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Antonio de Pádua de Souza e Silva
A POESIA DAMENSAGEM ANGOLANA E A MENSAPOESIA AFRO-BRASILEIRA
Tese de Doutora ento e Literatura de L!n"ua Portu"uesa# Investi"a$%o ePro(essor Doutor )os* Lu!s Pires Laran+eira& a'resentada , Fa uldade de L/oi 0ra
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U N I V E R S I D A D E D E C O I M B R A
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Fa-uldade de Letras
Antonio de Pádua de Souza e Silva
A POESIA DAMENSAGEM ANGOLANA E A MENSA
POESIA AFRO-BRASILEIRA
Tese de Doutora ento e Literatura de L!n"ua Portu"uesa# Investi"a$%o ePro(essor Doutor )os* Lu!s Pires Laran+eira& a'resentada , Fa uldade de L/oi 0ra
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U N I V E R S I D A D E D E C O I M B R A
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Fa-uldade de Letras
A POESIA DAMENSAGEM ANGOLANA E A MENSA
POESIA AFRO-BRASILEIRA
Fi-5a T*- i-a#
Ti'o de tra0al5oT!tulo
AutorOrientadorIdenti(i a$%o do /urso
6rea /ient!(i aEs'e ialidade
Data
Tese de Doutora entoA 'oesia daMensa"e an"olana e a ensa"eda 'oesia a(ro-0rasileira
Antonio de Pádua de Souza e SilvaPro(essor Doutor )os* Lu!s Pires Laran+eira78 /i lo e Literatura de L!n"ua Portu"uesa#Investi"a$%o e EnsinoLiteraturaLiteraturas A(ri anas de L!n"ua Portu"uesa1234
U N I V E R S I D A D E D E C O I M B R A
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a meus pais: Esmeraldo ( in memoriam) e Nitinha e aos meus 13
irmãos; parentes e amigos, também. meus amores, !"rcia, !ima, lba #$gia e licenanda.
os con%rades e &s con%reiras da cademia 'arreirense de #etras. os po os
marginali ados de todo o *laneta.
os deuses +ue me ensinaram a er melhor a lu da poesia e ao pro%essor *ires
#aran eira, +ue me apresentou a outros deuses de +uem s- tinha uma t nue lembran/a: os
poetas a%ricanos de l$ngua portuguesa, notadamente gostinho Neto, nt-nio 0acinto eiriato da 2ru .
os pro%essores *aulo il a *ereira, 4s aldo il estre, 0osé 2arlos eabra *ereira,
2ristina !ello e 0osé ugusto 'ernardes, +ue ampliaram o meu conhecimento. o pessoal
dos er i/os cadémicos e da 'iblioteca da 5#62.
o e78reitor da 6neb, pro%essor #ouris aldo alentim, e sua e+uipe de gabinete e &
pro%essora driana !"rmore, ines+ueci elmente. os companheiros da 6neb9'arreiras e &
nossa diretora pro%essora !arilde uedes. <eitora do =%bahia, *ro%essora urina. diretora
do =%bahia9'arreiras, Dic$ola 'a+ueiro. os companheiros do =%ba8'arreiras.
os amigos de *ortugal, todos, principalmente aos do 2a%é <ainha anta, da aleria ta.
2lara, do 'e tast>, da *astelaria 'riosa, da ?a erna de is, do alão 'rasil, 0uliana do
2iberEspa/o, le7andre *into e olange de ngola, tão recepti os.
nossa malta conimbricense: na <ocha, nt-nia Domingos, <a+uel il a, !arlene,
ara, 2ristina e Drau.
os %ilhos de 5red ou a 2astro e a ele pr-prio, como grande homem de seu tempo,
%alecido h" pouco. os %amiliares do poeta olano ?rindade.
o +uerido amigo9irmão <icardo ?upini+uim. o *oeta <ui !arinho, +uem primeiro
me apresentou a gostinho Neto nos anos de 1@AB.
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EPÍGRAFE
Os olhos dos nossos mortos(para o poeta gostinho Neto)
4s olhos dos nossos mortos*enetram nos meus sonhos2omo se meu sono5osse uma anela aberta.
into8os lendo minha menteDe noite,E espantando as princesinhas,
4s %aunos, anCes, mistériosue brigam por po oarminhas %antasias ocidentais.
Eles ati/am meu -dio<eacendem meu %ogo,!e acordam a cren/a
ão pro%undos seus olhos.
ão tantos os olhos dos nossos mortos,ue não os conto,ão +uantos
!ortos de ão 2arlos,!ortos de oFeto,!ortos da !angueira,
lagados, 2uru u,!o/ambi+ue, ngola.
ão tantos os nossos mortos
ue suas lembran/as!e sacodem do medo,!e mostram +ue não de o,Não posso,Não tenho se+uer o direito,de calar agora(0osé 2arlos #imeirain D6 <?E, GB11, pp. HB8H1)
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RESUMO
Este estudo de doutoramento representa uma re%le7ão sobre as obras de gostinho
Neto, nt-nio 0acinto e iriato da 2ru , poetas %undadores da no a poesia angolana,
representantes da re ista Mensagem e do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, +ue
tinham como pala ra de ordem I amos descobrir ngolaJK. Estudaremos também a poesia
a%ro8brasileira de olano ?rindade, considerado o primeiro poeta da negritude brasileira, e a
de 5red ou a 2astro, +ue, embora não se a negro em sua epiderme, escre eu, nos anos
1@LB, um li ro chamadoSamba de roda , +ue trata da e7plora/ão da gente do massap do
<ecMnca o 'aiano, predominantemente negra, e7plorada nas planta/Ces de cana de a/ car e
dada & preser a/ão da cultura a%ro8brasileira, muito %orte na região. 4 ob eti o maior deste
estudo é analisar a poesia de gostinho Neto como o de um po o em busca de sua
independ ncia e como %onte de den ncia da e7plora/ão e aliena/ão desse po o. Num outro
momento, analisamos os outros +uatro poetas, nessa mesma ertente, buscando
estabelecer uma analogia com a poética de Neto, para saber até onde essas concep/Ces se
con ergem e onde se distanciam, tendo sempre o I*oeta *residenteK como espelho, como
ponto central das discussCes, tendo em conta tratar8se de cinco poetas de te socialista,todos inculados &s ideias de !ar7 e Engels.
Palavras-chave : a Mensagem angolana; . Neto, . 0acinto e . da 2ru ; . ?rindade e 5red .
2astro; negritude; enga amento; poesia a%ro8brasileira.
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A STRACT
?his doctoral stud> is a re%lection on the ForOs o% gostinho Neto, nt-nio 0acinto
and iriato da 2ru , %ounders o% the neF ngolan poetr>, representati es o% !ensagem
maga ine and the NeF =ntellectual !o ement o% ngola, Fhich had the slogan P#etQs
disco er ngolaP. Re also stud> the a%ro8'ra ilian poetr> o% olano ?rindade, considered the
%irst 'ra ilian poet o% negritude, and o% 5red ou a 2astro, Fho, as not blacO on his epidermis,
Frote, in 1@LB, amba de roda, Fhich deals Fith e7ploitation o% people o% the <econca o
'aiano, predominantl> blacO, e7ploited in plantations o% sugar cane and gi en to the
preser ation o% a%ro8'ra ilian culture, er> strong in the region. ?he ma or ob ecti e o% this
stud> is to anal> e the poetr> o% gostinho Neto as the oice o% a people in search o%
independence and as a source o% complaint %rom the e7ploitation and alienation o% these
people. =n another, Fe anal> e the other %our poets in this same ein, tr>ing to establish an
analog> Fith NetoSs poetic, to OnoF hoF %ar these concepts con erge and Fhere are distant,
alFa>s ha ing the P*oet *residentP as a mirror, as a central point discussions, taOing into
account that the> Fere %i e poets belonged to socialist comple7ion, all linOed to the ideas o%
!ar7 and Engels.
!e"#ords : ngolaSs !essage maga ine. gostinho Neto. nt-nio 0acinto. iriato da 2ru .
olano ?rindade. 5red ou a 2astro. 'lacOness. Engagement. %ro8'ra ilian poetr>.
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SUM$RIO
=N?<4D6TU4..............................................................................................................................@
* <?E = V *4E = D !EN E! N 4# N .....................................................................1W
1.1. poesia angolana dentro do conte7to das literaturas a%ricanas de l$ngua portuguesa. . .1W
1.G. gostinho Neto (1@GG81@W@): não apenas o poeta da imposs$ el ren ncia da NegritudeGB
1.G.1. *er%il biobibliogr"%ico e liter"rio.................................................................................GB
1.G.G. gostinho Neto: o poeta e sua poesia.......................................................................3B
a) *oemas negro8pol$tico8sociais.....................................................................................3G
b) *oemas da prisão........................................................................................................HX
c) *oemas de amor..........................................................................................................LW
d) *oemas pan8a%ricanistas e uni ersais: a ren ncia imposs$ el.....................................L@
e) Neto e sua consci ncia cr$tico8estética.......................................................................WB
1.3. nt-nio 0acinto: do l dico reminiscente ao neorrealismo a%ricano (ou o poeta do
?arra%al).....................................................................................................................................WW
1.3.1. *er%il biobibliogr"%ico e liter"rio.................................................................................WW
1.3.G. nt-nio 0acinto: o poeta e sua poesia........................................................................A11.3.3. s can/Ces de Iminha genteK.....................................................................................A3
1.3.H. nt-nio 0acinto: poeta sobre i ente do ?arra%al.......................................................@H
1.3.H.1. Em redor do ?arra%al...........................................................................................@H
1.3.H.G. No interior de ?arra%al........................................................................................@W
1.3.H.3. ?arra%al l$rico.....................................................................................................1B1
1.3.H.H. lgumas considera/Ces do poeta sobre o seu trabalho poético......................1BG
1.H. iriato da 2ru : um poeta com bilinguismo.....................................................................1BL
1.H.1. *er%il biobibliogr"%ico e liter"rio...............................................................................1BL
1.H.G. iriato da 2ru : o poeta e sua poesia.......................................................................1B@
* <?E == V *4E = 5<48'< =#E=< ...................................................................................1GW
G.1. *<E ENT D4 NE <4 N #=?E< ?6< '< =#E=< .....................................................1GW
G.G. 4 2 4 DE 4# N4 ?<=ND DE E 5<ED 46Y 2 ?<4..............................................1HL
G.G.1. olano ?rindade e o mo imento da negritude no 'rasil..........................................1HL
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G.G.1.1. *er%il biobibliogr"%ico e liter"rio.......................................................................1HL
G.G.1.G. olano ?rindade e a negritude no 'rasil...........................................................1LB
a) 4 cantor de sua gente................................................................................................1LX
b) 4 poeta entre Deus e os 4ri7"s.................................................................................1X3c) 4 poeta e seus amores..............................................................................................1X@
d) olano ?rindade e o mo imento da negritude a%ro8brasileira..................................1WG
G.G.G. 5red ou a 2astro e a poesia das terras do massapé do recMnca o baiano........ ....1AW
G.G.G.1. *er%il biobibliogr"%ico e liter"rio.......................................................................1AW
G.G.G.G. poesia e o amba de roda.............................................................................1@X
G.G.G.3. amba de roda: %onte de alegrias e triste as da gente do massap ................GB@
=) 2anto tel rico.............................................................................................................G1B==) *erspecti a................................................................................................................G1G
===) ?ema V Desen ol imento.........................................................................................G1H
a) terra e o po o.........................................................................................................G1H
b) amba de roda...........................................................................................................G1W
= ) isão da no a idade.................................................................................................G1@
24N2#6 U4............................................................................................................................GG3
<E5E<ZN2= '='#=4 <[5=2 ...............................................................................................GGW
NE\4 ...................................................................................................................................GH3
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I%TRODU&'O
Embora tenha i ido uma prolongada guerra, ngola o%ereceum repert-rio pr-digo no campo da literatura. Desde os anosHB, os angolanos reconheciam a import]ncia da ida liter"riacomo contraponto ao +uadro opressi o em +ue i iam. 4papel dos escritores no mo imento +ue le aria &independ ncia %oi tão signi%icati o +ue nos primeiros anos opa$s era identi%icado como a <ep blica dos *oetas. 4 pr-priopresidente gostinho Neto era conhecido como escritor, assimcomo nt-nio 0acinto, iriato da 2ru e !"rio de ndrade,nomes +ue estão na origem do !o imento *opular de#iberta/ão de ngola. (<ita 2ha es e ?]nia !acedo in'iblioteca Entre #i ros, no embro de GBBW)
2ome/amos este trabalho re isitando um te7to de l%redo 'osi, cr$tico e historiador
liter"rio brasileiro, no +ual os ltimos par"gra%os são dedicados a aston 'achelard e suas
re%le7Ces sobre poesia. 4 cr$tico brasileiro %a a seguinte cita/ão do pensador %ranc s: I^
necess"ria a união de uma ati idade sonhadora e de uma ati idade ideati a para produ ir
uma obra poética. arte é nature a en7ertadaK. *ara 'osi:
'achelard insiste na met"%ora: o enxerto se %a por+ue o poema participa
tanto da nature a, terra8"gua8ar8%ogo, suporte das imagens, +uanto da
cultura, +ue é a%inal a pr-pria nature a +ue mil nios de opera/Ces
simb-licas trabalharam e a%ei/oaram.
Essa dupla participa/ão, +ue se reconhece na matéria signata da pala ra,
abre ao nosso olhar, duas portas.
6ma porta comunica com os labirintos do inconsciente onde se gestam as
metamor%oses do dese o. *orta do sonho.
outra porta d" para os tesouros da mem-ria %ormados por mais de tr s
mil anos de tradi/ão letrada. *orta da cultura. (p.HH)
*ara o cr$tico brasileiro, h" intérpretes do poema +ue se contentam por abrir apenas@
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uma das portas, %echando8se no método, sem permitir +ue outros elementos itais &
compreensão do todo do arte%ato poético possam imprimir sua dose de contribui/ão ao
sabor art$stico das pala ras +ue ir" compor o poema:
*or amor & coer ncia de método h" intérpretes do poema +ue se creem
obrigados a abrir somente uma porta. Dei7am entrar assim uma corrente
homog nea de dados e rela/Ces, mas pagam caro o pre/o dessa
uni%ormidade de istas, pois terão em mãos s- um elo da cadeia. e abro
apenas a porta +ue d" para a g nese sens$ el das %iguras do poema, arrisco8
me a perder tudo +uanto neste se de e ao estilo de época, ao gosto
liter"rio, & poética em +ue se %ormou o autor, &s con en/Ces de g nero e demetro a +ue o te7to obedece, & t-pica do ocabul"rio +ue tradicionalmente
se associaram ao tema, & ideologia +ue ordenou o seu ponto de ista;
en%im, dei7arei de er as dimensCes sociais a +ue nenhum poema amais se
subtraiu. e, porém, eu abrir s- esta outra porta, %echando a primeira, a
minha interpreta/ão acabar" despro ida de todo entendimento das
opera/Ces +ue con erteram o pathos em imagem (nesta imagem nica, e
não em +ual+uer outra tirada de um repert-rio) e nada saberei das
moti a/Ces e7istenciais +ue %or aram a sua e7pressão neste ritmo, e não em
+ual+uer dos metros +ue a hist-ria do erso o%erece ao poeta culto. (pp. HH8
HL)
egundo ele, I'achelard nos ensinaK +ue um tema como carpe diem, muito caro aos
cl"ssicos gregos, ad+uire ao longo das eras uma especi%icidade pr-pria, sem perder sua
ess ncia. largar$amos essa tese e ousariamos di er +ue +ual+uer tema, +ue %i+ue preso aum s- dos elementos a +ue se re%ere 'achelard, tende a es a iar8se, não atingindo assim a
sua plenitude poética. E 'osi %inali a:
4 encontro da imagem com o pensamento, do corpo com a cultura, d"8se
no instante poético, a+uele momento de plenitude +ue %a da poesia uma
meta%$sica instant]nea.
1B
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'ela é a %iloso%ia +ue não teme a di%eren/a nem a contradi/ão; antes, as
con oca e as agasalha & sua sombra. !as, para tanto, de er" também
acolher cora osamente o momento não raro ingrato da identidade. (p.HW)
^ preciso salientar +ue essas impressCes de 'osi são retiradas de seu ensaio Sobre
alguns modos de ler poesia: memórias e reflexões , contido no li roLeitura de poesia, sob sua
organi a/ão. Nele o autor tece uma re%le7ão das leituras %eitas ao longo de sua %orma/ão
como estudante de #etras da 6 * a respeito das correntes da cr$tica liter"ria em oga na
Europa desde o ad ento do <omantismo até os nossos dias.
Essas pala ras de 'osi, recheadas com as re%le7Ces de 'achelard, chamaram8nos aaten/ão, ou melhor, inspiraram8nos a pensar como e por +ue escre er sobre a poesia dos
angolanos gostinho Neto, iriato da 2ru e nt-nio 0acinto, todos oriundos da re ista
Mensagem e da re ista ultura II, +ue circularam em ngola e *ortugal nas décadas de LB e
XB do séc. \\. ?ambém esta am ligados ao Movimento dos Novos Intelectuais de Angola,
cu o lema era!amos "escobrir Angola# , +ue posteriormente %ormaria as bases do !*# 8
!o imento *opular de #iberta/ão de ngola. lém desses poetas, cogitou8nos re erenciar
também dois poetas brasileiros: olano ?rindade, algumas e es citado como re%er ncia pelacr$tica a%ricana de l$ngua portuguesa, e 5red ou a 2astro, poeta baiano pouco publicado e
ainda sem uma cr$tica liter"ria de rele ]ncia.
4 +ue nos le ou a essa escolha %oram dois %atores determinantes dos nossos estudos
ao longo de nossa ida acad mica: a pre%er ncia por escritores pouco conhecidos no 'rasil e
+uase inéditos e a sua +uase e7clusão dos estudos cient$%icos das academias, o +ue preconi a
a condi/ão de maus poetas, de marginais e de subliteratos, como é o caso do Movimento$oetas na $ra%a, de al ador9'ahia, tema de nossa disserta/ão de mestrado, de%endida em
GBBA, na *629 *.
uando propusemos abordar a poética de gostinho Neto, nt-nio 0acinto, iriato da
2ru , olano ?rindade e 5red ou a 2astro, ob iamente +ue não nos passou pela mem-ria
nenhum interesse de chamar a aten/ão do cr$tico norte8americano _arold 'loom e de sua
pl iade a %im de +ue dessem a esses poetas um assento na galeria canMnica da literatura
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ocidental, +ue ele por conta pr-pria elegeu, e a+ui não ai nenhuma cr$tica inconse+uente,
pelo contr"rio, acreditamos +ue o cr$tico norte8americano est" coberto de ra ão. *ensando
na ep$gra%e +ue abre esta introdu/ão, na erdade a nossa preocupa/ão é acicatar o interesse
da academia e dos leitores de l$ngua portuguesa pela obra desses poetas e de outrospr-ceres da re ista Mensagem e da re ista ultura &II', no caso de ngola; di emos pr-ceres,
sim, por+ue eles t m uma signi%ica/ão e uma dimensão liter"ria estética +ue marcam um
di isor de "guas entre o +ue se %e , em termos de literatura, antes deles, e o +ue se %ar"
posteriormente a eles. 4 mesmo acontecendo em outros pa$ses de [%rica de l$ngua
portuguesa; como a nossa abordagem est" restrita ao %enMmeno em ngola, %icamos por
a+ui.
^ certo +ue ha eremos, em alguns momentos de nossa escritura, de %a er algumas
recorr ncias a outras literaturas a%ins. 4 principal ob eti o deste trabalho, porém, é %a er
uma leitura, uma interpreta/ão, uma an"lise cr$tica de nosso corpus, no intuito de tra er &
tona o seu real alor e coloc"8lo (ou destitu$8lo de) em seu de ido lugar dentro do uni erso
liter"rio da l$ngua portuguesa, por+ue é ela o material utili ado por seus autores.
ntes de mais nada, de emos olhar para esses poetas como homens de cultura,
como $cones de homens +ue ti eram toda uma %orma/ão escol"stica e i encial em [%rica e,
posteriormente, na Europa, muitos deles, e s- retornando depois para, atra és da poesia e
da luta armada, %a er a independ ncia de seu pa$s. ^ nosso intuito, também, não combater,
mas con encer, dissuadir a+ueles +ue ainda ho e os desconsideram, principalmente a
gostinho Neto, como poeta, ha endo8lhe de outorgar não apenas os t$tulos de médico,
pol$tico e re olucion"rio, o +ue em erdade o %oi, mas, também, o de poeta.
4s poemas de gostinho Neto, nt-nio 0acinto e iriato da 2ru t m +ualidades, o+ue ha eremos de pro ar ao longo de nossa tese, +ue nada dei7am a merecer em rela/ão a
outros escritores de l$ngua portuguesa e +ui/" de toda a literatura ocidental. Não é nossa
inten/ão, como " %oi a entado, analisar essa poética pelo iés e7clusi o de literatura de
combate, embora a reconhe/amos também assim e dele não possamos nos distanciar. 2omo
" disse #eonel 2osme, e tantos outros, nas escrituras de gostinho Neto (e eu acrescento
nas de iriato da 2ru e nt-nio 0acinto, companheiros de Neto) ida e obra se con ugam,
imbricam8se de tal %orma +ue uma parece condu ir a outra, mais em Neto, é bem erdade,1G
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do +ue nos outros dois.
4utros cr$ticos mais embasados " se deti eram na an"lise dessa poética, a saber:
2arlos Er edosa, <ussel _amilton, erald !oser, al ato ?rigo, *ires #aran eira, Nelson
2er+ueira, ?ania !ac do, !anuel 5erreira, l%redo !argarido, =noc ncia !ata, dentre
outros, por isso, en%ati amos, amo8nos deter em uma leitura estética da poesia +ue compCe
este corpus.
'uscaremos na nossa an"lise a de%esa da autenticidade poética desses artistas da
pala ra, sem dispensar, ob iamente, os conselhos e conhecimentos obtidos ao longo deste
trabalho nas obras dos pes+uisadores elencados nas re%er ncias bibliogr"%icas, sendo eles a
lu e o %anal de nossa escrita. ^ deles +ue em a nossa coragem para a%irmar serem essespoetas pioneiros de uma no a ordem poética da [%rica de l$ngua portuguesa, sem
desmerecer, é claro, as sementes plantadas pelas gera/Ces anteriores. creditamos,
portanto, serem eles os construtores do c]none liter"rio angolano +ue s- agora se esbo/a.
*ela parte brasileira, escolhemos olano ?rindade, por ser negro e contempor]neo
dos angolanos, também ati ista das causas da negritude no 'rasil, sendo um dos pioneiros
na luta contra o racismo e o preconceito, na de%esa dos direitos das pessoas negras e pardas,direitos esses s-, relati amente, alcan/ados no século atual atra és da inger ncia de cotas e
de leis +ue tentam inibir as distor/Ces sociais e punir as posturas preconceituosas contra
a+ueles +ue também contribuem para a constru/ão do desen ol imento do 'rasil e são
muitas e es relegados aos e7erc$cios de ati idades de bai7o prest$gio social.
^ 5red ou a 2astro, também, um poeta contempor]neo dos demais, nascido em
1@31, o mais mo/o embora, tendo publicado seu primeiro li ro no ano de 1@LW, auge da
atua/ão liter"ria dos poetas angolanos. 2astro é um homem do recMnca o baiano, nascido
em ão on/alo dos 2ampos e criado em anto maro da *uri%ica/ão, terra ho e conhecida
por ser o ber/o de 2aetano eloso e !aria 'et]nia. anto maro tem uma representa/ão
muito %orte dentro do cen"rio hist-rico da 'ahia e do 'rasil, principalmente pelo grande
n mero de negros +ue abrigou desde a coloni a/ão do No o !undo, pelo culti o da cana8
de8a/ car e pelas %iguras ilustres ali nascidas e pelo re%erencial nacionalista +ue demonstrou
nas lutas pela independ ncia do 'rasil. Não aleatoriamente, o primeiro li ro de 2astro
13
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chama8se Samba de roda , seguindo8se os inéditos Massap( de sesmarias e anto canavi) ,
a+ui re%erenciados.
ntes de come/ar a an"lise indi idual de cada poeta, de emos ter em conta +ue uma
especi%icidade os une: o mar7ismo; todos eles %oram %iliados ou aderentes de *artidos
2omunistas e9ou ti eram como b$blia os ensinamentos de !ar7 e Engels. Então propomos a
seguinte metodologia: primeiro, analisaremos os poemas de gostinho Neto como ponto
%ulcral do trabalho; segundo, %aremos como +ue uma espécie de comparatismo, uma
analogia das outras poéticas com a do Ipoeta *residenteK, para er o +ue une e o +ue
distancia esses poetas de %orma/ão mar7ista. egundo bdala 0unior:
No 'rasil e em *ortugal encontramos, na perspecti a popular, intelectuais
ideologicamente identi%icados com um resgate cultural +ue não se
con%orma ao mero %olclorismo; ao contr"rio, assumem a posi/ão de
anguarda art$stica. Nos pa$ses a%ricanos de l$ngua portuguesa, a
intelectualidade rompeu de %orma mais radical com a classe dominante
colonial e procura promo er uma consci ncia cr$tica nacional, democr"tica
e popular. 4s escritores mais signi%icati os dessa anguarda ideol-gica
procuram uma a%ina/ão para serem igualmente uma anguarda art$stica, e
promo erem a moderni a/ão desses pa$ses. (GBBW, p.1LG)
^ dentro dessa perspecti a de bdala 0unior +ue se dar" a nossa analogia,
obser ando, criteriosamente, o momento hist-rico em +ue essas poéticas se reali am,
embora contempor]neos os seus e7ecutores. nalisando as poéticas de 0orge de #ima e de
iriato da 2ru , bdala 0unior assinala (em +ue o primeiro homenageia o poeta norte8
americano Rhitman e o segundo, o poeta haitiano 0ac+ues <oumain), +ue essas poéticas
tendem a um congra/amento ou um estreitamento de comunica/ão, atra és da Idialética
particular9uni ersalK. Di o cr$tico:
4s Inegros de todo o mundoK, em sua di"spora, t m o prolet"ria, de suas
condi/Ces prolet"rias. Essa o est" em cada pa$s e nos outros. Ela tem sua1H
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%or/a na considera/ão do espec$%ico nacional e do particular racial de cada
pa$s, com produ/Ces +ue le am a intera/Ces dialéticas uni ersali antes. 4
sistema de re%er ncias deslocou seu centro nacional para outros, onde se
mani%esta a a condi/ão social do negro. apropria/ão nacional %a 8se em
torno dessa identi%ica/ão com um campo ideol-gico8cultural +ue ultrapassa
as %ronteiras nacionais, mas tem sua usti%icati a e articula/ão art$stica
dentro da consci ncia Iposs$ elS da con%igura/ão nacional. (GBBW, pp. 1AW8
1AA)
ssim sendo, o +ue se busca, não é uma total identi%ica/ão, +ue sabemos imposs$ el,
desses poetas, é a o +ue %ala, como %ala, para +uem se %ala e com +ue intuito se %ala, deonde se %ala e sua amplitude no seio de sua pro e/ão e alhures.
1L
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1X
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PARTE I ( A POESIA DAMENSAGEM A%GO)A%A
*+*+ A ,oes a an.olana dentro do conte/to das l terat0ras a1r canas de l2n.0a
,ort0.0esa
Na es%era da a/ão, a unidade a%ricana %oi também reconhecidapela a%irma/ão da Negritude e do *an8a%ricanismo. Negritude, posi/ão intelectual, e o *an8a%ricanismo, posi/ãopol$tica, ambos con ergem ao a%irmarem, a primeira, +uetodos os a%ricanos tinham uma ci ili a/ão em comum, osegundo, +ue todos os a%ricanos de iam lutar em con unto.
=ntui/ão global de ida concreta a%ricana, an"lise das obras,das institui/Ces, das ideias, isCes do mundo, rei indica/ão daNegritude, *an8a%ricanismo con ergem para o mesmo %ato: a[%rica ao sul do aara é culturalmente uma. Essa comunidadecultural é a a%ricanidade, ou se a, a con%igura/ão pr-pria &[%rica de di ersos tra/os +ue podemos encontrarseparadamente alhures. ?odos os rostos humanos sãoconstitu$dos dos mesmos componentes: nari , olhos, l"bios,boca, etc., tal ou tal desses componentes pode8se encontrarid ntico em di ersos rostos; mas a combina/ão desses tra/osid nticos é +ue %orma o rosto nico. a%ricanidade é esserosto cultural nico +ue a [%rica o%erece ao mundo.(`abengele !unanga in 'iblioteca Entre #i ros, no embro deGBBW)
Nos tr s olumes deNo reino de aliban, considerada a primeira obra antol-gica mais
completa da poesia a%ricana de l$ngua portuguesa +uando da sua publica/ão em 1@WL (antes
ha iam sido publicadas as seguintes antologias: Antologia dos novos poetas de Angola,
#uanda, 1@LB;$oesia em Mo%ambi*ue, #isboa, 1@L1; Anthologie de la nouvelle poésie noire
et malgache de langue fran%aise, *aris, 1@HA, compilada por enghor e pre%aciada por 0ean8
*aul artre; $oesia negra de express+o portuguesa , de 5. 0osé ?enreiro e !"rio de ndrade,
1@L3), no longo e documentado estudo introdut-rio, !anuel 5erreira chama a aten/ão para
os mo imentos +ue surgiram nas méricas, na Europa e em [%rica com o ob eti o de di ulgar
a presen/a do negro na cultura uni ersal, notadamente no campo da literatura. ão eles:
1W
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a) , renascimento negro nos E6 : 2ountee 2ullen, 2laude !cOa>, #angston _ughes,
Dubois, este %undador do pan-africanismo, dentre outros;
b) Indigenismo no _aiti, com desta+ue para 0ac+ues <oumain;
c) Negrismo em 2uba, com desta+ue para le o 2arpentier e Nicolas uillén;d) 4 da re ista Lucioles (1@GW), na !artinica, com ilbert ratiant, <ené !énil e a
re ista Légitime "éfense , com ^tiene #ero; e
e) Negritude.
Este ltimo é isto com certa ressal a pelo autor, em irtude de como o termo, depois
de sua primeira descoberta por imé 2ésaire, ganha contornos di%erentes, chegando ao
ponto de banali ar8se; são citados ainda os nomes de enghor e #éon Damas como te-ricosdo assunto. E cabe ao primeiro a melhor de%ini/ão do termo Negritude: I2on unto dos
alores culturais da [%rica NegraK; ou: I4 patrim-nio cultural, os alores e, sobretudo, o
esp$rito da ci ili a/ão negro8a%ricanaSK. Embora 5erreira pre%ira esta de%ini/ão: I re ela/ão
do patrim-nio cultural, dos alores e sobretudo o esp$rito da ci ili a/ão negro8a%ricana,
inculada a uma atitude re%letida e cr$tica, e orientada para o protesto ou para a recusa:
protesto contra o coloni ador e recusa da inger ncia dos dados culturais europeusK
(5E<<E=< , 1@WL, ol. =).
Esses mo imentos e, principalmente o ligado . $résence Africaine , em *aris, tinham
como princ$pio de%ender os direitos dos a%ricanos, notadamente no campo intelectual, a %im
de mostrar ao europeu +ue a cultura a%ricana era tão boa e tão rica +uanto a dita cultura
ocidental.
Negritude, sustent"culo cultural de um mo imento com preocupa/Ces sociais, tem
como meta a recon+uista e a reabilita/ão dos alores perdidos, personali a/ão ,
readapta/ão ao ambiente, a%irma/ão de presen/a no mundo e e7pressão concreta das
realidades negras . =mediati a8se a assun/ão da concretude, do testemunho, da
re alori a/ão do homem negro, na busca de uma identidade social, por todo o mundo onde
negros hou esse: méricas, Europa, [%rica. !"rio de ndrade, gostinho Neto, 4rlando de
lbu+uer+ue concebem a literatura negra como uma entidade uni ersal, da mesma %orma,
lda E. anto a concebe como sendo a americana e a%ricana, +ue se a produto da ra/a negra,1A
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do orgulho da ra/a . *ara eles, a literatura negra inha suprir uma lacuna %ormati a e
in%ormati a, não ambicionando mais do +ue ser til, con%orme *ires #aran eira.
No olume = de sua antologia, 5erreira %a uma introdu/ão sobre a hist-ria da
literatura a%ricana de l$ngua portuguesa, com o t$tulo I6ma a entura desconhecidaK, com
uma sele/ão de 3@ poetas de 2abo erde e apenas um de uiné8'issau, nt-nio 'aticã
5erreira; no olume ==, encontraremos H@ poetas de ngola e sete de ão ?omé e *r$ncipe; "
no olume ===, destinado a !o/ambi+ue, %oram selecionados HH poetas. 2ada parte tra uma
introdu/ão sobre a literatura de cada pa$s. ^ uma obra de grande rele ]ncia para os estudos
da poesia a%ricana de l$ngua portuguesa, embora, por ra Ces e7postas em seu pre%"cio,
alguns outros poetas tenham %icado de %ora da antologia.
No olume ==, 3 . *arte, sobre ngola, 5erreira credita a %unda/ão da poesia angolana
a 0osé da il a !aia 5erreira e seu /spontaneidades de minha alma (1AH@), embora, ho e,
saibamos +ue te7tos esparsos de outros autores tenham sido publicados anteriormente; ele
se re%ere, também, ao Almanach de Lembran%as, +ue circulou entre 1AL1 a 1@3G, como
marco %undador, onde muitos residentes nas colMnias publicaram suas e7peri ncias poéticas.
alienta o organi ador +ue a segunda metade do século \=\ caracteri a8se pelacrescente onda de conscienti a/ão regional , atra és dos ornais, da cultura popular: contos e
ad"gios, da organi a/ão de gram"ticas e dicion"rios. inda segundo ele, embora sens$ el aos
problemas da terra, essa poesia ganhar" contornos europeus, dada a situa/ão de ngola
como colMnia portuguesa & época. 6m tema, no entanto, sobressai: Ia mulherK; ser", porém,
com os grupos de Mensagem e ultura, re istas +ue circularão a partir da década de 1@LB,
+ue a poesia de rai angolana h" de se a%irmar com uma no a isão.
Em seu manual Literaturas africanas de express+o portuguesa , editado pela
6ni ersidade berta, em 1@@L, *ires #aran eira %a um painel dessas literaturas, com
%undamentos epistemol-gicos, desde os seus prim-rdios até & data da publica/ão do
manual, destinado aos estudantes da 6ni ersidade berta espalhados pelo mundo e
interessados em conhecer as literaturas a%ricanas de l$ngua portuguesa. ssim escre e o
autor:
1@
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?rata8se, pois, de um !anual de isão panor]mica, nos cap$tulos
introdut-rios a cada pa$s, de tipo cronol-gico, did"ctico; de apresenta/ão
de aspectos gerais e particulares (hist-ria liter"ria, escritores, obras, temas),
nos cap$tulos +ue não analisam uma obra de leitura completa e
obrigat-riaff; de an"lise de aspectos mais particulari ados, precisamente
sobre um autor e, em especial, um te7to ou um con unto dos seus te7tos
(romance, li ro de poemas, li ro de contos), nos cap$tulos sobre te7tos de
leitura integral (# < N0E=< , 1@@L, p.1W).
?rata8se, portanto, de uma obra com %im epistemol-gico determinado, tal e o
primeiro trabalho dessa nature a sobre o assunto em +uestão. Esse manual contou com acolabora/ão das pro%essoras =noc ncia !ata e Elsa <odrigues dos antos.
ale ressaltar, também, +ue no as obras, atualmente, t m sido publicadas com uma
certa const]ncia, tanto obras liter"rias propriamente ditas, de no os e de antigos escritores,
+uanto obras te-ricas e de hist-ria das literaturas a%ricanas de l$ngua portuguesa, de "rios
autores. *odemos citar nomes como os de: 2osta ndrade, 2arlos Er edosa, <ussel
_amilton, erald !oser, #eonel 2osme, !"rio nt-nio, l%redo !argarido, al ato ?rigo,
?ania !ac do, Nelson 2er+ueira, " citados anteriormente, entre outros, con%orme indica/ão
bibliogr"%ica.
*+3+ A.ost nho %eto 4*533-*56578 n9o a,enas o ,oeta da m,oss2vel ren:nc a
da %e.r t0de
*+3+*+ Per1 l ; o; ;l o.r<1 co e l ter<r o
*ara o escritor angolano, a interpreta/ão da e7ist ncia nãodei7a de estar submetida a esta regra e para o %a er, não pode,e identemente, desconhecer a realidade, sobretudo osaspectos dram"ticos dessa realidade, +ue constituem a suacontradi/ão.
(...)
GB
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?odos n-s, creio, concordamos em +ue o escritor se de asituar na sua época. E e7ercer a %un/ão de %ormador deconsci ncias, +ue se a agente acti o de um aper%ei/oamentoda humanidade.
(...)
literatura, na ngola independente e caminhando para uma%orma superior de organi a/ão V o socialismo V tem de,necessariamente, re%lectir esta no a situa/ão.
(...)
No passado, a nossa literatura mergulhou pro%undamente nacultura europeia V era mesmo uma parte da literatura daEuropa, cu as correntes %oram seguidas e uma das suas l$nguasutili ada como nico meio de e7pressão.
(...)
Neste momento, " não é aceit" el a ideia de %a er entrar nacategoria de escritores, apenas a+ueles +ue mane am comper%ei/ão a l$ngua portuguesa. interpreta/ão ou a descri/ãoda ida t m de ser actos de artistas, mas a %orma +ue assumenão se subordina ao dom$nio mais ou menos per%eito da l$ngua+ue utili amos. ( gostinho Neto: discurso perante a 6E , em1@WW)
poesia de gostinho Neto nem sempre tem sido a aliada consoante a sua alidade
no conte7to da literatura angolana, +ue é a primeira inst]ncia de onde emanam os u$ os
sobre as obras produ idas pelos escritores do pa$s. ?em ha ido sérias ob ec/Ces & sua
+ualidade como poeta. e olharmos para a recep/ão end-gena e também para o longo
historial da sua leitura %ora de ngola, encontraremos uma aprecia/ão positi a e, mais do
+ue isso, consagrando8o como o poeta angolano por e7cel ncia.
egundo #u$s `and imbo, em gostinho Neto, I+ualidades pessoais como aud"cia,
orgulho e autoestima en+uanto a%ricano, a assun/ão do compromisso pol$tico e as%ormula/Ces te-ricas sobre a liberta/ão e o nacionalismo tradu em o culminar de um longo
processo de %orma/ãoK, +ue come/a com a publica/ão de dois te7tos em , /standarte , ornal
da =gre a !etodista: A nova ordem come%a em nossa casa0 A pa1 *ue *ueremos e Instru%+o
do nativo, publicados em 1@HH8HL e com2ma causa psicológica: a marcha para o exterior e
2ma necessidade , publicados no ornal, 3arolim , em 1@HX, +uando o poeta conta a com GG
e GH anos. *ara `and imbo, nesses escritos " se percebe um discurso nacionalista, embora
G1
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ei ado de marcas nati istas das duas primeiras décadas do século \\. No ano em +ue Neto
nasceu, 1@GG, eclodiu a4evolta Nativista amponesa , então apoiada pelo seu pai, o
re erendo gostinho *edro Neto. Nas décadas de 3B e HB, gostinho Neto %re+uenta, em
#uanda, a escola da =gre a !etodista e o ornal , /standarte . 4 seu processo de %orma/ão énarrado no re%erido ornal, atra és de not$cias a respeito dos seus 7itos escolares e outros
%atos como a doen/a e a morte do pai, entre 1@3H e 1@HX, con%orme `and imbo. Nesse
per$odo, gostinho Neto publica alguns poemas e artigos de inspira/ão religiosa no ornal ,
/standarte . Neste mesmo ornal ponti%ica a seu pai.
De 1@HH a 1@L@, escre e e publica artigos marcantes no ]mbito da hist-ria intelectual
angolana, a saber: A nova ,rdem ome%a em asa (1@HH); A $a1 *ue /speramos (1@HL);
Instru%+o ao Nativo (, /standarte , 1@HL);2ma ausa $sicológica: a Marcba para o /xterior
(1@HX);2ma Necessidade (1@HX); e"a !ida /spiritual em Angola (1@H@, !eridiano);, 4umo
da literatura Negra ( entro de /studos Africanos . 1@L1); A propósito de 5eita 3odeba
( Angola6 4evista da liga Africana. 1@L3);Introdu%+o ao oló*uio sobre $oesia Angolana
(1@L@)(`and imbo, p.1B).
re ista Latitudes: ahiers Lusophones, no seu n mero H18HG, de aneiro de GB1G,
ano das comemora/Ces do @B ani ers"rio de nascimento de gostinho Neto, dedica +uase
1BB p"ginas ao Ipoeta *residenteK e é dela +ue nos utili amos para %a er uma pe+uena
biobibliogra%ia de Neto, le ando em considera/ão a rele ]ncia de seus subscritores no
uni erso da cultura e da pes+uisa liter"ria dos pa$ses a%ricanos de l$ngua portuguesa.
No ano leti o 1@HW8HA, o poeta est" matriculado no curso de !edicina da 62; em
1@L1, ao lado de m$lcar 2abral, !"rio *into de ndrade, Noémia de ousa, lda do Esp$rito
anto e outros, %unda o 2entro de Estudos %ricanos, sob in%lu ncia de 2ountee 2ullen,#angston _ughes, <ichard Rright, imé 2ésaire, Nicol"s uillén, <ené !aran e `eita 5odéba.
^ nessa época +ue come/a a nascer a ideia de cria/ão de um grupo pol$tico.
Em 1@LH, a uda a criar o 2lube !ar$timo %ricano, " residente em #isboa. eu
prest$gio intelectual aumenta progressi amente, bem como as persegui/Ces policiais +ue
culminarão numa série de prisCes até & sua %uga para o e7$lio, de onde comandar" o !*# . E
conclui and imbo:
GG
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6ma leitura global da obra de gostinho Neto, compreendendo a poesia e
os te7tos de car"cter ensa$stico sobre os +uais discorremos rapidamente e
+ue ainda se encontram dispersos por "rias publica/Ces, h"8de propiciar a
oportunidade de perscrutar os arcanos da personalidade de um homem de
letras e de um intelectual. 4 homem de letras é o poeta da P agrada
Esperan/aP e da P<en ncia =mposs$ elP. 4 intelectual é o su eito +ue
enuncia o discurso +ue o coloca ao lado dos pobres, dos %racos, dos
humilhados de todo o mundo, uni ersali ando a tr"gica condi/ão do
_omem %ricano durante séculos. (GB1G, p.13)
2om rela/ão & poesia de Neto: a sua aparente simplicidade prosaica e o seu %orte
enga amento pol$tico, assim se re%erem os ensa$stas *ires #aran eira e na ?. <ocha:
2onhecedor de +ue a poesia era insu%iciente para atingir os seus %ins, para
se manter perto do seu po o. Neto poeti ou da %orma mais ade+uada ao
conte7to, recusando, conscientemente e não por incapacidade, lirismos e
seus ornamentos +ue, por belos e so%isticados +ue %ossem, não trariam a
con%ian/a nem a coragem +ue se pede a um po o num conte7to de luta pela
liberta/ão, assim como não re elariam ao resto do mundo a realidade i ida
pelos negros, no tempo da coloni a/ão branca em [%rica. E, muitas e es, as
literaturas, em [%rica, supriram as lacunas da mera in%orma/ão %actual e
tornaram8se e$culo consciente de doutrina/ão. 4 poeta turco Na im
_iOmet, +ue Neto re%ere em P +ui no c"rcereP, mar7ista como ele,
abandonou o culti o do cl"ssico ritmo dos ruba>at, por +ue se empenharana u entude, para escre er leg$ el e aud$ el tendo como destinat"rio o
po o, mesmo +ue anal%abeto, como e7plicou 0o ce #ussu. ustamente +uem
tradu iu os dois para italiano: PNon era un letterato: il letterato si %orma
com lo studio dei predecessori, com lSaccumula ione libresca: a _iOmet
+uesto non interessa a. #a sua %onte dSispira ione non erano gli altri
scrittori. ma la coscien a storica e la lotta politica; e non si ri olge a a critici
e scrittori, ma al popolo dei suo paese e di tutti i paesi, anche agli
G3
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anal%abetiP (_iOmet, GBBL: W). mbos os poetas tinham ob iamente as suas
leituras, mas essa recusa da tradi/ão so%isticada e snob de uma poesia para
circuitos %echados %oi assumida por Neto com a usta consci ncia do
trabalho lingu$stico e da busca da melhor e7pressão estética para os seus
intentos, parecendo +ue o resultado %inal é mais pobre do +ue de outros
poetas (os detractores comparam8no sempre a iriato da 2ru autor de
somente uma d ia de poemas, os +ue se conhecem), por+ue a carga
pol$tica e social tende a submergir a cuidadosa ar+uitectura do discurso.
(GB1G, p.1X)
E identemente, não estão os ensa$stas, de %orma alguma, a menospre ar o alorestético de iriato da 2ru , mas tão8somente a e idenciar +ue ambos se encontram no
mesmo patamar de despre o. Decerto +ue o lirismo puro, sentimentalista, en%adonho, por
e es, centrado no eu, não caberia neste tipo de poesia +ue estamos a estudar. ^
inconceb$ el Io conceito de arte pela arteK aplicado & poética de Neto, embora ele tenha
praticado também os chamados Ipoemas de amorK, mas, mesmo nesses poemas,
encontramos marcas pol$ticas em seu interior, isto +ue pelo menos tr s deles %oram escritos
na prisão.
Neto assumiu a missão de todo um po o. inda com rela/ão & sua obra, é rele ante a
primeira edi/ão, mais completa, publicada em =t"lia, on occhi asciutti (1@X3), numa cole/ão
+ue re ne escritores do +uilate de NaboOo , ide, 2endrars, 0o>ce, !ann, 'utor, 'orges,
*irandello e 5orster.
4utrossim destacamos +ue as poesias de Neto eram declamadas entre os re oltosos
e muitas %oram musicadas e cantadas, o +ue %acilitou a sua dissemina/ão entre as pessoas de
pouca ou nenhuma leitura. Estaria, pois, Neto ligado & linha de poetas como Na im _iOmet,
*aul ^luard, uille ic, ercors, nt-nio !achado, _ernande , etc.. 4s ensa$stas *ires
#aran eira e na ?. <ocha ainda elegem alguns poemas de Neto como de a%inado apuro
técnico8estético: I2aminho do matoK, I*ara além da poesiaK, I ombrasK, I spira/ãoK,
I!ussunda amigoK, I4 caminho das estrelasK, I2riarK, I5ogo e ritmoK, I2ampos erdesK e
I_a emos de oltarK, bem como os Iempenhadamente s-cio8pol$ticos e ideol-gicos, sem
GH
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perda de +ualidades estéticasK: I deus & hora da largadaK, I uitandeiraK, I recon+uistaK,
I angrantes e germinantesK, INa pele do tamborK, I*oemaK, I4 erde das palmeiras da
minha mocidadeK, I4 choro de [%ricaK, I o igualK e I ren ncia imposs$ elK.
pes+uisadora =noc ncia !ata, em seu ensaio 4eler os 7 l)ssicos8: a $oesia de
Agostinho Neto e os herdeiros do nacionalismo liter)rio , chama8nos a aten/ão para a gera/ão
+ue ela denomina de poetas8pol$ticos, composta por: 2ochat 4s-rio (1@1W8GBBG), !aur$cio
omes (1@GB8século \\=), nt-nio gostinho Neto (1@GG81@W@), ires de lmeida antos
(1@GG81@@G), Ernesto #ara 5ilho (1@GG81@WW), nt-nio 0acinto (1@GH81@@1), iriato da
(1@GA81@W3), !"rio *into de ndrade (1@GA81@@B), !"rio nt-nio (1@3H81@A@), _enri+ue
branches (1@3G8GBBX), !anuel dos antos #ima (1@3L), #uandino ieira (1@3L). egundo
ela, a literatura era a %orma, na+uela Ialtura em +ue esta am cerceadas outras possibilidades
de mani%esta/ão pol$ticaK, de mobili a/ão, era Ipor isso, uma ret-rica de inten/ão e
intencionalidade pol$ticas, buscando partilhar mem-rias imaginariamente hist-ricas e sociais
e colecti i ar ang stias e aspira/CesK, a %im de atingir um Icorpo uno e coeso, dentro dos
prop-sitos do nacionalismoK. *ara ela, além da épica, outros recursos são utili ados, como os
elementos Iretirados da nature a e da socioculturaK +ue eram trans%ormados em Is$mbolosK
de encantamento para se criar um elo Ia%ecti o8sentimentalK entre os literatos8pol$ticos e apopula/ão. Não h" d idas para =noc ncia !ata de +ue I nt-nio gostinho Neto é,
untamente com (...) nt-nio 0acinto, ires de lmeida antos, !aur$cio de lmeida e iriato
da 2ru , dos mais portentosos poetas da gera/ão da Mensagem e do nacionalismo liter"rioK.
p-s a independ ncia, ap-s, portanto, o boom da poesia s-cio8pol$tico8nacionalista,
come/a a surgir em ngola e em toda a [%rica de l$ngua portuguesa, como era de se esperar
e como se d" em toda sociedade +ue passa por trans%orma/Ces radicais, uma no a ordem
poética e uma no a concep/ão de poesia passa a operar8se, assim os discursos dos escritores
subse+uentes aos da gera/ão da Mensagem transcorrerão por no as tra et-rias, &s e es
recuando & gera/ão anterior, &s e es dela se distanciando, o +ue s- se pode e7plicar tendo
em ista o discorrer dos no os %atos hist-ricos, da no a ordem cultural e social +ue h" de se
estabelecer, algo absolutamente normal e aceit" el, até prenunciante de um
amadurecimento intelectual salutar ao pro eto de e olu/ão liter"ria do no o pa$s, completa
!ata:GL
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Não obstante essa nostalgia, por e es regressi a (por+ue crepuscular), o
+ue a poesia contempor]nea, a%inal, intenta não é a nega/ão da %ei/ão
celebrati a da terra e suas gentes, a sua %ei/ão hist-rica e a do poético. e
ho e as preocupa/Ces dos poetas se iram para as rela/Ces internas de
poder, para a reparti/ão ra o" el das ri+ue as, para o processo de
digni%ica/ão do indi $duo, para o respeito pela hist-ria particular e
segmental dos grupamentos, para o respeito pelos direitos c$ icos e para o
e+uil$brio nas rela/Ces sociais, mais não %a em +ue reelaborar, criticamente,
a corrente de solidariedade e cumplicidade +ue, prosopopeicamente, se
constr-i no poema P*artida para o contratoP, de gostinho Neto. (GB1G,
p.HW)
Nesse particular, concordamos plenamente com a ensa$sta e cr$tica na "rea dos
estudos a%ricanos de l$ngua portuguesa.
Em 1@L1, Neto so%re a sua primeira prisão pela *=DE, pol$cia do %ascismo sala arista,
+ue amais es+uecer" o nome de gostinho Neto. Ele so%rer" in meras persegui/Ces e outras
prisCes, até %ugir de #isboa em 1@X3, a udado pelo *artido 2omunista *ortugu s, com sua
mulher !aria Eugénia Neto e os %ilhos, !"rio 0orge e =rene le7andra, chegando a
#éopold ille ( inshasa), onde o !*# tinha a sua sede no e7terior, mantendo8se na
clandestinidade, mas sempre atuante na luta pela liberta/ão de ngola, até 1@WL, +uando do
seu regresso, ap-s a +ueda do %ascismo portugu s em 1@WH, a GL de bril, e a declara/ão da
independ ncia das antigas colMnias.
inda em 1@X1, inicia8se uma campanha internacional em prol da liberta/ão degostinho Neto: a re ista $résence Africaine dedica um n mero especial a ngola e condena
se eramente as autoridades %ascistas portuguesas, 9he 9imes publica mani%esta/Ces de
protesto contra a prisão de gostinho Neto, assinadas por %iguras do mais ele ado conceito
intelectual, como o historiador 'asil Da idson, os romancistas Da> #eFis, Doris #essing, =ris
!urdoch, ngus Rilson, lan ilitoe, o poeta 0onh Rain, o cr$tico de teatro ingl s `ermeth
?>nan, os dramaturgos 0onh 4sborne e rnold ResOer. $eguin oo;s edita o li ro
GX
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$ersecution 1@X1, de autoria de *eter 'enenson, denunciando a situa/ão de no e
prisioneiros pol$ticos, entre eles gostinho Neto. Nesse mesmo ano, é eleito presidente do
!*# durante a 2on%er ncia Nacional do !o imento. 4utros nomes, como os de 0ean *aul8
artre e Nicol"s uillén, também se le antam contra a sua prisão. 1B de etembro de 1@W@,gostinho Neto %alece em !osco o.
4 percurso poético de Neto come/a, portanto, mais ou menos em 1@HL e termina em
1@X1, +uando o poeta, cMnscio de sua missão como ate, passa a empreender o caminho do
pol$tico, do re olucion"rio +ue " anunciara em alguns de seus poemas mais & %rente
analisados, com o intuito de descobrir se gostinho Neto é de %ato um poeta, ou se seus
poemas são apenas uma %orma prosaica de desaba%o, de e7primir em ersos as suas m"goas,
as suas dores, os seus dese os e suas in+uietudes.
?endo Neto parado de escre er em 1@X1, como atesta a maioria de seus
pes+uisadores e cr$ticos, então seus escritos não passam de eleidades da u entude E se
seus te7tos causarem no leitor o +ue os I%ormalistas russosK chamaram de estranhamento,
então são "lidos como %ormas poéticas uni ersais
2om e%eito, a poética de Neto, no +ue tange &s trans%orma/Ces sociais e hist-ricas,tende a seguir a concep/ão continu$sta da hist-ria, estabelecida por *aul <icouer ( apud
? D#E< 24 ? , p.XH), para +uem Ia sub ersão total é impens" el e toda a trans%orma/ão
conser a um pé no passado, na medida em +ue a possibilidade de a an/ar parece ser
proporcional & capacidade de dar ida & tradi/ãoK. 4u a poética de Neto representa uma
ruptura com o passado e prega tão somente a separa/ão entre a colMnia e a metr-pole
ão essas interroga/Ces +ue tentaremos esclarecer ao longo deste trabalho.
o>tisolo e arc$a salientam +ue a antologia espanhola é resultado da edi/ão italiana
on occhi asciutti , depois publicada com o t$tulo em portugu s Sagrada esperan%a, segundo
eles:
Entre estas dos ediciones de todos sus poemas, es decir, la primera > la
ltima, se sucedieron otras muchas traducciones: en ugosla ia, la 6< ,
GW
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5rancia, 2hina, =nglaterra... u prestigio como poeta era >a tal +ue en 1@WB,
> sin haberse presentado > ni tan si+uiera saberlo hasta mucho m"s tarde,
recibi- el *remio =nternacional #otus, +ue por unanimidad le otorg- la
2uarta 2on%erencia de Escritores %ro8 si"ticos.
#os poemas de Neto e7presan su isi-n del presente > %uturo de ngola a
tra és de temas cotidianos, de personas, de situaciones determinadas, pero
con la irtud de hacerlos o con ertidos en s$mbolos de toda una naci-n, >
de todo un continente también. No es un escritor pan%let"rio, sino un poeta
+ue hace > escribe la re oluci-n, +ue encarna muchas ]nsias de libertad.
(...)
6na tercera constante en Neto es su total aus ncia de sentimentalismo,
incluso al tratar del dolor, del su%rimiento, de la angustia, de la ajoran a o
de la muerte. u propio dolor o las desgracias de su pueblo k+ue en
ocasiones se con%undenk no son am"s ob eto de conmiseraci-n o
lamento. Es un pudor propio solo de los poetas %or ados en la desolaci-n o
en la cat"stro%e desde su nije . Este pudor, esta autoe7igencia, +ue propone
también para su pueblo, de sobrelle ar el in%ort nio con estoicismo o
impa ide , es el +ue le lle a a repetir una > otra e la %rase: con los o os
secos; a%rontar la ad ersidad sin l"grimas. (1@AB, pp.1H81L)
pesar de grande, essa cita/ão nos interessa por+ue ela " esclarece alguns dos
+uestionamentos e7postos acima sobre a poesia de Neto e sua postura como poeta,
esclarecimentos +ue serão mais alargados & lu de outros cr$ticos re%erenciados no
desen ol imento desta escritura. *ercebemos, por e7emplo, +ue, em Neto, um homempro%undamente angolano e i encialmente a%ricano, surge constantemente em sua poesia
uma ontade uni ersal. uando escre e I amos com toda a humanidade 9 con+uistar nosso
mundo e a nossa pa K, %ala por todos os homens e mulheres do mundo, sem e7ortar
+ual+uer re anchismo ou ingan/a: Icom nossas mãos 9 abertas & %raternidade do mundoK.
egundo os cr$ticos espanh-is: I<ealmente, Neto no ca>- en ninguno de los dos t-picos
habituales en el ?ercer !undo: ni copi- un modelo de cultura heredado de su tribu, ni se
cij- a la tradici-n de la antigua metr-poli. 6n caso ins-litoK.GA
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Em Sagrada /speran%a, os 1X primeiros poemas, +ue ão de I deus & hora da
largadaK a I2ontratadosK, de 1@HL a 1@HA, combinam neorrealismo e negritudinismo.
segunda le a de poemas, escritos entre 1@H@ e 1@LL, +ue ai de I2on%ian/aK a I4 erde das
palmeiras de minha mocidadeK, com G1 poemas, +ue, & e7ce/ão de +uatro, INão me pe/assorrisoK, I`ina7i7iK, I6m ani ers"rioK e I!assacre de . ?oméK, são mani%estamente da
negritude, do negro genérico, uni ersal, mas também a%ricano e angolano, sem demasiados
pormenores regionais. terceira, %ormada por 1H poemas, de 1@LL a 1@XB, IDe um bou+uet
de rosas para tiK a I o igualK, são poemas +ue temati am as prisCes por onde o poeta
passou, com e7ce/ão de I2horo de [%ricaK, e se re%erem genericamente & liberta/ão nacional
e & independ ncia. inda podemos apontar 1X poemas ine+ui ocamente de negritude:
I spira/ãoK, I auda/ãoK, I2onscienciali a/ãoK, I*ausaK, I4 caminho das estrelasK, Irecon+uistaK, I angrantes e germinantesK, INa pele do tamborK, I s terras sentidasK,
I'amaOoK, I2riarK, I5ogo e ritmoK, I!ãos esculturaisK, I*oemaK, I4 erde das palmeiras de
minha mocidadeK e I4 choro de [%ricaK, podendo8se incluir ainda INoiteK, I ombrasK,
I2on%ian/aK, I elho negroK e I*ara além da poesiaK, todos deSagrada esperan%a, mais
I<en ncia imposs$ el V nega/ãoK, I o do sangueK, I ntigamente eraK e I tua mão poetaK,
teremos GL poemas netianos de negritude (c%. #aran eira, A negritude africana , 1@@L).
Nosso ob eti o, " mencionado acima, é %a er uma leitura pr-pria, como condi a todo
trabalho de doutoramento, mas sem perder de ista as orienta/Ces +ue re%erendam o nosso
discurso. %inal, a pol mica gerada por estas pala ras do escritor 0osé Eduardo gualusa,
também angolano, e eiculadas pelo peri-dico Angolense (Iuma pessoa +ue ache +ue o
gostinho Neto, por e7emplo, %oi um e7traordin"rio poeta é por+ue não conhece
rigorosamente nada de poesia. gostinho Neto %oi um poeta med$ocre. 4 mesmo se pode
di er de nt-nio 2ardoso ou de nt-nio 0acintoK), nos incomodou bastante, por nãoconcordarmos com elas e por não sermos tão leigos em poesia como imagina gualusa. 4
+ue nos soa é tratar8se de uma certa di erg ncia pol$tico8ideol-gica, dada a puerilidade das
e7pressCes.
G@
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*+3+3+ A.ost nho %eto8 o ,oeta e s0a ,oes a
#eiam 5anon: saberão +ue, no tempo da sua impot ncia, aloucura assassina é o inconsciente coleti o dos coloni ados.
(...)
ssim, o obcecado %oge da sua e7ig ncia pro%unda in%ligindo8se manias +ue o solicitam a cada instante. Dan/am; na dan/amo em os m sculos dolorosamente contra$dos e a dan/amimeti a, em segredo, muitas e es sem +ue eles saibam, oNão +ue eles não podem di er, os assassinatos +ue não podemcometer. Em certas regiCes, usam um ltimo recurso: apossessão. 4 +ue era outrora %ato religioso em suasimplicidade, uma certa comunica/ão do %iel com o sagrado, é
trans%ormado em arma contra o desespero e a humilha/ão: osdem-nios, os ori7"s, os santos da anteria descem sobre eles,go ernam a sua iol ncia e a desperdi/am em transes até oesgotamento. o mesmo tempo, esses altos personagens osprotegem: isso +uer di er +ue os coloni ados se de%endem daaliena/ão colonial, re%or/ando a aliena/ão religiosa.
(...)
Dois mundos, duas possessCes: dan/a8se a noite inteira;+uando amanhece, corre8se ara a igre a para ou ir missa; acada dia, a %issura aumenta. Nosso inimigo trai os seus irmãose se %a nosso c mplice; seus irmãos %a em o mesmo. 4indigenato é uma neurose introdu ida e alimentada pelocolono nos coloni ados com o consentimento destes. (0ean8*aul artre)
amos tomar como base os poemas publicados na trilogia poética da edi/ão da 6nião
dos Escritores de ngola, GBB@, reunindo poemas deSagrada /speran%a0 4en<ncia
Imposs=vel e Amanhecer , com pre%"cios de 0osé arai a de 2ar alho, eneral e combatente
da luta de liberta/ão, e de *ires #aran eira, +ue representam a mais completa edi/ão da obra
deste $cone da literatura, da pol$tica e da cultura geral de ngola. ^ bom esclarecer +ue
ti emos acesso a outras edi/Ces da obra poética do autor, mas pre%erimos eleger a edi/ão de
GBB@ como %onte de re%er ncia, em irtude de ser a primeira edi/ão realmente completa de
Neto.
Neto escre eu seu ltimo poema, de cunho erdadeiramente re olucion"rio, ou
assim presume8se, em 1@X1, ano em +ue se inicia de %ato a guerra pela independ ncia. ?rata8
3B
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se, portanto, de um %ato e7emplar: gostinho Neto desiste de seu pro eto como poeta, para
se dedicar a um pro eto mais leg$timo, mais importante, o da re olu/ão, da luta pela
autodetermina/ão de ngola 4u, na erdade, sentia8se o aedo com sua missão cumprida
como disc$pulo de 4r%eu, assim como o o em <imbaud, e punha8se agora a trilhar um no ocaminho e a construir uma outra edi/ão de sua biogra%ia, e identemente oposta & do g nio
%ranc s
creditamos na segunda hip-tese: ha endo Neto cumprido sua missão como poeta,
compondo um discurso poético do +ual se utili aria, ele e seus companheiros, como or"culo
dos seus patr$cios e %onte did"tico8pedag-gica ao longo dos 1H anos +ue ha eria de perdurar
a luta. 2umprido assim esse périplo, punha8se em no a marcha. 2abe8nos, entanto, a aliar o
seu esp-lio poético, e tão somente este, a saber se merece o poeta, ho e, o t$tulo de
Icl"ssicoK da literatura angolana, como bem e7pressa a edi/ão em causa.
