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O ETHOS EM DISCURSOS PUBLICITÁRIOS DO PRODUTO MODESS NAS
DÉCADAS DE 40, 50, 60 e 70 NO BRASIL
Adélia Maria Evangelista AZEVEDO
UEMS/Jardim/NEAD
adélia@uems.br)
Resumo:As campanhas publicitárias de protetores íntimos em diferentes décadas no Brasil revelam um interessante material de investigação para discutir os processos de materialização dos enunciados discursivos que revelam o ethos nos discursos publicitários direcionados ao sujeito: mulher. Desse modo, selecionamos um corpus de 05 (cinco) discursos publicitários do produto Modess, fabricado pela empresa americana Jonhson & Jonhson instalada no Brasil, das décadas de 40, 50, 60 e 70 com o objetivo de investigar as escolhas discursivas e linguísticas presentes em tais discursos publicitários e que foram responsáveis pelo processo de interação entre: o produto e a consumidora brasileira. Essa mulher inicialmente era uma mulher leitora da revista Seleções Reader’s e de classe média alta. Para a fundamentação teórica usamos Foucault (2004), Maingueneau (2002) e demais autores.
Palavras-chave: ethos; discurso publicitário; mulher; Modess; Brasil
Abstract: The advertising campaigns of intimate feminine protectors in different decades in Brazil
revealed an interesting source of investigation to discuss the materialization’s processes of the
discoursive enunciated that show the ethos in the adverstising discourses related to the subject:
woman. Thus, it was selected 5 (five) adversiting discourses corpus of Modess product, made by
American company Johnson & Johnson settled in Brazil, in the 40’s, 50’s, 60’s, and 70’s, with the
objective of investigating the discoursive and linguistic choices present in such advertising
discourses and that it was responsible by the interaction process between: the product and the
Brazilian consumer. This woman initially was a reader woman of Reader’s Selection magazine and
she belonged to up middle class. In terms of theoretical support, we use Foucault (2004),
Maingueneau (2002), among others.
Keywords: ethos; advertising discourse; woman; Modess; Brazil
Introdução
A empresa Johnson & Johnson lança a partir da década de 40, no Brasil a
campanha publicitária: “Duplamente higiênico: na confecção e no uso”, e outras tais
como: “Ela é Moderna... Ela sabe viver..”, “Eu sou secretária do gerente...”, “Um
passeio inesquecível...” “Modess luxo por que?” para o produto proteção íntima não tão
conhecido do público feminino pela forma descartável. Como abordar sobre o tema:
proteção íntima? Sem mencionar palavras chaves como: “menstruação”, “chico”, “ciclo
menstrual” em campanhas publicitárias durante diferentes décadas? E de que forma
mencionar? O que dizer? E o como dizer?
Para isso, tecemos comparações entre os discursos publicitários de distintas
épocas: 40, 50, 60 e 70 do produto denominado Modess com o objetivo de investigar
através dos enunciados discursivos as representações femininas e sociais. E de que
forma tais representações se manifestaram através de décadas através do ethos que se
materializou em tais discursos publicitários.
Um recorte sobre o ethos e a cena enunciativa
Iniciamos com a definição de discurso a partir de um filósofo e pesquisador
francês que muito contribui para a AD, pois o trabalho de análise irá considerar o
conjunto de textos a serem analisados enquanto discurso e a partir dos quais iremos
investigar o ethos e a cena enunciativa.
Assim, para Foucault (2004, p. 61) o discurso “não é a manifestação,
majestosamente desenvolvida, de um sujeito e sua descontinuidade em relação a si
mesmo. É um espaço de exterioridade em que se desenvolve uma rede de lugares
distintos” e é nesse espaço da heterogeneidade que se articulam e se materializam os
diferentes enunciados que se somam na recriação e ampliação de outros enunciados.
Desse modo, temos no interior do discurso uma gama muito grande de enunciados que
se manifestam, que se ligam a outros tipos de discurso e que revelam vozes e cenas.
A outra definição de discurso vem de Maingueneau (2002, p.51-56) que
conceitua discurso enquanto uma “organização situada para além da frase”, ele tem
uma orientação, uma forma de ação, estabelece uma interação, contextualizada que é
assumido por um sujeito, é regido por normas e é considerado no bojo de um
interdiscurso”. O autor traz à tona para a disciplina Análise do Discurso1, de linha
francesa, a questão do ethos oriundo da Retórica de Aristóteles.
