SERVIÇO SOCIAL
PAMELA ELLEN DE OLIVEIRA PECEGUEIRO
O(A) ASSISTENTE SOCIAL COMO TRABALHADOR(A) ASSALARIADO(A): UMA
ANÁLISE DA PRODUÇÃO DE IAMAMOTO (1982-2017)
TOLEDO-PR
2017
PAMELA ELLEN DE OLIVEIRA PECEGUEIRO
O(A) ASSITENTE SOCIAL COMO TRABALHADOR(A) ASSALARIADO(A): UMA
ANÁLISE DA PRODUÇÃO DE IAMAMOTO (1982-2017)
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
curso de Serviço Social, Centro de Ciências Sociais
Aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – UNIOESTE, como requisito parcial à
obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profa. Dra. Esther Luiza de Souza
Lemos.
TOLEDO
2017
PAMELA ELLEN DE OLIVEIRA PECEGUEIRO
O(A) ASSISTENTE SOCIAL COMO TRABALHADOR(A) ASSALARIADO(A): UMA
ANÁLISE DA PRODUÇÃO DE IAMAMOTO (1982-2017)
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao curso de Serviço Social, Centro de Ciências
Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – UNIOESTE, como requisito
parcial à obtenção do grau de Bacharel em
Serviço Social.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Orientadora – Profa. Dra. Esther Luiza de Souza Lemos
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
__________________________________________
Prof. Dr. Alfredo Aparecido Batista
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
__________________________________________
Profa. Ms. Mabile Caetano Cazela
Universidade Federal da Integração Latino-Americana - UNILA
Toledo 15 de dezembro de 2017.
AGRADECIMENTOS
Agradecer é reconhecer que não caminhamos só. Não caminhar só, é um privilégio.
Àqueles que me permitiram caminhar até aqui, que não duvidaram de meus esforços e
que se alegraram a cada conquista, escrevo com a emoção que envolve todas as vivências e
afeto, que minha gratidão é sem tamanho. Mãe e pai, vocês são a partida e o norte.
Ao passarinho, que chamo de sobrinho, minha esperança de liberdade! Quando leias,
espero que encontre nessas linhas a expressão de toda a felicidade que me proporciona. Sama,
obrigada por toda a cumplicidade que os laços de sangue envolvem; e Erick, obrigada por estar
sempre presente!
Às e aos amigxs que me acompanham desde o início da caminhada acadêmica, sou feliz
por tê-lxs também na caminhada da vida. Ana (Nacláudia), gratidão por ser pessoa ao meu lado;
obrigada por me ensinar o que é o belo e por me permitir constante desconstrução. Estou
convencida de que os abraços demorados expressam mais que quaisquer palavras o amor que
lhe tenho.
Ao Marcelo, companheiro desde tempos “incertos”, agradeço por me ensinar a dar
“respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes”. Que nosso quintal seja maior
que o mundo!
À Mabile, agradeço por estar sempre ombro a ombro, pela importante referência no
início da minha trajetória no Serviço Social e na vida “independente”. Sua amizade é uma honra
para mim. Todo meu respeito, admiração e amor.
Agradeço ao Giovane Lozano, pela importante presença na minha vida desde antes da
transição para o curso de Serviço Social. Obrigada por estar sempre perto, pelo respeito e por
compartilhar o amor pela américa morena. Que a vida nos permita seguir dividindo bons
momentos.
¡A lxs compas de Argentina, gracias por tanto! Gracias por enseñarme el Trabajo Social
del pueblo, por enseñarme el ejemplo del Che, y que “no hay denuncia verdadera sin
compromiso de transformación, ni transformación sin acción”. Gracias Joaco, Lu, Eli, Chicho,
Carloncha, Guada, y lxs demás compas del Colectivo de Trabajadorxs Sociales del Pueblo y al
Barrio 10 de Mayo. Gracias al Colegio de Trabajadores Sociales de la Provincia de Buenos
Aires por las experiencias. ¡Gracias también a mi familia platense: Aye, Dario, Gianne, Patri,
Gabi, lxs quiero!
À Esther Lemos, orientadora e exemplo de militante e assistente social comprometida
com a construção de uma nova sociedade, pela oportunidade de compartilhar em cada
orientação uma parte de sua construção.
À Mabile e Alfredo Batista, por terem aceito o convite de compor a banda de defesa
desse Trabalho de Conclusão de Curso e por me permitirem a compreensão de um Serviço
Social crítico ao longo da graduação e para além dela.
À Susana, minha supervisora de estágio no Ministério Público do Estado do Paraná, por
me ensinar que a indignação é a motivação para uma intervenção crítica e competente. E à
Vivian Pilger, também supervisora de estágio no curto período de 20 dias, que me mostrou a
importância de nos reconhecermos classe trabalhadora.
Às e aos amigas(os) e colegas com quem compartilhei momentos, viagens e
aprendizados: Aislan, Anderson Tosti, Bárbara Anzolin, Berti, Carla Radtke, Felipe Heck, Gabi
e Wanylla, Gerson Lucas, Gustavo Flores, Isabela Olsen, João Facundo, Karina Ruiz, Natália
Niedermayer, Naraiana Nora, Sara Cristina, Villian e Fer e tantas(os) outras(os) que a correria
da vida não me permitiu lembrar.
Às e aos docentes e discentes do curso de Serviço Social da Unioeste e às e aos
servidoras(es) da universidade.
Por fim, sou grata à Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Espaço que, desde 2012
me permitiu, apesar dos desafios, viver a universidade pública, gratuita, laica e de qualidade.
[...]
E continuamos. É tempo de muletas.
Tempo de mortos faladores
e velhas paralíticas, nostálgicas de
bailado
mas ainda é tempo de viver e contar.
Certas histórias não se perderam.
Carlos Drummond de Andrade. Nosso
Tempo, 1945.
PECEGUEIRO, Pamela Ellen de Oliveira. O(a) assistente social como trabalhador(a)
assalariado(a): uma análise da produção de Iamamoto (1982-2017). Trabalho de Conclusão de
Curso (Bacharelado em Serviço Social). Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade
Estadual do Oeste do Paraná – campus Toledo, 2017.
RESUMO
O tema da pesquisa ora apresentada é o Serviço Social enquanto profissão inscrita na divisão
social e técnica do trabalho, mediada pelo estatuto do assalariamento. O problema que orientou
este trabalho expressou-se na seguinte questão: como Marilda Villela Iamamoto explica a
condição de assalariamento do(a) assistente social? O objetivo geral é analisar, a partir das obras
desta autora, a condição de assalariamento do(a) assistente social e suas implicações na
efetivação do projeto ético-político profissional. A delimitação da escolha de Iamamoto deveu-
se ao reconhecimento da importância de sua produção intelectual para o Serviço Social
brasileiro e latino-americano. Os objetivos específicos consistiram em: contextualizar a
trajetória profissional/intelectual de Marilda Villela Iamamoto e sua importância para o Serviço
Social brasileiro; apreender como a compreensão da condição de assalariamento do(a)
assistente social se movimenta historicamente nas obras da autora e identificar quais as
implicações da condição de assalariamento para a efetivação do projeto ético-político
profissional. Trata-se de uma pesquisa de natureza exploratória, desenvolvida a partir da
pesquisa bibliográfica onde, as obras analisadas correspondem à produção bibliográfica de
Iamamoto, entre os anos de 1982 a 2017. A pesquisa permitiu apreender como a autora, ao
longo de 35 anos tendo o Serviço Social como objeto de estudo, reafirma as análises
apresentadas na obra “Relações Sociais e Serviço Social” em 1982 ao mesmo tempo em que
avança na apreensão das determinações particulares do capitalismo na obra publicada em 2007,
“Serviço Social: em tempo de capital fetiche”, mantendo como referência teórico-metodológica
e ético-política a obra marxiana. A apreensão da condição de assalariamento do(a) assistente
social, realiza-se na relação contraditória entre capital-trabalho, ao mesmo tempo, esta relação
manifesta processos de alienação e relativa autonomia profissional. Situando a centralidade da
categoria trabalho, evidenciou-se que a compreensão do trabalho do(a) assistente social em suas
dimensões de trabalho concreto e abstrato, são fundamentais para elucidar e reafirmar o
direcionamento social que a categoria profissional expressa em seu projeto ético-político.
PALAVRAS-CHAVES: Serviço Social, Trabalho assalariado, Iamamoto
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 10
1 TRABALHO: CASTIGO E REBELDIA ....................................................................................... 17
1.1 A NECESSIDADE DA CONSCIÊNCIA DE CLASSE FRENTE AO PROCESSO DE
ALIENAÇÃO ................................................................................................................................... 25
2. O(A) ASSISTENTE SOCIAL COMO TRABALHADOR(A) ASSALARIADO(A) ................. 31
2.1 A FORÇA DE TRABALHO ESPECIALIZADA DO(A) ASSISTENTE SOCIAL .................. 31
2.2 AUTONOMIA RELATIVA E PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL .................... 40
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 45
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 50
APÊNDICE .......................................................................................................................................... 52
10
INTRODUÇÃO
A atual conjuntura de avanço do pensamento conservador, organicamente articulado às
intensões e perspectivas da classe burguesa, oferece terreno fértil para suas expressões no
âmbito do Serviço Social na realidade brasileira. Frente a isso, o estudo dos fundamentos da
profissão numa perspectiva histórico-crítica e a compreensão de seu significado social tornam-
se questões urgentes e necessárias.
Os ditames da organização do trabalho na sociedade mercantil, impõem ao Serviço
Social os dilemas da alienação e da precarização próprios da relação de compra e venda da força
de trabalho nas sociedades capitalistas. Dessa forma, o significado social da profissão se explica
pela própria natureza contraditória do Serviço Social, impondo desafios na realização do projeto
ético-político, construído pelos(as) próprios(as) assistentes sociais brasileiros(as) nos últimos
40 anos (NETTO, 1996; BARROCO, 2010; GUERRA, 2007).
A importância de explicar essa relação deve-se à própria especificidade da profissão.
Vimos de uma realidade onde as consequências do trabalho profissional tendem a gerar posturas
ora no terreno do fatalismo, ora do messianismo, conforme Iamamoto (2013a). Desmistificar o
caráter fetichizado do Serviço Social, é prerrogativa para a compreensão da possibilidade de
atuação dos(as) assistentes sociais no atual contexto. No intuito de enriquecer este debate, o
objetivo geral deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi analisar, a partir das obras de
Marilda Villela Iamamoto, a condição de assalariamento do(a) assistente social e suas
implicações na efetivação do projeto ético-político profissional.
Os objetivos específicos consistiram em: contextualizar a trajetória
profissional/intelectual de Marilda Villela Iamamoto e sua importância para o Serviço Social
brasileiro; apreender como a compreensão da condição de assalariamento do(a) assistente social
se movimenta historicamente nas obras da autora e identificar quais as implicações da condição
de assalariamento para a efetivação do projeto ético-político profissional.
A motivação para esta pesquisa surgiu, inicialmente, das indagações relacionadas aos
movimentos sociais e as estratégias profissionais de articulação nesses espaços. O problema
inicialmente resumia-se ao questionamento: por que os movimentos sociais não foram
historicamente espaços da atuação profissional? Ao longo do processo pedagógico de
orientação e amadurecimento acadêmico, verificou-se a condição de assalariamento como fator
fundamental nessa relação. O interesse pelo desvendamento do significado social da profissão
tornou-se efetivo, compreendendo a importância de colocar o próprio Serviço Social como
objeto de estudo neste momento de conclusão do curso de graduação.
11
O interesse pela pesquisa é expressão das sínteses das diversas vivências ao longo dos
seis anos de universidade. Após um ano de graduação em Ciências Sociais em 2012, e
consequente formação e opção pela teoria social crítica, o encontro com o Serviço Social não
foi sem embates e questionamentos teóricos, germinando o interesse em compreender os
fundamentos dessa profissão e seu papel na luta de classes.
Ao longo da formação na graduação, registra-se a oportunidade de realizar intercâmbio
acadêmico, no ano de 2015, na Universidad Nacional de La Plata/Argentina. Esta experiência
trouxe a possibilidade de olhar o Serviço Social brasileiro “desde afuera” e de me aproximar a
novas experiências político-organizativas no âmbito da profissão e para além dela. Além disto,
permitiu-me amadurecer a concepção de Serviço Social, possibilitando a afirmação e defesa do
projeto ético-político da profissão no Brasil.
O retorno ao país e ao curso, bem como o contato com profissionais de diversas áreas
por meio do processo de estágio supervisionado1 em Serviço Social, evidenciaram algumas
lacunas no âmbito da formação que diziam respeito a uma não clareza do projeto profissional e
consequentemente não identificação com o mesmo, demonstrando um distanciamento dos
fundamentos da profissão.
À vista disso, a opção pelo deslindamento do problema de pesquisa a partir das obras
de Marilda Villela Iamamoto, deveu-se ao reconhecimento desta intelectual como uma
referência para se pensar o Serviço Social no Brasil e além das nossas fronteiras. O trabalho
intelectual de Iamamoto evidenciou-se como parâmetro fundamental para responder as
questões levantadas, tornando-se sua produção objeto da pesquisa.
Não há a pretensão de realizar uma crítica das obras da autora, afinal, trata-se de um
trabalho de conclusão de curso, não dispondo esta iniciante pesquisadora, de um acúmulo
suficiente para tamanha responsabilidade. Mas sim, propõe-se um resgate e reconhecimento de
sua contribuição, reafirmando sua contemporaneidade e buscando contribuir com uma
sistematização de sua contribuição teórica sobre o tema. Assim, considerando ser as obras da
autora de “domínio público”, a novidade da pesquisa é, portanto, a capacidade de, ao ler o
conjunto de sua principal produção, analisar a construção da autora no ano que marca os 35
anos da publicação de sua obra clássica, “Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço
de uma interpretação histórico-metodológica”.
Entende-se ainda que a produção da autora não é individual, expressa sim uma
1 O estágio supervisionado realizado no Ministério Público do Estado do Paraná, Comarca de Toledo, possibilitou
o contato com profissionais do município e municípios vizinhos (Assis, Tupãssi, Marechal Cândido Rondon e
Palotina) por meio de estudos e visitas institucionais.
12
construção coletiva resultado da trajetória incansável de um trabalho intelectual e diálogo com
a categoria profissional.
A primeira aproximação ao objeto de estudo foi responder à questão: quem é Marilda
Villela Iamamoto e qual sua contribuição no conjunto da literatura profissional? Nascida em
1949 em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1967 ingressa no curso de Serviço Social da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), concluindo a graduação no ano de 1971. Período
marcado por um intenso aprofundamento da coerção e repressão do Estado, que não a
impediriam de atuar ativamente nas lutas estudantis, sendo representante discente e parte do
Diretório Acadêmico de Serviço Social da UFJF ao longo de todo o período de graduação.