Essa edi/ão é composta dos L1 poemas de Sagrada esperan%a, nem todos datados,
mas seguindo uma ordem, a nos parecer, cronol-gica, sendo o ltimo de 1@XB, mais o #i ro ==
V4en<ncia Imposs=vel , nem sempre datados os poemas, mas +ue correspondem ao per$odo
de 1@HW a 1@LB, com 1W poesias. 5echa a trilogia o #i ro === V Amanhecer , com sete poemas,
curiosamente tra endo um poema datado de 1@WG, o ltimo.
Desta trilogia, como se abai7o, %i emos uma sele/ão dos te7tos a serem analisados,
em irtude da impossibilidade de utili armos um processo poema a poema, o +ue tornaria o
trabalho demasiadamente lento e, +ui/", cansati o. sele/ão obedeceu ao seguinte critério:
a) poemas negro8pol$tico8sociais; b) poemas da prisão; c) poemas de amor; d) poemas pan8
a%ricanistas e uni ersais; num outro item, analisaremos e) Neto e sua consci ncia cr$tico8
estética, sempre buscando esclarecer as +uestCes le antadas acima, notadamente as +ue sere%erem & poeticidade ou não dos te7tos de Neto, a %im de coloc"8lo em seu de ido lugar,
para depois buscarmos a analogia com a poesia do restante de nosso corpus, nt-nio
0acinto, iriato da 2ru , olano ?rindade e 5red ou a 2astro.
31
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a7 Poemas ne.ro-,ol2t co-soc a s
%ilia/ão mar7ista da an"lise e desta classi%ica/ão da Isérie
liter"ria angolanaK, por #eonel 2osme, não est" apenasimplicada na terminologia +ue utili a e +ue procurei a+ui pMrsinteticamente em desta+ue. Ela é e7pl$cita eprogramaticamente erbali ada no seu te7to como a/ão eescrita orientadas, como declara, pelo Icompromissoideol-gico com a dialética mar7istaK (Eneida #eal 2unha)
4 +ue emos nos tr s primeiros poemas da antologia: I deus & hora da largadaK,
I*artida para o contratoK e I "bado nos musse+uesK é um eu poético a pre enir I!inha
mãeK, não apenas a sua progenitora, ha a ista o aposto entre par nteses, e7plicando ae7pressão antecedente, +ue e olui da condi/ão particular para a coleti a e mais
especi%icamente para a condi/ão de InegrasK, a cor da pele. Nascido negro, numa %am$lia
negra e religiosa, como é sabido, o poeta apresenta8se & ImãeK9leitor " como um
transgressor, como bem e7plicam os ersos: I!as a ida9matou em mim essa m$stica
esperan/aK, pregada pelas religiCes, no entanto, em um tom pro%ético esse mesmo eu
declara IEu " não espero9sou a+uele por +uem se esperaK, da$ alguns dos cr$ticos e
historiadores de Neto +uererem8no messi]nico, no sentido b$blico da pala ra, o +ue na nossa
-tica corresponde, e7atamente ao contr"rio, a assumir8se l$der e desmisti%icador de seu
po o, mar7ista +ue era. enão, ou/amos o pr-prio poeta: a I%éK é a+uela I+ue alimenta a
idaK e a Iesperan/a somos n-s9os teus %ilhosK.
egundo *ires #aran eira (com +uem concordamos), no pre%"cio +ue %a ao li ro +ue
tomamos como corpus:
poesia de Neto, e7pondo esteticamente as ]nsias e rai as do po o dos
musse+ues (bairros populares pobres), analisando socialmente a situa/ão
hist-rica, re%erindo as aspira/Ces, o dese o de mudan/a e a esperan/a desse
po o, pressupCe a e7ist ncia de condi/Ces ob ecti as para a %orma/ão de
um mo imento popular de liberta/ão nacional, en+uanto organi a/ão
superior de luta, constituindo esse discurso estético um testemunho social e
hist-rico de +ue come/ou, nele pr-prio (e noutros discursos) e na pr"tica3G
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social e pol$tica, a ser %or ado, portanto, antes de 1@LX e surgiu, de %acto,
nesse ano, en+uanto !*# , e não mais tarde, como algumas teorias
re isionistas +uerem %a er crer.
4 erso %ulcral do poema +ue abre o li roSagrada esperan%a VPsou a+uelepor +uem se esperaP V %oi escrito por Neto e é premonit-rio. nt-nio
0acinto ou iriato da 2ru não puderam escre er tal erso, nem tinham
condi/Ces para escre er poesia como a de Neto, também por não serem
negros. Não tinham condi/Ces i enciais, ideol-gicas, doutrin"rias e
culturais. Não podiam %a er essa poesia épica, +ue mostrasse as condi/Ces
de so%rimento, de ansiedade e de potencialidade re olucion"ria do po o.
2omo nota de esclarecimento, acrescemos o testemunho do ensa$sta Edmundo
<ocha, a respeito da %unda/ão do !*# :
De resto, a 2on%er ncia *an8 %ricana s- admitia mo imentos pol$ticos
nacionais e, se +uisessem ser aceites o%icialmente, tinham mesmo +ue se
apresentar como dirigentes de mo imentos nacionais. 5oi assim +ue iriato
apresentou a proposta do t$tulo do no o mo imento angolano, repescado
do ! N=5E ?4 de 1@LX: I mplo !o imento *opular de #iberta/ão de
ngolaK. !as, para os imperati os t"cticos %ace & 6* , era necess"rio dar a
no/ão de anterioridade, e assim se cria o mito de 1@LX, ano em +ue, ele,
iriato, lan/ara em #uanda o *#6 e o ! N=5E ?4. E esse arti%$cio
impunha a e7ist ncia desse !o imento (!*# ) no interior de ngola. Esses
dois argumentos V anterioridade e interioridade V eram absolutamente
necess"rios na estratégia para contrapor presen/a bem real da 6* no
terreno, em ngola, a +ual " era aceite o%icialmente pelos l$deres a%ricanos
desde a = 2on%er ncia *an8 %ricana de ccra, reali ada dois anos antes.
%unda/ão do !*# , em ?unes, em 0aneiro de 1@XB e a in erdade hist-rica
V a cria/ão do !*# Iem 1@LXK V nascem nessa 2on%er ncia, pelas mãos de
iriato da 2ru e de # cio #ara.
(...)33
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?endo sido lan/ada a in erdade hist-rica da cria/ão do !*# em 1@LX e da
sua e7ist ncia em ngola, era necess"rio agora tentar, a todo o custo, %a er
passar a mentira por uma erdade hist-rica e estruturar o mo imento no
interior e no e7terior. 5oi a essa gigantesca tare%a +ue os no os militantes do
!*# passaram a dedicar8se em 2onaOr>. (<42_ et al . pp.1H@81LB)
<e%letindo sobre as duas posi/Ces em rela/ão & data de 5unda/ão do !*# , cremos
não ser esse %ato muito rele ante para a an"lise +ue estamos imprimindo aos te7tos poéticos
de nossos ates.
Então o eu poético, +ue não se distancia do eu autor, isto tratar8se de uma poiesis de
pr"7is, passa a enumerar o +ue I_o e9somosK: as crian/as nuas das sen alas do mato, os
garotos sem escola, os contratados a +ueimar idas nos ca%e ais, os homens negros a
respeitarem os homens brancos, os homens b bados a ca$rem, com %ome, com sede, com
ergonha de identi%icar8se como negro, re eitando, portanto, sua pr-pria origem.
partir dessas constata/Ces o ate, e não o deus, também ainda não o l$der, +ue s-
se concreti ar" em 1@XG, ao perceber os rumos +ue o !*# , melhor di endo, alguns de seus
membros procura am tomar, pre o I manhãK (Ientoaremos hinos & liberdadeK), por+ue
Iem busca de lu K, e7pressão poética, logo tradu ida para o +ue se realmente busca: a ida.
Estamos diante de um poema negritudinista, no di er de 5anon, assim como I*artida
para o contratoK e I "bado nos musse+uesK. *ara 5anon:
Na [%rica, a literatura coloni ada dos inte ltimos anos não é uma
literatura nacional, mas uma literatura de negros. 4 conceito de negritude,
por e7emplo, era a ant$tese a%eti a, senão l-gica, desse insulto +ue o
homem branco %a ia & humanidade. Essa negritude lan/ada contra o
despre o do branco se re elou, em certos setores, como nico %ator capa
de derrubar interdi/Ces e maldi/Ces. *or+ue os intelectuais guineenses ou
+uenianos en%renta am, antes de tudo, o ostracismo global, o despre o
sincrético do dominador, sua rea/ão %oi admirar8se e cantar8se. a%irma/ão
incondicional da cultura europeia sucedeu a a%irma/ão incondicional da3H
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 36/295
8/18/2019 Tese Padua
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não é o batu+ue do tambor, é estranha or+uestra/ão, pala ra por si s- amb$gua; é o homem
%ardado +ue se regala por espancar outro homem ou se di erte nas emboscadas; são
mulheres a%litas & espera de seus homens, todo um con unto de pr"ticas inaceit" eis:
inter alos
is de dor
#ancinam ou idos
5erem cora/Ces t$midos
E a%astam8se passos
Em correria angustiante
E depois dos risos da matulaDesen%reada
- sil ncio mistério l"grimas e -dio
E carnes laceradas
*elas %i elas dos cinturCes
_" ainda a procura do pra er %"cil, e7plora/ão se7ual das inde%esas crian/as,
contendas de taberna, intrigas %amiliares, par+ues luminosos ao custo de dois mil e
+uinhentos, uma +uantia não acess$ el ao po o pobre e h", também, a ansiedade:
Nos batu+ues saudosos
Dos Oiocos contratados
5ormando l" do acampamento
4 %undo de todo o ru$do
#unda sem %ronteiras
debruar o sussurro
Da ]nsia tumultuante
Destacamos essas estro%es por insinuarem um islumbre, um pren ncio, uma e +ue
o batu+ue, na cultura a%ricana, representa uma %orma de comunica/ão. Então essa ansiedade3X
8/18/2019 Tese Padua
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se prolonga e se repete, ora saudosa, ora re oltante, pelos b bados ca$dos, pelos %ilhos
desaparecidos, pelas mulheres embriagadas, pelo homem +ue procura o Oimbanda para
recuperar o emprego. Essa entrega ao %eiticeiro ou adi inho (&s Inossas senhorasK), pro oca
no eu poético uma erdadeira repulsa, por saber, ele pr-prio, as causas da miséria de seupo o, en%im é a I nsiedade9Nos +ue descobrem multidCes passi as9Esperando a horaK.
4bser emos +ue h" uma retomada do primeiro poema, mas demos o ao poeta:
Nos homens
%er e o dese o de %a er o es%or/o supremo
para +ue o _omem
renas/a em cada homem
e a esperan/a
não mais se torne
em lamentos da multidão
pr-pria ida
%a desabrochar mais ontades
nos olhares ansiosos dos +ue passam
4 s"bado misturou a noite
nos musse+ues
com m$stica ansiedade
e implaca elmente
ai des%raldando her-icas bandeiras
nas almas escra i adas.
^ essa certe a +ue colorir" toda a poética de Neto e em momento algum ele se
mostrar" abatido, por mais pungente +ue lhe se am a dor e as causas de abatimento de seus
irmãos, com eles se irmana, por isso a necessidade de não claudicar. 4 poema %a 8nos
remeter ao IDia da 2ria/ãoK, de inicius de !oraes, poeta brasileiro do segundo momento
modernista, com um porém: o poema de inicius in este na dialética da contesta/ão, se3W
8/18/2019 Tese Padua
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de ia o enhor ter ou não descansado no se7to e no sétimo dias, uma e +ue para ele tudo
aconteceu da %orma +ue %oi Ipor+ue o enhor cismou em não descansar9no e7to Dia e sim
no étimo9E para não %icar com as astas mãos abanando9<esol eu %a er o homem & sua
imagem e semelhan/aK, arrematando com uma %ina ironia: I*ossi elmente, isto é, muitopro a elmente9*or+ue era s"badoK. *re%ere, porém, o poeta angolano aticinar:
pr-pria ida
%a desabrochar mais ontades
nos olhares ansiosos dos +ue passam
4 s"bado misturou a noite
nos musse+ues
com m$stica ansiedade
e implaca elmente
ai des%raldando her-icas bandeiras
nas almas escra i adas.
*ara ele o dia da cria/ão é o da conscienti a/ão de seus compatriotas, de sua gente
oprimida, de construir um mundo no o e, por +ue não, de %a er a re olu/ão, como insinua o
pr-prio inicius em outro poema, I4 4per"rio em constru/ãoK, um dos seus momentos mais
sublimes, em +ue o poeta brasileiro constr-i, desconstr-i e reconstr-i a e7pressão8t$tulo do
poema:
De %ato, como podia
6m oper"rio em constru/ão
2ompreender por +ue um ti olo
alia mais do +ue um pão
(...)
!as ele desconhecia
Esse %ato e7traordin"rio:3A
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 40/295
ue o oper"rio %a a coisa
E a coisa %a o oper"rio.
(...)
4lhou em torno: gamela
'anco, en7erga, caldeirão
idro, parede, anela
2asa, cidade, na/ãoJ
?udo, tudo o +ue e7istia
Era ele +uem o %a ia
Ele, um humilde oper"rio
6m oper"rio +ue sabia
E7ercer a pro%issão.(...)
E o oper"rio ou iu a o
De todos os seus irmãos
4s seus irmãos +ue morreram
*or outros +ue i erão.
6ma esperan/a sincera
2resceu no seu cora/ãoE dentro da tarde mansa
gigantou8se a ra ão
De um homem pobre e es+uecido
<a ão porém +ue %i era
Em oper"rio constru$do
4 oper"rio em constru/ão.
E é dentro dessa dimensão poético8re olucion"ria +ue ser" constru$da toda a obra de
gostinho Neto, mesmo as ditas amorosas, como eremos. ntes de Neto e de inicius, Ralt
Rhitman " aticina a: I6rge and urge and urge,9 lFa>s the procreant urge o% the ForldK
(I]nsia, a ]nsia, a ]nsia9 empre a ]nsia procriadora do mundoK, trad. de ndré 2ardoso, p.@).
Em um de seus te7tos em prosa, di Neto: I liberta/ão, +ue é um %actor da <e olu/ão, não
pode de modo algum, ser e%ecti a, se não se inclui decidida e de%initi a, num processo
cont$nuo de e olu/ão socialK.3@
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5a endo parte desta tem"tica ainda, temos I2rueldadeK, I2omboio a%ricanoK, +ue, na
mesma linha de den ncia da e7plora/ão, da mais8 alia, pois o +ue poderia ser sinMnimo de
progresso torna8se lugar comum do capital: en+uanto uns poucos ganham muito, outros
muitos ganham pouco, ou +uase nada, idas +ue Ise esmagam sob o peso da m"+uina9e nobarulho da terceira classeK, pois I+uem es%or/ou não perdeu9mas ainda não ganhouK. Na
poesia nada é em ão, e o ad érbio temporal IaindaK indica, senão a certe a, ao menos a
cren/a na possibilidade do ganho, negado pelo opressor, representante leg$timo do
progresso, ou %also progresso, por isso é I#ento caricato e cruel9o comboio a%ricano...K.
*oder$amos comparar esse poema ao I?rem de %erroK, de !anuel 'andeira (de toda a gente
conhecido) como corroboram alguns pes+uisadores brasileiros da obra de Neto.
Emblem"tico é o poema I uitandeiraK, mar7ista até & sua rai . 6m te7to +ue tradu
sintomaticamente a lei da mais alia, como escre em !ar7 e Engels, em seu Manifesto
omunista: I burguesia não pode e7istir sem re olucionar permanentemente os
instrumentos de produ/ão; portanto, as rela/Ces de produ/ão; e assim, o con unto das
rela/Ces sociais. o contr"rio, a manuten/ão inalterada do antigo modo de produ/ão %oi a
condi/ão prec$pua de e7ist ncia de todas as classes industriais do passado. 4
re olucionamento permanente da produ/ão, o abalo cont$nuo de todas as categorias sociais,a inseguran/a e a agita/ão sempiternas distinguem a época burguesa de todas as
precedentes. ?odas as rela/Ces imut" eis e esclerosadas, com seu corte o de representa/Ces
e de concep/Ces etustas e ener" eis dissol em8se; as recém8constitu$das rompem8se antes
de tomarem consist ncia. ?udo o +ue era est" el e s-lido desmancha no ar; tudo o +ue era
sagrado é pro%anado, e os homens são obrigados a encarar com olhos iludidos seu lugar no
mundo e suas rela/Ces rec$procasK (! <\ EN E# , pp. GA8G@). ^ e7atamente isso +ue se
desnuda nesse poema, é até redundante cham"8lo de mar7ista, isto +ue toda a obra deNeto, inclusi e seus discursos pol$ticos, não dispensam os ensinamentos do pai do
socialismo. Nota8se +ue o poeta utili a8se das situa/Ces cotidianas de miséria do seu po o
(sem cair em sentimentalismos e7acerbados em l"grimas) de %orma se eramente contida,
como compro a a leitura do poema, detentor de um belo ogo de imagens, o +ue o torna um
dos mais, esteticamente, bem escritos. Nele, no entanto, percebemos claramente o
contraste entre a endedora de laran as e a cidade em Iseu +uente ogo de claros e escurosK,
onde a I ida brinca em cora/Ces a%litos o ogo da cabra8cegaK. 4 humano termina porHB
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coisi%icar8se, I ende8seK, pois o +ue lhe resta são Io amargo desta tortura da ida sem idaK,
a in%]ncia Ibotão de rosa +ue não abriuK, o riso, o choro, as esperan/as, Io sangue dos meus
%ilhosK, a$ sentencia o eu poético:
2omo o es%or/o %oi o%erecido
& seguran/a das m"+uinas
& bele a das ruas as%altadas
de prédios de "rios andares
& comodidade de senhores ricos
a alegria dispersa por cidades
e eume %ui con%undindo
com os pr-prios problemas da e7ist ncia.
$ ão as laran as
como eu me o%ereci ao "lcool
para me anestesiar
e me entreguei &s religiCes
para me insensibili ar
e me atordoei para i er.
?udo tenho dado.
té mesmo a minha dor
e a poesia dos meus seios nus
entreguei8as aos poetas.
ão, pois, os poetas, respons" eis por essa d"di a e dela %arão o +ue bem
entenderem: cantar por cantar, ou %a er dela %anal +ue guie todos em busca das
trans%orma/Ces. Diante desse +uadro, a escolha do poeta pode ante er o seu %uturo no
+uadro canMnico da literatura +ue se esbo/a nos "rduos campos das discrep]ncias sociais.
Esse poema também se apro7ima de outro poema de 'andeira: I!eninos car oeirosK,
bastando compararmos estes ersos:
H1
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4s meninos car oeiros
*assam a caminho da cidade.
k Eh, car oeroJ
E ão tocando os animais com um relho enorme.
(...)
(*ela boca da noite em uma elhinha +ue os recolhe, dobrando8se com um
gemido.)
kEh, car oeroJ
2ompar"8los com estes de I uitandeiraK:
k#aran a, minha senhora
laran inha boaJ
(...)
+uitandeira
+ue ende %ruta
ende8se(...)
gora endo8me eu pr-pria.
( )
?al e endendo8me
eu me possua.
2ompra laran aJ
Não apenas a apro7ima/ão tem"tica, de cunho social, mas a lingu$stica também, a
linguagem sendo semelhante, tanto em um +uanto no outro poema. =sso é magn$%icoJ Então
s- 'andeira é bom poeta e Neto não o é Essa inusitada imputa/ão aos poetas da
responsabilidade s-cio8hist-rica se repete no poema seguinte, I elho NegroK, ao ate, ao
detentor do poder da pala ra m"gica (como di ia acima inicius, Ia dimensão da poesiaK),
compete instruir e moti ar o homem negro, $tima das e7plora/Ces capitalistas e dogm"ticas:
HG
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e transportado nas galeras
ergastado pelos homens
linchado nas grandes cidades
esbulhado até ao ltimo tostão
humilhado até ao p-
sempre sempre encido
^ %or/ado a obedecer
a Deus e aos homens
perdeu8se
(...)
o passar de tanga
com o esp$rito bem escondido
no sil ncio das %rases cMnca as
murmuram eles:
*obre negroJ
E os poetas di em +ue são seus irmãos.
Não chamem de irmão a+uele +ue so%re e por ele s- se tem compai7ão, pois Neto é
isceralmente contra a comisera/ão.
diante eremos I!eia8noite na +uitandaK e I*ara além da poesiaK, ambos, a meu
er, dentro das mesmas caracter$sticas dos anteriores, com suas particularidades, é claro.
Destacamos no primeiro a bela prosopopeia da segunda estro%e: I4 sol9entrega " Domingas
& lua9nas +uitandas dos musse+uesK, por+ue a%inal ela tem de trabalhar para pagar oimpag" el imposto +ue é cobrado de seu %ilho. 4 outro é um poema %otogr"%ico, %otogra%ia
panor]mica de [%rica, e7pondo a bela paisagem, em contraste com a dure a da lida e os
dese os do po o a%ricano, os m$nimos dese os; porém, se engana +uem pensa estar o eu
preocupado apenas com os e%eitos estéticos das imagens. 4 t$tulo em si " é pro%undamente
sugesti o e as duas ltimas estro%es sugerem muito mais +ue o e%eito estético na duplicidade
de sentido +ue encerram suas met"%oras e prosopopeias, denotando a er e poética do
H3
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primeiro grande cantor de ngola e de sua gente.
INoiteK e I2i ili a/ão ocidentalK também pertencem a este ei7o tem"tico. No
segundo, os ersos caracteri am o trabalho mec]nico e bruto do negro para %a er o con%orto
da Ici ili a/ão ocidentalK, en+uanto ele pr-prio ergue sua morada de I#atas pregadas em
paus9%i7adas na terra9%a em a casaK, por isso Ia elhice em cedoK e Iuma esteira nas noites
escuras9basta para ele morrer9grato9e de %omeK. 4bser emos +ue o uso das bilabiais 9p9 e
9b9 en%ati am o trabalho duro, desumano, associado & repeti/ão das pala ras IbritarK,
IpedraK, IacarretarK, ser i/o e7ecutado Iao solK ou I& chu aK. Não nos es+ue/amos +ue
%oram as in asCes europeias +ue destru$ram a sociedade a%ricana, ou tentaram, e7istente na
época, a partir do es%acelamento %amiliar e do incenti o indecente da di"spora.
igni%icati as são as pala ras de artre no pre%"cio +ue %a ao li ro de 5rant 5anon,
,s condenados da terra . %inal, a postura do europeu concorre para o digladiar entre os
pr-prios a%ricanos e para uma %uga desesperadora para o "lcool, os mitos ancestrais e as
religiCes europeias in%iltradas no seio de [%rica. ^ contra essa dissimula/ão +ue se rebela o
eu poético negritudinista. *ara *ires #aran eira: I4 mo imento estético da Negritude assenta
ideologicamente na consci ncia da ra/a, da classe e do territ-rio. 2oincidem a apologia da
ra/a e a conscienciali a/ão social e o amor & terra, primeiro esbo/o do sentimento
patri-ticoK (1@@L: p.1HG). inda nesse poema, pode8se obser ar, mais uma e , o poder de
sinteti a/ão de Neto, assim como o %e o poeta brasileiro 0oão 2abral de !elo Neto sobre a
labuta do homem nordestino, em oposi/ão &+ueles +ue i em nos centros pr-speros do
pa$s, o ul, embora por l" encontremos também muita miséria.
ssim o são K2ontratadosK, I2on%ian/aK e I in%oniaK, este muito se assemelhando a
I2i ili a/ão ocidentalK pela conten/ão ocabular e pela e7pressi idade +ue emerge de seudi er lac-nico V Icor9estertor9ang stiaK, Isorrisos9dor9ang stiaK V, ang stia +ue h" de cessar
com Ia luta gloriosa do po oK: esta I m sica9+ue a minha alma senteK. 4 eu est" sempre
en olto em otimismo, pois a Isin%oniaK +ue ele espera " se prenuncia no canto dos
IcontratadosK, pois eles I hJ9eles cantamK ( " dissemos +ue o canto é uma %orma de
comunica/ão, o canto e a dan/a, entre os a%ricanos, mesmo entre a+ueles +ue se
dispersaram pelo mundo a%ora), mas o eu poético é ta7ati o: I s minhas mãos colocaram
pedras9nos alicerces do mundo9mere/o o meu peda/o de pãoK, e esse merecer não é umHH
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pedido de esmola, é uma e7ig ncia %actual.
I2on%ian/aK é a o de [%rica contabili ando as contas na constru/ão do mundo
ocidental, respons" el pela sua di"spora: INa minha hist-ria9e7iste o parado7o do homem
dispersoK. 5oram os negros +ue constru$ram a tal ci ili a/ão ocidental, por isso esse mundo
também lhes pertence: Imere/o o meu peda/o de pãoK; não h" a+ui como não %a er um
paralelo com I o es dS[%ricaK, de 2astro l es (1AHW81AW1), poeta rom]ntico baiano +ue
i eu apenas GH anos, mas +ue te e grande parte de sua poesia dedicada & alori a/ão do
negro escra o como ser humano e & condena/ão do escra agismo.
2ompletam este bloco os seguintes poemas: K auda/ãoK, I ina7i7iK,
I2onscienciali a/ãoK, I*ausaK, I!ussunda amigoK, I4 caminho das estrelasK, I recon+uistaK,I angrantes e germinantesK, INa pele do tamborK, poema este +ue re%lete a integra/ão do
ser humano com os instrumentos musicais, a m sica e a dan/a, ambos imbricados numa
causa nica, c mplices de suas dores e alegrias, como bem e7empli%icam os ersos: Ie a pele
curtida solta8me tam8tans gritantesK; Iesmago8me na pele batida do tambor a%ricanoK; Iao
lado dos ritmos de dedos congestionados9sobre a pele en elhecida do tambor9dentro do
+ual i o e ibro e clamo:9 N?EJK. 4 poema I!assacre de ão ?oméK, dedicado & amiga
lda ra/a (o massacre ocorrido em B3 de %e ereiro de 1@L3, ano em +ue %oi escrito o
poema); I s terras sentidasK, I'amaOoK, I2riarK, em +ue o termo criar compCe a an"%ora +ue
se dilui pelo corpo do poema a en%ati ar a necessidade da poiesis, da cria/ão sob os e%eitos
torturantes da opressão, termo poliss mico +ue, a um s- tempo, signi%ica escre er ou cantar
os poemas e construir a pa , a liberdade, o amor Icom os olhos secosK, e7pressão +ue se
tornou uma marca da poética de Neto, principalmente depois da antologia publicada na
=t"lia com esse nome, em italiano on occhi asciutti . I!ãos esculturaisK, I5ogo e ritmoK
(outro poema emblem"tico de Neto, +ue dar" t$tulo a uma antologia publicada pela editora
Nossomos, +ue também tem a sua origem num outro poema, I!ussunda amigoK). Em I5ogo
e ritmoK, celebra8se, mais uma e , a imbrica/ão corpo9ser, instrumento9m sica e
dan/a9ritmo, (e7aspera/ão demon$aca e7pressa por esses sememas), pela utili a/ão
ana%-rica de um termo, agora IritmoK, a indu ir o leitor a entrar no pr-prio te7to, %a endo
dele parte, complemento, um dos raros momentos em +ue o autor termina uma composi/ão
com e7clama/ão de dor: I o es dolorosas de [%ricaJK, ao +ue as pala ras de artre emHL
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8/18/2019 Tese Padua
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cadeia de l ube9#isboa, em agosto de 1@XB; IDepressaK, escrito na cadeia de l ube9#isboa,
em agosto de 1@XB; I#utaK, escrito na cadeia do l ube9#isboa, em setembro de 1@XB;
I2ampos erdesK, cadeia do l ube9#isboa, em setembro de 1@XB; I_a emos de oltarK,
escrito na cadeia de l ube9#isboa, em outubro de 1@XB; IDesterroK, escrito no r+uipélagode 2abo erde9*onta do ol, em de embro de 1@XB; e I o igualK, escrito no r+uipélago
de 2abo erde9*onta do ol, em de embro de 1@XB.
Estando o poeta na prisão a er os p"ssaros chilreando Isobre as tr s "r oresK da sua
I nica paisagemK, apetece8lhe %a er um IpoemaK, +ue seria um poema I%echado dentro de
siK, a ser compreendido por +uem , eis a +uestão. 6m poema +ue %ale das paisagens, da ida
e das suas contradi/Ces, Ilongo e impercept$ elK, não ser e ao pro eto do eu l$rico, +ue não é
tão l$rico assim, embebido +ue est" de ironia destacada a partir do erso WW, num IsimK +ue
em erdade representa um não, pois a%inal o seu canto est" comprometido com outra causa.
Escrito um dia depois do poema anterior, I4 erde das palmeiras de minha
mocidadeK, ei ado de imagens re%le7i as +uanto & ingenuidade do eu em ra ão das pr"ticas
de seu po o, +ue, em e de libert"8lo, mais o aliena a (não nos es+ue/amos dos
ensinamentos de 5anon e !ar7 e Engels), o poema constitui8se numa nega/ão dessas
pr"ticas: I4ra a:9?ata ietu uala Ou diulu95uOamenuJ9#engenuJ94 itu7iJ 4 it u7i9 parado7o
dos pecadosJK. s imagens +ue perpassam por sua cela de prisão ão se des elando ao
espocar da mem-ria. Em alguns momentos, parece o eu +uerer omi iar8se no e7-tico, no
passado:
Eu %ugia
orridente e tristeorridente e a io
em terra, nem l$ngua, nem p"tria
'rincando com a a entura
?remendo ao oscilar das canoas %r"geis
Esperan/osas
*ara uma meta%$sica mesti/a de con untura
2om o estMmago a io
HW
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E o esp$rito
Esmagado entre os malcheirosos dentes.
!as esse aparente e asionismo, em erdade, %unciona como restabelecimento de%or/as nos ancestrais, na nature a, nutrindo8se da dan/a, da m sica, do canto, das dores, da
ang stia de I4 erde negro das palmeirasK (+ue Item bele aJK), ha endo uma necessidade
desse retorno aos prim-rdios da humanidade, como esclarecem os ersos: IE nos gritos
embrion"rios dos elhos mundos9?udo re i e9Estada dram"tica mocidade de
reencontro9?udo re i e em peitos largos de ansiedade94%egantes & %or/a da
erdade9 licer/ados no imperec$ elK, notando8se assim a+ui um pro%undo dese o de
liberdade e de harmonia entre os po os, o +ue se constata com nitide .
4s dois poemas seguintes, classi%icados como de amor, colocamos a+ui por terem
sido escritos na prisão, o primeiro no dia do ani ers"rio de sua esposa !aria Eugénia, com
+uem mante e, até & sua morte, uma rela/ão a%eti a e carinhosa de respeito m tuo; o outro
%oi escrito dois anos depois de estar na prisão, como e idencia o t$tulo. No primeiro, ao in és
do +ue %aria o ser amoroso, apartado de seu amor, Iderramar8se em l"grimasK, apresenta8se
um ser cMnscio de sua situa/ão a e7plorar, atra és de ant$teses, as dicotomias da pr-priae7ist ncia humana:
4 sabor amargo da prima era iminente
em gr" ido de %or/a
em cheio de desesperos
E de %rustra/Ces
E nenhuma derrota poss$ el
^ capa de destronar a %or/a tra ida
No sabor amargo da prima era iminente
E em cada um dos teus dias
s pala ras tomam um no o sentido, assim: I5or/a e certe a9no bou+uet de
rosas9para o teu diaK ganham uma conota/ão pol$tica, sem perder sua %un/ão amorosa;HA
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a%inal são as Isaudades %uga esK e o in erno IcurtoK. ^ +ue, para o eu l$rico, como se percebe
em IDois anos de dist]nciaK, acima da pr-pria reali a/ão pessoal, indi idual, est" a coleti a,
de um ser +ue não se desprende de seus ob eti os pol$tico8humano8re olucion"rios:
Entre o sonho e o dese o
uando nos eremos
?arde ou cedo
Di 8me amorJ
2resce com mais usti/a ainda
]nsia de sermos
2om os nossos po os_o e sempre e cada e mais
#i res li res li res
4 poema I4 i/ar da bandeiraK, escrito em 1@XB, dedicado aos her-is do po o
angolano, é uma espécie de poema8mani%esto e resposta a I hora da largadaK, é o retorno
de +uem se espera a: o ate, +ue en ia uma mensagem %utura, a recordar um presente +ue
ele " sente passado, mas +ue s- ir" 1L anos mais tarde e%eti amente, assim também o
sendo IDepressaK (se me permitem, %anMnico em seu sentido literal), +ue con oca toda a
gente & luta armada, & re olu/ão, poema enga ado, sem ser pan%let"rio. *or outro lado, é
também césairiano, na sua erup/ão de brandir contra os opressores, entendendo +ue não
h", de per si , um antagonismo entre os escritores martinicanos, con%orme di o poeta:
Não esperemos os her-is
e amos n-s os her-is
6nindo as nossas o es e os nossos bra/os
2ada um no seu de er
E de%endamos palmo a palmo a nossa terra
Escorracemos o inimigo
E cantemos numa luta i a e her-ica
Desde "H@
8/18/2019 Tese Padua
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independ ncia real de nossa p"tria
5echando este bloco temos I2ampos erdesK e I o igualK. 4 primeiro é um soneto,
embora moderno, com sua métrica irregular, predominando os ersos ale7andrinos e as
rimas alternadas, e7ceto a do décimo, +ue rima com a do 13 , o +ue rati%ica o conhecimento,
pelo menos em parte, de Neto pelas técnicas da ersi%ica/ão, embora não se a essa %orma,
acreditamos, a ade+uada nem a escolhida para disseminar a sua mensagem, uma e +ue se
o I!ussunda amigoK, e ocado tantas e es em sua obra, não compreende os ersos mais
simples, menos compreenderia os compostos em %ormas mais r$gidas com, por e7emplo, as
do soneto.
I o igualK re+uer8nos um pouco mais de aten/ão e cuidado, por isso nos
demoraremos um pouco mais nele. ^ constitu$do de 1X1 ersos, distribu$dos em 1X estro%es
irregulares, de ersos li res e brancos como a +uase totalidade da obra do poeta, o terceiro
em e7tensão, %icando atr"s apenas de I "bados nos !usse+uesK e I ren ncia imposs$ elK,
+ue analisaremos oportunamente. I o igualK %oi escrito em de embro de 1@XB, +uando o
poeta esta a cumprindo uma das suas prisCes decretadas pela *=DE no ar+uipélago de 2abo
erde, em *onta do ol.
4 poema inicia8se, também, pro%ético (INeste amanhecer italK e Icaminhamos "
itoriososK) e a luta armada nem ha ia sido decretada contra o regime %ascista de *ortugal.
note8se: I6m amanhecer italK ( ) Isobre o solo p"trioK. 4bser e8se +ue o termo
sublinhado, segundo o "icion)rio >ouaiss , signi%ica um pa$s ou territ-rio en+uanto realidade
a%eti a a +ue grupos e indi $duos estão ligados (ao pa$s em +ue se nasce e ao +ual se
pertence como cidadão; terra, torrão natal; terra natal ). _" no conceito impl$cito deIp"triaK, nesse poema, também, logicamente, uma %orte conota/ão pol$tica.
Na terceira estro%e, o eu poético aticina a concreti a/ão de seus ob eti os, dei7ando
bem clara a sua posi/ão socialista e humana do +ue seria (ou ser") o seu Estado, com letra
mai scula, representando a entidade respons" el pela organi a/ão da Ip"triaK e de seus
habitantes. +ueles homens IeleitosK ao no o I%estim da no a idaK serão:
LB
8/18/2019 Tese Padua
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4s homens
cu a o descansou sob a condi/ão e sob o -dio
e constru$ram os impérios do 4cidente
as ri+ue as e as oportunidades da elha Europa
mantendo os seus pilares sobre a ang stia puls"til dos bra/os
sobre a indignidade e a morte dos seus %ilhos
os homens sacri%icados nos tra/os paralelos das ias %érreas
cu o sangue se encontra nas argamassas
lan/ado com pontes e estradas
também prenderam as "guas nas barragens
com as suas mãos %ormid" eis e com os seus mortos
deram ao brilho das metr-poles ouro e diamantese das entranhas da terra mungiram -leos e %arturas
para os sorrisos ingratos
e na sua bondade na sua ision"ria esperan/a
pediram &s estrelas
apenas o complemento espiritual do dia escra o
*o o genial heroicamente i o
onde outros pereceramde italidade inultrapassada na _ist-ria
alimentou continentes e deu ritmos & mérica
deuses e agilidade nos est"dios
centelhas luminosas na ci ncia e na arte
*o o negro
homens an-nimos no esp$rito da triste aidade branca
agora construindo a nossa p"tria
a nossa [%rica
e no tra/o luminoso dos dias magn$%icos de ho e
de%inem a [%rica solid"ria e es%or/ada
contra os des arios duma nature a incongruente
na independ ncia
num mundo no o com a o igual
L1
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4bser emos +ue o erso Ios homens sacri%icados nos tra=os ,aralelos das ias
%érreasK re ela uma %ina ironia: os homens tra/am ias %érreas IparalelasK e por elas são
sacri%icados, o termo em negrito, pois, perdendo o seu sentido de igualdade, de mesma
dire/ão, recebendo em troca de tudo +ue %e pelos continentes Europeu e mericano apenasIsorrisos ingratosK, um po o +ue s- pedia Ina sua bondade, na sua ision"ria esperan/aK,
Iapenas o complemento espiritual do dia escra oK. Não nos es+ue/amos, no entanto, +ue
I ision"riaK tem ao menos duas dimensCes: a do alienado e a da+uele +ue longe, além,
islumbra o amanhã, termo " rei indicado por #ima 'arreto, escritor negro brasileiro das
primeiras décadas do século \\, em seu li ro 9riste fim de $olicarpo ?uaresma , ho e um
cl"ssico das literaturas de l$ngua portuguesa. Em 'arreto, é o caricato personagem de
5loriano *ei7oto, então presidente do 'rasil no momento do enunciado, +ue insinua:I*olicarpo, oc é um ision"rioK, termo a+ui também carregado de ironia e de ambiguidade.
segunda estro%e da cita/ão é, ao mesmo tempo, en%"tica e esclarecedora: I*o o
negro9 agora construindo a nossa p"tria9a nossa [%ricaK, na %irme a do possessi o InossoK, o
eu ai dando %or/a ao coleti o, pois ele en7erga onde os outros não podem, então Ia [%rica
solid"ria e es%or/ada9contra os des arios duma nature a incongruente9na
independ ncia9num mundo no o com a o igualK é ho e. ?odo o poema se constr-i nessaperspecti a de presente, uma corrente na obra de Neto. Esse Imundo no oK, porém, s- é
poss$ el atra és da Ire olu/ãoK +ue Ipul eri a a submissão do homemK e estreita os la/os de
ami ade catali adores da união +ue promo er" um no o retorno aos ancestrais atra és do
canto das IraparigasK e dos IpoetasK.
I2hegados & horaK é um erso +ue abre as portas do rego i o da reconstru/ão da
Ip"triaK, mas uma Ip"triaK li re e Isem +ue o germe da e7plora/ão lhe penetreK, é a p"tria
socialista, %undada nos princ$pios mar7istas8leninistas, a p"tria de todos. Esse erso também
condu o po o ao reencontro Inas melodias e nos cheiros ancestraisK, +ue " não %uncionam
como %ontes de aliena/ão, uma e +ue, regenerados Ino milagroso pacto entre o homem e
o cosmosK, é um reencontrar8se mesmo Ina sociali a/ãoK, partilhado Ina entrea uda
gloriosaK, tanto Idas cat"stro%esK, +uanto das IalegriasK, na Iess ncia para a no a ida de
[%ricaK. ?emos um eu +ue promulga a ressurrei/ão do homem a%ricano, pois para ele o +ue
mais importa é:LG
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 54/295
<essuscitar o homem
nas e7plosCes humanas do dia a dia
na marimba no chingu%o no +uissange no tambor
no mo imento dos bra/os e corpos
nos sonhos melodiosos da m sica
na e7pressão do olhar
e no acasalamento sublime da noite com o luar
da sombra com o %ogo do calor com a lu
a alegria dos +ue i em com o sacri%$cio gingado dos dias
=magens da mais pura poesia, carregadas de hipérboles, ap-stro%es e met"%oras, +ue
nos en iam de retorno a 2astro l es (1AHW81AW1), chamado pelos brasileiros de I*oeta dos
Escra osK, lembram e7atamente as do ate baiano, carregadas de humanidade: Ie7plosCes
humanasK, ad indas da ImarimbaK, do ItamborK, do Imo imento dos bra/os e corpos9nos
sonhos melodiosos da m sicaK, do Iacasalamento sublime da noite com o luar9da sombra
com o %ogo do calor com a lu K, sendo a procura da harmonia dos contr"rios base de
constitui/ão do ser humano e de toda sociedade, por+ue a%inal somos duais, por isso nãotemer nem o reencontro Inos sagrados re% gios das horas de ang stiaK, +uer se a Inos
labirintos alco-licosK ou nos Idias de %arraK ou Inos dias de rusgaK, posto +ue Iimpre is$ elK e
Iindispens" elK ao e7erc$cio pleno da pr-pria condi/ão humana %eita de Ira ão e loucuraK,
assim aticinando, mais uma e , o ate:
Do caos para o rein$cio do mundo
para o come/o progressi o da ida
e entrar no concerto harmonioso do uni ersal
digno e li re
po o independente com o igual
a partir deste amanhecer ital sobre a nossa esperan/a.
e não concebemos esse te7to como uma das mais belas p"ginas da poéticaL3
8/18/2019 Tese Padua
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uni ersal, des%a/a8se toda a hist-ria e cr$tica da arte liter"ria +ue se concebe desde *latão
aos nossos dias. Não é ob eti o deste trabalho %a er de nenhum dos poetas a+ui analisados
g nio, mas tão somente estender8lhe o manto da bene ol ncia -r%ica +ue lhes é de ido e
não os dei7ar a%undar ainda mais no po/o de certo ostracismo em +ue se encontram, por%alhas de recep/ão. Nem dei7ar para %a er depois umamea-culpa, como a +ue %e 0aOobson
em rela/ão aos poetas da <e olu/ão de 1W:
4 r$gido credo liter"rio dos %ormalistas condu ia ine ita elmente a poesia
dos %uturistas russos & ant$tese do %ormalismo V ao Igrito bruto do cora/ãoK,
& sinceridade despudorada. 4 %ormalismo coloca a o mon-logo l$rico entre
aspas, ma+uia a o IeuK poético sob um pseudMnimo. 4 horror toma
propor/Ces imensas +uando subitamente a %antasmagoria do pseudMnimo
se re ela, e, derrubando as %ronteiras, os %antasmas da arte emigram para a
ida. (GBBX, p.HG)
2omo " o dissemos em outro momento, essas pala ras do linguista russo corroboram
a ideia de +ue a poesia não suporta regras absolutas, ainda mais a poesia de poetas
comprometidos com o seu tempo. Esclare/amos, é importante, +ue o poeta russo era
%uturista e, de certa %orma, renega a o cotidiano a %a or do %uturo; essa atitude, porém, não
de e ser entendida como nega/ão do presente. Ele o repudia a, por+ue o %uturo +ue o poeta
perseguia, +uando se erguia no presente (e a$ entram as contradi/Ces p-s8<e olu/ão de 1W),
não era o %uturo +ue ele sonhou, +ue ele a udou a criar. egundo 0aOobson, não se pode
redu ir !aiaO- sOi apenas ao plano da propaganda, nem tampouco interpretar
unilateralmente as causas da morte do poeta. 4 drama de 0aOobson reside e7tamente naindi%eren/a dispensada a alguns poetas da <e olu/ão de 1W. Di ele: IDesculpe8nos por n-s
mesmos e pelos outros, +ue um dia ainda iremos matar... 4 Estado não se responsabili a
pela morte de ninguém; na época de 2risto, esse Estado não entendia o aramaico nem
+ual+uer l$ngua humana. 4s soldados romanos +ue per%uraram as mãos de 2risto não %oram
mais culpados do +ue os pregos +ue a atra essaram, embora reste sempre muita dor aos
sacri%icadosK (GBBX, p.1G). 4 +ue percebemos nessas pala ras é um sentimento de pro%unda
dor diante da brutalidade +ue caracteri ou essa indi%eren/a pela poesia de !aiaO- sOi e deLH
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 56/295
outros. Esperamos, pois, +ue não aconte/a o mesmo com estes poetas +ue se doaram & ida
e & poesia como %orma de liberta/ão e podem redu ir8se ao ostracismo, caso não
inter enhamos em sentido contr"rio.
0orge mado, escritor brasileiro tradu ido para mais de 3B l$nguas e "rias e es
indicado ao Nobel de #iteratura, embora nunca tenha sido contemplado (também ele,
portanto, não reconhecido como tal e de eria ter sido, por essa inst]ncia de certa
legitima/ão internacional), assim se re%ere a gostinho Neto, no pre%"cio +ue %a & pe+uena
antologia editada pela 2odecri em 1@WX:
N #6? pela independ ncia de ngola, a poesia %oi arma poderosamane ada por gostinho Neto. Na sel a, tanto +uanto a metralhadora, o
%u il, o %acão, a poesia sustentou o ]nimo e alimentou a esperan/a dos
guerrilheiros.
Durante cerca de +uin e anos, a guerrilha cresceu na sel a angolana
trans%ormando8se por %im em e7ército de liberta/ão, sob o comando do
poeta gostinho Neto. Derrotando não apenas as tropas coloniais
portuguesas, em realidade derrubando o regime sala arista na então
metr-pole.
(...)
4 primeiro desses guerrilheiros, o principal, chama8se gostinho Neto,
poeta da mais alta +ualidade liter"ria, dos maiores a escre er em l$ngua
portuguesa, ho e presidente da <ep blica, de uma <ep blica em ésperas
de trans%ormar8se num no o ietname de e es mais tr"gico +ue oanterior.
Em todos os momentos, mado trata Neto de poeta, +uando não de grande poeta,
corroborando com nossas a%irma/Ces. E conclui o autor de conhecid$ssimas obras como
9erras do sem fim e apit+es da areia :
LL
8/18/2019 Tese Padua
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?omei da m"+uina de escre er para tra/ar algumas considera/Ces liter"rias,
pe+ueno pre%"cio & edi/ão brasileira de uma colet]nea de poemas de
gostinho Neto e acabei por não %alar de poesia e, sim, de independ ncia,
luta, it-ria e amea/as. !as os poemas a$ estão belos, pro%undos, a%ricanos,
poemas de guerra escritos por um homem +ue ama a pa . udaram o po o
na batalha da guerrilha, no amente serão canto de 1uta, de it-ria na no a
batalha " come/ada. ?ambém a publica/ão desses poemas no 'rasil é uma
%orma de contribuir para ngola independente, democr"tica e socialista.
(...)
rande homem do nosso tempo.
*oderão os inad ertidos e os maliciosos di er tratar8se de um companheiro de
comuna e +ue %ala mais com o cora/ão do +ue com o senso cr$tico, tudo bem, é poss$ el até
+ue assim se a, mas não in alida as +ualidades poéticas de Neto.
e amos então o +ue di um dos mais renomados e combati os (e também
combatidos) cr$ticos da atualidade, _arold 'loom, em entre ista publicada na Ler: livros @
leitor , de unho de GB1G:
4h, não sei %a er nada +ue não se a pessoal. 0" era assim +uando comecei a
publicar em 1@LW. *or isso é +ue muita gente não gosta do +ue %a/o. Não
e o para +ue ser e %a er cr$tica liter"ria ou edi/ão cr$tica de literatura se
não %or tão pessoal como a poesia ou algumas ariantes do romance, da
hist-ria ou do drama. cr$tica liter"ria ou %a parte da literatura ou nemde ia e7istir. Eu ensino, penso, leio e escre o de %orma pessoal. lguma e
podia ser de outra maneira %inal andamos todos a+ui para +u
ob eti idade é uma %arsa. ^ um mito. ^ super%icial. sub eti idade pro%unda
não é %"cil V é muito di%$cil V, é a+uilo +ue +ueremos culti ar nas pessoas.
E conclui 'loom +ue, I+uando não se aprecia uma coisa, é melhor não escre ermos
acerca delaK. 5oi e7atamente o apre/o +ue %e 0orge mado escre er sobre gostinho Neto eLX
8/18/2019 Tese Padua
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é isso +ue me %a debru/ar sobre a sua poética, apre/o +ue nasceu ao ler pela primeira e
em li ro seus poemas, na mesma edi/ão da 2odecri.
c7 Poemas de amor
Neste bloco tem"tico estão os poemas +ue, & primeira lida, são considerados de amor
e não estão relacionados nos blocos anteriores. ão: I2aminho do matoK, I*ara en%eitar os
teus cabelosK, este escrito em BA de mar/o de 1@LW; I`alumbaK, I2ircunst]nciaK, escrito em
BH de maio de 1@LG; INas curtas horasK e IDocementeK, escrito em BH de setembro de 1@L1.
N-s colocamos I2aminho do matoK entre os poemas de amor, embora nos soe como
uma den ncia da e7plora/ão se7ual +ue s- os leitores mais atentos percebem, os incautos,
dei7ando8se enganar pela le e a e musicalidade +ue ele apresenta, o eem como uma sua e
cantiga de amor; ali"s esse poema é uma das modinhas mais cantadas em ngola, musicada
+ue %oi por 5ilipe !uOenga. Da mesma %orma, enganam8se a+ueles +ue eem tão somente
um enleio amoroso em I2arta de um contratadoK, de nt-nio 0acinto e INamoroK, de iriato
da 2ru , +ue serão analisados mais adiante.
4 poema é composto de apenas 1A ersos di ididos em seis estro%es e um estribilho
+ue não aparece no %inal do te7to. ?odo o poema gira em torno da pala ra IcaminhoK +ue
pode ser Ido matoK, Ida genteK cansada em busca de repouso ou de mudan/as; Ido sobaK,
+ue tanto pode ser um l$der tribal, +uanto um representante das %or/as repressoras
coloniais; Ide #embaK, com letra mai scula, +ue pode representar uma di indade ou uma
mulher %ormosa mesmo; Icaminho do amorK, ou Ide lembaK, ou Ido sobaK, nunca é Idagente cansadaK, é preciso oltar a aten/ão para esse detalhe. *or outro lado, I2aminho do
matoK parece destoar um pouco da tem"tica dos poemas até agora analisados, dando8nos
uma ilusão de enleio amoroso, mas é tão s- uma cr$tica a +uem pode des%rutar desse pra er:
o IsobaK, o che%e, é um poema +ue tem um ritmo musical, constru$do & base de poliss$labos
e um re%rão, em estro%es de +uatro ersos, contando o estribilho, ao %eitio das can/Ces, nele
sobressai a %igura de I#embaK: di indade +ue preside a procria/ão, segundo _ouaiss; nele
LW
8/18/2019 Tese Padua
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h", ao mesmo tempo, lamento e dese o do eu l$rico.
I*ara en%eitar os teus cabelosK, dedicado & esposa do poeta no dia de seu ani ers"rio,
em A de mar/o, dia =nternacional da !ulher, nele o poeta lamenta a dist]ncia +ue os separa,
mas nem assim o eu cai em desespero sentimental, pelo contr"rio, trans%orma o seu sentir
$ntimo em um sentir coleti o: Ié dentro de n-s9+ue mergulham as ra$ es9pelas +uais os
homens9se alimentamK, saindo, portanto, do plano amoroso para o pol$tico: Io nosso
caminho é nico98o amorK: dos amantes ou da humanidade Eis a +uestão. egundo *ires
#aran eira, mesmo nos poemas amorosos, Neto assume uma postura pol$tica. ^ o +ue
também pensamos.
I`lumbaK retrata a migra/ão da Ilinda %ilha do sobaK, +ue sai Ido matoK para acidade, perdendo8se e %a endo perderem8se os homens pelos encantos de seus olhos, na
cidade ela ai se tornando uma espécie de maldi/ão, não caracteri ando erdadeiramente
um poema de amor, mas de cho+ue cultural.
Em I2ircunst]nciaK, a %ome das crian/as negras é comparada com a aus ncia do ser
amado Isua e e dolorosa9distinta e m ltiplaK, mais uma e o eu trans%orma o +ue seria uma
crise sentimental em e7istencial.
4s dois ltimos, INas curtas horasK e IDocementeK, mant m a mesma oscila/ão
a%eti o8amorosa ersus pol$tico9e7istencial, a indi idual ersus a coleti a. No primeiro, o eu
tende a re%letir sobre a aus ncia do ser amoroso e o +ue essa aus ncia lhe pro oca, nas duas
estro%es %inais, no entanto, as pala ras ganham uma ambiguidade terr$ el, saindo do plano
pessoal para o coleti o, assinalados pelas e7pressCes I%eraK, ImedoK, Isemente portentosa
da chegadaK, Ia ornada insana das lutas itoriosas9o grito no caminho %irme para a idaK,
para depois recair no amente sobre o pessoal Io meu grito na tua o K e Io meu dese o nos
teus olhosK, é como se o grito do eu representasse a con+uista da liberdade dele e do po o,
+ue é também do ser amado.
4 segundo é o nico poema de Neto, tal e , +ue tem uma conota/ão amorosa mais
purista, mesmo assim sem descer aos arrebatamentos das pulsa/Ces sentimental-ides, ha a
ista a cumplicidade +ue e7altam as duas ltimas estro%es a %a or de uma amplia/ão do
sentimento amoroso ao I6ni ersoK e ao ImundoK.LA
8/18/2019 Tese Padua
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d7 Poemas ,an-a1r can stas e 0n versa s8 a ren:nc a m,oss2vel
4 mo imento liter"rio dos negros norte8americanos, +ue nosanos 3B muito se discutiu na Europa, antecedeu o despertardos a%ricanos para a conscienciali a/ão dos seus pr-prios
alores. 2oube & elite negra dos Estados 6nidos o tomar dasrédeas das rei indica/Ces dos po os negros. Era para eles +ue,parado7almente, se dirigiam as esperan/as dos negros de[%rica. itua/ão tanto mais aberrante +uanto a acti idade dosnegros da mérica, se proclama a a liberdade e a usti/a paratodos os homens, inseria8se num conte7to nitidamenteamericano: era o problema particular dos Estados 6nidos +ueesta a em ogo e s- indirectamente o renascimento cultural de[%rica. De +ual+uer %orma, %oi a arrancada da elite negrada+uele pa$s +ue antecedeu o mo imento negro +ue, ap-s a
ltima guerra, ganhou corpo em *aris e #ondres.
(...)
4 mo imento da negritude era pan8a%ricanista, sem d ida...mas, de rai cultural no seu in$cio. e no campo da culturatodos os seus adeptos se uniam, na descida ao dom$nio dasIcoisasK pol$ticas as di erg ncias podiam ser pro%undasK(Mensagem , ano 7 , unho X3, n G, p.@)
Neste bloco estão os poemas pan8a%ricanistas em sua ess ncia e a+ueles +ue t m
uma %ei/ão mais uni ersal, sem uma associa/ão direta, com e7pressCes e7pl$citas ao
negritudinismo particulari ado. ão eles: IDes%ile de sombrasK, escrito em 1@HA; I ombrasK,
I spira/ãoK, escrito em 1@H@; INão me pe/as sorrisosK, escrito em 1@H@; I6m ni ers"rioK,
escrito em setembro de 1@L1; IEu8!istérioK, escrito em 1@HW; I nestesiaK, I o do sangueK,
escrito em 1@HA; I*assei a idaK, escrito em 1@HA; I into na minha o K, escrito em 1@H@;INo o rumoK, escrito em 1@LB; I*oema para todosK, I ntigamente eraK, INoite escuraK,
I manhecerK, I*aredes elhasK, I'oogie8RoogieK, I'ailaricoK, I_omenagem a 0oa+uim 5orte
5ariaK, escrito em maio de 1@LB, +uando o autor era +uartanista de 2i ncia, em 2oimbra;
I obre o sangue ainda +uente do meu irmãoK e o %ant"stico I ren ncia imposs$ elK.
4 pan8a%ricanismo é um mo imento, surgido nos E6 , +ue tem como ob eti o a união
de todos os po os de [%rica como %orma de potenciali ar a o do continente no conte7to
L@
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 61/295
internacional. 4 pan8a%ricanismo tem sido mais de%endido %ora de [%rica, entre os
descendentes dos escra os a%ricanos +ue %oram le ados para as méricas até ao século \=\ e
dos emigrantes mais recentes. Ele propCe a unidade pol$tica de toda a [%rica e o
reagrupamento das di%erentes etnias, $timas da di"spora imposta pelos coloni adores.alori a a reali a/ão de cultos aos ancestrais e de%ende a amplia/ão do uso das l$nguas
a%ricanas.
_" +uem de%ina o *an8a%ricanismo como um mo imento pol$tico, %ilos-%ico e social
+ue promo eu a de%esa dos direitos do po o a%ricano e da unidade do continente a%ricano no
]mbito de um nico Estado soberano, para todos os a%ricanos, tanto na [%rica como em sua
di"spora. 5oi desen ol ido, a partir de meados do século \\, por Rilliam EdFard 'urghardt
Du 'ois e !arcus !osiah ar e>, entre outros, e posteriormente le ado para a arena pol$tica
por a%ricanos como `Fame NOrumah. No 'rasil %oi di ulgado amplamente por bdias do
Nascimento. *ara `abengele !unanga, podemos considerar o Dr. Rilliam EdFard 'urghardt
Du 'ois como o pai do *an8 %ricanismo e #angston _ughes o maior representante do
<enascimento Negro.
^ um mo imento social, com "rias ertentes, mas também liter"rio e pol$tico, +ue
tem seu in$cio ainda no século \=\. 4 *an8 %ricanismo tem in%luenciado a [%rica, pro ocando
pro%undas altera/Ces em seu +uadro pol$tico, tendo sido mesmo decisi o para a
independ ncia dos pa$ses a%ricanos. 4 pan8a%ricanismo também in%luenciar" o mo imento da
Negritude na Europa e, particularmente, na [%rica de l$ngua portuguesa, e identemente, e
tanto Du 'ois +uanto _ughes serão sempre lembrados como %omentadores dos mo imentos
negritudinistas posteriores e igualmente prestigiados pelos no os intelectuais da Europa e de
[%rica.
oltando & poesia de Neto, os dois primeiros poemas se complementam e o poeta se
comporta como uma espécie de condutor dessas sombras: passadas, presentes e %uturas,
condenadas & iol ncia das incerte as, e7postas &s intempéries da pr-pria ida,
meta%ori adas na %igura da IpraiaK a receber o %lu7o e re%lu7o das IondasK, bem como Ia
brutalidade das +uilhas dos na iosK e a Irecolher a ang stia e os ltimos suspiros dos
n"u%ragosK.
XB
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 62/295
*ro%ético, como em I hora da largadaK, é IEu sou a+uele por +uem se esperaK, com
esse eu +ue anuncia a liberta/ão dos +ue hão de ir, recebendo uma [%rica no a,
con+uistada ao sacri%$cio das IsombrasK +ue se doaram para +ue os indouros %ossem
portadores de uma no a ordem social, de uma no a I idaK inspirada nos princ$pios daigualdade, da usti/a e da %raternidade, tr$ade constante nos discursos pol$tico e poético de
gostinho Neto.
*artindo do local para o uni ersal, o eu, mais uma e , (con)%unde8se no tu, %ormando
o n-s: Ide tiK Ide mimK, em busca de todas as "%ricas do mundo, I"%ricaK com letra
min scula, para simular a sinédo+ue, e não a meton$mia, +ue representa.
4 belo poema INão me pe/as sorrisosK, n-s o classi%icamos como uni ersal por+ue,lido %ora de sua conte7tuali a/ão hist-rica, ganha outra dimensão, representa a sua crise
e7istencial, pois o eu se incapa do IrisoK e da Igl-riaK em irtude da opressão em +ue se
encontram ele e seu po o, tanto podendo ser um eu, oc ou +ual+uer outra gente $tima
das mesmas imposi/Ces imperialistas. ssim se comportam outros poemas de Neto, como,
por e7emplo, I6m ani ers"rioK, +ue é, pois, autobiogr"%ico, ressaltando, porém, mais a
indi%eren/a pelo passar de seus anos, do +ue seu bilo, como s-i acontecer. En+uanto
perdurarem as distor/Ces sociais, não s- em [%rica, esse dia ser" sempre in til, até +ue sur a
I6m dia9mas duma inutilidade necess"riaK, por ora não h" nada a comemorar, com +ue
re ubilar8se: nem pela passagem dos anos, nem pelo %ato de estar cursando !edicina, o eu
est" sempre & busca da paridade.
4bser emos a le e a destes ersos: I liberdade nos olhos9o som nos ou idos9das
mãos " idas sobre a pele do tambor9num acelerado e claro ritmo9de Yaires 2ala"ris
montanhas lu K, contrariando as agita/Ces %eéricas de outros momentos, sem o seua "%ama... Em I4 caminho das estrelasK amos encontrar uma descri/ão sua e do continente
a%ricano atra és do Ipesco/o da ga elaK como a unir o corpo de [%rica ao resto do mundo e a
estender sua mão & da humanidade num gesto ine+u$ oco de pa , não de subser i ncia, de
amor, de harmonia, incessante re%erencial na poética netiana.
Não poder$amos, em erdade, dei7ar de destacar, dentro da obra de gostinho Neto,
a+uele +ue é uma das mais belas p"ginas " escritas das literaturas de l$ngua portuguesa: I A
X1
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 63/295
ren:nc a m,oss2velK, compar" el aSong of m self , de Rhitman, ,de triunfal , de *essoa,
ahier dBun retour au pa s natal , de 2ésaire e $oema suCo, de ullar. poesia de Neto tem
um signi%icado para os angolanos compar" el & de 2amCes para os portugueses.
= celebrate m>sel%, and sing m>sel%,
nd Fhat = assume >ou shall assume,
5or e er> atom belonging to me as good belongs to >ou.
(R_=?! N, GBBB)
<ememorando8se (como negro) nesse important$ssimo poema I ren ncia
imposs$ elK, ele assume a plenitude hist-rica do Eu8mistério +ue constitui oponto de partida da sua acti idade de poeta e homem de ac/ão.
(...)
^, singularmente, dois nicos poemas, dos cerca de sessenta publicados,
bastariam para mostrar o processo dialéctico de toda a obra produ ida V I
ren ncia imposs$ elK V , a +ual assenta sempre sobre os termos antitéticos.
