O reconhecimento de Bansky mundialmente levou a uma aceitação generalizada das suas

obras e de muitos outros artistas que também procuravam representação urbana. Em Portugal,

pensa-se que grande responsabilidade da propagação da cultura artística urbana tenha começado

com um artista denominado de Vhils.

Alexandre Farto, mais comumente apelidado como Vhils, é um artista urbano português,

célebre pelas suas obras usualmente contendo retratos em fachadas de edifícios. É facilmente

reconhecível, pois Vhils utiliza uma técnica pouco convencional que passa por gravar na parede

ao invés de pintar ou rasurar, tendo por via uma característica ainda mais destrutiva deste modo,

que segundo Miguel Moore, no website do Vhils, afirma:

This striking form of visual poetry, showcased around the world in both indoor and outdoor

settings, has been described as brutal and complex, yet imbued with a simplicity that speaks to

the core of human emotions […] It speaks of effacement but also of resistance, of destruction

yet also of beauty in this overwhelming setting, exploring the connections and contrasts,

similarities and differences, between global and local realities.

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Tal como Bansky, Vhils não se restringiu à arte urbana: participa em várias iniciativas por

parte de entidades e dirige videoclipes e filmes de curta duração. No entanto, o impacto que a

sua street art teve fez com que fosse considerado atualmente um dos nomes mais relevantes no

ramo e conseguisse propagar as suas obras por várias regiões do globo, sendo capaz de dar voz

a vários outros writers. Não só isso, mas artistas tais como os mencionados serviram de

incentivo para o surgimento de novos writers, dando mais asas à disseminação do fenómeno e

a uma aceitação maior por parte do público.

O crescimento da internet, bem como da sua utilização diária, foi, adicionalmente, uma

ferramenta importante na globalização dos fenómenos. Este levou a que fosse possível a

redução da característica da efemeridade através do ato de partilhar fotografias de graffiti e dos

murais, o que contribui imensamente para a sua massificação. Segundo Simões (2013), este

crescimento é auxiliador de evolução nestes fenómenos ao afirmar que facilitou “o

conhecimento e partilha de novas técnicas, através do contacto com outros writers.” (p. 55)

Contudo, esta banalização também trouxe consequências potencialmente indesejadas. Por

um lado, captou o olhar atento de pessoas no mundo da arte estabelecida e elitista, que

procuraram levar a street art para os museus e galerias – este tópico será abordado de forma

mais profunda no capítulo seguinte aquando se analisar a arte urbana enquanto produto

comercializável. Por outro lado, vulgarizou os fenómenos anteriormente entendidos como

pertencentes às subculturas. O conceito de arte urbana, enquanto esforço legal de um fenómeno

que começou na ilegalidade, passou a abrir portas para alunos com formação em belas artes,

ansiosos por se estrearem nestas novas tendências urbanísticas e com a vantagem de não se

praticar um exercício ilegal.

Numa série de entrevistas, que serão abordadas de forma mais profunda em 3.3, foi

realizada uma entrevista ao artista urbano Robô em abril de 2019. Ao contrário das outras

entrevistas, que se baseiam mais nas ligações ao bairro, esta conversa abordou mais

concretamente aspetos técnicos do graffiti e da street art, bem como uma tentativa de perceber

o ponto de vista de um artista formado em Belas Artes. Um dos aspetos discutidos com o artista

foi o da distinção entre os fenómenos do graffiti e street art, os quais o artista concorda que não

devem ser confundidos. Considera a street art uma versão evoluída do graffiti que se tem

estendido para fins comerciais, o que tem diluído a sua essência. Ao ser questionado sobre a

sua opinião sobre a introdução de artistas com graus académicos em artes no cenário da arte

urbana, o artista afirma que essa distinção não deveria existir, pois as linguagens artísticas

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25

encontram-se atualmente todas interligadas. O autor complementa ao afirmar que possuir um

grau académico não garante um futuro enquanto street artist.

A problemática aqui assenta na origem do graffiti, tal como já foi falado, e nas suas

características fulcrais da ilegalidade e do estabelecimento dentro de subculturas. Muitos

writers mais antigos e estabelecidos afirmam que estes novos alunos ou novos artistas nunca

vão conseguir experienciar a essência do graffiti, pois não viveram os anos em que os writers

lutaram para se estabelecerem. As entidades artísticas aplicam valores, consagrando ideais

elitistas da mesma forma. Os grupos sociais excluídos são diferentes, mas a forma de tratamento

dentro do mundo artístico é igual. A questão do papel da ilegalidade para o graffiti é de grande

discussão de forma académica, pois vai ao encontro do valor apresentado, continuamente

comparando entre os exercícios legais e os ilegais, em que Waclawek (2008) contribui:

Some wish to keep graffiti ideologically hidden and inaccessible to mainstream

audiences, arguing that its illegality and sense of mystery empowers them and makes

writing more pleasurable: as a subversive act, graffiti must remain illegal. Others

wish to advance their art form in new directions and make a living out of it, asserting

that graffiti can still be meaningful when disseminated legally. (pp. 164 e 165)

No entanto, não podemos esquecer o facto de as tipologias urbanas implicarem uma forma

participativa e, que para tal, é necessária a existência de uma parcela significativa da população

envolvida nestas atividades. Seguindo o raciocínio lógico da premissa apresentada: pessoas

com formação artística não deveriam ser excluídas do exercício do graffiti ou dos seus

fenómenos contíguos – como a arte urbana e street art – pois os seus contributos são também

para que a população se insira no cenário artístico urbano.

Ou seja, por um lado temos a consequência da vulgarização dos fenómenos do graffiti e da

street art para as culturas mais mainstream, algo que, na altura da proliferação destes, nunca se

pensou possível devido à sua pertença às subculturas. Por outro, possuímos a arte urbana, que

se estabelece enquanto exercício que se desvia da ilegalidade, uma característica chave para a

sua realização.

É impossível chegar a um consenso sobre os valores apercebidos das iniciativas legais

em comparação com as ilegais, sendo estes subjetivos. Apesar do controle que se tentou ter em

relação ao graffiti para que este não se proliferasse entre os grandes grupos sociais, a arte urbana

- e mesmo os exercícios artísticos marginais - encontram-se em constante mutação. Por via do

disposto e da nova atenção recebida pela população não inserida nos grupos sociais onde estas

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acontecem – mas disposta a aceitar e procura participar nas iniciativas artísticas – foi impossível

conter o crescimento destas, quer fonte de exercícios legais ou ilegais.

No próximo capítulo, abordar-se-á a relação dos fenómenos com o turismo, passando

pela comercialização destes e de iniciativas artísticas legais estabelecidas em Lisboa, assim

como algumas das suas associações e organizações.

2. Arte Urbana e o Turismo: Impactos nas Comunidades Locais

2.1- Introdução ao Turismo: Noções Conceptuais

O turismo consiste atualmente numa das maiores atividades económicas a nível global. É

um dos setores principais destinados à movimentação de pessoas, criação de emprego e

potenciador do PIB de vários países. Segundo a United Nations World Travel Organization

(2019), o número de chegadas turísticas internacionais alcançou os 1.4 mil milhões em todo o

mundo. Este indicador é relevante, pois representa, o poder que a indústria turística possui na

economia global. Em Portugal, estima-se que, em 2018, as chegadas turísticas por não

residentes rondassem os 22,8 milhões, e contribuindo para que o PIB crescesse cerca de 2,1%

(Instituto Nacional de Estatística, 2019: 7-21). É possível, assim, observar que o turismo é um

setor de atividade com grande peso em Portugal.

Esta atividade, ligada ao lazer e à recreação, impulsiona milhões de pessoas a viajar para

fora do seu ambiente habitual todos os anos e por motivos bastante variados. É praticamente

impossível, devido à complexidade do fenómeno, confirmar a sua data de início, mas pensa-se

que certos marcos históricos tenham influenciado a larga movimentação de pessoas, tais como:

o início das peregrinações, os descobrimentos portugueses e espanhóis, o renascimento, entre

outros. O certo é que, mesmo nestes períodos, não existia uma prática de turismo massificada,

tal como a existente nos dias de hoje. Apesar de o fenómeno conhecido como Grand Tour -

tradição em que os filhos da aristocracia viajavam para as principais metrópoles europeias com

o objetivo de entender a cultura desses locais - ser visto por muitos como o início da atividade

turística contemporânea, esta tradição era bastante elitista, estando restrita apenas às famílias

mais abastadas. O turismo mais massificado passou-se a registar a partir de meados de 1950,

vastamente motivado pelas inovações nos transportes marítimo e aéreo.

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Uma das dificuldades em estabelecer o turismo temporalmente passa pela falta de consenso

no que se refere à definição de turismo a nível conceptual e de funcionamento da atividade. O

turismo pode ser visto enquanto um produto compósito e complexo, visto que se constitui como

uma área de análise pluridisciplinar. Esta noção leva a que existam tentativas de definição da

atividade turística nas várias disciplinas em que esta é registada. Seria, no entanto, impossível

neste estudo, analisá-las todas e tentar chegar a uma definição final, unívoca, pelo que, para

esta análise, será realizado um levantamento das mais relevantes para as áreas de estudo a

desenvolver.

Como foi referido anteriormente, o turismo consiste num objeto de estudo compósito, pelo

que, para a atividade turística, são necessários vários intermediários, tais como o turista, os

serviços de alojamento e transporte e até as próprias comunidades das regiões de turismo, como

atestam, Goeldner & Ritchie (2009):

(…) Tourism can be defined as the processes, activities, and outcomes arising from the

relationships and the interactions among tourists, tourism suppliers, host governments, host

communities, and surrounding environments that are involved in the attracting and hosting of

visitors. (p.6)

Os autores, neste caso, utilizam uma definição do setor turístico voltada para o seu

funcionamento e intervenientes, bem como nas suas relações, o que permite observar a

complexidade do setor. No entanto, falta-lhe qualquer descrição das atividades desempenhadas

e o seu propósito para além da atração de visitantes. O turismo é uma atividade que atua no

económico, social e cultural de uma região e que leva à movimentação das pessoas para fora

do que lhes é habitual, pelo que cria motivações de viagem com vários objetivos distintos, como

pode ser referido pela UNWTO (nd.) no glossário de termos referido no seu website:

Tourism is a social, cultural and economic phenomenon which entails the movement of people

to countries or places outside their usual environment for personal or business/professional

purposes. These people are called visitors (which may be either tourists or excursionists;

residents or non-residents) and tourism has to do with their activities, some of which involve

tourism expenditure.

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28

Uma definição mais holística deverá conter todas as características abordadas acima e ainda

procurar estabelecer as ligações necessárias entre os vários setores e os turistas, abordando a

base do desenvolvimento turístico numa região, como o alojamento, o transporte e o

entretenimento, como poderá ser visto abaixo por via de Licínio Cunha (2010):

Turismo: é o conjunto das atividades lícitas desenvolvidas por visitantes em razão das suas

deslocações, as atracções e os meios que as originam, as facilidades criadas para satisfazer as

suas necessidades e os fenómenos resultantes de umas e de outras. (p. 19)

As definições apresentadas reforçam a ideia, previamente elaborada, de que o turismo é

uma atividade complexa, não só devido à natureza dos seus estudos serem multidisciplinares,

mas, também, devido a ser um produto compósito em si, incapaz de operar satisfatoriamente

sem possuir um conjunto de características base, como transporte, alojamento e entretenimento

para os visitantes, bem como de toda uma estrutura de apoio ao turismo na região de destino.

2.2- Importância da Cultura para o Turismo

Uma das ferramentas mais importantes do turismo é a promoção dos atributos culturais da

região em que se insere, sendo que esta é vista enquanto uma das maiores forças motrizes à

movimentação turística. Desta forma, é necessário entender a relação entre o turismo e a cultura

e a forma como interagem.

O turismo e a cultura possuem uma relação sinergética que envolve que necessitem ambos

um do outro. Por um lado, o turismo utiliza a cultura para promover e receber visitantes nas

regiões de destino. Por outro, a cultura faz uso do turismo para manter muitas das suas

instituições operacionais através dos fluxos e receitas turísticas e para manter os fluxos de

criatividade nos locais em que se baseia, como declara Greg Richards (2009):

Culture is an increasingly important element of tourism product as it creates distinctiveness in

a crowded marketplace. At the same time, tourism provides an important means of enhancing

culture and creating income which can support and strengthen cultural heritage, cultural

production and creativity. (p. 17)

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29

Por via da ligação entre os dois conceitos, surge o de “turismo cultural”. No entanto, em

consequência da complexidade de ambos componentes é, também, dificultada uma definição

unânime. O facto de a cultura ser bastante abrangente e ser considerado, por muitos, que todos

os aspetos da vida são culturais, essa lógica poderá passar para o turismo cultural, como explica

Richards (2009):

The diversity approaches to the relationship between tourism and culture underlines the

problems of definition which exist in this field. Because culture touches every aspect of human

life, it can be argued that everything is cultural. According to this view, all tourism might be

considered as “cultural tourism”. (p. 25)

Todavia, o que é na prática turismo cultural poderá ser restringido por via das atividades

realizadas no destino, ou seja, pelo interesse no turista em explorar certos atrativos culturais,

atrativos estes que incluem património material e imaterial. Tendo estas características em

conta, a UNWTO (2017) define turismo cultural enquanto:

A type of tourism activity in which the visitor’s essential motivation is to learn, discover,

experience and consume the tangible and intangible cultural attractions/products in a tourism

destination. These attractions/products relate to a set of distinctive material, intellectual,

spiritual and emotional features of society that encompasses arts and architecture, historical

and cultural heritage, culinary heritage, literature, music, creative industries and the living

cultures with their lifestyles, value systems, beliefs and traditions.

Tendo em conta o referido acima, tanto o graffiti, como os fenómenos que lhe são

contíguos, poderão ser vistos enquanto atrações culturais, quer por via de se constituírem

enquanto obras artísticas físicas, quer pelo valor imaterial apercebido devido às suas raízes

subculturais.

Visto que o turismo cultural engloba uma vasta abrangência de atividades, incluindo o

património imaterial, muitas destas atividades demonstram-se imensuráveis estatisticamente a

nível de visitas turísticas. Ou seja, apesar de se ter uma noção de que o turismo cultural é uma

das vertentes turísticas mais manifestadas, é difícil quantificar exatamente o número de

visitantes. Existe, todavia, um esforço recorrente por via das instituições de turismo na

promoção de turismo cultural, o que pode ser visto, a título de exemplo, pelo Turismo de

Portugal na Estratégia de Turismo 2027 (ET2027), onde se insere o turismo cultural por ser

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30

visto como um ativo diferenciador entre destinos e se destacam as categorias da “História,

cultura e identidade” e a “identidade própria dos territórios e comunidades locais”. (2016: p.