Além do movimento estudantil, aproxima-se por um curto período da Ação Popular
Marxista Leninista, marcando um período em que a própria autora considera como “[...]uma
geração muito privilegiada, porque viveu a política” (CFESS, 2017, p. 77).
Ainda em 1971, é convidada para dar aulas na Universidade Católica de Minas Gerais
e, nesse mesmo período presta concurso e atua pela primeira vez como assistente social no
então Centro de Reabilitação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Curta
trajetória interrompida pela ditadura. Sequestrada e presa em 2 de dezembro de 1971,
permanece dois meses e dois dias sendo torturada. Posteriormente, julgada e condenada em 22
de março de 1973, permanece presa até 13 de julho de 1973 (CFESS, 2017).
Em 1976, inicia o mestrado em Sociologia Rural pela Universidade de São Paulo (USP),
que resultou em 1982 na Dissertação de Mestrado intitulada “Legitimidade e Crise no Serviço
Social”, texto que irá aparecer diluído nas obras posteriores da autora. Em 1978 inicia seu
vínculo como pesquisadora adjunta no Centro Latinoamericano de Trabajo Social – CELATS,
momento chave para a produção teórica de Iamamoto. Pesquisas realizadas sobre a história do
trabalho social na América Latina e sobre a história do Serviço Social (1978 e 1979), ofereceram
o arcabouço de informações que resultaram na obra que a lançaria no cenário nacional: Relações
Sociais e Serviço Social no Brasil: Esboço de uma interpretação histórico-metodológica,
publicado orginalmente em 1982 em conjunto com Raul de Carvalho, pela Cortez Editora.
Marcada por uma incontestável fundamentação marxiana, a obra encontra-se atualmente
em sua 41ª edição, influenciando gerações de assistentes sociais brasileiros(as) e latino-
americanos(as) com a publicação em 1984 de sua primeira edição em espanhol.
Outros números expressivos demarcam a trajetória de Iamamoto e sua contribuição ao
Serviço Social: orientou até 2017 um total de 13 trabalhos de conclusão de curso, 19
dissertações de mestrado, 14 teses de doutorado e 6 supervisões de pós-doutorado. Ainda,
participou de 39 bancas de doutorado, 53 de mestrado e mais de 29 bancas de concurso público.
13
Realizou ainda 74 trabalhos de assessoria e consultoria, apresentou 251 trabalhos, possui 25
capítulos de livros publicados e 38 artigos completos em periódicos.2
Poderíamos ainda destacar inúmeras outras contribuições. Foi professora pesquisadora
da Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social – ABESS, foi parte da Comissão de
revisão da definição internacional de Serviço Social na Asociación Internacional de Escuelas
de Trabajo Social – AIETS; é ativa nos eventos da categoria, sendo constantemente convidada
a palestrar, bem como nos diversos níveis de formação, como professora visitante em diversas
universidades brasileiras e latino-americanas.
Além da obra publicada em 1982, a autora publicou também outros quatro livros:
“Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos”, em 1992, estando em sua
13ª edição; “O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional” em
1998, atualmente na 26ª edição; “Trabalho e Indivíduo Social”, no ano de 2001 e, sua mais
recente obra, “Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche: capital financeiro, trabalho e
questão social” que, em 10 anos de publicação, encontra-se na 9ª edição.
Esses fatos, somados ainda à presença das produções da autora em centenas de projetos
pedagógicos, seleções de mestrado, concursos públicos e concursos para docência, apontam
para a afirmação da própria autora de que, a concepção de Serviço Social expressa em suas
obras, são de domínio público. Elegendo o Serviço Social como seu objeto de estudo em toda
sua trajetória intelectual, inaugura em 1982 uma concepção de profissão inserida na divisão
social e técnica do trabalho que posteriormente foi amplamente incorporada pela categoria
profissional, particularmente após o processo de revisão curricular coordenado pela então
ABESS entre os anos de 1993 a 1996, incidindo na proposta de Diretrizes Curriculares aprovada
na assembleia de 1996.
Sua contribuição na obra “Serviço Social e Relações Sociais”, ficou marcada como a
primeira obra que influenciará naquilo que José Paulo Netto (2005) denominou de “intensão de
ruptura” com o conservadorismo. Para este autor, é a partir da obra de 1982
[...] que se pode identificar a aproximação do Serviço Social, no Brasil, às
fontes clássicas do pensamento socialista revolucionário. Sem qualquer
dúvida, entre nós foi Marilda quem fundou a análise do Serviço Social não em
tal ou qual vertente marxista, mas na matriz teórico-metodológica original de
Marx. É possível dizer, sem o risco do exagero, que Marilda inaugurou, no
Brasil, a interlocução entre os assistentes sociais e a obra seminal de Marx
(NETTO, 2013, p. 12)
2 Informações disponíveis no Currículo Lattes da autora, atualizado no dia 28/09/2017, disponível em:
<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4780212T9> Acesso em 06 dez 2017.
14
Ao dissertar sobre o Serviço Social e a tradição marxista, Netto afirma que tal
aproximação a partir da década de 1960 se configura com o momento de “[...] crise do Serviço
Social tradicional, a pressão exercida pelos movimentos revolucionários e a rebelião estudantil”
(NETTO, 1989, p.96-97). Entretanto, tal aproximação se deu de maneira muito peculiar, o que
o autor caracteriza como enviesada, ou seja, de natureza essencialmente ideo-política e seletiva,
por via de manuais, resultando em pouca incorporação teórico-metodológica. Em contraposição
a essa tendência, o autor destaca a contribuição de Iamamoto em 1982, oferecendo bases mais
sólidas para a interlocução da profissão à tradição marxista (NETTO, 1989).
Leila Escorsim Netto (2011) salienta ainda que, em relação ao tratamento histórico do
Serviço Social, a crítica e denúncia ideo-política do tradicionalismo profissional foi posta pelo
Movimento de Reconceituação. No entanto, a crítica de seus fundamentos teóricos, se dá no
período da pós-reconceituação, crítica essa encontrada, segundo a autora, pela primeira vez, em
Marilda Iamamoto. De acordo com a autora,
[...] é na crítica teórica de Iamamoto que vamos encontrar, também pela
primeira vez, uma referência que, transcendendo as indicações anteriores da
literatura reconceituada acerca do positivismo, tornar-se-ia a partir de então
obrigatória na análise do Serviço Social: a referência às suas genéticas
vinculações com o pensamento conservador (NETTO, E. 2011, p. 28, grifos
da autora).
Cabe, no entanto, ressaltar o avanço teórico realizado pela autora, aprofundando a leitura
de textos clássicos. Sua obra publicada em 2007, representa uma densa contribuição para a
compreensão do Serviço Social na contemporaneidade. A autora avança, de acordo as análises
de José Paulo Netto expostas no prefácio do livro, na aproximação às obras marxianas,
incorporando contribuições não apenas de O Capital de Marx, mas também dos Gründrisse.
Isto posto, da problemática pensada inicialmente, as aproximações à necessidade de
colocar o Serviço Social como objeto de estudo, permitiram chegar ao seguinte problema de
pesquisa: a partir das obras de Marilda Villela Iamamoto, como a autora explica a condição de
assalariamento da(o) assistente social?
Para responder ao problema da pesquisa, foram selecionadas as obras que
correspondem à produção bibliográfica de Marilda Villela Iamamoto, entre 1982 e 2017, são
15
elas3:
Relações Sociais e Serviço Social no Brasil – Esboço de uma interpretação histórico-
metodológica (IAMAMOTO, 2013)
Renovação e Conservadorismo no Serviço Social – Ensaios Críticos (IAMAMOTO,
2013a)
O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional
(IAMAMOTO, 2015)
Serviço Social em tempo de capital fetiche – Capital financeiro, trabalho e questão
social (IAMAMOTO, 2011)
80 anos do Serviço Social no Brasil: a certeza na frente, a história na mão
(IAMAMOTO, 2017)4
A perspectiva metodológica que orientou o processo da pesquisa fundamentou-se no
método materialista histórico-dialético. Tal método consiste em, partindo da aparência, do real
concreto, alcançar a essência do objeto. Nas palavras de Marx, o pesquisador “tem de apoderar-
se da matéria, em seus pormenores, de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e de
perquirir a conexão que há entre elas” (MARX, apud NETTO, 2009, p.10).
Ainda, a pesquisa bibliográfica foi o procedimento metodológico que possibilitou
percorrer esse caminho. De acordo com Mioto e Lima (2007), esta “implica um conjunto
ordenado ou procedimentos de busca por soluções, atento ao objeto de estudo, e que, por isso,
não pode ser aleatório” (MIOTO; LIMA, 2007, p.38). Ademais, como lembra Gil (2009), “A
pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído
principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2009, p.44). Encontra-se no Apêndice deste
trabalho um quadro sintético constando os títulos das respectivas obras analisadas, ano de
publicação, número de edições, editora, número de página, etc.
Mioto e Lima (2007) propõem ainda, a definição, não definitiva, mas flexível com o
andamento da pesquisa, do desenho metodológico e a escolha dos procedimentos. Destacamos,
na primeira fase da pesquisa, a coleta dos dados seguindo um parâmetro temático. Destaca-se
3 Importa ressaltar que a autora publicou em 2001 a obra: Trabalho e indivíduo social, resultado de sua pesquisa
de doutorado. Na obra, a autora estuda as condições de trabalho na indústria açucareira paulista e, dado o objeto
desta pesquisa, decidiu-se pela sua não inclusão nas obras analisadas. 4 Ressalta-se que este texto não se trata de um livro da autora, e sim um artigo científico publicado em 2017 na
Revista Serviço Social e Sociedade, n. 128. O texto foi base para a contribuição da autora na conferência de
abertura do XV Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado entre os dias 5 a 9 de setembro de 2016 em
Olinda (PE).
16
a leitura como principal técnica da pesquisa e fichamento dos textos como principal
instrumento. A escolha temática para a elaboração dos fichamentos, buscando responder ao
objetivo da pesquisa, foi orientada para a compreensão da condição de assalariamento e suas
implicações na efetivação do projeto ético-político profissional a partir das obras da autora.
A segunda fase correspondeu a organização e codificação dos dados a partir da
sistematização e identificação das categorias de análise que emergiram do processo de
interpretação dos dados. Assim, elencou-se as seguintes categorias: trabalho, consciência de
classe, alienação, força de trabalho especializada e autonomia. A partir dessa sistematização,
emergiram ao longo do processo um conjunto de reflexões que permitiram a abstração do
conteúdo pesquisado, buscando entende-lo em sua essência, realizando as mediações
necessárias para responder à questão definida como problema da pesquisa.
Dessa forma, estruturou-se o trabalho que ora se apresenta a partir de dois capítulos. O
primeiro capítulo, intitulado Trabalho: castigo e rebeldia, tratou inicialmente de contextualizar
a importância da obra publicada em 1982 para a consolidação da intensão de ruptura com o
conservadorismo na profissão, bem como a importância da aproximação à tradição marxista
realizada pela autora. Buscou-se evidenciar que esta aproximação possibilitou a afirmação do
trabalho como categoria determinante na produção intelectual de Iamamoto, constituindo a
base para a compreensão da profissão.
Destacou-se ainda a importância da consciência de classe frente aos dilemas da
alienação do trabalho, evidenciando a necessidade de analisar o Serviço Social no âmbito das
relações antagônicas das classes, afirmando-o como parte de um trabalhador coletivo.
O capítulo seguinte procurou evidenciar o Serviço Social como um tipo de
especialização do trabalho coletivo, inserido no campo da reprodução social. Demarcou-se a
relação contraditória entre quem demanda o trabalho profissional e àqueles(as) aos(as) quais
essa intervenção de destina. Destacou-se ainda questões relacionadas ao mercado e formação
profissional, ressaltando os processos de precarização que os envolvem em tempo de capital
fetiche. Tratou-se ainda da tensão entre a regulamentação da profissão do Serviço Social como
profissão liberal e o estatuto assalariado, salientando a relação entre a autonomia relativa de
que dispõe o(a) profissional e o projeto ético-político.
Por fim, teceu-se algumas considerações buscando contextualizar o momento histórico
e importância do estudo dos fundamentos do Serviço Social. Realizou-se breves considerações
sobre a autora e a pesquisa, apontando para a necessidade de seu aprofundamento.
17
1 TRABALHO: CASTIGO E REBELDIA
Já o trabalhador, na condição de
criador e vítima desse processo,
experimenta o trabalho como castigo, ao
mesmo tempo em que tem, também nele,
a fonte de sua rebeldia e, portanto, das
possibilidades de desalienação
(IAMAMOTO, 2011, p. 390).
As transformações societárias ocorridas em âmbito global pós década de 1970,
evidenciaram, de acordo com Netto (1996), profundas alterações no mundo do trabalho. A crise
nos anos 1970 marcava o fim do regime de acumulação rígido do capitalismo, dando lugar ao
regime flexível ao mesmo tempo em que permitindo uma produção segmentada,
descentralizada e horizontalizada. Nas palavras do autor:
O capitalismo tardio, transitando para um regime de acumulação “flexível”,
reestrutura radicalmente o mercado de trabalho, seja alterando a relação entre
excluído/incluídos, seja introduzindo novas modalidades de contratação
(“mais “flexíveis”, do tipo “emprego precário”), seja criando novas
estratificações e novas discriminações entre os que trabalham (cortes de sexo,
idade, cor, etnia)” (NETTO, 1996, p. 92)
Evidentemente, essas alterações extrapolam o mundo do trabalho envolvendo toda a
dinâmica da sociedade tardo-burguesa. Verifica-se o desaparecimento de antigas classes sociais
(como o campesinato); a classe operária “tradicional” perde sua grandeza quantitativa; a cultura
incorpora traços da mercadoria; a imediaticidade torna-se a realidade; surgem novos
movimentos sociais, o Estado diminui sua ação reguladora; entre outras (NETTO, 1996).