De acordo com Charaudeau; Maingueneau (2004, p.220), o conceito de ethos
gira em torno do duplo sentido aristotélico que define: “virtudes morais” que atribui ao
orador uma credibilidade diante dos ouvintes a partir da: prudência, virtude e
benevolência; e de outro aspecto que comporta uma “dimensão social” que diz respeito
ao efeito de convencimento entre o orador e seu público, é o como o orador imprime sua
marca e estabelece o caráter. No dois casos, os autores esclarecem que se trata da
imagem de si que o orador produz em seu discurso, e não da pessoal real.
Para a AD de linha francesa o ethos é retomado a partir das considerações da
retórica aristotélica, das considerações da linguística da enunciação, da pragmática e de
outros estudos da subjetividade da linguagem. Assim, o conceito de ethos retomado
pelos teóricos da AD, legitima o enunciador no discurso, porque revela uma
determinada posição institucional através de um saber e a investigação irá considerar a
cena enunciativa, a voz e uma corporalidade. Os autores explicam ainda que para
discutir a noção de cena enunciativa há que incluir a categoria de gênero do discurso,
porque é nela em que se constroem alguns papéis e antecipações de imagens em relação
ao locutor e ao alocutário.
As imagens que se revelam nas diferentes categorias de gênero do discurso estão
numa relação direta com o ethos discursivo, nos diferentes efeitos de sentido e nas
estratégias a serem previamente escolhidas para interpelar o alocutário. E isso ocorre
também com a instauração e uso de alguns estereótipos a serem escolhidos,
selecionados e utilizados pelo locutor no processo de enunciação e na instauração da
cena enunciativa.
A cena enunciativa, ou cena de enunciação diz respeito ao próprio espaço, ou
seja, a cena da fala que para Charaudeau; Maingueneau (2004, p. 95-96) é a instauração
desse espaço. Os estudiosos da AD abordam que essa cena é concretizada a partir do ato
de enunciar no interior do discurso, porém ela não pode ser vista como uma mera
decoração, pois ela é responsável por caracterizar as cenas, realizar antecipações e
materializar os corpos.
1 Análise do Discurso, de linha francesa, doravante AD.
Os autores apresentam a análise da cena enunciativa a partir de 03(três) aspectos
distintos: a cena englobante, a cena genérica e a cenografia. A cena englobante
determina o tipo de discurso a que pertence um texto, por exemplo: discurso religioso,
discurso publicitário, e outros e a forma de interpelação entre o locutor e o alocutário. A
cena genérica, junto com o gênero do discurso, é responsável por criar um efeito, uma
cena específica através dos diferentes papéis para os parceiros, ou interlocutores. Ela
tem objetivo definido atingir o interlocutor através de um suporte material e um modo
de circulação.
Já a cenografia se institui pelo próprio discurso ao explorar o espaço, o tempo e
a enunciação, de acordo com os autores, a cenografia ocorre através de estratégias de
instauração da dimensão construtiva do discurso, que se “coloca em cena”.
Maingueneau e Charaudeau (2004, p.97) explicam que há gêneros dos discursos que
têm uma maior incidência em recorrer à cenografia, porque objetiva agir intensamente
sobre o interlocutor para transformar as convicções e idéias a respeito de um
determinado assunto. Com isso, os discursos publicitários, as crônicas, os romances, e
demais discursos são os que mais recorrem à instauração de cenografias que revelam o
ethos ou as ethés com o uso de diferentes recursos discursivos de enunciação tais como:
discurso direto, indireto ou indireto livre e outros recursos. Os estudiosos lembram que
há, também, outros gêneros do discurso que não são dados a apresentar cenografias, tais
como: os discursos jurídicos, as listas telefônicas e etc...
O ethos nas campanhas publicitárias de absorvente nas décadas de 40, 50, 60 e de 70 no Brasil
O corpus selecionado para esse trabalho traz enquanto cena englobante para a
análise o discurso publicitário que por sua própria natureza busca persuadir o
interlocutor associando o produto a um corpo que passa a habitar o mundo. Desse modo,
o produto proteção íntima, ou absorvente surge como uma opção a ser incorporada pelo
sujeito para isso há uma voz que surge e instaura um ethos que faz a antecipação do seu
interlocutor público feminino numa revista e procura vender um produto a partir de uma
determinada marca.
