A REVELAÇÃODAS ESTRELAS
Os cientistas estão cada vez mais próximos das estre-las. A cada regresso, trazem quase sempre uma novi-dade sobre a origem, a composição ou a evolução des-tes corpos celestes que povoam o nosso imaginárioromântico e que a ciência mostrou estarem na origemda vida - afinal, não somos mais do que poeira das es-trelas! Também os investigadores portugueses partici-pam nas «viagens» espaciais ao encontro dos momen-tos iniciais da formação estelar. Jorge Filipe Gameírocoordenador de uma equipa do centro de Astrofísicada universidade do Porto, guiou-nos até esse meio tur-bulento de ventos, jactos e grandes convulsões mos-trando-nos os avanços no connecimento de um mun-do ainda de difícil acesso.
Osantigos acre-
ditavam que as
estrelas esta-vam presas ao
céu e houveaté quem teo-rizasse sobreuns globos de
vidro em redor da Terra ondeelas se fixavam. Dos mitos c te-ses estapafúrdias ao saber ac-tual vai tal vezumacurta distân-
cia no tempo mas, sem dúvida,uni longo e persistente cami-nho de estudo e observação, quetem evoluído graças a uma su-cessão de telescópios e instru-mentos de detecção cada vezmais sofisticados e de maior al-
cance. Hoje em dia, cientistasde todo o mundo estão a des-vendar mistérios estelares bem
guardados pela matéria cósmi-
ca que ainda há uma década
ninguém imaginaria conseguir.Os portugueses também estão
no encalço e dão cartas na expli-cação da formação inicial das es-
trelas, uma das áreas da astrofísi-
ca mais produtivas na actualida-de e na qual o Centro deAstrofísica da Universidade doPorto (CAUP) investe fortemen-te. Vários artigos publicados emrevistas científicas internacio-nais têm contribuído para o co-nhecimento do período crucialde gestação das estrelas, o mais
inacessível à curiosidade huma-
na, segundo Jorge Filipe Gamei-ro, coordenador do último pro-jecto, intitulado «Astrofísica es-
telar: formação e evoluçãoinicial», desenvolvido por umavasta equipa de investigado-res oriundos da índia. Itália, Pe-
ru, Irão, Grécia e Brasil, além de
Portugal e da qual faz parte Te-resa Lago, fundadora do CAUP.
O grande objectivo deste gru-po c perceber como é que o Sol
atingiu a fase «estável» em quese encontra, a chamada «se-quência principal», na termino-
logia científica. Para isso, os in-
vestigadores abeiram-se de es-
trelas com massas semelhantesà nossa, mas ainda numa fase
inicial de formação, para tentaracompanhar a sua gestação.Perceber o momento estelarque mais atenções atrai e maisdúvidas levanta à comunidadecientífica obriga a enquadrá-lonum pouco de história, a histó-
ria do princípio de tudo.
BigßangJá se sabe, o Big Bang marcou o
passo da criação do universo há
cerca de 13,7 mil milhões de
anos ao criar, trezentos mil anos
depois, os primeiros átomos.Seguiu-se a «idade das trevascósmica», trezentos milhões de
anos em que nada aconteceu noamontoado de gases (hidrogé-nio, hélio e algum lítio) e maté-ria escura. Mas algo estava paraacontecer. A matéria resultantedo Big Bang não se distribuírauniformemente, havia regiõescom maiores concentrações de
matéria. Seriam elas o berçodasestrelas e das galáxias. Simula-
ções tridimensionais publica-
das no ano passado na revistaScience por uma equipa de in-
vestigadores do Japão e dos
EUA mostraram que por acçãoda gravidade o gás se conden-sou em nuvens de maior densi-dade. Com o arrefecimento e as
emissões de radiação, os nú-cleos dessas nuvens tornaram-se o berço das futuras galáxias.No caso da Via Láctea, uma es-
piral achatada em rotação.A simulação, que veio confir-
mar resultados de pesquisasanteriores, parou pouco antesde as estrelas se formarem,
mas os cientistas sabem maissobre a história desses mo-mentos iniciais. Por exemplo,os primeiros corpos estelares
eram enormes, com massas atémil vezes a massa do Sol, mas
tiveram vida curta, cerca de
um milhão de anos, ou seja, dezmil vezes menos do que umaestrela como a nossa. Culmina-ram em mortes explosivas,abrindo o caminho para o uni-verso tal como hoje o conhece-
mos. Essas supernovas (explo-sões de estrelas gigantes) cria-ram os primeiros elementos
químicos mais pesados como o
oxigénio, o carbono, o ferro, o
nitrogénio, ete, material queesteve na génese de outras es-
trelas, dos planetas e dos seres
vivos. Cada um de nós não é
mais do que o resultado da
poeira de estrelas mortas.
