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LHISTRIAS DA
COMUNICAO
NAREDEM
OCRATIZAO DO BRASIL
COOJORNAL, GRITO DOPOVO DA ZONA LESTE,SALAMANDRA-BOI, OBOR,RDIO NOVE DE JULHO,PAPA GOIABA, JORNALPOSIO, DIRIO DAMANH, TOP NEWS, CIMI,FIF, IVAN VALENA,MOMESSO, COOJORNAT,JORNAL PESSOAL,LSON MARTINS.
A coleo que o Intervozes agora publica, sob o sugestivottulo de VOZES DA DEMOCRACIA, mesmo sem esgotar otema, representa um indito passo no sentido do registro dahistria das experincias prticas e das propostas da socie-dade civil para a democratizao da comunicao no Brasil.So 28 textos, pesquisados e escritos por 32 reprteres,que contemplam uma impressionante diversidade, incluindodepoimentos, entrevistas e relatos de aes de resistnciacoletados em todas as regies do Pas e mais importante a grande maioria deles desconhecidos porque at hojerestritos ao espao local de sua incidncia histrica.() Toda a diversidade e riqueza desses depoimentos,entrevistas e relatos de aes de resistncia mostram umlado quase oculto de nossa realidade histrica: atoresannimos enfrentando os tempos sombrios da ditadura mili-tar e contribuindo no longo e inacabado processo de rede-mocratizao do Pas. Ao mesmo tempo, esses atores mar-caram posio na disputa em torno de polticas pblicasdemocrticas de comunicao entre ns.Esse esforo do Intervozes, que agora se transforma emlivro, faz parte de um movimento mais amplo e de impor-tantes conseqncias. ()
VENCIO ARTUR DE LIMA, maio de 2005
Se fosse para definir em uma palavra, seria dilogo. OIntervozes Coletivo Brasil de Comunicao Social, cons-titudo juridicamente em 2003, um coletivo que luta combase na compreenso de que a comunicao um direitohumano. Sem o direito comunicao, no existe democra-cia e a palavra cidadania transforma-se em mera retrica.Sem o direito humano comunicao, os outros direitosno se efetivam.Nesse sentido, a comunicao de que falamos no podeser compreendida como arena de especialistas. terrenode cada cidado, de qualquer lugar do planeta. A ampliaoradical da sociedade civil na definio das polticas decomunicao , portanto, um dos nossos objetivos. Na essncia do que fazemos, esto os princpios. Verboscomo construir, ouvir, compreender, criar, unir, viver e res-peitar so os fundamentos da nossa coletividade. Verbosque orientam tanto a nossa organizao interna quanto anossa insero na sociedade. na luta, porm, que submetemos a teoria ao crivo da ao.Desde seu nascimento, o Intervozes trabalha em vriasfrentes para difundir a idia de que a comunicao umdireito. O que s ocorre a partir do reconhecimento dasociedade de que se trata de algo fundamental.
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COOJORNAL, GRITO DOPOVO DA ZONA LESTE,SALAMANDRA-BOI, OBOR,RDIO NOVE DE JULHO,PAPA GOIABA, JORNALPOSIO, DIRIO DAMANH, TOP NEWS, CIMI,FIF, IVAN VALENA,MOMESSO, COOJORNAT,JORNAL PESSOAL,LSON MARTINS.
A coleo que o Intervozes agora publica, sob o sugestivottulo de VOZES DA DEMOCRACIA, mesmo sem esgotar otema, representa um indito passo no sentido do registro dahistria das experincias prticas e das propostas da socie-dade civil para a democratizao da comunicao no Brasil.So 28 textos, pesquisados e escritos por 32 reprteres,que contemplam uma impressionante diversidade, incluindodepoimentos, entrevistas e relatos de aes de resistnciacoletados em todas as regies do Pas e mais importante a grande maioria deles desconhecidos porque at hojerestritos ao espao local de sua incidncia histrica.() Toda a diversidade e riqueza desses depoimentos,entrevistas e relatos de aes de resistncia mostram umlado quase oculto de nossa realidade histrica: atoresannimos enfrentando os tempos sombrios da ditadura mili-tar e contribuindo no longo e inacabado processo de rede-mocratizao do Pas. Ao mesmo tempo, esses atores mar-caram posio na disputa em torno de polticas pblicasdemocrticas de comunicao entre ns.Esse esforo do Intervozes, que agora se transforma emlivro, faz parte de um movimento mais amplo e de impor-tantes conseqncias. ()
VENCIO ARTUR DE LIMA, maio de 2005
Se fosse para definir em uma palavra, seria dilogo. OIntervozes Coletivo Brasil de Comunicao Social, cons-titudo juridicamente em 2003, um coletivo que luta combase na compreenso de que a comunicao um direitohumano. Sem o direito comunicao, no existe democra-cia e a palavra cidadania transforma-se em mera retrica.Sem o direito humano comunicao, os outros direitosno se efetivam.Nesse sentido, a comunicao de que falamos no podeser compreendida como arena de especialistas. terrenode cada cidado, de qualquer lugar do planeta. A ampliaoradical da sociedade civil na definio das polticas decomunicao , portanto, um dos nossos objetivos. Na essncia do que fazemos, esto os princpios. Verboscomo construir, ouvir, compreender, criar, unir, viver e res-peitar so os fundamentos da nossa coletividade. Verbosque orientam tanto a nossa organizao interna quanto anossa insero na sociedade. na luta, porm, que submetemos a teoria ao crivo da ao.Desde seu nascimento, o Intervozes trabalha em vriasfrentes para difundir a idia de que a comunicao umdireito. O que s ocorre a partir do reconhecimento dasociedade de que se trata de algo fundamental.
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5 Elementos - Instituto de Educao e Pesquisa AmbientalAbrinq - Fundao Abrinq pelos Direitos da Criana e do AdolescenteAo Educativa - Assessoria Pesquisa e InformaoANDI - Agncia de Notcias dos Direitos da InfnciaAshoka - Empreendedores SociaisCedac - Centro de Educao e Documentao para Ao ComunitriaCENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas em Educao, Cultura e Ao ComunitriaConectas - Direitos HumanosImprensa Oficial do Estado de So PauloInstituto KuanzaISA - Instituto Scio AmbientalMidiativa - Centro Brasileiro de Mdia para Crianas e Adolescentes
Conselho Editorial
Comit Editorial mbar de Barros - ANDI/Midiativa - PresidenteAntonio Eleilson Leite - Ao EducativaCristina Murachco - Fundao AbrinqEmerson Bento Pereira - Imprensa OficialHubert Alqures - Imprensa OficialIsa Maria F. da Rosa Guar - CENPECJlia Mello Neiva - ConectasLiegen Clemmyl Rodrigues - Imprensa OficialLuiz Alvaro Salles Aguiar de Menezes - Imprensa OficialMaria de Ftima Assumpo - CedacMaria Ins Zanchetta - ISAMnica Pilz Borba - 5 ElementosRosane da Silva Borges - Instituto KuanzaSilvio Barone - AshokaTas Buckup - AshokaVera Lucia Wey - Imprensa Oficial
Esta publicao foi possvel graasa um programa de ao social da
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VOZES DADEMOCRACIAHISTRIAS DACOMUNICAONA REDEMOCRATIZAO DO BRASIL
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Adriano de AngelisGustavo GindreJoo BrantJonas ValenteMrcio KameokaPriscila CarvalhoTatiana Lotierzo
lvaro MalagutiAndr DeakBeatriz BarbosaDiogo MoysesLcio MelloMarina GonzalezMichelle PrazeresRonaldo Eli
Conselho Diretor
Coordenao Executiva
Governador Secretrio-chefe da Casa Civil
Cludio LemboRubens Lara
Diretor-presidente
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Diretora Financeira eAdministrativa
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Hubert Alqures
Luiz Carlos FrigerioTeiji TomiokaNodette Mameri Peano
Emerson Bento Pereira
IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SO PAULO
INTERVOZES - COLETIVO BRASIL DE COMUNICAO SOCIAL
GOVERNO DO ESTADO DE SO PAULO
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VOZES DADEMOCRACIAHISTRIAS DACOMUNICAONA REDEMOCRATIZAO DO BRASILINTERVOZES COLETIVO BRASIL DE COMUNICAO SOCIAL
SO PAULO, 2006
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
ndices para catlogo sistemtico:
1. Brasil : Redemocratizao : Histrias da comunicao : Sociologia 302.20981
Foi feito o depsito legal na Biblioteca Nacional (Lei n 1.825, de 20/12/1907)
Imprensa Oficial do Estado de So PauloRua da Mooca, 1.921- Mooca03103-902 - So Paulo - SPTel.:(11) 6099-9800Fax: (11) 6099-9674www.imprensaoficial.com.brlivros@imprensaoficial.com.brGrande So Paulo SAC (11) 6099-9725 Demais Localidades 0800-0123 401
Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicao SocialRua Rego Freitas, 454 - 8 andar01220-010 - So Paulo - SPTel.: (11) 3214-3766 - ramal [email protected]
Vozes da Democracia : histrias da comunicao na redemocratizaodo Brasil. -- So Paulo : Imprensa Oficial do Estado de So Paulo :Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicao Social, 2006.
Bibliografia.ISBN 85-7060-419-X
1. Comunicao - Aspectos polticos - Brasil 2. Democracia -Brasil 3. Democratizao - Brasil.
06 - 2626 CDD - 302.20981
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A OUTRA IMPRENSA ALTERNATIVA
A Imprensa Oficial do Estado de So Paulo tem empenhado esforos parapreservar e difundir a lembrana da luta secular travada no Brasil contra diferentesformas de censura e pela democratizao dos meios de comunicao social. Em 2004,publicou em co-edio com o Sindicato dos Jornalistas, a obra Pginas da resistnciae com o Arquivo do Estado / Ateli Editorial, a obra organizada pelos professoresBoris Kossoy e Maria Luiza Tucci Carneiro, A imprensa confiscada pelo Deops: 1924-1954. Lanou ainda, a coletnea organizada pelo professor Jos Marques de Melo,Imprensa brasileira: Personagens que fizeram histria volumes 1 e 2.