D4< V #E <=
E 2< =DU4 V #='E<? TU4
E *E< NT V 2E<?EY
_6!=#_ TU4 V # <=
*ara a%irmar a s$ntese;
4*<E U4 V 24N 2=ZN2= V #='E<D DE
unidade estético8ideol-gica +ue en%orma todo o processo poético, de
gostinho Neto est" tão consubstanciada na+ueles dois poemas, +ue se
deu o caso V olunt"rio ou não V de um dos ersos %inais do primeiro,
escrito em 1@H@, entrosar per%eitamente na parte %inal do segundo, escrito
em 1@XB, para produ ir a necess"ria unidade dos contr"rios V e completar,
assim, o mo imento dialéctico, como se o poeta desse por conclu$da a
pr-pria cria/ão uni ersalJ
(24 !E, s9d)
*or isso +uando comparamos a poesia de Neto com a épica de 2amCes, é pela suaXG
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 64/295
import]ncia hist-rica, lingu$stica, c$ ica e moral para o po o a%ricano de l$ngua portuguesa,
sem perder seu car"ter particular de angolanidade. e 4s #us$adas de 2amCes é a grande
obra8prima dos lusitanos, I ren ncia imposs$ elK de Neto h" de ser a obra8prima dos
angolanos, sem sombra de d idas, e h" de ser ensinado, encenado e lido nas escolas, nosteatros e nas ruas de ngola, pois o seu uni ersalismo e a sua alori a/ão de em partir de
sua IaldeiaK.
2omparamos com Song of m self por sua %or/a transgressora nos campos estrutural e
lingu$stico, por sua doa/ão & ida e & humanidade, por sua multiplica/ão de IeusK na busca
da coleti idade, do In-sK, por sua doa/ão incontest" el ao outro:
= am satis%ied V = see, dance, laugh, sing;
s the hugging and lo ing bed8%elloF sleeps at m> side through
the night, and FithdraFs at the peep o% the da> Fith
stealth> tread,
#ea ing me basOets co erSd Fith Fhite toFels sFelling the house
Fith their plent>,
hall = postpone m> acceptation and reali ation and scream at m>
e>es,
?hat the> turn %rom ga ing a%ter and doFn the road,
nd %orthFith cipher and shoF me to a cent,
E7actl> the alue o% one and e7actl> the alue o% tFo, and Fhich is
ahead
(IEstou satis%eito V e o, dan/o, rio, canto;9 uando o companheiro amoroso
dorme abrac/ado a mim durante a noite e depois9 ai embora ao raiar do
dia com passos silenciosos,9Dei7ando para mim cestas cobertas com toalhas
brancas enchendo a casa com sua %artura,9De o adiar minha aceita/ão e
compreensão, e gritar a meus olhos,9*ara +ue dei7em de %itar a estrada,9E
imediatamente calculem e mostrem até o menor centa o,94 alor e7ato de
um e o alor e7ato de dois, e +ual ai na %rente K)
(trad. de ndré 2ardoso, in R_=?! N, p.1L)
X3
8/18/2019 Tese Padua
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pelo amor I roFing among blacO %olOs as among Fhite,9`anucO, ?ucOahoe, 2ongressman,
2u%%, = gi e them the same,=9 recei e them the sameK, pela sabedoria pro%ética com +ue
prega em seus ersos ou %rases poéticas a %raternidade uni ersal:
E er> Oind %or itsel% and its oFn, %or me mine male and %emale,
5or me those that ha e been bo>s and that lo e Fomen,
5or me the man that is proud and %eels hoF it stings to be slighted,
5or me the sFeet8heart and the old maid, %or me mothers and the
mothers o% mother t
5or me lips that ha e smiled, e>es that ha e shed tears,
5or me children and the begetters o% children.(I2ada tipo para si mesmo e para o +ue é seu, para mim o +ue é meu,
macho e % mea,9*ara mim a+ueles +ue %oram meninos e +ue amam as
mulheres.9*ara mim o homem orgulhoso +ue sabe como d-i ser
desrespeitado,9*ara mim a namorada e a elha solteirona, para mim as
mães e as mães das mães,9*ara mim l"bios +ue " sorriram, olhos +ue "
erteram l"grimas,9*ara mim as crian/as e a+ueles +ue geram as crian/asK,
trad. de ndré 2ardoso, in R_=?! N, p.1W)
2omparamos ao de *essoa por sua transgressão, por seu igor -dico, +ue em Neto,
ganhar" outra dimensão, não como:
Em %ebre e olhando os motores como a uma Nature a tropical V
randes tr-picos humanos de %erro e %ogo e %or/a V
2anto, e canto o presente, e também o passado e o %uturo,
*or+ue o presente é todo o passado e todo o %uturo
Em Neto h" essa I%ebreK, mas não da (impro " el) humani a/ão da m"+uina como
+ueria 2ampos, um heter-nimo pessoano %uturista, e, portanto, empolgado com o
mo imento e a industriali a/ão:
XH
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http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 66/295
h, poder e7primir8me todo como um motor se e7primeJ
er completo como uma m"+uinaJ
*oder ir na ida triun%ante como um autom- el ltimo8modeloJ
*oder ao menos penetrar8me %isicamente de tudo isto,
<asgar8me todo, abrir8me completamente, tornar8me passento
todos os per%umes de -leos e calores e car Ces
Desta %lora estupenda, negra, arti%icial e insaci" elJ
4 poeta angolano, mar7ista +ue era, busca a humani a/ão do ser perdido e7atamente
nessa para%ern"lia chamada progresso +ue desumani a e separa os indi $duos por classe,nesse ponto os dois poetas di ergindo %rontalmente, embora, num determinado momento, o
lado %uturista do poeta portugu s +ueira negar o seu lado marinettiano:
h, e a gente ordin"ria e su a, +ue parece sempre a mesma,
ue emprega pala rCes como pala ras usuais,
2u os %ilhos roubam &s portas das mercearias
E cu as %ilhas aos oito anos V e eu acho isto belo e amo8oJ V
!asturbam homens de aspecto decente nos ãos de escada.
gentalha +ue anda pelos andaimes e +ue ai para casa
*or ielas +uase irreais de estreite a e podridão.
!ara ilhosa gente humana +ue i e como os cães,
ue est" abai7o de todos os sistemas morais,
*ara +uem nenhuma religião %oi %eita,
Nenhuma arte criada,Nenhuma pol$tica destinada para elesJ
2omo eu os amo a todos, por+ue sois assim,
Nem imorais de tão bai7os +ue sois, nem bons nem maus,
=nating$ eis por todos os progressos,
5auna mara ilhosa do %undo do mar da idaJ
XL
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Neto repudia essa e asão (embora sua poética se a constru$da na base dos
contr"rios), se a atra és do "lcool ou de +ual+uer outra %onte de alucina/ão, o +ue se
con%irma no %inal de I ren ncia imposs$ elK, penitenciando8se, com ironia in ulgar:
I*erdoem8me os cinco minutos de loucura9+ue i iK.
2omparamos ao do poeta antilhano imé 2ésaire, por sua corrosi a repulsa +ue %a &
miséria e & e7clusão do negro, sempre ilipendiado pelo branco empedernido na sua cultura:
Et ni lSinstituteur dans sa classe, ni le pr tre au catéchisme ne pourront tirer
un mot de ce négrillon somnolent, malgré leur maniere si énergi+ue & tous
deu7 de tambouriner son cr]ne tondu, car cSest dans les marais de la %aim+ue sSest enlisée sa oi7 dSinanition (un8mot8un8seul8mot et e8 ous8en8
tiens8+uitte8de8la8reine8'lanche8de82astille, un8mot8un8seul8mot, o>e 8
ous8ce8petit8sau age8+ui8ne8sait8pas8un8seul8des8di78commandements8de8
Dieu)
2ar sa oi7 sSoublie dans les marais de la %aim,
et il nS> a rien, rien & tirer raiment de ce petit aurien,
+uSune %aim +ui ne sait plus grimper au7 agr s de sa oi7
une %aim lourde et eule,
une %aim ense elie au plus pro%ond de la 5aim de ce morne %améli+ue
(IE nem o mestre na escola, nem o padre no catecismo poderão arrancar
uma pala ra desse negrinho sonolento, apesar da sua sua maneira tão
enérgica de tamborilar sobre seu cr]nio raspado, pois %oi nos p]ntanos da
%ome +ue se a%undou sua o de inani/ão (uma8pala ra8uma8pala ra8uma8s-8pala ra e eu8me8dou8por8sati%eito8com8a8rainha8'ranca8de82astela, uma8
pala ra8uma8s-8pala ra, e am8esse8burguesinho8+ue8não8sabe8um8s-8dos8
dos8de 8mandamentos8de8Deus)
pois sua o se es+uece nos p]ntanos da %ome,
e não h" nada a tirar, erdadeiramente nada desse pe+ueno e adio,
e7ceto uma %ome +ue " não sabe mais subir nas escalas da sua o
XX
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 68/295
uma %ome pesada e co arde,
uma %ome sepulta no mais %undo da 5ome desse triste %amélicoK trad. #ilian
*estre de lmeida in. 2^ =<E, p.1H)
2omparamos ao de 5erreira ullar por ser o poeta brasileiro igualmente mar7ista e
militante na luta contra as distor/Ces sociais, sendo o seu poema uma das obras8primas da
literatura brasileira, não sem antes ter sido e7ecrado como %onte de pala rCes, escrito +ue
%ora na época da ditadura militar brasileira e no e7$lio.
4 poema de Neto possui 31A ersos, brancos e li res, distribu$dos por XB estro%es
irregulares e est" di idido em duas partes: nega/ão e a%irma/ão, numa clara alusão &dialética de !ar7 e Engels, uma e +ue os princ$pios mar7istas é +ue são o seu etor.
4 eu poético, do erso 1 ao GA, opera uma constru/ão destituti a do ser negro como
pro oca/ão do homem branco, de %orma niilista, a +ue este reconstrua a hist-ria sem o
elemento negro escra i ado ao longo dos séculos. uando atinge o est"dio I eroK, +ue a+ui
tem uma +ualidade de IascensãoK e não de descensão, o eu parece assumir um posto
espectador, atra és do +ual apreciar" o no o de ir dos tempos, não sem antes IgritarK ao
mundo: IV 5ui eu +uem renunciou & idaJ9*odeis continuar a ocupar o meu lugar9 -s os +ue
mo roubastesK, a ren ncia é, pois, uma escolha, é olunt"ria, mas também uma ingan/a, a
anula/ão total do passado e do presente representa a indi%eren/a e a e7pectati a de como a
burguesia, para usar um termo mar7ista, se sair" sem o su eito da e7plora/ão, é a total
desobedi ncia ci il, muito clara nos ersos LL a WA. INão contem comigo9<enuncio8me.9Eu
atingi o eroK: " +ue nada alho, não sir o para ser ir8lhes. té o IapartheidK " não é mais
necess"rio, por isso:
*odeis agora +ueimar
os letreiros medrosos
+ue &s portas de bares, hotéis e recintos p blicos
gritam o osso ego$smo
nas %rases: I * < '< N24 K ou I4N# ?4 24#46<ED !ENK
Negros a+ui. 'rancos acol".XW
8/18/2019 Tese Padua
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total ren ncia do eu se trans%orma na da ra/a negra e aos poucos e olui para uma
ironia m-rbida:
*odeis trans%ormar em toureiros
ou em magare%es
os membros da `u8`lu78`lan
para +ue matem a sua %ome sanguin"ria
nas %eridas dos touros +ue descem & arena.
Não h" negros para lincharJ
^ a er e irMnica de um eu indignado +ue trans%orma o seu suic$dio de maso+uista em
Is"dicoK, o +ue autentica a %or/a irMnica do discurso, nitidamente di%erenciado do discurso
dominante:
?oda a ri+ue a representa agora o suor do rosto
e o suor do rosto é a poesia da ida.
(...)" de encher os salCes
de Debuss>, trauss, `orsaOo%%.
0" não h" sel agens na terra
i a a ci ili a/ão dos homens superiores
em manchas negr-ides
a perturbar8lhe a estéticaJ
_" um consciente deboche contra a arte ocidental e a sua hist-ria: é a cor da pele
+ue promo e a dimensão estética. nega/ão é a con%irma/ão irMnica dos eu%emismos
utili ados pela ci ili a/ão ocidental para mitigar sua conduta ine7plica elmente desumana e
hip-crita, atitudes alimentadas pela =gre a como institui/ão dos brancos e religião, -pio, do
po o, é como di !ar7 e Engels em seu mani%esto: IDa mesma %orma +ue os padres sempre
caminharam de mãos dadas com os senhores %eudais, o socialismo clerical caminha, lado a
XA
8/18/2019 Tese Padua
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lado, com o socialismo %eudalK.
^, então, a indi%eren/a a arma com +ue o eu poético se inga, pois tem consci ncia de
sua import]ncia na constru/ão do mundo ocidental, " denunciada em outros poemas antes
analisados.
Do erso GG1 ao G3B, o eu imprime um tom de re olta (Iraios os partamK), para
depois di er I=de para o diaboJK, retomando, porém, em seguida seu discurso de nega/ão,
agora dirigido diretamente ao negro9irmão, como se nos ersos GLX a GXX. 4 nada a +ue
chegam os Ipretos submissos, humildes ou t$midosK é sinMnimo de grande a: I abei +ue
subistes todos de alorK, pois Isal astes o _omemK, assim com letra mai scula. al ou, não
s- o homem, mas o mundo, ironicamente, com a total anula/ão do negro, sem ser suadesapari/ão. ^ importante notar +ue em toda essa parte o eu poético dirige8se a um
interlocutor de segunda pessoa do plural, um -s, geralmente utili ado para tratamento
solene, +uando nos dirigimos a um ser eminente, superior. segunda parte, a a%irma/ão,
come/a com um pedido de lucide I5a/a8se lu no meu esp$ritoK, o erso lembra a e7pressão
latina fiat lux , +ue signi%ica, dentre outras coisas, o no o, o in$cio e, na b$blia, o contr"rio de
escuro, da noite, como se pode constatar no nesis. No poema, é o islumbre do no o e a
nega/ão da nega/ão, por isso a%irma/ão, assim o eu poético d" um no o testemunho: o +ue
no caso do poema ganha uma outra conota/ão em irtude da linguagem irMnica +ue
predomina ao longo dos ersos:
Eu8todos nunca me negarei
Nunca coincidirei com o nada
não me deitarei nunca debai7o dos comboios(...)
uem %alou não %ui eu
5oi a minha loucura.
4 meu lugar est" marcado
no campo da luta
para con+uista da ida perdida
X@
8/18/2019 Tese Padua
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Essa retomada de consci ncia e olui para a declara/ão da IlutaK a ser tra ada em
busca Ida ida perdidaK. gora IEu sou. E7istoK, a%irma8se, repete8se, rati%ica8se, mais uma
e o +ue %oi dito no poema I2on%ian/aK, alidado na senten/a: I s minhas mãos colocaram
pedras9nos alicerces do mundo9?enho direito ao meu peda/o de pãoK, rati%ica8se, portanto, aparticipa/ão da ci ili a/ão a%ricana no erguimento da ci ili a/ão ocidental.
4 eu retoma a consci ncia de seu I alor positi oK, da +ual amais se a%astou, de sua
parte da humanidade, e sentencia: I eguirei com os homens li res9o meu caminho9para a
liberdade e para a idaK, para %echar, mais uma e , ironi ando a+ueles +ue por entura
acreditaram na possibilidade de sua ren ncia: I*erdoem8me os cinco minutos de
loucura9+ue i iK.
e7 %eto e s0a consc >nc a cr2t co-est?t ca
p-s a an"lise da obra de Neto, restam8nos algumas considera/Ces a respeito de sua
consci ncia cr$tico8estética do %a er poético; para tal, nos baseamos em seus pr-prios
poemas e nos seus discursos em prosa reali ados em di ersas circunst]ncias e também na
opinião de alguns especialistas de sua obra.
ntes de mais nada, gostar$amos de apresentar uma pe+uena lista de poemas de
Neto +ue %oram musicados: I'ou+uet de rosas para tiK, INoite na +uitandaK, I elho negroK,
I2on%ian/aK, I*ara en%eitar os teus cabelosK, I_a emos de oltarK (musicado e interpretado
por *ablo !ilanés, cantor e compositor cubano, reconhecido internacionalmente), I deus &
hora da largadaK e I +uitandeiraK, por <ui !ingas.
5oi lan/ado, em setembro de GB1G, o li ro Agostinho Neto e a Luta de Liberta%+o de
Angola0 DEFE-DEGF, a obra, constitu$da por cinco olumes, com mais de H.BBB p"ginas,
elaboradas a partir de mais de X.BBB documentos e7istentes na ?orre do ?ombo, em #isboa,
ilustrando Po muito trabalhoP +ue o %undador do !o imento *opular de #iberta/ão de
ngola (!*# ) deu & pol$cia pol$tica portuguesa *=DE9D . I ren ncia imposs$ elK %oi
interpretada por GB atores, durante LL minutos, em #uanda, pelo grupo de teatro da 6.!. .WB
8/18/2019 Tese Padua
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lém do poema matricial de ngola, mais de 1X poemas de Neto %oram interpretados na
$ntegra. pe/a le a o nome de INeto, *ai, migo e 2amaradaK. Em abril de GB1H, %oi lan/ado
o li ro A no%+o do ser , sob coordena/ão do pro%essor, cr$tico e historiador das literaturas e
culturas a%ricanas de l$ngua portuguesa *ires #aran eira e na ?. <ocha, mestra em literaturasa%ricanas de l$ngua portuguesa e doutoranda da orbonne Nou elle 8 3. 2ada e mais, são
sintomas da import]ncia da sua obra.
Em gostinho Neto, por mais +ue notemos as in%lu ncias pol$ticas de imé 2ésaire,
#angston _ughes, Nicol"s uillén, as estéticas do heterMnimo [l aro de 2ampos, de Ralt
Rhitman, no amente uillén e imé 2ésaire, percebe8se claramente uma aut ntica
concep/ão poética na constru/ão origin"ria da literatura angolana. Da id !estre, poeta e
membro da ssocia/ão =nternacional dos 2r$ticos #iter"rios, em seu li ro Nem tudo é poesia ,
assim se re%ere a Neto:
!as, antes da celebridade a +ue o le aria a sua ida pol$tica marcada pelo
tra/o %orte das con ic/Ces pro%undas, gostinho Neto %oi o nome +ue
subscre eu com a sua assinatura de caligra%ia caprichosa, a maioria dos
primeiros te7tos +ue para sempre %i7aram a impossibilidade de ane7a/ão daliteratura angolana pela literatura portuguesa, na sua l$ngua. Desconhecida
internacionalmente, a poesia angolana encontra8o entre a primeira soma de
poesia negra de e7pressão portuguesa (#isboa, 1@L3) apresentada ao
!undo. partir de então, as principais re istas de di ulga/ão e debate dos
alores a%ricanos em l$ngua %rancesa e inglesa, tradu em os seus ersos e
propCem8nos & opinião p blica +ue imediatamente se apercebe da
import]ncia hist-rica, social e pol$tica +ue a sua linguagem poética
transporta.
(...)
2om e%eito %oi gostinho Neto um de%ensor intransigente do mais alargado
debate de ideias, do mais amplo mo imento de in estiga/ão, dinami a/ão e
apresenta/ão p blica de todas as %ormas culturais e7istentes em ngola,
sem +uais+uer preconceitos de car"cter art$stico ou lingu$stico, o +ue
iabili ou a ri+ue a de e7peri ncias na di ersidade +ue é ho e a literaturaW1
8/18/2019 Tese Padua
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angolana. ^ neste esp$rito +ue disponibili a os escritores para a escolha dos
meios e7pressi os +ue melhor lhes aprou er, sem comple7os de
subalternidade em rela/ão ao chamado realismo socialista.
ão depoimentos como esses +ue alidam a nossa a%irma/ão de +ue, ao %alarmos de
Neto, estamos, indubita elmente, diante do grande poeta da literatura angolana, cMnscio de
sua estética e de seus ob eti os liter"rios. e amos o pr-prio ate atra és de alguns trechos
seus sobre literatura:
?odos n-s, creio, +ue concordamos em +ue o escritor se de e situar na sua
época e e7ercer a sua %un/ão de %ormador de consci ncia, +ue se a agente
acti o de um aper%ei/oamento da humanidade.
(...)
*or+ue não se pode es+uecer o no o %actor hist-rico introdu ido na
realidade angolana e constitu$do pela independ ncia e pela liberdade.
(...)
Durante as lutas de liberta/ão nacional, hou e tentati as sérias de seguir o
no o caminho. !as sem resultados signi%icati os. *or+uanto, a recon ersão
cultural não pode ser %eita pelas nossas condi/Ces, em uma s- gera/ão. 4
es%or/o, eu estou seguro disso, ser" %eito. !as os seus e%eitos s- se %arão
sentir muito mais tarde, +uando as condi/Ces materiais %orem
su%icientemente determinantes de uma no a consci ncia.
(...)
igni%ica i er a ida do po o e, para os +ue t m preocupa/Ces liter"rias,
saber retirar dos sentimentos, das aspira/Ces e dos momentos, da _ist-ria,
os elementos necess"rios para a sua tare%a art$stica (NE?4).
WG
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 74/295
^ importante percebermos como gostinho Neto, ao modo de 4sFald de ndrade,
constr-i um pensamento antropo%"gico sobre a cultura angolana, sem chau inismos, uma
%orma alargada e consciente de er as coisas, de compreender as trans%orma/Ces. Em seu
discurso reali ado +uando da tomada de posse dos membros da 6nião dos Escritoresngolanos, reali ada em BA de aneiro de 1@W@, declara: IE identemente, a cultura não pode
inscre er8se no chau inismo, nem pretender e itar o dinamismo da idaK. Esse olhar
antropo%"gico não diminui a sua no/ão de angolanidade, apenas o distancia das incursCes
estereotipadas do Irealismo socialistaK:
e os estimados camaradas e colegas me permitem, direi +ue não podemos
cair em es+uemas ou estere-tipos como os te-ricos do realismo socialista.
par de nossa capacidade nacionalista, teremos de inter ir de modo a
inscre er8nos no mundo. medida +ue %ormos assumindo a realidade
nacional.
(...)
cultura angolana é a%ricana, é sobretudo angolana, e por isso sempre
consideraremos ultra ante a maneira como o nosso po o %oi tratado por
intelectuais portugueses.
(...)
!as, no meu entender, ser" necess"rio apro%undar as +uestCes +ue
deri am da cultura das "rias na/Ces angolanas, ho e %undidas numa, dos
e%eitos da acultura/ão dado o contacto com a cultura europeia e a
necessidade de nos pormos de acordo sobre o apro eitamento dos agentespopulares da cultura e %a ermos em ngola uma s- corrente compreensi a
da mesma.
!ais adiante, o ensa$sta Neto propCe a democrati a/ão dos debates acerca das ideias
culturais pro indas do no ostatus *uo de ngola: I*enso +ue é necess"rio o mais alargado
poss$ el debate de ideias, o mais amplo poss$ el mo imento de in estiga/ão, dinami a/ão eW3
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 75/295
apresenta/ão * blica de todas as %ormas culturais e7istentes no *a$s, sem +uais+uer
preconceitos de car"cter art$stico ou lingu$sticoK.
!uitos dos a%orismas dos mani%estos *au 'rasil (1@GH) e ntrop-%ago (1@GA), de
4sFald de ndrade, amos encontrar em toda a poesia de ngola do per$odo da Mensagem,
notadamente em gostinho Neto, nt-nio 0acinto e iriato da 2ru .
obre a literatura produ ida no per$odo em +uestão, assim se e7pressa !"rio de
ndrade, no pre%"cio +ue %a & Antologia tem)tica de poesia africana: canto armado :
poesia continua a ser o dom$nio pri ilegiado e o mais imediato da
e7pressão liter"ria de liberta/ão nacional.
(...)
?omando a %orma de lamento l$rico, de elegia ou de epopeia, essa poesia
constitui a re%er ncia primordial da tradi/ão liter"ria da resist ncia a%ricana.
(...)
Esses poetas cantam uma realidade +ue em bre e ser" ultrapassada pela
pr-pria e olu/ão do combate pol$tico.
(...)
^ assim +ue, por olta de 1@XB, a poesia a%ricana de combate se caracteri a
por uma tem"tica pan8a%ricana.
(...)
Noutros termos: rali a8se a coincid ncia entre o enga amento pol$tico, a
presen/a %$sica no pr-prio terreno da luta e a e7pressão militante na poesia.
E, para ilustrar, %a cita/Ces de ersos de gostinho Neto: I iol ncia9 o es de a/o ao
sol9=ncendeiam a paisagem " +uenteK, pois é da materiali a/ão do compromisso com a luta
armada +ue Ielabora8se também uma no a tem"tica da e7pressão liter"riaK, no di er deWH
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 76/295
ndrade. E a+ui de emos ressal ar Ios no os actores sociais na cena da hist-ria: o po o e, no
seu seio, os guerrilheiros. 2onstituindo a luta armada um %acto cultural por e7cel ncia, ela
introdu , acima de tudo, as condi/Ces %$sicas, materiais e intelectuais da liberdade de
cria/ãoK. Nas regiCes libertadas, ao contr"rio, a caracter$stica essencial da poesia ad ém dasua linguagem clara e direta.
^ preciso salientar, diante dessas cita/Ces, +ue a poesia de combate não dispensa o
e7erc$cio técnico da poesia. 2ontinua o cr$tico, IEntretanto, a %or/a de inspira/ão e o talento
poético indi iduais superam muitas e es a %alta de i ncia no terreno da lutaK. ( ND< DE,
1@W@)
e pegarmos esses %ragmentos e outros do mesmo ensaio, teremos um mani%esto dapoesia a%ricana de l$ngua portuguesa numa ertente similar aos de 4sFald de ndrade,
embora as circunst]ncias hist-ricas %ossem bem di%erentes umas das outras.
obre a presen/a da m sica e da dan/a na obra de gostinho Neto assim se reporta
\osé #ois arc$a:
Só as vo1es0 sen ningun instrument nen dan1a0 elevan este himno monódico
polo futuro0 pola pa1 e o amor dunha Africa unida0 Agostinho Neto insiste0
tanto na ancestralidade como no universo tel<rico da realidade de Africa6 H
un dos poetas africanos con maior insistencia sobre a importancia da
7Negritude8 e da africanidade *ue a expressa con todo sentimento *ue fluie
do seu ser africano e *ue se manifesta na dan1a e nos canticos *ue0 mais
*ue estar ao servicio dun ritual0 est)n manifestando a emanación dun
pensamento e dunha pauta social e espiritual de conducta6 /staafricanidade0 en todos os seus compoentes0 lexitiman esa unción continental
*ue revela o poeta nos seguintes versos:
imJ
& interroga/ão m"gica de ?alamungongo
do 2unene ou do !aiombe,
ao sonoro c]ntico de ritmo subterr]neo
WL
8/18/2019 Tese Padua
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e dos chamamentos tel ricos;
aos tambores
apelando para o %io da ancestralidade
esbatida a+ui e além;
ao ponto interrogati o de !adag"scar.
*ara arc$a, como para n-s também, a dan/a e a m sica %uncionam como
sustenta/ão poética na obra de gostinho Neto. No entender do ensa$sta galego, os tam8tans
e os batu+ues são linguagem i a e certeira de todos os grupos sociais de [%rica, não apenas
nos cerimoniais, mas também para emitir mensagens de guerra ou de pa . Essas
mani%esta/Ces, tanto na dan/a como na m sica, estão inculadas & grande mensagem dapoesia a%ricana, em particular, & de gostinho Neto, impregnada de boa dose musical. E, para
ilustrar, cita alguns ersos do poema I "bado nos musse+uesK; são eles: I nsiedade9no som
da iola9acompanhando uma o 9+ue canta sambas inde%inidos9deliciosamente
pregui/osos9pe ando o ar9do dese o de romper em prantoK. ão muitos os e7emplos dessas
imagens na poesia de Neto, pelo +ue completemos com mais um e7emplo citado por arc$a:
I5ogueiras9Dan/a9?am8tam9<itmo9<itmo na lu 9ritmo na cor9ritmo no som9ritmo no
mo imento9ritmo nas gretas sangrentas dos pés descal/os9ritmo nas unhas arrancadas9!as
ritmo9ritmo9 o es dolorosas de [%ricaJK. ?odos esses e7emplos nos %a em lembrar a
poética de uillén, de olano ?rindade e de 5red ou a 2astro.
egundo Eduardo ocha, em artigo publicado na re ista iblioteca /ntre Livros, de
no embro de GBBW, INas l$nguas banto, a pala ra +ue designa dan/aS também é usada para
m sicaS. 4 intérprete não de e apenas produ ir sons; de e mo imentar o corpoK, assim
Idan/aK e Im sica se (con)%undem, representando uma s- %orma de comunica/ão com osancestrais ou entre as comunidades, de con%raterni a/ão, de plenitude, de guerra ou de pa .
WX
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 78/295
*+@+ Ant n o Bac nto8 do l:d co rem n scente ao neorreal smo a1r cano 4o0 o
,oeta do Tarra1al7
*+@+*+ Per1 l ; o; ;l o.r<1 co e l ter<r o
... a maior parte dos poetas tem sido capa de manter umcontato m$nimo com as popula/Ces do seu meio e identi%icar8se, tradu ir a ida desses homens nos seus poemas. ssim osentimos +uando lemos os belos ersos de iriato da 2ru , de
nt-nio 0acinto ou de 2osta ndrade.( gostinho Neto)
... 4s no os poetas %oram cantando, com o pr-pria, a terraangolana e as suas gentes.
nt-nio 0acinto escre e então alguns dos mais belos poemasdo !o imento, com temas +ue se inscre em tanto no mundourbano como no mundo rural. Deste, d"8nos o escritor, entreoutros poemas, a I2arta de um contratadoK, onde nostransmite a ang stia do homem do campo, saudoso, longe daterra e da sua amada, escolhendo o poeta, com precisão, aspala ras e as imagens, a %orma, em suma, +ue melhor poderiaser ir o tema. (2arlos Er edosa)
nt-nio 0acinto do maral !artins le a a um %ato, cal/a ecasaco, no dia do ulgamento pol$tico em +ue apanhou umapena +ue o le ou a conhecer 2abo erde pelo lado do ?arra%al.4ntem, ao tomar posse de !inistro da Educa/ão e 2ultura,
nt-nio 0acinto en erga a o mesmo %ato. eria o mesmo Nãosei. - sei é +ue o 0acinto +ue esta a dentro do %ato era omesmo do I rande Desa%ioK. (Ernesto #ara 5ilho)
ssim nasceu a literatura angolana moderna, distinguindo8seos primeiros poetas +ue come/aram a deci%rar o real+uotidiano: iriato da 2ru , nt-nio 0acinto, gostinho Neto. gera/ão da Mensagem entoou, com e%eito, o no o canto daangolanidade. (!"rio de ndrade)
nt-nio 0acinto, cu o nome completo é nt-nio 0acinto do maral !artins, é, para
alguns cr$ticos da literatura angolana, um dos poetas mais completos de sua
contemporaneidade l$rica, também cognominado Ium poeta nacional de ngolaK. 0acinto
nasceu no dia GA de setembro de 1@GH, no mesmo ano em +ue morre #enin, e dois anos
depois do nascimento de gostinho Neto. 0" na in%]ncia, come/a a perceber as contradi/Ces
da sociedade de sua época, +uando surgem as primeiras lutas sociais e +ue os dominadoresWW
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apro eitam para mani%estar +ue se trata de um con%lito de luta racial. 0acinto pertence a uma
%am$lia portuguesa +ue se instala em ngola Ie +ue não de e ter tido um papel cha e no
processo colonial. De e ter sido uma dessas %am$lias coloniais +ue não esti eram implicadas
com dinheiros, nem com grandes propriedades e não aderiram & pol$tica sala aristaK,segundo arc$a. sua %am$lia muda8se para o meio rural de 2ambombo, onde não ha ia
escola. nt-nio 0acinto, como ele mesmo %ala na entre ista dada a !ichel #aban, passou a
in%]ncia no interior de ngola, isolado, e s- aos @ anos ai para uma escola prim"ria em local
mais a an/ado, embora o então menino " soubesse ler e escre er. 2hega a #uanda em 1@3W,
com 13 anos de idade, e, embora o mundo se alargue com a chegada & cidade grande, logo
tudo se torna pe+ueno de no o em %ace do resto do mundo: estoura a egunda uerra
!undial. Declara 0acinto: I6ma carta da Europa para #uanda, ou de #uanda para a Europademora a seis meses de barcoJ iesse donde iesse, tinha +ue ir & [%rica do ul, onde era
aberta, era lida, coloca am l" mesmo uma %ita a di er +ue tinha sido aberta, depois é +ue
inha para ngolaK.(# ' N, 1@@1. p.1X1)
eu poema I4 grande desa%ioK e oca os anos 3B i idos entre a segunda ila e
#uanda, +ue %oi escrito, segundo o autor, no ano de 1@L3, untamente com outro poema +ue
se perdeu: INãoK. 5oi a mãe a sua primeira pro%essora, +ue o %e aprender na elha PartilhaMaternal P, do cl"ssico portugu s 0oão de Deus. egundo arc$a:
- aos no e anos %oi para a escola do olungo, po oa/ão rural dedicada &
produ/ão de ca%é. Nessa escola e7perimenta a primeira %ase repressi a +ue
os meninos tinham +ue suportar. Ele di estas pala ras patéticas: PNos tr s
anos seguintes, a to+ue de ara e palmat-ria de um pro%essor, ti e de andar,
e andei...P Este comportamento, origin"rio da =nglaterra e di%undido em*ortugal, olta a ser potenciado pela rea/ão sala arista, para reprimir,
alienar e castrar os esp$ritos +ue terão, mais tarde, eco de liberdade.
( <2 , p.A)
ua mãe lia, para o %uturo poeta e combatente, 0oão de Deus, ?om"s <ibeiro, nt-nio
Nobre e uerra 0un+ueiro, entre outros. 5oi nesse ambiente %amiliar, cercado pelos desenhosWA
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+ue relata am o drama e o combate do po o espanhol, pendurados nas paredes da sua casa,
na erdade, reprodu/Ces dos desenhos do pintor espanhol 5rancisco de o>a (1WHX81AGA),
sobre a in asão espanhola em 1ABA pela 5ran/a de Napoleão. egundo arc$a, essas
reprodu/Ces impressionaram a crian/a pela semelhan/a com as imagens do +uotidianoangolano e o le aram a sentir um grande rep dio pelo dramatismo da+ueles +uadros e,
também, a sentir8se en ol ido num uni erso ergastado pela ocupa/ão de ngola. *ara
arc$a:
Este uni erso i encial ai ser ampliado psicologicamente ao acentuar8se a
descoberta de outros submundos contemplados e não imaginados.
crian/a, nt-nio 0acinto, i e num mundo real, não abstracto. Estes alores
das gentes angolanas %"8lo superar os das leituras iniciadas dos escritores
portugueses +ue a sua mãe lhe tinha ensinado. Depois come/a a
autoestimular8se para narrar com todo o impacto o misterioso mundo das
suas i ncias, dos grandes contrastes +ue o%erecem certas regiCes
angolanas e, no meio de tudo isto, aparece o drama dos negros.
primeira escrita de nt-nio 0acinto tem " um cunho +ue marcar", para
sempre, um compromisso em prol dos marginali ados, %ace &+uela escrita
o%icialista e contra as e7alta/Ces do coloni ador. 2omo ele mesmo di :
PEscre er por o%$cio e por obriga/ão: uma %orma %"cil de combater.
2ombater sempre, escre er sempreP. =sto é a per%ei/ão: escrita para ser
arma de combate contra as contradi/Ces; escre er sobre a problem"tica nas
suas mais di ersas %aces. PEscre er para os outros, escre er pelos outrosP.
No per$odo +ue ai de 1@33 a 1@HX, pouco sabemos da sua ida. ão anos em +ue o
poeta esta a, de %ato, encubando uma no a semente; contribuindo para essa sementeira +ue
%lorir" na terra angolana a partir de 1@HA. *ara ngola, o ano de 1@HA é uma data8cha e para
a dinami a/ão liter"ria de cari pol$tico8social; nesse ano, em a lume o P!o imento dos
No os =ntelectuais de ngolaP, cu o lema era: P amos descobrir ngolaJP, como " dito
acima, e nele nt-nio 0acinto ter" um papel8cha e em sua cria/ão. _", nesse sentido, uma
W@
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%oram escritos e datados no campo do ?arra%al (2. ?. 2hão 'om), com e7ce/ão do ltimo,
dtado de 1H.BW.WL, cinco meses antes da =ndepend ncia Nacional. Em 1@WG, alcan/a a
liberdade, porém é mandado para #isboa, onde passa a i er sob igil]ncia da *=DE. ?rabalha,
durante um ano, como técnico de contabilidade. Em 1@W3, %oge de *ortugal e unta8seno amente ao !*# , onde presta ser i/os no 2entro de =nstru/ão <e olucion"ria.
p-s a independ ncia, gostinho Neto con ida8o a integrar o 2onselho de !inistros,
como !inistro da Educa/ão e 2ultura. Em 1@W@, ganha o pr mio #-tus, outorgado por uma
organi a/ão de [%rica e [sia. 5oi também membro %undador da 6nião dos Escritores de
ngola. 5aleceu em 1@@1.
poesia de nt-nio 0acinto corresponde a uma poética +ue re%lete os problemas deseu tempo, do homem na sua dimensão mais pro%unda, tanto no ponto de ista pol$tico8
social, +uanto no cultural. Dentro desta perspecti a nacionalista, re olucion"ria e cultural,
em seus poemas, encontramos, muitas e es, tra/os de nacionalismo pleno, como bem
e7empli%ica I2arta de um contratadoK, e, com muito re+uinte técnico, não nos enganemos,
boa parte dela.
*+@+3+ Ant n o Bac nto8 o ,oeta e s0a ,oes a
+ui est" um poeta dos mais tradu idos e di ulgados de +uedispCem as "%ricas +ue escre em em portugu s, sendo dosmais representati os com +ue pode a literatura angolanacontar, condi/Ces +ue garantiram a nt-nio 0acinto o carisma
de um lugar de especial rele o no +uadro da nossa poesiacontempor]nea.
(...)
^ a poesia desta op/ão +ue 0acinto propCe de um modo +ue seenri+uece num le+ue de in%orma/Ces +ue criam um clima deidentidade. onomatopeia desempenha entretanto um papelmuito peculiar no reconhecimento dessa identidade, +ue%unciona também pela Inega/ão da nega/ãoS como no caso da
2arta dum 2ontratado . ?odas estas re%er ncias so%rem umaapropria/ão, um +ue%a er sem]ntico, para serem um poemaI+ue " +uer9e " sabe.(Da id !estre)
A1
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obra de nt-nio 0acinto é constitu$da das seguintes publica/Ces: $oemas , 1@X1,
! v artolomeu, 1@W@,$oemas , 1@AG,/m 5ilunCe do Jolungo, 1@AH,Sobreviver em 9arrafal
de Santiago, 1@AL,$rometeu , 1@AW,3)bulas de SanCi , 1@AA. edi/ão +ue tomamos como
%onte de pes+uisa, publicada pela N-ssomos, cu o t$tulo é$oesia &DEKD-DEGK', na parte de
re%er ncias bibliogr"%icas, não %a constar a edi/ão de 1@AG, possi elmente por ser a mesma
de 1@X1.
obra-corpus deste trabalho, editada pela N-ssomos est" di idida em +uatro partes
e re ne os poemas escritos até 1@X1, não datados e os poemas de Sobreviver no 9arrafal de
Santiago, +ue, por sua e , di ide8se em tr s con untos:9arrafal em redor , 9arrafal interior e9arrafal l=rico, cada con unto com sua especi%icidade, como eremos a seguir.
2ompete8nos nesta parte in estigar as semelhan/as e dessemelhan/as +ue h" entre a
poesia de nt-nio 0acinto e de gostinho Neto dentro do bloco maior +ue compCe o
mo imento da Mensagem como teori a/ão para situar a literatura angolana dentro do
conte7to das literaturas de l$ngua portuguesa, analisando sua estrutura, sua linguagem e seu
conte do, a %im de detectar a possibilidade de sua inscri/ão no c]none dessas literaturas ou,ao menos, no de ngola, +ue s- h" pouco se esbo/a. ^ nessa linha, sem +uerer au%erir
medi/Ces de alor entre os poetas e sua obra.
*ara Da id !estre, 0acinto é um I*oeta cu a produ/ão rescende & terra de +ue
nasceu cantor, escritor de obra magra mas %arta de sortilégios patr$cios, h" nos seus ersos o
to+ue de simplicidade e pro%ecia de toda a grande poesia. <eali ada a pro%ecia, eles
permanecem em sua inteira garantia, prontos a ganhar a rua, %alar connosco, %alar8nos de
Qn-s mesmosQK. 2ompanheiro, na ida e nas letras de outro poeta nacional, gostinho Neto, e
de iriato da 2ru também, 0acinto, como eremos, é um poeta +ue se di ide entre sua
gente e seu pr-prio eu: suas ang stias e in+uieta/Ces, ha a ista o longo tempo +ue este e
preso no ?arra%al.
AG
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*+@+@+ As can= es de m nha .ente
*orém, a grande import]ncia deste li ro de poemas dent-nio 0acinto, não ad ém nica e principalmente das
circunst]ncias hist-ricas da sua = edi/ão. 4 alor inestim" eldesta *oesia cresce da sua +ualidade intr$nseca e do seusigni%icado no +uadro global da luta de liberta/ão nacional eainda do papel desempenhado por ela no apelo,conscienciali a/ão e mobili a/ão do po o angolano para o seuinalien" el combate pela pr-pria identidade e dignidadereencontrada.
(...)
era/ão da Mensagem e o seu grito amos descobrirngola , te e em nt-nio 0acinto o mais directo e incisi o dosgrandes poetas +ue lhe deram corpo. os escritospaternalistas dos escribas coloniais, & poesia alienada de unspoucos, 0acinto opunha o igor de uma op/ão angolana. igore altura, +ualidade +ue não so%ria sem rid$culo +ual+uercompara/ão. E por+ue o eco da +ualidade e do igor erasobretudo a erdade das terras sentidas de ngola, o
rande desa%io do po o & condi/ão terr$ el da miséria e dae7plora/ão em +ue i ia, a poesia de nt-nio 0acinto, com ade gostinho Neto e iriato e mesmo a de outros +ue ieram a
trair sem amor tornou8se bandeira preenchendo o sonho.(2osta ndrade)
Na primeira parte, composta de 1H poemas, o te7to +ue a abre le a o t$tulo de
"escobrimento , e é dedicado I& <ua da *edreiraK e representa, numa linguagem +ue lembra
a do poeta brasileiro !anuel 'andeira, a autoanuncia/ão do descobrir8se poeta, o soltar a
o para um no o hori onte +ue se espalhar" pelos poemas seguintes, mais elaborados e
curtos uns, outros mais longos e narrati os. Nos primeiros, predomina a metalinguagem num
transcurso e7istencial e humanista +ue se %ortalecer" nas outras partes da antologia. Nos
mais longos, pre alecem os encantos da terra natal, as suas ma elas, a den ncia da
e7plora/ão do homem pelo homem, as distor/Ces sociais, os desencontros da ida e a
incerte a do %uturo, ou a certe a não dese ada. descoberta é por+uanto uma %orma de
humani ar8se, de ele a/ão, de poder, +ue o distinguir" dos outros poetas.
partir de I2an/ão do entardecerK, cognominada de I2antiga de rodaK, teremos a
A3
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alori a/ão dos cantos populares, +ue e7pressam o sentimento da angolanidade, a
alori a/ão da l$ngua materna e da linguagem popular do portugu s angolano como %ontes
de embele amento do arte%ato poético, como %i eram os modernistas da emana de rte
!oderna de GG no 'rasil. _" também desta+ue para as hist-rias populares como a de ?eresa,de IEra uma e K, muito parecida com a do poema de 0orge de #ima IEssa Negra 5ulMK; é
is$ el a premoni/ão das crian/as sem %uturo como se insinua em INau%r"gioK e em
I*]ntanoK, na representa/ão da %igura %eminina, condenada & prostitui/ão, a e oca/ão dos
primeiros amores em I adiagemK e as lembran/as das coisas simples i idas na meninice,
restando um agora dos destinos dos elhos amigos dispersos na indi%eren/a e7istencial,
como nos %ala I4 grande desa%ioK, todos esses poemas carregados de um lirismo pungente,
na linha dos poetas rom]nticos ou sentimentais como o " citado !anuel 'andeira, por+uea+ui não %alamos de mo imento liter"rio, mas de inter en/ão estética na constru/ão do
te7to.
Dessa primeira parte, podemos destacar os poemas I2astigo pro comboio malandroK,
I2arta dum contratadoK, I!onangambaK e I*oema da aliena/ãoK, este apro7imando8se
muito de outro poeta brasileiro neoconcretista 5erreira ullar. Nesses poemas, amos
encontrar um eu poético mais pr-7imo da poesia de gostinho Neto, mesmo +ue aindatimidamente. s onomatopeias, a linguagem popular e a %ala materna se entrecru am numa
ri+ue a ocabular para %a er a den ncia dos maus8tratos dispensados aos negros, igualados
aos animais em determinados momentos.
inda sobre I2astigo pro comboio malandroK, percebemos nele, além da
apro7ima/ão com poetas brasileiros como !anuel 'andeira em I?rem de %erroK, poema "
citado neste trabalho, ressal adas as de idas propor/Ces, uma e +ue a sua posi/ão pol$tica
é mais acentuada, " a partir da tipi%ica/ão do comboio ImalandroK e da den ncia da
animali a/ão do negro ele ado & condi/ão de IboiK, um ser Isem respeitoK; por isso, não nos
enganemos com a %alsa ingenuidade do eu l$rico, notamos um poema +ue caminha sob a lu
da o netiana, embora sem o seu igor ainda.
e amos o +ue di Da id !estre sobre ele:
AH
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^ do +ue encontramos ind$cios no poema 2astigo pro 2omboio !alandro :
Esse comboio malandro9passa9passa sempre com a %or/a dele V di ,
lan/ando mão de uma linguagem +ue desponta da domestica/ão da l$ngua
portuguesa por uma geogram"tica nacional e +ue assume deste modo logo
uma primeira sintonia com o receptor. No entanto, o poeta oga ainda na
n%ase e recorre & representa/ão onomatopaica: ué ué ué 9hii hii9te8+uem8
tem te8+uem8tem te8+uem8tem.
ssim o poema desdobra8e entre estas duas opera/Ces até encontrar o
des%echo progressi amente sugerido: 2omboio malandro 9 oc ai er s- o
castigo 9 ai dormir mesmo no meio do caminho. _" nesta poesia uma
rela/ão de causa8e%eito de maior enle o +uanto mais conseguida. (pp. G@8
3B)
*or e es, o eu poético assume a o dos contratados +ue se+uer sabem escre er ou
ler e le a seu canto de dor &s suas amadas, como no belo poema I2arta dum contratadoK.
+ui, também, deparamo8nos com uma linguagem simples, carregada de imagens sutis +ue
re%letem, mais uma e , a den ncia da opressão patrocinada pelo go erno %ascistaportugu s. 4 poema torna8se importante por+ue acentua o grau de abandono do colono no
plano educacional e +ue, aos olhos do leitor despre enido, soa ainda mais como IpoéticoK, a$
residindo a ironia de 0acinto, +ue, por e es, engana até conhecedores pr-7imos de sua obra.
e amos o +ue di Da id !estre:
I2arta dum 2ontratadoK, outro dos te7tos %undamentais da obra +uetratamos como do con unto da poética ImensageiraK, organi a8se por sua
e num modelo +ue caldeia a cl"ssica balada com a den ncia e o protesto
social. E7pediente utili ado com e7celentes resultados por brasileiros como
0orge de #ima. ou <aul 'opp, entre outros.
(...) 4 mesmo processo assiste igualmente o *oema da liena/ão ,
!onangamba e 4 rande Desa%io . Em +ual+uer deles se combina o
%luir de uma l$rica depurada e inter%erida pela met"%ora lu7uriante deAL
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s$mbolos locais (caracter$stica dos poetas e contistas empenhados na senha
amos Descobrir ngola) com a demonstra/ão pelo absurdo do drama +ue
a aberra/ão colonial en+uadra. (pp. 3B831)
inda sobre este mesmo poema, temos também o depoimento de Er edosa, para
+uem 0acinto Iescre e alguns dos mais belos poemas do !o imentoK. 4 cr$tico est" a re%erir8
se ao grupo da Mensagem. 2osta ndrade também chama a aten/ão para o alor +ue reside
na ele ada reali a/ão pl"stica +ue os anos de HA iram surgir, notadamente na obra de
0acinto e dos seus companheiros da Mensagem , Ipedrada iolenta e de rotura de%initi a no
bolor da escrita colonialK. nt-nio 0acinto escre e sobre temas +ue se inscre em tanto nomundo urbano como no mundo rural: IDeste, d"8nos o escritor, entre outros poemas, a
I2arta de um contratadoK, onde nos transmite a ang stia do homem do campo, saudoso,
longe da terra e da sua amada, escolhendo o poeta, com precisão, as pala ras e as imagens,
a %orma, em suma, +ue melhor poderia ser ir o tema, con%orme 2arlos Er edosa.
E identemente esses dois poemas nos condu em a uma pro a/ão do processo
enunci"tico do eu l$rico: sua enuncia/ão e o enunciado, per%ilados pelas met"%oras e imagens
carregadas da pseudossimplicidade com +ue !anuel 'andeira coloriu boa parte de sua
poética.
e compararmos, porém, com a poesia de Neto, especi%icamente os tr s primeiros
poemas de Sagrada esperan%a: I deus & hora da largadaK, I*artida para o contratoK,
I "bado nos musse+uesK, mais I2omboio a%ricanoK, eri%icaremos +ue este é mais incisi o na
condu/ão de sua mensagem, mais direto, sendo ambos bons poetas, e os poemas de alta
grande a, pre alece no Ipoeta *residenteK a sedu/ão, ou melhor, a ad ert ncia, a incita/ão,
o con ite & insurrei/ão em busca da liberdade, en+uanto o eu l$rico de 0acinto se anuncia
mais sutil e melanc-lico, não se e7imindo, como " dito, de denunciar, também ele não
%ugindo aos ob eti os dos INo os =ntelectuais de ngolaK e sua m"7ima I amos Descobrir
ngolaJK, onde o IdescobrirK pode ser muito bem substitu$do por libertar. Em Neto, lemos
I#ento caricato e cruel9o comboio a%ricanoK, en+uanto em 0acinto: I2omboio malandro9 oc
ai er s- o castigo9 ai dormir mesmo no meio do caminhoK.
AX
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Em I!onangambaK, musicado por <ui !ingas, %ica mais e7pl$cito o brado do negro
contra a e7plora/ão do branco e a %uga +ue a+uele %a atra és do "lcool. egundo o pr-prio
poeta, em entre ista a #aban, IQ!onangambaQ %oi constru$do na serra/ão de madeiras onde
eu trabalha a. Em %rente da serra/ão passa a a linha de caminho8de8%erro. Eu esta a noescrit-rio, sa$ e im para onde passa a a linha. 4 pessoal esta a a descarregar madeira. Eu a $
%i um recuo para o mato, para o interior, e lembrei8me das lendas dos Oi%umbes, da
con ic/ão de +ue +uem tem barriga grande tem muito dinheiro, +ue o dinheiro é %eito pelos
pretos, etc. #embrei8me do estribilho muito grande do I!onangambéééK e não sei se o
escre i l" mesmo no escrit-rio, ou se o constru$ e, +uando cheguei a casa, o escre i... !as %oi
nessas circunst]ncias, %oi no trabalho mesmo...K(1@@1, p.1XA). +ui estamos diante de um
poema mais pr-7imo da poética netiana:
Na+uela ro/a grande não tem chu a
é o suor do meu rosto +ue rega as planta/Ces;
Na+uela ro/a grande tem ca%é maduro .
E a+uele ermelho8cere a
são gotas do meu sangue %eitas sei a.
4 ca%é ai ser torrado,
*isado, torturado,
ai %icar negro, negro da cor do contratado
ão reclamos mais incisi os, o ImonangambaK é o mesmo Ioper"rio em constru/ãoK
de inicius de !oraes, é o mesmo I!ussunda amigoK, a mesma I+uitandeiraK, o mesmoI elho negroK (a iltados em sua dignidade humana) de Neto. 4 +ue os di%erencia é a %orma
de se re oltar contra o Ibranco opressorK: I!onangambaK pede: I hJ Dei7em8me ao menos
subir &s palmeiras9 Dei7em8me beber maru%o, maru%o9 e es+uecer dilu$do nas minhas
bebedeirasK; o +ue não se re ela nos oprimidos de Neto e inicius. ssim se re%ere #uandino
ieira a esse poema: I2om a a uda do nt-nio 0acinto +ue & dist]ncia e aos domingos de
manhã nos ia subtilmente orientando e en+uadrando ia literatura para a Ioutra coisa
(...) ...poemas como I!onangambaK (...) onde (...) pela primeira e as massas trabalhadorasAW
8/18/2019 Tese Padua
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aparecem na literatura ... inda sobre o mesmo poema, assim se e7pressa l%redo
!argarido:
(...) e o poema de nt-nio 0acinto !onangamba é o e7ame das ess ncias
do contratado e, também, a soma das aliena/Ces parciais +ue acabam por
lhe de ol er a consci ncia da sua miséria, a consci ncia das suas
necessidades. 4 poema de nt-nio 0acinto pretende, naturalmente,
ultrapassar o plano do descriti o, embora apro%undado, e apresenta8se
como um trabalho de encora amento, de educa/ão, +ue o incita a desa%iar
as leis +ue o redu em a uma ser idão. (! < <=D4, p.GW@)
4s poemas IEra uma e K, INau%r"gioK, I*]ntanoK e I adiagemK compCem um
+uadro de %rustra/Ces amorosas e e7istenciais +ue se misturam & saudade dos bons tempos
de rapa , da u entude tocada a iola, bebidas e namoradas. 4 primeiro nos remete &s
hist-rias populares; no caso, I M M 'artolomeuK, " elho, recorda os tempos IdS mbacaK em
+ue se perde de amores pela Imulata ?eresaK, +ue nos tra & mem-ria a hist-ria da INegra
5ulMK de 0orge de #ima, +ue, depois de acusada pela inh" de tudo de errado +ue acontece
no sobrado, termina por sedu ir o seu senhor:
Essa negrinha 5ulMJ
%icou logo pra mucama
pra igiar a inh",
pra engomar pro inhMJ
( )
4 inhM %oi a/oitar
so inho a negra 5ulM.
negra tirou a saia
e tirou o cabe/ão,
de dentro d le pulou
AA
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nuinha a negra 5ulM.
( )
5ulMJ 5ulMJ
2ad , cad teu inhM
+ue Nosso enhor me mandou
hJ 5oi oc +ue roubou,
%oi oc , negra %ulM
No cancioneiro italiano h" também uma %"bula cantada por 2arlos lberto alustre,?rilusssa, chamada I le ada ?eresaK; na de 0acinto, cu o t$tulo denuncia o car"ter aned-tico,
amos encontrar:
hist-ria da ?eresa mulata...
_um ...
M M 'artolomé elanguescido em carcomida cadeira
dormeceu
4 sol se coando da mulembeira eio brincar com as
moscas nos l"bios resse+uidos +ue sorriem
\iuJ M M t" dormindoJ
... 4 mo/o dS mbaca sonhando...
*ercebe8se no %inal do poema a %usão do Imo/o dS mbacaK no I M M 'artoloméK +ue
são o mesmo, representando, tal e , a decad ncia da antiga burguesia angolana.
4s poemas INau%r"gioK e I*]ntanoK representam a premoni/ão e den ncia das
crian/as pobres angolanas (I5oi & pra/a roubou cola 95oi & praia tomou banho 9*ediu um
doce ao doceiro9e na enda da 'ai7a olhando, olhando, 9uma boneca grande9sonhou com
muito dinheiroK), condenadas a se prostitu$rem: Ih"8de amadurar tristemente cedo9& lu
radiosa do sol +uente...9...&s mãos impuras da rua K ( ) Iho e %a tudo tudo tudo9inda tem
A@
8/18/2019 Tese Padua
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a alma cheia de dese os9 a pensar ai a imaginar outros bei os K. pr-pria re%er ncia
simb-lica dos termos Inau%r"gioK e Ip]ntanoK " nos remete a uma conota/ão de despre o,
perder8se, a%undar8se, lodo, bai7e a, dentre outras acep/Ces.
5echando esse con unto, temos I*oema de aliena/ãoK, como e7pl$cito no t$tulo, mais
direto, dentro da linha mar7ista, reinterpretado de _egel, signi%icando em linhas gerais a
e7plora/ão do homem pelo homem: o trabalho +ue de eria digni%icar a condi/ão humana,
e7erce a %un/ão contr"ria, desumani a o ser, uma e +ue o trabalhador não se como
produtor de um bem comum & coleti idade e a si pr-prio, bem a +ue pro a elmente não
ter" acesso e +ue não é produ ido por li re arb$trio, mas & base de maus8tratos, e a+ui os
ltimos ersos re elam +uem são esses homens:
!as o meu poema não é %atalista
4 meu poema é um poema +ue " +uer
E " sabe
4 meu poema sou eu8branco
!ontado em mim8preto
ca algar pela ida.
4 poema, +ue percorre todas as inst]ncias espaciais e da ordem social, ainda não se
%e e, diante do +ue constata: o branco a e7plorar o preto, toma consci ncia da realidade
para reabrir no os caminhos, é o +ue implicitamente se insinua. !ais uma e , nos
reportamos a Da id !estre:
Esta poesia socorre8se, no desen ol imento da par"bola, de recursos +ue
emergem do +uotidiano com a %rescura e o igor do seu uso corrente,
e7pressCes repescadas no rol da in%]ncia, nos pregCes e cantigas de gente
humilde iolentamente e7plorada +ue Icorre as ruas 9 com um +uibalo
podre & cabe/a, entra nos ca%és 9 amanhã anda a roda amanhã anda a roda,
em do !usse+ue, ai nas cordas, anda na pra/a trabalha na co inha9 ai &
o%icina9enche a taberna e a cadeiaK. (p. 3B831)
@B
8/18/2019 Tese Padua
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+ui temos um poema dentro da corrente netiana ou, como diria ?hiago de !elo,
Ipoesia comprometida com a minha e a tua idaK, a peregrinar por onde ha a iola/ão dos
direitos do outro, +uer se a no plano da rela/ão capital9assalariado, +uer se a na entrega do
corpo como sa$da para não morrer de %ome, +uer se a na e7plora/ão do homem pelo homemem +uais+uer circunst]ncias:
4 meu poema é contratado
nda nos ca%e ais a trabalhar
4 contrato é um %ardo
+ue custa a carregar
ImonangambéééK
o meu poema anda descal/o na rua
o meu poema carrega sacos no porto.
4u, como diria 5erreira ullar, em seu I*oema su oK (Escrito muitos anos depois), de
certa %orma antecipado pelo pr-prio 0acinto nos ersos abai7o:
4 meu poema anda na pra/a trabalha na co inha
ai & o%icina
enche a taberna e a cadeia
é pobre roto e su o
i e na noite da ignor]ncia
o meu poema nada sabe de si
nem sabe pedir
o meu poema %oi %eito para se dar
para se entregar
sem nada e7igir
ou, como di Drummond, em sua I2onsidera/ão do poemaP: I2omo %ugir ao m$nimo
ob eto9ou recusar8se ao grande ( ) 0" agora te sigo a toda parte,9e te dese o e te perco,@1
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estou completo,9me destino, me %a/o tão sublime,9tão natural e cheio de segredos,9tão
%irme, tão %iel... ?al uma l]mina,9o po o, meu poema, te atra essa.K.
E oco Neto, !elo, ullar e Drummond s- para dar a dimensão +ue atinge a escritura
de nt-nio 0acinto, o seu poder de sinteti ar as den ncias +ue aparecerão em outros
poemas, esse poema simboli ando todos os aspectos da ida corrompida em [%rica: no
mato, no mar, na cidade ou dentro do pr-prio ser humano. obre ele assim se pronuncia
l%redo !argarido:
con ic/ão %undamental destes poetas é, pois, +ue o homem total, sendo
embora inicialmente o su eito8ob ecto i endo dilacerado, i endo emboradissociado e preso & necessidade e & abstrac/ão, nem por isso dei7ar" de
ser uma rea1idade. ra ão %undamental da aliena/ão, numa sociedade
pluriétnica, como ali"s em +ual+uer sociedade, reside na ordem econMmica
e social, pelo +ue importa +ue cada um dos elementos sociais se %irme
numa e7ig ncia absoluta: a da liberdade total. - deste modo o poeta pode
re estir8se da e7emplaridade +ue dese a, não por mera e7ig ncia de um
ideal transcendente, mas sim por saber necess"ria a cria/ão de "rias onas
de e+uil$brio entre o biol-gico e o humano, o particular e o social, no
]mbito de uma e7ecu/ão progressi a do pessoal no pro ecto social.
cone7ão e a unidade, sempre postas em e id ncia, e7istentes entre os
elementos do conte do, pro ocam a necessidade de alcan/ar uma plena
consci ncia da pr"7is. e7emplaridade do poeta est", pois, primeiramente,
na reali a/ão total, pois esta não s- lhe assegura o acesso ao uni ersal,
como e idencia necessidade V e a possibilidade V de criar um mundo
humano, com a e%ecti a participa/ão de todos os homens.(1@AB, p.GWL)
5inali a esta parte o poema I4 grande desa%ioK, constru$do em duas dimensCes: uma,
+ue representa o passado em constata/Ces do +ue %oi %eito da di"spora %raterno8 u enil de
INa+uele tempoK, em +ue alguns se perdem pelos caminhos da I2asa de <eclusãoK, dos
Icontratados de ão ?oméK, mas h" os +ue se deram IbemK na ida e ignoram, no ho e do
@G
8/18/2019 Tese Padua
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enunciado, até +uem lhe deu guarida. =sso era o tempo do INunca maisJ Nunca maisJK, +ue
lembra o INe er moreJ Ne er moreJK do poeta norte8americano Edgar lan *oe. ?empo do
Igrande desa%ioK, brincadeira de in%]ncia +ue se perde nas lembran/as das coisas simples
i idas na meninice. 4s desencontros da pr-pria e7ist ncia humana. Dentro, porém, dessaperspecti a uni ersal, o poeta não dei7a de salientar os problemas locais +ue se tornam
agora sim um Igrande desa%ioK a ser %eito:
!as tal e um dia
+uando as bugan $lias alegremente %lorirem
+uando as bimbas entoarem hinos de madrugada nos capin ais
+uando a sombra das mulembeiras %or mais boa
+uando todos os +ue isoladamente padecemos
nos encontrarmos iguais como antigamente
tal e a gente ponha
as dores, as humilha/Ces, os medos .
desesperadamente no chão
no largo V areal batido de caminhos passados
os mesmos trilhos de escra idCes Vonde passa a a enida +ue ao sol ardente alcatroamos
e unidos nas ]nsias, nas a enturas, nas esperan/as
amos então %a er um grande desa%io...
4utro aspecto a considerar é a %orma; uma e +ue esses poemas são +uase
narrati os e apro7imam8se muito da prosa, a sua linguagem torna8se mais compreens$ el do
+ue em poemas +ue se prendem mais & elabora/ão da linguagem, dei7ando & margem o
conte do; não +ue nesses poemas ora trabalhados a poeticidade termine por se e7aurir,
mesmo por+ue o ritmo, +ue é uma caracter$stica da poesia a%ricana de um modo geral, ou a
ela %iliada, lhe garante muita musicalidade, o +ue compro a terem sido muitos desses
poemas musicali ados, o +ue permitiu %ossem cantados por toda a gente do pa$s,
notadamente a+uela gente a +uem eram endere/ados: os angolanos +ue se insurgiram
contra a opressão do Estado portugu s e propunham a independ ncia.
