REDES DE COMÉRCIO ILEGAL NA ZONA DE FRONTEIRA
BRASILEIRO-PARAGUAIA: EXTREMO OESTE DO PARANÁ (BRA)
LIMÍTROFE AOS DEPARTAMENTOS DE CANINDEYÚ E ALTO
PARANÁ (PYG)1
ALAN DIOGO SCHONS2
MARISTELA FERRARI3
Resumo O objetivo deste trabalho é analisar como se estruturam/organizam as redes transfronteiriças de comércio ilegal
no segmento da fronteira brasileiro-paraguaia compreendida entre a região geográfica do extremo oeste do
Estado do Paraná (BR) limítrofe aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do Paraguai).
Para consecução do objetivo proposto, a metodologia consistiu em levantamento teórico-bibliográfico e pesquisa
de campo com organismos de controles na região de fronteira tanto do Brasil quanto do Paraguai. Tal segmento
fronteiriço há muito vem sendo apontado como um dos mais problemáticos da América do Sul, devido à
crescente intensificação de redes de comércio ilegal de toda ordem. Por comércio ilegal entendemos aqui todas
as atividades que não respeitam as leis territoriais, não pagam impostos e fogem da fiscalização aduaneira, trata-
se, portanto, de um espaço onde os crimes tributários são constantes. Dentre os produtos e mercadorias que mais
circulam ilegalmente do Paraguai para o interior do território brasileiro destaca-se: armas de fogo, drogas (maconha, cocaína, cigarros e entorpecentes diversos), veneno para produção agrícola, eletrônicos
(computadores, iPAD, tablets, celulares, câmeras fotográficas, filmadoras, drones), roupas, perfumes, bolsas,
brinquedos, medicamentos, dentre outros. Grande parte daqueles produtos e mercadorias não são de produção
paraguaia, são oriundos de outras escalas internacionais, de países da Ásia, Europa e América do norte. Muitos
produtos e mercadorias que chegam a Ciudad Del Leste e Salto Del Guairá, (cidades da zona de fronteira aqui
analisada), tem como destino final o Brasil por meio de redes ilegais. Embora seja difícil indicar dados
quantitativos, segundo notícias divulgadas pelos jornais da região oeste do Paraná (2018), o Brasil deixa de
arrecadar 130 bilhões de reais, por ano, devido ao comércio ilegal. Na zona de fronteira aqui analisada, o limite
territorial entre os dois países é extremamente poroso, característica que tem facilitado inúmeras atividades de
comércio ilegal entre Paraguai e Brasil. Não obstante, as redes técnicas (telefonia e internet) facilitam a
comunicação de atores fronteiriços brasileiro-paraguaios na organização de esquemas para burlar a fiscalização e
as normas territoriais, visando introduzir produtos e mercadorias num ou noutro território através do chamado comércio ilegal. Neste sentido, o trabalho revela que tal segmento fronteiriço vem sendo caracterizando como
espaço geográfico de tensão entre organismos de controle dos Estados nacionais e organizações criminosas que
comandam atividades econômico-comerciais ilegais e que extrapolam a escala da zona de fronteira articulando-
se a outras escalas como a internacional e/ou transnacional.
Palavras- Chave: Zona de Fronteira; Redes Ilegais; Oeste Do Paraná; Canindeyú; Alto Paraná.
Resumen El objetivo de este trabajo es analizar cómo se estructuran / organizan las redes de comercio ilegal
transfronterizo en el segmento de la frontera entre Brasil y Paraguay entre la región del extremo oeste del estado
de Paraná (BRA) que limita con los departamentos de Alto Paraná y Canindeyú (PYG). Para lograr el objetivo
propuesto, la metodología consistió en un estudio teórico-bibliográfico e investigación de campo con organismos
de control en la región fronteriza de Brasil y Paraguay. Este segmento de frontera ha sido considerado durante mucho tiempo como uno de los más problemáticos de América del Sur, debido a la creciente intensificación de
1 O presente trabalho faz parte de pesquisa de mestrado em andamento, no PPGG (Programa de Pós-graduação
em Geografia) da UNIOESTE (Universidade do Oeste do Paraná) campus Marechal Cândido Rondon (PR), sob
Orientação da Prof.ª Drª Maristela Ferrari. O mesmo está vinculado ao Grupo de Estudos sobre Fronteira,
Território e Ambiente (GEFTA); 2 Aluno do Programa de Pós-graduação em Geografia – Mestrado – pela UNIOESTE (Universidade Estadual do
Oeste do Paraná), campus Marechal Cândido Rondon – PR, e-mail: [email protected]; 3 Doutora em Geografia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNIOESTE (Universidade
do Oeste do Paraná) campus Marechal Cândido Rondon - PR E-mail: [email protected].
