UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: SUA
APLICABILIDADE EM CASOS CONCRETOS NO TJ/RJ
Paola Carvalho Gomes da Silva
Rio de Janeiro
2010
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: SUA
APLICABILIDADE EM CASOS CONCRETOS NO TJ/RJ
OBJETIVOS:
Esta monografia atende ao requisito para formação
na pós-graduação do Curso de Direito nas
Relações de Consumo, e tem como principal
objetivo discutir a aplicação do instituto da inversão
do ônus da prova nos casos concretos, e ainda,
analisar se os operadores do direito estão
observando os requisitos do CDC, quando da
aplicação desse instituto.
AGRADECIMENTOS
Ao querido professor e orientador Willian Rocha,
que dedicou sua atenção e ajudou-me a realizar
essa monografia.
Aos meus pais e à minha irmã, que caminharam ao
meu lado para que eu pudesse chegar até aqui, e
por toda a paciência, amor e compreensão que
sempre tiveram comigo.
Aos amigos, que de alguma forma me incentivaram.
Enfim, a todos, muito obrigada.
RESUMO
O presente trabalho tem por escopo o estudo da inversão do ônus da
prova no Código de Defesa do Consumidor. Este instituto consumerista que
trouxe para o direito brasileiro uma mudança no eixo da responsabilidade -
princípio norteador da responsabilidade objetiva.
A Lei nº 8.078/90 criou esse mecanismo para que, sendo o consumidor
hipossuficiente em relação aos conhecimentos técnicos do produto ou da
prestação de serviço, e possuindo ele alegações verossímeis,, o magistrado
possa determinar a inversão.
A inversão ope judicis, prevista no Código de Defesa do Consumidor,
não se atém às hipóteses taxativas verificadas por força de lei. O Código de
Defesa do Consumidor prevê a possibilidade do Juiz inverter o ônus da prova,
quando julgar cabível, desde que presentes os pressupostos necessários para
a aplicação dessa medida.
No presente trabalho, encontra-se a explanação sobre o momento ideal
para a inversão do ônus da prova praticado pelo magistrado, quando cabível ou
necessária tal medida, principalmente nos casos julgados no Estado do Rio de
Janeiro.
METODOLOGIA
A metodologia empregada foi a pesquisa em livros que abordam o
tema, bem como as decisões proferidas por Magistrados e Desembargadores
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Foram utilizadas obras literárias que são tidas como de referência de
acordo com o assunto em enfoque, e também pesquisa de campo, ao serem
coletadas decisões que se adequam ao referido tema, e que foram proferidas
no Estado do Rio de Janeiro, além da experiência adquirida no próprio
mercado de trabalho.
A proposta dessa monografia foi buscar uma discussão acadêmica
sobre o assunto, que tanto movimentou o Poder Judiciário e a sociedade como
um todo nos últimos anos, portando-se simplesmente como um início de estudo
científico sobre o tema.
Ao final da monografia, como anexos, são fornecidos vários exemplos
de casos concretos que foram julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, como forma de melhor ilustrar o trabalho ora apresentado.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 01
CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PROCESSUAL 05
CAPÍTULO II: O ÔNUS DA PROVA E SUAS PECULIARIDADES 09
CAPÍTULO III: A INVERSÃO DA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA
NO CDC 28
CONCLUSÃO 42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 45
ANEXOS - EXEMPLOS DE CASOS CONCRETOS NO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO
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INTRODUÇÃO
A presente monografia tem como objetivo a análise da inversão do ônus
da prova, sob o prisma do Código de Defesa do Consumidor, principalmente
em relação aos casos julgados no Estado do Rio de Janeiro. Tudo isto porque,
dentre as diversas situações probatórias na relação consumerista, cumpre
distinguir e examinar como se opera a medida da inversão do ônus probatório
em cada hipótese específica, ou seja, em cada caso concreto.
Nos termos da determinação constitucional, a expedição do Código de
Defesa do Consumidor responde a antiga exigência da economia de mercado,
que se ressentia de instrumento adequado para contrabalançar os
desequilíbrios existentes entre as grandes empresas e os consumidores em
geral, na aquisição e na fruição de bens e serviços, para a satisfação de
necessidades humanas primárias.
Aparelhada na relação de defesa da concorrência com sistema jurídico
próprio, não se encontrava, no entanto, a legislação brasileira, sob o outro polo
da relação de consumo, posicionada em condições compatíveis com a
magnitude dos valores nela envolvidos e exatamente com respeito à parte
economicamente mais fraca.
Completa-se, assim, o binômio em que repousa o regime jurídico da
economia do mundo liberal, a saber, a defesa da concorrência e a proteção do
consumidor, permitindo-se, de um lado, o respeito aos direitos dos
competidores e, de outro, o do adquirente de bens e de serviços colocados no
mercado.
Integra-se, desse modo, na regência da matéria, os princípios
fundamentais da lealdade com o concorrente e o da honestidade com o
consumidor, erigidos, desde tempos antigos, em vigas mestras do direito
negocial.
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Nesse sentido, e inseto na linha de proteção dos valores fundamentais
da pessoa humana, o ingresso do Código na realidade jurídica encontra-se
preparado, graças à reestruturação constitucional havida em 1988, para a sua
efetiva aplicação, com a sagração de inúmeras novas medidas assecuratórias
desses direitos e a nível coletivo, dentro da evolução operada nessa área.
De fato, coerente com o espírito que presidiu a Carta Constitucional de
1988, em que a dignidade da pessoa humana e a preservação de seus direitos
de personalidade são os pilares, o Código de Defesa do Consumidor veio
suprir lacunas existentes em nosso direito positivo, acompanhando o progresso
legislativo processado na matéria, especialmente em alguns países da Europa
e nos Estados Unidos.
Informado por princípios próprios, e estratificados sob a forma de normas
de ordem pública, o Código busca o equilíbrio na relação de consumo,
conferindo aos consumidores o instrumental de defesa compatível com as
necessidades do mundo presente.
Com efeito, tendo no universo contratual do setor poderosas empresas,
detentoras de tecnologias próprias, ao lado de pessoas normais, além de
profissionais e de outras empresas, também consumidoras, o Código arma a
parte mais fraca com mecanismos de proteção, públicos e privados, que lhe
permitirão a consecução de justiça na contratação denominada de massa.
Destacam-se, em seu contexto a proteção do consumidor e o
reconhecimento explícito de vários direitos básicos do mesmo, bem como a
modificação de conceitos e de institutos processuais para efeito de defesa de
interesse de consumidores, como a inversão do ônus da prova.
O Código de Defesa do Consumidor constitui-se num sistema autônomo
e próprio, sendo fonte primária. Dessa forma, no que respeita à questão da
produção das provas no processo civil, o CDC é o ponto de partida, aplicando-
se a seguir, de forma complementar, as regras do Código de Processo Civil.
Entender, então, a produção das provas em casos que envolvam as
relações de consumo é compreender toda a principiologia da Lei n. 8.078/90,
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que pressupõe, entre outros, a vulnerabilidade do consumidor, sua
hipossuficiência, especialmente técnica e de informação, mas também
econômica, o plano geral da responsabilização do fornecedor, que é de
natureza objetiva etc.
Assim, têm-se, na lei consumerista, as determinações próprias que
tratam da questão da prova. Na realidade é a vulnerabilidade reconhecida no
inciso I do art. 4º do CDC que justifica a proteção do consumidor na questão
das provas.
A primeira situação envolvendo provas na lei consumerista é a
relacionada à responsabilidade civil objetiva do fornecedor pelo fato do produto
e do serviço, bem como a responsabilidade pelo vício do produto e do serviço,
e que se estende por todo sistema normativo da Lei n°. 8.078/90. Haverá
necessidade que o consumidor prove o nexo de causalidade entre o produto, o
evento danoso e o dano, para pleitear a indenização por acidente de consumo.
E a produção dessa prova preliminar necessária se fará pelas regras do Código
de Processo Civil, a partir dos princípios e regras estabelecidas no CDC.
Todavia, também essa prova, como qualquer outra que tiver de ser
produzida, deverá guiar-se pelo que está estabelecido no art.6º, VIII, do CDC.
Rompe-se, assim, com a regra tradicional do artigo 333 do Código de
Processo Civil, em que se estabelece o princípio de caber ao autor à prova do
fato constitutivo do seu direito, e, ao réu, a do fato impeditivo, modificativo ou
extintivo, do direito do autor.
Ocorre, no entanto, que, depois da perplexidade dos primeiros tempos
de vigência do Código do Consumidor, em que se notava uma acentuada
timidez dos órgãos judiciais para aplicar os novos princípios tutelares das
relações de consumo, passou-se a certa euforia, na concessão de favores
indiscriminados nas ações em que os consumidores figuram como parte.
Infelizmente, o que se observa, na praxe forense, em incontáveis feitos,
é que a inversão do ônus da prova vem sendo deferida, imotivadamente, de
forma automática, sem a necessária cautela, da parte dos magistrados, na
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aferição da presença, no caso concreto, dos requisitos autorizadores, num
preocupante quadro, que vem se transformando numa verdadeira cruzada
contra as empresas, em gritante prejuízo de garantias processuais tradicionais,
como, por exemplo, a ampla defesa e o contraditório.
Passou a proliferar em torrencial jurisprudência, algumas anomalias,
que vieram a desvirtuar, por completo, o escopo do legislador, quando
disciplinou a possibilidade de inversão do onus probandi.
O que é por deveras grave, visto que de um modo geral, ao impor a
uma das partes o ônus da prova, o juiz determina a vitória da outra.
Visando o exame de todos esses aspectos, tratará esta monografia da
medida de inversão do ônus da prova precipuamente com relação aos
consumidores, por vista no Código de Defesa do Consumidor.
Nesse quadro, a presente monografia terá como base o estudo dos
requisitos exigidos para a inversão do ônus da prova; dos momentos
procedimentais em que a mesma se revela cabível; destacando a necessidade
da efetiva motivação das decisões judiciais que decretem a inversão do onus
probandi; além de grifar o risco de ofensa à segurança jurídico-processual,
principalmente no tocante aos casos que ocorrem no Rio de Janeiro.
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CAPÍTULO I
A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PROCESSUAL
1.1. A evolução do Direito Processual Civil
O intuito da História do Direito é oferecer ao Direito atual a
compreensão de sua retrospectiva, esclarecendo as suas dúvidas e
levantando, passo a passo, a estrutura do seu ordenamento, seus institutos
mais perenes, suas bases e suas características de forma, até chegar à razão
de ser de seu significado e conteúdo.
A importância deste estudo no âmbito do ônus da prova no Direito
Processual permite avaliar o desenvolvimento de princípios, alguns até hoje
adotados, e outros já em desuso e sem fundamento cabível no cenário atual.
O direito processual civil brasileiro está vivenciando nas últimas décadas
mais uma etapa de sua renovação. Muito longe do primeiro passo que
proporcionou sua autonomia do direito material, hoje, o processo se volta aos
seus consumidores e à qualidade de seus resultados.
Se de início, o processo era mera tradução formal de prerrogativas
também formais do cidadão, atualmente se afigura muito mais como
instrumento efetivo de garantias fundadas no devido processo legal e no
sistema político constitucional, afastando-se de qualquer possibilidade de
denegação da Justiça ou violação de direito fundamental.
Vencidas as primeiras ondas renovatórias do processo, as quais foram
destinadas a garantir a assistência judiciária e o reconhecimento e tutela dos
interesses difusos, vive-se atualmente o desejo de alcançar a universalidade da
jurisdição.
Pretende-se, deste modo, questionar a qualidade do serviço jurisdicional,
inventariando as carências e obstáculos do atual sistema, para confrontá-las
com as alternativas que viabilizam soluções adequadas.
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O processo se traduz como instrumento a serviço da espiral progressiva
e coletiva dos direitos, partindo-se do individual para o trans individual. Sua
tendência é tutelar a quarta geração dos direitos – após a tutela das liberdades
públicas, dos direitos econômicos e sociais, e dos direitos meta-individuais,
através de sua projeção mundial.
A atual metamorfose da ciência processual exige um repensar de seus
institutos, redimencionando-os sob uma ótica macroscópica. Justifica-se esta
postura a partir do momento em que há a violação em massa de direitos e não
se admite mais a postura de fragmentação das demandas, amparada pela
leitura clássica do art. 6º do CDC.
O processo pretende, então, valorizar sua qualidade de efetivo, pois se
mostra como canal apto para atingir a educação, a paz social, o bem comum,
além de oferecer um provimento justo e legítimo; de instrumental, porque
inequívoco seu grau de utilidade e eficiência.
A reavaliação dos institutos processuais poderá aplacar os óbices que
impedem a realização da efetividade e da instrumentalidade. Com o
oferecimento de tutela jurisdicional adequada, eficaz e célere, é possível atingir
a justiça acessível e participativa, ideal para aqueles que estão comprometidos
e sintonizados com a nova ordem processual.
Esta renovação do processo se reflete na necessidade em se proteger
direito indivisíveis de um número indeterminado de pessoas, relativos,
principalmente, aos consumidores e ao meio ambiente.
É neste contexto revolucionário de expansão da tutela jurisdicional que
se insere o Código de Defesa do Consumidor. Este pretende não resolver
somente o maior número de conflitos, como também jurisdicionalizar a imensa
gama de litígios pelo Estado e que não são levados para apreciação do mesmo
e que, por isto, guardam alto grau de litigiosidade contida, que rege a imperiosa
necessidade de reestruturação.
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A nova tendência do direito processual civil é questionar o binômio
direito-processo e sua relativização frente ao conceito de tutela jurisdicional,
enquanto meio para a efetiva satisfação das pretensões.
São estas as bases que projetam a análise do Código de Defesa do
Consumidor e, em especial, do momento processual da inversão do ônus da
prova.
1.2. Características e inovações do Código de Defesa do
Consumidor
É neste passo que, após ser instituído como direito fundamental pela
Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inc. XXXII) e a partir de experiências
estrangeiras, foi elaborado o nosso Código de Defesa do Consumidor.
Caracteriza-se o CDC como sistema funcional de normas, de aspecto
multidisciplinar, cujo intuito é a proteção do consumidor, sabidamente a parte
vulnerável da desequilibrada relação de consumo, conferindo-lhe paridade de
armas frente ao fornecedor.
São escopos do processo, tendo como base às relações de consumo: a)
ampliar a forma de representação dos consumidores, de acordo com a
tendência associativa; b) garantir a informação aos consumidores, de modo
que tenham ciência de seus direitos, pois consumidor informado é consumidor
exigente e com poder; c) viabilizar o acesso dos consumidores a diferentes
mercados, estimulando o aprimoramento da produção e consciência do
fornecedor em oferecer melhores produtos; e d) estipular um sistema de
proteção contra produtos nocivos e defeituosos que possam gerar prejuízo à
vida e à saúde do consumidor.
Além de garantir a proteção do direito individual do consumidor,, buscou-
se permitir a tutela coletiva dos direitos, sejam eles individuais homogêneos,
coletivos ou difusos, prevendo a coisa julgada secundum eventum litis.
