7/25/2019 Teoria Monetria e Bancria Em a Smith
1/7
A teoria monetria e bancria de dam Smith
Paulo Neuhaus
The
judicious operations of banking, by
providing,
if I
may bc allowed
so
\iolcnt
a
metaphor,
a
sort of
waggon-way
through
the
air, enable the
cOllntry
to convert,
as
it
were,
a great
part of
its
highways into good pastures
and corn
fields. and thereby to
incrcase
very
considcrably
the annual
produce of its land and
labour. The
commcrcc and
industry
of the country, howcvcr, it must be
acknowledgc,
though they
mav bc somcwhat augmcntcd, cannot bc altogethcr so securc,
when
they are thus, as it were, suspendcd
upon
the Daedalian
wings
of paper money,
as whcn
thev
traYCl about
upon
the
solid ground of gold and
silveI.
Aclam
Smith, The wealth
of
nations livro lI, capo
2.
Ao
comemorar
o bicentenrio de sua publicao, a obra-prima
de
Adam
Smith
A riqueza das naes consegue ainda
surpreender-nos pela
consta
tao
no
do
lanamento de idias (na poca) originais, como tambm
da sntese
de
teorias
geralmente
aceitas que
ganhavam, na
verso
s:nithiana,
nova roupagem e eram argumentadas em termos de exemplos e metforas
muito intuitivas
e comunicveis.
Discutiremos, neste trabalho, as idias de Smith sobre o
papel da
moeda
e
do
sistema
bancrio,
luz, naturalmente, da teoria econmica contem
Fornea,
mas
procurando
situ-las
no
contexto histrico da evoluo do
pensamento econmico.
Como
veremos, h
em Smith
uma mescla
de
proposies que at
hoje
conservam a validade com idias falaciosas, como a
real-bills
doctrine que
no obstante
tm
um grande poder de
sobrevida
o
autor
Ph.D. em economia pela L niyersidade de Chicago, economista do Banco Central
do
Brasil e professor
da
Escola de P6sGraduao
em
Economia
da Fundao
Getulio Vargas.
R.
bras.
Econ.,
Rio
de
Janeiro,
3 (I)
:221-22i
jan.1mar. 197
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2/7
As idias
que
discutiremos encontram-se, essencialmente,
no
livro lI,
capo
2 Da moeda considerada como um
ramo particular
do estoque da
sociedade,
ou
do gasto na
manuteno
do capital nacional . 1
O captulo se abre com uma digresso sobre contabilidade nacional,
onde
se
observa
que
o valor de
uma
mercadoria,
bem
como o fluxo
anual
do produto nacional, podem ser desdobrados em parcelas relativas aos
salrios, lucros e
renda da terra
pagos; distingue-se, ainda, entre
Produto
Kacional
Bruto
e Lquido, para mostrar que os gastos na
manuteno
do
estoque de
moeda
devem ser subtrados
do produto bruto,
assemelhando-se
depreciao do capital fsico.
Este
ponto
leva importante concluso de que o progresso tecnolgico
que economiza no custo de manuteno da
moeda
leva diretamente a
um aumento
do
Produto Lquido,
assemelhando-se a
uma
inovao
que
aumente
a eficincia do capital fsico.
Uma dessas formas de progresso a substituio da
moeda
metlica
-
ouro
e prata - pelo papel-moeda e pela
moeda
escrituraI, na
medida
em que
permite liberar
recursos reais
anteriormente
ociosos. No modelo
de
Adam
Smith, os metais preciosos liberados sero, presumivelmente,
exportados para outros pases que
ainda cultuem
o bezerro de
ouro .
A seguir, Smith discorre sobre o mecanismo
timo
de emisso de papel
moeda pelos bancos comerciais, lanando mo da chamada lei de refluxo
para
assegurar a estabilidade
do
sistema.
Obsernndo os mecanismos usuais de emisso de papel-moeda pelo
sistema bancrio, ~ m i t considera como o mais freqente a emisso ge
rada pelo desconto de notas promissrias e ttulos originados de transaes
reais , embora registre a pr
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yalor do
ouro
e
prata que
necessariamente circulariam no pats se
no
hom-esse papel-moeda; o papel-moeda
nunca pode
exceder a
quantidade
que
a circulao do pas
pode
facilmente absoryer e empregar.
