Universidade do MinhoInstituto de Educao
Antnio Lus Valente de Sousa Teixeira
Integrao das TIC na educao: o caso do Squeak Etoys
Maro de 2011
Universidade do MinhoInstituto de Educao
Antnio Lus Valente de Sousa Teixeira
Integrao das TIC na educao: o caso do Squeak Etoys
Tese de Doutoramento em Estudos da Criana Especialidade de Tecnologias de Informao e Comunicao
Trabalho realizado sob a orientao doProfessor Doutor Antnio Jos Osrio
Maro de 2011
DECLARAO
Nome: Antnio Lus Valente de Sousa Teixeira
Endereo electrnico: [email protected]
Telefone: 919684425
Nmero do Carto de Cidado: 05932572
Ttulo da tese: Integrao das TIC na educao: o caso do Squeak Etoys
Orientador: Professor Doutor Orientador: Antnio Jos Meneses Osrio
Ano de concluso: 2011
Doutoramento em Estudos da Criana - Tecnologias de Informao e Comunicao
AUTORIZADA A REPRODUO INTEGRAL DESTA TESE APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAO, MEDIANTE DECLARAO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;
Universidade do Minho, 01/03/2011
Assinatura: ________________________________________________
iii
Agradecimentos
Nos meus pais, a quem nunca agradeci por me terem premiado com a escola, homenageio
os sacrifcios que fizeram para que fizesse o meu caminho. Aos meus irmos agradeo o apoio e
incentivo de sempre, ao tio Augusto, a persistncia, determinao, integridade, coerncia e
exemplo de Homem frente do tempo. tia Emlia, agradeo o apoio de muitos anos e a
serenidade que discreta e insondavelmente foi meu refgio espiritual e desagravo pelo tempo
que subtra minha famlia mais prxima. Mariana e ao Pedro: obrigado por me emprestaram
um bocadinho da vossa infncia!
Estou grato ao Lus e Joaninha, filhotes exemplares no respeito, incentivo e compreenso.
Obrigado Manela, companheira, amiga e me sem defeitos, a quem no tenho o direito de pedir
desculpa.
Obrigado professora Fernanda, amiga de h quarenta anos, pela disponibilidade e ajuda!
Agradeo Joana Osrio, Teresa Lopes e Ana Francisca, que me acompanharam em
algumas etapas e aos meus colegas, alunos e amigos que participaram anonimamente nesta
viagem!
Agradeo ao Professor Paulo Dias o apoio, incentivo e a facilitao de condies, no tempo
em que trabalhei profissionalmente sobre sua coordenao.
Ao meu supervisor, Professor Antnio Osrio, agradeo, para alm dos ensinamentos, da
viso rasgada e do estilo de orientao, a disponibilidade e o facto de ter utilizado a sua
personalidade humanista em meu proveito. Obrigado, Professor!
iv
(esta pgina foi propositadamente deixada em branco)
v
Integrao das TIC na educao: o caso do Squeak Etoys
Resumo
Na Sociedade em Rede, da Informao, do Conhecimento, Digital ou simplesmente
Sociedade, as Tecnologias de Informao e Comunicao (TIC) tm um papel determinante no
desenvolvimento humano e na qualidade de vida dos cidados. A importncia das TIC tal, que
a sua integrao rpida e global em todas as reas de actividade tem sido um instrumento
poderoso ao servio dos movimentos de libertao dos povos. Em Portugal, as diversas
iniciativas governamentais no mbito da acessibilidade tecnolgica e o investimento em infra-
estruturas e equipamentos tm impactos sectoriais distintos. Na educao, a integrao das TIC
tem enfrentado desafios complexos e difceis de transpor, em virtude da sua desfigurao como
veculo de inovao e da baixa literacia tecnolgica dos professores. Em consequncia, a escola
atrasa-se cada vez mais em relao aos outros sectores da sociedade, posicionando-se
praticamente na etapa inicial da utilizao das tecnologias, utilizando-as fundamentalmente na
sua dimenso funcional. Por outro lado, certas polticas de investimento nacional no domnio das
TIC tm sido desequilibradamente direccionadas para os recursos fsicos em desfavor dos
recursos culturais e educativos, provocando uma overdose de equipamentos e uma mngua de
contedos, ou nas palavras de Rubem Alves, uma Feira de Utilidades muito rica e uma Feira de
Fruies muito pobre.
Inconformado com a escassez de oportunidades de aprendizagem com as TIC que a escola
proporciona s crianas para cultivarem o seu potencial criativo, procurei estudar factores
facilitadores da integrao dos recursos digitais na educao, numa perspectiva natural,
sustentvel e potenciadora do desenvolvimento da criana. Convicto de que as crianas so
naturalmente criativas e de que so capazes de programar os seus prprios brinquedos e
brincadeiras digitais, recorri a estratgias diversificadas de utilizao do Squeak Etoys como
linguagem de programao de computadores, para compreender como que este software pode
contribuir para a fruio das TIC, no sentido da Educao Romntica de Rubem Alves. Decidi
utilizar o Squeak Etoys para abordar a problemtica da integrao das TIC por se tratar de um
ambiente multimdia de autor, de cdigo fonte aberto, construdo com bases pedaggicas
inspiradas no construtivismo de Piaget e Papert. Neste trabalho de investigao, ao longo de
vi
quase cinco anos, utilizei metodologias qualitativas, que me permitem ter uma viso holstica da
integrao das TIC, assentando a investigao na minha prpria histria de vida, em
apontamentos de investigao-aco e no estudo de mltiplos casos de utilizao do Squeak
Etoys em ambientes formais e no-formais de aprendizagem, envolvendo crianas, jovens
estudantes universitrios e professores do ensino obrigatrio.
O estudo mostrou que as crianas e os adultos valorizam as TIC de formas
substancialmente diferentes, tanto no domnio da fruio dos objectos ou recursos, como da sua
utilizao funcional. Os conceitos de interaco manifestam-se tambm sob diferentes
perspectivas nestes dois grupos. As crianas tendem a preferir recursos digitais com interaces
mais complexas, multidireccionais e hipertextuais, ao passo que os adultos tendem a produzir
recursos menos interactivos, unidireccionais e de navegao linear. Da investigao emerge um
conjunto variado de factores que influenciam a integrao das TIC na educao, merecendo
destaque a necessidade de a) desenvolver as atitudes dos professores e das lideranas
educativas face inovao, incluindo mudanas na valorizao, no papel das TIC e nas prticas
educativas; b) reconfigurar a resilincia dos professores atravs de metodologias de integrao
das TIC que incluam projectos de rpida aplicabilidade nos contextos de interveno; c)
promover o desenvolvimento de actividades inovadoras na escola, combinando sustentabilidade
e disrupo de modo a permitir integrar as TIC e assegurar a durabilidade temporal das
estratgias e das novas prticas, promovendo, simultaneamente, rupturas de dentro para fora; d)
incentivar a cooperao entre os diversos participantes no processo educativo, induzindo o
desenvolvimento de comunidades de interesse e estabelecendo sistemas de ajuda que impeam
que as dificuldades tcnicas provoquem o fracasso das iniciativas de integrao das TIC.
vii
ICT integration in education: the case of Squeak Etoys
Abstract
In the Network Society, Information Society, Knowledge Society, Digital Society, or simply
Society, Information and Communication Technologies (ICT) play a crucial role in human
development and quality of life. This importance is so obvious that its global and fast integration
in all areas of activity has been a powerful instrument to the liberation movements. In Portugal
the various government initiatives in the context of technological accessibility and investment in
infrastructures and equipment have different impacts. In education, for example, the integration
of ICT has faced complex challenges, which are difficult to overcome because of its
misrepresentation as a vehicle for innovation and low technological literacy of teachers.
Consequently, the school is retarding in relation to other sectors of society placing it almost at the
initial stage of use of technologies, using them primarily in its functional dimension. Moreover,
some national policies for investment in ICT have been uneven directed to the physical resources
instead of cultural and educational resources, causing an overdose of equipment and a dearth of
content, or in the words of Rubem Alves, a very rich Fair Shopping and a very poor Enjoyments
Fair.
Dissatisfied with the lack of learning opportunities with ICT that the school provides the
children to cultivate their creative potential, I tried to study influencing factors of digital resources
that facilitate its integration in education, in a natural and sustainable perspective which can
boost the childs development. Convinced children are naturally creative and are able to program
their own 'toys' and 'digital games'. I have used a variety of strategies to use Squeak Etoys as a
programming language, in order to understand how this software can contribute to the enjoyment
of ICTs according to the idea of Romantic Education presented by Rubem Alves. I decided to use
Squeak Etoys to study the integration of ICT in education because it is an open source and free
multimedia environment, built on pedagogical bases inspired by constructivism of Piaget and
Papert. In this research work, over nearly five years, I used qualitative methods, which allowed
me to have a holistic view of ICT integration, basing the research on my own life history, in
episodes of action research and in the study of multiple cases of Squeak Etoys usage in formal
viii
settings and non-formal learning, engaging children, young university students and school
teachers of compulsory education.