O ano em que se sucede a pesquisa que fundamentou a obra “Relações Sociais e Serviço
Social”5, culminando na sua publicação em 1982, coincide com o período que marca o fim do
ciclo que Netto (2005) denominou de autocracia burguesa6. Esse período, que altera as
condições do exercício profissional, marca também sua conexão com a renovação do Serviço
Social. Neste período é evidente a expansão e refuncionalização do Serviço Social, bem como
5 Conforme informações presentes da Introdução da obra, o texto foi resultado de pesquisa realizada durante o ano
de 1978 sendo que, o relatório original foi apresentado ao CELATS em 1979. 6 “Entendemos que o ciclo autocrático burguês recobre três lustros – de abril de 1964 a março de 1979: do golpe
à posse do general Figueiredo. [...] É no governo Figueiredo que o projeto de auto-reforma do regime ditatorial, a
que nos referiremos adiante, a sua mais ambiciosa proposta de institucionalização, fracassa. Nele, a resultante do
confronto entre a estratégia aberturista do regime e as aspirações e tendências à democracia, que operavam no seio
da sociedade brasileira, é a impossibilidade de o regime impor as suas regras. É apenas neste sentido que tomamos
o início do governo Figueiredo como o marco derradeiro do ciclo autocrático burguês” (NETTO, 2005, p. 34-35).
18
sua efetiva inserção no âmbito universitário (Netto, 2005).
Nas palavras do autor,
[...] instaurando condições para uma renovação do Serviço Social de acordo
com as suas necessidades e interesses, a autocracia burguesa criou
simultaneamente um espaço onde se inscrevia a possibilidade de se gestarem
alternativas às práticas e as concepções profissionais que ela demandava
(NETTO, 2005, p. 129, grifos do autor)
É nesse contexto que Marilda Villela Iamamoto escreve sua primeira obra, em coautoria
com Raul de Carvalho. A obra que irá marcar a “intensão de ruptura com o conservadorismo”
(NETTO, 2005) no Serviço Social, afirma a profissão no âmbito do processo de produção e
reprodução das relações sociais, a partir de pesquisas abrangendo as décadas de 1930 a 1960.
Um importante registro na trajetória histórica da autora é que, antes de concretizar seu
vínculo como pesquisadora adjunta no CELATS em 1978, Marilda participou em 1972, em
coautoria com Leila Lima Santos e Ana Maria Quiroga, de um capítulo do livro organizado por
este Centro, sobre metodologia do Serviço Social (IAMAMOTO; QUIROGA; SANTOS,
1972). A Escola de Serviço Social da então Universidade Católica de Minas Gerais (hoje PUC-
MG) tem papel fundamental nesse contexto.
De acordo com a análise de Netto (2005), a vinculação com esta universidade, foi
elemento fundamental no processo de renovação profissional. Ainda que também amordaçada
pelo período ditatorial, o espaço acadêmico possibilitou as apostas no projeto de ruptura com o
conservadorismo. Segundo o autor, a emergência da perspectiva da intenção de ruptura, entre
os anos 1972 e 1975, é resultado de esforços de um grupo de profissionais da Universidade
Católica de Minas Gerais que formularam o “Método Belo Horizonte”, destacando a direção
intelectual de Leila Lima Santos e Ana Maria Quiroga7.
No início da década de 80 o processo de recuperação da intensão de ruptura acontece
sob novas bases. Nos primeiros anos desta década, já em evidente crise da ditadura, há um
avanço em relação a abordagem da década anterior, recorrendo-se a concepções teórico-
metodológicas buscadas em suas fontes originais (Netto, 2005). O avanço, segundo o autor, foi
justamente passar do pensamento crítico sobre as propostas do Serviço Social para pensar a
instituição Serviço Social. Nesse sentido, Netto (2005) destaca o exame realizado nas fontes
7 Netto analisa esta experiência e, segundo o autor, “O processo de constituição dessa alternativa, tanto no âmbito
da elaboração teórica quanto no da experimentação (via extensão/estágios), foi interrompido em 1975, quando
uma crise leva à demissão dos seus principais formuladores e gestores, instaurando-se circunstâncias institucionais
que impedem a sua continuidade” (NETTO, 2005, p. 263).
19
“clássicas” da teoria social, sendo que a elaboração de Iamamoto em 1982 tem destaque central.
O autor considera ainda que
O saldo deste avanço está em que configurou, por assim dizer, a maioridade
intelectual e teórica da perspectiva de intenção de ruptura: a partir dele, esta
vertente situa-se numa interlocução paritária com as ciências sociais e com
outras áreas da produção do saber, sem abrir mão da referencialidade
profissional do Serviço Social (NETTO, 2005, p. 266).
O vínculo da assistente social Leila Lima Santos com o CELATS foi fundamental para
a implementação de uma política de pesquisa, em especial a partir de 1977-1978, que
influenciaram decisivamente o processo de renovação crítica da profissão no país. É nesse
contexto que a pesquisa levada a cabo por Iamamoto torna-se possível. Inaugurando um debate
a partir da fonte da tradição marxista “[...] É absolutamente impossível abstrair a reflexão de
Iamamoto da consolidação teórico-crítica do projeto de ruptura no Brasil” (NETTO, 2005, p.
276).
Contrapondo as abordagens mecanicistas e voluntaristas, na obra de 1982, Iamamoto
enfoca o Serviço Social a partir da divisão social do trabalho. Disto decorre que a centralidade
da categoria trabalho será determinante elaboração das obras da autora.
Como esclarece posteriormente a própria autora, as análises dos fundamentos do
trabalho na obra de 1982, não relacionavam-se diretamente ao Serviço Social8. O esforço
intelectual de apreender nos escritos marxianos, sobretudo em “O Capital”, a relação
capital/trabalho, permitiu dar bases teóricas e metodológicas para a compreensão do significado
social do Serviço Social enquanto trabalho especializado. Nas palavras da autora,
Sendo o capital uma relação social, supõe o outro termo da relação: o
trabalho assalariado, do mesmo modo que este supõe o capital. Capital
e trabalho assalariado são uma unidade de diversos; um se expressa no
outro, um recria o outro, um nega o outro. O capital pressupõe como
parte de si mesmo o trabalho assalariado (IAMAMOTO, 2013, p.37).
O capital implica o monopólio pela burguesia, dos meios de produção e de subsistência,
confrontando com às necessidades daqueles que possuem apenas sua força de trabalho para
8 Ao realizar um “balanço crítico” de sua obra, a autora afirma em 2007 que “[...] essa análise voltada à
compreensão da lógica que organiza o trabalho sob o domínio do capital e das relações que lhe dão vida, não se
dirige diretamente aos processos de trabalho de que participa o assistente social e, portanto, não explicita as
mediações necessárias para uma reflexão dentro de tais parâmetros” (IMAMOTO, 2011, p. 249)
20
vender como mercadoria. Aqui, a autora esclarece, portanto, a existência de “[...] uma
mercadoria especial: a força de trabalho, cujo valor de uso tem a qualidade de ser fonte de
valor[...]” (IAMAMOTO, 2013, p. 44).
Nessa relação, o trabalhador é ao mesmo tempo livre para vender ou não sua força de
trabalho por certo período de tempo, e obrigado a vendê-la para sobreviver, vendendo parte do
seu tempo de vida, de sua existência. Sendo o trabalho a base da atividade econômica, cabe ao
capitalista o consumo da força de trabalho, do contrário torna-se mera potência (IAMAMOTO,
2013)
Em troca de sua mercadoria, sua força de trabalho, o trabalhador recebe um valor
expresso no salário, ou seja, “[...] uma parte do produto em que se traduz parcela de seu
trabalho: o trabalho necessário para sua conservação e reprodução” (IAMAMOTO, 2013, p.
53). Ainda destaca a autora que:
O que busca o capitalista é, pois, o valor de uso específico desta mercadoria
que lhe permite ser fonte de valor e, portanto, criar um valor superior ao seu
preço; mas, para que crie valor, a força de trabalho deve ter um caráter útil,
enquanto apta para produzir objetos de qualidades específicas. […] O
trabalhador vivo não só conserva os valores dos meios de produção (trabalho
acumulado), mas reproduz o valor do capital variável e gera um incremento
de valor: a mais-valia (IAMAMOTO, 2013, p. 48)
Dessa forma, o capitalista compra o direito de explorar, durante a jornada de trabalho,
um valor excedente àquele necessário a subsistência do trabalhador. O valor específico da
mercadoria força de trabalho é que somente ele é capaz de produzir riqueza, produzir e
reproduzir valor. Ponto chave nessa análise, é o reconhecimento pela autora de que o assistente
social se insere nessa relação de compra e venda da força de trabalho, mercantilizando-se. Para
a autora,
Aí se estabelece uma das linhas divisórias entre a atividade assistencial
voluntária, desencadeada por motivações puramente pessoais e idealistas, e a
atividade profissional que se estabelece mediante uma relação contratual que
regulamenta as condições de obtenção dos meios de vida necessários à
reprodução desse trabalhador especializado (IAMAMOTO, 2013, p. 92).
Posteriormente Netto (2011), sustentando a tese de que a compreensão histórica e social
da profissão só é possível no marco do capitalismo monopolista, afirma que é a relação de
21
ruptura (e não exclusivamente de continuidade) com a filantropia organizada que caracterizou
as protoformas do Serviço Social, que o coloca enquanto profissão. Ou seja, ainda que
mantendo o referencial ideal das protoformas,
[...] o agente passa a inscrever-se numa relação de assalariamento e a
significação social do seu fazer passa a ter um sentido novo na malha da
reprodução das relações sociais. Em síntese: é com esse giro que o Serviço
Social se constitui como profissão, inserindo-se no mercado de trabalho, com
todas as consequências daí decorrentes (principalmente com o seu agente
tornando-se vendedor da sua força de trabalho) (NETTO, 2011, p. 72)
Importa destacar ainda que nesta obra (IAMAMOTO, 2013), a autora esclarece que,
embora o(a) assistente social não esteja inserido(a) na produção stricto sensu, ocupa posição na
produção social em sentido amplo, inserindo-se no processo de reprodução das condições de
vida da classe trabalhadora. Ou seja, “encontra-se integrado ao processo de criação de
condições indispensáveis ao funcionamento da força de trabalho, à extração da mais-valia”
(IAMAMOTO, 2013, p. 93), tonando o processo produtivo mais eficiente.
Em fins dos anos 1990, ao publicar sua obra sobre trabalho e formação profissional,
Iamamoto (2015) esclarece que a opção pelo trabalho como categoria central não é ao acaso.
A partir dos anos 1970, repercute no âmbito da sociologia do trabalho as teses de fim da
sociedade do trabalho, tendo em Gorz um de seus principais expoentes. No Brasil, Antunes
(2000) problematiza o tema analisando-o no contexto das metamorfoses e centralidade do
mundo do trabalho.
Diante disso, Iamamoto (2015) assume o trabalho como categoria ontológica, sendo
“elemento constitutivo do ser social”, buscando afirmar sua pertinência no debate da profissão.
Na análise da autora
O fundamento da prática social é, pois, o trabalho social: atividade criadora,
produtiva por excelência, condição da existência do homem e das formas de
sociedade, mediatizando o intercâmbio entre o homem e a natureza e os outros
homens, por meio do qual realiza seus próprios fins. O trabalho, portanto,
conduz a mudanças não só no objeto (natureza), mas no sujeito (homem). Sob
o ângulo material é produção de objetos aptos a serem utilizados pelo homem.
Sob o ângulo subjetivo, é processo de criação e de acumulação de novas
capacidades e qualidades humanas e de necessidades (IAMAMOTO, 2015, p.
227, grifos da autora)
A autora destaca o fato de que, ao assumir a forma mercantil, o trabalho nega o homem
22
e o produto de seu trabalho passa a dominá-lo. Ou seja, o fetiche da forma mercantil do trabalho
o atribui formas coisificadas, naturais, que obscurecem as relações sociais entre seus
produtores. Dessa forma, ao ser mediado pela divisão social e técnica do trabalho e pela
propriedade privada, as obras dos homens parecem adquirir vida própria (IAMAMOTO, 2015.)
Ainda, complementa a autora: “A forma se autonomiza encobrindo sua essência e o segredo de
sua gênese para os homens que nela vivem, ou seja, o fato de serem produzidas pelos homens
por meio de suas relações expressando sua substância comum: o trabalho social abstrato, como
trabalho social médio” (IAMAMOTO, 2015, p. 228).
Essa análise tem importância para a compreensão de que não é na imediaticidade que o
trabalho se revela. A autora ressalta que a noção marxiana de práxis não estabelece uma
dicotomia entre sujeito e objeto, entre estrutura e ação. Aqui novamente a autora problematiza
as análises fatalistas e voluntaristas, ou seja, tanto as análises fatalistas sobre o processo
histórico, onde as condições exteriores sobre o sujeito são supervalorizadas, quanto as
voluntaristas que superestimam a vontade e consciência dos indivíduos, desconectadas dos
determinantes histórico-sociais (IAMAMOTO, 2015).
Em “Serviço Social em tempo de Capital Fetiche” (IAMAMOTO, 2011), a autora
avança teoricamente e analisa o redimensionamento do trabalho sob o domínio do capital
financeiro, ou seja, “pelos mistérios dos fetichismos, que o capital assume na sua forma mais
mistificada: o capital que rende juros, cunhado por Marx de capital fetiche” (IAMAMOTO,
2011, p. 20, grifos da autora).
As transformações ocorridas no capitalismo no contexto da mundialização da economia,
implicarão no comando do capital financeiro no processo de acumulação, resultando em
profundas alterações nas formas de sociabilidade e obscurecendo o universo do trabalho, ou
seja, as classes trabalhadoras e suas lutas (IAMAMOTO, 2011).
Na análise da autora, a mundialização da economia se sustenta no fato dos grandes
grupos industriais transnacionais (resultado de processos de fusão e aquisição de empresas),
assumirem o centro da acumulação e associarem-se às instituições financeiras (bancos,
companhias de seguros, entre outras) que passam então a comandar o conjunto da acumulação,
com suporte dos Estados Nacionais.
Esses investidores financeiros institucionais, tornam-se proprietários acionários das
empresas transnacionais e interferem “na definição das formas de emprego assalariado, na
gestão da força de trabalho e no perfil do mercado de trabalho” (IAMAMOTO, 2011, p. 108).
A autora destaca ainda que uma primeira etapa da liberalização e desregulamentação dos
mercados financeiros (1982-1994) se ancora na dívida pública, com o endividamento dos
23
governos. A segunda etapa, pós 1994, os mercados das bolsas de valores assumem maior
relevância. São, portanto, a dívida pública e o mercado acionário das empresas, os braços em
que se apoiam as finanças.
