1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
VOZES DE LUTA: AS ESTRATÉGIAS FEMINISTAS EM PROL DA CONQUISTA DO
VOTO FEMININO E OS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO NO RECIFE (1927-1934)
Mirella Tuanny Ferreira Lopes1
Resumo: É inegável que ainda vivenciamos um quadro político no qual mulheres são sub-representadas, em que a
figura masculina ainda se faz numericamente predominante e os espaços de poder são restritos. Partindo do anseio de
compreender que mundo político é esse, que mesmo após duras e sucessivas conquistas, ainda exclui tanto a
participação feminina do seu cerne, este trabalho tem por objetivo investigar as estratégias utilizadas pelos movimentos
feministas pernambucanos no processo de conquista da cidadania política no Recife, entre os anos de 1927 a 1934, bem
como a relação destas mulheres com os veículos de comunicação, visando propagar suas pautas e atividades e os
argumentos proferidos pelos antifeministas através de charges e colunas de opinião. Tal artigo foi construído através do
levantamento de fontes bibliográficas, de teórico(a)s e contou igualmente com uma pesquisa documental, executada nos
principais acervos e bibliotecas do Recife e na Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional. Assim sendo, tem
por intuito não apenas averiguar e ressaltar a importância dos movimentos feministas na conquista do voto – que teve
êxito em 1932 – mas almeja concomitantemente contribuir para a produção, fortalecimento e valorização dos estudos
referentes à temática de gênero em nosso país.
Palavras-chave: Feminismo – Cidadania Política – Antifeminismo.
1. Introdução
Dos 57.691 vereadores eleitos no dia 2 de outubro deste ano, 7.790 são mulheres, segundo
o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso significa que, a partir de 2017, elas representarão
13,5% das câmaras municipais brasileiras, percentual que se manteve praticamente o
mesmo desde as eleições de 2012, quando chegaram a 13,3%. Embora representem 51% da
população, as mulheres brasileiras enfrentam um dos piores cenários mundiais em termos
de representação política. Estamos atrás de de países como Afeganistão e Arábia Saudita
quando o assunto é presença feminina no Congresso, como mostra o ranking da União
InterParlamentar (UIP): entre 193 nações, o Brasil aparece na 155º posição. Nas estatísticas
da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), temos o menor índice
de participação de mulheres nas Câmaras em toda a América do Sul. (REVISTA CULT,
2016, p. 22).
Sub-representação. Esta ainda é a palavra que resume a realidade das mulheres na política
brasileira e ao redor do mundo. Mesmo com inúmeras conquistas, somos minoria nos espaços de
poder. A questão levantada no jornal pernambucano, A Província, data de julho de 1932, apesar
disto, continua ecoando e se fazendo presente na atualidade: “Quem melhor que a mulher poderá
cuidar de seus próprios interesses?”2
De fato, como se tem registros, as mulheres passaram a questionar seus direitos ainda no
século XIX, muito embora, apenas no início do século XX, este processo tenha se intensificado.
1 Pós-graduanda em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Campus Recife – Sede/PE. Esta pesquisa possui apoio financeiro da CAPES. Email: [email protected]. 2 Jornal A Província, jul. 1932, p.03.
2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
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Neste contexto, o recorte temporal deste trabalho teve como ponto de partida o passo dado em 1927
– quando a primeira mulher brasileira votou –, até o ano de 1934, quando a lei que passou a prever
oficialmente o sufrágio feminino na Constituição do país. O debate então inflamou-se, sendo pauta
recorrente em muitos periódicos da época e dividindo opiniões. Estava traçado um caminho sem
volta.
