UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS: UMA FONTE INESGOTÁVEL DE
CONHECIMENTO PARA O RESTO DE NOSSAS VIDAS.
Por: Lucinéia Borges Breia
Orientador
Prof. Edla Trocoli
Rio de Janeiro
2012
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS: UMA FONTE INESGOTÁVEL DE
CONHECIMENTO PARA O RESTO DE NOSSAS VIDAS
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de Especialista em Educação Infantil e
Desenvolvimento
Por: Lucinéia Borges Breia
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AGRADECIMENTOS
Pela oportunidade que Deus tem me dado, no decorrer da minha caminhada,
pois tenho alcançado patamares nunca antes sonhados.
Aos Mestres que contribuíram para o aprimoramento deste processo de
aprendizagem, os quais foram essenciais para a fomentação do conhecimento
adquirido. Com admiração e respeito a estas mulheres inteligentes, sensíveis e
maravilhosas, Mary Sue, Edla Trocoli, Eveline Carrano e Cândida Bessa, Geni
Lima, Fátima Alves, Dina Lúcia.
Agradeço ao meu filho Christian Borges, razão do meu viver, a minha nora-filha
Juliana, a minha mãe Lia, a Carlinho meu primeiro afilhado que já é papai da
Ariane, as minha meninas ( sobrinhas Thayná, Lya e Mayhara), a Allan meu
afilhado e filho do coração, a Priscila minha afilhada, a Valéria e Luciano, ao
meu irmão Luiz e cunhadas Eliane e Andrea e ao meu sobrinhos Júnior,
Ricardo, Manini, Rafael e Allan Ricardo.
Agradecimento a minha grande amiga Patrícia Maria de Souza, um grande
exemplo de vida, que luta com garra, com coragem há dez anos contra o
câncer, que logo estará curada. Que Deus a abençoe.
Agradecimento a todos os escritores e contadores de histórias, especialmente
a um ser humano excepcional que tive a honra de conhecer, o Sr. Francisco
Gregório Filho, que jamais esquecerei.
Agradecimento especial a todas as crianças que passaram e que passam pela
minha vida deixando sua pureza, sua alegria, inocência e sensibilidade...
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DEDICATÓRIA
Dedico In Memoriam do meu amado e
inesquecível irmão Carlos Alberto Borges
Breia.
E, finalmente, dedico a mim, pois apesar
de tantos desafios, perdas e dores, venci.
Lucinéia Borges Breia
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EPÍGRAFE
“Diga-me um fato e eu vou aprender. Diga-me uma verdade e eu acreditarei.
Mas conta-me uma história e vai viver no meu coração para sempre”.
( Autor desconhecido )
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RESUMO
O objetivo desta pesquisa científica é a de proporcionar a todos que a
lerem, entrem no mundo fantástico da magia, do encantamento da contação
de histórias, dos contos maravilhosos, que vem vencendo a barreira do tempo
e passando de geração a geração, sem ter obstáculos culturais, pois
encontramos escritores de vários países, que mesmo com a adversidade da
época, da cultura, dos costumes dos seus povos, escreveram belas histórias
que vivem até hoje no imaginário das crianças, como na dos adultos. Será
abordado o Desenvolvimento da criança na Educação Infantil, sobre o que é
infância; será falado sobre os autores e suas histórias; será explanada a
biografia e obras de: Hans Christian Andersen, Irmãos Grimm, Monteiro
Lobato, José Lins do Rego, Ruty Rocha; será comentado sobre a relevância
da contação de histórias na Educação Infantil; e finalmente será citado um
exímio contador de histórias que conta história para todas as idades, Francisco
Gregório Filho, que tem uma trajetória de vida fantástica como contador de
histórias, onde a autora teve o prazer de participar de uma tarde de contação
de histórias, no Paço Imperial, de conhecê-lo pessoalmente e passar uma
tarde magnífica com Francisco Gregório Filho, contando a sua trajetória de
vida, nas quais ele nos contou várias histórias. Esteve presente pessoas
apaixonadas por contação de histórias e outros contadores de histórias como
foi o caso de uma cantora do Acre, que abrilhantou com sua cantação de
histórias ( no Acre as histórias são contadas e cantadas através da
musicalidade ) e esteve presente o poeta português Joaquim Vairinhos.
METODOLOGIA
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A pesquisa dar-se-à, iniciando pelo desenvolvimento da criança,
priorizando a Educação Infantil, falando da contação de histórias que é o
objeto de estudo desta pesquisa, passando por vários autores ( Hans Christian
Andersen; Os Irmãos Grimm; Monteiro Lobato; José Lins do Rego, Ruth
Rocha) algumas de suas histórias, mostrando diferentes tipos de histórias,
falando da importância da contação de histórias na Educação Infantil,
apresentando um contador e cantador de histórias, Sr. Francisco Gregório
Filho, que nasceu no Acre, que é contador de histórias, que conta histórias
aqui, que conta histórias acolá...
Terá em anexos uma história de: Hans Christian Andersen; Irmãos
Grimm; Monteiro Lobato; José Lins do Rego; Ruth Rocha.
Terá em anexos dois artigos publicados de Francisco Gregório Filho.
Será constituída de análises de livros, revistas, de documentos...
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I - Desenvolvimento da Criança na Educação Infantil
1.1 – O que é infância?
1.2 – A Criança e seu desenvolvimento. CAPÍTULO II - Contação de Histórias: Seus Autores e Histórias
2.1 – Hans Christian Andersen.
2.2 – Irmãos Grimm.
2.3 – Monteiro Lobato.
2.4 – José Lins do Rego.
2.5 – Ruth Rocha.
CAPÍTULO III – Contação de Histórias na Educação Infantil
3.1 – A Importância da Contação de Histórias na Educação Infantil.
3.3 – Um Exímio Contador de Histórias do nosso tempo: Francisco Gregório
Filho .
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ANEXO I – Uma história de Hans Christian Andersen.
ANEXO II – Uma história dos Irmãos Grimm.
ANEXO III – Uma história de Monteiro Lobato.
ANEXO IV – Uma história de José Lins do Rego.
ANEXO V – Uma história de Ruth Rocha.
ÍNDICE
FOLHA DE AVALIAÇÃO
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INTRODUÇÃO
Falar de contação de histórias é algo que fez ultrapassar a barreira do
tempo e poder pesquisar sobre autores que escreveram histórias infantis há
séculos passados. Desde a infância que a autora adorava ler e hoje a mesma
tem oportunidade de expandir suas pesquisas sobre contação de histórias,
pois ao longo de sua vida acadêmica participou de cursos, semanas
acadêmicas com contação de histórias na biblioteca, saraus literários, leituras
isoladas. Desde a sua infância sua mãe contava histórias para ela e seus
irmãos antes de dormir, isto fez com que a mesma tomasse amor pelos livros
de histórias, além da professora que contava história na escola, era o
momento mais gostoso.
Não podemos deixar que se perca esta tradição tão proeminente, que
é a contação de histórias, pois não podemos deixar cair no esquecimento os
contos tão belos, as histórias de fadas, as histórias fantásticas, as fábulas, as
lendas, que ouvimos das nossas avós e avôs; das nossas mães e pais, tias e
tios, professores que contaram em nossa infância, histórias que
desenvolveram a nossa criatividade e imaginação, historias estas que vivem
em nossa imaginação até hoje, que influenciaram em nossas vidas, nos dando
uma fonte inesgotável de conhecimento na nossa trajetória de vida, que ficou
no nosso imaginário até nossa vida adulta.
Que o leitor possa entrar no universo do meu objeto de estudo, que é a
contação de histórias na Educação Infantil, expandindo-se até onde não haja
barreiras para a idade, pois quem não gosta de ouvir história? O objetivo desta
pesquisa é a de levar o leitor ao mundo mágico das histórias e terem o prazer
de contar histórias para os seus filhos, netos, sobrinhos, alunos da Educação
Infantil, e para os alunos em geral, é claro escolhendo a história apropriada
para cada idade.
A literatura é uma fonte viva e inesgotável pela qual temos acesso as
histórias que os povos deixaram, onde os autores com suas inspirações,
através dos séculos conseguiram imortalizar o seu próprio nome e muitos
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deles escreveram histórias infantis, onde outros autores fizeram em uma outra
época, uma releitura e mudaram e modernizaram as histórias.
É importante despertar nas crianças desde a Educação Infantil o
prazer pelas histórias, para que ao passar pelas outras séries elas se tornem
leitores, que tenham prazer e entusiasmo pela leitura, pois as histórias nos faz
viajar a lugares fantásticos, a conhecermos personagens inesquecíveis que
farão parte do resto de nossas vidas.
Hoje vemos a importância de contar histórias para as crianças, pois
atualmente elas possuem um pensamento crítico e são estimuladas, com isso
cresce o desejo de conhecerem mais histórias, outros livros, outros autores e
isto vai contribuir para a sua formação como cidadão.
CAPÍTULO I -- DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NA
EDUCAÇÃO INFANTIL.
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“Se quiser falar ao coração dos homens, há que se contar uma história.
Dessas onde não faltem animais, ou deuses e muita fantasia. Porque é assim
– suave e docemente – que se despertam consciências.”
( Jean de La Fontaine )
1.1 – O QUE É INFÂNCIA?
Período da vida que vai do nascimento à infância ( dos 0 aos 12 anos ).
A infância é a fase da vivência e percepção do mundo a partir do olhar, do
tocar, saborear, sentir e agir. Tudo isto faz parte do universo infantil. Viver a
infância é não se cansar de ser criança. É brincar, correr, pular, gritar, cantar,
dançar, rolar no chão... É sempre ter ao lado, adultos responsáveis para
cuidar, zelar e orientar este ser em formação para a vida adulta.
A infância necessita de adultos que mantenham, a ingenuidade, a
simplicidade e a sensibilidade de ser criança e a inocência da vida.
Ser criança é ter liberdade para ser feliz, com uma bola, uma boneca, um
carrinho, um quebra-cabeça, uma peteca, uma bola de gude, de fazer um
castelo de areia na praia, de ter lazer, de ter amor, de ter carinho, de ser
abraçado, de receber afeto.
Ser criança é ser respeitada, é ser privada de abusos sexuais, de maus tratos,
de violência psicológica, de ter direito a escola, vestuário, alimentação, ser
criada com carinho, porém com limites, para que amanhã ela possa ser uma
cidadã integra, com caráter, personalidade.
1.2 – A CRIANÇA E SEU DESENVOLVIMENTO.
O desenvolvimento infantil é um processo dinâmico.
A articulação entre os diferentes níveis de desenvolvimento ( motor, afetivo e
cognitivo ) não se dá de forma isolada, mas sim de forma simultânea e
integrada. Por meio do contato com seu próprio corpo, com o ambiente e da
interação com outras crianças e adultos, as crianças vão desenvolvendo a sua
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capacidade afetiva, a sensibilidade e a auto-estima, o raciocínio, o pensamento
e a linguagem.
Por diversas vezes foram propostas abordagens antropológicas das
crianças. No entanto, os esforços pareciam morrer e se fechar em si mesmo, e
elas foram por longos períodos abandonadas pelos estudos antropológicos.
Até que nas últimas décadas, acontece uma reviravolta, e elas ganham espaço
e legitimidade em uma variedade de estudos.
A importância da criança é percebida que a criança é um sujeito social.
Deixa-se de lado que a criança é um adulto em miniatura, que tem que
trabalhar como um adulto.
O autor BORGES ( 1997 ) diz, que a Educação Infantil deve vir de
encontro às necessidades básicas da criança, partindo daquilo que ela já
conhece para chegar às aprendizagens subseqüentes, evitando “pular” etapas
importantes. Em suma, deve-se oferecer à criança, oportunidades de ser
estimulada e motivada, no momento conveniente e respeitar o tempo
necessário para que ela amadurecer e, portanto, deixar que uma aquisição tão
marcante como é a da leitura escrita, ocorra quando a criança estiver pronta
para adquirir, com interesse e sucesso.
Além disso, as crianças estão amadurecendo muito mais em razão do
contato que elas estão tendo, cada vez mais cedo, com livros, revistas, jornais,
com os meios de comunicação, e isso está sendo muito importante em seu
desenvolvimento.
Contar histórias é uma atividade que colabora muito no
desenvolvimento físico e intelectual da criança, como construtora do seu
conhecimento e criatividade, gradativamente estimulando a imaginação.
Segundo Viana a afetividade tem sido objeto de discussão de muitos
teóricos da educação, e várias pesquisas mostram que as relações entre as
pessoas do convívio da criança, tanto nos espaços escolares como nos
familiares, são determinantes para a sua formação, contribuindo, assim, para o
desenvolvimento de um ser humano, capaz de agir com autonomia, de
respeitar seus pares e enfrentar os desafios do dia-a-dia com mais segurança.
Portanto, é relevante compreender e considerar a afetividade na Educação
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Infantil, pois cada vez mais se confirma que as relações afetivas significativas,
no contexto escolar ou familiar, fortalecem o desenvolvimento integral da
criança.
Nesse sentido, o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil (1998), como base legal informa sobre a necessidade de assegurar aos
pequeninos o pleno desenvolvimento deles, pois, em seu cotidiano, elas
interagem entre si e com os adultos, sendo essa relação natural e conflitante.
É necessário, então, uma relação natural e conflitante. É necessário, então,
uma relação intensa, onde a afetividade seja o pano de fundo para o sucesso
na Educação Infantil.
É necessário salientar que as crianças também podem desenvolver
habilidades sozinhas quando elaboram suas descobertas, construindo
sentimentos de propriedade para as ações antes partilhadas com as pessoas
do seu convívio, possibilitando o fortalecimento de novas interações,
confrontando e reformulando os conhecimentos nas situações de troca.
( RCNEI, 1998 ).
Ainda considerando as bases legais que legitimam a promoção de
melhores condições de desenvolvimento da criança, no Estatuto da Criança e
do Adolescente(Brasil, 1990), é explicado o “direito ao lazer, à diversão e a
serviços que respeitem a condição peculiar da criança e do adolescente como
pessoas em desenvolvimento”.
A relevância nesta fase da Educação Infantil, é fundamental ser bem
entendida por pais e educadores sobre o que é realmente necessário para
uma criança se desenvolver integralmente.
De acordo com o mesmo:
“Tendo em vista aos primeiros anos de vida serem de fundamental
importância para o desenvolvimento subseqüente da criança, fica
mais do que evidente a relevância e o papel da Educação Infantil,
na formação integral da criança, para uma sociedade em contínua
mudança. A Educação Infantil, neste caso, é um recurso benefício,
enquanto se propõe a ser um ambiente intermediário, entre o lar
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e a escola, num período de vida em que a personalidade começa
a se formar. Cabe ao educador, proporcionar um ambiente
agradável que facilite a adaptação da criança, neste primeiro
contato com a escola, demonstrando que gosta dela e se
interessa por ela uma vez que a transição dá um impacto muito
grande, e por isto mesmo, exigirá, tanto do educador como dos
pais, grande compreensão e paciência”. ( BORGES, 1997 )
Temos que proporcionar à criança oportunidades para que tenha um
desenvolvimento adequado é talvez o mais importante que se pode oferecer à
espécie humana. Um desenvolvimento infantil satisfatório, principalmente nos
primeiros anos de vida, contribui para a formação de um sujeito com suas
potencialidades desenvolvidas, com maior possibilidade de tornar-se um
cidadão mais resolvido, apto a enfrentar as adversidades que a vida oferece,
reduzindo-se assim as disparidades sociais e econômicas da nossa sociedade.