47)

A noção de turismo cultural é um objeto progressivo, que se vai alterando, dependendo

bastante das tendências turísticas, das alterações do comportamento de compra e da motivação

de viagem. A noção de cultura de viagem, nos anos 80, por exemplo, numa época de

massificação do turismo de sol e praia, é completamente diferente das noções que compõem as

motivações para viajar atualmente. O que se nota agora é que existe uma predisposição muito

maior para a observação dos componentes identitários da região, tentando absorver a cultura e

as formas de vida dos residentes. Isto leva a que existam tipologias turísticas interessadas em

explorar locais menos turistificados de modo a conhecer o estilo de vida e a cultura dessas

populações, especialmente em locais de populações pobres.

A globalização e os avanços tecnológicos, nomeadamente a internet, auxiliaram a expansão

da cultura nos destinos, para além do que nos primórdios da atividade turística era visto nos

folhetos informativos em agências de viagem. Desta forma, existe uma maior ecleticidade

cultural adjacente aos motivos de viagem e escolha de certos destinos em detrimento de outros

por via dos seus atributos culturais.

2.2.1- Turismo Contemporâneo: Autenticidade e Periferização

A mudança de paradigma social e as inovações tecnológicas, juntamente com a

globalização, levaram a uma nova visão sobre a atividade turística e mudanças nos perfis

comportamentais dos visitantes em termos de escolha dos destinos e razões de viagem. No

turismo cultural, passaram a ser integrados conceitos como o de autenticidade e o de

periferização, em que a motivação principal de viagem para certas tipologias de turistas é o de

observar a cultura e o quotidiano de populações em certos locais, afastando-se, por vezes, das

atrações mais massificadas.

O turismo, enquanto indústria complexa e organizada, apresenta-se nos destinos enquanto

conectora dos visitantes aos seus serviços, incluindo as atrações e entretenimento. No entanto,

este tipo de turista não pretende um turismo organizado, quer uma experiência autêntica, e tenta

visitar o que Dean Maccannell apelida de “back regions”, as quais não se encontram

Page 31: A Comercialização da Arte Marginal e os seus Impactos nas ...

31

predispostas à atividade turística. Estas regiões são então vistas como mais autênticas do que

as tipicamente publicitadas aos turistas. Segundo o autor:

It is only when a person makes an effort to penetrate into the real life of the areas he visits

that he ends up in places specially designed to generate feelings of intimacy and experiences

that can be talked about as “participation.” No one can “participate” in his own life, he can

only participate in the lives of others. (1973: 601)

Ou seja, segundo Maccannell, o turista tem por objetivo o envolvimento com as populações

locais nas suas atividades de dia a dia. John Urry (2002) classifica o turista enquanto um

peregrinador moderno que parte em busca de autenticidade noutros locais (p.90)4,

acrescentando à ideia de Maccannell o facto de o visitante ter de se deslocar da sua própria

realidade quotidiana. No entanto, como as principais metrópoles se encontram atualmente

bastante preparadas para a atividade turística, é pressuposto um afastamento destes visitantes

para locais menos preparados para o turismo.

A não presença de atividades e infraestruturas de apoio à atividade pode apresentar-se

motivo pelo qual a existência de turismo nestas regiões ser potencialmente negativo para a

região de destino. Neste sentido, podemos falar também de uma descentralização dos aspetos

culturais por parte da procura, associando-a geograficamente às zonas periféricas. No entanto,

estas zonas estão vastamente associadas a noções de marginalidade, que segundo Michael Hall

(2013), podem advir de fatores ambientais, culturais, sociais, económicos e políticos

desfavoráveis (p.4)

Ora, se são zonas maioritariamente mais empobrecidas e com poucas condições para a

criação de turismo, o estabelecimento da atividade poderia criar uma dependência não saudável

no local em causa. Mas, existe também a possibilidade de, por via das instituições culturais, a

renovação de áreas estagnadas, rejuvenescendo as economias locais e promovendo o aumento

dos valores imobiliários. (Richards 2009: 24).

Nesse mesmo sentido, a ET2027, tendo estes aspetos em conta, propõe uma série de linhas

de atuação de planeamento turístico em que inclui “promover a regeneração urbana das cidades

e regiões, o desenvolvimento turístico sustentável dos territórios/destinos” por via de apoios e

reabilitação a várias estruturas sociais, nomeadamente:

4 Ver The Tourist Gaze (2ª Ed.) de John Urry (2002). Sage Publications Ldt

“The tourist is a kind of contemporary pilgrim, seeking authenticity in other ‘times’ and ‘other’ places away

from that person’s everyday life.” (p.90)

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32

Operações de regeneração urbana de centros históricos/urbanos, a preservação de

autenticidade e a promoção de um turismo acessível nas cidades, envolvendo, nomeadamente:

(…) melhoria da qualidade de vida das comunidades locais incluindo o apoio à reabilitação de

espaços e equipamentos comunitários (por exemplo, associações culturais, associações de

bairro, clubes recreativos). (p. 55)

Existe, portanto, um esforço crescente em querer tornar algumas das zonas periféricas em

ativos turísticos, algo que pode ser visto adicionalmente por via de organizações que procuram

utilizar o turismo como forma de rentabilizar espaços periféricos que de outra forma

continuariam estagnados (Hall 2013:5). Esta é uma forma pouco positiva de visualizar os

territórios, pois corre-se o risco de ignorar as necessidades da população em prol de estabelecer

a atividade turística.

2.3- Banalização da Arte Urbana e o Papel do Turismo

Tendo em conta o disposto no capítulo anterior sobre os fenómenos da street art, arte

urbana e o panorama turístico explicitado acima, o objetivo desta secção do estudo é o de

entender a forma como estes fenómenos evoluíram até alcançarem uma aceitação mais

globalizada, especialmente por via de instituições artísticas, e o modo como são vistos agora,

como passíveis de criação de riqueza.

Anteriormente havia sido já estabelecida a noção de uma aceitação mais globalizada da

street art e da arte urbana, e isto deveu-se em grande parte ao que se pretende estabelecer neste

estudo. Aquando da propagação do graffiti e nas décadas que se seguiram, existia a conceção

de que este era um fenómeno marginal e, apesar de ainda existir essa predisposição sobre

algumas formas de graffiti, que os fenómenos adjacentes – street art e arte urbana – eram, na

sua maioria, observáveis enquanto arte, pelo menos aos olhos do público geral.

No entanto, não foi o público em geral que promoveu a aceitação inicial, mas sim as

entidades artísticas pré-estabelecidas, que passaram a ver a street art de alguns artistas, como

Harrington ou Basquiat, enquanto atrativas o suficiente para as disporem em espaços artísticos.

Isto levou a que começasse uma das formas mais controversas de street art e graffiti,

caracterizada pela sua mostra em galerias de arte e museus. Essa alteração, que consistiu em

retirar ou estabelecer objetos artísticos pertencentes às ruas – tal como os seus nomes indicam

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33

– para os estabelecer dentro de portas fechadas, e desta forma capitalizar na popularização

destes fenómenos, continua a ser alvo de controvérsia, pois criou divisões na comunidade de

writers, sendo que alguns pensam que esta pode configurar uma forma de elitismo artístico,

como Waclawek (2008) afirma:

While for some writers the motivation to create work for galleries was primarily a method to

reverse the negative status writing had garnered on subway trains, for commercial gallery

owners, bringing graffiti inside was predominantly an exercise in capitalizing on a new art

trend. (p. 125)

Pensa-se que a capitalização do vandalismo artístico foi o que levou mais pessoas a

mudarem as suas perceções em relação aos murais que facilmente encontravam nos seus bairros

ou em muitas ruas das metrópoles. Passou a haver uma maior apreciação dos writers que as

faziam, que Calado (2011) corrobora afirmando: “A aceitação destas formas «marginais» de

arte é um […] caminho para a colaboração com o público. Ao mesmo tempo, a participação de

artistas conceituados prestigia formas de expressão artística consideradas secundárias.” (p.101)

Numa sociedade globalizada, um dos recursos também vastamente utilizados para a

popularização do graffiti foi a internet, que ajudou a criar comunidades de writers online, onde

estes partilhavam as suas pieces e murais e contribuíam para a partilha de experiências e forma

de utilização dos materiais, Ganz (2004) elabora:

The emergence of the internet has also played an interesting role in the evolution of graffiti.

[…] Massive archives have been setup by enthusiasts and artists. One example is ‘Art Crimes’,

which has become the definitive worldwide site for highlighting the talent of many writers for a

wider audience. (p. 10)

Mas porque é que as instituições artísticas passaram a expressar interesse no graffiti? Para

começar, o graffiti consistia, na sua maioria, em mensagens da população, nomeadamente

minorias étnicas ou descriminadas, para o público mais geral, com o objetivo de se fazer ouvir.

Então, daqui podemos entender que o graffiti servia para estabelecer comunicação com as

massas. A sua característica efémera auxilia ao facto de poder ser rapidamente alterada

consoante as necessidades de quem as escrevia, que segundo Noronha (2017):

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34

A arte urbana é apresentada como tendo razões informais, nascida nos bairros da gente

comum, por isso é um atraente objeto de consumo para as massas. Surge da moderna, sempre

novo, como um apetitoso produto de mercado. Sendo efémera, descartável, é rapidamente

atualizada, os murais sucedem-se, por vezes sobrepostos em camadas refrescantes sobre uma

mesma parede. É um negócio político e comercial lucrativo. (p. 102)

Ao se considerar a arte urbana atualmente enquanto um negócio, apela-se ao facto de esta

ser comercial e leva à ideia de que esta se encontra vulgarizada. Mas quem é que gera lucro

com a arte urbana? Podem ser destacados três grupos principais: os museus e as galerias de arte,

as juntas de freguesia e câmaras municipais e os writers. Os primeiros obtêm receitas por via

dos visitantes que recebem com as exposições deste género de arte ou por via da venda de obras.

Os segundos são por vezes usufruidores de financiamentos públicos para a renovação de certas

regiões, incorporando arte urbana, nomeadamente em bairros municipais. E, por último, os

writers podem gerar receitas por via de trabalhos comissionados.

A arte urbana passou de ser representativa de um comportamento visto como marginal para

se tornar objeto de comercialização pelo Turismo de Portugal, que possui uma página sobre o

assunto no site visitportugal.com, com uma pequena descrição do que pode ser encontrado no

país e a apresentação de alguns dos artistas e iniciativas mais reconhecidos do género. Os jornais

e outros canais de media tradicionais passaram também a escrever artigos sobre os fenómenos

do graffiti, street art e arte urbana, analisando o impacto deste tipo de iniciativas e projetos nas

regiões em que estes se inserem, a nível económico e social.

2.3.1- Arte urbana em Lisboa

Não se sabe ao certo a data de início das iniciativas artísticas em Lisboa, mas pensa-se que

estas tenham advindo de um grupo de jovens de Cascais que criaram a sua crew por volta de

1988/1989, denominados de “CAC - “Criminal Assassins’ Crew” (Miranda 2015: 43) e que

passaram a grafitar dentro daquela área geográfica. Um dos membros desta crew é o Nomen,

que, em conversa informal em 3.3, informou que nos primórdios do graffiti português, o grupo

a que pertencia era o único a realizar este tipo de arte, mas que no início dos anos 90, existiam

já vários movimentos aliados à expressão artística.

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35

Por volta dos anos 2000, as formas artísticas e o número de artistas aumentam, mas

continuam a existir sanções à realização do graffiti, sendo vista como um comportamento

altamente censurável. Foram feitos esforços nos anos que se seguiram para a criação de

organizações e iniciativas com o objetivo de promover um exercício legal do graffiti, bem como

de espaços destinados para o fazer.

A secção seguinte visa a compreensão das principais organizações e iniciativas

responsáveis pela reestruturação da street art em Lisboa, com destaque para o modo como estas

passaram a ser maioritariamente legais e comercializáveis.

2.3.2- Iniciativas e organizações

A street art em Lisboa iniciou-se de forma ilícita, mas rapidamente foram realizados

esforços para a sua legalização e aceitação. Esta secção visa um reconhecimento breve das

principais organizações responsáveis pela banalização da arte urbana em Lisboa, com uma

descrição dos seus objetivos e características, bem como do levantamento de algumas

iniciativas realizadas por cada.

● Galeria de Arte Urbana:

Uma das organizações mais influentes em Lisboa, pertencente ao Departamento de

Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa, é a Galeria de Arte Urbana (GAU). A

GAU foi criada em 2008 e o nascimento da organização surge no seguimento de uma ação de

limpeza na cidade, em que se encontravam a limpar todos os vestígios de graffiti existentes:

“Na altura, considerou-se importante criar um espaço alternativo especificamente dedicado à

arte urbana, onde fosse possível exercer a atividade de modo legal e estruturado.” (n.d., GAU).

A GAU é também a responsável pela organização do Festival MURO LX_2016, um

festival que conjuga a arte urbana com música, visitas guiadas e o contacto com as comunidades

locais. A iniciativa do festival mencionado será abordada mais vastamente no capítulo seguinte,

um estudo de caso sobre o Bairro Padre Cruz.

● Underdogs:

A Underdogs intitula-se de plataforma cultural e as suas áreas de ação consistem em

programas de arte pública, na produção de edições de artistas e no desenvolvimento de projetos

artísticos comissionados. (n.d, Underdogs). Esta funciona em parceria com a GAU, o que lhe

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36

permite a criação de um número superior de intervenções em Lisboa e o contacto com mais

artistas. Estabeleceram-se em 2010 e possuem já várias iniciativas no seu repertório, algumas

destas sendo: em 2013, a parceria com a Village Underground Lisboa (Miranda, 2015: 47),

algumas versões do Festival Iminente, coorganizados pela plataforma, e várias participações no

Super Bock Super Rock, entre outras.

● APAURB- Associação Portuguesa de Arte Urbana:

Esta associação tem como presidente Octávio Pinho, um street artist conhecido como

SLAP, e tem vindo a realizar projetos focados na reabilitação de bairros municipais e regiões

empobrecidas e degradadas. Duas das obras mais conhecidas foram a retratação do túnel de

Alcântara e o projeto “40 ANOS 40 MURAIS'', com o objetivo de comemorar o 25 de Abril de

1974 (Miranda 2015:48).

Estes exemplos demonstram a apreciação e relevância que os fenómenos associados ao

graffiti foram ganhando. Intervenções como as acima referidas são cada vez mais fáceis de

encontrar e recebem uma grande apreciação das populações nas regiões em que estas se inserem

e levam a que muitos outros indivíduos se desloquem para as visualizarem presencialmente.

Consequentemente, a exposição de obras deste carácter leva ao reconhecimento de artistas neste

ramo e, complementarmente, de novas formas artísticas.

Estas iniciativas, especialmente em locais com uma vasta aglomeração de murais ou pieces,

levaram à criação de roteiros turísticos. Estes dividem-se em dois géneros principais: os roteiros

criados por pessoas da região, que tiveram contacto com os artistas ou conheceram o processo

criativo, e os roteiros realizados com o objetivo de capitalizar com a arte urbana. Tendo em

conta essa segunda modalidade, muitos desses programas são realizados ou por via de empresas

turísticas pré-estabelecidas ou por via de "walking tours”, uma modalidade de roteiros turísticos

mais informais, realizados muitas vezes por pessoas não especializadas em turismo.

