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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS-UNEAL
CAMPUS IIIPALMEIRA DOS NDIOSAL
CURSO DE HISTRIA
NDERSON BARBOSA DA SILVA
RITUAIS JIRIPANK: UM OLHARSOBRE O SAGRADO DOS NDIOS DO SERTO DEALAGOAS
PALMEIRA DOS NDIOSAL2013
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NDERSON BARBOSA DA SILVA
RITUAIS JIRIPANK: UM OLHAR SOBRE O SAGRADO DOS NDIOS DO
SERTO DE ALAGOAS
Monografia apresentada a UniversidadeEstadual de Alagoas, como requesito paraconcluso do Curso de Licenciatura plena emHistria, sob a orientao do prof. MsC. JosAdelson Lopes Peixoto.
PALMEIRA DOS NDIOSAL
2013
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NDERSON BARBOSA DA SILVA
RITUAIS JIRIPANK: UM OLHAR SOBRE O SAGRADO DOS NDIOS DO
SERTO DE ALAGOAS
Monografia apresentada a Universidade Estadualde Alagoas UNEAL como requesito paraconcluso do Curso de Licenciatura plena em
Histria, sob a orientao do prof. MsC. JosAdelson Lopes Peixoto.
Palmeira dos ndios, ____ de maro de 2013.
COMISSO EXAMINADORA:
______________________________________Prof. MsC. Jos Adelson Lopes Peixoto - Orientador
Universidade Estadual de Alagoas
_____________________________________Prof. Esp. Mary Selmade Oliveira Ramalho
Universidade Estadual de Alagoas
______________________________________
Prof. Tiago Barbosa da SilvaUniversidade Estadual de Alagoas
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Ao povo Jiripank, povo resistente do altoserto de alagoas, que luta pela preservao desua cultura.
Dedico.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo primeiramente a Deus, sem ele, no somos nada.
A minha famlia, meus irmos Almir e Adielson, principalmente meus pais, Silvino e
Rosilene, pelo imenso incentivo e esforo em me ver formado.
A minha namorada Laize pelo imenso amor, carinho, ateno, aconchego e ajuda em
todos os momentos, inclusive na elaborao desse trabalho.
Ao meu grande amigo e orientador Adelson Lopes por me apresentar a cultura
indgena, pelas viagens, pesquisas, discusses e dedicao, o que vos transformou no apenasem um orientador mas sim em coautor desse trabalho.
Ao Curso de Licenciatura Indgena de Alagoas CLIND, atravs de seu corpo de
coordenadores, Iraci, Adelson, Mary Selma, Margarete e Joo pelo incentivo financeiro, pelo
estgio e por proporcionar os passos inicias dessa pesquisa. Agradeo tambm aos demais
estagirios tala e Viviane, a secretria Aide e todos os alunos desse curso, pela amizade que
conquistei.
A todos meus colegas de curso, inclusive os que no continuaram o curso,
companheiros de discusses, de aprendizado e de descontrao, principalmente os que
considero como grandes amigos, Ednaldo, Tlio, Tatiane, Rodrigo, Josmar, Deyse, Lucas,
Gustavo, Luiz e Maria.
A todos os mestres que fizeram e fazem parte da minha caminhada pelo conhecimento,
principalmente os da UNEAL, que no medem esforos em compartilhar seus conhecimentos,
sempre sero pontos de referncia em minha carreira.
Ao Povo Indgena Jiripank cuja luta de resistncia, histria de vida e simpatia, me
proporcionaram esse estudo, principalmente nas pessoas de seu Gensio, seu Elias e Cicinho,
por estarem sempre a disposio em compartilhar seus conhecimentos, principalmente esse
ltimo, por abrir as portas de sua aldeia para que fosse possvel esse estudo.
A todos que no citei, mas contriburam direta ou indiretamente na realizao desse
trabalho.
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Quando danam e realizam seus rituais, esto
fazendo uma experincia de encontro com anatureza, com o mundo dos ancios e dossbios que esto vivos no outro lado da vida.Para os ndios, o invisvel faz parte do visvel,assim como os no-humanos fazem parte doshumanos. O mundo dos mortos, dos espritos edos deuses no est em outra dimensocsmica, est na prpria natureza que constituio territrio indgena. (BRASIL, 2006. p. 102).
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RESUMO
Este estudo analisa os rituais praticados pelos ndios Jiripank, residentes na aldeia indgena Ouricuri,no municpio de Pariconha, alto serto de alagoas, enfocando um olhar histrico antropolgico sobre areligiosidade desses ndios. Atravs de imagens fotogrficas, buscamos inserir o leitor no mundocultural desse povo, desde sua origem, suas lutas de resistncia, busca pela sobrevivncia e busca porum territrio enfocando suas prticas religiosas, materializadas na crena e nos rituais praticados.Apresenta o sincretismo religioso, o espao do terreiro, a dana do tor, os prais e os encantadoscomo elementos norteadores de suas praticas religiosas. Apresenta ainda a descrio dos principaisrituais praticados por essa etnia, fonte da etnicidade, da busca pelo reconhecimento, masprincipalmente, elemento de materializao de uma crena.
PALAVRAS-CHAVE: ndio. Ritual. Crena. Prtica religiosa.
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LISTA DE IMAGENS
Imagem 1: ndios escravizados por portugueses .................................................................. 12
Imagem 2: Cotidiano dos ndios no colgio em Iauret ....................................................... 14
Imagem 3: ndio Jiripank (Prai) ....................................................................................... 17
Imagem 4: Municpio de PariconhaAL ........................................................................... 18
Imagem 5: Territrio Indgena Pankararu ............................................................................ 19
Imagem 6: Gensio Miranda da Silva, ................................................................................. 22
Imagem 7: Vista Parcial da Aldeia Jiripank ...................................................................... 23
Imagem 8: Territrio Indgena Jiripank. ............................................................................ 26
Imagem 9: Cruzeiro na aldeia Jiripank .............................................................................. 28
Imagem 10: ndios Jiripank, durante a Festa do Umbu ..................................................... 30
Imagem 11: Igrejas no centro da aldeia Jiripank.. .............................................................. 30
Imagem 12: ndios Jiripank executando o tor ................................................................... 32
Imagem 13: Praiexecutandoperformance noturna ............................................................ 37
Imagem 14: Prais executando performance........................................................................ 37Imagem 15: Terreiro ........................................................................................................... 38
Imagem 16: Terreiro prximo do cruzeiro. .......................................................................... 39
Imagem 17: Por................................................................................................................. 39
Imagem 18: Local onde preparado o almoo .................................................................... 39
Imagem 19: Prais durante Festa do Umbu ......................................................................... 42
Imagem 20: Menino do Rancho. ........................................................................................ 43
Imagem 21: Menino e as madrinhas comeam a participar .................................................. 45
Imagem 22: todos danando o tor, circulando entorno do terreiro. ..................................... 45
Imagem 23: Momento em que fecham o terreiro . ............................................................... 45
Imagem 24: Movimento dos prais fechando o terreiro. ...................................................... 46
Imagem 25: Por improvisado ............................................................................................ 46
Imagem 26: Comunidade chegando para assistir o ritual. .................................................... 46
Imagem 27: Padrinhos entrando na casa do lado do terreiro ................................................ 47
Imagem 28: Padrinhos entrando no terreiro ......................................................................... 47
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Imagem 29: Menino com o seu dono, um dos padrinhos e as madrinhas ......................... 47
Imagem 30, 31, 32 e 33: Prais e Padrinhos disputando o menino ...................................... 48
Imagem 34 e 35: Pblico protegendo-se nas rvores .......................................................... 48
Imagem 36 e 37 : Todos correndo em direo ao menino. ................................................... 49
Imagem 38: Menino trazido de volta para o terreiro.......................................................... 49
Imagem 39: Padrinhos correm para proteger o menino dos prais ....................................... 50
Imagem 40: Ao fundo, padrinho segurando um prai cado no cho. ................................... 50
Imagem 41 e 42: Menino trazido de volta para o terreiro pela segunda vez.......................... 50
Imagem 43: Participantes preparando-se para iniciar a terceira corrida. ............................... 50
Imagem 44: Menino correndo com seus padrinhos. ............................................................ 50
Imagem 45: Prais e padrinhos se chocam e caem no cho. ................................................. 51
Imagem 46: Menino voltando para o terreiro. ...................................................................... 51
Imagem 47: Prais e padrinhos preparando-se para a entrega. ............................................. 51
Imagem 48: Disputa pelo menino ........................................................................................ 51
Imagem 49: Prais e padrinhos chocam-se e caem pelo cho. .............................................. 52
Imagem 50: Prais gritando e cantando conduzem o menino para o terreiro. ....................... 52
Imagem 51: Inicio da Cerimnia. ........................................................................................ 54
Imagem 52: Ccero aspergindo gua benta sobre o caixo. .................................................. 54
Imagem 53 e 54: Toante em homenagem ao falecido. .......................................................... 54
Imagem 55: Prais conduzem o caixo para o cemitrio. ..................................................... 54
Imagem 56: Segue cortejo em direo do cemitrio local. ................................................... 54
Imagem 57: Prai tentando acertar os umbus ....................................................................... 56Imagem 58: Pessoas dormindo em baixo de um cajueiro ..................................................... 59
Imagem 59: Prais executando o tor. ................................................................................. 59
Imagem 60: Aps pegarem o prato, prais voltando para o terreiro ..................................... 59
Imagem 61: Prais com o prato na mo ............................................................................... 59
Imagem 62: Participantes no terreiro, com o cansano na mo .......................................... 60
Imagem 63: Incio do cortejo entre terreiros.. ...................................................................... 60
Imagem 64: Prais abrindo o segundo terreiro ..................................................................... 60
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Imagem 65: Cestos com as oferendas .................................................................................. 60
Imagem 66: Tor coletivo ................................................................................................... 61
Imagem 67: Restos de cansano ........................................................................................ 61
Imagem 68: Prais em dupla, executando ritual ................................................................... 62
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SUMRIO
CONSIDERAES INICIAIS ............................................................................................ 11
1 CAPTULO: FORMAO DO TERRITRIO INDGENA JIRIPANK ...................... 17
2 CAPTULO: PRTICAS RELIGIOSAS ENTRE OS NDIOS JIRIPANK NO SERTOALAGOANO....................................................................................................................... 28
2.1 A formao de um Sincretismo ...................................................................................... 29
2.2 O tor e os rituais ........................................................................................................... 322.3 Os Rituais Jiripank: os encantados, os prais e o terreiro. ............................................. 36
3 CAPTULO: RITUAL MENINO DO RANCHO, RITUAL FUNERRIO E FESTA DOUMBU ................................................................................................................................. 42
3.1 Menino do Rancho ......................................................................................................... 433.2 Ritual funerrio .............................................................................................................. 533.3 A Festa do Umbu ........................................................................................................... 55
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 62
FONTES E REFERCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................. 64
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CONSIDERAES INICIAIS
Imagem 1: ndios escravizados por portugueses.Jean-Baptiste Debret.