É este cenário que possibilita e provoca as análises da autora sobre o trabalho em sua
última e, em nossa análise, mais densa obra. Marilda ressalta que o caráter fetichista e
mistificador que envolve o trabalho na sociabilidade do capital na era da mundialização
financeira, potencializa sua invisibilidade e exploração. Em relação ao Serviço Social a autora
ressalta que
Verifica-se, ainda, na análise do exercício profissional enquanto trabalho, o
trato mecânico “do processo de trabalho do assistente social” na ótica liberal
do indivíduo isolado, muitas vezes abordado como “processo de trabalho do
Serviço Social” em que a profissão passa a ser erigida como sujeito que age
[...] abstraído das relações sociais e de propriedade pelas quais é realizado
(IAMAMOTO, 2011, p. 59)
A fim de lançar luz sobre esses dilemas, Iamamoto explica que na sociedade mercantil,
o trabalho está organizado por meio de produtores isolados, tornando possível a existência do
valor, ou seja, uma relação entre pessoas que assume forma material. Dessa forma, o valor das
mercadorias expressa relações humanas de produção. A autora destaca que “O ponto de partida
de Marx é, portanto, o trabalho (e não o valor) e a estrutura da sociedade mercantil, isto é, a
totalidade das relações de produção entre as pessoas que se expressam nas transações que
efetuam entre si. [...]” (IAMAMOTO, 2011, p. 60-61)
Nesse sentido, explica a autora:
O trabalho que cria valor é uma forma social específica (histórica) de trabalho
útil, que produz um valor de uso determinado, tendo por suporte um trabalho
técnico-material concreto dirigido por produtores individuais mercantis e não
pela sociedade. Abstraindo-se do caráter concreto da atividade produtiva e,
portanto, da utilidade desse trabalho, resta-lhe o caráter de ser gasto da força
humana de trabalho[...] Nessa condição é trabalho abstrato, trabalho humano
em geral, trabalho socialmente igual (e não fisiologicamente igual), cuja
unidade de medida é o trabalho simples médio – historicamente determinado
– em que cada hora de trabalho corresponde à igual parcela do trabalho total
da sociedade (IAMAMOTO, 2011, p. 61, grifos da autora)
O trabalho abstrato, portanto, iguala socialmente diferentes tipos de trabalho e somente
ele cria valor. E, é na troca de suas mercadorias que o vínculo entre os trabalhadores se expressa,
sendo o valor da mercadoria determinado pelo tempo de trabalho abstrato necessário à sua
24
produção, ou tempo de trabalho socialmente necessário (IAMAMOTO, 2011).
Seguindo na análise, a autora busca dar visibilidade às relações sociais obscurecidas
nesse processo, priorizando o debate em torno dos dilemas do trabalho produtivo e improdutivo.
Destaca, a partir de Marx que, “apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para
um capital ou serve a autovalorização do capital” (Marx, apud Iamamoto, 2011, p. 73),
enfatizando que o trabalho produtivo supõe “uma relação social determinada: o trabalho, como
trabalho assalariado, e os meio de trabalho, como capital (IAMAMOTO, 2011, p. 74).
Enfatiza ainda que, o mesmo tipo de trabalho pode ser produtivo ou improdutivo, ou
seja, se é trocado por uma parte variável de capital - parte que é investida em salários -, não
apenas repondo essa parte, mas, produzindo mais-valia, é trabalho produtivo. Em síntese, “o
trabalho produtivo é considerado do ponto de vista do proprietário do dinheiro (do capital) e
não do ponto de vista do trabalhador [...]” (IAMAMOTO, 2011, p. 78).
Essa compreensão, permite a autora afirmar que o trabalho realizado na esfera do
Estado, no âmbito da prestação de serviços públicos, não se configura como trabalho produtivo,
já que não se relaciona diretamente com o capital. Ademais, a autora afirma que a natureza do
trabalho, ou seja, se este satisfaz necessidades materiais ou espirituais, não é o que determina
sua produtividade.
Em tempo de capital fetiche, onde o capital aparece como “[...] coisa autocriadora de
juro, dinheiro que gera dinheiro (D – D') [...]” (IAMAMOTO, 2011, p. 93), obscurece-se o
trabalho vivo como uma das mediações que viabilizam esse processo, radicalizando a alienação
e banalização do humano. Nesse contexto, destaca a autora, a “questão social” atinge a
plenitude de suas expressões9.
Ao tratar das categorias trabalho e indivíduo social, Iamamoto afirma o trabalho
concreto como condição da vida humana em qualquer forma de sociedade que, ao assumir uma
forma mercantil na sociedade do capital, torna o trabalho “livre” em assalariado. Ou seja, o
processo capitalista de produção pressupõe um trabalhador despossuído dos meios necessários
para sua reprodução e, sendo proprietário apenas de sua força de trabalho, vê-se sem alternativa,
obrigando-se a vendê-la. Vende, portanto, sua corporalidade física e mental por um determinado
período de tempo. Complementa a autora que “[...] Realizar trabalho é consumir
9 Sobre a questão social, a autora explica que “A gênese da questão social na sociedade burguesa deriva do caráter
coletivo da produção contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho –, das condições
necessárias à sua realização, assim como de seus frutos. É inseparável da emergência do “trabalhador livre”, que
depende da venda de sua força de trabalho como meio de satisfação de suas necessidades vitais. [...]”
(IAMAMOTO, 2011, p. 155-156)
25
produtivamente a força de trabalho, operando um desgaste das atividades vitais do indivíduo
durante um determinado tempo, no qual está implicada a totalidade da pessoa individual. [...]”
(IAMAMOTO, 2011, p. 383).
A invisibilidade do trabalho na era das finanças obscurece a contradição fundamental
do modo de produção capitalista, obscurecendo também a luta de classes. Esse processo
potencializa a exploração do(a) trabalhador(a), radicalizando a desigualdade social e
banalização do humano. Reduzir, portanto, as análises do trabalho a sua dimensão de trabalho
concreto, significa esvaziá-lo de historicidade, dificultando o caminho das lutas pela superação
de suas contradições.
1.1 A NECESSIDADE DA CONSCIÊNCIA DE CLASSE FRENTE AO PROCESSO DE
ALIENAÇÃO
Sendo o capital e o trabalho assalariado dois fatores da mesma relação, entende-se que
“o processo de produção capitalista é um processo de relações sociais entre classes
(IAMAMOTO, 2013, p. 59, grifos da autora). Compreender o significado social do exercício
profissional, supõe inseri-lo nesse jogo de relações entre as classes preservando sua
particularidade de profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho (IAMAMOTO,
2013a).
Ao elucidar o trabalho do(a) assistente social não como um trabalho isolado, mas parte
de um trabalho coletivo, Iamamoto esclarece que a inserção deste trabalho “é parte de um
conjunto de especialidades que são acionadas conjuntamente para a realização dos fins das
instituições empregadoras, sejam empresas ou instituições governamentais” (IAMAMOTO,
2015, p. 64).
Reconhecer-se nesse processo é condição para que o(a) assistente social se integre ao
conjunto das lutas gerais dos(as) trabalhadores(as), e se perceba como sujeito “às mesmas
tendências do mercado de trabalho, sendo inócua qualquer iniciativa isolada de cunho
corporativista para a defesa do “seu trabalho específico”” (IAMAMOTO, 2015, p.118). Reduzir
a análise do trabalho profissional ao trabalho concreto, diminuindo a dimensão do trabalho
abstrato/social, como se as imposições do mundo do trabalho fossem algo dado, externo a
profissão, eleva a distância de seu reconhecimento enquanto classe trabalhadora. Na análise da
autora,
26
Trilhar da análise da profissão ao seu efetivo exercício supõe articular projeto
de profissão e trabalho assalariado; ou o exercício da profissão nas condições
sociais concretas de sua realização mediada pelo estatuto assalariado e por
projeções coletivas profissionais integradas ao horizonte coletivo das classes
trabalhadoras na luta pela conquista e ampliação de direitos como estratégia
contra-hegemônica” (IAMAMOTO, 2011, p. 230, grifos da autora)
Importa ressaltar ainda, que a visão messiânica do Serviço Social, superestima a eficácia
política do trabalho profissional e, de acordo com a autora, se por um lado “subestima o lugar
das organizações políticas das classes sociais no processo de transformação da sociedade,
enquanto sujeitos da história; por outro lado, parece desconhecer a realidade do mercado de
trabalho” (IAMAMOTO, 2013, p. 80)
A importância da consciência política apontada pela autora ao longo de suas obras,
consiste em que dela depende o posicionamento do(a) assistente social “como mediador dos
interesses do capital ou do trabalho, ambos presentes, em confronto, nas condições em que se
efetiva a prática profissional” (IAMAMOTO, 2013, p. 103). Importa ressaltar, no entanto, que
o caráter essencialmente político da profissão não deriva da intenção/compromisso pessoal que
o(a) profissional assume, mas sim “[...]das próprias relações de poder presentes na sociedade”.
(IAMAMOTO, 2013a, p. 143).
É nesse sentido que a autora afirma recentemente ser “[...] fundamental ultrapassar a
leitura dos sujeitos com quem trabalhamos como “usuários de políticas” a qual obscurece seu
pertencimento coletivo enquanto trabalhadores [...]” (IAMAMOTO, 2017, p.32). Aponta ainda
para a necessidade do fortalecimento do trabalho de base e de educação política, bem como o
apoio aos processos de organização e mobilização popular (IAMAMOTO, 2017).
A autora retoma a concepção apresentada em 1998 de que o Serviço Social tem um
efeito nas condições materiais na vida dos(as) trabalhadores, mas também uma dimensão que
não é material, mas socialmente objetiva. Isso quer dizer que o trabalho profissional “incide no
campo do conhecimento, dos valores, dos comportamentos, da cultura, que, por sua vez, têm
efeitos reais interferindo na vida dos sujeitos” (IAMAMOTO, 2015, p. 68). Assim, em “tempos
intempestivos e temerários”10, a autora reafirma a necessidade de
[...] qualificar no exercício profissional a dupla dimensão presente no trabalho
profissional, imprimindo-lhe plenitude de sentido: por um lado, a contribuição
na reprodução material dos sujeitos, expressa na prestação de serviços sociais
previstos nas políticas públicas; por outro, a dimensão educativa que incide
10 A autora faz referência ao contexto de “golpe político-institucional contra a democracia” (IAMAMOTO, 2017,
p. 14) levado a cabo no Brasil com o impedimento de Dilma Rousseff no ano de 2016, onde Michel Temer assume
de maneira ilegítima a presidência do país.
27
na cultura das classes subalternas: nas suas maneiras de ver, viver e sentir a
vida, que dispõem de uma dimensão coletiva na construção de uma contra-
hegemonia, nos termos gramscianos. E, no que se refere ao projeto societário,
estimular e apoiar uma frente de esquerda que crie um patamar mínimo de
unidade para contribuir na construção coletiva de um projeto para o Brasil
nesses tempos de regressão conservadora que historicamente tendem a ser
acompanhados de crescente intolerância política (IAMAMOTO, 2017, p. 34,
grifos da autora)
Frente ao debate apresentado pela autora sobre a consciência política, torna-se
fundamental evidenciar um elemento chave que envolve o trabalho assalariado: o processo de
alienação.
O trabalho como especificidade do ser social, o emancipa, satisfaz suas necessidades, é,
portanto, condição da vida humana (NETTO; BRAZ, 2012). Netto e Braz esclarecem que o
trabalho como ontologia do ser social caracteriza-se por uma prática que se distancia e se
diferencia das atividades determinadas pela natureza. Logo, uma de suas características é a
capacidade de orientar sua atividade a um fim, ou seja, de antecipá-la idealmente, sendo que
“[...] a realização do trabalho constitui uma objetivação do sujeito que o efetua” (NETTO;
BRAZ, 2012, p. 44, grifos dos autores).
No entanto, na sociedade burguesa, ou mercantil, a forma de produtividade humana
“expressa uma forma histórica particular tanto de desenvolvimento humano universal, quanto
de alienação dos indivíduos sociais [...]” (IAMAMOTO, 2011, p. 356). Portanto, na
sociabilidade do capital, o trabalho nega o próprio homem.
A forma mercantil do trabalho impõe que o(a) trabalhador(a) seja obrigado(a), para
sobreviver, a vender sua única mercadoria, ou seja, a vender por um tempo determinado, sua
força de trabalho. Nesse processo, não se identifica qualitativamente com o que produz, o fim
último é a obtenção do salário. Experimenta, assim, o trabalho “como castigo, ao mesmo tempo
em que tem, também nele, a fonte de sua rebeldia e, portanto, das possibilidades de
desalienação” (IAMAMOTO, 2011, p. 390, grifos da autora).
Considerando que a reprodução das relações sociais afeta a totalidade da vida cotidiana,
Iamamoto (2013) reconhece que, as circunstâncias objetivas que atravessam a profissão,
conferem uma direção social que muitas vezes ultrapassa a consciência e vontades dos sujeitos
profissionais. Ao escrever sobre “As Relações Sociais Mistificadas e o Ciclo do Capital”
(IAMAMOTO, 2013), a autora atribui ao salário a capacidade de encobrir o trabalho não pago,
ou seja, ao aparecer como preço do trabalho e não da força de trabalho (trabalho necessário para
conservação e reprodução do trabalhador) o salário encobre o trabalho excedente, fazendo com
que, ao(à) trabalhador(a), toda sua jornada de trabalho apareça como trabalho pago.
28
Dessa forma, “[...] o salário, forma típica do mundo dos equivalentes, encobre a
desigualdade efetiva que se esconde sob a aparência de relações contratuais juridicamente
iguais” (IAMAMOTO, 2013, p. 60). Somado a isso, a riqueza aparece como fruto do capital e
não do trabalho, ou seja, aquilo que é produto do trabalho aparece como produto do capital,
num processo de mistificação deste. Isso significa, portanto, que
a relação entre o trabalhador e o produto de seu trabalho é uma relação entre
produtor e um objeto alheio, dotado da condição de exercer poder sobre ele.
A objetivação do trabalho, desta substância criadora de riqueza, no produto,
torna-se para o produtor escravização de si mesmo aos objetos criados pelo
seu trabalho. Mas a alienação do trabalhador não só se expressa na sua
relação com os produtos de trabalho. A alienação se manifesta no próprio ato
da produção, no trabalho. O trabalho aparece como algo externo ao
trabalhador, como algo em que não se afirma, mas se nega a si mesmo; que o
mortifica. Só se sente livre quando deixa de trabalhar” (IAMAMOTO, 2013,
p. 62, grifos da autora).