A melo caminhoÉ, então, ponto assente que as
estrelas se formam a partir de
grandes nuvens moleculares
que correspondem a grandescondensações de gás e poeirapresentes nas galáxias. Falta à
ciência conhecer com exacti-dão todo o percurso de forma-
ção, da génese até à idade ma-dura (sequência principal), umperíodo de alguns milhões de
anos durante o qual o núcleo da
nuvem se contrai por força da
acção gravitacional aumentando a temperatura. Quando a
pressão do gás no interior da
nuvem não consegue compen-sar a gravidade, dá-se um co-
lapso gravitacional. Nesse mo-mento nasce uma estrela! Ou
melhor, uma candidata a estre-
la, de nome proto-estrela.Acontece que é durante este
processo que se cria também umdisco de gás e poeiras em tornodo núcleo em contracção, que só
desaparece quando a estrela atin-
ge a idade adulta por acção da sua
radiação, da emissão de jactos e
de ventos estelares muito fortes.
Sob esta cortina opaca, os acon-tecimentos ocorridos no interiordeste disco (chamado disco de
acreção) permaneceram inaces-
síveis aos instrumentos de obser-
vação terrestre. Só na última dé-
cada, telescópios maiores, detec-
tores mais sensíveis e missões
espaciais a operar desde a bandarádio até aos raios X permitiramultrapassar um pouco a densa ne-bulosidade e perscrutar a intimi-dade dos primeiros tempos da vi-da da estrela.
Uma das grandes questões da
astrofísica diziarespeito àimpor-tância do disco na criação e de-senvolvimento da proto-estrela.Nos anos oitenta, conta Jorge Fi-
lipe Gameiro, muitos investiga-dores duvidavam da existência e
importância dos discos. «Pensa-
va-se que, a existirem, seriam
apenas discos passivos que emiti-riam preferencialmente na re-
gião do infravermelho, não sen-do importante asua contribuiçãonoutras regiões do espectro elec-
tromagnético. Aquilo que víamos
seria o brilho da proto-estrelamais o brilho do disco, com o pri-meiroadominar.» Presentemen-
te, porém, imagens fabulosas do
Hubble não só forneceram a pri-meira evidência directa da exis-
tência dos discos, como confir-maram a relevância da interac-
ção entre o disco e a estrela, da
qual resulta imensa energia.Aliás, sublinha o investigador, to-da a evolução e actividade da fu-
tura estrela adulta depende desta
relação, bem como dos vários fe-
nómenos que desencadeia, no-meadamente jactos e ventos,através dos quais a estrela perdemassa. Vários investigadores do
CAUP, integrados numa rede in-ternacional, dedicam-se especi-ficamente ao estudo da origem e
actividade destes dois fenóme-nos através da observação e mo-
delação numérica. «Precisamos
de ir ao interior do sistema estre-
la/disco e observar aquela zonacrucial que está entre o disco e a
estrela, para melhorar os mode-los existentes», explicita JorgeFilipe Gameiro.
ContributosportuguesesNo âmbito do projecto coorde-nado por este investigador foi
possível mostrar que a turbulên-cia no interior de uma nuvem
pode ser muito importante na
definição da sua estrutura e dis-
tribuição de proto-estrelas. Ainstabilidade necessária paraa nuvem contrair, colapsar e
gerar a proto-estrela pode,
por sua vez, ser provocadapor factores externos, como
por exemploo rebentamento
por perto de uma supernova.Esta descoberta valeu um ar-
tigo na revista científica
Monthly Notices ofthe RoyalAstronomical Socíety, em2008.