Embora estes locais, na sua maioria, se situarem em zonas onde existe turismo massificado,

em certas instâncias, situam-se em locais não turistificados, como é o caso dos bairros

municipais, como será visto na secção a seguinte.

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37

2.4- Comunidades Locais e Inserção da Arte Urbana

Desde cedo, foi notado que a presença de graffiti e street art era mais forte em zonas

desfavorecidas e bairros empobrecidos, com fraca essência identitária e sentido comunitário.

Muitas vezes, o graffiti presente consistia apenas em tags com o simples intuito de marcar as

paredes. Mas, também desde cedo, foi notado que as sanções a indivíduos que as realizavam e

as ações de limpeza de edifícios e meios de transporte eram ineficazes na redução ou contenção

destes comportamentos. Foram realizados esforços para reforçar os laços dentro das regiões

afetadas por estes comportamentos através da street art, o mesmo será analisado no estudo de

caso que se seguirá. Mas, as regiões escolhidas para este efeito possuem, na sua maioria, um

grupo de características comuns, como: o empobrecimento das condições de habitação, maior

nível de criminalidade (ou sentimento de maior criminalidade por via de populações exteriores)

e concentração de pessoas provenientes de várias vagas de alojamento forçado; situações que

fomentaram a desfragmentação comunitária. Com o intuito de angariar fundos e visibilidade

para esses locais, bem como de fortalecer as relações entre os habitantes, foram desenvolvidos,

em diversos bairros municipais, vários projetos artísticos urbanos. É relevante nomear alguns,

de entre estes:

● Quinta do Mocho

A renovação urbana, iniciada em 2014, no Bairro da Quinta do Mocho, parte de uma 2ª

edição do festival “O Bairro | O Mundo”, focado na requalificação de um dos bairros sensíveis

de Loures, que quer mostrar uma imagem diferente daquela pela qual é conhecido. (Diário de

Notícias, 2014)

Essa vaga de renovação instigou o interesse de tantas pessoas que não só passaram a existir

registos de visitas por via de turistas, como foi necessária a criação de um programa de visitas

guiadas. (Público, 2017)

● Chelas

Em 2015, a GAU, em colaboração com a Gestão do Arrendamento Social em Bairros

Municipais de Lisboa (GEBALIS) e o Centro Social Paroquial São Maximiliano Kolbe

(CSPSMK), decidiu reabilitar uma zona do bairro municipal de Chelas, de modo a melhorar as

relações entre os habitantes e o bairro, ao “levar para os bairros intervenções artísticas, que

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38

envolvam e motivem os residentes a cuidar do seu bairro, estimulem a utilização adequada dos

espaços, aumentem o sentimento de pertença aos territórios e constituam uma mais-valia para

o espaço público" (GAU em entrevista ao Público 2015)

● Lumiar

Em 2019 foi a vez do Lumiar com a 3ª Edição do Festival MURO LX_2016 , um festival

que engloba não só a arte urbana, como muitas outras formas de expressão artísticas e

informativas. No caso do Lumiar, a ação foi levada a cabo mais em concreto na zona do Alto

do Lumiar, e contou com a realização de espetáculos de música ao vivo, bem como animação

de rua, workshops, conferências e a participação dos artistas nestas iniciativas, com o objetivo

de regenerar o tecido social do bairro, como dito pela GAU (n.d.):

A regeneração e valorização do espaço público e a sua apropriação por parte da população

residente são a base da acções programadas para o festival onde se incluem, para além das

intervenções artísticas, visitas guiadas, workshops de arte urbana, conferências, espetáculos

de música, teatro, artes performativas e animação de rua.” Por sua vez, foram também

iniciadas visitas guiadas pela arte urbana neste bairro.

Tendo em conta os exemplos acima referidos, é possível notar quais os objetivos

fundamentais com o estabelecimento de iniciativas de arte urbana em territórios

marginalizados, como o de estabelecer uma maior coesão social, regenerar os tecidos urbanos,

criar uma preocupação crescente por parte da população para a conservação das estruturas dos

bairros. Embora seja difícil notar diferenças imediatas, o certo é que tem existido uma tendência

crescente para a existência destas iniciativas bem como de uma mudança de discurso radical

em relação à representação destes bairros nos media, o que pode incentivar à conservação das

obras urbanas por parte da população e públicos exteriores, assim como procurar estabelecer o

respeito entre comunidades dentro dos bairros.

O capítulo seguinte procura explorar um destes casos mais atentamente, aliado às

iniciativas artísticas estabelecidas no Bairro Padre Cruz, numa tentativa de testar a aceitação

das obras de arte por parte da população e as mudanças que se seguiram às atuações das

organizações responsáveis por estas.

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39

3- Bairro Padre Cruz: um passado, um presente e um futuro de renovações

imagéticas urbanas

O Bairro Padre Cruz, inserido na freguesia de Carnide, na zona norte de Lisboa, consiste

no foco de estudo principal neste capítulo. O motivo da escolha desta região para a análise

exploratória deve-se, de entre vários fatores, a ser um bairro que, embora localizado nas

proximidades do centro de Lisboa, era visto como território marginalizado. Em 2016, na altura

das principais instalações artísticas, surgiu um interesse súbito dos media para a reabilitação

feita neste bairro municipal.

Este capítulo tem como objetivo a compreensão do porquê dos pedidos de instalações de

arte urbana nesse território e também dos impactos que estas produziram. Sendo assim, visa o

estudo da história do local de modo a se entenderem as motivações existentes para o

estabelecimento das iniciativas artísticas, mas, também, para se entender as mudanças trazidas

ao bairro municipal. Após esse estudo, far-se-á um levantamento dos principais eventos

artísticos, bem como na documentação imagética da arte urbana.

3.1- Metodologia e Critérios de Análise

O estudo que se segue tem como base a questão de investigação: “de que forma a arte

urbana contribui para a imagem do bairro em termos de transformação social, incremento

turístico e integração do bairro no cenário lisboeta e internacional?”. Esta questão reúne os

tópicos que serão abordados neste estudo de caso. Para o seu desenvolvimento, no entanto, é

necessário delimitar as metodologias e os critérios de análise que serão adotados nesta

investigação. O primeiro passo consistiu no levantamento de informações via consulta a fontes

bibliográficas, bem como de pesquisa a informações contidas nos media. Uma vez concluída

essa abordagem inicial, passou-se à pesquisa de campo, que incluiu a realização de uma série

de entrevistas informais, que serão especificadas de seguida, assim como o acompanhamento

de uma visita guiada. Por fim, realizou-se o mapeamento das principais obras em exposição,

acompanhado de uma avaliação do seu estado de conservação.

O trabalho de campo, acima mencionado, foi realizado em várias visitas ao Bairro Padre

Cruz, entre as quais, uma para acompanhar um roteiro de arte urbana por parte da Boutique da

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40

Cultura (BC), uma associação cultural sem fins lucrativos estabelecida em Carnide com o

propósito de dinamizar a cultura e as artes. Numa visita (não guiada), foram realizados registos

fotográficos de uma porção significativa das obras, de modo a ter uma perceção do estado de

conservação em que estas se encontram.

Adicionalmente, foram realizadas conversas informais com indivíduos de várias entidades

e organizações relevantes para o estudo. Em termos de artistas, foram obtidos dois relatos,

sendo um do Nomen e outro do Robô. Na Junta de Freguesia de Carnide (JFC), houve contacto

com o Presidente, Fábio Sousa, e com Gonçalo Ferreira, do Gabinete de Informação e Cultura.

Na GAU, com Hugo Cardoso e José Vicente ambos do Departamento de Património Cultural

da Câmara Municipal de Lisboa. No Bola P’ra Frente, centro comunitário de crianças e jovens

no Bairro Padre Cruz, houve contacto não só com Ana Paulos, coordenadora do centro, como

também com cerca de 15 jovens que foram expondo as suas opiniões sobre as iniciativas

artísticas. Na BC, com Paulo Quaresma e Marta Mateus. E, por fim, na Biblioteca Natália

Correia (BNC), com Rosário Cotrim, coordenadora. Todas estas conversas foram importantes

para a formulação deste estudo, pois foi possível entender, de um ponto de vista mais

personalizado, as visões das várias entidades sobre a arte urbana instalada neste bairro

municipal e as mudanças no bairro entre o antes destas instalações e o depois.

3.2- Bairro Padre Cruz: caracterização histórico-geográfica e renovações

urbanísticas

O Bairro Padre Cruz, objeto de estudo deste capítulo, constitui-se sob a forma de um bairro

municipal inserido na zona periférica da cidade de Lisboa. Este é um bairro com uma existência

curta, mas que foi adquirindo uma imagem negativa junto ao público exterior, sendo, por um

certo período, mais conhecido pela ideia de criminalidade apercebida do que sendo celebrado

por ser um dos maiores bairros municipais da península ibérica ou pela sua proximidade ao

centro histórico de Carnide.

Fundado nas décadas de 1950 e 1960, o Bairro Padre Cruz foi criado com o principal

objetivo de alojar populações provenientes de outros bairros, na sua grande maioria impróprios

para habitação. Segundo Fátima Freitas (2012): “(o) Bairro Padre Cruz foi um bairro criado de

raiz, em 1959-60, para acolher populações transferidas de outros bairros precários da cidade,

alguns deles, também provisórios” (p.13). No entanto, como vai ser observado logo de seguida,

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este foi um bairro que passou por várias alterações urbanísticas, consequência de se encontrar

constantemente em processos de recebimento de populações de outros locais. As suas primeiras

estruturas, que já não existem, foram realizadas com um material denominado de “lusalite”. A

construção de casas em alvenaria iniciou-se cerca de dois anos após a criação do bairro,

acompanhada por uma ampliação na sua área geográfica.

Nos anos 80, surgiram motivações para a expansão do bairro, como o recebimento de novas

populações. Isto num período em que, segundo Freitas (2012: 14), o bairro estava a passar por

momentos de tensão entre a população e fragmentação nas relações sociais. A década de 1990-

2000, porém, foi a que registou as maiores migrações populacionais, devido aos prédios

construídos noutra zona do bairro para o efeito. Essa época contou com o realojamento de

populações vindas de vários locais, contando com alguns bairros municipais mais

empobrecidos e com vários problemas sociais, e esse movimento resultou num novo

enfraquecimento da coesão social dentro do bairro, especialmente entre as primeiras populações

que lá habitavam e os recém-chegados.

Em janeiro de 2012, foi iniciada uma nova fase de reestruturação do bairro. As condições

de habitação nas casas de alvenaria estavam a deteriorar-se e a população que lá vivia era na

sua maioria envelhecida, pelo que era importante garantir condições de habitação a essa

população. Esta é uma reestruturação que ainda se encontra em andamento. Consiste num

processo faseado de realojamento, demolição e construção de novos edifícios, cujo propósito é

remover as casas de alvenaria e construir, pouco a pouco, blocos de prédios nessas zonas.

Mais uma vez, estas renovações urbanísticas e arquitetónicas levaram a novos períodos de

tensão na comunidade. Neste caso, houve uma parcela da população que foi forçada a sair das

suas habitações e mudar-se - quer para um apartamento no bairro, noutra zona, quer para uma

opção localizada noutros bairros do município lisboeta. Consequentemente, esta população que

se movimentou ficou longe da comunidade com quem interagia diariamente, o que, em parte,

gerou uma tensão social mais percetível. Esta é uma tensão que se pressupõe que irá continuar,

visto que serão ainda destruídas mais casas de alvenaria.

Estas tensões foram sentidas pelas populações, ao mesmo tempo em que a imagem que o

bairro passava para o exterior era o de um bairro perigoso, marcado por mostras de

criminalidade. Tal situação pode ter acalmado, entretanto, visto que se previa o fecho da

Esquadra Municipal em 2014, aparentemente motivado, segundo Paulo Quaresma em 2020, em

conversa informal, pela falta de criminalidade no bairro municipal. O fecho, entretanto, não

chegou a ocorrer. Tal fato parece relevante para a presente reflexão, uma vez que um dos

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objetivos deste estudo é o de entender qual é a visão que o bairro passa para o exterior num

contexto mais atual.

3.3- Arte Urbana no Bairro

Em capítulos anteriores, foram abordados os fenómenos da street art ou arte urbana. Nesta

secção, procura-se aplicar esses conhecimentos às iniciativas artísticas que foram levadas a

cabo no Bairro Padre Cruz.

Neste caso, no entanto, não serão tidos em conta os graffitis realizados pela população

devido ao seu carácter efémero, à sua rápida renovação e falta de documentação, apesar da forte

presença destes em determinadas zonas do bairro, especialmente de forma anterior a 2016. Esta

secção procura analisar as principais atividades e iniciativas ligadas à street art ou arte urbana

no bairro, bem como tentar estabelecer a sua finalidade. Desta forma, serão analisados dois

registos principais: Os concursos de graffiti realizados nos anos 90 e as iniciativas artísticas de

2016.

As primeiras iniciativas a relatar foram três projetos ligados ao graffiti, realizados em 1996

e 1997, segundo informações da BC e da Junta de Freguesia de Carnide. O concurso de 1996

foi organizado pela Associação Juvenil Renascer e os seus desenhos foram realizados em placas

de madeira, não existindo registos físicos da iniciativa. Os outros dois projetos, mais uma vez

organizados pela Associação Juvenil Renascer, foram realizados em dois espaços diferentes do

bairro: um nos muros do Campo de Jogos de Futebol Os Unidos e outro num muro adjacente à

Escola 167. As iniciativas faziam parte de um grupo de projetos voltados para a promoção da

cultura e para a coesão comunitária, não só dentro do bairro, mas também com as regiões

circundantes. (conferir Anexo C)

Apesar da rápida degradação das obras de registadas dessa época, ainda se constitui

possível visualizá-las, sendo que algumas destas estão surpreendentemente bem conservadas

após cerca de 30 anos da sua realização. Alguns dos nomes assinados nas paredes de graffitis

constituem-se agora como writers bastante estimados hoje em dia no paradigma da arte urbana

ou street art, incluindo um artista mencionado em 3.3: o Nomen.

Estas iniciativas, no entanto, acabaram por cair no esquecimento coletivo. Desse modo, em

parte devido às novas movimentações urbanas, tornou-se necessária a realização de novos

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projetos e iniciativas que contivessem a fragmentação social. Foi esse o cenário que motivou

as iniciativas decorridas recentemente.

Em 2016, foram implementadas duas iniciativas para a transformação artística do bairro,

a primeira sendo o “MURO | Festival de Arte Urbana Lx_2016”, e a segunda o projeto “Criar

mudança através da Arte Urbana”. Um festival seguiu-se ao outro, pelo que o espaço urbano

passou por grandes mudanças visuais num curto espaço temporal.