Nesse sentido, a autora retoma a discussão na obra publicada em 2007, buscando
oferecer centralidade ao humanismo marxista, em outras palavras, atribuindo relevância ao
entendimento do(a) trabalhador(a) “como sujeito criativo vivo, presente no pensamento de
Marx” (IAMAMOTO, 2011, p. 345). Assim, dissertando sobre “Trabalho e indivíduo social”
(IAMAMOTO, 2011) ressalta a consciência como elemento fundamental no ato do trabalho,
possibilitada ao ser social. A progressiva divisão desse trabalho o torna cada vez mais social,
aprofundando a universalidade que possibilita a dimensão genérica do ser social, dimensão que
só é possível como atividade coletiva, portanto, um produto histórico-social (IAMAMOTO,
2011).
Entretanto, a forma mercantil do trabalho, assentada na sociedade burguesa
[...] inaugura uma qualidade de conexão social entre os indivíduos, sem
precedentes anteriores. Esse nexo social é mediatizado pelo valor de troca
(forma do valor), que se autonomiza frente aos indivíduos e dissimula suas
relações sociais reais. Faz com que estas apareçam de maneira fetichizada em
coisas sociais, forjando um amplo processo de reificação. A contrapartida é a
submersão do sujeito criativo vivo, gerando uma relação de estranhamento do
indivíduo produtor frente às suas próprias objetivações: capacidades,
atividades, ideias, produtos (IAMAMOTO, 2011, p. 357).
O que se verifica é que, nessa relação, o equivalente geral assume a função de expressar
o caráter geral humano do trabalho presente na mercadoria, evidenciando uma forma particular
de individualidade social. “Por isso, as relações que se estabelecem entre os produtores parecem
como são, isto é, não como relações diretamente sociais das pessoas travadas nos seus trabalhos,
29
mas como relações materiais entre pessoas e relações sociais entre coisas” (MARX, apud,
IAMAMOTO, 2011, p. 361). Disso resulta que os indivíduos estabelecem entre si uma aparente
independência, que a autora qualifica de forma mais “precisa” de indiferença.
A liberdade também aparece nessa relação entre os indivíduos sob o discurso da livre
possibilidade de vender sua mercadoria que, no caso dos(as) trabalhadores(as) é a própria força
de trabalho. Da mesma forma, a igualdade aparece como valor na sociedade burguesa, já que
os indivíduos são iguais nessa relação econômica, como livres “proprietários”.
A autora ressalta que a alienação do trabalho determina tais relações, incidindo na
atividade social dos indivíduos como “castigo e rebeldia” (IAMAMOTO, 2011, p. 375).
Inserida nas mesmas condições de qualquer outra mercadoria, a compra e venda da força de
trabalho, possui um conteúdo e significado particulares na vida dos sujeitos. Como essa
mercadoria é parte da corporalidade física e mental do sujeito, ele a vende por um determinado
período de tempo, do contrário, venderia a si próprio na condição de escravo.
O que move o(a) trabalhador(a) a vender sua capacidade de trabalho é o fato de não
possuir os meios necessários para sua reprodução, sendo constrangido a trocá-la por dinheiro
para satisfazer suas necessidades. Seu objetivo é, portanto, o valor de troca, o que “faz com que
seja indiferente o que qualitativamente produz, porque simples meio para a obtenção do salário
(IAMAMOTO, 2011, p. 381).
O(a) trabalhador(a) se relaciona com sua própria atividade como algo alheio, numa
relação de estranhamento. Seu trabalho é submetido a outrem e seu resultado é propriedade do
capital. Portanto, vivencia o trabalho como castigo, mas encontra também nele sua fonte de
rebeldia e possibilidades de desalienação. Isso porque, é na prática cotidiana que enfrenta essas
contradições por meio da ação coletiva. “Na luta [...] essa massa se reúne, se constitui numa
classe para si mesma. Os interesses que defende se tornam interesses de classe. Mas a luta
entre as classes é uma luta política” (MARX, apud IAMAMOTO, 2011, p. 375).
Pode-se afirmar, portanto, que a rebeldia do trabalho gera implicações de ordem ética,
uma vez que sua defesa é a própria defesa da humanidade dos indivíduos em sua dimensão
genérica. Barroco (2009) esclarece que, na sociedade capitalista, a objetivação da ética, como
um momento da práxis humana, é limitada, evidenciando o fenômeno da alienação. A autora
citada reforça ainda que “na cotidianidade, a moral tende a se objetivar de modo alienado,
reproduzindo julgamentos de valor baseados em juízos provisórios, [...] abrindo caminho para
o moralismo e para a adesão acrítica ao ethos dominante” (BARROCO, 2009, p. 173).
De acordo com Netto (1994), a vida cotidiana, insuprimível na existência humana, é
composta de três componentes ontológico-estruturais, quais sejam: a heterogeneidade
30
(fenômenos e processos que compõem a vida cotidiana); a imediaticidade (comportamento
resultado da relação direta entre pensamento e ação); superficialidade extensiva (respostas a
partir da soma de fenômenos, sem considerar suas relações). Disto resulta que, na cotidianidade
“o critério da utilidade confunde-se com o da verdade” (NETTO, 1994, p. 68).
A suspensão desse cotidiano, que permite a mediação entre o singular e o universal,
modifica o sujeito, alçando-o a outro patamar, o da consciência. Fundamentado em Lukács,
Netto (1994) esclarece que a arte, a ciência e o trabalho criador, são formas privilegiadas de
suspensão do cotidiano11. As mediações que permitem alçar-se ao entendimento ocorrem no
próprio movimento contraditório da realidade, evidenciando
[...] a importância da reflexão ética, capaz de realizar a crítica da vida
cotidiana, em sua dimensão moral, ampliando as possibilidades de realização
de escolhas conscientes, voltadas ao gênero humano, às suas conquistas
emancipatórias, à desmistificação do preconceito, do individualismo e do
egoísmo, propiciando a valorização e o exercício da liberdade e do
compromisso com projetos coletivos (BARROCO, 2009, p. 174).
Para Iamamoto (2015), é precisamente a ética e a dimensão política do exercício
profissional que permitem neutralizar a alienação do trabalho, ainda que não elimine os
processos de alienação que envolvem o trabalho assalariado. A autora ressalta que constitui-se
um exercício cotidiano a busca pela apropriação da dimensão criadora do trabalho, uma vez
que, ao vender sua força de trabalho, submete-se as exigências impostas por quem a comprou.
Nesse sentido, a autora afirma que a análise da profissão implica considerar a tensão
entre o projeto profissional e a alienação do trabalho, que representa a tensão entre o
direcionamento que o(a) assistente social pretende conferir ao seu trabalho concreto e os
constrangimentos que se repõem na forma assalariada do trabalho (IAMAMOTO, 2011).
Assim, a apreensão das determinações sociais da força de trabalho especializada do(a)
assistente social, atribuindo historicidade a demanda pela sua inserção no processo de produção
e reprodução das relações sociais, propicia a clareza do processo de relativa autonomia de que
dispõe o(a) profissional e dos desafios do projeto ético-político, questões que serão
aprofundadas no capítulo a seguir.
11 No capítulo 3 de “Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche” (IAMAMOTO, 2011), ao estabelecer um debate
com as principais teses que fundamentam a literatura brasileira recente no âmbito do Serviço Social, a autora
pontua uma crítica ao fato de Netto não abordar a política como um momento de suspensão da imediaticidade do
cotidiano. Para a autora: “Esse estranho silêncio sobre a política, como instância de mediação da relação do homem
com sua genericidade na análise de Netto (a qual sempre teve centralidade em sua vida pública), torna opaca, neste
texto, a luta de classes na resistência à sociedade do capital (IAMAMOTO, 2011, p. 269).
31
2. O(A) ASSISTENTE SOCIAL COMO TRABALHADOR(A) ASSALARIADO(A)
É na tensão entre re-produção da
desigualdade e produção da rebeldia e
da resistência que atuam os assistentes
sociais, situados em um terreno movido
por interesses sociais distintos e
antagônicos, os quais não são possíveis
de eliminar, ou deles fugir, porque tecem
a vida em sociedade (IAMAMOTO,
2011, p. 160).
2.1 A FORÇA DE TRABALHO ESPECIALIZADA DO(A) ASSISTENTE SOCIAL
Desde o início de sua produção intelectual, Iamamoto realiza um esforço para a
compreensão do Serviço Social historicamente situado como um tipo de especialização do
trabalho coletivo dentro da divisão social e técnica do trabalho. Em 1982, a autora oferece as
bases para a compreensão de que, embora não se inscreva diretamente no processo de criação
de valor, o Serviço Social não está deslocado do processo de produção no sentido amplo.
Participa do processo de criação de condições do funcionamento e manutenção da força de
trabalho, logo insere-se no campo da reprodução social.
Importante análise na obra ‘Relações Sociais e Serviço Social” (2013) refere-se ao fato
desse(a) trabalhador(a) especializado(a) não atender as necessidades demandadas diretamente
pelo público usuário de seus serviços. Segundo a autora, esse caráter contraditório do exercício
profissional, deve-se ao fato deste ser realizado no âmbito de interesses e necessidades de
classes sociais antagônicas. Segundo a autora, o(a) assistente social
Participa tanto dos mecanismos de dominação e exploração como, ao mesmo
tempo e pela mesma atividade, da resposta às necessidades de sobrevivência
da classe trabalhadora e da reprodução do antagonismo nesses interesses
sociais, reforçando as contradições que constituem o móvel básico da história
(IAMAMOTO, 2013, p. 81, grifos da autora).
Na condição de trabalhador(a) assalariado(a), a demanda de sua atuação não advém
dos(as) trabalhadores(as), ou seja, não é por eles(as) diretamente solicitado e remunerado,
atuando inclusive sobre demandas que não são deles(as). Diante desse quadro, Iamamoto (2013)
ressalta a importância - também indicando sua necessidade- de se estabelecer uma estratégia
profissional e uma reflexão sobre o caráter político do trabalho profissional dentro de uma
32
perspectiva histórica, que fortaleça a perspectiva do trabalho em detrimento da perspectiva do
capital.
Esses apontamentos são extremamente relevantes para o período. Apresentando uma
contribuição fundamental na renovação crítica da profissão no país, Iamamoto compõe o solo
histórico que possibilitou a construção do projeto ético-político do Serviço Social brasileiro. A
preocupação e pesquisa da autora na atualidade, volta-se a realização deste projeto em suas
diversas dimensões e condições sociais, demonstrando a relação de continuidade com o debate
iniciado em 1982.
Em seus ensaios críticos de 1992, Iamamoto reforça o fato de que o processo de
profissionalização e legitimação do Serviço Social está vinculado à expansão das instituições
socioassistenciais estatais, especialmente após 1940. Essa expansão representou tanto a
ampliação do mercado de trabalho quanto a institucionalização e legitimação da profissão pelo
Estado e pelas classes dominantes. Disso resultou, segundo a autora, numa alteração da
“clientela” do Serviço Social, explicando que, a partir desse processo
seu público se concentrará em amplos setores do proletariado, alvo principal
das políticas assistenciais implementadas pelas instituições. Este processo
consolida a profissionalização do Assistente Social, que se torna categoria
assalariada, e recruta seus membros entre os setores médios (IAMAMOTO,
2013a, p. 35-36)
Esse processo de profissionalização, além de alterar os sujeitos alvo da intervenção
do(a) assistente social, altera o próprio quadro de profissionais, que passa a ser ampliado com
a adesão de “setores médio ou da pequena burguesia, que buscam uma profissão remunerada”
(IAMAMOTO, 2013a, p. 109).
Outro ponto importante destacado pela autora nesta obra, em ensaio produzido com
contribuições de José Paulo Netto, diz respeito ao denominado “Serviço Social Alternativo”.
Representando uma busca por rompimento com a herança conservadora, as discussões em torno
do Serviço Social Alternativo superestimavam o potencial político da profissão, alimentando
uma visão messiânica e a-histórica.
A crítica essencial a esta perspectiva é que
[...] a revolução torna-se diretamente o parâmetro central para avaliar
alternativas profissionais. Isso nos parece, no mínimo fora de lugar, por diluir
as especificidades profissionais. Daí decorre a perda de fronteira entre
profissão e partido político, entre exercício profissional e militância
(IAMAMOTO, 2013a, p. 150)
33
Ou seja, a negação do espaço institucional, entendido como mero “reprodutor de
relações de dominação”, e preferência por uma prática “fora” do mercado de trabalho,
representava a negação das condições que possibilitaram a institucionalização/assalariamento
da profissão, apostando no “dever ser”. Mais adiante, sobre esse voluntarismo na prática
profissional, a autora enfatiza:
No intuito de trazer à tona as implicações políticas do exercício profissional,
aquele discurso se esvazia quando se torna incapaz de desvelar as relações de
dominação e apropriação que contextualizam a prática profissional cotidiana
no mercado profissional de trabalho. Degenera, pois, em um discurso caricato
que, ao pretender hipertrofiar a dimensão política do Serviço Social, relega a
condição de trabalho assalariado especializado, com todas as suas derivações,
que é o que demarca as fronteiras propriamente profissionais (IAMAMOTO,
2013a, p. 224)
A necessária distinção entre militância política e exercício profissional destacada pela
autora, é fundamental para a compreensão das potencialidades da relação do Serviço Social
com os movimentos sociais. De acordo com Katia Marro,
O compromisso da categoria com as lutas sociais e com a mobilização popular
significa um momento importante do processo de concretização dos princípios
apontados no projeto ético-político, possibilitando, inclusive, a potenciação e
qualificação da própria organização política da mesma (MARRO, 2011,
p.320)
Cabe destacar ainda que, Iamamoto reforça que o exercício profissional tem caráter
essencialmente político. “Esse caráter não deriva de uma intensão do profissional ou de seu
“compromisso”. Ele se configura na medida em que sua atuação é polarizada por estratégias de
classe voltadas para o conjunto da sociedade civil [...]” (IAMAMOTO, 2013a, p. 144). A autora
explica que a necessária distinção entre exercício profissional e militância política é
fundamental para que cada profissional possa articular tais dimensões em suas vidas.
Em “O Serviço Social na Contemporaneidade” (IAMAMOTO, 2015), Marilda retoma
a discussão da relação entre a institucionalização do Serviço Social com a ampliação do Estado.
Recusando as concepções que vinculam a profissionalização do Serviço Social a partir da
tecnificação/evolução da filantropia, considerada uma análise endógena, “de dentro e por dentro
das fronteiras do Serviço Social”, a autora aponta para a “progressiva ação do Estado na
regulação da vida social” no processo de industrialização e urbanização, como condição para a
34
criação das bases históricas das demandas por essa especialização do trabalho.
A autora avança, no entanto, ao afirmar que, embora o Serviço Social seja
regulamentado como uma profissão liberal, não tem essa característica na sociedade brasileira.
