Post on 22-Feb-2022
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Departamento de Relações Internacionais
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Relações Internacionais
Victor de Matos Nascimento
O TEMPO ESTÁ ACABANDO:
urgência e voz dos movimentos sociais ambientais transnacionais na política
internacional do clima
Belo Horizonte
2021
Victor de Matos Nascimento
O TEMPO ESTÁ ACABANDO:
urgência e voz dos movimentos sociais ambientais transnacionais na política
internacional do clima
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para a obtenção de título de Mestre
em Relações Internacionais.
Orientadora: Matilde de Souza
Área de Concentração: Política Internacional –
Instituições, conflitos e negociações internacionais
Belo Horizonte
2021
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Nascimento, Victor de Matos
N244t O tempo está acabando: urgência e voz dos movimentos sociais ambientais
transnacionais na política internacional do clima / Victor de Matos
Nascimento. Belo Horizonte, 2021.
149 f. : il.
Orientadora: Matilde de Souza
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
1. Organizações não-governamentais. 2. Mudanças climáticas. 3. Política
ambiental. 4. Impacto ambiental. 5. Relações internacionais - Aspectos
ambientais. 6. Política internacional - Aspectos ambientais. 7. Movimentos
sociais - Aspectos ambientais. I. Souza, Matilde de. II. Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais. III. Título.
CDU: 327.39
Ficha catalográfica elaborada por Pollyanna Iara Miranda Lima - CRB 6/3320
Victor de Matos Nascimento
O TEMPO ESTÁ ACABANDO:
urgência e voz dos movimentos sociais ambientais transnacionais na política
internacional do clima
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para a obtenção de título de Mestre
em Relações Internacionais.
Área de Concentração: Política Internacional –
Instituições, conflitos e negociações internacionais
_________________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Matilde de Souza – PUC Minas (Orientadora)
_________________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Mariana Balau Silveira – PUC Minas (Banca Examinadora)
_________________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Tatiana de Souza Leite Garcia – Universidade Anhembi Morumbi (Banca
Examinadora)
Belo Horizonte, 29 de março de 2021
AGRADECIMENTOS
Primeiro agradeço aos meus pais, Ana Paula e Rogério. Porque vocês sempre acreditaram no
poder da leitura e dos estudos, hoje consegui finalizar este trabalho. Obrigado por cada livro,
pela companhia, mesmo que por vezes à distância, por todo o apoio e pelo amor incondicional.
Agradeço à minha orientadora Matilde, que me acompanha desde a monografia, sendo fonte de
inspiração e de conhecimento, e que, com tanta gentileza e sabedoria, me mostra, em minha
vida profissional e pessoal, caminhos em meio a mares de incerteza.
Às minhas avós, Jandira e Vilma, que, também à distância, estão comigo, meu muito obrigado.
De alguma forma trago comigo todos os conhecimentos sobre o mundo que aprendi e aprendo
com vocês.
Agradeço à minha família, minhas tias, primos e primas, que ofereceram minutos preciosos de
seu tempo para escutarem e conhecerem um pouco mais sobre a crise climática.
Agradeço ao professor Rodrigão, que me acolheu há alguns anos com muita generosidade e
afeto, sempre disponível para me escutar e me incentivando a seguir em frente diante dos
desafios da vida e da carreira acadêmica.
Ao amigo Pedro, que desde que nos encontramos na vida me apoiou e incentivou a ser quem
eu sou e a escrever, obrigado amigo.
Ao amigo Matheus, que desde a graduação é também uma inspiração e tem me apoiado, tirado
tempo para ler o que escrevo e para refletir comigo sobre o futuro, muito obrigado.
Aos amigos que fiz durante estes anos de mestrado, sobretudo Greta e Thiago, que sempre
foram muito gentis e com quem tive maravilhosos momentos de descontração em meio a dias
mais tensos da jornada acadêmica.
Agradeço aos amigos de meu grupo de orientação: Carol, Rafa, Leo, Leandro, Julia e Allana.
Obrigado pelo tempo que dedicaram ao meu texto e por todas as trocas.
Por fim, agradeço a quem esteve comigo ao longo desses últimos anos, Flávio. Obrigado por
toda a sua paciência e gentileza em me escutar e me acalmar e momentos de aflição. Obrigado
por tantas trocas e por todo apoio.
Destaco que o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
Escrever uma dissertação em meio a uma pandemia não foi algo fácil. De algum modo, acredito
que ela seja um alerta para que nós, enquanto humanidade, não tenhamos dúvida de que
problemas coletivos necessitam de soluções coletivas, e que precisamos cuidar melhor de nossa
Terra, porque, pelo menos para a nossa e para a próxima geração, não existe planeta B.
“A administração política tem que trilhar um caminho difícil entre o
alarmismo e a tranquilização. Creio que não devemos julgar o
pensamento apocalíptico pelas aparências. Ao contrário, devemos vê-
lo como um conjunto de história de advertência. Ele diz respeito ao que
pode dar errado se não ficarmos atentos nem tomarmos as medidas
corretivas apropriadas.”
Anthony Giddens, A política da mudança do clima.
“Os grandes desafios do século XXI serão de natureza global. O que
acontecerá quando a mudança climática provocar catástrofes
ecológicas?”
Yuval Noah Harari, 21 lições para o Século XXI.
“A nossa mãe, a Terra, nos dá de graça o oxigênio, nos põe para
dormir, nos desperta de manhã com o sol, deixa os pássaros cantar
[em], as correntezas e as brisas se moverem, cria esse mundo
maravilhoso para compartilhar, e o que a gente faz com ele?”
Ailton Krenak, Ideias para adiar o fim do mundo.
“Eu quero que ajam como agiriam em uma crise. Eu quero que ajam
como se sua casa estivesse em chamas. Porque está.”
Greta Thunberg, Fórum Econômico Mundial em 2019.
RESUMO
A mudança do clima é um dos grandes desafios enfrentados pela humanidade no século XXI.
Desde a década de 1970, a ciência evidencia que a poluição causada pela emissão de Gases de
Efeito Estufa (GEE), sobretudo com a Revolução Industrial, é um dos elementos responsáveis
pelo aquecimento global e pela desestabilização e extinção de diversos ecossistemas. Mesmo
com o avanço de discussões e acordos climáticos, sobretudo sob a Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), ainda persistem muitos desafios para que
seus objetivos sejam alcançados, e, nos últimos anos, grupos da sociedade civil, como ONGs e
movimentos sociais ambientais, intensificaram suas ações, insatisfeitos com as medidas lentas
e ineficazes de muitos governos. Este estudo questiona qual a influência do discurso dos
movimentos sociais ambientais transnacionais sobre a política internacional do clima? Seu
objetivo é estudar a atuação dos movimentos sociais ambientais transnacionais em torno da
concepção de urgência da questão climática, para entender em que aspectos os discursos que
eles propagam influenciam a política internacional do clima. O modelo analítico desenvolvido
mobiliza o Construtivismo Regra-Orientado proposto por Nicholas Onuf e discussões autores
que auxiliam na compreensão dos movimentos sociais e da governança climática nos anos
recentes. Metodologicamente, esta pesquisa trabalha com as técnicas de revisão bibliográfica e
análise documental para a compreensão da política internacional do clima. Já para o
entendimento da influência dos discursos dos movimentos sobre ela, mobiliza-se a análise de
discurso. Duas ONGs e dois movimentos ambientais foram selecionados: o Climate Reality e
o Greenpeace, e o Extinction Rebellion e o Fridays For Future. Esta escolha foi feita pois
acredita-se que critérios como, diferentes graus de institucionalização, de tempo de existência,
a quantidade de recursos, a proximidade com governos e instituições da governança global e as
estratégias que cada um mobiliza, são elementos fundamentais para a compreensão da
influência destes agentes. As análises foram feitas em dois momentos: no contexto e nos dias
das Conferência das Partes (COPs) de Paris, 2015, e Madri, 2019. Foi possível verificar que os
critérios apontados têm relação direta com a capacidade de influência de cada grupo sobre a
política internacional do clima. Observou-se, dentre outros pontos, que grupos mais
institucionalizados têm acesso mais direto a esferas de tomada de decisão e grupos menos
institucionalizados recorrem, sobretudo, a estratégias como marchas e protestos para
impulsionarem suas pautas dentro do debate da política internacional do clima.
Palavras-chave: mudança do clima. Movimentos ambientais. Política internacional do clima.
ABSTRACT
Climate change is one of the greatest challenges facing humanity in the 21th century. Since the
1970s, science has shown that pollution caused by the emission of greenhouse gases (GHG),
especially with the Industrial Revolution, is one of the elements responsible for global warming
and for the destabilization and extinction of diverse ecosystems. Even with the advancement of
climate discussions and agreements, especially under the United Nations Framework
Convention on Climate Change (UNFCCC), there are still many challenges for achieving their
goals, and in recent years, civil society groups, such as NGOs and environmental social
movements have intensified their actions, dissatisfied with the slow and ineffective measures
of many governments. This study asks what is the influence of the discourse of transnational
environmental social movements on international climate policy? Its objective is to study the
role of transnational environmental social movements around the urgency concept of the
climate issue, to understand in what aspects the speeches they propagate influence international
climate policy. The analytical model developed mobilizes the Rule-Oriented Constructivism
proposed by Nicholas Onuf and discussions of authors that help to understand social
movements and discuss climate governance in recent years. Methodologically, this research
works with the techniques of bibliographic review and document analysis for the understanding
of international climate policy. In order to understand the influence of the movements'
discourses on it, discourse analysis is mobilized. Two NGOs and two environmental
movements were selected: Climate Reality and Greenpeace, and Extinction Rebellion and
Fridays For Future. This choice was made because it is believed that criteria such as different
degrees of institutionalization, time of existence, the amount of resources, proximity to
governments and institutions of global governance and the strategies that each mobilizes, are
fundamental elements in understanding the influence of these agents. The analyzes were made
in two moments: in the context and on the days of the Conference of the Parties (COPs) in Paris,
2015, and Madrid, 2019. It was possible to verify that the criteria mentioned are directly related
to the influence capacity of each group on international climate policy. It was observed, among
other points, that more institutionalized groups have more direct access to decision-making
spheres and less institutionalized groups resort, above all, to strategies such as marches and
protests to boost their agendas within the international climate policy debate.
Keywords: climate change. Environmental movements. Climate international politics.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Evolução da temperatura média global da superfície durante o período de
observações instrumentais.........................................................................................................23
FIGURA 2 - Limite e projeção das emissões globais de GEE até 2030......................................24
FIGURA 3 – Percepção dos indivíduos sobre a mudança do clima............................................28
FIGURA 4 – Percepção dos indivíduos sobre o impacto da mudança do clima em suas
vidas..........................................................................................................................................30
FIGURA 5 – Linha do tempo com marcos históricos da discussão ambiental até 1969.............36
FIGURA 6 – Marco histórico sob a UNFCCC...........................................................................39
FIGURA 7 - Adições acumuladas de organizações observadoras por COPs.............................63
FIGURA 8 - Organizações observadoras admitidas nas COPs por região.................................64
FIGURA 9 – Logo do Extinction Rebellion...............................................................................68
FIGURA 10 – Logo do Fridays For Future................................................................................69
FIGUARA 11 – Sentenças declarativas e estratégias adotadas pelas ONGs e movimentos
ambientais nos contextos de Paris e Madri...............................................................................106
FIGURA 12 – Sentenças declarativas e estratégias adotadas pelas ONGs e movimentos
ambientais nos dias das conferências de Paris e Madri............................................................121
FIGURA 13 – Desenho de pesquisa para a análise de discurso segundo Hansen (2006)..........147
FIGURA 14 - Desenho de pesquisa.........................................................................................148
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Estrutura institucional da política internacional do clima...................................41
QUADRO 2 - Tipos de arranjos sociais no âmbito da sociedade civil e seus graus de
institucionalização.....................................................................................................................55
QUADRO 3 - Estruturas institucionais dos movimentos/ONGs ambientais.............................72
QUADRO 4 - Participação de movimentos/ ONGs em estruturas institucionais da governança
climática....................................................................................................................................73
QUADRO 5 – Estratégias mobilizadas pelas ONGs e movimentos ambientais nos contextos de
Paris e Madri.............................................................................................................................79
QUADRO 6 – Atos de fala contidos nos discursos do Climate Reality e Greenpeace no contexto
de Paris....................................................................................................................................123
QUADRO 7 – Atos de fala contidos nos discursos do Climate Reality, Greenpeace, Extinction
Rebellion e Fridays For Future no contexto de Madri..............................................................125
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Evolução do número de ONGs e OIs (1956-2020)...............................................56
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AOSIS – Aliança dos Pequenos Estados Insulares
CAN – Climate Action Network
CEO - Chief Executive Officer
CONG - Comitê sobre Organizações Não Governamentais
COP – Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do
Clima
ECOSOC - Conselho Econômico e Social das Nações Unidas
EIA - Energy Information Administration
ELC - Environment Liaison Centre
EPA – Environmental Protection Agency
FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
GEE – Gases de Efeito Estufa
iNDC – Intended Nationally Determined Contributions
INPE – Instituto Nacional de Pesquisa Espacial
IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
IUCN – União Internacional para Conservação da Natureza
MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
OIs – Organizações Internacionais
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONU - Organização das Nações Unidas
PIB – Produto Interno Bruto
PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
RIMC – Regime Internacional de Mudança Climática
UE – União Europeia
UIA - Union of International Associations
UNEA – Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente
UNEP – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
UNESCO - Organização das Nações Unidas
UNFCCC - Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
WWF - World Wildlife Fund for Nature
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13
2 A POLÍTICA INTERNACIONAL DO CLIMA .............................................................. 17
2.1 Uma visão construtivista da política internacional .................................................... 17
2.1.1 A mudança do clima na política internacional ........................................................ 21
2.2 As estruturas institucionais da política internacional do clima ................................ 33
2.2.1 A institucionalização da política internacional do clima ........................................ 34
2.3 Os agentes da política internacional do clima ............................................................ 42
3 OS MOVIMENTOS SOCIAIS AMBIENTAIS NO SÉCULO XXI ............................... 47
3.1 Os movimentos sociais e a política internacional ....................................................... 47
3.1.1 Os movimentos sociais transnacionais .................................................................... 52
3.2 Os movimentos sociais ambientais e a política internacional do clima .................... 59
3.2.1 Climate Reality ou The Climate Reality Project ...................................................... 66
3.2.2 Extinction Rebellion ................................................................................................. 67
3.2.3 Fridays For Future................................................................................................... 69
3.2.4 Greenpeace............................................................................................................... 70
3.3 O discurso da urgência climática ................................................................................ 73
4 A URGÊNCIA CLIMÁTICA NA POLÍTICA INTERNACIONAL DO CLIMA ........ 78
4.1 A atuação das ONGs e movimentos ambientais nos contextos de Paris e Madri ... 79
4.2 A atuação das ONGs e movimentos ambientais nos dias das conferências de Paris e
Madri .................................................................................................................................. 107
4.3 Atos de fala performados pelas ONGs e movimentos ambientais nos contextos de
Paris e Madri ..................................................................................................................... 122
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 128
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 132
APÊNCICE A – Metodologia: desenho de pesquisa e sua operacionalização ................ 146
13
1 INTRODUÇÃO
Em outubro de 2018 o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),
renomada instituição científica, publicou um relatório intitulado Global Warming of 1.5ºC1. O
texto reúne dados que evidenciam a responsabilidade das ações humanas sobre o aumento da
temperatura do planeta Terra, e apresenta cenários que detalham as consequências da mudança
do clima caso ações imediatas não sejam tomadas pelos governos e pelas sociedades (IPCC,
2018).
Este relatório se somou a um debate sobre a mudança do clima que tem se tornado cada
vez mais forte. Fato é que alguns eventos foram fundamentais para que isso acontecesse: a
Conferência de Estocolmo de 1972, a Conferência do Rio de 1992 (ECO-92), o estabelecimento
do Protocolo de Quioto em 1997 e o firmamento do Acordo de Paris em 2015. Atualmente, o
foco das discussões se dá em torno do controle da temperatura média global e da redução das
emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), advindas, sobretudo, da geração de energia por
fontes fósseis e não renováveis (VIOLA, 2002; FRANCHINI et al, 2017).
Em 2019, milhares de estudantes em dezenas de países se uniram às Greves Escolares
pelo Clima iniciadas por Greta Thunberg, jovem ativista ambiental que se tonou conhecida após
protestar em frente ao parlamento sueco pedindo que seu governo tomasse ações mais urgentes
para combater o aquecimento global (LIST..., 2021). Ainda naquele ano, o Oxford English
Dictionary anunciou Climate Emergency2 como a palavra do ano (“CLIMATE..., 2019). O
relatório do IPCC, as greves pelo clima e o anúncio do dicionário de Oxford refletem a
importância e a centralidade da questão climática na atualidade. Além disso, a onda provocada
por Greta foi responsável por estimular muitas ações de grupos, movimentos e ONGs
ambientais, o que suscita um debate acerca da relevância desses agentes na política
internacional.
Nesse sentido, a pergunta de partida que orienta esta dissertação indaga qual a influência
do discurso dos movimentos sociais ambientais transnacionais sobre a política internacional
do clima? Conforme discutem Berny e Rootes (2018), as pesquisas sobre movimentos
ambientais tradicionalmente focaram em três áreas: o movimento em si, políticas e instituições
públicas, e sociedade e comportamentos. É consenso na comunidade acadêmica que
1 Aquecimento Global de 1,5º C, versão livre do autor. 2 De acordo com o dicionário, Climate Emergency se trata de “uma situação em que ação imediata é necessária
para reduzir ou parar a mudança do clima e prevenir danos sérios e permanentes ao meio ambiente” (“CLIMATE...,
2019, s/p, versão livre do autor). No original: a situation in which immediate action is needed to reduce or stop
climate change and prevent serious and permanent damage to the environment.
14
movimentos e ONGs ambientais mudaram o mundo ao seu redor ao longo da história,
influenciando agendas, governos, oferecendo soluções e realizando monitoramento de
compromissos firmados por países (BERNY; ROOTES, 2018). Um dos desafios no estudo
destes grupos está na compreensão da influência que exercem, uma vez que são muitos os
aspectos envolvidos nesse processo.
Este trabalho tem por objetivo geral estudar a atuação dos movimentos sociais
ambientais transnacionais em torno da concepção de urgência da questão climática, para
entender em que aspectos os discursos que eles propagam influenciam a política internacional
do clima. Como está posto, a concepção de urgência será parte central das discussões e da
metodologia que permitirão as análises que serão realizadas.
Para alcançar o objetivo geral, tem-se os seguintes objetivos específicos: a) estudar a
urgência da questão climática para compreender a relevância política que ela assumiu no século
XXI; b) mapear as ONGs e movimentos ambientais e identificar, a partir de suas estratégias,
como marchas, protestos e discursos em conferências climáticas, a concepção da urgência
climática em suas pautas centrais; e c) identificar, a partir das conferências selecionadas, em
que aspectos há a incorporação dos discursos das ONGs e movimentos ambientais pelos outros
agentes da política internacional do clima.
Duas ONGs e dois movimentos ambientais foram selecionados: o Climate Reality e o
Greenpeace, e o Extinction Rebellion e o Fridays For Future, respectivamente. Esta escolha foi
feita pois acredita-se que os diferentes graus de institucionalização, de tempo de existência, a
quantidade de recursos, a proximidade com governos e instituições da governança global e as
estratégias que cada um mobiliza, são elementos fundamentais na compreensão da influência
destes agentes na política internacional do clima.
Segundo Medeiros (2006), uma dissertação no campo das Ciências Sociais é um
trabalho de natureza reflexiva, que reúne uma série de evidências e reflexões teóricas e
empíricas, e que envolve uma interpretação e a posição do autor sobre as ideias que debate
(MEDEIROS, 2006). Nessa mesma linha, Nunes (2012) acredita que a teoria tem três principais
propósitos: o de analisar a realidade, o de constituí-la e o de intermediar a prática política. A
teoria é, portanto, “política nas suas origens e na forma como é suportada e reproduzida”
(NUNES, 2012, p. 14).
Tendo em vista que a perspectiva construtivista não exige que se tenha uma hipótese de
pesquisa, foram elaboradas sentenças declarativas para orientar o esforço da pesquisa durante
a trajetória de investigação. São elas: (1) as ONGs e movimentos ambientais orientam suas
ações a partir de determinadas estratégias que mobilizam e isso varia em função de suas
15
ideologias e seus graus de institucionalização; (2) grupos mais institucionalizados tem acesso
mais direto à esferas de tomada de decisão; (3) grupos menos institucionalizados recorrem,
sobretudo, à estratégias discursivas, marchas e protestos que repercutam na mídia, no intuito de
ampliarem seu alcance e sua audiência; (4) a concepção de urgência da questão climática varia
de acordo com a ideologia de cada grupo; e (5) a crença nas instituições da governança do clima
enquanto agentes reais de mudança também varia em função das ideologias de cada grupo.
Destaca-se que estas sentenças declarativas foram elaboradas ao longo da pesquisa documental
e das análises dos discursos, de modo que permitissem, ao final, a melhor identificação dos
resultados empíricos da pesquisa, tendo como suporte a estrutura teórico-metodológica
mobilizada.
O modelo analítico que permitirá discutir as sentenças supracitadas se orienta por uma
visão construtivista da política internacional do clima, uma vez que as análises serão realizadas
nos discursos de alguns de seus agentes. Desse modo, recorre-se ao Construtivismo Regra-
Orientado de Nicholas Onuf (1989;1999), que discute, sobretudo, o papel dos agentes e da
estrutura na co-constituição da realidade social. Para compreender os movimentos sociais,
mobiliza-se Maria da Gloria Gohn (2003;2004) e Manuel Castels (2013), que discute os
movimentos em rede e virtualmente conectados por meio da internet. Mobiliza-se também a
discussão de Margaret E. Keck e Kathryn Sikkink (1999) sobre as transnational advocacy
networks e a discussão de Ronald Mitchell (2010) sobre a articulação de agentes políticos para
o estabelecimento dos tópicos da agenda ambiental. Ademais, Anthony Giddens (2010), John
McCormick (1992) e Philippe Le Prestre (2000) contribuem para a composição do modelo
analítico, auxiliando na compreensão da discussão ambiental.
No que tange ao desenho metodológico desta pesquisa, estabeleceu-se as seguintes
categorias analíticas: (1) consenso em torno de questões climáticas contido nas estruturas
institucionais da governança climática; e (2) a urgência climática contida nos discursos das
ONGs e movimentos ambientais. Acredita-se que estas categorias são fundamentais na
compreensão da influência dos grupos ambientais na política internacional do clima. Desse
modo, o Capítulo 2 faz um debate sobre a primeira e o Capítulo 3 sobre a segunda. Ambos os
capítulos são fruto de uma pesquisa que mobilizou as técnicas de revisão bibliográfica e análise
documental.
Já para o Capítulo 4 foi elaborada uma metodologia que está detalhada no Apêndice A
ao final dessa dissertação, cuja leitura é imprescindível para a compreensão das análises
realizadas neste trabalho. Destaca-se que foi aplicada nos discursos selecionados a técnica de
Análise de Discurso 2 (AD-2), modalidade que permite acessar os elementos subjetivos dos
16
discursos e considerar os contextos em que eles se manifestam (MUSSALIM, 2006). Isso é
fundamental pois, para contemplar o objetivo geral deste trabalho, dois momentos foram
analisados, os contextos e os dias das Conferência das Partes (COPs) sediadas em Paris, em
2015, e em Madri, em 2019, assumindo que a comparação entre estes momentos permitirá
identificar mudanças e continuidades na atuação dos grupos que são objeto deste trabalho.
Esta dissertação está organizada do seguinte modo: o primeiro capítulo discute o lugar
da mudança do clima na política internacional segundo à ótica construtivista, seguindo para a
compreensão dos papéis dos agentes e das instituições internacionais nesse debate. O segundo
capítulo indaga qual o lugar dos movimentos ambientais na política internacional, passando
pela discussão sobre os movimentos sociais na atualidade e do papel que possuem no
estabelecimento da concepção de urgência da questão climática dentro da agenda internacional.
Finalmente, no quarto capítulo, é feita a análise dos discursos das duas ONGs e dos dois
movimentos ambientais que são objeto deste trabalho, mobilizando a lógica dos atos de fala de
Onuf (1989) como recurso analítico para a compreensão da influência que tiveram, no que
concerne à urgência da questão climática, nos dois contextos observados.
17
2 A POLÍTICA INTERNACIONAL DO CLIMA
A realidade não existe conforme a concebemos ou não é acessível da forma como a
imaginamos, o que se pode conhecer da realidade é o resultado de uma construção, que é
linguística e cognitiva (NUNES, 2012). Este capítulo tem o intuito de estabelecer parte do
modelo analítico dessa dissertação. Para acessar esta realidade, entendida neste trabalho como
política internacional do clima, toma-se como base o marco teórico construtivista de Nicholas
Onuf (1989).
Cada seção se inicia mobilizando uma pergunta parcial que irá orientar a discussão nela
contida. Esta estratégia foi pensada para compatibilizar duas propostas: a primeira é fazer uma
discussão sobre a questão climática na política internacional que articule teoria e empiria; e a
segunda é apresentar seções cujo conteúdo seja cumulativo e que, ao final, contemplem o
objetivo de estabelecer a primeira parte do modelo analítico que sustentará as conexões a serem
realizadas entre os discursos dos movimentos ambientais e a política internacional do clima.
Entendida como se estrutura esta cena, será possível discutir a relevância e as
possibilidades oferecidas pelas instituições internacionais, para entender quais são as estruturas
institucionais da política internacional para a questão climática. Depois, serão apresentados os
agentes envolvidos nessa política e o lugar que eles ocupam. Anthony Giddens (2010) auxilia
na compreensão de que, historicamente, os países desenvolvidos foram os principais
responsáveis pela mudança do clima, cabendo a eles assumir a liderança em seu combate.
Entretanto, como trabalha Ronald Mitchell (2010), há que se considerar a importância da
construção discursiva de um problema, bem como os diferentes papéis que agentes que estão
em seu entorno podem desempenhar, sejam eles estatais ou não, para que se pense em seu lugar
na política internacional do clima.
2.1 Uma visão construtivista da política internacional
A humanidade, a partir de qualquer meio que a natureza ou as interações sociais
ofereçam, constrói a realidade e também as sociedades (ONUF, 1989). Seja por causas naturais
ou das próprias ações sociais, a realidade social e também a material mudam com as interações
sociais. A pergunta que orienta esta seção é qual o lugar da mudança do clima na política
internacional? Para respondê-la, inicia-se discutindo como a política internacional se estrutura,
e depois é feita uma reflexão sobre o lugar da mudança do clima nela.
18
Onuf (1989) deixa claro que o construtivismo não é pensado como uma teoria, mas
como uma forma de estudar as relações sociais e, consequentemente, a dinâmica das Relações
Internacionais (ONUF, 1989). Entender isso é importante pois esta escolha teórica foi feita com
o objetivo de acessar uma dinâmica das relações internacionais onde as relações entre os agentes
que as compõem são fundamentais em sua própria constituição.
O construtivismo se interessa pelo mundo social em que se vive e como ele é construído.
Segundo Adler (1999), o mundo material e o social são formados por interações e ações
humanas (ADLER, 1999). O construtivismo, na perspectiva de Onuf (1989), não estabelece
uma distinção muito apurada entre a realidade material e a social. As duas contaminam uma a
outra, podendo variar em termos de grau de influência de uma sobre a outra e grau de
contaminação (ONUF, 1989). O ponto é que estas realidades se interpõem e tê-las em mente é
fundamental na compreensão dos processos que nelas ocorrem e que também as moldam.
Pensar a realidade pela lógica construtivista é entender que o “construtivismo começa
com os atos. Atos realizados, atos praticados e palavras ditas”3 (ONUF, 1989, p. 36, versão
livre do autor). As pessoas, por meio dos atos, constroem a realidade e as sociedades, assim
como as sociedades também constroem as pessoas e a realidade (ONUF, 1989). A proposição
que está na base desse raciocínio é a de que os seres humanos são seres sociais e que fazem o
mundo a partir de interações com outros seres humanos e do que a natureza os dá.
Dessas interações decorre a premissa construtivista de Onuf (1999) de que é no
processo de co-constituição entre pessoas e sociedades que estão as regras. “Uma regra é uma
declaração que informa as pessoas o que elas devem fazer”4 (ONUF, 1999, p. 02, versão livre
do autor). As regras definem os agentes em termos das estruturas, assim como as estruturas
definem os agentes em seus termos (ONUF, 1994). Enfatiza-se aqui o papel das regras no
estabelecimento do que os agentes devem fazer, agentes estes que estão em constantes
interações, algo que pode, inclusive, alterar estas regras.
Adler (1999) propõe um complemento às regras que é o do papel das ideias. Segundo
ele, elas são “entendidas mais genericamente como conhecimento coletivo institucionalizado
em práticas” (ADLER, 1999, p. 210). As ideias estabelecem o que é cognitivamente possível
ou não para os agentes e são, portanto, propulsoras da ação social (ADLER, 1999). Ideias, nessa
lógica, antecedem as regras, uma vez que elas se manifestam na ação social e impulsionam a
construção da realidade.
3 constructivism begins with deeds. Deeds done, acts taken, words spoken. 4 A rule is a statement that tells people what we should do.
19
Entendido este processo, tem-se que Onuf (1994) compartilha a impressão de outros
teóricos construtivistas de que estrutura é um termo muito rígido para se pensar a realidade
social. Entendê-la como um processo ou como um arranjo social permite conjugar a ideia de
que os agentes a moldam e são moldados por ela, o que altera todos os envolvidos neste
processo (ONUF, 1994). Ainda assim, o termo estrutura pode servir como um importante
recurso de pesquisa, uma vez que ela é o espaço em que os observadores identificam as
manifestações que ocorrem na realidade.
Um outro termo importante é o da prática. Onuf (1989) afirma que “todas as regras em
uma realidade socialmente construída são relacionadas à prática”5 (ONUF, 1989, p. 52, versão
livre do autor). É por meio da prática que os indivíduos lidam com as regras, seja seguindo-as
ou não, criando novas, mudando-as ou se desfazendo delas (ONUF, 1999). As práticas são,
portanto, a manifestação das ideias dos indivíduos, onde eles lidam com as regras que criam ou
reiteram e, desse modo, produzem ou reafirmam a estrutura ou um dado arranjo social.
Para transpor esta lógica que tem como foco a ação dos indivíduos para a interpretação
das relações internacionais, dois conceitos são chave na compreensão desta dinâmica: política
e poder. Onde quer que exista uma sociedade humana, há também, segundo Onuf (1989), a
política. Ele define política como “o que quer que os membros de uma unidade social decidam
ser importante para sua unidade”6 (ONUF, 1989, p. 229, versão livre do autor). A política nasce
na interação social e tem como premissa que os indivíduos se entendam como uma unidade
para que, então, pensem no que lhes é importante. Nas relações internacionais existem várias
unidades possíveis, como os Estados e as organizações internacionais (OIs). Como já
mencionado, tanto a dimensão material quanto a social importam, logo, o olhar construtivista
para estas dimensões deve ser parcimonioso em relação a como estas unidades se moldam e
interagem.
Para Onuf (1989) as pessoas sempre se comportam politicamente e, consequentemente,
a política internacional decorre dessa premissa (ONUF, 1989). Este trabalho reconhece que o
campo de estudos das Relações Internacionais trata da prática política internacional
fundamentalmente a partir de uma perspectiva que é ocidental. De todo modo, acredita-se ser
possível assumir que a política internacional do clima pode ser pensada para todo o planeta,
ainda que, evidentemente, consideradas as devidas proporções. Isso será melhor explorado mais
a frente, mobilizando a evidência de que há Estados e outros agentes não estatais, seja no
5 All rules in a socially constructed reality are related to practice. 6 whatever the members of a social unity decide is important for their unity.
20
ocidente ou no oriente, que desempenham importantes papéis nessa dimensão da política
internacional.
A forma como a cena internacional se estrutura dialoga diretamente com a discussão
sobre poder, uma vez que ele é crucial na construção da realidade social.
o poder significa não apenas os recursos necessários para se impor uma visão própria
aos outros, como também a autoridade para determinar os significados compartilhados
que constituem as identidades, os interesses e as práticas dos Estados, assim como as
condições que conferem, concedem ou negam acessos a ‘bens’ e benefícios. Visto que
a realidade social é uma questão de imposição de significados e funções em objetos
físicos que não têm previamente esses significados e funções, a habilidade de criar as
regras por trás do jogo, de definir o que constitui um jogo aceitável, e de ser capaz de
levar outros atores a se comprometerem com essas regras porque elas são agora parte
da sua auto-compreensão é talvez a forma de poder mais sutil e efetiva (ADLER,
1999, p. 224).
Na abertura deste capítulo afirmou-se que a realidade não é acessível como a imaginamos. As
práticas dos indivíduos ou dos agentes da política internacional mobilizam o poder e moldam a
realidade a partir da compreensão de mundo que eles têm e dos interesses que eles possuem. A
proposta deste trabalho é enxergar a ação dos agentes, sejam eles individuais ou institucionais,
tendo como referência essa lógica de poder.
Onuf (1999) opta pelo termo “agente” em vez de “ator” por assumir que um agente é
um participante ativo da sociedade. Assume-se também que os agentes são dotados de objetivos
que refletem seus desejos e necessidades em função de suas realidades materiais. Os agentes
são entes racionais que orientam suas ações a partir das regras estabelecidas na realidade social.
Tendo em vista que as regras informam o que pode e o que não pode ser feito, a capacidade de
agência é sempre limitada. De todo modo, quando se identificam padrões nos resultados das
ações dos agentes é possível entender que estes padrões constituem seus interesses (ONUF,
1999).
Os teóricos construtivistas assumem que as relações internacionais são feitas de fatos
sociais7, os quais só são como são, pois, há um sentido compartilhado que os entende como tal.
Uma vez que não é possível conhecer a realidade de forma objetiva, um caminho para tal é por
meio da linguagem, assumindo que a realidade é fruto do discurso (ADLER, 1999). As relações
internacionais, portanto, operam nessa lógica, sendo construídas pelas práticas dos agentes que
as compõem e também pelo olhar do observador, que também é um agente, uma vez que
7 Segundo o sociólogo Émile Durkheim “é fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre
o indivíduo uma coerção exterior; ou, ainda, que é geral ao conjunto de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo,
possui existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter” (DURKHEIM, 1972, p. 11).
21
observa e sua interpretação consequentemente constitui a realidade. Assume-se também que a
linguagem é um fato social, entendendo-a como uma maneira de agir que constrói a realidade.
Ainda que a política internacional seja fruto do discurso, metodologicamente optou-se por
discutir este conceito no próximo capítulo pois, neste capítulo a proposta é mostrar como ela se
apresenta e, no próximo, começar a acessar alguns elementos subjetivos que a compõem.
Segundo Onuf (1994), “o sistema internacional deve ser uma sociedade ao ser
constituído por atos de muitos indivíduos, eles próprios constituídos como agentes. Este
processo de constituição depende das regras, sem as quais as ações não têm significado social”8
(ONUF, 1994, p. 08, versão livre do autor). Decorre, portanto, que a política internacional é a
atividade desempenhada pelos agentes que compõem o sistema internacional, onde regras
estabelecem o que é possível ou não, e relações de poder determinam a capacidade de um ou
outro agente impor sua visão de mundo sobre a dos demais.
2.1.1 A mudança do clima na política internacional
Entre outubro e novembro de 2019 três ciclones com ventos em média de 200
quilômetros por hora ocorreram na Ásia. No mesmo ano, a América do Sul, a região do Caribe,
o continente africano e a Nova Zelândia tiveram o novembro mais quente já registrado. Tanto
os mares Ártico quanto o Antártico também registraram o segundo recorde de menor extensão
das camadas de gelo (FUTURE EARTH, 2020). Em setembro de 2020, as regiões da Califórnia
e do Oregon, nos Estados Unidos da América, e algumas localidades da Austrália registraram
incêndios gigantescos que degradaram grandes porções de vegetação e fizeram com que as
temperaturas subissem fortemente em algumas cidades desses países (O ..., 2020). No Brasil, a
Amazônia e o Pantanal registraram entre julho e setembro de 2020 o maior número de focos de
incêndios desde 1998 (PROGRAMA..., s/d).
Como mencionado na Introdução, o IPCC9 publicou em 2018 um relatório evidenciando
que as ações humanas, sobretudo com a intensificação das atividades industriais, já causaram
um aumento de 1º Celsius na temperatura global. O relatório intitulado “Aquecimento Global
de 1,5º Celsius” chama a atenção para as consequências de se chegar à marca de 1,5º, algo
8 the international system must be a society insofar as it is constituted by the deeds of many individuals, themselves
constituted as agents. This process of constitution depends on rules, without which deeds have no social meaning. 9 Ressalta-se que o IPCC é um órgão fundamental da política internacional do clima, atuando na estruturação e
planejamento das políticas de combate à mudança do clima com base em evidências científicas e trabalhadas por
grupos de trabalho que envolvem cientistas de todo o planeta (ABOUT..., 2021).
22
previsto para 2050 caso mudanças nas interações das sociedades com o planeta não sejam feitas
(IPCC, 2018).
Segundo o relatório, o aumento da temperatura em 1,5º Celsius irá afetar a população
global de modo desproporcional, de forma que os grupos que mais sofrerão com os impactos
serão os vulneráveis e desfavorecidos, como comunidades locais com dependência em meios
de subsistência agrícola, povos costeiros e povos indígenas (IPCC, 2018). Além da já
mencionada elevação da temperatura global, as consequências da ação antrópica têm implicado
derretimento de geleiras e redução de camadas de neve, mudança na precipitação, aumento do
nível do mar e extinção de espécies (DINIZ, 2015). Ressalta-se, portanto, que, a mudança do
clima10 afeta todo o planeta em seus diferentes ecossistemas11.
