Post on 10-Nov-2015
description
Universidade de Braslia
Programa de Ps-Graduao em Qumica
Lquidos inicos: efeito da temperatura sobre a
condutividade inica
Uma descrio atravs da teoria de Arrhenius deformada
Dissertao apresentada ao programa de Ps-
Graduao do Instituto de Qumica da Universidade
de Braslia, como requisito parcial obteno do
ttulo de Mestre.
Ludmila Galdino Cndido
Orientador: Prof. Dr. Kleber Carlos Mundim
Braslia, 2012
ii
Folha de aprovao
iii
Aos meus pais, Joo e Iclsia, que me apoiam incansavelmente.
iv
Folha de agradecimentos
Ao professor Kleber Mundim, pelos conhecimentos transmitidos e pelas
orientaes;
Aos meus colegas de laboratrio Guilherme, Fernando e Daniel, pelas
conversas, brincadeiras, trabalhos e discusses;
Aos meus amigos Rodrigo, Thaissa e Paulo, pelas horas de descontrao e
pelo apoio nos momentos de dvida;
Aos amigos Vilma, Karol, Rafael, Cleber e Anna Lusa, pelo incentivo;
Ao professor Fernando Coutinho pelos esclarecimentos, aulas e todas as
conversas, acadmicas ou no;
CAPES, pela bolsa concedida a mim.
E a todos que participaram direta ou indiretamente deste trabalho, meus
sinceros agradecimentos.
v
Resumo
No final do sculo XIX, o estudo da cintica qumica teve uma grande evoluo
quando Arrhenius props sua famosa equao. A escassez de dados
referentes cintica de processos qumicos e a pouca acurcia dos dados
existentes foi responsvel pela crena de que a dependncia trmica da taxa
de reaes poderia ser por ela explicada, durante muitos anos. O avano dos
estudos na rea permitiu a descoberta de processos que no obedecem a essa
relao e a necessidade de maior compreenso sobre os processos
microscpicos por trs dos dados experimentais levou ao desenvolvimento de
novas teorias que buscam explicar como as taxas de reao variam com a
temperatura. Hoje, podemos encontrar na literatura tanto trabalhos que
mostram a capacidade da equao de Arrhenius de ajustar processos
complexos satisfatoriamente, quanto outros em que se observa sua
insuficincia ao descrever processos simples, como o caso da condutividade
inica de lquidos inicos, que foi tratada neste trabalho. Apresentou-se uma
pequena evoluo da teoria cintica, os efeitos que geram desvios do
comportamento previsto pela equao de Arrhenius convencional e a teoria de
Arrhenius deformada aplicada condutividade inica, uma proposta de
generalizao desta que introduz o parmetro d, permitindo uma maior
flexibilidade da equao de velocidade. Ela foi usada para descrever o
comportamento experimental da condutividade inica de diversos lquidos
inicos com uso potencial na rea de eletroqumica, principalmente para
aplicaes em dispositivos de armazenamento de energia, em que essa
propriedade de grande importncia. Os resultados obtidos com a nova
proposta foram satisfatrios, motivando a continuao do estudo para sua
aplicao em outras propriedades de transporte: 27 diferentes dados
experimentais foram avaliados, dois quais apenas seis apresentaram desvios
padres mdios superiores a 3%. Foram avaliados 23 sistemas, que
envolveram lquidos inicos de oito ctions e seis nions.
vi
Abstract
In the late nineteenth century, the study of chemical kinetics had a great
evolution when Arrhenius proposed his famous equation. The data scarcity of
kinetics of chemical processes and poor accuracy of existing ones was
responsible for the belief that the thermal dependence of reaction rate could be
explained by it for many years. However, the advancement in the area allowed
the discovery of processes that do not obey this relationship and the need for
greater understanding of the theory behind the experimental data led to the
development of new theories that seek to explain how reaction rates vary with
temperature. Currently, we can find both in the literature, works that show the
capacity of the Arrhenius equation to adjust complex processes satisfactorily, as
others in which there is inadequacy in describing simple processes, such as the
ionic conductivity of ionic liquids, which is discussed in this work. Herein, we
presented a summary of the reasons why the Arrhenius equation become
popular, the effects that led to deviations in the behavior predicted by it and the
deformed Arrhenius applied to ionic conductivity, a proposed generalization in
the Arrhenius equation that introduces the parameter d, that allow greater
flexibility in the rate equation. The deformed Arrhenius equation was used to
describe the ionic conductivity experimental behavior of many ionic liquids with
potential application in electrochemistry, especially in energy storage devices, in
which this property if very important. Obtained results with the new proposal
were satisfactory and motivate further studies for its application to describe
other transport properties: 27 different experimental data were evaluated and
only six had standard deviations greater than 3%. We evaluated 23 systems
involving ionic liquids of eight cations and six anions.
vii
ndice
LISTA DE TABELAS ............................................................................................................. VIII
LISTA DE ABREVIAES ...................................................................................................... XIII
LISTA DE SAIS E LQUIDOS INICOS ....................................................................................... XIV
1 INTRODUO .................................................................................................. 21
1.1 MOTIVAO ........................................................................................................ 22
1.2 OBJETIVOS ........................................................................................................... 22
1.3 FUNDAMENTOS TERICOS ...................................................................................... 24
1.3.1. Dependncia trmica das taxas de reaes ............................................. 24
1.3.2. Desvios da teoria de Arrhenius ................................................................. 38
1.3.3. Teoria de Arrhenius deformada ................................................................ 46
2 APLICAO DA TEORIA DE ARRHENIUS DEFORMADA A LQUIDOS INICOS ...... 53
2.1 INTODUO AOS LQUIDOS INICOS .......................................................................... 54
2.1.1 CONDUTIVIDADE INICA ......................................................................................... 59
2.2 METODOLOGIA ..................................................................................................... 63
2.3 RESULTADOS ........................................................................................................ 67
3 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................. 86
4 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 89
viii
Lista de Tabelas
Tabela 1. Sumrio das principais propostas de equaes para a dependncia
trmica das taxas de reaes. ................................................................... 25
Tabela 2. Dados usados por Arrhenius em seu artigo de 1889. ....................... 26
Para reaes em soluo, um conjunto de reaes de hidrlise foi apresentado,
nos quais a variao da energia de ativao com a temperatura sempre
negativa, justificada pela formao de um estado de transio mais polar
que as molculas reagentes. Os dados experimentais esto apresentados
na Tabela 3. Tabela 3. Reaes de hidrlise em que a energia de ativao
varia com a temperatura. ........................................................................... 43
Tabela 4. Parmetros da d-Arrhenius dos exemplos utilizados por Mundim e
colaboradores. ........................................................................................... 51
Tabela 5. Ponto de fuso de diferentes sais e lquidos inicos ........................ 55
Tabela 6. Condutividade inicas de diferentes lquidos inicos baseados em
ctions 1,3-dialquil-imidazlio e heptil-amnio e nos nions
teatrafluoroborato e bis(trifluorometilsulfonil)imida a 298K em mS.cm-1. ... 58
Tabela 7. Parmetros da d-Arrhenius para os lquidos inicos estudados por
Bazito e colaboradores. ............................................................................. 69
Tabela 8. Parmetros da d-Arrhenius para os lquidos inicos estudados por
Monteiro e colaboradores. ......................................................................... 70
Tabela 9. Parmetros da d-Arrhenius para os lquidos inicos estudados por
Saruwatori e colaboradores. ...................................................................... 74
Tabela 10. Energia de ativao de condutividade inica do 1M (LiBF4 +
LiBOB)/EMIBF4. ......................................................................................... 74
Tabela 11. Parmetros da equao de Arrhenius deformada dos LIs derivados
do ction 1-butil-3-metil-imidazlio do estudo de Watanabe e
colaboradores. ........................................................................................... 77
Tabela 12. Parmetros da equao de Arrhenius deformada dos LIs
[CnMIM][TFSI] do estudo de Watanabe e colaboradores. .......................... 79
Tabela 13. Parmetros da equao de Arrhenius deformada dos LIs
[CnMIM][BF4] do estudo de Buchner e colaboradores. .............................. 83
ix
Lista de Figuras
Figura 1. Reao de inverso da sacarose. ..................................................... 27
Figura 2. Dados do logaritmo da taxa de uma reao genrica utilizada para
obteno dos parmetros da equao de Arrhenius atravs de dados
experimentais. ........................................................................................... 28
Figura 3. Representao esquemtica da variao de energia durante uma
reao qumica, em que R a energia potencial dos reagentes e P dos
produtos. Ea a energia de ativao necessria para que a reao ocorra
no sentido R P. ...................................................................................... 35
Figura 4. Comparao entre diversos conceitos de energia de ativao. HT
a entalpia de ativao e, para essa reao, seu valor de 7,1 kcal.mol-1;
ET a energia interna de ativao a 300K e seu valor de 7,7 kcal.mol
-1;
VB a barreira de energia potencial e seu valor de 9,680,12 kcal.mol-1;
Eo a altura da barreira de energia corrigida pela energia do ponto zero,
8,5 kcal.mol-1; Ea a energia de ativao de Arrhenius e seu valor
experimental 6,550,05 kcal.mol-1. ......................................................... 36
Figura 5. O aparato experimental usado por Norissh e Rideal. O hidrognio
purificado seco passando atravs do reservatrio de cido sulfrico (F) e
ento flui para o reservatrio de enxofre (A) mantido a temperatura
constante no banho de nitrato de sdio e potssio (D), agitado por (G). O
sulfeto de hidrognio formado carreado pela coluna de gs e absorvido
pela soluo de potassa (B). A velocidade do sistema medida estimando
a quantidade de sulfeto de hidrognio absorvido pela potassa em um
determinado intervalo de tempo (a taxa de reao expressa em gramas
de H2S formada por segundo) colorimetricamente. (C) o suporte para o
banho trmico (D) e (E) o regulador do fluxo de gs. ............................. 39
Figura 6. Taxas da reao entre hidrognio e enxofre obtidas por Rideal e
Norris para duas presses de hidrognio. A primeira, em preto, de 0,810
atmosfera e a segunda, em vermelho, de 0,304 atmosfera. As linhas
pontilhadas mostram o comportamento linear previsto pela equao de
Arrhenius, que no observado. ............................................................... 40
x
Figura 7. Formao de formaldedo a partir do tunelamento do tomo de
hidrognio atravs da barreira de energia passando do tomo de oxignio
para o tomo de carbono. .......................................................................... 44
Figura 8. Dependncia do logaritmo da constante de velocidade e da energia
de ativao em relao ao inverso da temperatura e ao parmetro d,
descritas pela teoria de Arrhenius deformada. .......................................... 48
Figura 9.Taxas de reao da respirao de folhas (), locomoo das bactrias
do gnero Mycoplasma mobile () e da reao entre tomos de flor e
molculas de hidrognio () apresentadas em coordenadas de Arrhenius.