The study showed that children and adults appreciate ICT in substantially different ways both
in the enjoyment of objects or features, such as its functional use. The concepts of interaction
also have different perspectives between these two groups. Children tend to prefer digital
resources built on more complex interactions, multidirectional and hypertext navigation, while
adults tend to produce resources, which are less interactive, unidirectional and with linear
navigation. The findings point to a variety of factors that can facilitate the integration of ICT in
education, with special attention to the need a) to develop the attitudes of teachers and
educational leaders facing the innovation, including changes in valuation and in the role of ICT in
educational practices, b) reconfigure teacher resilience through integration methodologies of ICT
projects of rapid applicability in intervention contexts, c) promote the development of innovative
activities in school, combining sustainability and disruption that allow integrating ICT ensuring
temporal durability of strategies and new practices, while promoting breaks from the inside out,
d) encourage cooperation between the various participants in the educational process, inducing
the development of communities of interest and establishing support systems that help to
prevent the failure of technical tools causes the failure of ICT integration initiatives.
ix
ndice
Lista de abreviaturas ............................................................................................................... xii
Glossrio e desambiguao de termos ..................................................................................... xv
Lista de figuras ....................................................................................................................... xvii
Lista de quadros ....................................................................................................................... xx
1 descoberta das TIC na educao ........................................................................................ 1
1.1 Questo de investigao ................................................................................................. 3
1.2 Motivao pessoal e contexto ....................................................................................... 11
2 O mundo das TIC na educao ............................................................................................ 39
2.1 Convergncia tecnolgica ............................................................................................. 39
2.2 Caracterizao das TIC ................................................................................................. 45
2.2.1 Emergncia .......................................................................................................... 45
2.2.2 Fascnio ............................................................................................................... 50
2.2.3 Equvocos, crenas e desafios .............................................................................. 52
2.3 Integrao das TIC ....................................................................................................... 54
2.3.1 Nas funes sociais .............................................................................................. 56
2.3.2 No ambiente familiar ............................................................................................. 58
2.3.3 Na educao ......................................................................................................... 61
2.4 Incorporao do paradigma new life ..................................................................... 67
2.4.1 Continuum analgicodigital ............................................................................... 71
2.4.2 Continuum consumoproduo .......................................................................... 72
2.4.3 Continuum aprenderaprender ........................................................................... 75
2.5 O Squeak ..................................................................................................................... 80
2.5.1 Identidade ............................................................................................................. 81
2.5.2 Ecologia ................................................................................................................ 86
x
2.5.3 Interoperatividade ................................................................................................. 89
2.5.4 Acesso em linha .................................................................................................... 90
2.5.5 Squeaklndia ........................................................................................................ 92
2.6 Sntese ....................................................................................................................... 97
3 Um mundo para as TIC na educao o contributo do Squeak Etoys .............................. 101
3.1 Metodologia ............................................................................................................... 102
3.1.1 Design ................................................................................................................ 102
3.1.2 tica ................................................................................................................... 106
3.1.3 Investigao-aco .............................................................................................. 109
3.1.4 Histria de vida ................................................................................................... 111
3.1.5 Estudo de Caso ................................................................................................... 120
3.1.6 Instrumentos ...................................................................................................... 126
3.2 Apresentao dos Casos e Resultados ........................................................................ 127
3.2.1 Caso 1: O Squeak na formao de Professores (cursos de curta durao)............ 128
3.2.2 Caso 2: E-Learning, auto-formao Squeak .......................................................... 133
3.2.3 Caso 3: Utilizao do Squeak por alunos do Ensino Bsico e Secundrio ............. 142
3.2.4 Caso 4: O Squeak na formao inicial de Professores .......................................... 145
3.2.5 Caso 5: Parque Aventuras Digitais ....................................................................... 155
3.2.6 Caso 6: O Squeak na formao ps-graduada de Professores .............................. 169
3.2.7 Caso 7: Pilotagem Squeak na Escola Primria ..................................................... 172
3.3 Anlise ....................................................................................................................... 191
3.3.1 Identidade Squeak .............................................................................................. 193
3.3.2 Potencial criativo ................................................................................................. 197
3.3.3 Caractersticas dos Projectos ............................................................................. 201
3.3.4 Limitaes .......................................................................................................... 206
4 Consideraes finais .......................................................................................................... 209
xi
4.1 Problemas e limitaes .............................................................................................. 211
4.2 Sugestes para investigao futura ............................................................................. 213
4.3 Concluso .................................................................................................................. 213
4.3.1 Desenvolver atitudes face inovao .................................................................. 214
4.3.2 Superar dificuldades ........................................................................................... 215
4.3.3 Alimentar a disrupo ......................................................................................... 221
4.3.4 Estimular a cooperao ....................................................................................... 223
5 Referncias ....................................................................................................................... 227
xii
Lista de abreviaturas
1CEB 1. Ciclo do Ensino Bsico
2D Bidimensional
3D Tridimensional
a.C. Antes de Cristo
ADN cido Desoxirribonucleico
APS Associao Portuguesa de Sociologia
BD Banda Desenhada
BMP Bitmap Image File
CCUM Centro de Competncia da Universidade do Minho
CD/DVD Compact Disc/Digital Versatile Disc
CRIE Computadores, Redes e Internet nas Escolas (equipa de misso)
CS Counter Strike (jogo electrnico)
DAPP Departamento de Avaliao Prospectiva e Planeamento
DESE Diploma de Estudos Superiores Especializados
DGIDC Direco-Geral de Inovao Curricular
DIB Device Independent Bitmap
DLL Dynamic-link library
EB1 Escola Bsica do 1. Ciclo do Ensino Bsico
EB23 Escola Bsica do 2. e 3. Ciclo do Ensino Bsico
EDUTIC Unidade para o Desenvolvimento das TIC na Educao
ERTE/PTE Equipa de Recursos e Tecnologias Educativas/Plano Tecnolgico da Educao
FCCN Fundao para a Computao Cientfica Nacional
FTP File Transfer Protocol
GIF Graphics Interchange Format
GPA Grade Point Average
GPS Global Positioning System
GTA Grand Teft Auto (jogo electrnico)
HTML Hypertext Markup Language
HTTP Hypertext Transfer Protocol
IBM-PC IBM Personal Computer
IDE - Integrated Development Environment
xiii
IEEE Institute of Electrical and Electronics Engineers
ISP Internet Service Provider
JPG e JPEG Joint Photographic Experts Group
LAN Local Area Network
LHC Large Hadron Collider
Lic. Licenciatura
LMS Learning Management System
MSI Misso para a Sociedade da Informao
MCTES Ministrio da Cincia, Tecnologia e Ensino Superior
ME Ministrio da Educao
MIDI Musical Instrument Digital Interface
MP3 Moving Picture Experts Group Audio Layer 3
MP4 ISO/IEC Moving Picture Experts Group Layer 4
MPEG Moving Picture Experts Group
MS-DOS Microsoft Disk Operating System
MTLU Multimedia Teaching and Learning Unit
NTIC Novas Tecnologias de Informao e Comunicao
NUTS III Unidade Territorial Estatstica de nvel 3
OLPC One Laptop per Child
OS Operating System
p Pgina
PAD Parque Aventuras Digitais
PC Personal Computer
PDF Adobe Portable Document Format
PHP Hypertext Processor
PIPSE Programa Interministerial de Promoo do Sucesso Educativo
PNG Portable Network Graphics
pp. Pginas
PTE Plano Tecnolgico para a Educao
RAM Random Access Memory
RCTS Rede Cincia, Tecnologia e Sociedade
RSS Really Simple Syndication
xiv
SO Sistema Operativo
TDT Televiso Digital Terrestre
TIC Tecnologias de Informao e Comunicao
uARTE Unidade de Apoio Rede Telemtica Educativa
UE Unio Europeia
UMIC Agncia para a Sociedade do Conhecimento
USB Universal Serial Bus
VGA - Video Graphics Array
VM Virtual Machine
WYSIWYG What You See Is What You Get
XO Childrens Machine
xv
Glossrio e desambiguao de termos
Termos Explicao
Aldus PageMaker Primeiro programa para Edio Electrnica criado em 1985 para o Macintosh
por Paul Brainard, fundador da Aldus. Em 1986 foi lanada uma verso para os
computadores IBM.
FarmVille FarmVille um jogo social em Flash constituindo um simulador de uma quinta
em tempo real, desenvolvido pela Zynga, uma empresa de So Francisco,
Califrnia. O FarmVille ganhou enorme projeco depois de ter sido
disponibilizado na rede social Facebook.
Google Maps Google Maps um servio Web de pesquisa e visualizao de mapas e imagens
de satlite da Terra, disponibilzado pela Google, e.g. http://maps.google.pt.
iPhone um Smartphone desenvolvido pela Apple.
iPod uma marca da Apple, referindo-se a uma srie de leitores de udio digital. O
"POD" a sigla de "Portable On Demand" e o "i" significa pessoal, "eu".
iPad um dispositivo em formato Tablet produzido pela Apple, apresentado em 2010.
Magalhes um computador porttil da famlia dos Netbooks, costumizado em Portugal
pela parceria JP S Couto/Prolgica, baseado no modelo Classmate da Intel,
destinado a ser usado por crianas do 1. Ciclo do Ensino Bsico. Recebeu esta
designao em honra do navegador quinhentista Ferno de Magalhes.
Mashups um stio Web que combina dados originados em mltiplas fontes, permitindo
ao utilizador ter uma experincia de navegao mais envolvente e significativa.
Moodle o acrnimo de Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment,
Moodle uma plataforma de E-Learning, tambm identificada por Course
Management System (CMS), Learning Management System (LMS) ou Virtual
Learning Environment (VLE). O conceito foi criado em 2001 pelo investigador
australiano Martin Dougiamas no mbito do seu projecto de doutoramento na
Curtin University of Technology, Austrlia (Dougiamas & Taylor, 2009).
MS Works Ou Microsoft Works, uma suite de produtividade domstica produzida pela
Microsoft, com menores capacidades que o Microsoft Office. composta por um
processador de texto, uma folha de clculo, uma base de dados muito acessvel
e um mdulo de comunicaes. Entre 1986 e 1993 foram lanadas 3 verses
MS Works para DOS.
Mundo No Squeak Etoys todo o espao ou ambiente de trabalho da interface que pode
ser utilizado para colocar objectos.
xvi
Termos Explicao
Netbooks A designao netbook usa-se para descrever um tipo de computadores portteis
com peso e dimenses reduzidas e de baixo custo.
newbie Ou noob ou n00b um termo ingls para significar algum sem experincia ou
com poucos conhecimentos informticos, principalmente nas redes sociais,
fruns e jogos em linha. O mesmo que novato.