Estes limites de prudncia seriam mantidos se os bancos se limitassem
a descontar ttulos lastreados em operaes
reais
ou,
no
caso de
operarem
como cash accoun ts (sem lastro real ), mantivessem seus emprstimos na
faixa dos encaixes de transao e precauo
habitualmente
detidos pelos
comerciantes (como se y,
um
critrio vago _
luz da teoria e da experincia monetria contemporneas, a real bills
doctrine
(doutrina do
crdito legtimo) preconizada
por Smith
parece-nos
claramente falaciosa e ultrapassada.
Todavia,
no se deve minimizar a
importncia histrica desta doutrina que, incorporada aos princpios da
banking
school
(escola bancria), sustentou
os
longos debates com a
cur-
rency school (escola monetria)
que
foram gerando, ao longo do tempo,
os
alicerces
do
pensamento
monetrio
anglo-saxnico. 3
Alm disso, a noo de
que
a moeda em circulao deve lastrear-se em
ttulos reais foi a base filosfica subjacente criao
do
Federal Reserve
System americano,
em
1913, e de vrios bancos centrais
europeus
e latino
americanos nas dcadas seguintes, inclusive com a tentativa frustrada de
criao de
um
banco central
no
Brasil, em 1923-26.
4
Adam Smith
fundamentaya
seu
modelo
monetrio na chamada
lei do
refluxo (que nada mais do
que
uma verso incipiente
do
enfoque
monetrio do balano de pagamentos). Assim, a estabilidade
monetria
ficaria assegurada j
que
o total do papel-moeda de todos os tipos
que
pode facilmente circular num pas jamais
poder
exceder o valor do
ouro
e
prata que
ele substitui, o que circularia se
no
existisse o papel-moe
da. . . Se
o papel-moeda, a
qualquer momento,
excedesse este mon
tante, como o excesso
no poderia
ser enviado
para
o exterior nem
ser usado
na
circulao do pas, ele
retornaria
imediatamente aos bancos
para
ser trocado
por ouro
e
prata Quando
esse papel-moeda
suprfluo
fosse convertido em ouro e prata, as pessoas poderiam facilmente remet-lo
para
o exterior .
5
Smith
op. cit. p. 288.
Veja Blaug
(19i3) p_ 202-3_
, ;o.:euhaus (l9i4).
Para
uma
critica
da
real bills
doetri
veja
~ i n t s (1945) e
Friedman
& Schwartz
(1963).
Embora
no se possa atribuir a
autoria
dessa doutrina a Adam Smith, ele fez, segundo
1t.fints, a sua mais elegante apresentao
em
A Tique:a das naes ;
julgava, ainda, esse autor,
que ' no houve nenhum avano,
at hoje,
(1945)
em
relao apresentao feita
por
Smith, e
pouco progresso na sua crtica .
Smith
( l93i) p. 284.
TEORIA
MOSETARIA E BASC.lRIA
223
7/25/2019 Teoria Monetria e Bancria Em a Smith
4/7
Em outras palavras, o excesso inicial de moeda seria neutralizado
pela
perda de reservas internacionais (metlicas) que, por sua vez, atuaria
como
um
indicador
para
que os bancos moderassem sua emisso.
Esse mecanismo era
tanto
mais dramtico
quanto
a perda de reser
vas
se
fazia
sentir
diretamente
ao
nYeI dos
prprios
bancos comerciais, e
no ao n\'el de um remoto todo-poderoso
banco
central. Isto as
reservas
de
cada
banco
eram de
carter
precaucionrio, sendo pequena
ou inexistente a possibilidade de acesso ao redesconto por uma autoridade
monetria central.
interessante observar
o
papel
que .\dam Smith reservava aos bancos
comerciais no
conjunto
do sistema financeiro, recomendando que
se
dedi
cassem
apenas
ao
financiamento
de capital de giro de
curto
prazo,
j
que
um
banco
no
pode, consistentemente com seu
prprio
interesse, empres
tar a
um
comerciante a
totalidade
ou
mesmo
a maior
parte
do capital
circulante com que aquele negocia,
porque,
embora esse capital retorne
periodicamente
ao
negociante sob a
forma de
moeda, e seja gasto por ele
na mesma forma, assim mesmo o total dos desembolsos e a soma dos
repagamentos pelo comerciante no poderia
igualar
o
montante
do em
prstimo dentro
de um
perodo de tempo suficientemente
moderado para
ajustar-se
convenincia
do
banco .