As curvas pontilhadas azuis representam um ajuste utilizando a equao
de Arrhenius deformada. ........................................................................... 50
Figura 10. Numerao do ction 1-butil-3-metil-imidazlio exemplificando a
nomenclatura usada para os derivados de ctions 1,3-dialquil-imidazlio. 55
Figura 11. Tela de trabalho do programa Datathief. As setas em vermelho, azul
e verde indicam os cursores Ref0, Ref1 e Ref2 (destacados pelo retngulo
vermelho) posicionados sobre a coordenada que possuem no grfico do
qual os pontos sero extrados. A seta azul claro indica o cursor que ser
posicionado sobre os pontos que se quer extrair, nesse caso, os da curva
A indicada no grfico. ................................................................................ 63
Figura 12. Condutividade inica (AC) dos lquidos inicos BMMITFSI () e
BMPTFSI () em funo do inverso da temperatura. Os pontos
representam os dados experimentais e a linha pontilhada representa ajuste
utilizando a equao de Arrhenius deformada. .......................................... 68
Figura 13. Condutividade inica (AC) dos lquidos inicos estudados por
Monteiro em funo da temperatura. As curvas ( )representam os
ajustes feitos com a equao de d-Arrhenius. [BMP][TFSI] (),
EtO(CH2)2MMor][TFSI] () e [EtO(CH2)2MMI][TFSI] (). Os smbolos
slidos indicam os lquidos inicos puros e os abertos uma soluo do
lquido inico com LITFSI (LiTf2N = 0.24), usada para avaliar propriedades
de transporte inico. .................................................................................. 71
Figura 14. Dependncia da temperatura da condutividade inica dos LIs
estudados por Saruwatari e colaboradores. [EMI][BF4] (), 1M
LiBF4/[EMI][BF4] (), 0,25M LiBOB + 0,75M LiBF4/[EMI][BF4] (), 0,5M
xi
LiBOB + 0,5M LiBF4/[EMI][BF4] (), 1M LiBOB/[EMI][BF4] ().A curva azul
tracejada ( ) representa o ajuste feito com a equao d-Arrhenius. ... 73
Figura 15. Energias de ativao em funo da temperatura para o lquido inico
de composio 1M (LiBF4 + LiBOB)/EMIBF4. Os smbolos esto
representados conforme a seguir: 1M LiBF4/[EMI][BF4] (), 0,25M LiBOB
+ 0,75M LiBF4/[EMI][BF4] (), 0,5M LiBOB + 0,5M LiBF4/[EMI][BF4] (),
1M LiBOB/[EMI][BF4] (). As partes sombreadas em azul e vermelho
representam, respectivamente, as regies de baixas e altas temperaturas,
nas quais o comportamento dos grficos da Fig.16 foi considerado linear.
................................................................................................................... 75
Figura 16. Condutividade inica (AC) dos LIs derivados do ction [BMI]
estudados por Watanabe e colaboradores apresentada em coordenadas de
Arrhenius. Os ILs esto representados conforme a seguir: [BMI][BF4]
(),[BMI][CF3CO2] (),[BMI][CF3SO3] (),[BMI][PF6] (), [BMI][BETI] ()
e [BMI][TFSI] (). As linhas tracejadas em azul ( ) novamente
representam os ajustes feitos utilizando a equao d-Arrhenius. .............. 76
Figura 17. d-Energia de ativao a 300K dos LIs estudados por Watanabe e
colaboradores em funo do parmetro d. Os ILs esto representados
conforme a seguir: [BMI][BF4] (),[BMI][CF3CO2] (),[BMI][CF3SO3]
(),[BMI][PF6] (), [BMI][BETI] () e [BMI][TFSI] (). ............................ 78
Figura 18. Condutividade inica (AC) dos LIs [CnMIM][TFSI] estudados por
Watanabe e colaboradores apresentada em coordenadas de Arrhenius. Os
ILs esto representados conforme a seguir: n=2 (), n=4 (), n=6 () e
n=8(). As linhas tracejadas em azul ( ) novamente representam os
ajustes feitos utilizando a equao d-Arrhenius. ........................................ 79
Figura 19. Parmetros d dos LIs [CnMIM][TFSI] em funo do nmero de
carbonos da cadeia substituinte, n, do estudo de Watanabe e
colaboradores. ........................................................................................... 81
Figura 20. d-Energia de ativao a 298,15K dos LIs [CnMIM][TFSI] em funo
do nmero de carbonos da cadeia substituinte, n, do estudo de Watanabe
e colaboradores. A curva tracejada em vermelho ( ) representa o
ajuste feito com a equao y = yo + A.exp (Rox), em que yo= 37,0917 A= -
23,38011 e Ro= -0,25061 com R2= 0,998. ................................................. 81
xii
Figura 21. Condutividade inica (AC) dos LIs [CnMIM][BF4] estudados por
Buchner e colaboradores apresentada em coordenadas de Arrhenius. Os
ILs esto representados conforme a seguir: n=2 (), n=4 (), n=6 () e
n=8(). As linhas tracejadas em azul ( ) novamente representam os
ajustes feitos utilizando a equao d-Arrhenius. ........................................ 82
Figura 22. d-Energia de ativao a 298,15K dos LIs [CnMI][BF4] em funo do
nmero de carbonos da cadeia substituinte, n, do estudo de Buchner e
colaboradores. A curva tracejada em vermelho ( ) representa o ajuste
feito com a equao y = yo + A.exp (Rox), em que yo= 45,79486 A= -
40,30047 e Ro= -0,31716 com R2= 0,9998. ............................................... 84
Figura 23. Parmetros d dos LIs [CnMI][BF4] em funo do nmero de carbonos
da cadeia substituinte, n, do estudo de Buchner. A curva tracejada em
vermelho ( ) representa o ajuste feito com a equao y = yo + A.exp
(Rox), em que yo= 0,15297 A= 0,19 e Ro= -0,34121 com R2= 0,9999........ 84
Figura 24. d-Energia de ativao a 298,15K dos LIs [CnMI][BF4] do estudo de
Buchner em funo do parmetro d da equao d-Arrhenius. A curva
tracejada em vermelho ( ) representa o ajuste feito com a equao y =
a+ b.x em que a= 78,30511 e b= - 216,72362 com R2=0,9995 ................. 85
xiii
Lista de Abreviaes
BETI Bis(perfluoroetano-sulfonil)imidato
BMMI 1-butil-2,3-dimetil-imidazlio
BMP N-n-butil-3-metil-piperidnio
BOB Bis(oxalato)borato
C6MI 1-hexil-3-metil-imidazlio
C8MI 1-octil-3-metil-imidazlio
d-Arrhenius teoria de Arrhenius deformada
EMI 1-etil-3-metil-imidazlio
EtO-(CH2)2MMI 1-etoxietil-2,3-dimetil-imidazlio
LIs Lquidos inicos
RTILs Room temperature ionic liquids, sigla em ingles para
lquidos inicos em temperatura ambiente
TFSI Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato
VFT Vogel-Tamman-Fulcher
xiv
Lista de sais e lquidos inicos
[BMMI][TFSI]
Nome em portugus
Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de 1-n-butil-2,3-dimetil-imidazlio
Nome em Ingls
1-n-butyl-2,3-methylimidazolium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide
nion Ction
TFSI BMMI
[BMP][TFSI]
Nome em portugus
Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de N-n-butil-N-metil-piperidnio
Nome em Ingls
N-n-butyl-N-methylpiperidinium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide
nion Ction
TFSI BMP
[EtO-(CH2)2MMI][TFSI]
Nome em portugus
Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de 1-etoxietil-2,3-dimetil-imidazlio
Nome em Ingls
1-ethoxyethyl-2,3-dimethylimidazolium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide
nion Ction
TFSI EtO-(CH2)2MMI
xv
[EtO-(CH2)2MMor][TFSI]
Nome em portugus
Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de N-(etoxietil)-N-metil-morfolnio
Nome em Ingls
N-(ethoxyethyl)-N-methylmorpholinium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide
nion Ction
TFSI EtO-(CH2)2MMor
LiTFSI
Nome em portugus
Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de ltio
Nome em Ingls
Lithium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide
nion Ction
TFSI Li
[EMI]BF4
Nome em portugus
Tetrafluoroborato de 1-etil-3-metil-imidazlio
Nome em Ingls
1-ethyl-3-methylimidazolium tetrafluoroborate
nion Ction
BF4 EMI
xvi
LiBOB
Nome em portugus
Bis(oxalato)borato de ltio
Nome em Ingls
Lithium bis(oxalate)borate
nion Ction
BOB Li
LiBF4
Nome em portugus
Tetrafluoroborato de ltio
Nome em Ingls
Lithium tetrafluoroborate
nion Ction
BF4 Li
[BMI]BF4
Nome em portugus
Tetrafluoroborato de 1-butil-3-metil-imidazlio
Nome em Ingls
1-butyl-3-methylimidazolium tetrafluoroborate
nion Ction
BF4 BMI
xvii
[BMI][PF6]
Nome em portugus
Hexafluorofosfato de 1-butil-3-metil-imidazlio
Nome em Ingls
1-butyl-3-methylimidazolium hexafluorophosphate
nion Ction
PF6 BMI
[BMI][CF3SO3]
Nome em portugus
Trifluorometanosulfonato de 1-butil-3-metil-imidazlio
Nome em Ingls
1-butyl-3-methylimidazolium trifluoromethanesulfonate
nion Ction
CF3SO3 BMI
[BMI][CF3CO2]
Nome em portugus
Trifluoroacetato de 1-butil-3-metil-imidazlio
Nome em Ingls
1-butyl-3-methylimidazolium trifluoroacetate
nion Ction
CF3CO2 BMI
18
[BMI][BETI]
Nome em portugus
Bis(perfluoroetano-sulfonil)imidato de 1-butil-3-metil-imidazlio
Nome em Ingls
1-butyl-3-methylimidazolium bis(perfluoroethanesulfonyl)imide
nion Ction