O “MURO | Festival de Arte Urbana Lx_2016” foi realizado entre 30 de abril e 15 de março

e foi organizado pela GAU, em parceria com a Junta de Freguesia de Carnide, Empresa de

Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) e GEBALIS, organismo responsável

pela gestão de bairros municipais. Esta iniciativa englobou uma série de atividades em redor

das expressões artísticas, para além das realizadas por via dos artistas. Um exemplo é o projeto

“Lata 65”, desenhado por Lara Seixo Rodrigues, uma das artistas e curadoras do projeto, que

consiste em workshops para seniores e crianças. A GAU, num livro realizado sobre as

iniciativas no Bairro Padre Cruz (2016), aponta que, no total, foram realizadas mais de 60 obras

que contaram com artistas nacionais e internacionais (p.6). Com este projeto, a GAU indica

mais adiante que foi possível promover um maior acesso à cultura por parte da população do

bairro e que foram reforçados os laços sociais, como abaixo destacado:

O município de Lisboa, como entidade organizadora, no contínuo investimento nas políticas de

proximidade, valorizou a vida de bairro, promoveu a democratização do acesso à cultura,

reforçou a inclusão social e criativa numa colaboração profícua com todos os que pretenderam

intervir no espaço público. (p. 7)

Para além das iniciativas artísticas, o Festival MURO LX_2016 procedeu também à criação

de espetáculos para a população, com o objetivo de concretizar as afirmações acima. Segundo

a GAU, numa das suas edições periódicas (2017: 11), afirma: "O MURO incluiu igualmente

um conjunto de espetáculos apresentados pelas instituições e associações locais, no âmbito de

trabalho de intervenção comunitária, como sessões de teatro de rua, performance, marionetas,

leitura e capoeira”.

O segundo projeto, “Criar mudança através da arte urbana”, foi levado a cabo entre 24 de

junho e 31 de julho de 2016. Este foi apresentado pela BC e a Crescer a Cores, em 2015, sendo

a última uma instituição social sem fins lucrativos situada no bairro e com o objetivo da

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promoção de inclusão social das várias populações do bairro, especialmente as que se

encontram socialmente desprotegidas. Este projeto foi financiado através da candidatura e

aprovação ao programa BIP-ZIP da Câmara Municipal de Lisboa, um programa que consiste

em conceder financiamento a bairros e zonas prioritárias de intervenção com o objetivo de

melhorar as condições de habitação das populações. A GEBALIS foi também parceira neste

projeto, que englobou a realização de cerca de 29 murais, sendo a maioria destas obras de

dimensão bastante grande.

Os dois projetos foram compostos por uma panóplia de artistas e curadores, muitos destes

que se constituíram no cenário da arte urbana em grande escala. A prestação da GAU no bairro

subdividiu-se por pequenos grupos de artistas com curadores. Curadores estes que, no sentido

geral da arte, possuem os objetivos da criação dos conceitos e supervisionamento das obras. No

bairro, foram criadas 7 divisões com curadorias: a própria GAU; Underdogs, através de Vhils

e Pauline Foessel; Ana Vilar Bravo; Lara Seixo Rodrigues; Pedro Soares Neves; Miguel

Negretti; e, Pariz One.

Licenciada e pós-graduada em Arquitetura pela Universidade Técnica de Lisboa, Lara

Seixo Rodrigues participou nas iniciativas no Bairro Padre Cruz, por via de ser um dos

curadores e por ter realizado os workshops da Lata 65 no bairro. Apesar de não ser uma artista

urbana, Lara é uma produtora, curadora e fundadora de vários projetos em redor da arte urbana,

sendo exemplos disto o “Wool - Covilhã Arte Urbana”, os projetos da “Lata 65”, workshops

para crianças e idosos; e, a plataforma de intervenção urbana “Mistaker Maker”.

A Underdogs, brevemente abordada em 2.3.2, foi também curadora deste projecto,

realizada por Vhils e Pauline Foessel, dois dos responsáveis pela fundação da plataforma

cultural. Vhils, tal como abordado em 1.3, é um artista especializado numa técnica diferente de

arte urbana que consiste na perfuração e demarcação de paredes. Pauline Foessel, uma curadora

artística de nacionalidade francesa com uma vasta experiência em gestão empresarial e criação

de plataformas artísticas e culturais como “We don’t do flowers” em 2017 e “Art Curator Grid”

em 2018.

Conhecido no cenário musical enquanto DJ Glue (integrante da banda Da Weasel),

Miguel Negretti foi um dos curadores deste projeto. A sua maior ligação ao graffiti e arte urbana

parece surgir em 2009 aquando da criação da loja Lisboa Montana fixada à venda de materiais

destinados ao exercício deste género de arte e a exposição de trabalhos de vários artistas em

Page 45: A Comercialização da Arte Marginal e os seus Impactos nas ...

45

colaboração com a Underdogs. Atualmente, a loja chama-se Crack Kids, e procura dar realce a

artistas de graffiti pouco conhecidos.

Pariz One é um street artist nascido em França e cuja ligação com o graffiti se iniciou

em 1999. É um artista com formação em Audiovisuais e tem tido bastante reconhecimento a

nível internacional enquanto não só artista, como também Diretor Criativo e Curador de Arte.

No caso do Bairro Padre Cruz, Pariz One desempenhou tanto o papel de curador como o de

artista.

Pedro Soares Neves, também conhecido pelo seu pseudónimo no cenário urbano –

UBER – é um artista urbano com formação académica em várias áreas como o design, a

arquitetura, o urbanismo e arte pública. É uma das maiores referências nacionais a nível de

conhecimentos sobre o graffiti e arte urbana, bem como dos seus tópicos adjacentes, tendo

lançado vários registos sobre estes, bem como a incursão em conferências sobre os tópicos.

Ana Vilar Bravo, do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa, foi

uma das curadoras deste projeto. Antiga estudante da FLUL no Mestrado de Cultura e

Comunicação, Ana Vilar Bravo formou uma ligação inegável às artes urbana e pública,

participando não só no Muro LX_2016, como também no projeto LumiARTE do mesmo ano.

Em termos de artistas, foram convidados mais de 50 entre os dois projetos no BPC, de entre

os quais, nomes bastante conhecidos à escala nacional e internacional, como: Bordalo II, Robert

Panda, Pantone e Low Bros.

Artur Bordalo, com o nome artístico de Bordalo II, é um artista conhecido

internacionalmente pelas suas obras fora do comum. O artista faz uso de materiais pouco

convencionais, considerados por muitos enquanto lixo, e compõe os seus murais de figuras

animalescas, com o objetivo de consciencializar as pessoas sobre o consumismo excessivo e a

destruição ambiental do planeta. Este é um artista com exposições de murais em vários países

do mundo, como Suíça, Itália e Brasil.

Robert Panda é um artista visual português conhecido pelas suas esculturas

antropomórficas em espaço urbano, às quais o artista apelida de “estúpidos”. Estas culturas são

usualmente construídas com materiais voláteis, como papel e fita adesiva. No caso do BPC, o

artista realizou duas instalações, uma principal feita com esses materiais que foi facilmente

destruída e, uma segunda, mas realizada com cimento, a qual ainda se encontra no bairro. Estas

esculturas, são comumente visualizadas também, em festivais, como o Eminente, e em várias

exposições artísticas.

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46

Pantone, ou Felipe Pantone, é um artista urbano nascido na Argentina. A sua arte contempla

a manipulação das formas geométricas, por via de inspiração em correntes artísticas cinéticas,

e faz uso das cores por via da contraposição entre cores vivas e as cores neutras, como o branco

e preto. É um artista bastante reconhecido internacionalmente, tendo murais e exposições por

todo o mundo.

Dois irmãos alemães, Christoph e Florin Schmidt, compõem a dupla apelidada de Low

Bros, formada em 2011. As suas obras são usualmente constituídas por imagens animais,

formas geométricas e o uso do desenho 3D. Os seus trabalhos são reconhecidos mundialmente,

com exposições na Rússia, França e nos Estados Unidos.

No total, pensa-se que tenham sido realizadas cerca de 106 obras entre as iniciativas. No

entanto, devido ao carácter efémero da arte urbana, aos materiais utilizados e às condições de

deterioração naturais, como, por exemplo, a extrema volatilidade das condições atmosféricas,

muitas destas obras já não existem e muitas outras encontram-se em vias de desaparecer. Por

isto mesmo, a próxima secção dedica-se a uma documentação da arte urbana presente

atualmente no Bairro Padre Cruz, bem como à tentativa de análise básica do estado de

conservação das obras ainda existentes.

3.3.1- Documentação da arte urbana

Esta secção destina-se a uma tentativa mais detalhada de documentação da arte urbana no

Bairro Padre Cruz, interligando os projetos e iniciativas artísticas que ocorreram no bairro. Para

tal, foi realizado um mapa, apontando a maioria das obras imagéticas neste. Este mapa encontra-

se numerado para facilitar a listagem das obras. A fabricação deste mapa teve como base não

só visitas presenciais, como também mapas concedidos pelas várias organizações presentes nas

iniciativas: GAU, BC, Centro Cultural de Carnide e Gonçalo Ferreira da JFC. (Anexo B3)

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47

O mapa contém 98 iniciativas realizadas no Bairro Padre Cruz. Segundo os dados das

organizações, a totalidade das obras terá sido de 106, mas é possível que se tenham perdido

alguns dos registos ou que a demasia seja formada por iniciativas como workshops da

população. De modo a fornecer um registo sólido das iniciativas, neste mapa estão incluídas as

que se sobrepõem em maioria dos registos há pouco falados ou que se consigam ver vestígios

por via das visitas guiadas.

Para facilitar a leitura, as obras encontram-se separadas em função da instituição de origem

da iniciativa, sendo atribuída a cada uma dessas organizações uma cor diferente. O vermelho

indica as obras realizadas pela GAU, com o Festival MURO LX_2016; o azul, indica as

iniciativas realizadas por parte da BC; o verde é o indicativo da zona dos workshops, como o

“Lata 65”, um dos workshops dos quais ainda se encontram vestígios. O amarelo, por sua vez,

encontra-se dividido: um dos pontos é relativo aos concursos de graffiti dos anos 90, enquanto

o outro ponto se refere a uma obra refeita em 2016. Esta última, teria sido apagada anos antes,

aquando de uma ação de limpeza, e, na altura dos festivais, surgiu a preocupação de convidar

o artista para a refazer, uma vez que este é também morador do bairro.

Figura . Mapeamento das obras presentes no Bairro Padre Cruz. Autoria própria. Mapa 1. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz. Fonte: autoria própria

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O mapa acima referido é relativamente interativo, pelo que pode ser mais facilmente

acedido e melhor visualizado a partir do website: https://umap.openstreetmap.fr/en/map/arte-

urbana-no-bairro-padre-cruz_546602#17/38.77064/-9.18980. Este mapa segue acompanhado

de uma listagem que, consoante os números indicados no mapa, identifica o estado de

conservação das obras (conferir Apêndice).

Os dados para a listagem foram registados entre visitas ao bairro entre março e julho de

2019. Nestas visitas surgiu a preocupação de entender o estado de conservação das obras e a

interação da população com estas. Apesar de só se contabilizarem 98 registos na listagem e no

mapa aqui apresentados, a análise será realizada de acordo com o número total de obras

fornecido pelas várias entidades, que é de 106. Tendo isto em conta, de entre os 106 registos, e

cerca de 3 anos após as iniciativas, apenas 12,3% não existiam. No entanto, é impossível saber

se a sua inexistência foi causada por atos de vandalismo ou pela deterioração natural e o caráter

efémero das obras. Das restantes, cerca de 3,8% apresentava sinais óbvios de vandalismo, como

tags, mas o que se constitui num valor relativamente baixo em relação ao número total de obras.

E, em termos do estado de conservação e tendo em conta ser algo inevitável, cerca de 15,1%

das obras mostravam algum grau de esmorecimento nas cores apresentadas, o que poderia ir de

um grau leve a um grau considerável. O grau considerável é mais concretamente marcado por

duas obras que apresentam um grande esbatimento nos respetivos tons vermelhos.

Foi realizado, adicionalmente, um pequeno registo fotográfico da arte urbana, registado

em setembro de 2020 (Conferir anexo C). Este registo encontra-se incompleto devido

principalmente às condições climatéricas do dia, tendo este sido um dia chuvoso. Existiu uma

adversidade adicional para a captação de imagens devido aos residentes do bairro utilizarem os

passeios de algumas ruas enquanto estacionamento, o que dificulta, não só a visualização das

obras como também a captação fotográfica. Por último, este registo contemplou essencialmente

as obras situadas nas zonas de casas térreas do bairro devido às especificidades da câmara

utilizada que possuía uma lente de 55mm, o que aproxima a imagem e, tendo em conta os

relevos existentes na região, reduziu a capacidade de retirar fotos às zonas prediais.

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3.4- Impactos das intervenções e mudanças registadas

O Bairro Padre Cruz passou por uma enorme transformação imagética, através da ação

de limpeza do bairro e das iniciativas que nele foram realizadas. Nesta secção, o objetivo é

entender como a comunidade acompanhou essas mudanças e se a imagem para o exterior se

modificou. Desse modo, esta seção compreende as conversas informais realizadas com as várias

instituições e artistas, uma descrição da visita guiada, coberturas media sobre o bairro e assim

como, uma tentativa de entendimento da situação turística deste.

As conversas informais foram realizadas nas fases iniciais deste estudo, que decorreram

entre o período de dezembro de 2018 e abril de 2019, são bastante importantes, pois servem de

ligação entre as vivências no bairro antes das renovações urbanas e as vivências no bairro de

hoje. Muitos destes agentes possuem, também, fortes laços com a comunidade, o que confere

perspetivas mais próximas e, muitas vezes, pessoais. Seguir-se-á um breve resumo destas,

organizadas por instituição. No caso dos artistas, um é devido à sua participação nos projetos

de 2016 e pela sua experiência artística enquanto old-school artist, e o outro, apesar de não ter

participado nas obras do bairro, possui um base de estudos académicos artísticos, o que permitiu

formular algumas das considerações em 3.3.

Na conversa formal com Gonçalo Ferreira, da JFC, que terá ocorrido em dezembro de

2018, abordou-se sobretudo os concursos de graffiti dos anos 90 e as iniciativas de 2016, com

a candidatura ao projeto BIP-ZIP e a organização do “Festival MURO LX_2016”. Foi,

adicionalmente, relatado que as visitas guiadas pela arte urbana naquela altura eram sobretudo

realizadas pela GAU, pela BNC e pela BC.

A conversa com o Presidente Fábio Sousa, da JFC, ocorreu em fevereiro de 2019. Ao

ser questionado acerca das mudanças no bairro, este indica que estas se manifestaram

principalmente de duas formas. Por um lado, passou a existir uma maior preocupação dos

habitantes com a limpeza e manutenção dos espaços do bairro. Por outro, verificou-se uma

mudança enorme em relação à imagem do bairro nos media. Neste segundo ponto, Fábio Sousa

recorda que, quando acedeu ao cargo, em 2013, ao pesquisar por “bairro de Carnide”, a maioria

dos resultados consistia em violência e em notícias depreciativas em torno da área geográfica,

mas que passou a conferir-se uma mudança bastante relevante em que as coberturas passaram

a incidir sobre as feiras de Carnide e as iniciativas de arte urbana. Fábio Sousa indica também,

em relação à presente vaga de realojamento da população, que, apesar de ter havido alguma

resistência, especialmente da população mais idosa, considera que a arte urbana veio melhorar

o sentimento de autoestima.

