O ETHOS EM DISCURSOS PUBLICITÁRIOS DO PRODUTO … · determina o tipo de discurso a que pertence...

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O ETHOS EM DISCURSOS PUBLICITÁRIOS DO PRODUTO MODESS NAS DÉCADAS DE 40, 50, 60 e 70 NO BRASIL Adélia Maria Evangelista AZEVEDO UEMS/Jardim/NEAD adé[email protected] ) Resumo:As campanhas publicitárias de protetores íntimos em diferentes décadas no Brasil revelam um interessante material de investigação para discutir os processos de materialização dos enunciados discursivos que revelam o ethos nos discursos publicitários direcionados ao sujeito: mulher. Desse modo, selecionamos um corpus de 05 (cinco) discursos publicitários do produto Modess, fabricado pela empresa americana Jonhson & Jonhson instalada no Brasil, das décadas de 40, 50, 60 e 70 com o objetivo de investigar as escolhas discursivas e linguísticas presentes em tais discursos publicitários e que foram responsáveis pelo processo de interação entre: o produto e a consumidora brasileira. Essa mulher inicialmente era uma mulher leitora da revista Seleções Reader’s e de classe média alta. Para a fundamentação teórica usamos Foucault (2004), Maingueneau (2002) e demais autores. Palavras-chave: ethos; discurso publicitário; mulher; Modess; Brasil Abstract: The advertising campaigns of intimate feminine protectors in different decades in Brazil revealed an interesting source of investigation to discuss the materialization’s processes of the discoursive enunciated that show the ethos in the adverstising discourses related to the subject: woman. Thus, it was selected 5 (five) adversiting discourses corpus of Modess product, made by American company Johnson & Johnson settled in Brazil, in the 40’s, 50’s, 60’s, and 70’s, with the objective of investigating the discoursive and linguistic choices present in such advertising discourses and that it was responsible by the interaction process between: the product and the Brazilian consumer. This woman initially was a reader woman of Reader’s Selection magazine and she belonged to up middle class. In terms of theoretical support, we use Foucault (2004), Maingueneau (2002), among others. Keywords: ethos; advertising discourse; woman; Modess; Brazil Introdução A empresa Johnson & Johnson lança a partir da década de 40, no Brasil a campanha publicitária: “Duplamente higiênico: na confecção e no uso”, e outras tais

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O ETHOS EM DISCURSOS PUBLICITÁRIOS DO PRODUTO MODESS NAS

DÉCADAS DE 40, 50, 60 e 70 NO BRASIL

Adélia Maria Evangelista AZEVEDO

UEMS/Jardim/NEAD

adé[email protected])

Resumo:As campanhas publicitárias de protetores íntimos em diferentes décadas no Brasil revelam um interessante material de investigação para discutir os processos de materialização dos enunciados discursivos que revelam o ethos nos discursos publicitários direcionados ao sujeito: mulher. Desse modo, selecionamos um corpus de 05 (cinco) discursos publicitários do produto Modess, fabricado pela empresa americana Jonhson & Jonhson instalada no Brasil, das décadas de 40, 50, 60 e 70 com o objetivo de investigar as escolhas discursivas e linguísticas presentes em tais discursos publicitários e que foram responsáveis pelo processo de interação entre: o produto e a consumidora brasileira. Essa mulher inicialmente era uma mulher leitora da revista Seleções Reader’s e de classe média alta. Para a fundamentação teórica usamos Foucault (2004), Maingueneau (2002) e demais autores.

Palavras-chave: ethos; discurso publicitário; mulher; Modess; Brasil

Abstract: The advertising campaigns of intimate feminine protectors in different decades in Brazil

revealed an interesting source of investigation to discuss the materialization’s processes of the

discoursive enunciated that show the ethos in the adverstising discourses related to the subject:

woman. Thus, it was selected 5 (five) adversiting discourses corpus of Modess product, made by

American company Johnson & Johnson settled in Brazil, in the 40’s, 50’s, 60’s, and 70’s, with the

objective of investigating the discoursive and linguistic choices present in such advertising

discourses and that it was responsible by the interaction process between: the product and the

Brazilian consumer. This woman initially was a reader woman of Reader’s Selection magazine and

she belonged to up middle class. In terms of theoretical support, we use Foucault (2004),

Maingueneau (2002), among others.