News um software de edio electrnica existente em finais da dcada de 1980. Era
executado em MS-DOS.
Plug-in Ou plugin um conjunto de componentes de software que se adicionam a
software mais vasto para lhe conferir determinadas caractersticas novas.
Pop-up uma janela ou caixa de dilogo que ao abrir se sobrepe pgina Web ou
interface que a accionou.
Projectos/
Projectos Squeak
So os ficheiros com extenso .pr que guardam os documentos multimdia
produzidos em Squeak Etoys.
QBasic QBasic um IDE e um interpretador da linguagem de programao estruturada
Basic, baseado em QuickBASIC (Quick Beginner's All-purpose Symbolic
Instruction Code), com o qual muitas vezes confundido.
Scrooge McDuck Ou Uncle Scrooge, conhecido em Portugus por Tio Patinhas, uma
personagem criada por Carl Barks, cujo carcter avarento se inspira em
Ebenezer Scrooge, personagem principal do Conto de Natal "A Christmas Carol"
de Charles Dickens, publicado em 1843. Na figura de um pato antropomrfico,
Scrooge McDuck foi apresentado pela primeira vez em 1947 e popularizado pela
Walt Disney (fonte: Wikipdia).
Second Life um ambiente virtual tridimensional criado em 1999 por Philip Rosedale que
simula em alguns aspectos a vida real e social do ser humano (fonte:
lindenlab.com/).
Segway um meio de transporte de duas rodas que funciona a partir do equilbrio do
indivduo que o utiliza (fonte: Wikipdia).
SixthSense 'SixthSense' uma interface gestual vestvel que aumenta o mundo fsico nossa
volta com informao digital permitindo utilizar gestos naturais para interagir com
essa informao (fonte: www.pranavmistry.com/projects/sixthsense/).
Smartphone um telemvel avanado com sistema operativo aberto no qual os utilizadores
podem integrar programas informticos personalizados.
Street View um recurso Web associado ao Google Maps e ao Google Earth que permite a
visualizao de imagens panormicas de 360 na horizontal e 290 na vertical.
xvii
Termos Explicao
Em algumas cidades o utilizador pode colocar-se virtualmente ao nvel do cho e
deslocar-se nas ruas com realismo muito elevado.
Tablet um dispositivo para comunicao e utilizao pessoal, com ecr tctil e
formato de uma pequena prancha. Habitualmente permite o acesso a redes de
informao (e.g. Internet e GPRS), organizao pessoal, reproduo multimdia e
jogos.
Touchpad um dispositivo sensvel ao toque utilizado nos computadores portteis para
substituir o rato.
Youtube O Youtube um stio Web fundado em 2005 por Chad Hurley, Steve Chen e
Jawed Karim, que permite que os utilizadores carreguem e partilhem vdeos em
formato digital (fonte: Wikipdia).
Facebook uma rede social iniciada em 2004, pelas mos de Mark Zuckerberg, Dustin
Moskovitz, Eduardo Saverin e Chris Hughes, na Universidade Harvard (fonte:
Wikipdia).
Lista de figuras
Fig. 1 Ecr do jogo Pac-Man .............................................................................................. 14
Fig. 2 Ecr de incio do QBasic ......................................................................................... 16
Fig. 3 Pgina do stio Web da Universidade de Derby, em 1997 ........................................ 19
Fig. 4 Ecr de um dos contos base de Para Gostar de Ler ......................................... 21
Fig. 5 Ecr de entrada no SPAC Espao e estrutura .............................................. 22
Fig. 6 Ecr inicial da actividade Conta comigo ....................................................... 23
Fig. 7 Ecr de trabalho do Scribere .................................................................................... 24
Fig. 8 HangMan. Dois ecrs do jogo de palavras, 2001 ...................................................... 25
Fig. 9 Prottipo de livro de endereos, 2001 ...................................................................... 26
Fig. 10 Dois ecrs do jogo Memorix, 2002 ......................................................................... 26
Fig. 11 Pgina principal da actividade Gaud, visto daqui .......................................... 27
xviii
Fig. 12 Ecr inicial da actividade A Minha rvore Favorita .......................................... 28
Fig. 13 Esquema bsico de funcionamento do curso Pequenos Artistas ..................... 29
Fig. 14 Ecr inicial do curso em linha Pequenos Artistas ............................................ 30
Fig. 15 Ecr inicial da actividade o meu Dia da Europa .............................................. 31
Fig. 16 Verso Portuguesa da actividade Casas Tradicionais da Europa .............................. 32
Fig. 17 Um ecr do curso de Banda Desenhada ................................................................ 33
Fig. 18 Ecr da verso 3.8 do Squeak ............................................................................... 34
Fig. 19 Ecr inicial do Squeak Etoys costumizado para o projecto Squeaklndia ................. 36
Fig. 20 Na escola no ano 2000, segundo a viso de Villemard, em 1910 ................... 46
Fig. 21 Mquina de testes de inteligncia de Pressey ........................................................ 47
Fig. 22 Esquema da Halcyon, mquina para ensinar a falar (Skinner) ................................ 48
Fig. 23 Actividades integradoras das TIC (Uden, Richards & Gaevi, 2008) ...................... 61
Fig. 24 C+S o degredo (graffiti na parede de uma escola EB23) .............................. 70
Fig. 25 4 Fases da instruo eficaz de Merrill..................................................................... 79
Fig. 26 Esboo do hipottico computador FLEX ................................................................. 81
Fig. 27 Crianas com os seus Dynabook. Esboo de Alan Kay ............................................ 82
Fig. 28 Maqueta do Dynabook idealizado por Alan Kay ....................................................... 82
Fig. 29 Um objecto e o seu visualizador (Etoys) .................................................................. 84
Fig. 30 Ecr de um projecto simulando um percurso labirntico ........................................ 85
Fig. 31 Representao esquemtica de um projecto Squeak .............................................. 87
Fig. 32 Tira de aces Squeak composta por trs mosaicos ............................................... 87
Fig. 33 Todo o sistema Squeak, num computador com SO Windows .................................. 89
Fig. 34 O Squeak, plug-in a correr no Internet Explorer 7.0................................................. 91
Fig. 35 Esquema simblico do design da investigao realizada ....................................... 106
xix
Fig. 36 Ecr da pgina do wiki do projecto Squeaklndia ................................................. 133
Fig. 37 Pgina frontal da plataforma Moodle, utilizada no projecto Squeaklndia .............. 134
Fig. 38 Ecr parcial do curso autnomo de iniciao ao Squeak....................................... 139
Fig. 39 Ecr da galeria de projectos Squeak na plataforma Moodle .................................. 141
Fig. 40 Espao de treino em linha com propostas de Projectos simples ............................ 142
Fig. 41 Robs da srie Kit Robtico SAR - Roboparty 2007 e 2008 .................................. 144
Fig. 42 Roamer ou tartaruga de solo........................................................................ 144
Fig. 43 Ecr inicial tradicional do Squeak ......................................................................... 146
Fig. 44 Primeira proposta de ecr inicial alternativo do Squeak ........................................ 147
Fig. 45 Ecr inicial do Squeak actual, distribudo pelo projecto Squeaklndia .................. 148
Fig. 46 Captura de ecr de um Projecto que aborda a roda dos alimentos ........................ 149
Fig. 47 Ecr de um Projecto inovador de abordagem iniciao musical ......................... 149
Fig. 48 Ecr de um Projecto Squeak realizado por uma aluna .......................................... 150
Fig. 49 Ecr de Projecto com hiperligao a outros subprojectos ...................................... 153
Fig. 50 Paraso Warrock (Frederico, 14 anos) ................................................................. 161
Fig.51 The Universe (Helena, 13 anos) ............................................................................ 163
Fig. 52 Ovnis (lvaro, 12 anos) ........................................................................................ 163
Fig. 53 Animao: Noite e Dia (Tristo, 9 anos) ............................................................... 164
Fig. 54 A Felicidade (Alfredo, 14 anos) ............................................................................. 166
Fig. 55 A histria do Esquilo (Henrique, 11 anos) ............................................................ 167
Fig. 56 Projecto: O Dirio de Duas Malucas (Andreia e Teresa, 13 anos) .......................... 168
Fig. 57 Pac-Man (Eugnio, 13 anos) ................................................................................ 169
Fig. 58 Ecrs de um Projecto colaborativo Professor - Aluno de Ed. Especial .................... 171
Fig. 59 Ecrs de um Projecto colaborativo com aluno de Ed. Especial .............................. 171
xx
Fig. 60 Ecr inicial do Squeak, verso Squeaklndia para Magalhes ............................... 173
Fig. 61 Ecrs do jogo Grand Theft Auto ............................................................................ 175
Fig. 62 Ecrs do jogo Counter Strike em linha (CS) .......................................................... 175
Fig. 63 Manual Squeak (capa, aberto em pirmide e folha de registo) .............................. 178
Fig. 64 Captura de ecr do Projecto com objectos que traam o seu percurso ................. 180
Fig. 65 Pginas do Livro criado e ilustrado pelos alunos, no Squeak ................................. 182
Fig. 66 Ecr da actividade exploratria DrGeo II ............................................................... 183
Fig. 67 Alunos construindo o Tangram com o DrGeo ........................................................ 184
Fig. 68 Ecr do Projecto Agenda, na fase final ......................................................... 185
Fig. 69 Ensaio de um Projecto para auxiliar o clculo do tempo de uma viagem ............... 186
Fig. 70 Dirio: 27-03-09 (Eduardo, 9) .............................................................................. 187
Fig. 71 Projectos: No datado (Elisa, 10) ......................................................................... 189
Fig. 72 Crculo simplificado de Bloom ............................................................................. 201
Fig. 73 Aqurio animado (Paula, 9 anos, PAD)................................................................. 202
Fig. 74 Trs momentos de uma simulao de navegao espacial com Joystick .............. 203
Fig. 75 Jogo de conduo Nave Espacial (Tiago, 11 anos, PAD) ............................... 204
Fig. 76 Alunos do 1. Ciclo usando o Magalhes no intervalo das actividades lectivas ...... 219
Lista de quadros
Quadro I Formas de Convergncia das TIC (Singh & Raja, 2010) ....................................... 41
Quadro II IDH e acesso s TIC em alguns pases da OCDE ............................................... 56
Quadro III Evoluo do papel dos consumidores (Prahalad & Ramaswamy, 2000) .............. 73
Quadro IV Enquadramento operacional do design da investigao (March & Smith, 1995) 103
xxi
Quadro V Mtodos de obteno de informao (Zelditch, 2006) ....................................... 105
Quadro VI Questes ticas a acautelar na investigao (McNiff et al, 1996) ...................... 110
Quadro VII Linhas da investigao autobiogrfica (Bullough Jr. & Pinnegar, 2001) ............ 118
Quadro VIII Validade da investigao do auto-estudo (Feldman, 2003) .............................. 119
Quadro IX Caractersticas do Estudo de Caso (Gerring, 2007) ......................................... 123
Quadro X Caracterizao sumria dos casos de estudo (CEDEFOP, 2008) ....................... 127
Quadro XI Cursos de Vero realizados em 2007 para divulgar o Squeak ........................... 129
Quadro XII Distribuio dos formandos por grupos etrios ............................................... 136
Quadro XIII Distribuio por NUTS III dos formandos dos cursos em linha ........................ 136
Quadro XIV Profisso dos formandos inscritos nos cursos em linha .................................. 137
Quadro XV Palavras usadas como motivao para a inscrio no curso ............................ 138
Quadro XVI Caractersticas dos Projectos dos alunos em 2008/2009 ............................. 152
Quadro XVII Caracterizao dos alunos participantes na pilotagem Squeak ....................... 174
Quadro XVIII Dimenses (D) de anlise dos Casos estudados (C) ..................................... 192
Quadro XIX Chave de leitura das fontes de informao utilizadas na anlise ..................... 193
xxii
(esta pgina foi propositadamente deixada em branco)
1
1 descoberta das TIC na educao
A infncia um ambiente imaculado de tempos fabulosos, uma idade geradora, a mais
perfeita das idades humanas. A infncia vive sempre connosco mas a educao mata a infncia
com o seu carcter uniformizador, filtrante, educador (Pascoaes, 1999, 2001). "Quantas vezes,
nos meus sonhos, me vejo ainda como estpido menino, incapaz de decorar a gramtica,
perante meu tio padre Sertrio, tambm um santo, mas professor, a fitar-me rspido por cima
dos vidros, em aro de oiro, das lunetas? Quem no teve assim um padre-mestre, um homem
vestido de luto, a empecer-lhe atravs da sua infncia madrugante?" (Pascoaes, 2002, p. 80).
