QUINTA TURMA
RECURSO EM HABEAS CORPUS NQ 6.152 - RS
(Registro n Q 97.0000163-6)
Relator: O Sr. Ministro Felix Fischer
Recorrente: Alonso Machado Lopes
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Paciente: Benvindo Odilon Prates Nunes
Advogado: Alonso Machado Lopes
EMENTA: Processual Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Peculato e falsidade ideológica. Ressarcimento antes do oferecimento da denúncia. Dúvida quanto à autoria. Especial fim de agir.
I - O ressarcimento antes do oferecimento da exordial acusatória não extingue, no peculato doloso, a punibilidade e nem caracteriza o arrependimento eficaz.
11 - A alegada dúvida quanto à autoria, valoração que é em sede de provas, não permite a antecipação do iudicium causae.
In - A asseverada inocorrência do especial fim de agir, exigindo o minucioso cotejo analítico do material cognitivo, não pode ser aqui reconhecida na estreita via do habeas corpus.
Recurso conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros
Edson Vidigal, José Dantas, Cid Flaquer Scartezzini e José Arnaldo.
Brasília, 19 de agosto de 1997 (data do julgamento).
Ministro EDSON VIDIGAL, Presidente. Ministro FELIX FISCHER, Relator.
Publicado no DJ de 29-09-97.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 313
RELATÓRIO
o SR. MINISTRO FELIX FISCRER: Trata-se de recurso ordinário de habeas corpus interposto contra o v. acordo do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, pelo qual foi considerado, em parte, prejudicado e, em outra, indeferido um writ impetrado em favor de Benvindo Odilon Prates Nunes.
A quaestio está delineada às fls. 339/341, in verbis: "1. Alonso Machado Lopes impetrou habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em mercê de Benvindo Odilon Prates Nunes, que teve sua prisão preventiva decretada pelo Juízo de Direito da I;! Vara Criminal de Alegrete/RS, nos autos da ação penal a que responde pela prática dos delitos tipificados nos artigos 312, caput, 299, caput e parágrafo único, c/c o art. 69, do CP.
2. O writ perseguia a revogação da medida acauteladora, bem como o trancamento do processo por falta de justa causa. Aduzia, em síntese, que, a) inexistiu manifestação concernente à nulidade do feito por cerceamento de defesa, sustentada nas alegações preliminares, b) o réu, em momento algum, tentou obstaculizar a ação da justiça e, em seu benefício, ainda milita a presunção da inocência, c) não há prova concreta da existência de dolo na configuração dos ilícitos, nem indícios suficientes da autoria, d) carece de fundamentação o despacho constritivo da liberdade do acusado. (fls. 02/24).
3. O TJ/RS, por unanimidade, julgou prejudicado o pedido no tocante à revogação da medida cautelar, em face da pretensão já haver sido atendida pelo juízo monocrático em 30 de setembro de 1996 e denegou a ordem no sentido de tracamento da ação penal, por falta de justa causa, asseverando que:
"3.1 Não há dúvida de que, em sede de habeas corpus, é possível analisar-se provas, por se constituir este remédio heróico em garantia constitucional da liberdade do indivíduo. Mas para isso, contudo, os elementos deverão ser evidentes, incontestes e incontroversos.
"4. No caso em exame, porém, a questão levantada pela defesa depende de uma análise aprofundada do contexto probante, o que é vetado pela via eleita. Esta Câmara Criminal, por diversas vezes, já proclamou que, em procedimento desta espécie, não se pode abrir ádito à discussão, exame e comparação de provas para resolver sobre se é ou não inocente o paciente, ora acusado perante o juizado de origem; e somente quando essa inocência ressalta de provas inequívocas, ou pelo menos, não postas em dúvida por outras, é que a liberdade individual pode ser amparada via habeas corpus." (fls. 326/327).
4. Inconformado, o paciente interpôs o presente recurso, que se enquadra na previsão da Carta Magna (art. 105, II, a) e deve ser conhecido no Colendo STJ.
314 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
5. No apelo, a defesa insiste em trancar a ação penal. Alega que o paciente pagou o numerário antes do oferecimento da denúncia e, diante da ausência de prejuízo, da incerteza relativa à autoria dos delitos e da inexistência de dolo, " ... seria perfeitamente aplicável ao caso o disposto no art. 15 do CP, visto que houve arrepend-tmento eficaz ... " (fls. 3311333)."
A douta Subprocuradoria Geral da República se pronunciou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO FELIX FISCRER (Relator): O recorrente alega, para efeito de trancamento da persecutio criminis in iudicio: a) o pagamento antes de oferecimento da denúncia; b) dúvida quanto à autoria; c) inocorrência do de-
nominado "dolo específico", hoje, na doutrina hodierna, especial fim de agir.