O luar quando bate na relva
Não sei que cousa me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
Contando-me contos de fadas.
E de como Nossa Senhora vestida de mendiga
Andava a noite nas estradas
Socorrendo as crianças maltrapilhas...
Se eu não posso crer que isso é verdade
Para que bate o luar na relva?
( Poema de Alberto Caeiros, um dos
heterônimos de Fernando Pessoa ).
1.3 – Para que Incentivar a Contação de Histórias na Educação
Infantil?
Incentivar a leitura é o objetivo de pais e educadores, pois, os mesmos
devem estimular as crianças desde cedo a contar-lhes histórias, contos de
fadas, lendas...
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Formar uma roda de leitura, onde a criança fique bem confortável, deixar
que elas toquem nos livros, que possam ter o contato com os desenhos, com
as cores, a textura... , para depois começar a contação de histórias.
As indagações poderão levar o ouvinte a buscar o livro de onde a
história foi tirada ou outro livro, onde encontrará novas histórias, seja para lê-lo
ou manuseá-lo.
Mostrar o livro de onde a história saiu estimula a reprodução da ação
de contar e de ler, o que provavelmente irá motivar o ouvinte a buscar outras
histórias em outros livros.
Quem conta a história tem que gostar, isso é imprescindível, assim o
prazer e a alegria serão uma máxima, que influenciará tanto quem ouve quanto
quem conta, essa história soma resultado em uma atmosfera descontraída
onde o livro e a leitura são apresentados como algo muito divertido, uma fonte
de prazer. E essa atmosfera contribuirá concretamente para a formação de
crianças e jovens leitores que o serão para o resto de suas vidas.
“Enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece
sobre si mesma , e favorece o desenvolvimento de sua
personalidade. Oferece significado em tantos níveis
diferentes, e enriquece a existência da criança de tantos
modos que nenhum livro pode fazer justiça à multidão e
diversidade de contribuições que esses contos dão à vida
da criança. (...). Os contos de fadas são ímpares, não só
como forma de literatura, mas como nenhuma arte é.
( BETTELHEIM, 2004 )
Temos alguns bons motivos para incentivar a contação histórias, pois
elas: Levam as crianças a desenvolver a criatividade; a estimular o prazer pela
leitura e resgatar a tradição oral; a desenvolver a imaginação; a trabalhar a
ordem do pensamento; a nos aproximar e criar vínculos com nossas crianças;
a levar a arte, no caso as literárias, para nossos alunos; a discutir e transmitir
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valores e, de maneira mais concreta, ajudá-los a compreendê-los; a ajudá-los
a se descobrirem autônomos e ajudá-los a resolver problemas e conflitos; a
trabalhar o ouvir, a ampliar a capacidade de concentração; à torná-los mais
sensíveis; a levá-los a mundo fascinantes, a viajar através do pensamento a
lugares nunca antes imaginados.
Enfim é algo muito mais profundo do quem se imagina, pois contando
histórias estamos também ensinando a ética, pois a educação é comprometida
com os valores éticos. Quando nós, família e escola, nos comprometemos com
a educação de uma criança, responsabilizamo-nos com a formação de um
cidadão ético, consciente e ativo.
“A ética não se resume a um conjunto de deveres ou a um
código de regras; é antes de mais nada a aquisição de
hábitos e atitudes que se convertem em uma maneira
própria de viver. E a educação não pode ser neutra
em relação aos valores. Isso não quer dizer que tenha
que ser dogmática e rígida em seus princípios. (... ).
Precisamos ser coerentes, íntegros, agindo de acordo
com os princípios que defendemos e acreditamos.”
( FAGUNDES, 2006 )
Nosso trabalho é contribuir para que valores sejam interiorizados, que
eles não apenas recebam, mas também questionem, dialoguem e
experimentem. Não se trata de ensinar crenças e educar valores, é dar
liberdade para que cada um escolha suas crenças, sua maneira de ser, para
crescer e viver sua liberdade de escolha e sua felicidade.
Não podemos eleger uma única maneira de transmitir valores, nosso
exemplo no dia-a-dia é um bom começo.
Pela fácil compreensão e pela riqueza de suas narrativas, as histórias
são um ótimo canal para ligar nossos alunos aos valores.
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CAPÍTULO II – CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS: SEUS
AUTORES E HISTÓRIAS
“ Todas as vidas de homens são contos de fadas escrito pelas mãos de Deus.”
( Hans Christian Andersen )
2.1 – Hans Christian Andersen
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Hans Christian Andersen, nasceu em 02/04/1805 em Odense,
Dinamarca e faleceu em 04/08/1875 em Copenhague. Era filho de um
sapateiro e sua família morava num quarto . Apesar das dificuldades, ele
aprendeu a ler muito cedo e adorava ouvir histórias. A infância pobre deu a
Andersen a chance de conhecer os contrastes de sua sociedade, o que
influenciou bastante as histórias infantis e adultas que vivia a escrever. Em
1816 seu pai faleceu e ele, com apenas 11 anos, precisou abandonar a escola,
mas já demonstrava aptidão para o teatro e a literatura.
Aos 14 anos, Andersen foi para Copenhague, passou uma vida de
miséria, de dor, de abandono, porém teve a sorte de conhecer o diretor do
Teatro Real, Jonas Collin. Andersen trabalhou como ator e bailarino, além de
escrever algumas peças. Em 1828, entrou na Universidade de Copenhague e
já publicava diversos livros, mas só alcançou o reconhecimento internacional
em 1835, quando escreveu o romance “O Improvisador”.
Apesar de ter escrito romances adultos, livros de poesias e relato de
viagens, foram os contos infantis que tornaram Hans Christian Andersen
famoso. Até então eram raros livros voltados especificamente para as crianças.
Em suas histórias Andersen buscava sempre passar padrões de
comportamento que deveriam ser adotados pela sociedade, mostrando
inclusive os confrontos entre os poderosos e desprovidos, forte e fracos. Ele
buscava demonstrar que todos os homens deveriam ter direitos iguais.
Entre 1835 e 1842, Andersen lançou seis volumes de “Contos” para
crianças. E continuou escrevendo contos infantis até 1872, chegando à marca
de 156 histórias. No final de 1872, ficou muito doente e permaneceu com a
saúde abalada até 4 de agosto de 1875, quando faleceu, em Copenhague.
Graças à sua contribuição para a literatura para a infância e
adolescência, a data de seu aniversário, 2 de abril, é hoje o Dia Internacional
do Livro
Infanto – Juvenil. Além disso, o mais importante prêmio internacional do
gênero leva seu nome.
Anualmente, a Internacional Boarde on Books for Young People ( IBBY )
oferece a medalha Hans Christian Andersen para os maiores nomes da
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literatura infanto – juvenil. A primeira representante brasileira a ganhá-la foi
Lygia Bojunga, em 1982.
Os títulos mais divulgados da obra de Andersen encontra-se: “O Patinho
Feio”, “O Soldadinho de Chumbo”, “ A Roupa Nova do Imperador”, A Pequena
Sereia”, “A Pequena Vendedora de Fósforos”... São textos que fazem parte do
imaginário da maioria das crianças do mundo desde sua publicação até a
atualidade.
2.2 – Irmãos Grimm
Os irmãos, Jacob Grimm e Wilhelm Grimm, nasceram na Alemanha, em
1785 e 1786, respectivamente. Como o pai, estudaram Direito, mas
abandonaram a Advocacia para dedicarem-se à literatura. Em 1830,
ingressaram como professores numa Universidade na Alemanha. Eram
grandes estudiosos da língua alemã, filólogos eruditos, historiadores e
narradores excepcionais. Em 1837, os irmãos Grimm e mais cinco professores foram demitidos da
Universidade onde trabalhavam, a Universidade de Göttingen, por serem
contrários ao rei que governava. Em 1841, forma convidados para o cargo de
professores da Universidade de Berlim. Foi nessa cidade que moraram até o
fim de suas vidas. Jacob morreu em 1863 e Wilhelm em 1859.
Os irmãos Grimm são conhecidos em todo o mundo pela grande
quantidade de contos populares que recolheram na Alemanha, desde o início
do século XIX. Diz-se que escreviam à noite as histórias que ouviam durante o
dia de parentes, amigos e camponeses.
Depois de vários contos publicados em separado, finalmente em 1812
os irmãos Grimm publicam o seu primeiro livro em conjunto; depois desse
primeiro livro veio o “Contos da Criança e do Lar”. Depois disso, eles
publicaram vários contos com tradução e adaptações locais.
O segundo volume de “Contos da Criança e do Lar”, saiu em 1815, e
com o passar dos anos novas edições foram lançadas e o livro começava a
ganhar novos e atualizados contos, fazendo deste o primeiro grande sucesso
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dos irmãos Grimm. As maiores e melhores obras deles são resumidas em
contos para crianças, lendas e um dicionário alemão.
Mas qual o motivo que levaria Jacob e Willhelm a colherem tantos
contos?
Durante séculos, as histórias conhecidas por diferentes povos eram
transmitidas apenas oralmente. Eram contadas pelos mais velhos aos mais
novos e, assim passadas de geração para geração. Na Idade Média, muitas
delas ganharam visões escritas pelos padres que moravam nos monastérios.
O registro desses contos em texto tornava mais fácil a preservação dessas
histórias. Sabendo disso, os irmãos Grimm trataram de pesquisar relatos em
documentos antigos e recolherem contos entre a população alemã para
preservar as histórias tradicionais do seu povo. Uma velha mulher do povo, foi
quem contou metade dos contos de fadas! Sem falar nas 10 lendas, nas 600
cantigas folclóricas, etc.
Todos os contos deles pertencem à área das narrativas do fantástico –
maravilhoso, por pertencerem ao mundo do imaginário e da fantasia.
2.3 – Monteiro Lobato
Desde criança Monteiro Lobato gostava de ler e de escrever. Seu amor
pelos livros surgiu quando descobriu a biblioteca do seu avô, o Visconde de
Tremembé, com quem foi morar após a morte dos seus pais, quando tinha 12 anos de idade.
Lobato passou a infância no Vale do Paraíba, interior paulista, na cidade
de Taubaté, onde nasceu no dia 18 de abril de 1882. Ainda jovem morou em
São Paulo para estudar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Já formado, casou-se em 1908 com Maria da Pureza de Castro
Natividade, a quem chamava de “Purezinha”, e mudou-se para a cidade de
Areias, também no interior de São Paulo. Trabalhou ali por pouco tempo como
advogado e promotor público, pois logo herdaria a fazenda do Buquira, que
tentou transformar em um empreedimento lucrativo. Mas como as terras
estavam esgotadas e não produziam como ele desejava, voltou para a capital
e não parou um minuto. Atuou como jornalista, foi dono de um revista e fundou
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editoras de livros. Viajou para os Estados Unidos em 1927, onde assumiu o
posto de adido comercial no Consulado do Brasil, em Nova York. De volta ao
país em 1931, investiu na indústria siderúrgica e no petróleo, abrindo
companhias de perfuração de poços. Nos momentos de lazer, gostava de
pintar, tirar fotografias e jogar partidas intermináveis de xadres.
Com o nascimento dos filhos, Monteiro Lobato percebeu que faltavam
boas histórias para as crianças brasileiras. Em geral, o que havia eram
traduções de livros estrangeiros, de difíceis de ler, e ambientadas em cenários
muito diferentes dos nossos. Pensando nisso , ele inventou “O Sítio do
Picapau Amarelo” em 1920 e teve a idéia de adaptar contos de fadas e
clássicos da literatura. Recontou as fábulas de La Fontaine e Esopo , as
aventuras de Peter Pan, Hans Staden , Dom Quixote, os mitos do Minotauro e
de Hércules, o herói grego. Com esses livros , Lobato trouxe para os nossos
leitores o que havia de melhor na literatura universal . Em 1948 Monteiro
Lobato faleceu.
2.4 – José Lins do Rego
“Tenho quarenta e seis anos, moreno, cabelos pretos, com meia dúzia
de fios brancos, 1 metro e 86 quilos bem pesados, muita saúde e muito medo
de morrer. Não gosto de trabalhar, não fumo, durmo com muito sonos, e já
escrevi onze romances. Se chove, tenho saudades do sol; se faz calor tenho
saudades da chuva. Vou ao futebol, e sofro como um pobre-diabo. Jogo tênis,
pessimamente, e daria tudo para ver o meu clube campeão de tudo.” ( José
Lins do Rego, 2010 )
Esse auto-retrato, escrito por José Lins do Rego em 1947, indicava-nos
com humor alguns traços contraditórios de seu caráter e a imagem irreverente
de romancista já consagrado muito antes, desde quando nasceu a 3 de junho
de 1901, no engenho Corredor, Município do Pilar, no estado da Paraíba.
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Já no ano de nascimento, José Lins ficou órfão de mãe, Amélia. Seu pai,
João do Rego Cavalcanti, foi viver longe dali, em outro engenho. Por desejo de
sua mãe, José Lins foi criado no engenho do seu avô, aos cuidados de tia
Maria, apesar dele ter avó senhora Janoca. Foi do seu avô que ele herdou
parte da sua personalidade.
À imagem do avô, o “ menino do engenho” contrapunha sua
identificação e aprendizagem com os negros remanescentes do tempo da
escravatura. Aprendeu as primeiras crônicas familiares através das conversas
das criadas. Fascinavam-no, em especial , as histórias da velha Totônia,
narrativas em versos originários do cancioneiro ibérico.
A morte de tia Maria teve o peso de uma segunda orfandade. Foi
encerrado no Internato Nossa Senhora do Carmo, de Itabaiana ( Paraíba ) que
aparece transfigurado no romance Doidinho.
“ Duas coisas fundamentais constituíram minha formação de romancista:
a velha Totônia e Os doze pares de França, livro de cavalaria que li no Instituto
Nacional do Carmo ( em Itabaiana), quando tinha dez anos. Foi este o primeiro
livro que li.” ( Tribuna dos Livros “, no Jornal Tribuna da Imprensa, 1957).
José Lins ingressou na faculdade de Direito de recife em 1920. Casa-se,
em 1924, com Filomena Massa ( “Naná”), filha do senador Antonio Massa.
Tiveram três filhas: Maria Elizabeth, Maria da Glória e Maria Christina.
Teve uma trajetória muito grande em sua vida , porém duas paixões:
Literatura e futebol. No Rio de Janeiro, José Lins foi da diretoria do Flamengo e
chegou a Delegação Brasileira de Futebol ao Campeonato Sul-Americano, em
1953. Foi também à Europa. Publicara antes sua obra-prima Fogo Morto (1943
) Com Eurídice recebe o Prêmio Fábio Prado. A essa altura sua obra corre o
mundo, com traduções para o espanhol, o francês, o inglês, o alemão e o
russo.
Em 1955, foi eleito para a Acadêmia Brasileira de Letras, na vaga de
Ataulfo de Paiva.
Faleceu em 12 de setembro de 1957, no Hospital dos Servidores do
Estado ( Rio de Janeiro), vítima de hepatopatia. José Lins, como milhões de
brasileiros, contraíra a esquistossomose ainda criança, quando se banhava
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nas águas infestadas de caramujos dos rios do Nordeste. Um ano antes
publicara “ Meus verdes anos, livro de memórias.
Algumas obras de José Lins: “ Menino de Engenho”, “Doidinho”,
“Banguê”, “O Moleque Ricardo, “Usina’’, “Histórias da Velha Totônia”,
“Pureza”, “Pedra Bonita”, “Riacho Doce”, “Água Mãe”...