BETI BMI
[BMI][TFSI]
Nome em portugus
Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de 1-butil-3-metil-imidazlio
Nome em Ingls
1-butyl-3-methylimidazolium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide
nion Ction
TFSI BMI
[EMI][TFSI]
Nome em portugus
Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de 1-etil-3-metil-imidazlio
Nome em Ingls
1-ethyl-3-methylimidazolium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide
nion Ction
TFSI EMI
19
[C6MI][TFSI]
Nome em portugus
Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de 1-hexil-3-metil-imidazlio
Nome em Ingls
1-hexyl-3-methylimidazolium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide
nion Ction
TFSI C6MI
[C8MI][TFSI]
Nome em portugus
Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de 1-octil-3-metil-imidazlio
Nome em Ingls
1-octyl-3-methylimidazolium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide
nion Ction
TFSI C8MI
[C6MI][BF4]
Nome em portugus
Tetrafluoroborato de 1-hexil-3-metil-imidazlio
Nome em Ingls
1-hexyl-3-methylimidazolium tetrafluoroborate
nion Ction
BF4 C6MI
20
[C8MI][BF4]
Nome em portugus
Tetrafluoroborato de 1-octil-3-metil-imidazlio
Nome em Ingls
1-octyl-3-methylimidazolium tetrafluoroborate
nion Ction
BF4 C8MI
[BMI][DCA]
Nome em portugus
Dicianamida de 1-butil-3-metil-imidazlio
Nome em Ingls
1-butyl-3-methylimidazolium dicyanamide
nion Ction
DCA BMI
1 Introduo
Introduo
____________________________________________________________
22
1.1 Motivao
Cada vez mais surgem evidncias de uma variedade de estudos em
processos reativos onde a dependncia da temperatura na taxa de reao no
obedece a lei usual de Arrhenius. Estes processos reativos so conhecidos
como desvios do modelo de Arrhenius e ocorrem em aplicaes modernas de
cintica qumica e de uma vasta gama de outros fenmenos fsicos na
Qumica, Fsica, Biologia e cincia de materiais.17
Estudos experimentais e tericos dos processos envolvendo taxas de
variaes em qumica e na fsica atmica e molecular - em particular aqueles
relativos velocidade das reaes qumicas - so de primordial importncia
no s do ponto de vista da pesquisa bsica, a fim de aprofundar o nosso
conhecimento da estrutura da matria e das leis que regem seu
comportamento, mas tambm do ponto de vista de aplicaes, sendo essa a
principal motivao do presente estudo.
Tradicionalmente, estes estudos tm aberto perspectivas para o
desenvolvimento de novos compostos e a compreenso da evoluo de
sistemas complexos (processos de combusto, atmosferas planetrias, de
plasmas, condutividades eltricas em novos materiais) e das modalidades que
regem a transferncia de energia em processos atmicos e moleculares e
reaes qumicas.
Introduo
____________________________________________________________
23
1.2 Objetivos
O objetivo principal do estudo foi aplicar uma metodologia alternativa,
conhecida como teoria de Arrhenius deformada, que surgiu de estudos
recentes neste tema feitos pelo grupo do LMSC/IQ/UnB - cujos resultados
apontaram a necessidade da generalizao da teoria de Arrhenius - na
descrio da condutividade inica de lquidos inicos.8
Os lquidos inicos so materiais conhecidos por serem sais com baixo
ponto de fuso, em geral abaixo dos 100C, o que os tornam lquidos em
temperaturas ambientes, permitindo que sejam usados como solventes. Por
serem constitudos apenas de ons, suas propriedades so bastante diferentes
dos solventes moleculares convencionais, entre as quais se pode citar
estabilidade trmica e qumica e presso de vapor desprezvel.9
Essas propriedades so responsveis pela aplicao dos lquidos
inicos em diferentes reas, como eletrlitos em dispositivos eletroqumicos,
baterias e clulas combustveis, alm da utilizao como solvente. Outra
caracterstica interessante a possibilidade de se combinar diferentes ctions
e nions para formar novos lquidos inicos, o que permite a alterao ou
regulao de determinada propriedade de acordo com o objetivo da aplicao.
Um problema frequente o comportamento no linear do logaritmo da
condutividade inica versus 1/T, o que impede que seja tratada em termos da
equao convencional de Arrhenius, sendo a mais comumente descrita pela
equao de Vogel-Fulcher-Tammann (VFT). Porm, encontram-se na literatura
diversos exemplos em que os resultados experimentais no so descritos
adequadamente por esse formalismo.
Assim, reiterando, este trabalho utilizou uma generalizao da teoria de
Arrhenius convencional aplicada condutividade inica, cujos dados esto
disponveis na literatura, a fim de fornecer uma descrio adequada de seu
comportamento experimental em diferentes temperaturas.
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
24
1.3 Fundamentos Tericos
1.3.1. Dependncia trmica das taxas de reaes
A cintica qumica a rea responsvel pelo estudo da rapidez das
reaes qumicas e os fatores que as afetam. A equao de Arrhenius se
insere nesse contexto por ser at hoje responsvel pela descrio da influncia
da temperatura na taxa de um infinito nmero de reaes. O conhecimento de
sua histria importante para a compreenso da evoluo dos estudos que
buscam entender os processos em que ela funciona e os efeitos que levam
desvios do comportamento por ela previsto.
Inicialmente, muitos estudos sobre a influncia da concentrao dos
reagentes na taxa de reaes surgiram10. O primeiro deles que investigava as
alteraes causadas pela temperatura provavelmente foi publicado em 1850,
por Wilhelmy, mas uma investigao mais intensa do efeito da temperatura
sobre a taxa de reaes somente comeou a ser feita no final do sculo XIX.
Um sumrio das principais propostas de equaes que buscavam
descrever a dependncia trmica das taxas de reaes est presente na
Tabela 1, em que se visualiza uma grande quantidade de propostas, tendo
todas elas sido bem sucedidas em descrever os dados experimentais utilizados
por seus autores em sua proposio.
A primeira equao apresentada na Tabela 1 pode ser vista como uma
forma geral, de maneira que, considerando um ou outro parmetro como nulo,
todas as outras podem ser obtidas a partir desta. Dentre as propostas
apresentadas, duas se destacaram: a de Arrhenius, feita em 1889, e a de Koij,
em 1893, sendo esta considerada como uma modificao da primeira.
A proposta de Arrhenius, embora no de imediato, tornou-se a principal
equao para descrever a influncia da temperatura e ser tratada em detalhes
a seguir.
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
25
Tabela 1. Sumrio das principais propostas de equaes para a dependncia trmica das taxas de reaes.
a
Forma diferencial Forma integrada Expresso de k Publicado por
2
2
lnd k B CT DT
dT T
'ln lnB
k A C T DTT
2( ) /C B DT Tk AT e vant Hoff,1898;
Bodenstein,1899
2
lnd k B CT
dT T
'ln ln
Bk A C T
T
/C B Tk AT e Kooij,1893;
Trautz,1909
2
2
lnd k B DT
dT T
'lnB
k A DTT
2( ) /B DT Tk Ae Schwab,1883;
vant Hoff, 1884
Spohr,1888;
vant Hoff e
Reicher,1889
Buchbock, 1899;
Wegscheider,1899
2
lnd k B
dT T 'ln
Bk A
T
/B Tk Ae vant Hoff, 1884;
Arrhenius, 1889
Kooij,1893
lnd k C
dT T
'ln lnk A C T Ck AT Harcourt e
Esson,1895;
Veley,1906;
Harcourt e
Esson,1912
lnd kD
dT
'lnk A DT DTk Ae Berthelot,1862;
Hood,1885;
Spring,1887;
Veley,1889; Hecht e
Conrad,1889;
Pendelbury e
Seward,1889;
Tammann,1897;
Remsen e
Reid,1899;
Bugarszky,1904;
Perman e
Greaves,1908
a A Tabela 1 foi adaptada e traduzida do artigo LAIDLER, K.J, The Development of Arrhenius Equation,
Journal of Chemical Education, 1984, 61, 494-498 que apresenta uma discusso de cada uma das propostas ali representadas
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
26
1.3.1.1. A equao de Arrhenius
Svante August Arrhenius foi um qumico sueco, nascido em 1859, que
teve uma reconhecida carreira na rea de qumica analtica, devido qual foi
ganhador do prmio Nobel, em 1903. Seu envolvimento com a rea da cintica
deu-se na tentativa de fornecer evidncias que comprovassem sua teoria de
que os eletrlitos se dissociam quando em soluo, proposta em sua tese de
doutorado intitulada Untersuchung ber die Galvanische Leitfhigkeit der
Elektrolyte (Investigaes sobre a condutividade galvnica dos eletrlitos).
Em 1889, no artigo ber die Reaktionsgeschwindigkeit bei
der Inversion von Rohrzucker durch Suren (Sobre a taxa de reao da
inverso de acar de cana por cidos),11 Arrhenius props sua equao e,
utilizando dados de sete diferentes processos reativos publicados
anteriormente, mostrou a capacidade de sua proposta de descrever
corretamente os dados experimentais utilizados,12 apresentados na Tabela 2.