Por este motivo, é imprescindível discutir acerca deste complexo e importantíssimo processo
da nossa história, para que esta conquista não seja esquecida ou negligenciada, nem muito menos
interpretada de maneira errônea, apenas como uma concessão. “É preciso desconstruir a ideia muito
difundida de que as mulheres puxam os fiozinhos dos bastidores, enquanto os pobres homens, como
marionetes, mexem-se na cena pública”. (PERROT, 1988, p. 173). Essas mulheres lutaram
exaustivamente para nos conferir os privilégios que temos hoje. Arriscaram-se. Fizeram da
resiliência seu lema. Avançaram.
2. Resistir para Existir!: organizando movimentos.
O prelúdio do século XX foi palco de grandes transformações. Mesmo com todo
enredamento da conjectura republicana, a modernidade pediu passagem e espalhou-se pelas ruas da
cidade do Recife e das grandes capitais brasileiras. Neste contexto, gradativamente as mulheres de
camadas médias passam a circular sozinhas, fazendo-se presentes em novos espaços de
sociabilidade e em ambientes antes não transitados. A demarcação existente entre atividades
femininas e masculinas, entre o privado e o público, paulatinamente é transformada. Anteriormente,
ouniverso feminino possuía um cunho doméstico, pois “mesmo as mulheres das classes
privilegiadas não podiam entrar no mundo 'masculino' da política. Apesar disto, algumas delas
exerciam por debaixo dos panos, influência sobre os homens que ocupavam cargos de relevo na
esfera pública” (Harner, 2013, p. 48), posto que “a política não se restringe à esfera do Estado e de
suas instituições. Ela atravessa os domínios da vida cotidiana e se encontra presente nas relações
variadas que se estabelecem entre os indivíduos, incluindo aquelas entre homens e mulheres”
(Prado; Franco, 2013, p.194).
Como consequência destas transformações, fundam-se as primeiras organizações feministas no
Brasil. Especificamente em Pernambuco, duas tiveram grande atuação, sendo ainda bastante
estudadas por pesquisadore(a)s: a Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino (FPPF),
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criada em 1931, como uma filial3 da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino4 (FBPF), do Rio
de Janeiro e liderada por Edwiges de Sá; e a Cruzada Feminista Brasileira, igualmente criada no ano
de 1931 e dirigida por Martha de Hollanda.
As figuras femininas que davam dinamicidade aos movimentos feministas advinham de vários
setores e cargos: eram mulheres de classe média, educadas, algumas profissionais liberais, casadas,
solteiras (Nascimento, 2013a), professoras, comerciantes, poetistas, mulheres de políticos
influentes. Como elucida Harner:
As mulheres da elite faziam parte de um pequeno segmento da população brasileira (…)
diferenciado da grande maioria das pessoas por conta de sua condição econômica
privilegiada e por sua “raça” (a chamada “raça branca”, considerada superior às demais).
Como em qualquer outro lugar do mundo Ocidental à época, essas mulheres viviam em
estruturas culturais, sociais e econômicas majoritariamente criadas por homens e para
favorecê-los, já que baseadas em ideias de superioridade masculina e de subordinação
feminina (…) seu status era derivado de suas famílias e não de si mesmas (2013, p. 43).
Edwiges de Sá, Martha de Hollanda e algumas outras integrantes da alta sociedade
conseguiram transpor em parte a condição de subordinação que as acometiam, entretanto, esta não
era uma realidade palpável para a maioria das mulheres no referido contexto, posto que, as
diferenças de classe – que eram em grande parte também diferenças de 'cor' – continuavam a se
patentear também no campo profissional ou ocupacional das mulheres. “As mulheres pobres,
trabalhavam; da juventude à velhice, continuavam em seus serviços “na rua” ou “para a rua”,
duplicando o trabalho doméstico para atender à sua própria família” (Motta, 2013, p. 86).
Dessarte, antes mesmo de elencar suas pautas, as feministas precisaram se inserir dentro de
contextos, nos quais não eram bem-vindas, nem vistas com bons olhos. Fazia-se necessário, então,
traçar estratégias, para galgar espaços e conquistas. Mais quais caminhos percorrer?