2.5 – Ruthy Rocha
Ruth Machado Louzada Rocha, nasceu na cidade de São Paulo, em 02
de março de 1931, é uma das maiores escritoras da atualidade, em Literatura
Infantil do país, com 130 livros e milhões de livros vendidos. Filha dos cariocas
Álvaro de Faria Machado e de Esther Sampaio Machado, têm quatro irmãos:
Rilda, Álvaro, Eliana e Alexandre. Teve uma infância feliz com seus irmãos, na
Vila Mariana onde moravam.
Na infância leu muito e ouviu muitas histórias contadas pelo seu avô,
Loiô.
Sofreu grande influência de Monteiro Lobato.
Estudou no Colégio Bandeirantes e terminou o Ensino Médio no Colégio
Rio Branco. Graduou-se em Sociologia e Política pela Universidade de São
Paulo e Pós-Graduada em Orientação Educacional pela Pontifícia
Universidade Católica em São Paulo.
Casou-se com Eduardo Rocha, tem uma filha Mariana e dois netos
Miguel e Pedro.
Em 1976, iniciou sua carreira como escritora, com o livro, “ Palavras
Muitas Palavras”, porém foi com o livro “ Marcelo, Marmelo, Martelo”, que teve
sucesso e traduzido em diversas línguas, vendeu mais de um milhão de
cópias.
Em 1990, lançou o livro “Declaração Universal dos Direitos Humanos
Para Crianças”, na sede das Organizações das Nações Unidas. Em 1990
assina a declaração da ONU sobre Ecologia Para Crianças, “ Azul e Lindo –
Planeta Terra, Nossa Casa”, “Escolinha do Mar”, “Borba, o Gato”.
Teve seu valor reconhecido e em 1998, o Presidente Fernando Henrique
Cardoso, com a “Comenda da Ordem do Ministério da Cultura”. Ganhou quatro
24
prêmios “Jabuti”, considerado de grande valor pata quem atua no ramo da
Literatura no Brasil, com destaque para o livro “Escrever e Criar”, lançado em
2002. Foi escolhida para fazer parte do Pen Club – Associação Mundial dos
Escritores, no Rio de Janeiro. Hoje ela é integrante da Acadêmia Paulista de
Letras, integrante da cadeira 38, desde 25/10/2007 e Membro do Conselho
Curador Padre Anchieta.
Algumas de sua obras: “ Romeu e Julieta”, “ Marcelo, Marmelo, Martelo”,
“Coleção Conte um Conto”, “Beija – Flor e Histórias de Recreio”, “ Reizinho
Mandão”, “Escrever e Criar”...
CAPÍTULO III -- CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS NA
EDUCAÇÂO INFANTIL
“ A vida vai continuar, enquanto existir alguém para cantar, dançar,
contar histórias e escutar. E brincar com as pipas!!!”
( Francisco Gregório Filho )
3.1 – A Importância da Contação de Histórias na Educação
Infantil
A importância da Contação de Histórias na Educação Infantil, dá-se pelo
fato dela ser de fundamental importância para o desenvolvimento da criança,
usufruindo de um momento mágico, movido à fantasia, o qual compreende-se
o mundo simbólico infantil, seu desenvolvimento e sua relação com a
linguagem das histórias infantis. Refletindo por meio das histórias e seus
discursos, em sua conduta diante do viver, que o levará a ser um leitor até a
sua vida adulta, além de fomentar o mundo infantil, desenvolvendo a sua
criatividade, o seu imaginário, o seu cognitivo, pois será importantíssimo para
25
que no desenvolvimento da criança, quando ela chegar à fase dela aprender a
ler e escrever, ela esteja pronta para essa nova fase de sua vida.
Uma das questões primordiais é criar crianças leitoras. É maravilhoso
ouvir histórias, porém o ato de ler é necessário, fundamental para todo ser
humano.
Ouvir histórias e ler livros é uma forma de lazer, que poucos têm esse
privilégio.
Contar histórias é uma arte milenar.
É proeminente que exista nas escolas, rodas de leituras para que possa
ser conversado o que cada um achou da história, que haja reflexão e uma
troca entre as crianças, isso é muito enriquecedor dividir com o outro as suas
idéias, os seus pensamentos.
A história não tem paradeiro, ela está onde estiver um contador livre
para tecer suas teias, contar suas histórias. Não se pode separar o conto do
seu narrador, do universo e do seu público, sejam essas crianças,
adolescentes, adultos, idosos, enfim não há idade.
“O mundo do conto não poderia ser outro, senão
o mundo mesmo do popular. Mundo sem pátria, ou
além de qualquer pátria, porque fundado sobre a
linguagem coletiva. Mundo diversificado, aparen-
temente fragmentado, mas fecundo em sua hete-
rogeneidade de formas. Resiste em suas normas
e valores, intercomunicante em seu imaginário,
é versátil. O mundo do Contador de Histórias é a
sua história, riscada também nas histórias que aí
se contam”. ( Autor Desconhecido )
Nós somos narradores da nossa própria história, deveríamos escrevê-la
para deixar para os nossos filhos, netos, para as gerações futuras, para que
possam nos conhecer, não só simplesmente por uma foto, mas pelas nossas
palavras, pela nossa história escrita por nós mesmos.
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A porta de entrada para paragens do pensamento é sem dúvida, a
sensibilidade, aquela que está dentro de nós, que nos faz viver o personagem
de termos a capacidade de perceber o que mais sublime temos naquele
momento, é a história e seu contador.
A criança, mesmo na Educação Infantil, num futuro ao revisar suas
memórias sobre a Contação de Histórias, inevitavelmente lembrará de alguém
que guardamos no coração com muito afeto e carinho, das pessoas sejam elas
avó, avô, mãe, pai, tia, tio ou a primeira educadora, um sentimento de afeto.
Pode não ser definitivo, mas é de impulso vital a experiência das primeiras
histórias.
Em um dos artigos de Paulo Freire, que se tornou um “Trabalho
apresentado ao “Congresso Brasileiro de Leitura”, realizado em Campinas, em
doze de novembro de 1981. “A importância do ato de ler”, ele diz: “ Aceitei
fazê-lo agora, da maneira porém menos formal possível. Aceitei vir aqui para
falar de tal importância do ato de ler.
Me parece indispensável, ao procurar falar de tal importância, dizer algo
no momento mesmo em que me preparava, para aqui estar hoje; dizer algo do
processo em que me inseri, enquanto ia escrevendo este texto que agora leio,
processo que envolvia uma compreensão crítica do ato de ler, que não se
esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas
que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo
precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa
prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se
prendem dinamicamente.
Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti
levado – e até gostosamente – a “reler” momentos fundamentais de minha
prática, guardados na memória, desde as experiências mais remotas de
minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a
compreensão crítica da importância do ato de ler se veio em mim constituído.
Ao ir escrevendo este texto, ia ”tomando distância” dos diferentes
momentos em que o ato de ler, se veio dando na minha experiência
existencial.
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Primeiro, a “leitura” do mundo, do pequeno mundo em que me movia;
depois a leitura da palavra que nem sempre, ao longo de minha escolarização,
foi a leitura da “palavramundo”.
A retomada da infância distante, buscando a compreensão do meu ato
de “ler” o mundo particular em que me movia – e até onde não sou traído pela
memória -, que é absolutamente significativa. Neste esforço a que me vou
entregando, re-crio e re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no
momento em que não lia a palavra. Me vejo então na casa mediana em que
nasci, no Recife, rodeada de árvores, algumas delas como se fossem gente,
tal a intimidade entre nós – à sua sombra brincava e em seus galhos mais
dóceis à minha altura eu me experimentava em riscos menores, que me
preparavam para os riscos e aventuras maiores.
A velha casa, seus quartos, seu corredor, seu sótão, seu terraço – o sítio
das avencas de minha mãe -, o quintal amplo em que se achava, tudo isso foi
o meu primeiro mundo. Nele engatinhei, balbuciei, me pus de pé, andei, falei.
Na verdade, aquele mundo especial se dava a mim como o mundo de
minha atividade perceptiva, pois isso mesmo como o mundo das minhas
primeiras leituras. Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto – em
cuja percepção me experimentava e, quando mais aumentava a capacidade de
perceber – se encarnavam numa série de coisas, objetos, de sinais, cuja
compreensão eu ia aprendendo no meu trato com eles nas minhas relações
com meus irmãos mais velhos e com meus pais.
Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se encarnavam
no canto dos pássaros – o do sanhaço, o do olha-pro-caminho-quem, vem, o
do bem-te-vi, o do sabiá; na dança das copas das árvores sopradas por fortes
ventanias que anunciavam tempestades, trovões, relâmpagos; ás águas da
chuva brincando de geografia: inventando lagos, ilhas, rios, riachos.
Os “textos, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se encarnavam
também no assobio do vento, nas nuvens do céu, nas suas cores, nos seus
movimentos; na cor das folhagens, na forma das folhas, no cheiro das flores –
as rosas, dos jasmins -, no corpo das árvores, na casaca dos frutos. Na
tonalidade diferente de cores de um mesmo fruto em momentos distintos: o
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verde da manga espada, o verde da manga- espada inchada; o amarelo-
esverdeado da mesma manga amadurecendo, as pintas negras da manga,
mais além de madura. A relação entre estas cores, o desenvolvimento do fruto,
a sua resistência à nossa manipulação e o seu gôsto.
Daquele contexto faziam parte igualmente os animais : os gatos da
família, a sua maneira manhosa de enroscar-se nas pernas da gente, o seu
miado, de súplica ou de raiva; Joli, o velho cachorro negro de meu pai (...)
Daquele contexto – a do mundo imediato – fazia parte, por outro lado, o
universo da linguagem dos mais velhos, expressando as suas crenças, os seus
gôstos, os seus receios, os seus valores.
No esforço de re-tomar a infância distante, a que já me referi, buscando
a compreensão do meu ato de ler o mundo particular em que me movia,
permitam-me repetir, re-crio, re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida
no momento em que ainda não lia a palavra. E algo que parece importante,
emerge agora insinuando a sua presença no corpo das reflexões. Me refiro a
meu medo das almas penadas cuja presença entre nós era permanente objeto
das conversas( histórias) dos mais velhos, no tempo de minha infância. As
almas penadas precisavam da escuridão ou da semi-escuridão para aparecer,
das formas mais diversas – gemendo a dor de suas culpas, gargalhadas
zombeteiramente, outras pedindo orações (...) continuo neste esforço de “re-ler
momentos fundamentais de experiências de minha infância, de minha
adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica do ato de
ler.” ( FREIRE, 1981).
“A Importância do Ato de Ler”, foi reescrita, nesse texto pela autora, para
fazermos uma reflexão, de trazermos uma leitura de mundo, antes de
aprendermos a ler e escrever, porém o texto também nos remete a história da
infância de” Paulo Freire”, que ficou guardada em sua memória adulta com as
histórias de fantasmas, próprias daquela época, que remetiam ao medo, pois
eram histórias do seu tempo e da sua cultura.
A importância de contarmos histórias na Educação Infantil é a de trazer
os contos de fadas, os contos fantásticos, as lendas, as fábulas, enfim tudo
que faz o nosso imaginário sonhar, trazendo alegria, temores vencidos,
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criatividade, prazer, compreensão e interpretação de si e do seu próprio
mundo.
3.2 – Um Exímio Contador de Histórias do Nosso Tempo:
Francisco Gregório Filho
Francisco Gregório Filho, é um exímio contador de histórias. Nasceu em
Rio Branco no Acre, em março de 1949, chegou ao Rio de Janeiro, em 1968,
é botafoguense de coração. Formado em Artes Cênicas, atuou como ator e
diretor. Foi gestor de programas e projetos culturais nas áreas de música, rádio
e teatro.
Na década de 1990 começou a dedicar-se as questões da leitura, tendo
sido um dos organizadores do Programa Nacional de Incentivo a Leitura,
implantando em 1992, na Biblioteca Nacional até 1996. Desde então
desenvolve oficinas de formação de contadores de histórias, para educadores
sociais, estudantes e profissionais de diferentes áreas, conta histórias para
crianças e aonde for chamado para contar histórias. . Foi educador do curso
de Leitura, Teoria e Prática, promovido pela PUC/RJ.
Publicou ainda os artigos “Oralidade, Afeto e Cidadania” e “ Práticas
Leitoras: Vivências de um Contador de Histórias”, no livro “Pensar a Leitura:
complexidade”, organizado por Eliana Yunes. Os quais encontram-se em
anexo.O Mestre em contar histórias Francisco Gregório Filho, ministrou aulas
de Contação de Histórias, em aulas abertas na UERJ.Criou a rede de Casa de
Leitura no Estado do Acre.
É funcionário da Biblioteca Nacional, participou da equipe técnica do
Setor Educativo do Paço Imperial, e de maio a outubro de 2010, iniciou a
implantação da Secretaria de Promoção da Leitura de Nova Friburgo, estado
do Rio de Janeiro, sendo a primeira Secretaria Municipal dedicada à leitura no
país.
Segundo Francisco Gregório, ler é um ato que influência positivamente
na vida de qualquer pessoa.
Sua mãe era educadora. Adorava os seus dois ofícios de ser mãe ( criou
sete filhos ) e educadora, infelizmente faleceu de câncer na vesícula. Foi um
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tempo muito curto depois da descoberta da doença. Seu pai era funcionário
público que também faleceu de câncer.
Diz Francisco Gregório: “Éramos gratificados quando íamos nos vestir e
nos calçar e encontrávamos pequenos papéis em nossos bolsos e calçados,
dobradinhos e com a caligrafia da professora mãe que nos escrevia
mensagens: “gosto de você,” “amo você”, “cuide-se”, “lave as mãos”, “você é
bonito”, “escove os dentes”, “leia uma boa história”, “cuide de seus irmãos” e
tantos outros recados. Até em nossos cadernos descobríamos as letrinhas
dela nos animando”. Sua mãe contava-lhes muitas lendas para eles e para
seus alunos na escola.
Sua avó cantava cantigas, pois na cultura de onde ele morava contava-
se e cantava-se histórias e sua avó, era uma cantadora e contadora de
histórias para seus netos.
Seu avô teve um valor imensurável na sua vida como contador de
histórias, a hora de contar histórias era hora de uma festa. Sentava-se na
cadeira de balanço na varanda, paletó, gravata, chapéu , para reunir todos em
volta dele, principalmente as crianças.
‘’Segundo Francisco Gregório, a leitura pode ajudar na qualidade das
escolhas; no discernimento dos fatos; na convivência com a poesia; na
construção de ações solidárias e responsáveis; no respeito aos direitos e
deveres para com o outro; na difusão de conhecimentos ; na capacidade de se
expressar e produzir sentidos para a vida ‘’.
A história de “Dona Baratinha” é a história preferida de Francisco
Gregório, sempre que seu avô contava, ele fazia uma cara de conta de novo
vô, e o avô contava novamente.
Com toda a influência que teve dedica a sua vida a “Contar Histórias”, no
Acre, no Rio de Janeiro, em São Paulo... em Portugal... e sabe-se aonde ele
ainda contará suas histórias.
Francisco Gregório, trabalha também com a arte de fazer pipas, elas
são de tecidos, bordadas com rendas, fitas, botões, tecidos variados... suas
pipas estão impregnadas de histórias. As páginas dos livros são decorados
com pipas de formados variados, depois vão fazer parte de exposições.
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Para Francisco Gregório, soltar pipas faz a criança voar junto, pois as
pipas, produzem sentidos com as palavras e faz a imaginação voar, voar bem
mais alto onde a sensibilidade possa levar.