A obra ora apresentada sobre o papel da comunicao social na redemocratizaodo Brasil de carter parcial. Primeiro, porque se concentra em experinciasvinculadas a sindicatos de trabalhadores, a comunidades de base da Igreja Catlica oua movimentos de bairros. No aborda iniciativas mais conhecidas e de repercussonacional, como o semanrio satrico O Pasquim, os semanrios analticos Opinio eMovimento, o jornal poltico-cultural Ex ou as revistas Civilizao Brasileira e Paz eTerra. Segundo, porque, privilegiando iniciativas populares e localizadas, no pretendeoferecer uma viso abrangente da resistncia democrtica ao regime militar nem dardua luta pela liberdade de expresso travada naqueles anos sombrios por diferentescorrentes polticas e culturais. O ngulo dos autores mais restrito e comprometidocom as experincias que relatam.
Essa debilidade da obra, se levada em conta pelos leitores, pode transformar-senuma virtude, porque, concentrando o foco, a pesquisa resgata iniciativas a que secostuma dedicar pouca ateno na reconstruo histrica desse perodo da vidabrasileira. Outro mrito da investigao, tambm raro nos livros sobre o tema, aabrangncia nacional, que recupera, para um conhecimento amplo, realizaes jesmaecidas at mesmo na memria local.
Co-editando a obra Vozes da democracia, elaborada pelo coletivo Intervozes, aImprensa Oficial do Estado de So Paulo acrescenta novas peas a esse quebra-cabeaplural que tem sido, entre ns, o combate pela liberdade de informao requisitoessencial para que as demais liberdades possam ser exercidas.
Hubert AlquresDiretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de So Paulo
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Prefcio
Abertura
Campo de lutas, bero de movimentos
Coojornal: O fim da ditadura e da reportagem
Um heri faminto
O povo exige e vai conquistando seus direitos
Grito do Povo da Zona Leste
Rdio Corneta
Salamandra-boi levou irreverncia a manifestaes polticas
C'os sons do bor, mil gritos reboam
Comunicao e igreja em defesa da democracia
Rdio Nove de Julho, ecoando a resistncia popular
Os Papa Goiabas contra o monoplio da comunicao
TV pirata invade jornal da Rede Globo
Posio, um termmetro capixaba
Campo e cidade efervescentes, protagonistas da Constituinte
Constituio em disputa
| SUMRIO
| CONTEXTO SUL
| CONTEXTO SUDESTE
| CONTEXTO CENTRO-OESTE
| 12
| 16
| 24
| 38| 46
| 48
| 60| 71| 72
| 78
| 94| 100
| 102| 112
| 114
| 128| 141
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Dirio da Manh: o leitor no comando do jornal
O direito de no mentir
Lies de um jornalismo debochado
Traga sua poluio para Gois
A farsa de O Estado de S. Paulo contra os ndios do Brasil
Da terra e do frevo, rebrota a luta
O Fif: ventos e combates no interior baiano
Avanos e retrocessos em 47 anos de jornalismo no Sergipe
Comunicao em Sergipe: uma quadro de concentrao
familiar ao restante do Brasil
Impresso da luta sindical
A Coojornat e outras lutas na memria
e na voz de Luciano de Almeida
Zona franca da lei
Tocantins: novo estado, horizonte a construir
Escravo de um Jornal Pessoal
lson Martins: jornalista da Amaznia
Anexos (Cronologia, Bibliografia e Sobre o Intervozes)
| CONTEXTO NORDESTE
| CONTEXTO NORTE
| 152| 163
| 168| 181
| 184
| 198
| 212
| 220| 234
| 236
| 244
| 258| 271
| 274
| 290
| 302
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s pginas 20 e 276, o primeiro nome do agressor do jornalista Lcio Flvio Pinto Ronaldo e no Rmulo. A agresso se deu no incio de 2005, e no final de 2004. pgina 53, o cargo correto de Srgio de Souza Brasil professor aposentado do departamento de Psicologia Social da UFRJ.
Desde que se constituiu um sistema nacional de comunicaes com a integrao do Brasil
via microondas, promovida pelo regime militar no final da dcada de 1960, surgiram tam-
bm iniciativas que revelam a conscincia de que a democratizao desse sistema condio
necessria para a democratizao do pas.
Se inicialmente a questo estava restrita a setores da academia e teve origem em discusses
no mbito de organismos internacionais como a Unesco, aos poucos ela vai sendo assumi-
da por parcela do movimento sindical de jornalistas e empregados em telecomunicaes,
dos partidos polticos e outros segmentos da sociedade civil organizada.
Existe, portanto, uma insero historicamente importante da sociedade civil organizada
que se d, basicamente, de duas maneiras: na prtica concreta de experincias de comuni-
cao alternativa e atravs de uma ao deliberada de busca de participao na formulao
de polticas pblicas democrticas.
Praticamente inexistem, no entanto, estudos que tentem reconstruir a histria dessa con-
tribuio. Alm disso, na maioria das vezes, no se tem dado a devida importncia s dis-
senses havidas dentro da sociedade civil no encaminhamento e consolidao de prticas e
propostas.
Considerando o paradoxal fortalecimento e organizao crescentes da sociedade civil no
Brasil, desde a dcada de 1970, de se esperar que tenha tambm ocorrido um aumento
importante do nmero de atores (entidades sindicais, ONGs, instituies religiosas, asso-
ciaes e outras) envolvidos em prticas democratizadoras e interessados em participar da
formulao e implementao das polticas pblicas para as comunicaes.
A maioria dos registros histricos sobre a democratizao da comunicao, no entanto,
desconsidera a discusso da dcada de 1970 sobre as polticas nacionais (democrticas) de
PREFCIO UMA INICIATIVA FUNDAMENTAL Vencio A. de Lima[socilogo, mestre e doutor em comunicao e professor da UnB - Universidade de Braslia]
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comunicao, realizadas no mbito acadmico e tambm de entidades como a Abepec
(Associao Brasileira de Ensino e Pesquisa da Comunicao, criada em 1972) e identificam
o incio do movimento da sociedade civil apenas a partir da constituio da Frente Nacional
de Luta por Polticas Democrticas de Comunicao, que veio a ocorrer doze anos depois,
em 1984.
A coleo que o Intervozes agora publica, sob o sugestivo ttulo de Vozes da Democracia,
mesmo sem esgotar o tema, representa um indito passo no sentido do registro da histria
das experincias prticas e das propostas da sociedade civil para a democratizao da comu-
nicao no Brasil.
So 28 textos, pesquisados e escritos por 32 reprteres, que contemplam uma impressio-
nante diversidade, incluindo depoimentos, entrevistas e relatos de aes de resistncia cole-
tados em todas as regies do Pas e mais importante a grande maioria deles desconheci-
dos porque at hoje restritos ao espao local de sua incidncia histrica.
Aqui so encontrados, dentre outros, relatos que revelam as aes de democratizao da
comunicao construdas, por exemplo, na igreja catlica atravs da UCBC (Unio Crist
Brasileira de Comunicao), do Cimi (Conselho Indigenista Missionrio), do Cemi (Centro
de Comunicao e Educao Popular), das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e da
Rdio 9 de Julho; no coletivo OBOR de So Paulo e nos Enecoms (Encontros Nacionais
dos Estudantes de Comunicao).
So descritas experincias como do Coojornal de Porto Alegre; e outras menos conheci-
das como do Grita Povo da Zona Leste da cidade de So Paulo; do grupo Salamandra-Boi
da Vila Penteado, tambm de So Paulo; do jornal Posio do Esprito Santo; da Rdio Papa
Goiaba do Rio de Janeiro; das experincias dos jornais Dirio da Manh e Top News de
Goinia; do Fif de Vitria da Conquista; do Jornal da Cidade de Aracaju; da Coojornat de
Natal; do Tesc (Teatro Experimental do SESC) de Manaus; do Porantim; do Resistncia e
do Jornal Pessoal de Belm e do Varadouro de Rio Branco no Acre.
Toda a diversidade e riqueza desses depoimentos, entrevistas e relatos de aes de resistn-
cia mostram um lado quase oculto de nossa realidade histrica: atores annimos enfrentan-
do os tempos sombrios da ditadura militar e contribuindo no longo e inacabado processo
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de redemocratizao do pas. Ao mesmo tempo, esses atores marcaram posio na disputa
em torno de polticas pblicas democrticas de comunicao entre ns.
Esse esforo do Intervozes, que agora se transforma em livro, faz parte de um movimento
mais amplo e de importantes conseqncias. O principal paradigma conceitual que tem
orientado boa parte dos segmentos organizados da sociedade civil comprometidos com o
avano na rea de comunicao, no s no Brasil, tem sido a idia-fora da sua democrati-
zao. Essa , certamente, uma bandeira consensual. Todavia, uma das falcias dessa cons-
truo discursiva que ela indica a possibilidade de que a grande mdia hegemnica, priva-
da e comercial, seria passvel de ser democratizada. Isso equivale a acreditar que os grandes
conglomerados de mdia abririam espao para a pluralidade e a diversidade de vozes de nossa
sociedade. Recentemente Bernard Cassen considerou essa crena uma iluso fundamental,
no s da esquerda, mas, sobretudo, daqueles que trabalham na perspectiva de que um
outro mundo possvel.
Pois bem. As construes discursivas no surgem independentemente das circunstncias
histricas nas quais elas so geradas. E por isso que a tentativa de re-enquadrar a luta
pela democratizao na perspectiva de que o direito comunicao um direito humano
fundamental e se expressa, sobretudo, atravs da criao de um sistema pblico de comu-
nicao igualmente independente do Estado e da iniciativa privada, pode mudar os rumos
de como essa luta tem sido conduzida at agora.
isso que o coletivo Intervozes est tentando fazer. A proposta conceitual de um direito
comunicao no coisa nova. O novo a retomada do conceito, apoiada numa articu-
lao internacional, como foco principal da organizao de movimentos e de propostas de
ao e, alm disso, vinculada discusso concreta de um sistema pblico de comunicao.
verdade que os obstculos para sua articulao so inmeros. Em primeiro lugar, o
direito comunicao no logrou ainda o status de direito positivado. Isso ainda no acon-
teceu nem mesmo em nvel dos organismos multilaterais que tm a capacidade de provocar
o reconhecimento internacional do conceito. Isso faz com que, simultaneamente articu-
lao poltica de aes especficas, se desenvolva tambm a luta pelo reconhecimento for-
mal do direito. Em segundo lugar, h histricas e poderosas resistncias ao conceito, exata-
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mente pelo poder que ele teria de abarcar, sob suas asas, um imenso leque de reivindicaes
e bandeiras em relao democratizao da comunicao. O coletivo Intervozes est cons-
ciente dessas e de outras dificuldades, mas est disposto a ir em frente.