Teixeira de Pascoaes no tinha os professores em grande considerao, principalmente porque
estava convencido que eles no permitem que as crianas vivam a sua infncia, no as deixam
inventar, ser criativas, livres, enfim ser crianas para sempre. claro que por vezes h exageros
nas palavras dos poetas, mas tambm h muita razo, muitas verdades subtis, que pela sua
subtileza nem sempre levamos na devida conta.
Ao longo da minha experincia de professor primrio, tentei no usar o manto com que
Pascoaes vestiu os professores, principalmente os professores primrios, ou mestre-escola,
conforme nos ajuda a compreender Jos Carlos Casulo, na obra dedicada filosofia da
educao em Teixeira de Pascoaes (Casulo, 1997). A minha viso da escola e da educao
bem menos ntida que a do poeta-filsofo, mas tambm tenho a perspectiva de que algumas
intervenes educativas so demasiado condicionadoras do crescimento da criana, tendendo
formatao de um determinado tipo de adulto, de um modelo uniforme, estatstico. Mas se a
infncia pode viver connosco para sempre, cabe-nos a ns, professores, uma responsabilidade
significativa na sua preservao e desenvolvimento. Com a prevalncia das tecnologias na
sociedade, julgo que ainda mais urgente reflectir sobre este problema. Por isso, este trabalho
procura estudar o caso do Squeak Etoys enquanto ambiente de autor que possibilita a
descoberta e a compreenso de estratgias que facilitem a integrao das TIC na educao da
criana de uma forma natural, potenciadora e sustentvel.
A designao Tecnologias de Informao e Comunicao (TIC) uma das mais indefinidas
expresses que usamos actualmente: quando falamos genericamente de TIC, falamos no
abstracto, de um conjunto de tecnologias que pode ser radicalmente diferente e ter funes
tambm muito distintas, segundo cada um dos interlocutores. Frequentemente tomamos por
2
equivalentes as designaes TIC, Novas Tecnologias de Informao e Comunicao (NTIC) e
Tecnologias de Informao (TI). Por isso, talvez seja adequado clarificar o conceito TIC, utilizado
no mbito deste trabalho.
O Dictionary of Computing (Collin, 2004), por exemplo, regista o termo Information
Technology (IT, em Portugus: TI) como sendo "a tecnologia envolvida na aquisio,
armazenamento, processamento e distribuio da informao por meios electrnicos, incluindo
a rdio, a TV, o telefone e os computadores". Adrian Shepherd integra na famlia das TIC os
computadores, os discos compactos (CD) e respectivos leitores, a Internet, os telemveis, os
leitores de DVD, a televiso digital e os servios digitais de rdio (Shepherd, 2007). Em 1998,
por necessidade de classificao das actividades econmicas, os pases membros da
Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) concordaram definir o
sector das TIC como uma combinao de indstrias de manufactura e de servios que
capturam, transmitem e apresentam informao electronicamente (OECD, 2002) associando
manufactura as funes de informar, processar e comunicar a informao, incluindo a sua
transmisso e apresentao, utilizando o processamento electrnico para detectar, medir e/ou
gravar fenmenos fsicos ou controlar processos fsicos. indstria de servios foi associada a
funo de processar a informao e comunicar por meios electrnicos. Para Craig Blurton, as
TIC so "um conjunto diversificado de ferramentas tecnolgicas utilizadas para comunicar e
criar, disseminar, armazenar e gerir informao (Blurton, 1999, p. 46). No incio da dcada de
1990, aprendi a chamar-lhes Novas Tecnologias e, confesso, que ainda me sinto inclinado a
pensar que essa era uma boa designao, na medida em que, ao falar das TIC, hoje, no
falamos rigorosamente das mesmas TIC de h cinco ou dez anos atrs. Contudo, considerando
que a definio de Blurton a que est mais prxima do conceito que utilizo, doravante
referir-me-ei apenas s TIC suportadas pelas tecnologias digitais, ou seja, s novas tecnologias
de informao e comunicao suportadas por computador, com aplicao na educao.
Neste captulo, para alm de ter apresentado o propsito, vou ainda delimitar a questo de
investigao e explicar as motivaes do trabalho a que me propus.
3
1.1 Questo de investigao
Em Portugal, o Plano Para a Sociedade da Informao apresentado em 2003 (Conselho de
Ministros, 2003b), reconhecia claramente que as TIC desempenham um papel fundamental na
sociedade.
A realizao do potencial oferecido pelo desenvolvimento da Sociedade da
Informao contribuir para melhorar as qualificaes e o conhecimento dos
portugueses, aumentar a produtividade e competitividade das empresas,
modernizar o aparelho do Estado e dinamizar a sociedade civil (...) atravs da
massificao do acesso e utilizao segura da Internet em banda larga, da
utilizao de novas formas de aprendizagem em todos os nveis de ensino, da
disponibilizao de servios pblicos electrnicos, da orientao dos servios de
sade para o cidado, da concretizao de novas formas de criar valor
econmico e da disponibilizao de contedos atractivos e teis (UMIC, 2003,
p1).
Ainda que alguns autores defendam que a sociedade actual no uma verdadeira
sociedade da informao mas a sociedade do capitalismo informacional por oposio ao
capitalismo corporativo das primeiras dcadas do sculo XX (Webster, 2002), a verdade que a
nossa dependncia da informao e dos recursos digitais que nos permitem aceder-lhe est
cada vez mais entranhada em ns mesmos. No samos de casa sem o telemvel, um
concentrado tecnolgico que incorpora um pouco de cada meio de comunicao de h duas ou
trs dcadas atrs, mas muito mais eficaz. Com ele enviamos e recebemos mensagens escritas,
ouvimos mensagens udio gravadas, consultamos a nossa agenda diria, acedemos caixa de
correio electrnico, damos uma vista de olhos pelas edies em linha dos jornais dirios,
consultamos o saldo bancrio, as notas escolares dos filhos, os resultados da lotaria, pagamos
as propinas, a gua, a electricidade, os impostos e vemos um clip do filme que estreia no fim-de-
semana com a naturalidade dos assduos frequentadores das salas da stima arte Entramos
no automvel com Via Verde e, despreocupados, rolamos de cidade em cidade num frenesim
interminvel No final do ms o relatrio das nossas viagens chegar por e-mail com a
descrio pormenorizada das entradas e sadas nas portagens dos percursos dirios No
emprego ou na escola as TIC so j parte do mobilirio pelo que no estranhamos que o
4
Ambiente de Trabalho imite perfeitamente um portal da Internet ou um catlogo de produtos
sedutores que no temos a certeza de precisar. Os cones, as ligaes, as pastas e todas as
ferramentas dispersas ou organizadas por categorias, do-nos a sensao de poder comandar o
mundo. Sintonizamos uma rdio na Internet ou transferimos um podcast, vemos o Youtube ou
um artigo multimdia do semanrio preferido e entramos na nossa rotina.