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Tipificaram-se infrações penais e administrativas, com a inscrição de
regras de responsabilidade objetiva do fornecedor, prevendo a inversão do
ônus da prova, sem que isto signifique interferência na livre iniciativa e na
política de mercado, com a clara intenção de viabilizar a defesa do consumidor
em juízo.
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CAPÍTULO II
O ÔNUS DA PROVA E SUAS PECULIARIDADES
2.1. Conceito de ônus da prova
A palavra ônus vem do latim, que significa carga, fardo, peso, gravame.
Não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não
atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para
obtenção do ganho de causa. A produção probatória, no tempo e na forma
prescrita em lei, é ônus da parte.
Para se compreender a extensão da aplicabilidade da inversão das
regras de distribuição do ônus da prova, como previsto no art. 6º, inc. VIII do
CDC é necessário fixar o ônus da prova.
Proposta a demanda, a atividade probatória deve se desenvolver de
acordo com o interesse em oferecer ao julgador as provas possíveis para a
prolação de um provimento legítimo, capaz de solucionar o conflito de
interesses.
Para formar a convicção do julgador, o demandante tem o encargo de
comprovar as alegações que amparam seu direito, sob o risco de, assim não
agindo, sofrer um julgamento desfavorável. O demandado, por seu turno, tem o
ônus de oferecer prova que modifique, extinga ou impeça o reconhecimento da
pretensão de seu adversário.
Ônus é o agir de determinado modo para a satisfação de interesse
próprio, evitando-se uma situação de desvantagem. No caso do ônus da prova,
a parte que não quiser ser atingida pelas consequências do estado de dúvida
do julgador deve provar suas afirmações, pois ônus probatório é, antes de tudo,
interesse em oferecer as provas.
2.2. Principais teorias sobre a repartição do ônus da prova
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Entende-se que a grande questão sobre o ônus da prova não é o que se
prova ou quem prova, mas quem sofre as consequências pela falta de prova.
O pensamento de Micheli sobre o ônus da prova adotado pelo Código de
Processo Civil, em seu art. 333 e seus incisos, contrariou os fundamentos da
teoria de Rosenberg, em especial a bipartição do ônus da prova em subjetivo e
ônus objetivo.
Isto porque, a atividade probatória das partes pode ser insuficiente para
produzir no espírito do julgador o convencimento sobre a realidade dos fatos.
Então, independentemente de ser processo regido pelo princípio inquisitivo ou
pelo dispositivo, é lícito permitir que o juiz desenvolva seus poderes
instrutórios, completando a atividade probatória, não para auxiliar uma ou outra
parte, mas para esclarecer suas próprias dúvidas.
Porém, finda a instrução probatória e ainda que utilizados os poderes
instrutórios do juiz e apreciada a prova segundo o sistema da persuasão
racional, a certeza não poderá se firmar se o juiz permanecer em dúvida.
Não poderá ele proclamar o non liquet, deixando de julgar com o
argumento de que não formou sua convicção. Deve, então, socorrer-se das
regras do ônus da prova, para determinar qual parte sofrerá a desvantagem por
seu estado de dúvida, julgando procedente ou improcedente o pedido.
Entre as principais teorias que se destacam para justificar uma repartição
do ônus da prova encontram-se aquelas formuladas por Rosenberg e Micheli.
Segundo Rosemberg, cada parte deve comprovar o estado de coisas do
qual externam os pressupostos do preceito jurídico aplicável à espécie. Ao
demandante cabe provar os elementos da aplicação da norma constitutiva do
direito que ampara, enquanto que o demandado deve demonstrar os elementos
da aplicação de norma impeditiva, modificativa ou extintiva.
Ao ônus de afirmar, conferido às partes, correlaciona-se o ônus subjetivo
da prova, assim entendido como o encargo de subministrar a prova (qual
litigante deve provar os fatos para se desincumbir de seu encargo) e o ônus
objetivo da prova, isto é, a aplicação do direito ao caso concreto (onde se
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dispensa qualquer análise sobre a atividade das partes, apreciando o julgador
o quanto demonstrado para, em caso de dúvida, emitir seu julgamento e impor
o ônus objetivo a uma das partes).
Para Micheli, é necessário apreciar a hipótese normativa de forma
concreta, de acordo com a posição assumida pelas partes na relação jurídica
processual e qual é o efeito processual pretendido. É preciso definir a posição
real das partes, de acordo com o direito material (que disciplina a hipótese
legal) e com o direito processual (que traduz o efeito jurídico pretendido pela
parte).
2.3. O ônus da prova e o Código de Processo Civil
A disciplina do onus probandi, como já afirmava o genial processualista
italiano Giuseppe Chiovenda, "se situa entre os problemas vitais do processo".
O ônus da prova não reflete em mera faculdade, traduzindo-se no
interesse de provar, não consubstanciando, entretanto, uma obrigação - que é
exigível -, nem mesmo um dever jurídico - cujo descumprimento gera uma
sanção.
Trata-se do interesse, da necessidade, da parte produzir a prova, dos
fatos que alega, para que não venha a sucumbir, em sede judicial.
O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa
posição, como consequência processual negativa, para a obtenção do ganho
da causa.
Sobre a importância das normas sobre a distribuição do ônus da prova,
é tamanha, que o aclamado processualista alemão Leo Rosemberg sustentava
constituir ela "a coluna vertebral do processo civil".
A análise do ônus da prova pode ser cindida em duas partes: uma, que
enfoca o denominado ônus subjetivo da prova, que, em essência, o distribui
entre as partes do processo, externando "quem deve provar o que".
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Outra que enfoca o chamado ônus objetivo da prova, que traça regras
que serão observadas pelo juiz, no momento em que proferir sua sentença.
Em sentido objetivo, então, ônus da prova é uma regra de julgamento.
Em sentido subjetivo, o ônus da prova é o repartido entre as partes,
sucumbindo, via de regra, aquela que dele não se desincumbe.
As regras do ônus da prova destinam-se aos litigantes do ponto de vista
de como eles devem se comportar, à luz das expectativas que o processo lhes
enseja, por causa da atividade probatória.
De acordo com tal distribuição, o fato deve ser provado por essa ou por
aquela parte, de forma que ao julgador não deixe nenhuma dúvida, que se
interpreta sempre contra quem tem o encargo probatório.
Assim, o ônus da prova recai, tradicionalmente, sobre aquele a quem
aproveita o reconhecimento do fato.
A regra que impera, no Processo Civil, na distribuição do ônus da
prova, é a de que, aquele que alega o fato, deve prová-lo, o que se funda na
lógica de que o autor deve provar os fatos que constituem o direito que alega,
mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição,
determinam a sua modificação ou a sua extinção.
Dissertando sobre esses fundamentos, o mestre Luiz Guilherme
Marinoni salienta que:
“Não há racionalidade em exigir que alguém que afirma um
direito seja obrigado a se referir a fatos que impedem o seu
reconhecimento. Isso deve ser feito é por aquele que
pretende que o direito não seja declarado judicialmente,
isto é, pelo réu”.
O que se almeja com tal disciplina é obstar o uso do processo para a
obtenção de um fim indevido.
Argumenta-se que a parte que pretende ser beneficiada pelos efeitos
de uma norma deve provar os pressupostos fáticos para a sua aplicação.
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Se, para a incidência de uma norma, se tornam relevantes os fatos
constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos da relação jurídica, aquele
que deseja a produção de seus efeitos, deve provar, apenas, os exigidos para
a sua aplicação.
Os incisos I e II, do artigo 333 do Código de Processo Civil consagram
essa disciplina, estabelecendo a distribuição do ônus da prova da seguinte
maneira:
a. Ao autor, incumbe provar os fatos constitutivos do seu direito;
b. Ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do
direito do autor.
Relevante, a esta altura, tecer algumas considerações, breves, todavia,
no tocante a noção e classificação dos fatos jurídicos.
Por fato jurídico se denominam os acontecimentos que produzem,
modificam ou extinguem as relações de direito, como afirma Chiovenda
reproduzido por Amaral Santos.
Emílio Betti, em Teoria Geral do Negócio Jurídico, expressa que os fatos
jurídicos são os frutos a quem o direito atribui transcendência para trocar as
situações preexistentes a eles e estabelecer novas, a que correspondam novas
classificações jurídicas.
Continua o referido autor, traçando um esquema lógico do fato jurídico,
para sustentar que se trata de um fato dotado de alguns requisitos,
pressupostos pela norma que incide em situação nova, de tal sorte que
constitua, modifique ou extinga, poderes e vínculos de qualificações e posições
jurídicas.
A eficácia do fato jurídico em constitutiva, modificativa ou extintiva que se
atribui reside exatamente em relação à situação em que se enquadra,
enquanto que forma com ela (a situação como suposto de fato) objeto da
previsão e de estimação jurídica por parte da norma que declara aquela
eficácia.
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Os fatos constitutivos são aqueles que fazem nascer à relação jurídica.
Os extintivos fazem cessar a relação jurídica. A seu turno, os impeditivos
obstaculizam que um fato produza o efeito que lhe é próprio.
Os modificativos, de outro lado, sem impedir ou excluir a relação jurídica,
à qual é anterior, produzem um efeito de modificá-la.
Fato extintivo é todo aquele que detém a aptidão de fazer cessar a
relação jurídica.
O julgador, na sentença, somente vai lançar mão das regras relativas ao
ônus da prova se houver o non liquet quanto à prova, isto é, se o fato não se
encontrar provado.
Na realidade, como já assinalava José Frederico Marques, "a questão
do ônus da prova surge, principalmente, quando se verifica, a final, a ausência
ou precariedade de provas".
Tanto que se afirma que a regra do ônus da prova se destina a iluminar
o juiz que chega ao final do procedimento sem se convencer sobre como os
fatos se passaram, servindo-lhe de firme indicativo para se libertar do estado
de dúvida e definir o mérito da causa.
Tal dúvida deve ser paga pela parte que tem o ônus da prova: se pairar
sobre o fato constitutivo, deve ser suportada pelo autor, ocorrendo o contrário,
em relação aos demais fatos.
Quanto ao ônus de provar o fato constitutivo de seu direito, incumbe,
então, ao autor (inciso I, artigo 333 do Código de Processo Civil).
Quanto aos fatos impeditivos, modificativos, ou extintivos do direito do
autor, o ônus de prová-los incumbe ao réu, conforme disposto no inciso II,
artigo 333 do CPC.
Finalmente, não se poderia encerrar qualquer exposição sobre ônus da
prova, em relações regidas pelo Código de Processo Civil, sem que se reporte
à possibilidade soerguida pelo legislador, de convenção, entre as partes, que o
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venha a distribuir de maneira diversa da já esposada, sem que essas possam
orientar o processo ao seu talante, já que o dominus processi é o juiz.
Apenas se considerará nula essa convenção, quando recair sobre
direito indisponível da parte - artigos 333, parágrafo único, inciso I, combinado
com o artigo 351, ambos do CPC e com o artigo 841 do CC de 2002; ou
quando tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito - artigo
333, parágrafo único, inciso II, do CPC.
Ensinava o ilustre processualista Francisco Cavalcanti Pontes de
Miranda, que o parágrafo único, do artigo 333 do CPC é uma regra jurídica
heterotópica, referindo-se a elementos probatórios de direito material.
2.4. O ônus da prova e o Código de Defesa do Consumidor
Há algumas preliminares que necessitam de resolução para que
possamos compreender adequadamente a temática relativa à distribuição do
ônus da prova e as disposições pertinentes no Código de Defesa do
Consumidor.
É bom relembrarmos, que o Código de Defesa do Consumidor é um
sistema jurídico autônomo, a regular as relações de consumo.
Aliás, é bom relembrar que o surgimento do CDC resultou da
necessidade imperiosa de regulamentar uma relação jurídica caracterizada por
fenômenos essencialmente de massa, ou seja, pela produção em massa e pelo
consumo em massa.
Os instrumentos jurídicos postos à disposição dos membros da
sociedade mostraram-se ineficientes, pois cada vez mais era flagrante um
profundo vácuo econômico entre os diversos escalões da sociedade. De um
lado, os economicamente mais bem aquinhoados e, de outro, a classe média.
As diversas reclamações dos consumidores não encontravam eco, e o
Poder Judiciário não se mostrava adequadamente instrumentalizado, com a
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existência de regras claras e definidas para a boa prestação jurisdicional
nesses casos.
Juízes atentos aos reclamos da sociedade eram obrigados a aplicar as
regras contratuais inscritas no Código Civil ou no Código Comercial, onde o
liberalismo imperava.
Tornou-se necessário surgir uma legislação própria para as relações de
consumo, já que os instrumentos até então existentes, não continham regras
ajustadas a essa nova faceta da ciência jurídica.
Daí porque a preocupação do legislador nacional em pôr à disposição da
sociedade normas que protegessem a saúde, os negócios jurídicos em sua
órbita contratual ou pós e pré-contratual, bem como seus prolongamentos
processual e penal.
Assim, buscando equilibrar as forças entre os fornecedores e os
consumidores, almejando extirpar do mercado práticas e condutas lesivas, o
CDC soergueu um vasto leque de normas e de princípios jurídicos que devem
nortear as relações de consumo.
Todo esse esforço, no âmbito do direito material, veio acompanhado de
normas que viabilizam sua efetivação em juízo.
O legislador, em mais de um momento, se preocupou, especificamente,
com a tutela jurisdicional dos direitos dos consumidores, assentando, no rol em
que averbou os direitos básicos, no inciso VIII, do artigo 6º, como instrumento
de facilitação da defesa dos seus interesses, a possibilidade de inversão ope
iudicies do ônus da prova, quando presentes os requisitos autorizadores, que
serão, um pouco mais adiante, enfrentados.
Se a relação jurídica de direito material levada à apreciação do
Judiciário comportar submissão às normas do Código de Defesa do
Consumidor, caberá ao juiz, apreciar ser devida ou não a aplicabilidade da
disposição contida no artigo 6º, do inciso VIII.
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E a possibilidade de inversão do ônus da prova, em sede de demandas
que versem sobre relações de consumo, funda-se na constatação de que o
consumidor, na atual sociedade massificada, na grande maioria das vezes,
quando ameaçado ou lesado em seus direitos, não possui condição técnica ou
material de provar os fatos que lhe incumbe demonstrar em juízo.
O desequilíbrio de forças econômicas e negociais existente nas
relações de consumo guarda reflexos na seara processual.
É nesse quadro, desfavorável ao consumidor, que o CDC, através da
possibilidade de inversão do ônus da prova, pretende viabilizar o equilíbrio de
forças no plano processual, atento à circunstância de que o fornecedor está em
melhores condições para realizar a prova de fato ligado à sua atividade.
E, com o ato de inversão, os fatos veiculados pelo consumidor passam
a desfrutar de uma presunção relativa de veracidade que apenas será afastada
por eventual prova negativa produzida pelo fornecedor.
Mas, não se trata de uma hipótese de inversão ope legis do ônus da
prova, e, sim, sujeita ao crivo judicial, que aferirá, caso a caso, a presença dos
requisitos autorizadores, devendo neste momento estar presente o bom senso
do magistrado.