7
Com
maior nfase ainda, Smith recomendava que os bancos se absti
vessem de
financiar
o ativo fixo das empresas, cujos
retornos
seriam
ainda
mais distantes e incertos do que os do ativo circulante. Aos empre-
srios, Smith recomendava que financiassem seu ativo fixo, e, em geral, as
operaes de maior prazo,
mediante
hipotecas ou emprstimos avalizados
junto
a capitalistas privados ( priva te people as propose to live upon
the
interest of
their money,
wi
thout taking the trouble
themselves to
employ the capital ).
O enfoque de Smith est provavelmente limitado pelas circunstncias
histricas em que escreveu sua obra. Como argumenta Mark Blaug, embora
seja comum atribuir a Smith o
papel de
idelogo da revoluo industrial
a O Banco da Inglaterra h3\ sido fundado
em
1694, mas como foi noluindo gradualmente de
banco comercial para banco ccntral, ainda no havia,
obviamente. atingido
em 1776 o aparato inter-
\'encionista que caracteriza os bancos centrais
contemporneos. Segundo
\.Iints (op. ito p. 11) J
somente
aps
a dcada de 1920
que
comeou-se a aceitar a idia de
que
o
nvel de
preos
deveria ser estabilizado
pela
atuao do banco central, embora. naturalmente.
tenha
havido muitas
discusses anteriormente sobre propostas extrabancrias para atingir este
objetivo .
7 Smith op. cit. p. 291.
224
R.B.E. l i i
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5/7
inglesa, a verdade que ele provavelmente no tinha conscincia da
originalidade do
momento
histrico
que
vivia. A obra volta-se freqente
mente contra a cobia mesquinha e o esprito monopolizador
de
comer
ciantes e manufatureiros, que no so, nem devem ser, os
dirigentes
da
humanidade .
Por
outro
lado,
embora
a verso revista
de
A riqueza das
naes
tenha
sido publicada em li84, Smith no menciona as
importantes
invenes mecnicas de Kay, Hargreaves, Compton, Arkwright e 'Vatt,
anteriores a esta data e que
lanaram
as bases tecnolgicas
da
revoluo
industrial. A historiografia econmica moderna tende, na verdade, a
situar
o momento crtico da revoluo industrial,
enquanto
acelerao notvel
na taxa
de crescimento econmico, a partir de 1790, de sorte que
A riqueza
das naes seria contempornea do al)agar das luzes do mercantilismo sem,
contudo,
ter
apreendido
as implicaes
do novo
regime econmico
que
se
inaugurava.
8
Assim, o papel que Smith reservava aos bancos comerciais ainda era
o de financiadores do comrcio e do artesanato, o que provavelmente cor
respondia realidade do momento, sem vislumbrar o papel que os bancos
comerciais e de investimento viriam a ter como financiadores da revoluo
industrial.
9 Sua anlise da poltica tima de
por folia
dos bancos
ignorava
o fato
de
que o banqueiro pode cobrar um diferencial
de
juros como
prmio de risco, tendo em vista o prazo
do
emprstimo e o risco do
empreendimento. Alm disso, Smith ignora a noo
de
transformao
financeira , ou seja, o fato de que aos intermedirios financeiros cabe,
justamente, reconciliar as
diferentes
preferncias quanto a prazos, riscos,
remunerao,
etc.,
de
tomadores e
prestadores de
fundos. Assim, a carac
terstica de
volatilidade
e disponibilidade
vista dos depsitos no implica,
necessariamente, que os bancos comerciais tivessem que se abster de qual-
quer
operao
de
prazo mais longo.