Nesses tempos em que assistimos a um esforo deliberado e aparentemente bem suce-
dido de reconstruo da memria nacional atravs da tica parcial de grupos de mdia
dominantes, a iniciativa do Intervozes adquire uma relevncia fundamental, ao mesmo
tempo em que consolida esse grupo de jovens comunicadores como ator imprescindvel no
cenrio contemporneo da luta permanente pela democracia das comunicaes no Brasil.
Braslia, maio de 2005.
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FILHOS DE UM PAS EM CONSTRUO
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No existe democracia sem comunicao democrtica. Foi com base nessa reflexo
que, no final de 2002, comeamos a elaborar o que viria a ser este livro. Buscvamos
entender o papel da comunicao no processo de redemocratizao do Brasil. Para essa
tarefa, reunimos 32 reprteres, que levantaram histrias e personagens em diferentes
cantos do Brasil. Um trabalho que poderia ser definido como rduo no tivesse sido
to divertido e gratificante. Nessa longa jornada em busca da histria recente do Pas,
aprendemos muito. E o fruto desse aprendizado que agora dividimos com os leitores.
Desde o princpio, o que nos moveu a olhar o passado foi a vontade de entender o
Brasil na perspectiva de transform-lo. Do resultado desse mergulho, acreditvamos, tra-
ramos material suficiente para poder compartilhar com nossos leitores descobertas
capazes de apontar caminhos. Foi o que ocorreu. E o resultado, na nossa avaliao,
mais do que o recorte de um momento das comunicaes no Pas, traz a percepo de
que valores e princpios democrticos no morrem jamais mesmo sob o jugo de uma
ditadura militar. Pelo contrrio, tendem a crescer, a se fortalecer, ao passo que a roda
da histria prossegue e deixa seus rastros.
Oficialmente, a ditadura militar durou 21 anos (1964-1985). Poderamos demarcar
seu trmino com a eleio de Tancredo Neves pelo Colgio Eleitoral. Mas essa inda-
gao sobre quando, de fato, o Pas voltou a viver em um modelo poltico estruturado
sobre a vontade de sua populao nos acompanhou durante todo o processo de feitu-
ra do livro. Como analisar, por exemplo, os dias de luta pela Anistia, que culminaram
com a volta de lderes polticos, intelectuais e militantes expulsos do Brasil pelos gene-
rais? Ou a rearticulao, no final do anos 70, das lutas sindicais, a partir do Grande
ABCD? Ou mesmo o renascimento das lutas camponesas, especialmente nas regies
Sul e Nordeste, retomando o sonho das Ligas Camponesas sufocadas a pontaps de
coturno?
A lista extensa: a campanha por eleies diretas para presidente da Repblica, que
a histria registrou como Diretas J, uma mobilizao que contou com enorme partici-
pao popular e uniu em torno de uma mesma bandeira vrios setores progressistas da
poltica nacional. H tambm a Constituinte, para a qual a populao elegeu deputa-
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dos para construrem uma nova Constituio, que ficou pronta em 1988 e recebeu a
alcunha de Constituio Cidad. A eleio de Fernando Collor de Mello, em 1989,
e o processo de impeachment trs anos depois, em que a mobilizao da sociedade,
especialmente dos estudantes, teve notria importncia.
Essa dvida permanente acendeu-se ainda mais quando o cineasta Nlson Pereira dos
Santos, de Vidas Secas, Memrias do Crcere e Rio 40 Graus, que viveu o antes e o
depois da ditadura, sempre como uma das mximas expresses da cultura brasileira,
afirmou que a democracia s voltou a raiar no horizonte do Brasil em 2002, quando a
populao elegeu o operrio Luiz Incio Lula da Silva presidente da Repblica. E,
ainda assim, a dvida permaneceu.
Ao final da edio do livro, temos como uma de nossas principais concluses a per-
cepo de que a democracia se fortaleceu em cada um desses momentos, mas prossegue
em busca de complementaes, para no se tornar uma mera simplificao retrica.
Porque a democracia um processo. Uma construo coletiva, rdua, conflituosa por
vezes vigorosa que caminha de braos dados com as lutas sociais. E isso que esses
28 textos, produzidos por uma rede de reprteres de todo o Pas, mostram.
Com todas suas variveis, alguns descaminhos, tantas histrias, o resultado desse es-
foro uma publicao que, entendemos, consegue lanar um olhar sobre o Brasil como
um todo, com suas diferenas e contradies, e que conseguiu mostrar o papel fundamen-
tal na luta pela democracia que a comunicao exerceu do final dos anos 70 para c. E
dessas histrias, podemos apreender que no existe democracia se todos os cidados no
tiverem igual acesso informao. No existe democracia sem o direito de cada pessoa se
comunicar.
Isso nos permite afirmar que no passado no vivemos, e continuamos a no viver, na
democracia que sonhamos. Mas tambm nos abre caminho para concluir que estamos jus-
tamente construindo essa democracia e que, se vivemos o hoje para escrever o amanh, foi
porque homens e mulheres, solitariamente ou em conjunto, transformaram o ontem.
So essas inmeras geraes, que trabalharam pela construo de uma nao slida
e soberana, que viram companheiros carem, as responsveis pela nossa existncia. O
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Intervozes reivindica para si filiao nessa histria. Porque nos sentimos filhos desse
Pas em construo. E como filhos, sentimos necessidade de conhecer mais sobre nos-
sos pais e mes, avs e avs, lutadores e lutadoras, que criaram as condies para que
pudssemos nos unir nessa construo do porvir.
As histrias relatadas nesse livro so algumas demonstraes da grande jornada de luta
por uma comunicao e um pas mais democrticos. Sabemos que a valorizao dessas
histrias e personagens pode servir de estmulo ao surgimento de outras. E tambm sabe-
mos que mesmo que elas no surjam graas a esse livro, ou graas ao Intervozes, elas cer-
tamente surgiro. Quanto a ns, buscaremos, sempre, conhec-las e valoriz-las. E, medi-
da do possvel, tentaremos constru-las coletivamente, fortalec-las e torn-las possveis.
Nesse esforo de compreender o papel que a comunicao teve na redemocratizao do
Brasil, vislumbramos o fortalecimento da comunicao comunitria, a volta da liberdade
nas redaes, a multiplicao de veculos de informao populares, alternativos, livres e
independentes. Tambm nos deparamos com inmeras iniciativas, movimentos e atores
diretamente relacionados construo de polticas democrticas de comunicao, que tm
na democratizao ou nos direitos informao e comunicao suas bandeiras.
Tambm topamos, evidentemente, com o outro lado da moeda. A face que mostra o
avano da censura econmica, ideolgica e da auto-censura nas redaes e que nos
coloca diante do processo de crescente concentrao dos meios de comunicao.
Topamos com as artimanhas e a fora dos oligoplios, verdadeiros estandartes do capi-
talismo contemporneo, extremamente organizados e claros em seus objetivos e que
bloqueiam qualquer tentativa de democratizao em suas reas de interesse qual seja,
todas aquelas que seus tentculos puderem alcanar.
Enquanto realizvamos o livro, preciso registrar, com histrias de resistncia ditadu-
ra militar e de contribuies para a redemocratizao do Brasil, nos deparamos com algu-
mas desagradveis coincidncias. Entre elas, o brutal assassinato da missionria Dorothy
Stang no Par em 2005, repetindo a morte de Chico Mendes no Acre em 1988. O novo
ataque de O Estado de S. Paulo aos povos indgenas, no dia 8 de maio de 2005, repete,
lamentavelmente, uma das histrias contadas neste livro. O jornal publicou um texto
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revelando que a demarcao das terras indgenas seria parte de uma estratgia de dom-
inao dos pases hegemnicos. Baseado em um suposto relatrio secreto da Agncia
Brasileira de Inteligncia (Abin), afirma que o Conselho Indigenista Missionrio (Cimi)
teria recebido, entre 1992 e 1994, US$ 85 milhes da Fundao Nacional para a
Democracia, dos Estados Unidos, mantida pelo governo e dirigida pelo Congresso amer-
icano. Tambm nos sentimos afrontados, no final de 2004, com a agresso de Rmulo
Maiorana, diretor do jornal O Liberal, um dos mais poderosos do Par, ao jornalista
Lcio Flvio Pinto, do clebre Jornal Pessoal, numa demonstrao tpica de autoritarismo
e coronelismo brasileira. Mais uma vez e nesse ponto a lista poderia ser ainda maior
recebemos notcia da morte de dois sem-teto em 2005 em uma ao da Polcia Militar,
desta vez em Goinia. Um fato que, como os anteriores, demonstra que, infelizmente, h
ainda muito por fazer no Brasil pela democracia, principalmente superar as heranas da
ditadura e os contrastes de uma sociedade estruturada de forma desigual e injusta.
Para que a publicao de todas essas histrias fosse possvel, l se vo horas e horas
de debates, contatos, reportagem, edio. Um processo realmente demorado, mas
igualmente rico e que conseguiu, do comeo ao fim, respeitar todos os envolvidos,
envolvendo muitos do Intervozes. Envolvendo o Intervozes com outros tantos.
As dificuldades no foram poucas. Certamente, no fcil consolidar uma rede
de comunicadores de Porto Alegre ao Vale do Juru, no Acre, e, feito isso, definir
as pautas mais importantes para os objetivos a que o livro se prope. Tivemos difi-
culdade para trabalhar uma edio que contemplasse os mais variados temas, reali-
dades, cotidianos e possibilidades de dedicao. Dificuldades, tambm para super-
ar as limitaes de falta de financiamento, de diferentes vivncias e conhecimentos
em relao ao tema.
Mas tais obstculos apenas fortaleceram o processo do livro. Geraram mais apren-
dizados. Foram deixados para trs, juntando-se s outras virtudes do projeto. Ao abar-
car histrias do papel da comunicao na redemocratizao do Brasil em boa parte do
Pas, destacamos aqui a importncia de projetos, pessoas e iniciativas no conhecidas
pelo pblico em geral. Histrias que, em boa parte, so desconhecidas no campo dos
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estudantes, profissionais e militantes de comunicao. O que as torna ainda mais
importantes de conhecer, estudar, valorizar e reproduzir.
Histrias que, entendemos, permitem comunicao dialogar com a universidade,
com os movimentos sociais, com os comunicadores, com os vrios Brasis. E que colo-
cam a comunicao novamente em parceria com a democracia. Que afirmam a comu-
nicao como um direito, um direito em dilogo e colaborao com os outros direitos
humanos fundamentais, indissociveis e inalienveis.