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A conversa com a GAU, em dezembro de 2018, teve sobretudo a presença de Hugo

Cardoso e, em alguns momentos, a colaboração de José Vicente. Na entrevista, foi questionado

o motivo da escolha do Bairro Padre Cruz para tais iniciativas. As razões mencionadas foram:

a criação de novas centralidades e a valorização do património municipal, de modo que a este

fosse conferido um maior poder local e um movimento associativo mais forte. A GAU forneceu,

adicionalmente, materiais adicionais para análise, muitos dos quais se encontram nas

referências bibliográficas deste estudo, como um livro sobre o Muro Lx_2016 e revistas

periódicas.

A entrevista a Paulo Quaresma, da BC, foi realizada em janeiro de 2019. Nesta conversa,

realizada no Espaço Boutique da Cultura sob forma de uma conversa particular, foram

abordados vários tópicos, sendo um destes as séries de realojamentos no bairro e os concursos

de graffiti que foram realizados com o intuito de minimizar os efeitos da fraca essência

identitária e comunitária associada de tais realojamentos. Ao se abordarem os projetos de 2016

e ao ser questionado por um certo número de visitantes, Paulo Quaresma indica que foram

realizadas cerca de 50 visitas de grupo em 2017, que resultaram em cerca de 900 visitantes

nesse ano. Por fim, uma das últimas questões apresentadas referiu-se à questão da criminalidade

e da existência ou não de dados que corroborassem uma descida do índice de criminalidade no

bairro, à qual Quaresma respondeu que o índice de criminalidade, à época, era já bastante baixo.

Marta Mateus, da mesma entidade, e em conversa informal no mesmo período, foi

questionada acerca das iniciativas e das visitas guiadas. Marta, que esteve presente quando as

obras estavam a ser realizadas pelos artistas, falou em maior detalhe sobre algumas das

experiências e interações entre a população e os artistas. Uma das histórias que Marta contou

foi que, enquanto um dos artistas se encontrava a pintar um dos murais nas zonas prediais, foi

pedido ao artista para prestar homenagem na sua obra a uma pessoa que tinha morrido naquele

prédio. Apesar do projeto já se encontrar praticamente terminado, o artista - Nomen - inscreveu

o número 71 na sua obra, número relativo ao número do prédio, mas que passou também a

representar um momento de luta naquele local, ação que, segundo Marta, agradou bastante os

seus habitantes. Relativamente às visitas guiadas no território, Marta Mateus é uma das

operacionais da BC.

A conversa na BNC aconteceu em março de 2019 e foi realizada com Rosário Cotrim,

coordenadora da instituição. O tópico central da conversa girou em torno das visitas guiadas

realizadas pela biblioteca, que adotou a estratégia de organizar atividades repartidas por vários

grupos: estudantes, idosos e crianças. Tais ações compreendem atividades lúdicas, como jogos

de memória, pedipapers - atividade que envolve o percurso pedestre com a resolução de tarefas,

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como as de responder a questionários ou associação de fotografias a locais – bem como,

descrições das técnicas e história da arte urbana. Rosário Cotrim foi também questionada acerca

da preocupação da população com a conservação das obras. Respondeu com o relato de um

acontecimento aparentemente banal, mas que revela, em alguma medida, os ânimos da

comunidade: um jovem realizou um tag numa parede em frente à biblioteca e um outro jovem

ficou bastante indignado com essa ação.

Ana Paulos, coordenadora do projeto “Bola P’ra Frente”, da Associação Nacional de

Futebol de Rua, organizou um grupo de jovens dispostos a relatar as suas experiências e

opiniões em abril de 2019. A sessão de grupo contou com cerca de 15 jovens, entre os 7 aos 18

anos, que relataram as suas perspetivas enquanto moradores do bairro. A maior parte das

opiniões foram positivas em relação às instalações no bairro, contendo algumas comparações e

opiniões negativas subjetivas sobre alguns murais artísticos, mas, positivas em relação ao

produto final presente no bairro.

A conversa com Nomen ocorreu em visita ao seu estúdio, em Oeiras, em janeiro de

2019. Esta teve como foco principal os primórdios do graffiti e da arte urbana em Portugal,

assim como das motivações para este se constituir enquanto artista. Nomen indica que iniciou

a sua atividade em 1989 e que não existia quase ninguém a fazer o mesmo. Ao ser questionado

em relação aos concursos de graffiti dos anos 90 no bairro, o artista recorda a sua presença e

comentou que sentiu alguma “tensão”, ao ponto de ter receio de ser assaltado, mas que o mesmo

não se passou em 2016. Em termos da sua opinião em relação ao nosso paradigma da street art

ou arte urbana, o artista indica que considera que a cultura do graffiti sofreu bastante com a

comercialização porque esta passou a ser a maior motivação para as pessoas se introduzirem no

cenário do graffiti e street art. Nomen acrescenta ainda que, os novos artistas, muitas vezes

académicos e de outras gerações, não possuem a experiência dos primórdios do graffiti em

Portugal e que, portanto, as obras destes possuem menos valor.

Adicionalmente, existiu a conversa com o street artist Robô, a qual foi abordada em 3.3

ao se abordar acerca da importância da ilegalidade no graffiti e street art. O contacto com este

artista foi estabelecido após informação equívoca de que este teria participado nos projetos

artísticos de 2016. Após o ocorrido, adaptou-se a conversa para o cenário do graffiti e arte

urbana generalizado, composto por uma visão de um street artist com formação artística, e o

qual participou em várias iniciativas até aos dias de hoje, como o festival “InSTR” de Santarém

e o festival “Paredes com História” de Leiria. Embora não tenha participado nos acontecimentos

do bairro, a conversa com o artista fornece pontos de vista interessantes acerca do cenário do

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graffiti e street art em Lisboa, bem como do mencionado anteriormente, em relação à formação

dos artistas.

As conversas informais aqui relatadas, vagamente inspiradas no conceito de observação

participante, foram um canal importante de informação e permitiram um maior conhecimento

sobre as iniciativas ocorridas no bairro, os acontecimentos, os procedimentos e as mudanças

observadas. Apesar das conversas possuírem um grau de conversa pouco formal, o objetivo

destas era o da comunicação com pessoas de vários círculos, interligadas aos tópicos centrais

do estudo, com o intuito de possuir um olhar mais aproximado do cenário em que o bairro se

encontra e as mudanças ocorridas. A maior parte dos tópicos abordados nas conversas são

analisados, em momento determinados, neste estudo. Alguns foram introduzidos casualmente

ao se falar abertamente dos acontecimentos, pelo que as conversas informais foram bastante

benéficas neste estudo. Um objetivo inicial seria o de falar informalmente com mais artistas, o

que não foi possível. Existiu, igualmente, a tentativa de falar com algumas das entidades de

gestão do bairro, como a GEBALIS, a CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens)

situada no bairro, a Associação de Moradores do Bairro Padre Cruz e as escolas de ensino

primário e básico lá instaladas.

Outro canal de informação relevante são as visitas guiadas. Quando ocorreram as

instalações da arte urbana, que suscitaram não só o interesse da comunidade local, como

também o de populações de fora, surgiu a oportunidade de criar programas de visitas guiadas

pelo bairro. Neste sentido, e considerando a oferta atual, existem duas vertentes: uma que surge

de uma colaboração entre as várias entidades que participaram nas iniciativas artísticas públicas

e uma outra, organizada por empresas alheias à realidade do bairro, ligadas à área do turismo.

A primeira vertente consiste em repartir funções entre algumas das entidades ligadas à

arte urbana e ao bairro. A GAU teve um papel duplo: de um lado, em parceria com as várias

entidades presentes nas iniciativas, procedeu à realização de sessões de formação para habilitar

pessoas para a realização de visitas guiadas; por outro lado, a própria GAU realizou visitas

guiadas especialmente direcionadas para escolas dos 2º e 3º ciclos, universidades e associações

ou clubes culturais, sem fins lucrativos. A BC também organiza visitas guiadas, em colaboração

com a JFC, pelo menos uma vez por mês, aos domingos, e com o custo de 4€. Segundo Paulo

Quaresma da BC (como foi anunciado anteriormente), esta contabilizou cerca de 50 visitas e

acompanhou cerca de 900 visitantes pelas ruas do bairro no ano de 2017. A BNC investiu

também na realização de visitas, envolvendo conteúdos mais lúdicos e especialmente

direcionados para escolas e grupos de idosos.

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A segunda vertente consiste na oferta de roteiros realizados por empresas de turismo, que

procuram explorar o novo fenómeno da arte urbana realizando passeios pagos, a maior parte

destes sem trajeto pedestre, talvez devido à possibilidade de uma realização de visita mais

rápida. Um destes exemplos é a empresa Estrela D’Alva Tours, com o roteiro “The Real Lisbon

STREET ART tour”, cujo preço por visita ronda os 35€ por pessoa.

As duas vertentes são bastante diferentes, sendo que uma é realizada pelas entidades que

participaram nos projetos e a outra é por empresas exteriores. A primeira, ao ser realizada por

pessoas que estiveram presentes quando as obras se encontravam em execução, pode fornecer

informações pertinentes sobre as técnicas, os materiais e até a nível do contacto com os artistas.

A nível da promoção dos roteiros, estes por canais tradicionais, como os flyers, muitas vezes

dispostos na sede da BC ou na JFC, e por canais online, como a promoção destes por via das

páginas de facebook das várias entidades e pelos seus sites, poderá limitar o público a que

consegue chegar. É necessário que o visitante se interesse pelo bairro ou pela arte urbana até

que chegue a essas informações, ou que habite nos locais de distribuição dos flyers, pelo que

limita o público visitante a um público que reúna as condições apresentadas pois os canais de

comunicação encontram-se limitados.

A segunda vertente, apesar de não ter a experiência de campo que a primeira vertente inclui,

apresenta as vantagens de serem canais de turismo pré-estabelecidos. Isto significa que, com a

interação dos sites de turismo, é possível que estes tenham um roteiro de arte urbana que possa

captar a atenção dos visitantes do site, o que não implica necessariamente que estes possuam

um interesse prévio pelo bairro ou pela arte urbana. Através deste meio, são capazes, então, de

atrair públicos de locais mais afastados ou com interesses diferentes.

No entanto, sendo dada a opção a nível de preço e experiência, tendo em conta que as

visitas da BC são bastante mais acessíveis a nível monetário e que os guias tiveram uma

vivência especial com o objeto de consumo, caso os canais de informação das visitas guiadas

fossem melhorados, seria possível uma maior adesão às visitas guiadas do primeiro exemplo.

No âmbito deste estudo, foi acompanhada uma visita guiada pela arte urbana no bairro em

março de 2019. A visita guiada foi realizada por Marta Mateus, da BC, e José Amaral, um

morador do bairro e entusiasta da arte urbana. O ponto de encontro foi o Centro Cultural de

Carnide, situado na Rua do Cávado, no bairro. O trajeto perfez um círculo, o que permitiu a

visualização de todas as obras disponíveis. A visita iniciou-se nas casas de alvenaria, onde se

situam a maioria das obras, e só depois seguiu para as zonas prediais. A visita durou quase 2

horas em passo lento. Marta Mateus, ao guiar a visita, falou das suas experiências pessoais com

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os artistas enquanto estes pintavam os murais, mas também realizou uma descrição das técnicas

e materiais que estes usaram. No turismo, acompanhar uma visita guiada com alguém bastante

informado sobre os tópicos é de extrema importância. Marta, ao se encontrar presente nos

projetos artísticos, conseguiu fornecer descrições pormenorizadas, as quais serão praticamente

impossíveis provindas de alguém sem ligação ao território ou aos acontecimentos deste.

Este súbito interesse em estimular o turismo pelo bairro foi bastante fomentado pelos

media. Anteriormente, foi abordada a realidade de que a imagem generalizada do bairro era

algo negativa, mas essas iniciativas, em 2016, levaram a que o Bairro Padre Cruz recebesse

tamanha atenção que passou a ser mais reconhecido pelas obras de arte urbana do que pelo

passado de criminalidade existente. Jornais como o Público, Diário de Notícias, Jornal de

Notícias e revistas como a Mutante e a TimeOut escreveram artigos sobre a arte urbana no

bairro, de pontos de vista diferentes, mas que encorajavam a visita por parte dos leitores.

A cobertura nos media levou a que passassem a existir páginas com sugestões de roteiros

pela arte urbana, não só no BPC, como também roteiros maiores, que incluíam outras regiões e

bairros lisboetas, como Telheiras e Lumiar, tendo por exemplo os realizados pela empresa

Green Trekker. Os roteiros e as coberturas mediáticas não só alteraram a imagem percecionada

do bairro para a população geral, como também permitiram uma maior reaproximação deste ao

cenário lisboeta, ao interagir com outras regiões com presença de arte urbana.

Os roteiros e a formação para as visitas guiadas incrementaram as visitas turísticas numa

região onde esta atividade era praticamente nula. O número conferido pela BC, de 2017, indica

que o bairro recebeu cerca de 900 visitantes, como já referido, e é possível também confirmar

a realização de visitas por via de outras empresas, como a Estrela D’Alva Tours e a Green

Tekker, pelo que pode-se afirmar que o bairro recebeu um número ainda superior ao fornecido

pela BC. No entanto, mesmo considerando apenas os 900 visitantes da BC, pode dizer-se que

é um número bastante relevante quando se fala de um bairro municipal periférico e uma região

nada preparada para acolher turistas.

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4- Reflexões

No decorrer deste estudo foram abordados múltiplos tópicos conceptuais. A questão de

investigação, a qual resume a direção geral do estudo e sobre a qual se procuram respostas,

sendo esta: “de que forma a arte urbana contribui para a imagem do bairro em termos de

transformação social, incremento turístico e integração do bairro no cenário lisboeta e

internacional?”, leva a que o estudo necessite de levar uma abordagem pluridisciplinar de modo

a entender as interações entre os itens nela presentes. Consequentemente foram abordados

tópicos não presentes na questão de investigação, mas pertinentes para o estudo generalizado e

que servem como conectores entre os itens da questão.

Desta forma, a presente secção pretende refletir sobre o todo do estudo, porém

utilizando esta secção para realizar uma conexão entre os capítulos mais teóricos, o primeiro e

segundo, e o capítulo do estudo de caso.