Tabela 2. Dados usados por Arrhenius em seu artigo de 1889.b
Autor/ano Reao T (C) Equao para k
Hood, 1995 Oxidao do Fe2+ por ClO3- 10-32 k ab
Warder, 1881 Hidrlise alcalina do EtOAc 4-38 ( )( )a k b c
Urech, 1884 Inverso da sacarose 1-40 -
Spohr, 1888 Inverso da sacarose 25-55 -
Hech e Conrad, 1889 Reao do etoxido com MeI 0-30 .10bk a
van't Hoff, 1884 Decomposio do cido
cloroactico aquoso
80-130 log
ak b
T
van't Hoff, 1884 Decomposio do on cloro-
acetato em soluo alcalina
70-130 logk a b
vant Hoff, 1884 Desidrobromao do cido
dibromosuccinico
15-101 logk a b
b A Tabela 2 foi traduzida do artigo LOGAN, S.R, Origin and Status of Arrhenius Equation, Journal of
Chemical Education, 1982, 59, 279-281.
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
27
A discusso que levou Arrhenius a propor sua equao foi feita em
termos da reao de inverso da sacarose, ilustrada na Figura 1. A sacarose,
ao reagir com um cido, forma duas novas substncias, a frutose e a glicose,
mas Arrhenius considerou que a substncia reagente no seria a sacarose dita
normal, mas sim uma forma ativada dela que estaria em um rpido equilbrio
com a forma normal e seria endotermicamente formada a partir desta.
Figura 1. Reao de inverso da sacarose.
A constante de equilbrio desse processo pode ser escrita como a razo
entre a taxa da reao direta e a taxa da reao inversa, representada pela
Eq.1:
d
ci
kK
k
(1)
Aplicando-se o logaritmo e derivando com relao temperatura, obtm-
se a Eq.2.
ln ln lnc d i
d d dK k k
dT dT dT
(2)
Comparando-se a Eq.2 com a equao de vant Hoff (Eq.3), obtm-se a
Eq.4,
2ln
o
c
d HK
dT RT
(3)
2 2 ln e lnd id i
d E d Ek B k B
dT RT dT RT
(4)
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
28
em que B0 e R a constante dos gases. As duas equaes em (4) podem
ser novamente combinadas e reescritas na forma da Eq.3, de onde se obtm a
Eq.5:
2
ln ( ) ord k T H
dT RT
(5)
em que Hro = Ed -Ei a entalpia molar de reao.
Desse modelo chegou-se ao que chamamos hoje de equao de
Arrhenius (Eq.6), porm a entalpia padro molar da reao, referente
diferena entre a entalpia padro molar da forma ativa e da forma normal (ou
inativa), evoluiu para o conceito de energia de ativao.
( )aE
RTk T Ae
(6)
O termo representado por A chamado de fator pr-exponencial, Ea a energia
de ativao (dois parmetros considerados constantes), T a temperatura
absoluta e R constante dos gases ideais.
Figura 2. Dados do logaritmo da taxa de uma reao genrica utilizada para obteno dos parmetros da equao de Arrhenius atravs de dados experimentais.
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
29
Os valores dos parmetros da equao de Arrhenius no podem ser
medidos diretamente, mas podem ser obtidos atravs de dados experimentais
da taxa de reao em diferentes temperaturas.
A Fig.2 auxilia na compreenso de como o procedimento realizado. Os
dados experimentais da taxa de uma reao em funo da temperatura so
dispostos em um grfico semilogartimico e devem apresentar um
comportamento que pode ser descrito por uma reta.
A tangente do ngulo ilustrado na Fig.2 equivalente -Ea/RT, o
coeficiente angular da reta descrita pelo logaritmo da taxa de reao dada pela
equao de Arrhenius, conforme representado pela Eq.7. O coeficiente linear
obtido extrapolando-se a reta para o limite em que T e equivale ao fator pr-
exponencial.
ln ( ) ln a
Ek T A
RT
(7)
Como a equao de Arrhenius foi capaz de explicar a grande maioria
dos dados disponveis sobre taxas de reaes em diferentes temperaturas,
comeou-se a tentar compreender a conexo entre seus parmetros e o que
ocorria microscopicamente em um processo reativo. Nas prximas duas
sees, ser discutida a evoluo do significado do fator pr-exponencial e da
energia de ativao, respectivamente.
1.3.1.1.1. Fator pr-exponencial
O parmetro A, chamado mais comumente de fator pr-exponencial,
inicialmente tratava-se de uma constante de integrao. A teoria de colises
de Lewis e Trautz props que a taxa de reao deveria ser o produto do
nmero de molculas ativadas pela frequncia com que essas colidiam. A partir
da, esse parmetro passou a ser chamado, tambm, de fator de frequncia13.
De acordo com essa teoria, para um gs contendo molculas
consideradas como esferas rgidas, A e B, o nmero de colises, ZAB, seria
dado pela Eq.8:
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
30
12
2 8 A BAB A B ABA B
m mZ N N d kT
m m
(8)
em que NA e NB so o nmero de molculas do gs por unidade de volume, dAB
a soma dos raios de A e B, mA e mB as respectivas massas e k a constante de
Boltzmann.
O nmero de colises multiplicado pelo fator e-E/RT
da equao de
Arrhenius, dividido pelo termo NANB e multiplicado por L, o nmero de
Avogadro, descreveria a taxa de reao, no S.I, como na E q.9:
12
2 8
E
A B RTAB
A B
m mk Ld kT e
m m
(9)
O fator pr-exponencial na Eq.9 o chamado fator de frequncia de colises
ou, mais comumente, fator de frequncia.
Bodenstein14 verificou que o fator de frequncia para a reao entre
hidrognio e iodo tinha o valor de 1011 L.mol-1.s-1 , que foi encontrado para
vrias outras reaes simples em fase gasosa e, inclusive, em soluo. Porm,
a existncia de um grande nmero de reaes em que o fator de frequncia
calculado diferia consideravelmente daquele obtido experimentalmente levou a
um descrdito da teoria15.
Assim, surgiu a necessidade de reviso em seus fundamentos, uma vez
que a considerao de molculas como esferas rgidas mostrou-se insuficiente
na descrio de taxas de reaes. Apesar disso, sua importncia permanece
indiscutvel por ter sido a primeira a propor uma forma para o fator pr-
exponencial.
O fator de frequncia, definido pela teoria de colises, foi ainda utilizado
por La Mer16, que props a descrio da taxa de reao conforme a Eq.10:
G
RTk Ze
(10)
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
31
em que Z o fator de frequncia de coliso e G
a energia livre de Gibbs de
ativao.
Essa proposta surgiu pouco antes da teoria do estado de transio e
apresenta uma formulao prxima a esta, porm ao considerar um equilbrio
(tal como feito por Arrhenius no processo de inverso da sacarose), surgia uma
inconsistncia, uma vez que para que a equao representasse corretamente a
constante de equilbrio era necessrio que os fatores de frequncia dos
processos direto e inverso fossem iguais, o que no acontecia.
Kohnstamm, Scheffer17 e Brandsma1820, entre os anos de 1911 e 1929,
desenvolveram importantes ideias que tambm iam ao encontro da teoria do
estado de transio.13 Eles consideraram que a constante de equilbrio, Kc, de
uma reao poderia ser expressa conforme a Eq.11:
ln cG
KRT
o
(11)
em que G a variao na energia livre de Gibbs padro. Seguindo o mesmo
raciocnio feito por Arrhenius, consideraram um equilbrio e definiram a
constante de equilbrio como a razo entre a taxa da reao direta e inversa e
chegaram Eq.12:
ln lnd i
Gk k
RT
o
(12)
de onde se concluiu que a expresso geral para o logaritmo da taxa de reao
deveria ter como forma geral a Eq.13:
ln
Gk C
RT
(13)
em que C uma constante.
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
32
Assim, para qualquer reao, a taxa de reao poderia ser escrita
conforme a Eq.14:
G S HRT R RTk e e e
(14)
na qual G foi substitudo de acordo com a relao G = H-TS, H e
S so, respectivamente, a variao de entalpia e entropia entre o estado
inicial e o estado intermedirio e seria um fator idntico para todas as
reaes, mas que permaneceu sem interpretao.
A teoria Arrhenius, apesar de apresentar uma ideia de fcil
compreenso, possua fundamentos tericos pouco desenvolvidos. Mesmo se
tratando de uma equao emprica, em que, portanto, no seria necessria
uma associao entre seus parmetros e significados fsicos, a capacidade de
descrio da maioria dos processos sobre os quais se possua dados na poca
em que surgiu mostrou a necessidade de compreenso microscpica da
cintica das reaes.
Essa lacuna foi, em parte, preenchida pela teoria do estado de transio
formulada por Eyring,21 em 1935, baseada na mecnica estatstica e na
termodinmica, que props duas equaes para a taxa de reao (Eq. 15 e
16):
EB RT
A B
k T Qk e
h Q Q
(15)
S HB R RT
k Tk e e
h
(16)
nas quais ao coeficiente de transmisso, kB a constante de Boltzmann, h
a constante de Planck, Q a funo de partio do estado de transio, QA e
QB as funes de partio de reagentes e produtos, respectivamente.
Em relao ao fator pr-exponencial, o grande feito dessa teoria foi
estabelecer uma frmula para este e, diferentemente da teoria de Arrhenius,
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
33
com uma dependncia explcita da temperatura.
Herschbach e colaboradores22 realizaram clculos para o fator pr-
exponencial de doze reaes bimoleculares em fase gasosa considerando
diferentes metodologias. Ao comparar os valores experimentais, ou seja,
aqueles obtidos atravs da equao de Arrhenius, com os calculados pela
teoria do estado de transio observaram que, com algumas excees, havia
uma boa concordncia.