las redes de comercio ilegal de todo tipo. Por comercio ilegal nos referimos aquí a todas las actividades que no respetan las leyes territoriales, no pagan impuestos y evitan la inspección de aduanas, por lo que es un espacio
donde los delitos fiscales son constantes. Entre los productos y mercancías que circulan de manera más ilegal
desde Paraguay hasta el interior de Brasil se encuentran: armas de fuego, drogas (marihuana, cocaína, cigarrillos
y varias drogas), veneno para la producción agrícola, electrónica (computadoras, iPAD, tabletas, etc.). Teléfonos
celulares, cámaras, videocámaras, drones), ropa, perfumes, bolsos, juguetes, medicinas, entre otros. La mayoría
de estos productos y productos no son de producción paraguaya, provienen de otras escalas internacionales, de
países de Asia, Europa y América del Norte. Muchos productos y bienes que llegan a Ciudad Del Este y Salto
Del Guairá, (ciudades en el área fronteriza analizada aquí), tienen como destino final Brasil a través de redes
ilegales. Aunque es difícil indicar datos cuantitativos, según las noticias publicadas por los periódicos
occidentales de Paraná (2018), Brasil no logra recaudar 130 mil millones de reales por año debido al comercio
ilegal. En la zona fronteriza analizada aquí, el límite territorial entre los dos países es extremadamente poroso,
una característica que ha facilitado numerosas actividades de comercio ilegal entre Paraguay y Brasil. Sin embargo, las redes técnicas (telefonía e internet) facilitan la comunicación de los actores fronterizos brasileño-
paraguayos en la organización de esquemas para eludir la inspección y las normas territoriales, con el objetivo de
introducir productos y mercancías en uno u otro territorio a través del llamado comercio ilegal. En este sentido,
el trabajo revela que tal segmento de frontera se ha caracterizado como un espacio geográfico de tensión entre
las organizaciones nacionales de control estatal y las organizaciones criminales que realizan actividades
comerciales y económicas ilegales, actividades que van más allá de las fronteras de la zona fronteriza a otras
Escalas como internacional y / o transnacional.
Palabras clave: zona fronteriza; Redes ilegales; Al oeste de Paraná; Canindeyú; Alto Paraná.
Introdução
As redes de comércio ilegais ao longo de toda fronteira do Brasil e Paraguai são antigas,
mas no segmento fronteiriço compreendido entre a região geográfica do extremo oeste do
Estado do Paraná (BR) limítrofe aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região
oriental do Paraguai) parecem ter aumentado significativamente após obras binacionais entre
os dois países, como a construção da Ponte da Amizade (1965) (ligando Paraná a Cuidad Del
Este - Departamento Alto Paraná), a formação do Lago da hidrelétrica de Itaipu sobre o rio
Paraná (1982), obra que favoreceu a navegação, a construção da Ponte Ayrton Sena, em 1998,
ligando Paraná ao Mato Grosso do Sul. Além de tais obras, o advento do MERCOSUL (1995)
também parece ter contribuído para a porosidade fronteiriça e por consequência o crescimento
de atividades de comércio ilegais. O comércio ilegal tem aumentado significativamente desde
as últimas décadas do século XX e vem contribuído para que tal segmento fronteiriço seja
apontado como um dos mais problemáticos da América do Sul, pois está inserido na lógica
das redes de comércio ilegais e do crime organizado que não se restringe a escala local e
regional, envolve a escala nacional e também escalas transcontinentais.