Algumas obras de Francisco Gregório filho: “Bona Baratinha e outras
Histórias”, “Guardados do Coração””, “Memorial para Contadores de Histórias”,
“Lembranças Amorosas”, Difícil Passagem”, “ Ler e Contar, Contar e “Ler”...
Agora serão contadas três histórias de Francisco Gregório filho:
DONA BARATINHA
Há muito e muito tempo, na época das avós de nossas avós, numa
aldeia muito distante, arrumava sua casa Dona Baratinha. Varrendo a sala, ela
encontrou uma moeda de ouro – valia uma fortuna, era um tesouro! Dona
Baratinha segurou aquela moeda com as mãos. Olhou-a...olhou-a...olhou-a...
e se perguntou:
- De que preciso? O que quero? O que desejo?
Depois guardou numa caixinha, pôs uma fita no cabelo, foi à janela e
cantou:
- Quem quer casar com a senhora Baratinha que tem fita no cabelo e
dinheiro na caixinha?
Apareceu logo o primeiro pretendente: garboso, charmoso e com uma
crina penteada. Era o Cavalo.
Dona Baratinha quando viu o cavalo com a crina penteada, charmoso e
garboso, suspirou...fundo! E perguntou:
- Senhor Cavalo, como faz ao amanhecer?
O Cavalo garbosamente... relinchou.
Dona Baratinha suspirou duas vezes...fundo! E disse:
- É lindo, é lindo mesmo, é muito lindo. Mas eu não quero não !
E continuou à janela a cantar:
- Quem quer casar com a senhora Baratinha que tem fita no cabelo e
dinheiro na caixinha?
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Apareceu o segundo pretendente: pisando manso todo malhado, com
uma estrela na testa. Era o Boi.
Dona Baratinha quando viu o boi malhado, com uma estrela na testa,
pisando manso, suspirou... fundo! E perguntou:
- Senhor Boi, como fazes ao amanhecer?
O Boi mugiu.
Dona Baratinha suspirou duas vezes.... fundo! E exclamou:
- É bonito, é bonito mesmo, é muito bonito! Mas eu não quero não!
E continuou à janela a cantar:
- Quem quer casar com a senhora Baratinha que tem fita no cabelo e
dinheiro na caixinha?
Repentinamente surgiu ele, de bigode nervosinho e todo ligeirinho. Era o
rato.
Dona Baratinha quando viu o Rato ligeirinho, e de bigode nervosinho,
suspirou... fundo! E perguntou:
- Senhor Ratão, como faz ao amanhecer?
O Rato ligeirinho... guinchou.
Apaixonou-se deveras Dona Baratinha . Ali já combinaram o
casamento.
Convidaram o bispo, o pastor, o rabino,o rezador, a mãe- de-santo, o
benzador e todos os oficiais casamenteiros da região: o juiz, o escrivão e
tantos outros.
Também convidaram os compadres e as comadres, os amigos e as
amigas, os violeiros, os sanfoneiros e as cantoras. Ainda o coral infantil e as
pastorinhas. Os fazedores de vinhos, de licores e sucos.
Dona Baratinha preparou um vestido com as cores das faíscas do sol.
No busto, as cores do nascente: um sol amarelo com uma luz crescente;
na saia, uns babados com as cores do poente: um sol vermelho com uma luz
contundente.
Dom Ratão preparou um jaquetão com seis botões e gravata-borboleta
colorida.
Vai Dona Baratinha para a igreja acompanhada das damas e madrinhas.
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Vai Dom Ratão em seu jaquetão.
De repente Dom Ratão sente um cheiro bom, um cheiro gostoso, um
cheiro quente. Desvia do caminho da igreja e segue o aroma. Entra na casa de
Dona Baratinha, atravessa a sala e o quarto, chega à cozinha e vê o panelão
de feijão fervendo. As borbulhas parecem espumas das ondas do mar quando
quebram na areia da praia. Os caroços de feijão saltitam como grãos de milho
em panela de pipoca. Os torresminhos bailam como dançarinos de samba.
Dom Ratão chega perto, bem pertinho e - tibum! – cai dentro da panela
de feijão.
Na igreja, Dona Baratinha e os convidados esperam, esperam,
esperam... até que alguém sugere:
- Por que não primeiro a comilança e depois o casório?
Aprovada por unanimidade, vão todos para a casa de Dona Baratinha.
Chegam e vêem:
Por cima do panelão a gravata colorida de Dom Ratão desenha o arco-
íris. Os seis botões do jaquetão bóiam como jangadas nas águas de um alto-
mar. Dom Ratão cozidinho no meio do panelão, ganha forma de um coração.
Dona Baratinha se aproxima, olha, olha, olha...sente um aperto no
coração... um aperto no peito... uma dor no coração... e chora, chora, chora.
Uma semana depois, põe a fita no cabelo, vai à janela e canta:
- Quem quer casar com a senhora Baratinha que tem fita no cabelo...
O JABUTI E A ONÇA
Há muito, na época, das nossas avós, numa aldeia da região
amazônica brasileira, se divertia o Jabuti num barranco alto à beira de um rio.
Uma pedra enorme fincava suas raízes exatamente no pé dessa ribanceira.
O Jabuti subia o barranco todo, naquele seu ritmo lento, e, em cima se
encolhia para dentro do seu casco duro. Depois descia rolando aquela
barranqueira até o chão de areia rente à água. Pois bem, antes de chegar, o
Jabuti gritava:
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- Sai, pedra! – a pedra, que era imensa, então saía e ele caía na areia.
Se o Jabuti não fosse rápido como era em pedir para ela se retirar, ficaria com
o casco quebradinho.
Passava por ali a Onça-Pintada que assistiu encantada à diversão do
jabuti. Aproximou-se e perguntou:
- Jabuti. Aproximou-se e perguntou:
- Jabuti, que brincadeira legal! essa! Deixa eu brincar também?
O Jabuti sacudiu o ombro e respondeu:
- Brinca! Brinca! Ora... Pode brincar! O barranco está aí mesmo. Brinca!
Pode Brincar!
A onça, lá de cima, veio rolando encolhidinha pela descida do barranco.
O Jabuti rapidinho, antecipando-se à Onça, disse:
Fica, pedra, para sempre!
E não adiantou a Onça pedir para a pedra se retirar ( pedido de Jabuti é
mais forte! ). A Onça caiu por cima da pedra quebrando-se completamente.
O Jabuti deu umas boas gargalhadas sem dó da Onça-Pintada que se
estrebuchava e gemia.
Ah! Não quero mais brincar disso não – cansou-se o Jabuti e saiu para a
floresta verde.
De repente, parou diante de uma árvore frondosa, de tronco grosso e
sombra gostosa.
Olhou-a, olhou-a, e, determinado pediu:
- Abre-te árvore!
O tronco da árvore se abriu.
O Jabuti entrou e solicitou:
- Feche-te, árvore!
O tronco se fechou. O Jabuti cochilou no escurinho de dentro do arbusto.
O tempo passou. O Jaboti acordou, espreguiçou-se e pediu:
- Abre-te árvore!
O tronco se abriu e o Jabuti saiu respirando o ar puro da floresta.
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A Onça-Pintada, que havia seguido o Jabuti, paralisada de tanto
encanto, bispava silenciosamente o divertimento do cascudo. Resolveu
experimentar aquela brincadeira. Aproximou-se e comentou:
- Que brincadeira legal, Jabuti! Que brincadeira boa! Também quero,
você deixa?
- Brinca! Brinca! Ora...pode brincar! A árvore está aí mesmo. Brinca!
Pode brincar!
A Onça-Pintada sem muito jeito, de frente para a árvore, ordenou:
- Abre-te árvore!
O tronco da árvore abriu e ela entrou faceiramente acomodando-se ali
dentro.
Foi então que ecoou a voz do Jabuti antecipando-se à Onça:
- Feche-te, árvore, para sempre!
O Jabuti deixou a Onça-Pintada presa dentro do escurinho da árvore e
disse:
- Ah, não quero mais brincar disso, não.
Dizem que a Onça está presa dentro da árvore até hoje.
Aquele Grão de Areia
Há muito tempo, na época das avós de nossas avós, numa praia do belo
litoral brasileiro, um Pequenino Grão de Areia enamorou-se de uma estrela das
mais bonitas do céu estrelado, das noites enluaradas.
- Eu pisco e ela pisca. Pisco com o direito e ela pisca. Pisco com os dois
olhos e ela pisca. Ela é a minha namorada, ela piscando para mim.
E o Pequenino Grão de Areia convidava os outros grãozinhos para
escolher uma estrela e namorar. Os outros olhavam para aquele Grãozinho
com desdém e debochavam das atitudes dele.Diziam a ele que aquilo era
esquesitice e que ele precisava se aprumar. Mas o Pequenino Grãozinho de
Areia passava as noites acordados, olhando para o céu, piscando.
- Eu pisco e ela pisca, eu pisco e ela pisca. Vejam todos, ela pisca para
mim.
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E assim passaram noites e mais noites com aquele Grãzinho enamorado
de uma estrela que piscava. O céu cheinho de estrelas, mas aquela era a
escolhida do Grãozinho apaixonado. Os outros Grãos continuavam achando
tudo aquilo muito estranho e até sinistro. Desmereciam a performance daquele
Pequenino Grão de Areia e galhofavam muito do pobrezinho que, sozinho, em
altas madrugadas, permanecia olhando para o céu, piscando para a estrela!
- Eu pisco e ela pisca, pisco com o direito e ela pisca, pisco com o
esquerdo e ela pisca, Pisco com os dois olhos e ela pisca, como é linda a
minha estrela.
Uma noite veio um vento e levou aquele Pequenino Grão de Areia para
outra praia do belo litoral brasileiro. Lá, pertinho da água do mar, continuava o
Grãozinho enamorado da estrela. Novamente convidou os demais Grãos, seus
vizinhos, para namorar também:
- Vamos, namorem. É só escolher uma estrela e piscar. Vejam! Aquela é
a minha namorada, pisco e ela pisca, pisco e ela pisca.
Bom, meus amigos, não preciso dizer o que os outros grãos em relação
às atitudes daquele Grãzinho. Fato é que de repente uma onda mansa
quebrou na praia e as espumas das águas deixaram o enamorado todo
molhadinho. Todo espumado, o Grãozinho continuou a piscar:
- Eu pisco e ela pisca, ela é linda.
Pois não é, meus ouvintes, que uma outra onda, dessa vez daquelas
bem brabas, levou o Grãozinho para o fundo do mar?
E foi aí, naquele instante, que todos os outros Grãos viram... uma estrela
caindo. Todos os Grãos de areia do mundo avistaram a estela cadente. Quem
duvidar é só mergulhar bem lá no fundo e vai encontrar a Estrela do Mar. Por
causa daquele Grãozinho de Areia apaixonado por uma estrela, nós homens e
mulheres de todos os países também podemos assistir ao espetáculo da
estrela cadente. Dizem até que nestes momentos podemos fazer três pedidos
que serão atendidos, dizem... VIVA AQUELE GRÃOZINHO DE AREIA, VIVA!
CONCLUSÃO
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Com as pesquisas realizadas ao longo desse trabalho, onde o fato de
contar histórias é um ato milenar, envolvendo gerações e gerações, onde não
existe a barreira do tempo, onde os laços culturais vão sendo desvendados,
mostrando a diversidade de estado para estado, de país para país, pois suas
culturas são diferentes, porém não há barreira cultural no reino do contador de
histórias, existem escritores de histórias infantis por todo o mundo. De séculos
atrás e do presente.
O objetivo desta pesquisa, é o de mostrar a importância da contação
de histórias na Educação Infantil, pois ouvir e contar histórias faz parte da vida
das crianças até sua vida adulta, sendo um grande incentivo à imaginação e a
leitura. Quando contamos uma história, além de estarmos contribuindo para o
resgate da tradição oral, recorrente em diversos povos, também contribuímos
para a formação das vivências de cada um, para formar cidadãos mais
preparados para as lutas, para as barreiras que terão que enfrentar até chegar
sua vida adulta.
Contar histórias é antes de tudo, o ato de comunicar-se.
Além de encantar, as histórias transmitem valores, em especial os
contos de fadas. Muitas histórias oferecem importantes referenciais para o
desenvolvimento subjetivo da criança. Ao ouvir histórias, as crianças entram
em contato com variadas emoções, muito importantes para o seu
desenvolvimento, alegria, raiva, tristeza, medo, tensão, coragem, esperança e
muitas outras sensações que a história, o contador, a imaginação e a
criatividade proporcionarão.
Ouvir o contador de histórias é uma narrativa que abre janelas, e elas
se abrem para novos mundos, novas possibilidades e novas experiências,
algumas próximas de nossa realidade, quase palpáveis, outras fantásticas, tão
distantes de nós que nos arrebatam.
O maravilhoso, o mágico e o fantástico nos envolvem. Todo o
simbolismo, presente nas personagens e nas tramas, age no inconsciente das
crianças e as ajuda a resolver os seus conflitos interiores, que permeiam sua
vida na fase de formação.
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Uma história é um espaço de múltiplas possibilidades, que desperta a
curiosidade e nos dá o prazer de ouvir e viajar, na brincadeira do faz-de-conta
de bruxas malvadas e invejosas, de princesas meigas e de extrema beleza, de
heróis que lutam contra forças sobrenaturais. Nessa luta, do bem contra o mal,
do certo contra o errado, as crianças se descobrem e aprendem a superar
medos e enfrentar desafios, descobrindo e dialogando com o mundo.
Para contar uma história, é preciso gostar dela, ser seduzido por ela e
seduzir o ouvinte, fazer com que as atenções estejam no contador de histórias.
Dizem que a “Deusa da noite, Nix, cobre seus filhos com um imenso
manto negro, antes de dormir.
Entretanto o tecido está muito velho e puído pelos anos de uso. A luz
passa através dos furinhos.
É por isso que vemos tantas estrelas no céu”. (Autor desconhecido).
Ao levarmos o ouvinte ao faz-de-conta, ele nos acompanhará a cada
gesto ou palavra, associando-os com imagens e fatos trazidos de seu universo
pessoal.
Vejamos a sensibilidade deste poema, que nos emerge aos contos de
fadas:
O luar quando bate na relva
Não sei que cousa me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
Contando-me contos de fadas.
E de como Nossa Senhora vestida de mendiga
Andava a noite nas estradas
Socorrendo as crianças maltrapilhas...
Se eu não posso crer que isso é verdade
Para que bate o luar na relva?
(Alberto Caeiros, um dos heteronômios de Fernando Pessoa).
Esta pesquisa passou pelos contos de fadas, em um tempo bem
remoto onde foi escolhido contos de Hans Christian Andersen, Irmãos Grimm,
passando por escritores brasileiros como: Monteiro Lobato, José Lins do Rego,
Ruth Rocha, Francisco Gregório Filho.
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Priorizando o porque da importância da contação de histórias na
Educação Infantil, que nos trouxe dois autores de épocas diferentes, de
estados diferentes, “de uma mesma história”, que recontam a história em
versões diferentes ( José Lins do Rego com “ A Princesa que era uma Cobra” e
Ruth Rocha com “ A Pele de Asno”). É fantástica essa releitura feita por esses
esplêndidos escritores.
Que esse trabalho possa ter contribuído para avivar a imaginação e
criatividade dos professores da Educação Infantil, de professores de outras
séries e leitores, que possam dar livros de presente e participarem de rodas de
contações de história...
