UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES Pós-graduação “Lato Sensu” Projeto Vez do Mestre
O Processo da Reintegração Familiar em Abrigo
Discente: Severina Maria da Conceição Vieira Orientador: Fabiana Muniz
Rio de Janeiro, Setembro - 2003
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O Processo da Reintegração Familiar em Abrigo
Severina Maria da Conceição Vieira
Monografia apresentada à Universidade Cândido Mendes.
Projeto: “A Vez do Mestre”.Trabalho como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de especialidade
em terapia de família.
Supervisora: Catharina Sebastiana Soares Alencar
Rio de Janeiro
2003
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“Primeiramente a Deus, luz imprescindível em nossas vidas; a eu mesma, por não me acovardar diante de tantos obstáculos; Em especial: a minha mãe - fruto que me fez fruto, minhas filhas – frutos de mim razão e impulso da minha vida; Amém, a todos que de uma forma ou de outra contribuíram para a construção desse trabalho; aos irmãos e amigos que se fizeram presente na hora da dor maior; A luz e força interior que o Senhor nosso Deus dedica especialmente a cada um de nós. Essa luz segue-me gritando muitas vozes: caminha, você pode, você é capaz.”
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Pais e Filhos
Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá
Estátuas e cofres. E paredes pintadas Ninguém sabe o que aconteceu. Ela se jogou da janela do quinto andar. Nada é fácil de entender. Dorme agora, é isso o vento lá fora. Quero colo. Vou fugir de casa. Posso Dormir aqui com vocês? Estou com medo. Tive um pesadelo isso Vou voltar depois das três. Meu filho vai ter nome de santo. Quero O nome mais bonito. É preciso amar as pessoas como se não Houvesse amanhã. Porque se você parar pensar, na Verdade não há. Me diz porque o céu é azul. Me explica a Grande fúria do mundo. São meus filhos que tomam conta de Mim. Eu moro com a minha mãe mas meu pai Vem me visitar. Eu moro na rua, não tenho ninguém. Eu moro em qualquer lugar. Já morei em tanta casa que nem me Lembro mais. Eu moro com meus pais. É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. Porque se você parar para pensar, na Verdade não há. Sou uma gota d’água Sou um grão de areia. Você me diz que seus pais não entendem. Mas você não entende seus pais. Você culpa seus pais por tudo. E isso é Absurdo. São crianças como você. O que você vai ser, quando você Crescer?
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“... criança, que hoje hora nos braços do abandono, que não tem regaço da mãe para seu cansaço, que não tem a presença do pai para secar seu lagrimejar, e o mesmo auxílio de alguém caridoso, despretensioso, para sentir a grande necessidade e ter caridade de olhar para o abandono da criança, que não pode ser vista como esperança, quando sua vida presente desmente que possa ter um alegre a amanhã...”
Paulo, Lúcio Nogueira Marília, Junho de 1997.
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Agradecimentos Aos entrevistados, pelo respeito e atenção e
apoio que nos deram. Ao Lar Maria Dolores e Meimei, onde realizei
as pesquisas do meu trabalho. A todos os professores da faculdade, porque
sem eles não teria conseguido chegar até o fim.
À minha amiga Tereza Cristina Oliveira Vieira. A todos as colegas de turma, especialmente à
Maria Eliza por ter me convidado para fazer o curso, e continuarmos unidas até o término do curso.
À orientadora Fabiana Muniz. À supervisora Catharina Sebastiana S.
Alencar.
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Dedicatória
Primeiramente a Deus pela existência e
por me proporcionar momentos de reflexões e de compreensão, dando-me coragem para acreditar na capacidade de chegar a este momento.
Aos meus pais João Vieira da Silva e Maria de Lourdes da Conceição (em memória). E minhas filhas Débora e Kéziah, por cada compreensão, carinho, amor e por acreditarem em meu esforço, apoiando-me e incentivando-me para que eu não desanimasse nunca.
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Resumo
Durante a pesquisa na Instituição, podemos destacar uma situação entre muitas que nos chamou atenção. A dificuldade que encontrei para reintegrar uma criança ou adolescente à família. Por tanto, foi com base em conhecimentos prática que desenvolvemos o assunto. Abordamos nesse estudo a representação do “ser família”, para os sujeitos sociais dessa pesquisa.
Para que o trabalho possa se dar de forma clara e objetiva será dividido em 3 capítulos. No primeiro capítulo destacamos a família e suas contradições através dos termos, e que visa demonstrar que não existe um modelo único de família. No segundo capítulo faremos um breve apanhado das políticas sociais dentro de uma sociedade capitalista. No terceiro capítulo falaremos cerca da instituição, destacando suas funções e objetivos. Traçando um perfil da clientela que se revela como insatisfatório nível econômico, social e familiar, através das entrevistas realizadas com as famílias que foram o objeto desse trabalho.
Ao termino do trabalho percebemos que esse estudo visa contribuir para o aprofundamento da problemática no campo da família, através da prática profissional, seja o segmento “Família” o maior beneficiado.
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Sumário
Introdução......................................................................................................10
Capitulo I- Análise Social da Família na Realidade Brasileira.......................15
1.1- As Transformações da família no decorrer do Tempo...........................16
1.1.2- Breve Caracterização da Família Brasileira Contemporânea.............22
1.1.3- A Família em sua relação com as crianças.........................................26
Capitulo II - A Política de assistência enquanto Política Social numa
Sociedade Capitalista....................................................................................34
Capitulo III - A Política de Atendimento Infância e Juventude no ‘‘ Lar de
Maria Dolores e Meimei. ”.............................................................................38
3.1 Retratando a Instituição..........................................................................38
3.2 A Reintegração Família...........................................................................40
3.3 A pobreza Como Única Referencia Família – depoimentos e análise de
atendimento na Instituição............................................................................42
Conclusão.....................................................................................................45
Bibliografia....................................................................................................47
Anexo............................................................................................................50
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Introdução Com base na definição de S.D.Gokhale, onde:
“O lar e a família é que correspondem ao atendimento das verdadeiras necessidades pessoais. A família provê ao máximo o conforto e o apoio para todas as idades.” (1980:28)
Assim percebemos que o homem é um reflexo da formação que
recebe na infância.
O cérebro de uma criança é uma espécie de fita magnética, onde se
registram impressões que marcam para sempre o ser. Os anos que correm
do nascimento à juventude plasmam-lhe a personalidade, a conduta e o
destino.
A criança e o adolescente necessitam do ambiente familiar, em cujo
regaço serve os primeiros afagos, é acarinhada com a doçura do beijo
materno e obtém as lições que desenvolvem as virtudes morais.
Feliz é a criança e o adolescente que adquirem essa proteção no seio
do lar. Mas, que dizer de tantas outras crianças abandonadas à própria
sorte, flageladas por maus tratos e levadas aos vícios, aos desregramentos
e a prostituição?
O nosso estudo parte do pressuposto que longe da família a criança
e/ou adolescente pode vir alterar seu comportamento. Sendo assim
resgatamos a importância da família para o desenvolvimento psíquico e
social da criança e do adolescente.
Através dos estudos podemos dizer que não há um modelo único de
família, e que o modelo idealizado é formado por pai, mãe e filhos, todos
vivendo em harmonia e cumprindo seus papéis e funções, porém este
modelo não é o vivido nas famílias entrevistadas, tendo em vista que na
sociedade brasileira, muitas famílias vivem permeadas por grandes
contradições e desigualdades, sobrevivendo as duras penas, e enfrentando
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cotidianamente diversos desafios no sentido de prover a seus membros
algumas das necessidades básicas, o que nem sempre conseguem.
A família pode ser considerada um dos campos históricos da atuação
do Serviço Social. Isto pelo fato do contato dessa instituição familiar estar
sempre no cotidiano profissional dos Assistentes Sociais, como uma das
mediações no enfrentamento da questão social. O trabalho com a família
vem, desde então, se revestindo com diferentes formas de atuação em
situações e contextos distintos, mas sempre relacionado a responder às
necessidades sociais concretas.
O Serviço Social e estrutura sócio-econômica do Brasil vêm se
modificando muito durante este século e, junto com eles, a família brasileira
no que se refere a sua estrutura e funções. Hoje há várias pesquisas
levantando a historicidade da família, as quais remontam ao período de
constituição da sociedade moderna, o qual alterou profundamente o
significado e formato da família.