Keywords: ethos; advertising discourse; woman; Modess; Brazil

Introdução

A empresa Johnson & Johnson lança a partir da década de 40, no Brasil a

campanha publicitária: “Duplamente higiênico: na confecção e no uso”, e outras tais

como: “Ela é Moderna... Ela sabe viver..”, “Eu sou secretária do gerente...”, “Um

passeio inesquecível...” “Modess luxo por que?” para o produto proteção íntima não tão

conhecido do público feminino pela forma descartável. Como abordar sobre o tema:

proteção íntima? Sem mencionar palavras chaves como: “menstruação”, “chico”, “ciclo

menstrual” em campanhas publicitárias durante diferentes décadas? E de que forma

mencionar? O que dizer? E o como dizer?

Para isso, tecemos comparações entre os discursos publicitários de distintas

épocas: 40, 50, 60 e 70 do produto denominado Modess com o objetivo de investigar

através dos enunciados discursivos as representações femininas e sociais. E de que

forma tais representações se manifestaram através de décadas através do ethos que se

materializou em tais discursos publicitários.

Um recorte sobre o ethos e a cena enunciativa

Iniciamos com a definição de discurso a partir de um filósofo e pesquisador

francês que muito contribui para a AD, pois o trabalho de análise irá considerar o

conjunto de textos a serem analisados enquanto discurso e a partir dos quais iremos

investigar o ethos e a cena enunciativa.

Assim, para Foucault (2004, p. 61) o discurso “não é a manifestação,

majestosamente desenvolvida, de um sujeito e sua descontinuidade em relação a si

mesmo. É um espaço de exterioridade em que se desenvolve uma rede de lugares

distintos” e é nesse espaço da heterogeneidade que se articulam e se materializam os

diferentes enunciados que se somam na recriação e ampliação de outros enunciados.

Desse modo, temos no interior do discurso uma gama muito grande de enunciados que

se manifestam, que se ligam a outros tipos de discurso e que revelam vozes e cenas.

A outra definição de discurso vem de Maingueneau (2002, p.51-56) que

conceitua discurso enquanto uma “organização situada para além da frase”, ele tem

uma orientação, uma forma de ação, estabelece uma interação, contextualizada que é

assumido por um sujeito, é regido por normas e é considerado no bojo de um

interdiscurso”. O autor traz à tona para a disciplina Análise do Discurso1, de linha

francesa, a questão do ethos oriundo da Retórica de Aristóteles.

De acordo com Charaudeau; Maingueneau (2004, p.220), o conceito de ethos

gira em torno do duplo sentido aristotélico que define: “virtudes morais” que atribui ao

orador uma credibilidade diante dos ouvintes a partir da: prudência, virtude e

benevolência; e de outro aspecto que comporta uma “dimensão social” que diz respeito

ao efeito de convencimento entre o orador e seu público, é o como o orador imprime sua

marca e estabelece o caráter. No dois casos, os autores esclarecem que se trata da

imagem de si que o orador produz em seu discurso, e não da pessoal real.

Para a AD de linha francesa o ethos é retomado a partir das considerações da

retórica aristotélica, das considerações da linguística da enunciação, da pragmática e de

outros estudos da subjetividade da linguagem. Assim, o conceito de ethos retomado

pelos teóricos da AD, legitima o enunciador no discurso, porque revela uma

determinada posição institucional através de um saber e a investigação irá considerar a

cena enunciativa, a voz e uma corporalidade. Os autores explicam ainda que para

discutir a noção de cena enunciativa há que incluir a categoria de gênero do discurso,

porque é nela em que se constroem alguns papéis e antecipações de imagens em relação

ao locutor e ao alocutário.

As imagens que se revelam nas diferentes categorias de gênero do discurso estão

numa relação direta com o ethos discursivo, nos diferentes efeitos de sentido e nas

estratégias a serem previamente escolhidas para interpelar o alocutário. E isso ocorre

também com a instauração e uso de alguns estereótipos a serem escolhidos,

selecionados e utilizados pelo locutor no processo de enunciação e na instauração da

cena enunciativa.

A cena enunciativa, ou cena de enunciação diz respeito ao próprio espaço, ou

seja, a cena da fala que para Charaudeau; Maingueneau (2004, p. 95-96) é a instauração

desse espaço. Os estudiosos da AD abordam que essa cena é concretizada a partir do ato

de enunciar no interior do discurso, porém ela não pode ser vista como uma mera

decoração, pois ela é responsável por caracterizar as cenas, realizar antecipações e

materializar os corpos.

1 Análise do Discurso, de linha francesa, doravante AD.

Os autores apresentam a análise da cena enunciativa a partir de 03(três) aspectos

distintos: a cena englobante, a cena genérica e a cenografia. A cena englobante

determina o tipo de discurso a que pertence um texto, por exemplo: discurso religioso,

discurso publicitário, e outros e a forma de interpelação entre o locutor e o alocutário. A

cena genérica, junto com o gênero do discurso, é responsável por criar um efeito, uma

cena específica através dos diferentes papéis para os parceiros, ou interlocutores. Ela

tem objetivo definido atingir o interlocutor através de um suporte material e um modo

de circulação.