De vez em quando assalta-nos a desconfiana de que esquecemos uma porta aberta em
casa e acedemos ao stio da empresa de segurana com videovigilncia. Afinal est tudo em
ordem. Perdo! H uma mensagem no Smartphone indicando de que algo entrou na
lavandaria Procuramos um amigo ou um vizinho que esteja prximo e pedimos-lhe por
telemvel que discretamente indague o que aconteceu Chegados a casa, descobrimos que
todo o alarido foi provocado por um gato furtivo que se introduzira pela garagem quando o
comando sem fios fez deslizar a porta de entrada. O aborrecimento de um dia perdido por causa
de um gato compensado pelo prazer de poder planear uma escapadinha de fim-de-semana,
aproveitando as tarifas reduzidas de uma companhia low cost. O destino est de tal forma
documentado no stio Web da agncia promotora, com imagens tridimensionais, panormicas
interactivas do hotel, hiperligaes para o Google Maps onde Mashups e RSS agregam
informaes variadssimas, imagens de alta definio obtidas por satlite e fotografias dos locais
mais tursticos partilhadas por outros viajantes, que podemos seleccionar os principais pontos de
interesse e traar os melhores percursos com o Street View. Quando l chegarmos, guiados pelo
confivel GPS do nosso Tablet, vai custar-nos reconhecer que nunca l estivramos
Esta inocente fico serve para introduzir a viso de uma sociedade envolvida pelas TIC, de
tal forma natural que muitas vezes no damos pela sua presena, pelo menos at falharem. Aos
Game Boy de 1990 e aos brinquedos robotizados que repetiam ininterruptamente um tema
musical do top ou clichs do quotidiano infantil, sucederam os leitores portteis MP3 e MP4, as
consolas de jogos em linha com acelermetro e reconhecimento de movimentos tridimensionais,
os telemveis inteligentes de ecr tctil com acesso Internet e jogos interactivos em rede, com
GPS, capazes de fazer videochamadas, de gravar vdeo e de sintonizar televiso em alta
definio, por exemplo. Qualquer deles suficientemente pequeno para viajar incgnito nos
bolsos do mnimo bluso ou mochila escolar e, ao mesmo tempo, suficientemente potente
para suplantar o mais avanado computador da nossa infncia. No podemos estranhar,
portanto, que [guiadas] por instintos de independncia e frustradas pela dependncia na
5
aprendizagem, as crianas [estejam] a agarrar apaixonadamente a chave para a liberdade da
aprendizagem (Papert, 1997, p. 26).
A observao das crianas no seu habitat mostra que muitas so atradas pelas novas
tecnologias de uma forma quase impulsiva, apesar de a escola ter dificuldades para as integrar
nas aprendizagens e dessa forma colaborar na edificao do homo sapiens digital de Prensky.
Contudo, com um melhor conhecimento das estruturas e dos mecanismos neuronais e
hormonais e os utenslios lgicos dos computadores, com as super-redes interligadas entre todos
os pontos da Terra e arredores, de esperar que os homens consigam inflectir o seu destino
(Caillaud, 1999, p. 204), ainda que, como refere Joo Pedro da Ponte na introduo a A
Famlia em Rede, [para] Papert, o efeito positivo ou negativo das tecnologias uma questo
em aberto, dependendo muito da aco consciente e crtica que venha a ser feita pelos seus
utilizadores (Papert, 1997, p. 8). A escola tomou-se numa entidade tcnica permeada por vias
'tcnicas' de pensamento, mesmo quando no usa qualquer 'tecnologia', como referiam Papert e
Harel (Papert & Harel, 1991), sendo necessrio libert-la da sua forma tcnica e o professor do
seu papel tcnico, para que a educao progrida. Esta paradoxal afirmao, evidencia uma
escola que se tornou tecnocntrica na medida em que se submeteu a currculos fechados
ditados ao professor e que o professor, por sua vez, passou a cumprir a sua funo de 'tcnico'
que executa as tarefas que lhe so propostas. Perante um quadro to desanimador, [creio] que
o nico caminho plausvel para uma educao humanista num futuro prximo, envolve o uso
extensivo de computadores. A tecnologia pode enfraquecer o tecnocentrismo. Uma infra-
estrutura tecnolgica forte permite uma metodologia menos tcnica no sistema (Papert & Harel,
1991, p. 18).
Os projectos de reforma que se tm sucedido em Portugal apontam quase invariavelmente
para a urgncia de integrar as TIC nas actividades educativas. Os recentes programas e.escola
(Conselho de Ministros, 2008, 2011) e e.escolinha (ME, 2008), no dissociam do acesso ao
equipamento o acesso rede por banda larga, reforando a importncia das TIC e da Internet na
formao dos cidados portugueses, visando evitar a ciso social digital. A respeito da Internet,
Sherry Turkle afirmara que [] outro elemento da cultura do computador que contribui para
encararmos a identidade como multiplicidade. [Na Internet], as pessoas tm a possibilidade de
construir uma personalidade alternando entre muitas personalidades diferentes (Turkle, 1997,
p. 263). Hoje, apesar da capacidade das redes e da integrao convergente de quase todos os
media na mesma interface, continua a ser pertinente e at urgente a principal proposio
6
construtivista que Peter Sutherland (1997) apontava, segundo a qual a criana forma a sua
verso da realidade atravs de um processo activo de construo do seu prprio conhecimento,
a partir das suas experincias peculiares. Vygotsky (1991) fora um pouco mais profundo na
maneira de entender a relao entre sujeito e objecto, afirmando que no processo de construo
do conhecimento o sujeito no apenas activo, mas interactivo e, na troca com outros sujeitos e
consigo prprio, vai interiorizando conhecimentos, papis e funes sociais, que lhe permitem
produzir conhecimento e a prpria conscincia. Partindo destes pressupostos, Vygotsky define a
existncia de uma Zona de Desenvolvimento Prximo que deve ser considerada na prtica
pedaggica, como sendo "a distncia entre o nvel de desenvolvimento real, que se costuma
determinar atravs da soluo independente de problemas, e o nvel de desenvolvimento
potencial, determinado atravs da soluo de problemas sob a orientao de um adulto ou em
colaborao de companheiros mais capazes" (Vygotsky, 1991, p. 112). Quando algum no
consegue realizar sozinho determinada tarefa, mas o faz com a ajuda de outros parceiros mais
experientes, est a revelar o seu nvel de desenvolvimento prximo, que j contm aspectos e
partes mais ou menos desenvolvidas de instituies, noes e conceitos. Integrar, tem sido
pedra de toque da nossa existncia enquanto seres aprendentes e, em relao s TIC, acredito
que tambm no podemos dissociar a sua integrao do carcter humano, embora associ-las
criatividade implique reconhecer as suas potencialidades e vicissitudes.
Como referia Papert, todas as crianas que tm em casa um computador e uma forte
cultura de aprendizagem so agentes de mudana na escola (Papert, 1997, p. 223), logo,
incluir no processo de aprendizagem o sentido de aprender a pensar e a reflectir um objectivo
que tem que ser realizado nos contextos do sculo XXI, sob pena de perpetuarmos uma escola
que traumatiza as crianas porque as obriga a deixarem de aprender para se deixarem ensinar,
como reconheceram, apesar do exagero da ideia, Seymour Papert e Paulo Freire nos debates
sobre o futuro da escola (Moreno & Rosso, 1995) realizados em 1980, na Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo, no Brasil. Manifestando tambm preocupaes sobre a
forma como a escola interfere na aprendizagem das crianas, Piaget (1965) referia que as
funes essenciais da inteligncia consistem em compreender e inventar, ou, por outras
palavras, em levantar estruturas estruturando a realidade, no sentido do andaimamento cognitivo
de Wood, Bruner e Ross, (1976) necessrio aprendizagem. Reportando-se s TIC, Yelland e
Masters afirmam que o andaimamento cognitivo, afectivo e tecnolgico beneficia a
aprendizagem que as crianas realizam atravs da partilha de estratgias e da articulao de
7
raciocnios entre si. Ento, quais so as estratgias que se manifestam como factores de
sucesso na integrao das TIC na educao das crianas? Qual o lugar dos computadores na
construo do conhecimento a partir da resoluo de problemas? A respeito desta ltima
interrogao, Bruner afirma-se convicto de que o professor necessita de uma vasta quantidade
de competncias para levar o aluno a descobrir por si mesmo como andaimar as tarefas,
assegurando que apenas so deixadas sem soluo as partes da tarefa que a criana pode
realizar, numa clara aluso necessidade de equilibrar o desafio com a descoberta, que
tambm se aplica integrao das TIC na educao. Quanto s mudanas que os
computadores podem provocar na forma como as pessoas aprendem, Papert, cr no se tratar
de simples mudanas curriculares ou de resultados de testes. Incluem alteraes nas relaes
humanas, mais fortemente ligadas aprendizagem, relaes intrafamiliares entre geraes,
relaes entre professores e alunos e relaes entre pares com interesses comuns (Papert,
1997, p. 42).
Actualmente, as oportunidades de educao informal e as actividades de complemento
curricular, entre outras, ocupam quase o mesmo tempo que as actividades formais no percurso
escolar das crianas. Em Portugal, as crianas do ensino primrio permanecem no mnimo 8
horas dirias na escola, conforme definido pela iniciativa do Ministrio da Educao conhecida
como Escola a Tempo Inteiro (ME, 2006a). H escolas que promovem a integrao das TIC
em actividades extracurriculares e de complemento curricular, apoiadas pelo Estado, pelas
Autarquias ou por Associaes de Pais, no entanto, as mesmas escolas no conseguem ter o
mesmo nvel de oferta nas actividades curriculares obrigatrias (cf. Departamento da Educao
Bsica, 2004; ME, 2006b). A verificar-se que uma das maiores contribuies do computador
a oportunidade para as crianas experimentarem a excitao de se empenharem em perseguir
os conhecimentos que realmente desejam obter (Papert, 1997, p. 43), no estar a escola a
negligenciar a sua misso? Podemos assentar esta suspeita em reflexes de Papert:
A aprendizagem tem adquirido m fama, devido a prticas empobrecedoras da
escola e mesmo actuao de pais que adoptam insistentemente a divisa de
Agora aprende. Podes brincar mais tarde. No entanto, uma das melhores
coisas que o computador pode fazer consiste na inverso desta perspectiva e
na restaurao do tipo de satisfao em aprender que se observa numa criana
em idade pr-escolar, ou num cientista. Ambos esto sempre a aprender, so
conscientes disso e adoram (Papert, 1997, p. 82).