Nos séculos XVI e XVII a família é marcada pelo processo de
produção sócio-econômica encabeçado por proprietários de terra, onde
havia a participação da mulher e da família no trabalho. A criança passa a
“entrar em cena”, tendo estado até então ausente das preocupações
públicas. No que se refere à família, não havia quase separação entre o
público e o privado, sendo constituída para a prática da ajuda mútua e da
proteção da honra.
No século XVII ocorre a privatização da instituição familiar e as
funções socializadoras são passadas para o âmbito mais restrito do lar,
devido ao conjunto de transformações sócio-culturais decorrentes da
ascensão político-econômica da burguesia.
A família do século XVII passa a ser marcada pelo padrão emocional
e a autoridade paterna é valorizada. Já o século XIX é caracterizado pela
urbanização, início da industrialização, imigração e abolição da escravatura.
No início deste século, a urbanização e industrialização produziram
significativas alterações nas funções da sociedade, em especial da família.
Mas, é só no século atual que vai surgir uma preocupação definitiva
com a família, a partir da emersão e consolidação de profissões enquanto
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campo de saberes e práticas como a Psicologia, Pedagogia, Serviço Social,
Sociologia, Psicanálise, que vão sobre ela se deter.
No caso do Serviço Social, ainda em suas plataformas, um grupo de
pessoas ligadas ao movimento católico (baseadas em suas ações na
caridade, começa por auxiliar as famílias vítimas da guerra e de outras
necessidades diversas da época).
Aos poucos a profissão vem se institucionalizando com o impulso da
Igreja, sendo justificada ideologicamente para a atuação diante da Questão
Social. (IAMAMOTO, 1994)
Esta articulação com o pensamento humanitário faz com que objetivo
inicial da profissão seja o do estudo das condições de vida e de trabalho dos
segmentos sociais que compõem a clientela atendida pelo Assistente Social,
assim como a orientação às famílias.
Ao final dos anos 50 e início da década de 60, surge a necessidade
de ruptura com a herança conservadora. O Assistente Social busca situar os
seus compromissos de acordo com os interesses dos usuários, ou melhor,
das camadas dominadas da sociedade.
Nesta época, a família reconhecida socialmente, era aquela de tipo
patriarcal, baseada em laços de consangüinidade. Funcionando como
unidade e produção e consumo, a família era caracterizada por vínculos
afetivos bastante fortes e por um sentimento de solidariedade intenso.
O progresso das grandes cidades começa a atrair a maioria das
famílias brasileiras, que viviam no meio rural. Ocorre, então, a migração, a
“inflação populacional”, que colabora para o agravamento da crise familiar. A
manutenção do lar passa a ser tarefa de todos os membros da família,
deixando de ser apenas responsabilidade do chefe (o pai). A mulher, que,
anteriormente, raras vezes exercia alguma atividade remunerada fora do lar,
começa a trabalhar na indústria e no comércio, além do serviço assalariado.
Ao mesmo tempo, a situação das crianças se modifica quando elas passam
também a contribuir para o orçamento familiar.
A família vem se alterando principalmente quanto ao papel de mulher,
que, aos poucos, vem assumindo o lugar de chefe de família. Vem
crescendo também a liberação sexual e a luta por direitos iguais entre
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homem e mulher, além do avanço na Constituição de 1988, que, conforme
Maria do Carmo B. de Carvalho, em “Serviços de proteção familiar”:
“(...) traz (...) um avanço na sua
abordagem da família, incorporando em seu texto um conceito bastante atual: ‘o traço dominante da evolução da família é a sua tendência ao se tornar um grupo cada vez se funda mais na afeição mútua”. (1994:14)
Atualmente, a família nas diversas frentes de atuação do Serviço
Social - violência doméstica, gravidez na adolescência, idosos, entre outras
– tem se colocado como rico e importante objeto de reflexão, análise e
preocupação dos assistentes sociais. Têm-se verificado que o
acompanhamento à família tem sido uma constante na relação Assistente
Social/usuário: mulheres, homens, crianças, adolescentes, idosos,
portadores de doenças mentais, etc. Isto se deve ao fato de que num
ambiente como o familiar, onde as pessoas se relacionam diariamente,
conflitos e influências ocorrem e vêm, muitas vezes, provocar e/ou explicar
certos comportamentos dos usuários do Serviço Social.
A importância de se pensar a família, hoje, para o Serviço Social, é
fundamental para que se entendam os diferenciados comportamentos
individuais, sob o pano de fundo das relações sociais. Os problemas que
acometem a família, interna e externamente, devem ser trabalhados pelo
Assistente Social de forma a levar o indivíduo a compreender melhor os
fatos que lhe sucedem e a buscar alternativas de solução tanto individuais
como coletivas.
Partindo do pressuposto de que a família exerce influência direta
sobre seus membros, o Assistente Social poderá contribuir para o
desvendamento da problemática global do usuário, isto é, nos diversos
aspectos das suas necessidades pessoais e sociais.
Portanto, o estudo da família permite um aprofundamento teório-
prático em relação a uma área, com a qual o Serviço Social se depara com
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freqüência no cotidiano institucional, contribuindo para melhor definição de
estratégias técnico-profissionais.
Como é apontado na coletânea Debates Sociais: “Família: ontem,
hoje e amanhã”:
“O interesse pelas famílias e suas
condições de vida, principalmente pelo seu papel no desenvolvimento social, é, hoje, no mundo inteiro, objeto de direito para a maioria das organizações econômicas e sociais”. (U.I.O.F.,1985:63)
Propomos, então, através de um levantamento bibliográfico, a
investigar e analisar a importância da família como objeto de preocupação
para a Reintegração Familiar.
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Capitulo I – Análise da Família na Realidade Brasileira
Para entendermos melhor esse conceito de família tentaremos
resgatar um panorama do “ser família” em diferentes épocas da história, no
mundo dos sentimentos e dos valores, as famílias que servem de refúgio.
Diante disso os costumes se manifestam sem dúvida uma mudança nos
hábitos e nas condições sociais, assim dessa forma a palavra família, no
sentido popular e nos dicionários, significa pessoas aparentadas que vivem
em geral na mesma casa, particularmente o pai, mãe e os filhos, ou ainda
pessoas do mesmo sangue, segundo as palavras de (PRADO, 1989:51).
“...O termo FAMÍLIA origina-se de
latim FAMULUS que significa: conjunto de servos e dependentes de um chefe ou senhor. Entre os chamados dependentes inclui-se a esposa e os filhos. Assim, a família grego-romana compunha-se de um patriarca e seus fâmulos: esposa, filhos, servos livres e escravos”
A família é o núcleo de socialização dos indivíduos, quem primeiro
transmite os valores, uso de sentimentos e costumes que irão formar as
personalidades e a bagagem emocional das pessoas.
A dinâmica e a organização das famílias baseiam-se na distribuição
de afetos, criando, no espaço doméstico, um complexo dinâmico de
competições.
Essas disputas são orientadas pelas diferenças de poder entre os
sexos e, no contexto afetivos, motivados pela disputa de espaços que
garantam o amor, o reconhecimento e a proteção, necessidades básicas de
condições humanas.
Trata-se, dessa forma, de disputas que estimulam sentimentos
ambíguos de amor/ódio, aliança/competição, proteção/domínio entre seus
membros. Famílias estas despreparadas para compreender, administrar e
tolerar seus próprios conflitos tendem a se tornar violentas.
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Entendemos que a família constitui-se numa das principais
instituições em qualquer formação social, por esta instituição no processo
histórico, bem como ressaltar algumas de cujas características na sociedade
brasileira contemporânea. Além disso, apresentaremos breve análise sobre
a questão da reintegração familiar de crianças e jovens institucionalizados.
1.1- As transformações da família no decorrer do tempo
No início da nossa colonização a família era praticamente inexistente
no Brasil. Isto se deveu ao fato de que os portugueses na maioria não se
transferiam para a nova terra com a intenção de se estabelecer
definitivamente.