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Falar hoje sobre povos indgenas em Alagoas um tema novo, que no passado no
houve preocupao em se estudar ou relatar, ressalvando, a escrita empreendida pelo
colonizador Europeu - objetivando a dizimao desses povos - ou por alguns tericos que
queriam minimizar, negar, nossa formao cultural baseada na miscigenao de vrias raas e
culturas, consequentemente, negar os direitos desses na sociedade. S por volta da dcada de
70, por diante, com as novas bases tericas culturalistas que comea a haver um novo olhar,
para com esses povos em Alagoas, a partir de estudos desenvolvidos por Clvis Antunes,
Dirceu Lindoso e Vera Calheiros, entre outros1.
Tais autores formaram uma quebra de paradigma com relao ao olhar indgena em
Alagoas, pois fundam uma nova forma de abordar a histria desses povos, voltando-se para
questes da terra indgena, vida cotidiana, religio, identidade, etc. Mais recentemente temosos estudos desenvolvidos por Sylvia Aguiar, Luiz Svio de Almeida, Amaro Hlio, Silo
Amorim e muitos outros, trilhando nessa longa caminhada em defesa dos povos indgenas de
Alagoas. Mas que, ainda no se tem uma bibliografia vasta, pois como foi citado, essa
perspectiva de estudo recente, alm de haver grande resistncia por parte desses povos em
mostrar sua cultura, em meio a todo o processo de massacre e subjugao sofridos, sendo o
principal motivo de dificuldade para estudo desses povos.
Assim, esse tema surge em meio pequena quantidade de pesquisas cientficas sobreos povos indgenas; essa escassez tem contribudo para ampliar a profunda barreira entre a
real cultura indgena e a bibliografia produzida sobre eles, contribuindo para que se tenha uma
construo imaginria do ndio que no corresponde imagem real e cotidiana.
A histria dos povos indgenas do Brasil marcada pela escrita sobre a tica do
colonizador europeu que aqui imps sua cultura e sua religio medida que conquistava
territrios, aprisionava os nativos (convertendo-os em mo de obra escrava para atender os
anseios da corte portuguesa) e impunha sua ideologia sobre o peso da cruz e da espada. A fotoa seguir, de ndios aldeados, para que fossem catequizados em misses religiosas um
exemplo dessa forma como a cruz e a espada pesavam sobre a cultura nativa, alm de servir
para apresentar a forma como o ndio era descrito por cronistas e viajantes daquela poca.
1Sobre isso, ver Almeida (2008)
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Imagem 2:Cotidiano dos ndios no colgio em Iauret. Autor desconhecido
Nesse contexto, foram obrigados a negar suas crenas e cultos rotulados de bruxaria2
,macumba3, e ao serem descobertos eram perseguidos e massacrados todos que tentassem
realizar essas manifestaes religiosas, sendo a nica manifestao aceita, a religio catlica,
empreendida pelos Portugueses em suas prticas imperialistas de colonizao. Causando
quase a exterminao dessa cultura em nossa sociedade, onde oficialmente j existe
constatao do desaparecimento ou extino de alguns povos, como os Caets4, e a perda da
lngua nativa pela grande maioria dos povos nativos do nordeste, alm de perdas ou rupturas
com a cultura nativa, que atualmente os indgenas lutam para resgatar, preservar e cultuar,como forma de afirmao identitria tolhida pelo processo de colonizao.
Consideramos a contribuio deste trabalho para a sociedade, como forma de
introduzir a discusso de uma temtica recente, ligada a uma corrente culturalista, que por
muito tempo foi esquecida ou relegada a planos secundrios e perifricos, trazendo para a
sociedade outro olhar sobre esses povos, no no sentido de reparar os acontecimentos
passados, mas de permitir conhecer e respeitar a participao dos indgenas na construo do
2 Segundo o dicionrio Aurlio (FEREIRA, A.,p. 118, 2001) designa ao malfica, prpria de bruxo ou bruxa,feitiaria, magia, o termo bruxaria, na Idade mdia, foi usado para designar pessoas que eram acusadas depraticar algum tipo de ritual malfico, que ultrapassa os conceitos Morais e religiosos da poca. Seguindo esseraciocnio, associou-se esse conceito aos povos indgenas, por praticarem tambm, rituais que, aos olhos dasociedade, no se encaixam nos preceitos morais, empreendidos por ela.
3 Termo de origem errnea, preconceituoso, de referncia cultura Afro-brasileira, mais precisamente a religio,usado para designar os vrios rituais religiosos dessa cultura.
4 Nativos provenientes do litoral Brasileiro, mas precisamente na regio dos estados de Pernambuco e Alagoas.
Depois de comerem o bispo Sardinha (justificativa encontrada para a causa da morte desse bispo e adizimao desse povo resistente subjugao portuguesa) foram considerados "inimigos da civilizao". Em1562, Men de S determinou que fossem "escravizados todos, sem exceo". Assim se fez, seriam 75 milndios. Consequentemente foram dizimados.
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cotidiano e da histria do Brasil, percebendo tal povo enquanto parte da sociedade para aceit-
lo como diferente, no sentido cultural.
Consideramos, ainda, o envolvimento pessoal com essa temtica to importante para
compreendermos nossa histria alagoana, nossa formao, cujos povos indgenas marcaram
nossa trajetria de formao acadmica, pelo modo de vida e de resistncia que empregam em
nossa sociedade, de modo especial os povos alagoanos, que apesar de toda a subjugao,
massacre, luta e alm de terem tido um maior contato com o colonizadorlevando em conta
a proximidade com o litoral do Brasil terem resistido e at hoje lutam para preservar e
resgatar o que o colonizador e a sociedade no coseguiram extinguir de sua cultura.
Propomos um estudo histrico/antropolgico da cultura indgena atravs dos rituais
praticados pelo povo Jiripank, residentes no alto serto alagoano, povo que apesar de todo oprocesso de subjugao sofrido, luta para preservar sua cultura e repass-la para suas
geraes. Focamos o estudo dos ritos e das crenas como prticas religiosas, independente de
credo, prticas ou mtodos empregados, como forma de respeito cultura do outro.
Nesse contexto, apresentamos um dilogo entre a historiografia indgena (de autores
como Luiz Svio, Silo Amorim, Juliana Barretto, Amaro Hlio, Rodrigo Grunewald), a
antropologia (CliffordGeertz, Elaine Muller, Carlo Ginzburg, Nestor Canclini, entre outros),
com entrevistas de lideranas indgenas Jiripank (Sr. Gensio Miranda da Silva, EliasBernardo da Silva e Ccero Pereira dos Santos).
Propomos tambm um dilogo desses tericos e entrevistados com imagens da aldeia e
de rituais, assistidos, fotografados e gravados durante vrias vizitas a essa comunidade, por
considerarmos que o ato de descrever, mesmo que fidedigno, nunca se torna igual ao ver,
dando oportunidade ao leitor de elaborar suas prprias concluses e esboar suas
interpretaes a partir das vrias imagens distribudas por todo o texto.
No primeiro captulo, situamos o Povo Jiripank no tempo e espao, focando aformao desse territrio Indgena, sua origem, sua descendncia, o processo luta pela terra, o
processo de reconhecimento. Tal descrio tem como base algumas fontes bibliogrficas e a
oralidade dos ancios fundadores desse territrio, o que se aplica para toda a produo do
corpus desta pesquisa.
No segundo captulo, discorremos sobre a religiosidade indgena, partindo do processo
de subjugao forada das crenas e prticas religiosas, empreendidas pelos portugueses, alm
do processo de resistncia desses indgenas, que obrigados, no passado, a ir para a
clandestinidade, hoje resistem e lutam pela sua liberdade, pela preservao de sua cultura e
pela religiosidade sincrtica aps longa luta e resistncia.
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Apresentamos, ainda, os elementos norteadores da religiosidade e dos rituais
indgenas, entre eles, o tor, o terreiro e as prticas xamnicas, acrescentando os elementos
especficos da etnia Jiripank, entre eles, os Encantados, os Prais e seu terreiro.
Considerando os laos estreitos e fidedignos entre esses, propiciando o contato sagrado e
espiritual, elementos que formam a religiosidade dessa etnia.
O terceiro e ltimo captulo, descreve trs rituais assistidos na aldeia (durante a
pesquisa para realizao desta monografia), que carregam em si, toda a histria, a resistncia,
a crena e a cultura desse povo. O Ritual Menino do Rancho, ritual que acontece em
agradecimento pela cura de crianas que sofreram algum tipo de molstia, Um Ritual
funerrio durante um enterro de um ndio e por ltimo, A Festa do Umbu, um dos principais
rituais da aldeia, que representa a aliana com as origens, com as crenas, com a natureza ecom o mundo sagrado.
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1 CAPTULO
FORMAO DO TERRITRIO INDGENA JIRIPANK
Imagem 3:ndio Jiripank (Prai), com vestimenta para rituais.
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Os ndios Jiripank5 esto localizados no municpio de Pariconha, imagem 2, a cerca
de 360 quilmetros de Macei, na mesorregio do alto serto alagoano, cidade tpica
sertaneja, de vegetao conhecida como caatinga, possui uma populao de 10 246 habitantes
segundo IBGE/2010, a principal fonte de renda est na administrao pblica, no comrcio e
na agricultura.
Imagem 4: Municpio de PariconhaAL. Fonte: IBGE.
A aldeia Jiripank, ocupa uma rea de 250 hectares6, compreendida atravs da unio
das aldeias do Ouricuri, Figueiredo, Serra do Perigoso e Volta do Moxot, reside um total de
400 famlias7 distribudas nessas aldeias, com populao de 2.270 habitantes (SANTOS,
2012). No centro desse conjunto de aldeias, est a aldeia Ouricuri, que se tem referncia como
aldeia principal, com populao de 1.070 habitantes (SANTOS, 2012), possui uma escola
Estadual Indgena construda no centro da comunidade em formato semelhante a uma oca,seguindo modelo nacional projetado pela FUNAI.