Quando não restarem presentes os requisitos legais, admoesta o
mestre Humberto Theodoro Júnior, "a faculdade judicial não pode ser
manejada em favor do consumidor, sob pena de configurar-se ato abusivo, com
quebra do devido processo legal".
Desta feita, quando ausentes os requisitos exigidos para que se
proceda à inversão do ônus da prova, incidirão as regras ordinárias do Código
de Processo Civil.
Haverá, por exemplo, necessidade de o consumidor provar o nexo de
causalidade entre o produto, o evento danoso e o dano, para pleitear qualquer
indenização por acidente de consumo.
18
Ademais, vale trazer à baila a advertência do processualista Cândido
Rangel Dinamarco, segundo o qual:
“Nem todas as provas podem ter o seu encargo invertido.
Evidente que somente aquelas provas que estejam no
âmbito técnico do fornecedor poderão ser atribuídas a ele”.
Em relação aos fatos cujas provas não se insiram no âmbito técnico do
fornecedor, de acordo com o entendimento aqui esposado, não há lugar para a
inversão do onus probandi.
Sendo assim, a inversão também não se justifica em causas cujo objeto
probatório esteja desligado de circunstâncias técnicas, científicas ou
operacionais do produto ou serviço, como nos casos dos planos econômicos,
por exemplo, onde a prova dos fatos alegados podem ser trazidas a baila
facilmente pelo consumidor, que poderá fazê-lo anexando a declaração do
imposto de renda do respectivo ano, ou algum extrato, ou ainda, alguma
documentação que comprove haver saldo em sua poupança na referida época.
Ocorre, no entanto, que mesmo às vésperas de completar 20 (vinte)
anos de vigência, muitas controvérsias ainda reinam em torno da disciplina
deitada no inciso VIII, de seu artigo 6º do CDC, tanto em ambiente forense,
quanto em ambiente acadêmico.
Então, tendo por escopo a boa utilização desse importante instrumento,
de facilitação da defesa dos direitos do consumidor em juízo, imperativo que
sejam estudados todos os seus contornos, o que se passará a fazer, sem,
todavia, esquecer que o tema apesar de não ser novo, ainda guarda muita
divergência a respeito.
2.5. Regras de experiências e presunções
Com intuito de esclarecer suas dúvidas é certo que o julgador, no
momento de apreciação das provas e para alcançar a certeza, poderá utilizar-
se de regras de experiência e de presunção.
19
A presunção é um raciocínio lógico utilizado para que, de um fato
conhecido seja possível chegar a um fato também desconhecido. A regra de
experiência é também um processo lógico, baseado em fatos comuns,
preexistentes, genéricos e abstratos do conhecimento humano, de uso
corriqueiro pelo juiz.
Assim, analisando as provas do processo, aplicará o julgador às
presunções e regras de experiência, onde poderá presumir a verossimilhança
da existência de um direito alegado não provado, a partir do seu indício.
Através do raciocínio lógico, o juiz poderá entender que um fato, apesar
de não comprovado, reveste-se de alta dose de probabilidade, se inexistir
qualquer prova do adversário que contrarie a presunção.
Na apreciação da prova, é permitido ao julgador a utilização de regra de
experiência, tanto relativa à matéria probatória quanto pertinente à função
integrativa do conceito em branco. Se reconhecida no momento da valoração,
sua aplicação favorece uma das partes, que é beneficiada pela presunção
originada da regra de experiência, liberando-a de sofrer a desvantagem pela
incerteza, transferindo o encargo ao adversário.
Com isto, pretende-se afirmar que, ao se utilizar às regras de
experiência, o juiz poderá aplicar de modo diverso as regras do ônus da prova:
as alegações do demandante não foram por ele provadas, porém, segundo as
regras de experiência, são verossímeis e não foram contrariadas pelo
adversário. Apesar de não se desvencilhar de seu encargo em provar, o
demandante não sofrerá a desvantagem da incerteza do julgador, pois a seu
favor milita uma regra de experiência.
Frise-se, novamente, que as regras de experiência e as presunções
somente são utilizadas se o juiz estiver em dúvida sobre a realidade dos
acontecimentos. O julgador, no instante da sentença, tendo aplicado regra de
experiência, dispensa uma das partes de sofrer as consequências a ela
desfavorável.
20
A verossimilhança é um patamar na escala do convencimento dos fatos
e o julgador, após analisar as provas, pode formar três estados de
conhecimento: de certeza, de ignorância e de dúvida.
Constatada a dúvida, o juiz deverá analisar se as provas fundamentam
uma alegação verossímil daquele a quem a presunção, se existente, favoreça,
dispensando-o do encargo da prova.
2.6. Critério do juiz
Em matéria de produção de prova, o legislador, ao dispor que é um
direito básico do consumidor a inversão do ônus da prova, o fez para que, no
processo civil concretamente instaurado, o juiz observasse a regra.
E a observância de tal regra ficou destinada à decisão do juiz, segundo
seu critério e sempre que se verificasse a verossimilhança das alegações do
consumidor ou sua hipossuficiência.
Para entender o sentido pretendido pela lei consumerista é preciso
primeiramente compreender o significado do substantivo "critério", bem como o
do uso da conjunção alternativa "ou".
O substantivo "critério" há de ser avaliado pelo valor semântico comum,
que já permite a compreensão de sua amplitude.
Diga-se inicialmente, que agir com critério não tem nada de subjetivo.
"Critério" é aquilo que serve de base de comparação, julgamento ou
apreciação, é o princípio que permite distinguir o erro da verdade ou, em última
instância, aquilo que permite medir o discernimento ou a prudência de quem
age sob esse parâmetro.
No processo civil, como é sabido, o juiz não age com discricionariedade
(que é medida pela conveniência e oportunidade da decisão). Age sempre
dentro da legalidade, fundando sua decisão em bases objetivas.
21
O que a lei processual lhe outorga são certas concessões, como
acontece, na fixação de prazos judiciais na hipótese do art. 13 ou do art. 491,
ambos do Código de Processo Civil.
Assim, também, na hipótese do art. 6º, VIII, do CDC, cabe ao juiz decidir
pela inversão do ônus da prova se for verossímil a alegação ou hipossuficiente
o consumidor.
Vale dizer, deverá o magistrado determinar a inversão. E esta se dará
pela decisão entre duas alternativas: verossimilhança das alegações ou
hipossuficiência. Presente uma das duas está o magistrado obrigado a inverter
o ônus da prova.
2.7. Verossimilhança das alegações
É fato que o conceito de "verossímil" é indeterminado, mas isso não
impede que da análise do caso concreto não se possa aferir verossimilhança,
só porque que se trata de um conceito jurídico indeterminado.
O vocábulo verossímil significa o que é semelhante à verdade, o que tem
aparência de verdade, o que não repugna a verdade, enfim, o provável.
Para a avaliação da verossimilhança das alegações não basta, é
verdade, a boa redação da petição inicial ou qualquer outra. Não se trata
apenas do bom uso da técnica de argumentação que muitos profissionais têm.
Isto é, não basta relatar fatos e conecta-los logicamente ao direito, de modo a
produzir uma boa peça exordial.
Depende, pois, de avaliação objetiva, caso a caso, combinada com a
aplicação de regras e máximas de experiência, para o pronunciamento judicial.
É necessário que da narrativa decorra verossimilhança tal que naquele
momento da leitura, desde logo, possa-se aferir forte conteúdo persuasivo. E,
já que se trata de medida extrema, deve o juiz aguardar a peça de defesa para
verificar o grau de verossimilhança na relação com os elementos trazidos pela
contestação. E é essa a teleologia da norma, uma vez que o final da
22
proposição reforça, ao estabelecer que as bases são "as regras ordinárias de
experiência". Ou, em outros termos, terá o magistrado de se servir dos
elementos apresentados na composição do que usualmente é aceito como
verossímil.
É fato que a narrativa interpretativa que se faz da norma é um tanto
abstrata, mas não há alternativa, porquanto o legislador utilizou de termos
vagos e imprecisos. Cai-se então no aspecto da razoabilidade e do bom senso
que deve ter todo juiz.
Nessa marcha, já se manifestou o Colendo Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro:
“É necessário que o autor leve ao magistrado um mínimo
de demonstração no sentido de que sua alegação é
verossímil. Que ofereça elementos, ou dados, ou indícios
quaisquer que, em confronto com a narração das
circunstâncias de que dá conta a inicial, que, em cotejo
com a descrição dos fatos que consubstanciam o direito
controvertido, possam, a priori, indiciar, apontar, sugerir,
induzir um quê de verdade”.
A verossimilhança das alegações diz respeito, então, ao convencimento
do magistrado a ser elaborado em conformidade com os fatos invocados em
petição inicial.
O juízo da verossimilhança ou não da alegação passa necessariamente
pelo exame que o magistrado faz da afirmação, segundo a ótica filtrada pelas
regras gerais e ordinárias da experiência comum.
Na lição de José Eduardo Carreira Alvim, a "verossimilhança somente
se configurará quando a prova apontar para uma probabilidade muito grande
de que sejam verdadeiras as alegações do litigante".
Não obstante essa noção ser absolutamente exata, para fins de análise
de preenchimento dos requisitos necessários para o deferimento de uma tutela
23
antecipada, contexto em que foi defendida, pelo mencionado processualista,
parece-nos ser extremada para fins de inversão do ônus da prova.
Uma alegação torna-se verossímil, para fins de apreciação da questão
da inversão do onus probandi, sempre que venha a adquirir contornos de
veracidade, por se tornar aceitável diante da modalidade de relação de
consumo posta em juízo, não ensejando o convencimento de que possa ser
descabida, em sede de cognição sumária.
Primando pela técnica, Luis Guilherme Marinoni disseca a questão, nos
termos que se passa a expor:
“Essa convicção de verossimilhança é claro, não se
confunde com a convicção de verossimilhança da tutela
antecipatória, pois não é uma convicção fundada em
parcela das provas que ainda podem ser feitas no
processo, mas, sim, uma convicção fundada nas provas
que puderam ser realizadas no processo, e que, diante da
natureza da relação de direito material, devem ser
consideradas suficientes para fazer crer que o direito
pertença ao consumidor”.
Em verdade, essa convicção de verossimilhança nada mais é do que a
convicção derivada da redução das exigências de prova.
Afirma, o supracitado autor, com brilhantismo, que o julgador, "com a
ajuda de máximas de experiência e de regras da vida, considera produzida a
prova que incumbe a uma das partes, que "apenas poderá ser derrubada se a
outra demonstrar o contrário", pelo que sequer haveria, aqui, uma verdadeira
inversão do ônus da prova.
Assim, pela verossimilhança se extrai o que se pode chamar de
verdade provável, que, tendo em mente a redução das exigências de prova, em
favor do consumidor, haja vista as características das relações de consumo,
que passa a ser considerada como uma verdade suficientemente provada, que
24
apenas poderá ser derrubada por eventual prova que seja produzida, no
processo, como matéria de defesa, pelo fornecedor.
Permissível se concluir, então, com apoio no afamado mestre de nosso
processo civil, que "a verossimilhança é o juízo de probabilidade extraída de
material probatório de feitio indiciário, do qual se consegue formar a opinião de
ser provavelmente verdadeira a versão do consumidor".
2.8. Hipossuficiência
O significado de hipossuficiência do texto do preceito normativo do CDC
não é econômico. É técnico. Trata-se da impotência do consumidor para apurar
e demonstrar a causa do dano cuja responsabilidade é imputada ao
fornecedor.
Inicialmente, é preciso se afirmar que a mesma não é jurídica, não sendo
presumida, como se existente em toda e qualquer relação de consumo.
Não se confunde com a vulnerabilidade do consumidor, que é
presumida no artigo 4º, inciso I, do CDC, mas não autoriza a inversão do ônus
da prova.
Para que a mesma seja considerada configurada, é necessário que
haja um plus, pois decorre de uma característica pessoal da parte,
necessitando de análise em cada caso concreto, dependendo de comprovação.
A hipossuficiência, para fins de possibilidade de inversão do ônus da
prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do
serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, dos
modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente
de consumo e o dano, das características do vício etc.
Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins
de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao
mais "pobre". Ou, em outras palavras, não é por ser "pobre" que deve ser
beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da
25
produção da prova é processual, e a condição do consumidor diz respeito ao
direito material.
Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria
necessária a inversão. Bastaria a determinação judicial de que o fornecedor
arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais
como as perícias (o que, diga-se, não é ônus para fins de aferição de prova).
Determinar-se-ia a inversão do pagamento, ou seja, o consumidor produz a
prova e o fornecedor a paga, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o
economicamente fraco.
Não se pode olvidar que, para os "pobres" na acepção jurídica do termo,
existe a justiça gratuita, a qual permite ao beneficiário a isenção do pagamento
das custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu
direito.
E o inverso também é verdadeiro: existem consumidores
economicamente poderosos, o que não implica na sua não hipossuficiência
técnica. Mesmo nesse caso, a inversão do ônus da prova deve ser feita na
constatação de sua hipossuficiência (técnica e de informação).
Por outro lado, existem os consumidores, que dependendo do caso
específico, não poderão ser considerados hipossuficientes. Por exemplo, no
caso dos planos econômicos, um bancário que mantinha poupança à época,
era saber que seu dever era guardar os documentos e os respectivos extratos
que comprovassem tal relação jurídica, até porque tal relação faz parte do seu
cotidiano, do seu trabalho.
Assim sendo, sem razão, ao nosso sentir, aqueles que, em doutrina,
defendem que o consumidor já chegue ao processo desfrutando da qualidade
de hipossuficiente que apenas poderia ser elidida por eventual prova em
contrário produzida pelo fornecedor, em matéria de defesa.
Esse requisito pressupõe uma situação em que, concretamente, se
estabeleça uma dificuldade muito grande para o consumidor de desincumbir-se
26
de seu natural onus probandi, estando o fornecedor em melhores condições
para esclarecer o evento danoso.
Quanto ao significado da expressão hipossuficência, mesmo na
doutrina mais autorizada vozes se levantam para defender que lhe seja
aplicável o conceito constante no artigo 2º da Lei 1.060/1950, como chegou a
sustentar, v.g., o insigne professor Kazuo Watanabe.
Pretende-se emprestar uma conotação econômica à expressão ora
enfrentada. Mas, no nosso entendimento, com as devidas vênias, tal posição
afigura-se completamente equivocada.
A expressão deve merecer interpretação restritiva e puramente técnica
nitidamente ligada ao aspecto cultural (lato sensu), sem qualquer significação
econômica. O legislador, claramente, se referiu à impotência do consumidor
num contexto atrelado ao monopólio de informação, isto é, a impotência do
consumidor, no caso concreto, diante de uma assimetria de informações.
O que se perquire é se existe ou não o desconhecimento técnico e
informativo, sobre o produto e o serviço, quanto aos aspectos que podem ter
gerado o acidente de consumo, as características do vício etc.