Por comércio ilegal entendemos aqui todas as atividades que não respeitam as leis
territoriais, não pagam impostos e fogem da fiscalização aduaneira, trata-se, portanto, de um
espaço onde os crimes tributários são constantes. Dentre os produtos e mercadorias que mais
circulam ilegalmente do Paraguai para o interior do território brasileiro destaca-se: armas de
fogo, drogas (maconha, cocaína, cigarros e entorpecentes diversos), veneno para o controle de
pragas agrícolas, eletrônicos (computadores, iPAD, tablets, celulares, câmeras fotográficas,
filmadoras, drones), roupas, perfumes, bolsas, brinquedos, medicamentos, dentre outros.
Grande parte daqueles produtos e mercadorias são oriundos de outras escalas internacionais,
de países da Ásia, Europa e América do norte. Muitos produtos e mercadorias que chegam a
Ciudad Del Este e Salto Del Guairá, (cidades da zona de fronteira aqui analisada), tem como
destino final o Brasil por meio de redes ilegais.
Embora seja difícil indicar dados quantitativos, segundo notícias divulgadas pelos
jornais da região oeste do Paraná (2018), o Brasil deixa de arrecadar 130 bilhões de reais, por
ano, devido ao comércio ilegal. Na zona de fronteira aqui analisada, o limite territorial entre
os dois países é extremamente poroso, característica que tem facilitado inúmeras atividades de
comércio ilegal entre Paraguai e Brasil. Não obstante, as redes técnicas (telefonia e internet)
facilitam a comunicação de atores fronteiriços brasileiro-paraguaios na organização de
esquemas para burlar a fiscalização e as normas territoriais, visando introduzir produtos e
mercadorias num ou noutro território através do chamado comércio ilegal.
O objetivo deste trabalho é analisar como se estruturam/organizam as redes
transfronteiriças de comércio ilegal no segmento da fronteira brasileiro-paraguaia
compreendida entre a região geográfica do extremo oeste do Estado do Paraná (BR) limítrofe
aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do Paraguai). Para
consecução do objetivo proposto, a metodologia consistiu em levantamento teórico-
bibliográfico dando ênfase aos conceitos de zona de fronteira e redes ilegais e pesquisa de
campo com organismos de controles na região de fronteira tanto do Brasil quanto do Paraguai.
O trabalho foi dividido em duas partes: a primeira analisa como o conceito rede pode auxiliar
na análise do comércio ilegal transfronteirço. A segunda parte do trabalho analisa como se
estruturam as redes transfronteiriças do comércio ilegal e quais suas escalas de atuação.
Finalizamos o trabalho argumentando que o comércio ilícito não fere apenas as leis
territoriais, penaliza sociedades, gera problemas de saúde pública, promove territorialidades
sem leis e por consequência contribui para o aumento da violência urbana não apenas em
cidades fronteiriças, mas igualmente em cidades de outras escalas territoriais.
A rede como conceito teórico e instrumento metodológico para análise de atividades
ilegais transfronteiriças
Refletir sobre redes de comércio ilegal em zona de fronteira requer pensar em vários
conceitos, dentre os quais território, Estado, política, fronteira, zona de fronteira e rede, além
de outros, conceitos que podem auxiliar na análise da problemática, mas neste trabalho,
damos ênfase ao conceito de rede, pois as atividades de comércio ilegal na zona de fronteira
brasileiro-paraguaia compreendida entre a região geográfica do extremo oeste do Estado do
Paraná (BR) limítrofe aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do
Paraguai) é uma região de conectividade de lugares e de atores que transportam produtos e
mercadorias de natureza diversa por meio de organizações em rede. Segundo Dias (2005),
uma das propriedades da rede é a conectividade, isto é, conecta lugares e pessoas. De acordo
com Santos (1999) a rede não é somente técnica ela é também social, já que é pensada,
desenhada e modificada por atores e suas conexões. Corrêa (2014) contribui com o debate
sobre rede, notadamente rede geográfica. Para ele “rede geográfica é um conjunto de
localizações geográficas interconectadas entre si por certo número de ligações”. Assim, toda
rede prioriza mobilidade/circulação e a fluidez/fluxos por onde circulam bens materiais ou
imateriais, (DIAS 2005). Neste sentido, o conceito de rede ajuda a compreender as
articulações transfronteirças de comércio ilegal ou redes de comércio ilegais. Mas qual a
noção de redes ilegais? Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006) respondem:
Redes ilegais – são espaços reticulares comandados por grupos e entidades não
reconhecidas legalmente pela sociedade e que, embora intimamente articuladas a
economia e ao sistema político dominante (como o caso das redes do narcotráfico), não partilham da maior parte das regras formalmente instituídas. (HAESBAERT e
PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 150).