As altas temperaturas, o derretimento do gelo e os incêndios citados alguns parágrafos
atrás estão, segundo muitos cientistas e pesquisadores, relacionados com a mudança do clima.
O jornalista David Wallace-Wells acredita que incêndios, que ano após ano assolam os Estados
Unidos, conhecidos como wildfires, mostram que os desastres provocados pelo aquecimento
global não são algo do futuro. Eles já estão acontecendo (WALLACE-WELLS, 2019).
Os pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) Carlos Nobre, Julia
Reid e Ana Paula Soares Veiga (2012) discutem as razões da elevação da temperatura global.
Segundo eles o clima varia naturalmente em escalas temporais e espaciais. No entanto, nos
últimos 150 anos o ritmo do aumento da temperatura ficou maior. Nos 20 anos que antecederam
a pesquisa aqui mobilizada, o ritmo chegou a ser 50 vezes mais acelerado. Os pesquisadores
identificaram que nos 120 anos antes da pesquisa a temperatura média global subiu quase 0,8ºC
e o nível do mar aumentou em 20 centímetros (NOBRE et al, 2012).
Dados do relatório de 2018 do IPCC mostram uma alteração nesse cenário, como está
posto na Figura 1.
10 Este trabalho assume que a tradução mais adequada para climate change, termo utilizado pelo IPCC, é mudança
do clima, uma vez que essa mudança ocorre em função da ação antrópica. Mudanças climáticas são mudanças que
ocorrem naturalmente no planeta (NOBRE et al, 2012). 11 uma unidade funcional composta de organismos integrados, e em todos os aspectos do meio ambiente em
qualquer área específica. Envolve tanto os componentes sem vida (abióticos) quanto os vivos (bióticos) através
dos quais ocorrem o ciclo dos nutrientes e os fluxos de energia. Para realizá-los, os ecossistemas precisam conter
algumas inter-relações estruturadas entre solo, água e nutrientes, de um lado, e entre produtores, consumidores e
de componentes, de outro (CASSINI, 2005). Como indica a definição escolhida para este trabalho, o ecossistema
é composto pela interação entre elementos originais da natureza e também pela ação humana o que o modifica.
23
Figura 1: Evolução da temperatura média global da superfície durante o período de
observações instrumentais
Fonte: adaptado de IPCC, 2018.
Como é possível observar, entre os anos 1860 e 2020 a temperatura média global subiu
em cerca de 1º Celsius, 0,2º Celsius a mais do que os dados dos pesquisadores do INPE
apresentaram àquela época. Também é possível ver no gráfico que a inclinação da curva se
orientou de modo mais ascendente a partir da metade do século XX, onde a ação humana
impactou ainda mais as dinâmicas do planeta. Além disso, o IPCC, que trabalha com modelos
de previsões, como o Coupled Model Intercomparison Projects Phase 512, acredita que a
temperatura irá subir ainda mais nos próximos anos, evento apresentado pela área hachurada
em azul na Figura 1.
Os gases responsáveis por esse processo são os Gases de Efeito Estufa (GEE)13, sem os
quais não haveria vida na Terra. Para comportar vida, o planeta precisa ter uma temperatura
média superior a 0ºC e substancialmente inferior a 100ºC. Um dos principais gases desse
processo é o CO2, comumente resultante da queima de combustíveis fósseis. Ressalta-se que,
12 Projeto de Intercomparação de Modelo Acoplado Fase 5, versão livre do autor 13 Compõem os GEE: gás carbônico (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), clorofluorcarbonos (CFCs) e
outros gases. Segundo Nobre et al (2012), a concentração desses gases na atmosfera está aumentando, sobretudo
a do CO2, que é nocivo por advir da queima de, por exemplo, carvão, petróleo e gás natural.
24
ainda que seja essencial à vida, é nocivo em altas concentrações. Caso as projeções do IPCC se
concretizem, as plantas continuarão absorvendo gases como estes, oxidando, assim, sua matéria
orgânica, e consequentemente morrerão (NOBRE et al, 2012). A Figura 2 mostra as projeções
das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) em GtCO2e (gigatoneladas de CO2 equivalente)
e também a redução que deveria ser feita para evitar este cenário.
Figura 2: Limite e projeção das emissões globais de GEE até 2030
Fonte: elaborado pelo autor a partir de IPCC, 2018.
Conforme evidencia a Figura 2, a barra azul mostra o limite das emissões globais que
deveria ser observado até 2030, para evitar o superaquecimento do planeta e a intensificação
das consequências supracitadas. Entretanto, como mostra a barra vermelha, as projeções
indicam uma trajetória ascendente das emissões em relação a 2016, ano do estudo representado
pela barra cinza.
Giddens (2010) destaca que o aquecimento é maior nas áreas terrestres do que nos
oceanos, intensificando o risco de secas em regiões do globo. De todo modo, a área coberta
pelo gelo do Ártico, por exemplo, já está com menos da metade do tamanho de 60 anos atrás
(GIDDENS, 2010). Um relatório do IPCC dedicado ao aquecimento dos oceanos publicado em
2019 mostra que a tendência de redução da extensão do gelo da região tem sido de cerca de
12,8% a cada década. O relatório prevê que se a temperatura global ultrapassar os 2º C acima
dos níveis industriais, a cada três anos durante o mês de setembro a região ficaria
completamente sem gelo (IPCC, 2019). Nobre, Reid e Veiga (2012) argumentam que dois
25
processos ocorrem na região: o aumento da temperatura dos oceanos aumenta a velocidade do
derretimento do gelo; além disso, o aumento da temperatura do solo embaixo do gelo também
acelera esse processo (NOBRE et al, 2012). O ponto é que o aumento da temperatura e a
mudança global do clima impactam o solo, os oceanos, a atmosfera, e todos os seres vivos que
habitam o planeta.
Procurou-se evidenciar, por meio dos dados apresentados, que a mudança do clima é
um fenômeno real cuja materialidade é amparada por um vasto arcabouço de conhecimento
científico. Entretanto, para responder à pergunta que orienta esta seção, sobre qual o lugar da
mudança do clima na política internacional, estabelecem-se dois caminhos concomitantes:
primeiro reconhece-se que o conhecimento científico é passível de incertezas, logo, o grau de
consenso científico e político sobre sua importância é fundamental para sua incorporação nas
discussões políticas. Já o segundo caminho retoma a ideia de que a realidade não se manifesta
como a concebemos, mas é fruto de uma construção discursiva. Logo, o lugar da mudança do
clima na política internacional varia em função dos consensos políticos que são estabelecidos
entre os tomadores de decisão ao tratarem sobre ela, e também dos consensos científicos,
assumindo que a ciência também é uma forma de representar e interpretar a realidade.
Segundo Philippe Le Prestre (2000), ao discutir a questão ambiental, ter clareza sobre o
problema não significa que exista um caminho para sua solução. O aumento do conhecimento
não impede que cientistas e tomadores de decisão divirjam ou que estes últimos não se sintam
inseguros em relação às consequências das decisões que poderão tomar (LE PRESTRE, 2000).
A ciência nesta discussão é vista como parte de um todo, onde a forma como é interpretada e
mobilizada importa mais do que o significado dos dados pura e simplesmente.
Discutindo ainda o primeiro caminho, onde o foco são as incertezas associadas ao
conhecimento científico, há que se considerar a importância daqueles agentes que são “céticos”,
ou seja, que não acreditam ou acreditam parcialmente na importância da questão climática.
Giddens (2010) considera que, ainda que sejam minoria, convém prestar atenção ao que dizem
os céticos. Uma das bases da ciência é o questionamento, logo, uma posição crítica pode ser
benéfica no sentido de estimular que mais pesquisas sejam feitas para confirmar ou rejeitar
determinadas descobertas (GIDDENS, 2010). Por conseguinte, esse processo pode levar a uma
ampliação do consenso ou a redução da área de influência das interpretações, o que poderá
estimular os cientistas e promoverem novas buscas.
Uma variação recente de cético, para além dos indivíduos que negam ou negam
parcialmente o aquecimento global, são os chamados lukewarmers, pessoas que acreditam na
mudança do clima, mas não como um fenômeno potencialmente catastrófico
26
(LUKEWARMER, 2020). Isso importa para este trabalho pois esta visão está presente nas
mentes e orientações políticas de muitos tomadores de decisão. A maioria dos políticos tem
consciência dos riscos da mudança do clima (GIDDENS, 2012). No entanto, o desafio continua
sendo transpor esta realidade material e de ordem prática para ações em direção a seu combate.
Segundo Giddens (2010), os políticos também têm ciência da necessidade de responder
aos problemas que intensificam o aquecimento global e que também são consequência dele.
Mas esta seria apenas uma primeira onda, onde o problema entra na agenda política. A segunda
onda deverá ser capaz de incorporar estas questões nas preocupações do dia a dia da sociedade,
bem como nas instituições (GIDDENS, 2010).
Há que se considerar também que, mesmo que não haja consenso científico sobre
determinada questão ambiental, ações devem ser tomadas a seu respeito. Isso é o que prevê o
Princípio 15, ou princípio da precaução, contido no Protocolo de Montreal de 1987. Este
princípio afirma ser preciso lidar com riscos potenciais, estipulando que a proteção ambiental
deve ser promovida mesmo não havendo certeza científica sobre determinada matéria (LE
PRESTRE, 2000).
O segundo caminho, que, como dito, ocorre concomitantemente ao primeiro, enfatiza o
papel dos agentes, sejam eles tomadores de decisão ou não, na determinação do lugar da
mudança do clima na política internacional. O primeiro grupo de agentes que se considera é a
sociedade, representada aqui pelos indivíduos em suas vidas cotidianas. Caso pergunte-se a
algum cidadão de uma metrópole o que ele pensa sobre a necessidade de se proteger o meio
ambiente, sua resposta provavelmente será no sentido de que isso é algo importante para a
sociedade pois todos precisam da natureza. No entanto, se pergunta-se a esse mesmo cidadão
se ele acha que o aquecimento global é o maior problema que a humanidade enfrenta hoje, ele
provavelmente responderá que não (GIDDENS, 2010).
Resguardadas algumas exceções, a posição deste indivíduo é fundamental para que se
entenda o papel da sociedade diante da questão climática. Giddens (2010) acredita que se trata
de um paradoxo:
visto que os perigos representados pelo aquecimento global não são palpáveis,
imediatos ou visíveis no decorrer da vida cotidiana, por mais assustadores que se
afigurem, muita gente continua sentada, sem fazer nada de concreto a seu respeito.
No entanto, esperar que eles se tornem visíveis e agudos para só então tomarmos
medidas sérias será, por definição, tarde demais (GIDDENS, 2010, p. 07).
Este paradoxo afeta, sobretudo, a forma como se reage à mudança do clima. É comum que
muitas pessoas, diante de uma recompensa grande que podem receber no futuro, ou uma menor
27
que podem receber agora, optem por receber a de agora. Isso é chamado de “desconto do futuro”
e, no caso da questão climática, está relacionado à percepção de que a mudança do clima só
trará consequências no futuro, não sendo necessário conferi-la tanta atenção agora (GIDDENS,
2010).
Um estudo do YouGov, grupo de pesquisa e análises situado em Londres, foi realizado
entre 11 de junho e 22 de julho de 2019 com 30 mil pessoas em 28 países. A Figura 3 mostra o
gráfico com a resposta dos cidadãos à pergunta “pensando no desenvolvimento global... Em
geral, qual das declarações a seguir, se alguma, melhor descreve sua visão?”
(INTERNATIONAL... 2019).
28
Figura 3: Percepção dos indivíduos sobre a mudança do clima
Fonte: adaptado de INTERNATIONAL..., 2019.
O questionário aplicado ofereceu quatro opções para os entrevistados. Como observa-
se, poucas pessoas em cada país acreditam que o clima não está mudando. Além disso, também
é minoria o grupo que acredita que a atividade humana não está relacionada a essa mudança.
29
Isso permite reforçar a afirmação de Giddens (2010) de que a maioria dos políticos acredita nos
problemas decorrentes da mudança do clima, o que pensa-se ser válido também para os
cidadãos, uma vez que este consenso tem se ampliado pelas sociedades. O que varia nos países
onde a pesquisa foi aplicada é a percepção dos indivíduos em relação ao grau em que a
intervenção humana é responsável pela a mudança do clima.
A Figura 4 explora a percepção dos indivíduos sobre o impacto da mudança do clima
em suas vidas.
30
Figura 4: Percepção dos indivíduos sobre o impacto da mudança do clima em suas vidas
Fonte: adaptado de INTERNATIONAL..., 2019.
O enunciado da Figura 4 estabelece um recorte que separa os países que estão no
Ocidente, no Oriente e no Oriente Médio, enfatizando que os indivíduos do Oriente e do Oriente
Médio acreditam que o impacto da mudança do clima será maior em suas vidas. Um outro
recorte é possível, separando os países desenvolvidos daqueles em desenvolvimento. Como
31
observa-se, a maior parte dos cidadãos dos países em desenvolvimento acredita que o impacto
em suas vidas será maior, enquanto a menor parte daqueles nos países desenvolvidos escolheu
esta opção. Isto fica evidente com a porcentagem de países como França, Estados Unidos, Reino
Unido e Alemanha, onde a menor parte dos entrevistados acredita que sofrerá um grande
impacto. Chama-se a atenção aqui para quatro países nórdicos, que ocupam as posições mais
baixas das porcentagens do questionário.
Ainda neste capítulo há uma seção que trata dos agentes da política internacional do
clima. Não obstante, é importante discutir um pouco mais o papel dos tomadores de decisão
nesta questão, uma vez que, somados aos indivíduos e suas percepções de mundo, são os
responsáveis pelo estabelecimento lugar da mudança do clima na agenda internacional.
Reforça-se aqui o argumento construtivista de que o modo como determinada questão é
construída discursivamente está relacionado à qual será seu lugar na agenda política.
Le Prestre (2000) acredita que a definição dos problemas depende de fatores culturais,
demográficos, geográficos, históricos, científicos, econômicos e políticos. São muitas as
dinâmicas que incidem sobre a importância da mudança do clima na agenda internacional. A
ciência e a percepção dos indivíduos são apenas algumas delas. É preciso considerar que cada
dinâmica possui suas especificidades e isso também irá impactar a percepção dos indivíduos e
as opções de ação dos tomadores de decisão (LE PRESTRE, 2000). Para exemplificar, Junglaus
e Nascimento (2018), em um estudo sobre a relação da Índia com os Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS) 114 e 715, mostram que o país, em virtude de uma parcela
significativa de sua população estar na extrema pobreza e sem acesso à energia, opta por
desertar de adotar determinadas regras estabelecidas pelo Regime Internacional de Mudança
Climática (RIMC) (JUNGLAUS; NASCIMENTO, 2018). Isso reflete uma especificidade do
país, onde os agentes políticos optam por priorizar certos problemas em vez de outros, tanto em
nível nacional quanto internacional.
Considerando que os tomadores de decisão priorizem a questão climática, escolhas
precisam ser feitas. Giddens (2010) discute o papel da percepção de riscos sobre a consciência
dos indivíduos e como isso pode ser importante para que eles pressionem os governantes e que
também estes últimos os convençam que o clima deve ser um assunto prioritário. Mas é difícil
14 O ODS 1 versa sobre “acabar com a pobreza em todas as suas formas e em todos os lugares” (UNITED
NATIONS, 2016, p. 03, versão livre do autor). 15 O ODS 7 versa sobre "energia acessível e limpa" e procura "promover amplo acesso à energia e aumento do uso
de energia renovável, via cooperação internacional especializada e aumento da infraestrutura e tecnologia para
energia limpa " (UNITED NATIONS, 2016, p.6, versão livre do autor).
32
manter um risco por muito tempo nas mentes das pessoas, uma vez que outros perigos também
surgem e desaparecem (GIDDENS, 2010).
Um exemplo é a pandemia do novo Coronavírus. Em 11 de março de 2020 a
Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou situação de pandemia, evento presente
enquanto esta dissertação foi escrita e que permanece nos dias atuais. A orientação à população
mundial era a de que as pessoas utilizassem máscaras e aderissem ao isolamento social. Uma
pesquisa do Instituto Datafolha mostrou que, no Brasil, país que ocupou por um tempo o
segundo lugar no ranking de contágios, a parcela da população que disse ter medo do
Coronavírus subiu de 36% em março para 47% em junho de 2020 (MEDO..., 2020). Isso mostra
que a humanidade, seja localmente ou por vezes, globalmente, enfrenta questões que ocupam o
topo da agenda e isso está diretamente relacionado com a percepção dos indivíduos sobre o
risco daquela questão.
Entretanto, a pesquisa também mostra que o número de pessoas que seguiam
estritamente o isolamento social, saindo de casa somente quando necessário, caiu de 21% em
abril para 12% em junho (MEDO..., 2020). Com tempo, novas informações e novos riscos, a
percepção de determinado risco muda, algo que acontece na pandemia do Coronavírus e
também na percepção dos indivíduos sobre a ameaça da mudança do clima.
Ronald Mitchell (2010) discute os fatores que determinam quais tópicos ocuparão o topo
das discussões internacionais. Em relação à questão ambiental, ele afirma que sua urgência não
é necessariamente suficiente para fazer com que ela seja priorizada, ainda que seja um elemento
importante. Três processos são importantes: quando um impacto ambiental se torna um
problema; quando um problema se torna um tópico de discussão; e quando o tópico de discussão
se torna um tópico de ação (MITCHELL, 2020).
Para entender a relação desses processos com a agenda internacional, assume-se que ela
seja “um conjunto de tópicos que são preocupação suficiente para governos nacionais relevantes
e eles decidem levá-los para discussão”16 (MITCHELL, 2010, p. 81, versão livre do autor). A
transposição do impacto ambiental para um entendimento de que se trata de um problema,
depende de agentes que já possuem algum grau de consciência ambiental e decidem incorporar
também uma preocupação com aquele impacto. Quando esses agentes levam este problema
para uma discussão com outros agentes que compartilham ou passam a compartilhar daquela
preocupação, é possível torná-lo um tópico para a ação (MITCHELL, 2010).
16 the set of topics which are of sufficient concern to relevant national governments and they decide to take them
up for discussion.
33
Por fim, assumindo ainda que a questão climática seja priorizada num determinado
momento, o estabelecimento de um contexto está diretamente relacionado com a percepção dos
indivíduos sobre ela e com seu lugar na agenda. Para acessar determinados grupos sociais,
políticos costumam se utilizar de simplificações e determinismos, apresentando problemas e
possíveis soluções isolados de um contexto (DALBY, 2013). É preciso que na construção
narrativa da realidade sobre o perigo da mudança do clima seja estabelecido um contexto onde,
por exemplo, os eventos catastróficos – que são mais evidentes para a população – sejam
situados geográfica e temporalmente, de modo que a população entenda que são fenômenos que
podem se repetir e intensificar.
Entre os céticos da mudança do clima há uma discussão sobre o alarmismo. Giddens
sintetiza bem um possível lugar desta perspectiva:
a administração política tem que trilhar um caminho difícil entre o alarmismo e a
tranquilização. Creio que não devemos julgar o pensamento apocalíptico pelas
aparências. Ao contrário, devemos vê-lo como um conjunto de história de advertência.
Ele diz respeito ao que pode dar errado se não ficarmos atentos nem tomarmos as
medidas corretivas apropriadas (GIDDENS, 2010, p. 22).
O lugar da mudança do clima na política internacional está relacionado, portanto, com a forma
como ela é percebida por indivíduos e por tomadores de decisão. Além disso, também tem
relação com o papel da ciência em informar quais os pontos de urgência. E também com as
escolhas que são feitas sobre a construção ou não de uma realidade em que o aquecimento
global seja entendido como um problema urgente e, portanto, prioritário.
2.2 As estruturas institucionais da política internacional do clima
Uma discussão fundamental no debate sobre a mudança do clima é o estabelecimento
de consensos. Como mencionado, já há consenso suficientemente amplo sobre o aquecimento
global ser um fenômeno real e importante, mas permanece o desafio de se estabelecer maior
consenso sobre o grau dessa importância. Acredita-se que as estruturas institucionais da política
internacional que foram se desenvolvendo com o tempo tiveram um papel fundamental nesta
discussão. Nesse sentido, esta seção é orientada pela seguinte pergunta: quais são as estruturas
institucionais da política internacional para a questão da mudança do clima? Inicia-se
discutindo como o construtivismo enxerga as instituições e as organizações internacionais, e
quais os papéis que elas podem desempenhar.
34
Adler (1999) explica que são os entendimentos coletivos que produzem as instituições.
Estes entendimentos informam os indivíduos como as coisas são e como eles podem interagir
com elas (ADLER, 1999). Uma outra forma de chamar estes entendimentos coletivos é por
meio das regras, que do mesmo modo, quando apresentam um padrão estável, dão origem às
instituições. Onuf (1999) diferencia estrutura de instituições: estrutura enquanto esfera que os
observadores veem; e instituições quanto espaço onde os agentes interagem (ONUF, 1999).
As instituições importam, pois, além de serem constituídas por regras, podendo
reafirmá-las ou não, também têm o poder de estabelecer outras. Stefano Guzzini (2003) afirma
que os construtivistas estão interessados em instituições pensando em um nível geral de
constituição da sociedade, e não no sentido material. De todo modo, Adler (1999) enfatiza que
instituições também se manifestam materialmente, por meio, por exemplo, das organizações
internacionais. Para ele o ponto de convergência é o aspecto do poder, uma vez que estes
espaços “podem ser locais de formação de identidades e interesses e porque os Estados e por
vezes indivíduos e outros agentes sociais podem aproximar seus recursos materiais e
simbólicos” (ADLER, 1999, p. 224).
Em virtude de seus arranjos compostos por regras, as instituições, pensadas
materialmente ou não, têm o poder de estabelecer o que será legitimado ou não, e o que será
incluído ou excluído (ADLER, 1999). As instituições, no longo prazo, são importantes também
por estabelecerem as regras do jogo, regras que são reiteradas ou não a partir das interações
entre os agentes (GUZZINI, 2003). Ou seja, instituições são responsáveis por auxiliar a
convergência de interesses dos agentes, bem como atuar no estabelecimento do que deve ou
não ser considerado importante em determinado contexto.
Um processo relevante nesta discussão é o da institucionalização. Tudo começa com a
linguagem e com a fala, quando agentes atribuem um sentido específico a questões específicas
identificadas por eles na realidade. As regras já existentes em suas interações também importam
ao estabelecerem os limites do processo de institucionalização (ONUF, 1989). Ou seja, a
institucionalização de determinada questão depende dos interesses dos agentes e da disposição
deles em promover esse processo. Ressalta-se também que, como o processo foi feito por
agentes a partir de suas visões particulares de mundo e das regras pré-existentes que por eles
foram consideradas, as instituições irão refletir estes elementos.
2.2.1 A institucionalização da política internacional do clima
35
Um dos principais debates dentro da discussão climática no século XXI é sobre o
Antropoceno. Franchini, Viola e Barros-Platiau (2017) oferecem uma definição que “enfatiza
a aceleração da degradação da biosfera nas décadas recentes e conclui que a humanidade já
abandonou o período anterior de estabilidade”17 (FRANCHINI et al, 2017, p. 180, versão livre
do autor). Acredita-se que a pressão sobre os recursos do planeta, empreendida por ação
humana, acelerou um processo que desestabilizou os principais sistemas de suporte a todas as
formas de vida, algo que o Holoceno, período anterior, conseguia sustentar (FRANCHINI et al,
2017).
Há três marcos históricos do início do Antropoceno18. A Revolução Industrial do
começo do século XIX; a revolução iniciada em 1945 com o crescimento da população,
aumento do uso de recursos naturais e criação da bomba atômica; e o começo do século XXI
com a consolidação do consenso científico da responsabilidade da ação antrópica no
aquecimento global (FRANCHINI et al, 2017). Os autores dão destaque a esta terceira data pois
foi um momento fundamental para que esta discussão assumisse maior centralidade na política
internacional. Outrossim, muitos foram os agentes e as instituições que participaram e
participam desse processo.
Onuf (1999) entende que “seja por acidente ou por design, regras e práticas relacionadas
à elas frequentemente formam um padrão estável (mas nunca fixo) que atende às intenções dos
agentes. Esse padrão são as instituições”19 (ONUF, 1999, p.03, versão livre do autor).
Instituições, entendidas, portanto, como espaços que oferecem possibilidades aos agentes em
virtude de suas estruturas dotadas de regras e agência, são fundamentais no entendimento de
como a questão climática se desenvolveu ao longo do tempo. A medida que novos dados
apontavam para a natureza interligada dos problemas que o planeta enfrentava, a discussão
ambiental incorporou também a preocupação com o clima.
A Figura 5 apresenta uma linha do tempo com marcos em que importantes discussões
sobre o meio ambiente foram feitas no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU).
Destaca-se como a concepção de conservação, para além de exploração, foi ganhando destaque
nos debates internacionais.
17 emphasizes the acceleration of the degradation of the biosphere in recent decades and concludes that humanity
has already abandoned the previous period of stability. 18 Além da perspectiva proposta por Franchini et. al. (2017), destaca-se que a palavra “Antropoceno” foi proposta
pelo biólogo estadunidense Eugene F. Stoermer em 1980 e passou a se popularizar nos anos 2000. Tem-se que a
discussão do Antropoceno envolve questões como biocapacidade, pegada ecológica e biodiversidade, além de
outros indicadores que sinalizam que vive-se esse período (UM..., 2018). 19 Whether by accident or by design, rules and related practices frequently form a stable (but never fixed) pattern
suiting agents' intentions. These patterns are institutions.
36
Figura 5: Linha do tempo com marcos históricos da discussão ambiental até 1969
Fonte: elaborado pelo autor a partir de MCCORMICK, 1992.
A medida que os debates sobre questões ambientais se ampliavam, também cresciam o
número de pesquisas e evidências científicas que chamavam a atenção para o impacto da ação
humana sobre a natureza. A partir dos anos 1970, os esforços dos Estados aumentaram no
sentido de cooperar em questões ambientais e de reconhecer o meio ambiente enquanto um bem
comum global. Como afirmam Franchini et al (2017), um marco histórico nas Relações
Internacionais para a ascensão da agenda ambiental foi a Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente Humano, também conhecida como Conferência de Estocolmo (FRANCHINI
et al, 2017).
Realizado em junho de 1972 em Estocolmo na Suécia, o evento contou com a
participação de 113 países, 19 órgãos intergovernamentais e 400 organizações
intergovernamentais e não governamentais. Seu objetivo era o de estabelecer, no âmbito da
ONU, bases para a convergência da atenção pública e dos governos acerca da importância do
meio ambiente. É importante pontuar que, quatro anos antes ocorreu um outro evento que
auxiliou no estabelecimento das bases das discussões de Estocolmo. Na Conferência da
Biosfera, realizada em 1968 e sugerida pela UNESCO, os delegados reconheceram a natureza
inter-relacionada do meio ambiente e concluíram que sua deterioração era causada pela
interferência da ação humana (MCCORMICK, 1992).
37
A Conferência de Estocolmo é simbólica sobretudo por duas razões: foi marcada pelo
protagonismo dos países em desenvolvimento e foi o acontecimento que mais influenciou a
evolução do movimento ambientalista internacional. Como explica McCormick (1992) os
países desenvolvidos haviam ido para a conferência acostumados a determinar os rumos de
discussões internacionais. No entanto, os países em desenvolvimento assumiram as discussões
enfatizando que não poderiam abrir mão de seu desenvolvimento e que era necessária uma
perspectiva global para lidar com a questão (MCCORMICK, 1992).
A segunda razão diz respeito à presença de Organizações Não Governamentais (ONGs)
na conferência. Ainda que com peso limitado, elas foram as responsáveis por reforçar a
importância das questões ambientais e contribuíram no avanço do movimento ambientalista
internacional (MCCORMICK, 1992). Esta segunda razão será melhor desenvolvida ainda neste
capítulo. Enfatiza-se aqui o papel da Conferência de Estocolmo enquanto um espaço novo e
importante para a agenda ambiental e para os Estados em desenvolvimento e as ONGs.
Nos anos 1980, evidências científicas começaram a incorporar uma nova preocupação:
o aumento significativo das emissões de GEE na atmosfera a partir da queima de combustíveis
fósseis (MOOSMANN et al., 2019). Os dados mostravam que foi a partir da Revolução
Industrial, da intensificação das atividades industriais e extrativistas que a concentração de
gases começou a aumentar, o que implicava em um problema global: o aumento da temperatura
do planeta (DINIZ, 2015).
Em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, tendo como foco o objetivo de estabilizar as
concentrações de GEE na atmosfera, adotou-se a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima (UNFCCC). Um importante passo da UNFCCC foi o estabelecimento do
princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas20. A existência de tal princípio
foi um avanço fundamental no reconhecimento de que os países desenvolvidos eram os maiores
responsáveis pelas emissões históricas. Desse modo, foram alocados no Anexo I, e, os países
em desenvolvimento, passaram a compor o grupo não-Anexo I (MOOSMANN et al., 2019).
Formalmente, após assinaturas e ratificações, a UNFCCC só entrou em vigor em março
de 1994. No ano seguinte ocorreu a primeira Conferência das Partes da Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP) na cidade de Berlim, e atualmente a
20 Princípio número sete da Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente (1992), previamente introduzido no
Protocolo de Montreal (1987): “os Estados devem cooperar, em um espírito de parceria global, para a conservação,
proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as distintas contribuições
para a degradação ambiental global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países
desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que têm na busca internacional do Desenvolvimento Sustentável,
em vista das pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e das tecnologias e recursos
financeiros que controlam” (ONU, 1992, s/p).
38
organização conta com a participação de 197 Estados, incluindo a União Europeia e seus
Estados membros (MOOSMANN et al., 2019). Franchini, Viola e Barros-Platiau (2017)
sintetizam que a UNFCCC e sua estrutura, somada a outros dois elementos, passaram a orientar
os caminhos das questões ambientais a nível internacional. São eles: (1) a consolidação de
organizações científicas, como o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA) e o IPCC; (2) e o estabelecimento de mecanismos regulatórios universais, como o
Protocolo de Quioto (FRANCHINI et al, 2017).
O Protocolo de Quioto foi adotado em 1997 para dar suporte aos objetivos da UNFCCC.
Valendo-se dos Anexos, estabeleceu-se que os países desenvolvidos teriam que limitar ou
reduzir suas emissões de GEE, em um período acordado que iria de 2008 a 2012. Para tanto o
Protocolo previa três mecanismos: (1) o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)
serviria para que os países do Anexo I usassem reduções certificadas de emissões de projetos
de mitigação em países em desenvolvimento para cumprir os próprios objetivos; (2) a
Implementação Conjunta autorizava os países desenvolvidos a obter unidades de redução de
emissões de projetos em outros países desenvolvidos; e (3) os países desenvolvidos poderiam
transferir parte de seus orçamentos de emissão para outros países do Anexo I (MOOSMANN
et al., 2019)
Franchini et al (2017) refletem sobre a importância destas iniciativas institucionais
voltadas para a questão ambiental. “A humanidade foi capaz de consolidar um consenso
civilizacional sobre a necessidade de manter um certo equilíbrio em relação ao meio ambiente,
a fim de evitar consequências desastrosas ou catastróficas para as gerações presentes e
futuras”21 (FRANCHINI et al, 2017, p. 178, versão livre do autor). No entanto, destacam-se
alguns problemas no que tange ao Protocolo. Os EUA22, maiores emissores à época, não
ratificaram o acordo. Ademais, quando o primeiro período acabou, os países concordaram com
um segundo – estabelecido na chamada Emenda de Doha, que se daria no período de 2013 a
2020. No entanto, o Protocolo estipula que as emendas só entram em vigor com a ratificação
de pelo menos três quartos de seus membros. Até novembro de 2019, 134 das 192 Partes
ratificaram, ficando de fora importantes países como a Rússia, o Japão, e, evidentemente, os
Estados Unidos (MOOSMANN et al., 2019).
21 Humanity was able to consolidate a civilizational consensus on the need to maintain a certain balance in relation
to the environment, in orther to avoid deterious or catastrophic consequences for present and future generations. 22 Os EUA se mantiveram o maior emissor de GEE desde a metade do século XIX. Isso mudou em 2005, quando
a China, impulsionada pela forte industrialização intensivamente baseada na queima de carvão, os ultrapassou. No
ranking de maiores emissores aparecem em seguida a Índia, Rússia, Japão, Brasil e Alemanha (OS PAÍSES...,
2019).
39
Com o passar dos anos as emissões de GEE seguiram aumentando, sobretudo as de
países emergentes como a China. Isso se deu também porque os compromissos do Protocolo
cobriam um número limitado de países desenvolvidos. Desse modo, começaram as tentativas
de se formular um sucessor para o Protocolo que colocasse compromissos de mitigação para
um número maior de países. Houve uma tentativa na COP 15 em Copenhagen, mas foi em
dezembro de 2015, na COP 21, que se estabeleceu o Acordo de Paris (MOOSMANN et al.,
2019).
O Acordo de Paris difere do Protocolo de Quioto por estipular compromissos que se
aplicam a todas as Partes. Cada país deve anunciar suas Intended Nationally Determined
Contributions (iNDCs)23 voltadas para a mitigação e adaptação à mudança do clima. O acordo
é relevante também em virtude da estrutura de seus mecanismos: os botton-up, ou seja, ações
que partem dos próprios países; e os top-down, que é um sistema de regras com o qual os países
concordaram ao ratificar o Acordo (MOOSMANN et al., 2019).
A Figura 6 apresenta um gráfico que sintetiza parte da trajetória apresentada acima.
Figura 6: Marco histórico sob a UNFCCC
Fonte: adaptado de GÜTSCHOW et at. 2019.
23 Contribuições Nacionalmente Determinadas, versão livre do autor.
40
Como é possível observar, mesmo com esforços internacionais de conservação
ambiental e controle da temperatura global, as emissões de GEE seguem aumentando, assim
como a temperatura oscila em um sentido ascendente. Também se destaca que o segundo
período estipulado pelo Protocolo de Quioto se encerra em 2020 e é seguido pela proposta das
iNDCs do Acordo de Paris. Entretanto, nem todos os países signatários prometeram reduções
ou limitações. Ademais, em 4 de novembro de 2019 os EUA notificaram a ONU sobre sua
retirada do Acordo, ação que terá impactos para as emissões e para o clima do planeta
(MOOSMANN et al., 2019).
Ainda na Figura 6 observa-se que em 2023 acontecerá o primeiro Global Stocktake24.
Este processo, que está previsto no Artigo 14 do Acordo de Paris, estipula que deverá ser feito
um balanço acerca da implementação do Acordo e dos progressos alcançados pelos países. Cabe
aos países informarem, por meio das iNDCs, os avanços de adaptação e mitigação que estão
promovendo. Além disso, esse processo deverá ser realizado a cada cinco anos (UNFCCC,
2015).
Há que se considerar também mais uma iniciativa empreendida pela ONU que lida com
a mudança do clima e com outros problemas sociais, econômicos e políticos atrelados à
discussão do desenvolvimento e do meio ambiente. Em 2015 foi lançada a Agenda 2030, um
programa que estipulou os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), todos
responsáveis por propor caminhos para a superação de grandes desafios (UNITED NATIONS,
2016).
O quadro 1 apresenta informações que sintetizam as estruturas da política internacional
do clima.
24 Balanço Global (versão livre do autor).
41
Quadro 1 – As estruturas institucionais da política internacional do clima
Ano Evento Descrição
1972 Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente Humano
Conhecida como Conferência de Estocolmo, teve o objetivo de
desenvolver bases para a convergência da atenção pública e dos
governos acerca da importância do meio ambiente. Foi
marcante em função do protagonismo dos países em
desenvolvimento e da alta presença de ONGs.
1987
Relatório Nosso Futuro Comum
Também conhecido como Relatório Brundtland, importante
marco onde apresenta-se formalmente pela primeira vez o
conceito de desenvolvimento sustentável.
Protocolo de Montreal
Documento que trata das substâncias que diminuem a camada
de ozônio. Importante no estímulo de avanços tendo em vista
este desafio.
1992
Conferência sobre o meio
ambiente e o desenvolvimento
Conhecida como Eco-92, a conferência foi responsável pela
criação da UNFCCC.
Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima
(UNFCCC).
Responsável pelo estabelecimento do princípio das
responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
1995 Primeira Conferência das Partes
(COP)
Em sua primeira edição a COP contou com a presença de 197
Estados, além de outros agentes não estatais. Acontece
anualmente desde então.
1997 Protocolo de Quioto Acordo que estipulou que os países desenvolvidos teriam que
limitar ou reduzir suas emissões de GEE.
2015
Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS)
17 objetivos em diferentes áreas do desenvolvimento
sustentável cuja meta é que sejam cumpridos até 2030.
Acordo de Paris
Acordo que estabeleceu obrigações legais para todas as Partes.
Cada país passou a ser responsável por anunciar suas
Contribuições Nacionalmente Determinadas (iNDC).
Fonte: elaborado pelo autor a partir de LE PRESTRE, 2000; VIOLA, 2002 e FRANCHINI, VIOLA E
BARROS-PLATIAU, 2017.
A UNFCCC, o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris são os principais instrumentos
do Regime Internacional de Mudança Climática (VIOLA, 2002). Esta seção mostrou que a
questão da mudança do clima foi sendo incorporada dentro de algumas estruturas que já lidavam
com a discussão ambiental. Os três instrumentos citados refletem a preocupação com a
limitação das emissões de GEE e apresentam estruturas reguladoras que colocam em diálogo
agentes estatais e não estatais em direção a proposições coletivas para a solução desse problema.
42
2.3 Os agentes da política internacional do clima
A seção 2.1 mostrou que o lugar da mudança do clima na política internacional depende
de como ela é percebida por indivíduos e por tomadores de decisão. Além disso, depende
também da ciência e de sua capacidade de informar o quão urgente é a questão. A pergunta que
orienta esta seção é: quais são os principais agentes da política internacional do clima? Para
conhecê-los e compreendê-los, é necessário olhar para esse lugar onde se encontra a mudança
do clima.