Foi somente com a concessão das sesmarias e o início do cultivo da
terra, que a família começou ganhar no Brasil uma importância maior. Surgiu
então a família de organização patriarcal dupla, composta segundo as
palavras de (Coutinho In CANDIDO, Antônio 1951: 29):
“(...) um núcleo central, legalizado, composto pelo casal branco e os seus filhos legítimos; e um núcleo periférico nem sempre bem delineado, constituído de escravos e agregados, índios, negros, mestiços, no qual estavam incluídas as concubinas dos chefes e seus filhos ilegítimos”.
Em tempos passados, as reuniões familiares, eram grupos freqüentes
somente formados por homens, onde eram discutidos assuntos e finanças,
mulheres, políticas e assuntos voltados para práticas e atividades opostas às
do mundo doméstico. Era comum homem, mesmo casados, freqüentassem
boates e cassinos, o que deveria ser tolerado por suas mulheres.
Já, nos grupos formados pelas mulheres, era o espaço que tinham
para trocarem receitas culinárias, falarem sobre a educação dos filhos, as
reuniões na Igreja e assuntos diretamente ligados às práticas domésticas.
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Além disso, a mulher deveria aceitar os relacionamentos
extraconjugais do marido e continuar desenvolvendo suas obrigações para
com a família. Os relacionamentos dos homens deveriam ser discretos, a fim
de que não ofendesse o seu lar. Com essa atitude de passividade, a mulher
mantinha a duração de seu casamento como comenta (PRADO, 1989: 79):
“O chamado complexo de
virgindade-viridade marca as posições diferentes da mulher e do homem na organização familiar: ao homem são permitidas e valorizadas as aventuras e a infidelidade conjugal; já a mulher (tanto antes quanto depois do casamento) deve manter uma atitude de recato e pudor. Isso significa um duplo padrão de comportamento. A valorização e o significado desse padrão implicam a existência de uma subordinação específica da mulher em relação ao homem que é reforçado pela cultura patriarcal”.
A prática da poligamia é comum em certas culturas, mas em nossa
cultura, apesar de acontecer, não é admissível pelo Código Civil Brasileiro. É
considerado crime. Nas sociedades ocidentais, de modo geral, a poligamia
não é aceita. Apesar disso, até os dias atuais, espera-se fidelidade por parte
da mulher, acima de tudo. Isto parece ter suas raízes na antigüidade.
De acordo com (PRADO, 1989:11:16):
“Entre os gregos, por exemplo, a
monogamia só era legalmente exigida por parte das esposas. O marido poderia ter uma ou mais concubinas e mesmo manter relações homossexuais”.
Como no ensina (PRADO, 1989:33), em vários momentos, o Estado
interveio para reforçar essa distinção de papéis:
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“Stalin fez retroceder nos anos 30, com o decreto de 1940, o caminho de uma estrutura familiar liberal que germinava nos ideais da revolução soviética. Hiter preconizava a teoria dos três Ks – “Kinder, Küche, Kirche” (criança, cozinha, Igreja) – como único destino das mulheres patriotas na Alemanha nazista).”
Deste modo, a organização patriarcal no Brasil não se restringia
apenas à família, mas também dava conta da política, da sociedade e da
economia monocultura e latifundiária, capaz de intervir na vida pública ou
administrativa do país em especial para proteger filhos, genros ou afilhados,
assim a família era baseada no trabalho escravo. Importante foi essa forma
de organização patriarcal que segundo as palavras de (FREYRE, 1951: 64):
“(...) Brasil teve no complexo ou
sistema patriarcal, ou tutelar, de família, de organização social, na forma patriarcal de habitação a casa grande completa simbolicamente e pela senzala, o sobrado em oposição externa ao mucambo, expalhoça ou ao rancho e na forma patriarcal de devoção religiosa, de assistência social e de ação política, seu principal elemento sociológico de unidade...”
Há muito se discute o verdadeiro significado da família, mas o que
podemos realmente afirmar é que ela é um elemento ativo, à medida que a
sociedade avança em seu desenvolvimento histórico. É o espelho das
mudanças que ocorrem na sociedade e, principalmente, atua sobre ela. A
família tem sua necessidade social demonstrada desde os primórdios da
humanidade e, ao longo do tempo, vem se modificando e adquirindo as
características de cada época e com o passar dos tempos surgiram outras
definições. Em cada momento histórico, tais definições tentavam retratar a
forma como a família se organizava.
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Deste modo há alguns anos atrás, só era considerada família um
casal com filhos. De acordo com Levi-Stratuss, citado por (MEDINA,
1991:15), deveria:
“... ser preciso o homem e a mulher se unir, mas, por outro lado, ser preciso, também, que devem procriar, de modo a expressarem sua contribuição à sociedade que lhes permitiu a união”.
Como comentamos anteriormente, a estrutura familiar vem se
modificando a partir das transformações ocorridas no sistema sócio-
economico-cultural.
No século XIX, o modelo de família aceita pela sociedade era o
modelo tradicional, como mostrado de maneira grandiosa no livro Casa
Grande Senzala, de Gilberto Freyre. Eram famílias extensas, patriarcais e
fechadas sobre si, ou seja, na sua maioria chefiada por fazendeiros, os quais
estabeleciam padrões sociais impostos para a classe dominada.
A característica marcante desse período foi de fato a permanência da
mulher brasileira no interior da casa, junto com seus filhos, familiares,
escravos e agregados. Tal fato deveu-se, antes de tudo, à sua função
econômica. Dependendo jurídica, moral e religiosamente do marido, era ela
quem deveria zelar pelo patrimônio doméstico do homem, organizar a
produção econômica da casa, supervisionar o trabalho escravo. Além disso,
a mulher servia de médico, enfermeiro, sacerdote e até mesmo de professor.
Todas essas mudanças, que fortaleciam o poder do Estado,
acarretaram um declínio da família patriarcal. A instituição mais importante
para a formação da sociedade brasileira e que desempenhou, nos primeiros
tempos da colônia, um importante papel organizador e disciplinador, uma
vez que representava dessa forma de acordo com (RIOS, 1950: 13):
“(...) o único grupo estável e
organizado, exatamente pelo fato de ter em suas mãos as principais fontes de poder”
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De acordo com as transformações sofridas pela sociedade, podemos
identificar formas diferentes de constituição familiar, mas, para entendê-las,
é preciso voltar no tempo e verificar as suas principais características.
Medina (1997:15) destacou dois modelos de famílias mais marcantes
na sociedade ocidental: o modelo tradicional e o modelo de transição.
No modelo tradicional a união do casal deveria ter o aval da família
de ambos, devendo passar por etapas pré-estabelecidas como: namoro,
noivado, casamento e lua-de-mel. O período ser longo, afim de que se
pudesse preparar o enxoval, avisar a extensa rede de parentes e para que
houvesse aceitação deste novo membro à família de cada um dos cônjuges.
E como contempla em (PRADO, 1989:66):
“... As uniões matrimoniais eram decididas pelas respectivas famílias, segundo suas conveniências. Numa sociedade muito estruturada e limitada a um número restrito de camadas sociais, a propriedade e a posição nos grupos familiares dependiam em grande medida dos laços matrimoniais contratados”.
Para que essa união se caracterizasse, era necessário que a mulher
chegasse virgem até o casamento e que a mesma possuísse condições de
desempenhar seu papel de esposa, atendendo às necessidades de seu
marido e de mãe, servindo para a execução dos serviços domésticos,
educando os filhos e atuando como mediadora entre a relação dos pais com
seus filhos.
“a castidade da esposa era escrupulosamente protegida a fim de garantir herdeiros legítimos ao marido. Além da virgindade da esposa tinha-se que levar em conta sua condição familiar, a educação recebida que deveria prepará-la adequadamente para seus papéis de esposa e mãe” (PRADO,1989:66).
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No modelo tradicional, os problemas da casa eram resolvidos no
próprio lar, com ajuda de familiares, os quais procuravam, a todo custo,
evitar a dissolução do casamento. O divórcio era algo inadmissível nesse
modelo, sendo tal postura baseada na tradição católica: “Unidos até que a
morte os separe”.
No modelo de transição, a união não conta com a permissão dos
familiares, salvo aqueles menores de idade. A sociedade já aceita sua
dissolução nos casos em que não há mais afeto entre ambas as partes. Não
há necessidade de passar pelas etapas de namoro ao casamento, como no
modelo tradicional. Os cônjuges podem estar unidos oficialmente ou
consensualmente, tendo como característica a existência do afeto.