@3
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*+@+ + Ant n o Bac nto8 ,oeta so;rev vente do Tarra1al
*+@+ +*+ Em redor do Tarra1al
Estes poemas são meus. ^ minha terraé ainda mais do +ue ela. ^ +ual+uer homemao meio8dia em +ual+uer pra/a. ^ a lanternaem +ual+uer estalagem, se ainda as h". V _" mortos h" mercados h" doen/as^ tudo meu. er e7plosi o, sem %ronteiras,por +ue %alsa mes+uinhe me rasgaria
( )
*oeta do %inito e da matéria,cantor sem piedade, sim, sem %r"geis l"grimas,boca tão seca, mas ardor tão casto.Dar tudo pela presen/a dos long$n+uos,sentir +ue h" ecos, poucos, mas cristal,não rocha apenas, pei7es circulandosob o na io +ue le a esta mensagem,e a es de bico longo con%erindosua derrota, e dois ou tr s %ar-is,
ltimosJ esperan/a do mar negro.(2arlos Drummond de ndrade)
primeira se/ão da segunda parte é constitu$da de G3 poemas mais ou menos curtos
e datados, preocupando8se um pouco mais com a elabora/ão da mensagem em si,
contrariamente aos +ue analisamos anteriormente; e re elam um eu l$rico apartado de seus
entes +ueridos, ora representado pela primeira pessoa do singular, ora pela primeira do
plural, um eu +ue busca atra és da poesia, de Itu *oesiaK (com letra mai scula), um sopro de
liberdade.
gora o poeta, isolado e preso no 2ampo de 2oncentra/ão do ?arra%al, en olto na
ang stia de +uem nada pode %a er, o tempo passar (e como passa lentoJ), por isso busca
re% gio no %a er poético e atra és dele al/a os mais ariados oos para além dotopus em +ue
se encontra enclausurado, e7ilado +ue %ora por sua participa/ão na luta pela independ ncia
de ngola. poesia é o sustent"culo do eu l$rico e, atra és dela, esse eu submete8se ao
sacri%$cio, & subsist ncia Idos ratos de maldi/ãoK, a interrogar8se do de%inhar de si pr-prio e
do es air8se de suas ra$ es, da$ a ang stia de +uem e7perimenta uma realidade brutal, a@H
8/18/2019 Tese Padua
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insist ncia em germinar a terra, por mais pedra +ue ela se a, tal +ual o catingueiro de 0oão
2abral de !elo Neto. s e es um des]nimo in ade8o, e este parece dei7ar8se esmorecer. _",
porém, no Iar+uipélagoK da ida insular em +ue se encontra, sempre o islumbre de uma
I elaK (chama e9ou embarca/ão) +ue o con ida ao sonho de liberdade. ?omemos comoe7emplo $aisagem Iconcentracion"riaK:
Esta é a %orma imprecisa
%usão do céu e do mar
linha +ue não se di isa
nos limites da paisagem insular
4 *ico do 5ogo é um astro
satélite dos olhos meus
suspenso no ar com lastro
de nu ens:
eno elados algodoais
racioso, !alagueta e montescasas de pedra +ue os trepam
são %ronteiras a limitar
os limites deste sonhar
*oeta V este i er é incerto
sinta8se o homem liberto
- de meditar
No pensar +ue é ida +ue se estua
k a ilha continua
2. ?. 2hão 'om. [email protected]
(0 2=N?4, GB11, p.L1)
^ o ulcão I=onaK +ue, +uedo na paisagem, irrompe dentro do poeta como o %ogo@L
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+ueimando a solidão, pois +ue Io %ogoK é Isaudade i aK e não pode permitir +ue o mar7ista
(INatal na =lhaK) se renda aos +uebrantos da Ino a moradaK e suas %ormas de aliena/ão.
Desta+uemos, agora, os ltimos poemas desta parte: I hJ e pudésseis a+ui er
poesia +ue não h"K, partindo da descri/ão geométrica do espa/o in loco, o eu, dirigindo8se a
um interlocutor +ue chama de I!ãeK, %a um paralelo entre o Ia+ui dentroK e o Il" %oraK.
tra és da nega/ão, estabelece8se a a%irma/ão: a poesia, associada &s coisas boas: &
liberdade, & lu , rare%a , parado7almente, as aus ncias, a morte, a triste a e a Ipoesia +ue
não h"K.
s ant$teses e as hipérboles dão assim uma isão surrealista ao poema +ue se
transmuda no ob eto de dese o, s- alcan/" el atra és da arte poética, mesmo +ue negada:INum ca alo de nu ens brancas94 luar incendeia car$cias9E em, por sobre meu rosto magro
dei7ar teus bei os !ãe, teus bei os !ãe9 hJ e pudésseis a+ui er poesia +ue não h"JK.
4 poema I*aisagemK é uma espécie de del$rio de entrega & IpaisagemK +ue não
muda, & solidão +ue se intensi%ica com a re%ormula/ão ou reconstru/ão do poema de %orma
ainda mais sintética do +ue " o é; parece8nos um e7erc$cio poético como necessidade de
e7pia/ão.
Em I té mimK, encontramos pela primeira e uma re%er ncia e7pl$cita do todo [%rica
como tem"tica e apela/ão de liberdade coleti a. re ela/ão do so%rimento do po o a%ricano
se intensi%ica no poema I=lha do alK, com as ricas imagens, atra és dos neologismos e das
re%er ncias b$blicas, nas %iguras do IsalK e de I0obK: +ue são o I al desta =lhaK e, ao mesmo
tempo, o I al desta idaJ9E o so%rido po o8sol%erido9criamado & imagem de 0ob...9E a
solidão, ano emp-s anoK, +ue corroboram a tragicidade a +ue %oi impelida essa gente.
Dilatemos os neologismos: o Isal desta =lhaK é o mesmo Isal desta idaJK, dito assim com
clamor da pontua/ão; e o Iso%rido po oK é Ipo o8sol%eridoK: %erido a sol e sal, monoss$labos
+ue por si s-s intensi%icam a dor desse po o criado e amado como I0obK, sem,
e identemente, o +ue Deus a este ser b$blico lhe de ol eu.
+ui, para 4 $dio !artins, temos a paisagem e7terior, de %ora, mas +ue se in%iltra no
]mago do poeta de %orma e7tremamente dolorida. 4 eu, no entanto, mostra8se crente, não
como I0obK, nas trans%orma/Ces, por mais +ue claudi+ue em alguns momentos. *odemos@X
8/18/2019 Tese Padua
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concluir +ue é a primeira con ocat-ria direta ao po o a%ricano, embora " em 1@WL. ^ um
con ite & humani a/ão desse Ihomem8pedraK, desse homem IsalK e IsolK.
o compararmos sua poética com a de Neto, notamos, surpreendentemente, +ue
nt-nio 0acinto tende a uma poesia mais %iloso%ante, mais re%le7i a, %ruto e identemente de
sua condi/ão de prisioneiro, enclausurado +ue esta a no ?arra%al, & espera, como 0ob, da
concreti a/ão do dito por gostinho Neto em seus poemas mais agudos I deus & hora da
largadaK, I2on%iana/aK, I spira/ãoK, I!ussunda amigoK e I2aminho das estrelasK, para
%icarmos apenas nesses cinco. 0" a%irmamos atr"s +ue a poética de 0acinto tem "rios
contornos, con%orme amos esclarecendo, mas sem %ugir em seu todo de sua marca de
nacionalidade.
*+@+ +3+ %o nter or de Tarra1al
Esta parte, 9arrafal interior , compreende uma colet]nea de GH poemas, sendo dois
reescritos, I2ensuraK e I lda #araK, todos ersando sobre o locus +ue se insere entre as
muralhas da prisão do ?arra%al, em antiago, 2abo erde, os temas serão similares aos das
poesias " interpretadas: a censura, acompanhada da permissi idade corrupta, a liberdade,
re elando um eu poético como construtor do mundo, nesse coro, também irmanado com a
coleti idade negra a%ricana tão largamente comerciali ada para todos os continentes como
mão de obra escra a.
*or mais pessoais +ue soem esses cantos, perpassam por eles o ideal de I#iberdadeK
e o combate & opressão. 4 eu l$rico, construtor do mundo, como e7pl$cito em gostinhoNeto, nesse coro também irmanado com a coleti idade negra a%ricana, rei indica I s minhas
mãos colocaram pedras9nos alicerces do mundo9também mere/o o meu peda/o de pãoK, e
0acinto: INas tare%as da constru/ão do mundo9a+ui estou de no o9unido9na procissão das
ontades9ala ancas em aplica/ão comburente9a+ui estou de no o9presenteK. poesia é
sempre ista como arma de combate, Isuma po mia imperec$ el98digo8 os +ue sou perigoso
+uando9na %or/a iril do meu erso9EsperoJK e como construtora da pa uni ersal. Ela, a
@W
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 99/295
poesia, é de tal %orma signi%icati a para o poeta +ue chega a ganhar uma e7pressi a
conota/ão %ecundante de humanidade.
_" na poesia de 0acinto um perene di"logo com a arte poética e com outros
companheiros do Ilutar com pala rasK, como di Drummond. 6m lidar &s e es e7perimental,
c mplice. poesia personi%icada torna8se con%idente, amiga e conselheira. Dessa entrega &
poesia e aos companheiros e companheiras poetas, ad ém, como em I lda #araK, a
consubstancia/ão da ami ade em %ace das perturba/Ces pr-prias de sua op/ão de ida. 4 eu
não se parece muito crente na concreti a/ão de seus ob eti os, da$ a in+uiri/ão: I uem
des%e nosso sonho K. *or e es, claudica. Estamos diante de poemas l$mpidos, sucintos,
cer idos num portugu s escorreito, no permanente labor do arte%ato, por isso a
reelabora/ão de alguns deles. 4 des]nimo assalta, &s e es, a alma do poeta, e7pondo suas
%ra+ue as:
5i+uei
(mutilado egeto)
resto teimando8me
a io na iniciada estradalarga estrada do destino +ue +uero
mas eis +ue:
^ preciso %rustrar o des]nimoJ
!orri
!as eu os acompanho
(a todo o tamanho)
ue a ida de no o bate & porta
2omo importa:
k recado de ressurrei/ãoJ
esperan/a renasce, então, tal +ual a % ni7, pois tudo não %oi mais +ue uma Inu em
passageiraK. No amente re igorado, o poeta (nem a morte da genitora é capa de amputar@A
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os sonhos de um mundo no o), " +ue o e7erc$cio poético é como o da pr-pria e7ist ncia, %a
da ida um eterno recome/o. ^ importante salientar +ue I!ãeK, na poética de 0acinto, se
inscre e, muitas e es, como a pr-pria genitora, ganhando um car"ter espec$%ico, a aus ncia
do s$mbolo maternal.
De tão sincopados, alguns poemas terminam por atingir um certo hermetismo, t$pico
das escrituras %ilos-%ico8e7istenciais, por e es, como em I onhemos s-isK, onde as
asson]ncias e alitera/Ces dão mais poeticidade aos ersos, dispersos no "cuo da poesia
e7perimental, o +ue não in alida a ino a/ão, nem diminui o alor liter"rio, ao contr"rio,
apenas o distancia dos ob eti os propostos pela gera/ão da Mensagem e o apro7ima da
corrente modernista brasileira de 1@GG e dos concretistas da década de 1@LB. 4bser emos
+ue o poema é datado de 1@X@ e sua concep/ão de poesia come/a a se delinear para o
pr-prio discurso poético como em oga. Nesses poemas, o +ue predomina é o e7erc$cio
metalingu$stico, o e7perimentalismo, por isso, em determinados momentos, como "
e7presso, o te7to en ereda8se pelo hermetismo. *or outro lado, o e7erc$cio poético
transmuda8se no e7erc$cio da pr-pria e7ist ncia do eu: um eterno recome/o. E muitas
e es o eu l$rico oscila entre *latão, #ongino e rist-teles, como bem e7empli%icam os
poemas I#oucuraK e I polo ==K:
E nada
ou noite
mitos e s$mbolos
loucos
e tu poesia
?ua bele a
inho8rubi
l"bios8sangue
sol l" %ora
*oesiaJ
( )
@@
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 101/295
inda permanecer" na ?erra
E nos Espa/os
6ma no a espécie
*oeta e onhador
?otal e /o
inda
4 _omem...
4 lirismo em desa%io & ci ncia: ser" +ue o mar7ista se rendeu ao poeta rom]ntico
moderno 5undiu8se nele a +uestionar o ine7plic" el, como os simbolistas *erdeu ointeresse pelas coisas ob eti as do mundo, apegando8se ao sobrenatural, ou, ao menos, &
busca do inconsciente, e adindo8se na loucura e pondo8se em de aneios entre a ida e a
morte
^ I#oucuraK, pois, um poema de alto n$ el psicanal$tico, ali"s, como o são "rios dessa
le a, em +ue alguns dos temas mais uni ersais se pCem & pro a: ida e morte. 4 +ue se
percebe é o ego$smo humano perante essas Icausas pétreasK do outro, puro IsadismoK:
cobran/a, rai a, por se sentir lesado em seu direito do outro. Não amos, porém, in%iltrar8nos
nessa seara por agora.
4 eu l$rico, no entanto, continua sua I%a7inaK interior: é a e7peri ncia interte7tual,
para%r"sica, o di"logo entre os seres poéticos +ue se buscam na e7plica/ão do ine7plic" el,
são os de aneios dessa alma embebida de Dion$sio e de polo também.
I4 ritmo do tantãK, s$mbolo da comunica/ão entre a%ricanos e seus deuses, não est"no sangue nem na pele, est" no cora/ão, no +ue pensa e no +ue sente, poema amalgamado
num tom de re olta re ela a autoestima, o orgulho e a autoa%irma/ão das origens do eu
poético, do ser8se a%ricano, independentemente da cor.
^ como se o eu l$rico esti esse a dirigir8se a um interlocutor preconceituoso, +ue
repudia a+uele +ue não tra na pele a marca original da [%rica Negra. ^ um recado de +uem
so%re no seu ser a e7clusão +ue tanto combateu. ^ um reclamo de seus direitos. ?al e a+ui o
1BB
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 102/295
autor nos chame a aten/ão para um problema inter8relacional do pr-prio po o angolano,
também tratado por *epetela em Ma ombe. 0acinto, no ltimo poema, con ida8nos a re%letir
sobre os mistérios +ue cobrem as linhas lim$tro%es da e7ist ncia humana: ida e morte, para
+ue dessa re%le7ão possamos tirar as conclusCes a n-s mesmos inerentes.
*+@+ +@+ Tarra1al l2r co
Na ltima parte da antologia, composta de 13 poemas, relati amente curtos,
encontramos um eu poético pro%undamente l$rico e amoroso, se é +ue podemos 8lo de
outra %orma +ue não abra/ado & lira. +ui estamos diante, erdadeiramente, de um poeta
re eladamente l$rico e contido em suas re%le7Ces e7istenciais: +uer se am %ilos-%icas, morais,
pol$ticas ou amorosas, trabalhando o poema, amalgamando sua %orma ao conte do, como a
buscar uma harmonia entre os dois: %orma e conte do, onde a pure a e o dese o carnal
e7ercem o imbr-glio poético, e7ercendo a+uela uma certa supremacia sobre este, numa
clara interte7tualidade com as prostitutas e as estrelas do bardo brasileiro, " citado, !anuel
'andeira de I ou8me embora pra *as"rgadaK e IEstrela da ida inteiraK. !esmo emI pontamento para poemaK, +ue tem seu in$cio carregado de lasc$ ia, termina Inum
discreto sorrisoK.
Em IE oca/ão remotaK, mais uma e seguindo a linha do poeta modernista brasileiro
!anuel 'andeira, para +uem a IestrelaK aparece como s$mbolo do ob eto do dese o
amoroso (a estrela e as prostitutas), o eu l$rico recorda os momentos de puro amor IEm casa
de Em$lia abaloK, onde se percebe o contraste entre a %igura de INossa enhoraK e as
ati idades ali praticadas. ?udo isso INa longetempopassada casa9De Em$lia 5ragoso
abalo...K. 4 poeta então olta sua IEntregaK aos de aneios de +uando
Era
e7ist ncia repartida
E o sonho
romas de todas as %lores1B1
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 103/295
+ue murcham ao sol posto
e i/am prima eras
pela no a manhã
?rata8se, portanto, de um eu nost"lgico, a %alar de um I morK do passado, presente
apenas pela %or/a da mem-ria e da arte poética. Em momentos raros como em IE agora +ue
nos temos9?oda me tremes95remes9(ohJ 0ardim de del$cias e...)9Del$rio de bei os9E tactos9
(... de loucos cansa/osJ)K. 4 eu l$rico se insinua mais lasci o, mas não ousa outros oos. o
lado dos e7erc$cios metalingu$sticos, +ue compCem toda a obra de nt-nio 0acinto,
encontraremos elementos da nature a como a noite, o sol, bem como a m sica e a dan/a,
são esses componentes +ue dão ida ao I morK e arre%ecem a tensão nost"lgica, +ui/"
b]n ica, +ue atormenta o eu l$rico.
*+@+ + + Al.0mas cons dera= es do ,oeta so;re o se0 tra;alho ,o?t co
Em entre ista concedida a !ichel #aban e publicada no olume = da cole/ão Angola:
encontro com escritores , perguntado sobre +uais in%lu ncias so%rera no in$cio de sua carreira
como poeta, nt-nio 0acinto esclarece +ue as primeiras moti a/Ces partiram de sua mãe
+ue, na in%]ncia, lhe narra a os contos in%antis da tradi/ão portuguesa, declama a poemas
de poetas portugueses e canta a também. #embremos +ue os pais do poeta, embora com a
+uarta classe escolar, tinham boa leitura dos escritores portugueses. Ele a%irma, também,
+ue, antes de entrar para o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, os li ros escolares
eram a base de sua leitura, ao depois, mante e contato com a poesia dos mo imentos
laridade e erte1a, de 2abo erde, e com a poesia brasileira.
!ais especi%icamente e " nos anos de 1@HB, declara 0acinto serem os neorrealistas
portugueses, do No o 2ancioneiro e sob o signo do galo, os brasileiros, basicamente os +ue
%i eram o !odernismo, os escritores negros norte8americanos, da I<enascen/a do _arlemK e
os poetas da INegritudeK, nos anos LB, além de 2astro oromenho, le7andre D"sOalos e,
principalmente, Noémia de ousa, suas leituras habituais. Di o poeta:1BG
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Noémia tinha escrito os poemas +ue n-s gostar$amos de " ter escrito V é
esta a sensa/ãoJ Esse caderno circulou. Eu assumi8me como propriet"rio do
caderno, mas era s- para não perder o seu destino. Então, %oi circulando V ia
e inha V e toda a gente leu os poemas da Noémia. desão aos poemas da
Noémia, muito grande... e hou e cr$tica & +uestão %ormal dos poemas, %oi
do !"rio nt-nio. *or+ue o !"rio nt-nio +ue ela acusa a de arti%$cios
emocionais muito grandes na constru/ão dos poemas. 4 !"rio nt-nio é
um homem cerebral, critica a, e critica ainda, em poesia, a %acilidade da
constru/ão declamati a, a grandilo+u ncia sonora de certos poemas
re estindo8os de um alor poético aparente +ue e%ecti amente não
possuem. Era isso +ue aponta a & Noémia. !as n-s todos aceitamos, como
eu lhe digo: sentimo8nos des%raldados. *ens" amos +uer$amos escre er e "
esta a escritoJ (# ' N, 1@@1, p.1XX)
^, portanto, de se er +ue as in%lu ncias giram em torno da+ueles escritores +ue
busca am uma %orma de liberta/ão dos moldes cl"ssicos e uma apro7ima/ão com as classes
populares, uma e +ue se trata a de escritos +ue se re estiam de muita cr$tica social. _a ia,
porém, " na+uela época uma discussão sobre o %a er poético. !ais adiante declara o poeta:
té por+ue, na altura, eu e outros nos consider" amos escritores muito
med$ocres, poetas med$ocres, mesmo, principiantes... 4 +ue era preciso era
dar uma mensagem pol$tica. 4s meios 4 +ue era acess$ el era a poesia:
então, pois, seria poesia. e hou esse outra possibilidade, seria outra...
tra és do conto, da poesia, a preocupa/ão era de ordem pol$tica. (# ' N,
1@@1, p.1H@)
Esse depoimento é importante para esclarecer a di isão +ue %a emos da poesia de
nt-nio 0acinto: a poesia do enga amento pol$tico e a poesia da prisão no ?arra%al, onde o
poeta %icou por mais de de anos. !ais adiante 0acinto esclarece ainda mais a sua isão do
1B3
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%a er poético:
Eu não sei se hou e e olu/ão liter"ria. Eu poderei di er é +ue, praticamente,
depois de XB eu creio +ue não %i ersos com a %re+u ncia com +ue inha
%a endo anteriormente. Eu posso mesmo recuar: creio +ue depois da
intensidade da ida pol$tica, a ida liter"ria cedeu o passo a essa ida
pol$tica. E ersos +ue eu tenha %eito são espor"dicos... =sso a$ são ersos
escritos noutras circunst]ncias V são escritos no ?arra%al, num mundo muito
%echado, também, concentracion"rio, longe das realidades da terra, com
outra realidade, dei7ados in%luir também pelo ambiente cobo8 erdiano (...)
também com muita in%lu ncia das leituras %eitas l"... 4 !anuel 'andeiraestar" a$ presente... 5ernando *essoa também estar" presente, Eugénio de
ndrade estar" presente, 0osé omes 5erreira (...) $ " h" a preocupa/ão de
codi%icar. Eu creio ho e +ue, também, daria outro arran o, ou outra %orma, a
muitos poemas anteriores. uer di er +ue h" uma concep/ão no a da obra
poética...(# ' N, 1@@1, pp. 1WB81W1)
4 +ue se percebe é +ue se trata de um artista +ue tinha consci ncia de sua obra na
altura em +ue escre eu os poemas de combate, inculados & INegritudeK e ao neorrealismo,
bem como ao longo dos anos +ue se seguirão & sua prisão, & independ ncia e & p-s8
independ ncia, um poeta cMnscio da arte em si e de seu trabalho. o longo da entre ista, é
not-ria essa isão alargada da literatura angolana p-s8independ ncia, +uando os escritores
buscarão outros caminhos e outras %ormas de concreti "8la, seguindo, por assim di er, as
pala ras de gostinho Neto, o 2amarada *residente, nas duas inter en/Ces +ue %e na 6niãodos Escritores de ngola sobre a literatura e a cultura angolanas.
1BH
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*+ + r ato da Cr0H8 0m ,oeta com ; l n.0 smo
*+ +*+ Per1 l ; o; ;l o.r<1 co e l ter<r o
( ) a maior parte dos poetas tem sido capa de manter umcontato m$nimo com as popula/Ces do seu meio e identi%icar8se, tradu ir a ida desses homens nos seus poemas. ssim osentimos +uando lemos os belos ersos de iriato da 2ru , de
nt-nio 0acinto ou de 2osta ndrade. ( gostinho Neto)
^ atra és da Mensagem ou em liga/ão a ela +ue surgem asgrandes %iguras de escritores e re olucion"rios de gostinhoNeto, nt-nio 0acinto e iriato da 2ru . ( ntero de breu)
ssim nasceu a literatura angolana moderna, distinguindo8seos primeiros poetas +ue come/aram a deci%rar o real+uotidiano: iriato da 2ru , nt-nio 0acinto, gostinho Neto. gera/ão da Mensagem entoou, com e%eito, o no o canto daangolanidade. (!"rio ndrade)
iriato 5rancisco 2lemente da 2ru nasceu em *orto mboim, ngola, em 1@GA. 5oi o
primeiro teori ador e ati ista do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola. Este e ligado
& cria/ão, em 1@LL, do *artido 2omunista ngolano, além de ter sido membro %undador do
!*# e seu primeiro ecret"rio8 eral. 2resceu numa %am$lia em situa/ão econMmica di%$cil,
uma e +ue o seu pai a tinha abandonado. pesar das di%iculdades, %e estudos liceais no
#iceu al ador 2orreia. Nos anos 1@LB, este e em contato com a mo imenta/ão anticolonial
clandestina em #uanda, incluindo o *artido 2omunista ngolano, sendo um dos seus
%undadores. bandonou ngola por olta de 1@LW, para se dirigir a *aris, onde se encontrou
com !"rio *into de ndrade, desen ol endo ati idades pol$ticas e culturais.
5e parte da recém8%ormada 5< =N (5rente <e olucion"ria %ricana pela
=ndepend ncia Nacional dos *o os sob Dom$nio *ortugu s), e, ainda em 1@XB, %e uma
iagem & 2hina para obter apoios.
Em 1@XG, iriato da 2ru abandonou o cargo de secret"rio8geral do !*# , de ido a
di erg ncias com o presidente do mo imento, gostinho Neto, e %oi %ormalmente e7pulso,
em 1@X3. obre o epis-dio assim se e7pressa o pr-prio presidente do !*# :1BL
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4 %raccionismo e7iste desde a %unda/ão do !*# . ?i emos +ue combater
"rios grupos %raccionistas, +ue ho e estão totalmente entregues ao
imperialismo.
Em 1@XG93, iriato da 2ru condu iu uma ala %raccionista, ainda +uando n-s
nos encontr" amos no e7$lio, no I2ongo `inshasaK, iriato da 2ru +uis
%ormar o seu !o imento dentro do !*# e acabou por se entregar & 5nla.
!ais tarde, %oi se entregar & 2hina onde ele perdeu a sa de e eio a %alecer.
uer di er +ue " em 1@XG, n-s ti emos +ue combater as ideias erradas +ue
alguns dos nossos compatriotas de%endiam dentro do !*# e esses
mesmos indi $duos não ti eram outro remédio senão entregar8se aosnossos inimigos. Entregar8se ao imperialismo para lutar contra n-s, para
encontrar armas para lutar contra n-s e acabaram por desaparecerK.(Neto,
p.@)
iriato da 2ru ia a em 1@XX para *e+uim, onde %i7a resid ncia. sua chegada deu8
se, assim, no in$cio da <e olu/ão 2ultural 2hinesa. 6ma das suas primeiras a/Ces %oi a de
a udar a di idir a 4rgani a/ão de Escritores %ro8 si"ticos (4E ), no decorrer da sua
ssembleia eral E7traordin"ria, +ue decorreu em *e+uim, entre os dias GW de 0unho e @ de
0ulho de 1@XX, em duas agremia/Ces distintas: a pr-8so iética, baseada no 2airo, e a pr-8
chinesa, com sede em *e+uim e em 2olombo, no ri #anOa. *or suas con ic/Ces pol$ticas,
entra em con%lito com os ob eti os mao$stas, o +ue lhe acarreta uma espécie de prisão
domiciliar na 2hina.
2om o claro prop-sito de precipitar a e7pulsão do seu marido e %am$lia da 2hina, a
mulher de iriato, !aria Eugénia, derrubou o busto do presidente !ao Yedong. 4 e%eito %oi
precisamente ao contr"rio: as autoridades chinesas desterraram8nos para um campo de
trabalho na região sul da cidade de *e+uim. 4s ltimos anos de ida do poeta %oram
marcados por %alta de alimentos, o +ue acabou por %ragili "8lo. indo a %alecer no dia 13 de
0unho de 1@W3. 5oi sepultado no cemitério para estrangeiros +uase como indigente.
egundo o pro%essor da 6 *, 5ernando !ourão, +ue mante e rela/Ces de ami ade1BX
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com o poeta:
*odemos a%irmar +ue iriato da 2ru , uma personalidade multi%acetada,
a%irmou8se na +ualidade de mulatoS sem comple7os, o +ue nada tem a er
com a sua concep/ão pol$tica de a lideran/a do aparelho partid"rio de er
obrigatoriamente ser condu ida por a%ricanos negrosS.
5i eram8se e ainda se %a em cr$ticas a iriato da 2ru , pondo8se em
e id ncia um certo desalento, com origens "rias, do autor %ace &s
icissitudes dos %atos, atribuindo essa poss$ el maneira de estar a "rias
causas. Na erdade iriato da 2ru mostrou uma enorme capacidade
humana de resist ncia, como +ue sempre disposta a recome/ar, por e es
e+ui ocado.
4 lado humano de iriato da 2ru merece desta+ue, até por+ue é uma
+ualidade rara entre os humanos e ainda pelo %ato, +ue tal e se a uma das
cha es para ultrapassar o so%rimento. Em iriato ha ia duas constantes: por
um lado o humanismo, por outro a busca in%ind" el no campo da teoria
pol$tica, guiada pelo dese o de %a er a an/ar a luta de liberta/ão e ainda de
relacionar o bem estar humano com o +uadro te-rico do mar7ismo, um
mar7ismo, como se di ho e, até certo ponto re isitado em rela/ão aos
te7tos cl"ssicos. (<42_ et al ., p.GA)
!ais adiante, !ourão rati%ica +ue 2ru acabou isolado na 2hina, +ue, na altura da
<e olu/ão 2ultural, proibia a liberdade de e7pressão dos artistas +ue l" i iam: I#i `uchan %oi
perseguido por 0iang uing, a esposa de !ao; #u anshan, o ltimo dos mestres das
paisagens da 2hina do ul, é con%inado numa s- pe/a com a %am$lia; os artistas cal$gra%os são
perseguidosK, o +ue e idencia o drama i ido pelo grande te-rico do Movimento dos Novos
Intelectuais de Angola.
iriato da 2ru colaborou com as seguintes publica/Ces: ultura &I e DD', Mensagem
(#uanda e 2E=), ornal de Angola e "i)rio de Luanda . ^ unanimemente reconhecido como um
dos principais precursores da moderna poesia angolana. !ante e com !"rio *into de1BW
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ndrade, de +uem o poeta era muito amigo, uma correspond ncia, cont$nua, prolongando
assim as con ersas culturais e liter"rias dos anos da u entude. ssim %alou ndrade sobre
2ru : I iriato era um homem de grande capacidade de organi a/ão e a ele se de e a
emerg ncia das %or/as mais progressistas de ngolaK. 4 poeta tem uma nica obra editada:$oemas (1@X1). eu nome, porém, é re%er ncia em todas as antologias nacionais e
estrangeiras de poesia a%ricana. "rios de seus poemas %oram musicados e até ho e ecoam
nos ou idos do po o de ngola e de *ortugal, como são e7emplos P!aOé P e PNamoroP,
musicados por <ui !ingas.
egundo Noémia de ousa, I*or terceiros soube do seu a%astamento do !*# e de
outros epis-dios da sua ida, incluindo a ida para a 2hina, a sua morte, a traslada/ão dos
seus restos mortais e o %uneral, em GW de De embro de 1@@B, para o cemitério do lto das
2ru es, em #uandaK. *ara ela, a imagem de iriato da 2ru +ue %ica é a de um homem magro,
de -culos de aro grosso, grande cra eira intelectual e pol$tica, poeta ino ador, %ino sentido
de humor, apai7onado por uma causa, e +ue não dei7a a ninguém indi%erente. amiga ainda
lembra +ue alguns dos seus contempor]neos, +ue & época do seu a%astamento do !*# se
lhe opuseram, como !"rio, lamentaram mais tarde não se ter %eito o es%or/o necess"rio para
a concilia/ão, reconhecendo8lhe grandes +ualidades organi ati as e de lideran/a. #embraainda +ue outro %undador do partido +ue tem go ernado ngola desde a independ ncia,
_ugo ancourt de !eneses, a%irmou +ue iriato %oi um elemento determinante na cria/ão
do !*# (c%. <42_ et al ., p.GA).
Esse depoimento da poetisa mo/ambicana é importante para termos a clare a do
alor humano, pol$tico e poético +ue compunha a %igura de nosso ilustre pensador a%ricano,
de um modo geral, e, no particular, de ngola e de sua gente. 4utro depoimento +ue
enri+uece o nosso trabalho é o do poeta ?om" 0orge: IEntão, num "pice, o grupo de dois
con+uistou mais dois e mais dois e, em bre e tempo, éramos muitos, na maioria poetas:
iriato, eu, nt-nio 0acinto, 'andeira Duarte, _umberto da il an, #eston !artins, mais tarde
os mais no os como !"rio nt-nio e nt-nio 2ardoso, tendo como escriba o prosador
seguro de nome !"rio lc]ntara !onteiro, +ue colige toda a colabora/ão da re ista
Mensagem sob o slogan amos Descobrir ngola , de autoria incerta, tal e do poeta mais
modesto _umberto da il anK. *ara 0orge, iriato %oi um caudilho, um lutador c$ ico, um1BA
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intelectual maior, sem, no entanto, ter dei7ado obra liter"ria ao n$ el superior do seu talento.
6ma e +ue esta a mais ocupado com a re olu/ão e a doutrina mar7ista8leninista, do +ue
com a poesia, embora %osse poeta de grande a maior, escultor e até pintor. I4 amos
Descobrir ngola é o slogan de moti a/ão, bandeira oral, +ue se pronuncia a com energia eemo/ãoK (<42_ et al ., p.GA). 2om esses depoimentos, %inali amos o +ue de e a+ui ser
considerado o percurso e7istencial, poético e pol$tico de iriato da 2ru , isto não ser nosso
ob eti o lidar com uma biobibliogra%ia completa de nenhum dos autores tomados como
corpus nosso.
*+ +3+ r ato da Cr0H8 o ,oeta e s0a ,oes a
4s poemas +ue escre eu continuam a ser populares emngola, conhecidos e cantados em *ortugal, antologiados por
toda a parte. 4 nome e a obra circulam ho e pela =nternet, emp"ginas lus-%onas, %ranc-%onas e angl-%onas de poesia oucritica. Naq moro , por e7emplo, tornou8se um cl"ssico aomesmo tempo da m sica popular ango1ana e da portuguesa.
em rima, com métrica muito %le7$ el, com o ritmo agitando8seentre o do erso e o da prosa, tanto como entre o do metro eo da marimba, contando um caso tipicamente luandense deenamoramento, %oi %"cil de musicar e mais %"cil ainda %oiconsumi8lo no pa$s colonial, como em outros onde chegou s-por ia escrita.
uais as ra Ces do sucesso num poeta de +ue saiuum.pe+ueno li ro, com escassos poemas e +ue, segundo tudoindica, trocou muito cedo a poesia pela pol$tica li"s, de umhomem onde o pol$tico matou o poeta *or+ue %oi ele tido porIpossi elmente o poeta representati o da poesia angolanaK, Iomelhor reali ado dos poetas angolanosK egundo !"rio
nt-nio, o +ue Iiria %i7ar, para os poemas de iriato, umaposi/ão $mpar na poesia angolanaK, tornando8o no Iprimeiropoeta angolanoK, era Io sentido de descobertaK, +ue %aria com+ue não se soubesse Ionde come/a o poeta e onde come/a asua genteK. (5rancisco oares in pre%"cio de $oemas ,N-ssomos, GB13)
obra de iriato da 2ru resume8se a apenas 1G poemas: 1B publicados na antologia
da N-ssomos, de GB13, e +ue utili amos como re%er ncia de nossocorpus e dois dispersos1B@
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não inclusos na edi/ão (não e7iste, até o momento, nenhuma publica/ão com os 1G poemas
do poeta). pesar da escassa produ/ão, o nome do poeta é re%er ncia em todas as antologias
da moderna poesia angolana produ ida entre as décadas de 1@HB e 1@WB, destacando8se
pela n%ase +ue d" &s ra$ es da poesia popular e da den ncia da e7plora/ão do po o e daterra a%ricana, cognominada de I!ãe ?erraK, no seu sentido mais pro%undo. ?rata8se, pois, de
poemas com rara plasticidade poética, nascidos da intera/ão eu9l$rico8po o8terra8cultura8
e7plora/ão, dando maior en%o+ue &s hist-rias populares, &+uilo +ue compCe o cerne do
%olclore angolano.
2ompete8nos, em primeira linha, %a er uma aprecia/ão das pala ras do eminente
cr$tico e historiador da literatura angolana 5rancisco oares em ep$gra%e, uma e +ue
discordamos, em parte, dela. 0" no seu primeiro par"gra%o, di oares: I*ela in%lu ncia +ue
dei7ou, pela recep/ão +ue te e mas, sobretudo, pelos poemas +ue escre eu, iriato da 2ru
pode ser considerado o grande paradigma da literatura nacional angolana e o seu m"7imo
e7poente poéticoK. Embora concordemos +ue os poemas de iriato da 2ru podem ser ir de
modelo para as gera/Ces seguintes, assim como os de gostinho Neto e de nt-nio 0acinto,
somos obrigados a discordar do peso emocional com +ue oares carregou suas pala ras
%inais: Io seu m"7imo e7poente poéticoK. - podemos admitir +ue o cr$tico tenha sidoacometido por uma carga a%eti a em ra ão das icissitudes +ue acometeram o nosso grande
poeta, pois, para n-s, baseados em pro%$cua pes+uisa acad mica, inclusi e em li ros de
pes+uisadores por ele re%erendados, não pode ser iriato da 2ru ele ado & condi/ão de
arauto m"7imo da poesia nacional de ngola, por "rios moti os, bastando apenas dois para
derrubar a sua tese: iriato escre eu tão somente 1G poemas; embora de alt$ssima
+ualidade alguns, sua obra, ainda, torna8se insu%iciente para e7ercer tal posto, +uer se a pela
+uantidade, +uer se a pela subst]ncia poética +ue caracteri aria a produ/ão da Mensagem,-rgão respons" el por di ulgar o produto poético e cr$tico de seus representantes e
in%luenciadores: uillén, #angston _ughes, imé 2ésaire, 5anon, `eita 5odeba, Da id Diop,
5rancisco 0osé ?enreiro, dentre outros.
creditamos, e a an"lise +ue segue de seus poemas h" de con%irmar, +ue iriato da
2ru tem seu espa/o, indiscuti elmente, dentro do c]none da no a poesia angolana,
estando, porém, longe de ser o Ie7poente m"7imoK, como +uerem alguns e não nos con ém11B
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assegurar essa posi/ão a nenhum deles, embora reconhe/amos em gostinho Neto, por tudo
+ue %oi dito a seu respeito e sua obra, inclusi e pelo pr-prio iriato da 2ru , um poeta mais
completo. Nas circunst]ncias +ue norteiam este trabalho, por uma parte, identi%icamos Neto
como a+uele poeta +ue mais se apro7ima do identit"rio angolano em seu con unto pol$tico,hist-rico, lingu$stico, cultural e re olucion"rio. Essa constata/ão não des+uali%ica, em
nenhum momento, o bom poeta +ue é iriato da 2ru . enão e amos.
4s tr s primeiros poemas IDois poemas & ?erraK, INa encru ilhadaK e I " da
bandeiraK constituem re%erenciais diretamente oltados ao elemento terra, ao locus, ao
espa/o onde i e o eu l$rico e sua gente. 4 primeiro, di idido em duas partes, é introdu ido e
encerrado pela mesma ap-stro%e: I4h ?erra, oh ?erraJ 4h minha !ãe ?erraJJK. ela, o eu
l$rico se dirige como sendo uma série de opostos identit"rios da espécie humana, inclusi e o
p-, a matéria de +ue somos compostos. 4 ser, porém, +ue %ala no poema outorga8se uma
superioridade edipiana em %ace do resto da humanidade. e+uioso, ele tenta e7plicar ao
resto da humanidade, atra és da I!ãe ?erraK, a uni ersalidade dos bens do planeta, tudo
isso acompanhado por um sentimento de perten/a:
!as sou amor, -dio, emo/ão
(...)
ra/as aos meus ner os, &s minhas cames, aos meus olhos,
minha o V a este corpoJ
do barro do teu chão
da "gua das tuas %ontes
- por ti consigo ser
o amor +ue trans%orma para melhor,o -dio libertador +ue atemori a, arrasa e silencia,
a emo/ão +ue dinami a a apatia
e ence os imposs$ eis
(...)
V de onde m, de onde m senão, - ?erra
do seres o ber/o de todos,
o rega/o de todos
111
8/18/2019 Tese Padua
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!ãe ubérrima li remente dadi osa e igual V de todos ...
4hJ
4h ?erraJ 4h ?erra, oh nossa !ãe ?erra (2<6Y, GB13, pp. G@831)
^ de se notar a trans%orma/ão indi idualista do eu no coleti o, agora Iminha !ãe
?erraK passando a ser Inossa !ãe ?erraK, perdendo a incerte a apresentada na interroga/ão
Ide todos K.
4 segundo poema, dedicado a Du 'ois e a gostinho Neto, INa encru ilhadaK, pelo
t$tulo aponta para tr s caminhos, ou as tr s %aces de _écate: a deusa da magia, se
desdobrarmos o termo Ien9cru 9ilhadaK e buscarmos o seu signi%icado: por onde se cru amdois ou mais caminhos, ou ainda, local onde se praticam rituais e %eiti/os. ^ um te7to +ue
pode le antar alguma suspeita, mas numa leitura mais s-bria e buscando a o do pr-prio
poeta:
*ara além da alegria mult$moda deste par+ue acolhedor
(...)
*ara além do olhar amplo mar manso das crian/as
(...)
*ara além de +uanto me d" esta emo/ão positi a, eu e o
(...)
mão no arado a mão no tear a mão na en7ada,
(...)
a agulha na mão debai7o da mão tachos no %ogo +ue a mão
domou, eu e o2abe/as na escora da mão pensando aumentar da mão o
poder, eu e o,
o li ro na mão o _omem a !ão, eu e o
o trabalho crescendo na *a criadora oh a *a V
o modo humano da e7ist ncia %ecundaJ l-ria
*a
E a -s também - paladinos da ida V
11G
8/18/2019 Tese Padua
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_umani ais os cora/Ces de pedra do mundo cobrindo8os
2om o manto indom" el da ossa ac/ão de musgo
Nos olhos inceg" eis do osso +uerer de musgo, um par+ue
(...)
E tomaremos nosso alimento com as nossas mãos de semente
2heias de inoc ncia e poder construti o oh
l-riaJ -s campeCes da ida V l-riaJ (2<6Y, GB13, pp. 3G833)
Ele parece8nos +uerer di er +ue os sonhos do po o de [%rica estão nas mãos desses
dois $cones +ue o representam. erão, pois, Dubois e Neto os construtores de um no o
tempo, de uma no a terra ei ada de pa , amor e harmonia dedicat-ria não é em ão, poisiriato " concebia Neto & altura do Dr. Dubois, " o ia como um $cone.
0" o poema I " da 'andeiraK, descriti o +ue é, prende8se & bele a pictural +ue emana
da paisagem natural, ar+uitetMnica e humana da cidade, predominando o to+ue l dico e
l$rico +ue encanta o ser poético.
4 poema I<imance da menina mo/aK, K(segundo o "icion)rio Informal ,nline ,
rimanceiro ou romanceiro, de onde deri a IrimanceK: é um género poético de origem
medie al, +ue corresponde, na pen$nsula =bérica & balada narrati a medie al europeia. (...)
*or seu turno, na segunda metade do século \ =, a barro+ui a/ão crescente do género
alter"8lo8" pro%undamente, perdendo a sua narrati idade e ad+uirindo uma tonalidade
e7tremadamente l$rica. !as, em paralelo com a ersão %i7ada no c-dice manuscrito e no
li ro ou %olheto impresso, o <omanceiro i eu e i e na mem-ria colecti a, transmitido de
gera/ão em gera/ão, da$ as err-neas designa/Ces popular e oral para este género)K, te7to de
2ru , poeta moderno, adota a pluralidade métrica, embora mantenha o erso curto,
notadamente a redondilha menor, como base do desen ol imento, da glosa, e os mais
longos como estribilho ou arremate, ou moti o, sem rimas, porém num ritmo e7tremamente
musical, em +ue se alternam "rias o es: a do eu l$rico9narrador: I menina da ro/a9est" no
terreiro9cosendo a toalhinha9pro seu en7o al...K; a da menina: I ue céu tão lindoJ,9e o
encanto da mataJ9 i, tanta bele a9na ca%e alJ...K; e a dos negros: VIEst" ele a chegar JK, e a
das negras: IV 0" iu a minina ...S9S_em... tem cor amarela9do mburututu...S9V E não come
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nem nada...S9V E os olhos de mel9tão8se a%undar9numa lago a ul9+ue %a sonhar...SK. *ara
5rancisco oares, o te7to Iremete para l$ricas e narrati as t$picas de certos per$odos das
literaturas brasileira e portuguesa, do século \=\ e da primeira metade do século \\K. 2r ele
+ue as da literatura brasileira ganham especial desta+ue num t$tulo, , 4omanceiro daInconfid(ncia, de 2ec$lia !eireles, te7to +ue recupera a hist-ria da =ncon%id ncia !ineira e
de personagens como !ar$lia e Dirceu, do rcadismo. Di ele: I titula/ão repete8se na l$rica
da mesma autora, com a %orma IrimanceK, em!aga M<sica , publicada em 1@HG, também no
<io. *ara ele I Qmenina da ro/aQ leria pro a elmente os romances regionalistas brasileiros
em +ue se %ala a nas ro/as e nos seus amores in%eli es. iriato da 2ru contrapunha8lhes as
de ngola e ão ?omé, respondendo a esse tipo de literatura com uma representa/ão
dialéctica. pala ra Iro/aK, ali, remete para estes dois aspectos contradit-rios. 4 primeiro érepresentado pela menina; o segundo é representado pelos coment"rios subtis do poeta,
+ue ou re%erir aindaK (<ochaet al ., pp. @18@G). Eu pre%iro esta outra linha, +ue não é em seu
todo di%erente. 4 tema é t$pico dos poetas rom]nticos +ue antecederam a gera/ão da
Mensagem em ngola e no 'rasil, em +ue a dor da protagonista se mistura aos elementos da
nature a, integrada ao sentimento humano: I!enina da ro/a V "guas do rio9saudades da
%onte... dese os de amarK. Esse tipo de romanceiro é muito recorrente no cancioneiro
popular de "rias culturas; um e7emplo bem conhecido é o tema de I?eresinha de 0esusK:
?eresinha de 0esus
De uma +ueda %oi ao chão
cudiram tr s ca alheiros
?odos tr s chapéu na mão:
4 primeiro %oi seu pai
4 segundo seu irmão
4 terceiro %oi a+uele
ue a ?eresa deu a mão
2hico 'uar+ue de _olanda também recria o tema: I4 primeiro me chegou92omo
+uem em do %lorista9?rou7e um bicho de pel cia,9 (...) 4 segundo me chegou9como +uem
chega do bar (...) 4 terceiro me chegou9como +uem chega do nadaK, o " citado ?rilussa11H
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também o recria em I#a ispa ?eresaK, s- para %icarmos nesses dois. omos, no entanto, a
%a or da seguinte tese apresentada por oares:
4 poema de iriato da 2ru pode ser lido como uma resposta da poesia
nacionalista angolana ao car"cter, originalmente subtil e re+uintado, mas
alienado, +ue a hist-ria do IrimanceK continha no pa$s (por ia da l$rica dos
colonos) e %ora dele (pelas ias citadas). *or tal moti o o caminho +ue
aponta & angolanidade liter"ria é o de uma alegoria comprometida com
uma isão cr$tica da sociedade. 4 aspecto cr$tico est" representado, na
terceira estro%e, pela imagem da menina alongando Ia istaK, & +ual se
segue a resposta Ido a/o de en7adas 9 dos negros na tanga ...K , +ue nega ailusão do carro a ir, o carro +ue traria o seu amado pelas rodas da
ci ili a/ão. (<ochaet al ., pp. @G8@3)
4 poema I erão de meninoK, ou sarau, ou reunião recreati a, no caso, o contar
est-rias para as crian/as & noite, normalmente, nele tr s o es dialogam: a do narrador das
est-rias (INa noite de breu9ao +uente da o 9de suas a -s,9meninos se encantam9de contosbantus...K, a o ancestral IEra uma e uma cor/a9dona de cabra sem macho...K); a dos
meninos, encantados e amedrontados com o balou/ar dos galhos das "r ores, das
ImulembasK (IV Eué9V ^ casumbi...K); e a da Igente grandeK +ue ri do medo das crian/as
(Ibem perto dali9%ei ão descascando para o +uitande V 9a gente grande com gosto ri...92om
gosto de ti, por+ue ela di 9+ue o casumbi males s- %a 9a +uem não tem amor, aos mais9seres
busca, em negra noite,9essa outra o de casumbi9essa outra o V 5elicidade...K). Nesses
trechos, percebe8se a per%eita integra/ão: crian/as, gente grande, est-rias, ancestrais,
costumes e nature a. !esmo a+ui, em +ue se insinua uma ad ert ncia da supremacia do
bem sobre o mal, atra és das alegorias, como met"%ora do coloni ador s. colono, o +ue
sobressai é o %olcl-rico, não nos es+ue/amos, repudiado por 5anon. mise en ab me é uma
técnica muito utili ada por 2ru , como bem esclarece oares:
2omo " %i era em M anto , a+ui iriato não s- transcre e as %alas das11L
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personagens, também introdu uma parcela de outra est-ria, numa
proli%era/ão t$pica de mil e uma noites e de "rios di"logos %ilos-%icos
também V a proli%era/ão estrutural e narrati a a +ue os %ranceses chamam
mise em ab me . Essa estrutura narrati a tem paralelos, portanto, com
discursos de sabedoria eiculados pela tradi/ão escrita e ai tra er uma
mensagem +ue se cola & sabedoria dos elhos. uer di er, não dei7a de se
relacionar simultaneamente com a tradi/ão oral. (<ocha et al ., p.A@)
4 poema I!aOé K, musicado e interpretado por ndré !ingas, uma das obras8
primas do cancioneiro popular angolano, escrito em heptass$labos, caracter$stica dos
cantares populares, re ela8nos mais uma contradi/ão do mundo no o a%ricano, dito
Ici ri adoK e o passado i ido por Ia - \iminhaK e Imano 5elisbertoK, em %ace das
icissitudes ine7or" eis do tempo, apresentadas no di"logo entre as personagens +ue se
negam a admitir o no o, o +ue de certo modo parece ter o a al do eu l$rico. <ico de
poeticidade e sabedoria popular, a%eito, contudo, ainda ao %olclore local, o +ue não
desmerece sua grande a, mas, repetimos, se distancia um pouco dos poemas negritudinistas
e pan8a%ricanistas de Neto. Na estro%e a seguir, +ue usamos como ilustra/ão, é admir" el a
irre er ncia, a ruptura lingu$stica, num apro eitamento genial do %alar do po o, como diria
'andeira (Ia l$ngua errada do po o, a l$ngua certa do po oK):
IE di ainda pro cima,
(_um ... mbundu Oene mu7ima ...)
ui, o nosso bom maOé
^ pra eios como tuK V,
V IEles não sabe o +ue di ...
*ru +ué +ui i i %ili .
E tem cem ano eu e tu K
4 segundo erso, carregado de ironia, de desdém, escrito em Oimbundo, encerra um
chiste do tipo I alei8nos Nossa enhoraK, e e7prime a re olta com a des%eita do alioso
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man ar, respons" el pela longe idade de ambos: IV ^ pru+u nossa rai 9tem %or/a do
maO ...K. ^ preciso, no entanto, argumentar +ue l%redo !argarido, no +ue se re%ere ao
processo poético de 2ru , posiciona8se de maneira um tanto ad ersa:
e iriato da 2ru adapta muitas e es estruturas poéticas portuguesas, é
para as iolentar, ao impor8lhes uma constru/ão angolana. mudan/a não é
somente tem"tica no sentido de +ue ele tenta encontrar uma constru/ão
especi%icamente angolana no interior das estruturas da poética portuguesa.
4 recurso ao +uimbundo, assim como &s de%orma/Ces %onéticas do
portugu s, não são uma tentati a %olcl-rica ou populista mas a busca duma
sem]ntica angolana. (! < <=D4, p.33@)
2ompete8nos esclarecer, em irtude das pala ras do decano dos estudos a%ricanos de
l$ngua portuguesa, +ue a busca das ra$ es, ou mesmo o termo %olclore, a+ui não é, de %orma
alguma, utili ado pe orati amente, mas como engrandecimento da autenticidade de um
po o e, também, por+ue corroboramos com suas pala ras, isto +ue no poeta do I amos
Descobrir ngolaJK a olta &s ra$ es tem um %undamento did"tico8re olucion"rio de
conscienti a/ão, assim como em 0acinto e Neto, embora com graus di%erentes. e amos o
+ue di 5rancisco oares:
4 sentido da IdescobertaK (a do amos Descobrir ngolaJ ) especi%ica8se
nos poemas de iriato da 2ru sistematicamente, sendo Icada um deles ...
um caminho aberto & pes+uisa da %orma e do %undo angolanos de uma
e7pressão liter"ria. Em cada um deles se utili a um meio pr-prio para essa
pes+uisa. 4 seu aspecto prospecti o é o +ue mais se impCeK. <elati amente
a M anto , al ato ?rigo obser a o mesmo, um Imodelo te7tual e
discursi o da moderna literatura angolana, anunciada pelo amos
Descobrir ngolaJ K. pala ra Ipes+uisaK e a pala ra ImodernaK dão sinal
de uma al ncia de rai uni ersal na poesia de iriato da 2ru . (<ochaet al .,
p.W3)
11W
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4 poema I M antoK é um canto irMnico +ue narra a decad ncia da burguesia
angolana da época colonial, representada pela %igura da personagem, caracteri ada entre o
passado e o presente. 4 primeiro re ela um homem de posses, de poder: I'engala na
mão9 rande corrente de ouro, +ue sai da lapela9 o bolso ...K; o segundo introdu um su eitoI+ue não tem um tostãoK, com Icigarro apagado9bengala na mãoK, em +ue o termo
IbengalaK perde a$ o seu ar de superioridade e7presso na primeira cita/ão. opul ncia de
I M antoK, outrora, é uma a%ronta aos mais necessitados, aos subalternos +ue lhe dedicam
uma aten/ão desmedida de in%erioridade e ba ula/ão:
uando sM anto passa
ente e mais gente em & anela:
V I'om dia, padrinho...K
V I4l"...K
V I'e/" cumpadre...K
V I2omo est"J...K
V I'om8om di8ia sM aaanto...K
V I4l", *o oJ...K
( )
I2oma e arrebenta
e o +ue sobrar ai no mar...K
o eu poético, no entanto, inter ém atra és do estribilho: II!uari8ngana anto9dim8
dom...9ual- banda - cala/ala9dim8dom92haluto mu mu umbo9dim8dom...K, como +uem di :
cuidado IsM antoKJ ^ importante %risar +ue a l$ngua de inter en/ão é a materna, o
Oimbundo. morte de IsM antoK, então, é aguardada com muita curiosidade e e7pectati a,
a %im de se descobrir o grande mistério atribu$do nos ltimos ersos: I e ele é o s$mbolo da
ra/a9ou a ingan/a de andu...K, recheados, ali"s, de pro%unda ambiguidade. egundo al ato
?rigo (apud <ocha):
11A
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iriato da 2ru desen ol e a mesma tem"ticaK de !aO e %a do
protagonista o Is$mbolo de uma burguesia nacional angolana $tima dos
tempos no os K. dicotomia %a 8se notar na dis un/ão %inal: se Ié o
s$mbolo da <a/a 9 ou ingan/a de andu ...K. *or um lado, ela constitui a
e7pressão da+uilo +ue irão perguntar a Ngombo atra és de um uimbanda
V é ao mundo InegroK +ue se ai buscar a resposta, ao substrato culturalK
do mundo %ricano, onde Ngombo é a Ientidade espiritual da adi inha/ãoK,
Io esp$rito re elador da erdadeK. tal atitude o poeta adere, ou pelo
menos usa8a para pedir a erdade, para chamar a aten/ão sobre ela, ao
contr"rio do +ue se passou com alguns dos seus colegas. *or outro lado,
essa decisão responde a uma cisão (entre, K elhoK e Ino oK) (<42_ et al .,
pp. A18AG)
Essas pala ras de ?rigo rati%icam então o nosso pensamento, por um lado, e, por
outro, apro%undam as +uestCes da sociedade angolana da época e como eram tratadas pelos
seus poetas: os mais no os e os mais elhos. e con%rontarmos Neto e 2ru , pereceberemos
+uão o primeiro %oi mais aguerrido na de%esa de seu po o, poeticamente %alando, do +ue o
segundo.
4 poema INamoroK, o mais badalado dos poemas de iriato da 2ru , também
musicado, segue a ertente de I<imance da menina da ro/aK, s- +ue alternando as posi/Ces
dos seres amorosos, agora +uem se +uei7a é o ente masculino, mas nesse poema o %inal ser"
%eli . Nele, o ogo amoroso segue o percurso dos contos populares, como é comum nesse
tipo de narra/ão. Escrito em primeira pessoa, o enunciador é, portanto, o pr-prio candidato
ao cora/ão da amada, +ue e7ercer" uma %un/ão de es+ui a, com prop-sitos de%inidos, +uaisse am os de ter a certe a de ser amada e não ser apenas uma a entura do amante.
4 poema inicia8se com o en io de uma IcartaK +ue come/a por dispensar "rios
elogios & amada, +ue responde com um InãoK; ao depois, o amante %a a proposta, o +ue
no amente é recusado, então indo a humilha/ão do amante pelo ob eto do dese o, o apelo
ao sobrenatural, mas nada a demo e de seu InãoK, nem a o%erta de bens materiais; então,
como ltimo recurso, o eu l$rico utili a8se do despre o ao ser amado, agora ignorado pelo11@
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amante, o +ue termina por demo 8la de sua persistente recusa. ^ preciso salientar +ue a
concre/ão do enleio amoroso s- se con%irma depois de "rias pro a/Ces do amante, como
ensina *ropp, o +ue garante o %im da trama, numa %esta popular, animada por uma dan/a,
embora não t$pica, mas muito comum na+uele ambiente do 'airro 4per"rio:
*ara me distrair
le aram8me ao baile do sM 0anu"rio
mas ela l" esta a num canto a rir
contando o meu caso &s mo/as mais lindas do 'airro 4per"rio
?ocaram uma rumba V dancei com elae num passo maluco oamos na sala
+ual uma estrela riscando o céuJ
E a malta gritou: I i, 'en amimK
4lhei8a nos olhos V sorriu para mim
*edi8lhe um bei o V e ela disse +ue sim.
obre o %ato de não ser uma dan/a +ual+uer, mas a rumba, 5rancisco oares tece o
seguinte coment"rio: I rumba designa ao mesmo tempo uma dan/a e o tipo de m sica
dan/ado. sua origem é dupla: hisp]nica e a%ricana, tendo8se desen ol ido em 2uba desde
o século \ =, com a chegada dos primeiros escra os negrosK. *ara ele I escolha da m sica
não é casual e um dos pra eres desta poesia é, precisamente, o de ermos como nela nada
se dei7a ao acaso. Na sua origem a rumba imita a os mo imentos do acto se7ual, dan/ando8
se mais com as ancas do +ue com os pés. 4s passos do homem sugeriam uma atitude
Isensualmente agressi aK e os da mulher uma postura essencialmente de%ensi aK. No amba
de roda, do recMnca o baiano, também amos encontrar essa mesma insinua/ão se7ual, ou
não, na umbigada. *rincipalmente +uando se trata de pessoas de se7os di%erentes a %a erem
a per%ormance. crescenta oares sobre INamoroK, +ue é Icomo se o seu poema %osse a
representa/ão liter"ria da rumba e a actuali a/ão de um +uadro liter"rio local e antigoK.
(<42_ et al ., p.AL)
1GB
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Essas obser a/Ces ser em para corroborar o nosso pensamento em rela/ão a esse
retorno de iriato aos seus antecessores, sem, no entanto, copi"8los, e identemente, muito
pelo contr"rio, reatuali ando o tema, a linguagem e dando8lhes uma no a roupagem. 4 tema
é muito recorrente em uillén, um elho conhecido de 2ru , +ue tem um poema intituladoI<umbaK; ali"s, uillén é um dos grandes recuperadores da dan/a a%ro8cubana atra és da
poesia, notadamente em Sóngoro osongo. e %i ermos uma compara/ão tem"tica entre os
dois poemas (I<umbaK, de uillén, e INamoroK, de 2ru ), eremos +ue eles se
complementam, o de 2ru , mais prosaico, rende8se ao narrar os %atos, a %a er uma espécie
de e7egese do de uillén, +ue se e7prime mais pr-7imo do ritmo da m sica e da dan/a +ue
representa, mas o %oco narrati o é o mesmo, inclusi e o seu %echamento.
4 ltimo poema, também o nico erdadeiramente negritudinista9pan8a%ricanista, é
dedicado ao escritor re olucion"rio haitiano 0ac+ues <oumain (1@BW81@HH), I!amã NegraK,
também subintitulado I2anto de esperan/aK. linha com o pensamento dos No os
=ntelectuais de ngola e segue a esteira dos poemas netianos I deus & hora da largadaK, I
recon+uistaK, I angrantes e germinantesK, IDesterroK, dentre outros.
4 eu poético dirigindo8se a Iminha !ãeK, como representa/ão do continente e da
ra/a, Ipela tua o K, o da+ueles %or/ados a dei7ar sua terra8mãe, constr-i o percurso de
retorno da di"spora de I irg$niaK, de I2arolinasK, do I labamaK, de I2ubaK, do I'rasilK, do
I_arlem _ill District outhK (dessas o es +ue compCem Itoda a méricaK e Itoda a [%ricaK e
são representadas pelos seus grandes poetas I2orrothersK, I#angstonK, uillénK), num
discurso laudat-rio, resgatando as %iguras ilustres dela oriundas, bem como a %or/a i a de
sua cultura disseminada pelo mundo. !as, também, como não poderia dei7ar de ser, esse
mesmo eu l$rico, em tom re oltante, e7pCe as distor/Ces em +ue se estruturam os dois
mundos: a [%rica e7propriada de seus bens mais caros e o resto do mundo bene%iciado por
essa e7propria/ão. ale a pena citar o %inal do poema:
*elo teu rega/o, minha !ãe,
4utras gentes embaladas
& o da ternura ninadas
do teu leite alimentadas1G1
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de bondade e poesia
de m sica ritmo e gra/a...
santos poetas e s"bios...
4utras gentes... não teus %ilhos,
+ue estes nascendo alim"rias
semo entes, coisas "rias,
mais são %ilhos da desgra/a:
a en7ada é o seu brin+uedo
trabalho escra o 8 %olguedo...
*elos teus olhos, minha !ãe e o oceanos de dor
claridades de sol8posto, paisagens
ro7as paisagens
dramas de 2am e 0a%é...