8
Ao pretender com este trabalho de investigao contar e analisar o meu percurso em busca
das TIC na educao, assumo a sua importncia como evidente e comprovada por muitos
investigadores na aprendizagem das crianas. Com Papert (Papert, 1980, 2005; Papert &
Solomon, 1971) aprendemos a pensar sobre como pensar sobre tecnologia e aprendizagem, os
micro mundos e a cultura matemtica dos computadores, a criar um relacionamento mais
pessoal e menos alienatrio com o conhecimento e a inovar procurando encontrar com os
computadores coisas melhores para as crianas fazerem e melhores formas de as levar a
pensar sobre formas diferentes de elas prprias fazerem essas coisas. Em Sherry Turkle (Turkle,
2005; Turkle & Papert, 1990) encontramos a diversidade nas prticas com os computadores
que a construo social nega, usando abordagens concretas e pessoais do conhecimento que
esto longe dos esteretipos culturais da matemtica formal e perto da relao entre o pintor e a
sua tela. As TIC catalisam mudanas, no apenas no que fazemos, mas na forma como
pensamos sobre o pensamento humano, a emoo, a memria e a compreenso, colocando os
computadores na fronteira entre o inanimado e o animado. Alan Kay (Kay, 1972, 2002, 2007a;
Kay & Goldberg, 1977, 2003) ofereceu-nos o computador pessoal antes de o termos sequer
imaginado e tornou-o porttil, flexvel e acessvel s crianas. Props-nos um conceito de
relacionamento pessoal e dinmico com os media. Tornou-nos autores de TIC e reensinou-nos a
aprender fazendo, com o Squeak Etoys. Gavriel Solomon (Salomon & Gardner, 1986; Salomon &
Perkins, 1996) ajuda-nos a desmistificar o papel das TIC e alerta para o facto de que os alunos
usam estratgias prprias, activas, e construes intelectuais prvias na abordagem das
tecnologias que lhes advm de experincias e assumpes anteriores. Mitchel Resnick (Resnick,
2007; Resnick & Rusk, 1996) aponta-nos conscincia o fosso que estamos a cavar entre ricos
e pobres, considerando ricos os que tm acesso e pobres os que no tm acesso s TIC. Avisa-
nos para os desafios do mundo digital em que nos envolvemos e prope o "pensamento criativo
em espiral", processo pelo qual imaginamos o que queremos fazer, criamos projectos com base
nas nossas ideias, brincamos com as nossas criaes, partilhamos ideias e criaes com outros
e reflectimos sobre as nossas experincias, chegando assim imaginao de novas ideias e de
novos projectos com TIC. Nicholas Negroponte (Negroponte, 1995; Negroponte, Resnick, &
Cassell, 1999) apresenta-nos a sua viso sobre o futuro das tecnologias digitais na mediao
social. Especular sobre como podem e como devem evoluir as TIC e antev o impacto que tero
nas nossas vidas. A digitalizao, entre muitas outras vantagens, permite corrigir deficincias de
comunicao e comprimir dados, facilitando a nossa mobilidade e o acesso informao, ao
9
mesmo tempo que transfere os maiores desafios do campo tcnico para o campo criativo e
desloca o poder/dever de censura/crtica da esfera de aco do emissor para a do receptor.
Profissionalmente, encontrei nas TIC funes de suporte educativo pouco exploradas e,
admitindo que esse reconhecimento pouco mais era que uma suspeita, no deixei de lhe
dispensar ateno particular. Intrigava-me que no ambiente que me rodeava se utilizassem
tecnologias que a escola ignorava ou mantinha guardadas nos armrios e arrecadaes. No
escondo o fascnio que as mquinas sempre me provocaram mas, nos rdios a pilhas, nos
gravadores de cassetes udio ligados ao Sinclair Spectrum e ao televisor a preto e branco do
incio de 1980, havia algo mais que o fascnio da curiosidade. Desperdiado nessas tecnologias,
havia uma espcie de poder desafiador de que procurei apropriar-me quando me iniciei na
profisso de educar. Em busca dessa apropriao, tenho seguido por caminhos desconhecidos
e, em rigor, no sei bem se cheguei a algures, mas a conscincia de que deveria ter uma viso
mais clara sobre os meus empreendimentos e sobre as razes que me guiaram, desaguou neste
projecto de trabalho em que actuo como criador de contedos digitais, como investigador, ou
com ambas as funes.
Enquanto professor, tenho procurado integrar as TIC nas actividades educativas de uma
forma natural, contextualizada, ponderada e flexvel, seguindo um design participado pelos meus
alunos, no espectro das sugestes de Allison Druin (Druin et al., 2002; Druin & Solomon, 1996;
Druin, Stewart, Proft, Bederson, & Hollan, 1997), evitando o tecnocentrismo criticado por Papert
(Papert, 1987, 1990), visando obter nveis mais elevados de eficcia, contento e eficincia. Por
gostar de aprender, tenho uma atitude proactiva em relao minha prpria aprendizagem, mas
costumo resistir a desperdiar tempo e esforo com o que no me d prazer estudar. Admito
que, em abstracto, considere que aprender agradvel, quando o acto de aprender tem
finalidade, objectivos, mtodo e acontece com equilbrio entre o esforo e o resultado. Gosto
muito de ensinar e, da mesma forma que sucede com o aprender, o ensino tem que ir alm de
ensinar, de servir conhecimento. Considero maador o exerccio de tentar ensinar quem no
quer aprender e, referindo-me a mim prprio, tambm considero que para querer aprender
necessrio mais do que a obrigao e do que a oportunidade de aprender, preciso ligar as
duas coisas com o interesse ou com a motivao. Neste sentido dialctico de aprender e
ensinar, utilizar as TIC tem sido uma experincia enriquecedora, com inmeros obstculos, uns
difceis de transpor, outros inultrapassveis, mas a maioria vencidos pela persistncia que
costumo empregar nos meus empreendimentos, com a ajuda de outros, conhecidos ou
10
annimos e com algum destemor e audcia para experimentar. Desde que, em 1995, passei a
ter acesso regular Internet, habituei-me a procurar ajuda nas comunidades de utilizadores em
linha para os meus problemas com as TIC. Por ter sido normalmente bem sucedido, valorizo
muito a partilha, das dificuldades e das respectivas solues.
Retomando as reflexes de Papert (1997, p. 35), assinalando que as crianas esto para a
programao de computadores como os peixes para a gua, ou que entram na programao
como os patos na gua (Papert, 1996, p. 12), especialmente se a abordagem for adequada,
preocupa-me que a escola no preste suficiente ateno a essa realidade. Como referia
Pascoaes (2001, pp. 64, 87), a infncia uma recordao de Deus a materializar-se em jogos
e brinquedos e todos somos originariamente uma criao da nossa fantasia, que a escola
tem a responsabilidade de alimentar para que as crianas se faam gente sem perder a infncia.
Afinal, a investigao confirma a importncia das TIC na aprendizagem, as crianas interessam-
se activamente pela utilizao das TIC, h professores genuinamente preocupados com a sua
integrao na educao, mas nada acontece. Desejando contribuir para mudar este panorama
tentarei colaborar na construo de uma escola mais significativa e acolhedora das necessidades
das crianas convicto de que as TIC me tm ajudado a ser melhor profissional e mais igual
como cidado. adopo de uma atitude de procura contnua, deliberada e mais interrogativa
sobre o efectivo potencial das TIC procuro agora acrescentar alguma reflexo, questionando:
Que factores influenciam a integrao natural, equilibrada e coerente das TIC na educao?
Como facilitar a integrao natural, sustentvel e coerente das TIC na educao da criana?
Na expectativa de procurar respostas a estas questes, organizo esta dissertao em torno
de uma narrativa centrada na primeira pessoa, porque creio que serei mais autntico se contar a
histria da minha relao pedaggica com as TIC e as estrias e as preocupaes que me
trouxeram. F-lo-ei em quatro captulos principais, contextualizando a motivao pessoal no
primeiro captulo, onde tambm enfatizo a minha histria profissional e a relao de confiana e
cumplicidade que estabeleci com as Tecnologias de Informao e Comunicao, por assim
dizer, a origem das minhas questes de investigao, na esperana de que sejam teis para
outros profissionais e investigadores.
No segundo captulo apresento de forma relativamente sucinta e simples algumas
perspectivas da utilizao das TIC na educao e nos contextos formais, no-formais e informais
envolventes da educao das crianas. No final desse captulo fao uma referncia especial ao
11
Squeak, que se tornou ferramenta essencial ao projecto de investigao a que me propus, mas
tambm abordo a integrao das TIC em vrios exerccios de cidadania, com o paradigma "new
life" no horizonte.
Dedico o terceiro captulo ao contributo do Squeak na construo de um Mundo para as TIC
na educao, estudando casos de integrao das TIC em actividades de aprendizagem, em que
denominador comum a utilizao do Squeak Etoys. Apresento sete casos de utilizao deste
sistema de desenvolvimento em contextos formativos que cobrem momentos formalmente
organizados e outros de utilizao informal do software. A intencionalidade o trao comum que
gostaria de destacar em todos os casos. Este captulo apresenta uma estrutura que poderia ser
dividida em vrias outras. Numa fase inicial equacionei a sua diviso numa parte destinada s
questes metodolgicas e de design da investigao e outra descrio e anlise dos casos
estudados, contudo, mais tarde conclu que seria melhor no fragmentar o texto e essa
determinao levou-me a juntar o design investigacional, os casos e a sua anlise.