Para Maingueneau (1997, p.32) é preciso considerar que a “enunciação não é
uma cena ilusória onde seriam ditos conteúdos elaborados em outro lugar, mas um
dispositivo constitutivo da construção do sentido e dos sujeitos que aí se reconhecem.”
Com isso, torna-se fundamental a explicação de certos enunciados discursivos.
Figura 1. Discurso 1 (Seleções Reader’s junho de 1945)
Duplamente higiênico: na confecção e no uso!
Este é apenas uma das vantagens de MODESS
Não se exponha a riscos, justamente nos dias em que seu organismo está em situação melindrosa. Confie aos absorventes Modess sua saúde, conforto e segurança. Cada absorvente é utilizado apenas uma vez, proporcionando-lhe, assim, a cada uso, a escrupulosa pureza com que sai dos laboratórios da Johson & Johson do Brasil. Modess é feito de material mais absorvente que o algodão e, para completa segurança, tem a face externa impermeável. É macio, não irrita. Discreto, mesmo sob os vestidos mais justos. Nas farmácias e lojas de artigos femininos, ao pedir, diga apenas: Modess. MODESS - Amostra Grátis: - Envie-nos Cr$ 1,00 para receber uma caixa contendo 2 amostras e o livrinho “O Que A Mulher Moderna Deve Saber” caixa postal XXX São Paulo.
No discurso 1, “Duplamente higiênico...” a formação discursiva confere aquilo
que Maingueneau (1997, p. 49) denominada de incorporação, pois é capaz de mesclar
uma formação discursiva e o ethos que ocorrem durante o processo de enunciação, tal
procedimento também será visto em outros discurso publicitários presentes neste
trabalho.
Distribuído com um maior volume na página da revista, o discurso publicitário
1, apresenta o produto: Modess à leitora feminina da década de 40, no Brasil, a partir de
uma voz experiente e que domina o conhecimento da fabricação do produto, traz um
“tom” de seriedade e confiabilidade através do uso da 3ª pessoa do singular “ele”, o
Modess. Tem-se nesse discurso um volume de informações é ilustrado com o desenho
de um casal posicionado um em frente ao outro e que dividem o líquido de um mesmo
copo através de canudos, uma cena romântica entre um homem e uma mulher na troca
de olhares, cena esta associada à proteção do produto.
Por que usar o produto? Porque o produto é: higiênico, confiável, seguro,
confortável, macio, discreto, absorvente... .....não irrita...Discreto...é utilizado apenas
uma vez...escrupulosa pureza com que sai dos laboratórios da Johson &
Johson....disponível “farmácias e lojas de artigos femininos...” O enunciador apresenta
a individualidade específica de cada absorvente.....a cada uso, a escrupulosa pureza
com que sai dos laboratórios... há uma condição de uso, uma mudança de atitude da
mulher quanto ao uso e a compra do produto, ou seja, o ato do descarte...até então novo
para o comportamento feminino e o da aquisição através da relação comercial. Algo
novo também é o processo de industrialização no país e a exploração do mercado
consumidor, com isso a Johnson & Johnson do Brasil, eis que surge uma voz de
autoridade e de poder, pois ela detém o processo de produção e de distribuição do
produto no mercado: farmácias e lojas de produtos femininos.
Há no discurso publicitário 1, os verbos no imperativo Não se exponha a riscos,
justamente nos dias em que seu organismo está em situação melindrosa..... Confie nos
absorventes..., ao pedir diga apenas: Modess ... , marcas linguísticas do gênero
publicitário e que interagem com o interlocutor. Outro aspecto importante, é o que se diz
e o como se diz sobre os dias de fluxo menstrual da mulher e o como abordar sobre tal
assunto na época: íntimo e sigiloso: “nos dias em que seu organismo está em situação
melindrosa”. Eufemismo através da expressão situação melindrosa diz o que preciso
ser dito e aborda sobre o assunto de forma a amenizar, pois não se pode falar de forma
aberta, há instaurada uma voz comedida marcada pelo sigilo. O produto assume uma
corporalidade que funde o corpo feminino, porque é discreto e essencial ao universo
feminino associando o com a moda feminina: vestidos justos e que se instaura a partir
do ato de enunciar em discurso direto a marca do produto: ... ao pedir, diga apenas:
Modess.