Já a cenografia se institui pelo próprio discurso ao explorar o espaço, o tempo e

a enunciação, de acordo com os autores, a cenografia ocorre através de estratégias de

instauração da dimensão construtiva do discurso, que se “coloca em cena”.

Maingueneau e Charaudeau (2004, p.97) explicam que há gêneros dos discursos que

têm uma maior incidência em recorrer à cenografia, porque objetiva agir intensamente

sobre o interlocutor para transformar as convicções e idéias a respeito de um

determinado assunto. Com isso, os discursos publicitários, as crônicas, os romances, e

demais discursos são os que mais recorrem à instauração de cenografias que revelam o

ethos ou as ethés com o uso de diferentes recursos discursivos de enunciação tais como:

discurso direto, indireto ou indireto livre e outros recursos. Os estudiosos lembram que

há, também, outros gêneros do discurso que não são dados a apresentar cenografias, tais

como: os discursos jurídicos, as listas telefônicas e etc...

O ethos nas campanhas publicitárias de absorvente nas décadas de 40, 50, 60 e de 70 no Brasil

O corpus selecionado para esse trabalho traz enquanto cena englobante para a

análise o discurso publicitário que por sua própria natureza busca persuadir o

interlocutor associando o produto a um corpo que passa a habitar o mundo. Desse modo,

o produto proteção íntima, ou absorvente surge como uma opção a ser incorporada pelo

sujeito para isso há uma voz que surge e instaura um ethos que faz a antecipação do seu

interlocutor público feminino numa revista e procura vender um produto a partir de uma

determinada marca.

Para Maingueneau (1997, p.32) é preciso considerar que a “enunciação não é

uma cena ilusória onde seriam ditos conteúdos elaborados em outro lugar, mas um

dispositivo constitutivo da construção do sentido e dos sujeitos que aí se reconhecem.”

Com isso, torna-se fundamental a explicação de certos enunciados discursivos.

Figura 1. Discurso 1 (Seleções Reader’s junho de 1945)

Duplamente higiênico: na confecção e no uso!

Este é apenas uma das vantagens de MODESS

Não se exponha a riscos, justamente nos dias em que seu organismo está em situação melindrosa. Confie aos absorventes Modess sua saúde, conforto e segurança. Cada absorvente é utilizado apenas uma vez, proporcionando-lhe, assim, a cada uso, a escrupulosa pureza com que sai dos laboratórios da Johson & Johson do Brasil. Modess é feito de material mais absorvente que o algodão e, para completa segurança, tem a face externa impermeável. É macio, não irrita. Discreto, mesmo sob os vestidos mais justos. Nas farmácias e lojas de artigos femininos, ao pedir, diga apenas: Modess. MODESS - Amostra Grátis: - Envie-nos Cr$ 1,00 para receber uma caixa contendo 2 amostras e o livrinho “O Que A Mulher Moderna Deve Saber” caixa postal XXX São Paulo.

No discurso 1, “Duplamente higiênico...” a formação discursiva confere aquilo

que Maingueneau (1997, p. 49) denominada de incorporação, pois é capaz de mesclar

uma formação discursiva e o ethos que ocorrem durante o processo de enunciação, tal

procedimento também será visto em outros discurso publicitários presentes neste

trabalho.

Distribuído com um maior volume na página da revista, o discurso publicitário

1, apresenta o produto: Modess à leitora feminina da década de 40, no Brasil, a partir de

uma voz experiente e que domina o conhecimento da fabricação do produto, traz um

“tom” de seriedade e confiabilidade através do uso da 3ª pessoa do singular “ele”, o

Modess. Tem-se nesse discurso um volume de informações é ilustrado com o desenho

de um casal posicionado um em frente ao outro e que dividem o líquido de um mesmo

copo através de canudos, uma cena romântica entre um homem e uma mulher na troca

de olhares, cena esta associada à proteção do produto.

Por que usar o produto? Porque o produto é: higiênico, confiável, seguro,

confortável, macio, discreto, absorvente... .....não irrita...Discreto...é utilizado apenas

uma vez...escrupulosa pureza com que sai dos laboratórios da Johson &

Johson....disponível “farmácias e lojas de artigos femininos...” O enunciador apresenta

a individualidade específica de cada absorvente.....a cada uso, a escrupulosa pureza

com que sai dos laboratórios... há uma condição de uso, uma mudança de atitude da

mulher quanto ao uso e a compra do produto, ou seja, o ato do descarte...até então novo

para o comportamento feminino e o da aquisição através da relação comercial. Algo

novo também é o processo de industrialização no país e a exploração do mercado

consumidor, com isso a Johnson & Johnson do Brasil, eis que surge uma voz de

autoridade e de poder, pois ela detém o processo de produção e de distribuição do

produto no mercado: farmácias e lojas de produtos femininos.