3. Endossando a luta: a elaboração de estratégias e o acesso aos veículos de comunicação.
Assumir-se feminista não consistia em tarefa fácil. Isso devia-se principalmente ao fato de
que era essencial não apenas ter coragem para assim intitular-se, mas era preciso resiliência para
3 Em 1932, já existiam treze filiais da Federação espalhadas pelo país (SILVA, 2012, p. 30). 4 O Movimento Feminista Brasileiro teve como grande precursora Bertha Maria Júlia Lutz. Ela liderou e fundou a
Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF), sediada no Rio de Janeiro, no qual foi a mais importante
organização em defesa dos direitos da mulher do Brasil, da década de vinte, que tinha como luta central o direito ao
voto (SILVA, 2012, p. 20). A FBPF foi fundada em 1919 e possibilitou maior visibilidade e diálogo junto aos órgãos
políticos e consequentemente a implantação tática pensada pelas feministas.
4 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
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viver como uma e simultaneamente lidar com a gama de paradoxos, rótulos e esteriótipos que
circundavam tal postura. A forma de vestir-se, os discursos proferidos, o estabelecimento de
alianças políticas, caracterizavam alguns dos inúmeros elementos que compunham e configuravam
esse posicionamento.
Em meio a tanto fervor, organizações, requerimentos e estratégias marcaram os anos iniciais
da República no Brasil. Os anseios eram inúmeros. Os programas de reivindicações tanto da FPPF,
quanto da Cruzada apresentavam conteúdo de forte cunho político5. A instrução era colocada como
via estratégica para a conquista ampla da cidadania e dos direitos civis, sociais e políticos. Nesse
sentido, mostrava-se potencialmente politizante, sendo o caminho, o solo fértil para outras
conquistas. O primeiro passo foi a fundação de núcleos de discussão, posto que as mulheres se
organizaram em associações, faziam pronunciamentos públicos, escreviam artigos e concediam
entrevistas aos jornais. Por conseguinte, “buscavam o apoio de lideranças e da opinião pública e
procuravam pressionar parlamentares, autoridades políticas, educacionais e ligadas à imprensa”
(Soihet, 2013, p. 220).
Com a fundação dos movimentos e definição das pautas, tornava-se necessário a partir de
então, encontrar formas de se fazer ouvir. Os veículos de comunicação mais difundidos no início do
século XX, ainda eram os jornais e a rádio. Todavia, é imprescindível atentar para a intensa
utilização destes veículos6 como peças-chave no avanço e na disseminação dos objetivos destas
organizações. Assim sendo, eram usufruídos em prol da conscientização e mobilização de cada vez
mais pessoas que apoiassem a causa do sufrágio feminino.
5 Se tratando da FPPF, a Plataforma de Ações, divulgada em 1931, previa: “1. Promover a educação da mulher e
elevar o nível da instrução feminina; 2. Proteger as mães e a infância; 3. Obter as garantias legislativas e práticas para o
trabalho feminino; 4. Auxiliar as boas iniciativas da mulher e orientá-las na escolha de uma profissão; 5. Estimular o
espírito de solidariedade e da cooperação entre as mulheres e interessá-las pelas questões sociais e de alcance público;
6. Assegurar à mulher os direitos políticos e prepará-la para o exercício inteligente desses direitos; 7. Estreitar os laços
de amizade com os demais países americanos, a fim de garantir a manutenção perpétua da paz e da justiça no
Hemisfério Ocidental” (NASCIMENTO, 2013a, p. 54). Com relação à Cruzada Feminista, embora esta se
autodeclarasse uma organização nacional, revelava um programa cujo alcance geográfico era mesmo o Nordeste, ao
incluir e nomear a mulher nordestina como sujeito de direitos. Ao considerar a instrução como ação transversal do
programa, pensava-se como a via que possibilitaria a mulher conquistar “seu justo lugar nas sociedades civilizadas”
(NASCIMENTO, 2013b). 6 Em Pernambuco, as mulheres escrevem nas revistas A Pilhéria, Helios, A Pátria, O Bem-te-vi, além de conseguir
espaço nos principais jornais da capital, como A Província e o Diário de Pernambuco. (Luz ; Nascimento, 2014, p. 09).