Em regiões de fronteira, é bastante comum as atividades econômicas que burlam os
controles territoriais, atividades que envolvem atores de organismos de controle dos estados
nacionais e atores locais (fronteiriços) que auxiliam na passagem de ilegalidades pela
fronteira, confrontando constantemente as leis territoriais como revela Machado (1998):
O desafio ao conceito de lei territorial é representado pela situação de fluidez e
imprevisibilidade nas faixas de fronteira, onde [...] pouco respeito à lei desafiam os
limites de cada Estado. Esse processo de diluição dos limites nacionais se deve não
só à multiplicação de redes transfronteiriças, mas também a competição entre
diferentes sistemas de normas, induzida pelos próprios Estados e por outras grandes organizações, legais e ilegais. Frente a essa instabilidade, a circulação informal
organizada em torno de relações de parentesco, amizade e mesmo etnicidade, é
reforçada em detrimento da circulação regulada pela lei (MACHADO, 1998, p. 46).
Assim, mobilizar o conceito de rede em análises sobre interações transfronteiriças
ilegais significa também aceitar a sugestão de Machado (1998, p.45) quando argumenta que
“a palavra rede é empregada hoje em numerosos campos de investigação”. A autora diz ainda
“[...] as redes ajudam a compreender a relação entre território e a ação a distancia [...]
esclarecem igualmente o próprio conceito de território” (MACHADO, 1998, p.45). Nesta
direção, Raffestin (1993, p. 204) explica: “a rede faz e desfaz as prisões do espaço tornando
território: tanto liberta quanto aprisiona. É o porquê de ela ser instrumento por excelência de
poder [...]”. É neste sentido que o conceito de rede auxilia nossa problemática, ele serve tanto
como um conceito teórico quanto como ferramenta de análise que permite ponderar e explicar
atividades de comércio ilegal na zona de fronteira brasileiro-paraguaia compreendida entre a
região geográfica do extremo oeste do Estado do Paraná (BR) limítrofe aos Departamentos de
Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do Paraguai).
As redes ilegais transfronteiriças naquele segmento fronteiriço brasileiro-paraguaio
não são recentes, mas ganham expressividade a partir das décadas de 1980 e 1990,
notadamente com a construção da Hidrelétrica Binacional de Itaipu, e a construção da Ponte
Ayrton Sena, obras que favoreceram aumento de redes ilegais. A ampliação de redes ilegais
na escala local/regional pode também ser associado a outros fatores, como a globalização
neoliberal. Na visão de Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006), a globalização neoliberal, veio
acompanhada do aumento de redes ilegais, redes que transcendem os limites territoriais.
Segundo Machado (1998), são redes que afrontam reiteradamente as leis territoriais, pondo
em cheque o poder dos Estados-nacionais.
Tais ponderações podem ser associadas a zona de fronteira que estamos analisando.
Segundo as primeiras pesquisas de campo, as redes ilegais mobilizam: redes sociais (diversos
atores), redes de infraestrutura-técnicas (pontes, hidrovias, rodovias etc) e geográficas
(conectadas a diferentes escalas espaciais/lugares) que compõem o modus operandi de
facções criminosas nacionais e internacionais, sobretudo para a prática de tráfico, contrabando
e descaminho. Ainda segundo a pesquisa de campo, as redes ilegais transfronteiriças possuem
ampla articulação e múltipla capilaridade, que pode ser evidenciada através dos tipos de
produtos apreendidos, a forma como essas mercadorias são transportadas e os caminhos
utilizados para a realização do transporte. É o que veremos no próximo item.
Organização de redes de comércio ilegal na zona de fronteira brasileiro-paraguaia
(extremo oeste do Paraná (BR) limítrofes aos Departamentos Alto Paraná e Canindeyú -
PY.)