Outro contributo significa-tivo do Centro de Astrofísica
do Porto, que em breve será
anunciado à comunidadecientífica internacional atra-vés da re vista AstronomyàAs-
trophysics, está associado às
propriedades observadas dos
enxames de estrelas de gran-de e de pequena massa. Neste
trabalho demonstra-se que a
formação das estrelas de
grande e de pequena massa é
semelhante. Dada a granderapidez com que se formam,
pensava-se que as estrelas
maciças nãochegavam acriaro disco característico dos cor-
pos de pequena massa como
o Sol. Numa observação atra-vés do satélite Spitzer, lança-do há cerca de cinco anos, o
FICHA TÉCNICA DO PROJECTO
>Pesqulsa:Astrofísica Estelar.
FormaçSoe
evolução inicial.
> Área científica:
Ciências da Terra e
do Espaço -Astronomia e
Astrofísica
>lnstltulçio: Centro
de Astrofísica da
universidade do
Porto (CAUP)
>Flnanclamento FCT:
sessenta mil euros.
>Equipa: Doutorados:
Jorge Filipe Gameiro
Ccoordenador do
projecto). Paulo
Garcia, Maria Teresa
Lago, João Miguel
da Silva Ferreira,
Amadeu Fernandes.
Daniel Foina. João
uma, António
Manuel da Silva
Pedrosa.M S
Nanda Kumar.
Giancano pace.
Jorge Melendez
Moreno, Ana
Cristina Armond,
Mano João
Monteiro, Alexandre
AiDên Alunos de
doutoramento:
Joana Ascenso
(terminou em Julho
2008),Despina
Panoglou (terminou
em Janeiro 2009).
Jorge Grave
(terminou em
Fevereiro 2009),Rui Azevedo
(suDmeteutese
para defesa), Bruno
Frexesda Silva.
Samira RajaDi.
Pedro Monteiro
Almeida, Nuno
Coelho Gomes.
investigador Nanda Kumar e ou-tros membros da equipa desco-briram que, afinal, o tipo de for-
mação é muito semelhante. «A
lição a tirar é a de que o processode formação parece ser univer-sal», conclui o coordenador, con-siderando que o artigo irá contri-buir parao maior conhecimentodos corpos de grande massa, ain-da pouco estudados.
Finalmente, uma pesquisainternacional coordenada porNuno Santos - investigador do
CAUP, conhecido por ter des-coberto vários planetas extra-solares - permitiu contrariaroutra ideia feita, desta vez acer-ca da metalicidade das estrelas.Pensava-se que as mais jovenscontinham mais metais do queas mais velhas, pela dedução ló-
gica de que teriam beneficiadodos metais libertados na mortedas primeiras gerações de es-trelas. Ora, as observações deseis regiões de formação este-lar próximas surpreenderamos investigadores ao mostra-rem que não havia grandes di-
ferenças na metalicidade entreas estrelas jovens e a do Sol.
«Este estudo é importante nocontexto da evolução químicada nossa galáxia e na origemdas estrelas ricas em metais na
vizinhança do nosso Sol», sin-tetiza Jorge Filipe Gameiro.
Um aspecto comum a todasas perguntas colocadas pela co-munidade científica sobre aori-gem das estrelas é que as res-postas dependem cada vez maisda evolução tecnológica quepermita ultrapassar o «envelo-
pe» de gás que ainda esconde a
proto-estrela. Coisa que deveráconcretizar-se, na opinião doastrofísico do CAUP, nos próxi-mos dois a cinco anos. Será, en-tão, possível «ver» aquilo que os
cientistas hoje sabem essencial-
mente por via dos modelos ma-temáticos. Por exemplo: que a
proto-estrela começa por terum por cento da massa final;que o material continua a cairem direcção ao centro, acumu-lando-se nas regiões mais ex-ternas; que o brilho do sistemanesta fase c provocado pelacontracção gravitacional, aque-cendo o núcleo da proto-estrelae a interacção com meio envol-vente. Alguns milhões de anos
depois, a temperatura no nú-cleo é suficientemente elevada
para desencadear no seu centro
reacções de fusão termonu-clear, pondo fim à queda de ma-téria. A proto-estrela atinge o
estatuto de estrela. A partir da-
qui a sua massaja não se altera.Indiferente a todas estas mo-
vimentações terrestres, o Sol, noalto dos seus 4,5 mil milhões de
anos, vive tranquilamente a ida-de madura, que irá perdurar pormais 4,5 mil milhões de anos, até
que também ele se extinga paradar lugar a outras estrelas. Um ci-clo sem fim, alimentado a hidro-
génio, o elemento mais abun-dante do universo.