5 Encontra-se vrias denominaes em referncia ao nome dessa comunidade indgena, entre eles: Geripanc,Jiripank e Jeripank, optamos por Jiripank, com base na oralidade da aldeia e o processo de adequao dalngua portuguesa que indica o uso do J em palavras de origem indgena. Diz Amorim (2010, p.196) aorelatar sobre o processo de troca do C por K, faz parte de um aspecto tcnico, introduzido com aincorporao das letras Y, K e W em nosso alfabeto, utilizados em termos cientficos. Da algumas aldeiasoptam por essa mudana.
6 Segundo dados do Instituto socioambiental (ISA), com referncia da FUNAI/SEII - 2011.
7 Segundo dados do Instituto socioambiental (ISA), com referncia da FUNAI/SEII - 2011.
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Os ndios do serto alagoano, entre eles o povo Jiripank, fazem parte de um
movimento histrico/antropolgico de resistncia e resurgncia8 de povos do Estado de
Pernambuco, de etnia Pankararu9, residentes na localidade de Brejo dos Padres, povo que
passou por um processo de dispora10 ocorrido por volta de 1850, em decorrncia de ms
condies de sobrevivncia - de fatores climticos -, ou por promulgao de leis pblicas
criadas para organizar a questo fundiria no territrio brasileiro.
Imagem 5: No centro, Territrio Indgena Pankararu na atualidade. Fonte:
FUNAI. CGGEO, Google mapas. (editado pelo autor).
Entre essas leis, est aLei das terras que estabelecia a compra como a nica forma de
acesso a terra ou por doao de Dom Pedro II abolindo, em definitivo, o regime de
sesmaria vigente at a presente data. E em 1872 ocorre a extino dos aldeamentos da
Provncia, sendo incorporados ao domnio pblico. Com isso, os indgenas perdem o direitos
que tinham, porque no possuam a escritura de compra e venda, ocorrendo invases e
8 Ver: AMORIM, Silo Soares de. Os Kalank, Karuazu, Koiupank e Katokinn: Resistncia eressurgncia indgena no alto serto Alagoano. Apresentada como Tese de Doutorado em AntropologiaSocial, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010.
9 Esse povo oriundo da regio Pernambucana de Canabrava (atual Tacaratu), das ilhas do So Francisco(Sarubabel, Acar e Vrzea) ou de Curral dos Bois (hoje Santo Antonio da Glria), onde existiam vriasaldeias, que foram aldeados pelos missionrios, em terras doada pela Coroa Portuguesa, na localidade de brejodos padres, na regio da cidade de Tacaratu (PE), em 1802. (ATLAS Apud MATTA, 2005) E segundoAmorim, esse povo foram aldeados pela primeira vez, muito antes, por volta do sculo XVII na Ilha Sarubab,s margens do rio Paje, tributrio do rio So Francisco. Hoje, seu territrio est entre as cidades de Tacaratu,
Jatob e Petrolndia.
10 Segundo o dicionrio Aurlio (FERREIRA, 2001, p. 254) Disperso de povo(s) em virtude de perseguiode grupo(s) intolerante(s).
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expulses dos mesmos, para que houvesse a desocupao dessas reas. Locais que se
constituam territrios tradicionais, ocorrendo com isso a desestruturao das organizaes
sociais, polticas, culturais e tnicas desses povos, entende-se que territrio representa o
acondicionamento, a legitimao e a organizao do contexto social, poltico, cultural e tnico
de toda e qualquer sociedade. o que ocorreu com os Pankararu, que tiveram suas terras
repartidas, na regio do "Brejo", em linhas de lotes distribudos entre posseiros, assim, esse
perodo ficou conhecido na memria dos ndios como tempo das linhas, modo como foi
dividido esses lotes. Esses ndios partem de suas terras tradicionais, em busca de outro lugar
que ofertem melhores condies, que atendam suas necessidades territoriais.
Em meio a isso, ndios residentes no aldeamento Brejo dos Padres, em Pernambuco,
fugindo da dominao de posseiros, dispersaram-se pelas regies circunvizinhas. Assim,alguns chegaram regio do serto de Alagoas, que apesar de estar situada numa regio
sertaneja, tida como seca e inspita pela literatura, mas que, tambm possui terras boas,
verdes e produtivas.
O alto serto de Alagoas no apenas uma terra inspita e seca, ele tambm, oserto de ilhas verdes e serras midas, que so consideradas verdadeiros osis emmeio a grande extenso de semirido. Essas condies demonstram um espaoprodutivo que se liga pecuria extensiva e agricultura de subsistncia. Ele uma
estrutura produtiva que, interliga ao fenmeno da seca, responsvel pelo quadro depobreza e misria da populao, exceto os privilegiados pelo sistema. Este o altoserto de gua Branca e Pariconha, conhecido, at 1875, como Mata ou Matinha degua Branca, porque estava situado numa rea de serras e mata: rea de formaodo territrio Geripank. (SILVA, A., 2008, p.98).
nesse espao, que se forma o territrio dos Jiripank que apesar das dificuldades
encontradas na rea sertaneja, em alguns locais se encontram terras frteis, com nascentes -
amenizando as dificuldades - um desses locais que os ndios resistentes de Pernambuco
encontram um lugar para viver, e tentar formar um novo territrio. Digo tentar, pelas
dificuldades encontradas nesse novo territrio, inclusive com os privilegiados pelo sistema
os ditos coronis, bares ou grandes fazendeiros, que dominavam a regio.
As disporas de pessoas tornou-se comum em toda regio Nordeste, pessoas tendo que
abandonar o local em que vive, para buscar a sorte em outro local, principalmente nos
perodos de estiagens, buscando-se a sobrevivncia, em terras melhores. J que a falta de gua
torna impossvel vivncia.
Na oralidade Jiripank encontra-se relatos desse processo de disperso do povo
Pankararu que no ocorreu somente por causa perca de territrio, mas por questes climticas,
levando essas pessoas a procurarem um lugar melhor para viver. Segundo Amorim (2010)
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essas disporas, eram frequentes, ou seja, o grande pice foi a desterritorializao, mas no
decorrer dos tempos continuaram a ocorrer por causa das estiagens frequentes ou por
prolongadas secas. Corroborando com essa afirmao, o cacique da aldeia Jiripank Sr.
Gensio Miranda, imagem 4, ao descrever a formao da aldeia, relata como ocorreu essa
dispora dos ndios de Pernambuco para o serto de Alagoas.
A primeira histria daqui da aldeia do primeiro ndio que chegou aqui, [...] Depoisde 1500, 1600, veio o Portugus l de Portugal, de nome Manuel Cavalcanteprimeiro veio Pedro lvares Cabral, depois veio Manuel Cavalcante em 1600,chegando nas aldeias eles, atacando com os ndios, [...] invadiu aqui, chegou naaldeia Pankararu em Pernambuco, invadiu, Manuel Cavalcante, acabando com osndios. Meu bisav com o nome de Z Carapina se sentiu mal quando viu o seu paina cela preso. Mataram o pai dele, o tio dele e um jovem de 18 anos, a ele correu de
l, quando ele chegou em cima daquela serra, daquela serra para c, avistou,encontrou a prima dele - e o resto Cavalcante j tinha matado - a convidou ela paracorrer, a ela combinou e correu com ele, quando chegaram j aqui, no estado deAlagoas, encontraram com a patroa do Major Marques e pediu apoio a ele, [Major]a ele liberou isso aqui, para ele, ele chegou aqui e se apoiou com o apoio do majorMarques, por uma temporada. A quando j tinha famlia, o Major Marques queriatirar eles da terra, a foi ao conhecimento do baro de gua Branca, o Baro fez umalimitao desse terreno aqui, para o ndio Z Carapina, que era meu bisav [...].11
Nesse relato, temos uma breve descrio do processo de formao da aldeia Jiripank,
formada, como j foi citado, a partir de uma dispora ocorrida na regio do aldeamento em
Brejo dos Padres, no estado de Pernambuco, motivada por um processo de desterritorizao e
invaso de terras ocupadas por ndios que se encontravam aldeados12. E que com a chegada
do ndio Z Carapina no serto de Alagoas d incio a um processo de formao desse novo
aldeamento, ou seja, Z Carapina inaugura esse processo de estabelecimento em terras
sertanejo-alagoanas, pois com a estabilizao de Z Carapina outros ndios Pankararu foram
convidados a vir para essa nova terra, formando assim, o territrio indgena Jiripank.
11 SILVA, Gensio Miranda da. Entrevista concedida ao autor, em fevereiro de 2010. (Grifos nossos).
12 Sobre o aldeamento de brejo dos Padres, a vrios relatos, indicando datao desse aldeamento do sculo XIX,criado provavelmente pelos padres Oratorianos ou Capuchinhos, segundo Silva em Serra dos Perigosos guerrilha e ndio no serto de Alagoas, pelo Frei Vide Frescarolo, que foi o responsvel por esse aldeamento.
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Imagem 6: Entrevista com Gensio Miranda da Silva, caciqueJiripank. Foto: Adelson Lopes.
Percebe-se, de certa forma, no discurso do Sr. Gensio, imagem 6, certo receio em
falar do processo de invaso de 1500 e sobre Pedro lvares Cabral, ocorrendo, na fala, uma
diminuio do tom de voz, indicando ainda um certo receio sobre esse tema citado por ele
prprio. Observa-se ainda, a vinda de Z Carapina com uma prima 13 para Alagoas, que juntocom ela d incio a construo do novo territrio que se formar. So citados os nomes do
Major Marques e do Baro de gua Branca14, mas segundo Silva, A. (2008), esses nomes
renem o poder poltico, econmico e policial num tempo em que o poder circulava nas mos
dos coronis representantes desse poder local, jogo poltico esse que se alastra por muito
tempo, at hoje, pelo Brasil e principalmente pelo serto de Alagoas.
13 Em relato trazido por (SILVA, A., 2008, p. 101), Sr. Gensio cita o nome dessa moa como Isabel.
14 Joaquim Antonio de Siqueira Torres (Baro de gua Branca) pertencente a famlia Vieira Sandes, que setornou proprietria de grande parte das terras do alto serto, constituindo-se entre os primeiros povoadoresdessa regio. (SILVA, A., 2008, p. 105)
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Imagem 7: Vista Parcial da Aldeia Jiripank. Foto: nderson Barbosa.
A formao desse territrio sempre foi marcada pela luta em busca da terra, do
reconhecimento tnico e da tradio. Segundo Sr. Gensio, esse processo de busca de um
espao territorial foi marcado por conflitos com os coronis da regio, presentes at os dias de
hoje, pois, grande parte das terras pertencentes ao povo Jiripank ainda encontram-se
ocupadas por fazendeiros da regio. Segundo Brito apudFarias (2011), atualmente os ndios
Jiripank tem posse de 215 hectares regularizados, e 1100 ha j delimitados, esperando as
fases seguintes para se demarcar essa terra. Esse processo vem se arrastando por muitos anos
e at hoje essas terras, em grande parte, continuam ocupadas.