No interior, pode-se destacar a participação e atuação de Martha de Hollanda no jornal O Lidador, de Vitória de Santo
Antão.
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As feministas também aproveitavam-se dos laços de amizade existentes entre seus familiares
e muitos dos grupos que ocupavam posições de poder para obter simpatias políticas, ter acesso à
tais meios e fazer avançar o debate em favor da causa sufragista. Como aponta Soihet:
As líderes feministas procuravam manter a questão do voto feminino na ordem do dia, e a
partir de então, o debate tomou grande impulso, tanto que juristas conhecidos chegaram a
se pronunciar favoravelmente à constitucionalidade do voto feminino. Jornais da época já
comentavam com frequência o assunto. Além disso, a pressão das feministas no Congresso
Nacional começou a dar frutos com a conquista de novos apoios nos meios políticos (2013,
p. 225).
Dentro das estratégias cabíveis ao período, merece destaque a campanha realizada pela
Cruzada Feminista em auxílio às mulheres viúvas, o que consequentemente acarretou a maior
proximidade destas mulheres e o fortalecimento do movimento. Inúmeras chamadas foram
publicadas no Jornal Pequeno, dentre estas Martha de Hollanda conclamava: “Acompanhe a
Cruzada Feminista Brasileira, pedindo, de porta em porta, luz para as choupanas das viúvas
deserdadas7”. No Brasil, tais hábitos ligados à filantropia caracterizaram um componente relevante
da cultura da elite, pois “assim como ocorria em relação à caridade, também representava um
patrimônio familiar que, nas primeiras décadas do século XX, foi acrescido de um caráter cívico
estratégico ao projeto republicano de construção de nacionalidade”. (Cosati; Freire, 2013, p. 31).
Embora não haja estudos aprofundados sobre o tema, muito se discute se a filantropia consistia em
uma prática conservadora ou emancipadora na realidade das referidas mulheres. De todo modo,
para compreender melhor tais práticas, torna-se extremamente relevante:
(…) repensar o papel que essas associações tiveram na transformação de consciência das
mulheres e na organização do movimento feminista brasileiro, por favorecer a circulação de
ideias e de questionamentos novos, o convívio com outras mulheres, a administração de
problemas fora do grupo e o estabelecimento de redes de interesses (Mott, 2001).
A pesar de todas as idealizações, o trajeto não foi simples. Foi preciso criar inúmeras
estratégias para conquistar apoio, reunir cada vez mais adepto(a)s, conseguir espaço nos meios de
comunicação influentes da época e instruir as mulheres acerca da importância do voto. No entanto,
havia um obstáculo ainda maior a ser transpassado: as implacáveis críticas antifeministas.
4. Abre-se a Caixa de Pandora: discursos e temores antifeministas.
7 Jornal Pequeno, jan. 1931, p. 01.
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Segundo a mitologia grega, a Caixa de Pandora conta o episódio em que a primeira mulher
– chamada Pandora – chega à Terra, com uma caixa, na qual estavam guardados todos os males do
mundo: um castigo de Zeus para os homens. Assim como várias histórias gregas, esta tem muitas
versões – em algumas delas, a tal caixa é, na verdade, uma ânfora. A participação de Pandora
também é controversa. Alguns textos indicam que essa personagem, curiosa, abriu o recipiente e
condenou a humanidade. Outras dizem que ela mesma estava lá dentro e, ao ser libertada, trouxe
consigo a desgraça. De qualquer maneira, a metáfora é clara: a chegada da mulher marca o fim de
um período glorioso para o homem. (Nadale, 2010, p. 01).