Há no discurso publicitário 1, os verbos no imperativo Não se exponha a riscos,

justamente nos dias em que seu organismo está em situação melindrosa..... Confie nos

absorventes..., ao pedir diga apenas: Modess ... , marcas linguísticas do gênero

publicitário e que interagem com o interlocutor. Outro aspecto importante, é o que se diz

e o como se diz sobre os dias de fluxo menstrual da mulher e o como abordar sobre tal

assunto na época: íntimo e sigiloso: “nos dias em que seu organismo está em situação

melindrosa”. Eufemismo através da expressão situação melindrosa diz o que preciso

ser dito e aborda sobre o assunto de forma a amenizar, pois não se pode falar de forma

aberta, há instaurada uma voz comedida marcada pelo sigilo. O produto assume uma

corporalidade que funde o corpo feminino, porque é discreto e essencial ao universo

feminino associando o com a moda feminina: vestidos justos e que se instaura a partir

do ato de enunciar em discurso direto a marca do produto: ... ao pedir, diga apenas:

Modess.

A voz reporta-se a um alocutário feminino que detém alguns saberes que

despertam o desejo em possuir determinado produto, para isso há a oportunidade em

experimentar o produto basta realizar o recorte da solicitação da amostra grátis do

produto enviar uma certa quantia em dinheiro e receber em casa as amostras e o livrinho

(“O Que A Mulher Moderna Deve Saber”). O manual do produto Modess traz as

informações e uma possível transformação de saberes, no que diz respeito, a

modernidade e ao ser moderna, o contrato que se estabelecer entre o ter e o ser através

do discurso publicitário que busca não só informar, mas presentear de certa forma a

cliente.

É possível observar em 02 (dois) discursos publicitários da década de 50, no

Brasil, publicados na revista Seleções Reader’s que a cena aproxima a leitora feminina

de um enunciador que narra os fatos, ou seja, fala da 3ª pessoa em destaque “Ela é

moderna... Ela sabe viver” – para a mulher (jovem, alta, magra, branca e de cabelos

pretos) em destaque no primeiro plano, no discurso 2, ela está saindo de casa -

deslocando se, ou seja, entrando num automóvel para ir a uma festa, elegantemente

vestida e conduzida por um homem que abre a porta do carro num gesto de

cavalheirismo que é recuperado através de uma memória discursiva que materializa os

papéis de príncipes e princesas, em carruagens, no caso específico do discurso

publicitário não mais a carruagem, mas a presença da imagem do automóvel no discurso

publicitário de Modess recupera o discurso do início do século XX, o crescimento da

indústria automobilística no Brasil e uma sociedade de consumo, isso afirma o padrão

da “modernidade”.

Os padrões repetem-se no 3º discurso tais como: magra, jovem, alta, branca com

um diferencial para os cabelos lisos, loiros desta vez sentada de lado na garupa da

lambreta e dando um adeus para que lê, ou vê a página da revista. A foto da lambreta

substitui a imagem do cavalo branco – isso reforça a presença da industrialização e dos

avanços da sociedade de consumo. A mulher está muito alegre, o que revela o mesmo

percurso social e ideológico do discurso 2, a mulher conduzida por um homem, jovem e

que sabe a direção a ser tomada – isso reforça a imagem romântica dos clássicos da

literatura e até de cenas cinematográficas.

Figura 2. Discurso 2 (Seleções Reader’s 1950)

Figura 3. Discurso 3 (Seleções Reader’s 1950)

Ao reforçar tais características da mulher dos contos de fadas, o sujeito que

enuncia afirma que “ela” é moderna, sabe viver..., é uma líder: nas idéias, no vestir, no

viver” – e determina dois tipos distintos de mulher: a primeira é aquela que sai de casa,

sabe viver porque exige e consome um determinado produto: Modess – proteção íntima

– que a faz diferente da mulher no segundo plano da cena que observa e admira os fatos

estática e triste – longe de ser moderna, pois ainda não exige o produto.