4.1- Arte Urbana: de Marginal a Mainstream

Foi, desde cedo, importante no estudo procurar analisar a origem dos itens artísticos e,

através da análise histórico-geográfica foi fácil entender que os fenómenos do graffiti e da street

art eram sobretudo encontrados em locais de passagem, zonas empobrecidas e lugares de

habitação de populações minoritárias. O estabelecimento de que estes exercícios possuíam o

objetivo de comunicar com a população geral, aliado às suas localizações geográficas,

confirmou que este é um exercício com raízes sucbculturais e fomentados, na sua maioria, pela

opressão de determinados grupos de indivíduos.

A norma social determina que os indivíduos em sociedade se comportem de acordo com

um determinado código de valores e formas de pensar, apresentando geralmente aspetos

coincidentes em várias culturas e sítios de atuação. O exercício do graffiti, no entanto,

apresenta-se como desviante, pois vai contra o que é pré-estabelecido em vivência comunitária.

É um exercício que adultera a paisagem urbana sem consentimento dos proprietários ou do resto

da comunidade.

Uma nova visão dos fenómenos foi vastamente influenciada pelas evoluções dos

mesmos que, embora não anulassem o exercício primordial do graffiti, se basearam neste e

complexaram as suas obras, tanto em termos da dimensão dos murais, como em termos de

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variedade de técnicas, instrumentos e formas artísticas. Esta rápida evolução, que passou para

a street art ou arte urbana, levou ao interesse de museus e galerias de arte em levar a arte de rua

para dentro das instalações artísticas. Este novo movimento, pouco convencional para os street

artists da altura, criou as bases para que, algumas décadas mais tarde, surgisse uma nova forma

de transformação imagética urbana, caracterizada pela pintura em paredes e edifícios

autorizados por entidades ligadas à arte urbana ou gestão do espaço público, como câmaras

municipais, por exemplo. A criação de entidades para a promoção e salvaguarda desta tipologia

de arte foi um exercício revolucionário. Levou à criação de projetos, como festivais e

exposições em torno da arte urbana, o que permitiu uma visão aprimorada dos fenómenos

através do seu exercício, mas, também, pôde conferir aos street artists lugares de destaque. E,

elevando-se a arte urbana para um novo paradigma social, não visto enquanto uma atividade

marginal, mas sim um exercício artístico e o writer enquanto artista e não vândalo, passou a

existir uma maior aceitação por parte do público em geral.

Esta forma de arte urbana suprime ou adultera alguma das características-base dos seus

antecessores - graffiti e street art. Ao retirar a arte das ruas, estar-se-á a desconectar o fenómeno

das suas raízes culturais e a desprover significado ao seu conceito, pois os fenómenos adjacentes

à arte urbana não são apenas uma forma artística, são frutos das subculturas e pertencentes aos

locais de habitação destas. O estabelecimento da street art em museus e galerias de arte vai,

adicionalmente, diretamente contra tudo o que é apresentado nas suas várias nomenclaturas.

Subsequentemente, a característica da efemeridade é também afetada, pois esta é demarcada,

muitas das vezes, pela deterioração das obras pelas condições atmosféricas ou por via de outros

writers contribuírem numa obra já pré-estabelecida. Para uma peça que se encontre em

exposição num local como um museu, torna-se impossível a sua alteração ou modificação

constante.

O graffiti, contudo, continua a ser um exercício controverso para a generalidade da

população, ou seja, apesar de possuir as suas raízes subculturais, não significa que tenha ganho

reconhecimento nas sociedades em que se insere. Continuam a existir sanções a quem realiza

graffiti, o que não acontece com a arte legalizada, sendo que a arte urbana legal poderá ter

criado ainda mais distinção entre os dois conceitos e a sua forma de ser visualizada. Ao

considerar que a arte urbana se insere num patamar superior da arte pública em contraste com

o graffiti, um exercício vulgarmente considerado marginal, estar-se-á a retirar interesse ao

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graffiti em detrimento da arte urbana e continuamente a depreciá-lo enquanto esforço vandálico

e fruto da criminalidade.

A contínua distinção apresentada acerca do valor apercebido das demonstrações

artísticas urbanas leva a divisões na comunidade. Separar o valor das obras urbanas de artistas

com formação artística das de artistas old school devido à diferenciação de vivências que estes

tiveram é válido no sentido em que as suas experiências foram bastante diferentes, no entanto,

não significa que umas obras se insiram num patamar superior às outras. Existem vários fatores

que podem fazer com que uma obra seja mais valorizada do que outra no seu nível base como

a capacidade artística em termos de desenho, composição ou até de transmissão de mensagens,

mas o valor real da arte é subjetivo pois é dependente das preferências de quem o vê: o público.

O carácter legal abordado no presente estudo não posiciona igualmente a arte num patamar mais

elevado, procura apenas uma abertura maior ao cenário da arte urbana a um leque de artistas

mais diversificado e, consequentemente, uma mostra artística mais significativa às populações.

Ou seja, assim como os projetos urbanísticos legais se mostram disponíveis a acolher artistas

de formações diferenciadas, assim deveria ser o mesmo com uma maior predisposição por parte

dos artistas old school em dar relevância às técnicas, mensagens e cenários históricos. Desta

forma, conseguir-se-ia uma verdadeira colaboração artística generalizada, algo benéfico para

todos os intervenientes através da coparticipação.

O Bairro Padre Cruz é um local caracterizado enquanto bairro periférico da cidade de

Lisboa e cenário para várias iniciativas artísticas, com destaque para as ocorridas em 2016.

Previamente a estas, o bairro possuía já várias presenças de graffiti e street art, o que tornou

estas tipologias artísticas já relativamente conhecidas para a população. Não significa, no

entanto, que a maioria não pensasse nestas enquanto comportamento marginal. Contudo a

escala da arte urbana que passou a existir no bairro foi completamente diferente. O que passou

a existir foi uma demonstração artística de dimensão especialmente relevante, apresentando-se

enquanto uma espécie de galeria ou museu a céu aberto, uma multitude de obras artísticas e

projetos num só bairro. Obras artísticas estas conseguidas através de vários projetos legalizados,

aprovados e apoiados por múltiplas entidades, como mencionado em 3.4.

Apesar de este ser considerado um dos maiores bairros da Península Ibérica, foram

englobadas nesta região mais de cem obras num espaço temporal inferior a um ano, com a

dimensão de muitas destas a ocupar fachadas inteiras de prédios com 6 andares. O graffiti e a

street art, que funcionam em ocupar espaços públicos determinados para a publicação das obras

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58

de índole artística, escolhem o lugar sem a autorização dos habitantes. A conduta das entidades

para o exercício legal dos projetos pode também ter conduzido a uma aceitação mais facilitada

por parte da população pois todos os projetos foram aprovados pelas pessoas que viviam no

sítio onde iriam colocar as obras. Para os projetos serem realizados, procedeu-se também a uma

limpeza das ruas, a qual acabou por remover a grande maioria do graffiti no bairro. Este número

avultado de obras não foi observável em mais nenhuma das iniciativas do Festival MURO

LX_2016 ou do projeto BIP-ZIP, o que leva à conclusão de que, apesar de existir uma continua

aposta na transformação imagética urbana através da arte urbana, talvez tivesse existido um

excesso de obras num só local. Isto pode ser também reportado por se tratar de um bairro

municipal com uma área geográfica considerável, mas ao tratar-se de dois projetos da mesma

índole num curto espaço de tempo, conduziu a maiores mudanças entre a população e a

perceção externa. As obras também que se passaram a verificar, fruto das ações de limpeza,

consistiram todas em iniciativas legalizadas o que poderá ter fomentado uma visão mais

benéfica do ocorrido para públicos exteriores.

É possível visualizar os diferentes critérios de determinação do que é artístico ou não

por via do regime legal. O graffiti que o bairro continha anteriormente era considerado enquanto

comportamento marginal, e por isso foi alvo das ações de limpeza enquanto as instalações de

2016 foram consideradas enquanto movimento artístico. Existiam, no entanto, obras estimadas

pela população que se foram perdendo, e embora sem saber se devido à limpeza ocorrida, foram

pedidas às entidades para reporem - como o caso da obra de Carlos Raimundo, numa das

entradas do bairro. Esta é uma exceção à predisposição de que a street art ou o graffiti são

apenas exercícios marginais e representa também a vontade da população em possuir aquela

obra especificamente no espaço onde havia sido realizada. A arte urbana neste caso encontrou-

se a repor de forma legal uma obra consumada ilegalmente anos antes.

Outro aspeto interessante é o de tentar inserir algo previamente considerado enquanto

marginal e vandálico numa região visualizada dessa forma. Como se, de acordo com as leis da

matemática, duas forças negativas dessem um resultado positivo, as iniciativas artísticas foram

implementadas no bairro com intuitos benéficos, tanto para a população, como para as entidades

que participaram nos projetos. Adicionalmente, estas iniciativas chamaram a atenção dos

media, que contribuíram imenso em conceder uma nova imagem ao bairro.

Page 59: A Comercialização da Arte Marginal e os seus Impactos nas ...

59

4.2- Arte Urbana e o Turismo

O turismo, como foi analisado no capítulo 2 (Arte Urbana e o Turismo: Impactos nas

Comunidades Locais), é um dos maiores motores económicos atualmente. Faz uso de uma

relação sinergética com a cultura para motivar a deslocação de pessoas do seu ambiente

habitual. Foi possível conectar a arte urbana – e os fenómenos contíguos – à noção de cultura

por via do seu conceito abrangente, mas também por serem exercícios artísticos com raízes

subculturais.

Um dos tópicos relatados na questão de investigação é o do posicionamento do bairro

num contexto turístico e se esta atividade terá sido incrementada por via da arte urbana. No

entanto, sendo este um bairro municipalizado e não uma atração turística estabelecida, os dados

sobre a atividade turística antes de 2016 não existem. Pode ser por não se terem estabelecido

registos ao longo dos anos, ou o cenário mais provável, que é a procura turística não ser

relevante ao ponto de se necessitar de manter registos.

É possível também, que anterior a 2016 não existisse muito conhecimento sobre o

bairro, sendo que até nas comunicações sociais atualmente, a maior parte dos registos é sobre

os projetos artísticos urbanos.

No entanto, ao analisar e ao receber os dados que a BC forneceu sobre o número de

turistas registado em 2017 através das visitas ao bairro, surgiu o interesse de estudar o porquê

de existirem motivações em visitar locais usualmente conhecidos enquanto marginais. Aqui

encontramos os conceitos de periferização e autenticidade, onde é possível estabelecer

características comuns do bairro com estas. As constantes mutações a nível das tendências

turísticas e uma vasta saturação do turismo massificado, levam a que certos visitantes sintam

interesse em visitar locais ou regiões com pouca presença de turistas. Estes tipos de visitantes

procuram visitar locais periféricos ou que ocupem o backstage de uma região bastante

movimentada turisticamente e observar o dia-a-dia das populações. Estes locais são zonas que,

na maioria das vezes, possuem vários problemas estruturais, como o empobrecimento

generalizado da população, confrontos sociais e uma perceção exterior destes enquanto locais

marginalizados. Em cenários internacionais, é-nos tipicamente apresentada a noção destes

conceitos através da observação de exemplos de favelas- No entanto, é possível aliar outros

locais a estas características, como os bairros municipais. Os bairros municipais, apesar de

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60

consistirem em locais com facilidade de habitação para pessoas mais carenciadas

economicamente, consistem também, como já foi abordado, em locais onde os realojamentos

forçados são algo recorrente e com pouca preocupação das entidades de gestão do território

para com a inserção das novas populações nesses locais. Estas situações constituem-se bastante

perturbadoras para os vários intervenientes pelo que deveriam ser de extrema importância, de

modo que seja possível a redução de conflitos internos.

É do interesse do turismo capitalizar numa variedade de locais, pelo que existem

esforços em tornar muitos destes enquanto ativos turísticos, o que poderá ser prejudicial para

muitos, caso não exista um planeamento prévio ou a não preocupação com a população

residente. A atividade turística, poderá, no entanto, ter consequências ou impactos positivos

numa região, por via de aumentar a economia local e conceder-lhe uma maior visibilidade.

O Bairro Padre Cruz, possuindo uma economia reduzida, concentrando em si apenas

pequenos negócios e o qual é composto por habitações municipais ou associações e entidades

ligadas ao serviço da comunidade, ao ser apresentado a um turismo massificado ou apenas

desregulado, poderia passar a sentir as pressões de co-dependência do turismo a longo prazo.

Tal como o Bairro Padre Cruz, este tipo de iniciativas artísticas foi realizado em diversos outros

bairros municipalizados. Os contínuos esforços das entidades ligadas ao projeto em se

manterem informadas sobre os sítios onde operaram, demonstram uma preocupação com o

bem-estar dos seus habitantes. Apesar de existir o interesse em tornar estes locais enquanto

locais passíveis de receber turistas, não aparenta que esta seja a maior motivação para a

implementação das expressões artísticas urbanas. Segundo a GAU, a JFC e BC, o bairro, através

da sua história de contínuos realojamentos populacionais, concentrava em si uma fraca essência

identitária e um débil sentido comunitário, pelo que os objetivos do estabelecimento dos

projetos e da inserção da população na confeção destes, eram os de promover a coesão social.

No entanto, foram realizados esforços para a realização de roteiros turísticos no bairro,

pelo que surgiu a necessidade das entidades se estabelecerem com a indústria turística. Este

contacto poderá ter várias motivações. Uma destas poderá ser tentar estabelecer o bairro

enquanto um maior motor económico, através de um rejuvenescimento nos negócios locais. A

melhoria de imagem do bairro poderá ser outra, por via de demonstrar à população exterior que

o bairro é um organismo recetivo ao recebimento de pessoas exteriores, o que por sua vez apela

ao esquecimento da ideia de passado criminal da zona. E, ainda, estabelecer uma maior

autoestima na população, ao tentar passar a imagem para as comunidades de que o património

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61

e cultura no bairro devem ser preservados e estimados, por via de existirem pessoas motivadas

a visitar o bairro.

Existiu, a possibilidade da presença turística no bairro se ter constituído enquanto

negativa. Todavia, não se parecem ter registado ações significativas por via do turismo. Não

parece ter existido um aumento do poder económico local, sendo que se existisse, estabelecer-

se-iam outros negócios ou existiria inovação nos existentes, mas a esse nível o bairro parece

ter-se mantido intacto. As visitas turísticas aconteceram e ainda parece existir insistência de

entidades como a BC em roteiros ao bairro. Porém, apesar dos dados de 2017 serem relevantes,

não existem registos adicionais que demonstrem que o turismo no Bairro Padre Cruz tenha

apresentado um crescimento exponencial. Em termos da autoestima no bairro, o que pode servir

como indicador favorável a um aumento desta no local seria o da preservação - ou não

destruição - das obras dos projetos artísticos. Isto demonstra que existe uma preocupação da

população em manter as obras inalteradas por enquanto, já desde o ano de 2016.