Se traçarmos uma analogia entre o referido acontecimento mitológico e o processo por meio
do qual as mulheres pleitearam a conquista do voto feminino e demais direitos, fica evidente certa
similaridade. Elas seriam responsáveis pelo advento de uma série de infortúnios. A partir da análise
da bibliografia e da documentação podemos reiterar: a incerteza gerou temor. Antes mesmo da
primeira mulher votar no Estado do Rio Grande do Norte8, alguns discursos já atestavam: “Pensem
bem os Srs. Sociólogos no perigo da Eva votante… A urna em que as mulheres deitarem os seus
votos pode transformar-se, muito bem, em uma funesta Caixa de Pandora9”. Assim sendo, ascender
ao âmbito público e político era sinônimo de desconfigurar a ordem preestabelecida. Mas, quais
eram realmente os receios que acometiam homens e mulheres antifeministas? Que argumentos
construíam para convencer a sociedade de que este passo não deveria ser dado? Quais
desdobramentos viriam a partir das novas configurações que se delineavam? Ninguém sabia. A
conquista da cidadania política representava um enigma. Apenas um fato era notório: uma vez
engajadas, as mulheres davam claros sinais de que não recuariam na luta.
Decerto, as críticas não eram tímidas, nem silenciosas. Publicações eram frequentes em
inúmeros periódicos de grande circulação no Recife e demais estados brasileiros. Geralmente eram
assinadas sob pseudônimos ou por colunistas de opinião fixos. No que diz respeito às mulheres,
procurava-se entrevistar senhoras da alta sociedade, que possuíam uma postura admirável e
respeitosa, para se pronunciarem publicamente contrárias ao voto feminino, influenciando
8 O Estado do Rio Grande do Norte teve a primeira eleitora brasileira, como atesta Rodrigues: “Com a inclusão, no dia
25 de novembro, do nome de D. Celina Guimarães Vianna na lista dos eleitores do Rio Grande do Norte, em virtude da
Lei nº 660, de 27 de outubro de 1927, sancionada pelo Exmo. Sr. Presidente do Estado, teve o Brasil a sua primeira
eleitora, e erigiu Mossoró mais um padrão memorável na sua vida de município paladino de altas e avançadas
iniciativas” (1982, p. 67). 9 Jornal A Reforma (AC), nov. 1925, p. 01.
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leitore(a)s. Logo, enquanto alguns opositores optavam por proferir ataques diretos ao movimento,
outros pleiteavam pela invalidação de sua mensagem.
Neste contexto, a imprensa veio a desempenhar um papel fundamental, contribuindo de
modo expressivo para atacar e desvirtuar as pautas feministas, uma vez que, “ao popularizar a ideia
do feminismo, a imprensa banalizava sua seriedade e distorcia seu significado” (Besse, 1999, p.
214). Portanto, a mensagem transmitida era a de que ser feminista significava ser moderna e estar
na moda; não sendo necessária nenhuma transformação fundamental de consciência. Ademais, o
ridículo era usado em grande escala para intimidar as mulheres e, com isso, manter o feminismo
dentro dos limites aceitáveis, principalmente através das charges e colunas de opinião.
À vista disso, podemos observar que “tais movimentos eram considerados ondas perigosas
de desorganização social e investidas assustadoras contra a ordem divina e natural” (Besse, 1999, p.
214-215) por parte do antifeminismo. Seus discursos eram construídos não apenas objetivando a
apelação emocional do público, mas baseando-se em justificativas científicas e morais. Temos
como exemplo a publicação assinada por Argynno, para a coluna do jornal A Província, intitulada
“Chroniqueta: o 'avança' do feminismo”, na qual este afirma: “Isso de as mulheres quererem agora
ocupar quase todos os lugares dos homens (...), fazendo-lhes, enfim, a mais ativa concorrência na
luta pela vida, não me parece razoável, embora alguns pseudo-advogados do sexo fraco chamem
esse 'avança': reivindicações femininas. Cada macaco deve apossar-se do seu galho”10.