Diante desse aspecto a família, a igreja, a escola entre outras
instituições, funcionam como reprodutoras dos valores impostos pela
sociedade. Com isso, o Estado conta efetivamente com a participação
dessas instituições, a fim de reproduzir sua ideologia.
“É através da família – menor cédula organizada da sociedade – que o Estado pode exercer um controle sobre os indivíduos, impondo-lhes diferentes responsabilidades conforme cada momento histórico (PRADO,1989:23)”.
O modelo de transição acompanha as transformações da economia,
fazendo com que as responsabilidades da família sejam compartilhadas
entre homens e mulheres, levando, assim à redução do número de filhos,
devido ao padrão sócio-econômico por eles enfrentados. Sustentar a família,
cumprir com as tarefas domésticas e educar os filhos devem caber aos dois.
“Na prática antiga, o pai teria a
função de autoridade, exercia a função disciplinadora, seria um pai distante. A figura tradicional da união familiar era a mãe. Já, hoje em dia, o pai sente-se próximo, dentro de um contexto familiar que o coloca perto das crianças” (MEDINA, 1989:61).
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1.1.2- Breve caracterização da Família Brasileira Contemporânea
No Brasil, até o século XIX, ainda quando a economia do país era de
base monocultura e escravocrata, tivemos a família patriarcal, onde o pai
tinha o papel de protetor da família e de todos que estavam a sua volta,
ninguém ousaria falar de família sem dar destaque a avós, tios cunhados
etc. O homem adquiria o papel específico de protetor e reprodutor como a
sociedade exigia, sendo a figura respeitada por sua autoridade. A mulher era
criada e educada para tratar dos filhos, marido e da casa, sempre submissa
ao esposo, exercendo apenas os papéis sociais de mãe e dona de casa.
É a partir do final desse século é que acontece a transição de
costumes pautados num momento histórico, onde a revolução industrial teve
uma forte influência, pois é a partir dessa revolução que se começa sentir a
necessidade efetiva de abandonar determinados costumes tradicionais. É
neste momento que deparamos com um novo tipo de família que é a mais
comum nos dias atuais.
Tais modificações ocorrem, sobretudo com o advento da Primeira
Guerra Mundial. Com o aumento das baixas masculinas houve a
necessidade de inserção de mão-de-obra no sistema industrial. Nesse
contexto, muitas mulheres saíram de seus lares para ingressar no mercado
de trabalho. De acordo como as palavras de: (COUTINHO, 1994:94):
“Com a industrialização crescente no século XIX, no entanto, aumentou a demanda de trabalhadores e as mulheres solteiras das famílias humildes gradualmente começaram a receber permissão para trabalhar nas fábricas a fim, de se auto-sustentarem e, muitas vezes, até mesmo ajudarem no sustento do grupo familiar”.
A única chance de atuação da mulher fora do lar se dava através do
magistério primário, carreiro que, no entanto estava reservada
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preferencialmente àquelas moças com menos recursos e que se viam
obrigadas a trabalhar.
Diante disso muitas moças começaram a brilhar nos salões numa
tentativa de interessarem a pretendentes, e muitas já aos 13 e 14 anos
passavam da autoridade do pai para a autoridade do marido. Estes
casamentos eram na maioria das vezes acertadas pelos pais.
A família contemporânea é caracterizada pela alteração da posição da
mulher e conseqüentemente do homem, que busca incessantemente
guardar a posição antiga em que era senhor absoluto. Dessa forma começa-
se a aceitar a dissolução do casamento, não tendo mais uma visão de
eternidade.
Deste modo na visão para Prado elas têm funções difíceis de serem
conciliadas. (PRADO, 1989:12):
“A família, como toda instituição social, apresentada aspectos positivos, enquanto núcleo afetivo, de apoio e solidariedade. Mas apresenta, ao lado destes, aspectos negativos, como a imposição normativa através de leis, usos e costumes, que implicam formas e finalidades rígidas. Torna-se, muitas vezes, elemento de coação social, gerador de conflitos e ambigüidade”.
Uma pesquisa feita em São Paulo para o recenseamento de 1872,
mostrou que dos 10.256 operários da indústria de algodão, 9.514 eram
mulheres.
Dessa forma o homem e a mulher começam a serem visto em
condições de igualdade, a união passa a ser pautada no afeto e não na
obrigação de se conviver, sendo esta relação de igualdade entendida
também ao mundo doméstico e ao mundo do trabalho, onde tanto os
homens como as mulheres são responsáveis pela casa, educação dos
filhos, e ambos deverão ir a luta para conseguir o sustento da casa e da
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família. A união deixa de ser voltada para a procriação, onde a gravidez era
de um valor fundamental para a mulher.
Esse entendimento contemplou as famílias monoparentais, cada vez
em número mais significativo em nossa sociedade.
Prado em (1989:36) baseado nos estudos de Arièis, afirma que:
“Durante a Idade Média, por
exemplo, crianças eram entregues a outras famílias que não as de origem onde faziam sua aprendizagem profissional ou mesmo social, como a aquisição de “maneiras”, hábitos e costumes necessários a aspirantes a damas e cavaleiros, nos casos das famílias nobres”.
É interessante notar que as “famílias burguesas” por serem extensas
objetivavam a perpetuação em sua descendência, o que fez com que as
famílias pobres imitassem os padrões dominantes, aumentando assim sua
prole. Vale ressaltar que os objetivos que os levaram a reproduzir as atitudes
da classe dominante, não tinha nada a ver com a perpetuação da
descendência e dos bens materiais, mas, como se encontravam
basicamente dependentes do sistema agrário, um novo membro era
importante para colaborar com o sustento do grupo familiar. Representava
mais um braço para a lavoura de acordo com as palavras em (HART,
1992:198):
“ Essa estrutura era observada também em outros países do continente americano. Antes de 1936, as maiores partes das famílias americanas eram numerosas e nelas diversas gerações conviviam. Não centralizavam apenas o trabalho, a educação e a religião:- constituía-se também em unidades de produção econômica. Nas comunidades rurais a cooperação também era necessária para a sobrevivência”.
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Essas constatações vão ao encontro de: (PRADO, 1989:12),
“(...) a família não é um simples fenômeno natural. Ela é uma instituição social variando através da história e apresentado até formas e finalidades diversas numa mesma época e lugar conforme o grupo social que está sendo observado”.
Para a referida autora deste texto, existe outros aspectos culturais
relevantes na estruturação familiar, em especial, os papéis sociais
desempenhados segundo as palavras de (PRADO, 1989:22),
“(...) a organização da vida familiar depende do que a sociedade através de seus usos e costumes espera de um pai, de uma mãe, dos filhos, de todos seus membros”.
Nesse modelo é notória ainda nos dias atuais, a segregação dos
papéis sociais e culturais, desde o nascimento dos filhos, onde aos meninos
cabem os usos de roupas azuis, brincadeiras na rua, serem fortes, ou seja,
“homem não chora”, e mais tarde entendem que a eles cabe prover o
sustento da família, reproduzindo assim características desse modelo. As
meninas estão enquadradas em um outro tipo de tratamento, o mundo
doméstico, tornando-se, assim, preparadas para o desempenho das
atividades típicas femininas e do mundo privado de acordo com as palavras
de (PRADO, 1989:41):
“ O marido tem o papel de elo de ligação entre a família e o meio social, e de provedor de bens materiais...” “Daí decorre que as participações
do marido nas tarefas domésticas são mínimas, cabendo à esposa e mãe a criação dos filhos e aos cuidados do lar. Essa bipolaridade dos papéis em função do sexo será determinante para a formação da personalidade da criança”.
26
1.1.3- A família em sua relação com as crianças
Atualmente não podemos considerar família nos padrões tradicionais
onde, necessariamente, havia a presença de um pai e dos filhos. A família
de hoje tem uma estrutura diferenciada do modelo tradicional, não há mais
obrigatoriedade dessa composição e também, da consangüinidade.