Não em outro sentido, vem decidindo o E. Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, nos seguintes termos:
“A inversão prevista no CODECON não diz respeito a
hipossuficiência econômica, mas sim à probatória, porque
casos há em que isso se afigura muito difícil para o
consumidor, sendo mais fácil para o fornecedor a sua
produção... “
Trata-se, em essência, da invencível dificuldade que impede o acesso à
obtenção de informações nas quais estaria consubstanciada a prova do direito
alegado, o que porventura, não acontece também nos casos referentes aos
expurgos inflacionários, já que a documentação comprobatória do direito
alegado sempre foi comum às partes.
27
Aqui, segundo doutrina, e com absoluta razão, deve-se vislumbrar uma
hipótese de impotência técnica apenas quando restar configurada "a
impossibilidade de prova ou de esclarecimento da relação de causalidade
trazida ao consumidor pela violação de uma norma que lhe dá proteção, por
parte do fabricante".
Sempre que o consumidor for uma pessoa esclarecida e bem
informada, ciente do defeito do produto ou da causa do seu prejuízo, inclusive
com acesso aos meios de provas necessários à demonstração dos fatos que
alega, não há lugar para a inversão do ônus da prova, sob pena de quebra do
devido processo legal.
Assim, o excerto de jurisprudência que ora se traz a baila:
“... Mesmo caracterizada a relação de consumo, o ônus da
prova só é de ser invertido quando a parte requerente tiver
dificuldades para a demonstração de seu direito dentro do
que estabelecem as regras processuais comuns, ditadas
pelo artigo 333... “
Apenas será legítima a inversão do onus probandi, quando os polos da
relação processual se encontrarem em posições que não sejam isonômicas.
Ressalte-se, no entanto, que a inversão, com fundamento na
impotência técnica do consumidor, apenas poderá ocorrer quando existir reall
possibilidade probatória de parte do fornecedor.
Vale dizer, não se justifica o decreto de inversão do ônus da prova,
quando se queira imputar ao fornecedor, com o mesmo, a prova de um ou mais
fatos que, de per si, sejam impossíveis de se provar, sob o risco de lhe impor a
sucumbência, o que colidiria com o dogma constitucional da ampla defesa.
28
CAPÍTULO III
A INVERSÃO DA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA
NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
3.1. Introdução
Colocadas às circunstâncias favoráveis ao aparecimento do Direito do
Consumidor e as noções sobre o ônus da prova, volta-se à questão da
inversão do ônus da prova enquanto forma de tornar efetiva a tutela
jurisdicional.
Prevê o Código de Defesa do Consumidor a inversão ope legis e ope
judicis.
Neste caso, permite-se ao julgador abandonar as regras de distribuição
do ônus da prova, previstas no art. 333 do CPC para inverter as regras de
distribuição do ônus da prova em demandas civis, de acordo com os requisitos:
a) subjetivo: da verossimilhança das alegações segundo as regras de
experiência; e b) objetivo: hipossuficiência do consumidor.
A primeira observação a ser feita diz respeito ao fato de que somente se
admite a inversão do ônus da prova a favor do consumidor, reconhecida a sua
vulnerabilidade - artigo 4º, inciso I -, não sendo possível, em consequência,
determiná-la para beneficiar o fornecedor.
Absolutamente coerente, no particular, foi o legislador, ao apenas
admitir a possibilidade de inversão do ônus da prova, em favor do consumidor.
Ao se partir do pressuposto da fraqueza manifesta do consumidor no
mercado, justificando lhe serem conferidos instrumentos processuais para
melhor se defender, seria um completo absurdo até mesmo se cogitar da
possibilidade de se proceder à inversão do onus probandi em favor do
fornecedor.
29
A preocupação do legislador foi tamanha que veio a considerar no
inciso VI, do artigo 51, nula qualquer cláusula contratual que estabeleça a
inversão desse ônus em prejuízo do consumidor.
Sobre este aspecto, torna-se necessário compreender o conceito de
hipossuficiência como diminuição da capacidade do consumidor, não apenas
sob a ótica econômica, mas também sob o prisma do acesso à informação,
educação, associação e posição social.
A inversão do ônus da prova é direito do consumidor e com isto não se
pretende afirmar que sempre deva o juiz dispensar o consumidor de provar ou
então que, com a inversão, a procedência do pedido do consumidor seja
automática. Ao contrário, haverá inversão se presente um dos requisitos
mencionados, que ensejará a dispensa da prova das alegações do consumidor.
Como já vimos acima, a inversão do ônus da prova não é automática,
uma vez que o código deixa a critério do juiz – quando houver uma das duas
hipóteses legais – aplicar tal inversão.
Então qual é o momento processual no qual o magistrado deverá decidir
a respeito da inversão do ônus da prova?
Eis um tema polêmico. Tanto a doutrina, quanto à jurisprudência ainda
não se pacificaram, sendo certo que há doutrinadores entendendo que o
momento de aplicação da regra de inversão do ônus da prova é o do
julgamento da causa e há também, quem entenda que o momento adequado é
o compreendido da inicial até o despacho saneador .
Temos que, no que tange ao momento da aplicação da regra prevista no
art. 6º. VIII, CDC, haveria duas possibilidades de ocorrência, quais sejam:
1. Quando do julgamento da causa (regra de julgamento), quando se tratar
de responsabilidade civil pelo fato do produto e,
2. Do recebimento da inicial até o despacho saneador, quando se tratar de
outro objeto que não reparação por danos decorrentes de acidente de
consumo.
30
Na primeira hipótese, ou seja, quando se tratar de ação cujo objeto for
responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, acreditamos que é possível a
manifestação do juiz acerca da aplicação ou não do art. 6º. VIII da lei
consumerista até o momento da sentença.
É que, nesse caso específico – acidente de consumo – a única defesa do
fornecedor é alegar – e provar – uma das excludentes do nexo de causalidade,
previstas no art. 12, §3°, inciso II, CDC.
Entendemos que tais causas eximentes previstas no Código de Defesa
do Consumidor nada mais são do que os fatos extintivos (não colocou o
produto no mercado); impeditivos (embora tenha colocado no mercado o
produto, o defeito inexiste) e, modificativos (culpa exclusiva do consumidor ou
terceiros) previstos no Código de Processo Civil (art. 333, inciso II). Porém,
nada impede que o consumidor, em seu pedido inicial, já proclame pela
inversão. O que ensejará a obrigatoriedade do juiz se manifestar desde o início,
garantindo assim uma maior segurança processual.
Mas qual é o motivo para a inversão? Já afirmamos que o consumidor é
a parte vulnerável da relação de consumo, que não dispõe de informação ou de
acesso aos elementos técnicos do produto. O fornecedor, de outro lado, é à
parte detentora dos dados da produção do bem e que se encontra em uma
melhor posição para fornecê-las ao magistrado.
E qual seria, então, a função do art. 6º. VIII, no caso de responsabilidade
pelo fato do produto ou serviço?
A nosso ver, a função do mencionado artigo é justamente equilibrar a
relação jurídica estabelecida entre consumidor e fornecedor, colocando-os em
pé de igualdade.
Dessa forma, sustentamos a opinião que, o art. 6º. VIII visa, tão
somente, proteger ainda mais aquele consumidor que se encontra em situação
de desvantagem no processo, desincumbindo-o de provar o fato danoso
alegado. Na verdade, no caso de acidente de consumo, o que o consumidor
31
tem é a facilitação da comprovação do nexo causal, com a dispensa do ônus a
seu favor.
Em sendo assim, opinamos que o juiz possa decidir-se, apenas nesses
casos, acerca da aplicação ou não do art. 6º, VIII, até o momento de julgar a
demanda. Isso porque, em decidindo pela incidência do mencionado preceito, o
juiz apenas estará isentando o consumidor de comprovar o fato constitutivo, o
que não irá prejudicar em nada o fornecedor que, sempre terá o ônus de provar
o contrário. Não haverá, assim, qualquer surpresa, posto que o fornecedor
sabe que, por força de lei, lhe compete o ônus de produzir as provas dos fatos
extintivos, impeditivos e modificativos do direito do consumidor.
Entretanto, melhor seria que o magistrado sempre se manifestasse até o
despacho saneador, trazendo maior segurança jurídica para ambas as partes
da relação de consumo.
Há que se salientar também, que o juiz deverá deixar eventuais posturas
tradicionais e se armar de sensibilidade para apurar os fatos, sob pena de
denegar a prestação jurisdicional imprescindível à parte vulnerável.
Iniciada a instrução probatória, as partes, tanto o consumidor como o
fornecedor, devem apresentar todas as provas possíveis para fundamentar
suas pretensões ou embasar uma posição jurídica que seja favorável.
Após a colheita de provas, constatada a incerteza pela insuficiência do
material probatório oferecido, o juiz determinará a realização de provas que
entenda necessárias para o esclarecimento de suas dúvidas, analisando a
possibilidade de aplicação das regras de experiência.
Ainda que o consumidor não ofereça nenhuma prova, o fornecedor
poderá rechaçar a pretensão inicial, trazendo toda prova pertinente a
fundamentar suas alegações e formar a convicção do julgador. Neste caso,
pela ausência de dúvidas, não há que se falar em aplicação das regras de ônus
da prova ou sua inversão.
Havendo dúvida e constatando que as afirmações do consumidor são
verossímeis e que o fornecedor não fez prova que as contrariasse ou as provas
32
produzidas não ilidiram a presunção, o juiz avaliará o grau de probabilidade dos
fatos verossímeis não provados, podendo onerar o fornecedor por sua omissão
ou desinteresse em realizar a prova.
Caso contrário, se entender que as alegações do consumidor não são
verossímeis, não deve o magistrado inverter as regras do ônus probatório,
atribuindo, assim, as conseqüências de sua incerteza ao consumidor.
Idêntica à conclusão no caso de constatação de hipossuficiência do
consumidor, onde é impossível produzir as provas que embasam sua
pretensão, ainda que suas ilações não sejam verossímeis. De nada adiantaria
garantir o acesso formal à Justiça se o demandante não dispõe de meios de
produzir a prova.
3.2. Regra de julgamento
Em princípio, não há momento para o juiz fixar o ônus da prova ou sua
inversão, porque não se trata de regra de procedimento. O ônus da prova é
regra de julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir
julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se
desincumbiu.
O nosso sistema não determina quem deve fazer a prova, mas sim
quem assume o risco caso não a produza. Nesse sentido: TJSP – RT 706/67;
Micheli, L’onere, 32,216.
Assim sendo, entendemos que a regra legal que possibilita a inversão
do ônus é dirigida ao juiz, não porque ele seja destinatário da prova, mas
porque é ele quem dirige o processo, conforme preceitua o art. 125 do CPC,
cabendo-lhe, portanto, decidir se a regra do art. 6º, inciso VIII, do Código de
Defesa do Consumidor, deve ou não ser aplicada.
Trata-se, em nossa opinião, de "poder de direção" que a lei lhe confere,
a fim de assegurar às partes a igualdade de tratamento.
33
Resta-nos ainda, esclarecer que em ocorrendo à inversão pela
aplicação da norma citada (art. 6º, VIII), esta será dentro das normas e
princípios constitucionais; pois no dizer do professor Nelson Nery Junior, a
inversão do ônus da prova "é a manifestação inequívoca do princípio da
isonomia”.
3.3. Fase processual para a inversão
A necessidade de prévio anúncio, pelo juiz, às partes, da inversão do
onus probandi constitui questão controvertida, que tem provocado valorosos
debates.
Existem, claramente, três grandes correntes de pensamento, sobre o
tema.
A corrente majoritária, liderada pelos mestres paulistas Nelson Nery
Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, partindo da premissa de que não haja
momento para o juiz fixar o ônus da prova ou sua inversão, por não se tratar de
regra de procedimento e, sim, de regra de juízo, defendem que a sentença, e
não antes, seja o momento adequado para a aplicação da regra.
E isso por que, argumentam esses, que somente após a instrução do
feito, ou seja, no momento da valoração da prova, estaria o juiz habilitado a
afirmar se existe ou não situação de non liquet, sendo caso ou não,
consequentemente, de inversão do ônus da prova.
Sustenta-se, que o fornecedor não poderá alegar cerceamento de
defesa por já saber, de antemão, desde o início da demanda de consumo,
quais são as regras aplicáveis, tendo consciência que terá que provar tudo o
que estiver ao seu alcance e for de seu interesse.
O ilustre professor BARBOSA MOREIRA é da mesma opinião,
esclarecendo que "as regras sobre distribuição do ônus da prova são aplicadas
pelo órgão judicial no momento em que julga".
34
Mas, essa interpretação recebe forte resistência de alguns dos maiores
processualistas brasileiros, que não admitem que o momento próprio para o
juiz proceder à inversão do ônus da prova seja a sentença.
Ao nosso sentir, a inversão quando procedida em sentença, surpreende
a defesa, e ofende o princípio do contraditório, e, ainda que de forma reflexa, à
ampla defesa, não se sustentando, pois.
O devido processo legal exige que as regras do processo a ser julgado
sejam previamente conhecidas pelas partes, não podendo ser alteradas no
curso do procedimento, em prejuízo para qualquer uma delas.
Uma segunda corrente admite a inversão do ônus da prova ab initio,
quando o juiz analisa a petição inicial, sob o argumento central de que, assim,
o réu, ao ser citado, será, igualmente, intimado da inversão, que poderá
inclusive ser alvejada pelo recurso de agravo, sem qualquer violência aos
princípios da ampla defesa e do contraditório.
Nesse sentido, merece destaque o magistério do professor João Batista
de Almeida.
Entendimento esse que enfrenta a dura oposição de Humberto
Theodoro Júnior, segundo o qual, "antes da contestação, nem mesmo se sabe
quais fatos serão controvertidos e terão, por isso, de se submeter à prova",
tornando-se, "então, prematuro o expediente do artigo 6º, inciso VIII, do CDC".
Ao nosso ver, no entanto, os argumentos contrários não se revelam
suficientemente fortes para elidir a viabilidade da inversão do ônus probandi
nesse momento processual, visto que, v.g., as medidas de urgência que
exigem, no mínimo, a fumaça do bom direito, podendo ser deferidas ab initio,
sem que tais providências se revelem abusivas.
O que se deve aferir, caso a caso, é se os requisitos autorizadores se
fazem presentes em concreto.
Sempre que a resposta for positiva, nenhum óbice há para que a
inversão seja decretada, com acerto, pelo julgador.
35
Finalmente, uma terceira corrente, que tem em suas fileiras, v.g.,
nomes como o de Voltaire de Lima Moraes, e que vem ganhando força,
defende que o momento adequado para a inversão do ônus da prova seja por
ocasião do saneamento do processo, quando serão fixados, pelo juiz, quais
sejam os pontos controvertidos.
Sustenta-se que, nesse momento, já foi instaurado o contraditório, já
tendo o juiz elementos suficientes para aferir a presença dos requisitos legais,
sem que se venha, ademais, se surpreender à defesa.