Nessa perspectiva, podemos averiguar que segundo a visão dos antifeministas, a entrada das
mulheres na esfera pública, independente de qual fosse o segmento, representava claramente uma
violação da verdadeira “essência feminina”, visto que, isto seria a principal causa da destruição da
harmonia entre os sexos. Os argumentos variavam, porém, eram majoritariamente pautados nas
questões jurídicas e biológicas. Uns denunciavam a incapacidade física; outros ressaltavam a
diversidade do organismo feminino e a menstruação como uma barreira para que as mulheres
assumissem as tarefas exercidas até então por homens, além daqueles que frisavam e alegavam sua
inconstância psicológica e inteligência inferior. O cérebro, por exemplo, era constantemente objeto
de análise da ciência da época, que confirmava: “Ademais, não é de hoje que se proclama a
inferioridade da mulher: ela é um fato provado. (…) As investigações antropológicas têm como
10 Jornal A Província, jul.1920, p. 01.
8 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
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certo que o cérebro da mulher é inferior ao do homem em volume e peso11". Talvez, dentro deste
contexto, o que mais temessem fosse que ao conquistar o voto, as mulheres se masculinizassem,
invertessem os papéis sociais ou abandonassem a esfera do lar, como aponta o seguinte trecho:
A mulher que por todos os tempos tem demonstrado mais doçura e amor, na contextura de
seu caráter que o homem, sofreu a nosso ver, com este “direito”, o golpe rude de mais essa
modalidade da maldade dos homens. (...) Ai perde ela a sua graça, a sua beleza, a sua
encantadora fragilidade. O seu coração perde o melhor dos sentimentos afetivos ligados ao
lar, lugar onde só a mulher está bem. Essa vitória do feminismo é o começo de uma derrota
eminente12.
A ironia e o temor em dividir ou perder espaços de poder configuravam marcas registradas
em tais discursos. Os ares tomavam forma de disputa e buscava-se difundir a ideia de que as
mulheres não lutavam por igualdade perante à figura masculina, mas sim intencionavam
sobreporem-se à ela, “vencê-la”. É possível averiguarmos esse tom irônico na charge que segue, na
qual uma mulher apresenta-se cabisbaixa na presença de três homens que a questionam: “- Porque
tão grande desconsolo?...” Nenhuma resposta é proferida por parte dela e estes prosseguem: “-
Qual! Anime-se! Pois se o século é das senhoras: nos ares, nos versos, no amor, na beleza, em
tudo!... enquanto que nós somos os vencidos...13”.
A presença de charges deste tipo nos principais jornais do período era bastante recorrente,
configurando assim, mais um valioso objeto de estudo para o(a) historiador(a) em suas análises e
pesquisas. Como esclarece LUCA:
11 Jornal do Recife, jun. 1920, p. 04. 12 A Pilhéria, ano IX, nº 356, 28 jul. 1928. 13 A Província, 23 out. 1927, p. 01.
9 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
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O advento da ilustração foi essencial para o impulso e a diversificação do impresso
periódico, ainda mais em um país onde o rarefeito público leitor, que incluía um modesto
contingente feminino, avançava lentamente entre os anônimos leitores de folhetins e os
assíduos frequentadores de teatros, circulavam intelectuais, homens de letras, estudantes,
jornalistas, algumas sinhás-moças e até velhotas capazes de leitura (2011, p. 135).
Apesar dos ataques, é válido lembrar que tais críticas não eram toleradas passivamente.