A partir das primeiras pesquisas de campo é possível ponderar que, o comércio ilegal –
aquele que foge dada arrecadação fiscal –, na zona de fronteira brasileiro-paraguaia aqui
analisada, se desenvolve fortemente estruturado em redes sociais transfronteirças, redes que
envolvem atores da zona de fronteira, conectados a atores de outras escalas fora da zona
fronteiriça. Portanto, pode-se dizer que existem atores da escala local, que participam da
organização de redes ilegais, pois eles conhecem a geografia do lugar, elemento indispensável
para burlar as leis territoriais e fugir do controle dos Estados-nacionais. Assim, os atores da
rede social organizam a travessia de produtos e mercadorias de um território ao outro com o
auxílio de atores locais que conhecem descaminhos4 na fronteira. Como já dito, as atividades
de comércio ilegal ao longo da fronteira do Brasil com o Paraguai são antigos, mas ganham
expressividade após a formação do Lago ou reservatório de água da Hidrelétrica Binacional
de Itaipu e a construção da Ponte Ayrton Sena.
O lago da Itaipu transformou a característica do limite internacional, de obstáculo torna-
se poroso e permitiu maior circulação de pessoas, bens e mercadorias do que no passado. Não
obstante, no segmento fronteiriço compreendido entre a região geográfica do extremo oeste
do Estado do Paraná (BR) limítrofe aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região
oriental do Paraguai) existem apenas três pontos de passagem habilitados entre os dois países
ao turismo e comércio exterior, são eles: Guaíra/Salto Del Guairá5, Santa Helena/Mbcarayú6 e
Foz do Iguaçu/Ciudad del Este7 como pode ser observado na Figura 1.
Figura 1: Esquema da Zona de fronteira e pontos de passagem habilitados ao turismo e comércio entre Brasil e Paraguai
4 Descaminho são pontos de passagem de um território ao outro que não são habilitados ao comércio
internacional entre os dois países, mas que são frequentemente criados e utilizados para atividades ilegais por
onde circulam bens e mercadorias com intuito de fugir da fiscalização dos Estados-nacionais. 5 Ressalta-se que tal conexão, também é estabelecida através da Ponte Ayrton Senna, que conecta os Estados do
Paraná com Mato Grosso do Sul, sendo intensamente utilizada para acessar Salto Del Guairá a partir do Estado
do Paraná. 6 Conexão internacional realizada por meio de Balsas de transporte 7 Conexão internacional fixa, por meio da Ponte Internacional da Amizade – recentemente Brasil e Paraguai
firmaram acordo por meio da Itaipu Binacional, para a construção da segunda ponte.
Fonte: Esquema inspirado em Machado (2011), organizado pelo autor a
partir da pesquisa de campo 2018
Contudo, desde a formação do Lago da Itaipu, dada a facilidade de navegação, inúmeros
descaminhos foram criados para atividades ilegais, obra de atores locais da zona de fronteira
articulados com atores de outras escalas nacionais e internacionais. A Figura 2 retrata, em
parte, os descaminhos de atividades ilegais de redes criminosas articuladas entre os dois lados
da zona fronteiriça brasileiro-paraguaia aqui analisada. Nela estima-se que existam
aproximadamente 465 descaminhos ou portos clandestinos que são frequentemente utilizados
para atividades ilegais. Antigos portos entre os dois países também foram reativados com a
criação do Lago da Itaipu, dentre eles, Porto Mendes/Puerto Adela (entre Marechal Cândido
Rondon/Puerto Adela), Porto Britânia/Puerto Marangatu (entre Pato Bragado/Nueva
Esperenza), onde conexões diárias são estabelecidas por meio de embarcações e por onde
circulam pessoas, produtos e mercadorias a revelia dos Estados-nacionais.
Figura 2: Descaminhos entre Brasil e Paraguai ao longo do Lago da Itaipu – criados e utilizados
por redes ilegais
Fonte: Fornecido por: DORECKI8, 2018 – CAPGEO-PR. Organizado pelo autor, 2019.
Não há como negar que a proliferação de redes ilegais na zona fronteiriça compreendida
entre a região geográfica do extremo oeste do Estado do Paraná (BR) limítrofe aos
Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do Paraguai) está associado à
construção do Lago da Itaipu, obra dos dois Estados-nacionais, obra que hoje se revela
problemática e que tornou o controle dos Estados-nacionais humanamente impossível, não
apenas devido à porosidade do limite, mais igualmente pela carência de os recursos humanos.