Le Prestre (2000) afirma que a definição dos agentes relevantes nessa discussão está
relacionada com a definição dos problemas. Há muitas formas que os agentes podem se
classificar ou serem classificados, por exemplo, como causadores ou vítimas da mudança do
clima, preocupados ou não em combatê-la, atentos ou não para sua urgência (LE PRESTRE,
2000). De todo modo, duas questões são importantes aqui: primeiro, estas definições, bem como
as dos problemas relevantes, decorrem do jogo político; e, segundo, os agentes podem ocupar
várias classificações ao mesmo tempo, assim como variar em gradações. Estas classificações
são importantes metodologicamente para a compreensão desta questão, mas de modo algum
devem ser limitadoras.
As definições dos problemas ambientais importam pois vão indicar o quanto
determinado agente se sente envolvido com aquela questão. Mitchell (2010) define problemas
ambientais internacionais como “aqueles impactos sobre o ambiente natural das atividades
humanas que algum conjunto significativo de pessoas vê como negativos e que têm, ou um
aspecto trasnfronteiriço, ou de bens comuns globais25”26 (MITCHELL, 2010, p. 21, versão livre
do autor). Como aponta esta definição, os problemas decorrem de impactos sobre o meio
ambiente, portanto possuem materialidade. No entanto, só se tornam problemas de fato quando
um determinado conjunto de pessoas os vê dessa forma.
A seguinte reflexão auxilia na compreensão desta definição: para a biodiversidade se
tornar uma preocupação, é preciso que a manutenção da diversidade das formas de vida também
o seja. Além disso, a construção dessa preocupação depende da ampliação do entendimento de
como funcionam os ecossistemas e a interação com as espécies, bem como da relevância deles
25 Ostrom (1998) discute os bens comuns globais na perspectiva ambiental assumindo que a maior parte dos
sistemas naturais utilizados pelas sociedades podem ser entendidos como recursos comuns. O problema é que boa
parte deles só pode gerar quantidades finitas de unidades, logo, o uso por um indivíduo afeta a quantidade
disponível para os outros (OSTROM, 1998). 26 those impacts on the natural environment of human activities that some significant set of people view as negative
and that have either a transboundary or international commons aspect.
43
para a manutenção da vida humana. Agora, se a biodiversidade será debatida no âmbito da
proteção ambiental ou do comércio, dependerá da capacidade de um conjunto de agentes em
entendê-la como tal e em mobilizá-la para tal esfera (LE PRESTRE). É preciso atenção,
portanto, pois as soluções pensadas para problemas ambientais internacionais podem acabar
refletindo desigualdades e estimulando conflitos entre agentes com maior ou menor capacidade
política de estabelecimento de uma agenda.
Mitchell (2010) continua:
um problema se constitui a depender de quantas pessoas estão preocupadas e quão
preocupadas coletivamente elas estão. Mas podemos dizer que quando um grande
número de pessoas ou um número pequeno de pessoas politicamente importantes se
tornam suficientemente preocupadas, a maioria das pessoas concordaria que ‘o
problema existe’. ‘Um conjunto significativo’ de pessoas, não precisa ser a maior
parte das pessoas do planeta, mas pode consistir de alguns ativistas, cientistas, ou
outros que observam o impacto, consideram isso um problema, e auto
conscientemente tentam convencer outros da mesma forma27 (MITCHELL, 2010, p.
22, versão livre do autor).
Considera-se, portanto, que os agentes relevantes da discussão climática são aqueles que têm
capacidade de mobilizar seus interesses e certa visão de mundo sobre o problema que eles
enxergam, além da capacidade que eles possuem de convencer os outros sobre aquela visão de
mundo.
Este trabalho, a partir do exposto sobre como a discussão ambiental caminhou e como
a política internacional do clima se estabeleceu, pensa os agentes fundamentais desta discussão
do seguinte modo: há aqueles que são perpetradores do problema, aqueles que são vítimas, e
aqueles que podem bancar os custos da solução do problema. Evidentemente que um
perpetrador também pode ser vítima e ser capaz de assumir os custos da solução (MITCHELL,
2010). Assume-se que os Estados desenvolvidos sejam perpetradores e também vítimas, porém
dotados de recursos que os Estados em desenvolvimento não possuem do mesmo modo, além
de que estes últimos são entendidos mais como vítimas do que perpetradores. Já os movimentos
ambientais, agentes também fundamentais nessa discussão, são entendidos como vítimas. A
discussão sobre os Estados será melhor desenvolvida abaixo, já a discussão sobre os
movimentos será mais aprofundada no Capítulo 3.
27 what constitutes a ‘problem’ depends on both how many people are concerned and how concerned they
collectively are. But we can say that when a large number of people or a small number of politically important
people become sufficiently concerned, most people would agree that ‘a problem exists’. ‘Some significant set’ of
people need not be most people on the planet but may consist of a few activists, scientists, or others who observe
an impact, consider it a problem, and self-consciously attempt to convince others likewise.
44
A seção 2.2.1 mostrou como a industrialização foi responsável pelo aumento das
emissões de GEE. Esse processo ocorreu, sobretudo, no norte global, alavancado por países
europeus, pelos Estados Unidos e pela China. Giddens (2010) é categórico ao afirmar que, como
foram os países industrializados a causarem a maior parte do problema, cabe a eles assumir a
vanguarda na implementação de medidas de combate ao aquecimento global (GIDDENS,
2010). O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas é um exemplo de que a
comunidade internacional reconhece a necessidade desta divisão e da responsabilidade maior
que cabe aos países desenvolvidos. Entretanto, como mostrado, as emissões globais de GEE
não param de subir, impulsionadas por países em desenvolvimento, mas também por
desenvolvidos, e a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris é um indicador negativo do
compromisso do país nesse sentido.
Giddens (2010) discute que, mesmo com a ascensão de outros agentes na política
internacional, como as OIs, ONGs e os próprios movimentos ambientais, o Estado continua
sendo um agente importantíssimo. Discutir o contraste entre os países desenvolvidos e os que
estão em desenvolvimento permite enxergar que o crescimento, sobretudo o econômico, é
talvez a principal demanda destes últimos, pois está atrelada a superação de outros problemas,
como a pobreza e a desigualdade de renda. O autor também sugere uma alternativa um tanto
controversa: cabe aos países desenvolvidos reduzir significativamente suas emissões, enquanto
se permita que os países em desenvolvimento aumentem as suas por um tempo, para que depois
as reduzam e, assim, estes grupos convirjam (GIDDENS, 2010). Esta alternativa faz sentido
pois está refletida em algumas iniciativas da própria UNFCCC. Porém, na prática, o que ocorre
pode ser visto, por exemplo, com a China, país que ultrapassou as emissões dos Estados Unidos
em 2005, valendo-se dos recursos do grupo Não-Anexo I, e figura atualmente como o maior
emissor (OS PAÍSES..., 2019).
Há que se considerar, tendo em vista a perspectiva teórica que compõe o modelo
analítico desse trabalho, que os interesses dos agentes estão refletidos em suas ações. No caso
dos Estados, cada um define suas prioridades em função de seus custos sociais e econômicos,
bem como tendo em vista os grupos de interesses que também influenciam nos debates políticos
dentro dos países. Ademais, internacionalmente, as soluções que os agentes propõem tendem a
universalizar uma determinada cultura política (LE PRESTRE, 2000). Isso importa pois, como
dito, o estabelecimento do problema no topo da agenda depende dos interesses dos agentes, e
além disso, considerar esta propagação de uma determinada cultura pode ser importante para
compreender os aspectos em que os movimentos ambientais conseguirão influenciar os Estados
e, por conseguinte, a política internacional do clima.
45
Retomando a questão da responsabilidade dos países desenvolvidos, Giddens (2010)
trabalha com as ideias de “poluidor pagador” e “responsabilidade ampliada do poluidor”
(GIDDENS, 2010, p. 37). Estes conceitos assumem que os responsáveis pelas emissões devem
receber uma cobrança proporcional a ela e que também incorpore uma responsabilidade sobre
o descarte de materiais de empresas que poluem o meio ambiente (GIDDENS, 2010). O ponto
é que, essa medida, bem como outras tantas que entendem o alcance dos problemas ambientais,
são importantes pois colocam incentivos para que os Estados desenvolvidos mudem seus
comportamentos.
Os países desenvolvidos, com 1/5 da população mundial, emitiram 2/3 do total das
emissões históricas. No entanto, como visto, em 2005 as emissões históricas da China
ultrapassaram as dos Estados Unidos e, a partir desta data, a maior porcentagem das emissões
passou a vir dos países em desenvolvimento. Porém, a maior parte do produto gerado pela
emissão dos países em desenvolvimento abastece os mercados dos países desenvolvidos
(NOBRE et al, 2012). Essa informação reflete uma das principais demandas de ONGs e
movimentos ambientais, que é a de que os países desenvolvidos assumam responsabilidade e
liderem o combate ao aquecimento global.
Outros agentes, sejam eles membros da sociedade civil, ONGs ou movimentos
ambientais, têm um papel importante na discussão climática. Como afirma Mitchell (2010), um
agente corporativo ou não governamental pode ser influente no Estado, incentivando, por
exemplo, a preservação ambiental. Além disso, se esse Estado possui poder internacionalmente,
a voz desse agente tem um maior potencial de ser ouvida do que a de agentes sem poder político
em países menos poderosos. Quando essa dinâmica emerge, ela pode criar pressões fortes para
os Estados que vão impactar na forma como outras esferas, como a econômica, vão interagir
com a ambiental (MITCHELL, 2010). No próximo capítulo este trabalho irá se debruçar sobre
os movimentos ambientais e a discussão procurará evidenciar a importância que eles
assumiram, sobretudo na segunda década do século XXI, mostrando como se mobilizaram e de
que forma impactam na política internacional do clima.
Para além da materialidade da mudança do clima, este capítulo mostrou como é
fundamental a construção de uma narrativa que a transponha para o topo da agenda política. A
humanidade está habituada há séculos a contar histórias, muitas delas com lições que permitem
repensar seu modo de vida. Na fantasia medieval “A Guerra dos Tronos”28, a premissa de
28 “A Guerra dos Tronos” é o primeiro livro da série “As Crônicas de Gelo e Fogo” do autor George R. R. Martin.
Trata-se de uma fantasia medieval onde famílias poderosas disputam o domínio dos sete reinos de Westeros
(MARTIN, 2013).
46
George R.R. Martin (2013) é uma evidente advertência climática: “o inverno está chegando”
(MARTIN, 2013). Além disso, toda a narrativa funciona como uma metáfora que faz alusão ao
debate climático atual, uma vez que, caso os pretendentes ao Trono de Ferro não abram mão de
suas aspirações pessoais, uma ameaça maior que todos irá devastar o continente e a vida que
nele habita.
A discussão climática pode também ser pensada pela lógica da tragédia dos comuns.
Garret Hardin (1968) trabalha com a ideia de que talvez a humanidade não consiga se comportar
de modo sustentável em relação aos bens comuns sem que haja alguma regulação, tendendo a
destruí-los por não conseguir agir de modo não egoísta (HARDIN, 1968). Assumindo o meio
ambiente e muito de seus recursos como bens comuns globais, como já discutido a partir de
Mitchell (2010) e Ostrom (1998), regulações nacionais e as estruturas internacionais
mencionadas trabalham no sentido de evitar que essa “tragédia” ocorra. Entretanto, como
também visto, ainda é preciso avançar para que se garanta o uso sustentável dos recursos e que
se combata a mudança do clima.
Este capítulo teve o objetivo de discutir qual o lugar da mudança do clima na política
internacional, quais as estruturas ela dispõe para a questão climática e quais os principais
agentes nela envolvidos. Foi possível identificar que o lugar da mudança do clima na política
internacional está relacionado à forma como esse fenômeno é percebido por indivíduos e
tomadores de decisão, bem como com os consensos políticos e científicos que informam seus
pontos de urgência. Além disso, a ótica construtivista mobilizada na construção do modelo
analítico deste trabalho permitiu identificar a importância das instituições do sistema ONU na
preservação ambiental e no avanço da preocupação com o aquecimento global. Por fim, também
foi possível compreender a relevância dos Estados desenvolvidos e de outros agentes, como os
movimentos ambientais nessa discussão, tendo em vista a responsabilidade histórica dos
primeiros, e a capacidade de mobilização política dos segundos.
47
3 OS MOVIMENTOS SOCIAIS AMBIENTAIS NO SÉCULO XXI
Para uma compreensão teórica mais ampla da construção social da realidade
internacional, todos os agentes são relevantes. O Construtivismo busca oferecer um
entendimento sobre como diferentes agentes moldam e são moldados pelo processo de
constituição social (ADLER, 1999). Este capítulo se dedica a completar o modelo analítico
desta dissertação, focando no estudo dos movimentos sociais ambientais e evidenciando a
relevância que possuem na política internacional do clima.
Cada seção se inicia mobilizando perguntas parciais, mesma estratégia do capítulo
anterior. Acredita-se que esta estratégia permitiu e permitirá percorrer um itinerário analítico
teórico que oferecerá os recursos necessários para as análises a serem feitas no Capítulo 4.
Inicia-se por discutir o lugar dos movimentos sociais na política internacional segundo a
perspectiva construtivista e a partir da concepção de Maria da Glória Gohn (2003;2004) e
Manuel Castells (2013). Depois, aborda-se o lugar dos movimentos sociais ambientais
transnacionais na política internacional do clima, mobilizando, sobretudo, Margaret E. Keck e
Kathryn Sikkink (1999). Por fim, discute-se os principais aspectos teóricos da importância da
linguagem e do discurso na construção da realidade social e a posição dos agentes nela, no
intuito de estabelecer os parâmetros das análises que serão feitas no Capítulo 4.
3.1 Os movimentos sociais e a política internacional
As premissas construtivistas que foram estabelecidas no Capítulo 2 acerca da
importância das regras e da linguagem, bem como as relações pontuadas sobre a co-constituição
dos agentes e da estrutura, são imprescindíveis para a discussão que será feita a seguir. A ótica
construtivista para a discussão e análise de movimentos sociais é promissora, tendo em vista
sua capacidade de acessar a construção das identidades dos movimentos, e também de
identificar os elementos que eles carregam, e os que incorporam a partir das dinâmicas sociais.
A pergunta que orienta esta seção é qual o lugar dos movimentos sociais na política
internacional? Acredita-se que esta discussão permitirá compreender os elementos que
condicionam a ação dos movimentos, bem como os processos por eles feitos no sentido de
impulsionarem suas pautas dentro da política internacional.
Gohn (2003), em uma definição concisa, entende movimentos sociais como “ações
sociais coletivas de caráter socio-político e cultural que viabilizam distintas formas da
população se organizar e expressar suas demandas” (GOHN, 2003, p.13). Esta definição dialoga
48
com a abordagem construtivista pois compartilha da noção de que os movimentos sociais têm
a ver com processos sociais. Nesses processos têm-se a identificação de um problema, que como
visto, necessita de um conjunto de agentes identificando-o enquanto um, o que leva à
constatação de que os problemas sociais não são dados de modo objetivo, mas dependem de
uma construção que é subjetiva e discursiva (HJELMAR, 1996).
Destaca-se também o fato de que movimentos sociais são arranjos sociais com o
propósito de expressar suas demandas. São uma forma de expressão de poder da sociedade
civil, logo suas demandas se estabelecem em um contexto que é social e político. Para que
exista uma demanda, é preciso que estes arranjos acreditem em alguma necessidade não
atendida, podendo ela ser de ordem política, social, econômica, cultural ou até mesmo algum
projeto utópico. Esta necessidade pode ser de bens materiais ou simbólicos (GOHN, 2004).
Considera-se também que os movimentos sociais são “o trabalho de ambos: tanto de
agentes sociais quanto do conjunto de limites impostos a eles pelas instituições de nossa
sociedade”29 (HJELMAR, 1996, p. 170, versão livre do autor). Onuf (1989) compartilha dessa
premissa ao entender que todos os agentes que participam da vida social estão sujeitos às regras
que a constituem. As regras informam aos agentes por meio, por exemplo, das instituições,
quais são as estruturas que regem a realidade, estruturas estas que compõem e são inerentemente
partes da própria realidade social (ONUF, 1989).
Assumindo a função co-constitutiva do agente na realidade, ele se relaciona com ela
tendo em vista hierarquias e redes organizacionais que têm a ver com as questões que são
centrais para cada agente (ONUF, 1989). O lugar de um agente em uma hierarquia, bem como
sua capacidade de se organizar em redes, estão diretamente relacionados com sua capacidade
de projetar seus valores. Estados podem fazer isso mobilizando, por exemplo, suas
prerrogativas de soberania sobre determinada questão (MITCHELL, 2010). Já outros agentes,
como os movimentos sociais, enfrentam desafios complexos para se projetarem, desafios estes
que serão discutidos mais à frente.
Gohn (2004) oferece uma definição mais detalhada de movimentos sociais que auxilia
na reflexão de outros aspectos.
Movimentos sociais são ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos
pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da
conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força
social na sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre
29 the work both of social actors and the framework of limits imposed upon them by the institutions of our society.
49
temas e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciadas pelo grupo na
sociedade. As ações desenvolvem um processo social e político cultural que cria uma
identidade coletiva para o movimento, a partir dos interesses em comum. Esta
identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade e construída a partir
da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo, em
espaços coletivos não-institucionalizados. Os movimentos geram uma série de
inovações nas esferas pública (estatal e não-estatal) e privada; participam direta ou
indiretamente da luta política de um país, e contribuem para o desenvolvimento e a
transformação da sociedade civil e política (GOHN, 2004, p. 251-252).
Ao que se segue, serão detalhados os aspectos que foram apresentados nesta definição.
Esta discussão se baseia no paradigma dos Novos Movimentos Sociais30, debate das Ciências
Sociais, mas com diálogo direto com o campo de pesquisa das Relações Internacionais, que
oferece explicações mais conjunturais e baseadas em processos da vida cotidiana para a
compreensão destas formas de organização social (GOHN, 2004).
Para compreender um movimento social é necessário que se analise o grupo que o
origina. Há que se considerar a identidade do grupo, ou seja, o que o determina enquanto um
grupo. Essa identidade social não existe antes que suas práticas se manifestem, mas é construída
em virtude da posição que aquele grupo assume na realidade social. Assim como há instituições
externas aos movimentos que condicionam suas ações, há instituições que determinam a
identidade dos grupos, onde se estabelecem as regras que regulam suas práticas (SADER,
1988).
Os movimentos decorrem de lutas sociais e de processos históricos. As desigualdades
entre classes sociais, sejam elas de ordem econômica, política, cultural, foram o estopim para o
surgimento de muitos deles. “Enquanto a humanidade não resolver seus problemas básicos de
desigualdades sociais, opressão e exclusão, haverá lutas, haverá movimentos” (GOHN, 2004,
p. 20). Assim como a realidade social e suas estruturas mudam, também se transformam os
movimentos e suas formas de manifestação.
Antes do paradigma dos Novos Movimentos Sociais, o conceito de classe era
fundamental para a sua definição. A partir do final do século XX, observou-se que a base social
dos movimentos começou a transcender as estruturas de classes. Se antes as ideologias dos
movimentos de classes trabalhadoras eram facilmente identificáveis, as características
ideológicas dos Novos Movimentos Sociais apresentam um contraste por serem mais difusas e
por mobilizarem novas formas de identidade (GOHN, 2004).
30 Este paradigma, dedicado à compreensão dos movimentos que surgiram no final do século XX, se baseia em
aspectos culturais, rejeita a ideia de sujeito histórico redutor da humanidade formado por uma “consciência
autêntica”, incorpora um sujeito coletivo difuso em luta contra as desigualdades de acesso a bens, salienta as ações
coletivas de atores sociais, confere à política o protagonismo de dimensão da vida social e foca na identidade que
constitui os movimentos (GOHN, 2004).
50
A ideologia de um movimento “corresponde ao conjunto de crenças, valores e ideias
que fundamentam suas reivindicações” (GOHN, 2004, p. 258). Já as práticas “se compõem de
ações diretas e discursos, podendo ser mais ou menos organizadas” (GOHN, 2004, p. 260).
Nessa lógica, ideologia pode ser entendida como o conteúdo que orienta as práticas dos
movimentos. Pensando em termos da capacidade de influência de um agente, Onuf (1989)
destaca que é por meio das práticas que eles legitimam e institucionalizam suas vantagens e
posições (ONUF, 1989).
O estabelecimento de consensos já foi apresentado neste trabalho como um processo
indissociável da construção de narrativas políticas promissoras. No que concerne aos membros
dos movimentos, essa ideia também se aplica. A capacidade de um grupo se organizar em torno
de um determinado interesse, situá-lo dentro de uma dinâmica específica da sociedade, e de
comunicá-lo com sucesso em meio às várias narrativas da realidade social, incide diretamente
sobre sua capacidade de reunir novos membros. Hjelmar (1996) apresenta dois meios para isso:
o emprego de estratégias de persuasão de longo prazo voltadas para pessoas com pouca simpatia
pela causa do movimento; e estratégias de persuasão de curto prazo, voltadas para pessoas já
simpatizantes daquela questão (HJELMAR, 1996).
A manifestação de um movimento na sociedade está relacionada com o cenário sócio-
político cultural que o engloba. Há que se considerar as questões que motivam sua ação, se sua
pauta está vinculada à um contexto geográfico específico, em quais redes de apoio ele se insere,
quais são seus opositores e qual tipo de relação ele possui com organizações posicionadas de
modo hierarquicamente superior, como governos e os próprios Estados. Além disso, os
movimentos sociais apresentam um comportamento de contestação de aspectos da ordem social
vigente (GOHN, 2004; SADER, 1988).
Geograficamente podem falar do campo, da cidade, de uma região ou de um país. Podem
falar sobre uma questão que é geograficamente específica e localizada, mas também podem
falar de uma que é comum a outras localidades. O estabelecimento de redes de apoio está
condicionado à capacidade do movimento de projetar culturalmente uma lógica que esta rede
compartilhe (GOHN, 2004). Os movimentos de periferia são exemplos de arranjos
geograficamente localizados, com pautas comuns para outras periferias (o que pode facilitar o
estabelecimento de uma rede de apoio), mas ao mesmo tempo possuem demandas específicas
para aquela localidade.
Gohn (2004) afirma que os opositores de um movimento social são os sujeitos que detêm
o poder sobre o bem que se demanda. Opositores, aqui, têm mais a ver com uma relação de
antagonismo do que de inimizade política, embora ela também possa existir. Esta relação não
51
é pautada por uma lógica de ser contra quem detém o bem, mas sim sobre ser contra esta
entidade na questão específica daquele bem que é demandado (GOHN, 2004). Esta lógica
funciona para que se pensem os movimentos ambientais pois é comum que demandem uma
ação específica de um Estado ou um conjunto de Estados, mas que, não necessariamente sejam
contra àquele Estado, porém contra sua forma de lidar com aquela questão. Ressalta-se que esta
lógica de oposição pode ser mais complexa na compreensão de outros movimentos, como o
feminista, o negro e o LGBTQIA+.
Importante se faz, em meio a esta discussão, esclarecer alguns termos, como o de
sociedade civil. Leonardo Avritzer (1995) trata deste termo não apenas como um espaço de
resistência ao Estado, mas assumindo que estas duas esferas se estruturam mutuamente. A
sociedade civil, antes compreendida a partir de uma separação clara em relação ao Estado
liberal, passa a ser entendida como uma esfera com novas possibilidades comunicativas,
referindo-se a diversas formas de ações coletivas orientadas por variados propósitos
(AVRITZER, 1995). Ademais, segundo o autor, “na maior parte das vezes, a representação da
sociedade civil é um processo de superposição de representações sem autorização e/ou
monopólio para o exercício da soberania” (AVRITZER, 2007, p. 444).
Os movimentos sociais são exemplos dessas representações. Eles podem se orientar por
uma lógica contrária à Estatal, mas também podem adequar meios e fins na busca de produzir
consensos (AVRITZER, 1995). Ressalta-se ainda que, um grupo é um arranjo social que
antecede um movimento social, podendo se tornar um a partir de uma definição mais clara de
sua identidade e da mobilização de membros. Tanto o grupo quanto o movimento são arranjos
políticos que se mobilizam dentro da sociedade civil, partindo, por exemplo, de alguma questão
que motive seu surgimento (GOHN, 2004).
Dois elementos que estão postos na definição de Gohn (2004) de movimentos sociais
são os interesses comuns e a solidariedade. Interesses comuns são um componente, mas não
são suficientes para que um movimento exista. É preciso que a ação de um grupo seja
qualificada enquanto um coletivo social, transformando interesses comuns em identidade
comum. A solidariedade se soma nesse ponto pois diz respeito ao fato dos movimentos
reunirem indivíduos em uma atividade voluntária e que carece de um interesse que é privado
mas que se soma ao coletivo, acreditando no potencial que a coletividade terá de atingir
objetivos que se apresentam mais distantes em uma situação de ação individual (GONH, 2004).
A seção 2.3 mencionou a tragédia dos comuns, situação em que a ação individual e
egoísta acarreta em prejuízo para a coletividade (HARDIN, 1968). Os movimentos sociais
buscam contrapor esta lógica em muitos aspectos, pois são formados por indivíduos
52
organizados em coletividade em torno de uma identidade comum e definindo estratégias
políticas para a ação social (HJELMAR, 1996). Desse modo, as aspirações conjuntas que
compõem a identidade do movimento têm maior chance de se projetarem, evitando que a
“tragédia” ocorra.
A análise dos movimentos sociais deve considerar as contribuições que eles oferecem
para a mudança social. Retomando a ideia de que eles estão demandando alguma necessidade
que consideram não estar sendo atendida, há que se observar as estratégias que são utilizadas
na propagação de suas identidades e se estão contribuindo na promoção de avanços ou
retrocessos em suas áreas temáticas, tendo em vista a realidade social (GOHN, 2004). Manuel
Castells (2013) trabalha com a concepção de movimentos sociais enquanto agentes de mudança
que se originam a partir de crises em condições que se tornam insustentáveis para a vida
cotidiana dos indivíduos. A busca pela contemplação de necessidades não atendidas pode abalar
a legitimidade dos governantes e levar as pessoas a se envolverem em ações coletivas fora de
canais institucionais (CASTELLS, 2013).
O século XXI é marcado por fortes transformações tecnológicas que incidiram
diretamente sobre áreas como a da comunicação. Para Castells (2013), um dos elementos que
permitiram a ascensão dos movimentos sociais foi o que ele chama de “autocomunicação”, que
diz respeito ao uso de redes sem fio e internet como meios de comunicação digital. Trata-se de
comunicação em massa e de viagem rápida, além de viabilizar uma autonomia dos agentes
sociais em relação às instituições, sejam eles agentes coletivos ou individuais (CASTELLS,
2013). Ou seja, nos anos recentes, a internet e as redes sociais têm tido um papel fundamental
em relação aos movimentos sociais, viabilizando novas formas de organização e plataformas
de expressão de suas ideias.
A análise construtivista permite identificar as oportunidades culturais e políticas que
estão dispostas nos arranjos sociais. Além disso, há que se atentar para a ação humana que
compõe e orienta a identidade dos movimentos. Como discutido, a projeção dos movimentos e
de suas pautas está relacionada com muitos elementos, sobretudo quando se pensa na forma
como atuam na política internacional (HJELMAR, 1996). A subseção que segue se aprofunda
na compreensão dos movimentos sociais transnacionais, no intuito de entender como se
apresentam e qual a importância que possuem para a política internacional.
3.1.1 Os movimentos sociais transnacionais
53
“A política internacional no fim do século XX envolve, além dos Estados, muitos
agentes não estatais que interagem uns com os outros, com Estados e com organizações
internacionais”31 (KECK; SIKKINK, 1999, p. 89, versão livre do autor). Os outros agentes não
estatais, podem ser grupos da sociedade civil, ONGs e movimentos sociais. Uma ONG se
diferencia de um movimento por ser mais institucionalizada, embora possa continuar fazendo
parte de um movimento mais amplo e continuar a apoiá-lo de algum modo (GOHN, 2004).
A virada do século XX para o século XXI representou uma mudança na conjuntura
política internacional. Os movimentos atuaram como agentes relevantes na condução dessa
mudança e também foram impactados e redefinidos por ela. O final do século XX, marcado
pelo fim da Guerra Fria, pela expansão do neoliberalismo e pela consolidação da globalização,
é um momento de mudança da ordem internacional e também da forma como os movimentos
sociais interagiam nela (GOHN, 2003).
Os movimentos sociais adentram o século XXI com um papel mais claro. Se
diferenciavam dos movimentos sociais do século anterior por redefinirem a relação com o
Estado e por adotarem uma estratégia de atuação em redes. Embora o Estado permaneça, em
muitos casos, como o opositor que possui o bem demandado, ampliou-se a compreensão de que
para uma atuação mais efetiva, inclusive em termos de legitimidade, o diálogo com ele deveria
ser intensificado. Além disso, a atuação em redes se ampliou tendo em vista que os movimentos
aumentaram o entendimento de que pautas difusas e separadas tinham menor potencial de se
propagarem (GOHN, 2003).
A globalização é um processo importante na compreensão do lugar dos movimentos
sociais na política internacional. Ela é responsável por criar circunstâncias e estruturas
favoráveis para movimentos que expressam contestações e propostas alternativas a aspectos da
ordem vigente. A política internacional passou a ser caracterizada por um complexo sistema de
tomada de decisão, onde agentes estatais e não estatais mobilizam os recursos que possuem
para fazer suas intervenções (MILANI; LENIADO, 2007).
A relação dos movimentos sociais com a globalização é, portanto, de pelo menos duas
ordens: eles a questionam, por vezes propondo alternativas ao modelo neoliberal global em
aspectos que afetam dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais da realidade. Mas, em
contrapartida, a crescente expressividade e a forma como se manifestam atualmente está
diretamente relacionada com o processo de internacionalização de redes que oferecem espaços
para a projeção de causas de, por exemplo, jovens, mulheres, indígenas e refugiados
31 World politics at the end of the twentieth century involves, alongside states, many non-state actors who interact
with each other, with states, and with international organizations.
54
(SIQUEIRA et al, 2003; SANTOS, 2001). Há que se reconhecer, portanto, que a globalização
pode ser responsável pela ampliação de problemas sociais, o que, inclusive, impulsiona o
surgimento de movimentos, mas também é responsável por permitir que estes arranjos ocupem
um espaço de luta contra as desigualdades que não estava plenamente colocado no século XX.
Indo além dos movimentos sociais e pensando nessa lógica das redes estabelecidas por
eles e outros agentes da sociedade civil, Keck e Sikkink (1999) oferecem uma perspectiva que
auxilia na compreensão dessa discussão no âmbito internacional. As autoras chamam estes
arranjos não estatais de transnational advocacy networks32, assumindo que elas “incluem
aqueles agentes que trabalham internacionalmente em uma questão, que estão unidos por
valores compartilhados, um discurso comum, e uma densa troca de informações e serviços”33
(KECK; SIKKINK, 1999, p. 89, versão livre do autor).
Essas redes são responsáveis pela construção de pontes e conexões entre agentes da
sociedade civil, organizações internacionais e agentes estatais. Elas atuam doméstica, regional
e transnacionalmente. Enquanto agentes internacionais não tradicionais, elas têm o poder de
mobilizar informação, criar novas questões e novos debates, pressionar e alavancar estas
questões para que Estados e organizações estejam a par delas (KECK; SIKKINK, 1999). As
transnational advocacy networks são, portanto, um ambiente de interação e mobilização de
movimentos sociais que os auxiliam a projetar suas demandas internacionalmente, promovendo
associações com arranjos semelhantes, e construindo expressões sólidas que sejam notadas por
agentes detentores dos bens que são demandados.
O início do século XXI, além de consolidar estas redes, também as mudou. A escala de
intervenção política aumentou e as pautas incorporaram uma dimensão de luta por justiça social,
tendo em vista que os movimentos sociais transnacionais assumiam que as decisões políticas
não eram mais exclusividade dos Estados. Além disso, o protagonismo dos movimentos está
ligado também a uma frustração de muitas sociedades com déficits democráticos, sejam eles
nacionalmente ou internacionalmente (MILANI; LENIADO, 2007).
Por transnacionalidade entende-se que são relações em que há “interações regulares
através de limites onde pelo menos um ator é um agente não-estatal ou não opera em defesa de
um governo nacional ou de uma organização intergovernamental”34 (RISSE-KAPPEN, 1995,
p. 03). Além desse termo, há outros que são esclarecidos pelo Quadro 2. Por institucionalização
32 Redes transnacionais de apoio, versão livre do autor. 33 includes those actors working internationally on an issue, who are bound together by shared values, a common
discourse, and dense exchanges of information and services. 34 regular interactions across national boundaries where at least one actor is a non-state agent or does not operate
on behalf of a national government or an intergovernmental organization.
55
entende-se que são processos que envolvem regras, aparatos burocráticos, orçamentos, podendo
incluir também espaços físicos e contratação de funcionários (HERZ; HOFFMAN, 2004).
Quadro 2 – Tipos de arranjos sociais no âmbito da sociedade civil e seus graus de
institucionalização
Arranjo Social Definição Grau de institucionalização
Grupo
“Grupo é movimento constante de desenvolvimento
sem jamais atingir uma totalidade estruturada. O grupo
se trabalha, assim, constantemente. É uma práxis
comum, grupal, com seus componentes estabelecendo
uns com os outros relações que constituem o grupo.
[...] Grupo como ato e não como ser. É a ação do grupo
sobre si mesmo” (RUBINI, 1999, p. 03)
Baixo
Movimento Social
“Ações sociais coletivas de caráter socio-político e
cultural que viabilizam distintas formas da população
se organizar e expressar suas demandas” (GOHN,
2003, p.13)
Superior ao do grupo e inferior
ao da ONG
ONG
“Qualquer organização internacional que não é
estabelecida por um acordo intergovernamental deve
ser considerada uma ONG”35 (AHMED; POTTER,
2006, p. 08, versão livre do autor)
Superior ao do movimento
social, podendo ser menos ou
tão institucionalizado quanto
uma OI
OI
São espaços institucionais de solução de problemas
coletivos e não são agentes passivos. “São mais do que
um reflexo das preferências Estatais e podem ser
agentes autônomos e poderosos na política global”36
(BARNETT; FINNEMORE, 1999, p. 700, versão
livre do autor)
Alto
Fonte: elaborado pelo autor a partir de RUBINI, 1999; GOHN, 2003; AHMED e POTTER, 2003, HERZ e
HOFFMAN, 2004; BARNETT e FINNEMORE, 1999.
O Quadro 2 sintetiza, tendo em vista seus conceitos e graus de institucionalização, as
diferenças entre grupos, movimentos sociais, ONGs e OIs. Para além da institucionalização, há
que se ter em mente os processos que constituem estes arranjos e que os transformam em algo
mais institucionalizado. Grupos podem evoluir para movimento ao incorporarem novos
membros e solidificarem uma identidade coletiva. Uma ONG, ainda que possa não estar
vinculada a uma iniciativa Estatal, deixa de ser um movimento ao aumentar suas estruturas
35 Any international organization which is not established by inter-governmental agreement shall be considered as
an NGO. 36 are more than the reflection of state preferences and that they can be autonomous and powerful actors in global
politics.
56
burocráticas. Já as OIs têm a ver com iniciativas Estatais, possuem um alto grau de
institucionalização e podem ter uma atuação mais direta na política internacional (GOHN,
2003; HERZ; HOFFMAN, 2004; BARNETT; FINNEMORE, 1999).
Para Berny e Rootes (2018), a institucionalização é algo inevitável para um movimento
social: ou ele se torna parte do sistema ao interagir com ele, ou consegue afetar aqueles que
estão no topo do sistema. De todo modo, o movimento não consegue escapar, ou terá que
assumir compromissos ou lutar pelo poder. Ainda segundo os autores, como tomar o poder é
uma possibilidade mais distante, ele optará pelo compromisso (BERNY; ROOTES, 2018). Por
compromissos entende-se que se trata de institucionalização, uma vez que um dos desafios de
um movimento pouco institucionalizado é manter-se coerente e politicamente relevante.
Em função destes processos, é difícil contabilizar quantos movimentos sociais existem.
Eles podem estar ou não relacionados à ONGs, podem ser o estopim de suas criações ou
sobreviverem por estarem associados a elas. De todo modo, acredita-se que olhar para ONGs
possa ser um caminho para que se pense a relevância dos movimentos sociais transnacionais na
política internacional. A Union of International Associations (UIA) publica anualmente o
Yearbook of International Organizations37. Este documento traz informações de 73 mil
organizações, dividindo-as entre organizações internacionais governamentais e não
governamentais. A Tabela 1 apresenta a evolução do número de ONGs e OIs a partir da segunda
metade do século XX.
Tabela 1 – Evolução do número de ONGs e OIs (1956-2020)
ANO 1956 1976 1993 2005 2017 2020
Número de ONGs 973 2.502 4.830 51.509 61.682 65.027
Número de OIs 132 252 272 7.350 7.658 7.804
Fonte: elaborado pelo autor a partir de LE PRESTRE, 2000; UNION..., 2005; UNION..., 2017; e UNION...,
2020.
É possível observar na Tabela 1 que nos anos que sucederam o estabelecimento da ONU
o número de OIs e ONGs aumentou. Além disso, a virada para o século XXI mostra um salto
expressivo nos números, sobretudo na quantidade de ONGs, um indicador que reforça o
37 Anuário das Organizações Internacionais, versão livre do autor.
57
argumento mencionado sobre a expansão e aumento da relevância desses arranjos na política
internacional.
Além da quantidade de agentes não estatais emergindo no século XXI, há que se atentar
também para as questões em torno das quais eles se estruturam. No âmbito das transnacional
advocacy networks, agentes como os movimentos sociais mobilizam estruturas da realidade
social enquanto também constroem outras. Keck e Sikkink (1999) apresentam três situações em
que é comum que esse processo ocorra: (1) quando os canais de comunicação entre grupos
domésticos e seus governos se mostram ineficazes na solução de conflitos; (2) quando ativistas
ou outros agentes políticos acreditam que a mobilização em redes tem maior chance de
impulsionar suas demandas; e (3) quando conferências internacionais ou outras formas de
contato criam arenas que fortalecem as redes e, portanto, o espaço de fala dos agentes nelas
(KECK; SIKKINK, 1999).