Havia sim contra-argumentos, bem estruturados e concisos. Estes partiam não apenas das
feministas, mas também de colunistas, políticos e intelectuais que apoiavam a conquista do
sufrágio por parte das mulheres. De fato compunham uma pequena parcela da sociedade, mas ainda
assim não podemos deixar de mencioná-los. É o caso dos dois trechos a seguir, retirados de colunas
de opinião do periódico A Província:
O argumento usado pelos adversários da libertação feminina, é o mesmo que os
escravocratas usavam com relação à liberdade dos escravos. Então diziam: o escravo não
está preparado ainda para a liberdade. Hoje se diz: “A mulher ainda não está preparada. A
hora do feminismo não chegou. Mas o escravo se libertou e se viu que não há melhor escola
para a liberdade do que a própria liberdade14”.
(...)
E por que não gozar a mulher brasileira da liberdade do exercício político? Uma vez que
não seja obrigatório o voto, mas simplesmente facultativo, temos que a ela deve ser
garantido esse direito, certo como é que lhe não falta atributo algum para influir nos
destinos do país, ou se lhe falta é quando no mesmo caso do homem, isto é, quando este é
analfabeto ou tem perdido o seu direito à cidadania. Fora deste caso, só por um
anacronismo, que não deve substituir no Brasil civilizado e democrático, é que a mulher só
se vê inferiorizada e privada dos direitos cívicos, o que não é justo, e até clamoroso e só
exprime uma face do egoísmo masculino (...)15
Compreender tais embates tem contribuído significativamente para o enriquecimento da
análise acerca do processo de luta pela conquista do direito à emancipação política das mulheres,
além de impedir a unilateralidade do conhecimento e da pesquisa, posto que, “precisamos (...)
narrar a partir da multiplicidade do olhar e sentir, dos diferentes lugares, das diversas mulheres, esse
rico momento da história do feminismo no Brasil”16. Como proferiu o renomado político, Assis
Brasil: “Já houve um tempo em que se negou a legitimidade de outras funções que as mulheres
exercem hoje. Tempo virá em que hão de rir-se de certas desigualdades que o estado das ideias e da
civilização nos obriga a manter ainda entre os direitos dos dois sexos” (Rodrigues, 1982, p. 52).
Lamentavelmente, mesmo com sucessivos avanços, este tempo ainda não chegou por completo.
Apesar disto, a luta perdura e permanece viva.
14 Jornal A Província, ago. 1920, p. 01. 15 Jornal A Província, nov. de 1927, p. 01. 16 LUZ, Noemia M. Q. Pereira da. ; NASCIMENTO, Alcileide Cabral. O debate em torno da emancipação feminina no
Recife (1870-1920). Revista Pagu. 2014. p. 04.
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5. Conclusões.
Desde meados do século XIX, as mulheres começaram a tentar romper o cerco que as
envolvia e a lutar por seus direitos políticos.Sem dúvida as circunstâncias e as mudanças trazidas
com a instauração da República, foram essenciais direta e indiretamente para conferir a estas um
maior espaço e liberdade no âmbito público, ainda que este fosse diminuto. Gradativamente
desbravaram espaços nitidamente masculinos, questionaram verdades em torno de seu sexo, de seu
corpo e de sua inteligência, por meio da palavra escrita, de entrevistas em rádios, com a publicação
de artigos polêmicos, e, na seara da Justiça, abrindo processos para terem direitos políticos como
cidadãs(Nascimento, 2013b).
Algo relevante e que também não se pode deixar de lado é a rede de contradições na qual
estas mesmas mulheres estavam inseridas, uma vez que “estavam imersas neste mesmo contexto
que as forjavam como cidadãs paradoxais, posto que “o feminismo não é produto das operações
benignas e progressistas do individualismo liberal, mas um sintoma de suas contradições” (Scott,
2002, p. 48). Logo, embora muitas destas representantes lutassem para alcançar a cidadania política,
acabavam por representar uma parcela pequena da população, que tinha o privilégio da instrução e
de transitar em ambientes tidos como masculinos. Além disto, algumas estavam presas aos valores
cristãos, como vimos o caso de Edwiges de Sá, o que direta e indiretamente influenciava a tomada
de decisões, condutas e pautas. No entanto, nenhuma das pontuações supracitadas invalida a
relevância dos movimentos feministas e sufragistas no Brasil e, especificamente em Recife, uma
vez que, estas mulheres lutaram em um contexto histórico limitador e atroz.