Pois bem, quanto ao item a, não há que se falar de arrependimento eficaz. Poderia ser discutida a minorante prevista no art. 16 do CP. Além do mais, em sede de peculato doloso, o ressarcimento não extingue a punibilidade. E não é só. Como ficaria o delito do art. 299, caput do CP? Carece de sentido o primeiro argumento. Quanto ao item b, a dúvida quanto à autoria é matéria de valoração na fase do iudicium causae. Nunca de juízo antecipado na via excepcional do writ. Quanto ao derradeiro item, c, a existência do especial fim de agir, por igual, implica no precoce cotejo analítico do material cognitivo, o que, a toda evidência, não é permitido em sede de habeas corpus.
Voto, portanto, pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
RECURSO EM HABEAS CORPUS NQ 6.251 - SP
(Registro n Q 97.0007943-0)
Relator: O Sr. Ministro José Arnaldo
Recorrente: Alonso Campoi Padilha
Recorrido: Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo
Paciente: José Fernando Mazzuca
Advogado: Dr. Alonso Campoi Padilha
EMENTA: Recurso em habeas corpus. Depositário infiel. Prisão civil. Possibilidade.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 315
- Não constitui constrangimento ilegal a decretação de prisão, formalmente escorreita, por dívida alimentar ou infidelidade no depósito. O alienante fiduciário é o possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos legais. "Daí a prisão civil, não pelo inadimplemento relativo ao mútuo, mas pela infidelidade resultante do não cumprimento das obrigações resultantes do depósito."
- Recurso conhecido, mas improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Felix Fischer, Edson Vidigal, José Dantas e Cid Flaquer Scartezzini.
Brasília, 01 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro EDSON VIDIGAL, Presidente. Ministro JOSÉ ARNALDO, Relator.
Publicado no DJ de 26-05-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ ARNALDO: Contra o acórdão da Oitava Câmara do 1 Q Tribunal de Alçada Civil que indeferiu ordem de habeas corpus, renova o paciente o seu pedido perante esta superior instância, sustentando, em abreviado, que adquirira, em 6 de setembro de 1993, um veículo Ford Tipo Corcel, ano 1979, sob garantia de alienação fiduciária. No mês subseqüente, o
veículo foi furtado, consoante Boletim de Ocorrência da Delegacia Policial da capital de São Paulo. O Banco Martinelli S.A. ingressou, então, em juízo com ação de busca e apreensão, e decorridos 30 dias sem efetivação da liminar concedida, converteu-se em ação de depósito, julgada procedente com fixação de prazo de 24 horas para apresentar o bem ou consignar o equivalente em dinheiro, sob pena de prisão.
Arrola precedentes jurisprudenciais do STF e do STJ no sentido do descabimento da prisão civil se o bem adquirido por alienação fiduciária vem a ser furtado.
Aqui, o Parquet Federal propende, com remissão ajulgados do STJ, para a denegação do pedido.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ ARNALDO (Relator): Extrai-se do aresto recorrido às fls. 54:
"No mérito, contudo, a pretensão não pode ser acolhida.
Em primeiro lugar, o argumento atinente ao fato de ter sido fur-
316 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
tado o bem objeto do contrato de alienação fiduciária foi lançado em contestação à ação de depósito, mas desacolhida pela r. sentença de primeiro grau. Demonstrando estar conformado com tal fato, não recorreu o paciente, transitando em julgado aquela decisão.
Se assim é, cuidando-se de decisão imutável, não mais subsiste a possibilidade de acolhida do argumento, que deveria ter sido objeto de recurso próprio. Não se pode transmudar o habeas corpus em recurso de apelação. A definição contida na sentença merece mantida."
Quanto ao cabimento da prisão civil, na espécie, constitui matéria já pacificada, consoante os precedentes apontados na promoção ministerial às fls. 102:
"Processual Penal - Habeas corpus - Alienação fiduciária - Depositário infiel.
- No contrato de alienação fidu-ciária, o devedor fiduciante equipara-se à figura do depositário, de vez que, embora não proprietário, fica de posse do bem, tornando-se infiel depositário se não salda o débito e deixa de devolvêlo quando lidimamente reclamado, sujeitando-se, assim, a prisão prevista no dispositivo constitucional.
- Ordem denegada." (STJ, HC 2.794/94-SP, 5ª Turma, reI. Min.
Cid Flaquer Scartezzini, unânime, DJ 26/09/94, pág. 25.658)
"Alienação fiduciária. Depositário infiel. Prisão civil.
1 - Inviabilidade do reexame, na via do habeas corpus, de matéria sobejamente decidida pelo juízo cível.
2 - A atual ressalva constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5Q
, LXVII) não diverge da constante do texto anterior (art. 157, parágrafo 17, da Constituição de 67), razão pela qual houve recepção da legislação ordinária que rege a matéria (art. 66 da Lei 4.728/65, na redação que lhe deu o art. 1 Q do Decretolei 911/69), segundo a qual a alienação fiduciária transforma o alienante ou devedor "em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal". Legítima, pois, nos termos da jurisprudência precedente, a decretação da prisão civil do devedor-fiduciante que, injustificadamente, descumpre o mandado judicial para entregar a coisa ou o seu equivalente em dinheiro. Habeas corpus indeferido." (STJ, 5ª Turma, HC 2.987/94-SP, ReI. Min. Assis Toledo, DJ 12/12/94, pág. 34.354, unânime).