Como trabalhador(a) especializado(a), vende sua capacidade de trabalho, ingressando no
universo da mercantilização, do valor. Escreve a autora:
A profissão passa a constituir-se como parte do trabalho social produzido pelo
conjunto da sociedade, participando da criação e prestação de serviços que
atendem às necessidades sociais. Ora o Serviço Social reproduz-se como um
trabalho especializado na sociedade por ser socialmente necessário: produz
serviços que atendem as necessidades sociais, isto é, têm um valor de uso, uma
utilidade social. Por outro lado, assistentes sociais também participam, como
trabalhadores assalariados, do processo de produção e/ou redistribuição da
riqueza social. Seu trabalho não resulta apenas em serviços úteis, mas ele tem
um efeito na produção ou na redistribuição do valor e da mais-valia
(IAMAMOTO, 2015, p. 23-24, grifos da autora)
Dessa forma, pensar o Serviço Social como trabalho, é pensá-lo para além da “prática
profissional”12, ou seja, das atividades exclusivas do(a) assistente social. Isso significa
compreendê-lo como um trabalho especializado, “que se expressa sob a forma de serviços, que
tem produtos: interfere na reprodução material da força de trabalho e no processo de reprodução
sociopolítica ou ídeo-política dos indivíduos sociais” (IAMAMOTO, 2015, p. 69, grifos da
autora).
Ao ser parte de um trabalhador coletivo, ainda que não produza riqueza diretamente, as
condições sociais nas quais se realiza o trabalho do(a) assistente social devem ser analisadas
considerando as exigências econômicas e sociopolíticas da acumulação capitalista. Nesse
sentido, a autora afirma que não existe um único processo de trabalho do(a) assistente social, e
sim processos de trabalho13 em que este profissional se insere (IAMAMOTO, 2015).
A partir de tais considerações, a autora destaca que a compreensão das particularidades
do Serviço Social como uma profissão que se reproduz e se realiza no mercado de trabalho,
implica a necessária articulação deste com a formação profissional. O que não quer dizer,
12 “A tradição profissional trata o fazer profissional como prática, havendo inclusive um acervo de produções que
se empenhou em atribuir, no decorrer do processo de renovação do Serviço Social, um estatuto teórico àquela
noção, vinculando-a à categoria inclusiva de práxis social” (IAMAMOTO, 2015, p. 93, grifos da autora). Na
análise da autora, transitar da análise da “prática” profissional para trabalho, é, acima de tudo, uma mudança de
concepção e não apenas de nomenclatura. 13 Em obra posterior a autora esclarece: “O pressuposto, que orienta essa proposta, é o de que não existe um
processo de trabalho do Serviço Social, visto que o trabalho é atividade de um sujeito vivo, enquanto realização
de capacidades, faculdades e possibilidades do sujeito trabalhador. Existe, sim, um trabalho do assistente social e
processos de trabalho nos quais se envolve na condição de trabalhador especializado” (IAMAMOTO, 2011, p.
429).
35
evidentemente, a mera adequação da formação profissional as exigências do mercado, mas sim,
uma relação de sintonia e distanciamento crítico.
A sintonia, na análise da autora, é condição para a própria sobrevivência da profissão.
Para a autora,
Como qualquer profissão, inscrita na divisão social e técnica do trabalho, sua
reprodução depende de sua utilidade social, isto é, de que seja capaz de
responder às necessidades sociais, que são a fonte de sua demanda. Sendo o
assistente social um trabalhador assalariado, depende da venda de sua força
de trabalho especializada no mercado profissional de trabalho. Para que ela
tenha valor de troca, expresso monetariamente no seu preço, é necessário que
confirme o seu valor de uso no mercado” (IAMAMOTO, 2015, p. 172, grifos
da autora)
As transformações no mundo do trabalho alteram também as demandas de qualificação
profissional. Analisando a formação profissional e o ensino universitário na
contemporaneidade, Iamamoto ressalta que este último tende a ser reduzido ao “treinamento”
e ao “adestramento” que levam ao ensino fragmentado e parcializado14; segundo a autora, é
nessa direção que se explica a regulamentação do Ensino à Distância – EAD (IAMAMOTO,
2011). A autora ressalta o crescimento exponencial desta modalidade que, no ano da primeira
publicação do livro Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche, era responsável por 30% do
total de vagas em cursos de Serviço Social no país15.
Em pesquisa recente, Andressa Antunes (2017) registra que existem atualmente 561
cursos de graduação em Serviço Social no Brasil, ofertando o total de 210.864 vagas. Destes,
40 são na modalidade EAD, ofertando 134.034 vagas, ou seja, 63,56% do total de vagas em
cursos de Serviço Social.
Esse modelo, que atende as exigências do processo de acumulação capitalista,
redimensiona o perfil profissional ao impulsionar um processo de desqualificação da formação.
Como consequência do aligeiramento da formação, a modalidade à distância não privilegia a
dimensão investigativa como um princípio na formação. Ainda, não propicia a interação entre
as gerações (docentes/discentes) em momentos como de orientações de trabalhos, grupos de
pesquisa, debates, supervisões, momentos estes que possibilitam a transmissão de valores e
14 A autora faz referência ao documento produzido pela ABESS, CFESS e ENESSO em 1999 sobre a reforma do
ensino superior no Brasil. 15 “O crescimento exponencial de vagas na área de Serviço Social tem forte estímulo dos cursos de graduação à
distância, autorizados pelo MEC, que começam a funcionar a partir de 2006. Enquanto os cursos presenciais
oferecem 70% das vagas, o EAD, em apenas dois anos de funcionamento, já é reponsável por 30% das vagas
ofertadas, concentradas em apenas 6 cursos no País, dos quais um não dispõe de informação” (IAMAMOTO,
2011, p. 439).
36
princípios, da própria historicidade da profissão, indicando uma “preocupante despolitização
da categoria profissional, com inéditas consequências para o projeto norteador da profissão no
País” (IAMAMOTO, 2011, p. 43).
Mais recentemente a autora afirma que “A massificação e a perda de qualidade da
formação universitária facilitam a submissão dos profissionais às demandas e “normas do
mercado”, tendentes a um processo de politização à direita da categoria.” (IAMAMOTO,
2017, p. 33, grifos da autora)
Outro fator a ser considerado, são as importantes implicações para o exercício
profissional e sua inserção no mercado de trabalho, uma vez que a formação em massa acelera
o desemprego na área, pressiona o piso salarial e aumenta a insegurança no trabalho
(IAMAMOTO, 2011). Cabe ressaltar que, ainda que pressionada por este contexto, a profissão
não se encontra em um processo de diminuição da procura no contexto da divisão social e
técnica do trabalho.
No âmbito da Política de Assistência Social, por exemplo, o processo de
profissionalização da área ampliou o mercado de trabalho por meio de concursos públicos
(CASTILHO; LEMOS; GOMES, 2017). A implementação do Sistema Único de Assistência
Social – SUAS, através dos equipamentos públicos de referência em Assistência Social16,
ampliou, especialmente no âmbito dos municípios, a contratação de profissionais, indicando ser
esta a área de maior contratação de assistentes sociais na atualidade.
No entanto, como ressaltado linhas acima, essa ampliação na contratação não vem
desacompanhada da precarização das relações e condições de trabalho. Ainda que a redução da
jornada de trabalho17 sem redução do salário represente uma conquista para os(as) assistentes
sociais, os baixos salários, vínculos instáveis ou mais de um vínculo profissional e até mesmo
o não cumprimento da Lei das 30 horas, são situações recorrentes no cotidiano profissional18.
Em Serviço Social em tempo de Capital Fetiche, a análise da autora recai sobre o Serviço
Social enquanto especialização do trabalho social sob a égide do capital financeiro, buscando
compreender suas implicações para o trabalho e formação profissional.
16 A implementação dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência
Especializados em Assistência Social (CREAS), após 2005 representou uma ascensão considerável na contratação
de assistentes sociais no país. 17 A Lei nº 12.317 de 26 de agosto de 2010 alterou a Lei 8662/93, instituindo a jornada de 30 (trinta) horas semanais
ao trabalho do(a) assistente social. Na produção mais recente da autora, esta assinala que “[...] A Lei n. 2.317/2010
reconhece a condição de trabalhador assalariado do assistente social e normatiza uma carga semanal de trinta horas
de trabalho sem redução do salário, fruto de ampla mobilização da categoria. Hoje ela requer a defesa de sua
implementação” (IAMAMOTO, 2017, p. 20). 18 Referências importantes em relação às condições e relações de trabalho do(a) assistente social podem ser
encontradas em CFESS (2005, 2015).
37
Reforçando o debate de 1982, Iamamoto (2011) ressalta a condição de assalariamento
como um determinante essencial no processo de profissionalização do Serviço Social, sendo
este fator essencial na articulação da profissão ao seu processamento. Em síntese, como uma
atualização histórica da análise de 1982, a autora volta-se para o processamento da ação
profissional a partir das novas determinações do capital, ou seja, sob a hegemonia das finanças
e seu fetiche.
Retomando o debate sobre a “prática profissional”, a autora esclarece que
A leitura do trabalho do assistente social no âmbito das relações sociais
capitalistas supera os influxos liberais que, ainda hoje, grassam as análises
sobre a chamada “prática profissional” como prática do indivíduo isolado,
desvinculada da trama social que cria sua necessidade e condiciona seus
efeitos na sociedade (IAMAMOTO, 2011, p. 27)
A motivação da autora se justifica pela contestação de que a análise da profissão, em
relação a sua inserção na divisão social e técnica do trabalho, apresentada em 1982, tornou-se
de domínio público, como evidenciado na introdução deste trabalho. No entanto, a autora
enfatiza que o mesmo não se deu com relação aos seus fundamentos.
A preocupação da autora em situar o Serviço Social no processo de produção e
reprodução das relações sociais, avança no sentido de explicar o processo de realização deste
trabalho especializado “como atividade do sujeito, no âmbito da organização social e técnica
do trabalho nas condições e relações sociais conformadas pela mundialização financeira”
(IAMAMOTO, 2011, p. 28-29), análise conduzida pelo trabalho, em suas dimensões de
trabalho útil/concreto e trabalho abstrato.
O ponto de partida da autora, é que as abordagens sobre a profissão são frequentemente
reduzidas aos dilemas do trabalho concreto, ou seja, seu processo técnico-material e natureza
qualitativa, em detrimento da compreensão das implicações deste trabalho na produção e
distribuição do valor, da dimensão do trabalho abstrato. Isso significa que, as análises da
profissão não devem se esgotar na indicação do valor de uso do trabalho realizado, isso pois ela
é parte do trabalho social médio, portadora de trabalho humano indiferenciado19.
Nesse sentido, Iamamoto indica a importância de atribuir centralidade à mercadoria
como “unidade contraditória de valor de uso e valor, trabalho concreto e trabalho abstrato”
19 A autora sinaliza ainda que “Ao se negligenciar as relações sociais por meio das quais se dá a realização da
atividade profissional, considerando apenas a qualidade do trabalho, corre-se o risco de resvalar a explicação para
uma análise a-histórica, ainda que em nome da tradição marxista” (IAMAMOTO, 2011, p. 216).
38
considerando que “na sociedade mercantil o valor de uso é subsumido pelo valor de troca e o
processo de trabalho pelo processo de valorização: de produção de valor e/ou de mais-valia”
(IAMAMOTO, 2011, p. 217). Sendo o(a) assistente social trabalhador(a) assalariado(a) não
foge a essas determinações: vende sua força de trabalho como mercadoria, condição para o
exercício da profissão.
Em tempo de capital fetiche, investidores financeiros institucionais interferem nas
condições de trabalho, definindo as formas de emprego, gestão e perfil de trabalho, introduzem
novas tecnologias e formas de organização do trabalho. Essas alterações acontecem sob o
discurso moderno da “flexibilização” (IAMAMOTO, 2011). Intensificando esse contexto, o
gasto social com o trabalho aparece como uma das principais razões da crise do Estado,
impondo a redução da despesas e cortes por meio de ajustes fiscais20.
O(a) assistente social, ao mesmo tempo que sofre com as precarizações no mundo do
trabalho, vê-se cada vez mais tolhido na autonomia de sua intervenção profissional, com
condições cada vez mais escassas para operar as políticas sociais. Nesse quadro, é possível
afirmar, em sintonia com a autora, que “é na tensão entre a re-produção da desigualdade e
produção da rebeldia que atuam os assistentes sociais [...] (IAMAMOTO, 2011, p. 160). Ao
interferir nas relações cotidianas da classe trabalhadora, intervindo nas diversas expressões da
questão social, o(a) assistente social tem a possibilidade de, “captar as múltiplas formas de
pressão social, de re-invenção da vida construídas no cotidiano, por meio das quais são recriadas
formas novas de viver, que apontam para um futuro que está sendo germinado no presente”
(IAMAMOTO, 2011, p. 161).
Afirmando que a questão social é a base da fundação do Serviço Social enquanto
especialização do trabalho, Iamamoto retoma a tese de que não é o desenvolvimento ou
“cientifização” da filantropia que profissionaliza o Serviço Social, nas palavras da autora
A profissionalização do Serviço Social pressupõe a expansão da produção e
de relações sociais capitalistas, impulsionadas pela industrialização, que
trazem, no seu verso, a questão social. O Estado amplia-se, nos termos de
Gramsci (1779), e passa a administrar e gerir o conflito de classe não apenas
via coerção, mas buscando construir um consenso favorável ao funcionamento
da sociedade no enfrentamento da questão social. O Estado, ao centralizar a
política sócio-assistencial efetivada através da prestação de serviços sociais,
cria as bases que sustentam um mercado de trabalho para o assistente social,
que se constitui como um trabalhador assalariado. [...] O Serviço Social deixa
de ser um mecanismo da distribuição da caridade privada das classes
20 Sobre a questão, ressalta-se a sistemática denúncia que a categoria tem realizado por meio de suas entidades
representativas, com especial destaque ao Relatório Final do 46º Encontro Nacional CFESS-CRESS, realizado
entre os dias 7 a 10 de setembro de 2017 em Brasília (DF), disponível em CFESS (2017a).
39
dominantes – rompendo com a tradicional filantropia – para se transformar
em uma das engrenagens da execução das políticas públicas e de setores
empresariais, que se tornam seus maiores empregadores (IAMAMOTO, 2011,
p. 171)
Sendo a condição assalariada a base dessa profissionalização, o(a) assistente social, ao
vender sua força de trabalho mercantilizada, incorpora as tensões presentes na mercadoria,
como o fetiche e a alienação, como abordado anteriormente no capítulo 1.