É uma líder – nas idéias, no vestir, no viver. Em proteção higiênica, ela exige Modess. Porque ela exige confôrto e segurança em todos os dias do mês. Sua maciez...uma absorvência sem igual e – mais que tudo – a higiene de Modess (usa-se uma vez e joga-se fora) fazem-no indispensável. E o suficiente para ‘um mês custa menos que um vidrinho de esmalte. (Seleções Reader’s, 1950)

Maingueneau (2002, p.98) discute que a voz que enuncia num discurso

publicitário situa-se para além do texto, mostra-se como um sujeito que revela “um tipo

de fenômeno que, como desdobramento da retórica tradicional, podemos chamar de

ethos: por meio da enunciação, revela-se a personalidade do enunciador.” Eis que no

discurso publicitário “Ela sabe viver...” surge a voz de um alguém que tem

conhecimento sobre as necessidades femininas um ethos que fala com um certo

conhecimento sobre as necessidades femininas – nas idéias, no vestir, no viver..., ser

diferente... e para isso há um, no caso específico, ela = a proteção íntima, e por outro

lado ela = mulher que “exige conforto e segurança em todos os dias do mês” e

apresenta o produto Modess a partir de voz de autoridade no assunto: “uma absorvência

sem igual e – mais que tudo....” a comodidade “usa-se uma vez e joga fora fazem-no

indispensável” – esse enunciado surge porque ainda não se tem o “descartável” – era

preciso esclarecer ao sujeito feminino do discurso sobre a utilidade do produto – o uso

do produto fará com que a mulher deixe de lavar as toalhas higiênicas muito utilizadas

na época transformando-as em mulheres modernas, livres de certas obrigatoriedades

em: lavar, passar e guardar.

O produto é “suficiente para um mês custa menos que um vidrinho de esmalte” –

apresenta as vantagens em atender a mulher e tece comparações com um outro produto

consumido pelo sujeito feminino o “esmalte”, produto indispensável a compor o

universo feminino e é apresentado através de uma comparação com um vidrinho de

esmalte, ou seja, com um baixo custo financeiro. E ao lado há a marca de persuasão do

enunciador: Basta Pedir o produto Modess e a transformação ocorrerá com a mulher

que fizer uso do produto. Essa voz reafirma a necessidade da mulher ser protegida e a

reafirmação dessa proteção seja pela figura oposto: o homem e do produto: Modess da

marca Johnson & Johnson que executa a proteção e negação da indisposição da mulher

durante o ciclo menstrual.

O ethos que surge no discurso publicitário da década de 52, Maingueneau (2002,

p.137) , “o indivíduo que fala e se manifesta como “eu” no enunciado é também aquele

que se responsabiliza por esse enunciado” (grifo do autor) e tal responsabilidade na

enunciação em 1ª pessoa do singular, com isso há a instauração do sujeito no ato de fala

, ou seja, instaura inicialmente um eu – mulher a partir de uma responsabilidade sobre o

seu dizer isso dá a possibilidade de situar como fonte de referência enunciativa, outro

aspecto descrito por Maingueneau é que: “Enunciar uma asserção, por exemplo, é

apresentar seu enunciado como verdadeiro e garantir a sua veracidade” .

Figura 4. Discurso 4 (Seleções Reader’s out/1952)

Eu sou secretária do gerente....

(preciso estar sempre em forma!)

Uma posição invejável e um ótimo chefe (mas exigente!). É necessário estar sempre alerta e bem

disposta. Por isso, confio em Modess para o meu conforto “naqueles dias”. Modess é super-absorvente e

adapta-se tão bem ao corpo! De concepção de moderna, Modess é higiênicamente feito para ser usado

uma vez e jogado fora.

Com Modess, use o cinto elástico Modess – ajustável e com triângulo anatômico, para maior segurança e

confôrto. (Seleções Reader’s, out/1952)

A instauração do eu na enunciação e a gravura da mulher ao lado, jovem,

branca, cabelos lisos, penteados, usando um vestido discreto, cabeça baixa, com ar de

seriedade, demonstram uma mudança de postura, antes despojada, de lazer (figura 1 e

2), agora sozinha, num escritório, ao lado da máquina de datilografia e da calculadora

são pistas que levam a um outro percurso de negação da mulher protegida pelo outro

(homem) e surge a mulher protegida para o outro (homem) detém saberes diferentes dos

saberes domésticos, pois assume o saber da secretária e funções, tais como: datilografia

(máquina) e contabilidade (calculadora).

Em cena, a personagem que enuncia através do discurso direto, diferente da

enunciação nos discursos anteriores “secretária do gerente” com responsabilidades por

ocupar “uma posição invejável” e que para isso deverá estar: “sempre em forma”,

“sempre alerta” e “bem disposta” – enunciados que materializam um contexto de

ordem, algo utilizado em formações militares com interlocutores homens, isso distancia

do interlocutor mulher frágil, romântica.