Que nunca deixem esse mundo mágico de ler e contar histórias, que
nos remete ao sonho, ao mágico, ao conto de fada, a fábula, a lenda, o
romance, o mistério, enfim deixe a mente voar ao mundo das fadas, ao mundo
da imaginação.
ANEXO 1
Uma história de Hans Christian Andersen
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A PEQUENA SEREIA
A Pequena Sereia era a filha caçula do rei Tritão, era uma sereia
diferente das outras cinco irmãs. Era muito quieta, não era difícil vê-la distante
e pensativa.
Desde os dez anos, a Pequena Sereia guardava uma estátua de um
jovem príncipe que havia encontrado num navio naufragado. Passava às vezes
horas contemplando a estátua, que aguçava ainda mais sua vontade de
conhecer o mundo da superfície. Porém esse seu desejo só poderia ser
realizado quando completasse quinze anos, nessa idade é dada a permissão
para as sereias nadarem até a superfície do mar.
Para a Pequena Sereia esse dia especial parecia nunca chegar. Ela
acompanhava a cada ano, os quinze anos de cada uma das suas irmãs,
ansiosa para que o seu dia chegasse em breve também, e escutava atenta o
relato de cada uma delas sobre tudo aquilo que viram.
As irmãs contavam sobre os barulhos da cidade, as luzes, o céu, os
pássaros, sobre as pessoas, animais, eram tantas as novidades que só
aumentava o desejo da Pequena Sereia de conhecer aquele mundo.
A Pequena Sereia queria ver as cores douradas que surgiam no céu,
quando o sol de escondia no horizonte. A chuva, com as nuvens cor de
chumbo. Conhecer o arco-íris, as flores, as montanhas, as plantas.
Às vezes as cinco irmãs subiam juntas à superfície para passear, e a
Pequena sereia ficava triste em seu quarto, no castelo, sentia uma enorme
angústia e uma coisa estranha, parecia ter vontade de chorar, embora as
sereias não chorem, pois não têm lágrimas.
Até que o dia tão esperado chegou, o coração da Pequena Sereia
saltitava de felicidade. Recebeu de presente da sua avó um colar de pérolas,
símbolo da realeza.
A pequena sereia chegou à superfície na hora do pôr–do-sol. O céu
estava dourado com nuvens rosadas. Ela ficou maravilhada com o que via.
Ela avistou um grande navio com três mastros e nadou até ele. O céu
escureceu e no navio foram acesas centenas de lanternas coloridas. A
sereiazinha nadou contornando o navio e, pela escotilha do salão viu pessoas
alegres, dançando. Um rapaz em especial, chamou-lhe atenção.
Passadas algumas horas, o vento começou a soprar forte. A lua e as
estrelas sumiram do céu e começaram a surgir trovões e relâmpagos.
O mar estava revolto, ondas gigantescas atacavam o navio. Os marujos
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assustados, retiraram as velas do navio. As pessoas gritavam assustadas. O
navio balançava muito, até que uma onda gigantesca o tombou para o lado. A
escuridão foi total.
Um raio iluminou o céu e a Pequena Sereia viu pessoas gritando e
tentando se salvar nadando.
De repente a sereiazinha viu o príncipe. Ele estava se afogando. Ela sentia que
tinha que ajudá-lo. Ela nadou entre os destroços do navio e o alcançou.
O jovem príncipe estava desmaiado. Ela segurou firmemente, mantendo
a cabeça dele para fora da água, e flutuou com ele até a tempestade passar.
Ao raiar do sol, a sereiazinha verificou que o príncipe respirava tranqüilamente.
Ela ficou aliviada em ver que ele estava bem, ficou tão contente que o beijou.
Nadou com ele até uma praia, o dentou na areia e escondeu-se atrás das
rochas.
Ela viu que existia algumas casinhas por perto, certamente alguém o
encontraria.
Logo uma jovem apareceu na praia e foi caminhando na direção do
rapaz. O , que até então, estava desmaiado acordou e sorriu para a moça. A
moça correu para buscar ajuda e em pouco tempo o príncipe foi levado ao
vilarejo.
A sereiazinha ficou aliviada por ter salvado o jovem, mas ficou triste pois
temia não vê-lo novamente.
A Pequena Sereia voltou para o seu castelo no fundo do mar. As irmãs a
encontraram triste e quieta. Após longa insistência das irmãs, a sereiazinha
contou-lhes toda a sua aventura.
Uma das irmãs sabia quem era o príncipe e sabia que ele morava em
um castelo à beira-mar.
As seis sereias nadaram até lá. Esconderam-se atrás de uns rochedos,
esperaram até que viram o príncipe e viram que ele estava bem.
A pequena sereia pensava muito no jovem príncipe. Ela daria sua vida
para ser humana e encontrar-se com o príncipe nem que fosse só por um dia.
Seu pai, o rei Tritão estava preocupado com a filha, nem as festas no palácio
alegravam a jovem sereia. Ela nem cantava mais nas festas, todos adoravam
ouvi-la cantar, sua voz era linda.
Numa noite, a Pequena Sereia tomou uma decisão: foi procurar a
feiticeira do mar.
A feiticeira é uma bruxa, mora no meio dos redemoinhos, cercada de
plantas cheias de espinhos e animais peçonhento e perigosos.
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A sereiazinha acreditava que a única pessoa capaz de ajudá-la a
transformar-se em humana, seria a feiticeira. A feiticeira concordou em lhe dar
duas pernas, mas a sereiazinha só se tornaria humana se o príncipe se
apaixonasse e casasse com ela. Avisou que a sereiazinha sentiria terríveis
dores nas pernas para o resto da vida e nunca mais poderia voltar ao fundo do
mar. Caso o príncipe não se apaixonasse por ela e casasse com outra moça,
depois da noite do casamento, o primeiro raio de sol transformaria a Pequena
Sereia em espuma.
A sereiazinha ficou assustada, mas aceitou correr o risco, pois queria
estar com o seu amado.
Em troca dos serviços da feiticeira, a jovem lhe daria a sua voz.
Mesmo assim, a sereiazinha aceitou a proposta, estava decidida a
tentar.
A feiticeira deu-lhe um frasco contendo a poção que lhe daria as pernas
.Em seguida roubou-lhe a voz.
A sereiazinha não se despediu de ninguém, nadou em direção ao
palácio do príncipe. Foi então, que ela tomou a poção dada pela feiticeira.
Imediatamente sentiu terríveis dores como se punhais lhe rasgassem a cauda.
A dor foi tamanha que a jovem não agüentou e desmaiou.
Quando amanheceu, a princesa acordou, na praia, ao seu lado estava o
príncipe, olhando-a curioso e preocupado.
A sereiazinha percebeu que estava sem roupa, e possuía duas pernas
no lugar de sua cauda. Cobriu-se então com seus longos cabelos.
O príncipe quis saber seu nome e o que acontecera. Porém, a jovem não
conseguia falar, não tinha mais sua voz.
O príncipe a levou para o palácio, onde foi cuidada e alimentada. A
sereiazinha passou a viver feliz naquele lugar ao lado do príncipe. Sofria
terríveis dores sempre que andava, era como se algo furasse seus pés. Mas
nada era superior a sua felicidade em estar com o seu amado.
Cada dia que passava, o príncipe gostava mais da pequena sereia, As
pessoas do palácio também se encantavam com a pequena sereia. Porém o
coração do príncipe e seus pensamentos pertenciam à jovem que o encontrara
na praia, ele achava que ela o havia salvo.
Um dia a pequena sereia descobriu que o rei planejava casar o príncipe com a
filha do rei vizinho. Eles fariam uma viagem de navio para conhecer a futura
noiva.
A pequena sereia ficou muito triste, se o príncipe se casasse com outra
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ela morreria. Ficou cheia de esperança quando o jovem príncipe lhe
confidenciou que não se casaria com a jovem escolhida pelo seu pai, pois já
amava outra moça.
A sereiazinha acompanhou a família real na viagem.
Na hora em que conheceu a futura noiva, o príncipe ficou encantado, era
a mesma moça da praia.
A pequena sereia viu que o príncipe estava apaixonado. Naquela mesma
noite ele casou-se com a jovem princesa, a moça da praia.
Enquanto todos festejavam, a princesa sofria de tristeza. Foi então para o
convés observar o mar. Nesse momento ela viu suas irmãs, todas de cabelos
curtos.
Deram seus cabelos à feiticeira em troca de um punhal mágico. A
Pequena Sereia precisaria matar seu amado com aquele punhal, antes do
amanhecer, assim, poderia voltar a ser sereia e viver no fundo do mar.
A sereiazinha muito triste pegou o punhal, foi até o quarto do príncipe e vendo-
o dormindo tranqüilo ao lado da sua esposa, saiu correndo dali.
A sereiazinha tinha um coração bom, e seu amor era verdadeiro, não
poderia jamais matar o seu amado. Sendo assim, ela se dirigiu ao convés do
navio, já estava amanhecendo. A sereiazinha, então, atirou-se no mar, no
mesmo instante o primeiro raio de sol surgiu no horizonte, e assim o feitiço se
realizou, a Pequena Sereia virou espuma branca
ANEXO 2
Uma história dos Irmãos Grimm
CINDERELA
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Era uma vez um senhor viúvo que tinha uma filha a quem amava muito.
Ele decidiu casar-se novamente com uma viúva que tinha duas filhas.
O pobre homem morreu, deixando sua filha desolada. No entanto, a madrasta
e suas filhas ficaram felizes com a herança.
As três mulheres invejavam a beleza e a bondade da moça. Então a
converteram em sua criada, e a chamavam Cinderela.
Cinderela lavava, limpava, passava e cozinhava. Porém, mais que tudo
chorava, porque ninguém mais gostava dela. Um dia, o arauto do rei convidou
todas as jovens do reino para um baile no palácio, pois o príncipe herdeiro
queria escolher uma esposa.
As filhas da madrasta acreditavam que uma delas seria a escolhida, e
passaram a tarde provando vestidos.
A pobre Cinderela também queria ir ao baile, mas as suas irmãs a proibiram.
Foram ao baile zombando de Cinderela que ficou em casa, muito triste.
De repente surgiu vinda do céu, uma luz muito forte, que se transformou numa
fada.
_ Cinderela, sou sua fada madrinha, não chores, não quero que vivas
triste, se anime, pois esta noite irás ao baile.
E com sua varinha de condão transformou as pobres roupas da jovem num
lindo vestido, e os sapatos viraram sapatinhos de cristal.
A fada ainda transformou uma abóbora numa carruagem, dois ratinhos
em cavalos, e o cachorro de Cinderela no seu cocheiro.
A jovem ficou encantada com a mágica da fada.
_ Vá depressa minha menina! - disse a fada. Mas não esqueças que o
encanto se romperá à meia noite e tudo voltará a ser como era.
Cinderela entrou no palácio e todos ficaram encantados com sua beleza.
Estava tão bonita que a madrasta e as suas irmãs não a reconheceram.
As mulheres ficaram encantadas com o seu vestido, era o mais belo da festa.
O príncipe que até então não havia encontrado nenhuma moça que o
tivesse agradado, ficou encantado ao vê-la. Quis dançar somente com
Cinderela.
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Os dois dançaram a noite toda, deixando as moças da festa com muita
inveja daquela desconhecida.
Cinderela estava tão feliz que não percebeu o tempo passar. Quando olhou
para o grande relógio no salão, viu que faltavam poucos minutos para a meia
noite.
Antes que terminasse o encanto, Cinderela foi embora correndo, desceu
as escadas com tanta pressa que perdeu um sapatinho de cristal.
O príncipe, que estava apaixonado por Cinderela, saiu correndo atrás da jovem
mas não conseguiu alcançá-la. Encontrou o seu sapatinho de cristal na escada
e o guardou.
No dia seguinte, o príncipe que não sabia nem ao menos o nome de sua
amada, mandou que seu pajem a procurasse pelo reino, a moça cujo pé
coubesse naquele sapatinho.
O pajem procurou por todo o reino, mas nenhuma moça tinha um pé tão
pequeno que coubesse naquele sapatinho.
Quando chegou na casa de Cinderela, provou o sapatinho nas suas
irmãs, mas os pés delas eram grandes demais.
Como o sapato era pequeno, por mais que as irmãs tentassem, não
servia.
Ele estava indo embora quando viu Cinderela varrendo um cômodo da
casa. Após muito insistir ele conseguiu fazê-la provar o sapatinho.
Quando a madrasta e as irmãs viram Cinderela calçar o sapatinho
ficaram surpresas. Ele serviu perfeitamente em seu pequeno pézinho.
Ele a levou para o castelo ao encontro do príncipe.
No dia seguinte, Cinderela casou-se com o príncipe e houve festa em
todo o reino.
Agora, Cinderela era amada e os dois foram muito felizes.
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ANEXO 3
Uma história de Monteiro Lobato
JOÃO E MARIA
Houve uma vez um casal com tantos filhos que o remédio foi aliviar a
família botando dois fora. Chamavam-se João e Maria os escolhidos como
vítimas. Certa manhã o pai mandou que se aprontassem para irem com ele
tirar mel na floresta. Os meninos se aprontaram e foram. Lá no meio da mata o
pai disse: - Agora fiquem bem quietinhos enquanto eu me afasto. Assim que
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ouvirem um grito, dirijam-se do lado do som -, e afastou-se para um ponto em
direção contrária à sua casa, onde gritou – e afastou-se para um ponto em
direção contrária a sua casa, onde gritou – e depois deu uma volta e correu
para casa. Ouvindo o grito, as duas crianças encaminharam-se do lado do
som. Não encontraram o pai e perderam-se.
Veio a noite e os dois coitadinhos dormiram num oco de pau. No dia
seguinte João subiu ao alto de uma árvore para ver se enxergava alguma
coisa. Viu muito longe uma fumacinha. Mandou que Maria ficasse esperando e
dirigiu-se para lá.
Era a casa de uma velha catacega que estava assando bolos ao forno.
João, meio morto de fome, não resistiu ao cheiro daqueles bolos. Quebrou
uma varinha de gancho na ponta e por um buraco da parede furtou dois
bolinhos.
A velha viu aquilo mal e mal pensou que fosse o gato. – Chispa, gato,
não furtes meus bolinhos. No dia seguinte veio João com o gancho furtar mais
bolinhos e a velha novamente tocou o gato. No terceiro dia voltou, mas dessa
vez Maria insistiu em vir com ele – e veio. Quando João pescou o primeiro
bolinho e a velha ralhou com o gato, Maria não conteve uma gargalhada.
. A velha apareceu à janela e disse: - Oh! São vocês meus netinhos!
Entrem. Venham morar comigo. Os dois meninos entraram , e a velha –
nhoc! – agarrou-os e trancou-os numa arca, para engordá-los e comê-los
assados. E, para que engordassem depressa, dava-lhes muitos bolos todos os
dias. De vez em quando dizia: - Botem para fora o dedinho para eu ver se já
estão no ponto.
João não punha o dedo – punha um rabinho de lagartixa que encontrara
na arca, e a velha rosnava: - Ainda estão bem magros -, e aumentava a ração
de bolos.
Assim por muitos dias , até que João perdeu o rabinho da lagartixa e
teve de pôr o dedo. – Oh – disse a velha -, agora sim estão no ponto - e abriu
a arca. – Saiam e juntem bastante lenha. Vamos fazer uma fogueira para
dançar em redor. Mas a idéia da coruja não era esta , e sim lançá-los no tacho
de água que ia pôr em cima da fogueira.