Um ponto fundamental na obra da autora é o esforço em considerar as particularidades
do exercício profissional na relação de tensão entre o projeto profissional e o estatuto
assalariado. Esse ponto é chave para compreender, dentre outras questões, a condição de
relativa autonomia que dispõe o profissional. Ainda que carregue todas as contradições sociais
inerentes a qualquer trabalho na sociabilidade do capital – como a diminuição do campo da
autonomia relativa que possui como profissional –, o trabalho do(a) assistente social se expressa
de maneira particular, dotado de uma “[...] diferencialidade21 expressa em seu caráter de
atividade útil ou trabalho concreto, e sua identidade com o trabalho social [...]” (IAMAMOTO,
2011, p. 338).
Ou seja, compreender o significado social da profissão – e seu estatuto de profissão
assalariada – é situá-la no terreno da contradição, no clássico dilema entre causalidade e
teleologia22. Esse dilema é apreendido pelos profissionais, segundo a autora, ao nível da
percepção cotidiana de forma dualista, expressa nos reclamos de distanciamento entre teoria e
prática. Essas “distorções na análise da prática profissional”, levam à distorção do exercício
profissional que ora tendem ao comportamento fatalista e ora ao messiânico.
A primeira, superestima o comando do capital que asfixia a atuação profissional. Para a
autora, essa “visão perversa” limita o profissional para “no máximo, ser um bom tecnocrata,
aperfeiçoar formal e burocraticamente seu fazer cotidiano [...] um mero espelho da instituição
21 Na conferência realizada em 2016, Iamamoto reforça essa análise explicitando que: “Essa ótica de análise requer
articular a qualidade desse trabalho — sua diferencialidade dos demais tipos de trabalho —, expressa em seu
caráter de atividade útil, que requer respostas técnicas e políticas de parte dos profissionais especializados, com
sua identidade com o trabalho social médio, enquanto fração do trabalho social total (trabalho abstrato), que
identifica o assistente social com o conjunto da classe trabalhadora, suas formas de organização e de lutas. Essas
determinações são indissociáveis da mercantilização da força de trabalho” (IAMAMOTO, 2017, p 28-29). 22 “O que importa é que o conjunto da reflexão marxiana é dominado pela ideia de que, no social, se dá uma
articulação entre o mundo da causalidade e da teleologia, ou seja, entre o fato de que as ações humanas são
determinadas por condições externas aos indivíduos singulares e o fato de que, ao mesmo tempo, o social é
constituído por projetos que os homens tentam implementar na vida social. A ontologia marxista dirá que o ser
social é formado por determinismo e liberdade. Ou, em termos mais modernos utilizados pelas ciências sociais
contemporâneas, que a sociedade é formada simultaneamente por momentos de estrutura e momentos de ação”
(COUTINHO, apud IAMAMOTO, 2011, p. 346, grifos da autora).
40
patronal, como mais um agente que concretiza as estratégias de classe” (IAMAMOTO, 2013a,
p.145-146). Em contrapartida, a visão messiânica,
ingênua quanto às possibilidades revolucionárias da profissão muitas vezes
embalada por um discurso com propostas e veleidades críticas [...] se reduz ao
compromisso individual do Assistente Social, como se a nossa vontade e
propósitos individuais fossem unilateralmente suficientes para alterar a
dinâmica da vida social, caindo, não raras vezes, numa concepção basista da
condução do exercício profissional (IAMAMOTO, 2013a, p. 146).
É somente com a compreensão de que, ao mesmo tempo e pelas mesmas atividades,
os(as) assistentes sociais reproduzem interesses contrapostos, que torna-se possível pensar
estratégias a partir do exercício profissional que fortaleçam os interesses da classe trabalhadora.
As mediações necessárias que permitem o(a) profissional posicionar-se no horizonte dos
interesses das classes trabalhadoras, requerem a superação dessas análises unilaterais.
Recentemente, abordando os 80 anos do Serviço Social no Brasil, a autora reforça que
“[...] a história da sociedade é o terreno privilegiado para apreender as particularidades do
Serviço Social: seu modo de atuar e de pensar incorporados ao longo de seu
desenvolvimento[...]” (IAMAMOTO, 2017, p. 21). Apenas uma prática social carregada de
historicidade permite a superação do materialismo vulgar que naturaliza a vida social abrindo
espaço para o fatalismo e do idealismo que determina a vida social pela consciência,
alimentando concepções messiânicas (IAMAMOTO, 2013a).
2.2 AUTONOMIA RELATIVA E PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL
Iamamoto irá pontuar ao longo de toda sua produção que, embora regulamentado como
uma profissão liberal, o exercício profissional do(a) assistente social não se realiza como tal.
Ou seja, ainda que disponha de estatutos legais e éticos que regulamente sua atividade e
indiquem sua autonomia, o(a) profissional depende de uma relação contratual de trabalho.
Em inícios da década de 1980, a autora afirma que o fato do(a) trabalhador(a) assistente
social não possuir as condições materiais e técnicas para exercer seu trabalho, não possui
“completo controle sobre o mesmo”, desde ao estabelecimento da jornada de trabalho até a
definição do público alvo de sua intervenção (IAMAMOTO, 2013). A autora ressalta que
O Assistente Social passa a receber um mandato diretamente das classes
dominantes para atuar junto à classe trabalhadora. A demanda de sua atuação
41
não deriva daqueles que são o alvo de seus serviços profissionais – os
trabalhadores – mas do patronato, que é quem diretamente o remunera, para
atuar, segundo metas estabelecidas por estes, junto aos setores dominados [...]
(IAMAMOTO, 2013, p. 90).
Nesse sentido, a atuação profissional não é diretamente demandada pela classe
trabalhadora. No entanto, Iamamoto ressalva que, embora não seja remunerado pelo(a)
trabalhador(a) – por aquele que recebem seus serviços, como em outras profissões liberais –,
isso não significa que esta remuneração não tenha origem no valor criado pela classe
trabalhadora em geral, responsável pela riqueza socialmente produzida.
Como consequência desse processo, a autora irá afirmar que, na condição de trabalhador
assalariado, o(a) assistente social irá dispor de uma “[...] relativa autonomia no exercício de
suas funções institucionais, sendo corresponsável pelo rumo imprimido às suas atividades e
pelas formas de conduzi-las” (IAMAMOTO, 2013, p.129), podendo tanto limitar-se as
solicitações do empregador, quanto buscar saídas coletivas junto à categoria profissional, junto
aos usuários dos serviços para oferecer uma direção alternativa às demandas impostas.
Nessa mesma linha de raciocínio, em 1992, a autora afirma que a análise da profissão
não pode desconsiderar seu vínculo com os organismos institucionais que “[...] condicionam o
significado dessa prática profissional no processo de reprodução das relações sociais”
(IAMAMOTO, 2013a, p. 49). No entanto, reforça que o fato de configurar-se, uma profissão
liberal, reserva ao profissional prerrogativas, – como um Código de Ética23 – que possibilita
posicionar-se reivindicando a autonomia profissional.
Iamamoto também destaca que o contato direto que o(a) profissional estabelece com
o(a) usuário(a), onde o controle institucional não é expressivo, também expressa sua relativa
autonomia, possibilitando um espaço maior de articulação e redefinição dos rumos da ação
profissional (IAMAMOTO, 2013a).
A autora irá ressaltar que a relação de dependência com o empregador (seja o Estado,
empresas privadas ou instituições/entidades) não é um mero condicionante no trabalho do(a)
assistente social, na verdade, são as próprias instituições que organizam o trabalho, sendo elas
as responsáveis por viabilizar “[...] aos usuários o acesso a seus serviços, fornecem meios e
recursos para sua realização, estabelecem prioridades e serem cumpridas, interferem na
23 É importante mencionar que, tanto no período de elaboração da obra de 1982, quanto nos ensaios que compõem
a obra de 1992 que tratam do tema (1981 e 1985), o Código de Ética da profissão em vigência datava do ano de
1975. Segundo Barroco, “Até a reformulação de 1986, os Códigos se apoiaram nos pressupostos do neotomismo
e positivismo, com uma pequena alteração no CE de 1975, que incluiu uma referência ao personalismo, mantendo
as demais referências tradicionais, e acentuou a herança conservadora do Serviço Social” (BARROCO, 2012, p.
43)
42
definição de papéis e funções que compõem o cotidiano do trabalho institucional”
(IAMAMOTO, 2015, p. 63)24.
Em 2007, a autora irá afirmar que o significado social do trabalho do(a) assistente social,
depende dessas relações que estabelece com os sujeitos que o(a) contratam. Isso pois, apesar de
ser considerado um(a) profissional liberal, dispondo de estatutos legais que regulamentam o
exercício da profissão, a autonomia de que dispõe é tensionada pela compra e venda da sua
força de trabalho. Para além da definição da jornada, salário, etc, a autora aprofunda a análise,
destacando que,
[...] os empregadores determinam as necessidades sociais que o trabalho do
assistente social deve responder; delimitam a matéria sobre a qual incide esse
trabalho; interferem nas condições em que se operam os atendimentos assim
como os seus efeitos na reprodução das relações sociais. Eles impõem, ainda,
exigências trabalhistas e ocupacionais aos seus empregados especializados e
mediam as relações com o trabalho coletivo por eles articulados. É nesta
condição de trabalhador assalariado que o assistente social se integra na
organização do conjunto de trabalhadores afins, por meio de suas entidades
representativas, e com a coletividade da classe trabalhadora” (IAMAMOTO,
2011, p. 214-215, grifos da autora)
Os impasses da alienação do trabalho, como evidencia a autora ao longo de sua
produção, afeta a coletividade dos(a) trabalhadores(as) inseridos(as) na lógica mercantil do
trabalho. No entanto, na profissão esses dilemas se expressam de modo particular quando esta
é analisada pela perspectiva crítica marxista da economia política25. De acordo com Iamamoto,
“[...] quando não de parte da economia política do trabalho, que tem na mercadoria a célula
básica da sociabilidade burguesa, aquela tensão se desvanece e o trabalho profissional passa a
ser tratado unilateralmente na sua particularidade enquanto valor de uso” (IAMAMOTO,
2011, p. 216).
Isso se evidencia em pesquisas que colocam o conteúdo qualitativo do trabalho do(a)
assistente social como centro de suas análises, não sendo essa discussão suficientes para decifrar
24 Mais adiante, na mesma obra, a autora irá reforçar essa afirmação sobre os processos de trabalho do(a) assistente
social, no contexto mais geral da classe trabalhadora. Escreve a autora: “[...] Este, na condição de um trabalhador
assalariado especializado, não dispõe de um poder mágico de “esculpir” o processo de trabalho no qual se inscreve,
o que ultrapassa a capacidade de ingerência de qualquer trabalhador individualmente. É função do empregador
organizar e atribuir unidade ao processo de trabalho na sua totalidade, articulando e distribuindo as múltiplas
funções e especializações requeridas pela divisão social e técnica do trabalho entre o conjunto dos assalariados”
(IAMAMOTO, 2015, p. 107, grifos da autora). 25 Netto e Braz (2012) esclarecem que a crítica marxiana à Economia Política superou as teorias clássicas,
historicizando categorias e rompendo com certas naturalizações. Seu objeto, portanto, para além das leis que regem
a produção, são as relações sociais inerentes à atividade econômica (NETTO; BRAZ, 2012).
43
a natureza do trabalho profissional, embora sejam necessárias. É nesse sentido que, conforme
já sinalizado nesse trabalho, a autora afirma que os fundamentos da discussão iniciada na
década de 1980 não foram apreendidos pela categoria. Compreender a divisão do trabalho é ir
além da mera compreensão da divisão de trabalho úteis, que possuem determinadas qualidades.
Tal divisão implica relações capitalistas de propriedade e, portanto, de classes sociais
(IAMAMOTO, 2011).
Situar o Serviço Social nesse contexto é compreender que a condição de assalariamento
é determinante no cotidiano de trabalho do(a) assistente social, sendo que o contrato de trabalho
definirá inclusive, além das questões já mencionadas, quais as expressões da questão social que
serão matéria de intervenção profissional.
É importante ressaltar ainda que, mesmo que não haja uma identidade imediata entre
aquilo que o(a) profissional intenciona e aquilo que é resultado de sua atividade, a análise do
trabalho do(a) assistente social não pode reduzir-se as imposições do mercado. Em outras
palavras, o trabalho profissional não é uma mera adequação às exigências dos empregadores e
sujeição ao trabalho alienado. Essa relação é tensionada pelo projeto coletivo da profissão, seus
princípios e valores, que permitem imprimir uma direção social ao trabalho, possibilidade
decorrente da relativa autonomia que dispõe, resguardada pela regulamentação da profissão,
pelo código de ética e pela formação universitária.
Ainda, ressalta a autora que
[...] as atividades desenvolvidas sofrem outro decisivo vetor de demandas: as
necessidades sociais dos sujeitos, que condicionadas pelas lutas sociais e pelas
relações de poder, se transformam em demandas profissionais, re-elaboradas
na óptica dos empregadores no embate com os interesses dos cidadãos e
cidadãs que recebem os serviços profissionais (IAMAMOTO, 2011, p. 219).
Dessa forma, pode-se afirmar que o projeto profissional crítico da profissão é também
demanda da classe trabalhadora (GUERRA, 2007). As necessidades dos(as) trabalhadores(as),
expressas nas lutas sociais, se transformam em demandas profissionais e, em sintonia com as
lutas mais gerais da classe trabalhadora, os(as) assistentes sociais podem comprometer-se a
criar estratégias de articulação com os mesmos, incorporando suas demandas no cotidiano
profissional26, “em busca de alianças na construção das condições capazes de instituir uma
26 Constitui-se direito do(a) assistente social “apoiar e/ou participar dos movimentos sociais e organizações
populares vinculados à luta pela consolidação e ampliação da democracia e dos direitos de cidadania” (CFESS,
2011, art. 12, b).
44
cultura democrática e de respeito aos direitos historicamente conquistados pelas classes
excluídas do acesso à riqueza socialmente produzidas” (GUERRA, 2007, p. 9-10).
Nesse sentido, ponto fundamental é a compreensão de que, embora as políticas públicas
conformem um espaço privilegiado da atuação profissional, a autora alerta a necessária recusa
dos mimetismos entre política social e Serviço Social. A autora destaca que
[...] existe uma necessária autonomia entre o trabalho profissional na política
pública e a política pública. Profissão não se confunde com política pública
de governo ou de Estado e nem o Serviço Social se confunde com assistência
social, ainda que esta possa ser uma das mediações persistentes da
justificativa histórica da existência da profissão. Assim, seus agentes não são
meros operacionalizadores de políticas emanadas do Estado — um braço
operacional do moderno príncipe —, ainda que a política pública — e
particularmente a seguridade social — seja uma mediação determinante no
exercício da profissão no mercado de trabalho como uma das respostas ins-
titucionalizadas à “questão social”. Certamente existem tensões entre projetos
profissionais e políticas governamentais e nítidas disputas teóricas e políticas
no direcionamento do Serviço Social brasileiro (IAMAMOTO, 2017, p. 31-
32, grifos da autora).