Antes de iniciar esse processo de luta pela terra, foi necessrio aos ndios a busca pelas
razes, buscando a etnognese indgena. Buscava-se assim, o reconhecimento como
pertencentes a uma etnia, o que Amorim (2010) chama de busca pelo etnnimo, que a
busca de uma identidade que vem de seus ancestrais, chamada de identidade coletiva, que os
reconhecem como pertencentes a uma etnia. Sendo assim, essa identidade funciona como o
atestado de pertena que a principal caracterstica de comprovao etnolgica,
fundamental para qualquer busca pelo reconhecimento dos povos. Esse processo, no
isolado dos ndios do serto de Alagoas, mas um fato que ocorreu e ocorre em todo o Brasil,
inclusive com comunidades quilombolas, tambm lutando por espao e condicionantes para
resurgirem na sociedade, defendendo sua cultura e sua gente, to negadas na sociedade.
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Essas comunidades e seus indivduos passam a reivindicar publica e oficialmente acondio de indgenas. So famlias de vrias etnias miscigenadas e territorialmenteespoliadas, deslocadas por dcadas do contexto indgena contemporneo e de suasprticas identitrias originais. Essas famlias se agrupam, ao longo do tempo, margem dos aldeamentos ou postos indgenas oficiais. Resistindo nessas localidades
sem etnnimos, almejam oportunamente contextos polticos e histricos favorveis retomada de identidades coletivas, como, por exemplo, o reconhecimento de suacondio tnico-territorial indgena. Dessa forma, frente a seus semelhantes e populao de modo geral, empreendem um processo dinmico de resgate eautoafirmao tnica, mediado por vrios agentes institucionais, tantogovernamentais como civis.(AMORIM, 2010, p. 59-60).
Esses indivduos sempre se reconheceram como indgenas, apesar de, em certos casos
haver a negao dessa identificao, por receio da sociedade que reprimia o ser diferente,
estes, atravs dos mais velhos, se autoidentificavam e cultuavam essa pertena, porm sem
uma especificidade tnica, ou seja, sem um etnnimo historicamente reconhecido. E quandoessas comunidades veem condies poltica e histrica, alm da experincia de algumas
outras comunidades que conseguiram o reconhecimento oficial ao buscar por esse etnnimo,
tambm partem para essa busca. o que ocorre no serto de Alagoas, onde o reconhecimento
do povo Jiripank serviu de inspirao para outras comunidades circunvizinhas partilhadoras
do mesmo etnnimo, ocorrendo entre os anos de 1998 a 2002 com os Kalank, Karuazu,
Koiupank e Katokinn que buscaram esse resurgimento, culminado com uma grande festa em
comemorao, chamada de A Festa do Resurgimento (AMORIM, 2010, p. 63). Festa emcomemorao resistncia, o reconhecimento, e a afirmao desses povos. Tal evento foi
marcado pela participao de outros povos e rgos indigenistas comemorando-os juntos,
essa afirmao tnica e pela divulgao, para que a sociedade e os rgos institucionais,
possam reconhecer essa afirmao tnica.
Mas para que esse processo ocorra, de reconhecimento oficial atravs dos rgos
oficiais, como foi citado antes, a busca pelo etnnimo, no caso dos ndios Jiripank, foi a
busca pelo tronco formador dessa etnia, nesse caso buscaram-se as razes com o povo
Pankararu, que funciona como base formadora histrica, consistente nas experincias, nas
tradies e nos rituais, porque isso que vai dar a sustentao e afirmao desse povo perante
os rgos oficiais de proteo e tutela, como tambm, para a sociedade envolvente.
A histria para os ndios do sero alagoano , fundamentalmente, a histria depertena a uma comunidade e a uma tradio. A ideia de pertena estprofundamente ligada a um lugar e a uma histria de vida resistente dos povosindgenas. Nessa histria, tradio, famlia e religio marcaram a vida e aidentidade. O sentimento de pertena a uma sucesso de geraes fundamenta aidentidade do ndio como aquele que se reconhece historicamente pertencente a umatradio de resistncia. (SILVA, A., 2009, p. 39)
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Essa busca pela tradio fundamenta a ressurgncia desses povos na
contemporaneidade, e sem ela, tais indivduos seriam pessoas ditas comuns, no que os
indgenas sejam anormais, apenas, eles seriam indivduos ou comunidades de pessoas com
cultura igual a todos. Eles no teriam a identidade indgena, teriam uma cultura hbrida15
como a sociedade brasileira, se considerarmos como um todo. Isso no quer dizer que cultura
indgena seja pura, pois toda a sociedade se constri a todo o momento com a interao com
o presente, com as outras culturas. Da a importncia e a necessidade de busca por esse
etnnimo Pankararu.
O prprio nome dado a aldeia Jiripank foi com base nos grupos que formam os
Pankararu, entre outros grupos, os Pankaru, Geritac, Calanc, Um, Canabrava, Tatuxi,
Ful (VIEIRA, 2010, p.06). Assim, com o intuito de demonstrar essa pertena ao troncoPankararu, foi nomeada com esse nome, com base nos Geritac. Segundo Sr. Gensio, como
ns somos da descendncia Pankararu, tivemos direito a um desses nomes, a registramos
Jiripank [...].16 Se no fosse essa similaridade, no haveria o reconhecimento por parte
desses rgos oficiais nem pelos similares desses povos, fatores necessrios ao
reconhecimento de povos.
Entre os povos ressurgidos, o fenmeno de renomear foi observado entre os
Geripank, Kalank, Koiupank e Katkinn. Segundo sua oralidade, cada rama detronco permite a formao ou o levantamento de uma aldeia com seu prprio, oque s pode acontecer com o apoio do tronco, que oferece condies delegitimao para a identificao, delimitao e demarcao de terras indgenas.(AMORIM, 2010, p. 196).
Com o processo de dispora no sculo XIX, em Brejo dos Padres, houve a dissipao
dos grupos, os ndios ficaram por muitos tempos misturados a populao em geral, foram
perdendo o contato com as origens, obrigados a permanecerem escondidos, sem poder se
autoidentificar como indgenas e muito menos, praticar sua religio. J nos sculos XX e XXI,inaugura um novo olhar sobre esses povos, torna necessrio para eles, a busca pelas origens
o que Amorim (2010) chama de busca pelo tronco onde a pertena a esse tronco d
15 Entendemos por culturas Hbridas, a partir de Nestor Canclini (2003), que conceitua cultura em meio aosprocessos de hibridao, em tempos contemporneos, em a globalizao. (...) entendo por hibridaoprocessos socioculturais nos quais estruturas ou prticas discretas, que existiam de forma separada, secombinam para gerar novas estruturas, objetos e prticas. Aponta assim, que as culturas no so puras, nemhomogenias, elas sofrem processos de hibridao entre si. Essa uma viso mais contempornea,
basicamente da ltima dcada do sculo XX, desenvolvida para se tentar descrever, os processos intertnicos,de descolonizao e processos atuais, frente ao acesso a Globalizao Mundial.
16 SILVA, G. M. Entrevista concedida, em fevereiro de 2010.
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fundamento para a criao de rama e ponta de rama que so esses novos grupos que se
formam a partir da ressurgncia. Assim, o tronco tem que reconhecer a rama para que
esses novos grupos possam renomear e criar novas aldeias na contemporaneidade como
povos resistentes.
Entende-se por resistncia ou tradio de resistncia, alm da questo histrica,
cultural e religiosa, tambm a luta pela terra. O territrio para os ndios de extrema
importncia, nesse espao que se desenvolvem todas as coisas vitais para a vida dessas
pessoas.
Territrio condio para a vida dos povos indgenas, no somente no sentido deum bem material ou fator de produo, mas como o ambiente em que sedesenvolvem todas as formas de vida. Territrio, portanto, o conjunto de seres,espritos, bens, valores, conhecimentos, tradies que garantem a possibilidade e osentido da vida individual e coletiva. A terra tambm um fator fundamental deresistncia dos povos indgenas. o tema que unifica, articula e mobiliza todos, asaldeias, os povos e as organizaes indgenas, em torno de uma bandeira de lutacomum que a defesa de seus territrios. (...) O territrio indgena sempre areferncia ancestralidade e a toda a formao csmica do universo e dahumanidade. nele que se encontram presentes e atuantes os heris indgenas, vivosou mortos. (BRASIL, 2006. p. 101).
A histria indgena est associada luta pela terra, pelo territrio desde a
primitividade, gerando conflitos tribais; depois com a invaso portuguesa e a luta com osposseiros, na atualidade. Sempre esses povos tiveram de lutar pelo seu espao fsico, de
Imagem 8: Territrio Indgena Jiripank. Fonte: FUNAI. CGGEO, Googlemapas. (editado pelo autor).
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resistncia, que o territrio. nesse espao, que se manifesta a vida, onde a religio se funde
com o sobrenatural, onde habitam as crenas, os espritos, os valores. E no menos importante
a sobrevivncia, tirando desse, a alimentao, o vesturio para os rituais, as ervas medicinais,
etc. tudo tirado do territrio. Como foi citado a cima, o territrio onde se desenvolvem
todas as formas de vida, sem ele no h a materializao da vida e das crenas.
Com a integrao profunda e harmnica com a natureza, os ndios sentem-se parteda natureza e no so nela estranhos. Por isso, em seus mitos, seres humanos eoutros seres vivos convivem e se relacionam. Inturam o que a cincia empricadescobriu: que todos formamos uma cadeia nica e sagrada de vida, por isso, aatitude de respeito em relao natureza. Tudo vivo e tudo vem carregado devalor, de esprito e de mensagens sobre os segredos da vida que os homens precisamdecifrar para viver. Quando danam e realizam seus rituais, esto fazendo uma
experincia de encontro com a natureza, com o mundo dos ancios e dos sbios queesto vivos no outro lado da vida. Para os ndios, o invisvel faz parte do visvel,assim como os no-humanos fazem parte dos humanos. O mundo dos mortos, dosespritos e dos deuses no est em outra dimenso csmica, est na prpria naturezaque constitui o territrio indgena. (BRASIL, 2006. p. 102).