Ante o exposto, conheço e nego provimento ao recurso.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 317
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 6.482 - SP
(Registro nº 97.0034899-7)
Relator: O Sr. Ministro Felix Fischer
Recorrente: Ronilson Dias Simões
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: Ivo da Silva Moraes
Advogado: Ronilson Dias Simões - Defensor
EMENTA: Processual Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Sedução simples (inexperiência) e qualificada (justificável confiança). Falta de justa causa.
I - Se a imputatio facti, amparada em peça indiciária, descreve conduta típica, a persecutio criminis in iudicio não pode, a rigor, ser obstada através de habeas corpus.
11 - A inexperiência, que caracteriza a denominada sedução simples, não significa ignorância das coisas do sexo sob enfoque teórico mas, isto sim, a "incapacidade de avaliação ética do ato sexual e de suas conseqüências".
111 - Ajustificável confiança, própria da chamada sedução qualificada, pode existir, independentemente da inexperiência, bastando que as demais exigências típicas estejam preenchidas.
IV - Quanto à aplicação do art. 217 do CP, é sabido que, em nosso sistema, uma regra incriminadora só pode ser revogada por lei e não por simples considerações pessoais (v. arts. 2 g e 4 g da LICC).
Recurso conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Votaram com o Relator os Ministros Edson Vidigal, José Dantas, Cid Flaquer Scartezziní e José Arnaldo.
Brasília, 10 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro EDSON VIDIGAL, Presidente. Ministro FELIX FISCRER, Relator.
Publicado no DJ de 04-08-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FELIX FISCRER: Versam os autos sobre re-
318 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
curso ordinário interposto contra v. acórdão do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pelo qual foi indeferido o habeas corpus impetrado em favor de Ivo da Silva Moraes r.om o objetivo de trancar a ação penal movida em razão da prática do delito previsto no art. 217 do Código Penal. Na inicial e no recurso assevera-se, tão-somente, a atipia da conduta descrita na prefaciaI acusatória.
A denúncia apresenta a seguinte imputatio facti, a saber: "Consta dos inclusos autos de inquérito policial, que no mês de janeiro de 1996, em horário indeterminado, na Rua Francisco José Sales, n Q 246, nesta capital, Ivo da Silva Moraes, qualificado às fls. 19, seduziu Patrícia Moreira da Rocha, virgem, com 14 (catorze) anos de idade, conforme certidão de fls. 39, e teve com ela conjunção carnal, aproveitandose de sua inexperiência ou justificável confiança.
Apurou-se que a vítima conheceu o denunciado e com ele passou a namorar. O denunciado aparentemente mostrando intenção honesta, pediu permissão ao genitor da ofendida e após um mês de namoro ofereceu aliança de noivado à ofendida, compromissando-se, portanto, a com ela estabelecer matrimônio. Com o novo compromisso, o denunciado passou a residir na casa da noiva com anuência dos pais dela e, aproveitando-se dessa situação, não teve dúvida em seduzi-la e com ela ter conjunções carnais, acabando por engravidá-Ia, conforme laudo de fls. 09/10.
Apurou-se ainda que após a notícia da gravidez da vítima, o denunciado rompeu o noivado, fugindo de suas responsabilidades." (Fls. 5).
O writ foi indeferido pelos motivos abaixo transcritos, in verbis: "O douto impetrante sustenta que, nos dias atuais, u'a moça de 14 anos, criada e educada na cidade de São Paulo, onde, inclusive, a sexualidade seria disciplina escolar, não pode ser considerada inexperiente em assuntos sexuais.
Contudo, a inexperiência de que trata a lei, no crime de sedução, não é relativa a assuntos sexuais, mas, a de vida. Cite-se, a propósito, julgado deste Tribunal, que bem esclarece a questão:
"Inexperiência não se equipara à falta de esclarecimentos sobre as coisas do sexo. É a falta de conhecimento próprio, de expe~ riência prática, sensível, sobre o domínio físico-psíquico da libido" (RT 585/288).
Além disso, há ainda o outro requisito do abuso da justificável confiança.
Segundo consta dos elementos indiciários, o paciente teria pedido autorização ao pai da vítima, Aureliano Dias da Rocha, para o namoro e teve o consentimento deste. Ele chegou a ficar noivo da ofendida e, inclusive, passou a coabitar na mesma casa dos pais dela, dormindo, a princípio, em camas separadas.
É possível, portanto, que o paciente, com esse comportamento, revelando um compromisso sério e
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criando a esperança de um casamento breve, tenha captado a confiança da menor e a levado, assim iludida, a entregar-se a ele sexualmente.
Tudo, porém, é questão de produção e avaliação profunda de provas, não podendo ser resolvida em habeas corpus, que, como é sabido, tem limites estreitos, não permitindo análise aprofundada de elementos probatórios.
No mais, adota-se como razões de decidir o excelente parecer da nobre Procuradoria de Justiça, nos trechos que abaixo se transcrevem:
"Não convence, assim, data venia de seu posicionamento, a asserção do impetrante no sentido de que o recebimento da denúncia ofertada contra o paciente configura ato ilegal, caracterizador de constrangimento ao paciente. Muito menos convence a assertiva de que a "inexperiência" da vítima em assuntos sexuais deveria ter sido comprovada, antecipadamente, pelo órgão ministerial.
