Post on 05-Feb-2018
Texto de apoio ao curso de Especializao Atividade Fsica Adaptada e Sade
Prof. Dr. Luzimar Teixeira
Um Tratamento Postural para a Dislexia?
Alexandre Frey Pinto de Almeida, MD., PhD.
RESUMO
A dislexia uma dificuldade especfica de aprendizagem da leitura que requer
nomeadamente para seu completo diagnstico a passagem dum teste de leitura e dum teste
de inteligncia no quadro de um exame mdico e psicolgico atento que comprove
objectivamente as dificuldades de leitura e exclua como causa atrasos de desenvolvimento
doutra natureza, dfices sensoriais, doenas neurolgicas e psiquitricas ou problemas
maiores de escolaridade. Sem prejuzo disto, a dislexia acompanha-se muitas vezes de
disortografia e de numerosos soft-signs neurolgicos, e Pinto de Almeida (1993) deu a
conhecer uma associao igualmente frequente com o Sndrome de Deficincia Postural,
parecendo confirmar-se que o tratamento deste S. D. P. associado por meio de
reprogramao postural e lentes prismticas de baixa potncia surte efeitos muito
apreciveis sobre os prprios desempenhos de leitura. Graciete Serrano e Orlando Alves da
Silva (1998) revelaram ter obtido resultados muito sobreponveis num grande nmero de
crianas disortogrficas, possivelmente dislxicas, defendendo esta abordagem como
tratamento de eleio para a maior parte dos casos e atribuindo as melhorias correco de
disfunes proprioceptivas ocasionadas por vcios de posio, disfunes estas que
terminariam por gerar bloqueios cognitivos susceptveis de comprometer a leitura. Critica-se
este ponto de vista contrapondo-se-lhe uma concepo da dislexia e do prprio S.D.P.
enquanto sndromes de dislateralidade , ambos assentes numa disarmonia geral das
funes hemisfricas que no somente o tratamento proposto como tambm outras
intervenes bem sucedidas e que o potenciam poderiam ajudar a resolver.
I. INTRODUO: DISLEXIA E S. D. P.
A dislexia uma perturbao especfica de aprendizagem da leitura cuja deteco se faz j
em idade escolar, quando o nvel de leitura no progride de forma ajustada ao nvel
acadmico geral e ao restante desenvolvimento do indivduo. O seu diagnstico requer um
exame mdico e psicolgico atento anamnese escolar, pessoal e familiar, ao estado
mental e a eventuais sinais neurolgicos, se possvel com avaliao do Q.I. e aplicao dum
teste de leitura. Somente este ltimo ser capaz de objectivar as dificuldades
experimentadas, permitindo confront-las com os desempenhos prprios daquela faixa
etria e normas de leitura daquele ano de escolaridade. No existe em Portugal nenhum
teste de nvel de leitura convenientemente aferido, nem mesmo o de Pinto de Almeida
(1993) - o que no impede em absoluto um diagnstico de rigor lanando mo dos materiais
existentes, uma vez que bastar comprovar que o dislxico tem, por poucos que sejam,
alguns resultados em parmetros leximtricos francamente aqum do esperado, com um
desfasamento de dois anos ou mais relativamente aos restantes resultados escolares, e j o
teremos identificado como mau leitor (Pinto de Almeida, 2002).
Resta depois excluir dfice intelectual, baixa acuidade sensorial, doena neurolgica,
perturbaes psiquitricas importantes ou mesmo absentismo ou defeitos do sistema de
ensino como causa dos dfices observados, e teremos desta forma mostrado tratar-se com
efeito de dificuldade de aprendizagem especfica, e no consecutiva a causas de outra
natureza (dislexia evolutiva especfica, dizia Critchley, 1975). Isto no impede que as
dificuldades especficas de leitura se acompanhem muito frequentemente, como natural,
de dificuldades na escrita (dislexia-disortografia), e que encontremos at, por via de regra,
pequenos sinais de imaturidade neurolgica associados: maior frequncia de canhotismo e
ambidextria, lateralidades cruzadas, ausncia de ouvido director e/ou de olho fixador e
outros soft-signs que levam Pinto de Almeida (2003) a considerar como base
fisiopatolgica essencial para a dislexia uma disarmonia no funcionamento conjunto de
ambos os hemisfrios cerebrais.