A família com o passar do tempo foi perdendo algumas características
e tornando-se cada vez mais raras, entretanto, não deixou de existir, pois o
valor é tão forte que alguns homens mesmo sentindo necessidade de ajuda
financeira da mulher não aceitavam que estas viessem a exercer atividades
fora do lar.
Entretanto, nem sempre foi assim a criança como centro de
preocupações da família, é algo recente na história ocidental. Os vínculos
com a família biológica eram rompidos muito cedo e a criança envida para
outras famílias, a fim de serem iniciadas no mundo dos adultos como
identificou segundo (ARIÈS, 1978:225):
“...Após conservá-las em casa até a idade de sete ou nove anos (em nossos autores antigos, sete era a idade em que os meninos deixavam as mães para ingressar na escola ou no mundo dos adultos), eles colocam, tanto os meninos como as meninas, nas casas de outras pessoas, para ai fazerem o serviço pesados, e as crianças aí permaneciam por um período de sete anos (portanto até entre cerca de 14 e 18 anos”.
Após a promulgação da Lei Nº 8.069 de 13 de julho de 1990, ECA -
Estatuto da Criança e do Adolescente, a família passou a ser considerada,
de acordo com o artigo:
Art. 25 - “Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”
27
Hoje, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, cabe
aos pais zelar para que os filhos se desenvolvam de forma plena e saudável.
Art. 22 “Os pais
incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.”
Como já vimos hoje à família tem o dever de cuidar de suas crianças,
de protegê-las, mas funciona também como um dos principais órgãos de
coerção. Através do controle dos hábitos e atitudes de seus filhos, a família
é condicionada a reproduzir os valores vigentes. Dessa forma como afirma
nas palavras de (PRADO, 1989:23):
“Uma série de medidas são postas em prática para poder liberar as mulheres casadas de suas responsabilidades tradicionais junto aos filhos e á casa. Surgem creches, os salários melhoras, os empregos ‘’masculinos” tornam-se acessíveis a elas etc. No fim da guerra, modificou-se novamente a ideologia e todas as formas são postas em jogo para motivar o retorno das mulheres ao lar”.
Ainda nesse aspecto (PRADO, 1989:24) identificou que a família
tanto de ontem, como a de hoje serve para conter os futuros conflitos
sociais. Com isso, a sociedade continua delegando às mulheres as
responsabilidades do mundo privado, apesar de sua inserção no mundo
público.
“A família serve também de
válvula de segurança das revoltas e conflitos sociais. Se por um lado o homem, em virtude de seu maior contato com o exterior, através de seu trabalho, adquiriu mais
28
consciência política, a mulher conhece mais de perto as necessidades da casa e dos filhos. Para manter o equilíbrio da célula familiar, ela servirá de contenção às revoltas dele, e com freqüência de “bode expiatório” para suas frustrações, angustias e conflitos irresolvidos no mundo exterior ao lar. Interessa portanto ao Estado canalizar todas as emergências individuais ou coletiva para a esfera doméstica, desvinculando-as da contestação e da reivindicações sociais”.
Com a inserção da mulher no mercado de trabalho, a família ganha
nova dinâmica. É cada vez mais comum o homem assumirem parte dos
afazeres domésticos e a da educação dos filhos. Isso gera conflitos, pois
alguns, por não aceitarem tal função que devido trazerem arraigados o
pensamento de que o homem deve se ocupar apenas, em prover o sustento
familiar podem sentir-se desconfortáveis nesses novos papéis.
Medina em seu livro “A arte de viver em família” fala sobre a
segregação dos papéis e analisa que, apesar do homem participar do
mundo doméstico, não assume as tarefas domésticas, marcando bem essas
diferenças.
“Evidentemente o mundo doméstico não é igual a trabalho doméstico. Pois o homem (marido, pai) participa do mundo doméstico, e uma das formas de sua participação é, exatamente, não assumindo os trabalhos domésticos, embora hoje em dia seja incentivado e até elogiado quando assume parcial e esporadicamente tais atividades. Por isso mesmo só será possível falar do pai se o colocarmos no mundo doméstico. Pois, aí, o pai tem existência” (MEDINA, 1989:79).
29
O autor acrescenta ainda mais na página 80:
“Para o homem, o lar deve ser o descanso, enquanto a casa não é lugar de descanso para a mulher. E a quem compete resolver isso, senão à própria mulher? Pois ela chega do trabalho e continua trabalhando”...
Nesse modelo, não só os parentes podem recuperar funções
familiares, na medida em que há um desfalque um dos responsáveis, como
pode-se verificar várias formas de constituição familiar: famílias formadas
por pai, mãe e filhos; famílias com predomínio maternal; predomínio
paternal; família com filhos advindos de relacionamentos anteriores; famílias
sem filhos; famílias compostas por pessoas que convivem sem laços
consangüíneos e famílias formados por pessoas do mesmo sexo que vive
com crianças adotivas. Esta última ainda enfrenta preconceito na sociedade.
Várias formas ainda poderão surgir, estabelecendo mais diferenças
em relação ao modelo tradicional.
Entre as formas já assinaladas, gostaria de ressaltar aquela em que
os homens criam sozinhos seus filhos. Embora tais casos sejam mais
comuns hoje, parece que, na maioria das vezes, esse posicionamento não é
intencional, mas conseqüência de uma situação de ruptura, dessa forma
como afirma (PRADO, (1989:81):
“É interessante verificar que, em casos de separação do casal, o homem começa a assumir funções que não exercia, a ter um contato maior com os filhos, o que é contraditório, pois, só ocorre depois de uma situação radical. Ele então, tem contato direto com a vida doméstica, como no filme Kramer versus Kramer, que virou símbolo da situação. Será que é preciso chegar a isso para o homem entrar na realidade doméstica? No filme ele entrou porque ela saiu.”
30
Para Shorter, citado por (PRADO, 1989:26):
“A família contemporânea caminha para desconhecido e seu rumo pode orientar-se em três diferentes direções, e até hoje sem precedente histórico”:
1-a ruptura definitiva dos laços que uniam as velhas gerações às mais novas: a indiferença que manifestam os adolescentes pela identidade familiar e pelo que ela possa representar e defender e que se rompe na descontinuidade dos valores entre pais e filhos;
2- à maior instabilidade dos jovens casais que reflete no aumento vertical da curva de divórcios;
3- a destruição sistemática, através da “liberação” da mulher, do conceito “lar/ninho” em torno de qual foi constituída a vida da família nuclear”.
Para Medina (1997:25), no que diz respeito à relação pais-filhos, no
modelo de transição, a escola deixa de ser um complexo dos valores do
grupo familiar, na medida em que a participação das crianças e
adolescentes em outros grupos sociais é intensificada. Eles passam a inserir
colegas em suas vidas, formando seus próprios grupos sociais, os quais
devem ser analisados atentamente por seus pais, a fim de evitar uma
aproximação maior e intensa, de forma a anular os grupos familiares. Tal
fato poderia ter conseqüências desastrosas para eles, principalmente
quando os mesmos atingem adolescência, onde despertam para a iniciação
sexual e podendo ter um contato mais estreito com o mundo das drogas. Por
isso, é necessário que o convívio familiar seja o mais transparente e
harmonioso possível, tendo como tônica principal à confiança mútua.
De acordo com (MEDINA,1997:25):
31
“Muitas das dificuldades dos filhos não serão resolvidas dentro do mundo doméstico e sim fora dele, entre amigos, ou entre os colegas, tudo independente dos pais (...) Muitos pais têm dificuldade em perceber o nível de participação e de envolvimento de seus filhos no mundo doméstico, bom como em aceitar que, desde cedo, eles já estão vivendo em quadros institucionais fora da família (creche, escola) e participando de grupos iguais (amigos, colegas) sobre os quais e suas atividades, os pais pouco conhecem e interferem.”
Desde então, a constituição familiar vem se transformando a cada dia.
Não é comum encontrarmos famílias extensas, devido às dificuldades
econômicas. Entretanto, é cada vez maior o número de famílias constituídas
de um dos pais, geralmente pela mãe. São denominadas de monoparentais,
umas tendências que se observa em vários países. (HART, 1992:199):
“Hoje as famílias são menores; é maior a proporção das que têm poucas crianças ou nenhuma, e há um número cada vez maior de lares de uma única pessoa as ‘famílias de um”.