Não se incluindo no rol daqueles fatos típicos que admitem a "conciliação" ou a "transação", em relação a qualquer outro crime que independa de condição de procedibilidade, vige para o Ministério Público o princípio da obrigatoriedade da ação penal. Assim, 'Existindo elementos que indiquem a prática de um crime, é ele obrigado a promover a ação penal. Não pode, assim, recusarse a agir, quando identifique hi-
pótese na qual a lei exige sua atuação; nesse sentido se pode dizer, corretamente, que sua atuação é um dever, seja quando se trate de ajuizar uma ação penal ou civil, seja de interpor um recurso', conforme ensina Júlio Fabbrini Mirabete, com apoio de lição de Hugo Nigro MazziUi. (Código de Processo Penal Interpretado, Atlas, 2ª edição, atualizada até julho de 1994, pág. 63).
Ora, não poderia mesmo o órgão ministerial deixar de oferecer a denúncia contra o paciente. Havia elementos mínimos de convicção a apontar que o então indiciado, ora paciente, perpetrara, em tese, o delito de sedução, capitulado no artigo 217, do Código Penal. Com efeito, do que se colhe da denúncia ofertada (fls. 42/43), na conduta praticada pelo paciente evidenciavam-se todas as elementares do tipo penal. Havia indícios, senão de sua inexperiência, ao menos da justificável confiança da vítima. Tanto que o paciente, após permissão do pai dela, passou a namorar a vítima e decorrido um mês de namoro, ofereceu-lhe aliança de noivado, comprometendo-se a com ela se casar. Patente, aqui, a intenção de lhe captar a confiança, que mais se reforçou, na medida em que o paciente passou a residir na residência da vítima. Captada sua confiança, o congresso sexual era a conseqüência natural do envolvimento afetivo, resultando por engravidá-la.
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Ora, nos termos da lição colacionada, havendo elementos mínimos que indiquem a prática delitiva e identificado seu autor, é obrigação do Ministério Público, satisfeitas as condições para a ação penal, oferecê-la, sob pena de incidir ele, em prática delitiva.
Exatamente o que ocorreu na hipótese em testilha. Defluía das provas amealhadas, que um delito de sedução havia sido cometido e que o paciente era seu autor; de outro lado, caracterizadas, quantum satis, as elementares do tipo, era mesmo indeclinável ao Ministério Público o oferecimento da denúncia.
Indeclinável era também ao ilustre Magistrado, acoimado autoridade coatora, o recebimento da inicial acusatória. Daí por que, conduzindo-se com elogiável ponderação, assentou no seu r. despacho de recebimento da incoativa, que, 'Havendo indícios suficientes de materialidade e autoria sobretudo em face dos depoimentos da vítima e testemunhas colhidos no inquérito policial e demais peças informativas, recebo a denúncia.' (fls. 44)" - (fls. 51/53).
Por fim, diga-se que não descaracterizaria o delito de sedução o fato de o hímen da vítima ser complacente, pois, conforme também já teve oportunidade de decidir esta Corte:
"De3piciendo à configuração do delito de sedução o fato de ser
a vítima portadora de hímen complacente. A circunstância não afasta o contato sexual, certo que, por constituição da membrana himenal, permite a introdução do falo, sem haver o rompimento" (RT 512/354).
N a espécie, existe ainda a circunstância de que a ofendida ficou grávida, o que, por si, já constituiria indício de que teria havido conjunção carnal." (Fls. 60/62).
Daí, o recurso. E, a douta Subprocuradoria Geral da República se pronunciou pelo desprovimento da súplica.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO FELIX FISCHER (Relator): Tanto o Parquet local, em duas minuciosas manifestações da lavra do culto Procurador de Justiça Dr. Ivan Elias da Silva, fls. 49/53 e fls. 73/77, como o MPF, através da ilustre SubprocuradoraGeral da República Dra. Julieta E. Fajardo Cavalcanti de Albuquerque examinaram a questão mostrando a improcedência da pretensão insculpida, com louvável esforço, na petição recursal.