!as e o (4hJ se e oJ...)
mas e o também +ue a lu roubada aos teus
olhos, ora esplende demoniacamente tentadora V como a 2erte a...
cintilantemente %irme V como a Esperan/a...
em n-s outros, teus %ilhos,
gerando, %ormando, anunciando V
o dia da humanidade
4 D= D _6! N=D DEJ...
2omo em Neto, apesar de todas as discrep]ncias, humilha/Ces e indi%eren/as, o
ob eti o %inal do poeta, e não apenas do eu l$rico, é a con+uista de sua dignidade, de usti/a e
igualdade entre os po os. ^ um poema de grande e7pressão human$stica e rara bele a %ormal
e lingu$stica.
egundo !"rio nt-nio, citado por oares, I!amã NegraK Imarca a adesão do poeta
& negritudeK. *ara oares, o poeta haitiano tinha em comum com iriato a Ide%esa da
1GG
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negritudeK e Iuma %orte liga/ão ao mar7ismoK, uma e +ue ambos são %undadores do
*artido 2omunista em seus respecti os pa$ses. #igados a essa posi/ão mar7ista estão ainda
#angston _ughes, Nicol"s uillén, 2laude !acOa> e olano ?rindade, e eu acrescentaria 5red
ou a 2astro, embora este enha a constituir um caso di%erenciado nesse conte7to, comoeremos em tempo. *ara oares, Itodos eles (!acOa>, _ughes, uillén e ?rindade) tinham
tra/os em comum: promo iam a solidariedade entre os po os negrosS, alori a am a
respecti a cultura, propunham a negritude como t-pico e moti o do canto e rei indica am a
igualdade com os brancosS, o +ue passa a pela de%esa da independ nciaK. ssim I!amã
NegraK caracteri a8se por ser um poema negritudinista9pan8a%ricanista, como " o dissemos,
como o são a grande maioria dos poemas de Neto e muitos dos poemas de 0acinto e de
outros não analisados neste trabalho.
2om rela/ão ao ad ento, do ponto de ista cronol-gico, da negritude no seio dos
membros da Mensagem , pouco alor tem para n-s, uma e +ue poemas anteriores a 1@H@
" esta am ei ados de sua tMnica, tomando o termo na acep/ão de *ires #aran eira e +ue
transcre emos abai7o:
Negritude, cau/ão cultural de um mo imento com preocupa/Ces sociais, é
apresentada como recon+uista e reabilita/ão dos alores perdidos,
personali a/ão , readapta/ão ao ambiente, a%irma/ão de presen/a no
mundo e e7pressão concreta das realidades negras . Desde logo, a
assun/ão da concretude, do testemunho, da re alori a/ão do homem negro
e da rede%ini/ão de uma identidade social, por todo o mundo onde negros
hou esse: méricas, Europa,S [%rica. !"rio de ndrade, gostinho Neto ou
4rlando de lbu+uer+ue concebem a literatura negra como umaentidade uni ersal ( lda E. anto de%ine também a poesia negra como
sendo a americana e a%ricana, produto da ra/a negra, do orgulho da
ra/a ), a+uele ltimo indicando mesmo as l$nguas em +ue ela se %or a V
inglesa, espanhola, %rancesa e portuguesa V, abrangendo assim os
Negrismos e todos os mo imentos liter"rios +ue prenunciaram a Negritude.
*ara eles, a literatura negra coloca a8se na posi/ão de suprir uma lacuna
%ormati a e in%ormati a, não ambicionando mais do +ue ser til. (# < N0E=< , 1@@L)
1G3
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e, por outro lado, apro eitarmos as de%ini/Ces de outro cr$tico " citado, `abengele
!unanga, para +uem a negritude é Iposi/ão intelectualK e o pan8a%ricanismo representa
Iposi/ão pol$ticaK, e +ue ambos a%irmam I+ue todos os a%ricanos tinham uma ci ili a/ão em
comumK e I+ue todos os a%ricanos de iam lutar em con untoK, então teremos os poemastodos de iriato da 2ru en+uadrados na primeira %onte, com e7ce/ão de I!amã negraK +ue,
também, representaria o segundo mo imento.
^ nossa con ic/ão de +ue iriato da 2ru , como representante %undador dos No os
=ntelectuais de ngola, empunhou com esmero a bandeira I amos Descobrir ngolaJK, tanto
no campo poético, +uanto no campo pol$tico, mais neste +ue na+uele, o +ue compro a sua
parca produ/ão liter"ria e sua ad ersa postura pol$tica +ue o le ou, como atestam cr$ticos e
contempor]neos do %er oroso de%ensor dos direitos humanos a%ricanistas, & morte
prematura aos HL anos de idade.
4 bilinguismo, podemos assim di er, é uma constante na obra dos poetas angolanos,
notadamente a+uele +ue engloba o portugu s europeu, o portugu s a%ricano e o Oimbundo,
além de outras l$nguas locais. Em iriato da 2ru , esse bilinguismo é mais acentuado e
repetido na maioria de seus poemas. obre o assunto, recorremos ainda a oares:
distribui/ão dos n$ eis de l$ngua %a 8se entre duas l$nguas, pelo menos,
sendo sempre uma delas de origem europeia. Na maior parte dos casos a
outra é banto. - em !amã Negra , hino & di"spora %or/ada pela
escra atura, a componente banto submerge completamente sob o ugo da
portuguesa em l dica disputa com a inglesa (embora esta ocupe muito
pouco espa/o) e com re%er ncias a "rias méricas.
4 aspecto pedag-gico é por sua e caracter$stico de algumas das tradi/Ces
em ogo ali. D"8se bem com as tradi/Ces orais, onde encontramos "rios
g neros reser ados ao treino para a, e & transmissão da, sabedoria dos mais
elhos. E satis%a , ao mesmo tempo, o ideal cl"ssico europeu dodocere, no
seu tempo rentabili ado pela poesia militante, +ue durante o século \\ %oi
sendo escrita e reescrita em +ual+uer dos continentes e em to)do o espa/o
lus-%ono. 5unciona, portanto, como um conector entre as "rias partes, um
1GH
8/18/2019 Tese Padua
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suporte & tradu/ão poética. (<42_ et al ., pp. 1BH81BL)
2omo se pode obser ar, a %un/ão pedag-gica, como s-i nesse tipo de poesia, e7erce
uma %un/ão primordial no enunciado, con%igurando8se mesmo no seu ]mago, embora num
iés transgressor e atuali ado.
1GL
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1GX
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PARTE II ( A POESIA AFRO- RASI)EIRA
3+*+ A PRESE%&A DO %EGRO %A )ITERATURA RASI)EIRA
?recho do !ani%esto de 1@A1 dos adernos Negros:
4s autores do adernos Negros H k *rosa são a+uicontinuadores da luta e das ideias de um gostinho Neto, deum olano ?rindade, de um <ichard Rrigth, de um #éonDamas. 4 negro ho e %a ponte, liga suas ideias e age.
4ntem %e dois anos +ue gostinho Neto morreu. *oeta epol$tico, não por acaso. E não é por acaso também +ue a
resist ncia ao colonialismo no 2ontinente %ricano %oi, emgrande parte, %eita por poetas, como 0osé 2ra eirinha, m$lcar2abral, `alungano, #uandino ieira, No mia de ousa e tantosoutros. *oeta é a+uele +ue e a isa por meio de ersos.
uando é necess"rio unir o ision"rio ao ati ista, ele e age,como soldado, pol$tico. ?al é o caso de gostinho Neto.
Neste momento angustiante da ida do po o angolano, +ue o seu territ-rio in adido por uma pot ncia racista, nossosentimento de negros é +ue n-s estamos sendo in adidos,por+ue somos unos com o negro do mundo inteiro. Negros,n-s sentimos também +ue a nossa luta est" amea/ada.
=denti%icados com o es%or/o e resist ncia do po o angolano,em sua solidariedade esta <oda se chama: <oda de *oemasgostinho Neto.
ssinam o !ani%esto: belardo <odrigues, 2uti, _enri+ue2unha, 4sFaldo de 2amargo e Mnia 5"tima da 2oncei/ão
^ importante salientar +ue o nosso prop-sito é tão somente o de %a er um pré io
assento da presen/a do negro na literatura brasileira, a %im de +ue possamos situar os dois
poetas +ue escolhemos como contraponto dos poetas angolanos acima analisados. Não se
trata, portanto, de uma pes+uisa do Inegro na literatura brasileiraK, mas de cinco poetas
(tr s angolanos e dois brasileiros) +ue i eram num mesmo tempo, uns mais outros menos,
e constru$ram uma poética sobre a ra/a negra, cada +ual e7perimentando a linguagem, a
cultura e a e7ist ncia desse ser dentro da %orma/ão do po o angolano e do po o brasileiro
no ]mbito particular, como também na %orma/ão de outros po os espalhados pelo mundo
a%ora. lém do mais, estes poetas t m em comum, como " acenado, o %ato de comungarem
1GW
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a cartilha do mar7ismo.
Não nos +ueiram, portanto, e7igir um tratado sobre a presen/a do negro na literatura
brasileira, o +ue seria e7tremamente grati%icante, não %osse o nosso ob eti o outro: o de
analisar os poetas mencionados, construindo entre eles, ou entre suas poéticas, um caminho
para a re%le7ão de suas obras pre iamente selecionadas com a %inalidade de e7trair8lhes
semelhan/as e di%eren/as, con erg ncias e di erg ncias +ue possam saltar aos olhos curiosos
de +uem nelas se debru/a.
2remos necess"rio, para tal, uma s$ntese, um espelho (pelo +ual possamos mirar) da
presen/a da ra/a negra na literatura brasileira. Esse espelho é uma espécie de pano de %undo
para a an"lise dos poetas escolhidos: olano ?rindade, muito pouco trabalhado pelasacademias, embora se possa encontrar um ou outro trabalho a seu respeito, como se er"; e
5red ou a 2astro, praticamente um ilustre desconhecido das academias, embora tenha
e7ercido boa impressão no c$rculo intelectual de al ador desde %ins da década de 1@LB até,
possamos assim di er, aos nossos dias, uma e +ue seu passamento se deu em GB1G.
4 primeiro te-rico a +ue recorremos é 4sFaldo de 2amargo, +ue, em seu li ro ,
negro escrito, %a um esbo/o da passagem do negro pela literatura brasileira. egundo ele,l%onso [l ares %oi o primeiro autor de Iorigem et$opeK a escre er em l$ngua portuguesa e
_enri+ue Dias %oi Io primeiro negro +ue escre eu um te7to no 'rasilK. ?rata8se de uma carta
en iada a IEl <e> de *ortugalK, datada de B1 de agosto de 1XLB. 2amargo, no entanto,
considera !anuel il a l arenga ( ila <ica 1WH@81A1H <io de 0aneiro) o primeiro poeta
mulato brasileiro, I%ilho de um m sico mesti/o e pobreK, autor de Jlaura , tendo seu
contempor]neo Domingos 2aldas 'arbosa (<io de 0aneiro, 1WHB, ou 'ahia, 1W3A V #isboa,
1ABB), também mulato, gran eado mais import]ncia +ue ele.
2amargo ainda cita E aristo da eiga (1W@@81A3W) e 0osé Nati idade aldanha (1W@L8
1A3B), reconhecendo, no entanto, +ue esses intelectuais, de um modo geral, não se
inscre eram na hist-ria como representantes do Inegro escritoK.
ssegura o ensa$sta +ue é a partir do <omantismo +ue o negro passa a ter uma maior
representa/ão dentro de nossa literatura, +uando surgem ?ra ano al ão de 2ar alho
(!aranhão, 1A3B81AXH), branco, +ue escre eu sobre a ida dos escra os, ntonio on/al es1GA
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?ei7eira e ousa (1A1G81AX1), mulato, pioneiro do romance no 'rasil, mas não muito
apreciados pela cr$tica nacional. E mais 0osé 'oni%"cio, o !o/o, e 0oa+uim Nabuco, brancos,
ao lado de negros como #u$s ama e 0osé do *atroc$nio (1AL381@BL), +ue dão continuidade
na manuten/ão do negro como tema liter"rio, e7ce/ão %eita aos mulatos #aurindo <abelo e5rancisco 4ta iano, +ue se mant m ausentes ao tema, até mesmo o mesti/o on/al es Dias,
acrescenta 2amargo, %ilho de escra a, se abstendo de um apro%undamento do tema.
Noutro passo, 2amargo historia o mulato *aula 'rito (1AB@81AX1), primeiro editor
brasileiro, poeta, dramaturgo e contista; 2astro l es (1AHW81AW1), branco, +ue, para o autor
de , negro escrito , I^ a o , a consci ncia, o esp$rito do mo imento abolicionista. Ergueu8se
até os limites do poss$ elK. E resume o ensa$sta a presen/a do negro durante o <omantismo
da seguinte %orma: IEntre os romances, poemas e pe/as de teatro onde, de +ual+uer %orma,
se sublinha a presen/a do negro, antes da I boli/ãoK, podemos citar estes: , omendador
(%olhetim) V 1AL@ V 5rancisco uimrães *inheiros;, "em nio 3amiliar (teatro) V 1AL@ V 0osé
de lencar; M+e (teatro) 1AXG V 0osé de lencar;, ego (teatro) V 0oa+uim !anuel de
!acedo; A /scrava Isaura V 1AWL V 'ernardo uimarães;>istória de uma mo%a rica (teatro)
V 1AX1V *inheiro uimarães; As v=timas algo1es (tr s hist-rias) V 1AX@ V 1AW3 V 0oa+uim
!anuel de !acedo; Mota o*ueiro ou a $ena de Morte V 1AWW V 0osé do *atroc$nio;Mauro0o /scravo (poema) V 1AXH V 5agundes arela;, abeleira V 1AWX,, Matuto V 1AWA e
Louren%o V 1AA1 V 5ranOlin ?" oraK. (2 ! < 4, p.HA)
e se pode notar uma escasse do negro nas letras brasileiras até ao <omantismo, nos
mo imentos seguintes até ao ad ento da emana de rte !oderna, o cen"rio assim ainda
permanece: # cio de !endon/a (1ALH81@B@), com A esta Morta; <aimundo 2orreia, com
an1o; on/al es 2respo (1AHX81AA3), poeta luso8brasileiro, mulato; 'ernardino da 2osta
#opes (1AL@81@1X), também mulato; !achado de ssis (1A3@81@BA), mulato, +ue pouco ou
nada disse por sua ra/a, como ousara denunciar 0osé do *atroc$nio; lu$sio e edo, com,
Mulato e , orti%o; dol%o 2aminho e seu om rioulo; 0 lio <ibeiro em A arne; al ador de
!endon/a, com Marab) ; e =ngl s de ousa, com seus ontos Ama1 nicos. 2amargo ainda
cita icente de 2ar alho e seu poema 3ugindo ao ativeiro e D. il ério omes *imenta, um
ilustre desconhecido, embora muitos dos citados beirem, também, o caminho do ostracismo,
ao menos nos li ros did"ticos escolares.1G@
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5echando esse per$odo, 2amargo destaca 2ru e ousa (1AX181A@A), para muitos o
maior poeta simbolista do 'rasil, negro e %ilho de escra os, recebeu a alcunha de 2isne
Negro; e #ima 'arreto (13 de maio de 1AA18B1 de no embro de 1@GG), também negro,
considerado um dos $cones do romance e do conto brasileiros. obre ele, escre e 2l- is!oura, em cita/ão de 2amargo:
I4s negros +ue %i eram literatura no 'rasil, a %im de não se marginali arem
inte1ectualmente obedeceram (ou ti eram de) aos padrCes estéticos
brancos, & tem"tica branca, situando8se em uma posi/ão de dobradi/as
amortecedoras de uma consci ncia étnica V e de classe V do negro
brasileiro. 6m 2ru e ousa, um _enri+ue 2astriciano, uma uta de ousa,
todos, mais ou menos intensamente, bran+uearam a sua posi/ão, o seu
ide"rio e a sua mensagem. 4s mulatos, por seu turno, contribu$ram menos
ainda. (2 ! < 4, p.W1)
Nota8se, pela cita/ão, +ue h" mais uma presen/a do negro como personagem do +ue
como autor e, +uando autor, muitos tendem a tem"ticas mais uni ersalistas. !ais adiante,2amargo %echa essa +uestão: I2om a morte de #ima 'arreto desaparece o ltimo Igrande
mulatoK da #iteratura brasileira, o ltimo da #iteratura o%icialK. crescenta 2amargo +ue,
ap-s sua morte, em 1@GG, ano de %unda/ão do !odernismo no 'rasil, não er" aparecer",
misturada &s o es de !"rio de ndrade, !enotti del *icchia, 4sFald de ndrade, 0orge de
#ima e, depois, 0orge mado V e tantos outros V a o do negro. - com o aparecimento de
#ino uedes, em 1@GX, o negro olta a %alar: I4 negro cala8se nas primeiras décadas da
<ep blica. *rodu/ão nula. Malungo, contos de er "sio !orais, outro negro, aparece em
de embro de 1@H3. !as não tem alor, não dei7a conse+u ncias. er "sio não aprendeu
nada com #ima 'arreto, bem ao contr"rioK. presen/a, segundo ele, do negro, no palco da
#iteratura brasileira, dar8se8" pelas mãos do escritor branco. IE se o elemento a%ro8brasileiro
se insinua, por e es, apenas como esteio para ariedade na %ic/ão, não h" negar +ue em
"rios romances ele se mo imenta de corpo inteiro, é o personagemK. (2 ! < 4, p.W3)
#amenta o ensa$sta +ue até & segunda metade do século \\ o Inegro escritoK este e13B
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+uase ausente, não %ossem algumas apari/Ces como as de <omeu 2rusoé, #ino uedes,
olano ?rindade, e nos %ornece uma lista de li ros Ionde se sublinha a presen/a do negro na
%ic/ão brasileira de 1AAA a 1@LGK, com desta+ue para #ima 'arreto, 0orge mado e 0osé #ins
do <ego. Essa aus ncia, acrescenta ele, se d" também no teatro.
egundo 2amargo, s- na segunda metade do século passado é +ue se e idencia uma
maior apari/ão do negro na literatura brasileira, momento, inclusi e, em +ue surgem "rios
mo imentos oltados para a +uestão da InegritudeK no 'rasil e "rias o es se le antam no
campo cultural, sociol-gico e liter"rio, notadamente no da poesia. ão elas: 2arlos ssun/ão,
o pr-prio 4sFaldo de 2amargo, 4li eira il eira, dão entura, Eduardo 4li eira e suas
Jestas L=ricas da negritude, !ilton de odo> 2ampos, 4li eira il eira, !adalena de ousa,
*er> do Embu, 2harlain al ão, 'élsi a ('enedito #ouren/o da il a), !arc$lio Nascimento
5ernandes, na " 2aetano, 2osta *into e , negro no 4io de aneiro , belardo <odrigues,
*aulo 2olina e a Axé Antologia contempor nea da poesia negra brasileira, eni !ariano
uimarães, 0osé 2arlos #imeira, ^le emog, !asuo amaOi, 2uti (#u$s il a), rnaldo \a ier,
!iriam l es, !"rcio 'arbosa, 4ubi =na `ibuOo, 0amu !inOa, Esmeralda <ibeiro, 0Mnatas
2oncei/ão, _enri+ue 2unha, ngela #opes al ão, _ugo 5erreira, !"rio 0orge #escano, Mnia
5"tima da 2oncei/ão, _erm-genes lmeida . 5ilho, !arise ?ietra, <amatis 0acino, Dele> decar>, ri 2]ndido 5ernandes, Est ão !a>a8!a>a, Yenaide, `ilamba, <oseli Nascimento,
2élia parecida, <onald ?utuca, 0osé #uanga 'arbosa, b$lio 5erreira, entre outros.
<e%erindo8se a rnaldo \a ier, 2amargo %a o seguinte coment"rio: IEspera8se de
rnaldo +ue se insira, claro e negroS, na corrente de poetas onde " estão instalados olano
?rindade, 2arlos ssun/ão, 4li eira il eira, dão entura, *aulo 2olina, belardo <odrigues,
2uti, ^le emog, por e7emploK. !ais adiante ele cita os adernos Negros0 4eflexões sobre a
Literatura Afro- rasileira (Edi/ão do I2onselho de *articipa/ão e Desen ol imento da
2omunidade Negra do Estado de ão *auloK). edi/ão é de 1@AL, e um trabalho do
uilombho e. ssinam te7tos os poetas e contistas 2uti (#ui il a), Esmeralda <ibeiro, 0,
b$lio 5erreira, 0amu !inOa (0osé 2arlos ndrade), !"rcio 'arbosa, !iriam l es, 4ubi lna
`ibuOo e Mnia 5"tima da 2oncei/ão. E mais ria%+o rioula0 Nu /lefante ranco, de 1@AW,
re ne te7tos cr$ticos elaborados a partir do I /ncontro de $oetas e 3iccionistas Negros
rasileiros, reali ado em ão *aulo V setembro de 1@AL, entre outros (+ue podem ser131
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encontrados em 2 ! < 4, pp. 1BW81BA).
Embora ha a uma e%eti a participa/ão de muitos intelectuais negros, a partir de 1@LB
e mais precisamente a partir de 1@WA, +uando aparecem adernos Negros, a 4evista Li%+o e
o MN2-Movimento Negro 2nificado, é +ue a literatura a%ro8brasileira, ou a%rodescendente,
ganhar" mais desta+ue. 4bser amos, é bem erdade, um grande n mero de escritores, o
seu n$ el, porém, sendo bastante contestado, até mesmo pelo pr-prio 2amargo: I al aram8
se, não h" d ida, alguns +ue por l" andaram e l" permanecem. Não são, porém, da escola
dos adernos, por muito tempo permissi a.(...). 5altou, porém, muitas e es, tinta de
+ualidade no escre er das letras de muitos +ue l" se imprimiram, %altou perspecti a de
_ist-ria #iter"ria. De e8se comemorar. !as se poderiam soltar mais %ogos...K (2 ! < 4,
p.1B@)
Em seu li ro Literatura negro-brasileira , publicado em GB1B pela elo Negro, na
cole/ão 2onsci ncia em Debate, 2uti (#ui il a) chama a aten/ão para o %ato de serem os
estrangeiros, <oger 'astide, <a>mond a>ers e regor> <abassa, a +uestionar a rela/ão do
negro com a literatura brasileira. No cap$tulo 3, o autor tra & discussão a pol mica +ue
en ol e as e7pressCes Ia%roK e InegroK, o +ue muito nos interessa, isto +ue elucidar da
melhor %orma poss$ el a utili a/ão de um dos pre%i7os sem incorrer em preconceito ou
banalidade, buscando a %orma cient$%ica mais ade+uada, é o nosso intuito. *ara 2uti: I
produ/ão liter"ria de negros e brancos, abordando as +uestCes atinentes &s rela/Ces inter8
raciais, tem ieses di%erentes por conta da sub eti idade +ue a sustenta, em outras pala ras,
pelo lugar socioideol-gico de onde esses produ emK. partir do <omantismo, sugere ele, a
literatura brasileira come/a a se %irmar pela ontade coleti a de escritores e cr$ticos, +ue
procuram dar desta+ue aos elementos +ue di%erenciassem a produ/ão local da metr-pole
portuguesa. Di 2uti: INo interior da literatura brasileira, "rias são as ertentes destacadas,
sendo as mais comuns a estil$stica e a regional. ?odas nascem de uma ontade coleti aK. 2uti
ainda esclarece +ue h" uma hegemonia, +uanto & produ/ão liter"ria do segmento negro da
popula/ão, de escritores brancos sobre o tema. entencia o ensa$sta: Ios estudiosos, desde
o come/o do século \\, tentam aplicar nomes ao recorte %eito. ?endo em ista tanto a
tem"tica +uanto a nomina/ão não serem reser as s- de escritores negros, desde 2astro
l es, a +uestão da sub eti idade branca tem dado o tom hegemMnico acerca da13G
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interpreta/ão e da nomina/ão das obras.K (26?=, pp. 3383H). =sso parece in+uiet"8lo
sobremaneira. Da$ a recusa da denomina/ão de Ia%roK & produ/ão liter"ria negro8brasileira
I(dos +ue se assumem como negros em seus te7tos)K, por+ue, para 2uti, isso é pro etar &
origem continental de seus autores, Idei7ando8a & margem da literatura brasileira,atribuindo8lhe, principalmente, uma des+uali%ica/ão com base no iés da hierar+ui a/ão das
culturasK, ou se a, tanto Ia%ro8brasileiroK +uanto Ia%rodescendenteK Isão e7pressCes +ue
indu em a discreto retorno & [%rica, a%astamento silencioso do ]mbito da literatura brasileira
para se %a er de sua ertente negra um mero ap ndice da literatura a%ricanaK. *re alecendo,
segundo ele, apenas a produ/ão de autores brancos como componente da literatura do
'rasil. 2uti ainda outros interesses por tr"s de tais denomina/Ces: I4 a al do Estado
'rasileiro d" & denomina/ão Ia%ro8brasileiraK um car"ter compuls-rio, en+uadrando aprodu/ão liter"ria em seus pressupostos ideol-gicos. 4 interesse de interc]mbio econMmico
com os pa$ses a%ricanos sustenta as iniciati as de interc]mbio culturalK. (26?=, pp. 3L83X)
preocupa/ão e a cr$tica do ensa$sta sobre a +uestão, além de esta ser usta, ser em
para re%erendar a terminologia adotada a+ui neste trabalho. Entendemos, também, +ue h"
uma tend ncia de apresentar os Inegros como detalhes de uma suposta generalidade
brancaK em "rios aspectos da cultura. Esclarece 2uti +ue a%ro8brasileiro ou a%rodescendentenão é a mesma coisa +ue negro8brasileiro, uma e +ue a%ro se re%ere a todos os nascidos em
[%rica. *ara ele: I pala ra InegroK é uma das mais poliss micas do ern"culo. ua
polissemia, +uem sabe, contribuiria para seu despre o na caracteri a/ão de um corpus. %ro8
brasileiro, e7pressão cunhada para a re%le7ão dos estudos relati os aos tra/os culturais de
origem a%ricana, independeria da presen/a do indi $duo de pele escura, e, portanto, da+uele
+ue so%re diretamente as conse+u ncias da discrimina/ãoK (26?=, p.3@). 4 +ue nos dei7a &
ontade para usar a e7pressão poesia a%ro8brasileira no t$tulo de nossa tese e dentro docorpo do te7to as e7pressCes ade+uadas ao momento. 5echemos esta pol mica com mais
uma cita/ão de 2uti:
*ortanto, a pala ra InegroK nos remete & rei indica/ão diante da e7ist ncia
do racismo, ao passo +ue a e7pressão Ia%ro8brasileiroK lan/a8nos, em sua
sem]ntica, ao continente a%ricano, com suas mais de LH na/Ces, dentre as
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+uais nem todas são de maioria de pele escura, nem tampouco estão
ligadas & ascend ncia negro8brasileira. <emete8nos, porém, ao continente
pela ia das mani%esta/Ces culturais. 2omo literatura é cultura, então a
pala ra estaria mais apropriada a ser ir como selo. (26?=, p.HB)
alientamos +ue conhecemos e apro amos a e7pressão InegroK como %orma de se
a%irmar de parte da popula/ão brasileira organi ada ou espont]nea, pois, como di o pr-prio
2uti, Io +ue h" de mani%esta/ão rei indicat-ria apoia8se na pala ra QnegroSK. 2om isso ele
rea%irma e autentica a denomina/ão +ue usou para seu instigante li ro Literatura negro-
brasileira, centrado em argumentos plaus$ eis e dignos de um pes+uisador, pro%essor e
escritor InegroK no sentido mais re olucion"rio +ue esse termo carrega dentro de si. *or ora,
ainda adotaremos a e7pressão cunhada no in$cio de nossa pes+uisa Ia%ro8brasileiraK, +ue,
para n-s, mais se coaduna com o nosso prop-sito.
#ui ama, 2ru e ousa e #ima 'arreto, no di er de 2uti, são os precursores de uma
escrita condigna com o termo InegroK, mesmo +ue se am atua/Ces isoladas em todo o
século \=\ e no limiar do século \\. <e%erendado por <a>mond a>ers, ele tra/a um per%il de
como o negro era isto dentro de nossa literatura, desde reg-rio de !attos, +uase sempre
calado, %iel, so%redor ou de despertador de interesses lu7uriosos, assinados pelo I iés de
uma ideologia brancoc ntricaSK, passando por 2astro l es e o seu I4 na io negreiroK, tendo
como Idi isor de "guasK Ios ersos de #ui ama, +ue con%iguram um euS l$rico negroK.
*ara 2uti, I!aria 5irmina dos <eis, #ui ama, 2ru e ousa e #ima 'arreto são
e7emplos do isolamento estético8liter"rio no +uesito sub eti idade negro8brasileira.K
consci ncia de uma coleti idade negro8brasileira s- tomaria corpo na segunda metade doséculo \\. inda na primeira metade desse século, o autor cita #ino uedes como um
identi%icador de sua gente: o negro8brasileiro. *ara ele, o %ato de uma obra conter tra/os de
origem a%ricana não lhe con%ere autoridade para consider"8la Inegro8brasileiraK.
No cap$tuloIdentidade por dentro , 2uti tece uma série de coment"rios a respeito de
escritores mais no os, publicados entre as décadas de WB e a primeira deste século, cu a
literatura é a a%irma/ão do negro como negro, o combate eemente ao racismo declarado13H
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e9ou elado e a legitimidade do te7to por eles escritos como parte indissoci" el da literatura
brasileira, com um car"ter também uni ersal, " +ue muitos cr$ticos tendem segregar a nossa
literatura com o %im nico de estabelecer o +ue para eles é de +ualidade ou não, algo
parecido com o I<egionalismo de 3BK. ão citados nomes como os de: ^le emog, 0osé 2arlos#imeira, 4li eira il eira, 2ristiane obral, #ep 2orreia, era%ina !achado, Elisa #ucinda,
#ande 4naFale, !"rcio 'arbosa, poetas de grande alor estético.
s associa/Ces negras, segundo 2uti, ti eram uma import]ncia %undamental na
%orma/ão de seus associados, principalmente pelo incenti o & leitura e pelo apre/o &
produ/ão escrita: ornais, li ros, teatro, etc. : I4s autores +ue constituem esse grupo são:
bdias do Nascimento, olano ?rindade, 2arlos de ssump/ão, Eduardo de 4li eira, 4sFaldo
de 2amargo e 4li eira il eiraK. 4bser emos +ue esse grupo tra duas re%er ncias essenciais,
sem demérito para os demais, bdias do Nascimento Io criador do ?eatro E7perimental
NegroK e o grande I$cone da milit]ncia negraK, além de ator, diretor, escritor teatral, poeta e
pol$tico. 4 outro é olano ?rindade:
*oeta +ue assumiu a no/ão IpopularK em seus te7tos. 2om a signi%ica/ão de
Ipoliti adaK e de es+uerda, reali ou obra de %orte incandesc ncia erbal e
r$tmica. 2riador do ?eatro *opular 'rasileiro. 5oi um militante de ideias
socialistas, sua poesia atingiu amplo conhecimento não s- pelo trabalho de
seus companheiros de partido pol$tico, mas pelo mérito interno de sua
reali a/ão poética. *ublicou: $oemas de uma vida simples (1@HH);Seis
tempos de poesia (1@LA);antares ao meu povo (1@X191@A1);9em gente
com fome e outros poemas (1@AA);$oeta do povo (1@@@9GBBA);anto
negro (GBBX); e$oemas antológicos (GBBA). 5oi um e7$mio declamador.(26?=, p.11A)
olano ?rindade, como corpus deste trabalho, ser", mais adiante, de idamente
estudado nos "rios aspectos +ue compCem sua tra et-ria poética.
0" o prop-sito de Yil" 'ernd, em seu li ro Negritude e literatura na América Latina ,
13L
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%ruto de sua pes+uisa de doutorado na 6 *, é apontar o identit"rio de uma literatura no
'rasil, algo " preconi ado por alguns pes+uisadores, como os por ela citados: <oger 'astide
e ?hales de e edo, para os +uais seria um erro du idar da e7ist ncia de uma literatura
a%ro8brasileira, ou até mesmo negro8brasileira, como nos assegura 2uti.
*ara 'ernd, no entanto, a +uestão de uma literatura negra estar inculada & cor da
pele %ica %ora de cogita/ão, uma e +ue I*artir da e id ncia te7tual nos parece ser o
caminho +ue assegurar" um maior rigor cient$%ico & an"lise da +uestão. ssim, poderão ser
considerados como literatura negra a+ueles te7tos em +ue hou er um eu enunciador +ue se
+uer negro, +ue rei indica a sua especi%icidade negraK. ('E<ND, p.1X). *arece8nos, também,
+ue o termo InegroK associado ao %a er liter"rio ad+uire um car"ter rei indicat-rio de um
determinado grupo, +ue, pelas circunst]ncias da pr-pria hist-ria da humanidade, te e os
seus direitos tolhidos nas necessidades mais caras ao ser humano: a liberdade, o direito de
ser perante o outro e a sociedade, desde os direitos prim"rios de cidadania até aos mais
comple7os +ue também de eriam ser uni ersais, como o da arte, por e7emplo. ssim se
e7pressa 'ernd:
Esta comunidade de situa/ão +ue ir" determinar uma constru/ão mental
comum é igualmente obser ada no conte7to brasileiro. 2ertos escritores
apresentam8se como autores negros e esta rei indica/ão não se prende a
uma simples +uestão epidérmica, mas a caracter$sticas te7tuais. 4u melhor,
seus te7tos apresentam marcas de enuncia/ão +ue os particulari am, entre
as +uais a presen/a de um su eito de enuncia/ão +ue se +uer negro.
('E<ND, pp. 1X81W)
Não amos a+ui adentrar na pol mica do assunto, mas tão somente elucidar melhor
a utili a/ão dos termos tipo Ia%rodescend nciaK, Ia%ro8brasileiraK e Inegro8brasileiraK, como
dito acima, para não incorrermos em +uesti nculas +ue tergi ersem a missão a +ue nos
propusemos. ?emos consci ncia, " o dissemos, das +uestCes inerentes aos mo imentos
re olucion"rios leg$timos do mundo e do 'rasil +ue sempre souberam rei indicar os seus
direitos em %ace da usurpa/ão das elites ao corrente da hist-ria, no nosso caso, a literatura13X
8/18/2019 Tese Padua
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desses poetas, &s e es +uestionados por seus pr-prios pares.
No caso espec$%ico desta tese, temos cinco poetas, dois autenticamente negros,
segundo a cor da pele: gostinho Neto e olano ?rindade, um mesti/o, iriato da 2ru e dois
brancos, nt-nio 0acinto, +ue é uma espécie de branco9pardo, dentro das considera/Ces
étnicas brasileiras, e 5red ou a 2astro, de te branca. ?odos, no entanto, %alam do negro,
cada +ual & sua maneira, por isso essas e7pressCes ão sendo utili adas segundo os seus
te-ricos e as necessidades do pr-prio te7to rei indicar.
egundo Dom$cio *roen/a 5ilho: I4 processo liter"rio en ol e basicamente a inter8
rela/ão entre +uem %a o +ue, como o reali a e +uem o usu%rui, ale di er, entre o autor, o
te7to e o leitor. #ogo, em um sentido restrito, ser" negra a literatura %eita por negros oudescendentes de negros re eladora de ideologias +ue se caracteri am por uma certa
especi%icidade. Em um sentido lato, ser" negra a arte liter"ria %eita por +uem +uer +ue se a,
desde +ue re eladora de dimensCes peculiares aos negros ou aos seus descendentesK (in
'E<ND, p.1W). Essa de%ini/ão de *roen/a ser e8nos em determinados pressupostos, mas
sabemos, como +uer ntonio 2andido, +ue toda arte subalterni ada s- se impCe pela
ItransgressãoK, como o %e , por e7emplo, #u$ ama no século \=\.
'ernd orienta +ue de emos atentar para os seguintes elementos: Ia) a e7ist ncia de
uma articula/ão entre te7tos dada por um certo modo negro de er e de sentir o mundo; b) a
utili a/ão de uma linguagem marcada tanto a n$ el do ocabul"rio +uanto dos s$mbolos
usados pelo empenho em resgatar uma mem-ria negra es+uecidaK. ssim sendo, ter$amos
Iuma escritura negra, ale di er, uma literatura +ue se propCe a desconstruir o mundo
nomeado pelo branco e erigir a sua pr-pria cosmogonia. eria, em suma, uma literatura
disposta a romper um contrato de %ala igente e a buscar uma dic/ão no a dentro doconte7to liter"rioK ('E<ND, p.1A). 'ernd ainda elenca "rios nomes sobre a +uestão do negro
na literatura brasileira (do teatro, da poesia, da cr$tica e da m sica popular brasileira), alguns
" citados e outros não, sem muita import]ncia, porém, para o +ue nos propomos a+ui, pelo
simples moti o de não ser o negro na literatura brasileira a ess ncia de nossa pes+uisa, no
sentido de bali ar a sua presen/a entre os "rios autores brasileiros: de reg-rio até aos
nossos dias, embora amais nos es+ui emos desses par]metros. +ui, re%or/amos, %a emos
precipuamente uma iagem pelo mundo poético do corpus escolhido, tendo como ponto13W
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central a poesia de gostinho Neto e como dialogam com a poética de Neto, +uando
dialogam, os outros poetas escolhidos como contraponto, dentro duma an"lise comparatista,
%a endo uma analogia entre ambos, cu o %im maior é mergulhar em suas poéticas em busca
do mundo m"gico de 4r%eu negro e9ou branco de nossos dois atl]nticos, sem nenhumintuito de pri ilégios.
Nossa restri/ão segue a linha de todos a+ueles +ue %a em pes+uisas mundo a%ora: o
interesse particular do pes+uisador, as a%inidades e a necessidade de torn"8los conhecidos
do mundo acad mico, embora alguns " o se am de certa %orma. lém, e identemente, da
impossibilidade de %alar de todos.
INegroK e INegritudeK são dois termos +ue se a%inam, mas, de certa %orma,percorrem caminhos di%erentes, principalmente se comparamos a sua utili a/ão nas +uatro
primeiras décadas na Europa, a partir da década de 1@LB em [%rica, no nosso caso em
ngola e, algum tempo depois, no 'rasil.
*ara tanto, embora " tenhamos esclarecido o termo INegritudeK na primeira parte
deste trabalho, %a emos algumas aprecia/Ces de Yil" 'ernd sobre os termos, e7tremamente
pertinentes. ensa$sta parte das pol micas geradas nos anos de 1@3B: enghor s 2ésaire,artre s 5anon. egundo ela: Inegritude, num sentido amplo, remete & ontade de ser, &
a%irma/ão da alidade uni ersal do negro. Neste sentido (com InK min sculo) ela é
in+uestion" el e permanecer" en+uanto hou er negros na terra, como " sublinhou 2ésaire,
pois é sinMnimo da busca de uma identidade, ou de uma determinada dimensão de
identidadeK. 0" o termo INegritude V al o das mais contundentes cr$ticas V é ustamente
a+uela +ue, trans%ormando8se em ideologia, passou a ser ir aos interesses dos dominadores.
^ a esta Negritude (com INK mai sculo) e, essencialmente, &s trilhas pelas +uais acondu iram enghor e seus seguidores +ue passamos a nos re%erirK. ('E<ND, p.31). *arece8
nos uma tend ncia & e7comunhão de enghor, herege +ue surge dentro do seio do
negritudinismo criado em solo europeu. !ais além, 'ernd, baseada nas contradi/Ces +ue o
termo alcan/ou, inculando8se ao conceito de ra/a em detrimento do de classe, ganhando
assim, no di er da ensa$sta, um car"ter ideol-gico em +ue por e es patrocina atrocidades e
Id" o , por e7emplo, ao escritor en+uanto negro e não en+uanto homemK, perdendo assim
toda sua ess ncia de mo imento re olucion"rio, a%irma ser positi a a negritude +ue se13A
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desenha como a Iop/ão dos escritores terceiro8mundistas +ue é a de e7plorar nossa
circunst]ncia imediata. ^ um de er mais do +ue um direito do escritor do ?erceiro !undo
%or ar uma consci ncia de negridade +ue possa coe7istir com a de americanidade,
antilhanidade, latinidade, brasilidade, mineiridade, etc., e no interior da +ual se e7ercite aconsci ncia de classeK. ('E<ND, p.3L). *ara então islumbrar um sentido +ue se possa
estender ao 'rasil, di ela:
chamos, portanto, +ue se pode %alar, em sentido lato, em uma ertente
brasileira da negritude +ue não é um mo imento estan+ue, mas um
%enMmeno +ue ocorre em di%erentes culturas (E6 , ntilhas, [%rica, mérica
do ul), com di%erentes condi/Ces sociais, e7primindo8se em "rias l$nguas,
portanto essencialmente migrat-rio e não sincrMnico.
?entar er os atuais mo imentos brasileiros, +ue oltam8se sobre si mesmos
para %abricar uma autoimagem, como um sistema de asos comunicantes,
como o canto poli%Mnico da negritude, poder" a udar a entender melhor a
realidade da literatura negra e da pr-pria literatura brasileira. ('E<ND, p.3A)
Nesse sentido, podemos di er +ue a poesia de olano ?rindade se encai7a
per%eitamente dentro desse conceito, como eremos adiante. *ara a ensa$sta, a literatura
negra brasileira, tanto nos planos espacial +uanto temporal, se articula de %orma
rei indicat-ria, na luta Ipelo resgate de uma mem-ria +ue dar" aos negros as pe/as para a
montagem de uma autoimagem positi aK, uma e +ue ela agora Ibusca uma no a dic/ãoK a
%im de a%irmar a identidade negra, +ue ela chama de InegridadeK, em oposi/ão aostatus *uoestabelecido, mas sem negar sua condi/ão de oper"rio, de latino8americano, de mulher,
en%im, de ser oprimido pela classe dominante.
%inal, +ual o mérito da poesia negra brasileira 0" imos atr"s as posi/Ces de 2uti e
2amargo; e amos então o +ue di 'ernd:
ual o mérito desta poesia ?al e , se comparada & " consagrada poesia13@
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europeia, a poesia negra pare/a ing nua e Isem de%esaK. eu alor, contudo,
reside no %ato de ela estar aberta para o homem Ipor inteiroK. ua grande a
emana mais de seu conte do +ue de sua %orma: ela se constituir" no espa/o
em +ue o poeta negro perde Io medo de si pr-prio e assume sua total
nature aK. poesia negra nasce no ponto de intersec/ão entre o eu e o
mundo, dei7ando escorrer Iuma gota de sangueK .
ual a condi/ão primeira do poeta ^ a %idelidade &+uele +ue de e
constituir8se no tema central da poesia: o homem em torno do +ual passa a
gra itar o mundo. Esta %idelidade implica necessariamente humildade em
resistir aos apelos da Ici ncia, da moral e da culturaK para oltar8se para a
descri/ão do negro +uotidiano, +ue de er" ser retratado sem os
estere-tipos do e7-tico ou do grotesco, como %oi representado por toda
uma literatura.
5inalmente, +ual a matéria poética 4 poeta a+ui não ser" apenas o
recriador, mas, necessariamente, o pr-prio criador de um mundo onde, se
possa islumbrar uma no a maneira de ser e de so%rer, de morrer, de
resignar8se, em suma, de carregar uma certa carga de homem...K ('E<ND,
1@AW, pp. LX8LW)
E, citando 2ésaire, ela conclui +ue a poesia negra Ié a erdadeira poesia por+ue não
se restringe & ret-rica dos poetas +ue permanecem na super%$cie de si pr-prios: ela emana
das pro%unde asS do ser +ue toma consci ncia de si mesmo e de sua condi/ãoK, tratando8se,
portanto, de uma poesia rei indicat-ria, social, transgressora e ao mesmo tempo indi idual e
coleti a, não sendo uma poesia apenas de deleite, mas de den ncia em sua grande parte.
*ara 'ernd, a e7pressão Iliteratura negraK parece a mais ade+uada para de%inir esse
%ilão da literatura brasileira +ue em lutando por um espa/o nas institui/Ces de nossa
sociedade, por ser, para ela, mais alargada a sua dimensão, por ir além do nacional e do
lingu$stico e, +ui/", do da cor da pele, atestado por alguns depoimentos colhidos pela
ensa$sta nos pre%"cios lidos em li ros de escritores brasileiros representati os dessa
literatura: Ien+uanto alguns consideram +ue a poesia negra é a+uela +ue é %eita por negros,1HB
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pois s- um negro pode ter a Ie7peri ncia negraK, outros a%irmam +ue o +ue caracteri a a
poesia não é a cor da pele do autor, mas o %ato de retratar o negro en+uanto ra/a possuidora
de determinada cultura e alores.K ('E<ND, 1@AW, p.A1). Dei7ando8nos, mais uma e , &
ontade +uanto ao uso das terminologias Ia%ro8brasileiroK ou Inegro8brasileiroK, " +ue'ernd pensa, assim como 2uti, +ue o primeiro termo Icorresponde a reconhecer uma
literatura empenhada em resgatar uma ancestralidade a%ricanaK e o segundo reconhece I+ue
h" um estilo, um lé7ico, uma tem"tica, etc., +ue particulari am um discurso liter"rio de
%orma marcante e de%initi aK.
<e%erindo8se aos adernos Negros, antologias +ue surgiram no %inal dos anos 1@WB,
criadas por 2uti e 0amu !inOa, 'ernd mostra8se muito cr$tica no +ue concerne &s
publica/Ces dos anos de 1@AB, em irtude da +ualidade poética de alguns de seus
colaboradores, notadamente os mais o ens, chegando ao ponto de comprometer a
+ualidade inicial de%endida por seus %undadores. entencia ela: I4 discurso desintegrador se
rituali a, trans%ormando os poetas em meros ep$gonos, em artesãos +ue nada mais %a em do
+ue repetir modelos petri%icados. =sto determina um e%eito contr"rio ao +ue os poetas
isaram obterK. <econhece 'ernd, como 2amargo, +ue alguns se sal aram e constru$ram
uma poesia +ue caminha, de certa %orma, noutra ertente, mas com um tino poético maisagu/ado, di%erenciando8se da+ueles +ue se mant m presos em Ium discurso homog neo
onde as singularidades tornam8se praticamente impercept$ eisK, dentre os +ue se destacam
estão 0osé 2arlos #imeira e ^le emog, poetas +ue, além da poesia de protesto e do lamento,
cultuam a poética do Iamor, a bele a da mulher negra, o samba e a %é na e7ist ncia,
tornando sua %ala mais %ecunda +ue a dos demais poetas do grupoK. =nteressa ressaltar, a+ui,
+ue muitos dos poetas colaboradores dessas antologias %i eram uma iagem de regresso &s
origens a%ricanas, num ato transgressor de contrariedade ao +ue se iu no tempo daescra idão, em busca de nomes a%ricanos, como uma retomada de sua identidade
ilipendiada pelos senhores de escra os +ue lhes punham nomes cristãos.
'ernd %inali a seu te7to com as seguintes considera/Ces: a) a poesia negra brasileira
situa8se ainda na IsombraK, uma e +ue não h" anu ncia das grandes editoras e seus
autores, na maioria das e es, bancam os seus pr-prios li ros; b) essa literatura é um meio
de os negros Ipleitearem seu reconhecimento como su eitos para poderem impor sua e%eti a1H1
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participa/ão num di"logo de culturasK; c) recupera/ão da cosmogonia a%ricana es%acelada
com o pro eto escabroso da escra idão e dos her-is das lutas pela liberta/ão +ue remontam
a priscas eras, como %onte e moti os poéticos; d) reno a o discurso dominante,
estabelecendo uma no a alora/ão, assim, termos antes com teor negati o passam asimboli ar o positi o, numa atitude transgressi a de seus operadores; e) com isso o negro
recupera sua autoestima, estabelecendo uma rela/ão antitética entre Ieu9elesK, numa
in ersão de alores em +ue o eu representa o Ipositi oK e o eles o Inegati oK.
bordemos um recente con unto de olumes dedicados ao resgate dessa literatura.
Literatura e afrodescend(ncia no rasil: antologia cr$tica, cole/ão organi ada por Eduardo de
ssis Duarte, em +uatro olumes, editada pela 65! , %ruto de pes+uisa %eita em todas as
regiCes do pa$s, en ol endo X1 pes+uisadores, inculados a G1 institui/Ces de ensino
superior e seis estrangeiras, abordando 1BB escritores a%rodescendentes, desde o per$odo
colonial, mais precisamente a partir do século \ ===, com Domingos 2aldas 'arbosa, até aos
nossos dias.
^ de %ato um trabalho de grande amplitude, publicado no ano de GB11, pela
+uantidade de escritores antologi ados e pelas re%er ncias bibliogr"%icas apresentadas.
Nessa cole/ão, em seu pre%"cio, o organi ador tra/a um per%il da literatura negra, +ue ele
pre%ere denominar de a%rodescendente, no mundo, nomeando %iguras " nossas conhecidas:
imé 2ésaire, #éon Damas, #éopold édar enghor, dentre outros. 4 autor %a , também, um
apanhado dos mo imentos negros, também a+ui " re erenciados: Negritude, =ndigenismo
_aitiano, _arlem <enaiscense e o ?eatro E7perimental do Negro, criado no 'rasil por bdias
do Nascimento.
4 autor tece ainda cr$ticas pro%undas ao preconceito declarado de intelectuais doporte de *aulo Duarte, de%ensor do processo de um 'rasil branco, o +ue nos é e7tremamente
inaceit" el. ?ece cr$ticas, também, ao luso8tropicalismo de ilberto 5re>re. Duarte reser a
um espa/o para mencionar a literatura dos pa$ses a%ricanos de l$ngua portuguesa +ue
%i eram da poesia o seu Icanto armadoK. ão citados !"rio *into de ndrade, gostinho
Neto, Noémia de ousa. Ele, também, rati%ica os nomes dos estrangeiros <oger 'astide,
a>ers e <abassa, como pioneiros na pes+uisa da presen/a do negro na nossa literatura.
1HG
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Duarte ensina +ue a partir da década de 1@WB até aos nossos dias surgem no os
trabalhos sobre a Iliteratura a%rodescendenteK, destacando nomes como os de: ?e-%ilo de
ueiro 0 nior (1@WL), 'enedita ou eia Damasceno (1@AA), 0ean !areel 2ar alho 5ran/a
(1@@A), _eloisa ?oller omes, !oema *arente ugel, Dom$cio *roen/a 5ilho, Da id'rooOshaF (1@A3), Yil" 'ernd (1@AW, 1@AA e 1@@G) e mais: 4sFaldo de 2amargo (1@AW), #ui a
#obo (1@@3, GBBW) e #eda !aria !artins (1@@L); as colet]neas cr$ticas organi adas por !aria
Na areth oares 5onseca (GBBB e GBBG), por Ni>i %olabi, !"rcio 'arbosa e Esmeralda <ibeiro
(GBBW) e por Edimilson de lmeida *ereira (GB1B); e os olumes ensa$sticos do pr-prio
Edimilson de lmeida *ereira (GBBW), 5lorentina da il a ou a (GBBL), 0Mnatas 2oncei/ão da
il a (GBBH), !iriam l es (GB1B), 2uti (GBB@; GB1B). Este ltimo, pseudMnimo de #ui il a,
um dos %undadores do uilombho e. Desta+ue8se ainda o olume te-rico e historiogr"%icoorgani ado por 5lorentina ou a e !aria Na aré #ima (GBBX); o ensaio cr$tico de *atr$cia
Reis8'om%im (GBBB), publicado na lemanha; o li ro de Emanuelle 4li eira (GBBA), editado
nos Estados 6nidos; as obras enciclopédicas de Eduardo de 4li eira (1@@A), Nei #opes (GBBH
e GBBW) e #$cia oares de ou a (GBB@); o ensaio biogr"%ico de !aria # cia de 'arros !ott
(1@A@); e os estudos comparados de !aria parecida algueiro (GBBH) e de uel> !eira
#iebig (GBB3 e GB1B). 2umpre destacar ainda a obra A m+o afro-brasileira, organi ada por
Emanoel rau o em 1@AA e reeditada em GB1B. (D6 <?E, GB11, pp. G@83B). *or ser muito
e7tensa a sua cita/ão e por hora não nos interessar diretamente todas essas leituras,
acrescentemos apenas: adernos Negros, publicados entre 1@WA e GB1B, a colet]nea
adernos Negros: os melhores poemas (1@@A), as antologias organi adas por *aulo 2olina
(1@AG), Edu 4mo 4guiam (1@AG), 4sFaldo de 2amargo (1@AX e 1@AW), Yil" 'ernd (1@@G),
0Mnatas 2oncei/ão e #indinal a 'arbosa (1@@@ e GBBB) e, ainda, a recolha %eita por #ui 2arlos
dos antos, !aria alas e 6lisses ?a ares (GBBL). (D6 <?E, GB11, p.31)
5echam a lista os nomes de 5ernanda 5elisberto (GBBH) e o de #ui <u%%ato (GBB@).
Esclarece o autor +ue a antologia pri ilegiou os escritores com publica/Ces indi iduais, &s
+uais os pes+uisadores ti eram acesso, a+ueles +ue se assumiam como a%rodescendentes ou
re elam em seus escritos tal sentimento e os +ue, " mortos, ti eram a anu ncia de seus
herdeiros, sendo a %ic/ão e a poesia os g neros escolhidos. antologia ainda nos presenteia
com uma série de estudos sobre o assunto assinados por rnaldo \a ier, il iano antiago,
4ct" io =anni, o pr-prio Eduardo de ssis Duarte, Yil" 'ernd, dentre outros, +ue serão1H3
8/18/2019 Tese Padua
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estudados de acordo com a pertin ncia da teoria e do te7to liter"rio lido. 4 primeiro olume
V *recursores V é dedicado aos autores nascidos antes de 1@3B. =nclui escritos da+ueles +ue,
mesmo não assumindo e7plicitamente um pro eto liter"rio a%ro8brasileiro, apresentam tra/os
discursi os +ue os situam, em muitos momentos, numa -rbita de alores socioculturaisdistintos dos abra/ados pelas elites brancas. 4 segundo olume V 2onsolida/ão V contempla
os nascidos nas décadas de 1@3B e 1@HB, marco hist-rico de m ltiplos sentidos para a cultura
do pa$s. 4 terceiro olume V 2ontemporaneidade V compreende autores nascidos na
segunda metade do século \\, com publica/ão a partir das ltimas décadas. _" uma %orte
presen/a de autores re elados nos adernos Negros: 2uti, !iriam l es, Esmeralda <ibeiro,
!"rcio 'arbosa, b$lio 5erreira, #ia ieira, Mnia 5"tima da 2oncei/ão, 5austo ntMnio,
<amatis 0acino, belardo <odrigues. _" também nomes mais conhecidos em seus estados deorigem, +ue mant m presen/a discreta na série, a e7emplo de ^le emog, 0osé 2arlos #imeira
e 0Mnatas 2oncei/ão. E, ainda, autores des inculados do uilombho e, tais como os poetas
Edimilson de lmeida *ereira, algado !aranhão e <onald ugusto, além dos _edonistas
dilson ila/a, *aulo #ins, #u$s 2arlos de antana e na !aria on/al es. Na prosa in%anto8
u enil estão presentes 0 lio Em$lio 'ra , _eloisa *ires e 2idinha da il a. 4 +uarto olume V
_ist-ria, teoria, pol mica V é composto de depoimentos e ensaios de escritores, bem como
de cr$ticos e historiadores da literatura brasileira. eu prop-sito é %ornecer aos estudiosos
não apenas dados historiogr"%icos, mas também subs$dios te-ricos a respeito dessa
discursi idade etnicamente marcada. (...) 4s depoimentos, colhidos em di%erentes
momentos da pes+uisa, cont m re ela/Ces e impressCes de autores como bdias do
Nascimento e 4sFaldo de 2amargo, cu a produ/ão remonta a meados do século \\, bem
como de participantes de gera/Ces posteriores, a e7emplo de 2oncei/ão E aristo, 2uti, l ira
<u%ino, Edimilson de lmeida *ereira, Esmeralda <ibeiro e !"rcio 'arbosa. presentam
ainda os posicionamentos de Yil" 'ernd, uma das precursoras desses estudos na década de
1@AB. (D6 <?E, GB11, pp. 3L83@)
Essa antologia, principalmente em seus te7tos cr$ticos e te-ricos, ser" de grande alia
para os nossos estudos, assim como os li ros anteriormente comentados, uma e +ue neles
nos pautaremos no momento da an"lise dos te7tos +ue %a em parte de nosso corpus.
1HH
8/18/2019 Tese Padua
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3+3+ OS CASOS DE SO)A%O TRI%DADE E FRED SOU A CASTRO
3+3+*+ Solano Tr ndade e o mov mento da ne.r t0de no ras l
3+3+*+*+ Per1 l ; o; ;l o.r<1 co e l ter<r o
De todos os escritores negros, agora " atuando ligados &coleti idade negra brasileira, o +ue dei7ou presen/a mais %orte%oi olano ?rindade. (2 ! < 4, p.W@)
*ode8se, com seguran/a, a%irmar +ue olano ?rindade é orepresentante brasileiro da linhagem, & +ual se inculam osautores mencionados, caracteri ada pelo enga amento aomar7ismo e por um %orte sentimento de perten/a ao soloamericano. Estes autores pensaram a cultura das tr s
méricas como uma totalidade: ser negro é uma %orma de seramericano; ser negro americano é participar, pelamediati a/ão do discurso poético, da desconstru/ão daimagem negati a +ue a sociedade elaborou sobre ele. ('E<ND,1@AW, pp. AX8AW)
4s dados biogr"%icos +ue a+ui se apresentam %oram colhidos de biogra%ias escritas
pela %ilha do poeta, <a+uel ?rindade, uma das +uais publicada no li roSolano trindade: o
poeta do povo, editado pela Ediouro em GBBA.
olano ?rindade nasceu no dia GH de ulho de 1@BA, no bairro de ão 0osé, em <eci%e,
*ernambuco. ão seus pais: !anuel b$lio, %ilho de negra com branco, e !eren/a
(Emerenciana), %ilha de negro com $ndia. 2resceu ou indo os pregCes dos endedores
ambulantes: I4stra chegada agora9chegada agora, chegada agoraK, I^ doce, é doce o
abaca7i9é doce, é doce e é baratoK, I*itomba, tomba não tomba9chora menino por umintém9pede a papai +ue mamãe não temK, I^ mungus", t" +uentinho9o mungus"9est" bom,
ispici"K, I'anana prata9ma/ã madurinhaK, I apoti, sapot"9manga espada9manga
rosa9 apatinho =tamarac"K, I^ a bolinha de cambar"J9Dois pacotes é um tostãoK. noite,
ha ia serenatas e briga de malandros, en+uanto nas casas pe+ueno8burguesas soa a o piano.
_a ia, também, os tipos populares: I!inha elaK, I6ma e -K, I#agarti7a 'arbadaK,
I0acaré essentaK, I raraK, I!el com [guaK, I'uchechaK, I*eri+uitoK, I arapaK, IYu aK,1HL
8/18/2019 Tese Padua
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I?obinhaK e I2anela de /oK. 4 homem do carangue o e a %reguesa das bonecas de pano,
personagens +ue po oaram de encantamento a in%]ncia do menino olano.
4 Natal era caracteri ado pelos %andangos, pastoril, bumba8meu8boi, presépios,
lapinhas e mamulengos. No carna al: os %re os assourinhas, *"s Douradas, #enhadores,
?oureiros %a iam a %esta do Imenino de 4uroK, como era apelidado o seu pai, de +uem
olano amais se a%asta a nessa época. ua mãe era anal%abeta, mas para ela o aprendi de
poeta lia no elas e outras hist-rias.
=niciou seus estudos no #iceu de rtes e 4%$cios, onde %e o ho e chamado Ensino
!édio. Em 1@3L, casou8se com !aria !argarida. té 1@HB, %oi di"cono presbiteriano. Nessa
época, seus poemas eram m$sticos e uma re ista do 2olégio 1L de No embro, de aranhuns,publicou suas primeiras poesias +ue %ala am do -lgota, de ?iago e de 0oão E angelista.
Depois tornou8se socialista e eio a %ase da poesia negra.
Em 1@3X, %undou a 5rente Negra *ernambucana e o 2entro de 2ultura %ro8'rasileiro
com o pintor 'arros (4 !ulato), scenso 5erreira e o escritor 0osé icente #ima. 4 2entro
tinha por ob eti o, entre outros, di ulgar os intelectuais e artistas negros. Nele, olano
publicou seus I*oemas NegrosK. Num de seus n meros lia8se o seguinte: INão %aremos lutasde ra/as, porém ensinaremos aos irmãos negros +ue não h" ra/a superior, nem in%erior, e o
+ue %a distinguir uns dos outros é o desen ol imento cultural. ão anseios leg$timos a +ue
ninguém de boa8%é poder" recusar coopera/ãoK.
Depois passou por 'elo _ori onte e *elotas, %undando nesta, com o poeta 'alduino
de 4li eira, o rupo de rte *opular, em 1@HB. Em 1@HG, esta a no <io de 0aneiro, em 2a7ias,
onde se reunia no bar I ermelhinhoK com os amigos, tornando8se logo %igura popular.
2arrega a uma pasta cheia de poemas, de planos sobre mo imentos art$sticos e sonhos,
declama a para seus amigos: INão disciplinarei minhas emo/Ces estéticas; dei7"8las8ei &
ontade, como o meu dese o de i er ...K.
Nessa época, editou o seu li ro $oemas de uma vida simples . eu poema I?em gente
com %omeK %e sucesso nos meios liter"rios. #igou8se & pintora D anira, a 5erreira, 4scar
!eira, 5ernando 5an, !ilton <ibeiro, ldemir !artins, 'arbosa #eite, 'runo iorgi, rande
4telo, *ascoal 2arlos !agno e ntonio 'andeira.1HX
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0" desen ol endo seus dotes de pintor, participou, em 1@HG, de uma coleti a, tendo
endido seus +uadros (pela primeira e ) ao ecret"rio do o erno da ene uela e a ingleses
da [%rica do ul.
Em 1@HL, %undou o 2omit Democr"tico %ro8'rasileiro com <aimundo ou a Dantas
e 2ustodio 2orsino 'rito, depois untou8se a _aroldo 2osta para %ormar o ?eatro 5olcl-rico
'rasileiro. Dai sairia, em 1@H@, a %amosa P'rasilianaK. 2om a entrada do diretor sOanasi,
olano se a%astou por+ue o grupo estili ou8se e perdeu sua autenticidade. Em 1@LB, unto
com sua esposa !argarida ?rindade (core-gra%a e terapeuta ocupacional) e o soci-logo
Edson 2arneiro, trans%ormou um de seus sonhos em realidade, %undando o ?eatro *opular
'rasileiro, cu o lema era: Ipes+uisar na %onte de origem e de ol er ao po o em %orma de
arteK. 4 ?*' %a ia uma aut ntica arte popular e seu elenco era %ormado por domésticas,
oper"rios, estudantes e comerci"rios.