A voz reporta-se a um alocutário feminino que detém alguns saberes que
despertam o desejo em possuir determinado produto, para isso há a oportunidade em
experimentar o produto basta realizar o recorte da solicitação da amostra grátis do
produto enviar uma certa quantia em dinheiro e receber em casa as amostras e o livrinho
(“O Que A Mulher Moderna Deve Saber”). O manual do produto Modess traz as
informações e uma possível transformação de saberes, no que diz respeito, a
modernidade e ao ser moderna, o contrato que se estabelecer entre o ter e o ser através
do discurso publicitário que busca não só informar, mas presentear de certa forma a
cliente.
É possível observar em 02 (dois) discursos publicitários da década de 50, no
Brasil, publicados na revista Seleções Reader’s que a cena aproxima a leitora feminina
de um enunciador que narra os fatos, ou seja, fala da 3ª pessoa em destaque “Ela é
moderna... Ela sabe viver” – para a mulher (jovem, alta, magra, branca e de cabelos
pretos) em destaque no primeiro plano, no discurso 2, ela está saindo de casa -
deslocando se, ou seja, entrando num automóvel para ir a uma festa, elegantemente
vestida e conduzida por um homem que abre a porta do carro num gesto de
cavalheirismo que é recuperado através de uma memória discursiva que materializa os
papéis de príncipes e princesas, em carruagens, no caso específico do discurso
publicitário não mais a carruagem, mas a presença da imagem do automóvel no discurso
publicitário de Modess recupera o discurso do início do século XX, o crescimento da
indústria automobilística no Brasil e uma sociedade de consumo, isso afirma o padrão
da “modernidade”.
Os padrões repetem-se no 3º discurso tais como: magra, jovem, alta, branca com
um diferencial para os cabelos lisos, loiros desta vez sentada de lado na garupa da
lambreta e dando um adeus para que lê, ou vê a página da revista. A foto da lambreta
substitui a imagem do cavalo branco – isso reforça a presença da industrialização e dos
avanços da sociedade de consumo. A mulher está muito alegre, o que revela o mesmo
percurso social e ideológico do discurso 2, a mulher conduzida por um homem, jovem e
que sabe a direção a ser tomada – isso reforça a imagem romântica dos clássicos da
literatura e até de cenas cinematográficas.
Figura 2. Discurso 2 (Seleções Reader’s 1950)
Figura 3. Discurso 3 (Seleções Reader’s 1950)
Ao reforçar tais características da mulher dos contos de fadas, o sujeito que
enuncia afirma que “ela” é moderna, sabe viver..., é uma líder: nas idéias, no vestir, no
viver” – e determina dois tipos distintos de mulher: a primeira é aquela que sai de casa,
sabe viver porque exige e consome um determinado produto: Modess – proteção íntima
– que a faz diferente da mulher no segundo plano da cena que observa e admira os fatos
estática e triste – longe de ser moderna, pois ainda não exige o produto.
É uma líder – nas idéias, no vestir, no viver. Em proteção higiênica, ela exige Modess. Porque ela exige confôrto e segurança em todos os dias do mês. Sua maciez...uma absorvência sem igual e – mais que tudo – a higiene de Modess (usa-se uma vez e joga-se fora) fazem-no indispensável. E o suficiente para ‘um mês custa menos que um vidrinho de esmalte. (Seleções Reader’s, 1950)
Maingueneau (2002, p.98) discute que a voz que enuncia num discurso
publicitário situa-se para além do texto, mostra-se como um sujeito que revela “um tipo
de fenômeno que, como desdobramento da retórica tradicional, podemos chamar de
ethos: por meio da enunciação, revela-se a personalidade do enunciador.” Eis que no
discurso publicitário “Ela sabe viver...” surge a voz de um alguém que tem
conhecimento sobre as necessidades femininas um ethos que fala com um certo
conhecimento sobre as necessidades femininas – nas idéias, no vestir, no viver..., ser
diferente... e para isso há um, no caso específico, ela = a proteção íntima, e por outro
lado ela = mulher que “exige conforto e segurança em todos os dias do mês” e
apresenta o produto Modess a partir de voz de autoridade no assunto: “uma absorvência
sem igual e – mais que tudo....” a comodidade “usa-se uma vez e joga fora fazem-no
indispensável” – esse enunciado surge porque ainda não se tem o “descartável” – era
preciso esclarecer ao sujeito feminino do discurso sobre a utilidade do produto – o uso
do produto fará com que a mulher deixe de lavar as toalhas higiênicas muito utilizadas
na época transformando-as em mulheres modernas, livres de certas obrigatoriedades
em: lavar, passar e guardar.