Com isso, além do aumento da criminalidade e da violência resultante das redes ilegais, outro
problema é a significativa perda de arrecadação dos Estados, resultante das práticas de
descaminho e contrabandos9. Mesmo assim, percebe-se que tem sido feito esforços por parte
8 Major da Polícia Militar do Estado do Paraná, então Comandante do BPFRON (Batalhão de Polícia de
Fronteira). 9 Contrabando: é a entrada ou saída de produtos proibidos, ou que atentem contra a saúde ou moralidade,
previsto no Art. 334 do Código Penal Brasileiro.
da fiscalização fronteiriça, notadamente de organismos de controle do Estado nacional
brasileiro, isso aparece, em parte, nas apreensões realizadas pela Receita Federal de Foz do
Iguaçu, como evidencia o Gráfico 1.
Gráfico 1: Apreensões da Receita Federal do Brasil entre 2000 e 2018
(valores estimados em milhões de dólares)
Fonte: IRF de Foz do Iguaçu (2018), organizado pelo autor a apartir da pesquisa de campo.
Importante mencionar que as apreensões observadas no Gráfico 1, não representam a quantidade
real de ilícitos e nem mesmo as apreensões de todos os organismos de controle na fronteira,
representam uma amostradas das apreensões realizadas pela realizadas pela Receita Federal de Foz do
Iguaçu. Importante esclarecer que, por ser atividade ilegal, é muito difícil quantificar ou até mesmo
fazer estimativas de valores e quantidades, mas, segundo notícias divulgadas pelos jornais da região
oeste do Paraná (2018), o Brasil deixa de arrecadar 130 bilhões de reais, por ano, devido produtos e
mercadorias que entram ilegalmente no país pela zona de fronteira brasileiro-paraguaio aqui analisada.
Arrecadação que poderia ser aplicada em setores importantes da economia do país. Mas, ao que
parece, as atividades ilegais tornaram-se endemicas e no senso comum, não estariam prejudicando
ninguém, seria um meio de ganhar a vida ou mesmo um trabalho. Tal pensamento em relação as
atividades ilegais tem levado a jovens em idade escolar, a abandonarem os estudos para se dedicarem
a atividades de comercio transfronteiriço ilegal. Muitos jovens de famílias pobres ou com poucos
ganhos, são facilmente inseridos em redes sociais de atividades comerciais ilegais. São inseridos
principalmente em atividades como “olheiros” ou carregadores de produtos e mercadorias do Paraguai
para o Brasil. Portanto, os atores da escala local participam e auxiliam a pensar a organização da rede
para comunicação, transporte e circulação de produtos e mercadorias.
Os produtos inseridos através do Paraguai no Estado-nacional brasileiro são inúmeros,
dentre eles, destacam-se: cigarros, pneus, agrotóxicos, vestuário, brinquedos, autopeças,
eletrônicos, entre outros. Cabe ressaltar que existe também a evidência de redes do tráfico de
drogas, especialmente a maconha, que é produzida em grande escala no Paraguai e a cocaína
– produzida na Bolívia, Peru e Venezuela, que é inserida no Brasil através do Paraguai. Há
indícios de que essas redes utilizam o Brasil como território-meio, a fim de abastecer outros
países, com cocaína, drogas sintéticas, haxixe, etc.
Outro tipo de produto introduzido ilegalmente no Brasil são os agrotóxicos, segundo
Horii (2014), o uso de agrotóxicos no Oeste do Estado do Paraná é seis vezes maior do que a
média nacional. Podemos atribuir como o possível causador desse elevado índice no uso de
agrotóxicos, a facilidade de aquisição a um menor custo, que é realizado por meio das redes
ilegais estabelecidas a partir do Paraguai para o Brasil. Nesse sentido, o resultado desse uso
excessivo de agrotóxicos, possivelmente contribuiu para a diminuição das populações de
abelhas, motivada especialmente pela substancia fipronil10. Diante disso, há perdas
econômicas para os apicultores, que dependem da produção de mel para a subsistência e
complementação da renda, principalmente na agricultura familiar. Outras hipóteses também
são evidenciadas, tais como a morte ou diminuição da produtividade de diversas plantas,
decorrentes da falta de polinização, papel fundamental desempenhado pelas abelhas. Também
o uso imoderado de agrotóxicos pode ser um dos possíveis causadores das elevadas taxas de
mortes ocasionadas por câncer, uma vez que a doença proveniente do uso indiscriminado do
agrotóxico não está relacionada apenas a sua aplicação direta, mas também indireta, como a
contaminação dos alimentos e da água.