A prefaciaI acusatória descreve em detalhes um comportamento típico. Na verdade, a imputatio apresenta as duas situações próprias da sedução: a simples, calcada na combatida inexperiência e a qualificada, alicerçada na justificável confiança (v. "Lições de D. Penal", de
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 321
H. C. Fragoso, PE, vol. lI, n Q 673, Ed. Forense). Quanto à inexperiência, o recurso, como está lamentavelmente, em moda, procura levar o caso para o jocoso (parodiando, de maneira infeliz, o Homo ludens de Huizinga). Como existem crimes mais graves, os menos atentatórios são considerados nessa linha de argumentação, banalidades. Os ofendidos são os outros, é claro. Procura-se, por exemplo, olvidando aspectos basilares, fazer crer que a inexperiência seja desconhecimento, sob enfoque material, da atividade sexual; que seja ignorância acerca do tema, como se a vítima ali estivesse mais adequada ao contido no art. 224, alínea b do C. Penal. A objetividade jurídica, na sedução, se refere, claramente, à integridade sexual dos menores. E, inexperiência, percebe-se de pronto, não é a da vida, mas, isto sim, a falta da "perfeita noção do sentido e das conseqüências do ato sexual", a "incapacidade de avaliação ética do ato sexual e de suas conseqüências" (Heleno C. Fragoso, op. cit., n Q 673). N a mesma linha, tem-se as ensinanças de Damásio E. de Jesus, (in "Direito Penal", PE, vol. 3, págs. 109/111, 10ª ed., 1994) para quem o
objeto de tutela é a honra sexual dos menores, no caso do art. 217 do C. Penal. Mas, de qualquer forma, a imputação, comojá dissemos, apresenta outra causa de pedir, conexa, que é a forma qualificada de sedução (justificável confiança). E, para evidenciar a falta de amparo fático, dejusta causa, o que nem restou tentado, o feito exigiria o vedado cotejo antecipado do material de conhecimento.
Quanto à não aplicação do texto, a pretensão carece de supedâneo jurídico. Anorma incriminadora inserida no art. 217 do C. Penal não fere regra constitucional e, ex hypotheis, nem se choca com qualquer princípio geral ou direito fundamental universalmente reconhecido. Como não há, in casu, problema de sucessão de leis, só resta asseverar que, entre nós, uma regra penal incriminadora só pode ser revogada por outro texto legal (ex vi arts. 2 9
e 4 9 da LICC). Isto é próprio do sistema romano-germânico ou europeu continental, por nós seguido.
A persecutio criminis guerreada deve, pois, continuar.
Voto, portanto, pelo desprovimento do recurso.
RECURSO EM HABEAS CORPUS NQ 6.593 - MG
(Registro n Q 97.0048415-7)
Relator: O Sr. Ministro Felix Fischer
Recorrente: Adriana Renata Ferreira Lima
Recorrido: Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais
322 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
Paciente: Adriana Renata Ferreira Lima
Advogado: Ricardo Luiz Tavares Victor
EMENTA: Habeas corpus. Alienação fiduciária. Prisão civil.
I - Não é cabível a prisão civil do devedor fiduciante porquanto não está ele equiparado ao depositário infiel.
11 - Consoante recente entendimento da 3~ Seção desta Corte, a prisão civil do devedor-fiduciante não foi recepcionada pela atual Carta Magna.
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para conceder a ordem, nos termos do voto do Ministro-Relator. Votaram de acordo os Ministros José Dantas, Cid Flaquer Scartezzini e José Arnaldo. Ausente, justificadamente, o Ministro Edson Vidigal.
Brasília, 05 de agosto de 1997 (data do julgamento).
Ministro JOSÉ DANTAS, Presidente em exercício. Ministro FELIX FISCRER, Relator.
Publicado no DJ de 08-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FELIX FISCRER: Tratam os autos de recurso ordinário de habeas corpus interposto contra v. acórdão do e. Tribunal de Alçada do Estado de Minas
Gerais pelo qual foi indeferido writ em que se buscava a cassação do decreto de prisão civil por depósito infiel (alienação fiduciária).
A quaestio está evidenciada às fls. 49/50, in verbis: "Argumenta a recorrente estar configurado, na espécie, a ilegalidade na decretação da prisão em face do art. 5Q
, inciso LXVII, da Constituição Federal. Aduz que somente é admissível a prisão civil por dívida em caso de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e de depositário infiel, certo que o contrato de depósito, disciplinado pelos arts. 1.265 a 1.287 do Código Civil não se equipara, em absoluto, ao contrato de alienação fiduciária."
O v. julgado recorrido está assim ementado:
"Prisão civil - Depositário infiel - Alienação fiduciária - Decreto-lei 911 / 69 - Busca e apreensão - Sua conversão em ação de depósito - Execução de sentença - Citação válida e silêncio do depositário - Observância do devido processo legal - Não resti-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 323
tuição do bem ou seu equivalente e ausência de justificativa da impossibilidade de fazê-lo - Legalidade e oportunidade da prisão civil - Alegação de constrangimento ilegal- Inocorrência - Habeas corpus - Conseqüente denegação da ordem.
Nenhum constrangimento ilegal há na decretação da prisão civil do depositário infiel, se os encargos e responsabilidades emanados do contrato de alienação fiduciária foram por ele assumidos, e se, uma vez tornado inadimplente, o respectivo credor adotada as medidas judiciais cabíveis (busca e apreensão, convertida em ação de depósito), não tendo ele (depositário), - mesmo citado e aposto sua assinatura no mandado -, se dignado restituir o bem ou seu equivalente, nem justificado sua impossibilidade de fazêlo, preferindo silenciar-se (ainda mais se, posteriormente, intimado da sentença, e, a seguir, em execução, é novamente citado, mas continua em silêncio).
Evidenciada salienter tantum a observância do devido processo legal, não há falar-se em constrangimento ilegal, à míngua de caracterização.