Num sentido mais amplo, a teoria do estado de transio foi
responsvel por permitir o clculo da taxa de reao, mas ainda hoje possui
limitaes computacionais que impedem que seja aplicada a sistemas
complexos. Apesar disso, fornece importantes informaes sobre os possveis
caminhos reacionais, prestando grande auxlio na compreenso de como uma
reao ocorre.
A ideia de um fator pr-exponencial dependente da temperatura j havia
sido introduzida em 1893 por Koij. Sua equao conhecida atualmente como
Arrhenius modificada, mas tambm no possui significado fsico associado a
todos os seus parmetros.
Apesar da discusso sobre o fator pr-exponencial existente em
diversas teorias cinticas, em se tratando da aplicao da equao de
Arrhenius, ele permanece sem um significado fsico na maioria dos casos
porque, mesmo com a existncia da teoria do estado de transio que fornece,
efetivamente, bases tericas para a compreenso da cintica de reaes,
existem sistemas onde difcil, seno impossvel, uma compreenso detalhada
sobre as reaes que ali esto ocorrendo.
Ainda assim, possvel o desenvolvimento de uma metodologia que
mea a taxa de uma determinada reao. Nesses casos, o tratamento atravs
da teoria do estado de transio seria invivel, mas, de posse dos dados
experimentais referente taxa com que a reao em questo ocorre,
possvel obter algumas informaes, o que pode ser feito atravs da equao
de Arrhenius. A interpretao do fator pr-exponencial , ainda, bastante
incipiente em grande parte das aplicaes, sendo a energia de ativao o
parmetro mais discutido.
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
34
1.3.1.1.2. Energia de Ativao
De acordo com Arrhenius11, a energia de ativao seria a energia
necessria para transformar as molculas de sacarose em sua forma ativada.
De uma maneira mais geral, interpretada como a diferena de energia
existente entre o estado de transio e os reagentes, que est
esquematicamente representada na Fig.3.
O valor dessa energia pode ser obtido atravs do coeficiente angular da
reta que descreve o comportamento dos valores experimentais da taxa de
reao, dado pela Eq. 17:
tan a
E
RT
(17)
Essa definio pode ser escrita, de uma maneira mais geral, como:
2ln( ) ln( )
(1/ ) ( )a
d k d kE R RT
d T d T
(18)
O conceito de energia de ativao23 foi bastante discutido medida que
as teorias cinticas foram se desenvolvendo. Inclusive, a facilidade de
compreenso de sua associao barreira de energia a ser ultrapassada para
que fosse possvel o prosseguimento da reao foi um dos responsveis pela
popularizao da teoria de Arrhenius. Uma reflexo sobre seu significado faz-
se necessria, uma vez que os conceitos envolvidos nas diferentes teorias
cinticas vm sendo assumidos como idnticos, e, apesar de estarem
relacionados, so diferentes.
Pacey24 publicou um artigo didtico que torna bastante clara a diferena
entre conceitos como energia de ativao de Arrhenius, entalpia de ativao,
entre outros, atravs do estudo da reao em fase gasosa D + H2 DH + H,
considerando a teoria do estado de transio.
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
35
Figura 3. Representao esquemtica da variao de energia durante uma reao qumica, em que R a energia potencial dos reagentes e P dos produtos. Ea a energia de ativao necessria para que a reao ocorra no sentido R P.
A Fig.4 representa graficamente os diferentes conceitos: o primeiro
patamar (em vermelho) do lado esquerdo representa a energia potencial dos
reagentes, a energia mnima dos trs tomos reagentes caso seus ncleos
fossem considerados fixos. Nessa situao, os tomos de hidrognio da
molcula de H2 estariam separados por sua distncia de equilbrio e o tomo
de deutrio estaria a uma distncia infinita.
No primeiro patamar do lado direito encontra-se a energia potencial do
complexo ativado, o ponto de mais alta energia no caminho reacional de
mnima energia.
As energias vibracionais do ponto zero (1 e 7) esto mostradas no
segundo patamar de ambos os lados, para os reagentes do lado esquerdo e
para o complexo ativado do lado direito. A diferena da energia potencial +
energia do ponto zero dos reagentes entre reagentes e complexo ativado a
barreira de energia corrigida pela energia do ponto zero.
As regies coloridas pretendem representar uma distribuio trmica de
energia com o intuito de demonstrar que a energia de reagentes e complexo
ativado alterada pela variao de temperatura.
ET a chamada energia de ativao interna e refere-se diferena
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
36
entre a energia trmica do complexo ativado e dos reagentes a 300K. Ea a
energia de ativao de Arrhenius que, a partir da sua definio geral dada pela
Eq.17, foi considerada como a energia interna de ativao adicionada do termo
RT.
Figura 4. Comparao entre diversos conceitos de energia de ativao. HT a entalpia
de ativao e, para essa reao, seu valor de 7,1 kcal.mol-1
; ET a energia interna de
ativao a 300K e seu valor de 7,7 kcal.mol-1
; VB a barreira de energia potencial e seu
valor de 9,680,12 kcal.mol-1
; Eo a altura da barreira de energia corrigida pela
energia do ponto zero, 8,5 kcal.mol-1
; Ea a energia de ativao de Arrhenius e seu valor experimental 6,550,05 kcal.mol
-1.c
Atravs desse estudo, pode-se observar que os conceitos de energia de
ativao esto relacionados, mas no so numericamente idnticos.
importante notar, em especial, que o valor energia de ativao de Arrhenius
difere consideravelmente do valor da barreira de energia encontrado atravs da
teoria do estado de transio. Observando a Fig.4, v-se claramente que essas
duas grandezas no representam o mesmo conceito, embora sejam
frequentemente confundidas.
c Figura adaptada do artigo PACEY, P.D., Changing conceptions of Activation Energy, Journal of Chemical
Education, 1981, 58, 612-614.
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
37
Outro ponto de discusso levantado j h bastante tempo trata do
significado da energia de ativao em processos onde se observa a existncia
de mecanismos concorrentes25.
Uma vez que um mecanismo interfere no curso natural do outro, mesmo
que os dois mecanismos sejam do tipo Arrhenius (isto , que o grfico de ln k
vs T-1 de cada um seja linear), um grfico ln k versus T-1 do processo global
pode apresentar desvios ao comportamento linear previsto por Arrhenius.
Isso ocorre porque suas taxas de reaes so afetadas uma pelo
mecanismo da outra e, consequentemente, os parmetros obtidos a partir
desses dados, tanto o fator pr-exponencial quanto a energia de ativao, no
representaro nem uma nem outra reao.
Como alternativa, surgiu o conceito de energia de ativao aparente,
Eaa, que aparece em vrios artigos de maneira anloga energia de ativao
proposta por Arrhenius, porm, nesses casos, trata-se de sistemas complexos
em que no se sabe exatamente que mecanismos so dominantes medida
que se varia a temperatura.
Esse conceito surge tambm relacionado a processos que apresentam
desvios da teoria de Arrhenius. De acordo com esta, a energia de ativao
seria independente da temperatura, porm a existncia de um desvio do
comportamento por ela previsto implica uma dependncia trmica da energia
de ativao e a necessidade de introduo de um novo conceito.
Assim, a energia de ativao aparente obtida atravs de dados
experimentais da mesma forma que a energia de ativao de Arrhenius,
atravs da Eq.17, com a diferena de que a Eaa dependente da temperatura.
Ainda nesse sentido, criou-se o conceito de energia de ativao efetiva,
proposto por Vyazovkin26, que segue a mesma ideia da energia de ativao
aparente, porm seu trabalho se concentra, especialmente, na aplicao de
teorias cinticas para reaes slidas.
O autor justifica a proposio de um novo termo devido associao
automtica da energia de ativao energia livre ou entalpia de ativao, que
pode ser correta para reaes em fase gasosa, mas que possui um significado
fsico muito mais complexo para reaes em fase lquida e slida.
A origem e os fenmenos que podem levar desvios da teoria de
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
38
Arrhenius e, consequentemente, uma dependncia trmica da energia de
ativao, sero discutidos a seguir para uma melhor compreenso da
motivao deste trabalho.
1.3.2. Desvios da teoria de Arrhenius
O surgimento da teoria de colises e da teoria do estado de transio
que propuseram expresses para a taxa de reaes semelhantes proposta
por Arrhenius, j que ambas as propostas continham um termo exponencial
dependente da temperatura, acabou fortalecendo esta ltima que, at a dcada
de 50, era satisfatria para a grande maioria dos dados experimentais
disponveis para reaes em fase gasosa27, o principal campo de aplicao da
teoria de colises e do estado de transio.
Apesar disso, j no incio do sculo XX, se sabia de condies em que o
comportamento previsto pela equao de Arrhenius no deveria ser observado
e comearam a surgir resultados que comprovavam esses desvios.
Norrish e Rideal,28 em 1923, publicaram resultados do estudo da reao
do hidrognio com enxofre, que j havia sido estudada anteriormente por
Hautefeuille, Pelabon e Bodenstein.
Devido a resultados controversos dos dois ltimos autores e a possveis
erros experimentais, Norrish e Rideal propuseram um mtodo de fluxo
dinmico, ilustrado na Fig.5.
Este permitiu chegar concluso de que a reao entre hidrognio e
enxofre abaixo do ponto de ebulio ocorreria por dois caminhos: uma reao
homognea entre o hidrognio e o vapor de enxofre e uma reao heterognea
entre hidrognio e enxofre lquido na interface das fases lquida e gasosa, a
primeira predominando a temperaturas abaixo de 285 e a segunda em
temperaturas acima desta.
Os experimentos foram conduzidos em duas diferentes presses de H2:
0,810 e 0,304 atm. Os resultados obtidos esto ilustrados na Fig.6, sob a forma
de log da taxa de reao versus T-1, a chamada coordenada de Arrhenius.