O quarto captulo destina-se s consideraes finais que o trabalho merece, abordando a
algumas limitaes do estudo, sugestes de investigao para o futuro, que me pareceram
pertinentes e as concluses deste projecto de trabalho.
1.2 Motivao pessoal e contexto
Em 1990 usei o computador para programar as minhas actividades de professor primrio,
para fazer os planos de aula, registar os progressos dos meus alunos e produzir as fichas de
informao que se entregavam aos pais ou encarregados de educao. O computador tinha
ento a funo de meu secretrio que, embora inicialmente tornasse as tarefas mais
demoradas, me ajudava a realiz-las com maior eficcia e muito melhor esttica. Aprendi de
forma absolutamente autnoma a criar bases de dados simples, para registo da informao do
aproveitamento e progresso dos alunos. A sua utilizao dava-me uma maior conscincia de
justia nas avaliaes porque me permitia registar os mesmos itens para todos usando uma
escala de apreciao comum. A consulta das bases de dados acabava por levar-me ao
questionamento e reviso de alguns aspectos da aprendizagem dos meus alunos. Por outro
lado, essas ferramentas libertavam-me da tarefa rotineira de reescrever manualmente, em cada
dia, um conjunto de objectivos curriculares definidos pelo Ministrio da Educao. Considerava
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esse tempo de cpia manuscrita uma perda de tempo que, simultaneamente, me cansava,
desiludia e desinspirava enquanto professor da escola primria. Para alm de o plano dirio
raramente poder ser executado como fora pensado, em virtude das circunstncias ou
acontecimentos imprevisveis que ocorriam na turma, era uma espcie de castigo antecipado e
inconsequente. Dessa tarefa obrigatria, talvez s aproveitasse o desenvolvimento da rotina de
planear, no a competncia, j que era mais valorizado o facto de ter ou no sido cumprido o
plano do dia anterior do que o registo e a anlise dos acontecimentos dirios.
Utilizava um computador com disco rgido de trinta megabytes que tinha sido adquirido em
finais de Dezembro de 1989, com apoio de um banco privado que nessa altura estava a
implantar-se em Portugal. Sim, com apoio financeiro, porque, nessa altura, um sistema
computacional com as caractersticas mnimas de funcionalidade, um monitor policromtico VGA
e uma impressora de agulhas bem melhor que as impressoras de margarida , custava o
equivalente a dez dos meus salrios mensais. Uma fortuna! Um rombo nas economias da casa e
uma extravagncia incompreensvel para alguns familiares e para a maioria dos meus colegas de
profisso. Diziam-me que, com aquele dinheiro, faria umas frias de sonho fora do pas e, em
vez disso, ia ter que aprender a usar o computador para no fazer nada com ele. Que gozo!
Senti-me, de facto, um tanto louco e irresponsvel, at porque j tinha um filhote a caminho
da escola e, provavelmente, esse desperdcio iria comprometer a sua qualidade de vida futura.
Mas, na realidade, via naquela mquina endeusada ou demonaca, um excelente substituto para
a mquina de escrever que usava desde a adolescncia, enquanto secretrio dos meus colegas
de turma para bater mquina as resmas de sebentas gatafunhadas por alguns dos melhores
professores que tive e que, entretanto, tinha levado para a sala de aula para possibilitar que os
meus alunos escrevessem de facto os caracteres impressos exigidos na aprendizagem da
escrita. Custava-me dizer-lhes que tinham que escrever, manuscritamente, a letra de imprensa
para se habituarem a identific-las nos livros. Custava-me ainda mais ter que improvisar o
desenho de uma pgina inteira de texto ou as questes para os testes que dava aos alunos,
seguindo as boas prticas que a comunidade docente mais experiente me apontava.
Vivia-se ento, uma poca que marcou a reforma educativa em Portugal. O Programa
Interministerial de Promoo do Sucesso Educativo (PIPSE), criado por resoluo do Conselho
de Ministros (Presidncia do Conselho de Ministros, 1987), comeara a trazer os computadores
para a escola, promovendo a formao de professores em Informtica. Dizia-se! Ainda que a
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oferta no fosse massificada, sobravam sempre lugares nas turmas que se organizavam sob a
orientao das primeiras empresas de informtica que apareceram na provncia.
O projecto Meios Informticos no Ensino Racionalizao Valorizao Actualizao (ME,
1985) conhecido pelo acrnimo MINERVA, que se iniciara em 1986, tinha uma funo de
suporte e promoo das TIC mas, em alguns pontos do pas, tinha-se circunscrito aos crculos
de influncia dos respectivos plos, geralmente nas capitais distritais. Em 1988, regressado
escola, depois de um destacamento na Educao de Adultos onde tive o primeiro contacto
profissional com os computadores de ecr verde, tinha feito alguns contactos na tentativa de
obter para a escola em que leccionava o apoio de um dos plos MINERVA, mas as respostas
foram negativas. No era possvel! Demoveram-me dessa inteno argumentos de que a escola
estava geograficamente muito distante.
Percebi claramente que a interioridade constitua um grande obstculo no acesso s TIC e
que teria de encontrar formas alternativas para no ficar excludo. Assustava-me a condenao
perptua rudeza da escola primria que conhecia das aldeias por onde tinha j passado.
Inscrevi-me ento num curso de informtica, MS-DOS, numa software-house que, aos olhos dos
professores do meu tempo, liderava os avanos tecnolgicos na minha terra. Frequentei todos os
minutos do curso, dado em ritmo caracolado em honra dos dees que me acompanhavam. No
final do curso chegaram as frias e resolvi explorar o mago da mquina. Abri cada programa
que consegui descobrir, li os manuais de fio a pavio e cheguei concluso de que, realmente,
aquilo era pouco mais que uma mquina de escrever muito cara!
Entretanto a empresa formadora resolveu abrir uma loja de informtica para vender ao
pblico e esse local passou a ser o meu espao de lazer. Todos os minutos sobrantes da vida de
um professor em incio de carreira, com a mania dos computadores, eram passados a
bisbilhotar as novidades dos catlogos e em tertlias com outros clientes com manias
semelhantes s minhas. Um dia queixei-me de que, afinal, o computador no tinha muito mais
que o Pac-Man (Fig. 1), e que o Wordstar era muito engraado mas limitado para o uso que lhe
queria dar. Mil vezes me arrependi de ter gasto aquela exorbitncia num caixote de lata feito na
Malsia. Foi ento que algum me falou do Works. Diziam-me que tinha base de dados e um
programa de desenho. Est-se mesmo a ver que s descansei quando obtive a caixinha de
disquetes com o programa. Foi a que verdadeiramente percebi que o computador talvez no
fosse nada do que parecia. Do MS Works ao Boeing, um fabuloso gerador de grficos
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tridimensionais apresentado em 1987 (Walkenbach, 1987) e ao News, um editor de texto de que
desconheo a origem, mas que identifico como rudimentar sistema de edio electrnica, que
permitia incluir imagens, texto e alguns grafismos, foi um pulinho.
Fig. 1 Ecr do jogo Pac-Man
Em 1991 tinha j inserido todo o programa do ensino primrio numa base de dados do
Works e produzia os meus planos de aula dirios mesclando, na vspera, a base de dados no
editor de texto. Entretanto, resolvi tambm um grave problema de que as impressoras padeciam
ao no imprimirem os caracteres especiais portugueses como o c cedilhado ou as letras com
til, quando descobri como configurar a impressora para funcionar no modo Proprinter,
combinando o alinhamento de um grupo de micro interruptores que se alojavam na retaguarda
da Philips Proprinter. A informao estava toda nos manuais, mas quem que os lia? Passei a
imprimir e a arquivar os meus planos dirios, os meus testes e as fichas de informao que
entregava aos pais no final do trimestre e esperava, ansioso, pela visita do Inspector que me
haveria de pedir esses documentos, com aquela pose repressora que punha histricas as
minhas colegas mais velhas. Queria perceber se estava ou no a ser bom professor, se poderia
continuar assim ou se seria melhor descer do Olimpo e fazer como via fazer, tomando como
lema de vida a mxima do desenrascado. Finalmente chegou o dia. O Inspector foi escola e
quis ir minha sala de aula. Pediu-me tudo: processos de alunos, planos e avaliaes. Fui ao
armrio do fundo da sala, abri a portinhola envidraada, retirei o dossier de argolas e entreguei-
lho. Perguntou-me o que era, como se eu no estivesse j a contar com esse inqurito e enfiou
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literalmente a cara naquelas folhas de papel contnuo separadas pelo picotado. Algum tempo
depois saiu. Apanhei-o ainda na porta e perguntei-lhe o que que tinha a dizer, que reparo fazia
ao meu trabalho e o que que me aconselhava, entre outras perguntas de circunstncia. Tive
resposta pronta: Meu caro, na sala de aula, o professor quem sabe disse com segurana e
sem qualquer laivo de superioridade. O inspector no sabe nada! concluiu. Estranhei e
perguntei se poderia continuar a usar aquele sistema de trabalho. Sim, disse-me, mas era
melhor que a informao aos pais fosse feita em impressos prprios que a delegao escolar
mandava para a escola.
Aquela exigncia consumiu-me alguns dias na explorao do modelo impresso e na procura
da soluo para fazer coincidir a impresso nas quadrculas, mas no fui derrotado. Alguns
meses mais tarde comecei at a ser contactado por colegas de profisso, que vinham de
localidades afastadas procura do programa de computador que fazia os planos de aula. Ainda
hoje no sei como essa rede foi construda, mas sei que era uma rede de interesses, ou
comunidade, como se denomina agora, que servia de motivo para se passarem horas de
conversa sobre o futuro dos computadores na escola, as suas potencialidades e os seus
desafios. E foi por esse caminho que descobri a msica sintetizada que, em tempos, me
subtraiu largas horas de sono e da companhia familiar. Contudo, em relao educao, sentia-
me numa ilha deserta. minha volta poucos usavam o computador e menos ainda o usavam
para trabalhos da escola, era mais para jogar e fazer os testes que depois se policopiavam.