O produto é “suficiente para um mês custa menos que um vidrinho de esmalte” –
apresenta as vantagens em atender a mulher e tece comparações com um outro produto
consumido pelo sujeito feminino o “esmalte”, produto indispensável a compor o
universo feminino e é apresentado através de uma comparação com um vidrinho de
esmalte, ou seja, com um baixo custo financeiro. E ao lado há a marca de persuasão do
enunciador: Basta Pedir o produto Modess e a transformação ocorrerá com a mulher
que fizer uso do produto. Essa voz reafirma a necessidade da mulher ser protegida e a
reafirmação dessa proteção seja pela figura oposto: o homem e do produto: Modess da
marca Johnson & Johnson que executa a proteção e negação da indisposição da mulher
durante o ciclo menstrual.
O ethos que surge no discurso publicitário da década de 52, Maingueneau (2002,
p.137) , “o indivíduo que fala e se manifesta como “eu” no enunciado é também aquele
que se responsabiliza por esse enunciado” (grifo do autor) e tal responsabilidade na
enunciação em 1ª pessoa do singular, com isso há a instauração do sujeito no ato de fala
, ou seja, instaura inicialmente um eu – mulher a partir de uma responsabilidade sobre o
seu dizer isso dá a possibilidade de situar como fonte de referência enunciativa, outro
aspecto descrito por Maingueneau é que: “Enunciar uma asserção, por exemplo, é
apresentar seu enunciado como verdadeiro e garantir a sua veracidade” .
Figura 4. Discurso 4 (Seleções Reader’s out/1952)
Eu sou secretária do gerente....
(preciso estar sempre em forma!)
Uma posição invejável e um ótimo chefe (mas exigente!). É necessário estar sempre alerta e bem
disposta. Por isso, confio em Modess para o meu conforto “naqueles dias”. Modess é super-absorvente e
adapta-se tão bem ao corpo! De concepção de moderna, Modess é higiênicamente feito para ser usado
uma vez e jogado fora.
Com Modess, use o cinto elástico Modess – ajustável e com triângulo anatômico, para maior segurança e
confôrto. (Seleções Reader’s, out/1952)
A instauração do eu na enunciação e a gravura da mulher ao lado, jovem,
branca, cabelos lisos, penteados, usando um vestido discreto, cabeça baixa, com ar de
seriedade, demonstram uma mudança de postura, antes despojada, de lazer (figura 1 e
2), agora sozinha, num escritório, ao lado da máquina de datilografia e da calculadora
são pistas que levam a um outro percurso de negação da mulher protegida pelo outro
(homem) e surge a mulher protegida para o outro (homem) detém saberes diferentes dos
saberes domésticos, pois assume o saber da secretária e funções, tais como: datilografia
(máquina) e contabilidade (calculadora).
Em cena, a personagem que enuncia através do discurso direto, diferente da
enunciação nos discursos anteriores “secretária do gerente” com responsabilidades por
ocupar “uma posição invejável” e que para isso deverá estar: “sempre em forma”,
“sempre alerta” e “bem disposta” – enunciados que materializam um contexto de
ordem, algo utilizado em formações militares com interlocutores homens, isso distancia
do interlocutor mulher frágil, romântica.
Outra característica é que para o contexto histórico da mulher no mercado de
trabalho não lhe cabe nesse momento de enunciação a mulher: assumir a própria
fragilidade, ou indisposição para o trabalho durante o ciclo menstrual. Mantém a
necessidade do sujeito feminino em confiar não mais no homem, mas no produto:
Modess para o bem: “Por isso, confio em Modess para o meu conforto “naqueles dias”.
Há o discurso indireto livre, uma voz que se funde com a voz da personagem
feminina e com uma outra voz que é a do enunciador do produto: “Modess é super
absorvente e adapta-se tão bem ao corpo!” isso instaura uma enunciação que funde a
imagem da personagem à imagem do produto e da leitora (moderna).