Reconhecemos ser esse o melhor momento para a inversão do ônus da
prova, visto o feito já estar maduro, sem que, com isso, enxerguemos óbice,
como já averbado, para a sua efetivação, ab initio, apenas quando a peça
vestibular vier acompanhada de material probatório de feitio indiciário, além de
permitir ao juízo aferir eventual impotência técnica do consumidor, o que, na
praxe forense, não é algo assim tão raro.
Concluímos então, considerando ser cabível, a inversão do ônus da
prova, entre o momento em que o juiz aprecia a peça vestibular e o despacho
saneador.
Mas, em sede de feitos que tramitem perante aos Juizados Especiais
Cíveis, tendo em vista a disciplina deitada nos artigos 28 e 33, ambos da Lei
9.099/1995, que consagram o princípio da concentração dos atos processuais,
as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, momento
procedimental em que a atividade de saneamento ocorrerá.
Pelo que, nessa sede, a inversão do ônus da prova, acaso não seja
deferida ab initio, quando o juiz estiver a analisar a inicial, deverá ser feita, com
fundamento no artigo 29 da Lei 9.099/1995, em sede de audiência de instrução
e julgamento, a qual deverá ser fracionada, para prosseguimento em data
próxima, facultando-se ao fornecedor a possibilidade de produzir as provas
decorrentes desse seu novo ônus, sob pena de se revelar abusiva.
36
3.4. O ônus probandi
Há muita polêmica em torno do momento processual no qual o
magistrado deverá decidir a respeito da inversão do ônus da prova, mas, em
nossa opinião, isso acontece porque, as partes acostumadas a litigarem no
processo civil, fora da relação de consumo, têm clareza da distribuição do ônus
porbatório.
Ou, melhor dizendo, os advogados das partes sabem de antemão a
quem compete o ônus da produção da prova. Vejamos o art. 333 da lei
adjetiva:
"Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I – o autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor".
É, portanto distribuição legal do ônus que se faz, sem sombra de dúvida.
E, claro, nesse caso não precisa o juiz fazer qualquer declaração a respeito da
distribuição do gravame. Basta leva-lo em consideração no momento de julgar
a demanda. Não haverá, na hipótese, qualquer surpresa para as partes,
porquanto elas sempre souberam a quem competia a desincumbência da
produção da prova.
Ora, não é essa certeza que se verifica no sistema da lei consumerista.
Não teríamos dúvida em afirmar que nas relações de consumo o
momento seria o mesmo se a Lei nº. 8078/90 dissesse: "está invertido o ônus
da prova", mas não é isso que determina o CDC, pois a inversão não é
automática.
Como vimos antes, a inversão se dá por decisão do juiz diante de
alternativas postas pela norma: ele inverterá o ônus se for verossímil a
alegação, ou se for hipossuficiente o consumidor.
É que pode acontecer de nenhuma das hipóteses estar presente: nem
verossímeis as alegações, nem hipossuficiente o consumidor.
37
Como já retratamos acima, verossimilhança é conceito jurídico
indeterminado. Depende de avaliação objetiva do caso concreto e da aplicação
de regras e máximas da experiência para o pronunciamento.
Logo, o raciocínio é de lógica básica: é preciso que o juiz se manifeste
no processo para saber se o elemento da verossimilhança está presente.
Da mesma maneira a hipossuficiência depende de reconhecimento
expresso do magistrado no caso concreto. É que o desconhecimento técnico e
de informação capaz de gerar inversão tem de estar colocado no feito sub
judice. São as circunstâncias do problema aventado e em torno do qual o
objeto da ação gira que determinarão se há ou não hipossuficiência (que, em
regra geral, atinge a maior parte dos consumidores). Pode muito bem ser caso
de consumidor engenheiro que tinha claras condições de conhecer o
funcionamento, de modo a ilidir sua presumida hipossuficiência. Como pode
também ser engenheiro e ainda assim, para o caso, constatar-se sua
hipossuficiência.
Então, novamente o raciocínio é de singela lógica: é preciso que o juiz se
manifeste no processo para saber se a hipossuficiência foi reconhecida ou não
no caso concreto.
E, já que diante da norma do CDC, que não gera inversão automática,
entendemos ser, o momento processual mais adequado para a decisão sobre a
inversão do ônus da prova, aquele até o despacho saneador.
Há, também, a importante questão do destinatário da norma estatuída no
inciso VIII do art. 6º do CDC.
Entende-se que, muito embora essa norma trate da distribuição do ônus
processual de provar dirigido às partes, ela é mista no sentido de determinar
que o juiz expressamente decida e declare de qual das partes é o ônus.
Como a lei não estipula a priori quem está obrigado a se desonerar, e a
fixação do ônus depende da constatação da verossimilhança ou
hipossuficiência, o magistrado deve se manifestar também quanto à
38
desincumbência, porquanto é ela que dirá se é o consumidor ou o fornecedor
que custeará a perícia, caso esta seja necessária.
3.5. Motivação da decisão de inversão do ônus da prova
Por não se tratar de um mero despacho, a decretação da inversão do
onus probandi, que constitui decisão judicial, deve ser fundamentada, sob pena
de nulidade, nos termos do artigo 93, inciso IX, da Carta Política de 1988.
Fundamentar, segundo leciona o mestre Nelson Nery Junior, "significa o
magistrado das as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a
questão daquela maneira".
Vale dizer, que o magistrado ao proferir uma decisão, num processo,
tem que externar a sua base fundamental. Ainda que de forma sucinta, deve
indicar o critério de julgamento posto como base da decisão.
A motivação das decisões judiciais é encarada, tradicionalmente, como
garantia das partes, e, mais modernamente, como garantia política, que
permite a possibilidade de se aferir a imparcialidade do juiz e a legalidade de
suas decisões.
Trata-se de uma garantia de segundo grau, garantia de garantias, por
servir de instrumento pelo qual se assegura o controle sobre a efetividade das
demais garantias processuais.
Interessante observar que, a Constituição Federal normalmente não
contém normas sancionadoras, mas a falta de motivação é vício de tamanha
gravidade que o legislador constituinte cominou, no próprio texto legal, a pena
de nulidade.
Nulidade essa que, por sua própria natureza, é absoluta, porque a falta
ou a insuficiência de fundamentação mutila a integridade do ato judicial, sendo
ostensiva a preocupação do legislador constituinte, de evitar o arbítrio, ao exigir
a motivação dos atos decisórios.
39
Ocorre, no entanto, que vem se observando, na praxe forense, que
muitos juízes, infelizmente, vem invertendo o ônus da prova, em incontáveis
feitos, sem qualquer preocupação de externarem com que elementos de fato,
com que provas, formou-se a convicção de restarem presentes os requisitos
autorizadores.
Assim, data maxima venia, dizer que, se inverte o ônus da prova, por
estarem presentes os elementos autorizadores, consubstancia um autêntico
arbítrio judicial, um escárnio à garantia deitada no inciso IX, do artigo 93, da
Carta Republicana de 1988.
Portanto, para que haja o decreto de inversão do ônus da prova, e
ainda, para que este seja legítimo, o magistrado deverá revelar, mesmo que de
forma sucinta, quais os elementos formadores de sua convicção, e se estão
presentes os requisitos legais autorizadores.
Assim, devemos sempre entender a inversão do ônus probatório como
medida extraordinária e não como norma geral, automaticamente observável,
em todo e qualquer processo que verse sobre relação de consumo.
Isso, antes tudo, por que a inversão do onus probandi se revela
absolutamente dispensável sempre que o julgador formar sua convicção, ao
valorar as provas que sejam produzidas no processo.
Ademais, a simples leitura do dispositivo legal em tela, externa, e com
solar clareza, que, apenas quando presentes os requisitos autorizadores, há
lugar para a inversão do ônus da prova.
Assim, já veio a se manifestar o Egrégio Superior Tribunal de Justiça,
nos seguintes termos:
“A chamada inversão do ônus da prova, no Código de
Defesa do Consumidor, está no contexto da facilitação da
defesa dos direitos do consumidor... Isso quer dizer que
não é automática a inversão do ônus da prova. Ela
depende de circunstâncias concretas que serão apuradas
40
pelo juiz no contexto da facilitação dos direitos do
consumidor”.
Deve-se ter plena consciência se tratar, o instituto em cerne, de uma
das mais notáveis mudanças do Direito em nosso tempo, na linha da crescente
atribuição de poderes ao juiz.
O mecanismo da inversão do ônus da prova apenas deverá ser
aplicado quando seja necessário para soerguer, concretamente, um idealizado
equilíbrio processual entre consumidor e fornecedor.
Não deve ser sumariamente aplicado, gerando um novo desequilíbrio
na relação entre as partes, a tal ponto de atribuir ao fornecedor um encargo
absurdo e insuscetível de desempenho, ou seja, sob pretexto algum, poderá
ser um mecanismo de impor um ônus impossível de se provar.
Até mesmo por que, a própria Lei 8.078/1990, em seu artigo 4º, inciso
III, lança o ideal de equilíbrio, nas relações negociais entre os consumidores e
os fornecedores, não sendo seu escopo consagrar um execrável privilégio.
Pensar de forma diferente representaria gritante violência ao princípio
da paridade de armas, que se enlaça com o vetor constitucional da igualdade
das partes perante a lei, que brota do caput do artigo 5º, da Carta Republicana
de 1988.
Não se desconhece a moderna concepção de isonomia, que nos
remete à noção de igualar os iguais e desigualar os desiguais, na proporção
dessa desigualdade.
Tanto assim, que não se ousa, nessa despretensiosa monografia,
questionar a constitucionalidade da possibilidade de inversão do ônus da
prova, sempre que presentes os requisitos autorizadores, que revelam, no caso
concreto, um desequilíbrio processual entre as partes.
Reconhece-se que essa constitucionalidade veio a se pacificar em
nossa melhor doutrina, sendo inclusive referendada, com razão, por mestres de
inquestionável autoridade intelectual, como Nelson Nery Junior.
41
O que se afirma no presente trabalho, é que a inversão não se legitima
quando, no caso concreto, já existir um equilíbrio processual entre as partes.
A proteção ao consumidor não pode se transformar numa empreitada
contra as empresas, em que, mesmo em demandas absurdas, a resolução se
opere à luz da inversão do onus probandi, empregada de maneira a inviabilizar
a defesa do fornecedor.
Por mais que se concorde com a urgente necessidade de se extirpar do
mercado de consumo todo tipo de conduta lesiva e abusiva que inúmeras
empresas praticam, tal não pode servir de paliativo para se atropelar a garantia
da ampla defesa, sem a qual afigura-se impossível sequer se cogitar, a
segurança jurídico-processual.
Dissertando sobre a finalidade da norma que prevê a inversão do onus
probandi, valioso o magistério do professor Carlos Roberto Barbosa Moreira,
nos seguintes termos:
A finalidade da norma é de facilitar a defesa dos direitos
do consumidor e não a de assegurar-lhe a vitória, ao
preço elevado do sacrifício do direito de defesa, que ao
fornecedor se deve proporcionar.
O que não se pode, data máxima venia, é se tolerar a proliferação de
decisões judiciais nas quais, os julgadores, logo após reconhecerem que o
consumidor nada provou, julgam procedentes suas ações, afirmando que,
tendo em vista a inversão, o ônus da prova passa a ser dos fornecedores,
mesmo em hipóteses em que flagrantemente estejam ausentes os requisitos
autorizadores.
42
CONCLUSÃO
Ao versar sobre a inversão do ônus a prova, em sede de relações de
consumo, com fundamento no inciso VIII, do artigo 6º, da Lei nº. 8.078/1990, o
artigo que ora se conclui demarca importantes observações.
A primeira, que a medida apenas pode ser efetivada, no processo civil,
em favor do consumidor, pólo mais frágil da relação de consumo, dela não se
cogitando para favorecimento do fornecedor.
A própria ratio legis explica a questão, visto que, com a possibilidade de
inversão, partindo-se da presunção de vulnerabilidade do consumidor, o que se
busca é dar efetividade, no processo, ao princípio da paridade de armas, que
se enlaça com o dogma constitucional da igualdade de partes.
A segunda delas, que a inversão do ônus da prova por ser providência
excepcional, não pode ser automaticamente aplicável em qualquer relação de
consumo.
Não se trata de uma hipótese de inversão ope legis do ônus da prova,
mas, sim, sujeita ao crivo judicial, de uma inversão ope iudicies, condicionada
ao preenchimento dos requisitos legais, sob pena de configurar ato abusivo,
com ofensa ao devido processo legal.
A terceira, que nem todas as provas podem ter o seu encargo invertido,
sendo um corolário lógico que somente as que estejam no âmbito técnico do
fornecedor lhe poderão ser atribuídas.
Quando do enfrentamento do melhor significado que se possa atribuir
aos requisitos legais autorizadores da inversão do fardo probatório, se concluiu,
primeiramente, que a verossimilhança é a convicção que se extraí de material
probatório de feitio indiciário, de ser aceitável a versão do consumidor, diante
da modalidade de relação de consumo posta em juízo.
Não sendo necessário, para a sua caracterização, que a prova aponte
para uma probabilidade muito grande de que sejam verdadeiras as alegações
43
do litigante, sem que seja suficiente, no entanto, a boa redação da petição
inicial, por não se confundir com o uso da técnica de argumentação que muitos
profissionais desfrutam.
Quando do estudo do requisito da hipossuficiência, observou-se que a
mesma não é jurídica, não se presumindo, exigindo, para a sua caracterização,
um plus, que apenas restará presente quando configurada a impotência técnica
do consumidor, num contexto atrelado ao monopólio de informação, sem que
guarde vínculo com a sua situação econômica.
Ressaltou-se, ainda, que a inversão do ônus probante, com fundamento
na impotência técnica do consumidor, apenas poderá ocorrer quando existir
real possibilidade probatória de parte do fornecedor, sob o risco de lhe impor a
certeza da sucumbência, o que colide com a ampla defesa.
Ao se deparar com o debate que se trava sobre a necessidade de que
sejam preenchidos ambos os requisitos autorizadores, deixamos averbado que
a interpretação literal do texto legal, em si, não é suficiente para preservar a
adequação sistêmica do instituto da inversão do ônus da prova ao
ordenamento jurídico em que se insere.
Nesse sentido, defendeu-se que, quando as alegações do consumidor
forem verossímeis, não será necessária a presença cumulativa do segundo
requisito legal.
Mas, mesmo quando configurada a impotência técnica do consumidor,
frente ao fornecedor, deverá ser aferida a idoneidade das alegações daquele,
visto que, se suas alegações forem, prima facie, temerárias, eventual inversão
se revelará abusiva.
Concluímos, então, afirmando que apenas o caso concreto irá revelar,
ao julgador, a necessidade de preenchimento cumulativo ou alternativo dos
requisitos legais autorizadores.
Versando sobre os momentos procedimentais em que seja cabível a
transferência do fardo probatório, refutou-se a sua possibilidade em sentença,
por surpreender o fornecedor, mitigando o contraditório e a ampla defesa.