Por fim, é importante assinalar que, apesar das transformações
ocorridas na dinâmica familiar, o que colocam as crianças e os adolescentes
como centro de suas preocupações e alvo de cuidados, é nesse espaço que
ocorre a violência. Alguns estudiosos concluem que a violência é fruto de
condições estruturais de um país e que a pobreza pode intensificar tal
prática como (MEDINA, 1997:24), que acredita que,
“...deve haver uma correlação
entre situação inflacionária dos pais e intensificação dos problemas familiares”.
32
Dessa forma as famílias assistidas pelo Lar e Abrigo Maria Dolores e
Meimei, são, em sua maioria residente do primeiro distrito em situação de
habitação precária. De modo geral, são na maioria formadas por mulheres
que assumem sozinhas os papéis de mãe, de dona de casa e provedora do
sustento familiar.
É comum encontrarmos famílias formadas por casais com crianças
adotivas ou procedentes de relacionamentos anteriores, tanto por parte do
homem como por parte da mulher. A maioria dos casais não se uniu
legalmente. Muitas uniões são entre os parentes próximos, como primos,
tios e até padrastos, contrariando o estabelecimento pelo Código Civil
Brasileiro. Até a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, o
Código Civil Brasileiro ditava, sozinho, as normas e os valores a serem
seguidos pelas famílias brasileiras. Apesar das modificações trazidas pela
nova legislação (artigo 183), “são ilegais os casamentos com
ascendentes diretos em todos os graus e com colaterais de primeiro
grau”.
Sobre a composição das famílias, assim reflete (PRADO, 1989:77):
“Entre o proletariado, encontramos muitas famílias nucleares em que os casais não são unidos por laços legais assim como encontramos também um grande número de famílias chefiadas por mulheres, não somente em virtude da ausência do marido (mães solteiras, separação, viuvez), mas também porque em certos meios é freqüente que a mulher trabalhe e assuma as responsabilidades materiais do lar e da família. Ao contrário do que se imagina através de idealizações, as mulheres chefe de famílias são comumente encontradas em pequenos povoados, nas regiões suburbanas e, embora em menor escala, representadas também em todas as classes urbanas”.
33
Como já vimos anteriormente à estrutura da familiar mudou de
maneira radical, seja no âmbito de formação, seja na responsabilidade de
dividir a educação dos filhos. É neste contexto que entra o papel do semi-
abrigo, onde milhares de famílias necessitam deixar seus filhos no espaço
escolar a fim de trabalharem fora. É o que ocorre com as famílias do Lar e
Abrigo Maria Dolores e Meimei, cujas crianças passam o dia ou semana
toda na instituição.
Tendo em vista a pouca idade e pequena interação com os grupos
sociais, a escola é um aliado importante na reprodução dos valores vigentes
como afirma (PRADO,1989: 35):
“Toda e qualquer família exerce sempre inúmeras funções, sendo que para algumas recebem apoio e interferência de instituições sociais, enquanto outras funções elas assumem com exclusividade. Por exemplo: a socialização das crianças é dividida pela família e pelas instituições educacionais”.
34
CAPÍTULO II- A política de Assistência enquanto Política Social numa Sociedade Capitalista Queremos chamar a atenção para este capítulo em relação às
políticas sociais no sistema capitalista, abordando a exploração do
trabalhador e a utilização de estratégias capazes de ocular suas reais
pretensões de controle social às classes pauperizadas.
As Políticas Sociais atualmente tem um papel de extrema importância
no capitalismo, pois funcionam de modo a controlar os problemas sociais
que ocorrem na sociedade, devido às diferenças sociais. O aumento da
pauperização da classe trabalhadora devido ao aprofundamento da
acumulação de capital, que ocorre através da contínua e sempre exploração
da força de trabalho provoca a intervenção estatal via Políticas Sociais.
Em meio dessas políticas, o capitalismo sempre sai ganhando, pois
os chefes de família, não tem como sair dessa selvageria que é o sistema
capitalista e, o trabalhador por sua vez sente-se dependente e assim o
sistema presente consegue explorar mais facilmente, já que o trabalhador
não oferece resistência com medo de perder seu emprego.
Vendendo sua de trabalho o homem se transforma em produto do
sistema capitalista, oferecendo sua força de trabalho em troca de um salário
de sobrevivência.
As políticas sociais no sistema capitalista são centralizadas nas
forças produtivas, mantendo toda uma infra-estrutura de serviços, benefícios
e programas, com o objetivo de envolver o trabalhador de tal forma que este
não tenha vontade e forças de lutar pelos os seus direitos.
Além de controlar as condições de vida do trabalhador estipulando
como ele pode viver, se em boas ou má condições de alimentação, moradia
e saúde, é papel também das Políticas Sociais fragmentar as lutas sociais.
A imagem de bom e justo é passado pelo Estado, evitando assim o
aumento dos conflitos com a população e contribuindo para manter o seu
incondicional apoio as formas capitalistas de exploração. Muitas vezes o
trabalhador não tem o direito de comprar as mercadorias que ele próprio
35
produz, já que seu salário na maioria das vezes é inferior ao valor da
mercadoria.
O papel do Estado segundo os interesses da classe privilegiada
dentro do sistema capitalista, principalmente nos países subdesenvolvidos
como é o caso do Brasil, é de mascarar, ocultar as desigualdades sociais
criadas sobretudo pela exploração da força de trabalho. O Estado se mostra
para a grande população explorada como aquele que minimiza e ajuda a
população a vencer os problemas sociais. As Políticas Sociais funcionam
como reprodutora da força de trabalho, isso é, visam a manutenção do
trabalhador em condições mínimas de saúde, pois é dele que depende a
“sobrevivência” do capitalismo.
No entanto, não podemos esquecer que as Políticas Sociais são
mediações dos interesses de grupos e classes sociais (ABRANCHES,
1994), sendo, portanto, contraditórias e “funcionando ambiguamente na
perspectiva de acomodação das relações entre o Estado e a Sociedade
Civil” (YAZBEK, 1993:35).
Nesse sentido observamos que quanto maior a defasagem entre o
salário e a renda necessária para satisfazer tais necessidades, maior será a
dependência das pessoas em relação aos outros meios. Isto significa dizer
que ela dependerá mais da efetiva realização de políticas que venham
responder às suas demandas.
Verificamos então, que a grande crise social em que se encontra
nosso país traz inúmeras repercussões para a família, que expressa e
reproduz as condições da sociedade em que se encontram inserida.
Como fruto da grande crise econômica vivenciamos a entrada da
mulher no mercado do trabalhado e a influência direta na vida das crianças e
adolescentes da classe pauperizada, que é a maioria da população.
Uma das conseqüências são as famílias desestruturadas a nível
econômico, onde a renda familiar, muitas vezes é insuficiente para garantir a
sobrevivência. O acesso das crianças à escola, é dificultado também pelo
número reduzidos de vagas que as escolas oferecem. A ajuda das crianças
e jovens na remuneração da família acaba tirando estes das salas de aula e
em meio de tudo isso o direito a aprendizagem dá lugar à sobrevivência da
36
família. Longe da escola, sem um nível educacional mínimo, sem uma
profissão, crianças e jovem acabam inserindo-se no mercado de trabalho
desde cedo, onde a má remuneração e a exploração configuram-se como
resultado final de sua história de vida.
O direito a um lar, a alimentação, a saúde e a educação estão
contidos no “Estatuto da Criança e do Adolescente” (1990), na realidade,
porém, mostra a face de total abandono e descaso do Estado com aqueles
que freqüentemente são chamados de “Futuro do Brasil”.
O drama de sobreviver para milhões de crianças e adolescentes
brasileiros, privados dos direitos a infância e juventude traduz-se na
organização econômica, política e social no Brasil, caracterizada, sobretudo
pela distribuição extremamente desigual de renda e de cidadania.
O trabalhador viu nas perdas salariais a desestruturação de própria,
pois seus ganhos não são suficientes para os gastos com moradia,
alimentação, transporte, educação, saúde e demais necessidades básicas. É
nesse exato momento que entram os filhos, como ajuda das despesas
familiares e suas contribuições para a sobrevivência da família. (Faleiros,
1989).