Esta seção se iniciou estabelecendo a premissa de que a análise construtivista atribui
relevância a como cada agente age na constituição da realidade social. Os movimentos sociais
transnacionais estão atrelados a outros agentes do momento em que nascem e durante todo o
tempo em que se manifestam. OIs ou ONGs podem derivar deles ou contribuir para formá-los,
uma vez que oferecem um espaço de participação social e de convergência de propostas, ideias
e ações em uma determinada área temática (MILANI; LENIADO, 2007). Para exemplificar
tem-se o World Wildlife Fund for Nature (WWF), que atualmente é uma ONG autônoma, mas
nasceu em 1961 dentro União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), que por
sua vez era vinculada à UNESCO. Enquanto teve essa relação direta com instituições do sistema
ONU, o WWF teve um papel importante na arrecadação de fundos para a conservação
ambiental (MCCORMICK, 1992).
Um dilema dos movimentos sociais e que também se repete nos transnacionais é seu
caráter heterogêneo. A heterogeneidade se apresenta em duas direções: por um lado é positiva,
no sentido de significar que múltiplas identidades e entendimentos da realidade podem compor
o movimento; mas por outro lado é negativa, ao tornar algumas questões dos movimentos
dispersas, dificultando, assim, uma articulação política que seja efetiva e que a alavanque para
o debate público (MILANI; LENIADO, 2007).
O advento da internet é um elemento fundamental na compreensão dos movimentos
sociais, pois está relacionado com o estabelecimento de redes, como as transnational advocacy
networks. Castells (2013) afirma que os movimentos se conectam de formas multidimensionais,
podendo estar online ou off-line, ocupar ou não espaços urbanos, realizar mobilizações virtuais
ou presenciais e se associarem, ou não, a outros movimentos que também estejam em rede. Eles
58
podem manter o aspecto do local, uma vez que começam em contextos próprios e constroem
seus próprios lugares de fala38, ou serem globais ao se conectarem com o mundo, aprenderem
a partir de outras experiências, mantendo, assim, um debate contínuo que viabiliza o diálogo
entre essas esferas (CASTELLS, 2013).
Entretanto, é necessário retomar alguns dilemas e considerar outros: qual deve ser a
relação dos movimentos com as instituições políticas? As redes diminuem a heterogeneidade?
Castells (2015) acredita que “a influência dos movimentos sociais sobre a política e os
programas de governo depende amplamente de sua contribuição potencial para as agendas
preestabelecidas dos atores políticos” (CASTELLS, 2013, p. 139). Ou seja, para ele, os
movimentos só conseguirão produzir impactos reais desde que estejam em diálogo com as
instituições políticas, e não rejeitando-as.
Ademais, é sabido que os movimentos, dentro das relações às quais se submetem, irão
se transformar, se dissolver, evoluir etc (CASTELLS, 2013). As transnational advocacy
networks são importantes nesse contexto uma vez que se propõem a fazer estes diálogos com
as instituições políticas formais, pressionando-as a repensarem seus compromissos e posições
em determinadas questões (KECK; SIKKINK, 1999). As redes podem trabalhar, portanto,
como meios para que os movimentos se mantenham relevantes, mas cabe a eles a escolha a
respeito de como se colocarão em relação às instituições políticas tradicionais.
Movimentos sociais transnacionais, vinculados ou não a uma transnational advocacy
network, se apresentam para seus membros e possíveis membros como espaços horizontais,
voluntários e de aprendizado mútuo. No século XXI se mostram como agentes relevantes e com
poder de influência em discussões políticas, mobilizando-se, ou não, dentro das estruturas
institucionais da política internacional (KECK; SIKKINK, 1999). Desse modo, tendo em vista
a pergunta que orientou esta seção, onde indagou-se qual o lugar dos movimentos sociais na
política internacional, acredita-se que este lugar esteja relacionado à capacidade que eles
possuem de se organizar em torno de suas identidades e também de mobilizar estratégias que
impulsionem suas narrativas sobre as outras que compõem a realidade social. Além disso, ainda
que o papel dos Estados tenha sido ressignificado, boa parte da literatura considera que a
articulação com eles, pressionando-os em questões específicas, foi um dos principais elementos
que ampliou a relevância dos movimentos sociais na política internacional do século XXI.
38 “O Lugar de Fala é uma lógica que articula fala, textos e situação. O Lugar de Fala define-se pelo cotejo com
outros Lugares de Fala vizinhos. Trata-se de uma situação concreta, específica, historicamente descritível. O
conceito não é reduzido ao lugar sociológico do falante, à sua posição no mundo, mas o contém, corresponde ao
lugar construído pelo discurso no contexto” (AMARAL, 2005, p. 106).
59
3.2 Os movimentos sociais ambientais e a política internacional do clima
Em agosto de 2018 a estudante Greta Thunberg, então com quinze anos, começou uma
greve escolar em protesto contra a posição do parlamento sueco em relação à mudança do clima.
Em algumas semanas, outros estudantes aderiram à sua iniciativa, impulsionando nas redes
sociais a hashtag #FridaysForFuture39 e levando à criação do movimento social que tem o
mesmo nome (WHO..., 2020). De agosto de 2018 a outubro de 2020, o movimento noticia que
ocorreram dezoito grandes greves vinculadas a ele, sendo que a primeira, em novembro de
2018, registrou protestos em nove países, e, menos de um ano depois, em setembro de 2019,
3.868 cidades em 161 países participaram de ações em prol de medidas mais urgentes de seus
governos em relação à mudança do clima (LIST..., 2021).
Este exemplo mostra como um movimento social espalhou uma ideia pelo planeta. Há
muito o que discutir para que se compreenda como se chegou até este ponto e quais são as
questões que se apresentam em torno de ações como esta. Nesse sentido, a pergunta que orienta
esta seção é: qual o lugar dos movimentos ambientais na política internacional do clima? Para
respondê-la, começa-se conceituando movimentos ambientais transnacionais e discutindo o
contexto de seu surgimento, depois trata-se de seus espaços e estratégias de atuação, assumindo
que são vozes impulsionadoras da discussão climática. Ademais, introduzem-se os movimentos
que serão analisados neste trabalho.
Não há um consenso quanto a definição de movimentos ambientais transnacionais, e
isso se dá em função do desafio de diferenciá-los com clareza de outros arranjos sociais. O
aspecto da transnacionalidade está relacionado ao espraiamento de preocupações ambientais
em meados da década de 1980, um processo que fez com que circunstâncias nacionais e
históricas começassem a aparecer na agenda internacional. Movimentos ambientais
transnacionais operam na lógica já apresentada das transnational advocacy networks, uma vez
que, ainda que algumas demandas sejam geograficamente localizadas, já no final do século XX
estes movimentos passaram a se manifestar por meio de redes, de trocas de informações e do
reconhecimento do caráter global e interligado dos problemas ambientais (KECK; SIKKINK,
1998).
Mario Diani (1995) entende que movimentos ambientais transnacionais são:
39 Sextas-Feiras pelo Futuro, versão livre do autor.
60
uma rede frouxa e não institucionalizada de interações formais e informais que pode
incluir tanto indivíduos quanto grupos que não possuem afiliação organizacional,
organizações com diferentes graus de formalidade, que se envolvem em ações
coletivas motivadas por uma identidade compartilhada ou uma preocupação com
questões ambientais 40(DIANI, 1995, p.05, versão livre do autor).
A não institucionalização e os diferentes graus de formalidade estão relacionados ao fato de que
os movimentos são associações que dependem de um envolvimento que chega a ser afetivo e
emocional. Entretanto, permanece a premissa da identidade compartilhada em torno de uma
preocupação ambiental e a consciência das possibilidades oferecidas por ações coletivas
(DIANI, 1995).
A década de 1970 é um marco para a discussão sobre o ambientalismo e os movimentos
ambientais. Destacam-se três momentos: o Earth Day41, a Conferência de Estocolmo de 1972,
e o movimento verde alemão. O Earth Day foi um movimento cuja primeira manifestação
aconteceu em 22 de abril de 1970, tendo início a partir da ação do senador e ativista
estadunidense Gaylord Nelson. Na ocasião, duas mil universidades e dez mil escolas primárias
e secundárias do país se mobilizaram para pressionar o governo em direção a uma maior
conscientização ambiental. Desde então a data se tornou um símbolo mundial, impulsionando
os debates que levaram à Eco-92. Atualmente “é amplamente reconhecida como a maior
observância secular do mundo, marcada por mais de um bilhão de pessoas todos os anos como
um dia de ação para mudar o comportamento humano e criar mudanças políticas globais,
nacionais e locais” (ABOUT..., s/dc).
Estocolmo, como já abordado, foi um divisor de águas para chamar a atenção dos
governos e do público para a questão ambiental. A Conferência foi marcada por uma grande
presença de ONGs e outros agentes da sociedade civil com interesses na questão ambiental,
como representantes de empresas, entidades subnacionais e grupos de pesquisa. O papel desses
agentes foi ressignificado, ampliando a visibilidade de demandas de grupos específicos. Além
disso, a cobertura midiática da Conferência também serviu para que o grande público tomasse
mais conhecimento daquela arena e dos agentes nela envolvidos (GIDDENS, 2010;
MCCORMICK, 1992).
Já sobre o movimento verde que teve início na Alemanha, embora sua história tenha a
ver com um ecologismo pensado pelos nazistas, no final do século XX ele consegue afastar esta
40 a loose, non-institutionalized network of informal interactions that may include, as well as individuals and
groups who have no organizational affiliation, organizations of varying degrees of formality, that is engaged in
collective action motivated by shared identity or concern about environmental issues. 41 Dia da Terra, versão livre do autor.
61
imagem e adquirir sucesso eleitoral42. Os “verdes” se reuniram pela primeira vez, enquanto um
movimento global, na Eco-92 no Rio de Janeiro. Em linhas gerais, os partidos verdes se opõem
a grandes empresas, ao “produtivismo” na economia e ao crescimento econômico que prejudica
a biosfera e reduz a qualidade de vida. No entanto, assim como movimentos ambientais podem
perder parte de suas ideologias primordiais ao passarem por processos de institucionalização, a
ampliação do movimento verde também pode mudá-lo. “O movimento verde perderá (ou já
perdeu) sua identidade à medida que a política ambiental se tornar parte da corrente dominante”
(GIDDENS, 2010, p. 31). O dilema aqui é, portanto, semelhante ao da relação entre
movimentos sociais e a globalização, uma vez ficam claros os desafios quando estas pautas
emergem no topo da agenda política internacional.
Os movimentos sociais no século XXI valem-se de variadas estratégias de mobilização
e se apresentam em diversos espaços. No intuito de mobilizar a opinião pública em favor de
suas causas, eles protestam, usam a mídia e performam virtualmente, nas ruas, e também dentro
de instituições estatais (GOHN, 2004). Esta pesquisa considera em suas análises conferências
e articulações vinculadas às estruturas institucionais da política internacional do clima, bem
como as mobilizações feitas virtualmente e por meio de protestos e atos de desobediência
civil43.
No que diz respeito as estratégias, Castells (2013) chama a atenção para uma linha tênue
em relação à questão da violência. Os movimentos surgem das contradições e dos conflitos das
sociedades e frequentemente estão insatisfeitos com autoridades políticas e organizações. O
fato de questionarem os canais institucionais pode fazer com que alguns movimentos se
engajem no espaço público com táticas contenciosas, o que pode ser legalmente errado, mas
não necessariamente ilegítimo (CASTELLS, 2013). De todo modo, este trabalho foca nas
estratégias que não envolvem violência, tendo em vista os potenciais que possuem em relação
à mudança de determinados arranjos políticos no que tange à questão ambiental.
A seção 2.2 abordou as estruturas institucionais da política internacional do clima,
enfatizando as potencialidades daquelas estabelecidas dentro do sistema ONU. A discussão
sobre a mudança do clima, bem como o aumento da relevância de movimentos e ONGs
42 O pensamento verde está relacionado à Revolução Industrial e com o reconhecimento de que as fábricas e as
cidades alteravam a paisagem. O ecologismo alemão, que teve origem sob o regime nazista, tinha a ver com um
“misticismo natural”. Alguns ecologistas nazistas eram adeptos do vegetarianismo e da agricultura orgânica. Os
partidos que se inspiraram nestas ideias, a partir da década de 1970, tiveram que afastar essa imagem associada ao
nazismo, uma vez que ela era frequentemente usada para desacreditá-los (GIDDENS, 2010). 43 Segundo Hannah Arendt (1999), desobediência civil é uma forma de resistência contra falhas judiciais e
administrativas. É uma parte da cultura política contra a legitimidade de princípios morais espontaneamente
aceitos. Consiste em ações partilhadas por grupos e se diferencia de outras formas de resistência por incluir a não
violência (ARENDT, 1999).
62
ambientais, se intersecciona com aquela, tendo em vista o exemplo dado da Conferência de
Estocolmo. É evidente que grupos da sociedade civil, em escalas nacionais e até internacionais,
existiam antes da própria ONU. Dois exemplos são a Sociedade de Proteção dos Pássaros de
1889 e a Comissão da Proteção Internacional da Natureza de 1913, que depois veio a ser a
União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) em 1956. De todo modo, o
entendimento de que os problemas ambientais são problemas globais e, portanto, dizem respeito
a todas as sociedades e governos, foi se consolidando a partir de Estocolmo e de debates
subsequentes. Margaret Karns e Karen Mingst (2010) identificam duas causas motoras: (1) a
expansão do conhecimento científico sobre a questão; e (2) a ascensão de arranjos da sociedade
civil voltados para a preservação ambiental (KARNS; MINGST, 2010). Destaca-se, portanto,
a importância de cientistas, comunidades epistêmicas, movimentos ambientais, ONGs e OIs no
próprio posicionamento da questão ambiental em um lugar superior na agenda política
internacional.
McCormick (1992) afirma que após a Conferência de Estocolmo as ONGs cresceram
exponencialmente. O Environment Liaison Centre (ELC) estimou em 1982 que haviam 2.230
ONGs ambientais nos países em desenvolvimento, sendo que 60% delas se formaram após a
Conferência. Já nos países mais desenvolvidos, das 13 mil, 30% haviam se estabelecido depois
de Estocolmo (MCCORMICK, 1992). A Figura 7 apresenta um gráfico com o registro do
aumento da quantidade de OIs e ONGs voltadas para a temática ambiental que foram admitidas
pela UNFCCC e passaram a estar presentes nas COPs.
63
Figura 7 – Adições acumuladas de organizações observadoras por COPs
Fonte: adaptado de STATISTICS..., 2020.
É possível observar que a cada ano, desde a COP 1 na Alemanha em 1995, a quantidade
de organizações ambientais se ampliou, sobretudo as não-governamentais (STATISTICS...,
2020). Este dado dialoga com aqueles apresentados na Tabela 1, confirmando que no século
XXI estes arranjos da sociedade civil se multiplicaram exponencialmente. Quando admitidas,
as ONGs precisam orientar suas participações nas COPs seguindo uma série de critérios
estabelecidos pelo secretariado da UNFCCC. Nos espaços dos eventos, pôsteres e quaisquer
documentos só podem ser expostos em áreas pré-determinadas e mediante autorização prévia.
Já nas salas de reunião, somente oficiais da ONU podem distribuir materiais. Além disso,
quaisquer intervenções, como pronunciamentos e apresentação de material durante os debates,
devem ser previamente negociadas com oficiais da UNFCCC (ADMITTED..., 2020).
Há que se considerar ainda, no que tange à presença de ONGs e OIs nas COPs, um
recorte por região, como está posto na Figura 8.
64
Figura 8 – Organizações observadoras admitidas nas COPs por região
Fonte: adaptado de STATISTICS..., 2020.
A maior parte das ONGs e OIs ambientais tem origem nos países da Europa Ocidental.
Depois vêm aquelas localizadas nos países asiáticos, africanos, da América Latina e Caribe, e
leste europeu. De todo modo, nem somadas alcançam a porcentagem das primeiras
(STATISTICS..., 2020). Este dado reforça a relevância dos arranjos da sociedade civil da
Europa Ocidental nesta discussão, tendo em vista que, como mencionado, é também lá que
estão os principais países desenvolvidos relacionados à discussão climática.
É preciso chamar atenção neste ponto para uma contradição existente no fato de
haverem menos ONGs e grupos ambientais de expressão nos países em desenvolvimento, sendo
que eles são os mais afetados pelos efeitos da mudança do clima. A causa dessa contradição é
incerta, mas uma possível reflexão está relacionada, como visto, ao fato de que muitas questões
disputam a agenda política dos países, então, necessidades mais urgentes, como a erradicação
da pobreza, podem se apresentar como prioritárias nos países em desenvolvimento (GIDDENS,
2010). De todo modo, tendo em vista que há mais grupos ambientais com relevância política
originados nos países desenvolvidos, retomando a ideia de que cabe a esses países assumir os
custos das soluções da questão climática, reconhece-se que este trabalho tem um viés que foca
nesse aspecto da realidade.
Há que se considerar também que, diferentemente dos Estados, movimentos ambientais
podem focar exclusivamente em questões ambientais, o que os leva a mobilizar todas as suas
forças no estabelecimento destes tópicos no topo da agenda. O desafio está na legitimidade
destes movimentos, não apenas em termos de serem sólidos e transparentes, mas no fato de
65
serem representantes de demandas de grupos da sociedade civil e de serem entendidos por estes
grupos como legítimos e com capacidade real de agência nessa discussão (MITCHELL, 2010).
Segundo Karns e Mingst (2010) ONGs ambientais possuem algumas funções chave: (1)
como não estão atreladas à Estados, elas são responsáveis por desempenhar uma função crítica,
mobilizando os meios que possuem, como a mídia, para tornarem públicos seus pontos de
insatisfação; (2) há indivíduos nas ONGs que também fazem parte de comunidades epistêmicas
dedicadas ao impulsionamento da agenda ambiental. ONGs e movimentos atuam como um
veículo para chegar ao público e fazê-lo repensar questões desse gênero; e (3) a vinculação a
estruturas como o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) pode ajudar a
reforçar o poder de impulsionar a agenda de uma ONG (KARNS; MINGST, 2010). Estas
funções refletem o poder de fala de ONGs e movimentos ambientais em espaços institucionais,
algo que irá variar em função dos graus de institucionalização e das estruturas burocráticas que
estes arranjos possuem.
Berny e Rootes (2018) acreditam que as ONGs ambientais estão atualmente em uma
encruzilhada: continuar a aprofundar a institucionalização em busca de maior influência sobre
os arranjos políticos tradicionais; ou assumirem posições mais radicais para combater as falhas
dos arranjos políticos tradicionais em lidarem com a urgência da questão climática. Algo é
certo: a frustração com Estados e corporações em lidar com desafios como o do aquecimento
global tem estimulado a formação de novas redes de ativistas e, para os autores, seja no nível
nacional ou no internacional, arranjos menos institucionalizados não têm eclipsado os mais
institucionalizados, mas sim os complementam (BERNY; ROOTES, 2018).
Tendo em vista estas questões, este trabalho estabelece um recorte onde serão analisados
os discursos de quatro grupos: Climate Reality e Greenpeace, que são ONGs; e Extinction
Rebellion e Fridays For Future, que são movimentos ambientais. A escolha destes arranjos foi
feita tendo em vista os seguintes critérios: (1) todos têm a questão climática como parte ou
principal tópico de sua agenda; (2) todos são arranjos transnacionais, ou seja, têm relações
regulares além de limites nacionais; (3) variam em termos de institucionalização; e (4) variam
em estratégias de mobilização, algo que permitirá analisar também as potencialidades de cada
uma. Os critérios (1) e (2), entendidos como denominadores comuns dos arranjos, foram
escolhidos pois a questão climática e a transnacionalidade são pontos centrais neste trabalho.
De todo modo, como será explorado, as variações em termos do lugar da questão climática
dentre as pautas de um movimento são elementos importantes em sua projeção. Já os critérios
(3) e (4) realçam variações e diferenças entre eles, algo que, metodologicamente é importante
66
para o alcance dos resultados desta pesquisa. A seguir eles são apresentados em ordem
alfabética.
3.2.1 Climate Reality ou The Climate Reality Project
O The Climate Reality Project44 foi fundado em 2006 em Washington pelo ex Vice-
Presidente dos Estados Unidos Albert Arnold (Al) Gore Jr. Atualmente se chama Climate
Reality45 e propõe ampliar a conscientização sobre a necessidade de uma tomada de ação global
para combater o que chama de principal desafio do nosso tempo, a questão climática (THE...,
s/d).
Sua criação se deu a partir da repercussão do documentário premiado com o Oscar “Uma
verdade Inconveniente”46, que narra a trajetória de Al Gore para conscientizar pessoas pelo
planeta acerca da crise climática que se vive. Em 2007, um fato ampliou a relevância do Climate
Reality: Al Gore foi laureado, juntamente ao IPCC, com o Nobel da Paz “por seus esforços na
construção e disseminação de maior conhecimento sobre as alterações climáticas induzidas pelo
homem e por lançar as bases necessárias para inverter tais alterações”47 (THE..., 2020, s/p,
versão livre do autor).
Trata-se de uma ONG pois possui uma sede na cidade de Washington, um corpo de
diretores, gerentes em filiais e funcionários que são remunerados. (THE..., s/d). Possui filiais
na África do Sul, Áustria, Brasil, Canadá, Filipinas, Índia, Indonésia, Japão e México. Em
algumas dessas filiais possui um espaço físico próprio, mas em outras opera vinculada à alguma
organização, como no caso do Brasil onde está associada ao Centro Brasil no Clima48
(CLIMATE..., s/d). O orçamento do Climate Reality em 2019 foi de $17.177.570,70 dólares,
sendo que 88% desse valor é destinado a aplicação de projetos, 7% ao desenvolvimento de
projetos, e 6% a custos administrativos (FINANCIALS, 2019).
Como aponta o próprio nome, tem a questão climática como sua principal força motriz.
“Nossa missão é catalisar uma solução global para a crise climática tornando necessária a
44 Projeto Realidade Climática, versão livre do autor. 45 Realidade Climática, versão livre do autor. 46 Documentário de 2006 que mostra a Al Gore em conferências e palestras alertando sobre os efeitos destrutivos
do aquecimento global. Em 2017 foi lançado “Uma verdade mais inconveniente”, documentário que continua o
anterior, apresenta suas repercussões e mostra a continuação da trajetória do ex Vice-Presidente Al Gore em seus
esforços para impulsionar as discussões climáticas (UMA..., 2006; UMA..., 2017). 47 for their efforts to build up and disseminate greater knowledge about man-made climate change, and to lay the
foundations for the measures that are needed to counteract such change 48 Think Tank sediada no Rio de Janeiro, fundada em 2012 e fruto de uma reunião paralela à Rio+20. Age para
influenciar as estruturas de poder e a política brasileira no combate à mudança do clima, defendendo, por exemplo,
a implementação das iNDCs (QUEM..., s/d).
67
tomada de ações urgentes em todos os setores da sociedade”49 (OUR..., s/d, versão livre do
autor). Para viabilizar esta missão possui três objetivos: (1) construir uma massa de suporte
público para lidar com a mudança do clima; (2) reforçar os compromissos nacionais sobre
redução de emissões em dez países/regiões-chave; e (3) acelerar a transição para uma economia
de energia limpa50. Além disso, o Climate Reality se vale das seguintes estratégias: protestos
de rua, presença em conferências climáticas, disseminação de conhecimento científico e
treinamento de lideranças (de acordo com seu site oficial51, 21.594 pessoas já passaram pelo
treinamento, que envolve pesquisadores, membros de empresas e lideranças políticas) (2019...,
s/d).
3.2.2 Extinction Rebellion
O Extinction Rebellion52 foi fundado em outubro de 2018 por ativistas britânicos, por
meio da Declaração de Rebelião, onde eles se colocavam contra o governo do Reino Unido.
Sua proposta é persuadir aquele governo e de outros países a agirem de acordo com a urgência
que a questão climática demanda (ABOUT..., s/db). A Figura 9 mostra a logo do movimento,
representada por um símbolo bidimensional onde o círculo significa o planeta Terra, e a
ampulheta o tempo restante para a extinção de espécies animais e da espécie humana (THE...,
s/d).
49 Our mission is to catalyze a global solution to the climate crisis by making urgent action a necessity across every
sector of society. 50 A discussão sobre transição energética é comum à muitas pautas de movimentos ambientais voltados para a
questão climática em função da relação entre clima e energia. O setor energético é chave nessa discussão, uma vez
que, sobretudo em países onde a matriz energética é majoritariamente composta por fontes fósseis, como carvão
mineral e petróleo, as emissões de GEE estão relacionadas à ele. Desse modo, matrizes energéticas com fontes
limpas e renováveis, como a eólica e a solar, são fundamentais em direção a segurança energética e à mitigação
da mudança do clima (NOBRE et al, 2012). 51 https://www.climaterealityproject.org/. 52 Rebelião contra a extinção, versão livre do autor.
68
Figura 9 - Logo do Extinction Rebellion
Fonte: THE…, s/d.
Trata-se de um movimento que se sustenta com doações, consiste em associações
voluntárias, possui um sistema de organização descentralizado e não possui uma sede. As
pessoas que se vinculam ao movimento são voluntárias, entretanto, como consta em seus
documentos de arrecadação de recursos, há alguns membros remunerados em virtude da
crescente demanda de trabalho que vem se apresentando com o tempo (FAQS, 2020). É
inteiramente financiado por doações, sendo que 54% vêm de arrecadações online, 35% de
organizações simpatizantes da causa, como ONGs e fundações, e 11% de doadores individuais
(EXTINCTION..., 2019c).
Possui 1.138 “grupos locais” em 73 países, sendo que a maior parte deles (810 grupos
em 34 países) se localiza na Europa. Vale-se sobretudo de protestos para propagar suas ideias.
Seus protestos compreendem ações diretas não violentas e atos de desobediência civil. Além
disso, buscam, por meio dos grupos locais, disseminar recursos visuais, promover debates em
assembleias e oferecer treinamentos sobre a questão climática e como levar seu debate para
esferas institucionais (RESOURCES, 2020).
O movimento também tem a questão climática como protagonista. Objetivamente tem
três demandas:
1. Diga a verdade: os governos devem dizer a verdade declarando uma emergência
climática e ecológica, trabalhando com outras instituições para comunicar a urgência
da mudança;
2. Ação agora: governos devem agir agora para parar a perda da biodiversidade e
reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa para zero até 2025;
69
3. Além da política: governos devem criar e serem guiados por decisões de
Assembleias de Cidadãos sobre justiça climática e ecológica53 (ABOUT..., s/db, s/p,
versão livre do autor).
3.2.3 Fridays For Future
O Fridays For Future, como mencionado no início desta seção, teve seu início em agosto
de 2018 a partir de um protesto da estudante Greta Thunberg em Estocolmo, em frente ao
parlamento sueco (WHO..., 2020). Greta, atualmente com 18 anos, tornou-se um símbolo da
mobilização dos jovens em favor do combate à mudança do clima. Em 2019 foi considerada a
personalidade do ano pela revista Time e nomeada como candidata ao Prêmio Nobel da Paz
(UM..., 2020). A Figura 10 mostra a logo do movimento, representada por um círculo com o
nome do movimento escrito, e ao centro um desenho do planeta Terra. A utilização da cor verde
remete à uma lousa escolar, e as linhas que dão forma à Terra remetem à utilização de giz.
Desse modo, a logo é uma clara expressão da ideologia do movimento, que tem suas origens
nas escolas e mobiliza jovens de todo o planeta.
Figura 10 – Logo do Fridays For Future
Fonte: RESOURCES..., 2021.
O movimento tem como principais estratégias as greves e os protestos que são
direcionados aos governos nacionais para que cumpram as metas estabelecidas no Acordo de
Paris. Também tem a questão climática como principal tópico, como ressalta seu maior
objetivo: “colocar pressão moral em tomadores de decisão, para fazê-los ouvir os cientistas, e
53 1. Tell the truth: governments must tell the truth by declaring a climate and ecological emergency, working with
other institutions to communicate the urgency for change; 2. Act now: governments must act now to halt
biodiversity loss and reduce greenhouse gas emissions to net zero by 2025; 3. Beyond politics: governments must
create and be led by the decisions of a Citizens’ Assembly on climate and ecological justice.
70
então tomar medidas enérgicas para limitar o aquecimento global”54 (WHO..., 2020, s/p, versão
livre do autor).
Entende-se como um movimento pois, assim como o Extinction Rebellion, trata-se de
uma iniciativa voluntária, sem sede e que se sustenta a partir de doações. O orçamento do
movimento está disponível para acompanhamento em tempo real pois está todo em uma base
de administração fiscal55. Até novembro de 2020, seu orçamento anual é estimado em € 31.617,
66 Euros (ORÇAMENTO, s/d).
Diferentemente do Extinction Rebellion, que apresenta geograficamente seus grupos
locais, o Fridays For Future não deixa claro em quais/quantos países possui membros
associados, apenas em quais/quantos países teve registros de mobilizações. Desde seu
surgimento o movimento noticia que esteve em 7.500 cidades em todos os cinco continentes
habitáveis (WHAT..., 2020). Em 2019 registrou os protestos com maiores números de adeptos.
Em 2020 esse número caiu, uma vez que as mobilizações tiveram que migrar para a internet em
virtude da corrente pandemia do novo Coronavírus (LIST..., 2021). De todo modo, segue sendo
uma iniciativa relevante, sobretudo em função da ativista Greta Thunberg.
3.2.4 Greenpeace
O Greenpeace, cujo nome carrega as palavras de ordem verde (green) e paz (peace),
teve início em 1971, a partir de uma viagem de doze pessoas, dentre eles jornalistas, hippies e
ecologistas, que saíram do Canadá e foram de barco ao Ártico para tentar impedir que os
Estados Unidos realizassem testes nucleares no Alaska. O grupo foi impedido antes de chegar
ao destino, mas a atenção do planeta havia sido despertada e a pressão internacional fez com
que os testes fossem suspensos (NOSSA..., 2020).
O grupo se autodenomina uma organização internacional não governamental sem fins
lucrativos. Possui sede em Amsterdã, na Holanda e escritório com funcionários remunerados
em 55 países. De todo modo, como afirma Hjelmar (1996), trata-se de uma mistura de
organização com movimento social, uma vez que, ainda que seja altamente hierarquizado,
possui identidade de movimento e usa estratégias de movimento, como protestos e ações não
violentas (HJELMAR, 1996).
54 to put moral pressure on policymakers, to make them listen to the scientists, and then to take forceful action to
limit global warming. 55 A base de administração fiscal se chama All for climate (Todos pelo clima, versão livre do autor). Este grupo
administra as finanças de 128 movimentos ambientais, dentre eles todas as iniciativas do Fridays For Future, e 47
do Extinction Rebellion (WE..., s/d).
71
Por ser uma ONG longeva, o Greenpeace é alvo de muitos debates no que tange a
questão da institucionalização de movimentos sociais. Berny e Rootes (2018) relembram que,
na década de 1990, período que o grupo realizou suas maiores transições, o aumento da
distância em relação à dimensão local e a posições mais radicais foi usado por grupos
comprometidos com ações mais diretas como argumento para legitimar suas ações extremas.
No entanto, a falta de institucionalização foi o que fez estes grupos se dissolverem, pois não
conseguiam controlar quem agia em nome deles (BERNY; ROOTES, 2018).
Diferentemente dos grupos anteriores, em função de sua estrutura e de sua longa
trajetória, além de protestos, a ONG atua em conferências e possui status consultivo em
organizações do sistema ONU. Está presente, por exemplo, no ECOSOC e é parte da UNEP e
da UNFCCC (LIST..., s/d; ADMITTED..., 2020). Possui aproximadamente 4.000 associados,
395 deles são funcionários remunerados e, além disso, 53,6 % de seus funcionários estão no
continente europeu, 17,9% na Ásia, e 10,7% na América do Sul (GREENPEACE, 2019a). O
orçamento anual do Greenpeace International em 2019, não considerando a soma com os
orçamentos de suas filiais, foi de $102.548.863,63 dólares. É financiado por doações de
indivíduos e de instituições de caridade, não aceitando dinheiro de governos ou empresas. Desse
valor, parte representa seu patrimônio, cerca de 50% é destinado a projetos, 30% apoiando
outras iniciativas, inclusive filiais em outros países, e 20% com pessoal e despesas operacionais
administrativas (GREENPEACE, 2019b).
Tem quatro principais objetivos, nesta ordem: “(1) Proteger a biodiversidade em todas
as suas formas; (2) Evitar a poluição do oceano, da terra, do ar e da água; (3) Acabar com as
ameaças nucleares; e (4) Promover a paz, o desarmamento global e a não-violência”56
(GREENPEACE, 2019a, p. 04, versão livre do autor). Ainda que nenhum objetivo verse
diretamente sobre a questão climática, o Greenpeace entende que estão todos relacionados a
ela, como fica claro em seu Relatório Anual de 2019 onde o termo climate emergency aparece
20 vezes, climate change, 18 vezes, e climate crisis, 5 vezes57. No Relatório Anual de 2009,
climate emergency não apareceu nenhuma vez, climate change, 44 e climate crisis, 2
(GREENPEACE, 2019a; GREENPEACE, 2009). Ou seja, a preocupação com a mudança do
clima segue presente, mas a preocupação com sua concepção enquanto uma emergência ou
crise aumentou.
56 (1) Protect biodiversity in all its forms; (2) Prevent pollution and abuse of the Earth’s ocean, land, air and fresh
water; (3) End all nuclear threats; e (4) Promote peace, global disarmament and non-violence. 57 Emergência Climática, mudança do clima e crise climática, versão livre do autor.
72
A apresentação dos movimentos e ONGs que são objetos de estudo desta pesquisa focou
nos aspectos de suas estruturas institucionais e na importância da questão climática dentro de
suas agendas. A seguir, sintetiza-se estas estruturas, enfatizando sua relevância para esta
discussão. Já a questão do lugar da questão climática em meio a suas pautas será abordada na
próxima seção. O quadro 3 compila alguns dados apresentados sobre os grupos apresentados.
Quadro 3 – Estruturas institucionais dos movimentos/ONGs ambientais
Grupo Movimento
ou ONG
Ano de
fundação
País de
origem País sede
Número de
países em que
atua diretamente
Principais
estratégias de
mobilização
Climate
Reality ONG 2006 EUA EUA 09
Presença em
conferências e
treinamentos de
lideranças
Extinction
Rebellion Movimento 2018
Reino
Unido - 73
Protestos,
disseminação de
recursos visuais,
assembleias e
treinamentos
Fridays For
Future Movimento 2018 Suécia - incerto Greves e protestos
Greenpeace ONG/
Movimento 1971 Canadá Holanda 55
Arrecadação e
distribuição de
recursos, presença
em conferências,
capacitação de
profissionais e
protestos
Fonte: elaborado pelo autor a partir de THE..., s/d; CLIMATE..., s/d; ABOUT…, s/db; EXTINCTION…, 2019;
RESOURCES, 2020; WHO…, 2020; WHAT…, 2020; NOSSA…, 2020; GREENPEACE, 2019a.
73
O Quadro 4 sintetiza a participação destes grupos em estruturas institucionais da
governança climática. Foram considerados o UNEP, a UNFCCC e o Climate Action Network
(CAN)58.
Quadro 4 – Participação de movimentos/ ONGs em estruturas institucionais da
governança climática
Fonte: elaborado pelo autor a partir de LIST..., s/d; ADMITTED..., 2020; e CAN..., s/d.
A pergunta parcial que norteou esta seção foi: qual o lugar dos movimentos ambientais
na política internacional do clima? Buscou-se mostrar que os movimentos ambientais com
relevância para a política internacional são aqueles com atuação transnacional e que estão
presentes, majoritariamente, no Norte Global, sobretudo no Oeste Europeu. Além disso, tendo
em vista as instituições do sistema ONU voltadas para a governança climática, a proximidade
em relação a elas também é um elemento que impacta nesta questão. Os quatro grupos
apresentados auxiliam na compreensão de que movimentos mais institucionalizados, como
aqueles que se tornam ONGs, têm maior probabilidade de estarem próximos destas estruturas.
Logo, o lugar dos movimentos ambientais na política internacional do clima tem relação com
os recursos burocráticos e institucionais que eles possuem, bem como as relações dentro das
advocacy networks, e, portanto, a capacidade de se fazerem relevantes e ouvidos dentro da cena
internacional.
3.3 O discurso da urgência climática
58 A Climate Action Network (Rede de Ação Climática, versão livre do autor) é uma rede de 1300 ONGs que atuam
em mais de 130 países. Foi estabelecida na COP 18, em 2012 e estimula compartilhem informações e coordenem
informações para promoverem ação individual e governamental em direção à sustentabilidade ecológica e ao
combate à mudança do clima (ABOUT..., s/da). 59 Ressalta-se que a 1ª Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA) ocorreu em 2014 e sua
estrutura de governança conta com a participação de entidades da sociedade civil que podem participar como
membros consultivos, em comitês técnicos, reuniões preparatórias e/ou observadores (MAJOR...,s/d).
Grupo UNEP59 UNFCCC Climate Action Network
Climate Reality Não participa Participa Participa
Extinction Rebellion Não participa Não participa Não participa
Fridays For Future Não participa Não participa Não participa
Greenpeace Participa Participa Participa
74
As premissas teóricas que estruturam este capítulo e o Capítulo 2, sobre a relação agente
e estrutura na construção da realidade social, seguem sendo a base desta seção. A sequência
lógica para construir este modelo analítico partiu da compreensão da política internacional do
clima, depois tratou do lugar de seus agentes nela, e agora fará uma reflexão sobre o discurso
da urgência climática. A escolha de abordar a categoria discurso nesta parte da dissertação se
deu por motivos de organização e clareza da escrita. Em hipótese alguma assume-se que a
relação agente e estrutura seja separada da linguagem e do discurso. Antes, a política
internacional e o lugar de seus agentes nela são fruto de manifestações discursivas.