Outra característica é que para o contexto histórico da mulher no mercado de

trabalho não lhe cabe nesse momento de enunciação a mulher: assumir a própria

fragilidade, ou indisposição para o trabalho durante o ciclo menstrual. Mantém a

necessidade do sujeito feminino em confiar não mais no homem, mas no produto:

Modess para o bem: “Por isso, confio em Modess para o meu conforto “naqueles dias”.

Há o discurso indireto livre, uma voz que se funde com a voz da personagem

feminina e com uma outra voz que é a do enunciador do produto: “Modess é super

absorvente e adapta-se tão bem ao corpo!” isso instaura uma enunciação que funde a

imagem da personagem à imagem do produto e da leitora (moderna).

No discurso há a presença de adjetivos que enaltecem o produto e revelam a

enunciação feminina marcada pelas interjeições e sentimentos de alegria – logo à frente

tem-se a instauração de uma outra voz “a voz do anunciante” que apresenta a explicação

da adaptação do produto a partir do uso de um outro acessório: “Com Modess, use o

cinto elástico Modess – ajustável e com triângulo anatômico, para maior segurança e

confôrto.” – a palavra conforto é repetida duas vezes para que a leitora do discurso

tenha o desejo de aderir ao corpo do produto, ou seja, a ideia em consumir.

A concepção de moderno passa para o produto e sua marca de centralizado em:

“higienicamente feito para ser usado uma vez e jogado fora” (grifo nosso) – aqui reforça

o papel da mulher moderna, no mercado do trabalho e da liberdade em exercer

atividades profissionais fora de casa.

Desse modo, no discurso publicitário 3, a corporalidade do produto insere a

necessidade de instauração de um ethos feminino que ocupar o mercado de trabalho

através de um função externa ao lar, tal como: Eu sou secretária do gerente., e que

passa a assumir posturas rígidas sem mostrar a fragilidade tais como: dor, indisposição,

tristeza, e o de manter a beleza, sem manchas numa referência ao mito de Vênus – deusa

do amor – não há espaço para as vontades femininas e sim a manutenção do sujeito

mulher em função do outro, seja o homem, no caso específico, o gerente.

Logo abaixo do discurso publicitário 4, há um outro discurso publicitário

disponível para a leitora em que a empresa oferece um brinde, um livreto explicativo:

Grátis!

Para você ou sua filha!

Um interessante livreto de 25 páginas que ajuda as mulheres a passarem os dias críticos com despreocupação e confôrto! (Seleções Reader’s, out/ 1952)

Ao lado há uma ficha para que a leitora preencha e envie para um

departamento especial da empresa para receber o livreto com 25 páginas com o título:

“Ser quase Mulher... e ser feliz”, com isso a empresa procura estabelecer uma

comunicação com a leitora e se coloca com um sujeito que auxilia e enuncia que elas

“mães e filhas” precisam ser orientadas quanto ao uso do produto durante os dias

críticos (grifo nosso) – ciclo menstrual através de conselhos, informações ou de uma

palavra amiga. Algo interessante está centrado no título do livreto “Ser quase Mulher...

e ser feliz”, o “quase” reporta ao fato da polissemia de sentidos, ou seja, ao fato de

atingir as leitoras, ou consumidoras do produto que são virgens e que se preparam a vida

sexual, e ao fato das mulheres durante o período menstrual estarem mais disponíveis e

preparadas.

O próximo discurso publicitário a ser analisado é da década de 60, no Brasil,

ocupa o espaço de duas páginas e apresenta-se em duas partes:

Figura 5. Discurso 5 - (Seleções Reader’s nov/1961)

1ª parte Um passeio inesquecível Querida amiga Célia. Como vai? Em primeiro lugar agradeço o magnífico passeio do último fim-de-semana. Na verdade eu não queria ir, por estar “naqueles dias” – quando me sinto insegura, deprimida...eu estragaria o passeio! Felizmente, você entendeu a minha preocupação e me falou de Modess com a nova cobertura “Pétala Macia”. Comprei uma caixa...e realmente – não há nada tão prático como Modess: usa-se apenas uma vez e joga-se fora. O passeio foi maravilhoso! Sem dúvidas, eu não poderia apreciá-lo, não fosse o seu

conselho. Modess é ótimo! E pensar que poderei sair, passear quando quiser, sem preocupação e, nada para lavar!

2ª parte Você que é moderna e prática, merece o conforto e a proteção de Modess com a nova cobertura. “Pétala Macia”, de rayon e algodão. Não é gaze, nem papel. Usa-se Modess uma vez e joga-se fora... Nada de lavar! Experimente Modess

Com Pétala Macia - a nova cobertura aveludada.