Por isso que os indgenas so considerados protetores da natureza, pois, como eles se
sentem parte dessa natureza, cuidam dela, isso est ligado no somente a causa material, mas
envolve a religio, as crenas. Tudo para eles depende e vem da natureza, tudo na natureza
tem um protetor encantado, acredita-se que quando uma pessoa morre, se transforma em um
protetor da natureza, um guardio, um guia espiritual e quando se preserva essa natureza ou
quando eles praticam os rituais, acredita-se est cultuando esses encantados. Assim o
invisvel, esses espritos fazem parte do visvel, que no caso a natureza. Da a importncia
do territrio para essas pessoas, entre outras coisas, pela relao com protetores encantados,
que ser aprofundado posteriormente.
Falar de povos indgenas nordestinos, falar da luta por um territrio, luta resistente
de um povo e de uma cultura, que por muito tempo foi negada e massacrada, tanto por fatores
climticos, como principalmente, pelo jogo de interesses que se perpetua desde a chagada dos
Portugueses, tomando-os seus territrios e explorado sua mo de obra. nesse contexto
histrico que se funda a busca Jiripank, por um novo territrio, em que pudessem encontrar
melhores condies de vida, necessrias para a sobrevivncia e para preservao da cultura de
seus ancestrais, presentes nas suas festas e rituais, ou seja, em suas crenas.
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2 CAPTULO
PRTICAS RELIGIOSAS ENTRE OS NDIOS JIRIPANK NO SERTO
ALAGOANO
Imagem 9: Cruzeiro na aldeia Jiripank, enfatizando um mandacaru (Cereus jamacaru) planta tpica dacaatinga, smbolo de resistncia. Foto: Acervo do Curso de Licenciatura Indgena de AlagoasCLIND-AL.
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2.1 A formao de um sincretismo
No diferente dos povos indgenas de quase todo o Brasil, os Jiripank sofreram o
processo de catequizao e aculturao portuguesa, praticados pelos Padres jesutas, que iam
s aldeias catequiza-los para que eles fossem conquistados e submetidos a servirem aos
interesses Coroa Portuguesa: mo de obra e fim do empecilho que representavam para a
dominao do novo territrio. Na famosa Carta de Pero Vaz de Caminha tem-se um relato
das intenes prenunciadas aos ndios.
Parece-me gente de tal inocncia que, se ns entendssemos a sua fala e eles anossa, seriam logo cristos, visto que no tm nem entendem crena alguma,segundo as aparncias. E portanto se os degredados que aqui ho de ficaraprenderem bem sua fala e os entenderem, no duvido que eles, segundo a santainteno de Vossa Alteza, se faro cristos e ho de crer na nossa santa f, qualpraza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente boa e de belasimplicidade. E imprimir-se- facilmente neles qualquer cunho que lhesquiserem dar, uma vez em Nosso Senhor lhes deu bons rostos, como a homensbons. E o ele nos para aqui nos trazer creio que no vo sem causa. E portanto,Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa f catlica, deve cuidar dasalvao deles. E prazer a Deus que com pouco trabalho seja assim! (CAMINHA,1963, p.6, grifos nossos.)
Nos primeiros contatos com os ndios, j se pensava em catequizao, isso marcou
profundamente toda a vida desses povos, tiveram suas crenas negadas e subjulgadas pelo
colonizador. Essas crenas, cultuadas e perpetuadas por seus ancestrais desde muito tempo,
no foram consideradas, o europeu com sua viso eurocntrica, promulga uma verdadeira
transculturao europeia forada, para essa sociedade. Por muito tempo essa viso perpetuou-
se, levas e levas de padres e jesutas empreenderam-se terra dentro no territrio brasileiro,
sobre a gide da cruz e da espada, retirando o ndio de sua cultura, empreendida nas matas,
para serem ditos civilizados sob a gide da coroa Portuguesa. Assim, foram t irados de suas
aldeias, dentro das matas, de onde perpetuavam sua cultura, seus cultos, suas lnguas, suas
crenas, e foram levados para os ditos aldeamentos missionrios, onde eram ensinados pelos
jesutas. Foi o que ocorreu como vimos no captulo anterior, com os Pankararu, Aldeados em
Brejo dos Padres. Esses aldeamentos tinham a funo de facilitar o acesso e agregar esses
povos na sociedade, para que no atrapalhassem a poltica colonizadora que estava se
formando.
Gruzinski a partir de sua anlise sobre o perodo de colonizao das sociedades
indgenas no Mxico espanhol, mostra como ocorreu esse processo empreendido contra as
sociedades aborgenes da Amrica.
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Progressivamente alijados de suas bases materiais e sociais, isolados pelosevangelizadores e conquistadores dos grupos a que pertenciam, para seremtransformados em religies e idolatrias, conjuntos ou parcelas de manifesta es
das culturas indgenas sofriam uma redefinio incomparavelmente maisperturbadora do que a passagem a clandestinidade. Enquanto a conquista as inseria fora num espao totalmente inventado pelo ocidente, imposto pelos espanhis ebanalizado por termos de conceitos estabelecidos - superties, crendices, cultos,sacrifcios, adoraes, deuses, dolos, cerimnias etc.- essas manifestaes eramtaxadas de erros e falsidades. Os ndios aprendiam ao mesmo tempo que adoravamdeuses e que esses deuses eram falsos. O que fora o sentido e a interpretao domundo tornava-se um rito ou cerimnia, perseguido, marginalizado edesconsiderado, ou uma crena falsa, um erro a ser rejeitado e abjurado, umpecado a ser confessado diante de juzes eclesisticos. (GRUZINSKI 2003,
p.34).
Esse processo no foi algo fcil, deixou marcas profundas, presentes at hoje, queriam
e conseguiram subjulgar a cultura dessas sociedades e introduzindo a cultura europeia,
ocorrendo uma drstica redefinio na vida dessas sociedades, perpetuando assim, esse
modelo de aldeamento jesuta, do sculo XVI at o XIX. Nesses aldeamentos ocorreu certa
transculturao forada para a crena portuguesa, imagens 8 e 9, j as indgenas, foram
obrigadas a ir para a clandestinidade17, por serem rejeitadas e perseguidas pelo modelo
religioso portugus.
17 Essas crenas comeam a serem cultuadas longe dos olhos da sociedade, para no sofrer perseguies, muitasvezes so incorporados smbolos da religio catlica nessas crenas, prtica muito usada tambm pelosnegros, que usavam imagens que tinham duas faces, de um lado Iemanj, do outro Nossa Senhora dosnavegantes, por exemplo. Esses usos servia para driblar a sociedade dominante e os perseguidores.
Imagem 10: Igrejas no centro da aldeiaJiripank, smbolos da catequizao. Foto:CLIND-AL.
Imagem 11: ndios Jiripank, durante a Festado Umbu, segundo relatos, essas cruzespresentes nesses adereos, chamados de cinta,so requcios do processo de catequizao eserviam para driblar perseguies contra eles.Foto: nderson Barbosa.
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Com isso, houve um grande processo de sincretismo religioso presentes na cultura
dessas comunidades, havendo presena entre a cultura indgena, da religio catlica e afro-
brasileira (umbanda e Candombl)18, formando a crena desses povos. Nosso objetivo no
buscar traos singulares dessa mistura, mas, perceber de forma homognea, como ocorre a
religiosidade entre os Jiripank. Nesse sentido propomos mostrar como se apresenta essa
religiosidade, ou pelo menos o que se sabe, sobre isso.
Quando falo em prticas religiosas, entende-se que, apesar de toda essa mistura de
crenas presente, formou uma prtica religiosa sincrtica, mas que no deixa de ser uma
religio. Muitos autores falam em Rituais, tor, xamanismo, catimb, etc. sem unificar isso
em torno de uma crena de carter religioso. Como por exemplo, Grunewald (2005) que
aponta para a possibilidade do tor praticado pelos ndios no ter carter to religioso assim,apontado mais para um xamanismo19. Um dos argumentos dado por ele a ligao, entre
outras coisas, com a religio catlica ou evanglica que os ndios participam e se
autoidentificam como adeptos. Segundo OliveiraApudVieira,
Embora a ao missionria tenha sido efetiva, o que permite que a maioria seautodefina como catlica, seguidora do cristianismo, cultue Santo Antnio(padroeiro), promova missas, casamentos e batizados na igreja, com igual fervor vivenciada a religio Pankararu, presente em vrias situaes como a festa do
Menino do Rancho, corrida do Imbu, alm de outros rituais realizados praticamentedurante todo o ano, de acordo com a necessidade ou a vontade de quem queirapromov-los, podendo este acontecer ao mesmo tempo em vrias casas ou aldeias.(2010, p.16, grifo nosso)
Ocorre nas aldeias a assimilao dessas religies, catlicas ou protestantes, mas sem
perder a identidade indgena fornecida pelos rituais, perpetuados de gerao a gerao, desde
seus ancestrais, onde para Oliveira, esses rituais so a religio Pankararu, cultuados com a
mesma importncia que os rituais das outras religies. At mesmo, se considerarmos esses
rituais, como conjunto de crenas de um povo, perpetuados de gerao em gerao, que
propiciam contato com um sagrado ou um plano espiritual, religio independente de sua
prtica
18
Sobre candombl e Umbanda ver: SILVA, Vagner Gonalves da. Candomble e Umbanda. caminhos dadevoo brasileira. Ed. Selo Negro. 2010.
19 Conjunto de crenas e prticas associadas s atividades dos xams (FERREIRA, 2001, p.760)
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2.2 O tor e os rituais
Os ndios do Nordeste so conhecidos por praticar um tipo de ritual conhecido como
Tor, imagem 12, que se tornou smbolo de identidade, religio, cultura e reivindicao. Esse
ritual tornou-se fundamental para a busca de direitos e garantias, previstos na Constituio
Federal de 1988. De uma forma muito sinttica, Tor a reunio de um determinado povo,
em torno de uma crena, de origem mstica, cultuada e passada de gerao em gerao, que se
caracteriza em torno de uma dana de fins especficos, embalados por cantos, instrumentos
musicais e bebidas energticas e alucingenas. Com outro olhar, tor representa a
performance executada nos rituais, mas o conjunto desses, representa o elo com o sagrado,
com os encantados, buscando-se gratido, preces e comemoraes, alm de encomendaes
de corpo , como parte de rituais fnebres.
Imagem 12: ndios Jiripank executando o tor, no terreiro da aldeia. Foto: nderson Barbosa.