Em sua casa de 2a7ias, %oram apresentados os primeiros espet"culos ('atu+ues,
#undus, 0ongos, amba 2arioca, *astoris, 'umba8!eu8'oi, 2hegan/a, uerreiros de lagoas,
5olia de <eis, 'aião, 2andomblé, Dan/a das 5itas etc.), +ue atra$am para l" embai7adores,
artistas, ornalistas e outros intelectuais. Encontra am8se ntonio 'andeira e 0ean #ouis
'arrault, ladir, ugusto <odrigues e nibal !achado, dentre outros. 4 ?*' reali ou
espet"culos especiais para companhias estrangeiras como P2omedie 5ran/aiseP, P2ia. !arcel
!arceauP, P2ia. !adeleine <enault8 0ean #ouis 'arraultP, P4pera de *e+uimP, P2ia. =taliana
de 2omediaP e para personalidades como Edith *ia%, 0ean ablon etc.
ai a ão *ulo em 1@LH, pela primeira e , para, com o ?eatro *opular 'rasileiro,
participar das comemora/Ces do = 2enten"rio da cidade. Em 1@LL, sempre com o ?*',
olano ia ou para a Europa, onde apresentou espet"culos de canto e dan/a, deu entre istasna tele isão, participou do 2oncurso =nternacional de Dan/as *opulares e ganhou medalha
de ouro. presentou8se em est"dios para plateias de G a L mil espectadores. E7ibiu8se em
oito cidades da *olMnia e tre e cidades da ?checoslo "+uia. Na Europa, %oram %ilmadas as
dan/as para o document"rio rasil "an%as.
De olta ao <io, olano ?rindade, com o seu ?*', se apresentou nos teatros 0oão
2aetano, 2arlos omes, <ep blica, !unicipal do <io, no est"dio de Niter-i, em %aculdades,
1HW
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na tele isão e em clubes (5luminense, 2abiras, ociedade _$pica etc.). *ara il eira ampaio,
em , pais dos adilacs , olano %orneceu o material %olcl-rico, coreogr"%ico e musical. Em"e
$edro a $edro , coube a !argarida ?rindade, uma das %undadoras do ?*', ensinar o 0ongo e
'umba8!eu8'oi.
Em 1@LW, olano esta a no amente em ão *aulo. ua poesia tinha uma aguda
consci ncia de classe, mas sem -dios. *articipou com integrantes do ?*' da pe/a Jimba , de
ian%rancesco uarnieri, no ?eatro !aria Delia 2osta. eparou8se de !argarida e come/ou a
amar Dione. <eali ou espet"culos em ão *aulo para o P'alé EspanholP, P'alé !e7icanoP e
P'alé Negro mericanoP. Em 1@XB, publicou seu li ro de poemasSeis 9empos de $oesia e, no
?eatro lian/a 5rancesa, apresentou o espet"culo Sambalel( t) doente .
Em 1@X1, olano conheceu o escultor ssis, +ue o con idou para ir a Embu das rtes
(além de ssis, " esta am l" aOai, teca e 2assio !Q'oi). companhado do elenco do ?*',
apai7onou8se por Embu, sua terceira cidade. 2ome/ou então um mo imento muito sério. 4
?*' poderia Pmostrar, incenti ar e desen ol er as artes populares tradicionais do po o
brasileiro, a dan/a, a m sica, a escultura, a pintura, a poesia e todas as mani%esta/Ces
%olcl-ricasP (pala ras do pr-prio olano). presentou espet"culos no Embu e come/ou a
atrair multidCes de turistas para a+uela cidade colonial. 4 Embu %oi %icando conhecido no
mundo inteiro, atraiu outros artistas pl"sticos e, com eles, os colecionadores de arte.
Em 1@XG, publicou, pela Editora 5ulgor, o seu li roantares ao meu povo (Ppara %alar
ao po o numa linguagem +ue ele entendiaP). E dei7ou Dione para amar #>cia (a baiana).
Em 1@XL, chateado com os PpicaretasP e a comerciali a/ão +ue come/a a a aparecer
no Embu, olano %oi morar na ila Mnia e depois no 5erreira (bairros da peri%eria de ão
*aulo). oltou dois anos depois a con ite do anti+u"rio !arcos !ariano. ua casa
trans%ormou8se em um erdadeiro n cleo de arte.
Em 1@X@, olano come/a a adoecer, estado +ue se agra ou em 1@WB com a morte de
sua baiana #>cia. Em 1@W1, a arteriosclerose " esta a num estado bem adiantado e olano
era cuidado por sua %ilha, a pintora <a+uel, e pelo escultor icente de *aulo. Em 1@W3,
<a+uel %oi para o <io e pediu a sua mãe, !argarida, +ue o le asse para o <io também, no
+ue %oi prontamente atendida. 4 poeta, no entanto, contraiu uma pneumonia e %oi internado1HA
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por !argarida e sua %ilha odi a em uma cl$nica de anta ?ere a, onde %aleceu, no ano
seguinte, sendo enterrado em 0acarepagu".
té ho e, em Embu das rtes, o ?eatro *opular olano ?rindade, dirigido por <a+uel
?rindade e itor ?rindade, continua a apresentar os espet"culos de dan/a e canto +ue tanto
notabili aram seu grande criador.
"rios intelectuais se pronunciaram a respeito de ?rindade e de sua poesia: IEis um
grande *oeta Negro. ão conhecer alguém, os +ue não conhecem (poucos, de em ser muito
poucos), um leg$timo poeta Negro. %am$lia não é grande. tualmente est" +uase toda na
mérica do Norte, com o es muito altas (entre as +uais a maior k a patente e pro%unda o
de #angston _ughes). No inter alo centro8americano, h" também alguns representantes.Nicolas uillén, o principal. No 'rasil, #ui ama, saldo dos gemidos das sen alas, e o gigante
2astro l es, sem pigmentos na epiderme, mas Negro em "rios poemas e na de%esa da ra/a
escra i adaK. ssim %alou *aulo rmando. 2orsino de 'rito di : Io poeta olano ?rindade é
poesia em ess ncia, a ser i/o de uma causa; trans%ormismo dos na ios negreiros em brados
de sonoridade alti a. olano ?rindade com *ablo Neruda %ormam uma dupla Idi%erenteK na
poesia americana; são os maiores poetas do No o !undo por+ue compreenderam, mais +ue
os outros, a arte como a ersão natural aos na i8%ascismosK. IEntre os raros poetas negros
+ue conhe/o neste 'rasil mesti/o, olano ?rindade é o +ue melhor me satis%a . *or+ue
olano ?rindade não se encerrou na torre de mar%im da arte pura e tampouco escre eu
poesia negra com linguagem de Pnegro8brancoK, desses +ue se en ergonham de abordar o
t$pico das ga%ieiras e das macumbas como legitimas e7pressCes do anseio estético e da
misteriosa espiritualidade negra. Ele é Negro, sente como Negro, e como tal cantou as dores,
as alegrias e as aspira/Ces libert"rias do a%ro8brasileiro. *ara mim olano ?rindade é o brado
da ra/a, o maior poeta Negro do 'rasil contempor]neoK. ssim %alou bdias do Nascimento.
<ecebeu cumprimentos, também, de ergio !illiet, rthur <amos, Nestor de _olanda
e, de 2arlos Drummond de ndrade, essas elegantes pala ras: I leitura de seus ersos deu8
me con%ian/a no poeta +ue é capa de escre er P*oema do _omemP e I4 canto dos
*almaresP. _" nesses ersos uma %or/a natural e uma o indi idual, rica e ardente, +ue se
con%unde com a o coleti aK. (2arlos Drummond de ndrade, <io de 0aneiro, G de de embro
de 1@HH.)1H@
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3+3+*+3+ Solano Tr ndade e a ne.r t0de no ras l
Entre os raros poetas negros +ue conhe/o neste 'rasil mesti/o,olano ?rindade é o +ue melhor me satis%a . *or+ue olano
?rindade não se encerrou na torre de mar%im da arte pura etampouco escre eu poesia negra com linguagem de Pnegro8brancoK, desses +ue se en ergonham de abordar o t$pico dasga%ieiras e das macumbas como legitimas e7pressCes doanseio estético e da misteriosa espiritualidade negra. Ele éNegro, sente como Negro, e como tal cantou as dores, asalegrias e as aspira/Ces libert"rias do a%ro8brasileiro. *ara mim
olano ?rindade é o brado da ra/a, o maior poeta Negro do'rasil contempor]neo. ( bdias do Nascimento9<io de 0aneiro,W de setembro de 1@HHin ?<=ND DE, GBBA, p.GL)
*oeta da no a gera/ão, olano ?rindade é uma das melhorese7pressCes r$tmicas do Nordeste.
*ernambucano e de origem humilde, seus ersos e seusescritos possuem um animado colorido %olcl-rico, alori ado,entretanto, pelo cunho uni ersalista +ue transparece da suapoesia social, com a +ual descre e a ida nos mucambos e as]nsias das classes des%a orecidas +ue padecem da mesma%orma em +ual+uer parte do mundo. (4 2ensitario9<io de0aneiro, 1 de no embro de 1@H3in ?<=ND DE, GBBA, p.GX)
olano trindade escre eu os seguintes li ros: $oemas dBuma vida simples (1@HH);Seis
tempos de poesia (1@LA);antares ao meu povo (1@X1), com G edi/ão aumentada em 1@A1;
além de GB poemas in: !eredas , re ista de letras da 6ni ersidade de ão *aulo, n 1,
setembro de 1@W@;Solano trindade: o poeta do povo , editado pela Ediouro em GBBA;9em
gente com fome (em %ormato in%anto8 u enil), em GBBW; e$oemas antológicos de Solano
9rindade, de GB11, o +ual tomamos como base para an"lise nesta pes+uisa.
^ interessante notar +ue os li ros mais completos da obra de ?rindade são Solano
9rindade: o poeta do povo , editado pela Ediouro em GBBA, com 1A3 poemas di ididos em
+uatro partes intituladas pelos organi adores por cadernos: 1 *oemas sobre o negro, G
*oemas de cunho pol$tico8social, 3 *oemas de amor e H *oemas sobre a ida do poeta.
Essa edi/ão tra ainda algumas %otos do poeta e do ?*', além de "rios depoimentos de
intelectuais brasileiros e estrangeiros sobre a sua obra, nomes como os de <oger 'astide,
rthur <amos, 2arlos Drummond de ndrade, entre outros. E o outro é a antologia da Nova1LB
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Alexandria, de GB11,$oemas antológicos de Solano 9rindade , uma sele/ão e introdu/ão de
Yenir 2ampos <eis. Essa edi/ão também é di idida em cap$tulos: 1 ida, nossa ida; G
Deuses e ra$ es; 3 %lor da pele; e o H <esist ncia e luta. antologia é composta de 1BW
poemas e tem ilustra/Ces da %ilha do autor <a+uel ?rindade.
2omo se , as duas antologias t m o mesmo n mero de di isCes, +ue no %undo se
e+ui alem tematicamente, mesmo +ue assinaladas algumas di erg ncias, tal e por
aprecia/Ces de cunho pessoal por parte dos editores. !esmo nos apoiando nas di isCes
estabelecidas pelas duas edi/Ces, por uma +uestão did"tica da pr-pria pes+uisa, em irtude
do en%o+ue +ue estamos perseguindo desde o seu in$cio, adotaremos a seguinte se+u ncia
para a an"lise dos poemas de olano ?rindade: a) 4 cantor de sua gente; b) 4 poeta entre
Deus e os 4ri7"s; c) 4 poeta e seus amores; e d) olano ?rindade e o mo imento da
negritude a%ro8brasileira.
Em seu li roNegritude: usos e sentidos , `abengele !unanga, nascido na <ep blica
Democr"tica do 2ongo e naturali ado brasileiro, pro%essor da 6 *, estabelece algumas
considera/Ces +ue ulgamos importantes na interpreta/ão da poesia negra %eita no 'rasil,
notadamente a de olano ?rindade, especi%icamente relati as ao termo INegritudeK, criado
por imé 2ésaire e +ue tem gerado uma série de pol micas.
!unanga toma como $cones das no as gera/Ces negras +ue surgirão ao longo do
século \\ os nomes de R. E. '. Du 'ois (n. em 1AX3), doutor em 5iloso%ia e secret"rio do
*rimeiro 2ongresso *an8 %ricano, reali ado em #ondres, em 1@BB, tendo sido, até ho e,
aclamado como o Ipai do pan8a%ricanismo contempor]neoK. egundo o pro%essor da 6 *,
I*or ter de%endido a olta &s origens, Du 'ois merece também o nome de *ai da NegritudeK.
Nascido nos Estados 6nidos da mérica, de%endia a luta dos negros americanos pelos seusdireitos como cidadãos da+uele pa$s e, ao mesmo tempo, instiga a os a%ricanos a se
libertarem dentro de sua pr-pria terra. Di ia Du 'ois: I ou negro e me glori%ico deste nome;
sou orgulhoso do sangue negro +ue corre em minhas eias...K.
4 outro é #angston _ughes, poeta e militante do chamado I<enascimento NegroK,
precursor do mo imento da INegritudeK, em 5ran/a, encabe/ado por 2ésaire e enghor,
%icou bastante conhecido com o seu %amoso poema IEu também sou a méricaK: I?odos os
1L1
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tantãs do mato batem no meu sangue. ?odas as luas sel agens e %er entes do mato brilham
na minha almaK.
Em 1@3G, surgiu a re istaLégitime "éfense , iniciati a de alguns estudantes negros
antilhanos (^tienne #éro, <ené !enil, 0ules !onnero e outros) (c%. !6N N , L1). eguindo
os passos dos criadores do mo imento da <enascen/a negra norte8americana, esses o ens
rebelaram8se contra os anos de escra idão a +ue %ora sub ugado o po o negro e impuseram
uma o de assun/ão de suas origens e das aspira/Ces do po o oprimido.
Em 1@3L, surgiriaLBHtudiant Noir , +ue também se opunha & Ipol$tica de assimila/ão
culturalK, sendo seus criadores: I imé 2ésaire, +ue criou a pala ra negritude, o guianense
#eon Damas e o senegal s #éopold edar enghor, cercados de #eonard ain ille, ristide!augée, 'irago Diop, 4usmane oce e dos irmãos chilleK. egundo !unanga:
4 e7ame da produ/ão discursi a dos escritores da negritude permite
le antar tr s ob eti os principais: buscar o desa%io cultural do mundo negro
(a identidade negra a%ricana). protestar contra a ordem colonial, lutar pela
emancipa/ão de seus po os oprimidos e lan/ar o apelo de uma re isão das
rela/Ces entre os po os para +ue se chegasse a uma ci ili a/ão não
uni ersal como a e7tensão de uma regional imposta pela %or/a V mas uma
ci ili a/ão do uni ersal, encontro de todas as outras, concretas e
particulares. (GB1G, p.LG)
ão ob eti os desses o ens intelectuais negros a busca da identidade a%ricana, a
re ei/ão ao assimilar8se, o re%or/o da pree7ist ncia de uma cultura a%ricana e a sua
e+ui al ncia com a ocidental, da$ 2ésaire rede%inir anegritude em tr s pala ras: identidade,
+ue consubstancia8se no orgulho de ser negro; %idelidade, +ue Irepousa numa liga/ão com a
terra8mãe, cu a heran/a de e, custe o +ue custar, demandar prioridadeK; e solidariedade,
sentimento de união entre todos os po os negros.
<ele adas as pol micas geradas pelas "rias isCes sobre a Negritude, notadamente
as +ue en ol em 2ésaire e enghor, podemos a%irmar, e assim nos assegura !unanga:1LG
8/18/2019 Tese Padua
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crise desperta no negro um dese o de a%irma/ão cada e maior.
6ltrapassando os limites da literatura, a negritude aspira ao poder, anima a
a/ão pol$tica e a luta pela independ ncia. cria/ão poética torna8se um atopol$tico, uma re olta contra a ordem colonial, o imperialismo e o racismo. 4
mo imento da negritude deu um igoroso impulso &s organi a/Ces pol$ticas
c aos sindicatos a%ricanos, esclarecendo8os na sua caminhada &
independ ncia nacional. 2on+uistadas as soberanias, continuou a ser ir na
causa da unidade a%ricana, ao mesmo tempo +ue o%erecia um +uadro
ideol-gico a partir do +ual seus protagonistas, tornados homens de Estado,
iam pensar o desen ol imento econMmico e social e abordar o sistema derepresenta/ão dos alores culturais de seus respecti os pa$ses. (GB1G, p.LL)
2reio +ue podemos %alar, então, +ue " se passaram +uase AB anos das primeiras
discussCes a respeito da Negritude: seus alores, suas pol micas, seus erros e acertos e sua
rami%ica/ão no resto do mundo, en%ocando, portanto, um pouco o seu desdobramento no
'rasil. *ara !unanga (GB1G, p.LW), citando 'ernard #echerbonnier, Ias di ersas de%ini/Ces danegritude oscilam entre duas interpreta/Ces antinMmicas: uma m$tica e outra ideol-gicaK.
primeira acep/ão, como se pode pre er, estaria oltada para o passado a%ricano, os seus
prim-rdios, no sentido de Ire itali ar a realidade a%ricanaK tão modi%icada pelos ocidentais,
para não di er ilipendiada. outra encontra seu sustent"culo nos ensinamentos mar7istas e
busca a/Ces e%eti as +ue promo am os ensinamentos necess"rios no pensamento do
a%ricano a %im de +ue este estabele/a as mudan/as %ulcrais no seio da sociedade, abrindo
no os hori ontes e apontando com eem ncia para as ma elas dei7adas pela coloni a/ão.
inda segundo !unanga, essas duas concep/Ces não são incoerentes: IEn+uanto
mito, interpreta8se a negritude como realidade oltada ao passado, sonhadora e
contemplati a, eg-latra e autossu%iciente, não de combate, pro etada para o %uturoK, essa
isão %oi insistentemente combatida por 5anon, mas !unanga chama a aten/ão para algo
+ue soa bastante cr$ el e não estaria tão des inculado das teorias do pensador martinicano:
I s linhas8%or/a +ue serão pensadas para a %rente e usti%icadas pela an"lise da situa/ão1L3
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presente pertencem & ideologia (de luta), mas podem ter sucesso +uando apoiadas por uma
ontade coleti a, re%le7o de um passado real ou m$ticoK (GB1G, p.LA).
=nteressa8nos até a$ essa discussão por conta de +ue a poesia a ser analisada, em
seguida, embora boa parte dela ei ada desses conceitos, segue suas particularidades: a
situa/ão social (+uer +ueiramos ou não), o locus, a cultura, a pol$tica, a linguagem, a religião
e os ob eti os. egundo *ires #aran eira, a poesia brasileira +ue %ala da [%rica, inclusi e a de
1@GG, não sugere +uase nada desse continente: I^ eleita (a [%rica) como s$mbolo ou $cone,
uma [%rica ausente (imagin"ria e %antasiosa +uando ultrapassa a mera nomea/ão) e o negro,
por+ue mais pr-7imo, encarna a representa/ão +ue do continente imaginam os +ue nenhum
conhecimento dele t mK (1@@L, p.HB). crescenta ainda o ensa$sta portugu s +ue a [%rica
não passa de um adorno poético ou Iuma pura ilusão li rescaK.
'uscamos, por isso, atra és de 'ernd, construir uma de%ini/ão para a e7pressão
Negritude ou, ao menos, situ"8la dentro do conte7to brasileiro a partir do século \\.
ensa$sta inicia seu discurso sobre o assunto com duas perguntas: I1) ^ poss$ el %alar em
negritude em rela/ão ao conte7to brasileiro G) *oder" este termo recobrir a totalidade das
tend ncias +ue os mo imentos negros apresentam no 'rasil K. *ara respond 8las, 'ernd
parte para %a er a distin/ão entre negritude (com min scula) e Negritude (com mai scula).
em desconhecer os "rios mo imentos de insurrei/ão de negros +ue permearam os anos de
e7ist ncia do 'rasil colMnia ea posteriori , não encontramos, na altura dos mo imentos a +ue
aludimos atr"s (nos E6 , na Europa e na [%rica), mesmo ap-s a cria/ão em 1@3B da 5rente
Negra 'rasileira85N', a Irei indica/ãoK do termo negritude por parte dos intelectuais
brasileiros.
_ou e o surgimento da imprensa negra, em 1@1L, ainda a %unda/ão do ?eatroE7perimental do Negro8?EN, por bdias do Nascimento em 1@HH, o ?eatro *opular 'rasileiro8
?*', criado por olano ?rindade em 1@HA e o !o imento Negro 6ni%icado 2ontra a
Democracia <acial9!N62D<, depois trans%ormado em !N6, simplesmente, em 1@WA, além
de muitos outros, com ob eti os claros de rea%irma/ão da ra/a negra.
egundo 'astide, a negritude no 'rasil não te e um car"ter de I olta & mãe8[%ricaK.
Nem poderia, ha a ista a conte7tuali a/ão ImultirracialK, o +ue %a ia o mo imento inserir8se
1LH
8/18/2019 Tese Padua
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num prop-sito maior Inacional multirracialK a %a or da melhoria de ida do proletariado
brasileiro em geral, e é nesse conte7to +ue ai se in%iltrar a poesia de olano ?rindade.
#amenta 'astide: IEu gostaria de poder a%irmar +ue a Negritude a+ui %oi a tomada de
consci ncia de um nacionalismo brasileiro por brasileiros de ancestralidade a%ricanaK('E<ND, 1@AW). e amos o +ue di a pr-pria ensa$sta:
chamos, portanto, +ue se pode %alar, em sentido lato, em uma ertente
brasileira da negritude +ue não é um mo imento estan+ue, mas um
%enMmeno +ue ocorre em di%erentes culturas (E6 , ntilhas, U%rica, mérica
do ul), com di%erentes condi/Ces sociais, e7primindo8se em "rias l$nguas,
portanto essencialmente migrat-rio e não sincrMnico.
?entar er os atuais mo imentos brasileiros, +ue oltam8se sobre si mesmos
para %abricar uma autoimagem, com um sistema de asos comunicantes,
como o canto poli%Mnico da negritude, poder" a udar a entender melhor a
realidade da literatura negra e da pr-pria literatura brasileira. (1@AW, p.3A)
s pala ras da estudiosa corroboram com o nosso pensamento e iluminam a nossa
caminhada na an"lise +ue ha emos de %a er sobre os poetas olano ?rindade e 5red ou a
2astro. creditamos, como 'ernd (1@AW), +ue a poesia negra é, em geral, possuidora de uma
ertente e7tremamente particulari ada, & procura de uma identidade pr-pria, sem, porém,
omitir8se dos elementos estéticos +ue tornam um te7to e%eti amente liter"rio. 2remos,
também, +ue a identidade não est" alicer/ada na cor da pele, embora reconhe/amos a sua
import]ncia na e7pressão negritudinista brasileira. *ara 'ernd: I6ma identidade alicer/adana cor da pele, isto é, num dado empiricamente eri%ic" el, é uma identidade de primeira
ordem. 4u a+uela +ue se d" na super%$cie, admitindo uma correla/ão inerente entre
caracter$sticas raciais e produ/ão de cultura, o +ue é, como " a%irmamos, cienti%icamente
%also, tendo originado posi/Ces racistas +ue atribu$ram & ra/a n-rdica pretensa
superioridade.K (1@AW, p.3@).
0ulgamos, por se tratar de um trabalho de doutoramento, importante a %ala de <enato
1LL
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4rti como sustenta/ão de nossas con ic/Ces, uma e +ue o re%erido pro%essor e escritor
go a de asto prest$gio entre a comunidade intelectual brasileira e internacional. 4rti
assinala +ue os mo imentos negros atuais Ibuscam %ormas concretas de e7pressCes culturais
para integr"8las e reinterpret"8las dentro de uma perspecti a mais amplaK. *ara ele, a culturaa%ro8brasileira integra em um todo coerente Ias pe/as %ragmentadas da hist-ria negra V
candomblé, +uilombos, capoeira V os intelectuais (agentes) constroem uma identidade negra
+ue uni%ica os atores +ue se encontra am anteriormente separados. identidade é, neste
sentido, elemento de uni%ica/ão das partes, assim como %undamento para uma a/ão
politica.K (in 'E<ND, 1@AW, p.H1).
ssim, a poesia de +ue nos ocupamos en ereda pelo caminho das descobertas ou
redescobertas da identidade poética de +uem a pratica, com %inalidades pr-prias, pensadas a
partir de um eu para ser repartida entre "rios eus componentes de uma coleti idade +ue
pode não ser apenas &+uela +ue di ou impCe a Iminha perten/aK, sendo esta, embora, uma
%orma de a%irma/ão do eu pr-prio diante do outro. *assemos, então, & an"lise poética a er o
+ue ela nos propCe como %onte de comunica/ão, de deleite, de contesta/ão, de den ncia, de
re olta e de comunhão.
a7 O cantor de s0a .ente
I*inta pinta pintainhoYorra me orra
ue " est" %orraola sapato
<ei rainhaDebai7o da camaDa camarinhaK
2omo parece esta lua com a+uele outro luarue +uando pe+ueno i lua esta a amarela
<odeada de estrelas*ra minha in%]ncia a sorrir
I2ru 2ru 2ru elhinha do nguK
2omo sublime é lembrar1LX
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+uela cena singelaDa mamãe toda cur ada'atendo de mão em mão?" +uente ou t" %ria( olano ?rindade)
0" disseram +ue os poemas simples tendem a perder sua +ualidade estética, e é
poss$ el +ue sim; podem, no entanto, esses poemas tornar8se mais populares, mais lidos,
mais ou idos e, pela sua pr-pria estrutura e linguagem, mais de idamente compreendidos,
cabendo ao poeta a escolha do caminho a trilhar, mas a partir do momento em +ue a
academia passa a er com outros olhos esses poetas, &s e es, aparentemente simples, e a
preocupar8se com sua obra, é sinal de +ue algum e%eito estético a ultou, pro ocando a+uilo
+ue os te-ricos russos chamaram de IestranhamentoK.
^ tal e o +ue este a acontecendo com alguns poetas, de "rias nacionalidades, +ue
s- agora t m sua obra sob olhar cr$tico das uni ersidades, o caso olano ?rindade por
e7emplo, +ue " tem uma meia d ia de teses a seu respeito, todas empenhadas em não
dei7ar o autor a perder8se no ostracismo das belas letras.
<oger 'astide, pes+uisador %ranc s da cultura negra brasileira, assim se re%ere a
alguns poemas de ?rindade +ue lhe %oram en iados pelo pr-prio poeta: I4 senhor %a dos
seus ersos uma arma, um to+ue de clarim, +ue desperta as energias, le anta os cora/Ces,
combate por um mundo melhorK (c%. ne7os). 4 pr-prio cr$tico se di apreciador de I*oemas
+ue reali am uma s$ntese entre o passado e o %uturo, entre as aspira/Ces de reis
proletari ados e as can/Ces do %olclore, entre o amor moderno, a sombra das chaminés de
usina, e o amor m$stico, sob o olhar dos 4ri7"sK. E acrescenta I2reio, de %ato, +ue o progresso
não de e destruir o +ue h" de grande e l$rico na cultura tra ida outrora da [%rica, e +ue de etornar8se uma heran/a comum a todosK. 4bser emos +ue 'astide come/a por chamar o
poeta de IinauguradorK de uma no a concep/ão poética. diante %a , porém, uma
ad ert ncia: I?al e possam lhe repro ar certa limita/ão do ocabul"rio e do ritmoK, por+ue
é e7atamente a simplicidade +ue coroar" a +uase totalidade da obra de ?rindade, e o %a de
%orma consciente, pois é do pr-prio poeta o seguinte depoimento de 1@X1 e apenso ao li ro
Solano 9rindade: o $oeta do $ovo:
1LW
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K pesar de tudo +ue tenho ou ido e lido sobre poesia, resultado das teses e
debates nos congressos de poetas e cr$ticos, não me sinto disposto a mudar
de linha, de sair do caminho popular de minha poética. em +uerer discutir
o alor dos herméticos concretistasS, dada$stasS, etc. (eruditos donos da
cultura ocidental), pre%iro le ar ao meu po o uma mensagem, em
linguagem simples, em e de uma mensagem ci%rada para um grupo de
intelectuais. ?enho pelos homens de cultura uma grande simpatia, se am
modernos ou acad micos; tenho aprendido muito com todos eles, atra és
dos seus li ros e das suas con ersas, porém a minha poesia continuar" com
o estilo do nosso popul"rio, buscando no negro o ritmo, no po o em geral
as rei indica/Ces sociais e pol$ticas, e nas mulheres, em particular, o mor.
gradam8me pro%undamente os t$tulos de poeta negroS, poeta do po oS,
poeta popularS, &s e es ditos de modo depreciati o, mas +ue me dão uma
consci ncia e7ata do meu papel de poeta na de%esa das tradi/Ces culturais
do meu po o, na luta por um mundo melhor. 6nir o 6ni ersal ao <egional,
num poema participante ou amoroso, num erso de protesto ou ternura,
mas em pala ras bem compreens$ eis. V uem me ou ir, ou/aK. olano
?rindade, ão *aulo, ulho de 1@X1.
Essas são pala ras de um homem consciente de seus ob eti os e a par do +ue se
passa no mundo acad mico e das teorias eruditas sobre o %a er poético, mas pre%ere uma
poesia mais le e e comunicati a, menos rica do ponto ista ocabular, mais e7pressi a, no
entanto, do ponto ista lingu$stico. 2omo di 'astide: Io +ue para alguns cr$ticos é um
de%eito, para outros V para os +ue eem na *oesia uma PmensagemP V ser", ao contr"rio,uma +ualidade, tornando poss$ el uma mais r"pida compreensão dos poemas e uma a/ão
mais e%ica K. *articularmente, congratulamo8nos com o escritor %ranc s, +uando escolhemos
a poesia de olano ?rindade para contrapor & dos poetas angolanos gostinho Neto, nt-nio
0acinto e iriato da 2ru , por pura identi%ica/ão com sua poética, o +ue não nos tira o direito
de apreciar um 5ernando *essoa ou um 0oão 2abral de !elo Neto. ?omemos como ponto
inici"tico o poema I d ert nciaK:
1LA
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_" poetas +ue s- %a em ersos de amor
_" poetas herméticos e concretistas
en+uanto se %abricam bombas atMmicas e de hidrog nio
en+uanto se preparam
e7ércitos para guerra
en+uanto a %ome estiola os po os...
Depois
eles %arão ersos de pa or e de remorso
e não escaparão ao castigo
por+ue a guerra e a %ome
também os atingirão
e os poetas cairão no es+uecimento...
(p.1W)
parentemente, simples, diria singelo, numa isão metalingu$stica cortante, o poeta
%a a Iad ert nciaK aos companheiros de escrita, podendo ser inclusi e uma autor8
reprimenda, pois ele pr-prio h" de se deliciar em belos ersos de amor, como se er". Ele, o
poeta, se intitula o cantor de sua gente, por isso a reprimenda geral, mas é +ue, apesar das
guerras e da %ome, a ida também é %eita de coisas boas: na in%]ncia, pode8se des%rutar das
Ihist-rias de ?rancosoK, com Irei e rainhaK, com Ibichos +ue %alamK, suas I*rincesas
encantadasK, como bem e7empli%ica I ben/am papai, +ue bicho é esse K, embora essas
lendas, na o do poeta, tenham sempre uma conota/ão de cr$tica social.
4s poemas I'arca u anaK, I'umba8meu8boiK, I*au de seboK e I*apai NoelK
representam esses cantos, %olguedos, %estas populares, carregados de %iguras e7-ticas, como
I!inha elhaK, I6ma e -K, I#agarti7a 'arbadaK, 0acaré essentaK, I raraK, I!el com
[guaK, I'uchechaK, I*eri+uitoK, I arapaK, IYu aK, I?obinhaK e I2anela de /oK, ou
e7ercedoras de algum o%$cio popular como a parteira ID. !icaelaK. ^ desse mundo +ue nasce
a poesia de ?rindade, como ele pr-prio se re%ere no poema I'umba8meu8boiK:
1L@
8/18/2019 Tese Padua
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'umba8meu8boi
Da minha in%]ncia
I eu capitãoK
!inha %antasia
I!ateu 'astiãoK
*rimeiro poema
ue o po o me deu.
!inha maldade
Não ha ia nascido
!eus problemas
?a am pra nascer
*assa am mulheres
!elancia eu pedia
ueria era er
gira%a a ema
o 'oi a burrinhaD. 2atirina
eu rreli+uim
*assa am mulheres
Eu +ueria era doce
E mendubim
inha a madrugada
?udo acaba a
*assa am mulheres
Eu ia dormir.
(GB11, p.G3)
*oemas +ue lembram !anuel 'andeira de I=rene no 2éuK, de I!eninos 2ar oeirosK,
e de I*ro%undamenteK, entre outros, carregados de ternura, alegria e de triste a muitas
e es. _a ia, também, muito respeito pela morte, como no poema IDomingo triste na1XB
8/18/2019 Tese Padua
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'arreiraK, em +ue o eu di : I4 domingo %oi triste9Não hou e ogo9Nem a escola
ensaiou...K(GB11, p.G@). Em ?rindade, a poesia %unciona como alimento espiritual do poeta,
desde +ue atenda, primeiro, as necessidades sociais dos in usti/ados, é bem erdade. 5ala o
poeta: I_o e estou e7uberante9estou poroso de poesia9como o liberto9recém8sa$do dacadeiaK, eu I alori o o homem +ue passaK, pois IEm tudo h" gra/aK, por isso I_o e estou
e7uberanteK e Iporoso de poesiaK (GB11, 33). ^ um certo rego i o por ser um poeta, essa
condi/ão narc$sica, e é, também, uma maneira de autoa%irma/ão.
^ também um poeta oltado para as +uestCes %amiliares, o labor pra eroso do pai:
I ino do ter/o repicando9e meu pai batendo sola9brincando de trabalhar ...K(GB11, p.GA), as
icissitudes nas recorda/Ces do dia de seu nascimento, em I4 poema de mamãeK, carregado
de plasticidade, num ogo meta%-rico dos contrastes +ue caracteri am a e7ist ncia humana,
em +ue I'ach 2hopin 'eetho enK se misturam ao som das I2rian/as brincando de
roda9gente discutindo a re olu/ãoK. o mesmo tempo, dir" o poeta: I!inha %am$lia é
incont" el9eu tenho irmãos em todas as partes do mundo (...) no 4riente e no 4cidenteK,
então Ipor +ue estreitar o mundo a um larK, h" uma necessidade de ampliar o territ-rio
%amiliar: I4hJ *ares, inde para +ue eu baile9e possa conhecer todos os meus9parentesK
(GB11, p.3W), uma e +ue o poeta não se de e render apenas ao particular, pois sua %am$lia éa congrega/ão de todas as pessoas IdignasK. _" sempre um %undo social nos poemas +ue se
reportam ao %olclore, como detectamos nas ant$teses e met"%oras de I*au de seboK:
obser emos o Isobe9desceK, pois a Ia ida é um pau de seboK, no Ipau de sebo da idaK, h"
Iaplausos9 aiaK, bem como Icru eiros9pancadaK(GB11, p.HA), é um eterno IsubirK e bai7ar,
como nos aconselham os percal/os da pr-pria e7ist ncia.
4s poemas I*apai NoelK e I*ara +ue imK rati%icam o car"ter desconstrutor e
reconstrutor da realidade: o I*apai NoelK +ue nos apresentam não nos ser e, é preciso
substitu$8lo por outro, da mesma %orma +ue en+uanto hou er Iamea/a de guerraK, eu não
posso estar a I%a er lindos bu+u sK (GB11, pp. LB8L1), mais uma e o poeta sub ertendo a
ordem de sua poesia.
ida simples %amiliar é retomada e ai ser re%letida na sua Ipoesia duma ida
simplesK, como %ala o pr-prio poeta, mas não nos enganemos +ue essa ida se a realmente
simples, o simples não podendo ser sinMnimo de acomoda/ão, de subser i ncia, de1X1
8/18/2019 Tese Padua
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subalternidade. 2om essa poesia, o eu continua a saudar Ios +ue amam a liberdade9sem ter
medo de prisCes e %u ilamentosK(GB11, p.LL) (Ele pr-prio te e um %ilho $tima da ditadura
militar de 1@XH), a cometer erros gramaticais, e h" nele a certe a de +ue Is- morrerei
depoisK, como di o eu: I?enho o manhã o mor e a *oesiaK; por isso, Icada dia +uepassa9eu %ico mais o em9os elhos morrem9e eu s- ou morrer9depois do manhã...K.
*restemos bem aten/ão a esta ltima e7pressão Io manhãK, +ue é uma personi%ica/ão de
algo abstrato +ue h" de se concreti ar, poderia estar até em outro bloco, mas o pre%erimos
a+ui. Em olano ?rindade, até um I elho trapoK ira poesia de utilidade.
os LB anos de sua e7ist ncia, o poeta escre e o poema I idaK, uma espécie de
autoa alia/ão dos anos passados, presta/ão de contas, em +ue percebemos o mesmo eu
l$rico: a cantar a ida, suas bele as e agruras, a %alar de si, a cantar as saudades por onde
passou e em +ue i eu: I*elotas9*rincesa do ulK, ou I<io de 0aneiroK, ou I<eci%eK
relembradas em I2an/ão & minha cidadeK, ou I4lindaK e al ador da I'aianinhaK. Nesses
poemas, amos encontrar um eu mais solto, mais le e, mesmo +ue em determinados
momentos imponha uma postura de den ncia e re olta, mas ainda são ersos para o deleite
da alma. Nessa perspecti a, assim se re%ere #eda !aria !artins: INa+uela época, "
amea/ado pela doen/a, solit"rio e triste, es+uecido dos becos, bares e batu+ues, da alegria u enil +ue marcara grande parte de sua ida, olano, em seus ltimos poemas, escre e
como se ditasse um in ent"rio da ida, da sua poesia, de sua arte, de suas utopiasK. E nos d"
como e7emplo os ersos: Io tempo olta numerado92ontando hist-rias9Di endo
erdades9Esti e muitas e es preso9*erdi um %ilho na ca%ua9Na epidemia9Dos
acidentes92om um tiro no cora/ão9(eu " era card$aco)9Nunca endi o meu
pensamento9Nem em prosa nem em erso9?i e um amor em cada %ase da ida9Nunca matei
ninguém95i alguns poemas 9*u7ei loas em grande parte do mundo.K (D6 <?E, GB11, p.3@B).!ais adiante a ensa$sta comenta os ep$tetos dados ao poeta, &s e es utili ados de %orma
carinhosa, outras nem tanto, como %oi o caso, também, de inicius de !oraes, alcunhado de
IpoetinhaK, termo ei ado de ambiguidade. *ara !artins: IDe %ato h" oscila/Ces na produ/ão
poética de olano. !as h" também uma urgente necessidade de re isão de muitos poemas e
de uma edi/ão cr$tica de sua obra, inclusi e para %i7a/ão de poemas +ue, em algumas
publica/Ces, apresentam di%eren/as signi%icati as de ortogra%ia.K(GB11, p.3@A). Essas
Ioscila/CesK apontadas por !artins %oram por n-s detectadas e corroboramos com o seu1XG
8/18/2019 Tese Padua
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pensamento, sendo preciso um trabalho %ilol-gico sobre sua obra, a %im de corrigir essas
impure as.
;7 O ,oeta entre De0s e os Or /<s
De%orma/ão*rocurei no terreiro4s antos DS[%ricaE não encontrei,
- i santos brancos!e admirei ...
( )
gora47um, eman ", 4gum,^ ão 0orge,
ão 0oãoE Nossa enhora da 2oncei/ão.
'asta NegroJ'asta de de%orma/ãoJ(GB11, p.WG)
4 percurso religioso de ?rindade é bem parecido com o de gostinho Neto, pois
ambos come/am cristãos, depois tornam8se ateus. 4 primeiro chega a ser di"cono, como
imos; Neto, a protestante metodista, pro a elmente in%luenciados pela %am$lia como s-i
acontecer. o +ue nos parece, o contato com o pensamento mar7ista e a ida pr"tica
permeada de in usti/as e iol ncia contra, principalmente, o po o negro desen ol em nesses
homens de pensamento, nesses poetas, uma isão mais clara da sociedade, muitas e es
mascarada pela a/ão religiosa, imprimindo nesses esp$ritos, muitas e es, uma rai a
incontida.
o analisarmos o primeiro bloco dos poemas de ?rindade, é %or/oso esclarecer,
percebemos +ue estão um pouco distantes da te +ue mati a os poetas angolanos
anteriormente trabalhados, notadamente gostinho Neto, mais pr-7imos de um iriato da
2ru , com I elhinha do anguK, o I'um 'um 'umK e I*regCes do <eci%e antigoK, mas não
1X3
8/18/2019 Tese Padua
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+ueiramos uma unidade absoluta entre esses poetas, é preciso compreender +ue os
conte7tos são bastante d$spares, por+uanto enuncia/ão e enunciado também d$spares, mas
em +ue eles se apro7imam - h" di erg ncias ou h" congru ncias entre eles ^ o +ue
tentaremos responder até ao %inal desta pes+uisa.
Neste bloco, composto de 1H poemas: I0aboatãoK, I'aianinhaK, IDe%orma/ãoK,
I_ist-ria para crian/aK, I!acumbaK, INoite de eman "K, I4lorum EO K, I4lorum hanuK,
I*lagiando o No o ?estamentoK, I\angMK, I0ana$naK, I6ma negra me le ou a DeusK, I4utra
negra me le ou & macumbaK e I'atucadaK, a poem"tica de ?rindade trilhar" uma seara no a:
a dos deuses ori7"s, tema não contemplado pelos poetas da Mensagem, algo %acilmente
e7plic" el, uma e +ue o tema est" ausente de sua mundi id ncia, en+uanto no 'rasil
e7erce um poder de a%irma/ão do negro de capital import]ncia. egundo *ierre erger:
presen/a dessas religiCes a%ricanas no No o !undo é uma conse+u ncia
impre ista do tr"%ico de escra os. Escra os estes +ue %oram tra idos para os
di%erentes pa$ses das méricas c das ntilhas, pro enientes de regiCes da
[%rica escalonadas de maneira descont$nua, ao longo da costa ocidental
entre eneg]mbia e ngola. *ro enientes, também, da costa oriental de!o/ambi+ue e da ilha de ão #ouren/o, nome dado nessa época a
!adagascar.
Disso resultou, no No o !undo, uma multidão de cati os +ue não %ala a a
mesma l$ngua, possuindo h"bitos de ida di%erentes religiCes distintas. Em
comum, não tinham senão a in%elicidade de estar, todos eles, redu idos &
escra idão, longe das suas terras de origem.
Desde muito cedo, ainda no século \ =, constata8se na 'ahia a presen/a de
negros bantu +ue dei7aram a sua in%lu ncia no ocabul"rio brasileiro. Em
seguida, eri%ica8se a chegada de numeroso contingente de a%ricanos,
pro enientes de regiCes habitadas pelos daomeanos (g ges) e pelos iorub"s
(nagMs), cu os rituais de adora/ão aos deuses pareceram ter ser ido de
modelo &s etnias " instaladas na 'ahia.
(...)1XH
8/18/2019 Tese Padua
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s con ic/Ces religiosas dos escra os eram entretanto colocadas a duras
pro as +uando de sua chegada ao No o !undo, onde eram bati ados
obrigatoriamente Ipara sal a/ão de sua almaK e de iam cur ar8se &s
doutrinas religiosas de seus mestres.(GBBG, pp. GG8G3)
s pala ras do pes+uisador %ranc s, +ue morou muitos anos na 'ahia e conheceu de
perto a [%rica, ser em para re%or/ar o +ue " é sabido sobre as su ei/Ces a +ue %oram
submetidos os negros escra os tra%icados para o 'rasil, tendo sido obrigados, inclusi e, a
aceitar o sincretismo como %orma de burlar a ordem estabelecida e manter as suas tradi/Ces.
2abe a+ui alertar, como %ala erger, +ue hou e uma m tua in%lu ncia entre as di ersas etnias
chegadas ao 'rasil, principalmente no campo religioso, ao +ue nos parece ser o culto dos
ori7"s desconhecido dos negros tra%icados de ngola e s- na mérica ad+uirido a partir do
contato com as outras etnias, particularmente a iorub".
No poema I0aboatãoK, +ue poderia estar no bloco anterior, pre%erimos lig"8lo a este
pelo seu car"ter combati o & religião o%icial, embora sustentemos a postura de um Estado
laico. Em I'aianinhaK, +ue é também um poema de amor, pro a elmente um dos amores do
poeta, mas +ue pre%erimos a+ui, " +ue enri+uecido de re%erentes relacionados ao mundo do
candomblé, pala ra de origem banto, +ue designa na 'ahia as religiCes a%ricanas em geral
(GBBG, p.31). I'aianinhaK tra em si as comidas t$picas como o I atap"K, o Idoce de cocoK,
o a eite de Idend K +ue ser em de o%erenda aos deuses ori7"s, além da dan/a e da m sica e
dos elementos sagrados: Ipatu"K e ItamborK, como um I%eiti/o de =ansãK, simboli ando
assim um ritual do I2andombléK, mas um candomblé particular Ida minha madrugadaK,
possuidor de uma caracter$stica especial: de Ire olu/ão de cubaK e de Iliberta/ão do 2ongoK,
reentr]ncias da negritude pan8a%ricanista, com um sabor bem brasileiro, algo muito comum
na poesia de ?rindade.
4 poema IDe%orma/ãoK é o rep dio ao sincretismo religioso +ue impCe a supremacia
dos deuses brancos, é a re ei/ão da subalternidade, a tão dese ada o de pi aO, solta com
maior eem ncia em I_ist-ria para crian/aK. 4 poema I!acumbaK é uma espécie de
mistura, como outros do poeta, das %iguras dos ori7"s, com a dan/a e com a m sica,
1XL
8/18/2019 Tese Padua
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marcando a inicia/ão ou insinua/ão amorosa, tal e um %ator di%erenciador das duas
religiCes: cat-lica9candomblé. 4s ersos curtos e seu ritmo musical nos le am a essas %estas
populares, muito comuns na 'ahia, no <io e em *ernambuco. !acumba tanto pode ser o
ritual do candomblé, +uanto um trabalho ou até mesmo um instrumento de percussão, é dese notar, também, a e7pectati a i ida pelo eu, o seu deslumbramento com a %igura
%eminina: I!ulata cai no santo9corpo %ica belo9mulata cai no santo9seus peitos %icam
bonitos9Eu %ico com ontade de amar...K (GB11, p.WW), onde Icai no santoK representa o ser
possu$do pelo ori7". eman " ser" tema em outros dois poemas INoite de eman "K, em
celebra/ão pela passagem de ano, e I0ana$naK.
I4lorum EO K e I4lorum hanuK são dois poemas +ue e ocam o mito da g nese
iorub", " +ue, segundo erger, ,lóOrum ou ,lódPmarQ , ou simplesmente ,lorum ou
,lodumaré , é considerado o Ideus supremoK e não um ori7", é um deus distante, inacess$ el
e indi%erente &s preces e ao destino dos homens. ^ um ser supremo %ora do alcance da
compreensão humana e est" acima de todas as conting ncias de usti/a e de moral.
INenhum culto lhe é destinado. Ele criou os ori7"s para go ernarem e super isionarem o
mundo. ^, pois, a eles +ue os homens de em dirigir suas preces e %a er o%erendas.
,lód<marQ , no entanto, aceita ulgar as desa en/as +ue possam surgir entre os ori7"sK.(GBB1, p.G1)
No primeiro poema, o eu e oca a entidade suprema no sentido de identi%icar8se
como um seu descendente, primeiro como poeta, portanto, também uma di indade: IEu sou
o poeta do po oK e I minha bandeira9^ de cor de sangueK +ue é a cor Ida re olu/ãoK,
tal e uma re%er ncia ao socialismo leninista9mar7ista, depois esclarece: I!eus a -s %oram
escra osK e IEu ainda sou escra oK, porém Ios meus %ilhos não serãoK(GB11, p.AB), sentencia
categoricamente como o %e gostinho Neto em muitos de seus poemas.
4 segundo poema é a o do griot a contar a hist-ria da g nese a%ricana num
bilinguismo +uase +ue did"tico a tornar sua mensagem compreens$ el e compreendida,
dentro de um esp$rito ritual$stico, passo a passo, até +ue IDe noite9^ 47um9 o lado das
estrelas9Embele ando94batal"94lorum hanuK, %inali ando o te7to assim sem nenhum sinal
de pontua/ão, o mesmo acontecendo com o poema anterior, isso nas duas antologias
citadas. ?al e isso não tenha muito alor, mas o %inal de I4lorum hanuK nos passa uma1XX
8/18/2019 Tese Padua
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ideia de continuidade ou de pausa para a continuidade do processo de cria/ão do mundo
m$tico a%ricano.
4 poema I*lagiando o No o ?estamentoK, di idido em tr s estro%es, possui,
igualmente, tr s dimensCes: a primeira é a ele a/ão do amor carnal ao n$ el di ino, o +ue
para os mais religiosos poderia soar até como uma heresia, o poeta, no entanto, de%endendo
a grandiosidade do ato amoroso, como coisa di ina; a segunda, é a re olta contra a+uele
+ue, desobedecendo os ensinamentos b$blicos, procura sempre ter mais em %ace do pobre
+ue nada tem; e a terceira, reser ada para as %iguras b$blicas de nanias e sua esposa a%ira,
mostra +ue, mesmo dentro da =gre a primiti a, " ha ia a corrup/ão, o descumprimento dos
alicerces de uma sociedade erguida nas bases da igualdade, por isso, para esses +ue tiram do
po o, s- e7iste uma sa$da I*aredãoJ *aredãoJK(GB11, p.A3), sentencia um eu implac" el, é o
+ue sucede ao casal in%iel aos princ$pios de Deus. Na erdade, ?rindade se apropria do te7to
b$blico e %a , não um pl"gio, como indica o t$tulo, mas uma brilhante interte7tualidade,
%ormando uma e7egese do No o ?estamento, de onde tira suas pr-prias conclusCes, num
te7to +ue re+uer uma certa %orma/ão e sapi ncia para não se perder em suas entrelinhas.
Em I\angMK, pre alece o car"ter memorialista, saudosista das hist-rias contadas pelo
griot a respeito de seus deuses, o eu poético ou e o canto I!ariM 9!ariM
"9=eman 9 eman "K, é um canto InagMK, +ue em do I7angM da baianaK, +ue pode muito
bem ser uma casa de candomblé, " +ue 7angM, em *ernambuco, designa, segundo erger, o
con unto de cultos a%ricanos praticados nesse estado (GBBG, p.13@). No poema, o c]ntico,
indo desse terreiro, e oca as saudades de [%rica representada por seus elementos:
I eman ", nagM, "gua a%ricana e 7angMK, o pr-prio clima e oca essa I iagemK m$tica, senão
ou/amos o poeta: I té a lua canta a,9E dan/a a,9Este canto nagM,94 mar suspira a,94 mar
solu/a a,9Era "gua a%ricana9Na praia do *ina9No 7angM da baianaK(GB11, p.@G.)
Em I6ma negra me le ou a DeusK e em I4utra negra me le ou & macumbaK, temos
dois poemas +ue re%letem bem o poder +ue a %igura %eminina e7erce sobre o poeta ao ponto
de condu i8lo ao encontro religioso, é a mulher, como em tantos outros poetas, ele ada a
s$mbolo de sedu/ão, na erdade, é ela a pr-pria personi%ica/ão de IDeusK: I li esta a o
Deus9+ue eu procura aK(GB11, p.1G3); no outro poema, a condu/ão é também a um templo
religioso: I\angM da 'aianaK, (não mais a Iigre aK), onde se cultua a ImacumbaK: ritual1XW
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religioso do po o a%ricano de <eci%e, nessa outra negra o +ue en ol e o eu l$rico é a
oluptuosidade, não mais o recato, atentemos para esses ersos: IDan/a a no corpo9 ue
lindo o andarK, e Itinha um cheiro no corpo9+ue me le ou ao pecado95altei com respeito9ao
seu 4ri7"K, o eu se dei7a possuir, pois I eus seios bonitos9pula am no ritmo9do ataba+ue9edo agogM95ui pra casa da negra95omos os dois pro céu99<ecebi o santo9do corpo da negra9e
%i+uei o maior dos 4gans9e passei a ca alo9de 4batal"...K, essa possessão ele ando o eu a um
del$rio tal +ue ele se Io maior dos 4gansK, o maior dos che%es dentro do ritual do
candomblé, mais: o erdadeiro Deus criador do mundo e dos homens, o pr-prio I4batal"K, o
mesmo +ue 4runmil". Noutra ertente, podemos encontrar 4b&t"l" %ormando a trindade
m"7ima dos Deuses criadores ao lado de s e vr nmil".
4bser emos +ue o eu passa a ser Ica aloK de 4batal", ou se a, elégwn, o +ue recebe
o 4ri7". _", no entanto, algumas ersCes em +ue o Deus supremo não monta o elégwn, na de
*ierre erger por e7emplo, re%erindo8se a 4runmil".
I'atucadaK é o ltimo poema dessa série, mas +ue poderia estar em outra, da
mesma %orma +ue I6ma negra me le ou a DeusK e I4utra negra me le ou & macumbaK
poderiam estar entre os de amor, %uncionando a+ui apenas uma +uestão did"tica. Nesse
poema, o +ue predomina é a den ncia, & época, da persegui/ão &s religiCes a%ricanas:
I'ranco adora o Deus +ue +uer,9 !as o negro não pode não,9?em de adorar Deus de
branco94u sinão ai pra prisão ...K (GB11, p.13B). 2om rela/ão & batucada, o uso de
instrumentos musicais nos rituais das religiCes a%ricanas, em todas elas (e +ue est" presente
na poesia de todos os poetas a+ui retratados, mais especi%icamente em gostinho Neto,
olano ?rindade e também em 5red ou a 2astro), erger salienta o seguinte:
No in$cio da %esta, tr s ataba+ues de tamanhos di%erentes, denominados
rum, rmpi e lé, acompanhados de um sino de percussão, o agogM, tocam
apelos ritmados &s di ersas di indades. Esses ataba+ues apresentam uma
%orma cMnica e são %eitos com uma nica pele, %i7ada e esticada por um
sistema de cra elhos para os nagMs e os g ges, e por cunhas de madeira
para os tambores ngomas, de origem congolesa e angolana
(...)1XA
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No caso de um desses ataba+ues ser derrubado ou cair no chão durante
uma cerimMnia, esta é interrompida por alguns instantes, em sinal de
contri/ão.
(...)
4s ori7"s são recebidos com gritos e lou ores e, em seguida, %a em a
sauda/ão aos ataba+ues, ao pai ou & mãe8de8santo, aos IogãsK do terreiro
sendo, %inalmente, le ados pelas IeOedisK ao Ipe $K do seu deus. (GBBG, pp.
W18W3)
5a/o essa cita/ão para +ue %i+ue clara a import]ncia dos instrumentos musicais e da
dan/a na %orma/ão geral do po o a%ricano, o +ue re%lete pro%undamente em sua arte como
um todo. 0" o dissemos antes, mas nunca é muito reiterarmos essa rela/ão +ue t m esses
elementos na %orma/ão do po o a%ro8brasileiro.
c7 O ,oeta e se0s amores
Eu gosto de ler gostando,go ando a poesia,como se ela %osseuma boa camarada,dessas +ue bei am a gentegostando de ser bei ada.
Eu gosto de ler gostando
go ando assim o poema,como se ele %osseboca de mulher purasimples boa libertadaboca de mulher +ue pensa...dessas +ue a gente gostagostando de ser gostada.( olano ?rindade)
poesia amorosa de ?rindade é m ltipla e contrastante, e nessa multiplicidade
aparece como elemento central: o ser humano, como ser uni ersal, espiritual, mas a mulher,1X@
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no +ue di respeito ao amor %$sico, é a %igura central, a$ se re ela um eu, no di er de Yenir
2ampos <eis, Im"sculoK, uma rela/ão literal Imacho8% meaK, mas também Io
companheirismo, comunhão de corpo e sentimento, b ssola da e7ist ncia, a+ui tradu ido na
terminologia musical: IcantoK, Im sicaK, IritmoK.
E, ao lermos o poema em ep$gra%e IEu gosto de ler gostandoK, em & mem-ria <oland
'arthes em seu , pra1er do texto , por+ue em ?rindade, principalmente nesta parte, é tudo o
+ue 'arthes +uis di er em seu li ro com rela/ão ao ler com sabor, o %ruir das pala ras, o go o
como coisa carnal, tal como nos poemas I cabocla +ue eu +ueriaK, I mensagem do poetaK,
I mar é uma constante em mimK, I mor, amor, sempre amorK, I ida me deu uma negraK,
I musa e a poesiaK, I rosa ermelhaK, I s amadas de minha ternuraK, I'alada molenga a
uma negra dengosaK, I2a%unésK, I2anto & amadaK, I2anto & musa ceroulaK, I2irandinha da
idaK, I2rian/aK, IEu gosto de ler gostandoK, I0ana$naK, I#inda negraK, ImandingaK, I!eu
canto ao marK, I!eu grande amorK, I!inha missãoK, I!ule+ueK, I!ulher em preto e
brancoK, INegra bonita de a ul e brancoK, I4 mar também é casadoK, I mulata pastorinhaK,
I4 tempo ogou prata na minha cabe/aK, I*oeticamente pol$gamoK e I*rimeira loa do
amanhecerK.
2omo dissemos, a mulher é, na maioria desses poemas, a %igura central, mais ainda, a
mulher negra, mulata ou cabocla, sempre enaltecida e lembrada a partir do cancioneiro
popular, ha a ista muitos desses poemas serem pass$ eis de musicali a/ão; para ?rindade I4
poeta é um mensageiro da idaK ( ) IE no homem9Est" a maior mensagem da ida...K, mas
também I mensagem do poeta95ala do corpo da mulherK, isso I*or+ue a mensagem do
poeta9 em do entre da mulherK(GB11, p.@L), a%irmando ele: I4 ser humano é a minha
bandeira9Esta é a minha arteK. 4 amor, então, aparece como %im absoluto da ida, e, como
disse Drummond, I4 tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a
ida presenteK, a matéria de ?rindade é o I mor, amor, sempre amorK e I?odo amor é de
agora...9Não e7iste amor %uturoK.
_" "rios poemas para celebrar tão somente o amor, poemas descontra$dos, +ue
re elam um eu poético pol$gamo: I^ necess"rio criar muitas musas9para +ue a poesia não
pareK(GB11, p.1BB), ele pr-prio a%irmando: IEu sou poeticamente pol$gamo9 mo
inumer" eis musas9e elas não são iguais...K. Declara8se o eu, mas o +ue era apenas1WB
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IpoeticamenteK, se re ela de repente: Ih" grande aria/ão9entre as amadas9e nos seus
olhares9encontro inspira/Ces di ersas9e nos seus corpos9di%erentes per%umesK(GB11, p.1GL),
pois a%inal o amor também é se7o, além, é claro, de pure a, sensibilidade e consci ncia,
assim como di o eu: Ino corpo9le arei o sol do meu se7o9nas mãos9a pure a dascrian/as9nos pés a sensibilidade dos bailarinos9na cabe/a a consci ncia do séculoK(GB11,
p.1B1). Noutro momento, a guerra, a %ome, a dor e a miséria entram em concorr ncia
+uando o eu l$rico +uer %alar de amor: I ou desdobrar8me em ternura9 " +ue não tenho
%or/as9para e7terminar as guerras9a dor9 a miséria, a %ome...K, a$ retoma o eu: I ou
abra/ar9as minhas amadas9 ou bei "8las ternamente9sentir seus olhos, seus
seios9es+uecendo +ue h" uma guerra no ietnã9in usta guerra contra um po o %aminto9+ue
luta por liberdadeJK (GB11, p.1BG), +uando não, ele se dei7a le ar pelo canto ma ioso de4r%eu entre IdengosK e Ica%unésK, a%inal: I ou !olengo9!olengo92heio de dengoK (GB11,
p.1BH).
Neste bloco, gostaria ainda de destacar os poemas I0ana$naK, I!eu canto ao marK, I4
mar também é casadoK, +ue nos condu em ao cancioneiro popular mar$timo, tema tão caro
a 0orge mado e Dori al 2a>mmi e +ue tanto %re+uentou a poética de nt-nio 0acinto, 4
*oeta do ?arra%al. e amos alguns trechos desses poemas: I4hJ Eu não sou marinheiro94hJNão sou homem do mar9mas 0ana$na me persegue9pras aguas +uer me le ar9Não me le es
prSas "guas90ana$na dona do marK. 4u IEu tanto %alei ao mar,9+ue o mar me
atendeu,9!andou a minha amada,9'em pra unto de mim,9*ra +ue ela me conte,9_ist-ria
da ida simples,9Do bairro dos meus amores,9En%eitado de co+ueiros,9Da ida dos
pescadoresK, ou I uero bei ar minha amada,9 uero os seus l"bios bei ar9 uero +ue a
amada me bei e92omo a areia bei a o marK. ão poemas compostos em ersos +ue ariam
entre cinco e sete s$labas, o +ue lhes d" uma tend ncia para a musicalidade, como ocancioneiro medie al ou como as can/Ces de 2a>mmi: I^ doce morrer no mar9nas ondas
erdes do marK.
1W1
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d7 Solano Tr ndade e o mov mento da ne.r t0de a1ro-;ras le ra
!eu canto de guerra
Eu canto na guerra,2omo cantei na pa ,*ois o meu poema^ uni ersal.^ o homem +ue so%re,4 homem +ue geme,^ o lamentoDo po o oprimido,Da gente sem pão ...^ o gemidoDe todas as ra/as,
De todos os homens^ o poemaDa multidãoJ( olano ?rindade)
Neste bloco, englobamos os poemas +ue, para n-s, de uma %orma ou de outra, são
representati os de uma poss$ el INegritudeK brasileira +ue, como imos, tem em olano
?rindade o seu primeiro cantor. <eunimos a+ui: I ben/am Dindinha #uaK, I manhã ser"
melhorK, I'olinhas de gudeK, I2hamadaK, I2ontrastesK, I2on oca/ãoK, IEsperemosK, I5. da*.K, I ra ata coloridaK, I#amentoK, I!eu canto de guerraK, I!ulher barrigudaK, INicolas
uillénK, I4 canto da liberdadeK, I4 drama do circoK, I*oema autobiogr"%icoK, I?em gente
com %omeK, I?em gente morrendo, naK, I elho ataba+ueK, I<eencarna/ãoK, I?ristes
maracatusK, I?o+ue de reunirK, I<ainhas e escra asK, I2anto dos *almaresK, I2i ili a/ão
brancaK, I2ongoK, I2on ersa com #uciK, IEu +uero maracatucarK (musicado por $tor
?rindade), I!aracatu da boneca de ceraK, INa io negreiroK, INegrosK, I*regCes do <eci%e
antigoK, I uem t" gemendo K, I<eminisc ncias soltasK, I ou negroK, IYumbiK (musicado por$tor ?rindade) e I i a a rapa iada da canela su aK, num total de 3W poemas, sempre nos
detendo na+ueles mais substanciais &s +uestCes da INegritudeK.
Em todas as pes+uisas +ue %i emos, parece ha er uma unanimidade em apontar
olano ?rindade como o primeiro poeta negro da moderna poesia brasileira, negro na cor e
na assun/ão do ser8se negro de corpo e alma, bem como na poesia e na arte +ue %e e
de%endeu até os ltimos dias em +ue i eu, como bem atesta o poema I ou negroK:1WG
8/18/2019 Tese Padua
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46 NE <4
ou Negro
meus a -s %oram +ueimados
pelo sol da [%rica
minhxalma recebeu o batismo dos tambores
ataba+ues, gongu s e agogMs.
2ontaram8me +ue meus a -s
ieram de #oanda
como mercadoria de bai7o pre/o
plantaram cana pro senhor do engenho no o
e %undaram o primeiro !aracatu.