4.3- Transformação Social

O estudo das comunidades locais e das relações entre a arte urbana e o turismo permitiu

que se procurasse entender as motivações das entidades e autarquias na introdução da arte

urbana nesses locais. Através da análise histórico-geográfica foi possível posicionar os

concursos de graffiti dos anos 90 numa época de tensões sociais no bairro, através de múltiplas

vagas de realojamentos em poucos anos. Os programas artísticos de 2016 instalaram-se numa

altura com o mesmo clima social. O que poderá ser indicativo de que a introdução destes

programas artísticos terá a ver com mudanças registadas nos tecidos sociais após estes

estabelecimentos.

O tópico da coesão social abre a discussão sobre se os resultados esperados pelas

entidades foram de facto atingidos. As repetidas tentativas de iniciativas artísticas urbanas deste

foro no bairro e noutros bairros similares, demonstram o esforço constante das autarquias em

investir nestes locais para fomentar algum tipo de mudança, mudança esta que poderá ter como

objetivo final ou característica a coesão social. E, algo indicativo de mudança, no caso do bairro,

poderá ser a preservação - ou não destruição - das obras, sendo que a grande maioria se encontra

intacta. Este argumento não é, no entanto, completamente indicativo do surgimento de um

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62

sentido comunitário, podendo ser apenas formado por ações individuais na não destruição deste

novo património artístico.

Para existir coesão social e sentido comunitário num local que está em constante

mutação e em reação a múltiplas entradas e saídas populacionais, deverá existir um

entendimento prévio de que se está a lidar com diferenças culturais relevantes. A chave para

solucionar os problemas comunitários passa, na sua maioria, por atenuar as diferenças culturais

ao fomentar o respeito intercultural. Esta ligação entre culturas procura ser realizada já há

bastante tempo através de centros comunitários no bairro, como a BNC, o Bola P’ra Frente e

locais que existiam anteriormente, como os ATL’s e a Ludoteca. Algo que a arte urbana poderá

ter feito aqui é tentar reconectar as populações através de um exercício artístico que funciona

de forma multicultural em si também. Os vários artistas presentes nas iniciativas possuem todos

variados backgrounds culturais, muitos destes provenientes de outros países ou zonas do país

e, as suas obras possuem, também, objetos bastante variados. A arte urbana, através desta

diversidade criou um espaço de maior intimidade no local de atuação, o que poderá ter

fomentado o diálogo entre as populações através do objeto comum que absorveu o bairro. Este

diálogo, subsequentemente, poderá ter contribuído para uma maior preocupação da população

para com a preservação das obras e limpeza e manutenção dos espaços públicos.

Outra consequência que adveio dos projetos de 2016, foi a avultada cobertura mediática

acerca das instalações artísticas no bairro, em que vários canais de media se interessaram em

explorar a mudança na paisagem urbana no bairro. Esta mudança, focada em demonstrar as

obras e os habitantes, em contraste às anteriores mostras de criminalidade, levou a que imagem

exterior passasse a ser positiva e esse sentimento poderá ter sido passado à população e ter

motivado a autoestima e coesão comunitária.

O interesse em realizar roteiros turísticos e promover as visitas pela arte urbana no bairro

foi uma das mudanças mais relevantes, pois conjuga as anteriores. Ao se valorizar um bairro

municipal ao ponto de querer fomentar a visita de populações exteriores por entidades ligadas

à gestão deste bairro e tendo em conta as tensões sociais e a falta de autoestima no bairro, leva

a população a achar-se mais valorizada e por vezes a entender que o que possuem nos seus

locais de habitação é de especial interesse para pessoas exteriores. No caso do bairro, através

da análise foi possível conferir que a grande maioria das obras se encontrava intacta, o que

serve enquanto indicador de uma preocupação generalizada na conservação da arte urbana. A

contínua realização de visitas através da BC – demonstra igualmente que ainda existem

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63

visitantes interessados em incorrer no roteiro, ou que, pelo menos, ainda há interesse das

entidades em promover a atividade turística na região. A população também tem aceitado bem

os visitantes. Isto poderá ser devido a não ser um turismo massificado ou opressivo, o que leva

a que a população reaja de forma menos sensível à entrada de pessoas.

4.4- Integração do Bairro Padre Cruz

A questão da investigação fala do posicionamento do bairro num cenário lisboeta ou

internacional, pelo que o turismo poderá ter auxiliado positivamente neste processo. Através de

um interesse generalizado na arte urbana, passaram a existir roteiros realizados para satisfazer

as necessidades da procura. No bairro não foi diferente. Não só passaram a surgir roteiros de

várias entidades com visitas guiadas, por via da BC, BNC ou GAU, como, também, empresas

turísticas exteriores passaram a querer fazer parte do processo, às vezes realizando visitas

guiadas entre vários bairros lisboetas. Este pode ser um fator a favor do posicionamento do

bairro enquanto mais próximo da cidade. Os canais media auxiliaram neste sentido igualmente

devido à publicidade que faziam ao bairro, e estando este integrado na cidade de Lisboa, ainda

que na periferia, poderá ter juntado os dois.

É mais difícil definir este impacto em termos de cenário internacional. Existe um

registo de uma visita guiada realizada pela GAU a estudantes de Erasmus de países diferentes,

como os Estados Unidos, Polónia, Bélgica e Alemanha. Apesar de ser uma notícia positiva

acerca do interesse de pessoas estrangeiras na arte urbana realizada num bairro municipal, não

chega a ser indicativo de que o bairro conseguiu inserir-se, de forma convicta, no cenário

internacional. No entanto, através das iniciativas artísticas, foram convidados vários artistas

estrangeiros para a realização de obras no bairro. Estes artistas poderão ter despertado o

interesse de várias pessoas ao redor do globo para os programas artísticos do bairro, através

das suas documentações nas redes sociais ou até após o feito, ao publicarem fotos com a

indicação do local. O facto de os artistas internacionais poderem ter posto o bairro no mapa

enquanto local de interesse para a arte urbana, pode ter feito surgir o interesse por parte de

vários públicos, podendo ter-se traduzido em visitas turísticas. No entanto, apesar de não

existir prova concreta, este aparenta ser um bom indício do estabelecimento do bairro num

contexto internacional, através da arte urbana.

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64

4.5- Reflexões sobre o futuro

Até ao momento foi tida em conta uma visão do Bairro Padre Cruz e da arte urbana – e

fenómenos contíguos –, na sua maioria, sob um alcance temporal curto, mais focado no presente

ou no futuro próximo. A reflexão aqui pretende incidir sobre o futuro de todos esses

intervenientes de discussão nesta secção tendo em conta as informações presentes em todo o

estudo e as prospetivas apresentadas.

Tal como determinado previamente, o BPC passou por várias transformações desde o

ano da sua criação. As múltiplas vagas de realojamento moldaram o bairro e fomentaram a

existência de tentativas de preparação das populações para novas entradas populacionais,

através dos centros de apoio à comunidade e à gestão de habitação pública. O cenário

atualmente presente no bairro, no entanto, é um de reestruturação da imagem urbana – não só

devido à arte urbana, mas também devido à reorganização do bairro. Esta última é uma que

ocorre desde 2012 e parece ter terminado com a demolição de cerca de 300 casas de alvenaria

e o realojamento de cerca de 167 até 2019 (Jornal de Notícias, 2019). No entanto, as obras no

bairro continuam contendo ainda o projeto dedicado à Feira Popular de Lisboa, a ser situada no

bairro, na zona de interligação com a Pontinha. Este projeto iniciou-se em 2016, mas ainda com

pouco progresso, pelo que se prevê que este se constitua num projeto demorado, talvez também

atrasado devido aos efeitos da pandemia do SARS-CoV 2.

Isto significa que, apesar de, neste caso não se falar de enfraquecimento de laços

comunitários por via de entrada de novas populações, pode prever-se que no futuro poderão

existir momentos de tensão novamente devido ao excesso de população para visitar a nova Feira

Popular de Lisboa.

Em termos da evolução do turismo no bairro, esta é uma análise dificultada. Como foi

possível verificar anteriormente, não existem mostras de turismo massificado no bairro. O

número de turistas não parece ter aumentado ou até sido mantido, pois caso tivesse ocorrido,

haveria uma maior necessidade de manter registos anuais (pelo menos). No entanto, com a Feira

Popular de Lisboa, e analisando num alcance temporal mais prolongado, é necessário ter em

consideração a dimensão do projeto que se pretende aplicar e a popularidade da índole do

projeto. Caso não exista preocupação com um planeamento estratégico do turismo e uma

preocupação com a população local, o turismo futuro no bairro, que é praticamente seguro de

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65

que irá ocorrer, poderá ser um turismo mais danoso para a população e área geográfica do que

recompensador.

Aquando da inauguração da Feira Popular de Lisboa é também possível uma nova ação

de limpeza do bairro, o que pode fazer com que se limpem registos anteriores de arte urbana

que se encontrem em degradação ou mesmo para fazer espaços para novos projetos artísticos.

Sendo que a Feira Popular de Lisboa se vai situar no bairro, existe a probabilidade que procurem

conceder uma imagem do bairro benéfica e que seguindo exemplos históricos, o façam através

da arte urbana. Não se pode excluir a probabilidade de existirem futuramente novos projetos

artísticos urbanos e que tornem a imagem de marca do bairro numa galeria ou museu a céu

aberto.

A arte urbana, como foi falada durante toda esta análise, parece estar continuamente em

crescimento. A facilidade na comercialização da arte e a mostra de interesse por parte tanto de

artistas de backgrounds diferentes e da população em recebê-los ou deslocar-se até eles, levam

a que a tração ganha pelas entidades responsáveis pelos projetos como os apresentados neste

estudo se concentrem em apresentar cada vez mais projetos, sendo estes cada vez mais

inovadores. As experiências obtidas das iniciativas realizadas na década passada têm servido

para educar o que poderá ser feito nos anos que se irão seguir. No seguimento do Festival

MURO LX_2016 do BPC, a GAU sentiu uma maior preocupação em conceder menos murais

aos bairros de atuação, mas de os posicionar em locais de maior importância. Ora, isto leva a

crer que este género de urbanismo será cada vez mais planeado de modo a demonstrar os

resultados que as entidades esperam, o que em si revela preocupação com os projetos e também

com as populações residentes. Este planeamento pode levar também à possibilidade de realizar

projetos mais focados numa temática em certos polos de atuação e em vez da maior

preocupação se revelar com a dimensão do projeto, talvez de se revelar em realizar projetos

mais curtos em dimensão e número de murais, mas das atuações das entidades se espalharem e

espelharem para outras regiões.

A própria arte urbana é algo em si que não parece ter estagnado até agora. São visíveis

sinais de constante evolução nas técnicas e materiais utilizados, bem como dos locais onde são

realizados e experiências académicas ou profissionais dos artistas.

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Considerações Finais

A arte urbana e os seus fenómenos contíguos tornaram-se numa tendência global. Aliada à

indústria turística, esta cria potencial para a movimentação exponencial de pessoas entre

regiões. A presente dissertação tem como objetivo o entendimento da origem da arte urbana, o

porquê do seu estabelecimento em locais marginalizados e a como é que conseguiu evoluir de

prática vandálica a produto comercializável para as massas.

De modo a entender melhor as implicações destes fenómenos foi selecionado um bairro

municipal, o Bairro Padre Cruz, o qual não só contou com a presença de iniciativas artísticas

por parte de organizações voltadas para os fenómenos em 2016, como também já tinha tido

projetos precedentes no final dos anos 90. Com o presente estudo de caso foi possível confirmar

a presença da atividade turística, ainda que em números pequenos relativamente a Lisboa. Foi

possível visualizar que a presença turística num destino pouco preparado não é necessariamente

negativa, quando esta não é em excesso, e que esta poderá fomentar a coesão comunitária e

orgulho de pertença, enquanto procura estimular as economias estagnadas.

Foi também possível entender que, através da arte urbana, foi possível uma nova

aproximação da capital e uma renovação da imagem do bairro nos media, que passou de um

bairro marginalizado, a uma espécie de museu a céu aberto.

O estudo de caso explanatório permitiu documentar uma espécie de arte conhecida pela sua

característica efémera, e por isso, com poucos relatos escritos. Esta documentação permitiu

também analisar o estado de preservação das obras e entender a preocupação das populações

com a sua deterioração, algo que neste caso foi positivo.

O presente estudo é sobre algo que pode ser tendencial, pois como foi demonstrado, este

bairro não terá sido o único a receber estas iniciativas como renovações imagéticas e, deste

modo, é um estudo que poderá ser transversal a outras regiões ou até outro género de renovação

urbanística. No entanto, o estudo possuiu as suas limitações. A falta de consenso nos conceitos

estudados, especialmente nos de graffiti, street art e arte urbana, são dificultadores de análise,

pois existem ainda mais conceitos adjacentes a estes e pouca diferenciação entre uns e outros,

pelo que poderão existir mais estudos sobre os tópicos, mas catalogados de forma diferente,

assim como existirão relatórios lidos que não serviram para a inclusão neste estudo porque o

conteúdo era inteiramente diferente do aqui abordado.

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67

Existiram alguns fatores que limitaram o estudo. A restrição deste a uma só região foi uma

decisão tomada para permitir o seu aprofundamento à região escolhida e apesar de se te terem

exemplificado outras regiões e outras iniciativas e muitas das características serem transversais,

não é subjetivo de que o terá limitado. No futuro a expansão desta forma de estudo poderá ser

construída a partir desta análise, com mais estudos de caso sobre regiões com as mesmas

características. Mesmo os próprios tópicos de análise eram bastante abrangentes, pelo que será

possível realizar um número infinito de análise sobre os temas presentes e tomar em linha de

consideração aspetos diferentes, através das suas interligações ou não, ou até das regiões em

que são aplicadas ou os seus alcances temporais.

Outra limitação adveio com a propagação da pandemia SARS-CoV 2, a qual veio limitar a

circulação e medidas de contactos. Anteriormente existia o objetivo de contactar com mais

entidades localizadas no bairro, de modo que estas se constituíssem ainda mais enquanto

importantes objetos de estudo. O contacto foi realizado com entidades como a GEBALIS, as

escolas do bairro e a Associação de Moradores, no entanto, infelizmente, não foi possível

conversar com estas e consequentemente obter informações valiosas. Porém, esta pode

manifestar-se como uma preocupação primária em novos estudos sobre o bairro, sendo que

estes são bastante reduzidos.

Referente ao turismo, seria interessante uma análise maior do turismo na região ou mesmo

dos efeitos do turismo em tempos de pandemia e observar os resultados observados em relação

à tipologia de turistas que procura visualizar arte urbana e street art, bem como de uma

representatividade em termos numéricos.

O que este estudo constitui é uma nova abordagem ao turismo contemporâneo, ao estudar

a direta aplicação dos conceitos de autenticidade e periferia numa região que era previamente

marginalizada, mas cuja opinião pública se alterou por via de uma prática anteriormente

considerada enquanto marginal. A realização de um estudo de caso numa região tão pouco

estudada acaba por contribuir para a literatura referente à região e conceder mais conhecimento

relevante. A elaboração de uma dissertação sobre o tópico da arte urbana, dada a sua

popularidade, é algo que continha já precedentes. Este estudo procura inovar através da

exploração de outras formas de atuação dos fenómenos. A associação a este do estudo das

comunidades locais e da associação dos tópicos à indústria turística pode revelar-se enquanto

uma mais valia para a literatura sobre todos os tópicos aqui abordados.