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Os meninos saíram para a floresta. Estavam amarrando os feixinhos
quando Nossa Senhora lhes apareceu e disse: - A velha é uma feiticeira que
devora crianças. Por isso façam o que eu vou dizer. Depois de acessa a
fogueira, assim que ela mandar que vocês dancem, digam-lhe: - Avozinha,
dance primeiro para vermos como é – e que ela começar a dançar, empurrem-
na para a fogueira e corram - subam naquela árvore grande que há perto da
casa e fiquem lá até ouvirem um estrondo: é a cabeça da velha arrebentando
no fogo. Dessa cabeça vão sair três cães ferozes, mas vocês levarão no bolso
três bolos. Quando aparecer o primeiro cão, gritem Turco!, e lancem um dos
bolos. A mesma coisa com o segundo, que se chamará Leão, e a mesma
coisa com o terceiro, que se chamará facão. Façam isso que os três cães
ferozes se transformarão em três guardas fiéis.
Os meninos assim fizeram. Levaram a lenha e armaram a fogueira.
Quando a velha mandou-os dançar, pediram que começasse para verem
como era – e a velha pôs-se a dançar e eles empurraram para a fogueira. Em
seguida treparam à árvore e ficaram à espera do estouro. – Bum! – Lá
rebentou a cabeça da velha. Imediatamente os três enormes cães surgiram.
Os meninos disseram-lhes os nomes e lançaram-lhes os bolinhos. Os cães
viraram guardas fiéis, tudo exato como Nossa Senhora dissera.
Desceram então da árvore e ficaram morando na casa da feiticeira, onde
viveram vários anos em companhia dos bons cães.
Maria, que estava mocinha , foi gostada por um rapaz das vizinhanças, que
resolveu dar cabo de João. Mas os cães defendiam –no tão bem que isso se
tornou impossível. O moço armou um plano. Aconselhou Maria a pedir a João
que fosse e deixasse os cachorros na casa e João assim fez. O moço veio e
entupiu os ouvidos dos cachorros com cera – e lá se foi com uma espingarda
em procura de João. Se ele gritasse, os cães não ouviram e não ouviriam e
não viriam em seu socorro.
Encontrou-o e disse : - Reza, amigo, pois vais morrer – e apontou a
espingarda. João pediu tempo para dar três gritos. O malvado respondeu,
rindo, que podia dar até cem. João trepou a uma árvore e gritou de cima: -
Turco! Leão! Fação!
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Os cães estavam de ouvidos tapados, mesmo mas mesmo assim
ouviram alguma coisa e sacudiram violentamente as cabeças. João repetiu os
gritos,
duas, três, vezes. A cera escapou dos ouvidos dos cães e eles vieram, velozes
como relâmpagos e agarraram o malvado e o estraçalharam.
João voltou para casa e disse a Maria: - Tu me traíste, irmã. Fica-te pois aqui
vou correr mundo -, e lá se foi com os três cães fiéis.
Tocou para um reino onde havia um monstro de sete cabeças, comedor
de gente. Todos os dias tinham de levar-lhe uma vítima. Ao chegar lá João viu
uma linda princesa amarrada a uma pedra. – Que fazes aqui, princesa? –
perguntou. E bela respondeu: - Cá estou para ser devorada pelo monstro de
sete cabeças . Ele não tarda. Foge depressa, senão serás devorado também.
Contou ainda que o rei a tinha prometido como esposa a quem matasse
o monstro, mas que nunca apareceu no reino homem nenhum capaz de
semelhante façanha.
João declarou que não fugiria dali, ao contrário, ficaria à espera do
monstro para lutar com ele e vencê-lo – e como se estivesse cansado, deitou a
cabeça no colo da princesa, para dormir.
Momentos depois o monstro surgiu ao longe, e a princesa na maior
aflição, pôs-se a chorar. Uma lágrima caiu no rosto de João, despertando-o.
- Foge! Foge, se não será devorado também -, disse-lhe a princesa.
Mas João não mostrou o menor medo. Ficou – e atiçou contra o monstro o cão
Turco. Travou-se uma luta medonha, e quando Turco já não podia mais, João
atiçou Leão. E quando o Leão já não podia mais, atiçou o Facão. O monstro
não agüentou: foi vencido e estraçalhado.
João cortou a ponta das setes línguas do monstro e foi com a princesa
ao palácio. Mas um negro, que passava a cavalo, deu com o bicho morto e
teve uma idéia. Cortou sete tocos das línguas do monstro e foi de galope ao
palácio do rei, ao qual declarou que tinha matado o monstro.
Quando João chegou, era tarde. O rei já tinha resolvido o casamento da
princesa com o negro mentiroso, por mais que ela contasse a história de um
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modo diferente. Ninguém acreditou em suas palavras, julgando ser invenção
para não casar-se com o negro.
No dia do casamento houve um grande banquete, mas no momento em
que os criados serviam o negro, Turco entrou e arrebentou o que lhe haviam
posto no prato. Ao ver aquilo, a princesa ficou alegríssima e contou ao pai que
era um dos cães que haviam lutado contra o bicho de sete cabeças.
Os criados serviram novamente, e desta vez foi o Leão que entrou e
levou-lhe o prato. A princesa explicou que era aquele o segundo cão que lutara
contra o monstro. Por fim entrou Facão e o terceiro prato servido ao negro. O
rei, muito impressionado, mandou que seguissem aquele cachorro para ver a
quem pertencia.
Os guardas foram e voltaram com o herói verdadeiro.
- Eis aí quem me salvou e matou o monstro! Gritou a princesa, e João
confirmou suas palavras, abrindo um lenço, e mostrando as sete pontas de
língua.
O rei compreendeu tudo. Mandou amarrar o negro em um burro bem
bravo e casou João com a princesa.
ANEXO 4
Uma história de José Lins do Rego
A COBRA QUE ERA UMA PRINCESA
Havia nos tempos antigos um reino que não era feliz porque a sua rainha
nunca tivera um filho.
O rei andava triste vendo a hora que ficava velho, morria e não podia
deixar uma pessoa do seu sangue no trono.
O povo fazia promessa, a rainha rezava, e nada de aparecer o herdeiro
tão desejado. Um dia, no toque das Aves – Marias, a rainha perdeu a
paciência e disse uma coisa que não devia dizer:
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- Permita Deus – disse ela -, que eu tenha um filho nem que seja uma
cobra.
Depois de tempos pareceu que a rainha ia ter mesmo um filho,. O rei
mandou festejar a nova com festas que não parara. De noite e de dia o povo
dançava e cantava na frente do palácio. Ninguém pagou mais imposto, o rei
andava de dentes arreganhados de contente, satisfeito, tratando seus
escravos com brandura. E foi assim até que um dia de tempestade, com
trovões e raios cortando as nuvens, a rainha deu à luza uma menina, muito
bonita, de olhos azuis, de cabelos louros, uma belezinha. Mas a menina tinha
nascido com uma cobrinha enrolado no pescoço. Todo o mundo da casa do
rei ficou desgostoso. A rainha, quando olhava a filha, caía no pranto. E
ninguém queria chegar perto do berço com medo da cobra. Vieram os médicos
dos outros reinos, doutores, rezadores, adivinhos, e quanto mais faziam para
tirar a cobra do pescoço da princesinha, mais a cobra grudava à linda menina.
E foram os anos correndo. E a princesa criou um bem de irmã à
cobrinha, que era verde e tinha uma cabeça com olhos de gente. Horas
inteiras ficava a princesa brincando com ma cobra na beira do mar. E quando a
cobra via as ondas do mar, gostava de sair do pescoço da princesa e
passeava feliz pelas ondas . Ficava de tão longe da terra que a sua amiga nem
via para onde ela ia. E por isso começava a chorar com medo que a cobrinha
não voltasse mais. Chorava tanto, que a cobrinha voltava outra vez para o
pescoço da menina, se enrolava, se unia com sua amiga, e as duas voltavam
juntas para o palácio do rei, onde ninguém sabia destas brincadeiras na praia.
Mas lá um dia, a cobra entrou de mar adentro, foi mais longe que das outras
vezes. A princesa chorou, chorou muito, até que ela voltou para falar:
- Minha princesa, chegou o meu dia, vou para longe, para bem longe,
para uma terra que fica mil léguas mais abaixo do que o fundo do mar. Vais
ficar sozinha, mas não tem nada não, minha irmã, eu não te abandono, eu te
acudo sempre que for preciso. O meu nome é Labismínia. Grita por
Labismínia, e podes ficar descansada, que eu venho te valer.
E dito isto, a cobrinha correu para dentro do mar. A princesa ficou
parada na beira da praia chorando. Tantas lágrimas corriam dos seu olhos,
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como um riacho de vertentes. Depois calou-se. Labismínia, a sua irmã, se fora.
E ela estava só no mundo, sozinha.
Em casa, quando a princesa Maria chegou, sem a cobra no pescoço, foi
um rebuliço. O rei dançou de contente, mandou logo preparar uma grande
festa, chamou os reis dos outros reinos. O povo comeu bolo, mataram bois e
carneiros para o povo. E os escravos trabalharam sem algemas nos braços e
nos pés. Mas a princesa Maria estava triste. Nem parecia que tudo aquilo era
para ela.
Todas as manhãs, quando o sol nascia, ela ia para a beira do mar, para
ver se Labismínia aparecia. E o sol chegava de longe, de muito longe, e trazia
notícias de Labismínia.
À tarde, a princesa voltava para a praia onde brincava tanto com a sua
irmã. Queria ver se a lua dizia alguma coisa. A lua podia dizer se tinha visto
Labismínia, se tinha passado pela terra de sua irmã. A lua boiava tanto em
cima das águas do mar! Mas nada. Nem a lua e nem o sol davam notícias de
Labismínia, que estava numa terra que era mais longe mil léguas que o fundo
do mar. Aí a princesa chorava. Quisera Deus que ela fosse para a terra que
ficava a mil léguas mais abaixo do mar. Ah, se ela pudesse descer como peixe,
fugir do mundo e se encontrar outra vez com Labismínia! O seu pescoço já
estava acostumado com a cobra. E foi indo assim, até que um dia todo o reino
entristeceu.
O rei mandou botar algemas outra vez nos escravos, o rei obrigou o
povo do seu reino a rezar. Era que a rainha tinha começado a adoecer. Não
houve médico que soubesse o que era. Vieram doutores de todos os cantos da
Terra, feiticeiros de todos os cantos do mundo. E quando a rainha sentiu que
ia morrer, chamou o rei e na frente da corte inteira falou ao marido:
- Quando tiveres que te casar outra vez – disse ela tirando um anel do
dedo -, só poderá ser com a princesa no dedo de quem couber este anel que
eu te dou.
O rei chorou muito, mas depois de tanto pranto, começou a pensar no
seu casamento. E para isso mandou mensageiros para todos os lados da
Terra. Primeiro, para princesas de Castela. E o anel não deu no dedo de
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nenhuma. Depois para as filhas dos pares de França. Nada. O rei mandou
então falar com o soberano da Inglaterra. E não apareceu princesa nenhuma
para o anel do rei. Na corte da Áustria foi a mesma coisa. E assim levou um
tempão. O rei já estava mesmo convencido que não acharia mais moça para
se casar, quando lembrou da princesa sua filha era a maior beleza do mundo.
Quem sabe, pensou ele, que aquela cobra no pescoço de Maria não
seria um sinal de Deus para que casasse com sua própria filha? E assim
pensando, mandou chamar a princesa. E o anel deu no dedo de sua filha,
como se tivesse sido feito para ela.
Quando a princesa soube das intenções do pai, correu para a beira da
praia e começou a chorar alto, a chorar tanto, derramando lágrimas como um
olho – d´água de pé de serra:
Labisminia, Labismínia – gritava ela - vem me acudir.
E quando ela viu um barulho que vinha do mar. Uma onda grande bateu
nos seu pés, e a cobrinha verde, de olhos de gente, apareceu na sua frente,
por um encanto, dizendo logo para ela:
- Por que chora a linda princesa, minha irmã?
Maria contou toda a sua história. Era a mais desgraçada moça das
moças da Terra, pois teria que se casar com o próprio pai.
- Não tem nada não, minha irmã – lhe disse Labisminía. – Eu te salvarei
de tudo. Pede ao rei que para tu te casares com ele é preciso que ele te dê um
vestido da cor do campo com duas florzinhas.
Depois o mar fez outro barulho medonho e uma onda levou Labisminía
para as profundezas.
A princesa Maria voltou para casa consolada, e disse para o pai o seu
desejo. O rei ficou espantado com o pedido da filha, mas não se desenganou.
Mensageiros, criados, escravos saíram pelo mundo atrás do vestido.
A princesa, no palácio, já estava descansada, quando apareceu o pai
com o vestido pedido, que tinha a cor do campo com as suas florzinhas.
- Dou-te – disse o rei – o vestido dos teus desejos. Custou-me mais caro
que o reino que eu ganhei na batalha com os mouros.
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A princesa olhou para o vestido, que era de uma beleza como ela nunca
tinha visto. Mas logo que pensou no casamento, começou a chorar outra vez.
E com aquela agonia no coração correu para a praia gritando pela cobra:
Labisminía! Labisminía! Vem me salvar!
Aí o mar deu um gemido, e uma onda trouxe aos pés da princesa a
cobrinha verde de olhos de gente.
- Labisminía – disse a princesa -, o rei meu pai mandou gente pelo oco
do mundo procurando o vestido que tinha a cor do campo com todas as suas
florzinhas. É uma beleza, Labisminía, mas eu não quero me casar com o meu
pai.
- Não tem nada não – disse a cobrinha -, não tem nada não.Pede a ele
outro vestido da cor do mar com todos os peixinho.
A princesa Maria se consolou outra vez. E uma onda grande, toda de
espuma branca, levou Labismínia para o fundo do mar.
O rei, quando soube do novo pedido da princesa, botou as mãos na
cabeça. Aonde encontrar um vestido daquele? Mas tinha que se casar com a
filha. E mandou outra vez os seus mensageiros pelo mundo afora.
Lá um dia chegou o vestido da cor do mar com todos os seus peixes, e
ele o vestido à filha. A princesa achou uma beleza, muito mais bonito que o
outro. Vestiu-se com ele, mirou-se nos espelhos do palácio, mas quando se
lembrou que tinha que casar com o pai, deu para chorar. E foi para a praia
atrás de Labisminía. E a cobrinha não tardou a chegar para consolar a irmã.
- Não tem nada não, minha irmã Maria. Não precisa chorar tanto,
Labisminía tem que achar um jeito. Volta e pede a teu pai um vestido da cor do
céu com todas as estrelas. Não precisa chorar, minha irmã querida.
O rei deu o desespero. Aonde encontrar um vestido daqueles? Então
chamou os seus vassalos, chamou o seu tesoureiro, abriu as suas arcas e
disse:
- Danem - se pelo mundo. Tragam - me este vestido, nem que custe
todo o ouro que eu ganhei na guerra com os turcos.
E saíram os mensageiros pelo mundo. A princesa de contente cantava.
Saía pelo jardim passeando, no meio das roseiras, que cheiravam tanto como
55
se cada uma fosse um frasco de cheiro. E os passarinhos dos arvoredos
cantavam. Muitos vinham brincar nos pés da princesa, que era a criatura mais
alegre deste mundo. A princesa Maria brincava com os pássaros, feliz,
contente, na confiança que tinha na sua irmã Labisminía.
E foram-se os tempos. Mas lá um dia chegou o rei na sua camarinha.