Outra modalidade de ilegalidade evidenciada no segmento em estudo é o ingresso de
armas de fogo, produto esse que abastece inclusive as facções criminosas de diversos Estados
brasileiros. Cabe ressaltar que o Paraguai não é um produtor de armas de fogo, o que
demonstra uma rede de tráfico de armas estruturada/organizada a partir da escala global e que
articulam países como: Rússia, Estados Unidos, Áustria, dentre outros países da escala
mundial. A maneira como as redes do contrabando são organizadas, necessitam de
descaminhos, e o Lago da Itaipu, como visto anteriormente, parece favorecer portos
clandestinos além da utilização da infraestrutura estatal, onde se estabelecem as redes de
ilegalidades. Os produtos e mercadorias são transportados do Paraguai para o Brasil por
diferentes maneiras dentre elas, terrestre: (carros, ônibus, caminhões, motocicletas, a pé, etc.)
10 Inseticida de ação lenta, o qual permite que o inseto retorne à sua colônia e infecte os demais membros com
uma taxa de sucesso de cerca de 95% para alguns tipos de insetos.
e fluvial por meio de embarcações. Cabe ressaltar que muitos dos veículos e embarcações
utilizadas para o transporte, são oriundos de furto e roubo e que em alguns casos esses
veículos são trocados no Paraguai por mercadorias ou drogas aqui denominado de crimes
correlacionados as atividades de comércio transfronteiriço ilegal. Segundo a pesquisa de
campo, essa nova realidade manifestada nas cidades lindeiras ao Lago de Itaipu acabou por
absorver parte da mão de obra local (atores locais), em sua grande maioria de origem pobre,
dentre eles jovens desempregados, estudantes, operários, pescadores, agricultores e indígenas,
que se tornaram atores ou operários das redes ilegais. A possibilidade de ganhos financeiros
que podem chegar, segundo estimativas, de três a cinco vezes a de um trabalho formal, aliada
à coação moral, são os principais fatores que levam a inserção e ao recrutamento de atores da
escala local em redes transfronteiriças ilegais. Em decorrência disso, diversos problemas
surgiram, podendo ser citado o aumento da evasão escolar, dentre outros problemas
relacionados a essa nova realidade.
No tocante a evasão escolar, uma Escola da rede pública, localizada na cidade de
Guaíra-PR, indicou um dos principais problemas do elevado número da evasão escolar
naquele local tem sido o contrabando de cigarros do Paraguai para o Brasil. Assim, constata-
se que a principal causa da evasão escolar é a facilidade que os jovens encontram para se
inserir nas redes ilegais. Assim, segundo a pesquisa de campo, cerca de 75% dos jovens que
deixam a sala de aula, em sua grande maioria, ingressam no contrabando de diversas
naturezas.
Mas é importante enfatizar que os atores de redes ilegais não são apenas da zona de
fronteira, existem atores de outras escalas que atuam tanto em redes comercias e organizações
formais e informais, mas que sem os atores da escala local a rede poderia não se estruturar.
Costa (2012) adverte que existem aqueles que cometem um crime tido como “mais simples” –
não se refere à tipificação penal, também aqueles que adquirem produtos para a
comercialização no Brasil, que não representa grandes vultos – contudo, não se pode olvidar a
prática de crimes mais gravosos, envolvendo, inclusive, facções criminosas. Nesse sentido, o
autor aponta ramificações do CV (Comando Vermelho), com sede no Estado do Rio de
Janeiro e o PCC (Primeiro Comando da Capital), com sede no Estado de São Paulo, dentre
outras organizações que atuam na fronteira do brasil com o Paraguai. Tais facções criminosas
seriam as responsáveis, por exemplo, em introduzir armas sofisticadas em território nacional.