DL 911/69 - Sua plena harmonia com as Constituições Federais de 1967 e 1988 - Sua recepção por esta última - Conseqüentemente plena vigência do DL 911 /69.
De conformidade com o art. 1 Q do DL 911/69 (que dera nova redação ao art. 66 da Lei 4.728/65), o
devedor, por força do contrato de alienação fiduciária, passa a ter a posse direta do bem, ou seja, torna-se possuidor direto e depositário, impondo-se-Ihe, em conseqüência, todos os encargos legalmente definidos. Logo, se ele, ao tornar-se inadimplente, deixa de restituir o bem alienado fiduciariamente (cujo domínio e posse indireta cabem ao credor em decorrência do contrato) ou não paga o equivalente, ou, ainda, não justifica sua impossibilidade de fazê-lo, legitimada fica sua prisão civil. Ademais, se a vigente Lei Magna não discrepa da anterior, no que concerne à prisão civil do depositário infiel, e se o DL 911/69, por ter sido baixado em consonância com a Constituição Federal então vigente (a de 1967) e por não conflitar com a de 1988, infere-se ter sido por esta recepcionado. Daí estar o DL 911/69 em plena vigência.
Por outro lado, não se estabelecera em lei, para fins de prisão civil, nenhuma distinção entre depositário infiel judicial ou extrajudicial." (Fls. 31/32).
A douta Subprocuradoria Geral da República se pronunciou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO FELIX FISCHER (Relator): O assunto, objeto do recurso, é bastante controvertido. A divergência entre as Turmas
324 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
da 3ª Seção desta Corte foi solucionada no HC 5.583-DF, em que é relator para o acórdão o Exmo. Sr. Ministro William Patterson. Por ocasião do julgamento, interessante foi a argumentação do Exmo. Sr. Ministro Vicente Leal que, conforme notas, assim se manifestou: "Sr. Presidente, com a devida vênia ao Ilustre Ministro-Relator, mantenho a posição já afirmada, reiteradamente, na Sexta Turma após longa reflexão que fiz sobre o tema ao tomar assento naquele Colegiado.
Na oportunidade, a questão ainda se encontrava ao nível do debate. Pedi vista, fiz um judicioso estudo sobre o tema, e convenci-me de que, efetivamente, na hipótese de alienação fiduciária em garantia, não se configura o caso de depositário infiel no sistema como é regido na nossa lei comum, no Código Civil. Por isso, na hipótese, confi-
gura-se uma evidente pnsao por dívida, instrumentalizada por um diploma arcaico que foi inspirado pelos detentores do poder econômico, que encontraram esse instrumento legal para obter o pagamento pronto de suas dívidas pela constrição física dos devedores.
Trata-se de tema que afronta nossa tradição constitucional que sempre, desde a Constituição de 1934, consagrou como uma de suas garantias proibir a prisão civil por dívida.
Pedindo vênia aos ilustres integrantes da Quinta Turma, continuo a manter entendimento de que, no caso, não há depositário infiel e, por isso, a prisão é ilegal."
Conseqüentemente, acatando o entendimento da 3ª Seção, voto pelo provimento do recurso, cassando-se a prisão civil decretada.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 1.446 - SP
(Registro nº 91.0024154-7)
Relator: O Sr. Ministro Cid Flaquer Scartezzini
Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo
Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Impetrado: Juízo de Direito da Infância e da Juventude de Presidente Prudente-SP
Interessado: Vandecir Clever Martins
EMENTA: RMS - Mandado de segurança - Ministério Público - Titularidade.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 325
- Constitui prerrogativa dos membros do Ministério Público utilizar-se do mandado de segurança, na defesa de suas atribuições legais, quando lesadas por ato ilegal de autoridade administrativa ou judiciária.
- Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros José Arnaldo, Felix Fischer, Edson Vidigal e José Dantas.
Brasília, 03 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro EDSON VIDIGAL, Presidente. Ministro CID FLAQUER SCARTEZZINI, Relator.
Publicado no DJ de 04-08-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CID FLAQUER SCARTEZZINI: Trata-se de recurso em mandado de segurança impetrado contra o v. acórdão da Câmara Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por votação unânime, julgou extinto o processo sem apreciação do mérito.
Subiram os autos e, nesta Superior Instância a douta Subprocuradoria Geral da República (fls. 72), assim relatou o feito:
"1. Por entender que a competência para conceder remissão a menor sem antecedentes criminais era do juiz, não do Ministério Público - pois que em contrário importaria em invasão a prerrogativa própria do Judiciário - o Dr. Juiz proferiu decisão que embora outorgando-a considerou irritada a anterior expedida pelo Dr. Promotor.
2. Impetrado por este Mandado reivindicando a sua indiscutível competência nos termos do art. 126 do Estatuto da Criança e do Adolescente, - e embora o órgão do Ministério Público em segunda instância encampasse o mesmo entendimento - o Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo vem sistematicamente não conhecendo do recurso. Ora sustenta que discutindo-se o "resguardo de uma atividade de agente público" - e, não, o próprio "direito individual de que seja titular", o elemento autorizador do writ, nega ao Dr. Promotor titularidade para o serviço da ação. Ora entende que a competência para requerer a Segurança em segunda instância seria do Dr. Procurador-Geral ou dos Procuradores de Justiça, não do Dr. Promotor, conforme dispõe lei estadual.