Atrás dele vinham cem negras que traziam nas mãos o vestido que ela tinha
pedido ao pai. As estrelas do céu na seda azul brilhavam como se fossem de
diamantes. A Cauda do vestido ia tão longe que ela nem via o fim.
- Minha filha – lhe disse o rei -, eu te trago a maior riqueza de todos os
reinos da Terra. Por este vestido eu lhe dei todo o ouro e todas as pedrarias
que eu trouxe das guerras com os turcos. Agora, minha filha, vamos marcar o
dia do casamento.
A princesa nem esperou que o pai saísse do quarto. Foi logo caindo no
chão, chorando. Tinha sido enganada por Labisminía! E na beira da praia foi
chamar pela companheira, dando gritos de dor. Corriam lágrimas dos seus
olhos como água de uma biqueira de casa – grande.
Labisminía, Labisminía, onde está a minha cobrinha do coração.
Ouviu-se um barulho que vinha do fundo do mar. E a cobra verde de
olhos de gente chegou-se para a princesa que chorava. Maria lhe contou tudo.
Não fazia mal, disse a cobrinha.
- Volta para casa, arruma as tuas malas, com todos os vestidos que teu
pai te deu, e volta para a beira do mar. Aqui onde estou, encontrarás um navio
que te levará para um reino bonito, bem longe deste mundo onde tens sofrido
tanto, minha irmãzinha do coração. Mas olha bem: quando estiveres no dia
mais feliz da tua vida, grita por mim três vezes, para que eu me desencante e
volte a ser princesa que sou.
Dito e feito. A princesa Maria fugiu com seus vestidos no navio que
Labisminía mandara para ela.
O rei tinha saído para uma caçada. E a princesa o encheu com as suas
malas.
E foi-se para o reino desconhecido.
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Lá chegando, fez tudo com Labisminía lhe tinha dito. Saltou em terra, e
quando reparou, não viu mais o navio, nem viu mais as malas com seus
vestidos. Ela estava mudada numa criada, numa pobre moça, na mais pobre
moça da Terra. E chegando no reino desconhecido, foi pedir emprego à rainha,
que vendo ela tão pobre, mandou que fosse tomar conta do galinheiro.
Maria dormia no meio das galinhas, suja como ela nunca tinha visto
uma negra de se pai. De noite chorava, vendo que Labisminía tinha mentido
para ela. Pobre dela, que era a moça mais pobre do mundo! Mesmo assim a
princesa Maria ainda dava graças a Deus. Melhor dormir com as galinhas do
que se casar com seu pai. Cadê o príncipe que Lasbiminía lhe tinha
prometido?
Passados tempos, começaram no reino a falar numa festa muito grande
que iam dar na cidade perto do castelo.
E no dia da festa falada, a boquinha da noite, Maria começou a reparar
nas carruagens que passavam, tilintando pela estrada. Então depois de
agasalhar as galinhas, ela ficou pensando na vida. Era a moça mais pobre do
mundo de Deus. Todos iam para a festa do castelo, os pobres e os ricos, e ela
só, ficava ali, cheirando a sujice das galinhas do rei. Mas tudo isto era melhor
do que se casar com meu pai.
Estava ela com este pensamento na cabeça, quando ouviu uma voz que
vinha de longe:
- Toma a tua carruagem, Maria, e vai para a festa.
De repente, ela se viu com seu vestido da cor dos campos com toda as
suas florzinhas. Uma carruagem de arreios de prata, com seis cavalos pretos,
esperava por ela.
E foi assim que a princesa Maria foi para o baile mais falado da cidade.
Quando ela entrou no salão, todo mundo a admirou. Nunca tinham visto uma
princesa mais rica e mais linda. O seu vestido enchia tudo de beleza. Era como
se o campo mais belo da Terra tivesse entrado de sala adentro, com todos os
seus perfumes, com todas as suas cores. O rei e a rainha quiseram logo
conhecer aquela princesa de tanta distinção. E quem mais reparou em Maria
foi o filho do rei, um príncipe muito lindo, de olhos pretos. Mas a princesa não
57
ficou até o fim da festa. Quando os galos começaram a cantar, ela voltou na
sua carruagem para o seu canto, no castelo.
No outro dia, era no que se falava, no palácio do rei. De que reino seria
aquela princesa, de trajes tão belos, de cabelos tão louros, de olhos tão azuis?
O príncipe só falava nela com sua mãe. De outra coisa ali não queria saber, a
não ser daquela moça do vestido que tinha a cor do campo com todas as suas
florzinhas.
Na noite seguinte havia outra dança na cidade. Pelo caminho que ia para
a cidade, Maria via gente de carruagem. Bem triste ela estava vendo tanta
gente feliz, tanta moça amada, e ela ali no meio das galinhas, tão pobre e tão
só.
Apesar disso, tudo lhe parecia melhor do que se casar com seu pai.
Com pouco ela ouviu uma voz muito conhecida:
- Maria, Maria, toma a tua carruagem e vai para a festa. Esperando por
ele já estava uma bela carruagem de arreios de ouro com dois cavalos
pampas. E com o seu vestido da cor do mar com todos os peixinhos a princesa
desconhecida entrou no salão, assombrado. O espanto do povo ainda foi maior
do que na outra noite. Aonde fora aquela moça buscar vestido tão belo? O
vestido da rainha perto do de Maria parecia uma roupa pobre. E por onde
Maria passava, passa uma onda de cheiro. Os seus cabelos louros, os seus
olhos azuis, não eram de gente, de tão formosa. O príncipe não tirava os olhos
dela. Corria um zum – zum pela sala. Donde tinha vindo aquela moça?
E os cocheiros na porta do palácio olhavam para a carruagem de boca
aberta. De arreios de ouro, toda de vidro, a carruagem de Maria deixava de
longe o cabriolé do rei, que parecia um carro de pobre junto do dela. Os
cavalos enormes, nunca tinham visto tão grandes por aquela redondeza. E o
cocheiro vestido como um grande da corte. Aquilo é que era riqueza.
E quando os galos cantaram, a princesa se retirou para o seu quarto,
onde ia dormir no meio da imundície das suas galinhas.
No outro dia, na corte, só se falava na bela princesa. O príncipe não
ficava parado. Espias já estavam por todos os cantos da estradas para ver
donde vinha e por onde passava a mais bela princesa que já atravessara as
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estradas reais. No seu canto Maria nem dava sinal de orgulho. Misturada às
suas galinhas, suja como a moça mais pobre do mundo e ainda dando graças
a Deus. Melhor tudo aquilo do que se casar com seu pai.
E de tarde, quando ela ia tangendo as suas galinhas para o chiqueiro,
viu o príncipe de olhos pretos parado na estrada.
- Donde vieste tu, criadeira de galinhas? – disse ele olhando para o rosto
da moça. – Ontem vi na festa da cidade uma princesa que tinha a tua cara!
Tremendo de medo, Maria respondeu:
- Quem sou eu, minha alteza, para me parecer com a mais bela princesa
da vossa festa?
Mas o príncipe saiu de cabeça baixa. Naquele dia era a última noite de
festa. Maria, sentada na porta de seu quarto, olhava a lua saindo do céu bem
redonda, cobrindo tudo de prata. Vinha um ventinho de longe soprar os
cabelos encantados da princesa. Pela estrada, as carruagens corriam para o
baile. Aí ela ouviu a voz macia de Labisminía:
- Maria, toma a tua carruagem com arreios de brilhantes, com seis
cavalos brancos, esperava pela mais bela princesa da Terra. Quando Maria
deu fé, estava com o seu vestido que tinha a cor do céu com todas as estrelas.
No salão grande da festa todo mundo parou para olhar para ele.
Pararam as danças, parou a música. A princesa entrou e só se via gente
admirando para o que ela trazia de belo. O príncipe ficou tão cheio de amor
que correu para a princesa e caiu aos seus pés, beijando-lhe o vestido, com
lágrimas nos olhos pretos.
- Minha princesa, guarda contigo esta lembrança – disse ele.
E deu a Maria uma linda jóia.
N hora que os galos cantaram, voltou outra vez a princesa para o seu
quarto.
E o príncipe, de tanto amor que pegou por ela, caiu doente de cama.
Nada existia para ele, não comia, não dormia, dando suspiros pela princesa
que fora embora. A rainha chamou todos os doutores do reino para ver o filho
naquele estado. Mas ninguém sabia o que ele tinha. Coitado, nem um caldinho
queria tomar. Da mão de ninguém ele aceitava comida ou bebida. A pobre mãe
59
pedia aos outros para ver se o filho recebia de alguém o que não queria
receber de suas mãos. Mas o príncipe se negava. Queria morrer, dizendo para
todo o mundo que só a bela princesa da festa existia para ele. A rainha
chamou, uma por uma, todas as mulheres da sua corte. Chamou as princesas,
chamou as mulheres e as filhas dos seus vassalos, e o príncipe não queria
olhar para nenhuma. Foi quando se lembraram da moça do galinheiro. Maria
foi chamada para o paço. A rainha foi logo lhe dando ordem para ela levar ao
quarto do príncipe o caldo que ele não queria tomar da mão de ninguém.
- Minha rica senhora – respondeu Maria -, quem sou eu para receber
tanta honra de Vossa Majestade. Tudo o que eu posso fazer é preparar um
caldo.
A rainha aceitou, de tão aflita que estava.
Maria preparou o caldo e dentro da xícara botou a jóia que o príncipe lhe
tinha dado na festa.
E quando o príncipe meteu a colher na xícara e viu a jóia, levantou-se da
cama gritando para a mãe:
- Mãe estou bom, manda trazer aqui a criatura que preparou o caldo.
Mandaram chamar a criadeira de galinhas.
E quando os mensageiros chegaram do chiqueiro, encontraram a princesa da
festa com o seu mais belo vestido, com cem negras para lhe servir de criadas,
com mil malas de rouparia, com três carruagens.
E a princesa Maria se casou com o príncipe de olhos pretos. Mas no dia
da festado casamento se esqueceu de chamar três vezes por Labisminía,
como havia prometido.
E a pobre princesa não se desencantou. Ficou cobrinha para toda a
vida, com aqueles olhinhos de gente.
E é por isto que ainda hoje o mar geme tanto, grita tanto, soluça, faz
tanto barulho. É a pobre da Labisminía que do fundo do mar chama pela irmã
ingrata que não se lembrou dela no dia mais feliz de sua vida.
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ANEXO 5
Uma história de Ruth Rocha
PELE DE ASNO
Era uma vez um rei muito poderoso.
Seu reino vivia em paz.
Sua esposa, a rainha, era boa e linda, inteligente e doce. E sua filha
única era como a mãe, muito bonita e muito gentil. Tudo que há de lindo e de
rico havia no seu palácio.
E nas suas cocheiras viviam os mais belos cavalos, cobertos com lindas
mantas de brocado e seda. Mas todos se espantavam quando viam no lugar
mais importante das cavalariças um grande asno, de orelhas pontudas.
Na verdade, este não era um asno comum. Ele tinha uma coisa que era
diferente de todos os outros asnos do mundo: ele comia capim, mas só
descomia moedas de ouro, que os cavalariços recolhiam todas as manhãs,
aumentando sempre a fortuna do rei.
Um dia, no meio de tanta felicidade, aconteceu uma grande tristeza. A
rainha, tão boa e tão linda, ficou doente. Nem médicos nem feiticeiros
conseguiam curar a rainha, que acabou percebendo que iria morrer.
Ela então chamou o rei e pediu que ele lhe fizesse um juramento de não
se casar mais, a não ser que encontrasse uma mulher que fosse mais bela,
mais elegante e mais inteligente que ela.
61
O rei fez todos os juramentos que a mulher lhe pediu. E a rainha morreu
nos seus braços.
O rei chorava tanto, noite e dia, de paixão, que todos acharam que sua
tristeza iria se gastar e acabar depressa. Foi o que aconteceu. Em poucos
meses o rei já estava pensando em casar-se de novo. Ma não era fácil
encontrar uma noiva sem contrariar seu juramento.
Nem na corte, nem nos campos, nem nas vilas, nem nos reinos vizinhos
havia uma mulher tão especial.
A única mulher que existia com as qualidades que o rei procurava era a
própria princesa...
O rei, solitário e triste, apaixonou-se pela jovem. E resolveu casar-se
com ela.
A princesa não queria nem ouvir falar nisso. Chorava noite e dia, sem
saber como agir.
Então ela foi procurar a madrinha que era uma fada muito sábia, para se
aconselhar com ela, na sua gruta de madrepérola coral.
Vocês sabem com são as fadas. Assim que a princesa chegou, ela lhe
disse:
- Não é preciso me contar nada menina. Eu sei mo que você traz no
coração. Mas seguindo meus conselhos não há nada há temer. Não diga não a
seu pai. Mas peça a ele um presente, antes de lhe dar a resposta. E este
presente será um vestido da cor do tempo. Nem com todo poder ele poderá
atendê-la.
Trêmula de medo, a princesa fez o pedido a seu pai.
Imediatamente ele chamou os costureiros do reino e exigiu que fizessem
o vestido, ameaçando até de enforcá-los todos se o trabalho não ficasse do
jeito que ela queria. Não se sabe como, mas os costureiros do rei acabaram
aparecendo com o vestido, que era tão azul quanto mais profundo do céu, com
suas nuvens douradas.
A princesa correu para a madrinha. E mais uma vez a madrinha lhe deu
conselho:
- Peça o vestido da cor da lua. É impossível que ele consiga.
62
Mais uma vez usou de ameaça e os costureiros acabaram conseguindo
fazer outro vestido lindíssimo, prateado e brilhante como a própria lua.
Mas a madrinha aconselhou a princesa uma outra vez:
De novo o rei chamou seus costureiros. De novo ameaçou, e, não se
sabe como, de novo eles conseguiram fazer o vestido tão dourado e tão
brilhante que parecia ainda mais lindo que o sol.
A princesa, desesperada, se viu sem saída. Mas a madrinha
aconselhou-a de novo:
- Minha filha, toda a riqueza de seu pai vem daquele asno, como você
sabe. É dele que vem todo o ouro que enche as bolsas de seu pai. Peça-lhe a
pele deste animal tão precioso. Isso ele não poderá lhe dar...
Embora a fada fosse muito sábia, ela não sabia de tudo a respeito do
amor.
E a pele do asno foi levada à princesa como ela pedira.
A princesa desesperada , começou a chorar, mas sua madrinha veio
socorrê-la:
- Deixe que seu pai pense que você vai se desposá-lo. Mas enquanto
isso você deve fugir, disfarçada, para um reino distante. Neste grande baú
vamos guardar seus vestidos, seu espelho, sua jóias, seus produtos de toalete.
Fique com o meu anel. Enquanto ele estiver na sua mão o baú vai seguir você,
oculto sob a terra. Quando você quiser abrir o baú, encoste este bastão no
chão e ele aparecerá. Para que não a reconheçam, esta pele de asno servirá
de disfarce. Ninguém vai imaginar que dentro dela possa haver alguma coisa
boa.
A princesa, nas primeiras horas da manhã, saiu da casa da madrinha
com seu horrível disfarce. E o rei, que se preparava para o casamento, assim
que soube de sua fuga fez com que todos os lugares fossem examinados em
busca da princesa.
Mas ninguém descobriu que com a pele de asno ela estava coberta...
Um enorme desgosto cobriu o todo reino. Não haveria mais casamento, nem
festa, nem danças, nem doces.