O gênero carta funde-se ao gênero discurso publicitário e isso é o que

Maingueneau (1997, p. 34) discute sobre a capacidade de encaixe dos gêneros uns nos

outros e da noção de “contrato” que cada gênero passa a estabelecer através de um ritual

específico que o define de outros. Assim, na primeira parte há o gênero carta familiar

que instaura a enunciação o “eu” feminino, através de uma troca de informações, pois é

mulher quem fala a outra mulher (Célia) em tom de confidência e agradecimentos por

ter recebido bons conselhos quanto à aquisição, uso o produto: Modess e por poder sair

de casa para um passeio durante o período de fluxo menstrual: Em primeiro lugar

agradeço o magnífico passeio do último fim-de-semana. Na verdade eu não queria ir,

por estar “naqueles dias” – quando me sinto insegura, deprimida...eu estragaria o

passeio!.....(grifo nosso)

A confidência entre as amigas proporciona um depoimento verídico, porque

mulher compreender outra mulher e pode aconselhar sobre um assunto de fórum íntimo:

Felizmente, você entendeu a minha preocupação e me falou de Modess com a nova

cobertura “Pétala Macia”. Comprei uma caixa...e realmente – não há nada tão prático

como Modess. Há a construção de um ethos feminino que fala como mulher e de coisas

femininas: ...magnífico passeio... .me sinto insegura... deprimida.... você entendeu a

minha preocupação....e logo após instaura-se enunciados que mostram um outro tom

sobre o assunto....e passa a falar do produto, ou seja, eis que surge o ethos do

anunciante do produto: não há nada tão prático como Modess: usa-se apenas uma vez e

joga-se fora... com informações sobre o uso do produto e o caráter descartável. E depois

retorna a voz feminina: Sem dúvidas, eu não poderia apreciá-lo, não fosse o seu

conselho. Modess é ótimo! E pensar que poderei sair, passear quando quiser, sem

preocupação e, nada para lavar! (grifo nosso).

O interessante é que o ethos feminino que aborda sobre o assunto restringe aos

desconfortos do ciclo menstrual, aliando o uso do produto ao caráter de liberdade (sair

de casa para um passeio) e o caráter descartável sem a necessidade de lavar as toalhas

higiênicas. Não menciona a solução para as dores, cólicas ou outro tipo de desconforto

físico ou emocional, por exemplo, para a palavra deprimida.

A ilustração das páginas, não há a presença masculina, apenas a gravura de

duas mulheres, amigas, jovens, magras, felizes e bem vestidas, acompanhadas por um

cachorrinho de estimação que ilustram a cena de um passeio inesquecível.

E logo ao lado direito da página instaura-se um ethos do produto = voz do

anunciante que direciona a fala à leitora das páginas de forma direta e usa de recursos

linguísticos da persuasão para convencer a mulher (moderna e prática) que ainda não é

consumidora e aquela que é, mas ainda não conhece a nova opção do produto: Modess

com a nova cobertura. “Pétala Macia”. Isso passa a ser outro diferencial para o

produto, porque aproxima ao universo metafórico da flor e da subjetividade feminina e a

delicadeza do produto. Há o uso dos verbos no imperativo: Usa-se Modess uma vez e

joga-se fora. Nada de lavar....!...Experiemente. O produto começa a ter variações

quanto a constituição e diferentes detalhes quanto à cobertura, cores e outros.

Para o discurso 6, a imagem do produto toma conta de quase toda a página,

antes a caixa, ou embalagem do produto vinha ao lado, nesta propaganda ela vem como

centro, logo abaixo há o discurso. Uma mulher apresenta o produto e só aparece o

braço, longo, bem definido e a mão que segura na palma a embalagem rosa do Modess

Luxo.

Eis que alguém enuncia, ou seja, faz um questionamento: Modess Luxo por

que? E o ethos discursivo do anunciante responde a uma mulher exigente e que gosta

do luxo, com isso passa a enunciar a partir de um sujeito que pertence a uma classe

social, pois detém um poder aquisitivo: Porque existem mulheres que até nas coisas

mais íntimas exigem o máximo em segurança, confôrto e proteção ainda que custe um

pouquinho mais caro.. já realiza algumas antecipações sobre o novo produto: Modess

Luxo. Assim, o ethos discursivo provoca a leitora a consumir determinado produto por

proporcionar associar o uso do produto e as vantagens que ele tem a uma ascensão de

classe social: luxo...segurança....confôrto...proteção..o úncio que contém o elemento

desodorizante Personal...vem na cor rosa....