Se pensarmos na população do Brasil, iremos perceber que a maioria
dos brasileiros compõe um quadro daqueles que possuem inúmeras
necessidades sociais.
A Assistência Social constitui uma forma específica e estratégica de
atribuir alguns serviços sociais a determinados segmentos da população.
Contudo, vale ressaltar que qualquer forma de política social que for criada
de nada, ou quase nada, adiantará. Isto ocorre porque elas vão para tratar
das conseqüências e não das causas das problemáticas sociais estruturais.
A Assistência Social destina-se àqueles que não existem para o
capital e cabe, a ela “tratar” desses inexistentes, visto que servem como
mecanismos econômicos e políticos.
Estas transformações que estão sofrendo as famílias, já se fazem
presentes até mesmo na nossa constituição mais recente, a de 1988, a qual
vem considerar como entidade familiar a união estável entre homem e
37
mulher, independente da existência do casamento civil ou religioso, além da
comunidade formada por um dos pais e seus dependentes.
Enfim, é neste novo modelo de família, num processo de
transformação, pautado num quadro de pobreza e miséria, onde as políticas
sociais e as práticas de proteção à família obedecem sempre aos interesses
da acumulação, que vai atuar o assistente social. Este está inserido no
contexto de um país onde se impõem como tarefa urgente o
estabelecimento de políticas sociais capazes de gerar o fortalecimento da
relação familiar no âmbito das relações sociais, num país onde a família tem
sido pouco privilegiada nos programas propostos pela política social, sendo
poucas as atenções voltadas para ela.
É bem verdade que, a família vem sofrendo modificações no que diz
respeito a sua composição e atuação na vida. Por exemplo, nas últimas
décadas, novos padrões de família vêm surgindo entre elas; as chamadas
famílias monoparentais, com chefia feminina, provocando dessa sobrecarga
às mulheres, uma vez que a responsabilidade da educação e do
atendimento às necessidades afetivas e materiais dos filhos passam a ser
centralizadas somente nela. Assim, há necessidade da inserção da mulher
no mercado de trabalho, de modo a fazer suprir as necessidades básicas de
seus dependentes, ficando fácil, então, visualizarmos a contribuição da
mulher para a produção social. (Calderon, 1991:32).
A mulher engajada no trabalho produtivo ou na produção doméstica
vem contribuir para a produção social a partir do momento em que está
desenvolvendo tarefas necessárias a reprodução da força de trabalho gasta
diariamente pelo trabalhador. Ao mesmo tempo, ocupando uma atividade
remunerada, fora do lar, ela está contribuindo não só para a produção social
mas também sobrecarregando-se por uma dupla jornada de trabalho.
Verificamos assim, que a grande crise social em que se encontra nosso país
trás inúmeras repercussões para a família, que expressa e reproduz as
contradições da sociedade em que se encontra inserida.
38
CAPITULO III – A Política de Atendimento a Infância e Juventude no “Lar de Maria Dolores e Meimei”. 3.1 – Retratando a Instituição O Lar de Maria Dolores e Meimei, antiga casa Beth Shalon, atende
desde 1989 em sede própria e em regime de abrigo, crianças e jovens
carentes na faixa etária até 18 anos, dos sexos femininos, que se encontrem
em situação de risco social e/ou pessoal. Essa clientela é originária do
Município de Duque de Caxias e encaminhada à instituição pelo Juizado da
Infância e da Juventude da Comarca e órgãos públicos designados para tal.
O Lar de Maria Dolores e Meimei é uma entidade que praticamente
renasceu em sua estrutura física e na proposta de trabalho. Anteriormente
possuía instalações extremamente precárias, e devido à demanda
diversificada da comunidade, funcionava concomitantemente como creche,
orfanato e semi-internato além de servir como socorro à problemas urgentes
como: famílias carentes, pessoas sem teto, etc.
Ao longo do trabalho, a proposta de atuação da entidade foi revista,
levando-se em conta a grande quantidade de crianças e adolescentes
vítimas de abuso, violência, omissão e abandono. Alem desses fatos, o
suporte institucional fornecido pelo Município,era insuficiente para atender a
demanda, e assim o Lar de Maria Dolores e Meimei decidiu atuar junto à
esta clientela.
O abrigo é uma medida provisória de atendimento nas áreas
pedagógicas, sociais, da saúde, profissionais, recreativas e morais,
articuladas com a comunidade local na tentativa de melhorar a quantidade
de vida dessas crianças e adolescentes, preservando sua dignidade e
liberdade.
A instituição acredita que seus usuários viverão melhores em
companhia da própria família, por isso este trabalho tem como objetivo
prioritário a reintegração familiar, ou seja, trabalhar no sentido de reintegrar
essas crianças e adolescentes aos seus lares originais quando possível, ou
39
seja colocação em família substituta quando esgotados os recursos de
manutenção às famílias de origem.
Com o estreitamento e solidificação dos laços afetivos da criança e do
jovem em relação a sua família, tentaremos alcançar a transformação da
situação, evitando desta forma que estes permaneçam por longo tempo na
instituição e afastado do convívio familiar e comunitário.
A instituição dentro desse contexto, caracterizada-se como instituição
filantrópica prestadora de assistência na área da Infância e Juventude. Seus
recursos advém do apoio da Secretaria de Ação Social da Prefeitura do
Município de Duque de Caxias e da Fundação para Infância e Adolescência
(FIA), contando ainda com o apoio comunitário.
No período da pesquisa a instituição abrigava um total de 41 crianças
e adolescentes na condição de menores não infratores, empreendendo
todos os esforços no sentido da reintegração e preservação dos direitos de
sua cidadania.
Atuação do Serviço Social O Serviço Social atua buscando um objetivo único que é a
reintegração familiar ou um lar substituto dentro das regras estabelecidas
pelo ECA, através de atendimento individuais ou em grupo com as crianças,
os adolescentes e as famílias.
O trabalho do Serviço Social desenvolve-se da seguinte forma:
Ü Atendimento individual e/ou em grupos
Ü Encaminhamentos e acompanhamentos no sistema de ensino formal,
cursos profissionalizantes e trabalho formal.
Ü Encaminhamento para a viabilização de documentos
Ü Realização de visitas domiciliares
Ü Participar de reuniões e eventos
Ü Realizar supervisão de estagiárias
40
Objetivos Gerais: Ü Atendimento à criança e adolescentes em situação de risco social e
pessoal
Ü Reintegração familiar
Objetivos Específicos: Ü Integração da criança e/ou adolescente em famílias substitutas,
quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem,
buscando sempre o não desmembramento de irmãos, atendendo o
Art.92, inciso V do ECA
Ü Inserir a criança e/ou adolescente no ensino básico fundamental
Ü Proporcionar a criança e adolescente acesso a cursos
profissionalizantes, atividades esportivas, se necessário for, por
interesse do jovem e constatada aptidão.
Ü Preparar o adolescente para a vida, o mercado de trabalho e convívio
social fora de entidade, exercendo o direito com responsabilidade.
3.2– A Reintegração Familiar Foi com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que
iniciamos o trabalho da reintegração familiar, no Lar de Maria Dolores e
Meimei, pois no artigo 4° preconiza-se que:
“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referente à vida, a saúde, à alimentação, à educação, ao transporte, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária”.
41
O Lar de Maria Dolores e Meimei pensando nestes deveres deu início
ao trabalho de reintegração familiar, ou lar substituto, fazendo com que os
seus usuários vivam melhor em companhia da própria família.
As dificuldades para a Reintegração familiar são muitas, podendo
levar por vezes longo período, dependendo do motivo que levou a criança ou
o adolescente ao abrigo, tornando-se uma questão difícil de ser analisada,
precisando-se de muita percepção, atenção e perseverança. São várias as
causas das dificuldades para a reintegração, uma delas são os maus-tratos.
Proteger essas crianças e adolescentes é uma tarefa difícil e que requer
sensibilidade, habilidade e alguns conhecimentos específicos. Quando os
maus-tratos ocorrem dentro da família, significa que os pais ou responsáveis
não estão conseguindo cuidar e proteger suas crianças. Nesses casos, a
intervenção dos profissionais que lidam com a violência doméstica se faz
necessária.