Sua execuo depende de um espao fsico, onde ocorra a materializao da crena,
que terreiro. Espao de cho de terra, formato irregular, medindo cerca de 20 a 40 m,
(MATTA, 2005). Local em que materializa-se toda a crena, pelo contato com o sagrado,
pelas prticas de cura, e a socializao do grupo. O terreiro o centro da aldeia e deve ser
um espao reservado, extensivo ao grupo ou a uma comunidade especfica da prpria ou de
cada etnia (AMORIM, 2010, p.36). Assim, a fundao de uma aldeia, implica a criao de
um terreiro, a pea fundamental da aldeia, sendo uma extenso dela.
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Reesink (2000) aponta para a existncia de trs tipos de rituais entre os ndios do
Nordeste: tor, ouricuri e prai. Esses rituais so bastante parecidos em sua essncia, tem a
mesma funcionalidade e mesmos objetivos, mas, no entanto conservam algumas
individualidades, at mesmo, por representarem etnias diferentes, como o caso do ouricuri,
que praticado, por exemplo, pelos Xucuru-Kariri e Kariri-Xoc. O prai, aluso aos
executores do ritual, praticado pela etnia Pankararu. J o tor, se popularizou em todo o
Nordeste, como uma dana e principalmente, como requesito essencial para o reconhecimento
por parte dos rgos indigenistas, como o SPI (Servio de Proteo ao ndio) rgo que atuou
nesse reconhecimento. Ocorreu assim, uma certa elevao do tor, seja consciente ou
inconscientemente, como ritual padro de todo o nordeste.
A grande difuso nordestina do tor , no quer dizer que ele se apresenta de formanica, pois, cada grupo estabeleceu um regime prprio de caractersticas, com mltiplos
sentidos (GRUNEVALD, 2005). Considerando, alm de outras coisas, a formao desse
ritual, pela hibridao de culturas e diversas manifestaes religiosas, como indgenas, afro-
brasileiras e caboclas (como o Catimb20). "O tor em si um termo pluri-semntico, j que
representa tradies das mais diferentes entre si (indgena, negra, rural, urbana, antiga,
moderna, e tantas outras) [...] (ALBUQUERQUE, 2011, p.202). Quando falamos em
hibridao, consideramos a formao desse termo, como um processo de interao entre asculturas, de fundio de suas estruturas ou prticas, que se reestruturam e formam novas,
atravs de processos de hibridao. Enfocando as combinaes identitrias, e no mais os
aspectos fisionmicos e cromtico da mestiagem, por exemplo. (CANCLINI, 2003).
Bastante usados, na tentativa de explicar esse processo de formao cultural.
O principal elemento-personagem cultural do complexo ritualstico dos povosindgenas do nordeste o tor. O tor uma performance esttico-poltico-religiosa
que aparece no quadro da antropologia brasileira dentro do campo da etnologia dospovos indgenas do nordeste brasileiro. (ALBUQUERQUE, 2011, p.201)
O Tor pela sua importncia e relevncia, carrega em sua essncia , todo um jogo de
performance, com um complexo de significados, levando em conta a ocasio e o pblico
presente. Tem caracterstica esttica (dana, pinturas corporais, vestimentas e adereos) por
embelezar o ritual, tornando interessante sua observncia. Poltico, por servir de divulgao
da cultura indgena, at mesmo como atrativo turstico (GRUNEWALD, 2005, p.29) ou
20 Catimb uma manifestao religiosa do Nordeste brasileiro, segundo Ribeiro (1992) , tor o mesmo quecatimbpor possuir as mesmas manifestaes, como fechamento de corpo, manipulao de ervas medicinais,transe, Pajelana, etc.
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para reivindicar algo, junto rgos oficiais, quando executados em pblico. E religioso por ser
um ritual que traz consigo toda uma crena, em torno de um sagrado, de um plano espiritual.
O tor, enquanto ritual religioso, caracteriza-se pelo transe medinico, neleocorrendo a possesso ou, se preferirmos usar categorias nativas kariri, enramarou manifestar. atravs dessa possesso que os encantos se manifestam. Acomunicao com os encantos, ou encantados, o objetivo do ritual.(NASCIMENTO, 2005, p.40)
O tor como performance religiosa carrega em si uma teia de significados (GEERTZ,
2008) mas que, os detentores dessa cultura, tentam a todo custo privar esses conhecimentos
para seus parentes, negando acesso para os demais, por isso, estudar a cultura indgena,
trabalhar com indcios21
, pistas, dessa cultura. Mas, basicamente, a crena desses povos,gira em torno do culto aos antepassados, ndios que ao morrerem, tornaram encantados.22 os
rituais, como o tor, justamente o momento em que busca-se o contato com esses
encantados, que atravs de um transe medinico, orienta esses povos, na busca de curas,
conselhos, trabalhos, etc. Segundo Geertz (2008) os smbolos sagrados no trazem apenas
valores positivos, mas tambm negativos, e as culturas, buscam meios de interpretar
problemas que venham a surgir, meios que torne possvel conviver com esses problemas,
buscam, combater o mal que venham a surgir, numa luta entre o bem e o mal. Essa a funo
dos encantados, proteger, guiar e ajudar, essas sociedades.
Esses rituais, no s o tor, exigem uma srie de regras e preparativos, para serem
realizados, entre elas, exige-se a participao somente de membros do grupo, com intuito de
preservar essa cultura, e uma preparao nos dias que antecedem o ritual. Essa preparao
consiste em jejum por vrios dias, abstinncia sexual e do lcool, essas so medidas para
evitar o enfraquecimento do corpo, que podem deixar o indivduo susceptveis a doenas,
males ou incorporaes de espritos (MOREIRA; PEIXOTO; SILVA, 2008, p.49). Antes de
iniciar os rituais, h preparao do terreiro, que consiste na defumao e borrifao de
alguma bebida no cho, objetivando atrair os encantados e afastar os maus espritos
(NASCIMENTO, 2005).
21 Sobre trabalhar com indcios, ver: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e Histria. 1reimpresso. So Paulo: Companhia das Letras, 1990.
22 No caso dos ndios Jiripank, acredita-se que esses encantados, so guias, protetores da aldeia e o culto a eles,representa o elemento principal da crena.
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Durante os rituais, h um alto consumo de fumo e de uma bebida a base de vrias
plantas, entre elas a Jurema23. A jurema uma planta de poderpor proporcionar acesso ao
mundo espiritual, atravs do qual curas (de diversas ordens) so realizadas em nveis
individuais e coletivos, bem como instrues de luzso tambm alcanadas para pessoas e
coletividades. 24 (GRUNEWALD, 2008, p. 17). Mostra assim o uso dessa planta entegeno
pelos indgenas nos rituais, inclusive de rituais de cura, por proporcionar o acesso ao sagrado.
Os ndios Jiripank, alm da jurema, ingerem uma bebida a base de rapadura 25 diluda em
gua, pela grande quantidade de glicose, torna-se uma fonte de energia necessria ao longos
perodos dos rituais.
Esses rituais, quando envolvem o uso de plantas enteognicas ou alucinognicas,
acessos ao mundo espiritual, transe e prticas de cura, inserem-se no que se chama depajelana ou se preferirmos um termo mais cientfico, xamanismo. Sua prtica rene uma
mistura heterogenia de rituais de vrias religies. Sendo encontrados ritos do candombl,
xang (muito ligeiramente), catimb, espiritismo, catolicismo e prticas de origem Indgena.
(RIBEIRO, 1992, p.6) Essa prtica gira entorno de um lder espiritual, o paj, que preside as
cerimnias religiosas, a pessoa responsvel pela mediao do transe no ritual. Com esse
processo de contato, realiza-se curas, rezas, aconselhamentos, defumaes e receitamentos.
No tor faz-se a procura do nome da molstia e a adivinhao mgica. Alm dadefumao, usa-se ervas, dentre elas, se destaca a jurema, em cujos poderes mgicosos sertanejos acreditam piamente. portanto, medicina mgica, onde seu executor o mestre presidente do tor. (RIBEIRO, 1992, p.7).
O tor fundamental para as prticas xamnicas e para a execuo dos rituais. A
dana, a defumao, a ingesto de bebidas e a crena, propiciam o contato com o
sobrenatural, e esse, por intermdio do xam ou paj, indica a causa de doenas, de
infortnios, ou at mesmo, pressgios26
. Essas prticas xams so conhecidas popularmentecomo mesa. Nos Kariri-Xoc27,
23 So muitas as plantas usadas nessa bebida, varia de etnia a etnia, a jurema a mais conhecida e difundida noNordeste. Existem trs tipos dessa planta: Mimosa nigra, Acacia hostilis e mimosa hostilis,(NASCIMENTO, 2005) todas com grandes propriedades psicoativas e curativas.
24 Grifos do autor.
25 Doce de origem Nordestina, fabricado a partir da fervura do caldo de cana, e em seguida, moldada e seca.(EMBRAPA, 2012).
26 So adivinhaes do futuro, avisos, podendo ser de coisas boas, como tambm ms.
27 ndios de Porto Real do Colgio, Alagoas.
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A mesa composta por uma esteira e alguns objetos: um crucifixo e doisrecipientes, um contendo um preparado base de jurema e uma cruz feita com fumoe alho pisado e embebido em cachaa. Esse ltimo recipiente colocado geralmentepara mesa-de-branco, pois ele tem a funo de atrair o esprito que est causandoproblema. A mesa no tem tempo determinado. Dependendo do problema, pode se
estender por vrias horas, at que o que esteja ocasionando o infortnio no pacienteseja extirpado. O mestre de mesa pessoa de grande habilidade. Quando oproblema esta sendo ocasionado por um esprito, ele tem que saber negociar paraafast-lo. (SILVA, C.,2003, p.75).
Muitos no-ndios, chegam a procurar esses xams para livrar-se de infortnios, e para
esses, que no participam da crena usufruir desse ritual, so usados artifcios diferenciados
de preparo, tudo para que o ritual ocorra de forma esperada. Percebe-se que o objetivo desse
ritual, apresenta-se em trs fazes, primeira o diagnstico, para tentar saber a causa, para
empenhar-se no melhor mtodo. A segunda, o tratamento, que consiste no mtodo a serusado, apontado pelo encantado ou pelo xam, geralmente ocorrem rezas, toques e sopros
no corpo do paciente (SILVA, C., 2003, p.60), alm de chs, garrafadas, banhos, etc. E o
terceiro a cura do paciente, esse o objetivo central do ritual, que consiste em devolver para
a sociedade, o individuo livre dos infortnios que o incomodava.
O tor Jiripank est inserido no mesmo contexto e caractersticas citadas. Acrescento
o tor como dana, usado principalmente nos fins dos rituais, como forma de comemorao
do objetivo alcanado, enquanto o ritual restrito aos xams e praias, o tor a parte onde acomunidade participa tor como brincadeira onde a comunidade dana, no terreiro, com os
encantados e prais como forma de agradecimento (ALBUQUERQUE, 2011).