Depois meu a M brigou como um danado
nas terras de Yumbi
Era alente como +u
Na capoeira ou na %aca
escre eu não leu
o pau comeuNão %oi um pai 0oão
humilde e manso
!esmo o - não %oi de brincadeira
Na guerra dos !al s
ela se destacou
Na minhyalma %icou
o samba
o batu+ue
o bamboleio
e o dese o de liberta/ão
(GB11, pp. 1XG81X3)
*oema emblem"tico da Negritude brasileira, inteiramente ligado aos ideais propostos1W3
8/18/2019 Tese Padua
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pelo grupo da Mensagem angolana. ?rata8se, no entanto, não de um a%ricano, mas de um
negro brasileiro +ue se reconhece um pr-7imo dos irmãos poetas angolanos: I2ontaram8me
+ue meus a -s ieram de #oandaK. _" no eu poético toda uma heran/a de [%rica:
Iminhxalma recebeu o batismo dos tambores9ataba+ues, gongu s e agogMsK e isso é moti ode orgulho, mesmo +ue seus a -s tenham seguido para o 'rasil Icomo mercadoria de bai7o
pre/oK, como escra os, pois %oi a$ +ue eles I%undaram o primeiro !aracatuK. ão moti os de
orgulho, também, a participa/ão de seu a M nas lutas empreendidas pelo destemido l$der
Yumbi e a de sua a - INa guerra dos !alésK, contrastando assim com a %igura do Ipai
0oão9humilde e mansoK, tão di ulgada na literatura brasileira; é, portanto, esta heran/a +ue
eio de [%rica +ue %ormar" a personalidade do poeta: INa minhyalma %icou9o samba9o
batu+ue9o bamboleio9e o dese o de liberta/ão...K. !arcas +ue também amos encontrar nospoemas dos poetas da Mensagem angolana.
4 poema IYumbiK, da mesma %orma +ue a <ainha in a para os a%ricanos natos, ser"
o grande her-i da resist ncia negra no 'rasil, e *almares, a [%rica americana, s$mbolos de
liberdade, muitas e es e ocados por tantos outros poetas brasileiros de "rias épocas.
*almares ser" tema do grande poema de ?rindade +ue analisaremos mais & %rente. 2omo
anuncia o poema em ep$gra%e, a poesia negritudinista de ?rindade se rami%ica em pan8a%ricanista, da negritude, do proletariado e dos in usti/ados e miser" eis de um mundo
desa ustado, independentemente da cor, como imos também em Neto. Estamos diante de
poetas +ue seguem uma linha mar7ista, cu o ob eti o é a de%esa do direito das classes
oprimidas. Notemos, pois, +ue é uma poesia uni ersal, podendo ser cantada Ina guerraK ou
Ina pa K, mas oltada para I4 homem +ue gemeK e I+ue so%reK, pois I^ o lamento9Do po o
oprimido9Da gente sem pão...9^ o gemido9De todas as ra/as,9De todos os homens9^ o
poema9da multidãoK.
ssim, também, eremos, em I ben/am Didinha #uaK, o car"ter socialista da di isão
dos bens, em +ue o eu, de %orma carinhosa, se dirige & I#uaK pedindo o m$nimo Ipão com
%arinhaK para ameni ar a %ome Ida humanidadeK, e I!uita muita liberdadeK, pois o
trabalhador est" I empre a trabalharK, nos IcamposK, nas I%"bricasK, também INos
hospitaisK e Inas cadeiasK, então o poeta se +uestiona: I uais as esperan/as9Do
trabalhador K(GB11, pp. 1A81@), tal e as de I0orginhoK do poema I'olinhas de gudeK. Não1WH
8/18/2019 Tese Padua
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nos parece, no entanto, esse o pensamento do poeta. Em determinados momentos, a %im de
combater as ini+uidades e e itar a %orma/ão de outros I0orginhoK, o eu se pCe em
con ocat-ria, como em I2hamadaK, em +ue o poeta é intimado a participar da constru/ão
do no o mundo; a%inal ele (o poeta em si) é +uem conhece Io segredo da idaK, o +ue see7ige dele não é a comisera/ão, por isso em I2on oca/ãoK(GB11, p.GX), poema mar7ista em
linha direta, congruente com a linha netiana, o eu se assume I2ontra o %ascismo,K e con oca:
I!archemos, camaradas,9 #iberdade nos chama,9*ara o dia de amanhãK. I#iberdadeK
est" gra%ada com letra mai scula, instando a +ue não se comportem, parece clamar o eu,
como a+uele +ue dorme até I s de K, en+uanto ou e Io pisar %orte dos trabalhadores9sobre
o barro mole da estrada.9 ão pegar o trem das +uatroK(GB11, p.GL), repetindo o eu:
I!archemos, camaradas,9?eremos a nossa parte9Na sal a/ão do mundoK, +uando Neto dir"com mais n%ase: I s minhas mãos colocaram pedras9nos alicerces do mundo9mere/o o meu
peda/o de pãoK(1@AW, p.W@), e esse merecer não é um pedido de esmola, é uma e7ig ncia
%actual, como " dito mais acima.
imos atr"s +ue, em determinados momentos, ?rindade, ao in és de %alar de amor,
%a o in erso, %ala de outra coisa, como acontece com o poema IEsperemosK(GB11, p.3B), o
+ue seria um poema de amor sub ertendo8se num de den ncia da crueldade dos homens,das in usti/as, pois essa concep/ão poética est" em primeiro lugar, o poema para a amada
pode esperar, o de den ncias, não. 4 poeta +ue se comporta de %orma contr"ria é um I5. Da
*.K (GB11, p.3B), é a total o eri a & poética de gabinete. Na mesma linha, temos I ra ata
coloridaK: a poesia como pr"7is social, isto +ue a%inal o poeta tem o poder de escutar o
Ilamento do homemK, enha de onde ier, pois, como di a ep$gra%e, I!eu canto de guerraK
também é de pa . ^ sempre bom %risar +ue, embora cante o drama particular do negro, o
poeta estende sua pala ra a todos os oprimidos, é de Itodas as ra/asK, é Ida multidãoK,re%orcemos.
2omo em Neto, o mundo e ocado é sempre o da pa , o eu est" sempre preocupado
com a+ueles +ue hão de ir (I!ulher barrigudaK), ha a ista a imprecisão do mundo %uturo, a
incerte a +ue cerca o destino +ue ai ter a no a gera/ão, por isso I4 canto da liberdadeK se
opera como or"culo dos no os tempos, é um Icanto +ue %a ibrarK e I+ue est"
penetrando9em todos os ou idos...K, esse canto é, também, uni ersal. 2omo imos atr"s,1WL
8/18/2019 Tese Padua
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os poetas angolanos dialogam com o poeta do INegrismoK cubano Nicolas uillén, ao ponto
de di ulgar seus poemas em suas re istas e antologias ao lado de um #angston _ughes.
?ambém ?rindade h" de %a er esse di"logo no poema8di"logo INicolas uillénK. 2abe, antes,
a+ui ressaltar +ue o poeta cubano este e por +uatro e es no 'rasil, numa delas %oi saudado,na '#, pelo poeta !anuel 'andeira: I grande no idade dessa poesia é +ue nela o negro
não entra mais apenas como curiosidade %olcl-rica, como elemento de pitoresco, e sim como
realidade racial. ocial e *ol$tica, como %ator essencial no processo da ida cubana, como
irmão degradado e escra i ado +ue urge redimirK. (*ronunciada na cademia 'rasileira de
#etras) (1@AX, pp. 1X81A). Essa cita/ão ser e para +ue tenhamos uma dimensão real do
signi%icado de uillén e de sua poesia para o campo intelectual brasileiro da época. Essas
pala ras de 'andeira %oram pronunciadas na cademia 'rasileira de #etras no ano de 1@HW,+uando o poeta cubano, em passagem pelo 'rasil, %icou hospedado na casa de 2]ndido
*ortinari e come/ou a escre er a IElegia a 0es s !enende K, tendo sido saudado por outros
escritores brasileiros como 2arlos Drummond de ndrade. %ala de 'andeira %oi publicada
no li ro S ngoro osongo e outros poemas, tradu/ão de ?hiago de !ello, pela editora
*hilobiblion, na +ual consta parte de uma entre ista concedida por uillén (1@BG81@AW) a
0aime arusO>, amuel 5ei -o, 5rancisco ar -n 2espedes, 2iro 'ianchi e Nanc> !ore -n e
+ue consta em nossas indica/Ces bibliogr"%icas.
?rindade, como sabemos, nasceu em 1@BA, no <eci%e e morreu no <io em 1@WH,
sendo, portanto, contempor]neo de uillén e também %a sua sauda/ão, como o %a em
nossos irmãos de [%rica acima estudados. No poema espec$%ico do poeta brasileiro,
diretamente nomini%icado INicolas uillénK, o eu l$rico apro7ima8se de uillén, como se
apro7imam os poetas a%ricanos em geral, incluindo os da di"spora, em som, ritmo e dan/a,
como a +uerer repeti8lo em sua cad ncia %Mnica, para irmanarem8se em suas ang stias easpira/Ces, acompanhados implicitamente pelos instrumentos de percussão meta%ori ados
no ritmo do poema: INicolas9Nicolas uillénK e INicolas9Nicolas uillénK, e INicolas
uillén9Nicolas uillén9NicolasK, entre um som e outro, +ue podem caracteri ar um coro de
o es e a o denunciadora do poeta a sussurrar ao ou ido do Iirmão de 2ubaK as ma elas
+ue a%etam o 'rasil e os brasileiros, e +ue são similares &s +ue a%etam 2uba e os cubanos,
esse encontro de o es sendo capitaneado pelos elementos +ue unem os tr s po os V
I'atu+ue macumba sambaK(GB11, p.H1) V, podendo até arriscar8se di er +ue o poema é um1WX
8/18/2019 Tese Padua
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erdadeiro aporte do I%onetisno cubanoK. ^ claro +ue esta, digamos assim, soni%ica/ão
poética, caracter$stica de toda poesia, é uma especi%icidade da+uela origin"ria do continente
a%ricano, ao menos com mais eem ncia, como di o pr-prio uillén em t$tulo de um de seus
li ros: antos para soldados sones para turistas , em +ue o canto representa o ato dacomunica/ão, o tornar comum entre poeta9mensageiro e o soldado9interlocutor da
mensagem, não apenas sons perdidos no "cuo. Eles representam, como nos in%ormam, em
"rios de seus poemas, os nossos poetas a+ui trabalhados, inclusi e ?rindade, I4 canto de
liberdadeK, como di o poeta: I4u/o um no o canto9+ue sai da boca9de todas as ra/as9com
in%inidade de ritmos...K, em erdade, repetimos I^ o canto da liberdadeK (GB11, p.H3).
No poema I4 drama do circoK, o poeta desconstr-i a m"7ima grega de Ipão e circoK
muito utili ada pelos pol$ticos para enganar o po o. 4 eu se declara a %a or da tomada de
consci ncia das massas, nica %orma de alcan/ar a tão sonhada liberdade, como reitera em
outro poema autobiogr"%ico: IEu sou um trabalhador94u i o ritmo das caldeiras ...94bedeci
ao chamado das sirenes ...9!orei num mocambo do Q'odeQ9e ho e moro num barraco na
a de ...9Não mudei nada ...K(GB11, p.LG). poesia de olano é um di"logo, como " dito,
com outras poéticas, e assim o são todas as artes, por isso mesmo e7igindo +ue nos
detenhamos mais especi%icamente num ou noutro poema em an"lises interte7tuais, como éo caso de I?em gente com %omeK, poema +ue te e grande repercussão & época de sua
primeira publica/ão e mereceu uma edi/ão especial, com ilustra/Ces de !urilo e 2intia, para
as crian/as.
I?em gente com %omeK, em correspond ncia direta com o I?rem de %erroK, de
'andeira, " a+ui aludido, I2omboio a%ricanoK, de Neto, e I2astigo pro 2omboio malandroK,
de 0acinto, ai, mais uma e , sub erter a leitura do de 'andeira e apro7imar8se dos de Neto
e de 0acinto, senão e amos: 4 trem de ?rindade é o I?rem su o da #eopoldinaK (GB11, p.LA),
assim como o de Neto é I#ento caricato e cruelK (1@AW, p.XB) e o de 0acinto é ImalandroK. 4
de 'andeira, um hino honomatopaico, tra Ica%é com pãoK e d" até I ontade de cantarK,
e oca, portanto, coisas alegres, en+uanto o do poeta do maracatu re ela +ue I?em gente
com %omeK, no mesmo diapasão honomatopaico do de seu conterr]neo. mbos, parece8nos,
encontram8se no <io de 0aneiro, s- +ue um, mais rom]ntico, delicia8se com as reminisc ncias
de seu Itrem de %erroK, ?rindade, mar7ista +ue era, en7erga o trem de seu momento1WW
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presente, +ue corta todas as esta/Ces dos sub rbios do <io, le ando a gente, assim como o
dos angolanos le a os IcontratadosK para o trabalho Iescra oK, o Itrem su o da #eopoldinaK
le a a gente pobre dos sub rbios (I?antas caras tristes9 uerendo chegar9Em algum
destino9Em algum lugarK) e, +uando nas esta/Ces, " +uase parando Icome/a a di er:9 e temgente com %ome9Dai de comer...9 e tem gente com %ome9Dai de comer...9K, é estupidamente
interrompido pela ordem +ue I4 %reio de ar,9?odo autorit"rio,9!anda o trem
calar:9*siuuuuuu...K, +uebrando assim, abruptamente o ritmo encantat-rio do poema,
por+ue não h" gra/a alguma, não h" deleite, não cabem a+ui, com todo respeito ao grande
poeta !anuel 'andeira, suas can/Ces %olcl-ricas tão saudosamente tra idas & mem-ria
poética: I uando me prendero9No cana i"92ada pé de cana9Era um o%ici"94M...9!enona
bonita9Do estido erde9!e d" tua boca9*ra matar minha sede94M...9 ou mimbora oumimbora9Não gosto da+ui9Nasci no sertão9 ou de 4uricuri94M...K. %inal I2a%é com pão é
muito bomK, como di o trem de 'andeira. obre este poema e amos o +ue di #eda !aria
!artins:
4 poema de olano parodia os ersos de I2a%é com pãoK, de !anuel
'andeira. E sub erte a alegria +uase in%antil dos rumores do trem +ue, em
'andeira, alude, pela onomatopeia, ao ca%é8com8pão de uma gorda,
let"rgica e pregui/osa maria8%uma/a. Este cede lugar, no poema de olano, a
um trem cansado, de uma cinesia ner osa, ironicamente habitado pela
%ome. paisagem buc-lica e rural de 'andeira, amaciada pelas alitera/Ces
sua es e gostosas do gingado pregui/oso, é in adida pelo mais pobre
h"bitat suburbano, da ona norte carioca, na +ual os nomes das esta/Ces do
trem metonimicamente e ocam a %ome, a miséria, a su eira e a triste a dos
lugares e dos su eitos. (...)
4 ritmo elo e magro é marcado pelas s$ncopes e pela predominancia das
tMnicas, +ue re%or/am o reordenamento e7igido na ltima estro%e (I se tem
gente com %ome9d" de comerK ), imediatamente silenciado pela estrid ncia
da repressão marcada pelas sibilantes sonoras da ltima estro%e: (GB11,
p.HBH)
1WA
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*arecidos na %orma, re elam8se completamente opostos +uanto ao conte do. !esmo
na %orma, nem o poema de ?rindade tem o car"ter l dico9r$tmico do de 'andeira, nem
poderia ser di%erente; o +ue Neto, 0acinto e ?rindade pretendem é incursionar o leitor numa
no a ordem poética, imaginando +ue todos eles " ti essem conhecimento do te7to9matri ,publicado em 1@3X, na IEstrela da manhãK, o +ue nos parece absolutamente pro " el. No
mesmo ritmo de I?em gente com %omeK, amos encontrar I?em gente morrendo, naK,
dedicado a na !ontenegro (grande ati ista do I!o imento 5emininoK, %iliada ao *2' e,
como o poeta, enga ada nos mo imentos contra o racismo e as in usti/as sociais), este
poema re elando a perple7idade de um eu diante da banalidade da morte, um eu sem
alternati as, sem %or/as para mudar o curso dessa hist-ria, isso é o +ue, implicitamente, nos
inspira o ritmo alucinante de suas redondilhas menores repetidas 1@ e es nas +uatroestro%es +ue compCem o poema, (metade do n mero total dos ersos).
0" %alamos a+ui da import]ncia dos instrumentos musicais para a cultura a%ro8
brasileira, não nos custa muito, s- para rati%icar, estabelecer um paralelo entre dois poemas,
um de ?rindade e outro de Neto, respecti amente: I elho ataba+ueK e INa pele do tamborK.
Em ambos os poemas o pr-prio instrumento se identi%ica com a %igura do eu poético, sendo
+ue em I elho ataba+ueK o eu se dirige ao instrumento agradecendo8lhe pelo aprendi adoad+uirido ao longo dos anos: I+uantas coisas oc %alou para mim9+uantos poemas oc
anunciou9 uantas poesias oc me inspirou9&s e es cheio de ban o9&s e es com
alegria9diamba r$tmica9cacha/a mel-dica9repeti/ão tel rica9maracatu triste9mas gostoso
como mulherK, sendo um eu agradecido, cMnscio de sua d$ ida para com o seu mestre,
atra és de +uem ai buscar em Iloanda distante do corpo9e pertinho da alma9negras sem
desodorante9com cheiro gostoso9de mulher a%ricana9 abumba batucando9na alma de eu...K,
é um ser em total entrega, em magia de (e)terno retorno, mas também Imadeira de leiK,+uando Imãos negras lhe batem9e o seu choro é m sica9e com sua m sica9dan/am os
homens9inspirados de lu7 ria9e procria/ãoK, isto é, o I elho ataba+ueK, um Igerador de
humanidadeK (GB11, pp. XH8XL). Em Neto, também h" uma doa/ão do eu, um
reconhecimento de um no outro como seres insepar" eis. Em INa pele do tamborK, amos
nos deparar, igualmente, com I s mãos iolentasK +ue Iinsidiosamente batem9no tambor
a%ricanoK, mas a+ui h" um porém: +ue mãos são essas +ue %a em o eu assumir uma postura
de sacri%icado IEsmago8me na pele batida do tambor a%ricano9 ibro em sanguinolentas1W@
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deturpa/Ces de mim mesmo9& ontade das percussCes alco-licas sobre9a pele esticada do
meu cérebroK, ao ponto de ele se interrogar: I4nde estou eu uem sou euK, a dilacera/ão
do eu ad ém, entanto, do uso inde ido do instrumento, +ue desaba%a: I ibro no couro
pelado do tambor %esti o9em europas sorridentes de %arturas e turismos9sobre a %ertili a/ãodo suor negro9nas "%ricas en elhecidas pela ergonha de serem "%ricasK, são ibra/Ces +ue o
pCem em estado de possessão, pois são Isons %esti os e con%usosK +ue o eu não consegue
distinguir, ele se indaga, no amente: I(+ue l$nguas pronunciais em mim irmãos9+ue não os
entendo neste ritmo )K, de repente ele se redescobre nessa mesma [%rica, pois +ue INuncaK
se pensara Itão per ertidoK da Iimpure a criminosa dos séculos coloniaisK. 4bser emos +ue
em Neto h" uma per ersão, " em ?rindade, uma olta e%usi a, a per ersão tem de ser
carpida, pois +ue Inem tão per ertidoK se encontra o eu +ue não possa in erter essasI ibra/Ces9da pele do meu cérebro9esticada no tambor das minhas mãos9pela [%rica
humanaK e I+ue nasce9%ora dos abismos escurecidos da nega/ão9ao lado de ritmos de
.dedos congestionados9sobre a pele en elhecida do tambor9dentro do +ual i o e ibro e
clamo: N?EJK (1@AW, pp. 1BB81B1). 2omo tratado anteriormente, e seguindo as li/Ces de
erger, a m sica e a dan/a simboli am, na per%ormance do Iataba+ue8tamborK9eu, a
potenciali a/ão do ser8se negro na constru/ão de uma [%rica no a, humana, liberta para
sempre da imposi/ão e e7plora/ão ocidentais.
2onstantemente, o poeta olano ?rindade est" rea%irmando o seu lado m"sculo (IE
anunciou o meu se7o9_omemJK) e a sua condi/ão de negro, mesmo sendo uma mistura das
tr s ra/as: negra, $ndia e branca: I!eu pai era preto9!inha mãe era preta9?odos em casa
são pretosK(GB11, p.AH) e, numa linguagem muitas e es debochada, escarnece da religião
dos brancos: I'ranco esp$rita é espiritualistaK. 0" o negro I!acumbeiro é um esp$rita pretoK,
mas o branco Inão +uer a/ãoK, s- I uer reencarnarK e escarnece também do intelectual +ueIse acomoda sem reencarnarK. ?rindade, bem ao gosto dos repentistas do Nordeste, ele
mesmo pernambucano, por isso, e em +uando, in ade8o um certo ban o dos Itristes
maracatusK (GB11, p.AA), outrora Imaracatus alegres9+ue se ão distantes9Em ritmo calmo
de congo9Em acelerado !o/ambi+ue9Em to+ue de ` to9De 0e e de ngola9!aracatus
meus...K. _" sempre um sentimento de perten/a. Essa religiosidade a%ricana em muitos
momentos uni ersali a8se a %a or do bem da *"tria (I inde irmãos
macumbeiros9Esp$ritas92at-licos9 teusK), incluindo também os homens de todas as classes1AB
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sociais, ItrapeiroK, IpedreiroK, Iirmãos sambistasK, IpoetasK, IpintoresK, IengenheirosK,
InegociantesK, por ser necess"ria a participa/ão de todos para Icombater o %ascismo9+ue
mata a nossa na/ãoK (GB11, pp. @B8@1), essa sendo a Imissão de poetaK, +ue ?rindade
carrega, não lhe cabendo a aidade de Ium poema9+ue me imortali eK. 2omo a tantoscompatriotas poetas, o seu lugar é ao lado do Ipo o9na sua can/ão9e assim cumprirei9a
minha missão de poetaK, esse é o seu compromisso primordial, em sua acep/ão m$tica
mesmo, mas re olucion"ria também, como em I<ainhas e escra asK (GB11, p.1GW).
poesia de ?rindade, " %alamos, o%erece8se, como em iriato da 2ru , a imortali ar a
gente pobre e sem identidade social +ue %a a alegria de outras gentes e mo imenta o
comércio local das %eiras li res e esse comportamento é bem acentuado nos poemas
I2an/ão & minha cidadeK, INatal na minha terraK e, principalmente, o espetacular I*regCes
do <eci%e antigoK. *ara %echarmos a an"lise dos poemas de ?rindade, %alemos um pouco mais
de IYumbiK, INegrosK, I uem t" gemendo K, INa io negreiroK, I2ongoK, I2i ili a/ão brancaK
e seu I2anto dos *almaresK. 4 primeiro, escrito para a pe/a Malungos e musicado, em 1@@X,
por seu neto $tor ?rindade, é uma ode, um hino ao her-i de *almares, +uilombo constru$do
para receber e proteger os negros %ugidos e logo trans%ormado numa sociedade a%ricana
dentro do 'rasil com mais de GB mil habitantes, s$mbolo da resist ncia contra a escra atura,locali ado na erra da 'arriga, região ho e pertencente a 6nião dos *almares, estado de
lagoas. eu apogeu %oi durante o século \ == e seu %im se deu praticamente ap-s a morte de
seu l$der, a GB de no embro de 1X@L, dia em +ue ho e se comemora a consci ncia negra,
cognominado de Dia Nacional da 2onsci ncia Negra, momento em +ue se %a em "rias
re%le7Ces sobre a situa/ão do po o a%ro8brasileiro em todo o pa$s.
No poema, Yumbi é ele ado & condi/ão de her-i e seu corpo metonimicamente é
identi%icado aos +uatro elementos da nature a: I eus bra/os são troncos de "r ores9 ua %ala
é ento, é chu a,9^ tro ão, é rio, é marK, como con ém a todo her-i ou deus. 4 poema
INa io negreiroK, como não poderia dei7ar de ser, é uma alusão direta ao %amoso poema do
poeta baiano 2astro l es, alcunhado de I*oeta dos Escra osK, mas dele di%erindo na %orma e
no conte do, embora o tema se a o mesmo. En+uanto o te7to de l es é constitu$do de seis
partes e de ersos de di ersas medidas, o de ?rindade redu 8se a +uatro estro%es de +uatro
ersos, em redondilha maior. uanto ao conte do, ?rindade limita8se a con idar o leitor a1A1
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direcionar sua aten/ão ao INa io negreiroK +ue em I?ra endo carga humanaK, +ue est"
I2heio de melancoliaK, mas também est" I2heinho de poesiaK, pois tra uma Icarga de
resist nciaK, e o bo o, I2heinho de intelig nciaK. Num ponto os dois poemas se cru am: a
humani a/ão do negro escra o; apenas l es tra/a um painel épico adornado de hipérboles,ap-stro%es, meton$mias e met"%oras do tr"%ico escra o de [%rica para o 'rasil, en+uanto, de
%orma simpli%icada, ?rindade nos con ida a olhar para o na io como algo al issareiro, sem a
elo+u ncia castroal ina. *roen/a 5ilho assim se re%ere ao poeta da INegritude brasileiraK:
4utro combatente da elha guarda é olano ?rindade (1@BA81@W3),
legitimado pela tradi/ão liter"ria brasileira, mas não pela matéria negra de
seu te7to e sim pelo posicionamento pol$tico8social; o seu poema presente
na colet]nea !iol+o de rua (1@XG), antologia representati a de uma das
tentati as de reno a/ão poética p-s8modernista, %ala +ue Ptem gente com
%omeP. !as também são dele te7tos como, por e7emplo, PNa io negreiroP,
onde se leem, entre outros, os ersos: I#" em o na io negreiro9 2heio de
melancolia9 #" em o na io negreiro92heinho de poesia...9#" em o na io
negreiro9 2om carga de resist ncia9 #" em o na io negreiro92heinho de
intelig ncia.K (GBBH, p.1A).
inda sobre o mesmo poema, comenta Elio 5erreira de ou a: Io erso inicial I#" em
o na io negreiroK simboli a o coro das o es a%rodescendentes, entremeado nos 1X ersos,
imprimindo uma atmos%era sonora e musical & narra/ão. olano negrali a o pregão poético
na e oca/ão dos %ragmentos da mem-ria hist-rica de milhCes de a%ricanos, +ue
atra essaram a I*orta do Não <etornoK na dire/ão da di"spora brasileiraK (GBBX, p.AB). 4
chamado de ?rindade, carregado de emo/ão, tende a reorientar o olhar do leitor para o
homem de cor, o a%ricano e7patriado pelo europeu e, muitas e es, pelos pr-prios a%ricanos,
por isso, no poema INegrosK, ?rindade e7tra asa seu -dio, sua repulsa &+ueles INegrosK +ue
endem seus irmãos, desses di endo ta7ati amente o eu +ue INão são meus irmãosK, nem
a+ueles +ue i em I ser i/o do capitalK, por+ue para ele I - os negros
oprimidos9escra i ados9em luta pela liberdade9são meus irmãosK, para estes ele tem Ium
1AG
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poema9grande como o NiloK(GB11, p.1L3), rio a%ricano, como sabemos.
4utro poema onomatopaico e e7tremamente musical +ue re%lete o estado b]n ico do
eu em di"logo com o Ipingo de chu aK +ue lhe tra & mem-ria a can/ão do Ipreto cansadoK
a e ocar as terras de [%rica é I2ongoK; assim como em I uem t" gemendo K, onde o gemido
do carro de boi se (con)%unde com o do negro, acentuando esse ban o +ue I eme na
minhSalma,9 alma do 2ongo,9Do N$ger da uiné,9De toda [%rica en%im...K, mas, como
sempre acontece com ?rindade, esse estado de melancolia tende a espalhar8se a outras
terras e a outras gentes, caracteri ando, tal e , seu pan8a%ricanismo, +ue também é de Neto:
I alma da mérica...9 alma 6ni ersal...K(GB11, p.1LA). obre o poema I2ongoK é oportuna
a %ala de ou a: I olano tenta re%a er o caminho de olta & [%rica pela I*orta do Não
<etornoK. busca da mem-ria perdida tem algo de particular e coleti o para esse griot da
di"spora, +ue procura guardar na sua mente a imagem8lembran/a do lugar de origem dos
ancestrais, ainda i a nas can/Ces do elho a%ricano, embora o car"ter %ragmentado da
narra/ão não o%ere/a +uase nada de concreto sobre o passado dos a%ricanos antes da
tra essiaK. (GBBX, p.AW). 4 I2ongoK representa o Ilugar do imposs$ el retorno, o espa/o
geogr"%ico e a mem-ria ancestral borrada pelo abismo do entre8marK. *or isso Ios pingos
%rios da chu a re i em, no cora/ão do eu8l$rico de olano, a lembran/a de uma can/ão triste,+ue um elho a%ricano, de o cansada, cantou para ele, relembrando o 2ongo distante, +ue
se des%i era numa miragemK. ^ a busca, melanc-lica, de suas origens, da +ual muito se
orgulha. 4s pingos %uncionam como re%or/o b]n ico desse sentimento de perten/a, tão
%alado ao longo deste trabalho. I4 2ongo é o lugar da lembran/a e do sonho ancestral,
rein entado no corpo do poema e do poeta negroK, con%orme ou a (GBBX, pp. AW8AA). Essas
pala ras ser em para autenticar o +ue estamos a di er sobre ?rindade: um poeta constru$do
dentro da comple7a simplicidade natural do po o pernambucano, notadamente a+ueledescendente da di"spora a%ricana, assim tal +ual o poeta. 4 o7imoro é para +ue não nos
iludamos +ue o simples é o %"cil, o sem rele ]ncia estética, sem pes+uisa, sem %rui/ão
poética.
4 poema I2i ili a/ão brancaK, tal +ual a I2i ili a/ão ocidentalK de gostinho Neto,
encontra8se permeado de ironia; " a partir mesmo do termo Ici ili a/ãoK, +ue nos passa a
ideia de e olu/ão de progresso da humanidade, nos dois poemas, também, aparece com1A3
8/18/2019 Tese Padua
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sentido contr"rio: em Neto, a Ici ili a/ãoK obriga o InegroK a morar em habita/Ces da pré8
hist-ria, a e7ercer I1G horas de trabalho escra oK, tanto Iao solK, +uanto I& chu aK e
ganhando como recompensa, ironicamente, I6ma esteira nas noites escurasK, o +ue Ibasta
para ele morrer9grato9de %omeK; " em ?rindade, de %orma mais direta, sempre de %ormadireta, essa mesma Ici ili a/ãoK comete o crime de linchar um homem, por este encontrar8
se IEntre os arranha8céusK e ser de pele negra. +ui se desprende a luta de classes tão bem
anunciada por !ar7, & propor/ão +ue a sociedade ai se estrati%icando e as di%eren/as ão
ganhando contornos insustent" eis. E não estar$amos cometendo nenhum e7agero se
utili "ssemos as pala ras de Eneida #eal 2unha sobre a leitura +ue %a do li ro de #eonel
2osme ultura e 4evolu%+o: I %ilia/ão mar7ista da an"lise e desta classi%ica/ão da Isérie
liter"ria angolanaK, por #eonel 2osme, não est" apenas implicada na terminologia +ue utili ae +ue procura a+ui pMr sinteticamente em desta+ue. Ela é e7pl$cita e programaticamente
erbali ada no seu te7to como a/ão e escrita orientadas, como declara, pelo Icompromisso
ideol-gico com a dialética mar7istaK (GB11). creditamos, pois, +ue a ideologia mar7ista
permeia +uase toda a obra de olano ?rindade, +ue, em momento algum, se descuida em
apontar a di%eren/a de classes, a discrep]ncia social +ue sempre coroou o 'rasil, ou melhor,
o mundo capitalista. ^ bem erdade +ue, na obra de Neto, esse iés tem um car"ter mais
acentuado pela pr-pria conting ncia +ue en ol ia o seu pa$s, sob a implac" el ditadura
sala arista, persistentemente criticada por #eonel 2osme em seus escritos.
*assemos, então ao ltimo poema de ?rindade, o mais longo: cerca de 1@G ersos
brancos e li res, como em toda sua obra, distribu$dos em G@ estro%es irregulares, também o
mais épico de seus te7tos e, +ui/", o mais negritudinista, no +ual %a uma sauda/ão ao
uilombo dos *almares, I2anto dos *almaresK, +ue come/a com um desa%io aos épicos
cl"ssicos da literatura ocidental (Isem in e a de irg$lio de _omero9e de 2amCesK), não noses+uecendo +ue este ltimo, na terceira estro%e de seu ,s Lus=adas também lan/a um
desa%io: I2essem do s"bio rego e do ?roiano9 s na ega/Ces grandes +ue %i eram;9 2ale8se
de le7andro e de ?ra ano9 %ama das it-rias +ue ti eram;9 ue eu canto o peito ilustre
#usitanoK. ssim também ?rindade d" alti e a seu canto, Ipor+ue o meu canto9é o grito de
uma ra/a9em plena luta pela liberdadeK e se a+ui retomarmos Neto, eremos +ue toda a sua
poética, e não apenas um poema, é um canto & liberdade da ra/a negra e de todas as ra/as
oprimidas do planeta, ha endo uma congru ncia literal entre o angolano e o brasileiro de1AH
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 186/295
<eci%e92a7ias9Embu. ?anto em um +uanto no outro, I_" batidos %ortes9de bombos e
ataba+uesK, também I_" gemidosK, também Ih" gritos nas sel as9in adidas pelos %ugiti osK
e os I%ugiti osK são a ra/a negra perseguida pelos her-is do bardo lusitano, por isso o eu
canta Iaos *almaresK, sem omitir o seu -dio: I4diando opressores9de todos os po os9detodas as ra/as9de mão %echada9contra todas as tiraniasK. ^ como se esti éssemos a ou ir
Neto, em sua Sagrada esperan%a, na luta a %a or do po o angolano.
^ uma luta %errenha entre oprimido e opressor, este impedindo a+uele de %alar: Imas
dei7am abertos meus olhosK, se Imaltratam meu corpo9minha consci ncia se puri%icaK e Ieu
%u o das mãos9do maldito senhorJK. !as não é uma %uga da linha de combate, uma e +ue
Imeu poema libertador9é cantado por todos9até pelo rioK. ssim, en+uanto morrem uns,
nascem outros e se Io opressor con oca no as %or/asK, Ino a luta recome/aK e não importa
se Imatam meus irmãos9matam as minhas amadas9de astam os meus campos9roubam as
nossas reser asK. 4bser emos a+ui a %usão do IeuK no In-sK a estabelecer o canto da
coleti idade +ue tem seu territ-rio de astado Ipara sal ar9a ci ili a/ão9e a %éK dos
coloni adores, tal +ual %oi %eito em ngola, !o/ambi+ue, uiné8'issau e outros.
4 eu9n-s tem o seu Isono tran+uiloK, en+uanto Io opressor não dormeK, a onisci ncia
dos %atos é %ruto dessa consci ncia das in usti/as praticadas pelo europeu e da %é na
resist ncia do po o negro +ue s- alme a uma ida de pa e pre : INossas planta/Ces9Estão
%loridas9Nossas crian/as9'rincam & lu da lua9Nossos homens9'atem tambores,92an/Ces
pac$%icas,9E as mulheres dan/am9Essa m sicaK (GB11, p.13@). En+uanto isso, o Iopressor
prepara outra in estida9con%abula com ricos e senhoresK, então o eu l$rico reage: Imas eu os
%a/o correrK por+ue Iainda sou poetaK e Imeu poema9le anta os meus irmãosK. 2on%orme se
in%ere, a poesia é uma arma de combate e de comunica/ão, assim como Ios tamboresK, Ia
m sicaK e Ia dan/aK; irmanam8se, pois, os dois poetas nessa concep/ão de uma no a poesia:
um a cantar as lutas do uilombo dos *almares, o outro a cantar as lutas pela independ ncia
de ngola. obre o poema, assim se e7pressa #eda !aria !artins: I!etamor%oseando8se em
irg$lio, _omero e 2amCes, como o narrador épico de seu po o, o eu poético +ue se %a ia
porta8 o da ra/a, em um mo imento de trans%orma/ão cinético e din]micoK, sem dei7ar de
re%erenciar a ra/a negra, torna o seu enunciado uni ersal, +ue integrando Itodas as %aces do
humano no combate &s tiranias: QEu canto aos *almares9odiando opressores9de todos os1AL
8/18/2019 Tese Padua
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po os9de todas as ra/as9de mão %echada9contra todas as tiraniasQ. =deali ado, *almares é
tanto a rep blica de Yumbi, her-i épico da saga negra no 'rasil, +uanto uma alegoria de uma
ut-pica ona %ranca pan8americana, onde Qaté as palmeiras t m amor & liberdade.QK (GB11, p.
HBB8HB1).
4 poema oscila entre a pa alme ada, a in asão e a luta, num ir e ir constante, com
um eu sempre a e7plicar as di%eren/as de ob eti o em +ue as pala ras I%éK e Ici ili a/ãoK são
antitéticas para ambos: para o oprimido, signi%icam ambas I#iberdadeK; para o in asor, a
sal a/ão da ordem estabelecida pela dita Ici ili a/ão ocidental9brancaK. *ode ter sucumbido
o territ-rio dos *almares, mas o seu e7emplo de resist ncia para as pr-7imas gera/Ces
permanece ine7aur$ el e ine7or" el, mesmo por+ue imortali ado na o do poeta:
!as não mataram
!eu poema.
!ais %orte
+ue todas as %or/as
é a liberdade;;;
4 opressor não pMde %echar minha boca,Nem maltratar meu corpo,
!eu poema
^ cantado atra és dos séculos,
!inha musa
Esclarece as consci ncias,
Yumbi %oi redimido
(GB11, p.1H3)
ssim se re%ere 'ernd sobre esse poema: INeste ogo de contr"rios, +ue con%igura a
antiépica, +uem é o her-i ão a+ueles +ue a Qhist-ria es+ueceQ, são os Qcon+uistadores da
noite nuaQ, são os Qher-is das sombrasQ. 4 poeta se ale de um o7$moro, Q%amosos e
es+uecidosQ, para melhor caracteri ar tais her-is, cu a a/ão é a resist nciaK. 'ernd termina
por igualar ?rindade a 2ésaire e lissant. *ara ela: I a/ão do con+uistador não é tão
completa a ponto de ani+uilar tudo: resta o mito +ue precisa ser recuperado. Da$ a1AX
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import]ncia do poeta +ue resgata a mem-ria destes %eitos es+uecidos e, com as suas Qarmas
miraculosasQ V as pala ras V, os transmuta em elementos de recomposi/ão da
autorrepresenta/ão positi a dos po os negrosK (1@AW, p.@L). ^ uma isão pro%ética, o poeta é
um ate +ue anuncia, não a liberta/ão do outrora uilombo dos *almares, mas de todos os*almares espalhados pelo mundo a%ora, met"%ora do oprimido, do subalterno, dos sempre
sub ugados ao preconceito, &s in usti/as sociais e ao imperialismo capitalista +ue sempre
norteou os princ$pios das grandes pot ncias.
3+3+3+ Fred So0Ha Castro e a ,oes a das terras do massa,? do recJncavo
;a ano
3+3+3+*+ Per1 l ; o; ;l o.r<1 co e l ter<r o
PEu tenho mania de escre er poemas.9Eu gosto da poesia emais nada.9Eu sou a+uele menino matinal, +ue ama apassarinhos sem gaiola, +ueria +ue o mundo %osse, agora,igual a antes, e agora igualP. 5red ou a 2astro
5rederico 0osé de ou a 2astro nasceu no dia 1 de abril de 1@31, na cidade de ão
on/alo dos 2ampos, %ilho de ntMnio 'enedicto de ou a 2astro e de !aria de #ourdes
alles de 2astro, ele era o primog nito de uma %am$lia de 11 %ilhos e nasceu em ão on/alo
por mera casualidade, pois a sua %am$lia era tipicamente santanarense. Na erdade, seus pais
esta am em isita ao primo, *e. 'r"ulio ou a 2astro, +ue e7ercia a ati idade religiosa em
ão on/alo. Na+uela ocasião, sua mãe te e as dores do parto na+uela localidade e
5rederico nasceu ali, tendo o %amoso *e. 'raulinho como padrinho. crescentamos, ainda,
+ue o primeiro ou a 2astro a chegar a anto maro, bisa M de 5red, %oi o portugu s,
origin"rio de 2ascais, ntMnio Diogo de ou a 2astro. egundo as est-rias dos antigos, ele
era cristão no o e membro da ociedade !$stica <osa82ru . 2hamado de *ai Diogo,
estabeleceu8se como comerciante e casou8se com uma nati a, muito mais o em, chamada
!aria ?om"sia k 5red chegou a conhec 8la na in%]ncia, " bastante idosa, +uando todos a
1AW
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chama am de =ai" elha. 4 primog nito do casal, ntMnio 'enedicto de ou a 2astro %oi
magistrado pelos sertCes da 'ahia, indo a ser o a M de 5red. 2asado com D. na 'arros de
ou a 2astro, o casal te e tr s %ilhos: o bacharel ntMnio 'enedicto de ou a 2astro 5ilho k
conhecido na %am$lia por ?otonho k, a *ro%a. Dulce entil de ou a 2astro e Esther de ou a2astro.
Embora nascido em ão on/alo, 5red, como era carinhosamente chamado por
parentes e aderentes, como ele mesmo costuma a ironi ar, i eu toda sua in%]ncia na cidade
de anto maro da *uri%ica/ão, +ue recebeu os primeiros in asores por olta de 1LLW,
segundo a historiadora Yilda *aim (1@@H, p.13), alguns parentes, por a%inidade, do %amoso
Diogo [l ares 2orreia, 2aramuru. li também montou engenho em 1L@G o então go ernador
do 'rasil !em de ".
base da economia, %a orecida pelo solo de massap , era a cana de a/ car, o %umo, a
mandioca e o arro , moti o pelo +ual %oram surgindo os engenhos de moer cana, as casas de
%arinha e os pe+uenos %abricos de %umo (1@@H, p.1H). Em 1XBB, as terras %oram repartidas em
sesmarias, a %im de %a orecer a coloni a/ão do local. Di *aim:
Em toda a e7tensão plana e ele ada, outra cousa não se senão I2 N E
!6=? 2 N K, e uma ati idade acelerada com um mecanismo prim"rio e
grosseiro, e o bra/o %orte do negro escra o, a +uem se de e as grandes
%ortunas dos enhores de Engenho, dando8lhes t$tulos de nobre a, ao
tempo +ue contribu$am para o engrandecimento da !etr-pole. (1@@H,
p.1L)
2om o passar dos tempos, os engenhos %oram dando lugar &s usinas, ainda na
primeira década do século \=\. Di 8se +ue anto maro i eu uma erdadeira época de
opul ncia, em +ue o lu7o e a ri+ue a eram agressi amente ostentados pelas %am$lias
abastadas. Di ia *aim: I!esmo antes de ser a po oa/ão ele ada a ila " ostenta a o lu7o de
i er, as cadeirinhas de sane%as de seda %orradas de eludo ermelho, e cobertas de
damasco. Nas estradas a %olgan/a do seu po o. Nos solares a prataria e as bai7elas de prata,
1AA
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candelabros de bron e, era a s$ntese da prosperidade e abastan/aK. anto maro era então
chamada de 2apital do <ecMnca o e e7erceu in%lu ncia na hist-ria econMmica e pol$tica da
'ahia (c%. *aim, 1@@H, pp. GG8G3). Em 1WGW, %oi ele ada & condi/ão de ila e, em 1A3W, &
categoria de cidade. sua base étnica é, como a de todo o Nordeste brasileiro, a mistura dobranco europeu, a do negro a%ricano e a do nati o, ainda segundo *aim:
4 sel agem %a 8se cidadão. 4 clima é também %ator importante, não é o
nico respons" el pela pluralidade das ra/as e pelas migra/Ces, e cada ra/a
deu8nos a temperatura de sua terra natal, os costumes, a sua religião e a
sua l$nguaK. _erdamos do portugu s o esp$rito con+uistador, a entureiro,
comerciante; do a%ricano, a nostalgia e o esp$rito de sacri%$cio; do ind$gena,
a insubmissão e a teimosia.
Duas %oram as ra/as negras +ue ieram para anto maro, os _auss"s e os
!alés. 4s hauss"s habita am o udão 2entral, ao norte do <io Niger e
'inue. 5orma am a na/ão mais =mportante de todas as negriticas ou
sudanesas. ^ um grupo da ra/a 'antu8negra, misturada com elementos
ham$ticos. sua l$ngua era chamada Ihauss"sK e segundo Nina <odrigues
dei7ou oc"bulos até ho e usados.
4s !alés eram a%ricanos =slami ados, possuidores de mediana cultura, e
portadores de o%$cios de pedreiro e carpinteiro, -timos agricultores,
e7ercendo in%lu ncia sobre os escra os das di ersas proced ncias. 4s malés
%oram instigadores das di ersas rebeliCes. Eram conhecidos na 'ahia como
hereges e e7comungados Imouros a%ricanosK. 5oram considerados inimigos
da nossa religião. (1@@H, pp. GH8GL)
?al e tenha sido anto maro a terra +ue mais escra os recebeu na 'ahia. lém das
etnias citadas, por ali passaram g ges e nagMs. ?erra de nomes ilustres da hist-ria do 'rasil
com participa/ão decisi a na uerra da =ndepend ncia, bem como na uerra do *araguai.
anto maro também %oi palco de "rias rebeliCes escra as, pelo menos até 1A3L (1@@H,
p.X3), tal e por isso e, contrariando a bra ura de seu po o, %oi palco de repressão ao1A@
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abolicionismo. 5oi, porém, um santo8amarense o primeiro, na 'ahia, Ia estabelecer o
trabalho li re na la oura do estadoK, e ali se %undou a ociedade G de 0ulho anto8amarense,
tendo como um de seus %ins a liberta/ão de escra os. 5oi palco, também, de uma isita, em
1AL@, de ua !a estade D. *edro ==, acompanhado da 5am$lia <eal e de distinta comiti a. Elechegou & cidade de anto maro &s X horas e 3B minutos do dia 11 de no embro de 1AL@.
egundo *aim, %oi uma recep/ão brilhante, com todas as classes sociais a acolherem o ilustre
isitante. comiti a partiu em 13 de no embro. *or l" este e também o 2onde DSEu em
1AAA.
ão %ilhos ilustres de anto maro, entre outros, !anuel <aimundo uerino, um
intelectual a%rodescendente, aluno %undador do #iceu de rtes e 4%$cios da 'ahia e da Escola
de 'elas rtes, pintor, escritor, l$der abolicionista e pioneiro nos registros antropol-gicos da
cultura a%ricana na 'ahia; o pintor Emanuel ra o, o !édico, pro%essor e cientista, 0osé
il eira, os compositores e m sicos ssis alente, <oberto !endes, Edite do *rato e os mais
%amosos 2aetano eloso e sua irmã !aria 'et]nia.
egundo 0orge 2almon, anto maro dos barCes e iscondes, opulenta e rica, era
di idida apenas em duas classes: a dos ricos propriet"rios rurais e grandes comerciantes e a
dos escra os Ide +ue raramente saem, para integrar o segmento in%erior da escassa classe
média, os ser os contemplados pela al%orria.K (GBBH, p.1L)
^ uma cidade do interior da 'ahia com muitas igre as cat-licas, destacando8se a de
4li eira dos 2ampinhos, sobre a +ual e7iste a lenda de +ue o Diabo deu um coice e entortou
a torre por conta do não cumprimento do pacto %eito entre ele (o Diabo) e 0oão <omão
ramacho 5alcão, lenda esta documentada em $deo por 5red ou a 2astro.
cidade conta ho e, segundo o =' E, com LW.ABB habitantes e " não i e a mesma
grande a dos primeiros séculos; segundo 2almon, sua decad ncia come/ou mesmo ainda no
século \=\, agra ando8se no seguinte.
4 %olclore santo8amarense é muito rico e i o até ho e, em algumas modalidades,
%a em parte de seu relic"rio, como di *aim: !aculel , 2apoeira, amba de <oda, #indro8
mM, 'urrinha de 4uro, 4 N go 5ugido, <eisados, 'ailes *astoris, 'aile do ndio, 'aile das
5lores, 'embé do !ercado, 'umba8meu8'oi, ueima das *alhinhas, 5esta de G de 5e ereiro,1@B
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4 Entrudo, 4 2arna al, %o7é, 5ilannMnicas ou 'andas de ! sica, antos, G de 0ulho,
'otada, *resépios, 'andeiras, 4s <anchos, 2hulas, s erenatas, 2antigas, 2antigas de
2ana ial, boio, !odinha, di inha/Ces, *egas *arlendas, _umorismo 2ompara/Ces,
nedotas, *ro érbios, De%ini/Ces *opulares, *oesia *opular uadrinhos, *regCes, 2ontos Est-rias, pelidos, Nome de 'ecos, ?ipos *opulares, ?ipos de <ua, <e as, 2h"s,
upersti/Ces e 2rendices, Ditos *opulares, #endas, 'riga de alo, !oda de 2omer 'em,
Nomes *itorescos e 'rincadeiras. *ara *aim, I5olclore é o retrato i o dos costumes de um
po o, re elado atra és da m sica, da dan/a, da pintura, das cren/as e dos %olguedosK (1@@@,
p.1L). *ode8se di er +ue se trata de uma historiadora emp$rica, como ela pr-pria di na
introdu/ão ao seu 4elic)rio $opular : I s pes+uisas +ue a+ui transmito, %oram obtidas
erbalmente de aut nticos populares. Numa pe/a %olcl-rica, o obser ador de e ter em miraos personagens como elemento da composi/ão; ele realmente compCe a pe/aK (1@@@, p.1L).
Ela pr-pria é %ilha de anto maro, Ida terra dos cana iais, constru$da pelo bra/o %orte do
negro, esta ra/a tit]nica e %orte, deste ser indom" el, so%rido, maltratado e despre ado, +ue
tudo deu sem nada receberK a%irma ela (1@@@, p.1L). E é a esse po o +ue 5red ai dedicar
boa parte de sua poesia e de sua pes+uisa como poeta, intelectual, homem de tele isão e de
cinema +ue o %oi durante toda sua e7ist ncia.
sua literatura é composta dos seguintes li ros: Samba de roda (poesia), al ador:
Edi/Ces !acuna$ma, 1@LW, obra9corpus desta nossa in estiga/ão; onto para Jriselda
(conto) 2ata8milho, 1@X@;Meu sal e meus espelhos (poesia) anto maro: Edi/Ces 2ata8
milho, 1@WA, antologia composta de poemas intimistas e memorialistas, caracter$sticas gerais
da obra de 2astro, nesse li ro, podemos destacar as seguintes dedicat-rias do autor: I ntes
de mais nada +uero dedicar este li ro a anto maro, lugar onde aprendi a erse ar, ou ir
est-rias e I i er i endoK o dia a dia de um po o +ue, tendo ra$ es num passado de muitari+ue a, ainda não encontrou a ri+ue a de seu presenteK. 2omo imos atr"s, anto maro
i eu muitos anos de opul ncia, como compro a o seu brasão, " na época do poeta, no
entanto, ou um pouco antes, em %ins do século \=\, a cidade ai i er um per$odo de
decad ncia, e da$, tal e , a mem-ria triste do poeta, o seu desencanto, principalmente com a
gente pobre +ue %e a ri+ue a de outros poucos.
2ontinuando as dedicat-rias: I*ara os ou a 2astro, todos eles V negros, mulatos,1@1
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brancos V i os ou mortosK; I*ara os elloso e os alles, todos eles V negros, brancos ou
mulatos V i os ou mortosK. ^ importante salientar +ue esse li ro saiu em 1@WW e re ne
poemas de 1@L1, +uando 2astro conta a apenas GB anos de idade até & data de sua
publica/ão. uase todos os poemas le am uma dedicat-ria: parentes, amigos e %igurasilustres do meio art$stico como <u> Espinheira 5ilho, 0uare *ara$so, 0amison *edra, 0eho "
de 2ar alho e 2arlos n$sio !elhor. ssim se de%ine o poeta:
Não sei pedir nem esperar %a ores
e amais tra aria de mendigo;
aos pr$ncipes não sei tecer lou ores
e as %alsas dores, todas, abomino
estou & margem
e gosto de di 8lo
para não enganar os %alsos elos
de +uantos +ueiram me
incluir em es+uemas
sou, a meu modo, li re
(por escolha)
e a %olha
de papel em +ue me inscre o
é outra +ue não eu,q
+ue sou eu mesmo
guardado no meu corpo
e, a mim,
%ie=.
1@LX
(1@WA, p.GX)
Mam+e macho (contos) V al ador. poio: 0ornal I ?ardeK, 1@AX, A gotinha dR)gua1@G
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(in%antil) *etr-polis: o es, 1@AW e$ortulanos (conto) 'D , 1@@X, e os inéditos: anto
canavi) e Massap( de sesmarias +ue compCem unto comSamba de roda a trilogia santo8
amarense e +ue %ala de sua gente e de sua cultura como bem nos re elam os poemas I s
%erramentas do ersoK e I2alend"rio da saudadeK, escre eu maisLivro de Javeta , !ersossac nicos e A loucura adiada. 5e ainda o pre%"cio para o li ro do poeta, ornalista, ad ogado
e ogan (%ilho de santo) 0eho " de 2ar alho, de +uem era muito amigo,4einven%+o do reino
dos !oduns . 2om o poema I lbalunK, 5red con+uistou o pr mio do oncurso Liter)rio da
3unda%+o Jivré9 rgentina, em 1@AX, e %oi agraciado, também, nooncurso de v=deo do
Algarve9*ortugal.
Em GBBA, recebeu homenagem da ienal do 4ec ncavo V 2achoeira8 'ahia pelo
con unto de sua obra em $deo, +ue re ne, entre tantos trabalhos %eitos com seus pr-prios
recursos: , $elourinho é uma festa0 2mbu1eiro0 3arinhada0 9rifestan%a Cunial0 "as )guas0
$resente para IemanC)0 $ar*ue dos ,rix)s0 G IbeCi0 4om+o e 4om+o1inho0 ,lhar eletr nico0
Matan%a0 3eira do verbo0 angaceiros de carnaval0 DTT anos de "ona an, %ilmando ainda a
-pera A empregada *uer ser patroa , no ?2 , e a pe/a "end( e dengo , no =2' . ssina, ainda,
o argumento do %ilme , m)gico e o delegado , embora apare/a na %icha técnica como
colaborador. anhou o pr mio da ecretaria do Estado da 'ahia, em 1@XA, com o %ilme uliana e "6 orge, participou da _ora da 2rian/a, programa dirigido por droaldo <ibeiro
2osta, trabalhou ainda na ? =tapoan, ? ratu e ? Educati a.
5oi homenageado na colet]nea Salvador FKT anos, organi ada por <oberto #eal,
GBBA, reunindo os poetas ntMnio antana, 5"tima ?rinchão, 5rancisco de ou a 0 nior,
#et$cia ndrade, <oberto #eal, <udi al <odrigues, aldecO lmeida e inicius 2ardoso (em
+ue cada poeta tra como ep$gra%e um te7to de algum poeta baiano conhecido: de reg-rio
de !attos, considerado por muitos como o primeiro grande poeta brasileiro, a Yeca de
!agalhães, um poeta da pra/a, da década de @B), o poeta <udi al <odrigues usa como
ep$gra%e os poemas I atosK e I >JK, de nosso poeta.
5oi companheiro de lauber <ocha, nos idos da era/ão !apa, de +uem %inanciou o
primeiro %ilme, con%orme declara/Ces do pr-prio lauber e de sua mãe # cia <ocha.
0untamente com o %amoso cineasta e outros intelectuais baianos %undaram a eman "
5ilmes. 2omo curiosidade: para %inanciar o primeiro %ilme de lauber,, p)tio . 5red endeu1@3
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uma cole/ão de !achado de ssis +ue lhe pertencia. 4utras curiosidades: em carta ao amigo
dalmir, datada de ulho de 1@LW, lauber <ocha %a a seguinte recomenda/ão: IEspere um
e7emplar Samba de roda , li ro de estreia do poeta 5rederico ou a 2astroK (p.@3). !ais
adiante:
*or %alar em reitorismo, o !agn$%icoS nos con%eriu de mil cru eiros por
trinta e7emplares de amba de roda, o +ue sal ou o pre u$ o mas não deu
para subornar, como ele pretendeu; embora nossos alores se am escassos,
lutamos %irmemente, apesar da campanha p blica +ue so%remos (é p blica
mesmo, por+ue até %olheto impresso " hou e), apesar de sermos
trans iadosS, eadosS, 2omunistasS, nticat-licosS e outras besteiras maisdas +uais oc bem sabe, no sentido de uma honestidade e autointegra/ão
( ) 6m abra/o e en ie +uatro ias de cada recorte seus artigos, ou de
outros, sobre !apa, 0ogralesca e amba de rodaK (pp. @L8@X).
Em outro li ro sobre lauber: Jlauber 4ocha: uma revolu%+o baiana , aparece mais
uma e a con%irma/ão de 5red ao lado do g nio do 2inema No o:
1@LX V lauber. 2alasans Neto, ante calda%erri, #uis *aulino, Yé ?elles,
5ernando da <ocha *eres, 5red 2astro entre outros, %undam a 2ooperati a
2inematogr"%ica eman ". 2omo pala ra de ordem, picham nos muros da
cidade: oc acredita em 2inema na 'ahia
No <io, tenta %inanciamento para uma série de %ilmes da ociedade2ooperati a de 2ultura 2inematogr"%ica eman ", da +ual participam
lauber, #ui *aulino dos antos, *aulo il oares, 5ernando da <ocha
*eres, 0osé ?eles, lberico !otta, 5red ou a 2astro, 0aime 2ardoso ?arc$sio
ra o, NeFton <ocha, 0osé ula>. Entre os pro etos, o curtaSenhor dos
Navegantes . isita as %ilmagens de <io, Yona Norte, de Nelson *ereira dos
antos e conhece le7 ian>. Em ão *aulo inteira8se do mo imento
concretista. (<42_ , p.WBL)
1@H
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chamada riselda e com a e78atri !aria 2aldas, ho e soci-loga, com +uem tem dois %ilhos:
rabela e usta o. 6ltimamente i ia com a pro%essora e escritora !aria ntonia.
4 corpo do poeta %oi cremado e suas cin as, a pedido dele, %oram ogadas num
cana ial santo8amarense numa linda tarde de sol, contando com a presen/a de alguns
poucos %amiliares e também a do autor desta tese.
3+3+3+3+ A ,oes a e o Sam;a de roda
5E<< !EN? D4 E< 4
uero escre er meu poemacon%orme com minha terra:
com os bra/os, com a cabe/a,
com as pernas,
assim como +uem entrou no samba8de8rodapra dar umbigada no tempo;assim como +uem entrou na capoeirapra dar pernada no tempo,
pra dar rasteira no tempo.(...)!eia8lua de compassono rel-gio da saudade
ou cair na negati a pra tr"s
M l 8l" Dona
nas terras do Nunca8!ais.(5red ou a 2astro9=nédito9Massap( de sesmarias )
poesia de 5red ou a 2astro, por mais +ue desagrade a algumas autoridades
acad micas, caracteri a8se, ao menos a +ue compCe o nosso corpus, por ser um canto de sua
gente, um canto de sua terra, como +uer e insinua o pr-prio bardo. 2omo " isto, nascido
em ão on/alo e criado em anto maro da *uri%ica/ão, terra +ue abrigou muitos negros e
se desen ol eu gra/as ao culti o, principalmente, da cana de a/ car, notabili ada ho e pela
%or/a de sua cultura a%ricana: dan/a, m sica, religião, capoeira e outras mani%esta/Ces; terra
1@X
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de !aria 'et]nia, 2aetano, e !abel eloso, primos seus, a +uem o poeta alimentou de li ros
o in$cio de sua %orma/ão intelectual, dito pelo pr-prio 2aetano, 2astro re estir" +uase a
totalidade de sua poética desses bens imateriais aprendidos e apreendidos na in%]ncia e na
adolesc ncia ali i idas.
^ uma poesia carregada da %ala e da %or/a dessa gente, +ue lhe deu a poesia +ue o
alimentou durante os A1 anos de sua e7ist ncia e para onde retornou em cin as a seu
pr-prio pedido, ho e espalhadas pelo cana ial +ue tanto o encantou e o indignou também,
como eremos. 2astro, mesmo radicado em al ador, capital da 'ahia, mesmo na elhice, ia
ao menos uma e ao m s a anto maro I isitar os seus %antasmasK, como costuma a di er,
e os +ue ainda insistiam em i er, sem dei7ar de sor er uma saborosa mani/oba. ssim di o
poeta: I!inha terra, não palmeiras9 ou cantar no berimbau9no eco de uma caba/aK, e I ou
dei7ar o meu recadoK, +ue é IV mensagem de minha gente VI nascida Inas rodas das
capoeirasK, ou IEu canto cana i"K (...) Ium rebanho de Mndias crarasK, assim mesmo na
l$ngua errada do po o, l$ngua certa do po o, como nos ensina 'andeira, e se desmancha em
met"%oras bel$ssimas: I%olha de cana é na alha9de cort" +ue nem saudadeK.
rande parte de sua poesia re ela a ginga de seu po o, nascido e crescido nos
conselhos do berimbau, regado a capoeiras, samba de roda e candomblé. 4 sincretismo
religioso e7ercia um %asc$nio enorme sobre o homem, +ue se di ia ateu, e o poeta, a ponto
de o le ar & risca a %rase tão propalada no 2inema No o, &s e es atribu$da ao amigo lauber
<ocha: I6ma c]mera na mão e uma ideia na cabe/aK, +ue ele tradu iu para I6ma c]mera na
mão e se a o +ue deus +uiserK. De sua terra registrou:, Lindro Amor0 4om+o U 4om+o1inho0
Matan%a0 Lu1ia um- um (+ue se outorga a o t$tulo de pro%essora de iolão de !aria
'et]nia, ao +ue sup nhamos uma %antasia dessa mulher do po o, maris+ueira, +ue sabia
cantar, dan/ar e tocar iolão): I# 8l 9meu gener"...K. 5ilmou as %estas uninas: anto nt-nio,
ão 0oão e ão *edro, montando mesmo um %ilme, com artistas amadores locais, por ele
pr-prio editado, imortali ou o deus dos sertane os, num trabalho de pes+uisa e de campo
e7austi o, assim como o %e com a %arinhada (%abrico de %arinha da mandioca de %orma
artesanal) e tudo a suas e7pensas.
4 poema8ep$gra%e, tirado do li ro inéditoMassap( de sesmarias , e7prime com clare a
os moti os poéticos de 2astro: I uero escre er meu poema9con%orme com minha terraK. 1@W
8/18/2019 Tese Padua
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%or/a da ancestralidade, como ponto de retorno, como elo primordial, a erdadeira busca das
origens, é %ato indissoci" el de sua poética (I6m gosto de ra$ aes9V os ancestrais V9 m
indoK), e também encontraremos as %iguras populares como Dom Domingos e 0oão 5lautim,
as duras leis do candomblé como em I*enit ncia do negro 'onitinhoS por %or/a de eb- ein e aK, os di%erentes caminhos do homem e da mulher negros %orros, mas também ai
denunciar a elha pol$tica do pão e circo em +ue se trans%ormam as %estas populares como o
carna al:
mingorra, mingorra
a nega t" %orra:
na roda8de8samba
V ela ai %arri"
nas orta da %ome
V ela ai emprenhar
na barriga de sete
V ela ai perpetuar
a %ome,
o home,
o %arri"...