Alm de todas as lutas e personagens aqui relatados e valorizados, pudemos tambm
contar com a contribuio de importantes pesquisadores e militantes da comunicao
no livro. A reunio dessas contribuies, voltadas ao trabalho de contextualizao
poltica e social das matrias que retratam as lutas nas cinco regies do Pas, motivo
de orgulho para todos ns que realizamos este projeto.
Uma das maiores conquistas desta publicao foi reservada para o final de seu
processo de edio, com o histrico e complexo acordo entre o Intervozes e a Imprensa
Oficial para que o livro fosse publicado sob a licena Creative Commons. O acerto
contou com o apoio fundamental do Centro de Tecnologia e Sociedade da Faculdade
de Direito da Fundao Getlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ) e com a viso
pblica e cidad da Imprensa Oficial a respeito de seu papel como difusora do con-
hecimento, bem como das entidades participantes do Conselho Editorial do programa
Imprensa Social. A prerrogativa de permitir a livre utilizao no-comercial do livro
pelo pblico segue deliberao da Assemblia Geral do Intervozes de 2005 a respeito
de suas publicaes. E fortalece a participao do Coletivo na luta pelo compartil-
hamento do conhecimento e pela democratizao da informao e das comunicaes.
Estamos nos consolidando como um Coletivo Nacional, reunido em cada regio do
Pas, que participa de forma intensa da luta pelo direito comunicao. Mas seguimos
amadurecendo e colaborando com a construo deste grande sonho chamado Brasil.
preciso registrar, por fim, que cada uma das conquistas que hoje alcanamos s
possvel graas s geraes que nos antecederam. a elas e tambm s futuras ger-
aes que dedicamos este livro.
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A ilustrao acima, do livro Macambzios e sorumbticos Os anos 77-80 nas charges de Luiz G, ingressou
em nosso livro quando foi solicitada ao seu autor uma autorizao para publicao da foto da pgina 89, em
que Luiz G aparece junto aos amigos Angeli, Laerte e Srgio Gomes e ao professor Guido Stolfi. Luiz G
autorizou a publicao da foto, mas destacou que achava injusto o livro no trazer nenhuma ilustrao dele,
que assim como Laerte e Angeli, como os irmos Caruso, como Ziraldo, Zlio, Jaguar, Millr, Henfil e toda
a turma do Pasquim e como tantos outros ilustradores , durante anos participou da luta contra a ditadura com
suas charges. Ao publicar a ilustrao no texto de abertura do livro, superamos em parte as lacunas, ao mesmo
tempo em que buscamos homenagear todos os comunicadores e cidados acima citados e tambm aqueles por
citar. Aproveitamos para nos desculpar antecipadamente por outras eventuais ausncias, que muito
possivelmente sero registradas. E fica aqui nossa torcida e compromisso para que venham outros livros e
iniciativas voltados a contar novas histrias como as presentes em Vozes da Democracia.
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No final da dcada de 1970 e incio dos anos 80, a regio Sul do Brasil foi palco do
fortalecimento de diversos movimentos sociais, que tiveram grande importncia na re-
democratizao do Pas. No campo, ocorre o processo que leva ao surgimento do MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Consolidam-se tambm os movi-
mentos inspirados pelas pastorais sociais das igrejas, especialmente a catlica. Em San-
ta Catarina, ocorre a criao da Frente Nacional por Polticas Democrticas de Comu-
nicao, embrio do atual Frum Nacional pela Democratizao da Comunicao
(FNDC).
Conforme explica o jornalista Elson Faxina, do Paran, a presena da igreja catlica
no meio popular, influenciada pelas CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e pela Teolo-
gia da Libertao, gerou dezenas de movimentos de reivindicaes que cumpriram impor-
tante papel. A organizao em torno da igreja catlica foi natural na regio, pois a ins-
tituio contava com grande capiliaridade e o trabalho de mobilizao dos vrios setores
havia sido iniciado ainda nos anos 60 e 70 com as CEBs.
Faxina, que participou dos movimentos estudantil e da igreja, conta que, no Paran,
o Movimento dos Desempregados, o Movimento em Favor dos Atingidos por Barra-
gens, as Pastorais da Juventude, da Terra, das Favelas, Operria, a Comisso de Justi-
a e Paz, entre outros, arregimentaram milhares de pessoas e fizeram mobilizaes im-
portantes, gestando, inclusive, quadros que passaram a ocupar espao nos partidos de
esquerda, nas universidades, em diferentes instituies sociais e at nos governos
eleitos a partir de 1982.
CAMPO DE LUTA
O incio da atuao do MST na dcada de 1980 lembrado com detalhes pelo jor-
nalista Rafael Guimaraens, do Rio Grande do Sul. Guimaraens acredita que a ocupa-
o da Fazenda Anoni, no Norte gacho, em 1984, pode ser considerada um marco
nesse sentido, bem como o acampamento de Encruzilhada Natalino, em 1980. Guima-
raens ressalta que a resistncia dos colonos adquiriu uma importncia simblica to
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grande que o Exrcito enviou para a regio o famigerado major Curi1, que semanas
depois deixou a regio sem realizar a sua misso de dissolver o acampamento.
O surgimento e organizao do MST, explicado a partir das lutas de dcadas ante-
riores, contou tambm com fundamental apoio da CPT (Comisso Pastoral da Ter-
ra) e da Comisso de Justia e Paz da igreja. O movimento tem origem, de acordo
com Elson Faxina, em experincias dos trs estados do Sul, com o surgimento de
movimentos locais, como foi o caso do Mastro (Movimento de Agricultores Sem Ter-
ra do Oeste do Paran).
Em pouqussimos casos, os movimentos sociais e articulaes polticas verificados
na regio no perodo da redemocratizao podem ser classificados como isolados.
Existiam, no entanto, particularidades, nfases maiores num e noutro local. A anlise
de Faxina que no Sul a questo da terra foi um dos temas mais fortes. Havia uma
conexo com o restante do pas, mas as caractersticas da posse e da luta pela terra e
a proximidade de comunicao entre os trs estados do Sul foram mais fortes.
TROMBETA DAS TRANSFORMAES
O jornalista Gasto Cassel, que vive em Florianpolis (SC) desde 1987, relembra um
episdio em Santa Maria (RS) que ilustra o importante papel que o movimento estu-
dantil cumpriu no perodo de redemocratizao. Cassel hoje possui uma assessoria de
imprensa que trabalha sobretudo com sindicatos e ressalta que o que aconteceu em
Santa Maria foi uma movimentao extremamente espontnea de indignao mas
nem por isso menos corajosa e importante.
Nas palavras de Cassel, iria ocorrer em Santa Maria um comcio num sbado de ma-
nh, na principal praa da cidade, do candidato do governo, do PDS. E o [presidente Joo
Baptista] Figueiredo foi l pedir voto e as pessoas comearam a se aglutinar por curiosi-
dade no comcio... Quando o animador perguntava 'E quem o futuro governador?!', o
pessoal respondia o nome do cara da oposio. Virou quase uma guerra campal.
De acordo com Cassel, ao sair das aulas nos prdios da Universidade Federal de San-
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ta Maria no centro, os estudantes iam direto para o calado da cidade. As pessoas co-
mearam ento a se aglutinar e, enquanto o presidente Figueiredo falava, os estudan-
tes, mobilizados, respondiam: 'Sade e Educao, direito da nao!'. Ficava claro,
ali, que j existia algo latente na sociedade, que comea a aparecer nesses movimentos,
nessas manifestaes eleitorais, muitas delas contidas atravs de fraudes.
Ao lembrar deste episdio mais espontneo, Cassel registra que a reorganizao dos
movimentos no Sul do Brasil no perodo possui igual importncia. Cassel, que hoje d
aulas no curso de comunicao do Ielusc (Instituto Superior e Centro Educacional Lu-
terano), em Joinville, participava diretamente do movimento estudantil nos anos 70 e
80. Ele acredita que o movimento desempenhava um papel muito curioso, porque
talvez no fosse conseqente o suficiente para propor mudanas efetivas. Mas tinha
a caracterstica de mostrar para as pessoas que era possvel se indignar, que era pos-
svel ir para as ruas, que dava pra fazer uma passeata, pra desafiar aquele poder, na-
quele momento.
O jornalista Rafael Guimaraens registra que as correntes estudantis que operavam
no Rio Grande do Sul tinham carter nacional: a Nova Proposta, de carter
trotskista moderado; a Liberdade e Luta (Libelu), trotskista radicalizada; e a Unida-
de e Luta, vinculada ao PCB e ao PC do B, esta ltima majoritria no pas, mas mi-
noritria no estado.
Guimaraens aponta que, no perodo da redemocratizao, o movimento estudan-
til cumpriu novamente com sua funo histrica de trombeta das transformaes.
Atravs de lutas especficas, tratando, por exemplo, do preo dos restaurantes uni-
versitrios e das carteiras de estudante, o movimento iniciou um processo de mobi-
lizao que redundou em grandes passeatas. Nesse sentido, o jornalista gacho des-
taca os atos contra os decretos 477 (que proibia a participao poltica dos estudan-
tes) e 228 (que atrelava as entidades estudantis burocracia das universidades), bem
como as mobilizaes mais direcionadas luta contra a ditadura.
Em suas passeatas e caminhos, o movimento estudantil passa a fortalecer tambm a atu-
ao e a organizao posterior de outros movimentos, especialmente o sindical.
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OPOSIES E COMUNICAO
Em meados da dcada de 1970, foi organizada no Rio Grande do Sul a chamada In-
tersindical, que teve o Sindicato dos Bancrios com Olvio Dutra, ex-ministro das Ci-
dades e ex-governador do estado, na presidncia como principal ator. A partir da In-
tersindical, o movimento sindical ia deixando para trs a retrao que marcara o pero-
do anterior, retomando aos poucos uma postura reivindicatria e organizativa. Em di-
logo com os movimentos grevistas do ABCD Paulista, os bancrios promoveram a Gre-
ve de 27 dias do Sindicato dos Bancrios de 1979, um marco do novo sindicalismo ga-
cho. Foi a primeira paralisao no estado desde 1964.
A atuao do movimento sindical no Sul do Brasil era completamente articulada com
outros lugares do Pas. Havia muita gente que transitava de um estado para outro, de
uma regio para outra, levando e trazendo experincias. Gasto Cassel explica que o
movimento sindical se fortaleceu muito atravs da organizao das oposies: o pes-
soal ia organizar aqui, nos metalrgicos de Joinville, ia disputar sindicato, vinha o pes-
soal dos metalrgicos do ABC trazer sua experincia de oposio... e junto com isso vi-
nha toda a discusso poltica de forma de organizao. No movimento dos bancrios,
a mesma coisa. Para Cassel, esse intercmbio foi marcante a tal ponto que teve, de
certo modo, seu clmax representado pela criao da CUT.