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
39
Figura 5. O aparato experimental usado por Norissh e Rideal. O hidrognio purificado seco passando atravs do reservatrio de cido sulfrico (F) e ento flui para o reservatrio de enxofre (A) mantido a temperatura constante no banho de nitrato de sdio e potssio (D), agitado por (G). O sulfeto de hidrognio formado carreado pela coluna de gs e absorvido pela soluo de potassa (B). A velocidade do sistema medida estimando a quantidade de sulfeto de hidrognio absorvido pela potassa em um determinado intervalo de tempo (a taxa de reao expressa em gramas de H2S formada por segundo) colorimetricamente. (C) o suporte para o banho trmico (D) e (E) o regulador do fluxo de gs.
d
Observando as duas linhas pontilhadas que representam o
comportamento linear previsto por Arrhenius, conclui-se que a reao de
hidrognio e enxofre nas condies estudadas apresenta um claro desvio
dessa teoria, j que os dados experimentais no podem ser linearmente
descritos satisfatoriamente.
Esse exemplo ilustra um dos casos em que a teoria proposta por
Arrhenius viria a falhar: uma reao em que um mecanismo domina em altas
temperaturas e outro que seria dominante em baixas temperaturas, levando a
um resultado global que no pode ser descrito pela equao de Arrhenius,
mesmo que, tanto a reao homegnea quanto a heterognea possam ser, se
consideradas isoladamente, como pontuado por Hinshelhood.29
Exemplos como esse comearam a se tornar cada vez mais frequentes
medida que o desenvolvimento de novas tcnicas e o aprimoramento das j
d A Fig.5 foi adaptada do artigo NORRISH, R.G.W, RIDEAL,E.K, LXXXII.-The Conditions of Reaction of Hydrogen with Sulphur. Part I. Direct Union, Journal of Chemical Society, 1923, 123, 696-705.
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
40
existentes permitiu que reaes rpidas fossem estudadas e que um grande
intervalo de temperatura fosse coberto, alm da diminuio dos erros
experimentais. Dessa forma, novos resultados revelando desvios da teoria de
Arrhenius puderam ser obtidos.
Figura 6. Taxas da reao entre hidrognio e enxofre obtidas por Rideal e Norris para duas presses de hidrognio. A primeira, em preto, de 0,810 atmosfera e a segunda, em vermelho, de 0,304 atmosfera. As linhas pontilhadas mostram o comportamento linear previsto pela equao de Arrhenius, que no observado.
Um dos primeiros artigos a avaliar os vrios efeitos que levam a desvios
do comportamento de Arrhenius, publicado por Hulett15, classifica-os em quatro
diferentes categorias: efeitos do meio, efeitos quasi-termodinmicos, efeitos
mecnico-qunticos e efeitos diversos. Para uma melhor compreenso de suas
implicaes, eles sero discutidos separadamente a seguir.
1.3.2.1. Efeitos do meio
Os efeitos do meio foram avaliados a partir de alteraes na energia de
ativao, que foi considerada como uma funo de vrios termos que teriam
diferentes dependncias da temperatura.
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
41
Os termos foram inicialmente estudados por Ogg e Polanyi30 e por
Evans e Polanyi31, sendo: Eb relacionado s ligaes qumicas, que so
esticadas ou encurtadas nas molculas reativas para formao do estado de
transio; Er relacionado s foras de repulso entre tomos no ligados
espacialmente prximos; Ee referente s interaes eletrostticas entre os
reagentes e Es, um termo referente solvatao dos reagentes e do estado de
transio.
Esses fatores foram mais claramente discutidos por Caldin32: em
reaes em fase gasosa, algumas relaes foram encontradas entre a energia
de ativao e a energia de dissociao das ligaes formada em reaes
unimoleculares e entre a energia de ativao e a diferena entre a energia das
ligaes quebradas e formadas em reaes radicalares.
Embora nenhuma relao tenha sido verificada em reaes em soluo,
esse fator tem uma contribuio indiscutivelmente importante para a energia de
ativao.
O fator relacionado repulso difcil de estimar, como relatado pelo
autor, alm da significncia de sua contribuio no ser um consenso. A
importncia das interaes eletrostticas, Ee, foi estudada por Bell33 e por
Hinshelhood, Laidler e Timm34.
Atravs destes, se chegou concluso que a variao de energia pode
ser correlacionada com os momentos de dipolo dos reagentes ou com o efeito
indutivo dos substituintes, sendo assim um importante efeito para reaes em
soluo.
Por fim, Caldin avaliou o efeito da reorganizao das molculas de
solvente em torno das molculas reagentes e pontuou dois aspectos dessa
mudana.
O primeiro estava relacionado dificuldade de aproximao entre
molculas solvatadas, fazendo com que uma energia seja gasta para remover
pelo menos uma das molculas de solvente que circunda a molcula de
reagente para que a reao possa ocorrer. O segundo aspecto trata da
solvatao do estado de transio, que pode causar restries na sua
mobilidade, afetando a energia de ativao.
Esse efeito pode ser avaliado pela variao na energia provocada pela
mudana de solvente, que reflete uma alterao na energia necessria para
Fundamentos Tericos
____________________________________________________________
42
reorientar as molculas de solvente quando se forma o estado de transio.
Alm disso, a temperatura tambm afeta as propriedades do solvente o que
certamente afeta a energia de ativao aparente de reaes em soluo.
1.3.2.2. Efeitos quasi-termodinmicos
Quando Arrhenius props sua equao a partir da equao de vant
Hoff, considerou a diferena de energia entre as molculas na forma ativa e na
forma normal como independente da temperatura. Como essa dependncia, de
fato, existe, ela deve ser expressa de alguma forma na energia de ativao.
Partindo do desenvolvimento mecnico-estatstico da equao de
Arrhenius feito por Tolman para reaes bimoleculares, La Mer16 chegou
expresso dada pela Eq.19 que define a capacidade calorfica de ativao,
Cp :
2 2 2 2 ( )21 [ ( ) ] [ ( ) ]A j act i pdE e e e e C C CdT kT
(19)
em que a quantidade 2 2[ ( ) ]e e representa a diferena entre a mdia do
quadrado das energias de todas as molculas e o quadrado da energia mdia
de todas as molculas.
Esse termo representa a capacidade calorimtrica parcial de todas as
molculas, que pode ser calorimetricamente medida e aproximada pela
capacidade calorfica parcial das molculas no reagentes, iC .
J o termo 2 2[ ( ) ]e e representa a capacidade calorfica parcial das
molculas que reagem e aproximado pela capacidade calorfica molal das
molculas reagentes, ( )j actC .
A partir dessa equao, La Mer concluiu que desconsiderar a
capacidade calorfica de ativao injustificvel e seria o mesmo que
desconsiderar a participao da entropia no equilbrio qumico.
importante ressaltar que a concluso de La Mer implica considerar a
energia de ativao como constante no intervalo partindo de 0 K at a
Fundamentos Tericos
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43
temperatura mxima durante a realizao de um experimento. De fato, em
alguns experimentos, a energia de ativao pode ser constante no intervalo de
temperatura estudado e, por isso, a equao de Arrhenius utilizada.
Em relao a dados experimentais de reaes em fase gasosa que
apresentem desvios da teoria de Arrhenius que promovessem uma discusso
termodinmica, Hulett15 relata que havia poucos resultados com acurcia
suficiente para que os efeitos dos desvios fossem observados.
Alm disso, a variao da capacidade calorfica de ativao tanto
menor quanto maior a proximidade entre reagentes e estado de transio,
assim, um estudo dos efeitos das consideraes termodinmicas dissociado do
efeito do solvente no foi apresentado.
Para reaes em soluo, um conjunto de reaes de hidrlise foi
apresentado, nos quais a variao da energia de ativao com a temperatura
sempre negativa, justificada pela formao de um estado de transio mais
polar que as molculas reagentes. Os dados experimentais esto apresentados
na Tabela 3.
Tabela 3. Reaes de hidrlise em que a energia de ativao varia com a temperatura.e
Reao Solvente Ea
(cal.mol-1)
Intervalo
de T (C)
dEa/dT
(cal.mol-1.grau)
Hidrlise do CH3F H2O 21160 80-150 -67
Hidrlise do CH3Cl H2O 22700 50-100 -52
Hidrlise do CH3Br H2O 21425 35-100 -46,5
Hidrlise do CH3I H2O 23100 50-100 -56,5
Hidrlise do CH2Cl2 H2O 25590 100-150 -59
Hidrlise do ButCl H2O 23350 0-25 -182
Hidrlise do C6H5.CH2Cl H2O 21450 15-65 -40
Hidrlise do CH2CHCH2Cl H2O 22180 35-85 -50
Hidrlise do C6H5SO3CH3 H2O 21650 10-70 -33,4
O autor relata que, mesmo nos casos em que a variao da energia de
ativao grande, o efeito dessa variao num grfico em coordenadas de e Tabela extrada do artigo HULLET, J.R., Deviations from the Arrhenius Equation, Quartely Reviews,
1964, 18, 227-242.
Fundamentos Tericos
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44
Arrhenius pequeno e s deve ser observado em experimentos com alta
acurcia.
1.3.2.3. Efeitos mecnico-qunticos
De acordo com a teoria de Arrhenius, para que uma reao ocorra,
necessrio que as molculas de reagente possuam energia suficiente para
ultrapassar a energia de ativao, porm, de acordo com a mecnica-quntica,
h a probabilidade de que o sistema reaja com uma energia inferior da
barreira de energia, fenmeno este conhecido como tunelamento.
Figura 7. Formao de formaldedo a partir do tunelamento do tomo de hidrognio atravs da barreira de energia passando do tomo de oxignio para o tomo de carbono.
A Figura 7 ilustra o efeito de tunelamento sofrido pela molcula de
hidroximetileno para formar o formaldedo.35 A molcula de hidroximetileno,
produzida a partir do aquecimento do cido glioxlico, foi mantida em um
ambiente de argnio resfriado a 10K para que no houvesse energia trmica
suficiente que permitisse o rearranjo que leva formao do formaldedo.