É válido reforçar, que só muito recentemente a história da resistência feminina começou a
ser descortinada pela historiografia. As mulheres envolveram-se em grandes causas que ajudaram a
construir a nação, como a campanha abolicionista, a proclamação da República, a batalha pelo
direito à Educação e pela emancipação. Analisar os diferentes feminismos que se confrontaram em
Pernambuco na luta pelos direitos igualitários entre os gêneros, nos fez percebê-los como elementos
cruciais para o rompimento da ideia de unidade, de onda. Suas existências e trajetos ainda
necessitam de muitas análises, sendo fundamental repensá-los, redescobri-los, ecoar seus ideais.
Finalmente, em 1932 as reivindicações têm êxito, sendo incluídas na Constituição, em 1934.
Muito embora o voto não tenha sido obrigatório para as mulheres inicialmente, sendo necessário o
convencimento de um eleitorado feminino, um grande passo foi dado, como reitera Soihet:
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Graças às pressões feministas, e coroando uma luta de décadas, o sufrágio feminino foi
finalmente garantido, com a inclusão do artigo 108 na Constituição de 1934. Assim,
embora a campanha sufragista de maior alcance não se tenha aqui tornado um movimento
de massas, esta se caracterizou pela sua excelente organização, o que fez do Brasil um dos
primeiros países a garantir o direito de voto às mulheres. Por outro lado, apesar de ter sido
um movimento articulado às elites, não se pode dizer que não tenha se empenhado também
em outras causas democráticas. De fato, várias das militantes desse movimento estavam
também preocupadas em garantir conquistas para os trabalhadores, particularmente, às
mulheres das classes trabalhadoras (2013, p. 226).
A História, portanto, constitui e torna concreta a possibilidade de que a trajetória dessas
mulheres, assim como a de outras, seja conhecida. É preciso lembrar e discutir as situações
degradantes a quais foram e ainda são submetidas no decorrer dos séculos, não esquecendo a
persistente luta que travaram para, finalmente, conseguirem se firmar como cidadãs. De fato,
avançamos, mas há muito por ser conquistado.
6. Referências.
6.1 Documental.
Jornal A Província, 1920.
Jornal A Província, 1927.
Jornal A Província, 1932.
Jornal do Recife, 1920.
Jornal A Reforma (AC), 1925.
Jornal Pequeno, 1931.
A Pilhéria, ano IX, nº 356, 28 jul. 1928.
6.2 Bibliográficas.
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VOICES OF FIGHT: the feminist strategies for the conquest of the female vote and the
communication vehicles in Recife (1927-1934).
Abstract: It is undeniable that we are still experiencing a political framework in which women are
underrepresented, in which the male figure is still numerically predominant and the power spaces
are restricted. Based on the desire to understand what a political world this is, which, even after
hard and successive conquests, still excludes so much female participation from its scope, this work
has the objective to investigate the strategies used by the Pernambuco feminist movements in the
process of conquest of political citizenship in Recife, between 1927 and 1934, as well as the
relationship of these women with the media to propagate their patterns and activities and the
arguments of antifeminists through cartoons and columns of opinion. This article was constructed
through the collection of bibliographical sources, of theorists and also counted on a documentary
13 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
research, executed in the main collections and libraries of Recife and in the Brazilian Digital
Library of the National Library. Therefore, it aims not only to ascertain and emphasize the
importance of feminist movements in winning the vote - which was successful in 1932 - but also
aims to contribute to the production, strengthening and enhancement of gender studies in our
country.
Keywords: Feminism - Political Citizenship - Antifeminism.
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