No processo de fortalecimento dos sindicatos no Sul, a comunicao teve papel de-
terminante tambm, especialmente a partir do incio dos anos 80. Cassel, por exemplo,
organizava junto aos sindicatos dos bancrios seminrios de comunicao e de forma-
o sindical. O jornalista recorda-se que os bancrios eram muito articulados nacional-
mente e passaram a cumprir com funes importantes nesse campo, ao fazer o trans-
bordo de conceitos, de valores para outras categorias. Para ele, as discusses mais
avanadas com relao comunicao se davam justamente nos Seminrios de Comu-
nicao Bancria, um espao no qual as concepes divergentes de comunicao den-
tro da prpria CUT apareciam de maneira mais concreta. As diferenas verificadas no
campo das idias se repetiam nas questes de infra-estrutura e recursos materiais, mas
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mesmo com essas disparidades, havia uma articulao nacional nesse campo.
Ao mesmo tempo em que a comunicao colaborava no fortalecimento dos sindica-
tos, a retomada de flego das entidades levava tambm a um ganho de consistncia gra-
dativo na sua comunicao. Em Santa Catarina, Cassel destaca o papel desempenhado
no fortalecimento da comunicao sindical por Samuel Pantoja Lima, o Samuca, anti-
go aluno do curso de Jornalismo da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e
tambm funcionrio do Banco do Brasil. Em 1987, Lima torna-se presidente do Sindi-
cato dos Bancrios de Florianpolis e Regio, por meio do MOB (Movimento de Opo-
sio Bancria). Em sua gesto, leva para o corao do sindicato a discusso de uma
comunicao consistente, permanente, regular. De acordo com Cassel, nos idos de
1987 Samuca cria junto aos bancrios o primeiro jornal importante do movimento sin-
dical de Santa Catarina a Folha Sindical.
O estado tambm foi palco, entre 1982 e 1987, de outra importante mobilizao no
campo sindical: o MOS (Movimento de Oposio Sindical), do Sindicato dos Jornalis-
tas. O MOS causou um certo furor na capital Florianpolis e movimentou vrias cate-
gorias e outros sindicatos.
Francisco Jos Castilhos Karam, jornalista e professor do curso de Jornalismo da UFSC,
destaca que na categoria dos jornalistas o MOS levou a importantes mudanas polticas e
profissionais. Segundo Karam, o movimento culminou com a vitria da oposio em
1987, elegendo Celso Vicenzi presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina.
Para o professor da UFSC, superava-se, naquele momento, o quadro de atrelamento po-
ltico ditadura e ao que restou dela na representao dos jornalistas catarinenses.
A eleio de Vicenzi, porm, s ocorreu no segundo pleito que o MOS disputou. No
primeiro, o movimento acabou perdendo a eleio, graas a fraudes operadas sobre os
votos encaminhados pelo correio. A histria contada em detalhes por Cassel em livro
lanado pelo Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina em meados de 2005, ano em
que a entidade comemorou meio sculo de histria. A fraude da primeira eleio d lu-
gar ao orgulho da vitria na eleio de 1987, a partir da qual, nas palavras de Karam,
construiu-se um novo Sindicato dos Jornalistas no estado catarinense.
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No Paran, Elson Faxina conta que o movimento de oposio s conseguiu vencer a
eleio para o Sindicato dos Jornalistas em 1991, na chapa em que ele figurava como can-
didato a vice-presidente. J no Rio Grande do Sul, Rafael Guimaraens explica que a par-
tir do final dos anos 70, o Sindicato dos Jornalistas passou a ser dirigido por um grupo
de oposio, vinculando-se Intersindical e contribuindo para a criao da CUT.
As vitrias da oposio em Florianpolis e regio, nos sindicatos dos Bancrios e dos
Eletricitrios, so outros processos que merecem registro. A renovao fez com que
ambas entidades passassem a representar, nos anos 80 e 90, uma forma mais conscien-
te de atuao poltica e profissional. Alm disso, a articulao de bancrios e eletrici-
trios teve importncia direta na derrota da ditadura, bem como as mobilizaes dos
servidores pblicos estaduais e professores da rede pblica. A APUFSC (Associao dos
Professores da UFSC) completa o rol de entidades que, para Cassel, contribuiu bastan-
te para a redemocratizao. Em sua anlise, o jornalista avalia que esses movimentos
apresentaram posies iniciais mais avanadas, abrindo caminho para a chegada de
sindicatos de todas as reas.
Para Elson Faxina, os processos que mais marcaram o perodo de redemocratizao
no Sul foram mesmo a reorganizao dos sindicatos e as mobilizaes surgidas no in-
terior das universidades, especialmente no movimento estudantil. Foram momentos
de muita luta, greves, presses, tanto por lutas locais quanto por demandas nacionais.
No Paran, Faxina destaca tambm a importncia do movimento pela Anistia Ampla,
Geral e Irrestrita, no final da dcada de 1970 e incio dos anos 80, que tambm foi
um grande momento de mobilizao, mais precisamente nas capitais.
COMUNICACAO E DEMOCRATIZAO
No Rio Grande do Sul, o incio da luta pela Anistia teve no Coojornal (veja matria
Coojornal: o fim da ditadura e da reportagem, pgina 36) um de seus protago-
nitas. O jornalista Rafael Guimaraens explica que, no final da dcada de 1970, trs ci-
dados gachos estavam presos em pases vizinhos. Flvia Schilling (filha do socilogo
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exilado Paulo Schilling) estava presa no Uruguai acusada de ligao com os tupama-
ros2; Flavio Koutzii (hoje deputado estadual gacho e ouvidor nacional do Partido dos
Trabalhadores) encontrava-se detido na Argentina, por atividades polticas, e o jorna-
lista Flavio Tavares, exilado na Argentina, correspondente do jornal O Estado de S.
Paulo, foi preso quando fazia uma reportagem em Montevidu. O Coojornal deu toda
a cobertura jornalstica campanha pela libertao dos trs, alm de ter realizado im-
portantes reportagens no final de 1978, quando um casal de uruguaios foi preso em Por-
to Alegre. Lilian Celiberti e Universindo Diaz atuavam numa organizao que denun-
ciava a violao de direitos humanos por parte da ditadura de seu pas, explica Gui-
maraens. Ele destaca que o casal foi seqestrado numa operao envolvendo policiais e
militares uruguaios e brasileiros, comprovando a existncia de uma articulao das di-
taduras do chamado Cone Sul.
Em um terceiro episdio, quatro jornalistas do prprio Coojornal Osmar Trinda-
de, Rosvita Saueressig, Elmar Bones e Rafael Guimaraens foram presos. A justifica-
tiva dos militares para a priso foi a publicao de dois relatrios do Exrcito nas p-
ginas do Coojornal, a Operao Pejussara, relatando o combate guerrilha do Vale do
Ribeira (SP) e a Operao Registro, que tratava da caa ao capito Carlos Lamarca no
interior da Bahia. Por ordem do comandante do III Exrcito, Antnio Bandeira, foi
aberto um processo com base na Lei de Segurana Nacional, que levou s prises. Gui-
maraens explica que o caso teve repercusso nacional, j que foram as primeiras pri-
ses com carter poltico ps-Anistia e reabriram as discusses sobre liberdade de in-
formao e o direito de conhecer a histria recente do pas.
O destaque dado por Rafael Guimaraens ao importante papel do Coojornal no pro-
cesso de redemocratizao encontra na anlise do jornalista Elson Faxina uma interes-
sante complementariedade. Para Faxina, no h um veculo que pode ser considera-
do decisivo nesse trabalho no Sul. Mas houve, no entanto, diversos veculos que cum-
priram sua funo naquele momento.
O olhar do jornalista do Paran volta-se especialmente para o jornal Nosso Tempo,
um dos mais conhecidos no estado nos anos 70 e 80. Faxina conta que um de seus di-
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retores-editores, Juvncio Mazzarollo, foi preso em plena dcada de 1980 por motiva-
es polticas: ele foi o ltimo preso poltico do Brasil, afirma. De acordo com
Faxina, o jornal enfrentou, em outro momento, at perseguio do Sindicato dos Jor-
nalistas do Paran, uma vez que seus proprietrios-editores no eram jornalistas pro-
fissionais. Para que o jornal pudesse seguir seu trabalho, Faxina e mais dois jornalis-
tas profissionais Fbio Campana e Noemi Osna decidiram assinar o jornal como
editores por diversos anos gratuitamente.
Alm de destacar a repercusso e o respeito nacional que algumas reportagens do
Coojornal alcanavam, Rafael Guimaraens explica que o fenmeno de surgimento dos
veculos alternativos da imprensa nanica no Rio Grande do Sul tambm ocorreu
nas dcadas de 1970 e 1980, embora em escala menor do que no Sudeste. Por outro
lado, no perodo de redemocratizao, a principal caractersitica a se destacar da
grande imprensa no estado que ela se manteve estreitamente vinculada ao pensamen-
to conservador e elite, como sempre ocorreu e ainda hoje ocorre. Segundo Guima-
raens, a grosso modo, o grupo Caldas Junior, do tradicional Correio do Povo, era
porta-voz do capitalismo rural, enquanto o grupo RBS relacionava-se com um tipo de
capitalismo mais moderno.
O processo de redemocratizao do Pas fortaleceu a certeza da necessidade de se de-
mocratizar os meios de comunicao no Brasil tambm. Em Santa Catarina, o profes-
sor da UFSC Francisco Karam destaca o surgimento da Frente Nacional por Polticas
Democrticas de Comunicao, em 1984. Karam explica que a Frente, surgida no m-
bito do curso de Jornalismo da UFSC, era liderada pelo jovem professor Daniel Herz.
A Frente deu origem ao Frum Nacional pela Democratizao da Comunicao e ho-
je Herz representante da sociedade civil no Conselho de Comunicao Social do Con-
gresso Nacional.
Outros nomes que tiveram papel importante no processo de democratizao da co-
municao junto a Herz foram Airton Kanitz, Celzo Vicenzi e Srgio Murillo de An-
drade, sobretudo no processo de reformulao da atuao poltica e profissional dos
jornalistas catarinenses no perodo.