~^Tão é ainda frequente no-IAI panorama científico por-tuguês, mas no Centro de As-trofísica da Universidade doPorto (CAUP) a divulgaçãocientífica integra o quotidianodos investigadores. Uma práti-ca inaugurada pela astrónomaTeresa Lago, fundadora e pri-meira directora do centro. Ho-
je em dia faz parte da rotina do
Centro ver chegar à Rua das Es-
trelas, no Campo Alegre, deze-nas de estudantes do básico oudo secundário, mas tambémmuitos adultos, para assistiremàs sessões do planetário. Ou pa-ra observar o céu com telescó-
pios disponibilizados pelo Nú-cleo de Divulgação do CAUPtodas as segundas e quintas-feiras de cada mês, à noite.
Não raras vezes também, os
investigadores são convidados a
deslocar-se às salas de aula parafalarem do sistema solar, das ga-láxias, da cosmologia e dos bura-cos negros... Os jovens sentem-se atraídos pelo espaço. São cu-riosos e fazem perguntas, porvezes tão para além das matériascurriculares que os professoresficam sem resposta, conta JorgeFilipe Gameiro. Os investigado-res do Núcleo de Divulgação es-
tão obviamente capacitados pa-ra dar uma ajuda. E quando se as-sinala o Ano Internacional daAstronomia, as iniciativas de di-
vulgação científica multiplicam-se, dentro e fora do CAUP (infor-mações em www. astro.up.pt).
No entanto, a investigação queas equipas do centro desenvol-
NA ROTA DA RUADAS ESTRELAS
Região de formação estelar observada na bandado óptico e inf ra-vermeino próximo. A imagem do
centro mostra que o melo é opaco á radiação visível,mas noutras bandas Cf oto da esquerda) consegue-seentrar no Interior da nuvem. Ã direita, estrelajovemcom cerca de 0.5 milhões de anos.
vem não é aquela que é divulgadanestas iniciativas. Seria muito di-fícil tornar acessíveis ao públicoas matérias que os investigadorestrabalham todos os dias. Essas es-
tão reservadas em regra às revis-
tas e aos congressos científicos. Éaí que os resultados das pesquisassão debatidos e validados pelospares. Daí que a divulgação se fi-
que muitas vezes pelo entreabrirdas portas do espaço, o que não é
pouco, diga-se, quando se trata de
enquadrar a Terra e os seres vivos
no universo infindável das galá-xias, dos planetas, das estrelas.Por exemplo, Jorge Filipe Ga-meiro tem já uma palestra agen-
dada numa escola, no âmbitodo Ano Internacional da As-
tronomia, sobre a «impressãodigital das estrelas», onde ex-
plicará como é possível sabertanto sobre estes corpos celes-
tes, como por exemplo a suavelocidade de mutação, a tem-
peratura, ou o diâmetro quan-do é impossível ir até eles fa-
zer medições.Mas o Núcleo de Divulga-
ção pretende ir mais longe e
está a ensaiar a divulgação da
investigação de ponta que se
desenvolve no CAUP. Sem-
pre que um investigador ouum grupo de investigadoresvejam os seus artigos selec-cionados para publicação emrevistas científicas - credibi-lizando o trabalho desenvol-vido -, comprometem-se a
redigir um breve texto sobre
os resultados dessa pesquisa
para publicar na secção «No-vidades» da página online doCAUP e a enviar, sempre quese justificar, para a comuni-
cação social. «
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