Outros, nem isso faziam, argumentando que a impressora era um perifrico sem interesse e
caro, logo no tinham tal aparato. Convenci-me que teria que aprender mais sobre esse mundo
misterioso dos computadores e folheei cada jornal procura dos anncios de cursos que as
Universidades costumavam colocar. Procurava um que inclusse computadores e que me
aceitasse como aluno, uma vez que, nesse tempo os professores primrios no existiam no
sistema educativo: no eram bacharis nem licenciados. Aos olhos da sociedade no sabiam
fazer mais nada do que dar aulas na primria, s acediam Universidade em virtude do curso
do Magistrio Primrio se houvesse vagas supervenientes. A designao professor ou professora
primria carregava um sentido pejorativo que, para alm de injusto, me irritava solenemente.
Em 1993 matriculei-me na Universidade do Minho, num curso que conferia o Diploma de
Estudos Superiores Especializados (DESE) em Novas Tecnologias e Imagem. Apesar de decorrer
a mais de sessenta quilmetros do meu local de trabalho e de funcionar em horrio ps-laboral,
tinha absoluta conscincia de que era a que iria encontrar os outros ndios que me ajudassem
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a descobrir a tribo a que pertencia. O primeiro contacto com os colegas da turma deixou-me
uma mistura estranha de sensaes. Alguns tinham uma experincia de utilizao dos
computadores bastante inferior minha, enquanto outros falavam de computadores e de
programas informticos que nunca tinha visto nem sonharia existirem. Nessa altura senti-me
bastante perplexo porque temi que me tivesse enganado novamente. Afinal, aquele curso, talvez
no me desse o que eu esperava das novas tecnologias. Essa crena assediou-me
frequentemente porque, do ponto de vista tecnolgico, os contedos curriculares pareceram-me
relativamente escassos, embora o curso acabasse por me permitir construir uma viso mais
consciente da funo das TIC na educao, para alm de validar as competncias que j tinha
na utilizao tecnolgica do computador. Tinha umas noes de programao em QBasic (Fig.
2), sabia usar rudimentarmente uma base de dados e interrog-la. Sabia utilizar uma folha de
clculo, incluindo a famosssima Lotus 123, utilizava com bastante confiana o processamento
de texto, sendo meus favoritos o MS Works, o Aldus PageMaker e o News.
Fig. 2 Ecr de incio do QBasic
Tenho que confessar que nessa altura no tinha noo de que o software era pirateado.
Mas o procedimento de aquisio era simples: comprvamos as disquetes e os amigos
passavam-nos os programas copiados. Descobri bastante mais tarde que esse procedimento era
um acto ilegal.
O DESE foi como que um detonador da minha paixo pela tecnologia educativa.
Ocorriam-me inmeras ideias para a sua aplicao e sentia-me como que a recomear um
percurso interrompido, algures no tempo. Talvez no meu tempo de liceal inconformado,
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idealista, utpico. Os computadores falavam a minha linguagem e, quando a programao visual
com Toolbook me passou pelas mos, foi como se o Big Bang tivesse ocorrido de novo. Vi ali,
muitas das ferramentas que me ajudaram a compreender finalmente Piaget. O Toolbook passou
a ser uma espcie de extenso da minha mente, um lpis mgico com que experimentei
estratgias e abordagens educativas que me pareciam coerentes, facilitadoras da aprendizagem
e da minha funo profissional. Foi atravs desse rido software, duplicado entre colegas, que
descobri Vygotsky e Ausubel e Brunner e Skinner. Confesso que simpatizei mais com os
primeiros.
Algum tempo depois, em 1994, tive a oportunidade de estudar em Inglaterra, no mbito do
programa Erasmus. Tinha ento trinta e dois anos, mas vivia a minha adolescncia em termos
de atitude perante o conhecimento. Tanta coisa nova que estava a descobrir por causa daquele
incmodo computador, que ainda soprava ruidosamente, todas as noites, no meu escritrio! Foi
por essa altura que me falaram de Seymour Papert e que descobri parte do seu trabalho,
mergulhando na biblioteca da Universidade de Derby, que estava aberta noite, aos sbados,
domingos e feriados. Fantstico! No, no se podia copiar, ou seja fotocopiar livro algum. Que
espanto! Tinha uma certa dificuldade em perceber como que todos aqueles alunos estudavam.
E aquela biblioteca? Arrasadora na organizao, na dimenso, no nmero de volumes, na
sofisticao e na burocracia... Tiveram que me fazer um carto de leitor, avalizado pelo
Professor Graham Littler, dean da faculdade, para que pudesse passar o prtico, uma vez que
no era aluno regular da Universidade.
No primeiro ms de estadia em Derby, a nica coisa que me fez sentir um Portugus
orgulhoso foi um guia turstico (Hill, 1992), coordenado por Hans Hffer, que reproduzia na
contra-capa uma minscula imagem do pormenor da ponte de S. Gonalo, na minha terra natal,
com a singular legenda de serenity. Ufa! Era mesmo o que precisava. Vou falar em Portugus
com este livro - pensei alto, j que as libras se tornavam escassssimas para falar mais amide
com a famlia que ficara em Portugal. Durante o dia, passava o tempo entranhado no PC que me
tinham atribudo no Multimedia Teaching and Learning Unit (MTLU). Nas horas de cio,
consumia a biblioteca, escrevia as minhas notas e ia-me convencendo de que nada na minha
vida profissional voltaria a ser como dantes.
Tive a sorte de tomar contacto com escolas equivalentes s nossas escolas primrias, de
perceber como se organizavam para trabalhar em equipa, como misturavam o trabalho de
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pintura e recorte em papel com os Acorn Atom, os computadores que os professores ingleses
me tinham tentado convencer a usar assim que cheguei, porque eram muito mais evoludos que
os PC e que os Mac, argumentavam veementemente. Esses computadores, estranhos, com
drive de disquetes no teclado, ao estilo dos Amiga e Commodore que tambm conhecia, com
capacidade de sntese de voz e possibilidade de actualizao modular do hardware, deixaram-me
simultaneamente fascinado e intrigado porque, em Portugal, tinham-me dito que no valia a
pena aprender nada com eles, uma vez que aquela arquitectura de computadores no existia em
mais nenhum pas europeu.
Regressado ao MTLU, e razo de ser do meu Erasmus, deram-me uma tarefa inicial que
consistia em aprender a utilizar o Authorware, software de autor, e fazer uma pequena aplicao
com essa ferramenta num determinado perodo de tempo. Na minha opinio, o software era
poderosssimo e tinha tudo o que eu j havia descoberto no Asymetrix Toolbook, mas as pessoas
que me podiam ensinar a us-lo no tinham formao de base na rea da educao e fizeram
questo de me alertar imediatamente de que apenas poderiam ajudar-me nos aspectos tcnicos.
Esses especialistas do multimdia eram tcnicos da medicina e da psicologia clnica, os nicos
autorizados a usar computadores IBM-PC para a produo de contedos didcticos, que
depois eram vendidos a outras Universidades e centros de investigao no Reino Unido e no
estrangeiro. Cumpri a tarefa realizando o dobro do trabalho e apresentei o que me pediram em
Ingls e em Portugus. Esse facto, no s mostrou que estava apto a programar com
Authorware, como contribuiu muito para elevar a minha auto-estima e para que me integrasse
mais facilmente no grupo constitudo, quase exclusivamente, por investigadores estrangeiros.
Certo dia, uma das investigadoras, a menina Wells, foi junto de mim e disse-me que eu
tinha uma mensagem no meu computador, que deveria l-la.
Mensagem? No meu computador? Onde?
Que vergonha, s hoje tenho esse discernimento, quando estava a sentir-me por cima, havia
de vir algum dizer que me tinha sido atribudo um endereo de email e que atravs dele
receberia mensagens e que tambm podia enviar mensagens para outras pessoas? Achei muito
engraado ter uma mailbox, mas no conhecia um nico endereo de email. Posso at
confessar que no sabia bem como que isso funcionava nem reconhecia aquele a especial.
Mas, depois de aprender a usar a caixa de mensagens, l vi um convite para um barbecue,
vegetariano, numa morada prxima.
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Fig. 3 Pgina do stio Web da Universidade de Derby, em 1997
Espantoso! Como que ningum me tinha falado disto antes? Foi, certamente a minha
interrogao imediata. Alguns dias depois, David Garrett, um bilogo australiano, investigador do
MTLU e apreciador de Trincadeira 1
1 Trincadeira uma casta de uva tinta da famlia das vitis vinifera, cultivada essencialmente no Alentejo, na regio do Douro e no Ribatejo (cf. Wikipdia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trincadeira)
, deu-me o seu endereo de email. Foi o primeiro
correspondente por email da minha vida e o nico durante uns meses. No restante tempo de
permanncia em Derby criei uma aplicao multimdia mais consistente, baseando-me no
imaginrio infantil da poca e na personagem de Scrooge McDuck, o forreta do Tio Patinhas. A
aplicao supunha um anncio que McDuck tinha colocado no jornal para recrutar um Guarda
para a Casa Forte do banqueiro, ou seja, um contabilista para trabalhar com uma mquina
nova de fazer trocos. Segundo esse anncio virtual, o candidato teria que passar uma bateria de
testes de reconhecimento das moedas e fazer a sua converso para valores correspondentes. O
utilizador era confrontado, no primeiro ecr, com uma mensagem que lhe pedia o nome, a idade
e a aceitao das regras. Depois iam-se explorando as actividades de troca de valores e