O tor difundiu-se em todo o Nordeste, mas, adotando em cada regio ou em cada
etnia, caractersticas prprias, resignificadas pelo contexto histrico-cultural de cada um,
assim, essas caractersticas apontadas, tornam-se uma pequena introduo desse tema, to
imenso, importante e rico para a cultura nordestina. Existem muitas outras caractersticas,
mtodos de execues, significncias e usos nos rituais do nordeste, mas, daremos nfase aosrituais Jiripank, nosso objetivo principal.
2.3 Os Rituais Jiripank: os encantados, os prais e o terreiro.
Os ndios Jiripank, como todos os povos do serto alagoano, descendentes Pankararu,
partilham dos mesmos rituais e mesmas crenas, em torno dos encantados, dos prais e do
tor.
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O culto aos encantados a pea fundamental da crena desse povo, Acredita-se que os
antepassados encantaram-se e vivem na natureza em um plano espiritual, representam uma
ligao de Deus com o plano terreno, habitam um local tido como sagrado, que a Cachoeira
de Itaparica no Estado da Bahia. Hoje, esses espritos, tidos como encantados atuam nas
aldeias, como protetores dos seus descendentes.
O prai, imagem 13 e 14, tido como um sacerdote com o dom de incorporar osespritos dos antepassados e a figura central no ritual. Sua vestimenta composta por:
Tun, mscara que encobre toda a cabea, e que recai sobre os ombros; saiote, parte presa na
cintura esses dois, confeccionados da palha de caro ; rodela de plumas, encima da
cabea fixado no tun; penacho, enfeite de plumas de peru; tnica ou cinta,pano enfeitado
que recai sobre as costas; e os instrumentos musicais: marac, o bordo de compasso e a
gaita de marcao (PINTO apud ALBUQUERQUE, 2011, p. 134-5). Para vestir essa
vestimenta, ser um prai, necessrio haver uma determinao dos encantados, eles so quemdeterminam o escolhido, ordenam a confeco da vestimenta e esse encantado que
Imagem 13: Prai executandoperformance,durante ritual noturno na aldeia Jiripank.Nota-se todo o conjunto de apetrechos queforma sua vestimenta. Foto: Adelson Lopes.
Imagem 14: Prais executando performance,durante apresentaes na aldeia Jiripank. Nota-sea presena de pequenos prais, iniciantes nessemundo. Foto: Adelson Lopes.
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incorporar nesse prai. Os prais so um tipo de sociedade religiosa secreta, onde sua
vestimenta esconde a identidade de quem a usa e apenas os homens detm os segredos
ritualsticos. So iniciados geralmente aos doze anos, dependendo da vontade do encantado,
que determina o levantar de prai que consiste na reunio de um grupo para fabricar a roupa
e iniciar o garoto nos segredos do ritual.
O terreiro, o local sagrado que ocorre a materializao dessa crena, tido como um
local essencial para os rituais, fora desse espao at pode ocorrer a dana dos prais, - como
ocorre em vrios eventos pblicos, nas casas de pessoas ou em cidades, como em So Paulo28
- mas o ritual em si, que realiza-se curas, trabalhos, etc. s ocorrem no terreiro da aldeia.
nesse espao que os encantados se comunicam com o plano terreno, intermediados do prai.
No territrio Jiripank, existe vrios terreiros, os principais so os da comunidade Ouricuri,um estando mais prximo da aldeia tido como o principal e o outro mais afastado. Os
outros encontra-se espalhados nas demais povoaes que formam o territrio Jiripank,
alguns fundados antes do reconhecimento oficial, e outros que vo se formando na
contemporaneidade. Cada terreiro tem um dono, sua construo depende de sua vontade,
tornando esse, o dono desse espao e sendo o ente principal referenciado nesse espao.
Imagem 15: Terreiro. Ao fundo, o Por, casa dos Prais. Foto: nderson Barbosa.
28 Em busca de melhores condies de vida, muitos ndios Pankararu partiram de Pernambuco e foram tentar avida em So Paulo, partilhando do mesmo movimento de ressurgncia do serto de Alagoas, atualmente,
formaram uma associao de moradores e esto implantando nessa cidade, suas crenas, realizando a danados prais, segundo Albuquerque (2011), hoje, somam mais de 2000 ndios nessa cidade, mas que, pelaimpossibilidade de abrir um terreiro em meio a cidade, a prtica de rituais, como pagamento de promessas,por exemplo, so realizados em Pernambuco, no terreiro Pankararu.
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Imagem 16: Terreiro prximo do cruzeiro. Foto: nderson Barbosa.
Em volta do terreiro principal, imagem 15, existem duas construes, o por, que a
casa dos Prais, local onde ficam guardadas as vestimentas e durante o rituais, usado pelos
prais para se vestirem e se preparem para entrar no terreiro. Nesse local, no permitida a
entrada de mulheres, nem estranhos cultura, deixando uma aura de mistrio sobre o que
ocorre l dentro. E a outra, uma espcie de cozinha, local onde se prepara o almoo servido
nos rituais, l no possui moblia, apenas foges de lenha que no so suficientes para a
quantidade de alimentos a serem preparados, por isso, vrios fogareiros so improvisados compedras fora dessa construo.
Imagem 17: Por do terreiro Jiripank. Foto: Adelson Lopes.Imagem 18: Local onde preparado o almoo, nos rituais. Foto: nderson Barbosa.
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Na imagem 17, nota-se crianas na entrada do por, no momento em que os prais
encontram-se almoado. Na imagem 18, os prais, vindos do terreiro, se encaminham para
receber a alimentao.
No segundo terreiro, visto na Imagem 16, no h construes, apenas a vista da aldeia,
do cruzeiro e da natureza. Enquanto o primeiro, usado mais para apresentaes noturnas
por ter iluminaoe para apresentaes para a sociedade, o segundo pela proximidade da
natureza, usado nos demais rituais.
Por meio desses rituais, proporcionados pelo culto aos encantados e dana dos prais,
as pessoas tambm realizam preces, pagam promessas e comemoram graas alcanadas. Essa
crena, esta diretamente ligada a sade e a espiritualidade, crendo que, por intermdio dos
encantados alcana-se a cura de infortnios, etc. como j foi citado. O ato da promessa uma prtica recorrente e bastante difundida no nordeste, esta ligada a um tipo de dvida que
uma pessoa adquire com algum encantado, no caso dos ndios, pela realizao de algum
pedido, geralmente, ligado a cura, desejo material, sade, etc. O ritual a forma de
agradecimento dessas graas alcanadas e so realizados a pedido dessas pessoas. Quando o
pagamento da promessa envolve uma festa de agradecimento, toda a comunidade participa,
ajudando a pessoa agraciada na preparao e execuo desse agradecimento. At mesmo,
ocorre a participao de outras comunidades, que so convidadas a prestigiar (AMORIM,2010).
O tipo de pagamento depende da promessa do pedinte, mais geralmente, dura o dia
inteiro; executa-se o tor pelos prais; h a distribuio de comida para os encantados, prais,
populao e convidados; e em outro perodo, h o oferecimento de oferendas ao encantado,
cedente da graa alcanada.
Entre os Pankararu, Albuquerque (2011) cita dois rituais, referentes a pagamento de
promessas, a Cerimnia das Trs Rodas e o Menino do Rancho. Esses dois so realizadoscomo forma de agradecimento pela cura de crianas, pelos encantados. O ritual Menino do
Rancho, veremos no prximo captulo, j o de trs Rodas, envolve a participao dos prais,
do menino agraciado, da famlia desse menino, e dos convidados, o ritual inicia-se com
toantes29 e dana dos praias, cuja performance realiza-se em forma de trs rodas. E so
repetidas as toantes a cada trs vezes, da o nome dado. Depois servido o almoo, logo aps,
os prais entram no terreiro com a criana carregada no colo, sendo o prai dono da
29 Toantes so os cantos, que embalam o tor e os rituais.
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criana30 que a carrega. No centro do terreiro, essa criana abenoada e benzida, por todos
os prais, depois todos juntos, inclusive a populao, participa danando o tor.
O pagamento da promessa fecha um crculo de dar, receber e retribuir. Uma vezfeito o pedido e alcanada a graa, este momento, normalmente, vem repleto designificados, um deles o de divulgar, pr em circulao a graa ou o benefciosalcanados atravs do milagre e de seu benfeitor. (AMORIM, 2010, p.262).
Essas promessas servem de divulgao, unificao e status para a comunidade, um
pedido individual, mas que, no executar da retribuio da graa alcanada, torna-se um bem
para a coletividade, envolve-se nesse processo. Assim, essas promessas fortalecem o
indivduo pedinte, seu grupo e a comunidade em geral, envolvem todos no processo, desde
busca de doaes, ajuda na preparao, na divulgao ou como plateia no dia do ritual. Todos
participam.
No s as promessas, mas todo o conjunto de prticas culturais e religiosas que
formam essa cultura, fortalecem o indivduo e o grupo, entorno de uma crena, de um bem
comum, que a preservao da cultura brasileira. atravs desse fortalecimento, que um
grupo busca preservar sua cultura e sua religio para os grupos futuros.
30 A famlia pede pela cura do garoto a um encantado, o prai que incorpora esse encantado, tido como o dono
dessa criana, assim, torna-se o mediador do ritual de agradecimento.
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3 CAPTULO
RITUAL MENINO DO RANCHO, RITUAL FUNERRIO E FESTA DO UMBU
Imagem 19: Prais praticando ritual, durante Festa do Umbu. Foto: nderson Barbosa.
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So muitos os rituais repassados pelo tronco Pankararu e praticados pelos Jiripank,
mais nesse trabalho, optamos por esses trs rituais, que esto diretamente ligados a histria, a
resistncia, a crena e a cultura desse povo.
3.1 Menino do Rancho
Esse ritual esta inserido, nos rituais de
pagamento de promessas, essencialmente, no que se
refere a doenas em crianas, que correm risco demorte. Esse ritual forma-se numa trade entre cura,
pagamento de promessa e iniciao. Criana que
sofre algum tipo de doena muito grave, correndo
srio risco de morte, seus pais, para tentar salv-la,
prometem lhe entregar aos deuses protetores da
aldeia, caso eles curem essa criana. Esse ato de
entregar a criana a forma de agradecimento dafamlia, ocorrendo durante um ritual, conhecido
como menino do rancho. Alm de ser um ritual de
cura, esse marca um estgio de passagem da vida do
ndio enquanto criana para um estgio de adultez e
maturidade31, onde iniciado nos segredos da crena,
para que futuramente seja um detentor do
conhecimento e um prai.