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A importncia do papel de Herz reforada pelas palavras do jornalista Gasto Cas-
sel: Me lembro que nessa poca eu estava na faculdade e a gente tentava importar pa-
ra Santa Maria toda a discusso que havia em Florianpolis. Aquelas informaes, que
diziam que '9 famlias controlam a Comunicao no Brasil'... Tnhamos ali a conscin-
cia do monoplio, que at ento era uma coisa esquisita, uma coisa sem dados, uma
coisa sem consistncia. Para Cassel, o trabalho de Herz, junto ao prprio Karam, a
Adelmo Genro Filho e outros, foi especialmente importante em termos de formulao,
gerando argumentos e socializando conhecimento.
A atuao dos movimentos em Santa Catarina nas questes da comunicao logo se
ampliou, com alianas a instituies de outros estados e regies que trabalhavam, por
exemplo, para implantar o voto direto e universal para a Federao Nacional dos Jor-
nalistas e outras entidades. Karam registra uma outra faceta dos movimentos de comu-
nicao em Santa Catarina, que geraram vrias candidaturas s cmaras de vereado-
res, Assemblia Legislativa e Cmara Federal que contriburam para a democratizao
do Pas.
Tal mobilizao foi fortalecida por um sem-nmero de projetos no campo da comu-
nicao que contriburam para a redemocratizao. Eram incontveis as iniciativas
que colaboraram para a criao de uma nova mentalidade, de uma necessidade de
abertura, de desmascaramento do regime militar, de denncia de suas mazelas e cor-
rupes, destaca Elson Faxina. Para ele, injusto apontar aqui alguns projetos como
de maior importncia, mas igualmente injusto seria no destacar o Boletim da CPT e
o informativo O Metalrgico, da oposio sindical dos metalrgicos do Paran em par-
ceria com a Pastoral Operria. J os anos 80 foram marcados tambm pelo surgimen-
to de diversas iniciativas de teatro de rua e de teatro popular na periferia das grandes
cidades e de inmeras produes de vdeos populares.
Sem demrito s histrias mais conhecidas e picas, Faxina faz questo de frisar
que tambm no se pode esquecer das infinitas aes at mesmo individuais de
centenas de profissionais da comunicao que buscavam, cada qual em seu espao
de atuao inclusive em rdios, jornais, revistas e televises da poca furar blo-
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queios e ocupar espaos importantes para forjar um novo imaginrio de liberdade
fora daquele regime.
PARTIDOS POLTICOS E DIRETAS J
A redemocratizao do Brasil tem nas Diretas J seu clmax e anticlmax, processos
que desembocam na Constituinte em 1987 e 1988. Elson Faxina destaca que o surgi-
mento do PT foi igualmente um grande momento de mobilizao, embora tambm de
rachas na esquerda, entre aqueles fervorosos seguidores dos partidos j existentes e
aqueles que no se sentiam representados por eles.
Na campanha pelas Diretas J em Santa Catarina, o MOS (Movimento de Oposio
Sindical) colaborou de forma decisiva, na anlise de Gasto Cassel. Era um dos n-
cleos aglutinadores da campanha. No estou dizendo isso de uma maneira absoluta,
no estou dizendo que no havia outros tantos de uma enorme importncia, mas o
MOS se destacava. Cassel recorda-se de um detalhe interessante da comunicao na
redemocratizao: um dos coordenadores mais importantes do MOS, Artur Scabone,
era simplesmente o locutor de todos os eventos das Diretas!.
As Diretas J conseguiram agregar os movimentos sindical, estudantil e os movimen-
tos sociais em geral, abrindo caminho para outras transformaes. Especialmente para
os sindicatos, Cassel acredita que a campanha tenha sido um marco importante, no
s pela reivindicao em si, mas pelas pessoas verem que elas podiam reivindicar a par-
tir dos sindicatos mais do que os seus salrios no final do ano. Para ele, nessa poca
havia muita discusso corporativa do sindicato: o sindicato tem que cumprir o papel
de negociar o salrio, de garantir tquete alimentao e pronto... A campanha das Di-
retas mostra de uma maneira muito transparente para todo mundo que h possibilida-
de de interferir na cena poltica institucional, papel at o momento relegado aos par-
tidos polticos.
As histrias todas aqui relatadas registram de forma evidente a importncia que a re-
gio Sul teve na redemocratizao do Brasil, tanto como bero de movimentos como
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campo de lutas. Apesar disso, e de a politizao de boa parte da sociedade gacha em
especfico ser conhecida no Brasil todo, Rafael Guimaraens faz questo de reforar es-
sas impresses. Em primeiro lugar, preciso salientar que o Rio Grande do Sul este-
ve no centro dos acontecimentos que levaram ao golpe militar de 1964. Ele continua:
Trs anos antes, quando Jnio Quadros renunciou Presidncia da Repblica e os mi-
litares vetaram a posse de Joo Goulart, foram os gachos que se mobilizaram para evi-
tar o golpe, no chamado Movimento pela Legalidade. Nos anos seguintes, Jango gover-
nou o Pas tendo seu cunhado Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e pos-
teriormente eleito deputado federal pela Guanabara, atuando pela radicalizao das re-
formas. Deu-se o golpe e ambos foram para o exlio. Por fim, Guimaraens registra que
trs dos cinco presidentes militares eram gachos [Arthur da] Costa e Silva, [Emlio
Garrastazu] Mdici e [Ernesto] Geisel e dois deles [Humberto] Castello Branco e
[Joo Baptista] Figueiredo serviram s Foras Armadas no Rio Grande do Sul.
Histrias contadas e recontadas. Nunca superadas. Mas hoje no passado, graas aos
tantos lutadores da regio Sul e do Brasil todo.
[1] Sebastio Rodrigues de Moura, tambm conhecido como major Curi, foi um dos comandantes da represso
militar ao movimento armado do Araguaia na dcada de 1970. Ganhou notoriedade no Pas por sua brutalidade
na perseguio aos opositores do regime militar. Hoje, prefeito da cidade de Curionpolis, no Par.
[2] Tuparamaros: integrantes do Exrcito de Liberao Nacional, guerrilha urbana atuante no Uruguai nas dcadas
de 1960 e 1970, cujo nome homenageia o revolucionrio inca Tupac Amaru.
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[histria] Contexto Sul [onde e quando] Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paran; de 1960 a 2005, especialmente 1970 a 1989[quem conta] Elson Faxina, Francisco Karan, Gasto Cassel, e Rafael Guimaraens [entrevistas realizadas] de setembro de 2004 a maro de 2005
[colaborou]CAMILA STHELIN
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COOJORNAL: O FIM DA DITADURA E DA REPORTAGEM
DANIEL CASSOL jornalista, assessor de imprensa do deputado estadual Frei Srgio Grgen(PT-RS), colaborador do jornal Boca de Rua e integrante do Intervozes
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Em fevereiro de 1983, quatro reprteres da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Ale-
gre foram condenados priso pelo Supremo Tribunal Militar. Motivo de revolta e evi-
dncia do anacronismo da ditadura, a priso de jornalistas em pleno processo de aber-
tura poltica foi o ltimo golpe desferido contra uma das mais originais experincias de
imprensa independente que o Brasil j conheceu. Fundada por 67 jornalistas asfixiados
pela censura e falta de emprego, em 27 de agosto de 1974, a primeira cooperativa do
gnero do Pas aliou organizao coletiva com jornalismo crtico e independente, pro-
vocando estragos na ditadura e deixando, para museus e bibliotecas, uma lio hoje es-
quecida pela imprensa.
A participao de muitos de seus fundadores na experincia da Folha da Manh, jor-
nal editado pela empresa Caldas Jr., entre 1972 e 1974, foi a gnese da cooperativa.
ramos um estado de oposio, mas a imprensa no atendia a esse pblico. Havia es-
pao para uma imprensa independente, lembra Elmar Bones, secretrio de redao da
Folha da Manh e, depois, diretor da Coojornal. O sucesso obtido com a profissionali-
zao da redao e a abordagem de temas que mobilizavam a oposio no impediu que
a empresa cedesse s presses do regime. Aps um incidente com a publicao de uma
reportagem sobre problemas nas portas dos avies da Varig, Elmar Bones, autor da ma-
tria para a Folha da Manh, pediu demisso. Em seguida, uma reportagem, do ento
desconhecido Caco Barcellos, provocou mais uma crise dentro do jornal. Cerca de 20
jornalistas se demitiram em massa, o jornal recuou e a imprensa gacha que j havia
perdido o Pato Macho, que promoveu uma rebelio impressa em 1971 ficou rf
de uma alternativa.
Nesse contexto nasceu a Coojornal. A questo do mercado de trabalho lembra
Bones mobilizava mais, mas havia um grupo pequeno que acreditava na possibilida-
de de se criar um jornal independente. A cooperativa comeou editando jornais para
terceiros. Enquanto juntava capital para criar o sonhado jornal, criou um boletim in-
terno para discutir as questes do cooperativismo e da imprensa no Brasil. O boletim
cresceu e, em 1976, a cooperativa decidiu transform-lo em um jornal mensal, intitu-
lado Coojornal, o jornal dos jornalistas. Na capa, uma reportagem sobre o assassina-
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to da esposa do deputado gacho Euclides Kliemann, em 1962, que nunca fora escla-
recido. O Coojornal foi s bancas numa fase j mais definida de abertura poltica. O
regime militar comeava a entrar para a histria. E o Coojornal se tornou o contador
dessa histria, escreveu o professor e jornalista Bernardo Kucinski em seu livro Jor-
nalistas e Revolucionrios.
O Coojornal foi o primeiro jornal do Pas a falar na Guerrilha do Araguaia, na edi-
o de julho de 1978. Em 1977, fez um levantamento completo dos polticos cassados
em 13 anos de revoluo democrtica. Abordou as ditaduras nos pases da Amrica
Latina e deu voz aos lderes histricos da esquerda, como Luiz Carlos Prestes, Miguel
Arraes, Leonel Brizola e aos personagens que iniciavam suas trajetrias, como Luiz
Incio Lula da Silva e Olvio Dutra. Tambm dedicou-se a temas da economia, da cul-
tura e do esporte, mantendo sua caracterstica inicial de fazer a crtica da imprensa. Era
um assunto em que, simplesmente, no se tocava, aponta Bones. Em pouco tempo, o
jornal ganhou importncia e influncia. Chegou a alcanar uma tiragem de 35 mil exem-
plares, dos quais mais da metade circulava fora do Rio Grande do Sul.