No discurso há a presença de adjetivos que enaltecem o produto e revelam a
enunciação feminina marcada pelas interjeições e sentimentos de alegria – logo à frente
tem-se a instauração de uma outra voz “a voz do anunciante” que apresenta a explicação
da adaptação do produto a partir do uso de um outro acessório: “Com Modess, use o
cinto elástico Modess – ajustável e com triângulo anatômico, para maior segurança e
confôrto.” – a palavra conforto é repetida duas vezes para que a leitora do discurso
tenha o desejo de aderir ao corpo do produto, ou seja, a ideia em consumir.
A concepção de moderno passa para o produto e sua marca de centralizado em:
“higienicamente feito para ser usado uma vez e jogado fora” (grifo nosso) – aqui reforça
o papel da mulher moderna, no mercado do trabalho e da liberdade em exercer
atividades profissionais fora de casa.
Desse modo, no discurso publicitário 3, a corporalidade do produto insere a
necessidade de instauração de um ethos feminino que ocupar o mercado de trabalho
através de um função externa ao lar, tal como: Eu sou secretária do gerente., e que
passa a assumir posturas rígidas sem mostrar a fragilidade tais como: dor, indisposição,
tristeza, e o de manter a beleza, sem manchas numa referência ao mito de Vênus – deusa
do amor – não há espaço para as vontades femininas e sim a manutenção do sujeito
mulher em função do outro, seja o homem, no caso específico, o gerente.
Logo abaixo do discurso publicitário 4, há um outro discurso publicitário
disponível para a leitora em que a empresa oferece um brinde, um livreto explicativo:
Grátis!
Para você ou sua filha!
Um interessante livreto de 25 páginas que ajuda as mulheres a passarem os dias críticos com despreocupação e confôrto! (Seleções Reader’s, out/ 1952)
Ao lado há uma ficha para que a leitora preencha e envie para um
departamento especial da empresa para receber o livreto com 25 páginas com o título:
“Ser quase Mulher... e ser feliz”, com isso a empresa procura estabelecer uma
comunicação com a leitora e se coloca com um sujeito que auxilia e enuncia que elas
“mães e filhas” precisam ser orientadas quanto ao uso do produto durante os dias
críticos (grifo nosso) – ciclo menstrual através de conselhos, informações ou de uma
palavra amiga. Algo interessante está centrado no título do livreto “Ser quase Mulher...
e ser feliz”, o “quase” reporta ao fato da polissemia de sentidos, ou seja, ao fato de
atingir as leitoras, ou consumidoras do produto que são virgens e que se preparam a vida
sexual, e ao fato das mulheres durante o período menstrual estarem mais disponíveis e
preparadas.
O próximo discurso publicitário a ser analisado é da década de 60, no Brasil,
ocupa o espaço de duas páginas e apresenta-se em duas partes:
Figura 5. Discurso 5 - (Seleções Reader’s nov/1961)
1ª parte Um passeio inesquecível Querida amiga Célia. Como vai? Em primeiro lugar agradeço o magnífico passeio do último fim-de-semana. Na verdade eu não queria ir, por estar “naqueles dias” – quando me sinto insegura, deprimida...eu estragaria o passeio! Felizmente, você entendeu a minha preocupação e me falou de Modess com a nova cobertura “Pétala Macia”. Comprei uma caixa...e realmente – não há nada tão prático como Modess: usa-se apenas uma vez e joga-se fora. O passeio foi maravilhoso! Sem dúvidas, eu não poderia apreciá-lo, não fosse o seu
conselho. Modess é ótimo! E pensar que poderei sair, passear quando quiser, sem preocupação e, nada para lavar!
2ª parte Você que é moderna e prática, merece o conforto e a proteção de Modess com a nova cobertura. “Pétala Macia”, de rayon e algodão. Não é gaze, nem papel. Usa-se Modess uma vez e joga-se fora... Nada de lavar! Experimente Modess
Com Pétala Macia - a nova cobertura aveludada.