Por fim, é importante ressaltar que as possibilidades de alargamento da relativa
autonomia no trabalho do(a) assistente social estão, além das pressões populares por ampliação
dos direitos e serviços, nas estratégias políticas do coletivo da profissão que movem-se pelos
mesmos princípios éticos e políticos daqueles (IAMAMOTO, 2011).
45
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ano de 2016 registra o fim de um período de coalizão de classes e um “golpe nas
ilusões democráticas” (BRAZ, 2017), que vinha sendo protagonizado pelos governos petistas.
Esse ciclo, interrompido com o golpe político-institucional concretizado em 31 de agosto de
2016, possibilitou o crescimento de uma onda conservadora que amorteceu as manifestações
sociais e políticas da classe trabalhadora resultado de uma política que favorecia uma
consciência favorável a reformas que não ameaçavam os interesses burgueses.
A “estratégia democrática popular” (IASI, 2017) protagonizada pelo governo PT, não
abriu espaço para a necessária reforma política, agrária/urbana ou dos meios de comunicação.
Em contrapartida, levou a cabo uma série de políticas que garantiam a lucratividade de seus
aliados, como a continuidade das políticas de privatização, de priorização do pagamento da
dívida pública, etc.
As experiências políticas deste início de século abriram caminhos para que, em tempos
de crise estrutural do capitalismo, o ajuste fiscal voltasse a ser apresentado como solução aos
problemas políticos/econômicos, renovando de forma brutal e violenta a acumulação do capital
em detrimento dos direitos sociais conquistados historicamente pela classe trabalhadora. Como
afirma Iasi (2017), “[...] os segmentos políticos do lupemparlamento e a direita viram no
enfraquecimento do governo a possibilidade de interrupção do ciclo petista e o acerto de contas
conservador, desfechando o golpe mortal sobre o combalido governo de coalizão capitaneado
pelo PT desde 2003” (IASI, 2017, p. 77).
O retrocesso ideológico e cultural acompanhado pelo avanço do fascismo27 (que nunca
tirou férias), intensificam a opressão sobre os(as) trabalhadores(as), num amplo processo de
barbarização da vida, criminalização da juventude negra, naturalização de feminicídios e
demais formas de violências machistas-patriarcais que também atingem os diversos segmentos
LGBTs. Somado a isso, as reformas propostas pela já reconhecida “bancada BBB” da política
brasileira, representando os setores do latifundiário (boi), empresários da indústria de armas
27 É pertinente a síntese de Marcelo Braz sobre o fascismo e suas expressões no país. O autor escreve: “Se o
fascismo é uma forma política sempre possível desde quando os monopólios constituíram-se como dominantes na
economia capitalista, no Brasil ele se amalgama com os elementos históricos de uma cultura de classe dominante
que se alimenta do racismo. Junta-se a isso uma cultura política que, mesmo nos períodos republicanos, pouco
avançou em relação à laicidade e que se alimenta também da intolerância religiosa. O avanço de elementos
fascistas entre nós faz recrudescer ainda a misoginia que também foi usada contra a ex-presidente Dilma, ainda
que não tenha sido a questão determinante para sua queda. Em todos os casos estamos diante de traços
profundamente antidemocráticos que promovem no Brasil uma ascensão preocupante de forças conservadoras
reacionárias. A chamada lei da mordaça (“Escola sem Partido”) é talvez o melhor exemplo dessa ascensão”
(BRAZ, 2017, p. 102).
46
(bala) e líderes religiosos/evangélicos (bíblia), buscam calar os protestos populares,
criminalizando os movimentos da classe trabalhadora, acompanhados pelos discursos de
“ideologia de gênero” e “doutrinação ideológica”. Acrescenta-se ainda o apoio da grande mídia
burguesa, com um intenso trabalho ideológico, manipulador e estimulador de posturas, falas e
comportamentos violentos.
Este cenário afeta a totalidade da sociedade em todas suas dimensões. No Serviço
Social, as estratégias de renovação do conservadorismo vêm acompanhadas, no âmbito da
formação, de críticas infundadas e superficiais sobre o Projeto Ético Político e às instâncias
representativas da profissão. No âmbito profissional, verifica-se a reprodução de posturas
carregadas de preconceitos, fundadas num falso moralismo religioso e justificadas pela
“liberdade de expressão”. Ainda, é notável, no âmbito da academia, a reposição de elementos
conservadores sob o manto das teorias pós-modernas, bem como de estratégias messiânicas e
individualizadas de “reforma” do Serviço Social.
Neste contexto, a busca pela ruptura com o conservadorismo no Serviço Social se
renova, lançando o desafio de enfrentar suas novas formas e expressões. O presente trabalho
buscou contribuir com a sistematização de elementos essenciais para o debate dos fundamentos
da profissão a partir da contribuição de uma das suas principais referências, reconhecendo a
importância do estudo dos fundamentos do Serviço Social como possibilidade de crítica do
cotidiano e das ideias e práticas neoconservadoras.
Buscou-se a partir das obras de Marilda Villela Iamamoto, analisar a condição de
assalariamento da(o) assistente social e suas implicações na efetivação do projeto ético-político
profissional. Com relação à produção bibliográfica da autora, observou-se que a mesma
persegue o Serviço Social como objeto de estudo de 1982 até sua última obra analisada,
publicada em 2017. São 35 anos de estudo persistindo na pesquisa sistemática, fundamentada
na aproximação à obra marxiana.
Ao longo destes 35 anos, o capitalismo sofreu alterações, as tendências apontadas por
Marx em “O Capital”, de concentração e centralização da riqueza, tem comprovado a efetivação
da Lei Geral da Acumulação Capitalista. Atenta a essas transformações, a aproximação de
Iamamoto à obra marxiana no livro “Serviço Social em tempo de capital fetiche”, publicada em
2007, é mais densa e rica em determinações se comparada a obra publicada em 1982, “Relações
Sociais e Serviço Social”. Porém, existe uma continuidade e aprofundamento da análise cuja
pesquisa permitiu identificar.
O caminho percorrido ao longo do processo de investigação, posterior análise e
exposição do conteúdo, não abordou o problema desta pesquisa a partir de como este se
47
apresentava em cada obra. Antes, apreendendo que o mesmo perpassou todas as obras em
diferentes momentos históricos, apresentou-se no presente trabalho as categorias centrais que
foram identificadas como fio condutor nas respectivas obras.
Os obstáculos à plena realização do projeto ético-político devem-se à própria natureza
contraditória do Serviço Social e à possibilidade de consciência de classe do(a) próprio(a)
assistente social como trabalhador(a) assalariado(a). Compreender essa peculiaridade da
profissão é situá-la no terreno dos antagonismos de classe, explicitando as tensões e dilemas do
trabalho assalariado.
O trabalho, como atividade criadora e emancipadora do ser social, torna-se atividade
negadora deste em sua forma mercantil. Ao vender sua capacidade de trabalho, ou seja, sua
corporalidade física e mental por um determinado período de tempo, o(a) trabalhador(a) sujeita-
se às vontades e imposições daquele que o comprou. Perde, assim, o domínio sobre o produto
de seu trabalho, não se reconhece inteiramente naquilo que produziu, criou ou executou,
conforme análise de Iamamoto a partir da compreensão marxiana da alienação.
Ao vender sua força de trabalho, o(a) assistente social insere-se no processo de produção
e reprodução das relações sociais e tem seu trabalho envolvido pelos dilemas do trabalho
assalariado. Essa condição é tensionada, no entanto, pelo projeto profissional, construído
historicamente pela categoria e que se realiza por meio dos instrumentos legais da profissão, na
organização da categoria profissional por meio de suas entidades representativas, pela formação
universitária e pelo exercício profissional de assistentes sociais que materializam no seu
trabalho esta dimensão teleológica.
Destaca-se, portanto, a importância da compreensão da natureza deste trabalho na
sociedade do capital, em sua dupla dimensão de trabalho concreto e trabalho abstrato. Isso
significa que, compreender a qualidade deste trabalho enquanto trabalho útil, pressupõe
compreendê-lo também em sua dimensão de trabalho social, igualado a qualquer outro trabalho.
Nesse sentido, o trabalho do(a) assistente social é entendido nas mesmas relações e condições
gerais da classe trabalhadora e, somente a consciência teórico-política deste processo permite
ao(a) profissional fazer mediações para atuar nessa contradição.
A condição para a apreensão do significado social da profissão implica a superação de
análises e posturas polarizadas pelo messianismo e/ou fatalismo, compreendo-a no âmbito das
contradições próprias do capital, mediada por interesses de classes antagônicos e, portanto, de
natureza contraditória. Implica ainda dar historicidade aos processos de consolidação da
profissão no país e sua renovação crítica.
Conceber que a profissão se orienta por um projeto crítico, significa entender que a
48
qualidade e competências técnicas no trabalho profissional terão uma direção crítica consciente,
sintonizadas com as lutas dos povos, onde o “outro” não seja visto unilateralmente como
usuário, mas sim como sujeito pertencente de uma mesma classe, a classe trabalhadora.
A realização deste projeto no cotidiano da intervenção do(a) assistente social depende
tanto da consciência que se tem do mesmo, quanto das relações contraditórias que se impõem
na luta de classes. Ou ainda, a compreensão do projeto ético-político da profissão permite a
crítica do cotidiano, tornando o trabalho profissional uma mediação concreta. Evidentemente,
o conhecimento vulgar deste projeto não implica necessariamente no comprometimento com
seus princípios e valores, pelo contrário, induz aquilo a autora chamou à atenção com tanta
lucidez: a tendência do fatalismo e do messianismo.
Nesse sentido, ressalta-se que a viabilização de projetos coletivos exige três elementos,
conforme Ramos (2002): a consciência, a necessidade e a vontade. De acordo com a autora, a
busca por suprir as necessidades humanas é um dos fatores que impulsionam “os indivíduos a
se agruparem coletivamente para lutar por um projeto societário que satisfaça suas
necessidades, ampliando os espaços de materialização da liberdade” (RAMOS, 2002, p. 84).
Somado a isso, a consciência humano-genérica dos processos de exploração e opressão
é o elemento que permite a organização política e consciência coletiva dos sujeitos sociais.
Ainda de acordo com a autora, “esse processo requisita a ruptura com diversos entraves postos
no cotidiano, tais como: o corporativismo, a despolitização, a apatia, o comodismo” (RAMOS,
2002, p. 85). Ramos enfatiza, no entanto, que apenas a busca pela satisfação das necessidades
e a consciência não são suficientes para mobilizar os indivíduos a comprometerem-se a um
projeto coletivo. A vontade, é entendida pela autora como “uma dimensão humana fundamental
para a materialização de ações que possibilitam a criação da realidade” (RAMOS, 2002, p. 85-
86).
A compreensão teórica torna-se insuficiente se não vem acompanhada de atividade e
consciência política. Em tempo de capital fetiche, onde a precarização e invisibilidade do
trabalho são acompanhadas do avanço do neoliberalismo e suas políticas de austeridade, não há
espaço para ilusões. A consciência política e a construção coletiva da profissão, são as bases
para a não submissão profissional às arbitrariedades dos empregadores e para seu
posicionamento e reconhecimento como parte da classe trabalhadora.
Ao final deste processo de exposição, tem-se a sensação de que outros caminhos
poderiam ter sido percorridos, ao mesmo tempo em que novas questões surgem. A necessidade
de aprofundamento teórico-metodológico das categorias evidenciadas e sua relação com demais
autores(as) que tem o Serviço Social como objeto de estudo coloca-se como uma questão
49
importante no processo de qualificação da pesquisa dos fundamentos do Serviço Social.
Conclui-se que o processo de investigação é um movimento de sucessivas aproximações ao
objeto de estudo.
Por fim, buscando responder ao problema que originou a pesquisa, importa reafirmar
aquilo que nos lembrou Marilda Iamamoto: o Serviço Social latino-americano “tem mais tempo
em sua aproximação do pensamento histórico-crítico do que a prevalência exclusiva do
pensamento liberal/conservador” (IAMAMOTO, 2017, p. 15). O desafio da defesa de um
Serviço Social crítico e manutenção de uma profissão que esteja permanentemente nas
trincheiras de resistência contra todo tido de opressão, repõe-se a cada momento histórico,
exigindo daqueles(as) que não desistem, a ousadia de lutar e vencer.
50
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52
APÊNDICE
Sistematização das obras de Marilda Vilella Iamamoto (1982-2017)
Relações Sociais e Serviço Social no Brasil – Esboço de uma interpretação histórico-
metodológica
Autoria Ano de publicação Editora(s)
Marilda Villela Iamamoto e
Raul de Carvalho
1982 São Paulo: Cortez; Lima,
Peru: CELATS.
Prefácio/orelha Edição atual Nº de páginas
Manuel Manrique Castro /
Maria Carmelita Yazbek
41ª 400
Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos
Autoria Ano de publicação Editora
Marilda Villela Iamamoto 1992 São Paulo: Cortez
Apresentação/orelha Edição atual Nº de páginas
José Paulo Netto / Carlos
Nelson Coutinho
13ª 254
O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional
Autoria Ano de publicação Editora
Marilda Villela Iamamoto 1998 São Paulo: Cortez
Prefácio/orelha Edição atual Nº de páginas
Marilda V. Iamamoto / José
Paulo Netto
26ª 326
Serviço Social em tempo de capital fetiche – Capital financeiro, trabalho e questão social
Autoria Ano de publicação Editora
Marilda Villela Iamamoto 2007 São Paulo: Cortez
Prefácio/orelha Edição atual Nº de páginas
José Paulo Netto / Maria
Carmelita Yazbek
9ª 495
80 anos do Serviço Social no Brasil: a certeza na frente, a história na mão
Autoria Ano de publicação Editora
Marilda Villela Iamamoto 2017 São Paulo: Cortez
Prefácio/orelha Edição atual Nº de páginas
Não possui --- 25
Obs.: As informações sobre prefácio, apresentação e orelha, bem como sobre o número de
páginas referem-se as edições utilizadas nesta pesquisa, respectivamente: Iamamoto (2013,
2013a, 2015, 2011 e 2017).
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