63
Enquanto isso, a jovem percorria seu caminho, com o rosto coberto pela
máscara horrenda. A todos a princesa estendia a mão e pedia que a
empregassem como criada. Mas ninguém queria recolher em sua casa uma
criatura tão suja.
Chegou por fim a uma fazenda, onde precisando de uma pessoa para os
serviços mais brutos, de limpar chiqueiros e lavar panos de chão.
A princesa foi alojada no fundo da cozinha. E outros empregados
caçoavam dela, lhe pregavam peças o tempo todo a maltratavam.
Apesar aos domingos ela conseguia descansar. Então ela trancava no
seu quartinho, lavava-se e abria seu querido baú. Diante do grande espelho ela
se arrumava, se penteava, se pintava, e vestia um dos seus lindos vestidos:
um dia o azul da cor do tempo, um dia o prateado da cor da lua, e um dia o
dourado tão luminoso que clareava o quarto, que era tão pequenino que a
cauda de seus vestidos não podiam desdobrar-se toda.
Ela então se consolava de sua infelicidade olhando-se no espelho, e se
via tão linda e tão elegante, que esta alegria a sustentava até o outro
domingo...
Eu tinha esquecido de contar que essa fazenda fazia parte das terras de
um rei poderosíssimo, onde se criavam animais de todo os tipo e
especialmente aves de todas as raças.
O filho do rei, voltando da caça, ia frequentemente a essa fazenda para
tomar refrescos com seus senhores e descansar um pouco.
Pele de Asno pode vê-lo de longe, com seu porte altivo e seu rosto
severo. E assim ela percebeu que dentro de seu peito ainda batia um coração
de princesa...
“Que porte imponente! Que rosto gentil!”, pensava a princesa. “Como
será feliz a mulher que lhe conquistar o coração!”
Um dia o jovem príncipe resolveu fazer um caminho diferente para a
fazenda. E passando por um atalho que não conhecia foi parar junto ao
quartinho de Pele de Asno. Por acaso espiou por uma fenda da parede. Era
domingo e a moça estava toda vestida de ouro, com os cabelos bem
64
penteados, todas as suas jóias, e se movia, pelo quarto, com toda a sua
graça...
As roupas riquíssimas o impressionaram. Mas muito mais impressionado
ficou pela beleza do rosto da princesa, por sua pele maravilhosa, seus traços
finos, sua mocidade, seu porte elegante. E ele teve a certeza de que ela teria a
alma tão bela quanto a aparência, e se apaixonou profundamente.
Bem que ele quis entrar para falar à moça. Três vezes levantou a mão
para abrir a porta e três vezes lhe faltou a coragem. Voltou para o palácio, mas
a lembrança não lhe saia do coração. E ele ficou pensativo, e noite e dia
suspirava. Não queria mais ir aos bailes, embora fosse carnaval. Não quis mais
ir à caça nem ao teatro. Não tinha mais vontade de comer, tomado de uma
verdadeira doença.
Começou a perguntar a todo mundo quem seria aquela moça tão linda
que morava no fundo do quintal.
E todos respondiam que não havia essa moça tão linda, quem morava lá
era Pele de Asno, que se chamava assim porque vivia coberta por uma horrível
pele de animal.
Mas por mais que dissessem isso, ele não podia acreditar. Ele tinha visto
com os próprios olhos...
Enquanto isso, a rainha, sua mãe, que só tinha esse filho, se
desesperava e perguntava o tempo todo o que ele queria. Por fim o príncipe
respondeu que tudo o que ele queria é que Pele de Asno lhe fizesse um bolo,
com suas próprias mãos.
Todos se espantaram, todos diziam que a Pele de Asno era como um
bicho, era feia, era suja...
Mas a rainha não ouviu ninguém:
Não me importa nada disso, Ele quer um bolo feito por Pele de Asno! Ele
terá um bolo feito por ela!
A moça foi chamada para fazer o bolo.
Então ela se trancou no seu quartinho, lavou-se toda e tirou do seu baú
uma tigela de prata.
65
E começou a fazer bem depressa o tal bolo. Dizem, eu não sei, que
enquanto trabalhava , na pressa, deixou cair dentro da massa um dos seus
lindos anéis.
Outros dizem que a princesa jogou seu anel de propósito. Aliás, dizem
também que quando o príncipe espiou pela fenda de sua cabana, bem que a
princesa percebeu o olhar do príncipe. O que eu tenho certeza é que a
princesa não duvidou que o príncipe iria gostar de encontrar o seu anel...
O príncipe devorou o bolo com tanta ansiedade que é de admirar que ele
não tenha engolido até mesmo o anel...
Quando o príncipe viu a magnífica esmeralda e o pequeno fio de ouro
que a prendia e deixava perceber o formato do dedo de sua dona, ficou
emocionado. Guardou a jóia debaixo de seu travesseiro no mesmo instante.
Mas sua doença parecia piorar. E os médicos concluíram que sua
doença era amor. Para tal de amor o remédio é o casamento, pensaram eles.
Quando propuseram esse remédio ao príncipe, ele respondeu que se
casaria de bom grado, mas apenas com a pessoa para quem o anel servisse.
Ás portas do palácio uma grande fila se formou. Todas as moças, sem
distinção, se dispunham a experimentar o anel. Havia corrido o boato de que o
anel era muito fino e só serviria para quem tivesse o dedo muito delicado.
Uma porção de espertalhões começou a anunciar que seria capaz de
afinar os dedos das moças.
A conselho de um deles, uma tola chegou a raspar um pedaço do
dedo...Uma terceira tentou apertar bem o dedo, para ver se ele afinava... Teve
até uma que botou um remédio violento que acabou lhe arrancando a pele...
Não houve o que fizesse para que o anel coubesse nos seus dedos.
Primeiro foram as princesas, depois as duquesas, as condessas, as
baronesas, as nobres em geral, e então todo o povo, desde as costureiras até
as cozinheiras. Mas o anel não cabia em ninguém!
Por fim, a única que não tinha experimentado o anel era Pele de Asno,
escondida na sua cozinha.
E quando falaram em trazê-la, todos se riam:
- Como é possível que tal criatura venha a ser rainha!
66
Mas o príncipe insistiu e a trouxeram debaixo de sua pele negra.
E, de dentro daquela pele tão feia, tão negra, surgiu sua pequena mão,
clara como marfim, delicada ainda, apesar do trabalho. E o anel foi posto em
seu dedo e serviu perfeitamente.
Todos se espantaram muito e quiseram levá-la ao rei. Mas ela pediu licença
para se arrumar e se lavar.
E quando Pele de Asno voltou, com seu magnífico vestido de prata, seus
cabelos entrançados com diamantes, seus olhos azuis e seu corpo elegante, o
príncipe, feliz como nunca, reconheceu a jovem por quem estava apaixonado.
Reis, de perto e de longe, foram convidados para o casamento.
E vieram todos, em sua carruagens puxadas por cavalos brancos e
negros ou montados em elefantes. Nenhum rei parecia mais importante que o
pai da noiva, que outrora quisera desposá-la, mas que já tinha arrancado do
peito essa idéia. Quando viu que sua filha era a noiva, ficou muito feliz e até
chorou de emoção.
Então a madrinha de Pele de Asno chegou e contou toda a história,
mostrando que a virtude acaba sempre vencendo.
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ANEXO 6
ARTIGO DE FRANCISCO GREGÓRIO FILHO ( Escritor e Contador de
Histórias ), PUBLICADO NO LIVRO: YUNES, Eliana . Pensar a Leitura:
Complexidade – São Paulo: Editora Loyola, 2002.
Oralidade, Afeto e Cidadania.
“ O olho precisa encontrar o olho do outro. Olho no Olho. O olhar estabelece a confiabilidade do diálogo. O olhar do outro é o alimento solidário para eu me pôr de frente, encontrando a respiração do outro. Necessito do olhar do outro, do olho do outro no meu olho. Pouso suave, convidativo, deposito meu olhar no olhar do outro, sem pressa de retirá-lo. O olhar ajuda a dizer e, principalmente, ajuda a ouvir. Os olhos ajudam a buscar o significado nos guardados do coração; apóiam a escolha, recolhem a preferência, distraem o sufocado, desarrumam para enxergar e ordenar o belo e o distraído. Olhar no olho do outro é sublimar o narrado, é destampar o vivido, é tornar possível é possibilitar o percurso e os atalhos, é estender o plausível a extremos tensionadores de descobertas, é romper o conformado, é desejar o não-experimentado, é chorar de ver. Gosto de narrar com os olhos percorrendo as dúvidas do olhar do outro. Vou narrando, dando voz às palavras para olhos que desvendam, numa cumplicidade que pede, que oferece, que flexibiliza a certeza. Dizer-me e saber-me do outro na simultaneidade da revelação de um conflito, de um afeto, de um desfecho. O olhar é o convite para ver juntos, ajustados, sintonizados, sincronizados. Olhar o olhar é perceber e discernir o que guardar. É necessário sentir o vácuo do olhar, a pausa, o silêncio e a explosão. A voz com o olhar, partilhando horizontes em cores escuras, sombras de desencontros, desilusões profundas e achados iluminados. Olhando o olhar do outro, ouvindo o que vou desvelando, em território de pisos
68
poéticos, olho-me como semelhante singular no alumbramento do belo, na indignação do injusto, na aproximação das paixões. Só posso contar uma história encontrando o olhar do outro; para minha voz poder repercutir; tomar dimensão”.
69
ANEXO 7
ARTIGO DE FRANCISCO GREGÓRIO FILHO ( Escritor e Contador de
Histórias ), PUBLICADO NO LIVRO: FILHO, Francisco Gregório, LER E
CONTAR, CONTAR E LER:: Caderno de Histórias - Editora: Letra Capital
Editora – 2011.
Leitura, Oralidade e Cidadania
Contar e ouvir Histórias
Somos aquilo que vamos adquirindo ao longo da vida. Os primeiros jogos,
as brincadeiras, as cantigas, os contos vão imprimindo em nós um pouco
daquilo que vamos ser quando adultos. Não somos passivos às experiências e,
a cada uma aprendida, incorporamos informações, transformações,
acrescentamos parte de nossa própria “herança” e vamos construindo nosso
jeito de nos olhar e de olhar o mundo. Produzindo saber, saberes,
comprometidos com nossa época e lugar.
As muitas histórias ouvidas na infância passam a constituir pequenos
acervos que, interagindo com nossas vivências, vão contribuindo
significativamente para o exercício da crítica acerca das coisas que
presenciamos, permitindo apurar nosso papel de cidadão. Não se trata de
entender”a moral da história”, mas de perceber que o contar e o ouvir histórias
podem ser componentes para formar o sentido da responsabilidade social de
cada um de nós.
Mesmo antes da escrita, o homem lia. Lia o mundo com seu olhar, com
suas experiências sensoriais e, utilizando-se da linguagem oral e das imagens,
trocava sobre tudo que o cercava. E, mesmo com a escrita, continua se
utilizando da palavra oral e das imagens para fazer suas observações e,
principalmente, argumentar. Escrevendo e dando voz.
70
Não só falando ou contando histórias, mas ouvindo o outro contar
também outras histórias, mas ouvindo a voz do outro, o homem partilha suas
impressões sobre a vida e discute as questões que ocorrem na vida.
Vamos nos tornando cidadãos à medida que, conhecendo a realidade que
nos cerca, por meio de troca de notícias e de argumentos, adquirimos não só a
sensibilidade necessária para perceber nossos acertos, nossos erros e acertos
do outro, mas principalmente a capacidade de intervir e transformar essa
realidade. Assim procuramos qualificar nosso exercício diário de
discernimento: lançando múltiplos olhares sobre as mesmas imagens e
questões que nos são postas na relação com o outro e com a natureza e,
desejamos justo e, portanto melhor na escolha e formação de repertórios.
71
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BORGES, T. M.M. Ensinando a Ler sem Silabar. Alternativas Metodológicas.
São Paulo: Papirus, 1998.
CLARICE, Scholnic e FERNANDO, Bezerra. Contadores de Histórias – Sobre
a Arte da Narrativa. São Paulo: Editora All Print, 2008.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil – Teoria. Análise. Didática. São
Paulo: Moderna, 2000.
ESTÉS, Dra. Clarissa Pinkola. Contos dos Irmãos Grimm. Rio de Janeiro:
Rocco, 2005.
FILHO, Francisco Gregório Filho. Ler e Contar, Contar e Ler. Cadernos de
Histórias. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011.
FILHO, Francisco Gregório. Dona Baratinha e outras histórias, Rio de Janeiro:
Editora Rocco Ltda, 2006.
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler. Em três Artigos que se
Completam. São Paulo: Cortez Editora, 1992.
LIMA, Gleisy Campos. Por dentro da Educação Infantil. A criança em foco. Rio
de Janeiro: Wak Editora, 2010.
LISBOA, Márcia. Para Contar Histórias. Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Wak
Editora, 2010.
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Anastácia. São Paulo: Editora Globo S.A.,
2011.
72
OLIVEIRA, A.M.F. O Brincar e o Desenvolvimento Infantil. Revista Perspectiva.
Ano 12 – Nº 22. Florianópolis, 1994.
REGO, José Lins. Histórias da Velha Totônia. Rio de Janeiro: Editora José
Olympio, 2010.
ROCHA, Ruth. Contos de Perrault. São Paulo: FTD, 2006.
SILVA, Luciana Pellegrini Baptista e CARRANO, Eveline.Bruxas e Fadas,
Sapos e Príncipes. Rio de Janeiro: Wak, 2006.
PHILIPPNI, Angela. Reencantamentos para liberar histórias. Rio de Janeiro:
Wak Editora, 2012
YUNES, Eliana. Pensar a Leitura: Complexidade. São Paulo: Editora Loyola,
2002
TAHAN, Malba. A Arte de Contar Histórias. In Maktub. Rio de Janeiro:
Conquista, 1954
VIEIRA, I.M.C. O Papel dos Contos de Fada na Construção do Imaginário
Infantil. Revista Criança. Janeiro 2005. Brasília.
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
73
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
EPÍGRAFE 5
RESUMO 6
METODOLOGIA 7
SUMÁRIO 8
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I 11
( DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL )
1.1 – O que é Infância? 11
1.2 – A criança e seu desenvolvimento. 14
1.3 – Para que incentivar a Contação de Histórias na
Educação Infantil? 17
CAPÍTULO II 18
( CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS: SEUS AUTORES E HISTÓRIAS )
2.1 – Hans Christian Andersen. 19
2.2 – Os Irmãos Grimm. 20
2.3 – Monteiro Lobato. 21
2.4 – José Lins do Rego. 23
2.5 – Ruth Rocha. 24
CAPÍTULO III 25
( CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL )
3.1 – A importância da contação de histórias na Educação Infantil. 29
3.2 – Um exímio contador de histórias do nosso tempo: Francisco
Gregório Filho. 37
CONCLUSÃO 40
ANEXO I – Uma história de Hans Christian Andersen 44
ANEXO II – Uma história dos Irmãos Grimm 47
ANEXO III – Uma história de Monteiro Lobato 51
ANEXO IV – Uma história de José Lins do Rego 61
ANEXO V – Uma história de Ruth Rocha 68
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 73
74
ÍNDICE 74
FOLHA DE AVALIAÇÃO: 74
INSTITUIÇÃO: Universidade Candido Mendes
CURSO: Educação Infantil e Desenvolvimento
TEMA: Contação de Histórias: “Uma Fonte Inesgotável de Conhecimento para
o Resto de Nossas Vidas”.
ORIENTAÇÃO: Edla Trocoli
APROVADA COM CONCEITO:
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