Para Jos Antonio Vieira da Cunha autor da idia da Coojornal a partir de uma no-
ta em uma publicao, que falava de uma cooperativa de jornalistas na Itlia o xito
se devia profissionalizao do projeto. Era isso que dava credibilidade e prestgio pa-
ra o Coojornal, na medida em que ele procurava tratar os assuntos da maneira mais ob-
jetiva e isenta, do ponto de vista de vcios partidrios, explica. O veculo no teria es-
sa fora se no fosse a estrutura de propriedade coletiva, na opinio de Bones. O jor-
nalista era o dono da empresa e isso gerou uma grande simpatia no meio, afirma. Nas
palavras de Kucinski, tratava-se, no de organizar partidos ou vanguardas, mas de per-
mitir aos associados a prtica de um jornalismo livre e independente, cujas expectati-
vas seriam satisfeitas, muito mais no resultado do confronto geral do projeto com a di-
tadura, do que como expectativas pessoais.
Com a represso aos sindicatos, as assemblias da cooperativa extrapolavam as ques-
tes administrativas e tornavam-se grandes fruns de discusso sobre a conjuntura po-
ltica brasileira. Eram assemblias que chegavam a durar oito horas, recorda Vieira
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Capas do Coojornal: protagonismo e registros histricos
[Rep
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da Cunha. Internamente, os conselheiros editoriais, reprteres e fotgrafos permitiam
uma democratizao das decises dirias da cooperativa.
Editorialmente, o Coojornal passou a testar os limites que a ditadura impunha. As-
sim, puxou a imprensa para os temas antes censurados, impelindo baixas ditadura, ao
mesmo tempo que soava o alarme nos gabinetes militares. Houve um plano delibera-
do para detonar a Coojornal, atesta Bones. Militares faziam visitas aos anunciantes,
pressionando para que retirassem o apoio. Eu tenho vrios testemunhos de empres-
rios que foram visitados, lembra. A maioria obedeceu. Bombas explodiram em algu-
mas bancas que vendiam o jornal. Nesse meio tempo, chegaram redao os documen-
tos oficiais do Exrcito relatando as aes de desmantelamento dos focos de guerrilha
no Vale do Ribeira e da execuo de Carlos Lamarca. Tnhamos uma desconfiana
muito forte de que aquilo era uma armao. S que os documentos eram autnticos e
revelavam coisas que tinham acontecido em 1970, 1971, mas que ningum sabia. Era
uma bomba, recorda Elmar. A reportagem foi publicada e acabou provocando a pri-
so de Osmar Trindade, Rosvita Sauerssig, Rafael Guimaraens e Elmar Bones, em 1983,
j com a abertura poltica sendo retomada.
Sem clientes nem anunciantes, a Coojornal passava por um processo de desgaste in-
terno, por conta de divergncias entre o grupo dirigente e a oposio. Esse desgaste pro-
vocou, por fim, a falncia do projeto. A ltima edio do jornal saiu em maro de 1983.
Despejada de sua sede por ordem judicial, teve todos os seus documentos e sua biblio-
teca recolhidos a um depsito judicial e queimados, sob a alegao de falta de espao,
destruindo frao importante da memria do jornalismo brasileiro cada vez mais ca-
rente de iniciativas como essa.
ELMAR BONES: PRECISAMOS DE UM CONJUNTO DE PEQUENAS MDIAS, PARA A SADE
DA DEMOCRACIA.
Espcie de fio condutor da histria do Coojornal, Elmar Bones hoje dirige o J, um pe-
queno jornal de bairro de Porto Alegre (RS) que ainda insiste em fazer jornalismo: em
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2004, por exemplo, o J viu uma de suas reportagens conquistar o Prmio Esso de
Jornalismo.
Foi na redao do jornal, onde tambm funciona a J Editores e sua casa, que Elmar
concedeu essa entrevista, para contar a experincia empreendida na dcada de 70 e fa-
lar sobre a situao da imprensa no Brasil.
_ O objetivo da Coojornal era criar uma alternativa de mercado ou uma vlvula de es-
cape para o jornalismo crtico e independente?
A questo do mercado de trabalho era um problema concreto em Porto Alegre e mo-
tivou um grupo maior. Mas tinha um grupo menor que tinha uma viso crtica da im-
prensa local, que sempre foi muito governista, oficiosa.
_ Qual foi a influncia da experincia que vocs tiveram com a Folha da Manh?
A experincia da Folha aglutinou o grupo que criticava o oficialismo da imprensa. Fize-
mos um jornal ativo, em contraposio aos jornais passivos. A nossa tese se revelava ver-
dadeira medida que o jornal crescia muito em vendas. Mas ele comeou a trazer proble-
mas para a Caldas Jr [empresa que editava o jornal], uma empresa que, como todas as ou-
tras, apoiou o regime militar. A imprensa sempre adere aos movimentos da elite.
_ Depois do fim da Folha da Manh, como esse grupo continuou?
Seguamos nos reunindo com a idia de que havamos descoberto um caminho. Com
uma cooperativa, poderamos aglutinar mais gente. Comeamos a nos aproximar das
cooperativas agrcolas, fortes por causa da expanso da lavoura de soja, que receberam
bem a idia de uma cooperativa de jornalistas. Desde o incio, pensvamos em fazer um
jornal, mas vimos que no tnhamos recursos. Tratamos de organizar a cooperativa,
aglutinar mais gente e juntar dinheiro para fazer um semanrio.
_ Se o Coojornal fosse editado por uma empresa convencional, ele teria a mesma fora?
Claro que no. O grande diferencial era a participao. O jornalista era o dono da em-
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presa e isso gerou uma grande simpatia no meio. O cooperativismo a forma mais de-
mocrtica de organizao. Essa coisa do controle da empresa, que est na mo do jor-
nalista, era bem original.
_Como surgiu a tendncia em se fazer uma memria da ditadura que ainda no havia
acabado?
No queramos atrair a censura, que recm havia sado das redaes. Trabalhvamos no
limite que o regime permitisse. Avanvamos aos poucos. Falvamos indiretamente das
questes que estavam no ar, que a esquerda estava levantando, mas que no tinham es-
pao. E, medida que comeamos a notar o interesse das pessoas, passamos a ficar mais
ousados. O Ernesto Geisel comeou a colocar, muito discretamente, o discurso da aber-
tura lenta, gradual e segura. Aparentemente, a revoluo era vitoriosa: tinha eliminado
seus inimigos e podia se dar ao luxo de descomprimir um pouco o ambiente poltico.
_Mas como explicar a priso de vocs, j na dcada de 80?
A abertura teve vrios solavancos. Um dos problemas que a abertura encontrou foi o cres-
cimento da imprensa alternativa. Ela puxou a imprensa convencional para novos temas
e a vem a importncia dela. Havia mais espao, mas a imprensa convencional se acomo-
dou na posio de no incomodar o regime. At porque o regime censurava e financiava
essa imprensa. Esses grupos todos que esto a ganharam muito dinheiro. Mas esse reflu-
xo na abertura poltica uma parte da histria que ainda no foi bem contada. Houve um
plano deliberado para detonar a Coojornal, desde medidas oficiais tomadas pelo governo
at aes terroristas, como o caso das bombas nas bancas. Eu sei que houve reunio do III
Exrcito com empresrios, em que se orientou a no apoiar a imprensa comunista.
_ Isso acabou acirrando, tambm, uma ciso interna na cooperativa?
O grupo que dirigia a Coojornal achava que o importante era preservar a organizao, a
estrutura de trabalho. Achvamos que aquele processo ia passar. Mas havia um grupo
mais esquerda, que defendia o fim dos servios prestados para terceiros, para concen-
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trarmos esforos no jornal, fazer um jornal mais agressivo e buscar apoio no leitor, o que
era uma coisa utpica. Na hora em que comea a ter bomba em banca, at o leitor te
abandona. A veio o processo, veio a priso, se acirrou a disputa interna. O grupo da opo-
sio ganhou a eleio e as pessoas a essa altura tnhamos cerca de 400 scios, mas a
maioria no tinha essa perspectiva poltica se afastaram. No meu caso, como os salri-
os comearam a atrasar e eu ainda divergia com a linha deles, me afastei. Hoje a gente
v que havia uma briga interna muito forte. Por isso que a pequena imprensa necess-
ria. Aqui no Jornal J, por exemplo, posso abordar temas que a Zero Hora no pode. Na
nossa edio sobre o golpe de 1964, publicamos a manchete O dia em que o Rio Gran-
de vacilou, nos referindo aos dias em que o estado poderia ter comandando uma reao
contra o golpe. Se fizesse isso na Zero Hora, o pessoal que apoiou o golpe iria pra cima
do jornal, dizendo que, ao contrrio, os gachos estiveram sempre do lado certo, apoia-
ram a revoluo e impediram a implantao do comunismo no Brasil.
_ J outros jornais no precisaram ser muito sutis e falaram logo em revoluo.
Mesmo na Zero Hora, a palavra golpe apareceu aqui e ali. Mas o pequeno jornal pode
fazer isso, e isso influi no grande jornal. Se o pequeno traz uma informao quente, o gran-
de jornal no pode ignorar por muito tempo. Um conjunto de pequenos jornais consegue
expressar opinies que precisam de espao. Para a sade do sistema democrtico preci-
so um conjunto de pequenas mdias instigando a mdia grande, que tende a se acomodar,
porque ela uma mdia empresarial, est muito mais ligada aos seus prprios interesses.
[histria] Coojornal[onde e quando] Porto Alegre (RS), de 1976 a 1983[quem conta] Elmar Bones (foto) e Jos Antonio Vieira da Cunha [entrevistas realizadas] Abril de 2004
[Dan
iel C
asso
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A imprensa alternativa gacha conheceu um heri, que tambm passou pelas pginas
do Coojornal. Ele era feio, faminto, tinha barriga dgua, catava restos num depsito de
lixo e cultivava um grande sonho a cada novo dia: fazer o desjejum. Seu nome, Rango,
que pelas bandas do Sul quer dizer comida. Seu pai, o desenhista Edgar Vasques.
Ele nasceu do sentimento de resistncia mentira oficializada, diz Vasques. Ao denun-
ciar a fome dos brasileiros, Rango denunciava a falcia da ditadura, de que o Pas ia bem.
Nascido numa revista de estudantes de Arquitetura da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) em 1970, Rango estreou na grande imprensa na Folha da Ma-
nh, em 1973. Com a demisso dos jornalistas, entre eles Vasques, Rango foi pulando de
jornal em jornal, sendo o piv, inclusive, de uma apreenso nas bancas, do velho Pasquim.