+ui nesta terra tudo é 2arna " J
E, como 0oão 2abral de !elo Neto, constr-i essa poética de den ncia cont$nua, pois
parece não ha er %im para a escra idão dos menos %a orecidos, na sua grande maioria
negros e negras, mas ha endo brancos e brancas também. e7plora/ão, +ue come/ou com
os coloni adores portugueses e a di isão das terras por sesmarias, estendeu8se aos nossos
tempos com o capitalismo sel agem impetrado pelas grandes pot ncias, notadamente pelos
1@A
8/18/2019 Tese Padua
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E6 :
=, E ! <= J
Na maré bai7a
o po o tira seu sangue
e paga uros na 2ai7a
do mangue;
soma um a mais na conta
+ue sempre aumenta
e o rendeiro descontano oito ou oitenta;
+ue eio em naus
seu so%rimento
em doa/Ces aos
donos do momento;
ai, sesmarias J
Em muitos poemas de 5red, eclode um remoer de saudades de tempos pretéritos,
pr-7imos ou não, s- acalentado atra és da m sica a%ro8brasileira e seus instrumentos
musicais e sua dan/a, esse tipo de consolo, com certe a, não se %a endo dentro de uma
corrente %anoniana, nem netiana, estaria mais pr-7ima de um iriato da 2ru , con%orme o
poema I2alend"rio da saudadeK, +ue, embora não %a/a parte de nossa an"lise, tra emosapenso aos ane7os. 0" nesse li ro inédito de 2astro, aparece a %igura do her-i popular
I'esouroK, +ue também ser" in ocado em Samba de roda , pertencente ao nosso corpus:
4 _4!E! =<[
?empos <eais
ai, tempos <eais J
1@@
8/18/2019 Tese Padua
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( esmarias abertas
para cana iais) .
?empos iguais,
dias atuais J
(Nossas eias abertas
pelas multinacionais) .
i, 'esouro,
ai, 'esouro !angang":
o _omem ir"
(ai, o home ir" J) pra %a rebuli/o
no cana i".
'esouro !angang" tornou8se uma lenda no recMnca o baiano e em al ador, por sua
alentia, %or/a e uso da capoeira nas embrulhadas em +ue se metia, um t$pico her-i popular,
uma espécie mesmo de Yumbi, com sua hist-ria recentemente trans%ormada em %ilme e
e ocado na poesia de 5red como esse her-i Ipra %a rebuli/o9no cana i"K, para %a er a
re olu/ão, como eremos adiante. 'esouro se insurge, não como mal%eitor, mas como
contestador, de%ensor dos oprimidos como ele, +ue le am uma ida Icomprada a
retalho9roubada no peso9da balan/a do labutarK.
E, como em ngola, esse po o resiste e persiste, mesmo tendo sua ida roubada ao
pre/o das in usti/as e do trabalho %or/ado, atra és da dan/a e da m sica, pois s- atra és
delas são capa es de suportar as intempéries. 4 eu poético, &s e es, chega ao "pice do
altru$smo, sacri%icando8se a %a or do po o:
Eu +ue sem eira nem beira
i i o tanto +ue pude
s- pe/o a Deus +ue me a ude
a i er a ida inteiraGBB
8/18/2019 Tese Padua
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sem eb- e sem me inha
sempre go ando sa de
e de Deus sempre nas gra/a
comendo a minha %arinha
bebendo a minha cacha/a.
E sendo merecedor
da pro id ncia Di ina
pe/o a Deus outro %a or:
pra minha gente outra sina
+ue não essa de i ente
i endo do pr-prio sanguemorando em riba do mangue
se escorando no perigo
comendo o pão do castigo
irando sobra de gente.
4 outro li ro, também inédito, aparece numa antologia %eita pelo poeta em ida e
entregue ao escritor destas p"ginas com o t$tulo de ,s sem terra , como parte de Massap(s
de sesmarias , salientando8se +ue +uase todos os poemas dos li ros a+ui abordados de em
sair numa edi/ão da ecretaria de 2ultura do Estado da 'ahia, com erba " liberada para
este ano de GB1H, com o t$tulo5itanda do bem di1er Mangang) .
Em ,s sem terra , 2astro retoma a %igura de 'esouro como her-i do po o santo8
amarense. ?rata8se de um poema narrati o, cu a enuncia/ão é %eita em duas l$nguas: a
portuguesa e a espanhola, a primeira, suponho, para contar a in asão do 'rasil e a segunda,
a do restante da mérica latina. Nesse poema, o narrador parte de um poss$ el IcausoK para
contar a domina/ão, passada e presente, da mérica, considerada pobre pelo elho mundo
e, também, pelo no o, donde destaca8se a %igura dos E6 :
3LAS> A 5 K
2u"ntos dioses no han tumbadoGB1
8/18/2019 Tese Padua
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por la imposici-n de un Dios
ué sonidos no han plantado
en los latinos o$dos
las herramientas de muerte
mandadas en carabelas
(carabelas cala eras)
2inco siglos de hogueras
> cruces de cristiandad
cual salamandra de %uego
alrededor de su lecho:
(2arabelas de 2ol-n > armadas de 6ncle am).
!as o eu não se limita a narrar os %atos, como todo bom ate +ue é cada poeta, ele
também %a seu ulgamento e tira suas conclusCes, sempre pro%ético, e anuncia um no o
amanhecer como bem encerra o seu poema:
*<E!4N=TU4
i, o _omem ir".
2om mil caras, mil rostos,
o _omem ir".
4 _omem ir"pra %a er rebuli/o
no cana i".
cabou sesmaria...
l 8l
acabou sesmari".
GBG
8/18/2019 Tese Padua
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8/18/2019 Tese Padua
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também de 2arurus de 2osme, de ido & iguaria da culin"ria a%ro8brasileira, o caruru, +ue é
ser ida na ocasiãoK (GBBX, p.1@). E mais:
4 samba de roda também é parte %undamental do culto aos caboclos,
entidades espirituais cultuadas no conte7to a%ro8brasileiro, mas com %orte
re%er ncia ao uni erso amer$ndio. credita8se +ue os caboclos gostem de
samba, e em particular das modalidades +ue incluem iola.
(...)
4 samba também acontece depois de %estas de candomblés de rito nagM ou
angola, em alguns casos, " como tradi/ão institucionali ada e, em outroscasos, como algo espont]neo +ue pode acontecer ou não a depender do
]nimo das pessoas. Na ilha de =taparica é comum, ainda, o samba acontecer
de manhã, depois de uma noite inteira de %esta para os eguns, entidades
espirituais relacionadas aos ancestrais.
4utra importante %esta religiosa onde o samba de roda representa papel de
coad u ante proeminente e indispens" el é a de Nossa enhora da 'oa
!orte, em agosto, na cidade de 2achoeira (!ar+ues. GBB3) (GBBX, p.1@).
Esses são apenas alguns e7emplos, em se tratando do recMnca o baiano, não h" hora
nem dia para +ue ele aconte/a, bastando apenas moti o e disposi/ão. uase todas as %estas
citadas por *aim, em seu li ro 4elic)rio popular , terminam sempre com um samba de roda.
egundo ?iago de 4li eira *into, citado pelos pes+uisadores do =phan:
No <ecMnca o, o samba sem d ida tem uma posi/ão especial. ^
signi%icante a liga/ão +ue o samba consegue entre todas as %ai7as et"rias e
entre os se7os, como também o %alo de +ue %ormas de samba são ligadas,
de uma ou outra maneira, a +uase todas as espécies culturais importantes,
e +ue t m um papel importante nas demais datas %esti as, se am elas
religiosas, rituais ou de outra nature a. (GBBX, p.G1)
GBH
8/18/2019 Tese Padua
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_o e de emos olhar para o samba de roda como uma mani%esta/ão musical,
coreogr"%ica, poética e %esti a. 2omo o pr-prio nome insinua, a sua disposi/ão é em %orma
de c$rculo, muitas e es acompanhado de instrumentos musicais, tais como: pandeiro, prato8
e8%aca, iola, +ue são acompanhados por palmas pelos demais presentes e por cantosIestr-%icos e sil"bicos em l$ngua portuguesa, de car"ter responsorial e repetiti oK. inda
segundo os pes+uisadores do =phan:
estro%e principal, em certos casos, chamada de chula, pode ser cantada
por um ou dois cantores com certo grau de especiali a/ão, en+uanto a
resposta ou relati o V trata8se de termos locais V pode ser cantada por
todos os presentes ou, &s e es, por dois cantores também especiali ados,
di%erentes dos dois primeiros, com ou sem re%or/o das mulheres
presentes. . s estro%es são relati amente curtas, podendo ser de um nico
erso, e raramente indo além de oito ersos. _" ocorr ncia e entual de
impro isa/ão erbal. E7iste um repert-rio de estro%es conhecidas pelos
participantes, +ue no caso de canto indi idual, e e entualmente em dupla,
podem ser acionadas ad libitum. (GBBX, p.G3)
?odos acompanham a m sica atra és de coreogra%ias, m ltiplas, a depender do grau
de pro%issionali a/ão do grupo, se " se é poss$ el %alar disso, isso %eito da cintura para bai7o.
^ importante salientar +ue, durante a reali a/ão da dan/a, uma pessoa entra na roda
mostrando sua per%ormance e em seguida tira outra pessoa para substitu$8la. egundo
2arneiro e ?inhorão, citados pelos pes+uisadores do =phan: I4 princ$pio da altern]ncia
relaciona8se também com um dos gestos coreogr"%icos mais t$picos do samba de roda, a
%amosa umbigada, ou cho+ue de umbigos: tra/o cultural de origem banto, a umbigada é um
sinal por meio do +ual a pessoa +ue est" sambando designa +uem ir" substitu$8la na rodaK
(GBBX, p.GH).
Não podemos omitir +ue o samba de roda tem a %inalidade de congra/amento,
podendo, portanto, todos +ue ali estão dele participar; o samba não tem lugar espec$%ico
para acontecer, +ual+uer espa/o é "lido e seu to+ue contagiante. ão tradi/Ces transmitidasGBL
8/18/2019 Tese Padua
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por a%ricanos escra i ados no Estado da 'ahia, ao depois se misturam com outras tradi/Ces,
inclusi e a portuguesa. Esclarecem os pes+uisadores do =phan: I?al mescla, assim como
outras mais recentes, não e7clui o %ato de +ue o samba de roda %oi e é essencialmente uma
%orma de e7pressão de brasileiros a%rodescendentes, +ue se reconhecem como taisK (GBBX,p.GH).
2omo imos na parte biobibliogr"%ica de 2astro, o <ecMnca o baiano i eu uma época
de opul ncia com as culturas da cana8de8a/ car e do %umo. 2om a decad ncia da produ/ão
desses produtos e o empobrecimento regional +ue se seguiu, %icaram ainda mais redu idas e
prec"rias as oportunidades de sobre i ncia. ssim, te e lugar uma outra %orma de
e7pansão do <ecMnca o: a migra/ão, segundo in%ormam os pes+uisadores do =phan. *ara
eles, no entanto, essa migra/ão não %oi de toda ruim para a manuten/ão do samba de roda,
pois Ios trabalhadores, em sua esmagadora maioria negros, +ue abandonaram as elhas
cidades de anto maro, 2achoeira, ão 5éli7 e ão 5rancisco do 2onde para se
estabelecerem em po oados e ilas menores, em busca de melhores condi/Ces de idaK,
permaneceram na região. =sso +uer di er +ue Io <ecMnca o %oi e7pandido para dentro de si
mesmo. ^ muito corri+ueiro encontrar na região %am$lias espalhadas por di ersas cidades: o
resultado de in meras tentati as de se i er melhorK. 5oi gra/as a esse processo migrat-rio+ue ho e é poss$ el perceber certa unidade cultural na região. ssinalam os pes+uisadores:
despeito da disritmia intra8regional, a presen/a a%ricana e
a%rodescendente %oi, e continua a ser, uma marca da cultura do lugar. Eram
negros os homens, mulheres e crian/as +ue cuida am dos cana iais, %a iam
os engenhos %uncionarem, mantinham toda a in%ra8estrutura necess"ria
para o bem i er de seus senhores ... e ainda promo iam magn$%icosbatu+ues. 2omo ho e também o são os trabalhadores ocupados com a cata
de mariscos, com a pe+uena la oura ou com o re%ino de petr-leo, e com o
samba de roda. ?amanha predomin]ncia negra %a com +ue o <ecMnca o
resguarde pr"ticas cu1turais +ue são, a um s- tempo, uma s$ntese das
e7peri ncias das popula/Ces a%ricanas no 'rasil, e a e id ncia da enorme
criati idade dos seus descendentes.(GBBX, pp. GW8GA)
GBX
8/18/2019 Tese Padua
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2reio +ue essa +uestão salientada pelos pes+uisadores %ica e idente no poema
Samba de roda , de 5red ou a 2astro, com uma pe+uena di%eren/a, o poeta não se atém
apenas ao aspecto %esti o do %enMmeno, mas também & sua %un/ão cat"rtica de retorno aos
ancestrais, bem como o de den ncia da e7plora/ão do po o e seu apego at" ico ao solo do
massap , " tido como sua pr-pria terra, em +ue o migrar8se representa a uma segunda
di"spora, um segundo so%rer, por isso o atic$nio do retorno de I'esouroK, uma espécie de
ingador, m"rtir e libertador de sua gente.
ntes de darmos in$cio & an"lise propriamente dita dos poemas, %a/amos alguns
esclarecimentos sobre o termo IsambaK. egundo #u$s da 2]mara 2ascudo, samba est"relacionado com baile popular, dan/a de roda, batu+ue, pro indo de semba, umbigada, em
#uanda, segundo o pes+uisador brasileiro: I'atu+ue é denomina/ão genérica para o baile
a%ricano e o rei D. !anuel proibia sua %un/ão nas primeiras décadas do séc. \ =. 2om a
designa/ão de amba não conhe/o dan/a a%ricana nem registro algum de ia ante, durante o
séc. \=\K. 2onclui 2ascudo:
Na [%rica a dan/a, no registro portugu s de cinco séculos, di 8se batu+ue.
dan/a é &s e es o instrumental. 5rei !iguel do acramento #opes ama,
no arapuceiro (n X, <eci%e, 38G81A3A), esbra e a indignado contra o samba
dSalmocre es, e no n XH, de 1G8\=81AHG, registra:
I +ui pelo nono mato,
uSesta a então mui tatamba,
Não se sabia out?a zous.a .
enão a Dan/a do ambaK.
4 nome, entretanto, te e ulgari a/ão lenta e apenas em 1@1X apareceu a
primeira m sica impressa em +ue ele se menciona a I*elo tele%oneK, de
Ernesto ousa, Donga, <io de 0aneiro. 4 samba possui atualmente grande
ariedade de tipos e de %ormas, nos +uadros rurais e urbanos, e, no <io de
0aneiro, a ariedade, +ue é uma das elocidades iniciais, é o samba doGBW
8/18/2019 Tese Padua
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morro (2 26D4, X@B)
inda segundo 2ascudo, a dan/a era combatida pelos clérigos por considerarem8na
indecente. egundo os pes+uisadores do =phan, a primeira e +ue o termo %oi registrado no
'rasil data de 1A3A, em um ornal de *ernambuco. Na 'ahia, ele surge em 1AHH, mas, ao +ue
parece, sem liga/Ces com as %ormas de di ertimentos dos negros, chamadas de batu+ue.
egundo eles, sempre %undamentados nos historiadores 0oão 0osé <eis e 0océlio ?eles dos
antos:
^ s- na segunda metade do século +ue se passa a encontrar, sobretudo na
imprensa e em registros policiais, re%er ncias em pro%usão ao samba na
'ahia, e " agora com muitas das caracter$sticas ho e presentes no
<ecMnca o. primeira delas data de 1AXH V de =HB anos atr"s, portanto, e
GB anos depois do carcereiro antos ieira: INos becos da <ua da
2astanheda por e7emplo, ha ia, segundo o ornal o labama de X9=91AXH ,
sambas, todas as noites, acompanhados de pratos e pandeirosK (GBBX, p.3B)
No boletim Mensagem, no \ =, 0ulho de 1@XH, n 1 (#isboa), escre e ?om"s 0orge,
no conto poético I=n%]nciaK: I*assa a também a banda do amba9?oda a gente
acompanha a o ambo9 ambo m sico e curandeiro milagroso.K (p.3G). Esses
esclarecimentos ser em tão somente para rati%icar algumas de nossas conclusCes tomadas
ao longo da an"lise do te7to poético de 2astro, parte do corpus de nossa tese, o +ue não é,
porém, de somenos.
Em GG e G3 de agosto de GBBX, a grande sambista brasileira 'eth 2ar alho reali ou
um shoF intitulado I'eth 2ar alho canta o samba da 'ahiaK e dedica o espet"culo ao grande
sambista baiano Dori al 2a>mmi, o +ue mostra a rele ]ncia dessa mani%esta/ão, ho e,
art$stica, +ue come/ou com a gente so%rida do massap , ou melhor, com seus ancestrais
indos de [%rica. Do shoF participam grandes e7poentes da m sica baiana ao lado da
sambista carioca, %amosos e não; citemos alguns dos compositores: 'atatinha, <iachão, EdilGBA
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 210/295
*acheco, <oberto !endes, ?ião !otorista, ordurinha, Yé *retinho da 'ahia, ilberto il,
ssis alente, Nelson <u%ino, 2aetano eloso e o pr-prio 2a>mmi, entre outros. *assemos,
agora & an"lise do poema de 2astro.
3+3+3+@+ Sam;a de roda8 1onte de ale.r as e tr steHas da .ente do
massa,>
I amba de <odaK, en%im, ilustrado pelas belas gra uras de2alasans Neto, apresentando %ei/ão gr"%ica moderna e
elegante, lan/a um poeta, +ue, por o em, nada de e. I ambade <odaK, sem d ida, representa, magni%icamente, ano $ssima poesia bahiana. ( lbérico !otta, s9d)
2onheci 5red ou a 2astro no in$cio dos anos XB. (...) primeira e +ue i 5red ou a 2astro, cu o nome de poetarespeitado " me era %amiliar, %oi no bar 'aiana; +ue %ica a unto ao ?esouro, nas pro7imidades de dois outros bares%amosos: o <io erde e o \angM. (...) 2omo diria Drummond,nunca me es+uecerei desse acontecimento na ida das minhasretinas tão %atigadas... 4 mais espantoso %oi +ue terminei%a endo ami ade com o admir" el poeta. (...) *oeta e%iccionista, %abuloso contador de causos cr$ eis ou incr$ eis,tudo embebe num lirismo +ue amais cessa...(<u> Espinheira5ilho, A 9arde ultural , GBB1)
4 +ue apresenta 5red ou a 2astro, como sempre, é o +ue elecostuma nos apresentar: uma literatura de alta +ualidade.
(<u> Espinheira 5ilho, #auro de 5reitas, aneiro de 1@@X)
Samba de roda , pois, é o primeiro li ro publicado por 5red ou a 2astro, com
7ilogra uras de 2alasans Neto, no ano de 1@LW, momento em +ue nasce na 'ahia, em
al ador, mais precisamente, uma gera/ão de o ens intelectuais, uns mais elhos, outros
mais no os, " sob a lideran/a do ainda candidato a g nio lauber <ocha, então com 1A anos,
mais 5ernando da <ocha *eres, 0oão 2arlos ?ei7eira omes, 5ernando <ocha, 2arlos n$sio
!elhor, 2alasans Neto, il a Dutra, 5loris aldo !atos, lbérico !otta e 5red ou a 2astro,
este " com GX anos. Esses o ens se reuniram a outros e %ormaram a %amosa era/ão !apa,
de onde surgiram a re ista, com o mesmo nome, de curta dura/ão, as ogralescas, as Edi/Ces
GB@
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 211/295
!acuna$ma e a eman " 5ilmes. uase todos eles ainda secundaristas do 2olégio da 'ahia,
ho e 2olégio 2entral.
4 li ro, & época, recebeu um coment"rio cr$tico de um dos participantes da era/ão,
lbérico !otta, e %oi recomendado por lauber a amigos do ul do pa$s, a +uem pedia
aprecia/ão, o +ue pode ser compro ado atra és das re%er ncias bibliogr"%icas e dos ane7os.
?rata8se de um poema narrati o, embora o eu poético nele se %a/a presente, por isso
poder$amos di 8lo épico, mas a carga de lirismo empreendida é tão grande +ue podemos
considerar Samba de roda como um poema épico em suas inten/Ces
enunciat as9construti as e, ao mesmo tempo, l$rico na sua linguagem e acep/ão poéticas,
sendo estas a sua ess ncia.
4 poema est" di idido em +uatro partes: =) 2anto tel rico; ==) *erspecti a; ===) ?ema V
Desen ol imento, +ue, por sua e , di ide8se em a) terra e o po o, e b) amba de roda; e
= ) isão de no a idade. er assim tecnicamente distribu$do, parece8nos tratar8se de um
poema épico ou um ensaio sociol-gico como em ,s sertões de Euclides da 2unha, +ue possui
a seguinte estrutura: terra, 4 homem e luta.
EmSamba de roda também teremos os tr s segmentos, mas, como se trata de %ic/ão,
a luta permanece no ide"rio poético do socialista, +ue era o seu autor. 6topia a ser
alcan/ada ainda, mesmo depois de passados LW anos de sua publica/ão, mas +ue não cremos
imposs$ el.
I7 Canto tel:r co
Na primeira parte I2anto ?el ricoK, o poeta ou e a in oca/ãodo massap . ão ersos calmos e precisos.
(...)
4 massap %ascina o poeta: o massap +ue alimenta oshomens +ue Itra em no corpo as mesmas manchas dos gomosda canaK o massap , +ue prende e castiga, ciumento e terr$ el,os homens rebeldes +ue pensam em %ugir...
G1B
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 212/295
?odo o drama do cana ial é sentido pelo poeta, em toda suagrandiosidade humana. terra e o homem, a luta eterna entreos dois, a condi/ão l$rica resultante, constituem o tema deI amba de <odaK.
( lbérico !otta, ne7os 5red)
primeira parte inicia8se com uma das mais belas met"%oras de nossa literatura: I6m
bisturi de lu parte ou a neblina;9e do entre leitoso do I%ogK de anto maro9nasceu a
cabeleira erde do %ilho do massap K: assim o enunciador pro eta o nascimento do
I2ana ialJK, cu o choro é um I agidoK +ue se mistura & Itirana do negro suadoK ao lidar com
a Iterra comburidaK, +ueimada, e ao Irangir dos %erros da usinaK. 4s tr s primeiros
elementos aparecem amalgamados, indissol eis e9ou indissoci" eis.
_" um di"logo tra ado entre o eu poético e o I2ana ialK: este I%ilho e pai ao mesmo
tempoK, como numa rela/ão edipiana, pois +ue Iteus %ilhos, os homens tostados do
massap ,9tra em no corpo as mesmas manchas dos gomos da canaK e I*or+ue a lama do
massap 9mais o p- de espinhos das tuas %olhas9amalgamados os marcam na labutaK e, como
^dipo, I*ara onde %ugir K, então o homem I%ilho do massap K, tal +ual o I2ana ialK, não
pode des encilhar8se de seu destino e resigna8se ao dom$nio at" ico a +ue est" preso, pois,se ele %oge:
+ual+uer destes dias
ai ou ir a tirana cantada no trabalho...
ai ou ir a+uele samba de roda...
E lembrar %olhas erdes ao longe lhe acenando.:.
brindo8lhe os bra/os
num abra/o na sua saudade...
Então, é oltar.
enão a triste a toma conta
e nunca mais alegria ...
Nunca maisJ
G11
8/18/2019 Tese Padua
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4s ersos, assim nessa distribui/ão, ão como +ue desenhando um +uadro diante de
+uem os l , numa isão impl$cita de uma %otogra%ia posta & nossa %rente. té a$, emos um
eu a construir esse +uadro melanc-lico do homem e de sua terra, adiante, porém, o +ue é
dor e saudade e7plode nas mãos " idas de um sonho +ue I em de longe, no tempo e noespa/oK, em Isons ritmados de o es, iolas e pandeirosK e esse homem é possu$do por
Iestranha alegriaK e Iderrama pelo massap toda a alegria +ue encerra9no canto de amor e
de saudade do escra o da terraK. Essa passagem nos remete diretamente ao mito de ^dipo,
+uando este, " cego, entrega8se ao I entreK da terra, completando, assim, o ciclo da sua
e7ist ncia. - +ue em 2astro se d" uma outra perspecti a como eremos a seguir. 2ompete8
nos esclarecer, mais uma e , +ue a m sica %unciona como um chamamento at" ico,
lit rgico, de penates: o antigo escra o dos homens torna8se agora escra o também da terra &+ual se apegara como seio materno. Esse mesmo moti o amos encontrar em olano
?rindade e em Neto.
II7 Pers,ect va
Na segunda parte, I*erspecti aK, a esperan/a e o amor dopoeta se %undem, indissolu elmente, nestes ersos serenos eseguros:
6m dia ...6m raio de entendimento
ai rasgar a neblina dos olhos da gente do massap J . .( lbérico !otta)
Não é sem ra ão +ue esta parte denomina8se e7atamente Iperspecti aK. ?rata8se deuma pro%ecia, de um atic$nio, " +ue todo poeta é um ate. Essa pro%ecia marca uma
ad ert ncia pregada pelo ate, da mesma %orma +ue amos encontrar em Neto, sem a
mesma intensidade tal e . Em Neto, o eu poético é Ia+uele por +uem se esperaK; em 2astro,
o esperado é o her-i popular, é I'esouroK, +ue não aparece e7pl$cito em Samba de roda ,
mas ai aparecer com toda sua %or/a em 5itanda do bem di1er Mangang) , em ersos
também da década de LB:
G1G
8/18/2019 Tese Padua
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i, 'esouro,
ai, 'esouro !angang":
o _omem ir"
(ai, o home ir" J)
pra %a rebuli/o
no cana i".
$mbolo da resist ncia e da re olta do homem e7plorado, outrora como escra o, ho e
pelo imperialismo capitalista, representado pelos senhores de engenho e, mais & %rente,
pelos empres"rios do a/ car e do %umo:
?empos <eais
ai, tempos <eais J
( esmarias abertas
para cana iais) .
?empos iguais,
dias atuais J
(Nossas eias abertas
pelas multinacionais)
+ui h" uma sub ersão do mito de ^dipo uma e +ue a imagem dos ersos (I6m
dia 9 6m raio de entendimento 9 ai rasgar a neblina dos olhos da gente do massap J . . K)nos pCe em outra dimensão: en+uanto ^dipo %ura os pr-prios olhos, o Iraio de
entendimentoK rasgar", no sentido de abrir, os olhos da gente do massap +ue se
encontra am encobertos pela neblina.
G13
8/18/2019 Tese Padua
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III7 Tema ( Desenvolv mento
a7 A terra e o ,ovo
Esse despotismo é tanto mais mes+uinho, mais odioso, maise7asperante, +uanto mais abertamente proclama +ue seu %im
ltimo é o lucro. (...) mas toda luta de classes é uma lutapol$ticaP.(! <\ EN E# )
terceira parte do poema é o tema, propriamente dito, da obra. +ui 5rederico 0osé
de ou a 2astro estuda, com acentuado igor poético, as duas %or/as em luta: a terra, o
cana ial erde e dominador, de um lado, e o homem, simples e bom, do outro. Dessecho+ue, somente os donos do massap conseguem sair ilesos. +ui, o massap ganha duas
dimensCes: a primeira é sua rela/ão edipiana com o homem +ue nela trabalha; a outra, é a
%onte de ri+ue a da+ueles poucos +ue se+uer pCem os pés l".
_" dois tipos de ser em rela/ão & terra: a gente +ue com ela se identi%ica e por +uem
o poeta se doa em carinho e cuidados e Ios donos do massap 9+ue ninguém K(...) Imas
desses a gente não %alaK, estes são de somenos, então o eu se trans%orma em Ia genteK comodi o homem do massap +ue é o n-s, o coleti o.
marca sil"bica tMnica o7itonal e a repeti/ão Imassap K, também %inal, dão a ideia de
uma ida +ue se ergue & base do trabalho repetiti o, sem absolutamente nenhuma
no idade, trata8se de um trabalho mec]nico e desumano, como em I2i ili a/ão ocidentalK,
de Neto:
'ritar pedraq
acarretar pedra
britar pedra
acarretar pedra
ao sol
& chu a
britar pedraG1H
8/18/2019 Tese Padua
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acarretar pedra
(1@AW, p.X@)
Em 2astro teremos:
ESa terra =nteira assim:
#ama e torrão9con%orme se a in erno ou erão...
4 'rasil de l" é s- massap .
E gente do massapé.
%ora os donos do massap
+ue ninguém .
(*or+ue não gostam do massap ).
(...)
*lantar a cana,
2ortar a cana,
+ueimar o terreno,
limpar o terreno,
*lantar outra e ... ente d- eito,
doente do peito,
tomando me inha,
morrendo so inha
num canto de massap .
(1@LW, p.1H)
E Neto complementa:
elhice em cedo
6ma esteira nas noites escuras
basta para ele morrer
G1L
8/18/2019 Tese Padua
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grato
e de %ome.
(1@AW, p.X@)
Em 2astro parece, mas s- parece, um certo con%ormismo da Igente do massap K:
!as essa indignidade
+ue %re a mim e a oc
não %ere a gente do massap ;
por+ue o mundo da gente do massap
s- massap : #ama e torrão
con%orme se a in erno ou erão
(1@LW, p.1H)
inércia, a resigna/ão da Igente do massap K est" centrada na sua %alta de estudo,
de conscienti a/ão, por isso a bebida, o "lcool, é +ue %a a %elicidade dessa gente, assimcomo nos musse+ues dos poetas angolanos. 4 alerta do eu poético é bem claro: trata8se de
uma I5elicidade b badaJK, não de uma %elicidade consciente, por isso é +ue nesses
momentos h" uma espécie de retorno aos antepassados, " +ue possu$dos pela sem8ra ão
desta mistura:
t" ico etilismo, tosse, %umo, e dan/a
distila, instila, %er e, %ede. ( uor e "lcool)
E en+uanto corpos negros %otogra%am
a lu an mica do candeeiro
di em b"rbaros sons ataba+ues possu$dos
por e7portadas mãos despachadas
acondicionadas no porão de um cargueiro.
G1X
8/18/2019 Tese Padua
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;7 Sam;a de roda
Dessa luta entre o massap e o po o, +ue, apenas, Iplanta
dinheiroK, para os donos, surgem a dor e o dese o de %ugir.!as, imposs$ el escapar. 4 cana ial guarda os seus %ilhosciumento. 4 eito é cantar:
^ o samba8de8roda;de negros, mulatos,brancos também,se rebolando no chão batidochão rubro de massapéJ( lbérico !otta)
Nesta parte, %undem8se o poeta e o pes+uisador, a+ui se narra o e ento, o samba de
roda, +ue é tocado, batido, cantado e dan/ado (e comentado por +uem l" não %oi ou não
pMde estar) pela gente do massap , de "rias paragens, a ele tudo pertencendo: negras e
negros e brancas e brancos também, libidinagens, cacha/a e Icon%usãoK. 4 enunciado
alterna8se com a enuncia/ão: são in ocadas as o es do passado, Ilamentos das sen alasK:
*ercutem tambores,repicam iolas,
chocalham pandeiros,
e tudo reunido:
tambores, iolas,
as o es, pandeiros,
o cheiro +ue sobe dos corpos suados,
melodia, cad ncia,
tra em reminisc ncia de noites do 2ongo,
de negros suados
cantando cantigas em l$ngua nagM.
INão %ui eu morena
+uem %e arenga a teu pai ...
não %ui eu morena
+uem %e arenga a teu pai ...
apatina bem %eitaG1W
8/18/2019 Tese Padua
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sapateiro é +uem %a ...K
?udo bem calculado, bem di idido: enuncia/ão e enunciado, na predomin]ncia das
redondilhas, dos ersos curtos, consoante pede o ritmo. egundo lbérico !otta, tal e o
nico a tecer um coment"rio sobre Samba de roda :
+ui 5rederico 0osé de ou a 2astro nos %ornece uma preciosa
documenta/ão %olcl-rica, transcre endo os gostosos sambas de roda, +ue,
com a aguardente ali iam a alma e o peito do homem do massap :
IEu topei seis cabras machos,
e essa %oi pe+uenininha,
um %acão de sete arrobas,
%ora o arco e a bainha,
%ora o a/o +ue ele tinha.
6ma cesta de o os,
etecentas galinhas
o trem corre
por cima da linha...
ssegura8nos !otta +ue se o poeta não alesse, pela seguran/a e sua técnica e pelo
igor de sua mensagem, o pes+uisador %olcl-rico tornaria Samba de 4oda um li ro til a
+ual+uer estante brasileira. !as ale o poeta e ale o pes+uisador. 2astro, como grandeconhecedor +ue o é da cultura de anto maro, onde i eu a maior parte de sua ida, pMde
sentir, nas pr-prias %ontes originais, a hist-ria do homem do cana ial, +ue ele bem soube
captar:
ES assim no massap .
Entre um samba e outro
morre alguém,G1A
8/18/2019 Tese Padua
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nasce alguém,
alguém dei7a o massap
e ninguém mais o .
2om um olhar cinematogr"%ico, heran/a de sua i ncia com a ? e o cinema, o poeta
ai pro etando no papel em branco, com sua 1oom poética, a cena da disputa entre as
personagens. E como um elho griot , ai tecendo o acontecido atra és das personagens por
ele, como poeta, criados ou relembrados de IcausosK ou idos +uando crian/a ou in entados,
con%orme di"logo entre o elho pai, +ue não pMde ir ao samba, e o %ilho +ue l" este e.
tra és de Samba de roda , 2astro %a 8nos acreditar +ue a e7plora/ão do homem pelohomem acontece em todos os lugares: tanto em anto maro, +uanto em ão *aulo, a
di%eren/a é +ue a %uga praticada pelo homem do massap (por uma ida melhor) termina
por causar8lhe mais triste a em irtude da pr"tica de uma no a di"spora: a do sertane o
nordestino (colocando num plano mais alargado) para as cidades grandes, notadamente a
capital paulista, %onte ilus-ria de ri+ue a, muito cantada por *atati a do ssaré e outros
poetas e cantores nordestinos, bem como pelos ilustres escritores chamados de regionalistas
da gera/ão de 1@3B.
I 7 s9o da nova dade
$ +ue de um golpe a mérica do Nortele anta uma ta/a de negro metal:
a negra ta/a do iolento hidrog niocom +ue brinda o ?io am.# brico macaco de pe+ueno cr]niochia em sua mesa: $ela morte vai#2repuscular responde um coro m ltiplo:!ai pela morte0 pela morte vai#(Nicol"s uillén)
I isão de no a idadeK nada mais é do +ue a proclama/ão da re olta da Igente do
massap K, tal +ual a re olu/ão russa de 1@1W e, +ui/", tal +ual a de 2uba em 1@LA e tal +ual a
G1@
8/18/2019 Tese Padua
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de ngola, +ue s- iria acontecer a partir de 1@X1. <epresenta a tomada do poder pelos
e7plorados, +ue, numa atitude e7emplar, aspiram a aplicar o dinheiro, apreendido dos
e7ploradores, em escolas, hospitais e moradias decentes:
6m dia oc
+ue sabe somente
(o +ue é bastante)
+ue a+uela gente
planta dinheiro
no seu massap ,
+uando acordar, cansado ainda dos ban+uetes da éspera
e procurar.
nas cai7as8%ortes dos bancos.
s moedas +ue brotaram dos gomos da cana ro7a,
Eles mostrar8lhe8ão a Escola
E o _ospital
!aternidade
E as casas no as
2onstru$das no lugar das choupanas.
(1@LW, p.GX)
^ a mesma isão tida pelo Ioper"rio em constru/ãoK de inicius de !oraes, a mesma
conscienti a/ão buscada por Neto entre os negros e as negras dos musse+ues de ngola, é a
pura isão socialista apregoada por !ar7 e Engels em seu Manifesto omunista , é are olu/ão oper"ria ad inda pela %or/a da poesia, do samba de roda, +ue ilumina e encora a o
po o a tomar do patrão o +ue, por direito de humanidade, lhe pertence; não nos enganemos
pensando di%erente, essa Igente do massap K, embora indi iduali ada, representa toda a
gente estiolada pelo império capitalista +ue se alastrou ao longo dos séculos mundo a%ora,
bene%iciando uma classe de m$nimas pessoas a%ogadas no dese o desen%reado do lucro, sem
dar nenhuma import]ncia &s classes trabalhadoras: das %"bricas, das ind strias, do comércio,
GGB
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 222/295
dos cana iais, das usinas e da ona rural, como um todo.
pro%ecia, pre ista na segunda parte, esperamos, h" de se concreti ar um dia, pois o
poder dos ates é ine7or" el. ssim %alou Drummond em sua IElegia 1@3AK:
2ora/ão orgulhoso, tens pressa de con%essar tua derrota
e adiar para outro século a %elicidade coleti a.
ceitas a chu a, a guerra, o desemprego e a in usta distribui/ão
por+ue não podes, so inho, dinamitar a ilha de !anhattan
4 +ue nos %a lembrar os acontecimentos de setembro de GBB1 nos E6 , não +ue o
poeta de =tabira dese asse a morte de tantos inocentes, mas ser" +ue estaria se
concreti ando o +ue ele aticinara em 1@3A segundo, ainda, as pala ras de lbérico !otta,
representante da era/ão !apa, escritas nos idos de 1@LW:
Na ltima parte de I amba de <odaK, 5rederico 0osé de ou a 2astro
cristali a o seu sentimento de amor e de esperan/a, +ue desde +ue n-sterminamos a leitura do poema, passa a ser também nosso: I6m raio de
entendimento ai rasgar a neblina dos olhos da gente do massap K.
I amba de <odaK, en%im, ilustrado pelas belas gra uras de 2alasans Neto,
apresentando %ei/ão gr"%ica moderna e elegante, lan/a um poeta, +ue, por
o em, nada de e. I amba de <odaK, sem d ida, representa,
magni%icamente, a no $ssima poesia bahiana. ( lbérico !otta).
<ecorremos, então, mais uma e a ramsci, +uando di +ue a Ipossibilidade não é a
realidade, mas é, também ela, uma realidadeK e +ue Ipossibilidade +uer di er liberdadeSK;
por isso:
4 homem, neste sentido, é ontade concreta: isto é, aplica/ão e%eti a do
+uerer abstrato ou do impulso ital aos meios concretos +ue reali am esta
GG1
8/18/2019 Tese Padua
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ontade. 2ria8se a pr-pria personalidade: l) dando uma dire/ão
determinada e concreta (IracionalK) ao pr-prio impulso ital ou ontade; G)
identi%icando os meios +ue tornam esta ontade concreta e determinada e
não arbitr"ria; 3) contribuindo para modi%icar o con unto das condi/Ces
concretas +ue reali am esta ontade, na medida de suas pr-prias %or/as e
da maneira mais %rut$%era. 4 homem de e ser concebido como um bloco
hist-rico de elementos puramente sub eti os e indi iduais e de elementos
de massa V ob eti os ou materiais V com os +uais o indi $duo est" em
rela/ão ati a. ?rans%ormar o mundo e7terior, as rela/Ces gerais, signi%ica
%ortalecer a si mesmo, desen ol er a si mesmo.(1@XX, p.HW)
Então o mito de ^dipo dei7a de cumprir8se, a %a or de uma no a utopia: a concre/ão
do Estado ocialista.
GGG
8/18/2019 Tese Padua
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CO%C)US'O
2omo arremate desta tese, con ocamos para uma re%le7ão +ue se %a necess"ria:"rios escritores %oram recha/ados pela cr$tica o%icial e +ue, por um ou outro moti o, %icaram
& margem da o%icialidade acad mica. ?emos como e7emplo na literatura ocidental, como um
todo, 5ran/ois <abelais (1H@H81LL3), poeta %ranc s do século \ =, ho e um cl"ssico
consagrado, +ue %oi por séculos dei7ado no ostracismo, e7atamente por tornar a %ala e as
%estas populares de seu tempo em moti os poéticos e te e seus li ros con%iscados pela
orbonne & época; dentro da pr-pria literatura de l$ngua portuguesa, h" "rios casos, como
reg-rio de !attos e uerra (1X3X81X@X), poeta brasileiro +ue o +uiseram copista, plagiador
e até ine7istente, tornando8o uma espécie de "rios poetas, destitu$do de identidade
pr-pria.
2omo se sabe, o 'rasil %oi colMnia de *ortugal durante mais de tr s séculos, tornando8
se independente em 1AGG, e s- 1BB anos depois é +ue se %a uma re isão hist-rico8liter"ria
de pro%undas rupturas estéticas, sem nunca, porém, despre ar os seus escritores do passado,
por mais +ue alguns tenham sido espe inhados pelos e7ecutores da emana de rte!oderna, como são os casos de 'ernardo uimarães e 4la o 'ilac.
e pegarmos os patronos das cadeiras da cademia 'rasileira de #etras e até mesmo
alguns acad micos, +uando da sua %unda/ão em 1A@W, por !achado de ssis e seus
disc$pulos, encontraremos nomes até ho e desconhecidos, inclusi e de muitos intelectuais
brasileiros.
o nosso er, o +ue os intelectuais de ngola t m a %a er é elaborar o seu pr-prio
c]none, dei7ando de lado alguns aspectos de ordem re anchista ou até mesmo
preconceituosa, resgatando a+ueles escritores +ue mant m uma identidade s-cio8cultural e
liter"ria desde o tempo de sua %unda/ão, com 2adornega, ou antes, com sua literatura oral,
preser ada até aos dias de ho e.
Não se pode e7purgar uma obra +ue mantém la/os identit"rios com a terra e o seu
po o s- por+ue o seu autor nasceu em outras plagas; se assim %osse, ?om"s ntMnioGG3
8/18/2019 Tese Padua
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on aga, nascido no *orto, tendo morrido em !o/ambi+ue, não seria um poeta brasileiro.
Esperamos, da+ui a 3B ou HB anos, ou ir do po o angolano +ue esses poetas
compCem sua tr$ade canMnica, e +ue gostinho Neto é, não o seu 2amCes +ue cantou as
in asCes portuguesas, inclusi e a de ngola, mas o poeta +ue pre iu e promo eu a e7pulsão
desses in asores de sua terra8mãe. !esmo +ue tur as se am as "guas lusas.
Da pes+uisa %eita, o +ue %ica é +ue esses tr s poetas " come/am a ocupar o lugar +ue
lhes é de ido atra és de alguns trabalhos cr$ticos e9ou acad micos, dentro dum poss$ el
c]none da literatura angolana, ambos inculados ao mo imento I amos Descobrir ngolaJK,
a%inados, em determinados poemas, com a den ncia da e7plora/ão da terra e do po o de
[%rica, condenados por "rios séculos ao a iltamento pelo branco europeu, com aconscienti a/ão de sua gente oprimida e com a con oca/ão da luta em busca de sua
liberta/ão total. 4u/amos, mais uma e , l%redo !argarido:
4 +ue se %i7a, pois, nos ersos dos poetas angolanos, é a di%eren/a essencial
+ue e7iste nas rela/Ces sociais tra adas entre as "rias etnias postas em
presen/a no mesmo espa/o geogr"%ico. <econhece esta poesia, em primeiro
lugar, +ue o homem negro se encontra numa posi/ão peculiar, e +ue por
isso a sua ac/ão não possui um ob ecti o +ue possa ser classi%icado como
um interesse particular. 2om e%eito, para além dos seus interesses gerais ou
particulares, a sua situa/ão peculiar obriga8o a de%ender a sua ida
(! < <=D4, p.GWX)
2om rela/ão aos poetas brasileiros, sentimo8nos com a missão cumprida, ap-s ter
proporcionado a eles um con%ronto salutar dessa en ergadura, posicionando cada um em
sua dimensão estética, sem lhes tirar ou acrescentar nada +ue não se a %ruto de uma
pes+uisa deste trabalho.
gora é esperar +ue as academias pertencentes aos pa$ses +ue t m a l$ngua
portuguesa como o%icial possam apreci"8los com mais cuidado, cabendo8lhes a certe a de
+ue não estão %a endo nenhum %a or, muito pelo contr"rio, apenas cumprindo o seu de er.GGH
8/18/2019 Tese Padua
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ale acrescentar +ue, partindo da obra de gostinho Neto, poeta +ue reputamos,
dentre os trabalhados, como o de maior agude a no trato das +uestCes do homem oprimido,
especi%icamente do negro a%ricano de ngola e, por outro lado, os oprimidos de todo o
mundo, encheu8nos de orgulho o trabalhar sobre os seus poemas ei ados da dor, da alma edo dese o de liberta/ão do homem angolano, sem claudicar em nenhum momento entre os
seus ob eti os poéticos e pol$ticos, tra/ando, como +ue calculadamente, cada percurso de
sua ida ao tempo correto de sua e7ist ncia, ob eti os esses bem de%inidos em seu discurso
tanto em prosa, +uanto em erso.
ua poesia é a o de seu po o e, como uillén, também a dos a%ricanos em sua
di"spora e a de todos os po os oprimidos, sendo uma poética de combate e estando
comprometida com as circunst]ncias em +ue %oi escrita; mesmo assim, nunca dei7ou de ser
bela e e7pressi a, não se des iou de seus ob eti os, nem padeceu da estética pela estética,
podendo %a er parte de +ual+uer antologia poética, independentemente de sua tem"tica,
pois o seu compromisso pol$tico " %oi alcan/ado, %altando apenas o social e o acad mico.
2om rela/ão aos outros poetas, e7ternamos, igualmente, a salutar con i ncia com
suas poéticas, e7altando de nt-nio 0acinto, companheiro de Neto e grande poeta, a+ueles
poemas, tão ricos, +ue %alam de sua gente com tamanho sentimento de perten/a, a%inando
em muitos momentos com a poética de Neto e, +uando dela se distanciou, %oi para dar uma
no a roupagem & sua pr-pria poesia, alcan/ando n$ eis de alta grande a, de pro%unda
re%le7ão e7istencial, mas +ue bem soube cantar também a dor de sua gente.
*odemos a%irmar, com toda seguran/a, +ue, se iriato da 2ru ti esse se dedicado &
poesia como o %e & pol$tica, seria outro poeta soberbo de ngola. Não ti esse %icado ele com
os poucos poemas +ue escre eu (e, como dissemos, dignos das maiores e melhoresantologias, ele também poeta %undador), teria al/ado oos mais long$n+uos, como os dados
por Neto e 0acinto. 4 +ue %e , no entanto, " é digno de um bom poeta.
5alando da poesia a%ro8brasileira, tendo como representantes um negro militante e
promotor de cultura popular, pre%erir$amos di er apenas cultura, e um branco, mas também
militante da cultura popular, embora em outra ordem, sentimo8nos igualmente agraciado,
pois se trata de dois grandes poetas: olano ?rindade e 5red ou a 2astro. 4 primeiro,
GGL
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 227/295
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 228/295
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! N2=4, =ris !aria da 2osta, 4!E , Nilma #ino e 04< E, !iriam # cia dos antos.
Literaturas africanas e afro-brasileiras na pr)tica pedagógica . 'elo _ori onte9! ,
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ND< DE, !"rio de (4rg.). Antologia tem)tica de poesia africana V ol. =Na Noite Jr)vida
do $unhais. #isboa: 1@W@, #i raria " da 2osta Editora, 1@WX.
{{{{{{. Antologia tem)tica de poesia africana V ol. ==anto armado . #isboa: 1@W@, #i raria" da 2osta Editora, 1@W@.
ND< DE, 4sFald de. adernos de poesia do aluno ,sVald &$oesias reunidas' . ão *aulo,
'rasil: 2$rculo do #i ro, 1@A1.
<N 6?, #ui #4*E , na !-nica. >istória da Wfrica: uma introdu%+o 2ole/ão 'iblioteca
%ro8'rasileira <io de 0aneiro: *allas, GBBA.GGW
8/18/2019 Tese Padua
http://slidepdf.com/reader/full/tese-padua 229/295
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1XB p.
'#44!, _arold. 9em de ser amor . literatura antes de mais nada0 in L/4 , unho de GB1G, no.
11H.
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A%E OS
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GHH
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PENUE%A A%TO)OGIA DE E SO RE FRED SOU A CASTRO
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GLL
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GLA
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GL@
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GXX
8/18/2019 Tese Padua
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GXW
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GXA
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GX@
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GWB
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GW1
8/18/2019 Tese Padua
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CA)E%D$RIO DA SAUDADE
!andei carta sem destino
(o ento %oi mensageiro)espero desde menino
resposta do amor primeiro.
No +uintal de minha espera
plantei um grão de esperan/a:
eu sendo sempre crian/a,
oc sempre *rima era.
2i%rei seu nome no erso
sendo oc a primeira
e sendo tão erdadeira
de minha ida o re erso
eu canto, grito e con erso
princ$pio e %im do uni erso
desta minha brincadeira
+ue a brisa mensageira
me trar" em prosa e erso
de eras o amor edado
+ue po oa a solidão
de um poeta acorrentado
aos elos deste re%rão:
diga de olta ao lugar,
ire a pala ra no meio,
na letra do b 8a8b"
mande uma carta no seio,
don"...GWG
8/18/2019 Tese Padua
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+uero lhe descascar
como a cana crioula;
+uero lhe descascar como a cana a criou
l 8l"8l".
amos na beira do mar,
pega no seu pé8de8 ento,
bote a ela pra oar,
oa mais +ue o pensamento,don"...
me abre a gaiola
+ue eu +uero a o".
?ibiri8Da85olha rossa,
Yé Do , 'ilusca, é:
nome de gente e de barco
nas "guas do ubaé...
^
de madrugada
ou pro 2alolé:
o samba pu7a cacha/a,
cacha/a pu7a ca%é
com %aro%a:
I%arinha %ina é de mesa,
é de mesa, é de mesa, é de mes";
%arinha %ina é de mesa...K
#" em inh" !adalenaGW3
8/18/2019 Tese Padua
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na Estrada de 0eric-:
soldado %oi pra no ena,
Delegado %icou s-,
4h J !e abre a cai7inha
+ue eu +uero o meu p-.
2ai7inha de bom parecer
guarda l" dentro um segredo
mas a cha e desse enredo
não h" carapina +ue saiba %a ,M don", M don ,
me mande a mucama
cat" ca%uné.
?re e dias tem meu anto,
ela de sete tostCes,
o não de todos os senCes
%ica escornado num canto,
canto:
Isub$, precioso incenso
até o trono do lt$ssimo;
incensai o glorioso ntMnio
com per%ume sua $ssimo...K
ente na pra/a, barulho,
*re%eitura na anela:
mocidade in ade unho
toda erde e amarela,
don"...
me bote uma %itaGWH
8/18/2019 Tese Padua
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na minha lapela.
gosto na encru ilhada
(na alha de ento %rio)sobre as "guas do meu
rio b-ia uma lua boiada...
I /o %rio de um punhal
%oi teu adeus pra mim...K
etembro e7plodiu em cores
nos tons de ardim8pomar;+ue con uga o erbo amar
da ida s- colhe %lores.
I *rima era é uma esta/ão %lorida...K
4utubro e no embro eu passo
nos preparos do Natal;
em de embro V menos mal V
de tudo +ue +uero %a/o...
I se oc tem
a %elicidade
pra oc me dar...K
0aneiro prepara a entrada
das %estas de %e ereiro;
com dinheiro ou sem dinheiro
ou er minha namorada:
...K élia, por oc me apai7onei
De mar/o o m s não tem gra/a:
é %eito de despedidas,
de promessas es+uecidasGWL
8/18/2019 Tese Padua
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nos bancos de minha *ra/a...
I deus, meu anto maro,
+ue desta terra ou me ausentar...K
GWX
8/18/2019 Tese Padua
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A) A)U%
Em lbalun V o planeta
sete luas, sete s-is%a em %esta noite e dia
(se dia pode chamar8se &+uelas noites de
prata
ou pode chamar8se noite ao ouro da+ueles
dias)
Em lbalun V o planeta
não h" maridos ni maridas
por isso não e7istem m"goas
em lbalun V o planeta
(a ida corre per%eita
com noites de sete luas
com dias de sete s-is)
Em lbalun V o planeta
h" campos de girassois
+ue são outros s-is girando
dia e noite no planeta
(e campos de giraluas
V uma %lor especial+ue s- medra em lbalun)
Dias desses trago uma
para matar tua %ome
dia desses trago uma
para matar tua sede
Dia desses te carrego
4n lbalun V the planet
se en moons, se en suns%east night and da>
(i% da> those sil er nights can be called
or the gold o% those da>s called night)
4n lbalun V the planet
there are no husbands, no Fi es
so there are no hurts
on lbalun V the planet
(li%e goes on per%ectl>
Fith nights o% se en moons
Fith da>s o% se en suns)
V
4n lbalun V the planet
%ields o% sun%loFers
are other suns turning
da> and night on the planet
(and %ields o% moon%loFers
V a singular %loFerFhich thri es on lbalun alone)
4ne o% these da>s =Qll bring one
to sate >our hunger
one o% these da>s =Qll bring one
to slaOe >our thirst
4ne o% these da>s =Qll carr> >ou aFa>GWW
8/18/2019 Tese Padua
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te le o para lbalun
o planeta das ertigens
das incr$ eis paisagens
do tempo dentro do ?empodas marés de sete luas
das corridas de hipocampos
dos dias de sete s-is
clepsidras e ampulhetas
madrugadas de cristal
e borboletas de prata
e gatos de %ino eludoe cães albinos
e um tudo
+ue ninguém nunca iu
Dia desses te carrego
e le o para lbalun
para te dar sete luas
para te dar sete s-is
Dia desses te carrego
e le o para lbalun
Não te chamar"s marida
nem marido te chamar"s
E nos seremos 6m
na plenitude do tempo
na eternidade da %esta
com noites de sete luas
com dias de sete s-is
=Qll taOe >ou to lbalun
the planet o% ertigos
o% Fondrous landscapes
o% time Fithin ?imeo% the tides o% se en moons
o% seahorse races
o% the da>s o% se en suns
o% FaterclocOs and hourglasses
cr>stal Fee hours
and sil er butter%lies
and cats o% the %inest el etand albino dogs
and an e er>thing
that no one ne er saF
4ne o% these da>s =Qll carr> >ou aFa>
and taOe >ou to lbalun
to gi e >ou se en moons
to gi e >ou se en suns
4ne o% these da>s =Qll carr> >ou aFa>
and taOe >ou to lbalun
=t Fill not call >ou Fi%e
nor husband Fill it call >ou
nd Fe tFo Fill be 4ne
in the plent> o% time
in the eternit> o% the %east
Fith nights o% se en moons
Fith da>s o% se en suns
GWA
8/18/2019 Tese Padua
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E nos dois seremos 6m
seremos apenas 6m
na unidade do "rio
do planeta de lbalun
E se acaso não e7istisse
tal lugar no 6ni erso
assim com est"s em mim
%ica lbalun no meu erso
como o princ$pio e o %im
de tudo a+uilo +ue disse
5ica8te ai, lbalun,
na gal"7ia do poeta
%ica8te a$ lbalun
(meu pobre8rico planeta)
5red ou a 2astro, 1@A@
nd Fe tFo Fill be 4ne
FeQll be ust 4ne
in the oneness o% the plent>
o% the planet o% lbalun
nd i% b> chance there did not e7ist
such a place in the 6ni erse
as >ou are in me
sta> lbalun in m> erse
as the beginning and the end
o% all this = ha e said
ta> >ou there, lbalun,
in the gala7> o% the poet
sta> there >ou lbalun
(m> poor rich planet)
?ransl. b> <alph 2ole Radde>, 1@@1)
GW@
8/18/2019 Tese Padua
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)ITERATURA
amba de <oda, por lbérico !otta
s IEdi/Ces !acnua$maK nos apresentam o poema I amba de <odaK, de 5rederico
0osé de ou a. 2astro, como in$cio de suas ati idades, +ue, ulgando pela estreia, trarão
sens$ el enri+uecimento ao mo imento cultural bahiano.
I amba de <odaK de 5rederico 0osé de ou a 2astro, é o poema do massap , do
cana ial de anto maro, da terra e da gente, de seus amores e de suas esperan/as.
4 poema di ide8se em H partes.
Na primeira parte I2anto ?el ricoK, o poeta ou e a in oca/ão do massap . ão ersos
calmos e precisos:
6m bisturi de lu parte ou a neblina;
e do entre leitoso do I%ogK de anto maro
nasceu a cabeleira erde do %ilho do massap .
2ana ialJ
tua gesta/ão +uadri8centen"ria
repete8se todo dia
no parto da neblinaJ
E eu escuto o teu agido
na tirana do negro suado,
no estertorar da terra comburida,
no rangir de %erros da usinaJ
E o poeta responde ao apelo da terra:
e derrama pelo massap toda a alegria +ue encerra,
no canto de amor e de saudade do escra o da terra.
4 massap %ascina o poeta: o massap +ue alimenta os homens +ue Itra em noGAB
8/18/2019 Tese Padua
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corpo as mesmas manchas dos gomos da canaK o massap , +ue prende e castiga, ciumento e
terr$ el, os homens rebeldes +ue pensam em %ugir...
?odo o drama do cana ial é sentido pelo poeta, em toda sua grandiosidade humana.
terra e o homem, a luta eterna entre os dois, a condi/ão l$rica resultante, constituem o
tema de I amba de <odaK.
Na segunda parte, I*erspecti aK, a esperan/a e o amor do poeta se %undem,
indissolu elmente, nestes ersos serenos e seguros:
6m dia ...
6m raio de entendimento
ai rasgar a neblina dos olhos da gente do massap J . . .
terceira parte do poema é o tema, propriamente dito, da obra. +ui 5rederico 0osé
de ou a 2astro estuda, com acentuado igor poético, as duas %or/as em luta: a terra, o
cana ial erde e dominador, de um lado, e o homem, simples e bom, do outro. Desse
cho+ue, somente os donos do massap conseguem sair ilesos.
!as desses a gente não %ala
por+ue não conhecem samba8de8roda
nem nunca iram negras, mulatas,
brancas também se rebolando no chão batido.
4 poeta descre e então o plantio da cana e todo o drama humano +ue essas tr s
pala ras encerram:
*lantar a cana,
cortar a cana,
+ueimar o terreno,
limpar o terreno,GA1
8/18/2019 Tese Padua
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plantar outra e ...
Dessa luta entre o massap e o po o, +ue, apenas, Iplanta dinheiroK, para os donos,
surgem a dor e o dese o de %ugir. !as, imposs$ el escapar. 4 cana ial guarda os seus %ilhos
ciumento. 4 eito é cantar:
^ o samba8de8roda;
de negros, mulatos,
brancos também,
se rebolando no chão batido
chão rubro de massapéJ
+ui 5rederico 0osé de ou a 2astro nos %ornece uma preciosa documenta/ão
%olcl-rica, transcre endo os gostosos sambas de roda, +ue, com a aguardente ali iam a alma
e o peito do homem do massap :
IEu topei seis cabras machos,
e essa %oi pe+uenininha,
um %acão de sete arrobas,
%ora o arco e a bainha,
%ora o a/o +ue ele tinha.
6ma cesta de o os,
etecentas galinhaso trem corre
por cima da linha...
e o poeta não alesse, pela seguran/a e sua técnica e pelo igor de sua mensagem, o
pes+uisador %olcl-rico tornaria I amba de <odaK um li ro til a +ual+uer estante brasileira.
!as, ale o poeta e ale o pes+uisador.
GAG
8/18/2019 Tese Padua
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5ilho adoti o de anto maro, onde i eu a maior parte de sua ida, 5rederico 0osé de ou a
2astro pMde sentir, nas pr-prias %onstes originais, a hist-ria do homem do cana ial, +ue ele
bem soube captar
ES assim no massap .
Entre um samba e outro
morre alguém,
nasce alguém,
alguém dei7a o massap
e ninguém mais o .
Na ltima parte de I amba de <odaK, 5rederico 0osé de ou a 2astro cristali a o seu
sentimento de amor e de esperan/a, +ue desde +ue b-s terminamos a leitura do poema,
passa a ser também nosso: I6m raio de entendimento ai rasgar a neblina dos olhos da
gente do massap K.
I amba de <odaK, en%im, ilustrado pelas belas gra uras de 2alasans Neto,
apresentando %ei/ão gr"%ica moderna e elegante, lan/a um poeta, +ue, por o em, nada
de e. I amba de <odaK, sem d ida, representa, magni%icamente, a no $ssima poesia
bahiana.
GA3
8/18/2019 Tese Padua
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GAH
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GAL
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GAX
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GAW
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GAA
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A%E OS SO RE SO)A%O TRI%DADE
De <oger 'astide para olano trindade2aro enbor:
De ol o8lhe, depois de os ter lido, os *oemas +ue o senhor te e a bondade de me
en iar manuscritos. 5i+uei, creia8me, muito sensibili ado com essa marca de estima, e é
sempre com pra er +ue leio os seus ersos. Não sei se o senhor sabe +ue um grupo de
o ens estudantes brasileiros e %ranceses criou em ão *aulo uma re ista, *aralelos. 6ma
parte do terceiro n mero, em elabora/ão, ser" uma homenagem & literatura a%ricana e a%ro8
americana. ei +ue um dos seus poemas até ser" publicado. 4 senhor +ue sua obra é
conhecida e apreciada por a+ueles +ue serão amanhã o %uturo deste pa$s.
!as, se o senhor me en iou seus ersos, %oi, sem d ida, por+ue dese a conhecer
minhas impressCes. Esses no os *oemas continuam a tradi/ão dos seus antigos, prolonga
uma rota +ue o senhor inaugurou no 'rasil. ?al e possam lhe repro ar certa limita/ão do
ocabul"rio e do ritmo, mas, o +ue para alguns cr$ticos é um de%eito, para outros V para os+ue eem na *oesia uma PmensagemP V ser", ao contr"rio, uma +ualidade, tornando
poss$ el uma mais r"pida compreensão dos *oemas e uma a/ão mais e%ica . 4 senhor %a dos
seus ersos uma arma, um to+ue de clarim, +ue desperta as energias, le anta os cora/Ces,
combate por um mundo melhor. uanto a mim, aprecio esses *oemas +ue reali am uma
s$ntese entre o passado e o %uturo, entre as aspira/Ces de reis proletari ados e as can/Ces do
%olclore, entre o amor moderno, a sombra das chaminés de usina, e o amor m$stico, sob o
olhar dos 4ri7"s. 2reio, de %ato, +ue o progresso não de e destruir o +ue h" de grande e l$rico
na cultura tra ida outrora da [%rica, e +ue de e tornar8se uma heran/a comum a todos.
2reia8me, sinceramente, seu amigo,
2arta de H de outubro de 1@HX.
GA@
8/18/2019 Tese Padua
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G@B
8/18/2019 Tese Padua
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G@1
8/18/2019 Tese Padua
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G@G
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G@3
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