Na verdade, mesmo quando se trata de semiologia clnica oriunda de outras esferas, tais
como os dfices de processamento fonolgico ou as dificuldades de organizao verbal do
pensamento que muitos dislxicos tendem a apresentar, raro que isso no possa ser
imputado a disfuno hemisfrica. Os estudos anatmicos vm ao encontro deste ponto de
vista: Galaburda & Geschwind (1980), nomeadamente, evidenciaram na populao geral a
existncia de assimetrias entre os hemisfrios cerebrais que so muito frequentes nas reas
da linguagem, sendo exemplo disto o que se passa ao nvel do planum temporale , que
tende a ser mais volumoso esquerda do que direita em crebros normais mas no no
crebro dislxico, o qual exibe pelo contrrio muito sistematicamente uma quase simetria
entre os dois hemisfrios no tocante a esta rea. Ao nvel da maior comissura entre os dois
lados do crebro, por outro lado, tm-se encontrado com certa frequncia estreitamentos do
corpo caloso em dislxicos (cf. tb. Hynd & Semrud-Clikeman, 1989), e dum modo geral
parece haver nesta populao um tempo de transmisso inter-hemisfrica bastante
aumentado durante a leitura (Davidson et al., 1990). Michel Habib (2000), entre outros, d-
nos conta igualmente de numerosos achados microscpicos relativos a uma desorganizao
da citoarquitectura e mesmo ectopias corticais nas reas da linguagem em crebros
dislxicos, consecutivamente a desordens da migrao neuronal, sendo frequente que tais
alteraes assumam maior relevo no hemisfrio dominante.
Em termos funcionais, ser tambm de mencionar uma marcada assimetria da actividade
dos dois hemisfrios cerebrais durante a leitura, sugerida por diferentes dados
electrofisiolgicos (cf. Bakker et al., 1987) e neuroimagiolgicos funcionais (cf. Wise et al.,
1991, para a tomografia de emisso de positres). Relativamente s funes sensitivas, e
alm do perfil audiolgico que Tomatis (1972) ps em evidncia para a dislexia (um ouvido
direito / hemisfrio esquerdo menos discriminativo, conforme as provas de audio dictica
parecem efectivamente confirmar para estmulos verbais), a electronistagmografia permite
observar inclusive, relativamente funo vestibular dos dislxicos, uma frequente
preponderncia direccional de um dos lados (Levinson, 1990), e o prprio Pinto de Almeida
(1993) chamou a ateno, por meio de estudos campimtricos nos seus pacientes, para
uma grande variabilidade mas tambm frequentes assimetrias na sensibilidade perifrica
aos incrementos de luz em ambos os olhos. O parmetro lateralidade da bateria
psicomotora de Vtor da Fonseca (1992) era tambm dos mais afectados neste estudo
dados estes que no seu conjunto parecem de facto sustentar a viso da dislexia como
sndrome de dislateralidade (Pinto de Almeida, 2003).
Mais do que isso, Pinto de Almeida (1993) notou num conjunto de dislxicos a existncia de
sinais e sintomas que configuravam um Sndrome de Deficincia Postural primeiro descrito
por Martins da Cunha (1979; 1987). Os critrios diagnsticos para o S. D. P. incluem: 1)
sintomas cardinais dor (especialmente raquialgias); perturbaes do equilbrio; alteraes
da percepo visual (astenopia, diplopia, metamorfopsias); perturbaes da somatognose,
frequentemente com propriocepo alterada (para os sintomas no-cardinais, ver Martins da
Cunha, 1987) ; 2) uma semiologia fsica caracterstica, podendo incluir: assimetria facial;
adopo de uma direco preferencial do olhar com insuficincia da convergncia tnica
ocular; adopo de uma atitude postural cifoescolitica estereotipada assimtrica, com
rotao axial e apoio privilegiado sobre um p; pontos lgicos caractersticos semiologia
esta que foi confirmada em diversos servios do Hospital Universitrio aonde se levou a
cabo este estudo com dislxicos que associadamente apresentavam um S.D.P.
Assim notada esta associao, o autor colocou a hiptese de se tratar de entidades
nosolgicas relacionadas entre si do ponto de vista fisiopatolgico: tratar-se-ia, em suma, de
dois sndromes de dislateralidade, exprimindo ambos, embora de maneira diferente, uma
mesma disarmonia geral das funes hemisfricas (cf. Pinto de Almeida, 2003). O autor
levou a cabo consequentemente um estudo exploratrio destinado a verificar uma eventual
eficcia sobre a prpria capacidade de leitura do tratamento j previsto e experimentado
para o S.D.P. associado (cf. Martins da Cunha, 1988) por reprogramao postural e
correco com lentes prismticas de baixa potncia (Pinto de Almeida, 1993). Por meio da
reprogramao postural, o indivduo passa a ter conscincia dos seus erros inconscientes
de posicionamento e aprende a corrigi-los; o recurso a lentes prismticas permite coadjuvar
este processo, surtindo mudanas no grau de tenso e por conseguinte tambm na
propriocepo ao nvel dos msculos extrnsecos do globo ocular, e corrigindo
nomeadamente uma insuficincia da convergncia tantas vezes associada (cf. Martins da
Cunha e Alves da Silva, 1986; Gagey, 1993), ou talvez at compensando de certo modo as
alteraes dos campos visuais j citadas (cf. tb. Martins da Cunha, 1983). Estas poderiam
ter uma primordial importncia, j que interferem grandemente no feedback exercido pelas
entradas de informao do sistema postural, na regulao do equilbrio (desde o momento
em que a prpria cab