O gênero carta funde-se ao gênero discurso publicitário e isso é o que
Maingueneau (1997, p. 34) discute sobre a capacidade de encaixe dos gêneros uns nos
outros e da noção de “contrato” que cada gênero passa a estabelecer através de um ritual
específico que o define de outros. Assim, na primeira parte há o gênero carta familiar
que instaura a enunciação o “eu” feminino, através de uma troca de informações, pois é
mulher quem fala a outra mulher (Célia) em tom de confidência e agradecimentos por
ter recebido bons conselhos quanto à aquisição, uso o produto: Modess e por poder sair
de casa para um passeio durante o período de fluxo menstrual: Em primeiro lugar
agradeço o magnífico passeio do último fim-de-semana. Na verdade eu não queria ir,
por estar “naqueles dias” – quando me sinto insegura, deprimida...eu estragaria o
passeio!.....(grifo nosso)
A confidência entre as amigas proporciona um depoimento verídico, porque
mulher compreender outra mulher e pode aconselhar sobre um assunto de fórum íntimo:
Felizmente, você entendeu a minha preocupação e me falou de Modess com a nova
cobertura “Pétala Macia”. Comprei uma caixa...e realmente – não há nada tão prático
como Modess. Há a construção de um ethos feminino que fala como mulher e de coisas
femininas: ...magnífico passeio... .me sinto insegura... deprimida.... você entendeu a
minha preocupação....e logo após instaura-se enunciados que mostram um outro tom
sobre o assunto....e passa a falar do produto, ou seja, eis que surge o ethos do
anunciante do produto: não há nada tão prático como Modess: usa-se apenas uma vez e
joga-se fora... com informações sobre o uso do produto e o caráter descartável. E depois
retorna a voz feminina: Sem dúvidas, eu não poderia apreciá-lo, não fosse o seu
conselho. Modess é ótimo! E pensar que poderei sair, passear quando quiser, sem
preocupação e, nada para lavar! (grifo nosso).
O interessante é que o ethos feminino que aborda sobre o assunto restringe aos
desconfortos do ciclo menstrual, aliando o uso do produto ao caráter de liberdade (sair
de casa para um passeio) e o caráter descartável sem a necessidade de lavar as toalhas
higiênicas. Não menciona a solução para as dores, cólicas ou outro tipo de desconforto
físico ou emocional, por exemplo, para a palavra deprimida.
A ilustração das páginas, não há a presença masculina, apenas a gravura de
duas mulheres, amigas, jovens, magras, felizes e bem vestidas, acompanhadas por um
cachorrinho de estimação que ilustram a cena de um passeio inesquecível.
E logo ao lado direito da página instaura-se um ethos do produto = voz do
anunciante que direciona a fala à leitora das páginas de forma direta e usa de recursos
linguísticos da persuasão para convencer a mulher (moderna e prática) que ainda não é
consumidora e aquela que é, mas ainda não conhece a nova opção do produto: Modess
com a nova cobertura. “Pétala Macia”. Isso passa a ser outro diferencial para o
produto, porque aproxima ao universo metafórico da flor e da subjetividade feminina e a
delicadeza do produto. Há o uso dos verbos no imperativo: Usa-se Modess uma vez e
joga-se fora. Nada de lavar....!...Experiemente. O produto começa a ter variações
quanto a constituição e diferentes detalhes quanto à cobertura, cores e outros.
Para o discurso 6, a imagem do produto toma conta de quase toda a página,
antes a caixa, ou embalagem do produto vinha ao lado, nesta propaganda ela vem como
centro, logo abaixo há o discurso. Uma mulher apresenta o produto e só aparece o
braço, longo, bem definido e a mão que segura na palma a embalagem rosa do Modess
Luxo.
Eis que alguém enuncia, ou seja, faz um questionamento: Modess Luxo por
que? E o ethos discursivo do anunciante responde a uma mulher exigente e que gosta
do luxo, com isso passa a enunciar a partir de um sujeito que pertence a uma classe
social, pois detém um poder aquisitivo: Porque existem mulheres que até nas coisas
mais íntimas exigem o máximo em segurança, confôrto e proteção ainda que custe um
pouquinho mais caro.. já realiza algumas antecipações sobre o novo produto: Modess
Luxo. Assim, o ethos discursivo provoca a leitora a consumir determinado produto por
proporcionar associar o uso do produto e as vantagens que ele tem a uma ascensão de
classe social: luxo...segurança....confôrto...proteção..o úncio que contém o elemento
desodorizante Personal...vem na cor rosa....
Figura 6. Discurso 6
Modess Luxo por que?