44
Admitiu-se a legitimidade do decreto judicial de inversão ab initio, no
primeiro contato do magistrado com os autos, desde que a petição inicial esteja
instruída com elementos que permitam a aferição da presença dos requisitos
autorizadores.
Concluiu-se, reconhecendo que o melhor momento para essa inversão
seja, no entanto, o do despacho saneador, quando serão fixados, pelo juiz, os
pontos controvertidos, a serem provados.
Finalizou-se salientando que a inversão do onus probandi, constituindo
uma decisão judicial, deve ser fundamentada, sob pena de nulidade absoluta,
defendendo o argumento de que o magistrado não poderá cingir-se a repetir,
ritualisticamente, as palavras da lei, para justificá-la.
Reconheceu-se, ainda, que a prática forense tem demonstrado que a
regra da inversão do ônus da prova muitas vezes não tem sido aplicada com a
isenção necessária.
Crê-se assim que, em alguns anos, será possível avaliar com maior rigor
a inversão do ônus da prova e a posição aqui defendida representa a
expectativa de que o cerceamento de defesa do fornecedor não supere os
reais benefícios advindos da efetiva proteção dos direitos do consumidor.
Encerrando esse despretensioso trabalho, pode-se afirmar ser
plenamente possível a harmonização do instituto da inversão do ônus probante
com o respeito das garantias processuais constitucionais, como o devido
processo legal, a ampla defesa e o contraditório, desde que sejam observadas
as diretrizes anteriormente delineadas.
45
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48
ANEXOS - EXEMPLOS DE CASOS CONCRETOS NO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO
“(...) Saneador a fls.72/73, rejeitando-se as preliminares, refutando-se a
prescrição e indeferindo-se a denunciação da lide e a inversão do ônus da
prova. A ré noticiou a interposição de Agravo de Instrumento a fls.76/87,
provido parcialmente pela decisão de fls.71/75 do apenso. Outras peças a
fls.79, 81/84, 86/87, 88 95/98, 100/101 e 103. É o relatório. Decido. O ônus da
prova do fato constitutivo do direito compete ao autor, nos termos do artigo
333, I, Código de Processo Civil, descabida a imputação da obrigação à parte
ré. Os documentos acostados a fls.25/30 são relativos a período diverso,
inócuo ao julgamento da querela, inviabilizando a aplicação da regra
estampada no artigo 359, Código de Processo Civil. Nesta esteira,
considerando que a parte autora não logrou demonstrar o fato constitutivo de
seu direito, qual seja a existência da conta de poupança com data de
aniversário nos quinze primeiros dias dos meses referidos e correlatos saldos,
a rejeição da pretensão reveste-se da aplicação do direito à espécie. Pelo
exposto, julgo improcedente o pedido, na forma do artigo 269, I, Código de
Processo Civil, condenando a parte autora ao pagamento das despesas
processuais e verba honorária em dez por cento sobre o valor da causa,
observado o artigo 12, Lei 1.060/50. P.R.I.” (TJ/RJ - 2ª Vara Cível da Comarca
de Barra Mansa, Processo nº 2007.007.004939-0)
49
“(...) Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor começou a vigorar em
março de 1991, após a abertura da mencionada conta poupança da agravada.
Nota-se que há flagrante intenção do agravo de se beneficiar de duas leis
distintas: o Código Civil de 1916, que tem a prescrição vintenária, e do Código
de Defesa do Consumidor, que possibilita a inversão do ônus da prova em seu
favor, o que não pode ser tolerado, pois a lei não pode retroagir, conforme a
conveniência da agravada.
(...) Assim, com o devido respeito a entendimentos outros, tenho que a
legislação que deve reger a espécie é o Código Civil, e não o Código de
Defesa do Consumidor. E se não é caso de aplicação do CDC, não há que se
falar em inversão do ônus da prova, impondo a observância da regra da
distribuição da carga da prova, prevista no art. 333, I, do Código de Processo
Civil.
Ademais, não se têm notícias de que a relação contratual foi continuada,
perdurando até após a entrada em vigor do CDC, caso contrário tempus regit
actum. Por outro lado, importante se mencionar que eventual aplicação da
legislação consumerista obrigar-nos-ia a reconhecer a ocorrência da
prescrição, já que aquele diploma prevê o prazo prescricional de cinco anos.
Diante destas considerações, considerando que a decisão agravada não se
alinhou à jurisprudência do STJ, com base no § 1º - A, do art. 557 do CPC, dou
provimento ao recurso para cassar a decisão que aplicou o Código de Defesa
do Consumidor, cassando, consequentemente, a inversão do ônus da prova.
Comunique-se ao Juiz da causa.” (TJRJ-16ª Câmara Cível, Agravo de
Instrumento n.º 2009.002.25391)
50
“DECISÃO.Trata-se de agravo de instrumento manifestado contra decisão do
MM. Juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Volta Redonda, proferida na ação de
cobrança proposta pela agravada contra o agravante, que indeferiu
requerimento de denunciação da lide e, aplicando o Código de Proteção e
Defesa do Consumidor, determinou que o recorrente, apresentasse, em 10
dias, os extratos bancários do período indicado na inicial (fls. 92). Alega o
recorrente descaber tal inversão, uma vez que a parte autora não comprovou
a existência das contas na época dos planos e que a decisão não tem
fundamento legal. Decisão à fls. 103, concedendo antecipação dos efeitos
recursais. Contraminuta às fls. 105/10, em prestígio da decisão recorrida. É o
relatório. Em primeiro lugar, a lei consumerista ainda não vigia quando
ocorreram os fatos narrados na exordial, sendo, pois, impossível a eles aplicar-
se lei que somente depois veio a lume. Em segundo lugar, se entende aplicável
a legislação consumerista, por ter havido falha da prestação do serviço, o
direito do agravado à ação estaria prescrita, pois aquele diploma legal
estabelece em cinco anos o prazo prescricional. Além disso, na forma do que
dispõe o art. 333, I, do Código de Processo Civil, ao autor da ação compete
demonstrar o fato constitutivo do seu direito e, dessa forma, é ao agravado que
cabe comprovar, nos autos, que mantinha, na data que refere em sua exordial,
caderneta de poupança no agravante e que não foi por ela remunerado na
forma da lei. Que mantinha a agravada conta no agravado à época dos fatos,
com saldo, e a existência de diferença de correção monetária, são os fatos
constitutivos do direito da autora da ação e, portanto, a ela caberia prová-los,
apresentando o que para tanto fosse necessário. A decisão recorrida foge ao
princípio da razoabilidade, eis que não há qualquer norma legal que obrigue o
agravante a guardar extratos por tão longo tempo. Esses documentos, se um
dia existiram, embora até possa tê-los o agravante, o que é muito difícil, diante
do tempo decorrido, deveria ter o recorrido, pois, se era correntista, recebia
disso comprovantes. Se não os guardou, sendo ele o interessado, como pode
querer exigir que o Banco os tenha guardado? Aliás, não se pode compreender
qual seria o procedimento do juiz, caso o Banco não exiba os extratos,
51
parecendo não estar havendo uma medição das consequências disso que vêm
alguns magistrados deferindo.A situação é grave e pode gerar uma enxurrada
de fraudes contra as instituições financeiras (não se está insinuando que isso
exista aqui, ressalte-se), pois, pelo raciocínio do magistrado de primeiro grau,
basta alegar que mantinha a conta, para que já seja o Banco condenado.Por
estas razões, com fulcro no artigo 557, § 1° - A, do Código de Processo Civil e
diante das reiteradas decisões desta Câmara nesse sentido, DOU
PROVIMENTO ao recurso,para cassar a decisão recorrida. Rio de Janeiro, 15
de outubro de 2008. Desembargador Sergio Lucio de Oliveira e Cruz - Relator”
(TJ/RJ – 15ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 2008.002.31114)
“Trata-se de ação pelo rito ordinário com pedido de cobrança proposta por
AILTON JOSÉ LINO em face de BANCO ITAÚ S.A. Sustenta a parte autora
que possuía junto ao réu uma conta poupança de nº 121.3.1505-3; que não
recebeu a correção devida nos Planos Bresser, Verão e Collor I, alegando que
o valor recebido a títulos de correção monetária não corresponde com o que
deveria ter sido pago. Assim, pretende o recebimento dos expurgos
inflacionários referente aos mencionados Planos. Inicial às fls. 02/05, instruída
pelos documentos de fls. 06/12. Contestação às fls. 16/49 alegando em
preliminar a ilegitimidade passiva e em prejudicial ao mérito a prescrição. No
mérito, que a correção dos valores depositados na conta do autor obedeceu à
legislação pertinente a época. Assim, requer que sejam acolhidas as
preliminares ou pronunciada a prescrição e, no mérito pugna pela
improcedência. Réplica ás fls. 56/62. Decisão saneadora á fl. 68/69 rejeitando a
preliminar e, afastando a prescrição. É O RELATÓRIO. PASSO A DECIDIR.
Com efeito, não se discute a hipossuficiência da parte autora em relação à ré
no tocante a apresentação de extratos bancários pleiteados. Todavia, a parte
autora em sua peça inaugural apenas informa o número da conta poupança,
sem, contudo, indicar a data de aniversário e, tampouco traz aos autos o
mínimo de lastro probatório sobre a existência e da titularidade da conta
52
poupança. O documento de fl. 08 é imprestável para provar que a parte autora
mantinha conta poupança na instituição ré durante os períodos indicados na
prefacial, portanto, o pedido não pode ser acolhido, eis que a autora não logrou
êxito em provar o fato constitutivo de seu direito, na forma do artigo 333, I do
CPC. Ademais, nos termos do art. 283 do CPC, a petição inicial deve ser
instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação, sendo
certo que tais documentos devem comprovam a existência da relação jurídica
entre as partes, a permitir a análise da pertinência subjetiva da ação. Diante
disto, ante a inexistência de qualquer início de prova ou elemento de convicção
de existência de relação jurídica entre as partes, não se pode inverter o ônus
da prova, sob pena de aplicar-se uma situação perigosa, de conferir efeito
probatório pela simples recusa da instituição financeira sobre a existência da
conta poupança (prova negativa). Sendo assim, não se pode aplicar ao caso o
disposto no artigo 359 do CPC, visto que caberia a parte autora, trazer aos
autos o mínimo da prova do fato constitutivo de seu direito capaz de possibilitar
este juízo admitir como verdadeiros os fatos que, por meio dos documentos
(extratos), pretendia se provar. Outro não foi o entendimento esposado nas
decisões abaixo: 2008.001.23293 - APELACAO CIVEL - 1ª Ementa DES.
LUISA BOTTREL SOUZA - Julgamento: 19/06/2008 - DECIMA SETIMA
CAMARA CIVEL CADERNETA DE POUPANÇA. PRETENSÃO DE
COBRANÇA DAS DIFERENÇAS HAVIDAS NOS SALDOS DE CONTAS DE
POUPANÇA, EM RAZÃO DOS DIVERSOS PLANOS ECONÔMICOS, QUE
DETERMINARAM O EXPURGO DE ÍNDICES DE INFLAÇÃO. ÔNUS QUE SE
IMPÕE AO AUTOR DA AÇÃO DE TRAZER AOS AUTOS PROVA DO FATO
CONSTITUTIVO DE SEU DIREITO. AINDA QUE NÃO SE EXIJA PARA A
PROPOSITURA DA AÇÃO A APRESENTAÇÃO DE EXTRATOS DA CONTA
DE POUPANÇA, TEM O AUTOR QUE COMPROVAR PELO MENOS A
EXISTÊNCIA DA MESMA, BEM COMO A DATA DE SEU ANIVERSÁRIO, NA
MEDIDA EM QUE SOMENTE AQUELAS ABERTAS OU RENOVADAS EM
DATA ANTERIOR A 15 DE JANEIRO DE 1989 FAZIAM JUS AO ÍNDICE
PLENO DO IPC. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO DEPOSITÁRIO PARA
RESPONDER PELAS DIFERENÇAS DITADAS PELO PLANO COLLOR.
53
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. RECURSO PROVIDO.
2008.001.37325 - APELACAO CIVEL - DES. SUIMEI MEIRA CAVALIERI -
Julgamento: 08/09/2008 - SEXTA CAMARA CIVEL EXPURGOS
INFLACIONÁRIOS. PLANOS ECONÔMICOS. AUSÊNCIA DE PROVA DO
FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO. Competia a parte autora, e não a ré,
demonstrar a existência da caderneta de poupança à época dos indigitados
planos econômicos, pois tal se revela o próprio fato constitutivo de seu alegado
direito. A inexistência de prova, mínima que seja, nesse sentido, acarreta
irremediavelmente a improcedência do pedido (art. 333, inciso I, do CPC).
Aplicação do art. 557 caput, do CPC. Sentença de improcedência que se
mantém. 2008.001.03111 - APELACAO CIVEL - 2ª Ementa DES. ORLANDO
SECCO - Julgamento: 10/06/2008 - OITAVA CAMARA CIVEL Agravo
Inominado em Apelação Cível. Processual Civil. Consumidor. Inversão do Ônus
da Prova. Requisitos. // Ação de Cobrança. Expurgos inflacionários. Inicial que,
ao sustentar a existência de conta-poupança junto à instituição financeira ré,
não produz qualquer início de prova ou elemento de convicção que faça
pressupor a existência de relação jurídica entre as partes, cingindo-se a juntar
requerimento de extrato bancário (fls.14). Insubsistência. // Se a demandante
não fornece ao juízo qualquer elemento de convicção no sentido de que haja a
alegada relação jurídica entre as partes, não se há de deferir-lhe a inversão do
ônus da prova, sob pena de alcançar-se situação esdrúxula, se não perigosa,
de conferir-se efeitos probatórios à simples negativa da instituição financeira
quanto a existência da alegada conta-popuança (prova negativa).
Jurisprudência pacífica do STJ no sentido de que a apresentação de extratos
bancários não é documento essencial à propositura da ação, desde que haja
prova da titularidade pelo demandante no período impugnado. Inversão do
ônus incabível. Inteligência do Art.333, I, CPC. Ônus processual não
desempenhado. Firmes Precedentes da Corte. Manutenção da sentença de
improcedência. Recurso improcedente. Improvimento do Agravo Inominado.