Antes de um mrtir da luta contra a ditadura, Rango foi um sucesso editorial. Talvez
porque a linguagem do humor atrasse o pblico, assim como a qualidade da piada e as
alfinetadas nos militares. O Rango ajudou a formar uma opinio pblica contra a cen-
sura e a ditadura, a favor da democracia. Certamente, ns, humoristas, contribumos, en-
tende Vasques. Rango queria comer, apenas. Mas era justamente por a que as grandes
questes da poltica nacional eram colocadas por Vasques. Afinal, como falar de desenvol-
vimento num pas em que a misria do povo era maquiada por uma bem arquitetada cen-
sura entre governo e empresrios da imprensa? O que mais me preocupava na poca da
censura era a alegao do milagre econmico. O grande problema era resolver a questo
da fome no Pas. Isso era um ponto estratgico da discusso sobre democracia, avalia.
Hoje, Vasques participa do Sindicato dos Grafistas de Porto Alegre e possui uma srie
de problemas nas articulaes das mos, devido compulso por desenhar. Rango j tem
17 livros, mas est desempregado porque, para o autor, cada tirinha sua uma porrada
no estmago. E ironia do destino: sua fome cada vez mais atual, tanto que em 2005, no
prestigiado HQ Mix, o prmio para os maiores cartunistas do Brasil foi justamente um
trofu do Rango. Vasques ri: Hoje, acho engraado ver o presidente instituindo um pro-
grama chamado Fome Zero. Quando eu falava disso, dava cadeia.
UM HERI FAMINTO
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[histria] Rango[onde e quando] Porto Alegre (RS), de 1970 a 2005[quem conta] Edgar Vasques[entrevistas realizadas] Abril de 2004
[Reproduo]
Heri e Milagre: a fome vem de antes
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As imagens que a histria congelou talvez tenham sido aquelas das assemblias em
praas e campos de futebol, onde operrios da regio do estado de So Paulo conheci-
da como ABCD as cidades de Santo Andr, So Bernardo do Campo, So Caetano e
Diadema decidiam as greves que mudariam os rumos do Pas. Tudo registrado na-
quele colorido falho das cmeras Super 8, quando no em preto e branco, filmado na
maior parte das vezes pelos prprios metalrgicos, que j conheciam a importncia da
comunicao e experimentavam as novas tecnologias da poca. Quando se fala no pe-
rodo da redemocratizao na regio Sudeste do Brasil, aqueles anos que comeam em
meados da dcada de 1970, talvez essas sejam as imagens que ficaram eternizadas. Mas
o movimento dos metalrgicos do ABCD, que comea a tomar corpo em 1975, apesar
de ser o mais conhecido nas lutas pela reabertura para a democracia, no foi o nico
a experimentar os meios que fossem possveis para enviar e registrar a mensagem de
que essa abertura no poderia ser to lenta e gradual quanto alguns desejavam.
Nos bairros, nas fbricas, estava em curso um longo caminho de disputa contra-he-
gemnica. Isto se multiplicava tambm nas escolas, que tinham sido dizimadas de seus
militantes pela represso. De 1977 para c, recomeava o movimento estudantil, lem-
bra o jornalista e pesquisador do Ncleo Piratininga de Comunicao, Vito Giannotti.
Essa disputa contra-hegemnica havia comeado j em 1968, quatro anos depois do
golpe, quando trabalhadores nas fbricas, militantes de esquerda e ativistas dos mais
variados grupos nascidos do trabalho das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), or-
ganizavam-se clandestinamente, j comeando a falar de reagir, protestar, exigir melho-
res condies de trabalho ou de vida, no caso dos bairros. Gianotti diz que eram cen-
tenas de pequenas reunies, de cursinhos de Mobral, de Madureza [Mobral era a alfa-
betizao; Madureza, o atual supletivo], organizados com a finalidade de juntar traba-
lhadores e puxar o papo para a poltica. Eram muitos jornaizinhos feitos noite e ro-
dados nos fundos das igrejas, enquanto o ditador Geisel e sua tropa de torturadores e
assassinos continuava se deliciando com o extermnio dos tradicionais militantes co-
munistas.
Foi em 1977, a partir da publicao do que ficou conhecido como a farsa do rea-
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juste de 1973, quando a falsificao dos ndices econmicos provocou um arrocho sa-
larial fortssimo, que ento a classe operria voltou cena. J havia vrios movimen-
tos de contestao, de setores descontentes com a ditadura. Nesse momento, j existi-
am os movimentos pela Anistia e os declaradamente defensores do fim da ditadura. Pa-
ra o pesquisador, o que foi realmente determinante para o incio da reabertura foi a vol-
ta da classe operria, atravs das oposies sindicais e dos sindicalistas autnticos
agrupados em torno da liderana do Lula no ABC Paulista.
A partir da exploso das greves, em maio de 1978, comeou um processo de organi-
zao dos trabalhadores, com encontros decisivos, como o Encontro Nacional das
Oposies Sindicais (ENOS) e o Encontro Nacional dos Trabalhadores em Oposio
Estrutura Sindical (ENTOES), ambos em 1979. Enquanto isso, tambm se articulava o
nascimento de um novo partido poltico, o Partido dos Trabalhadores. E os partidos
comunistas tradicionais, atordoados pela nova conjuntura e destroados pela represso
dos anos 70, reorganizavam-se por caminhos prprios.
JORNALISTAS E REVOLUCIONRIOS
O jornalista Bernardo Kucinski, professor licenciado da Escola de Comunicaes e
Artes da Universidade de So Paulo (ECA-USP) e hoje assessor especial da Secretaria
de Comunicao da Presidncia da Repblica, lembra-se do Movimento Contra o Cus-
to de Vida. Mas tambm havia as oposies sindicais, as comunidades de base e a im-
prensa alternativa. Em seu livro Jornalistas e Revolucionrios, referncia sobre o pe-
rodo da ditadura militar, Kucinski registra o papel essencial que diversos veculos da
imprensa alternativa como os jornais Opinio, Movimento e O Pasquim tiveram
no processo de redemocratizao, especialmente no Sudeste.
Para Jos Salvador Faro, professor da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
(PUC-SP) e da Universidade Metodista de So Paulo, a iniciativa de Geisel em promo-
ver uma abertura lenta, gradual e segura tinha o objetivo de oferecer uma resposta
ao isolamento social em que o governo militar se encontrava, fato agora praticamen-
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te comprovado pelo jornalista Elio Gaspari, atravs da demonstrao das divergncias
no ncleo do sistema de poder na poca.
No Sudeste em geral, e mais espeficicamente em So Paulo talvez a regio social-
mente mais explosiva por conta dos efeitos trazidos pela segregao da modernizao
econmica , uma verdadeira rede de movimentos sociais foi se formando. Faro diz que
era difcil encontrar um segmento que no tivesse se articulado em torno de demandas
de natureza especfica, mas nem por isso desprovidas de significao poltica.
A abertura seria, portanto, uma forma de canalizar as presses que resultavam des-
se processo. Vale lembrar, nesse sentido, o papel que a igreja catlica desempenhou
atravs das Comunidades Eclesiais de Base, mas tambm a rearticulao do movimen-
to sindical, do movimento estudantil, o papel da OAB Ordem dos Advogados do Bra-
sil, ABI Associao Brasileira de Imprensa, SBPC Sociedade Brasileira para o Pro-
gresso da Cincia etc., explica o Faro. Em todos esses casos possvel verificar um
acmulo de discusses que acabavam por convergir para a necessidade do restabeleci-
mento das garantias democrticas.
Os anos 80 abrigam o surgimento de vrios movimentos sociais urbanos, que se
originam na maiore das vezes nos locais de moradia (leia o texto Grito do Povo da
Zona Leste, pgina 58). Reivindicam direitos bsicos de cidadania, como abasteci-
mento de gua e coleta de esgotos, iluminao, transporte, calamento, atendimento
mdico e acesso escola. Lutam tambm pela legalizao de loteamentos clandestinos,
cada vez mais comuns nos bairros de periferia. Em vrios momentos, partem para a
ao direta. Nos anos 80, h ocupaes de terrenos e de conjuntos habitacionais em
construo em vrias capitais e quebra-quebras de nibus e trens urbanos.
Para Vito Giannotti, a abertura veio apenas e exclusivamente por conta de toda essa
presso popular. Este povo que, logo aps a crise do petrleo, comeou a acordar.
Claro, foi muito lento este despertar. A ditadura, com sua Rede Globo, tinha feito e
continuava fazendo seu servio de alienao do povo. O terror completava a ao,
acompanhado da mdia dos Marinhos e seus compadres de classe. No fao nenhum
elogio ao ditador Geisel. No nenhum sacerdote da abertura e no tem nada de mos
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limpas como algum quer faz-lo passar.
O professor aposentado do departamento de Histria da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), Srgio de Souza Brasil, tambm diz que os militares no tive-
ram outra escolha seno a abertura. Entretanto, para ele, as presses teriam sido me-
nos populares. Para Souza Brasil, a chamada abertura lenta e gradual, foi fruto no do
desejo unilateral dos comandantes militares, mas das condies histricas que determi-
navam a recuperao do espao democrtico, advindas da presso e iniciativa de inte-
lectuais orgnicos de esquerda. Na anlise do professor da UFRJ, todos os chamados
movimentos sociais no eram mais do que grupos de esquerda que preconizavam,
com apoio da burguesia insatisfeita, transformaes na ordem poltica, e menos das
presses verdadeiramente populares. Por outro lado, Souza Brasil entende que tais
processos determinaram o surgimento, no mbito da universidade, de um retorno s
discusses sobre como constituir uma instituio refletindo a realidade social brasileira,
no mais fundamentada num esquerdismo pseudo-revolucionrio.
Segundo Souza Brasil, que ingressou como professor na UFRJ em 1967, e foi mem-
bro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), a universidade (professores e estudantes),
que at antes da ditadura militar efervescia em expresses populistas e sem correta an-
lise histrica, viu-se obrigada a pensar o que uma universidade mltipla, participan-
te, reflexiva e realmente voltada preparao de quadros intelectuais compromissados
com as transformaes sociais. Ou seja, saiu-se de uma universidade que se conduzia
para fazer a revoluo, para uma universidade que necessitava pensar em como trans-
formar historicamente a sociedade.
A universidade no esteve diretamente ligada produo e articulao
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