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68

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Público (2017, Março 27). Loures volta a receber festival de arte urbana em Junho..

Disponível em: https://www.publico.pt/2017/03/29/local/noticia/loures-volta-a-receber-

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Richards G. (2009). The Impact of Culture on Tourism. Disponível em:

https://www.academia.edu/

Schacter, R. (2013). The World Atlas of Street Art and Graffiti (PDF). ISBN:

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Simões, M. (2013). Graffiti e Street Art em Portugal (Dissertação de Mestrado, FLUL).

Disponível em: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/12225

Turismo de Portugal, I.P. (2016). Estratégia Turismo 2027. Disponível em:

https://estrategia.turismodeportugal.pt/sites/default/files/Estrategia_Turismo_Portugal_ET27.

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Underdogs (n.d). Underdogs. Disponível em: https://www.under-dogs.net/pages/about

UNWTO (2017). Tourism and Culture. Disponível em: www.unwto.org/tourism-and-

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UNWTO (2019). International Tourist Arrivals Reach 1.4 Billion Two Years Ahead of

Forecast. Disponível em: https://www.unwto.org/global/press-release/2019-01-

21/international-tourist-arrivals-reach-14-billion-two-years-ahead-forecasts

UNWTO (n.d.). Glossary of tourism terms. Disponível em:

https://www.unwto.org/glossary-tourism-terms

Urry J. (2002). The Tourist Gaze (2º ed.). EUA: Sage Publications Ldt

Viale, A. (2018). Estampas do Quotidiano: Um Novo Veículo Cultural a partir de

Visualidades Urbanas Encontradas nas Superfícies das Cidades (Dissertação de Mestrado,

FLUL). Disponível em: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/36325

Visual Street Performance (2007). Visual Street Performance/2007. Lisboa: Zest

Waclawek, A. (2008). From Graffiti to the Street Art Movement: Negotiating Art World,

Urban Spaces, and Visual Culture, c. 1970-2008 (Tese de Doutoramento, Concordia

University). Disponível em: https://spectrum.library.concordia.ca/976281/1/NR63383.pdf

Page 72: A Comercialização da Arte Marginal e os seus Impactos nas ...

72

Apêndice

Listagem das obras resultantes das iniciativas artísticas presentes no Bairro Padre Cruz atualmente

Nº Estado de Conservação

1 Bom estado de conservação

2 Bom estado de conservação

3 Bom estado de conservação

4 Existente, com esmorecimento das cores

5 Bom estado de conservação

6 Bom estado de conservação

7 Bom estado de conservação

8 Existente, com esmorecimento das cores relevante

9 Bom estado de conservação

10 Bom estado de conservação

11 Bom estado de conservação

12 Bom estado de conservação

13 Bom estado de conservação

14 Bom estado de conservação

15 Presença de tags

16 Bom estado de conservação

17 Bom estado de conservação

18 Bom estado de conservação

19 Presença de tags

20 Existente, com bastante esmorecimento das cores.

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73

21 Bom estado de conservação

22 Existente, com leve esmorecimento das cores

23 Bom estado de conservação

24 Bom estado de conservação

25 Bom estado de conservação

26 Bom estado de conservação

27 Bom estado de conservação

28 Bom estado de conservação

29 Existente, com leve esmorecimento das cores

30 Bom estado de conservação

31 Bom estado de conservação

32 Bom estado de conservação

33 Bom estado de conservação

34 Bom estado de conservação

35 Bom estado de conservação

36 Existente, com esmorecimento das cores

37 Existente, com danos visíveis

38 Bom estado de conservação

39 Bom estado de conservação

40 Existente, algum dano

41 Bom estado de conservação

42 Bom estado de conservação

43 Não existente

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74

44 Bom estado de conservação

45 Existente, com esmorecimento das cores

46 Bom estado de conservação

47 Bom estado de conservação

48 Bom estado de conservação

49 Existente, com algum esmorecimento das cores

50 Bom estado de conservação

51 Bom estado de conservação

52 Bom estado de conservação

53 Bom estado de conservação

54 Bom estado de conservação

55 Existente, com esmorecimento considerável das cores

56 Bom estado de conservação

57 Bom estado de conservação

58 Bom estado de conservação

59 Não existente

60 Bom estado de conservação

61 Bom estado de conservação

62 Bom estado de conservação

63 Bom estado de conservação

64 Bom estado de conservação

65 Existente, com esmorecimento das cores

66 Bom estado de conservação

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75

67 Bom estado de conservação

68 Bom estado de conservação

69 Bom estado de conservação

70 Bom estado de conservação

71 Bom estado de conservação

72 Bom estado de conservação

73 Bom estado de conservação

74 Bom estado de conservação

75 Bom estado de conservação

76 Bom estado de conservação para graffiti dos anos 90

77 Bom estado de conservação

78 Bom estado de conservação

79 Bom estado de conservação

80 Existente, com esmorecimento das cores

81 Bom estado de conservação

82 Existente, com esmorecimento das cores

83 Não existente

84 Existente, com esmorecimento considerável das cores

85 Bom estado de conservação

86 Existente, com esmorecimento das cores

87 Não existente

88 Existente, com esmorecimento das cores

89 Bom estado de conservação

Page 76: A Comercialização da Arte Marginal e os seus Impactos nas ...

76

90 Bom estado de conservação

91 Bom estado de conservação

92 Bom estado de conservação

93 Não existente

94 Bom estado de conservação

95 Bom estado de conservação

96 Existente, com esmorecimento das cores

97 Bom estado de conservação

98 Bom estado de conservação

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77

Anexos

ANEXOS A – Regimes Jurídicos ligados ao graffiti

Anexo A1- Lei 61/2013 de 23 de Agosto, artigos 1º, 3º e do 6º ao 9º

Lei n.º 61/2013

de 23 de agosto

Estabelece o regime aplicável aos grafitos, afixações, picotagem e outras formas de alteração, ainda

que temporária, das caraterísticas originais de superfícies exteriores de edifícios, pavimentos, passeios,

muros e outras infraestruturas.

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o

seguinte:

Artigo 1.º

Objeto

1 - A presente lei estabelece o regime aplicável aos grafitos, afixações, picotagem e outras formas

de alteração, ainda que temporária, das caraterísticas originais de superfícies exteriores de edifícios,

pavimentos, passeios, muros e outras infraestruturas, nomeadamente rodoviárias e ferroviárias,

vedações, mobiliário e equipamento urbanos, bem como de superfícies interiores e ou exteriores de

material circulante de passageiros ou de mercadorias, quando tais alterações não sejam autorizadas pelos

respetivos proprietários e licenciadas pelas entidades competentes conforme nela definido.

2 - A presente lei não se aplica:

a) À afixação e à inscrição de mensagens de publicidade e de propaganda, nomeadamente política,

regime consagrado na Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, alterada pela Lei n.º 23/2000, de 23 de agosto, e

pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril;

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78

b) A formas de alteração legalmente permitidas.

(…)

Artigo 3.º

Licenças e autorizações

1 - Compete às câmaras municipais licenciar a inscrição de grafitos, a picotagem ou a afixação, em

locais previamente identificados pelo requerente, mediante a apresentação de um projeto e da

autorização expressa e documentada do proprietário da superfície ou do seu representante legal, quando

este exista.

2 - As licenças referidas no número anterior são emitidas nos termos do regulamento de taxas e

isenções definido pelo município competente para o licenciamento.

3 - Não são suscetíveis de licenciamento as intervenções que descaracterizem, alterem,

conspurquem ou manchem a aparência exterior e ou interior de monumentos, edifícios públicos,

religiosos, de interesse público e de valor histórico ou artístico ou de sinalização destinada à informação

legal, à segurança, à higiene, ao conforto, à regulação da disciplina da circulação de veículos e pessoas,

e à exploração adequada dos meios de transporte público, ou que com estas contendam.

4 - O disposto no presente artigo não implica, em qualquer caso, uma apreciação do conteúdo

temático ou da expressão criativa da alteração em causa, salvo quando seja suscetível de consubstanciar

a prática de um crime.

(…)

Artigo 6.º

Contraordenações

1 - Fora dos casos permitidos, e quando não for aplicável sanção mais grave por força de outra

disposição legal, a realização de afixação, grafito e ou picotagem constitui:

Page 79: A Comercialização da Arte Marginal e os seus Impactos nas ...

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a) Contraordenação muito grave, quando descaracterize, altere, manche ou conspurque, de forma

permanente ou prolongada, a aparência exterior do bem móvel ou imóvel, ou a aparência do exterior ou

interior de material circulante de passageiros ou de mercadorias, pondo em grave risco a sua restauração,

pelo caráter definitivo ou irreversível do meio utilizado para a sua alteração;

b) Contraordenação grave, quando descaracterize, altere, manche ou conspurque, de forma

prolongada, a aparência exterior do bem móvel ou imóvel, ou a aparência do exterior ou interior de

material circulante de passageiros ou de mercadorias, mas sendo reversível por via da simples limpeza

ou pintura;

c) Contraordenação leve, quando descaracterize, altere, manche ou conspurque a aparência exterior

do bem móvel ou imóvel, ou a aparência do exterior ou interior de material circulante de passageiros ou

de mercadorias, mas sendo reversível por via da simples remoção, limpeza ou pintura.

2 - As intervenções a que se referem as alíneas b) e c) do número anterior que descaracterizem,

alterem, manchem ou conspurquem a aparência de monumentos, edifícios públicos, religiosos, de

interesse público e de valor histórico ou artístico, constituem sempre contraordenação muito grave.

Artigo 7.º

Apreensão e perda

1 - Os objetos, equipamentos e materiais que se destinem ou tenham sido utilizados nas

intervenções não licenciadas a que se refere a presente lei são apreendidos e perdidos a favor do Estado,

sendo o seu destino decidido pela autoridade administrativa competente nos termos do artigo 8.º

2 - Quando, devido a atuação dolosa do agente, se tiver tornado inexequível, total ou parcialmente,

a perda de objetos a favor do Estado que, no momento da prática do facto, lhe pertenciam, pode ser

declarada perdida uma quantia em dinheiro correspondente ao valor daqueles.

3 - A perda de objetos ou do respetivo valor pode ter lugar ainda que não possa haver procedimento

contra o agente ou a este não seja aplicada uma coima.

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4 - A perda de objetos pertencentes a terceiro só pode ter lugar:

a) Quando os seus titulares tiverem concorrido, com culpa, para a sua utilização ou produção ou do

facto tiverem tirado vantagens; ou

b) Quando os objetos forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo os

adquirentes a proveniência.

Artigo 8.º

Instrução e aplicação de coimas e outras sanções

1 - A instrução dos processos de contraordenação compete às câmaras municipais e a aplicação das

coimas e demais sanções ao respetivo presidente.

2 - Quando o ordenamento, a gestão ou manutenção do património objeto de alteração não sejam

da competência do município a instrução do processo cabe à entidade administrativa competente para a

gestão e manutenção do património em causa, competindo a aplicação das coimas e demais sanções ao

respetivo dirigente máximo.

3 - Tratando-se da alteração de superfície interior e ou exterior de material circulante de passageiros

ou de mercadorias, designadamente de comboios, metropolitanos, elétricos, elevadores, autocarros ou

barcos, a instrução dos processos contraordenacionais compete ao Instituto da Mobilidade e dos

Transportes, I. P., e a aplicação das coimas e demais sanções ao respetivo presidente, sem prejuízo das

competências dos órgãos e serviços próprios das administrações regionais.

Artigo 9.º

Coima

1 - Às contraordenações leves corresponde coima de (euro) 100 a (euro) 2500.

2 - Às contraordenações graves corresponde coima de (euro) 150 a (euro) 7500.

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81

3 - Às contraordenações muito graves corresponde coima de (euro) 1000 a (euro) 25 000.

4 - Nos casos do n.º 1 do artigo anterior o produto das coimas constitui receita do município

competente para a instrução dos processos de contraordenação, revertendo 10 % para a entidade

autuante.

5 - O produto da coima reverte, nos casos dos n.os 2 e 3 do artigo anterior, em:

a) 60 % para o Estado;

b) 30 % para a entidade competente;

c) 10 % para a entidade autuante.

6 - O produto da coima a que se refere a alínea a) do número anterior, quando a mesma seja aplicada

em virtude de contraordenação praticada em região autónoma, reverte para a respetiva região.

Anexo A2 – Artigo 212º do Decreto-lei 48/95 do Código Penal

1. Artigo 212.º

Dano

1 - Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal

alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

2 - A tentativa é punível.

3 - O procedimento criminal depende de queixa.

4 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 206.º e 207.º

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Anexos B – Documentos concedidos por organizações ligadas ao graffiti, street art e arte urbana

Anexo B1 – Demonstração de formas estilísticas do tag

Figura 2. Tag de CORNBREAD. Fonte: https://philadelphiaweekly.com/godfather-of-graffiti/

Figura 1. Tag de TAKI 183. Fonte: https://www.taki183.net

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Anexo B2- Panfletos da Junta de Freguesia de Carnide publicitados entre os anos de 1996 e 1997

Figura . Panfleto dos Concursos de Graffiti. Fonte: Junta de Freguesia de Carnide

Figura .Panfleto dos Concursos de Graffiti. Fonte: Junta de Freguesia de Carnide

Figura 3. Panfleto da Junta de Freguesia de Carnide (frente)

Figura 4. Panfleto da Junta de Freguesia de Carnide (verso)

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Anexos B3: Mapas do Bairro Padre Cruz

Figura . Panfleto dos Concursos de Graffiti. Fonte: Junta de Freguesia de Carnide Figura 5. Panfleto da Junta de Freguesia de Carnide

Mapa 2. Mapa da arte urbana no Bairro Padre Cruz. Fonte: Biblioteca Natália Correia

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Figura . Mapa da arte urbana no Bairro Padre Cruz. Fonte: Boutique da Cultura Mapa 3. Mapa da arte urbana do projeto BIP-ZIP. Fonte: Boutique da Cultura

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Anexos C- Registos fotográficos da arte urbana no Bairro Padre Cruz em 2020

Figura 6. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016. Fotografado por: Teresa Beirão

Figura 7. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016. Fotografado por: Teresa Beirão

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Figura 8Figura 9. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Concursos de Graffiti. Fotografado por: Teresa Beirão

Figura 9. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016. Fotografado por: Teresa Beirão

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Figura 10. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016. Fotografado por: Teresa Beirão

Figura 11. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016. Fotografado por: Teresa Beirão

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Figura 12. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Boutique da Cultura. Fotografado por: Teresa Beirão

Figura 13. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Concursos de Graffiti. Fotografado por: Teresa Beirão

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90

.

Figura 14. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Concursos de Graffiti. Fotografado por: Teresa Beirão

Figura 15. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Boutique da Cultura. Fotografado por: Teresa Beirão