Esta seção será orientada pela seguinte questão: qual o lugar do discurso da urgência
climática na política internacional do clima? Primeiro trabalha-se a concepção construtivista
de linguagem e discurso, bem como o papel que desempenham na construção da realidade
social. Apresenta-se a lógica dos atos de fala, conforme trabalhados por Onuf (1989), e discute-
se a categoria discurso tendo em vista a concepção da urgência da questão climática.
Para Onuf (1989), “por meio da linguagem, a mente subordinou o mundo”60 (ONUF,
1989, p. 39, versão livre do autor). O construtivismo entende que a linguagem possui sentido
ao ser mobilizada na construção da realidade social, entretanto, está sujeita às regras que regem
esta realidade. Regras são produzidas por discursos por meio da linguagem, e os discursos
também dependem das regras. O processo social em si é um discurso (ONUF, 1989; ONUF,
1994).
Um discurso pode ser entendido como “menos um campo de investigação delimitado
do que certo modo de percepção da linguagem: este não é considerado como uma estrutura
arbitrária, mas como a atividade de sujeitos inscritos em contextos determinados”61
(MAINGUENEAU, 2003, p. 37, versão livre do autor). Os discursos estão, portanto,
relacionados aos contextos e às regras que regem a realidade dos sujeitos inscritos nessa
dinâmica. Ao produzir as regras, segui-las e se referirem a elas, os sujeitos constituem as
estruturas da sociedade e por meio destas regras a sociedade constitui os sujeitos enquanto
agentes (ONUF, 1994).
Seguindo nesta lógica, Onuf (1999) trabalha com a ideia do ato de fala, que se trata de
“um ato de falar de uma forma que faça com que alguém aja”62 (ONUF, 1999, p. 08, versão
livre do autor). Os atos de fala fazem com que a linguagem seja performática, no sentido de que
60 through the medium of language, mind subordinated world. 61 éste designa menos un campo de investigación delimitado que cierto modo de percepción del lenguaje: éste no
es considerado como una estructura arbitraria sino como la actividad de sujetos inscriptos en contextos
determinados 62 the act of speaking in a form that gets someone else to act.
75
um sujeito produz uma ação social e pode ter como consequência uma resposta a ela (ONUF,
1989). Acredita-se que esta lógica faça sentido para a operacionalização da análise dos
discursos nessa pesquisa uma vez que se busca encontrar os efeitos produzidos pelos discursos
dos movimentos ambientais na política internacional do clima.
São três os tipos de ato de fala: assertivos, diretivos e os de compromisso. Os assertivos
são “atos de fala que afirmam uma crença, juntamente com o desejo de quem fala na intenção
de que o ouvinte aceite sua crença”63 (ONUF, 1989, p. 87, versão livre do autor). Os diretivos
são atos de fala que “também apresentam ao ouvinte a intenção de quem fala quanto a algum
ato que quem fala gostaria de ter realizado”64 (ONUF, 1989, p. 87, versão livre do autor). E os
atos de fala de compromisso “revelam a intenção de quem fala de estar comprometido com um
determinado curso de ação”65 (ONUF, 1989, p. 87, versão livre do autor).
Onuf (1989) acrescenta os verbos tradicionalmente usados em discursos para
transmitirem estes sentidos. Nos atos assertivos emprega-se, por exemplo, declarar, relatar,
afirmar, atribuir, insistir e discordar. Nos atos diretivos pedir, exigir, permitir, comandar e a
interjeição “cuidado”. Já nos atos de compromisso é comum aparecerem os verbos oferecer e
prometer. A lógica contida nessa tipificação, bem como a proposta oferecida por estas palavras,
enquanto guias para a pesquisa, têm relação direta com as regras que constituem a realidade.
Os atos podem se relacionar com elas no sentido de produzi-las, refutá-las ou reafirmá-las.
Quando produzidas, inicialmente apresentam-se como “candidatas a regras”, podendo ou não
se tornarem uma. Por exemplo, por meio do ato de fala de compromisso um sujeito pode se
comprometer com outro sujeito, produzindo uma candidata a regra. Quando compromissos são
aceitos por outros sujeitos, estabelecem-se as regras para aqueles que se comprometeram
(ONUF, 1989).
Quando atos de fala assertivos são bem-sucedidos, eles também produzem as regras.
Regras podem se tornar uma convecção, entra em jogo a repetição e a adição de um
complemento propositivo ao seu conteúdo, fazendo com que a regra se torne normativamente
mais forte, levando-a a se tornar uma instituição (ONUF, 1989). Atos de fala, portanto,
permeiam as relações entre os agentes, atuando como processos que impactam diretamente no
estabelecimento de convenções e instituições no âmbito da realidade social.
A seção 2.1 demonstrou que o lugar da mudança do clima na política internacional está
relacionado à forma como ela é percebida por agentes relevantes, e também com as escolhas
63 speech acts stating a belief, coupled of course to the speaker’s wish on intention that the hearer accept this belief. 64 also present the hearer with a speaker’s intention as to some act the speaker would like to have performed. 65 reveal the speaker’s intention of being committed to a stated course of action.
76
que eles fazem em relação a colocá-la, ou não, no topo da agenda. O discurso da urgência da
questão climática é um discurso possível dentre outros e também depende que agentes
relevantes o compartilhem. Segundo Mitchell (2010), tanto recursos materiais quanto imateriais
importam para a emergência de uma determinada questão. Para além do conhecimento
científico e de dados que apontem para uma situação de urgência em relação ao impacto
humano sobre o meio ambiente, é necessário que agentes relevantes compartilhem dessa noção
e se mobilizem a partir dela (MITCHEL, 2010).
A discussão de Giddens (2010) sobre o lugar dos céticos nesse debate também dialoga
com a concepção de urgência. De acordo com ele, como é difícil manter um determinado risco
nas mentes das pessoas por muito tempo, alarmar a população pode não ser o ideal. Isso pode
levar, inclusive, a que um grupo de cidadãos pense do seguinte modo: “se a situação é tão ruim
quanto vocês dizem, melhor seria a gente parar de se preocupar” (GIDDENS, 2010, p. 22).
De todo modo, a concepção da urgência climática está diretamente relacionada ao lugar
de fala dos agentes envolvidos na questão. Como mencionado, este trabalho pensa os agentes
desta discussão enquanto perpetradores, vítimas e aqueles que podem bancar os custos do
problema (MITCHELL, 2010). O discurso da urgência climática está mais comumente
associado aos agentes que são vítimas da questão. Isso será debatido no próximo capítulo, uma
vez que se entende que os movimentos ambientais assumem essa posição. De todo modo, um
outro exemplo de agentes vítimas são os Pequenos Estados Ilha66. Segundo Santos (2015),
embora o IPCC se apresente enquanto uma instituição neutra, é possível identificar aspectos de
uma securitização em seus discursos em relação ao aquecimento global. De acordo com a
autora, essa securitização é compartilhada pelos Pequenos Estados Ilha, uma vez que
apresentam altos índices de vulnerabilidade e exposição aos efeitos da mudança do clima
(SANTOS, 2015).
No que tange aos movimentos e ONGs ambientais, para Berny e Rootes (2018), eles
nunca tiveram tanto apoio como nos últimos anos e suas preocupações nunca se mostraram tão
relevantes. Entretanto, ainda que a concepção de urgência esteja presente em suas pautas, ela
pode variar em intensidade (BERNY; ROOTES, 2018). No próximo capítulo, a análise dos
discursos dos grupos selecionados irá investigar também a intensidade da concepção da
66 Trata-se de 44 Estados que estão organizados na Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS) e juntos se
colocam enquanto uma voz para proteger suas comunidades mais vulneráveis da mudança do clima. Foi fundada
em 1990 e, desde então, tem estado ativa em conferências climáticas e negociações como a do Acordo de Paris
(ABOUT..., 2019).
77
urgência para cada um, no intuito de compreender a relação que possui com o impulsionamento
da questão para posições superiores da agenda internacional.
Este capítulo se propôs a discutir o lugar dos movimentos sociais na política
internacional, focando depois no lugar dos movimentos ambientais transnacionais na arena
ambiental internacional e no lugar do discurso da urgência climática nessa discussão. Foi
possível compreender que a organização em torno de identidades e estratégias é algo
fundamental para os movimentos, e no que tange aos ambientais a proximidade com as
instituições do sistema ONU é um fator determinante em suas contribuições para a política do
clima. Ademais, tem-se que o lugar do discurso da urgência climática na política internacional
está relacionado com o lugar de fala dos agentes envolvidos na questão e ao conjunto de
elementos associados à alocação da questão no topo da agenda política. Considera-se que a
análise dos discursos dos movimentos ambientais, levando em conta também a lógica dos atos
de fala, irá auxiliar na compreensão desse processo.
78
4 A URGÊNCIA CLIMÁTICA NA POLÍTICA INTERNACIONAL DO CLIMA
Este capítulo tem o objetivo de verificar, por meio da análise dos discursos das ONGs e
movimentos ambientais que são objeto deste trabalho, como sua atuação em torno da concepção
da questão climática enquanto uma urgência influencia a política internacional do clima. Para
viabilizar este objetivo, elaborou-se uma metodologia que está apresentada no Apêndice A,
onde detalha-se o desenho desta pesquisa e a forma como ele foi operacionalizado. Sugere-se
que ele seja lido neste momento, pois sua leitura é imprescindível para a compreensão das
análises subsequentes.
Como está posto na Introdução, a pergunta que orienta este trabalho indaga qual a
influência do discurso dos movimentos sociais ambientais transnacionais sobre a política
internacional do clima? Para respondê-la, as análises se amparam nas seguintes sentenças
declarativas: (1) as ONGs e movimentos ambientais orientam suas ações a partir de
determinadas estratégias que mobilizam e isso varia em função de suas ideologias e seus graus
de institucionalização; (2) grupos mais institucionalizados têm acesso mais direto à esferas de
tomada de decisão; (3) grupos menos institucionalizados recorrem sobretudo à estratégias
discursivas, marchas e protestos que repercutam na mídia, no intuito de ampliarem seu alcance
e sua audiência; (4) a concepção de urgência da questão climática varia de acordo com a
ideologia de cada grupo; e (5) a crença nas instituições da governança do clima enquanto
agentes reais de mudança também varia em função das ideologias de cada grupo.
O Quadro 5 sintetiza as estratégias identificadas nos contextos das COPs de Paris e
Madri, tendo em vista os grupos que as mobilizaram. Ressalta-se que, no primeiro momento,
apenas o Climate Reality e o Greenpeace existiam, e no segundo incorpora-se a agência do
Extinction Rebellion e do Fridays For Future.
79
Quadro 5 – Estratégias mobilizadas pelas ONGs e movimentos ambientais nos contextos
de Paris e Madri
Estratégia
Contexto das Conferências
COP de Paris COP de Madri
Climate
Reality Greenpeace
Climate
Reality Greenpeace
Extinction
Rebellion
Fridays
For
Future
Formação de lideranças X X
Repercussão da Laudato
Si’ X
Monitoramento de
compromissos e ações
de países
X X X X
Pronunciamentos em
conferências
internacionais
X X X X X
Marchas, protestos e
atos de rua X X X X X
Estratégia
Dias das Conferências
COP de Paris COP de Madri
Climate
Reality Greenpeace
Climate
Reality Greenpeace
Extinction
Rebellion
Fridays
For
Future
Presença com delegação X X X X
Participação de
principal liderança X X X
Marchas, protestos e
atos de rua X X X X X
Fonte: elaborado pelo autor a partir das análises realizadas neste trabalho.
4.1 A atuação das ONGs e movimentos ambientais nos contextos de Paris e Madri
A discussão sobre a governança climática em 2015 foi marcada pela expectativa de que
a COP 21 resultasse em um acordo ambicioso que sucedesse o Protocolo de Quioto. Isso já era
almejado há alguns anos, uma vez que as emissões de GEE e a temperatura global seguiam
aumentando, conforme apresentado na Figura 6, e as negociações, até então, acabaram em
impasses entre as Partes do Anexo I e do não-Anexo I. Silveira (2019) mostra que, além dos
80
grupos de trabalho criados para alavancar as negociações, a Cúpula do Clima da ONU67 e o
acordo bilateral entre Estados Unidos e China para o clima68, ambos de 2014, foram
fundamentais para preparar o caminho para o Acordo de Paris (SILVEIRA, 2019).
No que diz respeito à atuação de ONGs ambientais junto à UNFCCC, há um ponto
importante na COP 20, realizada em 2014 em Lima, Peru. Nas últimas rodadas das negociações
não havia referências diretas a agentes não-estatais ou privados, o que chamou a atenção desses
e de outros agentes e culminou em mudanças para a concepção do Acordo de Paris, que
oficializou uma abordagem híbrida em relação à importância do envolvimento de diferentes
agentes e níveis de governo para as negociações (BACKSTRAND et al., 2017).
A primeira estratégia que se considera é a de formação de lideranças. Como está posto
no Quadro 5, esta estratégia é exclusiva do Climate Reality e é a principal utilizada pelo grupo.
Em fevereiro de 2015 a ONG declarou a importância da ocasião que se aproximava: “se alguma
vez houve um momento em que pessoas de todas as esferas da vida e todos os cantos do mundo
[...] pudessem fazer uma diferença real em parar a mudança do clima, este é o momento”69
(HUMANITY..., 2015, s/p, versão livre do autor). Em abril, declarou também que “construir
um movimento poderoso para mudança em Paris começa espalhando a palavra. Tornando-se
uma liderança do Climate Reality, você pode aprender como espalhar a verdade sobre a
mudança do clima e inspirar ações melhor do que já imaginou”70 (MARCHING..., 2015, s/p,
versão livre do autor, grifo do autor). No primeiro discurso nota-se que é feito um chamado
para a ação. E o segundo se vale de uma retórica que remete à crença de que há uma única
verdade sobre o que acontece com o clima do planeta, justamente para se contrapor a outras
narrativas da realidade, inclusive as que negam ou minimizam a mudança do clima.
A estratégia de formação de lideranças é conduzida pelo ex Vice-Presidente Al Gore e
outros líderes do grupo, visando difundir conhecimento científico e capacitar indivíduos que
tenham inserções em diferentes áreas. A ONG lançou, ainda em abril, uma campanha chamada
Road to Paris71, cujo objetivo era construir suporte público em alguns países-chave para que o
Acordo acontecesse. Segundo sua percepção, os países-chave para a COP eram Austrália,
67 Realizada em setembro de 2014 por iniciativa do, então secretário-geral Ban Ki-Moon, a Cúpula do Clima reuniu
mais de 120 Chefes de Estado, além de outras autoridades e representantes agentes não-estatais e teve o propósito
de incentivar que um acordo fosse realizado sob a UNFCCC em 2015 (CHEFES..., s/d). 68 Neste acordo, os dois países reconheceram o papel crítico e conjunto que possuiam no combate à mudança do
clima, e sinalizaram a importância da ratificação um futuro protocolo ou acordo climático (U.S.-CHINA..., 2014). 69 if ever there was a moment when people from all walks of life and all corners of the world […] could make a
real difference in stopping climate change, this is that moment. 70 building a powerful movement for change in Paris starts with spreading the word. By becoming a Climate
Reality Leader, you can learn how to share the truth about climate change and inspire action better than you ever
thought possible. 71 Caminho para Paris, versão livre do autor.
81
Brasil, Canadá, China, Índia, Filipinas, África do Sul e os Estados Unidos. Nesses países ao
longo de 2015, a ONG atuou realizando eventos e oferecendo sugestões práticas para que
comunidades locais se organizassem e pressionassem seus governos a se comprometerem com
negociações climáticas (UNITED..., 2015).
Em abril de 2015 o Climate Reality direcionou sua atenção para mais um país latino-
americano além do Brasil: o México. Isso se deu porque em março o país apresentou sua iNDC,
sinalizando a intenção de reduzir as emissões de GEE em 22% até 2030. Isso foi importante
pois mostrou o desejo do país em participar dos esforços na liderança de ações de combate à
questão climática, o que fez com que o Climate Reality realizasse um evento na Cidade do
México e incluísse o país na campanha Road to Paris. Após o evento, uma liderança da ONG
foi convidada para uma discussão no senado mexicano, onde estavam presentes senadores
ligados à questão climática, e representantes do Ministério do Desenvolvimento do país. Ao
final, dois senadores se comprometeram a comparecer a um treinamento da ONG que
aconteceria em setembro daquele ano (MEXICO..., 2015). Este episódio mostra a proximidade
construída entre o grupo e o governo mexicano a partir de sua sinalização em direção à ação
climática.
Em 2019, no contexto da COP de Madri, a estratégia de formação de lideranças se
manteve. O dia 15 de março foi marcado por uma série de marchas pelo planeta motivadas pelas
greves pelo clima iniciadas por Greta Thunberg em 2018. Segundo uma ativista do Climate
Reality que já havia passado pelo treinamento,
eu me envolvi no movimento de greve escolar apenas começando uma greve do lado
de fora de prédios em Denver no começo de janeiro. Eu havia visto Greta Thunberg
e outras crianças na Europa e Austrália fazendo greves no último semestre e decidi
que era hora de eu também começar a ajudar72 (CLIMATE..., 2019b, s/p, versão
livre do autor, grifo do autor).
Nesse discurso, é evidente a identificação da ativista com outros jovens, como Greta, que
começaram a se organizar para denunciar os efeitos da mudança do clima. Como é ressaltado,
para aderir ao movimento, a jovem teve apenas que “começar uma greve” onde quer que
estivesse, não havendo burocracias que dificultasse seu envolvimento com aquela causa.
Destaca-se que, mesmo sem burocracias, são necessários recursos, como o impulsionamento
em redes sociais, para que ação dessa e de outros ativistas seja notada. De todo modo, este
72 I got involved in the school strike movement by simply just starting to strike outside buildings in Denver at the
beginning of January. I had seen Greta Thunberg and the kids in Europe and Australia striking this past fall
semester and decided it was time for me to start helping out too.
82
discurso reflete a informalidade associada aos movimentos sociais, que, como afirma Gohn
(2004), são capazes, de uma hora para a outra, de fazer uma passeata-relâmpago a partir de uma
assembleia que pode ser presencial ou virtual, e reunir mais pessoas do que o próprio grupo é
capaz de prever (GOHN, 2004).
Em junho, o Climate Reality reportou o sucesso de seus treinamentos realizados
especificamente com universitários, sobretudo nos Estados Unidos.
Nós encorajamos qualquer um e todos para virem aos nossos treinamentos de
Lideranças Climate Reality, e recentemente, nós vimos um grande fluxo de
estudantes entrando correndo, animados para aprender mais sobre a crise climática
e exigindo que tomemos medidas para resolvê-la73 (CLIMATE..., 2019a, s/p, versão
livre do autor, grifo do autor).
Os treinamentos do grupo, como apontado no contexto de 2015, são destinados a qualquer
pessoa, em diferentes áreas de inserção social ou profissional. No entanto, em virtude do
aumento do interesse de jovens pela questão climática, o grupo passou a oferecer treinamentos
em universidades. Nesse discurso, há que se considerar também que a expressão “crise
climática” se mantém, reforçando a concepção que é parte de sua ideologia e estava presente
em 2015.
Destacam-se dois pontos acerca dessa estratégia no contexto de 2019: o grupo buscou
conjugar seus treinamentos com uma onda crescente de mobilização de jovens, destacando
aqueles que foram treinados por eles, e incentivando outros a, além de protestarem, também se
capacitarem, aprendendo mais sobre a crise climática. O outro ponto diz respeito ao conteúdo
dos treinamentos. No discurso, usa-se a expressão “aprender mais sobre a crise climática”, o
que permite inferir que o grupo acredita que os jovens já tenham alguma noção sobre esta
concepção, mas se beneficiariam dos treinamentos para reforçarem suas ações. Além disso,
pode-se afirmar também que o grupo acredita que um núcleo de conhecimento comum seria
benéfico para garantir maior coerência ao discurso.
Sobre a estratégia formação de lideranças, que como mencionado, dentre os grupos
observados, é exclusiva do Climate Reality, fica claro que ao longo do ano de 2015 houve um
esforço para intensificar o alcance dos treinamentos e aumentar a quantidade de indivíduos
associados ao grupo, mobilizando um discurso que reforçava a concepção de crise climática. Já
em 2019, manteve-se a estratégia de treinamentos, mas eles foram redirecionados para jovens
73 We encourage anyone and everyone to come out to our Climate Reality Leadership Corps trainings, and recently,
we’ve seen a major influx in students rushing through the door, excited to learn more about the climate crisis and
demanding we take action to solve it.
83
que estavam se envolvendo com marchas e greves motivadas por Greta Thunberg. Além disso,
pela primeira vez em sua história, convocou pessoas que compartilham de sua ideologia a se
juntarem aos protestos de Greta, uma estratégia que é mais característica de movimentos
ambientais menos institucionalizados.
A segunda estratégia que se considera, também realizada apenas pelo Climate Reality,
foi a repercussão da Laudato Si’74, carta encíclica lançada pelo Papa Francisco em junho, que
tratava da natureza interligada de questões econômicas, ambientais e de equidade. Para o Papa,
“é preciso revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras
nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos” (FRANCISCO, 2015, p. 42-43). A
própria ONG reconhece o viés religioso e não científico do documento, mas “ela visa envolver
a sociedade nos fatos da ciência do clima e criar um senso de urgência para que a humanidade
aja”75 (THE..., 2015, s/p, versão livre do autor, grifo do autor). O grifo no discurso apresentado
chama a atenção para a urgência contida na encíclica segundo a percepção do Climate Reality.
O grupo compartilha dessa noção pois também advoga no sentido de que é necessária uma ação
global para lidar com a questão climática.
Ainda na Laudato Si’ é possível destacar outros elementos que reforçam esse senso de
urgência. Francisco (2015) se refere a “uma crise que é ‘consequência dramática’ da atividade
descontrolada do ser humano” (FRANCISCO, 2015, p. 4, grifo do autor). Ademais, há menções
aos termos “crise ecológica” e “urgência” em relação à tomada de consciência e ação
(FRANCISCO, 2015). Esta concepção de urgência em relação ao clima, bem como a própria
articulação do Papa em conceber e divulgar esta carta, são elementos que vão ao encontro da
ideologia do Climate Reality, uma vez que, segundo Gohn (2004), a ideologia é o conteúdo que
orienta as práticas de um movimento (GOHN, 2004). Ou seja, na ideologia do Climate Reality
é possível identificar a concepção de urgência em relação a crise climática, elemento que
também é buscado em outros discursos de personalidades e lideranças para que possa ser
somado à sua voz.
Segundo a ONG,
74 Laudato Si’ vem de “Laudato Si’, mi Signore”, que faz referência a um canto entoado por São Francisco de
Assis e que significava “Louvado sejas, meu Senhor”. Nesta carta encíclica, o Papa Francisco direciona suas
palavras para toda a humanidade chamando a atenção para as consequências das devastações que tem sido feitas
com o planeta. O texto, publicado em livro, deu origem ao Movimento Laudato Si’, que possui sete objetivos
inspirados nos ODS da Agenda 2030. São eles: (1) oferecer uma resposta ao chamado da Terra; (2) oferecer uma
resposta ao chamado dos pobres; (3) promover uma economia ecológica; (4) adoção de um estilo de vida simples;
(5) educação ecológica; (6) espiritualidade ecológica; e (7) engajamento comunitário e ação participativa
(FRANCISCO, 2015). 75 it aims to engage society on the facts of climate science and create a sense of urgency for mankind to take action.
84
fé pode mover montanhas e, combinada com fatos científicos, pode abrir os corações
e as mentes das pessoas de uma forma poderosa. O Papa claramente vê que lutar contra
a mudança do clima e restaurar os ecossistemas da Terra é um dever moral que temos
para com nossos companheiros humanos, com futuras gerações e com a própria
Criação76 (THE..., 2015, s/p, versão livre do autor, grifo do autor).
Nesse discurso do grupo fica mais uma vez evidente a conexão feita com a religião. No discurso
que chamava a sociedade a se engajar com o ativismo, usou-se a expressão “espalhar a palavra”.
Agora, ao repercutir a fala do Papa, há um reforço de que lutar contra a crise climática seria um
imperativo moral e um dever para com toda a humanidade. Nota-se, portanto, que o grupo
acredita que esta estratégia pode ser um importante meio de catapultar esta discussão, uma vez
que reúne uma noção religiosa de humanidade e de dever moral, uma ideologia que mobiliza
uma noção de urgência, e é impulsionada pela figura do Papa Francisco.
A relevância da carta encíclica também foi reforçada pela declaração da Secretária
Executiva da UNFCCC. Segundo Christiana Figueres, “a encíclica do Papa Francisco sublinha
o imperativo moral para ação urgente em relação à mudança do clima para levantar as
populações mais vulneráveis do nosso planeta, proteger o desenvolvimento e estimular o
crescimento responsável”77 (POPE..., 2015, s/p, versão livre do autor, grifo do autor). Há dois
elementos a serem discutidos nesse discurso. Primeiro, identifica-se um reforço da concepção
trazida por Francisco sobre a “urgência” e o “imperativo moral”, questões que, como já
pontuado, são potencializadas pelo discurso do Climate Reality.
O segundo elemento trata de outra dimensão destacada pela Secretária Executiva, a do
crescimento e do desenvolvimento. Como mencionado no Capítulo 2 dessa dissertação, a
política internacional do clima é marcada por controvérsias no que tange à discussão do
crescimento e do desenvolvimento econômicos, uma vez que é entendida como uma
necessidade mais urgente para países em desenvolvimento e está comumente associada à
índices altos de emissões de GEE, o que vai na direção oposta do combate ao aquecimento
global e da própria concepção de urgência. Na carta encíclica, as menções a crescimento e
desenvolvimento de fato versam sobre responsabilidade para com o meio ambiente, mas não há
a apresentação de uma alternativa exequível que “proteja o desenvolvimento” das populações
mais vulneráveis sem degradar o meio ambiente, uma vez que urge, para além da ação de líderes
76 Faith can move mountains and, combined with scientific facts, can open people's hearts and minds in a powerful
way. The pope clearly sees that fighting climate change and restoring the Earth's ecosystems is a moral duty we
have to our fellow humans, to future generations, and to Creation itself. 77 Pope Francis’ encyclical underscores the moral imperative for urgent action on climate change to lift the planet’s
most vulnerable populations, protect development, and spur responsible growth.
85
políticos, para uma tomada de consciência individual, assumindo que ela seria a responsável
por solucionar um problema que é coletivo.
Giddens (2010) trata desse dilema ao mostrar a contradição presente no termo
“desenvolvimento sustentável”. Segundo ele, sustentabilidade está relacionada à equilíbrio,
continuidade, e com a busca por soluções duradouras. Já desenvolvimento remete à mudança,
dinamismo e uma forma tradicional de mensurá-lo é por meio do Produto Interno Bruto (PIB).
Ou seja, governos e empresas costumam colocar foco no termo desenvolvimento, enquanto
ambientalistas são atraídos pelo termo sustentável (GIDDENS, 2010). O discurso da Secretária
Executiva reflete diretamente esse dilema, pois ela representa uma instituição que se propõe a
realizar um debate entre estes agentes e buscar um equilíbrio entre a urgência climática e as
demandas de agentes interessados prioritariamente com crescimento e desenvolvimento.
Sobre a estratégia de repercussão da Laudato Si’ mobilizada pelo Climate Reality, os
discursos indicam que o grupo conhecia o poder da voz do Papa Francisco, tendo em vista,
sobretudo, a quantidade e a variedade de pessoas que ele é capaz de alcançar. Ademais, é válido
mencionar que a Laudato Si’ é a primeira carta encíclica a fundamentar-se em uma aliança entre
a religião e o conhecimento científico, questão que reforça a urgência desse debate
(FRANCISCO, 2015).
A terceira estratégia identificada é a do monitoramento de compromissos e ações de
países, realizada pelo Climate Reality e pelo Greenpeace nos anos em que ocorreram as COPs
de Paris e de Madri. Ao longo de 2015, o Climate Reality monitorou os países por ele
considerados chave78 para os rumos de Paris. Esse monitoramento focou, sobretudo, em trazer
para o debate as metas propostas em cada iNDC e em um chamado para que a sociedade
acompanhasse as ações de seus países nessas áreas. Nota-se que o trabalho feito em relação aos
Estados Unidos é muito mais expressivo, uma vez que a ONG produz mais material sobre o
país e realiza a maior parte de suas reuniões e conferências nele.
Em 31 de março de 2015, os Estados Unidos submeteram à UNFCCC sua iNDC,
comprometendo-se a reduzir suas emissões de GEE em 26 a 28% abaixo dos níveis de 2005 até
2025 (US..., 2015). No mesmo dia o Climate Reality afirmou que era necessário estar atento
para o que os EUA fariam naquele ano, uma vez que eram a maior economia do mundo, o
segundo maior emissor de poluentes e um fundamental agente da agenda climática. Segundo o
grupo, “a iNDC dos EUA representa a primeira vez que os Estados Unidos se comprometem a
78 Os Estados Unidos submeteram sua iNDC em 31 de março; Canadá em 15 de maio; China em 30 de junho;
África do Sul em 25 de setembro; Brasil em 28 de setembro; Índia e Filipinas em 1º de outubro e Austrália em 08
de novembro (INDCs..., s/d).
86
reduzir a poluição baseada em carbono com alvos do mundo real, com políticas do mundo
real e autoridade regulatória. Isso por si só é um passo significativo e positivo”79 (GETTING...,
2015, s/p, versão livre do autor, grifo do autor). Os grifos ressaltam aspectos do discurso que
destacam a percepção da ONG acerca do posicionamento estadunidense, entendido como
positivo e importante, inclusive para mostrar a liderança do país e incentivar outros a
participarem, uma vez que tal documento foi emitido cerca de oito meses antes da conferência
e agentes importantes como China e Índia ainda não haviam apresentado seus respectivos
documentos.
Entretanto, o grupo reconhecia que era necessária vigilância, uma vez que os EUA não
haviam ratificado o Protocolo de Quioto e historicamente rivalizavam com a China na agenda
climática, ainda que tivessem sinalizado positivamente com o acordo bilateral de 2014
(SILVEIRA, 2019). Ademais, a ONG estimulou a sociedade a estar atenta à legislação
doméstica do país, sobretudo no que tangia ao setor energético80, que ocupava o segundo lugar
em relação as emissões de GEE, atrás do setor de transportes, e estava destacado como
prioritário nas soluções propostas pela iNDC (ANNUAL..., 2020).
Em agosto de 2015, o presidente Barack Obama, junto à Environmental Protection
Agency (EPA), divulgou o Clean Power Plan, que estabeleceu limites para as emissões de
carbono de usinas de energia, objetivando cortar as emissões em 32% abaixo dos níveis de 2005
até 2030, uma estimativa mais ousada que a proposta na iNDC, mas aqui com um prazo maior
e destinada a um setor específico (CLEAN..., 2015). Na avaliação do Climate Reality, o plano
foi ambicioso pois rivalizou com setores importantes da economia estadunidense, além de se
apresentar como um bom indicativo dos futuros posicionamentos do país em Paris. Além disso,
segundo o grupo, “temos uma longa luta diante de nós para proteger o plano face a uma
oposição tão brava, mas se aprendemos algo desde seu anúncio, é que muitos americanos estão
prontos, dispostos e capazes de se erguerem e lutarem pesado”81 (HALFTIME..., 2015, s/p,
79 the US INDC represents the first time that the United States has committed to reducing carbon pollution based
on real world targets with real world policies and regulatory authority. This on its own is a very significant and
positive step. 80 Os setores que mais emitem GEE nos Estados Unidos são, nessa ordem: transporte, energia, indústria, residencial
e comercial. Há que se pontuar que, a matriz energética do país estava disposta do seguinte modo em 2019: petróleo
(37%), gás natural (32%), fontes renováveis (11%), carvão (11%) e energia nuclear (8%). Dentro das fontes
renováveis, a principal é a biomassa (43%), seguida da eólica (24%), da hidrelétrica (22%) e outras menos
expressivas. De todo modo, no que tange às fontes fósseis, ainda que o carvão tenha se tornado o terceiro maior
emissor ao longo da última década, o petróleo tem a estimativa de aumentar sua intensidade, segundo calcula a
U.S. Energy Information Administration (EIA) (ANNUAL..., 2020). 81 we’ve got a long fight ahead of us to protect the plan in the face of such angry opposition, but if we’ve learned
anything since it was announced, it’s that plenty of Americans are ready, willing, and able to jump in and fight
hard.
87
versão livre do autor, grifo do autor). Este discurso reflete um posicionamento da ONG que é
otimista, mas que adverte seus seguidores a respeito da “luta” que há pela frente. A palavra luta,
relacionada à noção de que é preciso “proteger o plano”, transmite uma ideia de manutenção de
um tópico no topo de uma agenda política. Conforme já mencionado por Mitchell (2010), esta
manutenção está relacionada à percepção de agentes relevantes e sua vontade em priorizar
aquele tópico (MITCHELL, 2010). Nesse caso, o discurso do Climate Reality indica que, para
o grupo, o Clean Power Plan e seu cumprimento deva estar no topo da agenda, mas precisa de
apoio político para manter a pressão sobre os tomadores de decisão.
Em 2019 o Climate Reality manteve a estratégia de monitorar os posicionamentos de
países considerados chave, porém focou ainda mais nos Estados Unidos. Isso ocorreu porque
para o grupo, a saída do país do Acordo de Paris, anunciada pelo presidente Donald Trump em
2017 – e, como visto, concluída em 2020, representou uma ruptura no que tangia à gestão da
crise climática.
Na ausência da ação federal, comunidades se empenharam para preencher o vazio.
Condados de todo o país estão se unindo como parte da County Climate Coalition82
para reafirmar seu apoio ao Acordo de Paris e tomarem ações em nível local para
reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE)83 (HOW..., 2019, s/p, versão livre
do autor, grifo do autor).
O discurso apresenta a percepção do grupo acerca do vazio deixado pelo governo federal e a
crença no papel de iniciativas locais para manterem os compromissos acordados em Paris.
Segundo a conselheira para assuntos ambientais do condado de Washtenaw, no estado do
Michigan, “a mudança do clima é um despertador que está disparando, ignorado pelos que
estão no poder, há anos”84 (HOW..., 2019, s/p, versão livre do autor, grifo do autor). Neste
discurso, a metáfora utilizada pela conselheira vai ao encontro dos elementos narrativos que
são mobilizados pelo movimento ambientalista e pelo próprio Climate Reality, o que indica
que, ao menos para aquela administração, daquela localidade específica, a questão era vista com
urgência.
Em maio, outro monitoramento realizado pela ONG dentro dos EUA foi a respeito da
forma como a questão climática é comunicada no país. Para ela,
82 Trata-se de uma coalizão estabelecida em 2017 a partir do incentivo do condado de Santa Clara, Califórnia, para
continuar os esforços dos condados em direção às metas do Acordo de Paris, a despeito da saída do Estado. Possui
32 condados membros, em um total de 18 estados do país (COUNTY..., 2021). 83 In the absence of federal action, communities stepped up to fill the void. Counties nationwide are coming
together as part of the County Climate Coalition to reaffirm their support of the Paris Agreement and take action
at the local level to reduce greenhouse gas (GHG) emissions. 84 Climate change is an alarm clock that’s been going off, ignored by those in power, for years.
88
a mídia televisiva não está chamando a crise climática que está transformando a Terra
exatamente do que ela é: uma crise climática. [...] Do que chamamos as vezes
importa. [...] Termos relacionados mais gentis como “aquecimento global” e
“mudança do clima” tendem a preencher a maioria das discussões políticas e da
mídia. Mas eles são apenas parte da história, e não descrevem com precisão o que
estamos vendo ao redor do planeta85 (COMMUNICATING..., 2019, s/p, versão livre
do autor, grifo do autor).
Esse discurso reitera a ideologia da ONG e demonstra, também, uma impaciência em relação à
forma como a questão é comunicada, pois, para eles, no ponto em que a humanidade se
encontra, “aquecimento global” e “mudança do clima” seriam termos “gentis” e “imprecisos”
para a gravidade do problema.
Mitchell (2010) acredita que uma das formas de os problemas ambientais emergirem na
agenda é quando seus impactos e a natureza antropogênica de suas causas se apresentam
imediatamente e com clareza para a população. Assumindo que há grupos a favor de um
determinado status quo, sendo eles governos, empresas de mídia ou ONGs e movimentos
ambientais, há que se considerar a disputa que pode ocorrer entre eles próprios, ou entre eles e
grupos contrários ao status quo, para que se tenha um problema ambiental no topo da agenda
(MITCHELL, 2010).
Para o Climate Reality, que advoga em favor da concepção de crise climática, além do
governo Trump, há emissoras que não reconhecem a natureza urgente da questão climática.
Entretanto, eles observaram que algumas emissoras usam a expressão crise climática, e que,
somado à repercussão do Green New Deal86 e dos protestos de 2018 e de março de 2019
convocados pelo Fridays For Future, a concepção de urgência se moveu um pouco mais para
dentro do debate público. Ou seja, nesse caso, a repercussão dos protestos é importante para
mostrar para a população que há uma questão por trás deles que deve ser considerada, e a
incorporação das emissoras no monitoramento do Climate Reality, também importa para que
se conheçam os grupos que estão nessa disputa, bem como as orientações que possuem sobre a
questão climática.
Sobre a estratégia de monitoramento dos países mobilizada pelo Climate Reality fica
claro que, em 2015 houve um acompanhamento da apresentação e do conteúdo das iNDCs dos
85 television news media is not calling the climate crisis transforming the Earth exactly what it is: a climate crisis.