Apesar disso, mesmo sob condies bastante controladas, essa
Fundamentos Tericos
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45
molcula foi detectada, o que foi atribudo ao efeito de tunelamento.
O efeito de tunelamento deve ser mais pronunciado e, portanto,
observado num grfico em coordenadas de Arrhenius na regio de baixas
temperaturas, onde se visualiza uma curvatura e particularmente importante
em reaes envolvendo transferncia de prtons. Um exemplo desse efeito
pode ser visto na seo 1.3.3.
1.3.2.4. Efeitos diversos
Alm dos j mencionados anteriormente, uma srie de outros fatores
podem provocar desvios do comportamento previsto por Arrhenius. Uma
considerao importante a de que uma reao pode ocorrer por diferentes
mecanismos em diferentes temperaturas, tendo cada um deles diferentes
energias de ativao.
Assim, os dados experimentais dispostos em um grfico em
coordenadas de Arrhenius apresentaro uma curvatura. Em altas
temperaturas, o mecanismo com maior energia de ativao ser dominante e
em baixas temperaturas ocorrer o contrrio, a reao com menor energia de
ativao dominar.
O comportamento contrrio ser observado nos casos em que duas
reaes ocorrem consecutivamente com diferentes energias de ativao. A
reao com menor energia de ativao domina em altas temperaturas e a de
mais alta energia de ativao domina em baixas temperaturas. No ponto em
que os dois processos possurem a mesma taxa de reao ser observada
uma concavidade.
Se a concentrao de um reagente formado em um pr-equilbrio afetar
a taxa de reao de um processo mais geral, uma curvatura no grfico em
coordenadas de Arrhenius deste ser observada porque a constante do
equilbrio afetada pela variao de temperatura.
Outro efeito que causa desvios do comportamento de Arrhenius a
dependncia da taxa de reaes biolgicas da temperatura tima do meio,
nessa categoria se encaixam especialmente reaes catalisadas por enzimas,
Fundamentos Tericos
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46
que so inativadas acima de uma determinada temperatura e o efeito de
catlise abruptamente descontinuado.
Devido inexistncia de uma teoria cintica universal que seja capaz de
explicar e descrever as observaes experimentais disponveis at o momento,
principalmente os processos que apresentam desvios da equao de
Arrhenius, dois caminhos so possveis: a proposio de novas teorias ou a
proposio de modificaes s teorias j existentes.
Dentro da segunda categoria encaixa-se o trabalho de Mundim e
colaboradores8, em que foi proposta a chamada teoria de Arrhenius deformada
que ser apresentada a seguir.
1.3.3. Teoria de Arrhenius deformada
Baseando-se na definio de Euler para a funo exponencial dada pela
Eq.20:
exp( ) lim 1
n
n
xx
n
(20)
e utilizando-se de deformaes algbricas36, define-se a funo exponencial
deformada de acordo com a Eq.21:
1
exp ( ) [1 ]dd x dx
(21)
que, no limite em que o nmero real d0, coincide com a Eq.20.
Esta definio de funo exponencial pode tambm ser obtida atravs
da teoria termodinmica no extensiva, na qual o parmetro utilizado
denominado q, que corresponde a 1-d.
Aplicando a definio dada pela Eq. 21 Eq.6, a definio da taxa de
reao segundo Arrhenius, obtm-se uma generalizao da equao de
Arrhenius, que expressa pela Eq. 22:
1
( ) exp 1d
dk T A A dRT RT
(22)
Fundamentos Tericos
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47
no limite em que d0, Ea de onde conclui-se que a Eq. 6 um caso
particular da Eq. 22.
Da mesma forma que feito com a equao de Arrhenius, utiliza-se o
ajuste dos dados experimentais para a obteno dos parmetros A, d e . Para
isso, toma-se o logaritmo da Eq.22, cuja expresso resultante expressa pela
Eq.23:
1ln ( ) ln ln 1k T A d
d RT
(23)
O logaritmo da constante de velocidade expresso dessa forma capaz
de descrever dados experimentais de reaes em que num grfico de ln k
versus T-1 so obtidas, ao invs do comportamento linear, curvas com
diferentes curvaturas, como ilustrado na parte superior da Fig.8.
A partir da definio geral de energia de ativao derivada do conceito
de Arrhenius, dada pela Eq.18, aplicada definio da constante de
velocidade dada pela Eq.22, se obtm uma expresso para o que chamaremos
de energia de ativao deformada, representada abaixo pela Eq.24:
d
d
1ln( )1
(1/ )dk d
ERT RT
(24)
A energia de ativao, que pela definio de Arrhenius considerada
constante, passa a variar com a temperatura e com o parmetro d de acordo
com essa nova definio. Nesse caso, pode-se observar que uma variao na
temperatura produz uma acentuada alterao nas curvas em que d positivo,
como possvel visualizar na parte inferior da Fig.6, onde est ilustrado o
comportamento geral da funo energia de ativao deformada num grfico em
coordenadas de Arrhenius.
Ainda nesse trabalho, so discutidos trs exemplos de aplicao da
teoria de Arrhenius deformada com o objetivo de demonstrar sua capacidade
de descrever os resultados experimentais que apresentam desvios da teoria
convencional de Arrhenius. Eles sero aqui apresentados para uma melhor
compreenso da nova teoria.
Fundamentos Tericos
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48
Figura 8. Dependncia do logaritmo da constante de velocidade (a) e da energia de ativao (b) em relao ao inverso da temperatura e ao parmetro d, descritas pela teoria de Arrhenius deformada.
O primeiro exemplo refere-se ao estudo da taxa de respirao das folhas
de plantas da espcie Camellia japonica.37,38 O processo de respirao
consiste na transformao de glicose e oxignio em dixido de carbono e gua,
atravs da reao global C6H12O6 + 6O2 6H2O + 6CO2 que ocorre na
mitocndria, organela em que se encontram as enzimas respiratrias.
Uma srie de reaes fazem parte desse processo, mas atravs do
conhecimento da taxa de respirao que dada, por exemplo, pelo tempo que
um determinado organismo leva para consumir uma quantidade fixa de
oxignio, pode-se obter informaes importantes sobre processo geral que
ocorre na mitocndria.
Fundamentos Tericos
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49
Foi proposto um mtodo de anlise quantitativa atravs da
espectrometria de massas em que uma quantidade fixa de folhas era disposta
em um cilindro de ao conectado um sistema de vcuo preenchido com uma
mistura de proporo 4:1 de nitrognio-oxignio. Esse cilindro era acoplado
um espectrmetro mantido em temperatura constante que detectava os sinais
de oxignio e dixido de carbono, de onde se extraa as presses parciais de
ambos os gasesf, que permitia o clculo da taxa de reao.
O segundo exemplo utilizado por Mundim e colaboradores foi o estudo
da locomoo de micoplasmasg, principalmente da espcie Mycoplasma
mobile39, que deslizam entre 2 e 4,5 m.s-1 em substratos slidos como vidros,
plsticos e sobre a superfcie de clulas epiteliais em condies controladas,
movidos pela energia gerada atravs da hidrlise de ATP.9
Essa locomoo realizada atravs da interao de protenas que
protrudem da membrana da bactria, formando uma espcie de perna, e
interagem com o substrato. A velocidade de locomoo mostrou-se
dependente da temperatura e foi medida com o auxlio de uma cmera de
vdeo.
O terceiro e ltimo exemplo utilizado trata do clculo mecnico quntico
da taxa da reao de troca exotrmica entre tomos de flor e molculas de
hidrognio no intervalo aproximado entre 10 e 350K,40 que permitiu a
investigao dos efeitos qunticos que influenciam a reaes em baixas
temperaturas. Estas foram obtidas atravs de diversas superfcies de energia
potencial (PES, do ingls potential energy surfacee) diferindo nos detalhes das
aproximaes da teoria do estado de transio utilizadas.
A Figura 9 apresenta as taxas das reaes utilizadas por Mundim
e colaboradores para demonstrar o sucesso da teoria de Arrhenius deformada
em descrever diferentes processos reativos.
No primeiro grfico, a taxa de consumo de oxignio pelas folhas da
espcie Camellia japonica apresenta um comportamento do tipo super-
Arrhenius, sua variao est relacionada ao aumento da atividade cataltica
f Detalhes experimentais esto disponveis nas referncias 21 e 22. A primeira fornece medidas com
18O2 e correlaciona o aumento da taxa de respirao medida que a temperatura
aumentava a um aumento da atividade cataltica g Micoplasma o nome dado s bactrias do gnero Mycoplasma, que se diferem por possuir
tamanho reduzido e parede celular flexvel.
Fundamentos Tericos
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50
com o aumento da temperatura. Os dados experimentais so adequadamente
descritos pela d-Arrhenius, representada pela curva azul tracejada.
Figura 9.Taxas de reao da respirao de folhas (), locomoo das bactrias do gnero Mycoplasma mobile () e da reao entre tomos de flor e molculas de hidrognio () apresentadas em coordenadas de Arrhenius. As curvas pontilhadas azuis representam um ajuste utilizando a equao de Arrhenius deformada.
Fundamentos Tericos
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51
O segundo e terceiro grficos mostram as taxas de locomoo da
bactria Mycoplasma mobile e da reao entre tomos de flor e molculas de
hidrognio, respectivamente.
No primeiro, novamente observa-se um comportamento do tipo super-
Arrhenius, enquanto no outro ele do tipo sub-Arrhenius. Embora a curvatura
deste ltimo seja bastante pequena, sua presena indica a influncia de
fenmenos qunticos em baixas temperaturas, em contraste com estudos
prvios que no englobavam esse limite e demonstravam um comportamento
linear da taxa da reao.
A curva tracejada em azul representa, assim como mencionado
anteriormente, o ajuste dos dados utilizando-se a d-Arrhenius.
A Tabela 4 contm o parmetros dos ajustes pela equao de Arrhenius
deformada dos trs exemplos citados acima.
Tabela 4. Parmetros da d-Arrhenius dos exemplos utilizados por Mundim e colaboradores.