Por fim, a Resolução nº 2078/94, do Conselho Monetário Nacional do Banco
Central estabelece a obrigatoriedade de guarda de documentação pelas
instituições bancárias até 5 anos após o encerramento da conta, apenas
54
estaria obrigada a parte ré se a hipótese se enquadrasse nesta previsão. Por
tais razões, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO e EXTINGO o processo com
resolução do mérito na forma do Art. 269, I, do CPC. Condeno o autor as
custas e honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da causa conforme
Art. 20, § 3º, do CPC, observando-se a isenção concedida. P.R.I. Ao trânsito,
dê-se baixa e arquivem-se.” (TJ/RJ – 3ª Vara Cível da Comarca de Volta
Redonda – Processo nº 2007.066.006880-4)
“DECISÃO SINGULAR. Ação de Cobrança. Caderneta de poupança. Expurgos
Inflacionários. Planos Bresser e Verão. Decisão do Juízo a quo que determina
a demonstração, na forma do art. 333, II, do Código de Processo Civil, da
correta aplicação dos índices de correção monetária sobre conta poupança,
cuja existência não restou comprovada. Intimação do Agravante para exibição
dos extratos da alegada conta poupança, na forma dos art. 355 e 359 do
mesmo Diploma Legal. Inaplicabilidade, na hipótese, da inversão do ônus da
prova fundada no Código de Defesa do Consumidor. Norma legal inexistente à
época dos fatos. Documentos determinados exibir comuns às duas partes
litigantes, não sendo ilegítima a impossibilidade do Agravante em fazê-lo, em
virtude o lapso do tempo decorrido, não ensejando a aplicação da pena inscrita
no art. 359 do Código de Processo Civil. Precedentes nesta Corte de Justiça e
nos Tribunais Superiores. Decisão que se reforma. Provimento do recurso com
fulcro no art. 557, § 1º-A da Lei Adjetiva Civil. Trata-se de Agravo de
Instrumento manejado por Banco Itaú S/A, insurgindo-se contra decisão por
cópia às fls. 91, que, dentre outras coisas, determinou ao Agravante juntar aos
autos da Ação de Cobrança de expurgos inflacionários, os extratos relativos ao
período de junho de 1987, janeiro e fevereiro de 1989, na forma do art. 355 e
359 do Código de Processo Civil, sob a fundamentação de caber ao
depositário, por dever legal, tal demonstração, consoante dispõe o art. 333, II,
do mesmo Diploma Legal. Em suas razões, afirma que a inversão desta
incumbência está prevista no art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor,
55
norma legal não aplicável à hipótese. Aduz, ainda, que o poupador não pode
ser considerado hipossuficiente técnica ou juridicamente no que se refere à
apresentação de seus extratos, salientando que deve ser observado o que
dispõe o art. 333, inciso I, do CPC. Acrescenta inexistir lei que obrigue as
instituições financeiras a guardarem os documentos relativos às contas
bancárias por tempo indeterminado e, por fim, que referidos documentos são
comuns às partes, de forma que o Autor/Agravado sempre os teve em seu
poder. Efeito suspensivo concedido às fls. 103. Não houve resposta ao recurso.
Este, o breve relatório. Conheço do recurso por presentes os pressupostos de
admissibilidade. Assim está lançada a parte impugnada da decisão ora em
exame: “... Fixo o ponto controvertido na demonstração de que a entidade ré
procedeu a correção dos depósitos de titularidade do Autor, com base no IPC,
índice de 26,06%, relativo ao mês de junho de 1987 e com base no IPC, índice
de 42,72%, relativo ao mês de janeiro de 1989,mantidos os ônus específicos,
cabendo ao depositário, por dever legal, tal demonstração na forma do art. 333,
II do CPC. Intime-se o réu para, querendo, apresentar os extratos de
depósito,consoante documento de fls. 64, na forma dos artigos 355 e 359 do
CPC...” Data venia do ilustre prolator da decisão de primeiro grau, entendo
assistir razão ao banco recorrente.O ônus de trazer os extratos bancários da
alegada conta poupança, os depósitos efetuados e os saldos porventura
existentes às épocas reclamadas são do Autor, haja vista tratar-se de fato
constitutivo do próprio direito alegado. Conforme preceitua o art. 283 do Código
de Processo Civil, a petição inicial deverá ser instruída com os documentos
indispensáveis à propositura da ação. Também o art. 396 do mesmo Diploma
Legal estabelece que compete à parte instruir a petição inicial com os
documentos destinados a provar-lhe as alegações. Entretanto, o Autor, ora
Agravado, em sua petição inicial, simplesmente alega que possuía conta de
depósito em caderneta de poupança sem sequer indicar o número, somente o
fazendo no documento endereçado ao banco Agravante (cópia às fls. 23), onde
indica 04 números relacionados a três números de CPF. Inexiste, portanto, um
mínimo de prova a respeito da existência de poupança e de saldo na época da
edição dos planos econômicos. Assim, não se pode imputar ao réu o dever
56
legal de exibir tais documentos, na forma do art. 333, II do CPC. A
jurisprudência pacificada nesta Corte de Justiça, bem assim no Superior
Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a prova da existência e
titularidade das contas de poupança é ônus do autor. Por outro lado, comungo
com o entendimento da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à
presente hipótese. Com efeito, este Diploma Legal não se encontrava em vigor
à época dos fatos narrados na inicial. E nem se diga que por se tratar de
relação jurídica de trato sucessivo, possível seria sua aplicação, pois o que
importa é que os fatos que ensejaram a propositura da demanda ocorreram
antes de sua vigência. Aliás, não se sabe sequer se a relação jurídica existente
entre as partes ainda perdurava quando da entrada em vigor do referido
Diploma. Da mesma forma, inexiste em nosso ordenamento jurídico norma
legal que obrigue a instituição financeira depositária a manter extratos de
contas poupança de 20 anos passados. Pode-se afirmar com absoluta certeza
que os extratos das alegadas poupanças foram remetidos ao Autor no
momento oportuno, caso contrário o poupador teria reclamado naquele
momento e não 20 anos depois. Assim, se os documentos pretendidos
(extratos dos meses referidos) são comuns às partes, porque o Autor/Agravado
não os trouxe com a inicial? Note-se, inclusive, que na inicial (cópia às fls.
11/12) o Autor afirma que “mantinha” contas de depósito em caderneta de
poupança nos meses junho de 1987 e fevereiro de 1989, subentendendo-se,
portanto, que não mais sub-existe. Desta forma, à presente hipótese, entendo
não se aplicar a pena inscrita no artigo 359 do Código de Processo Civil, eis
que não se pode considerar ilegítima a impossibilidade do banco Agravante em
apresentar documentos que não mais possui e que não estaria obrigado a
manter por tão longo período. Este é o entendimento consolidado nesta Corte
de Justiça, bem assim nos Tribunal Superiores. Vejamos: 2008.001.40861 –
APELACAO. DES. RICARDO RODRIGUES CARDOZO - Julgamento:
12/08/2008 – DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL. COBRANÇA.
PRECARIEDADE DA PROVA. REFORMA DA SENTENÇA. Nos termos dos
artigos 283 c/c 396 do Código de Processo Civil, era um ônus dos
Demandantes a prova de suas assertivas. No entanto, alegaram a titularidade
57
de contas de poupança à época dos expurgos inflacionários cobrados sem
colacionar qualquer prova da sua existência. Ademais, é bom lembrar o
Apelante não estava obrigado exibir dos extratos, porque certamente já os
havia remetido outrora. Portanto, não estava obrigado a fazer prova contra si. E
mais, não há porque se falar em aplicação do CDC, com inversão do ônus da
prova, se o citado Diploma Legal sequer existia àquela época. O novo diploma
legal não tem o efeito de retroagir para atingir relação jurídica que produziu
efeitos sob a esfera de outro ordenamento. O Magistrado deve julgar de acordo
com o contexto probante e o que foi colacionado aos autos não se mostra hábil
a lastrear a conclusão a que chegou o Sentenciante. Cabia aos Apelados a
demonstração do fato constitutivo do seu direito, o que não foi feito. Recurso
provido monocraticamente, nos termos da decisão do Desembargador Relator.
2008.001.11285 - APELACAO CIVEL. DES. SERGIO LUCIO CRUZ -
Julgamento: 17/06/2008 - DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL. AÇÃO DE
COBRANÇA COM PEDIDO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS.
REMUNERAÇÃO DE CADERNETAS DE POUPANÇA. PLANOS BRESSER E
VERÃO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
AUTOR DA AÇÃO QUE NÃO PROVA A EXISTÊNCIA DE CONTAS
MANTIDAS NO APELADO, À ÉPOCA EM QUE SE DERAM OS EXPURGOS,
FATO CONSTITUTIVO DO SEU DIREITO, QUE NÃO PODE SER ATINGIDO
POR INVERSÃO DE ÔNUS PROBATÓRIO. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR, TENDO EM VISTA QUE O MESMO É
MUITO POSTERIOR. DECISÃO MONOCRÁTICA COM FULCRO NO ARTIGO
557, CAPUT,DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NEGANDO SEGUIMENTO
AO RECURSO. (grifo nosso). DES. JOSE GERALDO ANTONIO -
Julgamento: 11/06/2008 - SETIMA CAMARA CIVEL. AÇÃO DE COBRANÇA -
CADERNETA DE POUPANÇA EXPURGOS INFLACIONÁRIOS - PLANOS
ECONÔMICOS - PROVA DA EXISTÊNCIA E TITULARIDADE DAS CONTAS
DE POUPANÇA NO PERÍODO RECLAMADO - ÔNUS DO AUTOR
ENTENDIMENTOS CONSOLIDADOS NO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. A jurisprudência pacificada do STJ consolidou o entendimento
de que a prova da existência e titularidade das contas de poupança é
58
ônus do autor, porquanto, embora a inversão do ônus da prova seja
prevista na lei consumerista, não exime àquele de provar o fato em que
baseia o seu pleito. Improvimento do recurso. Note-se que o E. Superior
Tribunal de Justiça, ainda que tratando de hipótese diversa, já se pronunciou
sobre a impossibilidade de aplicação do CDC a contratos anteriores à sua
vigência, valendo transcrever o seguinte precedente: “CIVIL E PROCESSUAL.
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. RECURSO
ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO DEFICIENTE. INADIMPLÊNCIA
RECONHECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. PERDA PARCIAL DOS
VALORES PAGOS. CDC. INAPLICABILIDADE AOS CONTRATOS
ANTERIORES À SUA VIGÊNCIA. RETENÇÃO DE PARTE DAS
PRESTAÇÕES. POSSIBILIDADE. MATÉRIA DE FATO E
EXAMECONTRATUAL. SÚMULAS N. 5 E 7-STJ. FUNDAMENTAÇÃO
DEFICIENTE. SÚMULA N. 283-STF.I. ...II.II. O Código de Defesa do
Consumidor é inaplicável aos contratos firmados anteriormente à sua vigência.
Precedentes do STJ(...).(REsp 96988/SP; Rel. Min. ALDIR PASSARINHO
JUNIOR, JUL. 06/09/2005). Também o Supremo Tribunal Federal já se
posicionou a respeito: “... IV. Código de Defesa do Consumidor: contrato
firmado entre instituição financeira e seus clientes referentes à caderneta de
poupança: não obstante as normas veiculadas pelo Código de Defesa do
Consumidor alcancem as instituições financeiras (cf. ADIn 2.591, 7.6.2006,
Pleno, Eros Grau), não é possível a sua aplicação retroativa, sob pena de
violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Precedente ‘(RE
205.999,16.11.99, Moreira, RTJ 173/263)’. - RE-ED 395384 / PR – PARANÁ;
Emb. Decl. em Rec.Ext. - Relator Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento
26/042007 - Primeira Turma”. Assim, amparado no art. 557, § 1º-A do Código
de Processo Civil, dou provimento ao recurso, para reformar a decisão ora
recorrida, por se apresentar em manifesto confronto com jurisprudência tanto
deste Tribunal de Justiça quanto do Superior Tribunal de Justiça. Rio de
Janeiro, 09 de março de 2009.GALDINO SIQUEIRA NETTO. Desembargador
Relator.” (TJ/RJ – 15ª Câmara Cível, Agravo nº 2008.002.29789).
59
“A análise mais detida dos autos demonstra que, embora a Autora tenha
comprovado a titularidade da conta poupança descritas na inicial, não
demonstrou a existência de saldo nos respectivos períodos dos planos
econômicos reclamados com relação a conta 4500-1. O documento de fls. 15
que menciona saldo na conta poupança é anterior ao período reclamado.
Ademais, considerando que a caderneta de poupança, por sua natureza, é um
investimento sem prazo fixo, não há como presumir a existência de saldo no
ano de 1989. Outrossim, no que tange a conta poupança 126.3.03304-8 deve o
demonstrar o saldo no período do Plano Verão. Frise-se que, embora este
Julgador entenda cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e
consequentemente da inversão do ônus da prova no caso em comento, tal
hipótese não exime o autor do ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu
direito, devendo a referida norma ser interpretada e aplicada em sintonia com a
regra do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. Vale dizer, a
aplicação de uma norma não aniquila a outra. Diante de tal quadro, entendo
que a inversão do ônus da prova somente deve ser aplicada para
demonstração dos juros aplicados pela Instituição Financeira e não para
comprovação de depósito e eventual saldo nos períodos dos Planos
Econômicos. Se assim fosse, acabaria por ensejar ao réu o ônus de provar fato
negativo. Neste sentido, decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro: APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA. EXPURGOS
INFLACIONÁRIOS. CADERNETA DE POUPANÇA. PLANOS BRESSER,
VERÃO E COLLOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA, POR NÃO
COMPROVADA PELA AUTORA A EXISTÊNCIA DA CADERNETA DE
POUPANÇA À ÉPOCA DOS PLANOS ECONÔMICOS, FATO CONSTITUTIVO
DO DIREITO ALEGADO, CONFORME LHE CABERIA, NOS TERMOS DO
ART. 333, I, DO CPC. DOCUMENTO JUNTADO AOS AUTOS
DEMONSTRANDO A RESPOSTA DO BANCO DE INEXISTÊNCIA DE CONTA
POUPANÇA COM O NOME E CPF DA AUTORA. EXTRATOS BANCÁRIOS
JUNTADOS PELA AUTORA RELATIVOS A PERÍODOS POSTERIORES AOS
60
DOS PLANOS ECONÔMICOS E ENTITULADAS COMO CONTA CORRENTE,
COM RESGATE DE FUNDOS E PAGAMENTO DE CHEQUES.
IMPOSSIBILIDADE DE ATENDIMENTO AOS DITAMES DA INVERSÃO DA
PROVA DEFERIDA, POR ENSEJAR AO RÉU O ÔNUS DE PROVAR FATO
NEGATIVO, QUAL SEJA, A INEXISTÊNCIA DA CONTA BANCÁRIA.
SENTENÇA QUE SE MANTÉM, EM CONFORMIDADE COM O
ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DESTE E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA.APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 557 DO CPC C/C ART. 31,
VIII, DO REGIMENTO INTERNO DESTE E. TRIBUNAL.RECURSO A QUE SE
NEGA SEGUIMENTO, POR MANIFESTAMENTE
IMPROCEDENTE.SENTENÇA MANTIDA. (2009.001.28419 - APELACAO - 1ª
Ementa DES. BINATO DE CASTRO - Julgamento: 10/09/2009 - DECIMA
SEGUNDA CAMARA CIVEL) APELAÇÃO CÍVEL. CADERNETA DE
POUPANÇA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS DOS PLANOS ECONÔMICOS.