Porque existem mulheres que até nas coisas mais íntimas exigem o máximo em segurança, confôrto e proteção ainda que custe um pouquinho mais caro. Para êsse tipo especial de mulher fizemos Modess Luxo, com uma cobertura aveludada, muito macia. O nôvo Modess Luxo é mais absorvente e é o único que contém o elemento desodorizante Personal. O novo Modess Luxo é feminino até na côr. A película impermeável é rosa. Se você é uma mulher assim, vai gostar do nôvo Modess. (Revista Cruzeiro, dezembro de 1970)
Após apresentar as vantagens do absorvente, ou da proteção íntima descartável há a afirmação do produto em ser feminino até na cor (rosa) instaura a corporalidade entre o produto e a mulher: Se você é uma mulher assim, vai gostar do nôvo. O tom de aconselhamento do enunciador permeia o final do discurso publicitário como forma de conduzir e orientar a mulher na escolha do produto.
O azul marca a presença masculina que permeia o universo feminino e as
relações sociais e ideológicas da sociedade, a mulher sempre bem vestida, sem dores, ou
odores típicos do período de fluxo. E o que não se diz mais, no discurso publicitário:
“usa-se uma única vez e joga-se fora, ou ...não é preciso lavar...”, foi incorporado com
ação pela mulher, outro aspecto é mencionar sobre: “naquele dias”, “dias críticos”, ou
qualquer outro enunciado que mencione sobre o período de menstruação da mulher.
Quanto à expressão Mulher moderna, também, não aparece, pois pressupõe que ela já
seja uma consumidora, por isso moderna e que agora precise assumir a categoria de
luxo do produto e atualizada: usar o novo. Quem consome o produto passa por uma
ascensão de classe social.
Considerações Finais
As contribuições iniciais da presente pesquisa revelam que houve uma
mudança de postura da mulher enquanto consumidora e que suas escolhas foram
influenciadas também pelo discurso publicitário impresso, da empresa Johnson &
Johnson, através ethos discursivo que orientava quanto ao uso do produto associado: à
modernidade, aos valores, as posturas sociais e outros aspectos, tais como: conforto,
segurança e proteção. O ethos procurava num tom de aconselhamento informá-la quanto
ao uso do produto e influenciar a cliente quanto à idéia de liberdade em assumir o
mercado de trabalho e realizar as atividades de lazer fora de casa.
O imaginário feminino é também cercado por um ethos que associa as
qualidades do produto às qualidades masculinas e elas são direcionadas ao desejo em ter
e em consumir determinado produto, porque ele(s) proporciona(m) uma ascensão social
(produto = luxo, sofisticação; casamento = homem), ao caráter de proteção (mulher
precisa de proteção), modernidade (bem informada, atualizada) e segura para a
sociedade.
Com isso, manteve-se assim características marcantes: higiene, limpeza,
pureza, felicidade e beleza e acrescentou-se o caráter das relações comerciais para que a
mulher seja moderna é necessário adquirir (comprar) e consumir o produto.
A corporalidade do produto está associada ao ajuste perfeito e essa fusão entre
a mulher e produto. E a palavra Modess permaneceu por muitas décadas como
referência para o produto: proteção íntima descartável, graças ao ethos construído no
processo enunciativo das campanhas publicitárias da empresa e o tom amigável.
Lembramos ainda que na perspectiva de Foucault (2004), o conceito de
discurso nos traz acontecimentos da língua dominados pelo ser humano em diferentes
possibilidades de usos e que se abrem em inúmeras manifestações discursivas e de
memórias sociais, por meio de sujeitos que interagem em situações concretas a partir de
posicionamentos ideológicos e muitos desses posicionamentos ideológicos ainda
permanecem em discursos publicitários de protetores íntimos, mas isso será uma outra
análise.
Referências Bibliográficas
CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso. (Trad.
KOMESU, F. (org.)). São Paulo: Contexto, 2004.
FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. (Trad. NEVES, L.F.B.). 7 ed. Rio de
Janeiro:Forense Universitária, 2004.
MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise do Discurso. (Trad. INDURSKY,
Freda; revisão dos originais GALLO, M.L; MORAES, M.G.D.V.).Campinas, SP:
Pontes: Ed. da Unicamp, 3ª ed., 1997.
__________________. A propósito do ethos. In: MOTTA, A.R.; SALGADO, L.(org.).
Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. p. 11-29.
http://www.jave.blogger.com.br/index.htm
Este trabalho foi apresentado no GEL – Ribeirão Preto –SP – 2009