[…] What we call something matters. […] Gentler related terms like “global warming” and “climate change” tend
to fill most media and political discussions. But they’re just part of the story, and are not accurately describing
what we’re seeing around the planet. 86 O Green New Deal é uma proposta da membra da Câmara dos Representantes dos EUA Alexandria Ocasio-
Cortez, datada de fevereiro de 2019, que versa sobre medidas econômicas para compatibilizarem a solução da
questão climática e da desigualdade econômica no país (RESOLUTION..., 2019).
89
países por eles observados, sobretudo os Estados Unidos. Ficou evidente que o país é o foco do
grupo pois tem uma relação direta com seu fundador, Al Gore, é onde o grupo foi fundado e
tem sede, e possui um papel chave nas discussões climáticas, tendo em vista sua economia, suas
emissões, e seu setor energético. Já em 2019, nota-se que manteve o monitoramento focado,
sobretudo, nos Estados Unidos, porém o redirecionou para os condados do país após o governo
Trump anunciar a saída do Acordo de Paris.
O Greenpeace, como apresentado na seção 3.2.4, se comporta em relação à questão
climática de forma significativamente diferente dos outros grupos observados neste trabalho.
Isso se dá porque a questão climática não é o único tópico do grupo, mas um de seus quatro
objetivos principais (GREENPEACE, 2019a). Além disso, por causa de seus 40 anos de
história, sua projeção midiática é expressivamente maior e mais consolidada.
Ao longo de 2015, dividiu suas iniciativas do seguinte modo: ações voltadas para a
mudança do clima, focando sobretudo no setor energético dos países; ações voltadas para a
segurança alimentar, incentivando a expansão de fazendas ecológicas; e ações de proteção a
florestas (Amazônia e as florestas do Círculo Polar Ártico) e à vida marinha do oceano Ártico87
(GREENPEACE, 2015). No que se refere ao primeiro grupo de ações, que está diretamente
relacionado à COP 21, identifica-se que uma de suas estratégias foi o monitoramento de
compromissos e ações de países que consideravam importantes.
Em fevereiro de 2015, ao final de uma conferência da ONU sobre mudança do clima
sediada em Genebra, o Greenpeace avaliou que o rascunho do Acordo de Paris havia dobrado
de tamanho desde a COP 20, mas ainda havia muito a ser feito. Como afirmou uma importante
liderança do grupo,
o Acordo de Paris está ameaçado de se tornar uma concha vazia. Para evitar isso,
Partes como os EUA, a China, a União Europeia e outras devem apresentar seus
compromissos de curto e médio prazo para a mitigação de gases de efeito estufa até o
final de março88 (GREENPEACE..., 2015c, s/p, versão livre do autor, grifo do autor).
Como está posto na declaração citada, EUA, China e a UE são enfatizados pelo grupo por
possuírem papéis importantes na questão. Ademais, por meio do verbo “dever” conjugado no
presente do indicativo, nota-se que o Greenpeace atribui um sentido de urgência no
posicionamento destes países.
87 O Greenpeace possui três navios, símbolos de suas intervenções e protestos. O navio utilizado no contexto de
sua fundação foi o Arctic Sunrise, e os outros dois são o Esperanza e o Rainbow Warrior (OUR..., 2020). 88 the Paris Treaty threatens to become an empty shell. To prevent this, parties like the US, China, the EU and
others must present their short and long-term commitments for the mitigation of greenhouse gases at the end of
March.
90
Como já mencionado, no final de março os EUA de fato apresentaram sua iNDC, com
a meta de reduzir suas emissões de GEE em 26 a 28% abaixo dos níveis de 2005 até 2025
(US..., 2015). No entanto, segundo o Greenpeace, o país teria a capacidade de reduzir suas
emissões em pelo menos 40% até a data anunciada.
A administração Obama submeteu um plano para reduzir os impactos climáticos dos
EUA que começam a tratar a ferida, mas não param o sangramento. Enquanto
segundo maior emissor mundial, os EUA devem fortalecer seus compromissos para
com soluções climáticas antes de Paris para assegurar um acordo que estimule
imediatamente a transição necessária dos combustíveis fósseis para 100% de energia
renovável89 (GREENPEACE..., 2015b).
Há que se analisar pelo menos dois aspectos no discurso supracitado. O primeiro diz respeito à
estratégia de lidar discursivamente com a questão climática associando-a à uma doença ou
“ferida” que precisa ser tratada. Essa estratégia se assemelha à adotada pelo Climate Reality,
que fala em nome de uma “verdade” sobre a questão climática. Castells (2013) afirma que os
movimentos sociais da atualidade subvertem as práticas comunicacionais para criar e veicular
suas mensagens. Superam uma impotência solitária e colocam seus desejos em redes. Além
disso, identificam as redes dos poderes constituídos e lutam contra eles (CASTELLS, 2013).
Nesses discursos, ao tratar a questão climática enquanto uma doença ou como uma verdade
“mais verdadeira”, estes grupos oferecem uma perspectiva própria para a questão, contrapondo
aquelas oferecidas por outras fontes de poder. Além disso, quando se entende que ambas as
perspectivas apresentam essa concepção de urgência, a voz desses grupos se apresenta como
uma única e mais potente.
O uso de metáforas é um recurso estratégico mobilizado por atores políticos em seus
discursos. Como afirma Dorde García (2004), a metáfora está na construção de qualquer
discurso, como o literário e o científico, e permite atribuir uma estrutura cognitiva a um
determinado objeto de debate, sendo mobilizada também para a comunicação de políticas
públicas. Um movimento social pode mobilizar uma metáfora estratégica, onde faz alusão, por
exemplo, à utilização de uma “artilharia” contra políticas das quais discorda. Há que se
considerar que uma mesma ameaça repetida durante muito tempo pode perder sua força
enquanto recurso de intimidação (GARCÍA, 2004). Nos discursos do Climate Reality e do
89 The Obama Administration has submitted a plan to reduce US climate impacts that begins to treat the wound,
but does not stop the bleeding. As the world’s second largest emitter, the US must strengthen its commitment to
climate solutions before Paris to ensure an agreement that immediately spurs the necessary transition away from
fossil fuels and towards 100 percent renewable energy.
91
Greenpeace mencionados, há a metáfora de que a questão climática consiste em uma “doença”
ou “ferida”, na tentativa de atribuir uma estrutura cognitiva que impulsione seu debate, tendo
em vista sua “cura”. Ao advogar em nome de uma “verdade”, nota-se que há também a intenção
de impulsionar o conhecimento científico para dentro do grande debate. E, ao se referir a “uma
longa luta”, quando do contexto do Clean Power Plan, o Climate Reality também mobiliza uma
metáfora estratégica, anunciando o caminho que existia pela frente.
Como visto, o Climate Reality considerou que a iNDC refletia “alvos do mundo real”,
porém o Greenpeace não pensou da mesma forma, uma vez que para ele se tratava do começo
do “tratamento da ferida”. De todo modo, nota-se que ambas as ONGs concordaram que o papel
dos EUA é fundamental, uma vez que a primeira acreditava que a divulgação da iNDC oito
meses antes da COP era um sinal positivo. Isso está claro no trecho destacado no discurso, já
que a antecedência da apresentação das metas, como já havia sido demandado pelo Greenpeace
em fevereiro, era considerada um passo importante para os rumos daquele ano.
Outro episódio monitorado pelo grupo foi a divulgação do Clean Power Plan por
Obama em agosto (CLEAN..., 2015). Ao contrário do Climate Reality, que classificou o plano
como ambicioso, para o Greenpeace “todos que prestaram atenção à ciência recente do clima
sabem que [o plano] é terrivelmente inadequado em si mesmo”90 (CALLING..., 2015, s/p,
versão livre do autor). Ao criticar Obama, o Greenpeace resgatou uma frase dita pelo então
presidente em 25 de junho de 2013 em um discurso sobre a mudança do clima na Georgetown
University em Washington.
E algum dia, nossas crianças, e as crianças de nossas crianças, vão olhar para nós nos
olhos e vão nos perguntar, fizemos tudo o que podíamos quando tivemos a chance de
lidar com esse problema e deixar para eles um mundo mais limpo, seguro e estável?
E eu quero poder dizer, sim, nós fizemos. Vocês não querem isso?91 (REMARKS...,
2013, s/p, versão livre do autor).
Para o Greenpeace, estava clara a seriedade de Obama em relação à importância da questão
climática. No entanto, “o Presidente deve usar a liderança que tem mostrado em seu país não
apenas para se juntar, mas também para encorajar todos os países a assinar um acordo
legalmente vinculativo para reduzir a poluição climática em Paris”92 (CALLING..., 2015, s/p,
versão livre do autor, grifo do autor). Observa-se que ao fazer referência ao discurso de Obama
90 everyone who has paid attention to recent climate science knows it is woefully inadequate on its own. 91 And someday, our children, and our children’s children, will look at us in the eye and they'll ask us, did we do
all that we could when we had the chance to deal with this problem and leave them a cleaner, safer, more stable
world? And I want to be able to say, yes, we did. Don’t you want that? 92 the President must use his leadership he’s showing in this country to not just join but encourage all countries to
sign a legally binding agreement to reduce climate pollution in Paris.
92
de 2013, o grupo mostra que está atento a um precedente que foi estabelecido pelo próprio
presidente, onde ele se vale de um argumento que invoca um compromisso humanitário e
geracional em relação à questão climática.
No discurso do grupo, esse precedente é retomado e somado às iniciativas do governo
Obama em relação à iNDC e ao Clean Power Plan, urgindo que o presidente assuma a
“liderança” internacional em relação a questão. Isso é expresso por meio do uso do verbo
“dever” no presente do indicativo, tal como feito no discurso de fevereiro também direcionado
aos Estados Unidos. A questão da liderança de países desenvolvidos, tal como os EUA, foi
debatida no Capítulo 2 desta dissertação. Como foram os causadores da maior parte do
problema, cabe a eles assumir a vanguarda em relação as mudanças sociais que devem ser
postas em prática para solucionar o problema (GIDDENS, 2010). O discurso do Greenpeace,
tanto em relação à liderança do presidente Obama, quanto em relação à de agentes como os
EUA, a China e a UE, reflete essa lógica que também é consenso na comunidade científica.
Em setembro, o grupo monitorou a declaração conjunta feita por Obama e Xi Jinping,
onde os presidentes ressaltaram o acordo bilateral firmado em 2014 e “reafirmaram o
compromisso de alcançar um acordo ambicioso em 2015 que refletisse o princípio das
responsabilidades comuns, porém diferenciadas e as respectivas capacidades, tendo em vista as
diferentes circunstâncias nacionais”93 (U.S.-CHINA..., 2015, s/p, versão livre do autor). Há que
se considerar que, em 1997, ano do Protocolo de Quioto, o senado estadunidense aprovou a
Resolução Byrd-Hagel94, impedindo que o país assumisse um compromisso vinculativo que
não colocasse as mesmas regras para a redução de emissões de países em desenvolvimento
(DINIZ, 2007; S.RES.98, 1998). Logo, a declaração conjunta e o acordo de 2014 foram
importantes passos para evitar o que havia ocorrido na época de Quioto.
Como mencionado, as emissões chinesas seguiram aumentando expressivamente após
1997, ultrapassando as dos EUA em 2005 (OS PAÍSES..., 2019). Porém, como observou o
Greenpeace, as emissões chinesas derivadas da queima de carvão começaram a declinar95 e na
declaração o país apresentou compromissos financeiros importantes. Além disso, para o grupo,
93 They reaffirm their commitment to reach an ambitious agreement in 2015 that reflects the principle of common
but differentiated responsibilities and respective capabilities, in light of different national circumstances. 94 A resolução foi aprovada no senado por 95 contra 0 votos. Em 2001, o então presidente, Bush, afirmou que tal
como o senado, se opunha ao Protocolo, pois para ele isentava 80% da população mundial de compromissos,
incluindo centros populacionais como a China e a Índia (DINIZ, 2007). 95 As emissões chinesas, a partir de combustíveis, advém sobretudo da queima de carvão, seguidas do petróleo,
gás, cimento e outros menos expressivos. A maior taxa de emissão por carvão do país foi em 2013 (7,49 bilhões
de toneladas). Quando do discurso do Greenpeace, em 2015, a taxa de fato havia caído para 7,27 bilhões de
toneladas. Ela seguiu caindo até 2016 (7,18 bilhões de toneladas), mas depois voltou a subir, chegando a 7,25
bilhões de toneladas em 2018, último ano com dados divulgados (CO2..., s/d).
93
com esse acordo, está claro que a China está preparada para liderar no clima. As
antigas desculpas políticas para inação em Washington se tornaram irrelevantes. Na
onda da inspiração moral após a visita do Papa, os políticos dos EUA deveriam
aumentar o nível de suas ambições96 (UNITED..., 2015, s/p, versão livre do autor,
grifo do autor).
Há um reforço nesse discurso da crença da ONG acerca do papel da China enquanto uma
liderança na questão climática. Além disso, o grupo também acreditava que as “desculpas
políticas” por parte dos EUA seriam colocadas de lado. Entretanto, no que diz respeito à
liderança chinesa permanecem incoerências, pois suas emissões continuam subindo e seu
discurso continua apegado ao princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
Há também no discurso um paralelo com a visita do Papa Francisco aos EUA naquele
mês de setembro. Dirigindo-se à Obama, o Papa declarou: “eu acho encorajador que você esteja
propondo uma iniciativa para reduzir a poluição do ar”97 (POPE..., 2015). No discurso do
Greenpeace que se refere à passagem do Papa, há uma tentativa de relacionar suas palavras com
uma “inspiração moral” que deveria guiar os políticos do país. Percebe-se que, assim como o
Climate Reality repercutiu amplamente a carta Laudato Si’, o Greenpeace também destacou a
figura do Papa e o alcance de sua voz no alerta sobre a urgência climática.
Em 2019, a estratégia de monitoramento se mantém, porém, o Greenpeace voltou mais
suas atenções para os posicionamentos dos países em conferências internacionais. Acredita-se
que isso se deu em função da projeção midiática dessas conferências, algo utilizado pelo grupo
para atrair a atenção popular ao que era declarado pelos líderes mundiais. Além disso, também
há, por parte do grupo, a crença de que as melhores soluções para um problema coletivo devem
vir de iniciativas coletivas.
Em janeiro de 2019 o grupo esteve presente em Davos, Suíça, para o Fórum Econômico
Mundial. Em seu discurso, a diretora executiva Jennifer Morgan afirmou:
Greenpeace veio à Davos em busca de liderança moral, empresarial e política, e
nós não a encontramos. É profundamente preocupante que, enquanto o mundo está à
beira de uma catástrofe climática, evitar o aumento da temperatura não esteja no
centro de todas as reuniões de CEOs e líderes mundiais98 (PROFIT..., 2019, s/p,
versão livre do autor, grifo do autor).
96 with this deal, it’s clear China is ready to lead on climate. The old political excuses for inaction in Washington
have become irrelevant. On the wave of moral inspiration after the Pope’s visit, U.S. politicians should raise the
level of their ambition. 97 I find it encouraging that you are proposing an initiative for reducing air pollution. 98 Greenpeace came to Davos looking for moral, business and political leadership, and we did not find it. It is
deeply disturbing that, as the world tinkers on the brink of a climate catastrophe, avoiding further temperature rise
is not at the very center of all of the meetings of CEOs and world leaders.
94
Nesse discurso observa-se que a busca do Greenpeace por liderança continua. Como visto, em
2015, a ONG estava otimista em relação à liderança dos EUA sob a presidência de Barack
Obama, porém, não se contentou com o papel e os compromissos do país em Paris. Depois, na
esteira da deserção de Trump do Acordo, o grupo seguiu urgindo que lideranças se
estabelecessem e que colocassem a iminente “catástrofe climática” no topo da agenda política.
Este último ponto, inclusive, reforça que, a despeito de ser uma ONG com discursos mais
impacientes, ela reconhece a importância dos países e líderes em relação à gestão da questão
climática.
Ainda naquela ocasião, a diretora executiva continuou: “ontem havia 32.000 estudantes
em greve escolar pelas ruas da Bélgica. [...] A juventude está demandando ser ouvida, a
questão é, porque a elite em Davos não está respondendo com a escala e o ritmo que é
necessário? [...] Não temos tempo a perder99 (PROFIT..., 2019, s/p, versão livre do autor, grifo
do autor). Nesse discurso, há por parte do Greenpeace, um movimento de levar a voz dos jovens
e das ruas para dentro da conferência, no sentido de que, se outros indícios da urgência não
estão sendo ouvidos, este é mais um que se soma. Além disso, ao chamar os líderes e CEOs
presentes na conferência, a ONG comunica que identifica uma distância entre eles e o povo,
algo que também deveria ser considerado.
Em junho, o grupo esteve presente na reunião do G20100 em Osaka, Japão. Na ocasião,
a diretora executiva afirmou:
a resolução do G20 de agir pelo clima permanece firme, mas o que precisamos agora
é ação rápida para enfrentar a emergência climática. [...] Os jovens estão fazendo
greves em escolas e comunidades e abrindo processos contra poluidores. [...] Para
reduzir de verdade as emissões [causadas por] combustíveis fósseis e a poluição por
plásticos, temos que encerrar o ciclo de poluição101 (G19..., 2019, s/p, versão livre do
autor, grifo do autor).
Nesse discurso, nota-se que há um reforço da concepção de urgência e da necessidade de ação
rápida, algo que estava posto nos discursos do grupo em 2015, mas se apresenta com mais
clareza nos discursos de 2019. Permanece também o foco na questão das emissões, que como
99 yesterday there were 32,000 school strike students on the streets of Belgium. […] The youth are demanding to
be heard, the question is, why isn’t the Davos elite responding with the scale and pace required? […] We have no
time to waste. 100 Grupo composto por África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China,
Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, República da Coreia, Rússia,
Turquia e União Europeia (G-20, 2020). 101 The G19 resolve to act on climate remains steadfast, but what we need now is rapid action to address the climate
emergency. […] The youth are striking from school and communities launching lawsuits against polluters. […]
To truly reduce fossil fuel emissions and plastics pollution we have to end the cycle of pollution.
95
visto, foi o alvo do grupo no contexto da COP de Paris. E também se observa a insistência do
grupo em colocar as mobilizações dos jovens dentro do debate da conferência, algo feito em
Davos e repetido em Osaka.
Em setembro, convocada pelo Secretário Geral da ONU, António Guterres, foi sediada
em Nova York, EUA, a UN Climate Action Summit102. Segundo Guterres, “eu convoquei a
Climate Action Summit para servir como um trampolim que nos coloque no caminho certo
antes dos prazos cruciais de 2020 estabelecidos pelo Acordo de Paris sobre mudança do clima.
E muitos líderes – de muitos países e setores – mobilizaram-se”103 (2019..., 2019, s/p, versão
livre do autor, grifo do autor). Em seu discurso, Guterres reitera seu papel enquanto promotor
de espaços para debates como este, sobretudo em função da aproximação dos prazos
estabelecidos pelo Acordo. Fica também claro que o Secretário Geral entende que este momento
é crucial para que a discussão em torno das metas e compromissos de Paris permaneça viva.
Sobre a conferência, o Greenpeace afirmou:
devemos todos nos unir atrás da ciência. As pessoas estão se fazendo ouvir. A
juventude está mostrando liderança e os caminhos que os políticos devem seguir.
A dinâmica está crescendo e cada vez mais não há lugar para que líderes fracos e
interesses da indústria de combustíveis fósseis se escondam104 (THE..., 2019, s/p,
versão livre do autor, grifo do autor).
Ao se referir a ciência, há um reforço na crença de que o consenso quanto ao entendimento da
questão produzido pela análise dos dados científicos pode ter a capacidade de unificar
sociedades divididas. Como discutido no Capítulo 2, a ciência é um dos elementos que
compõem o caminho para que ações práticas sejam tomadas em relação a questões ambientais
(LE PRESTRE, 2000). Desse modo, no discurso do Greenpeace está expressa a tentativa de
reforçar o papel da ciência dentro deste debate. Ademais, no discurso há um reforço do papel
da juventude que se mobiliza e também da falta de liderança que, como visto, é parte das falas
do grupo desde 2015.
Em relação à estratégia de monitoramento de compromissos e ações de países por parte
do Greenpeace ao longo de 2015, fica claro que focou nos Estados Unidos e na China, tendo
102 Conferência das Nações Unidas para Ação Climática, versão livre do autor. 103 I called the Climate Action Summit to serve as a springboard to set us on the right path ahead of crucial 2020
deadlines established by the Paris Agreement on climate change. And many leaders — from many countries and
sectors — stepped up. 104 we must all unite behind the science. The people are making themselves heard. The youth are showing
leadership and a way forward that politicians must follow. Momentum is building and increasingly there’s nowhere
for weak leaders and fossil fuel industry interests to hide.
96
em vista a relevância que possuem na agenda climática e os impasses por eles causados em
negociações anteriores. Além disso, quando se compara seus discursos com os do Climate
Reality, eles convergem em muitos aspectos, mas nota-se que as avaliações do Greenpeace em
relação às ações dos países são menos otimistas. Já em 2019, percebe-se que o monitoramento
dos posicionamentos dos países se deslocou para conferências internacionais, o que permite
inferir que o grupo passou a apostar em soluções multilaterais para resolver o problema coletivo
imposto pela questão climática. Além disso, fica também claro que há um reforço do argumento
científico enquanto elemento com poder de unificar as divisões políticas que se intensificaram
nesse debate.
A quarta estratégia que se considera é a de pronunciamentos em conferências
internacionais, algo realizado, sobretudo, pela líder do Fridays For Future, Greta Thunberg, no
ano de 2019. Há que se considerar que, ainda em 2018, ano em que o movimento foi fundado,
na COP 24 em Katowice, Polônia, Greta se sentou ao lado de António Guterres e discursou.
Durante 25 anos inúmeras pessoas se puseram em frente a conferências climáticas
das Nações Unidas pedindo aos líderes de nossas nações que parassem as emissões,
mas claramente isso não funcionou, pois, as emissões continuam a subir. Então, eu
não perguntarei nada a eles. Em vez disso perguntarei às pessoas ao redor do mundo
para que se deem conta de que nossos líderes políticos falharam conosco, porque
estamos diante de uma ameaça existencial e não há tempo para continuar descendo
por essa estrada de loucura105 (GRETA..., 2018, transcrição do autor, versão livre
do autor, grifo do autor).
Nesse discurso, o primeiro de Greta em uma grande conferência internacional, há elementos
que auxiliam a compreensão da ideologia de seu movimento. Primeiro, há uma menção ao
tempo que já se passou desde que conferências climáticas são realizadas e, de acordo com sua
percepção, não há resultados. Segundo, há uma descrença em relação aos líderes políticos, o
que leva Greta a não dirigir suas palavras a eles, e sim às outras pessoas. Observa-se que este
elemento de descrença em relação à líderes políticos também está presente em discursos do
Greenpeace. Um terceiro elemento que se identifica é o da “ameaça existencial”. Como visto,
tanto o Climate Reality quanto o Greenpeace discursam acerca da crise climática e de sua
urgência, porém a concepção de ameaça existencial se apresenta como um novo desdobramento
discursivo desse debate.
105 For 25 years countless of people have stood in front of the United Nations Climate conferences asking our
nations’ leaders to stop the emissions, but clearly this has not worked since the emissions just continues to rise.
So, I will not ask them anything. Instead I will ask the people around the world to realize that our political leaders
have failed us, because we are facing an existential threat and there is no time to continue down this road of
madness.
97
No ano de 2019, a primeira aparição de Greta foi no Fórum Econômico Mundial em
Davos. Na ocasião ela proferiu um de seus discursos de maior repercussão: “nossa casa está
em chamas. Eu estou aqui para dizer, nossa casa está em chamas. [...] Eu quero que ajam
como agiriam em uma crise. [...] Como se sua casa estivesse em chamas. Porque está”106
(OUR..., 2019, transcrição do autor, versão livre do autor, grifo do autor). Nesse discurso, Greta
mobiliza uma metáfora para alertar os líderes da conferência e tentar fazer com que associem
suas realidades à que ela os mostra. O uso de metáforas, como mostrado, é prática frequente
das ONGs e movimentos observados neste trabalho, uma vez que são recursos por eles
identificados com grande poder comunicativo.
Além do intuito comunicativo, as metáforas também podem desempenhar uma função
de criar um marco comum que estimule a coesão de um grupo. O agente enunciador pode
declarar oposições e reforçar vínculos com aliados, explicitando uma distância em relação
àqueles que considera que caminham em uma direção oposta à sua, e proximidade para com
seu público de referência (GARCÍA, 2004). Ao manifestar descrença em relação aos líderes
políticos, Greta aponta para esta distância em relação a outros agentes. E ao chamar o planeta
Terra de “nossa casa”, ela transmite uma ideia de que uma casa é usualmente ocupada por uma
família e estabelece um marco que chama os que compartilham de sua percepção a se unirem a
ela.
Ainda no Fórum Econômico Mundial, Greta continuou:
sim, estamos falhando, mas ainda há tempo para reverter tudo. Ainda podemos
consertar isso. Ainda temos tudo em nossas mãos. [...] Resolver a crise climática é o
maior e mais complexo desafio que o Homo sapiens já enfrentou. A principal solução,
no entanto, é tão simples que até uma criança pequena pode entender. Temos que
parar nossas emissões de gases de efeito estufa107 (OUR..., 2019, transcrição do
autor, versão livre do autor, grifo do autor).
Nesse discurso, embora mobilize a expressão “crise climática”, Greta mostra a seus
interlocutores – líderes internacionais e a sociedade, que é possível solucionar este problema.
Ainda que seu discurso apresente elementos alarmantes, como a metáfora da “casa em chamas”,
nota-se que a ativista opta por comunicar que acredita que soluções ainda sejam possíveis. Isso
106 Our house is on fire. I am here to say, our house is on fire. […] I want you to act as you would in a crisis. […]
As if our house is on fire. Because it is. 107 yes, we are failing, but there is still time to turn everything around. We can still fix this. We still have everything
in our own hands. […] Solving the climate crisis is the greatest and most complex challenge that Homo sapiens
have ever faced. The main solution, however, is so simple that even a small child can understand it. We have to
stop our emissions of greenhouse gases.
98
importa, pois, o alarmismo pode levar a uma total descrença das pessoas em relação a ações
próprias e de governos (GIDDENS, 2010).
Ademais, ao ironizar que “até uma criança pequena pode entender”, Greta sinaliza que
as soluções são de fácil compreensão, e o que falta é ação real. Além disso, com essa ironia, a
ativista rebate críticas feitas à ela e à sua iniciativa que vão em duas direções: a de que ela é
apenas uma criança; e a de que prejudica outros jovens levando-os a perderem aulas. A primeira
crítica diz respeito a uma estratégia de mídias e governos que constantemente a tratam como
“apenas uma criança” para deslegitimar suas ações. Como mostram Mazetti e Freire Filho
(2020), ao tratá-la desse modo, seus opositores fazem alusão a uma infância desprovida de
agência ou capacidade de decisão (MAZETTI; FREIRE FILHO, 2020).
Em muitas ocasiões os opositores de Greta optam por criticá-la enquanto pessoa e
desmerecer sua figura, não se atendo ao conteúdo de suas palavras e, quando discutem suas
ideias, acusam-na de estar repetindo propostas formuladas por adultos. Em resposta, Greta por
vezes se apropria de seu lugar enquanto jovem para enfatizar que de fato não deveria estar se
preocupando com esta questão, mas como líderes internacionais não o fazem, alguém deve fazer
(MAZETTI; FREIRE FILHO, 2020). Um exemplo disso, ocorrido em 2019, foi quando o
presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, chamou a ativista de pirralha. Em resposta, Greta tomou o
termo para si e mudou o status de sua conta no Twitter, que passou a apresentar o termo
“pirralha” (BOLSONARO..., 2019).
Um outro episódio foi a resposta de Donald Trump à eleição de Greta como
personalidade do ano da revista estadunidense Time, onde o líder disse em seu perfil no Twitter
que a ativista trabalhasse seu problema de controle de raiva, fosse assistir a um bom filme antigo
com um amigo e se acalmasse (TRUMP..., 2019). Em resposta, a jovem mudou novamente seu
status na rede social para “adolescente trabalhando em seu problema de controle da raiva. No
momento vendo um bom filme antigo com um amigo”108 (THUNBERG, 2019, s/p, versão livre
do autor). Tal como Bolsonaro, Trump criticou a ativista aludindo ao fato de ser uma pessoa
jovem. Greta, do mesmo modo como respondeu Bolsonaro, também tomou para si as palavras
de Trump e as replicou em seu perfil.
A respeito da crítica de que sua iniciativa prejudica a vida escolar de outros jovens, há
que se considerar o depoimento da ativista do Climate Reality citada no começo desta seção:
“minha escola acomodou minhas faltas e meus trabalhos escolares perdidos porque eles
108 a teenager working on her anger management problem. Currently chilling and watching a good old fashioned
movie with a friend.
99
entendem a importância do que estou fazendo”109 (CLIMATE..., 2019b, s/p, versão livre do
autor, grifo do autor). Além disso, em seu livro “Nossa Casa Está Em Chamas – Ninguém é
pequeno demais para fazer a diferença”, a ativista relata sua indignação ao descobrir, na escola,
as atrocidades que eram realizadas com o meio ambiente. Como, além de sua casa, sua escola
era um dos únicos ambientes que frequentava, depois de convencer os pais sobre a severidade
da crise climática, ela resolveu se mobilizar em sua escola (ERNMAN et al, 2019).
Outro ponto grifado no discurso que precisa ser considerado é o foco em “parar as
emissões de gases de efeito estufa”. Este elemento também compõe a ideologia do Fridays For
Future, uma vez que delimita com clareza um objetivo dentro da discussão ambiental e
climática. Sobre este ponto, é possível afirmar que o objetivo do grupo se aproxima mais ao do
Greenpeace, que em 2015 focou muito na questão das emissões e em 2019, conforme
evidenciado em seu discurso na reunião do G20 em Osaka, seguiu pressionando a discussão em
torno das emissões.
Em setembro, Greta esteve presente na Climate Action Summit convocada pelo
secretário da ONU. Na ocasião, declarou:
minha mensagem é que nós estaremos de olho em vocês. Isso tudo está errado. Eu
não deveria estar aqui. Eu deveria estar na escola do outro lado do oceano. Mas
vocês ainda vêm atrás de nós, jovens, atrás de esperança. Como ousam! Vocês
roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias. E eu ainda sou
uma das sortudas. As pessoas estão sofrendo. As pessoas estão morrendo.
Ecossistemas inteiros estão colapsando. Nós estamos no começo de uma extinção,
e tudo o que vocês conseguem falar é sobre dinheiro e contos de fada de eterno
crescimento econômico. Como ousam!110 (UNITED..., 2019, s/p, versão livre do
autor, grifo do autor).
Nesse discurso, as expressões “estaremos de olho em vocês” e “como ousam” transmitem ideias
de ameaça e impaciência. Além disso, nota-se que há uma falta de respeito à autoridade dos
líderes políticos, tanto em relação às suas posições enquanto representantes de Estados, quanto
em relação ao fato de serem pessoas mais velhas, uma vez que o comum na maior parte das
sociedades é que os mais jovens respeitem os mais velhos. Como visto, o Greenpeace também
manifesta posicionamentos críticos aos líderes, mas tem ciência da prerrogativa dos Estados
109 My school has accommodated my absences and my missed school work because they understand the importance
of what I am doing. 110 my message is that we'll be watching you. This is all wrong. I shouldn't be up here. I should be back in school
on the other side of the ocean. Yet you all come to us young people for hope. How dare you! You have stolen my
dreams and my childhood with your empty words. And yet I'm one of the lucky ones. People are suffering. People
are dying. Entire ecosystems are collapsing. We are in the beginning of a mass extinction, and all you can talk
about is money and fairy tales of eternal economic growth. How dare you!
100
sobre a questão. Já Greta avança alguns passos, manifestando completo descrédito nos papeis
dos líderes políticos.
Sobre a estratégia de pronunciamentos em conferências internacionais realizada pela
líder do Fridays For Future, Greta Thunberg, fica claro que: sua impaciência é maior do que a
do Climate Reality e do Greenpeace; faz-se uma leitura da questão climática enquanto uma
ameaça existencial, algo que ainda não estava posto nesses termos; e também fica evidente a
questão presente no fato de Greta ser uma liderança jovem que se dirige de modo incisivo e
direto a líderes globais, que pode ser até considerado desrespeitoso, mas reflete a onda de
mobilizações de jovens preocupados com a questão climática que se avolumou em 2019.
A quinta e última estratégia que se considera é a da realização de marchas, protestos e
atos de rua. No caso do Climate Reality, esta estratégia foi mobilizada em 2019 em função da
conjuntura daquele ano. Como visto, em março, o grupo aproveitou a ida de jovens às ruas para
incentivá-los a se capacitarem por meio de seu programa de lideranças. Já em setembro, ele os
convocou a marcharem pelo Climate Reality e somarem suas vozes às de Greta Thunberg.
Se você quer agir pelo clima e apoiar o movimento jovem, se juntar a esta greve que
está por vir é a oportunidade perfeita. [...] Não importa se você tem 7 ou 77, você pode
mostrar solidariedade a este movimento e se juntar a Greta e outros jovens próximos
de você ao redor do planeta. [...] Se você não vir uma greve climática acontecendo em
sua área, organize-a!111 (YOUTH..., 2019, s/p, versão livre do autor, grifo do autor).
Esse discurso representa uma continuidade em relação a outros do grupo no que tange ao apoio
à ação pelo clima e ao fato de que, mesmo que esteja ocorrendo um movimento de jovens,
pessoas de qualquer idade podem apoiá-lo de alguma forma. O que há de diferente é o incentivo
à marcha, uma estratégia comumente mais associada à movimentos sociais e, como visto, ao
Greenpeace. O que se percebe é que o grupo reviu sua estratégia no sentido de se adequar àquela
conjuntura, tendo em vista que enxergava o barulho que as greves estavam causando.
Em setembro de 2019, antes de uma nova marcha convocada por Greta, o grupo declarou
que “nossa sociedade e mídia estão finalmente começando a chamar a mudança do clima
pela crise que ela é, a chamar nossos líderes para agirem. [...] Não importa seu partido
político ou ideologia, a crise climática se tornou o assunto central da temporada eleitoral de
111 If you want to act on climate and support the youth movement, joining this upcoming strike is the perfect
opportunity. […] No matter if you’re 7 or 77, you can show solidarity in this movement and join Greta and young
people across the planet at the strike closest to you. […] If you don’t see a climate strike happening in your area,
organize one!
101
2020”112 (YOUTH..., 2019, s/p, versão livre do autor, grifo do autor). Nesse discurso o grupo
faz referência ao seu discurso de maio, em que não acreditava que a concepção de crise
climática estava sendo devidamente incorporada ao debate político. Agora, sobretudo após
marchas e protestos, e diante de uma nova greve global, o grupo se mostrou otimista com a
centralidade dessa questão em um dos principais debates que se iniciariam em 2020, o da
disputa eleitoral pela presidência dos Estados Unidos.
No que tange à atuação do Greenpeace por meio de marchas e protestos, retoma-se a
ideia de que protestar, seja por meio de uma reunião de muitas pessoas ou pela utilização de
recursos visuais de impacto, é algo intrínseco à identidade do grupo, pois, como afirma Hjelmar
(1996), trata-se de uma ONG, mas possui identidade e usa estratégias de movimento social.
Nesse sentido, o grupo realizou protestos diretamente relacionados à COP 21 nos dias da
conferência, uma vez que historicamente buscava atrair cobertura midiática para suas ações,
justamente porque a divulgação desses atos é a responsável por potencializar seu alcance
(GREENPEACE, 2015).
É importante destacar que os movimentos sociais no século XXI operam em um
contexto de comunicação de ampla escala, que se baseia em redes de comunicação
multidirecional e sem fio, viabilizando, por exemplo, interação entre membros e simpatizantes
dos movimentos nas redes sociais conectadas à internet (CASTELLS, 2013). Diferentemente
de hoje, quando o Greenpeace foi fundado, a internet ainda engatinhava. Agora, o grupo a
utiliza amplamente para divulgar seus posicionamentos, programar protestos e veicular suas
ações.
Em novembro de 2015, há poucos dias da COP, uma ativista do Greenpeace escalou um
navio do tipo graneleiro que transportava carvão para uma usina de produção de energia na
Finlândia. Por causa de seu protesto, a guarda costeira do país se deslocou até a região para
escoltar o navio, que conseguiu chegar a seu destino. Segundo a ativista,
bem agora, pessoas em todo o mundo estão agindo para parar a mudança do clima
para todos podermos respirar ar limpo. [...] Líderes políticos ao redor do mundo
prometem de novo e de novo que vão evitar uma mudança do clima catastrófica.
Enquanto todo o mundo se reúne para a conferência climática em Paris, começar por
eliminar o carvão de vez é uma chance perfeita para os políticos finlandeses
mostrarem que são sérios quanto às suas promessas113 (GREENPEACE..., 2015a, s/p,
versão livre do autor, grifo do autor).
112 Our society and media are finally starting to address climate change as the crisis it is and calling on our leaders
to take action.[…] No matter your political party or ideology, the climate crisis has become a central issue for the
2020 election season. 113 right now, people all around the world are taking action to stop climate change so we can all breathe clean air.
[…] Political leaders around the world promise again and again that they will keep the world from catastrophic
102
Nesse discurso da ativista estão grifados dois elementos diretamente relacionados à
característica de ativismo mais direto dos movimentos sociais. A primeira, expressa por
“pessoas em todo mundo”, aponta para uma identificação da ativista com um grupo que pensa
do mesmo modo e que é expressivo pois, segundo sua visão, está presente no mundo. Gohn
(2003) mostra que, quando uma ideia-chave formulada por alguns membros de um movimento
é apropriada por outros, ela estrutura e norteia a luta social de um grupo (GOHN, 2003).
Percebe-se que a ação dessa ativista, de protestar escalando um navio, foi norteada pela
apropriação de uma ideia que foi formulada pelo Greenpeace e é prática comum entre parte de
seus membros.