Esse ritual de iniciao acontece no terreiro sagrado da aldeia, onde construdo um
rancho de palha usado pelo menino durante o ritual. Como apresentado na imagem acima,
esse menino usa uma vestimenta vermelha com detalhes em branco, tem s vezes seu corpo
pintado com um barro branco chamado de tau, colocam-lhe na cabea uma espcie de
chapu confeccionado com palha e passam-lhe a tiracolo um rolo de fumo. O fumo tem
imensa importncia nos cerimoniais em geral, pois acreditam que tem o poder de afastar os
maus espritos, alm de servir para rezas e benzeduras (PEIXOTO, 2011)
31 Sobre a passagem da vida para uma adultez, ver (MULLER, 2009).
Imagem 20:Menino do Rancho. Foto:Zalitia Santos (2012).
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No para toda doena que se indica colocar a criana no rancho, inicialmente ela
levada ao paj ou xam, que a examina, realiza benzedura e/ou indica algum remdio.
Segundo Elias, paj da aldeia:
[...] aquele menino s vezes fica muito doente, com dor, ou com alguma deficincia,a coloca ele na mesa de trabalho, ai aquele encantado vai trabalhar por aquelemenino, a ele vai e pede aquele menino pro rancho o encantado quem pedeaia me do menino para ver sua sade, vai e dar o menino, leva o menino l. [...] Aele fica sustentando o menino [o encantado], at que a me coloque o menino norancho.32
O encantado por intermdio do paj, indica a o remdio para a molstia, mas em alguns
casos extremos, quando a causa esta ligada a um mundo espiritual ou sobrenatural, indicado
para a famlia colocar a criana no ritual, para que os encantados curem-na.33
Assim, atendendo esse conselho, os pais da criana, em contato com o sagrado, pedem a
algum encantado que cure seu filho, para que em troca, eles realizem o ritual. E quando ocorre
a cura, a famlia mobiliza-se para, havendo condies e dinheiro, pagarem a promessa feita.
Geralmente esse ritual ocorre em algum fim de semana, iniciando-se na noite do sbado
at o domingo ao sol se pondo, mas que, como todos os rituais, h nos dias que antecedem,
principalmente no sbado, uma grande mobilizao para preparar o ritual, com a preparao
do terreiro, a construo do rancho34, convites populao para assistir e preparo dos
alimentos. No domingo do ritual, dia em que fomos convidados a assisti-lo35, nota-se que
chegamos aps um momento de pausa para descanso, j que segundo relatos, passaram a noite
toda danado o tor. Mas, logo retomado com a entrada dos prais no terreiro, guiados pelo
prai dono da criana, ou seja, o que a curou. Realiza-se uma alternncia de tors, uma vez
s os prias, e na outra, dos prais com e familiares do menino, enquanto o menino e as
32 Entrevista concedida em 02 de dezembro de 2012. Grifos do autor.
33 Silva, C. (2003) em estudo junto dos Kariri- xoc, classifica a noo de doena em dois tipos, doenas decima para baixo e doenas de baixo para cima, a primeira so doenas naturais, de causa normais comogripes, resfriados, etc. doenas consentidas por deus, que agem sobre a matria e que podem ser tratadas porespecialistas indgenas, por biomedicina ou por mdicos. A segunda relacionada por causas msticas esobrenaturais, podendo ser relacionadas a foras negativas, atingem principalmente o esprito da pessoa,havendo a necessidade da prtica ritualstica, para ser combatida. So exemplos, a feitiaria, possees, etc.
34 Pequeno rancho, confeccionado no terreiro,com galhos de rvore e palha de coqueiro ouricuri , simbolizandoas moradias de seus ancestrais e local da entrega do menino.
35 Ritual no dia 02 de dezembro de 2012, ocorrido no povoado Pianc, um dos povoados que formam oterritrio Jiripank. O menino do ritual chamava-se Joelson, filho de Jailson e Carmelita, moradores dopovoado Serra do Engenho, segundo relatos de seu Jailson, a localidade escolhida para realizao do ritualfoi pela falta de terreiro em sua localidade.
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madrinhas permanecem dentro da residncia36. At que, no ultimo tor, as madrinhas (usando
enfeites de fitas coloridas nos cabelos), os padrinhos (no paramentados, apenas pintados com
o tau-branco argila branca) e o menino participam juntos aos praas, como se estivessem
chamando os encantados para participar, imagem 21 e 22. E j na ltima volta, o puxador
lidera o grupo executando uma performace que forma uma cruz no terreiro, simbolizando o
fechamento desse terreiro, imagem 23 e 24.
Esse fechamento de extrema importncia em todos os rituais, caso no ocorra de
forma certa e com toantes certas, o terreiro fica aberto, estando suscetvel a ocupao por
foras de esquerda ou negativa, que causam coisas nefastas para a aldeia (AMORIM, 2010).
Imagem 21: Momento em que o menino e as madrinhas comeam a participar. Foto: Zalitia Santos.Imagem 22: todos danando o tor, circulando entorno do terreiro. Foto: nderson Barbosa.
36 Os dois terreiros que foram usados nesse ritual, possuem uma caracterstica que difere dos terreiros principaisda aldeia, seus espao fsicos se formam em frente de uma residncia, o que no inferem menor importncia,pois, todos esses, so possuidores de um dono sagrado.
Imagem 23: Momento em que fecham o terreiro em forma decruz para sequencialmente encaminharem-se para outroterreiro, onde ser dado continuidade ao ritual. Foto: ndersonBarbosa.
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No segundo terreiro37, na mesma localidade, os prais abrem esse terreiro e se
recolhem no por improvisado embaixo de uma rvore, imagem 25. Na hora do almoo, osprais entram no terreiro para buscar o almoo que oferecerem aos encantados, em seguida,
voltam para o por, l permanecendo at a continuao do ritual. Enquanto isso, a populao
da regio e convidados, vo chegando em camionetes, motos ou andando a p, para prestigiar
o momento das corridas, imagem 26. Esse dia marca um momento de lazer para a populao,
que alm de partilhar da cultura, se divertem assistindo o ritual.
Imagem 25: Por improvisado. Foto: Zalitia Santos.Imagem 26: Comunidade chegando para assistir o ritual. Foto nderson Barbosa.
37 Segundo relato de Ccero, liderana jovem dos Jiripank, no primeiro terreiro buscam-se as madrinhas domenino, que no podem esta no mesmo terreiro onde ocorre o ritual.
Poente
Nascente
Residncia do lado do terreiro.Entrada do terreiro, local ondefica o puxador.Movimento dos artici antes.
Imagem 24: Esquema representando o movimento dos prais fechando o terreiro. nderson Barbosa.
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A cerimnia reiniciada quando um prai entoa um som com sua flauta convocando
todos os outros prais para o terreiro38. Os padrinhos, o menino e seu dono renem-se na
casa do lado do terreiro para combinarem entre si, as estratgias para o ritual, imagem 27. Em
seguida esses entram no terreiro, imagem 28. Juntos com os prais comeam a executar a
performance ritualstica caracterstica (tor, toantes e contato com o sagrado), sendo o
menino, o seu dono, um padrinho e suas trs madrinhas unidos, um segurando o brao do
outro - puxando o ritual, imagem 29. Os padrinhos e os prais acompanham-os, encenando
uma disputa pela criana, onde os padrinhos protegendo e os prais, tentando rapt-la. Inicia-
se uma espcie de disputa pela posse da criana, onde os padrinhos tentam segurar os prais
como se fosse uma partida de futebol, onde os zagueiros marcam os atacantes que buscam a
bola para fazer o gol. Em um momento sbito, o prai dono do menino e os padrinhoscorrem para proteger a criana, e os prais para tentar rapt-la, na redondeza do terreiro, em
meio pedras e tocos, que dificultam a locomoo, imagens 30, 31, 32, 33.
Imagem 27: Padrinhos entrando na casa do lado do terreiro. Foto: nderson Barbosa.Imagem 28: Padrinhos entrando no terreiro, aps terem sado da casa. No detalhe, ranchoconstrudo no terreiro. Foto: Adelson Lopes.Imagem 29:Menino com o seu dono, um dos padrinhos e as madrinhas unidos, um segurando obrao do outro, puxando o ritual. Foto: nderson Barbosa.
38 Esse convocao com uma flauta, lembra e possuem o mesmo sentido do som de corneta que ocorre nosregimentos militares nacionais, convocando os soldados.
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Imagem 30, 31, 32 e 33: Prais e Padrinhos disputando o menino, onde os padrinhos evitam que a crianaseja capturada pelos prais.
Imagem 34 e 35: Pblico protegendo-se nas rvores, na tentativa de no serem atropelados nas corridas.
O pblico, Imagem 34 e 35, vibra e ao mesmo tempo tenta se proteger, para no ser
atropelado pelos participantes, que partem correndo em grande velocidade para tentar
alcanar o menino. Antes de iniciar as corridas, percebe-se uma grande preocupao dos
presentes, principalmente com as crianas, para que no sofram acidentes no momento das
corridas. Esse momento ocorre em trs tentativas em que os prais tentam pegar o menino,
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que protegido pelos seus padrinhos e por seu dono. Cada corrida ocorre para lados
distintos, marcadas por muita poeira, quedas e alguns machuces. Mas a parte mais
esperada, o que se percebe pela grande animao do pblico nesse momento, uma juno de
ansiedade, apreenso, medo, f e alegria, que marca um dia de lazer para a populao.
A seguir, algumas fotos dessas corridas, retiradas de vdeos gravados por nderson
Barbosa e Adelson Lopes, durante o ritual.
1 Corrida
Imagem 36 e 37 : Todos correndo em direo ao menino. Nota-se a vibrao do pblico e os padrinhostentando impedir os prais.Imagem 38:Momento que o menino trazido de volta para o terreiro por seu dono, j que os priasno conseguiram peg-lo.
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2 Corrida
Imagem 39: Momento em que os padrinhos correm para proteger o menino dos prais.Imagem 40: Ao fundo, padrinho segurando um prai cado no cho.Imagem 41 e 42: Menino trazido de volta para o terreiro pela segunda vez.
3 Corrida
Imagem 43: Participantes preparando-se para iniciar a terceira corrida.Imagem 44: Menino correndo com seus padrinhos.
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Imagem 45: Momento em que prais e padrinhos se chocam e caem no cho.Imagem 46: Menino voltan
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