1. Cuida-se de ação de cobrança de expurgos inflacionários referentes a
planos econômicos.2. A competência para processar e julgar a ação de
cobrança é da Justiça Estadual, travando-se o litígio exclusivamente entre o
consumidor e a instituição financeira. Verbete sumular nº 179 do STJ. 3. Não
há nos autos prova no sentido de que, por ocasião da edição dos Planos
Econômicos o apelante possuía saldo na conta poupança indicada na petição
inicial. 4. O instituto da inversão do ônus da prova possui somente a finalidade
de possibilitar a tutela efetiva ao direito da parte que, diante da sua condição,
encontra dificuldades em produzir a prova que estaria ao seu encargo pela
regra geral, não a eximindo, entretanto, de provar os fatos constitutivos de seu
direito. 5. Ausência de prova da existência da relação jurídica entabulada entre
as partes nos períodos pretendidos. Entendimento jurisprudencial no sentido de
que a petição inicial não precisa estar instruída com os extratos da caderneta
de poupança, mas deve haver a comprovação da titularidade daquelas contas.
7. Recurso ao qual se nega seguimento com fundamento no art. 557, Caput do
CPC. (2009.001.51908 - APELACAO - 1ª Ementa DES. MONICA COSTA DI
PIERO - Julgamento: 09/09/2009 - OITAVA CAMARA CIVEL). PLANOS
ECONÔMICOS. Direito adquirido do poupador desde o momento do transcurso
61
do período mensal de correção. Ônus da prova relativo à existência de conta
de poupança e saldo à época dos expurgos atribuído ao autor. Ausência de
prova quanto ao Plano Bresser. Art. 359, do CPC. Presunção relativa. Fixação
do índice de 19,75%. Incidência do índice sobre o menor saldo do período.
Descabimento. Correção monetária. Recurso provido em parte.
(2009.001.32104 - APELACAO - 1ª Ementa DES. CARLOS EDUARDO
PASSOS - Julgamento: 15/06/2009 - SEGUNDA CAMARA CIVEL). Ante a tudo
o que foi acima exposto, determino a intimação do Autor para que traga aos
autos prova da existência de saldo na respectiva caderneta de poupança no
período reclamado na inicial . Prazo: 10 dias.” (TJ/RJ – 1ª Vara Cível da
Comarca de Resende, Processo nº 2008.045.011985-8).
“Ação de cobrança de diferenças de correção monetária em caderneta de
poupança. Determinação de exibição de extratos bancários. Ausência de
indicação pelos correntistas, do número da conta mantida no banco requerido.
Inversão do ônus da prova que somente se revelaria possível diante da
demonstração, ainda que mínima, da relação contratual com o banco
agravante. Sistema probatório brasileiro que não admite a produção de prova
negativa por parte do demandado, se a parte autora não apresenta qualquer
elemento, mesmo que precário, que ofereça plausibilidade ou verossimilhança
aos fatos narrados inicial com referência à causa de pedir. Agravo
provido.ACÓR D Ã O. Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de
Instrumento nº 2009.002.11722, alvejando a decisão de fls. 98, prolatada pelo
Juízo da 6ª Vara Cível da Comarca de Volta Redonda, em que é agravante o
Banco Itaú S.A., sendo agravados José Ailton de França e Outra. 10ª Câmara
Cível – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.002.11722 – Fls.2. ACORDAM,
os Desembargadores da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, em votação unânime, DAR PROVIMENTO ao
recurso, nos termos do voto do Relator.RELATÓRIO. 1. Recorre
62
tempestivamente, o Banco Itaú S.A., atacando a decisão de fls.98 (fls. 86 dos
autos originais), proferida pelo Juízo da 6ª Vara Cível da Comarca de Volta
Redonda, em ação de cobrança de diferenças de correção monetária em
caderneta de poupança ajuizada por José Ailton de França e Outra, que
determinou a apresentação, pelo apelante, dos extratos das cadernetas de
poupança indicadas na peça inicial. 2. Alega, em síntese, não existir
fundamento legal que o obrigue a juntar os extratos requeridos, não sendo
possível aplicar-se o CDC ao presente caso, diante da irretroatividade dos seus
efeitos às situações jurídicas pretéritas, bem como por inexistir hipossuficiência
técnica ou jurídica que possa beneficiar os agravados. 3. Aduz não estar
obrigado a produzir prova constitutiva do direito dos agravados e igualmente
sustenta que não se pode admitir a transferência do ônus da prova 10ª Câmara
Cível – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.002.11722 – Fls.3. 4. Esclarece
que a Resolução nº 2.025 do Banco Central do Brasil estabelece o prazo de
cinco (05) anos para as instituições financeiras guardarem os documentos
relativos à abertura de contas, inexistindo regra legal que o obrigue a manter tal
documentação por tempo indeterminado. Requer o afastamento da obrigação
imposta ou, alternativamente, o reconhecimento da impossibilidade com
referência ao cumprimento da obrigação em relação às contas que tenham sido
abertas há mais de cinco (05) anos. É O RELATÓRIO.V O T O.5. Dispenso
informações do Juízo de origem e qualquer manifestação da parte agravada,
por constatar que a hipótese dos autos revela controvérsia unicamente de
direito, exigindo apenas adequada interpretação dos preceitos ordinários.6. De
início, observa-se que os autores não indicam em sua petição inicial a
numeração da conta de caderneta de poupança que mantiveram no banco
agravante e sequer apresentaram requerimento administrativo para obtenção
dos competentes extratos bancários. 10ª Câmara Cível – AGRAVO DE
INSTRUMENTO Nº 2009.002.11722 – Fls.4. 7. A inversão do ônus da prova
está intimamente ligada à possibilidade da existência da relação jurídica
alegada na inicial. No caso dos autos, os agravados não informaram o número
da conta de poupança mantida junto à instituição financeira agravante, o que
forneceria indício probatório mínimo às alegações constantes da inicial. Neste
63
sentido, veja-se o seguinte aresto: “AÇÃO DE COBRANÇA DE EXPURGOS
INFLACIONÁRIOS AUSÊNCIA DE EXTRATOS BANCÁRIOS NOS AUTOS
INEXISTÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES INVERSÃO DO
ÔNUS DA PROVA - DESCABIMENTO. Ausência de demonstração da
titularidade de conta-poupança à época pretendida, a retirar a verossimilhança
das alegações autorais. Inexistência dos requisitos que autorizam a aplicação
da inversão do ônus da prova. Manifesta improcedência. Correta a decisão
atacada. Recurso conhecido, a que se nega provimento, a teor do art. 557, do
Código de Processo Civil. 2008.001.35142 - Apelação Cível - Des. Ricardo
Couto - 07/08/2008 – 7ª Câmara Cível.” “APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA DE
EXPURGOS INFLACIONÁRIOS DE CADERNETA DE POUPANÇA.
LEGITIMIDADE DO BANCO DEPOSITÁRIO DOS VALORES DA CADERNETA
DE POUPANÇA. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA, NA FORMA DO DISPOSTO
NO ART. 177 DO CODÍGO CIVIL DE 1916 C.C. ART. 2.028 DO CÓDIGO
CIVIL DE 2002. AUTOR QUE NÃO DEMONSTRAR OS FATOS
CONSTITUTIVOS DO SEU DIREITO. ART. 333, INCISO I DO CPC.
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA QUE NÃO SE MOSTROU CABÍVEL.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA INCORRETA. REFORMA DA SENTENÇA,
PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO. INVERSÃO DOS ÔNUS DA
SUCUMBÊNCIA. PROVIMENTO DO RECURSO. 2008.001.41220. - Apelação
Cível - Des. Paulo Sergio Prestes - 05/08/2008 – 2ª Câmara Cível.” 10ª Câmara
Cível – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.002.11722 – Fls.5. 8. Ademais
o sistema probatório brasileiro não admite a produção de prova negativa, não
se mostrando viável a obrigação do agravante apresentar extratos de contas
que os autores mencionam existir e sequer identificam o número, não havendo
fornecido qualquer outro documento capaz de oferecer plausibilidade às suas
alegações. 9. Assim sendo, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso, no sentido de
isentar-se o banco agravante quanto ao ônus da apresentação dos extratos
bancários mencionados na decisão recorrida, devendo tal prova ser produzida
pelos agravados com a exibição de elementos indicativos que possam oferecer
certeza no que concerne à existência da alegada conta de poupança. É o voto.
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Desembargador CELSO LUIZ DE MATOS PERES. Relator.” (TJ/RJ 10ª
Câmara Cível, Agravo nº 2009.002.11722)
“Conheço dos embargos de declaração opostos a fls. 85 para sanar a omissão
ali apontada. Em decorrência, passo a analisar o requerimento para inversão
do ônus da prova. O Autor pleitea na inicial os expurgos econômicos referentes
aos meses de janeiro e fevereiro de 1989, março, abril, maio e junho de 1990 e
fevereiro e março de 1991, com relação às contas poupanças nº 05592-4,
05824-1, 05931-4, 05976-9, 06923-0, 07410-7 e 10726-1 da agência 0320 do
Banco Itaú S/A. Com efeito, a análise mais detida dos autos demonstra que,
embora o Autor tenha juntado aos autos extratos de conta poupança a fls.
17/24, verifica-se que somente aqueles juntados a fls. 21e 24 comprovam a
existência de saldo nos períodos de janeiro e fevereiro de 1989 e fevereiro de
1991. Isto é, não há a mínima comprovação da existência de saldo ou
depósitos efetuados nos demais períodos reclamados, notadamente, como
relação ao Plano Collor I. Por outro lado, verifico que embora o Autor tenha
pleiteado expurgos econômicos referentes à sete contas poupança, todas
descritas no item III de fls. 03, não há nos autos a mínima prova de toda a sua
existência. Frise-se que os mencionados extratos juntados a fls. 21 e 24,
embora comprove a existência de saldo em nome do Autor, não especifica em
qual conta poupança está depositado. Os documentos de fls. 17/20 e 21/23 faz
referência a saldo em período anterior ao reclamado, não se prestando, pois,
para comprovar o fato constitutivo do direito autoral. Embora este Julgador
entenda cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e
consequentemente da inversão do ônus da prova no caso em comento, tal
hipótese não exime o autor do ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu
direito, devendo a referida norma ser interpretada e aplicada em sintonia com a
regra do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. Vale dizer, a
aplicação de uma norma não aniquila a outra. Diante de tal quadro, entendo
que a inversão do ônus da prova somente deve ser aplicada para
demonstração dos juros aplicados pela Instituição Financeira e não para
comprovação de depósito e eventual saldo nos períodos dos Planos
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Econômicos. Se assim fosse, acabaria por ensejar ao réu o ônus de provar fato
negativo. Neste sentido, decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro: APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA. EXPURGOS
INFLACIONÁRIOS. CADERNETA DE POUPANÇA. PLANOS BRESSER,
VERÃO E COLLOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA, POR NÃO
COMPROVADA PELA AUTORA A EXISTÊNCIA DA CADERNETA DE
POUPANÇA À ÉPOCA DOS PLANOS ECONÔMICOS, FATO CONSTITUTIVO
DO DIREITO ALEGADO, CONFORME LHE CABERIA, NOS TERMOS DO
ART. 333, I, DO CPC. DOCUMENTO JUNTADO AOS AUTOS
DEMONSTRANDO A RESPOSTA DO BANCO DE INEXISTÊNCIA DE CONTA
POUPANÇA COM O NOME E CPF DA AUTORA. EXTRATOS BANCÁRIOS
JUNTADOS PELA AUTORA RELATIVOS A PERÍODOS POSTERIORES AOS
DOS PLANOS ECONÔMICOS E ENTITULADAS COMO CONTA CORRENTE,
COM RESGATE DE FUNDOS E PAGAMENTO DE CHEQUES.
IMPOSSIBILIDADE DE ATENDIMENTO AOS DITAMES DA INVERSÃO DA
PROVA DEFERIDA, POR ENSEJAR AO RÉU O ÔNUS DE PROVAR FATO
NEGATIVO, QUAL SEJA, A INEXISTÊNCIA DA CONTA BANCÁRIA.
SENTENÇA QUE SE MANTÉM, EM CONFORMIDADE COM O
ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DESTE E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 557 DO CPC C/C ART. 31, VIII, DO
REGIMENTO INTERNO DESTE E. TRIBUNAL.RECURSO A QUE SE NEGA
SEGUIMENTO, POR MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE.SENTENÇA
MANTIDA. (2009.001.28419 - APELACAO - 1ª Ementa DES. BINATO DE
CASTRO - Julgamento: 10/09/2009 - DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL)
APELAÇÃO CÍVEL. CADERNETA DE POUPANÇA. EXPURGOS
INFLACIONÁRIOS DOS PLANOS ECONÔMICOS. 1. Cuida-se de ação de
cobrança de expurgos inflacionários referentes a planos econômicos.2. A
competência para processar e julgar a ação de cobrança é da Justiça Estadual,
travando-se o litígio exclusivamente entre o consumidor e a instituição
financeira. Verbete sumular nº 179 do STJ. 3. Não há nos autos prova no
sentido de que, por ocasião da edição dos Planos Econômicos o apelante
possuía saldo na conta poupança indicada na petição inicial. 4. O instituto da
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inversão do ônus da prova possui somente a finalidade de possibilitar a tutela
efetiva ao direito da parte que, diante da sua condição, encontra dificuldades
em produzir a prova que estaria ao seu encargo pela regra geral, não a
eximindo, entretanto, de provar os fatos constitutivos de seu direito. 5.
Ausência de prova da existência da relação jurídica entabulada entre as partes
nos períodos pretendidos. Entendimento jurisprudencial no sentido de que a
petição inicial não precisa estar instruída com os extratos da caderneta de
poupança, mas deve haver a comprovação da titularidade daquelas contas. 7.
Recurso ao qual se nega seguimento com fundamento no art. 557, Caput do
CPC. (2009.001.51908 - APELACAO - 1ª Ementa DES. MONICA COSTA DI
PIERO - Julgamento: 09/09/2009 - OITAVA CAMARA CIVEL). PLANOS
ECONÔMICOS. Direito adquirido do poupador desde o momento do transcurso
do período mensal de correção. Ônus da prova relativo à existência de conta
de poupança e saldo à época dos expurgos atribuído ao autor. Ausência de
prova quanto ao Plano Bresser. Art. 359, do CPC. Presunção relativa. Fixação
do índice de 19,75%. Incidência do índice sobre o menor saldo do período.
Descabimento. Correção monetária. Recurso provido em parte.
(2009.001.32104 - APELACAO - 1ª Ementa DES. CARLOS EDUARDO
PASSOS - Julgamento: 15/06/2009 - SEGUNDA CAMARA CIVEL). Ante a tudo
o que foi acima exposto, determino a intimação do Autor para que traga aos
autos prova da abertura das cadernetas de poupanças descritas no item III de
fls. 3, bem como da existência de saldo no período reclamado na inicial (janeiro
e fevereiro de 1989, março, abril maio e junho de 1990 e janeiro, fevereiro e
março de 1991). Prazo: 10 dias. Após, logrando o Autor êxito na constituição
do seu direito, analisarei a necessidade de inversão do ônus da prova para que
o Réu demonstre os juros aplicados no período dos Planos Econômicos
referidos na inicial.” (TJ/RJ – 1ª Vara Cível da Comarca de Resende, Processo
nº 2008.045.010085-0).
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