A segunda característica de ativismo mais direto, expressa pelo grifo em “prometem de
novo e de novo”, está relacionada à insatisfação e impaciência de parte dos membros de um
movimento em relação a ações, ou a falta delas, de líderes políticos. Para Gohn (2004), os
Novos Movimentos Sociais reivindicam ética na política e são vigilantes em relação à atuação
de governos, alertando a população para o que lhe é mostrado ou ocultado (GOHN, 2004). O
discurso da ativista, bem como seu protesto, reflete essa reivindicação e impaciência. Porém,
ao se referir aos políticos, nota-se que ela expressa que é prerrogativa dos governantes promover
ações concretas em relação às questões demandadas.
A realização de marchas e protestos é uma estratégia que se mantém em 2019. Como
visto, ciente de que realizar ações em momentos chave atrai maior atenção da mídia e da
sociedade, no que tange especificamente à agenda climática, o grupo esteve presente em duas
grandes marchas. Em 15 de março de 2019 aconteceu em 133 países a primeira grande Greve
Escolar pelo Clima, convocada pelo Fridays For Future (LIST..., 2021). Nela, milhares de
jovens protestaram com cartazes, sobretudo no idioma inglês, com dizeres que pediam maior
atenção para com o planeta. Diferentemente de marchas convocadas pelo Greenpeace em 2015,
onde o grupo possuía materiais com identidade visual própria, em 2019 não é possível
identificar manifestantes diretamente vinculados à ONG (GREENPEACE MEDIA, 2019).
Em 20 de setembro, três dias antes da Climate Action Summit, aconteceu em 159 países
a maior greve escolar pelo clima convocada pelo Fridays For Future (LIST..., 2021). Na ocasião
havia placas com os dizeres: “não queimem meu futuro” e “se vocês não agirem como adultos,
nós agiremos”, e também desenhos do planeta Terra circulado pela frase “emergência
climate change. As the whole world is gearing up to the climate summit in Paris, starting the coal phase-out for
real is a perfect chance to show that Finnish politicians are serious about these promises.
103
climática”. Tal como na marcha de março, não é possível distinguir o Greenpeace de outros
grupos que estavam presentes. De todo modo, os dizeres expostos nas marchas reforçam a
pressão da juventude em relação à líderes e uma preocupação geracional, que leva em conta o
futuro dos jovens e do próprio planeta (GREENPEACE MEDIA, 2019).
Em relação à estratégia no ano de 2015, o Greenpeace realizou ações onde a temática
climática era parte da pauta central, e, ainda que assumindo uma posição crítica em relação aos
tomadores de decisão, sinalizava que, além da sociedade, é importante que eles o escutassem.
Já em 2019, no que tange à questão climática, fica evidente que o grupo se uniu aos chamados
do Fridays For Future, ciente de que a projeção de mais jovens potencializaria a pauta da crise
climática.
Fundado em 2018, o Extinction Rebellion se articulou em 2019 em torno de uma única
estratégia: a realização de marchas e protestos. Em sua Declaração de Rebelião, divulgada em
maio de 2018, o grupo afirmou:
esta é a hora mais escura. A humanidade se encontra envolvida em um evento sem
precedentes em sua história. [...] A ciência é clara: estamos no sexto evento de
extinção em massa, enfrentaremos uma catástrofe se não agirmos com rapidez e
vigor. [...] A crise ecológica que está afetando esta nação, e na verdade, este planeta
e sua vida selvagem não pode mais ser ignorada114 (DECLARATION..., 2018, s/p,
versão livre do autor, grifo do autor).
Nesta declaração, em relação a outros discursos observados neste trabalho, há elementos que
expressam uma percepção mais pessimista do Extinction Rebellion sobre a questão climática.
Como visto, o termo “crise” é amplamente mobilizado pelo Climate Reality e pelo Greenpeace,
e a noção de uma “catástrofe” iminente também é mobilizada por esta última ONG. Além disso,
os pronunciamentos de ambas as ONGs observadas reforçam o papel da ciência nesse debate.
No entanto, quando o Extinction Rebellion trata de “sexto evento de extinção em massa” e
“hora mais escura”, nota-se o grupo comunica um nível de emergência que só havia sido posto
por Greta Thunberg ao se referir à uma “ameaça existencial”.
Ainda na Declaração, o grupo afirma que:
em alinhamento com nossas consciências e nosso raciocínio, nos declaramos em
rebelião contra nosso governo e as instituições corruptas e ineptas que ameaçam
nosso futuro. [...] Apelamos a todos os cidadãos pacíficos e de princípios que se
levantem conosco. [...] Agimos em paz, com amor feroz por estas terras em nossos
114 this is our darkest hour. Humanity finds itself embroiled in an event unprecedented in its history. […] The
science is clear: we are in the sixth mass extinction event and we will face catastrophe if we do not act swiftly and
robustly. […] The ecological crises that are impacting upon this nation, and indeed this planet and its wildlife can
no longer be ignored.
104
corações. Agimos em nome da vida115 (DECLARATION..., 2018, s/p, versão livre do
autor, grifo do autor).
A Declaração contém a ideologia do movimento. Dentre seus elementos, como um alto nível
de urgência, há também o aspecto da “rebelião contra o governo” do Reino Unido. Nota-se que,
diferentemente do Climate Reality, que se dedica ao diálogo com o governo dos EUA, o
Extinction Rebellion afirma que somente rebelando-se contra o governo do seu país conseguirá
produzir mudanças. Observa-se que nesta declaração de rebelião está expressa a relação de
oposição, mas não há menção a qualquer intenção de promoção de violência ou algo do gênero.
Além disso, como visto, o grupo possui três demandas, e todas elas versam sobre ações que
devem ser tomadas pelo governo britânico (ABOUT..., s/d). Ou seja, o movimento, por meio
de sua práxis discursiva, que também consiste em atos, usa sua voz para demandar ações do
Estado, que é quem detém os recursos para agir para alterar a situação.
Nas marchas do movimento em 2019 era possível encontrar cartazes com os seguintes
dizeres em inglês: “seja a solução, não a poluição”; “não mexam com minha mãe”; “contem a
verdade”; “temos que estar aqui – é por toda a vida na Terra”; e “emergência climática já”
(EXTINCTION..., 2019). Destaca-se que o grupo utiliza diferentes cores e desenhos em seus
cartazes, o que remete ao caráter jovem do movimento, e reflete que se tratam de greves
escolares, portanto, muitos dos recursos utilizados, são materiais escolares.
Diferentemente do Greenpeace no ano de 2019, que não teve seus símbolos tão presentes
em marchas e protestos, o Extinction Rebellion leva isso ao extremo, exibindo cartazes e placas
com o símbolo do grupo (uma ampulheta circunscrita, vide Figura 9). Além disso, o grupo se
aproxima do Greenpeace ao realizar intervenções artísticas onde seu símbolo é desenhado em
um tamanho gigante, como no ato realizado pelo Greenpeace nos dias da COP de Paris, como
será discutido na próxima seção (EXTINCTION..., 2019).
Outro elemento que diferencia o movimento dos grupos analisados até então está posto
no discurso de uma de suas ativistas. “Nós estamos aqui para defender o mundo vivo que outros
não defenderam. Não apenas para proteger o que já temos, mas para restaurar o que
perdemos. [...] Nós esperamos tempo demais, não vamos esperar mais”116 (SPRING..., 2019,
s/p, versão livre do autor, grifo do autor). Se havia elementos de impaciência em discursos do
115 in alignment with our consciences and our reasoning, declare ourselves in rebellion against our Government
and the corrupted, inept institutions that threaten our future. […] We call upon every principled and peaceful
citizen to rise with us. […] We act in peace, with ferocious love of these lands in our hearts. We act on behalf of
life. 116 We are here to defend the living world that others have not defended. Not just to protect what we already have,
but to restore what we have lost […] We have waited long enough, we are waiting no longer.
105
Greenpeace, naqueles de ativistas jovens, o Extinction Rebellion eleva isso a um nível superior.
Ao afirmar que “não vai esperar mais”, a ativista reitera a ideologia do movimento, que trata da
questão com um nível máximo de urgência. Além disso, o desejo manifesto na expressão
“restaurar o que perdemos”, traz, assim como em um discurso de 2015 do Climate Reality, um
elemento utópico, uma vez que a restauração do que se perdeu em termos de degradação
ambiental é algo materialmente muito distante.
Desse modo, sobre o Extinction Rebellion ao longo de 2019, há que se considerar que
era um movimento novo, que se inspirou muito nas estratégias de marchas, protestos e
utilização de recursos visuais do Greenpeace. Além disso, a maior parte de suas ações foram
motivadas pelo Fridays For Future, logo, sua ação se misturou à onda de greves escolares pelo
clima, ainda que o grupo tenha apresentado uma demanda específica contra o governo britânico
e incentivado células a fazerem o mesmo com seus governos.
Sobre as marchas e protestos iniciadas pelo Fridays For Future, destacam-se, como já
pontuado, dois momentos: 15 de março e 20 de setembro de 2019. No primeiro, Greta se reuniu
com ativistas do Fridays For Future e de outros grupos, inclusive os três estudados neste
trabalho, para protestar em sua cidade, Estocolmo, Suécia. Já no segundo momento, se reuniu
com os mesmos grupos em protesto em Nova York, por ocasião da Climate Action Summit. Em
ambos os momentos, sua placa carregava os mesmos dizeres em sueco: Skolstrejk för klimatet
(Greve escolar pelo clima, versão livre do autor). Nota-se que, ao contrário dos outros grupos,
que buscam por meio do inglês repercutir e impulsionar seus slogans, Greta mantém os escritos
em sueco, algo que pode ser entendido pelo fato de que enquanto seu alvo inicial, o governo de
seu país, não agir, ela não irá descansar (PEOPLE’S CLIMATE..., 2018). Além disso, os
cartazes de Greta também refletem os recursos utilizados pelo movimento, sobretudo placas
feitas com materiais escolares.
Sobre o Fridays For Future em 2019, nota-se que a figura de sua líder é indissociável de
suas ações. Seus discursos impulsionaram o movimento e incentivaram jovens a irem para as
ruas em março e setembro. Além disso, acredita-se que os discursos e manifestações desse
movimento foram responsáveis por unir grupos de jovens em diversas partes do planeta ao
longo de 2019 e, somado às participações de Greta em conferências climáticas, representou a
maior expressão da discussão climática naquele ano.
Esta seção analisou os discursos dos grupos selecionados nos contextos que
antecederam a realização das COPs de Paris e Madri. Recorrendo às sentenças declarativas que
orientam esta dissertação, a Figura 11 apresenta as articulações identificadas entre elas e as
estratégias que foram mobilizadas por cada grupo.
106
Figura 11 – Sentenças declarativas e estratégias adotadas pelas ONGs e movimentos ambientais nos contextos de Paris e Madri
Fonte: elaborado pelo autor a partir das análises realizadas neste trabalho.
107
Como evidencia-se na Figura 11, articulando as sentenças declarativas com as
estratégias dos grupos, observa-se que a conexão entre elas faz sentido tendo em vista que: as
ideologias e graus de institucionalização são elementos fundamentais na compreensão das
estratégias mobilizadas, bem como nos espaços que elas conseguem acessar. Acerca da
concepção de urgência climática, verifica-se que grupos mais institucionalizados mobilizam a
formação discursiva da crise climática, são críticos a falta de ações efetivas dos Estados, mas
não mobilizam formações discursivas tão alarmistas quanto às do Extinction Rebellion e do
Fridays For Future. E esta última questão se relaciona com a crença desses grupos nas
instituições da governança climática pois, ainda que todos sejam críticos a ela, os menos
institucionalizados são ainda mais reticentes e pessimistas em relação à sua efetividade.
4.2 A atuação das ONGs e movimentos ambientais nos dias das conferências de Paris e
Madri
A 21ª Conferência das Partes foi sediada em Paris entre 30 de novembro e 12 de
dezembro de 2015117. Já a 25ª Conferência das Partes foi sediada em Madri entre 2 e 12 de
dezembro de 2019. O principal objetivo da primeira era fechar um acordo que sucedesse o
Protocolo de Quioto e fizesse com que os Estados membros da UNFCCC concordassem com
compromissos de redução de emissões de GEE para desacelerar o aquecimento global. Até a
reunião, 190 países haviam registrado suas iNDCs e durante ela, mais de 150 chefes de Estado
e governo estiveram presentes (COP..., 2015a).
Já a segunda, que ocorreu quatro anos depois, teve como grande meta finalizar o Paris
Agreement Rule-Book (Livro de Regras do Acordo de Paris, versão livre do autor). O principal
dilema a ser solucionado, algo que também terminou em impasses em Katowice, cidade
polonesa e sede da COP 24, dizia respeito ao artigo 6º do Acordo de Paris, que versa sobre os
mercados de carbono e necessitava de melhorar os mecanismos de contabilização dos créditos
e aumentar a transparência para que as transações estivessem de acordo com as normas
estabelecidas (UNFCCC, 2015).
O contexto que levou à realização da COP 25 foi conturbado. As Partes da UNFCCC
são divididas em cinco grupos, e em 2018, o Grupo dos Países da América Latina e Caribe
enviou uma carta apresentando a oferta do Brasil para sediar o evento. Durante a COP 24, antes
117 É importante mencionar que em 13 de novembro, poucas semanas antes da COP, Paris foi alvo de ataques
terroristas que deixaram 112 mortos. Desse modo, a cidade estava em alerta e com maior policiamento durante a
conferência, o que fez com que ONGs e movimentos ambientais tivessem que redimensionar as intervenções que
fariam nas ruas de Paris (DON’T..., 2015).
108
da votação que confirmaria a sede, o Brasil retirou sua oferta. Tendo o Chile se oferecido como
substituto, também desistiu por conta de protestos relacionados à questões políticas domésticas.
Ao final, a COP 25 ficou programada para acontecer em dezembro, na cidade de Madri,
Espanha, sob a presidência chilena (STATEMENT..., 2018).
As análises nesta seção se orientam a partir de três estratégias que foram identificadas:
a presença de grupos nas conferências com delegação; participação da principal liderança do
grupo na conferência; e marchas, protestos e atos de rua. Para cada grupo, analisa-se seus
discursos em Paris e em Madri, de modo a compreender o que se mantém e o que muda de um
momento para o outro.
Em Paris, o Climate Reality compareceu à COP com uma delegação com status de
observador, conforme determinava sua associação junto à UNFCCC. Sua presença também
estava ligada à Climate Action Network, que desde a COP 18 promove um diálogo entre
Estados, a UNFCCC e agentes da sociedade civil. A delegação da ONG foi liderada por Ken
Berlin, presidente e Chief Executive Officer (CEO) do grupo, especialista em energia e mudança
do clima que, em 2012, havia trabalhado para o Departamento de Energia dos EUA
(THE...,s/d).
No primeiro dia do evento, Ken Berlin declarou:
enquanto um ativista ambiental de longa data, eu pessoalmente estive esperando
por esse momento durante anos. [...] Pela primeira vez na história dessas
negociações, todos os 196 governos participantes vão compartilhar o fardo de reduzir
as emissões de carbono em uma perspectiva econômica e prática. [...] Entretanto, o
que acontece no próximo mês e ou no próximo ano? Como garantiremos que esse
momento decisivo em nossa história global não seja desperdiçado? Há que se lembrar
que a crise climática não vai ser resolvida nas próximas semanas, e ninguém deveria
esperar por isso118 (COP21..., 2015, s/p, versão livre do autor, grifo do autor).
Ainda que Ken Berlin seja o presidente da ONG e, portanto, esteja no topo de sua hierarquia,
nota-se em seu discurso uma identificação pessoal com a causa, uma vez que ele fala do lugar
de um ativista ambiental e, tal como a maioria dos ativistas, manifestou ansiar por aquele
momento. O discurso dá continuidade ao otimismo já destacado em outros discursos do grupo,
uma vez que celebra a quantidade de governos envolvidos na ação. No entanto, dá um passo
atrás e adverte que há um caminho longo entre os compromissos que se firmariam em Paris, e
118 as a long-time environmental activist, I personally have been waiting for this moment for years. […] For the
first time in the history of these negotiations, all 196 participating governments will share the burden of reducing
carbon emissions from both an economic and practical perspective. […] However, what happens next month or
next year? How do we ensure that this decisive moment in our global history is not squandered? It must be
remembered that the climate crisis will not be solved in two weeks, nor should anyone expect it to be.
109
o fim do problema climático, que chama de crise. O discurso reforça a concepção do problema
enquanto uma crise, algo declarado na missão da ONG e que, como já evidenciado, faz parte
de sua ideologia.
Em 5 de dezembro Berlin declarou:
estou em Paris esta semana para me reunir com líderes de governo, negociadores,
e ativistas da sociedade civil de todo o mundo. Esta não é uma COP comum. O nível
de energia e intensidade que permeiam essas negociações é extraordinário. [...]
Questões sobre as diferentes responsabilidades das nações em desenvolvimento e
desenvolvidas e quem vai ajudar a pagar pelas iniciativas de baixo carbono em
economias emergentes continuam sendo o maior obstáculo para um acordo global119
(PROGRESS..., 2015, s/p, versão livre do autor, grifo do autor).
Esse discurso reforça uma característica do Climate Reality que é fundamental para este
trabalho: a atuação de uma liderança junto à governos, negociadores e outros ativistas da
sociedade civil. A inserção da ONG nesses espaços deriva do poder obtido por sua atuação no
âmbito de uma transnational advocacy network. Como apontam Keck e Sikkink (1999), na
arena ambiental, por exemplo, estas redes podem facilitar o acesso de agentes com menos poder
político à diversos recursos. Um ativista agindo nessa lógica não tenta influenciar os resultados,
e sim transformar os termos e a natureza do debate. Ele pode inclusive mudar as percepções e
os interesses de outros agentes. Quanto mais conectados e alinhados, maior a chance de arranjos
em rede produzirem efeitos sobre debates e negociações (KECK; SIKKINK, 1999).
Há três dias do fim da conferência, um grupo de países mais vulneráveis, dentre eles
alguns Pequenos Estados Ilha, pressionaram a meta de 1,5º Celsius como limite para o
aquecimento global. As ONGs, dentre elas o Climate Reality, fizeram coro à iniciativa, criando
o slogan “Um ponto cinco para permanecermos vivos”120 (ACORDO..., 2015, s/d, versão livre
do autor). Países como o Brasil, a China e a Índia resistiam à essa meta, argumentando que seus
desenvolvimentos ainda eram muito dependentes das emissões de carbono. No entanto, no dia
9 de dezembro, o negociador chefe dos EUA, Todd Stern, afirmou que “estamos trabalhando
no desenvolvimento de alguma referência que considere a meta de 1,5ºC” (ACORDO..., 2015,
s/d). Este aceno dos EUA, ainda que não representasse nenhum compromisso vinculativo, e
mais uma expansão das possibilidades de financiamento e diálogo com países em
desenvolvimento, sinalizava que o país considerava essa meta de longo prazo, o que também
119 I’ve been in Paris this week to meet with government leaders, negotiators, and civil society activists from all
over the world. […] This is no ordinary COP meeting. The level of energy and intensity around these negotiations
is extraordinary. […] Questions of the different responsibilities of developed and developing nations and who will
help pay for low-carbon initiatives in emerging economies remain the major obstacles to a global agreement. 120 One point five to stay alive.
110
indicava que a pressão dos países vulneráveis e das ONGs estava, minimamente, sendo ouvida
pelo país.
Ocorre que, em 12 de dezembro, estabeleceu-se o Acordo de Paris. O texto deixava claro
o objetivo de
conter o aumento da temperatura média global em bem menos do que 2º C acima dos
níveis pré-industriais e envidar esforços para limitar o aumento de temperatura a
1,5º C acima dos níveis pré-industriais, reconhecendo que isso reduziria de maneira
significativa os riscos e os impactos da mudança climática121 (UNFCCC, 2015, p. 22,
versão livre do autor, grifo do autor).
Além de reconhecer esse limite, o texto do Acordo também estipulava que o IPCC formularia
um relatório que trataria das perspectivas relacionadas à essa meta, pois até então a meta em
que os estudos se baseavam era de 2º Celsius. Esse relatório, publicado em 2018, é até hoje um
dos principais conjuntos de informações científicas sobre a questão (IPCC, 2018). No entanto,
ainda que a meta tenha permanecido no texto, é latente o desafio de garantir que ela seja
efetivamente atingida.
Após o estabelecimento do Acordo, o Climate Reality declarou: “em uma palavra –
bem, duas – nós vencemos. Não a guerra, mas uma batalha crítica”122 (THIS..., 2015, s/p,
versão livre do autor, grifo do autor). Esse discurso reflete a satisfação da ONG em relação ao
resultado do Acordo, algo que está diretamente relacionado ao fato de muitos países terem
participado do processo e sobretudo à permanência da meta de 1,5º Celsius. Ademais, nesse
discurso, as metáforas “guerra”, “batalha”, e a declaração de vitória, reafirmam a concepção de
“luta” mobilizada pelo grupo em outro discurso.
De todo modo, ainda que saindo com um sentimento de vitória, a ONG reforçou que
“nós sabíamos que este acordo não seria perfeito, e não é. Divisões continuam sobre o
conceito de diferenciação, ou seja, quais países devem agir mais na mitigação e financiando
resiliência e ação em países em desenvolvimento e menos desenvolvidos”123 (THIS..., 2015,
s/p, versão livre do autor, grifo do autor). Aqui é perceptível que o grupo dá um passo atrás,
enfatizando que, embora tenha vencido uma batalha, a “guerra” continua, pois, divisões entre
os países permanecem e é necessário continuar vigilante daquele ponto em diante.
121 Holding the increase in the global average temperature to well below 2 °C above pre-industrial levels and to
pursue efforts to limit the temperature increase to 1.5 °C above pre-industrial levels, recognizing that this would
significantly reduce the risks and impacts of climate change; 122 In a word – well, two – we won. Not the war, but a critical battle. 123 we knew this agreement wouldn’t be perfect, and it’s not. Divisions remain on the concept of differentiation,
i.e. which countries should take more action on mitigation and financing resiliency and action in developing and
less-developed countries.
111
Isso é reforçado quando a ONG questiona seus interlocutores:
mas agora que os ativistas retornaram às suas casas e a poeira baixou, estamos todos
perguntando: o que vem por aí? A resposta simples é que o sucesso do acordo
depende 100% de que todas as suas provisões sejam fortalecidas e implementadas.
Para fazer isso teremos que redobrar nossos esforços e trabalhar em todos os níveis
de governo e comunidade, corporativo, universidade, e também no nível pessoal124
(COP..., 2015b, s/p, versão livre do autor, grifo do autor).
Há nesse momento um novo chamado aos membros da ONG e à sociedade, urgindo que
“redobrem os esforços” e que isso também aconteça em suas vidas pessoais. Nota-se que, com
esse discurso, o grupo transmite uma mensagem a seus adeptos que sua “luta” segue viva, mas
que é preciso seguir lutando. Ademais, tal como discutido, o uso de metáforas também é
mobilizado para reforçar vínculos com aliados e pedir que mais pessoas se juntem a uma causa
(GARCÍA, 2004). Ao afirmar que “teremos que redobrar nossos esforços”, o verbo “ter”
conjugado na primeira pessoa do plural e no futuro do presente do indicativo comunica um
chamado a um compromisso coletivo.
Isso está relacionado a um elemento que permeia a ideologia de muitos movimentos
sociais, o da utopia. Segundo Gohn (2004), “as utopias, diferentemente das carências [...], são
uma reinvenção da realidade, têm um ideal a atingir, vão além do possível de ser feito no
momento – buscam o impossível” (GONN, 2004, p. 256). Há que se considerar que a luta dos
movimentos ambientais é por uma causa deveras distante da realidade material mais imediata.
De todo modo, um chamado como o presente no discurso do grupo, reforça a crença dele nessa
utopia.
Em 2019, o Climate Reality compareceu à COP do mesmo modo que em 2015, com
uma delegação e contando com a presença, não diretamente vinculada a ele, do ex Vice-
Presidente Al Gore. Para a ONG, “o que torna esta COP diferente é que este é o ano em que
milhões inundaram as ruas das cidades em todo o mundo para demandar ação real agora nas
Greves Globais do Clima”125 (WHY..., 2019, s/p, versão livre do autor). Como visto, o grupo
alinhou sua estratégia de formação de lideranças, incentivando pessoas que marchavam pelo
clima a também se capacitarem e aprenderem mais sobre a questão climática.
124 but now that the activists have returned home and the dust has settled, we are all asking: what's next? The
simple answer is that the success of the agreement is 100-percent dependent on whether all its provisions are
strengthened and implemented. To do this we will have to redouble our efforts and work at all levels of government
and the community, corporate, university, even personal level. 125 what makes this COP different is that this is the year that millions flooded streets of cities worldwide to demand
real action now in Global Climate Strikes.
112
“Se você tivesse que reduzir a COP à uma linha seria isso. O mundo tem que agir de
modo muito mais ambicioso e mais rápido para reduzir as emissões. Tem que. E alguém precisa
assumir a liderança”126 (WHY..., 2019, s/p, versão livre do autor, grifo do autor). A expressão
“tem que”, direciona uma demanda e um senso de urgência por parte da ONG, algo que
anteriormente só havia sido observado em discursos do Greenpeace. Ademais, ao pedir
“liderança”, algo constante nas demandas dos grupos observados em 2019 e presente na fala da
secretária executiva da UNFCCC, indica haver uma descrença até mesmo com o país que
monitora de perto, os EUA, país este que, sob o governo Obama, para o grupo, havia assumido
a liderança da questão.
Sobre a atuação do Climate Reality em Paris a ONG teve acesso direto a governantes e
negociadores, mas é difícil mensurar a capacidade que possuiu de influenciar suas decisões.
Assim como outros grupos, trabalhou para que a meta de 1,5º Celsius fosse incluída no Acordo,
algo que, mesmo não sendo colocado como um compromisso vinculativo, acabou entrando no
texto. Já em Madri reforçou a necessidade de uma liderança, algo que acreditou ter havido com
Obama, mas não encontrava no governo Trump.
O Greenpeace, assim como o Climate Reality, compareceu à COP 21 com status de
observador, uma vez que também é membro da UNFCCC e trabalha em conjunto com a Climate
Action Network (COP21, 2015a). Quando o evento começou, após o discurso do presidente
Obama, o diretor executivo da célula do Greenpeace nos Estados Unidos reafirmou que o país
“tem um papel-chave enquanto um líder em negociações climáticas. Esta liderança envolve
uma grande responsabilidade para com aqueles mais afetados pelos impactos negativos da
mudança do clima”127 (PRESIDENT..., 2015, s/p, versão livre do autor, grifo do autor). Se em
fevereiro e agosto de 2015 o Greenpeace pedia que os Estados Unidos e o presidente Obama
assumissem a liderança das negociações climáticas, nesse discurso o grupo afirma que o país
carrega esse papel. Isso mostra que, em alguma medida, as expectativas do Greenpeace em
relação à liderança estadunidense, que, como visto, eram menos otimistas que as do Climate
Reality, foram contempladas.
No dia 9, após o discurso do secretário de estado dos EUA, John Kerry, o Greenpeace
identificou que, ainda que o país tivesse trazido consigo um senso de urgência, não parecia
querer se comprometer com medidas para contemplar o objetivo maior de mitigação das
126 If you had to boil COP 25 down to one line it’s this. The world has to get much more ambitious and move much
faster in slashing emissions. Has to. And someone needs to take the lead. 127 has a key role as a leader in international climate negotiations. That leadership entails a huge responsibility to
those most affected by the negative impacts of climate change.
113
emissões. “A força de suas palavras não está alinhada com os compromissos financeiros dos
EUA. [...] Está claro que a administração dos EUA é uma liderança climática quando se trata
de retórica, mas infelizmente não quando se trata de ação ousada”128 (SECRETARY..., 2015,
s/p, versão livre do autor, grifo do autor). Esse discurso permite reforçar o descontentamento
que o Climate Reality também teve em relação aos compromissos dos EUA, pois, ainda que
tenha participado do movimento que deixou a meta de 1,5º no texto final do Acordo de Paris, e
que Obama tenha apresentado um discurso alinhado com a urgência da questão, ao final, o
comprometimento com medidas efetivas foi mínimo.
Em 2019, o grupo esteve presente na COP 25 com uma delegação comandada por Juan
Pablo Osornio e pela Diretora Executiva Jennifer Morgan, que esteve à sua frente em Paris e
em todas conferências internacionais em 2019. Para Morgan:
eu caracterizo essas conversas como muito preocupantes nesse momento no tempo.
É como se vivêssemos em dois mundos diferentes: o que a ciência está nos dizendo,
o que as pessoas estão pedindo, e um grupo de negociadores que parece estar mais
preocupado em enfraquecer a ambição do que em fortalecê-la129 (GREENPEACE...,
2019a, transcrição do autor, versão livre do autor, grifo do autor).
Em seu discurso, Morgan, tal como o Climate Reality, leva “o que as pessoas estão pedindo”
em suas marchas nas ruas ao longo do ano de 2019 para dentro da conferência. Tal como o
Climate Reality, também demonstra preocupação com o comportamento pouco ambicioso dos
negociadores, e adiciona uma opinião de que, além de não avançarem, eles parecem estar
enfraquecendo o que foi construído até ali.
No último dia da COP, em que dividiu o palco com Greta Thunberg e outros ativistas,
Morgan e outros observadores foram retirados da conferência após realizarem um protesto em
uma área não permitida do espaço de eventos. Segundo Morgan, “esta tarde houve um protesto
pacífico de fora do plenário. [...] Os protestantes foram abrupta e rudemente removidos do
prédio. [...] Nós somos aqueles que podem aplicar pressão e responsabilizar os governos.
Quando não estamos no prédio, nós não podemos fazer isso130 (GREENPEACE..., 2019b, s/p,
versão livre do autor, grifo do autor). Como mencionado, a UNFCCC deixa claras as regras que
128 the force of his words is not matched by the US financial commitments. […] It is clear that the US administration
is a climate leader when it comes to rhetoric but sadly not when it comes to bold action. 129 I characterize the talks as very concerning at this moment in time. It’s like we live in two different worlds: what
the science is telling us, what people are asking for, and then a group of negotiators that seem to be focused more
on weakening ambition rather than strengthening it. 130 This afternoon there was a peaceful protest outside of the plenary. […] The protesters were abruptly and roughly
moved out of the building. […] We are the ones who can apply pressure and hold governments accountable. When
we are not in the building, we are not able to do that.
114
condicionam à participação de ONGs e grupos da sociedade civil nas COPs, não havendo
autorização para protestos e atos desta natureza. No entanto, o argumento de Morgan a respeito
do papel de grupos como o Greenpeace importa, uma vez que, de fato, são fundamentais no
esforço de verificação e pressão sobre Estados.
Conforme discutido por Keck e Sikkink (1999), os ativistas que representam redes são
fundamentais em transformar discursos de líderes internacionais em oportunidades para
accountability. Depois que um líder proferiu determinado discurso e se comprometeu com algo,
as redes podem usar isso para constranger governos e expor a distância entre o conteúdo dos
discursos e o conteúdo das ações voltadas para, por exemplo, o combate à mudança do clima
(KECK; SIKKINK, 1999). Desse modo, a presença de grupos como o Greenpeace em espaços
de debates, como a COP, se faz ainda mais relevante.
No que se refere às ações do Greenpeace realizadas durante a COP 21, nota-se que o
grupo se dedicou a um acompanhamento dos posicionamentos dos Estados Unidos, uma vez
que o identificava como um líder na questão. No entanto, ao final, ao contrário do Climate
Reality, que mesmo criticando os EUA, considerou o Acordo uma vitória, o Greenpeace não se
contentou totalmente com os resultados de Paris. Já em Madri reforçou o papel da sociedade e
dos grupos ambientalistas em pressionar os governos para que tomem medidas mais rígidas no
combate à mudança do clima.
A segunda estratégia identificada é a participação da principal liderança de um grupo
nas conferências. Como mencionado, o fundador do Climate Reality, ex Vice-Presidente Al
Gore, compareceu à COP 21 e atuou não diretamente vinculado à sua ONG. De todo modo,
considera-se que a atuação do grupo em Paris se deu a partir de sua delegação e de Al Gore,
uma vez que sua figura é indissociável da de sua ONG. Há que se refletir sobre duas
perspectivas acerca da presença de Al Gore: uma que considera a importância de sua voz
enquanto ativista ambiental, e outra crítica acerca de sua real contribuição para as negociações.
O ex Vice-Presidente participou de uma série de eventos dentro da COP, realizando palestras e
comparecendo a debates. Em um deles, declarou:
não se enganem, a próxima geração vai herdar a Terra que deixarmos para eles. [...]
Se eles viverem em um mundo em que não tenhamos lidado com essa crise [...] eles
terão razão em olhar para nós, este grupo reunido aqui em Paris em dezembro de 2015
e perguntar, ‘no que estavam pensando?! Por que não agiram?!’131 (ENVIROBEAT,
2015, s/p, versão livre do autor, grifo do autor).
131 make no mistake, the next generation will inherit the Earth we bequeath to them. […] If they live in a world in
which we have not addressed this crisis […] they would be justified in looking back at us, this group of us gathered
here in Paris in December of 2015 and asking, ‘what were you thinking?! Why did you not act?!
115
Os elementos grifados nesse discurso estão presentes em boa parte das falas de Al Gore em
outros momentos da conferência. A questão geracional é colocada em primeiro plano, sendo
reforçada enquanto um argumento que reitere a impaciência dos ativistas e a urgência da
necessidade de ação. Isso também é reiterado por meio da palavra “crise”, que, como já visto,
é central na ideologia de sua ONG. Ademais, ao direcionar o poder de agência em relação à
“crise” ao grupo presente na COP, Al Gore reafirma o entendimento, também já identificado
nos discursos do Greenpeace, de que cabe aos tomadores de decisão conduzirem a mudança,
uma vez que são detentores de maiores recursos políticos.
A outra perspectiva sobre Al Gore sugere que o ativista não contribua efetivamente para
o combate à mudança do clima. Há um conjunto de movimentos ambientais e ONGs, sobretudo
em países em desenvolvimento, que criticam sua proximidade com governos como o dos
Estados Unidos. Em um relato, representantes do Observatório do Clima132 que atenderam à
conferência, classificaram algumas aparições do ativista como convenientes. “Al Gore apareceu
no finalzinho da COP e foi visto desfilando com uma equipe de TV pelos corredores vazios
do pavilhão de Le Bourget à noite. Gravava a sequência de ‘Uma Verdade Inconveniente’, seu
documentário de 2006” (GRAND..., 2015, s/p, grifo do autor). A leitura feita por estes
representantes, onde acredita-se que as aparições de Al Gore foram convenientes, utilizando,
por exemplo, o termo “desfilando”, expressa essa insatisfação em relação à sua figura.
Já em 2019, quando da COP 25, antes de tratar da presença de Al Gore na conferência,
é importante considerar outros elementos. Um dos primeiros a discursar no evento foi o
Secretário Geral da ONU, António Guterres. Após agradecer o trabalho conjunto dos governos
do Chile e da Espanha para promoverem o evento, ele afirmou que “esta solidariedade e
flexibilidade é o que precisamos na corrida para vencer a emergência climática”133
(SPEECHES..., 2019, s/p, versão livre do autor, grifo do autor). Note-se que ele chama a
questão climática de “emergência climática”, algo que vai ao encontro dos discursos dos grupos
observados neste trabalho e segue a linha estabelecida pelo próprio secretário em seu discurso
na Climate Action Summit, onde alertou os países sobre os prazos cruciais do Acordo de Paris.
A Secretária Executiva da UNFCC, Patricia Espinosa, trouxe em seu discurso
evidências científicas coletadas e organizadas pelo IPCC e disse aos líderes e representantes de
132 O Observatório do Clima é uma coalizão de organizações da sociedade civil brasileira que teve origem em 2001
e realiza um trabalho de advocacy entre estes grupos, o governo brasileiro e outras entidades da governança
climática mundial para combater o aquecimento global e a mudança do clima (NOSSA..., s/d). 133 Such solidarity and flexibility are what we need in the race to beat the climate emergency.
116
governos: “tanto num nível profissional quanto num nível pessoal, minha mensagem para vocês
é esta: precisamos de suas decisões. Precisamos de sua liderança. Estamos sem tempo”134
(SPEECHES..., 2019, s/p, versão livre do autor, grifo do autor). Nesse discurso, percebe-se que
o elemento da urgência, ainda que não venha em palavras, como no de Guterres, está presente
quando Espinosa enfatiza que possui uma mensagem para os presentes, e sobretudo que
“estamos sem tempo”. Ademais, também há um reforço de outra crítica que foi marcada ao
longo do ano de 2019 pelo Greenpeace e por Greta Thunberg: a falta de liderança. De todo
modo, o discurso da Secretária Executiva, por ser dirigido aos líderes, reforça a autoridade que
possuem.
Tendo em vista que o ano foi marcado por marchas e atos nas ruas de muitas cidades do
planeta, é estranho que nenhum discurso das maiores autoridades da ONU e da UNFCCC faça
menções a isso. Entretanto, como pontuado, “emergência climática”, “falta de liderança” e
“falta de tempo” são questões centrais impulsionadas pelos protestos climáticos e que, por meio
dos discursos dos secretários, entraram na conferência.
Durante a COP de Madri, Al Gore participou de debates e reuniões. Em 10 de dezembro
se reuniu com o presidente da Espanha, Pedro Sánchez, e elogiou os compromissos do país em
direção a uma transição energética. Entretanto, ao contrário de 2015, quando dedicou sua
atenção a palestras e debates que incentivassem o firmamento do Acordo de Paris, na COP 25,
Al Gore se dedicou a questões relacionadas ao papel dos Estados Unidos na governança
climática, uma vez que o governo Trump estava desertando do Acordo.
De todo modo, segundo ele, “não estamos longe de uma restauração do apoio
bipartidário, particularmente porque a Mãe Natureza está chamando a atenção de todos com
esses incêndios, inundações e furacões”135 (WHERE..., 2019, s/p, versão livre do autor, grifo
do autor). Nesse discurso, ao se referir ao apoio bipartidário, Al Gore sinaliza que por causa
das evidências da questão climática, como incêndios, inundações e furacões, os partidos
Democrata e Republicano dos EUA poderiam convergir no futuro em relação a esse tópico.