Figura 6. Discurso 6

Modess Luxo por que?

Porque existem mulheres que até nas coisas mais íntimas exigem o máximo em segurança, confôrto e proteção ainda que custe um pouquinho mais caro. Para êsse tipo especial de mulher fizemos Modess Luxo, com uma cobertura aveludada, muito macia. O nôvo Modess Luxo é mais absorvente e é o único que contém o elemento desodorizante Personal. O novo Modess Luxo é feminino até na côr. A película impermeável é rosa. Se você é uma mulher assim, vai gostar do nôvo Modess. (Revista Cruzeiro, dezembro de 1970)

Após apresentar as vantagens do absorvente, ou da proteção íntima descartável há a afirmação do produto em ser feminino até na cor (rosa) instaura a corporalidade entre o produto e a mulher: Se você é uma mulher assim, vai gostar do nôvo. O tom de aconselhamento do enunciador permeia o final do discurso publicitário como forma de conduzir e orientar a mulher na escolha do produto.

O azul marca a presença masculina que permeia o universo feminino e as

relações sociais e ideológicas da sociedade, a mulher sempre bem vestida, sem dores, ou

odores típicos do período de fluxo. E o que não se diz mais, no discurso publicitário:

“usa-se uma única vez e joga-se fora, ou ...não é preciso lavar...”, foi incorporado com

ação pela mulher, outro aspecto é mencionar sobre: “naquele dias”, “dias críticos”, ou

qualquer outro enunciado que mencione sobre o período de menstruação da mulher.

Quanto à expressão Mulher moderna, também, não aparece, pois pressupõe que ela já

seja uma consumidora, por isso moderna e que agora precise assumir a categoria de

luxo do produto e atualizada: usar o novo. Quem consome o produto passa por uma

ascensão de classe social.

Considerações Finais

As contribuições iniciais da presente pesquisa revelam que houve uma

mudança de postura da mulher enquanto consumidora e que suas escolhas foram

influenciadas também pelo discurso publicitário impresso, da empresa Johnson &

Johnson, através ethos discursivo que orientava quanto ao uso do produto associado: à

modernidade, aos valores, as posturas sociais e outros aspectos, tais como: conforto,

segurança e proteção. O ethos procurava num tom de aconselhamento informá-la quanto

ao uso do produto e influenciar a cliente quanto à idéia de liberdade em assumir o

mercado de trabalho e realizar as atividades de lazer fora de casa.

O imaginário feminino é também cercado por um ethos que associa as

qualidades do produto às qualidades masculinas e elas são direcionadas ao desejo em ter

e em consumir determinado produto, porque ele(s) proporciona(m) uma ascensão social

(produto = luxo, sofisticação; casamento = homem), ao caráter de proteção (mulher

precisa de proteção), modernidade (bem informada, atualizada) e segura para a

sociedade.

Com isso, manteve-se assim características marcantes: higiene, limpeza,

pureza, felicidade e beleza e acrescentou-se o caráter das relações comerciais para que a

mulher seja moderna é necessário adquirir (comprar) e consumir o produto.

A corporalidade do produto está associada ao ajuste perfeito e essa fusão entre

a mulher e produto. E a palavra Modess permaneceu por muitas décadas como

referência para o produto: proteção íntima descartável, graças ao ethos construído no

processo enunciativo das campanhas publicitárias da empresa e o tom amigável.

Lembramos ainda que na perspectiva de Foucault (2004), o conceito de

discurso nos traz acontecimentos da língua dominados pelo ser humano em diferentes

possibilidades de usos e que se abrem em inúmeras manifestações discursivas e de

memórias sociais, por meio de sujeitos que interagem em situações concretas a partir de

posicionamentos ideológicos e muitos desses posicionamentos ideológicos ainda

permanecem em discursos publicitários de protetores íntimos, mas isso será uma outra

análise.

Referências Bibliográficas

CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso. (Trad.

KOMESU, F. (org.)). São Paulo: Contexto, 2004.

FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. (Trad. NEVES, L.F.B.). 7 ed. Rio de

Janeiro:Forense Universitária, 2004.

MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise do Discurso. (Trad. INDURSKY,

Freda; revisão dos originais GALLO, M.L; MORAES, M.G.D.V.).Campinas, SP:

Pontes: Ed. da Unicamp, 3ª ed., 1997.

__________________. A propósito do ethos. In: MOTTA, A.R.; SALGADO, L.(org.).

Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. p. 11-29.

http://www.jave.blogger.com.br/index.htm

Este trabalho foi apresentado no GEL – Ribeirão Preto –SP – 2009