Exemplo D (kJ.mol-1
) log A (kJ.mol-1
)
Respirao das folhas
da Camellia japonica
0,247 8593 -1,456
Locomoo da
Mycoplasma mobile
0,881 2654 1,787
Reao F+H2 -0,167 5119 12,175
Os trs casos utilizados foram bem descritos com a teoria de Arrhenius
deformada, mostrando sua capacidade de aplicao em diferentes casos.
Tendo em vista a versatilidade demonstrada pela teoria de Arrhenius
deformada, sua utilizao em processos que apresentem desvios da teoria de
Arrhenius convencional um caminho natural a ser explorado.
A dependncia da temperatura das propriedades de transporte de
lquidos inicos no adequadamente descrita pela equao de Arrhenius.
Assim, proporemos a aplicao da nova teoria nesse contexto, especificamente
condutividade inica.
Os problemas que sero estudados so diferentes daqueles discutidos
por Mundim e colaboradores, j que a condutividade inica no envolve um
processo reativo, mas o transporte de cargas.
Fundamentos Tericos
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52
Os fatores mencionados na seo 1.3.2 que seriam responsveis pelos
desvios do comportamento previsto pela equao de Arrhenius no se
enquadram aqui, com exceo do quasi-termodinmico, j que no h
solventes ou reaes qumicas. A condutividade inica, em especial, sofre
bastante influncia por alteraes na viscosidade e no coeficiente de difuso,
mas essas no so propriedades do meio, como aquelas relatadas na seo
1.3.2.1, mas do prprio composto estudado.
O captulo seguinte apresenta os resultados obtidos para a descrio da
condutividade inica de lquidos inicos utilizando-se a teoria de Arrhenius
deformada, que foi discutida anteriormente.
2 Aplicao da teoria de Arrhenius
deformada a lquidos inicos
Aplicao da teoria de Arrhenius deformada a LIs
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54
2.1 Introduo aos lquidos inicos
Lquidos inicos podem ser definidos, em geral, como sais com ponto de
fuso por volta dos 100C 23 e, mesmo com sua grande variao de polaridade
e da capacidade de formao de ligaes de hidrognio, podem ser
encontrados lquidos inicos na faixa de 180K a 600K.9
Diferentemente de lquidos moleculares, devido sua constituio
apenas de ons, possuem caractersticas como estabilidade trmica, baixa
inflamabilidade, boa condutividade inica, etc., que os tornam extremamente
atrativos em uma diversidade de aplicaes. Alm disso, h a possibilidade de
combinao de diferentes nions e ctions orgnicos e inorgnicos, permitindo
que as propriedades do lquido inico sejam ajustadas dependendo da escolha
dos ons.
Os lquidos inicos mais comuns so formados por um ction orgnico
assimtrico combinado com um nion com carga deslocalizada, dessa forma a
interao eletrosttica entre eles fraca, levando a um baixo ponto de fuso.
Entre os ctions podemos citar aqueles que contm um anel
heterocclico nitrogenado, como piridnio, imidazlio e pirrolidnio e os ctions
amnio, fosfnio, sulfnio, guanidinio. J em relao aos nions, o
teatrafluoroborato, hexafluorofosfato e o bis(trifluorometil-sulfonil)imidato so
bastante empregados. Os nions fluorados so frequentemente utilizados
porque diminuem a viscosidade ao reduzir as interaes de van der Waals,
devido s suas fortes ligaes.
Em geral, os lquidos inicos podem ser divididos em trs grandes
classes. A primeira refere-se aqueles formados por ctions orgnicos aprticos,
que so, normalmente, combinados com pequenos ctions inorgnicos. A
segunda formada pelos lquidos inicos em que o ction formado atravs
da transferncia de um prton de um cido de Lewis para uma base de Lewis,
como o TFSI formado a partir do HTFSI. A terceira, por fim, engloba aqueles
compostos por ctions e nions inorgnicos, com o LiAlCl4-LiAlI4.
Devido grande diferena nas nomenclaturas utilizadas nas
publicaes, nesse texto ser utilizada a seguinte conveno: os derivados dos
ctions 1,3-dialquil-imidazlio sero abreviados por uma sigla com o padro
[I] em que e representam a primeira letra do nome da cadeia substituinte
Aplicao da teoria de Arrhenius deformada a LIs
____________________________________________________________
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com at 4 carbonos na posio 1 e 3, respectivamente. Se a cadeia possuir
cinco ou mais carbonos, estes sero representados por n e indicados como Cn
na sigla. A letra I representa o anel imidazlio, ilustrado na figura abaixo. A
nomenclatura para os ctions semelhantes seguir o mesmo padro. As
abreviaes utilizadas para os nions sero mencionadas ao longo do texto.
A Figura 10 ilustra como a numerao do ction 1-butil-3-metil-
imidazlio, [BMI], feita.
Figura 10. Numerao do ction 1-butil-3-metil-imidazlio exemplificando a nomenclatura usada para os derivados de ctions 1,3-dialquil-imidazlio.
A Tabela 5 apresenta o ponto de fuso para diferentes sais e lquidos
inicos e ilustra como o ponto de fuso est intimamente ligado estrutura do
ction e do nion.
Nos trs primeiros exemplos se pode ver que a variao do ction
provocou uma variao de mais de 730C no ponto de fuso dos sais de
cloreto, j nos trs ltimos observa-se que a variao do nion foi responsvel
por uma variao de 87C entre os pontos de fuso dos sais de 1-butil-3-metil-
imidazlio.
Tabela 5. Ponto de fuso de diferentes sais e lquidos inicos
Substncia Ponto de fuso (C)
NaCl 803
KCl 772
[BMI]Cl 65
[BMI]PF6] 10
[BMI][TFSI] -22
Os sais de ctions e nions pequenos permitem uma organizao
estrutural rgida, cristalina e, consequentemente, eleva o ponto de fuso. O
aumento dos ons torna o empacotamento menos eficiente e
consequentemente diminui o ponto de fuso.41
Aplicao da teoria de Arrhenius deformada a LIs
____________________________________________________________
56
Antes do surgimento dos lquidos inicos em temperatura ambiente
(RTILs, do ingls room temperature ionic liquids), os sais fundidos no
possuam grandes aplicaes porque s eram obtidos em temperaturas
elevadssimas, tornando invivel sua utilizao, alm de serem altamente
corrosivos.42 No final do sculo XX essa histria sofreu uma grande mudana
quando Paul Walden, em 1914, preparou o nitrato de etil-amnio, com
temperatura de fuso de 12C.
O primeiro grande estudo feito sobre RTILs foi realizado pelo grupo de
Frank Hurley e Tom Weir, na dcada de 1940, que reagiam haletos de piridnio
alquil e aril N-substitudos com cloretos e nitratos de metais e obtinham um
lquido incolor usado em extraes eletroqumicas.43
Os responsveis pelo grande crescimento da pesquisa sobre RTILs
surgiram na dcada de 1980: os sais de alquilimidazlio. Os primeiros a surgir
eram baseados em cloroaluminatos de 1-etil-3-metil-imidazlio, que se
encontra em fase lquida em temperatura ambiente com composies de AlCl3
entre 33 e 67 mol%. Esses LIs podem variar seu comportamento cido-base
dependendo da razo molar de seus componentes, o que os torna atrativos
como meio reacional, porm a elevada reatividade do cloreto de alumnio com
a gua tornou sua utilizao limitada.44
At essa poca, o termo lquido inico era utilizado para referir-se a uma
grande classe de compostos, inclusive os sais inorgnicos fundidos e misturas
desses. Mas, a partir da, esse termo passou a ser utilizado mais comumente
para descrever sais que se fundem abaixo ou prximo de 100C e
permanecem lquidos em um considervel intervalo de temperatura. 9
Um novo estmulo para o avano dessa rea foi o descobrimento de
lquidos inicos estveis ao ar e agua: compostos de imidazlio com nions
fracamente complexados,45 sendo um dos mais famosos o hexafluorofosfato de
1-butil-3-metil-imidazlio.
A partir de ento, os lquidos inicos passaram a ter o interesse de
vrias reas da qumica e de sua indstria devido possibilidade de
substituio dos solventes orgnicos convencionais, volteis e muitas vezes
txicos, usados em sntese, catlise, separao e purificao,4653 alm da
possibilidade de utilizao como eletrlito na rea de eletroqumica.
Aplicao da teoria de Arrhenius deformada a LIs
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57
As propriedades essenciais de eletrlitos modernos e seguros so a
no-volatilidade e boa condutividade inica, necessrias para dispositivos
eletrnicos. Essas caractersticas podem ser encontradas em um grande
nmero de LIs. Por isso, esto disponveis incontveis estudos para sua
aplicao em baterias, clulas eletroqumicas, clulas combustveis,
supercapacitores, etc. 5468
O campo dos lquidos inicos extremamente vasto, com uma
estimativa de que existam por volta de 1018 possveis lquidos inicos,
formados a partir da variao de ctions e nions.9
Essa grande diversidade permite que suas propriedades sejam
selecionadas ou ajustadas, mas escolher aquele que possui caractersticas
interessantes para uma aplicao especfica seria uma tarefa ainda mais
complexa sem o conhecimento das propriedades e caractersticas fsico-
qumicas.
Alm dos estudos publicados em peridicos, existem dois bancos de
dados com informaes sobre propriedades fsico-qumica de LIs: o Dortmund
Data Bank,69 com acesso licenciado e o IL Thermo,70 com acesso disponvel
gratuitamente pelo site ilthermo.boulder.nist.gov.
As propriedades fsico-qumicas dos LIs so totalmente dependentes da
estrutura dos ctions e nions que os formam e, mesmo com a enorme
quantidade de combinaes possveis, essa classe de compostos apresenta
vrias propriedades em comum, como presso de vapor negligencivel, boa
estabilidade trmica, larga janela eletroqumica, alta condutividade, elevado
poder calorfico, viscosidade