Não há como saber se isso irá se concretizar, mas fato é que, durante os debates presidenciais
entre Donald Trump e Joe Biden, a mudança do clima foi um dos principais tópicos de discussão
(GETTING..., 2020).
134 On both a professional and personal level, my message to you is this: we need your decisions. We need your
leadership. We are out of time. 135 we're not that far away from a restoration of bipartisan support, particularly since Mother Nature is getting
everybody's attention with these fires and floods and hurricanes.
117
Sobre Al Gore nos dois momentos observados, ainda que não tenha atuado em função
de sua ONG, seu discurso possui elementos que dialogam diretamente com os discursos do
Climate Reality, e mesmo que seja criticado por ONGs de países em desenvolvimento por sua
proximidade com os EUA, é inegável que sua voz tem um alcance expressivo e que condiz com
a narrativa sobre a mudança do clima que é defendida por cientistas e pelo IPCC.
Ainda sobre a estratégia de participação da principal liderança, tem-se a presença de
Greta Thunberg na COP 25, ativista que além de agir em palanques de conferências
internacionais, também ocupou espaços em meio a marchas nas ruas. Greta discursou em 11 de
dezembro:
por cerca de um ano tenho falado constantemente sobre nossos orçamentos de
carbono em rápido declínio. Mas como isso ainda está sendo ignorado, eu vou
continuar repetindo. [...] Os países mais ricos precisam fazer sua parte justa e reduzir
suas emissões reais a zero muito mais rápido e, em seguida, ajudar os países mais
pobres a fazerem o mesmo, para que pessoas em partes menos afortunadas do mundo
possam elevar seus padrões de vida. [...] Os países do G20 respondem por quase 80%
das emissões totais. Os 10% mais ricos da população mundial produzem metade
de nossas emissões de CO2, enquanto os 50% mais pobres respondem por apenas um
décimo136 (COP25…, 2019, transcrição do autor, versão livre do autor, grifo do autor).
Em seu discurso, Greta reforça que tem comunicado a urgência de parar as emissões de carbono
e que continuará com este discurso até que ele seja ouvido. Ela reforça o argumento de que cabe
aos países ricos liderarem esta questão, algo que, como visto, é consenso entre todo os grupos
considerados neste trabalho. Ademais, há que se considerar que nesse discurso, para além de
metáforas e frases de efeito, Greta enfatiza alguns dados científicos, argumentos que, segundo
sua percepção, deveriam ser suficientes para que ações acontecessem.
Ainda nesse discurso, a ativista declara que
bem agora estamos desesperados por algum sinal de esperança. Bem, eu estou lhes
dizendo, há esperança. Eu tenho visto isso, mas não vindo de governos ou
corporações. Isto vem do povo. [...] O povo está pronto para mudança. [...] Nós não
temos que esperar. Nós podemos começar a mudança bem agora. Nós o povo137
(COP25…, 2019, transcrição do autor, versão livre do autor, grifo do autor).
136 for about a year I have been constantly talking about our rapidly declining carbon budgets over and over again.
But since that is still being ignored, I will just keep repeating it. […] Richer countries need to do their fair share
and get down to real zero emissions much faster and then help poorer countries do the same, so people in less
fortunate parts of the world can raise their living standards. […] The G20 countries account for almost 80% of
total emissions. The richest 10% of the world’s population produce half of our CO2 emissions, while the poorest
50% account for just one tenth. 137 right now we are desperate for any sign of hope. Well, I’m telling you, there is hope. I have seen it, but it does
not come from the governments or corporations. It comes from the people. […] People are ready for change. […]
We do not have to wait. We can start the change right now. We the people.
118
Nota-se que, tal como em outros discursos, os elementos da urgência e da descrença em relação
a lideranças formais e burocráticas segue presente. Nesse momento, assim como fez a Diretora
Executiva do Greenpeace, Greta leva para dentro da conferência a demanda das pessoas que
estão reunidas do lado de fora. Além disso, ela o faz por meio de uma alusão à um dos trechos
mais emblemáticos da Carta das Nações Unidas, “nós o povo”, sublinhando a ideia de que o
poder emana do povo (UNITED..., 1945).
Finalmente, a terceira estratégia que se considera nos dias das COPs é a realização de
marchas, protestos e atos de rua. Como mencionado, o Climate Reality não adotava tal
estratégia em 2015, mas em 2019 participou de marchas convocadas pelo Fridays For Future
(WHY..., 2019). O Greenpeace, em 29 de novembro de 2015, um dia antes do começo da
reunião, realizou marchas pelo clima em cinco continentes, em países como Finlândia, Suécia,
Reino Unido, Grécia, Holanda, Austrália, Senegal, Estados Unidos, México, Argentina,
Colômbia, Brasil, China e Coreia do Sul (COLLECTION..., 2015).
Nessas marchas, observa-se que a cor amarela e um desenho de um sol estão presentes
em muitos cartazes. Para o grupo, o sol e a cor amarelo estão relacionados à geração de energia
a partir de fontes sustentáveis, como a solar (DEMONSTRATION..., 2015). Como
mencionado, as ações do grupo diretamente relacionadas à mudança do clima têm o setor
energético como alvo, uma vez que boa parte das emissões mundiais advém dele. Desse modo,
estas marchas a um dia da COP, refletem a objetividade do grupo em alavancar este ponto
específico para dentro das discussões da conferência.
Em 6 de dezembro o grupo realizou um ato próximo à Torre Eiffel idealizado pelo artista
John Quigley. Nessa intervenção, uma série de pessoas se reuniram para, juntas, formarem um
símbolo gigante. Inspirado pelo símbolo da paz, que tem relação com seu nome e faz parte dos
recursos visuais mobilizados pelo Greenpeace desde seu primeiro ato de desobediência civil
em 1971, o símbolo apresentado é composto por uma interpretação da Torre Eiffel e de raios
de sol. Além disso, há a inscrição em inglês de “100% renovável”, uma referência à discussão
energética (COLLECTION..., 2015). Nessa intervenção o Greenpeace conjuga uma série de
elementos que compõem sua ideologia, como a união de pessoas em torno da questão
ambiental/climática, uma lógica orientada pela paz, e o ponto da discussão climática que é
central para o grupo, a mudança para o uso de energias renováveis. Além disso, o fato de o texto
vir em inglês também importa, uma vez que é um dos principais idiomas em uso no planeta e
também é utilizado nas negociações da COP.
119
Um dia antes da assinatura do Acordo, com o intuito de chamar a atenção para os
dilemas e impasses que ainda estavam voga, o Greenpeace realizou sua última intervenção,
espalhando uma tinta amarela não poluente e a base d’água em volta do Arco do Triunfo e em
avenidas que o circundam para criar um símbolo de um sol (COLLECTION..., 2015). O sol,
remetendo à energia renovável, esteve presente em todas as intervenções do grupo relacionadas
com a COP 21, reforçando que houve uma busca por coerência e pelo estabelecimento de um
símbolo que não deixasse dúvidas à sociedade e aos negociadores de que se tratava de um
protesto pelo clima de autoria do Greenpeace.
Em 2019, nos dias da COP de Madri, a estratégia de marchas e protestos foi mobilizada
pelo Greenpeace em consonância com o chamado do Fridays For Future. Tal como ao longo do
ano, não é possível distinguir o Greenpeace de outros grupos presentes na marcha, uma vez que
ela é marcada pela união de diversos movimentos ambientais. Ademais, nota-se que há placas
com dizeres em inglês, idioma comumente usado em marchas e na conferência; e espanhol, por
se tratar de uma marcha na cidade de Madri. O grupo noticia que parte de seus membros expôs
placas com os dizeres do Green New Deal, proposta que traz consigo a questão energética
(GREENPEACE MEDIA, 2019). Porém, ao contrário de 2015, quando o Greenpeace deixou
clara uma identidade visual com o símbolo do sol e a cor amarela, em 2019, o grupo se
homogeneizou aos protestantes de outros grupos.
A atuação do Extinction Rebellion nos dias da COP 25 se deu em completo conjunto às
do Fridays For Future, voltadas especificamente para marchas nas ruas. Segundo o grupo, as
marchas não contaram apenas com cidadãos vinculados à sua célula na Espanha, mas com
pessoas de 19 países que foram para Madri. “Rebeldes para a vida vão encher as ruas, lotar as
praças de Madri, convidando os espectadores a se juntarem à rebelião pela vida, enquanto
outras capitais agem em solidariedade”138 (EXTINCTION..., 2019a, s/p, versão livre do autor,
grifo do autor). Para Gonh (2004), a identidade coletiva de um movimento é amalgamada pelo
princípio da solidariedade, que por sua vez se estabelece a partir do compartilhamento de
valores (GONH, 2004). Desse modo, o Extinction Rebellion, ao exaltar a solidariedade de
outras capitais e chamar seus adeptos de “rebeldes”, reforça esse senso de coletividade que é
muito específico de movimentos sociais. Além disso, ao convidar “espectadores”, ou seja,
pessoas que podem não conhecer o movimento, mas simpatizar com a causa climática, o grupo
reforça a pouca institucionalização que lhe é própria.
138 Rebels for life will fill the streets, crowd Madrid’s plazas, inviting onlookers to join the rebellion for life, as
other capitals act in solidarity.
120
Os movimentos sociais, sobretudo no século XXI, são geralmente iniciados
espontaneamente a partir de uma centelha de indignação (CASTELLS, 2013). Desse modo, ao
falar de “rebelião pela vida”, o grupo agrega elementos a sua indignação, fazendo com que
adeptos se unam por causas mais específicas, como indignação com seus governos em relação
à questão climática, mas também a partir da compreensão da conexão direta entre o clima e
suas próprias vidas.
Diferentemente dos protestos em que o Greenpeace esteve presente, há elementos nas
marchas onde o Extinction Rebellion esteve presente que permitem sua identificação, como
bandeiras alaranjadas com sua logo, e um barco amarelo com um de seus slogans Rebels beyond
boarders139. Destaca-se que o barco é um elemento utilizado pelo grupo como uma metáfora
para remeter à ideia de que todos os ecossistemas do planeta estão em um mesmo barco. Caso
um afunde, todos afundam juntos (WE..., 2020).
Sobre a atuação do Fridays For Future por meio desta estratégia em 2019, reforça-se
que atuou junto ao Extinction Rebellion, uma ação que foi coordenada por lideranças e
convocada por meio das redes sociais. Tal como o Greenpeace, não mobilizou-se elementos
visuais que permitissem uma distinção clara entre seus membros, ao contrário do Extinction
Rebellion que, como visto, se organizou com os mesmos símbolos e cores utilizados ao longo
do ano de 2019 (EXTINCTION..., 2019a). De todo modo, nota-se que há continuidade na
estratégia de marchas do Fridays For Future, uma vez que os recursos utilizados permaneceram
sendo materiais escolares.
Esta seção analisou os discursos dos grupos selecionados nos dias em que ocorreram as
conferências de Paris e Madri. Recorrendo às sentenças declarativas que orientam esta
dissertação, a Figura 12 apresenta as articulações identificadas entre elas e as estratégias que
foram mobilizadas por cada grupo.
139 Rebeldes além de fronteiras, versão livre do autor.
121
Figura 12 – Sentenças declarativas e estratégias adotadas pelas ONGs e movimentos ambientais nos dias das conferências de Paris e
Madri
Fonte: elaborado pelo autor a partir das análises realizadas neste trabalho.
122
Como evidencia-se na Figura 12, articulando as sentenças declarativas com as
estratégias dos grupos, observa-se que elas se reforçam em relação ao que foi discutido na seção
anterior. Nota-se que as estratégias mobilizadas por cada grupo nos dias das conferências
refletem suas ideologias e graus de institucionalização e, tal como ao longo do ano, nos dias
das COPs, grupos mais institucionalizados estão presentes nas conferências, enquanto os menos
institucionalizados estão nas ruas. A ressalva é para o Greenpeace que historicamente mescla
estratégias de ONG e de movimento, e para Greta que, por causa de sua trajetória ao longo de
2018 e, sobretudo 2019, promoveu atos nas ruas que envolveram todos os grupos e também
esteve presente e discursou na COP 25. Sobre a concepção da questão climática e a crença nas
instituições da governança climática, reforça-se o que foi identificado para cada grupo nos anos
que antecederam as conferências.
4.3 Atos de fala performados pelas ONGs e movimentos ambientais nos contextos de Paris
e Madri
Após a análise dos discursos dos dois grupos no contexto da COP 21 em Paris, é possível
refletir acerca dos atos de fala que se identificam neles. O Quadro 6 sintetiza atos que refletem
a dimensão performática da linguagem, pois, conforme apontado por Onuf (1989), para um
sujeito que produz uma ação social, pode haver respostas a ela como consequência (ONUF,
1989).
123
Quadro 6 – Atos de fala performados nos discursos do Climate Reality e Greenpeace no
contexto da COP 21
Grupo
Ambientalista Ato de Fala Assertivo Ato de Fala Diretivo
Ato de Fala de
Compromisso
Climate Reality
“catalisar uma solução global
para a crise climática tornando
necessária a tomada de ações
urgentes em todos os setores da
sociedade”
Não identificado
“temos uma longa luta
diante de nós”
“Um ponto cinco para
permanecermos vivos”
“você pode aprender como
espalhar a verdade sobre a
mudança do clima”
“Há que se lembrar que a crise
climática não vai ser resolvida
nas próximas semanas”
Greenpeace
“[Os EUA] tem um papel-
chave enquanto um líder em
negociações climáticas”
“Partes como os EUA,
a China, a União
Europeia e outras
devem apresentar seus
compromissos” Não identificado
“100% renovável”
“os EUA devem
fortalecer seus
compromissos”
“o Presidente deve”
Fonte: elaborado pelo autor a partir da proposta dos atos de fala de Onuf (1989) das análises de discursos
realizadas neste trabalho.
Como mostra o Quadro 6, identifica-se que o Climate Reality performa atos de fala
assertivos ao comunicar sua crença na concepção de “crise climática” enquanto termo mais
apurado para se referir à questão climática. Isso é ressaltado quando ele se refere à esta
concepção enquanto uma “verdade”. Identifica-se também a performance de atos de fala de
compromisso, onde primeiro o grupo se compromete com a longa “luta” que ele e seus
seguidores possuem pela frente. Já com a sentença “um ponto cinco para permanecermos
vivos”, apoiada pelo grupo durante a COP, comunicou-se um compromisso de pressionar
lideranças importantes a também se comprometer com a lógica que está posta nesta frase.
O Greenpeace, ao performar atos de fala assertivos, comunica um entendimento acerca
dos países que considera serem importantes para a governança climática. Além disso, por meio
de palavras escritas em faixas e cartazes, há uma sinalização de que enxerga a energia renovável
enquanto potencial solução para os dilemas relacionados à discussão. Sobre sua performance
124
de atos de fala diretivos, observa-se, nos três discursos apresentados no Quadro 5, a utilização
do verbo dever no presente do indicativo, exigindo um determinado comportamento dos agentes
aos quais se refere.
Há que se destacar alguns pontos ao final das análises realizadas nesta seção: Climate
Reality e Greenpeace se diferem em muitos aspectos, uma vez que o primeiro está atrelado ao
ex Vice-Presidente Al Gore e não usou estratégias convencionais de movimento social no
contexto de Paris, como marchas e protestos. Além disso, é muito preocupado com a formação
de novas lideranças, apostando na inserção destas pessoas em diversos segmentos da sociedade.
Já o Greenpeace, ainda que seja mais longevo e consolidado, dedicou boa parte de seus esforços
a marchas e protestos, o que permite inferir que acreditava que a pressão popular seria um
recurso fundamental para alavancar as discussões em Paris.
Como já mencionado, o Climate Reality volta suas atenções, sobretudo, para os Estados
Unidos. Já o Greenpeace International, que foi objeto destas análises, também dedicou muita
atenção ao país, o que faz sentido por pelo menos duas razões: dentre os países do Anexo I,
historicamente é o maior emissor de GEE, logo, ainda que a China importe, seus compromissos
e suas responsabilidades, ao menos segundo a UNFCCC, são diferentes; em segundo lugar, o
país não ratificou o Protocolo de Quioto, logo, a expectativa era alta de que participasse do
Acordo de Paris.
Finalmente, tem-se que o entendimento da questão climática enquanto uma crise ou
urgência é comum aos dois grupos. Porém, como se observou, o Climate Reality é mais otimista
em relação ao comportamento dos EUA e a soluções por meio de negociações entre governos,
enquanto o Greenpeace é mais pessimista em relação aos EUA e mais impaciente em relação
às negociações. Ademais, ambos os grupos mobilizaram a questão geracional e a figura do Papa
Francisco em seus discursos para alertar a sociedade e os tomadores de decisão acerca da
urgência da questão.
No que se refere ao contexto da COP 25 em Madri, após a análise dos discursos dos
quatro grupos, é possível refletir acerca dos atos de fala que se identifica neles, conforme está
posto no Quadro 7.
125
Quadro 7 – Atos de fala performados nos discursos do Climate Reality, Greenpeace,
Extinction Rebellion e Fridays For Future no contexto da COP 25
Grupo Ambientalista Ato de Fala Assertivo Ato de Fala Diretivo Ato de Fala de Compromisso
Climate Reality
“aprender mais sobre a
crise climática” “Nós encorajamos
qualquer um e todos
para virem aos nossos
treinamentos de
lideranças”
“decidi que era hora de eu
também começar a ajudar”
“do que ela é: uma crise
climática”
“chamar a mudança do
clima pela crise que ela
é”
“O mundo tem que
agir de modo muito
mais ambicioso”
“alguém precisa
assumir a liderança”
“Se você não vir uma
greve climática
acontecendo em sua
área, organize-a!”
Greenpeace
“beira de uma catástrofe
climática”
“Greenpeace veio à
Davos em busca de
liderança”
“Se não agirem como adultos,
nós iremos”
“centro de todas as
reuniões”
“ação rápida para
enfrentar a emergência
climática”
“unir atrás da ciência”
Extinction Rebellion
“A ciência é clara”
Apelamos a todos os
cidadãos pacíficos e de
princípios que se
levantem conosco
“Não apenas para proteger o que
já temos, mas para restaurar o
que perdemos”
“extinção em massa”
“não vamos esperar mais”
“crise ecológica”
“declaramos em
rebelião contra nosso
governo e as instituições
corruptas”
Fridays For Future
“nossos líderes políticos
falharam conosco”
Não identificado
“nós estaremos de olho em
vocês”
“estamos diante de uma
ameaça existencial” “Mas como isso ainda está
sendo ignorado, eu vou
continuar repetindo” “nossa casa está em
chamas”
126
Fonte: elaborado pelo autor a partir da proposta dos atos de fala de Onuf (1989) das análises de discursos
realizadas neste trabalho.
Conforme apresentado no Quadro 7, no contexto de Madri, identifica-se que o Climate
Reality performa atos de fala assertivos ao afirmar sua concepção de crise climática, algo
também feito em 2015 e que em 2019 passou a ser replicado por parte da mídia observada pelo
grupo. Atos de fala diretivos são performados quando há pedidos para que novas pessoas se
juntem ao grupo e organizem suas greves climáticas, e para que países assumam posições de
liderança. E, identifica-se que, quando uma liderança do grupo se compromete a “começar a
ajudar” nas greves climáticas, há a performance de atos de fala de compromisso.
O Greenpeace performou atos de fala assertivos ao reafirmar sua crença de que a
concepção de emergência climática deve estar no centro de todas as reuniões e, ao afirmar sua
crença na importância da ciência. Há a performance de atos de fala diretivos quando o grupo,
tal como o Climate Reality, urge por liderança. E há um ato de fala de compromisso em um
cartaz onde manifestantes jovens se comprometem a agir, caso adultos não o façam.
O Extinction Rebellion performou atos de fala assertivos ao enfatizar a importância da
ciência – tal como o Greenpeace, ao reafirmar a concepção de crise, e ao declarar rebelião
contra governos e instituições corruptas. Identifica-se um ato de fala diretivo quando o
movimento pede que mais indivíduos se unam a sua causa. E, há atos de fala de compromisso
quando o grupo se compromete lutar pela restauração do que se perdeu e a fazer isso
imediatamente.
Já o Fridays For Future performa atos de fala assertivos ao comunicar, tal como os dois
primeiros grupos, a falta de liderança. Além disso, por meio de metáforas, também reforça sua
concepção de crise e ameaça existencial. E identifica-se ato de fala de compromisso quando
Greta Thunberg se compromete a estar de olho nos líderes políticos, além de continuar
repetindo suas declarações até que entenda que foi ouvida.
Perpassados os quatro grupos ao longo de 2019 e dos dias da COP 25, identifica-se o
seguinte: Climate Reality se aproximou da estratégia de ações de rua, mas priorizou ações
dentro da conferência fazendo o monitoramento sobretudo dos EUA, algo que também foi feito
por Al Gore. O Greenpeace manteve sua atuação dentro da conferência, porem apresentando
maior descrença em relação à lideranças climáticas do que ao final de 2015. Além disso, optou
por unir seus seguidores aos do Fridays For Future, sinalizando estar ciente de que quanto mais
pessoas nas manifestações de rua, maior seriam seus impactos.
127
O Extinction Rebellion apresentou características mais tradicionais de movimento social
e com um grande ceticismo em relação à uma mudança de direção por parte dos decisores
presentes na COP. Uniu-se ao movimento de Greta para marchar pelas ruas e foi o grupo que
mais apresentou organização no que tange aos recursos visuais mobilizados. Finalmente, o
Fridays For Future foi o movimento que liderou os acontecimentos do ano, uma vez que teve
grande adesão de pessoas às suas marchas e era conduzido por Greta, que conseguiu se articular
entre o povo que gritava nas ruas e dezenas de líderes mundiais que a ouviam em uma
conferência da ONU.
128
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal objetivo do presente trabalho foi estudar a atuação dos movimentos sociais
ambientais transnacionais em torno da concepção de urgência da questão climática, para
entender em que aspectos os discursos que eles propagam influenciam a política internacional
do clima. Para contemplá-lo, discutiu-se o lugar da mudança do clima na política internacional,
tendo em vista evidências científicas, os agentes que a compõem e a presença de uma concepção
que advoga em favor de termos como crise, urgência e emergência climática. Além disso,
aprofundou-se no discurso de duas ONGs e dois movimentos sociais, em dois momentos
importantes para a governança climática, tendo a concepção de urgência como marcador da
análise, no intuito de compreender a influência destes elementos na política internacional do
clima.
No decorrer das discussões, foi possível perceber que o lugar da mudança do clima na
política internacional está relacionado à forma que ela é percebida por tomadores de decisão e
indivíduos, pela capacidade da ciência em se fazer ouvir e com as escolhas feitas por líderes
políticos sobre colocá-la ou não no topo da agenda. Percebeu-se também que a UNFCCC tem
sido uma instituição fundamental no estabelecimento de mecanismos e compromissos para que
os países dialoguem e se engajem na mitigação das causas da mudança do clima, além de
também ser um espaço onde há lugar para agentes como ONGs ambientais, contanto que
possuam um alto grau de institucionalização.
Um debate importante no trabalho diz respeito aos desafios atrelados à divisão dos
países entre Anexo I e Não-Anexo I, conforme estabeleceu o Protocolo de Quioto. Como visto,
os Estados Unidos, a União Europeia e a China são agentes fundamentais nesse debate, porém
o fato de a China permanecer no grupo Não-Anexo I e figurar atualmente enquanto maior
emissor de GEE, tem gerado impasses na posição dos EUA e de outros agentes. Ademais, no
que diz respeito à ONGs e movimentos ambientais transnacionais, nota-se que aqueles que
possuem maior expressão – atuando, por exemplo, nas instituições da ONU, estão em países da
UE e nos EUA, o que é uma contradição do ponto de vista de que os Estados que mais sofrem
com as consequências da mudança do clima são aqueles mais vulneráveis ou com menos
recursos para se adaptarem, cuja maioria se encontra, sobretudo, em regiões da América Latina,
no continente africano e no sul asiático.
Sobre os movimentos sociais ambientais transnacionais, notou-se que sua relevância na
política internacional do clima está relacionada à capacidade que possuem de se organizar em
torno de suas identidades e de mobilizar estratégias que impulsionem a narrativa que eles
129
acreditam sobre as outras que compõem a realidade social. Além disso, observou-se também
que boa parte da literatura considera que o papel destes grupos é importante e crescente,
sobretudo daqueles com alcance transnacional e que atuam por meio das transnational
advocacy networks. De todo modo, também é consenso entre os acadêmicos que, no limite, são
os Estados os detentores dos recursos materiais e políticos para combater a mudança do clima,
logo, a perspectiva de Giddens (2010) se faz ainda mais relevante, pois ele advoga no sentido
de que os países desenvolvidos devem assumir os custos e a liderança, pois historicamente são
os principais responsáveis pelo problema.
No que diz respeito às análises dos discursos dos grupos selecionados, acredita-se que
a escolha deles por critérios de grau de institucionalização, tempo de duração e relevância na
política internacional do clima contemporânea, foi fundamental para as conclusões deste
trabalho. Além disso, a escolha dos dois contextos observados também permitiu identificar
elementos que permaneceram e que se alteraram de 2015 para 2019. Também se considera que
foi frutífero analisar os discursos categorizando-os a partir das estratégias mobilizadas, e tendo
como marcador expressões ou metáforas que aludissem à concepção de urgência da questão
climática.
As Figuras 11 e 12 reuniram as relações identificadas entre as sentenças declarativas e
as estratégias dos grupos e os Quadros 6 e 7 sintetizaram as análises feitas por meio da lógica
dos atos de fala proposta por Onuf (1989). Destaca-se quatro pontos das análises realizadas:
(1) todos os grupos, seja no contexto de Paris ou Madri, mobilizam formações
discursivas que advogam em favor da concepção de urgência da questão climática. O Climate
Reality, nos dois momentos, mobilizou estratégias comunicando que existe uma crise climática
e o Greenpeace, que em 2015 também usava esta expressão, em 2019 passa a chamá-la de
emergência climática. Já o Extinction Rebellion e o Fridays For Future, desde seus surgimentos,
advogam em favor de outras expressões além de crise, como a de uma ameaça existencial e a
de que vive-se o começo de uma extinção em massa.
(2) Nos discursos das duas ONGs e do Fridays For Future é comum um chamado por
liderança. Climate Reality e Greenpeace fizeram isso nos dois contextos, focaram nos EUA em
2015 e voltaram a demandar isso em Madri, uma vez que o país estava no processo de saída do
Acordo de Paris. O Fridays For Future, encabeçado por Greta, também pediu liderança, mas
demonstrou falta de confiança para com autoridades formais e representantes de Estados, além
de expressar discursos que apontaram que, pela falta de confiança, tais autoridades também não
gozam de legitimidade ou de autoridade moral para realizar tal tarefa.
130
(3) Um ponto que é comum a todos os grupos é o da crença na importância dos dados
apresentados pela ciência, algo que é reforçado sobretudo pelo Greenpeace, por Greta e pelo
Extinction Rebellion em 2019, tendo em vista a descrença de muitos indivíduos sobre a
seriedade da mudança do clima, a descrença do então presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, e o descompasso das medidas adotadas por governos, segundo a percepção destes
grupos, que as consideravam insuficientes;
E (4) outro ponto que é comum a todos os grupos analisados é a comunicação de que
“ainda há uma longa luta pela frente”, uma metáfora que faz alusão a um contexto de guerra e
batalha que precisa ser vencida. Nota-se que esta metáfora é importante pois comunica aos
tomadores de decisão que o compromisso dos grupos e a pressão sobre eles irá se manter com
o passar do tempo. Além disso, também comunica aos membros dos grupos e a possíveis novos
membros a intenção de permanecer lutando enquanto o que se demanda não for contemplado.
Reconhece-se que mensurar a influência destas ONGs e movimentos ambientais sobre
a política internacional do clima é um desafio. Acredita-se que o modelo analítico deste
trabalho, bem como metodologia que foi aplicada, tendo em vista o marcador do discurso da
urgência climática, os grupos e os contextos analisados, permitem inferir que: as marchas de
milhares de jovens nas Greves Escolares Pelo clima que se espalharam pelo planeta foram
mencionadas na COP 25, portanto estiveram presentes dentro da principal instância de decisão;
em 2015 o Climate Reality e outras ONGs pressionaram para que o Acordo de Paris
contemplasse a meta de 1,5º Celsius e, considerados todos os elementos que viabilizaram a
presença deste aspecto no texto final, este foi um deles.
Além disso, Greta esteve presente ao longo do ano de 2019 em diversas conferências,
nem sempre com o foco na questão climática, como o Fórum Econômico Mundial. Como
discutido, além de apontar o dedo para líderes internacionais, houve episódios em que
presidentes, como Donald Trump e Jair Bolsonaro, contestaram suas ações, fatos que indicam
que, minimamente, sua voz e sua narrativa sobre a questão climática estava sendo ouvida.
O desenho inicial desta pesquisa se propunha a analisar os discursos de outras ONGs e
movimentos ambientais e os contextos de outras COPs, mas isso não foi possível em virtude da
limitação de tempo e recursos. Ademais, como visto, para compreender a influência, observou-
se os discursos a partir das estratégias dos grupos, porém há momentos, como o da presença
dos representantes do Climate Reality e do Greenpeace em reuniões privadas dentro das COPs,
cujo acesso é difícil, mas que certamente incorporariam outros elementos para estas análises.
Reconhece-se, também, que, em virtude das limitações, não foi possível analisar as atuações de
células específicas, em países específicos, de cada grupo, algo que, certamente, incorporaria
131
aspectos relevantes à discussão e permitiria, por exemplo, compreender melhor os motivos
pelos quais há articulações menos expressivas internacionalmente de ONGs e movimentos
ambientais nos países do Sul Global.
Ao final desta pesquisa, acredita-se que dois debates merecem atenção especial. O
primeiro é aquele iniciado pela saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o governo
Trump e que, em janeiro de 2021, ganhou um novo episódio: o presidente eleito, Joe Biden,
cumprindo uma promessa de campanha, assinou um decreto sinalizando a intenção do país de
retornar ao Acordo. Isso importa pois, como discutido, os EUA são um importante agente da
governança climática global e resta saber se, tal como Obama, que caminhou por uma trilha de
liderança em alguns momentos, Biden seguirá o mesmo caminho, em um momento em que isso
é ainda mais urgente.
O outro debate diz respeito ao fato de que, como mencionado, esta dissertação foi escrita
enquanto o planeta passa pela pandemia do Coronavírus, situação que exigiu, por exemplo,
medidas de distanciamento social. Acredita-se que, caso não se estivesse nesta situação, a onda
de marchas e greves pelo clima iniciada em 2018 teria continuado e ganhado ainda mais alcance
e expressão. De todo modo, algumas reflexões trazidas com a pandemia ficarão, como o
impacto que a desaceleração de muitas economias, durante um período de tempo, teve sobre o
meio ambiente, e a necessidade, enfatizada há anos por ONGs e movimentos ambientais, de
que problemas globais coletivos precisam de soluções igualmente globais e coletivas.
132
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APÊNCICE A – Metodologia: desenho de pesquisa e sua operacionalização
A análise de discurso é “uma disciplina em que, em vez de proceder a uma análise
linguística do texto em si mesmo, ou a uma análise sociológica ou psicológica de seu ‘contexto’,
tem como objetivo articular sua enunciação com um determinado lugar social”140
(MAINGUENEAU, 2003, p. 17, versão livre do autor). Assume-se que uma palavra possui um
sentido que expressa posições que fazem parte de um processo social e histórico
(MAINGUENEAU, 2003). Logo, acessar os discursos é estudar além do sentido linguístico, é
investigar os contextos que os rodeiam e que viabilizam ou constrangem suas manifestações.
A modalidade aplicada neste trabalho foi a Análise de Discurso 2 (AD-2), comumente
associada ao campo construtivista das Relações Internacionais141. A escolha desta modalidade
foi feita tendo em vista que se vale do conceito de formação discursiva (FD) de Foucault
(2008)142, que estabelece o que pode/deve ser dito a partir de um lugar social específico. A FD
trabalha com “regras de formação”, onde tem-se o que é externo e interno a ela própria. Trata-
se de um espaço de enunciados que é sempre invadido por outras FDs (FOUCAUT, 2008;
MUSSALIM, 2006).
Hansen (2006) propõe um desenho de pesquisa que dialoga com o marco teórico
construtivista e que foca em quatro dimensões: (1) Número de sujeitos; (2) Perspectiva
temporal; (3) Modelos intertextuais; e (4) Número de eventos. A Figura 13 sintetiza o modelo
da autora:
140 la disciplina que, en lugar de proceder a un análisis lingüístico del texto en si mismo, o a un análisis sociológico
o psicológico de su ‘contexto’, tiene como objetivo articular su enunciación con un determinado lugar social. 141 De acordo com Mussalim (2006), há três fases da Análise de Discurso: a AD-1 trabalha com os discursos com
pouca carga polêmica e variação de sentido. Um exemplo são discursos teórico-doutrinários, onde há pouca
abertura para a posição do Outro. Está pautada na noção de “máquina discursiva”, uma estrutura com condições
de produção de sentido mais estável; na AD2 a “máquina discursiva” se mantem fechada, mas trata de discursos
com condições de produção menos homogênea e menos estabilizados; já na AD-3 a “máquina discursiva” é
desconstruída, os discursos vêm de condições mais heterogêneas e se constituem no interior do interdiscurso
(MUSSALIM, 2006). 142 O autor define formações discursivas como “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas
no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica,
geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa” (FOUCAULT, 2008, p. 133).
147
Figura 13 – Desenho de pesquisa para a análise de discurso segundo Hansen (2006)
Fonte: adaptado de Hansen (2006).
A análise de discurso segundo esta lógica recorre a uma comparação entre um conjunto
de sujeitos143 ao longo do tempo ou de uma série de eventos. (1) Número de sujeitos diz respeito
à quantidade de formações discursivas envolvidas na análise, tendo em vista que um sujeito
pode desempenhar diferentes papéis. Pode ser único, quando um sujeito é o único responsável
pelo discurso; comparativo, quando é feita uma comparação entre os discursos de vários
sujeitos; e cruzado, quando contrapõem-se os discursos de dois ou mais sujeitos. (2) Perspectiva
temporal diz respeito à posição do discurso no tempo. A análise pode observar um momento
específico, pode comparar momentos distintos e pode observar como um discurso se
desenvolve ao longo do tempo (HANSEN, 2006).
Os (3) Modelos intertextuais dizem respeito à localização dos discursos em diferentes
esferas, como em discursos oficiais, no debate político amplo, que engloba, por exemplo, a
mídia, e outras formas de representações culturais. Já o (4) Número de eventos são aqueles aos
quais o discurso se refere, podendo ser um único; múltiplos ligados por um determinado
discurso, ou múltiplos ligados pelo tempo (HANSEN, 2006). A Figura 14 traz a adaptação do
desenho de pesquisa de Hansen (2009) para este estudo.
143 Optou-se por sujeitos como tradução de selves uma vez que este elemento não se trata da quantidade de agentes,
e sim das identidades que podem assumir (HANSEN, 2006).
148
Figura 14 – Desenho de pesquisa
Fonte: elaboração própria, adaptado de Hansen (2006).
Como está posto na Figura 14, esta pesquisa trabalha com uma comparação entre dois
sujeitos: aquele estabilizado pelos movimentos ambientais e o estabilizado pelas estruturas
institucionais da governança climática. Isso foi pensado tendo em vista que os movimentos se
colocam enquanto vozes da urgência da questão climática, e as estruturas institucionais da
governança climática, como a ONU e a UNFCCC, apresentam-se como sujeitos para os quais
o grau de urgência da questão climática se difere em relação ao percebido pelos movimentos.
Sobre os modelos intertextuais, foram selecionados discursos onde a concepção da
urgência climática está presente. Para identificar esta concepção, a leitura dos textos teve como
critério a busca por marcadores como “crise climática”, “urgência climática” e “emergência
climática”, além de metáforas que aludissem à esta concepção. Os discursos foram encontrados
em notas e notícias dos sites dos grupos, documentos por eles elaborados, falas proferidas em
conferências climáticas, reportagens e entrevistas. Destaca-se que este material foi selecionado
tendo em vista o marco temporal estabelecido neste trabalho.
Sobre o marco temporal, que como posto é o do desenvolvimento histórico, é feita a
análise dos discursos começando pelo contexto que antecede a 21ª Conferência das Partes,
seguindo para os dias da reunião, e depois comparando com o contexto que antecedeu a 25ª
COP, bem como com os dias da conferência em si. Os contextos dizem respeito aos anos em
que cada conferência ocorreu, logo para 2015 e 2019 a pesquisa compreendeu os meses de
janeiro a novembro. Estes períodos foram escolhidos pois foi na 21ª COP que se estabeleceu o
Acordo de Paris, documento divisor de águas desta discussão. Já o contexto da 25ª COP foi
escolhido pois os dois movimentos ambientais estudados haviam se estabelecido no ano que a
antecedeu, e ela foi importante pois era grande a expectativa em torno de sua contribuição para
149
a redução de impasses que viabilizassem o cumprimento do Acordo de Paris. Acredita-se que
a comparação entre os dois períodos permitirá compreender os processos que se desenvolveram
e como eles influenciaram a política internacional do clima no que tange à concepção de
urgência da questão climática.
Finalmente, no que concerne ao número de eventos, assume-se que são múltiplos e
ligados pelo discurso da urgência climática. Já a lógica dos atos de fala, segundo Onuf (1989),
completa o desenho dessa pesquisa pois eles auxiliam na identificação das FDs que são
externalizadas pelos agentes envolvidos na questão, bem como na compreensão daqueles que
são assimilados por outros agentes nesse processo. Isso será feito para cada um dos momentos,
de modo a permitir a comparação entre o que permanece e o que se altera em cada um deles.