Para
fazer
justia
a Smith,
porm,
preciso
lembrar
que a tecnologia
financeira
da poca
era
rudimentar e
que instrumentos como depsitos
bancrios
a prazo ainda eram
virtual-
mente inexistentes.
Smith
apresenta um
esboo
ele poltica
tima
ele
com:Josio
do
papel
moeda emitido por denominaes, e que se articula com suas recomenda
es de organizao industrial do sistema
bancrio.
Blaug (1973) p. 3940.
Segundo
Mints (1945, p. 21), o rpido crescimento
do
sistema bancrio ingls somente ocorreu
aps
1750
Para exemplificar, o nmero e ountry b nks bancos provinciais
que
operavam fora
da praa de
Londres)
cresceu
de
12, em 1750,
para
cerca
de
400, em 1793.
TEORIA \ lOSET iRIA E
BASC iRIA
5
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6/7
Para Smith, deveria ser proibida a emlssao de
papel-moeda
em deno
minaes inferiores a L 5, com o seguinte
fundamento:
em se tratando
de um regime de emisso de
papel-moeda
pelos bancos, com liberdade
de entrada na indstria, a permisso
para
emisso de
notas
de pequeno
valor estimularia
a criao
de
bancos
de
solidez
duvidosa,
gerando
freqen
tes crises de
insolvncia
e aumentando a
instabilidade do
sistema
bancrio.
Isto porque as pessoas
procurariam
assegurar-se
de
que as notas
de
grande
valor
so respaldadas por um banco de confiana, mas poucos preocupar
se-iam com este fator em se tratando de notas de pequena denominao. 10
interessante observar
que Smith
considerava
vlido
impor
essa proi
bio para alcanar o objetivo maior de um sistema bancrio estvel e
livre de maiores entraves regulatrios pelo governo.
Argumentava
que este
tipo
de regulao pode,
sem
dvida,
ser
considerado de certo
modo
como
uma violao
da liberdade
natural. ~ a s a fruio da liberdade natural
de
alguns poucos indivduos, que
poderia prejudicar a
segurana da
socie
dade
como um todo,
e deve ser, restringida pelas leis do governo, do
mais livre ao mais desptico. A obrigao
de
construir
muros
para
prevenir
a comunicao de incndios uma violao da liberdade natural exata
mente do mesmo
tipo que as regulaes
da
indstria
bancria aqui
pro
postas . 11
Uma vez estabelecida a proibio de emisso de
papel-moeda
abaixo
de certas denominaes, e garantida a
conversibilidade
vista, em moeda
metlica,
do
papel-moeda emitido pelos bancos comerciais,
a
indstria
(bancria) pode, com segurana para
o
pblico,
ser
mantida em
todos os
demais aspectos perfeitamente livre .
Smith
preconizava
a
livre concorrncia
entre os bancos, argumentando
que
ela resultaria em
maior estabilidade
do sistema
bancrio
e
melhores
condies
de
negcios
para
seus clientes.
Aqui,
como
em inmeras
outras
passagens de
riqlleza das naes
a mensagem de Smith conserva ainda,
passados 200 anos, seu
vigor
e
atualidade: In general,
if any branch of
trade,
or
any division of labour, be advantageous to the public, the freer
and more
general
the
competition,
it will always
be the
more so. 12
10
Smith (1937)
p.
307.
Smith op. cit. p.
308.
~ s t
particular.
a posio de
:'Iilton
Friedman no
debate
sobre regras
gerais versus
poder
discricionrio
das
autoridades
na
rea monetria ruZes
versus autliorities
se
fundamenta
filosoficamente,
na
tradio
de
Smith
aceitando
alguns tipos
de
intcn"eno
claramente
explicitadas
em regras singelas de
poltica econmica contanto
que o
governo
se
abstenha
de
intervir discricionariamente e garanta, de
modo
gera1. liberdade c concorrt-ncL
do>
rncrtados.
\eja
por
exemplo,
Friedman
(1960).
. Smith
op. cit. p.
313.
226
R.B.E. 1 7i
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7/7
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