Essas armas abasteceriam as demandas para o exercício do domínio territorial exercido nas
favelas do Rio de Janeiro, para a prática de roubo a bancos, empresas de valores e carros-
fortes. Além das redes de tráfico de drogas, tráfico de armas, existe inumeráveis outras
modalidades criminosas como a sonegação/evasão fiscal, da falsificação/pirataria, a
prostituição, o tráfico de pessoas, o tráfico de órgãos humanos, dentre outras ilegalidades. As
atividades ilegais envolvem distintas escalas, tanto geográficas como hierárquicas, e seu
funcionamento depende, fundamentalmente, da colaboração de inúmeros atores.
Em regiões de fronteira, é bastante comum as atividades econômicas ilegais, envolvem
autoridades e atores locais que auxiliam na passagem das ilegalidades pela fronteira,
confrontando constantemente as leis territoriais. É importante destacar entre muitas
ilegalidades, há constante prática de roubo a veículos – especialmente caminhonetes – as
quais servem tanto para o transporte das ilegalidades mas igualmente como moeda de troca
por mercadorias, drogas11, entre outros ilícitos no Paraguai. Nesse sentido, há quadrilhas
especializadas a roubo de veículos e uma articulada rede de adulteração veicular, mobilizada a
partir das redes ilegais transfronteiriças.
A problemática revela que os limites territoriais entre os dois Estados-nacionais estão
permeados por diversas redes (materiais e simbólicas) e poderes paralelos que se sobrepõem
aos Estados-nacionais. Algumas modalidades de ilegalidades, como o contrabando de cigarros
por exemplo, apesar do cigarro ser permitido no Brasil, há maior interesse no contrabando do
mesmo, motivado pelos custos12 de aquisição mais atrativos no Paraguai. Outra característica
importante das redes ilegais transfronteiriças, têm sido a prática de crimes ambientais, como,
por exemplo, a retirada de vegetação natural para a construção de portos clandestinos a
margem do Lago Internacional de Itaipu. Essa prática visa à viabilização de uma
passagem/caminho para a realização de transbordo de ilícitos das embarcações que
atravessam o Paraguai para o Brasil para veículos menores e até caminhões.
Considerações finais
11 Interceptação telefônica realizada por agentes públicas de segurança, com autorização judicial, dão
conta de que um líder do PCC preso na região, estimula os integrantes da facção criminosa a praticarem roubo a
veículos, com intuito de trocar por drogas no lado paraguaio, e que isso seria um “ouro”, porque é uma maneira
muito fácil de se ganhar dinheiro. 12 Segundo estimativas, o valor da aquisição do maço de cigarros no Paraguai é de R$0,50, o custo médio
para a realização do contrabando, chega a R$ 1,50 o maço para o contrabandista, que o vende a R$ 2,50/R$3,00
para o comércio, que o revende por cerca de R$ 3,50/4,00.
Buscou-se no presente trabalho, a apresentação tanto de conceitos geográficos que
auxiliam na compreensão dos elementos analisados. Desse modo, com uma pesquisa de
campo, mesmo que elementar, podemos constatar que a fronteira é extremamente porosa.
Essa porosidade, resulta em inúmeras práticas ilegais, as quais o Estado-nacional não
consegue realizar o controle de maneira eficiente. Entre os elementos demonstrados,
procuramos nos concentrar no debate da porosidade fronteiriça, além das ilegalidades
debatidas exaustivamente no tocante a Foz do Iguaçu com Ciudad del Este e Guaíra com
Salto del Guairá. Desse modo, podemos evidenciar no presente trabalho, que as redes ilegais
transfronteiriças são estabelecidas em diversos pontos, as quais mobilizam diversas escalas,
inclusive intercontinental. As redes ilegais desse modo, são evidenciadas ao longo de toda a
extensão do Lago Internacional de Itaipu, em que o crime organizado articula, de maneira
bastante flexível, redes ilegais por meio de portos clandestinos por meio do lago para a
navegação. Nessas redes, há a participação ativa de atores locais, que são recrutados
motivados pela remuneração, coação moral e pela violência. Muito embora o Estado tenha
desprendido inúmeros esforços para fazer o combate, com o emprego de diversas frentes de
repressão, fazendo uso de grandes investimentos, mas que na prática, não tem se demonstrado
efetivos.
REFERÊNCIAS
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Fábio Régio (Org.). Fronteiras em Movimento. Jundiaí – SP: Paco Editorial, 2012, p. 31-44.
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Hucitec, 1999.
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