As conseqüências são muito graves. A criança ou o adolescente
perde a identidade e não consegue mais se aproximar de suas famílias, nem
conviver normalmente com outras pessoas, por acostumar-se a viver
tutelada e dentro dos limites dos muros das instituições, um cenário irreal e
diferente da vida em sociedade. Por isso a Reintegração Familiar tem o
objetivo de romper com essas práticas e buscar novos rumos para a política
social de atendimento à criança e ao adolescente. É um Projeto que faz
cumprir a lei e ao mesmo tempo parte do princípio de que todos os cidadãos,
maiores ou menores de idade devem conviver num mundo de respeito e
igualdade.
O abrigo é um lugar que oferece proteção, uma alternativa de moradia
provisória com clima residencial, com atendimento personalizado em
pequenas unidades, para pequenos grupos de crianças e adolescente.
Porém, por melhor que seja, nada substitui o convívio familiar.
42
3.3- A pobreza como única referência familiar - depoimentos e análise de atendimentos na Instituição A questão social ganha corpo no momento da abordagem de
condições sócio-econômicas e culturais que caracterizam os contingentes
das “áreas pauperizadas”. A situação de vida de baixo nível de renda,
educação, subemprego, desorganização familiar, anomalia e a falta de
participação social, foram entre muitos os traços associados no nosso
objetivo de pesquisa.
A existência de uma consideração homogênea, é que esta
homogeneidade as diferencia dos demais segmentos situados na base da
pirâmide social. Geralmente estes estão situados à margem do dinamismo
moral e industrial, coexistindo como uma prostração moral, formando um
mundo a parte, relativamente desvinculado dos padrões modernos da
sociedade. Por outro lado às evidências são apontadas no sentido de
demonstrar que o processo da pobreza nas famílias é oriundo de padrões
conflitantes de nossa sociedade, da desordem da economia e dos processos
sociais, políticos desajustados.
Será necessário analisar certas categorias que não conseguem
vender a sua força de trabalho por participarem de um contingente excluído,
pois lhes falta educação escolar e profissionalizante. Colocando nestes
termos deve-se dirigir a discussão no sentido de nortear nossa prática,
prática esta que nos fez observar nas várias entrevistas com as famílias.
Depoimentos:
A Sra J.M.S, tia da criança L.M., procurou o Serviço Social na
instituição para informar que: “Gostaria que L.M. pudesse ficar aqui porque
não tenho nenhuma condição de ficar com ela: trabalho fora, em casa de
família, não tenho tempo para cuidar da L.” A Sra J.M.S. falou que a menina
não está na escola, pois onde mora não tem nenhuma por perto. Os pais de
L.M. estão presos, pois foram pegos roubando. A tia da criança disse ter
mais dois filhos, uma de 18 anos, casada, e outra de 10 anos que fica sob a
43
responsabilidade da irmã mais velha, enquanto ela está trabalhando. Disse
não ter condições de suprir as necessidades da sobrinha, pois o que ganha
“mal dá para ela e a filha”.
Compareceu à instituição o Sr. N.G.D, pai do menor J.C.D., nos
informando que seu filho esteve abrigado na instituição Lar de Narciza por
algum tempo, tendo evadido por algumas vezes. O Sr. N.G.D. solicitou
abrigo para o menor nesta instituição pelo fato de estar mais próximo de sua
casa, pois reside na mesma rua, desta forma seriam evitadas as evasões e
poderia ir sempre visitar a criança, tendo consciência de que sua presença é
fundamental para o bom crescimento e relacionamento com o filho. O Sr.
N.G.D. vive com sua companheira que já tem 2 filhas e no momento
encontram-se desempregados. Solicitou-nos abrigo provisório dizendo que:
“tenho certeza que aqui meu filho será bem tratado e cuidado”. Disse que
seu filho precisa estudar e por isso é melhor ficar na instituição, já que não
tem condições de fornecer o mínimo para que seu filho estude.
Compareceu ao Serviço Social desta instituição a Srª M.A. pedindo
abrigo provisório para seu filho M.S., já que trabalha fora e não tem com
quem deixar a criança. Nos informou que: “vivi com meu companheiro, 12
anos, ele é o pai do M.S. e separei dele faz 3 anos e agora é que ele
começou a ajudar, dando algumas roupas e alguns trocados para o M.S.,
mais sabe doutora eu prefiro ganhar o meu dinheirinho, porque o dinheiro
que o pai de M.S. dá é só pra ele”.
Em relação aos depoimentos apresentados pelas famílias
entrevistadas, percebemos que a grande crise social em que encontra-se
nosso país traz inúmeras repercussões para a família, que expressa e
reproduz as contradições das sociedade em que encontra-se inserida.
Um dos grandes motivos que levam a institucionalização da criança e
do adolescente é que o percebemos como ponto crucial no processo de
mudança, a influência sócio-econômicas e políticas têm alterado seus papéis
e formas de reprodução social.
44
Um crescimento pautado numa forte recessão e o alto índice
inflacionário, ao lado da modernização tecnológica, vem baixando
significativamente a renda familiar, resultado do desemprego ou
subemprego, no aumento da população empobrecida, além do
“achatamento” da classe média urbana.
Como fruto dessa crise econômica, verificamos a entrada da mulher
no mercado de trabalho, que vão para este mercado, de modo a fazer suprir
as suas necessidades básicas e a de seus dependentes, tornando-se uma
influência direta na vida das crianças e dos adolescentes da classe
pauperizadas, que é a maioria da população.
Percebemos que todas as famílias entrevistadas vêem a figura
materna sendo insubstituível e essencial para o crescimento dos filhos.
Todos tem consciência da palavra família, sabendo que é através dela eu a
criança irá desenvolver-se e ter o equilíbrio para o enfrentamento da vida no
futuro.
Observamos que existe uma preocupação em função de não terem
condições de cuidar dos filhos, ficando estes sempre para segundo plano,
tendo em vista, as dificuldades que as desigualdades sociais geram, fazendo
com que as famílias abdiquem da companhia de seus filhos.
As famílias ao procurarem a Instituição, o fazem em busca de
assistência para as suas crianças e ou adolescentes, que do contrário
seriam deixados em casa, fora da escola, nas ruas, sujeitos a todo tipo de
violência. O sentimento de medo, causados pelos estigmas que a sociedade
fabrica são extremamente significativos para algumas famílias.
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Conclusão
Nos últimos anos, a política neoliberal vem sendo aplicada na
economia nacional através de políticas que visam a privatização do Estado e
a redução dos gastos públicos, especialmente no campo social, o que tem
levado o país a alarmantes crises sociais e econômicas.
Tal política tem resultado no desemprego acelerado, na diminuição
dos salários e, conseqüentemente, na pobreza e miséria de um número
bastante significativo de famílias brasileiras.
Esta política vem, assim, produzindo a desigual distribuição de renda,
ocasionando um aumento nas Instituições “acolhedoras”, que poderão
oferecer um melhor modo de vida e a possibilidade de um futuro melhor.
Assim, é neste sistema onde a exclusão e a miséria vêm se constituindo
como uma das muitas e muitas conseqüências para as classes
trabalhadoras, que a família sofre as influências diretas desta situação e,
com isso, vem se modificando no que diz respeito á sua constituição, papéis
e formas.
Muitas vezes, a família toma decisões que vão de encontro ao
conceito chamado de “família ideal”, pois nem sempre, podem conciliar o
pensado do vivido.
A atuação do Serviço Social frente a instituição familiar, deverá acima
de tudo, ser a de uma prática livre de preconceitos, voltada sempre para o
estudo e análise das contradições e conflitos gerados no seio do grupo
familiar.
Cabe também, a este profissional, levar a família a entender o que
está acontecendo no setor social, político e econômico da sociedade em que
está inserida. Estas atitudes profissionais constituem-se de grande valor,
uma vez que também dependerá da família e do seu entendimento para a
reintegração da criança e do adolescente à família.
Para que ocorra a reintegração familiar faz-se necessário a
articulação entre os programas sociais.
46
“A criança é a nossa mais rica matéria-
prima. Abandoná-la à sua própria sorte
ou desassistí-la em suas necessidades
de proteção e amparo é crime de lesa-
Pátria.” (Tancredo Neves)
47
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ANEXO I
51
ANEXO II
52
ANEXO III
53
ANEXO IV
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