326 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
3. Neste caso o Dr. ProcuradorGeral da Justiça do Estado de São Paulo ratificando o pedido de segurança, demonstrou a improcedência do v. entendimento." (fls. 72173).
Afinal opinou pelo provimento do recurso, a fim de o Tribunal a quo conhecer e julgar a espécie.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CID FLAQUER SCARTEZZINI (Relator): Sr. Presidente, este o parecer do órgão do Ministério Público Federal (fls. 73175), que me permito transcrever e adotar, na íntegra:
"Realmente, está hoje consagrada a titularidade do uso do writ não só pelas pessoas de direito privado, como também pelas de direito público, visto que, como acentua o magnífico recurso (parte integrante deste):
"Com efeito, no campo de direito subjetivo público os bens, por se revestirem de essencialidade à vida na sociedade politicamente organizada e não permitirem uma fruição com caráter absoluto e exclusivo, se relacionam não só com o indivíduo mas preponderantemente com a sociedade. E, na maioria das vezes, em um dos pólos da relação de subordinação estará colocado um órgão ou instituição, que representam, a
um só tempo, o indivíduo e a coletividade. Neste caso, embora a norma estabeleça, claramente, uma relação de subordinação entre o bem e aqueles sujeitos, estes atuam para assegurar a fruição para a coletividade e não para si mesmos.
Ainda recentemente o Colendo Pretório Excelso conheceu de ação de mandado de segurança ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra ato do Senhor Presidente da República, que violara sua prerrogativa de designar Membro da Instituição para exercer atribuições junto à Justiça do Trabalho."
Quanto à competência do Dr. Promotor para requerer segurança,
"A referida lei estadual não pode servir de fundamento legal à respeitável decisão porque dispõe, expressamente, serem atribuições dos Promotores de Justiça "impetrar habeas corpus e mandado de segurança, inclusive perante os Tribunais locais competentes, contra atos de autoridades administrativa ou judiciária, praticados em sua área de atribuições funcionais" (art. 39, V). A compatibilidade deste dispositivo com os artigos 10 e 14 da LC n Q 40/81 veio afirmada por Ada Penegrini Grinover em magnífica síntese: "não obstante, não há conflito entre a lei federal e a estadual porquanto no exer-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 327
cício de funções perante os Tribunais locais. O ato corresponde à interposição de um recurso -pois os writs nesses casos fazem as vezes de recursos -, por parte do promotor que funciona em 1 Q grau e que tem o imediato conhecimento do constrangimento ou abuso de poder, a serem imediatamente sustados da maneira mais eficaz".
E, mais adiante, de forma lapidar:
"Inobstante o Ministério Público seja uno e indivisível, é estruturado em cargos com definições de atribuições quer no tocante ao aspecto territorial quer no tocante às diversas funções institucionais. No exercício dessas atribuições, o membro do Ministério Público, quer de primeira quer de segunda instância, fica investido de todas as prerrogativas, faculdades, poderes e deveres conferidas à Instituição. Ocorre, pois, a personalização dessas prerrogativas, faculdades, poderes e deveres, cujo exercício é plasmado pela independência funcional. É esta independência funcional- prevista constitucionalmente - que legitima o Promotor de Justiça a usar de todos os recursos legais para defender e fazer respeitar aquele feixe de atribuições, lesados por ato ilegal de autoridade administrativa ou judiciária, sem qualquer prévio assentimento ou concordância dos ór-
gãos superiores da administração e execução."
Tal entendimento está ratificado pela Excelsa Suprema Corte pois, no HC n Q 66.794/SP, relatado pelo eminente Ministro Moreira Alves, em seção de 16 de dezembro de 1988, o v. acórdão ficou assim ementado:
"Habeas corpus - Mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público para a obtenção de efeito suspensivo para apelação.
Esta Corte tem admitido mandado de segurança contra ato judicial no âmbito criminal (RE n Q
85.278, RTJ 83/255 e segs.). Por outro lado, sendo o Ministério Público parte na relação jurídica processual, pode ele utilizar-se do mandado de segurança. E a impetração compete ao Promotor de Justiça quando o ato atacado emana do juiz de primeiro grau de jurisdição.
Ausência de ilegalidade na concessão de mandado de segurança que deu efeito suspensivo à apelação do Ministério Público contra a concessão da sentença, para o cumprimento de pena de reclusão, ao regime de prisão albergue domiciliar.
Habeas corpus indeferido." (in RTJ 128/1.199)."
Desta forma, dou provimento ao recurso para que baixem os autos e o Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo conheça e julgue o Mandado de Segurança.
É como voto.
328 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA NQ 2.402 - RJ
(Registro n Q 92.0032122-4)
Relator: O Sr. Ministro Cid Flaquer Scartezzini
Recorrente: Júlio César Gomes da Silva Advogado: Evandro Luis de Sousa Oliveira
Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Impetrado: Presidente do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
EMENTA: Administrativo - Concurso público - Revisão de provas_
- Concede-se a revisão de provas em concurso público com o fito de preservar a probidade administrativa.
- Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso para garantir ao recorrente candidato o direito de ter a sua prova revisada. Votaram com o Relator os Srs. Ministros José Arnaldo, Felix Fischer, Edson Vidigal e José Dantas.
Brasília, 28 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro EDSON VIDIGAL, Presidente. Ministro CID FLAQUER SCARTEZZINI, Relator.
Publicado no DJ de 30-06-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CID FLAQUER SCARTEZZINI: Trata-se de Recur-
so Ordinário Constitucional interposto contra o v. acórdão do 3Q Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o qual denegou mandado de segurança em que se impugnava a recusa de vista das provas em concurso para Defensor Público, bem como a inadmissibilidade da revisão das notas, atribuídas ao recorrente.
Nesta Superior Instância, o douto MPF é pelo conhecimento e provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CID FLAQUER SCARTEZZINI (Relator): Sr. Presidente, presentes os requisitos de admissibilidade (art. 105, lI, b, da CF), admito o recurso.
N o mérito deve ser provido, e nos exatos termos do parecer do douto
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 329
Subprocurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, quando às fls. 146/147, assim se pronunciou:
"Com inteira procedência, observou o ilustre Desembargador Sérgio Cavalieri, em seu voto, vencido:
A liberdade ou poder discricionário da Administração entretanto, não vai ao ponto de poder violar a Constituição, por isso que toda lei, decreto, regulamento ou qualquer ato normativo encontra a sua base de validade na Lei Maior. Importa dizer que o regulamento é a lei do concurso, pelo que deve ser cumprido, salvo se conflitante com preceitos constitucionais ou legais, no que se torna inoperante. E tal é o caso dos autos.
Tenho para mim que a farta jurisprudência trazida à colação pela honrada autoridade impetrada tornou-se inaplicável em face da nova ordem constitucional, e ainda porque não está o Judiciário a alterar os critérios de aferição das provas estabelecidos pela Administração, nem a fazer arredondamento de notas, mas tão-somente a assegurar ao impetrante o direito de recorrer e ver reexaminada, na própria esfera administrativa, a decisão da banca examinadora que o reprovou. Os motivos que ensejaram tal decisão hão de ser conhecidos do impetrante,
pois está em causa o seu direito constitucional de ampla defesa e de acesso competitivo aos cargos públicos, não podendo prevalecer o puro arbítrio da Administração.
Em memorável julgamento do Colendo Supremo Tribunal Federal, no recurso de Mandado de Segurança n Q 17.999, o saudoso Ministro Victor Nunes Leal, uma das mais fulgurantes inteligências que já passaram pela nossa Suprema Corte, assim se expressou:
Ora, um concurso não pode ser público apenas pela metade, vale dizer, apenas para aferição dos méritos dos candidatos, ficando a sua outra parte, isto é, aquela que se relaciona com os deméritos ou faltas pessoais de cada concorrente, ao puro e reservado arbítrio das autoridades processantes do concurso. O concurso sigiloso em relação aos deméritos dos candidatos, ensejaria, por via de discriminação, o mesmíssimo favoritismo, cuja proibição foi colimada através da publicidade ...
Inegavelmente, cabe ao judiciário verificar se o ato lesivo a direito subjetivo do cidadão está ou não motivado. E se a autoridade impetrada não quer, ou não pode justificar a legitimidade de seu ato, a conclusão que impõe será sempre no sentido
330 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
de tratar-se de abuso ou arbítrio, sanável pelo remédio heróico" (RTJ, voI. 44/580-583). (fls. 114/116).
Da mesma forma, as decisões dos nossos Tribunais, são de entendimento idêntico, haja vista os arestos colacionados pelo MP, nos seguintes teores:
"Administrativo. Concurso público. Controlador de arrecadação federal. Vista de prova.
1. Em respeito à moralidade da atividade administrativa, impõese a concessão de vista das provas em qualquer concurso público.
2. Remessa oficial conhecida e improvida" (REO nº 107.827/DF, ReI.: Min. Jesus Costa Lima, DJ 26.2.87).
"Administrativo. Concurso público. Revisão de prova.
I - Norma de edital de concurso, que inadmite revisão de prova, compromete a transparência do certame e põe sob suspeita a lisura na correção das provas.
II -Anorma editalícia, in casu, não pode prevalecer sobre o bem jurídico maior a ser protegido, que é a probidade administrativa." (AMS nQ 125.282/MT, ReI.: Juiz Hermenito Dourado, DJ 16.4.90).
Com estas considerações, dou provimento ao presente recurso para garantir ao recorrente-candidato o direito a ter a sua prova revisada, reformando-se, com isso, o v. acórdão.
É como voto.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA NQ 2.780 - RJ
(Registro nº 93.0008836-0)
Relator: O Sr. Ministro Cid Flaquer Scartezzini
Recorrente: Sílvio Lopes de Magalhães
Advogado: Ricardo Guimarães dos Santos
Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Impetrado: Juízo de Direito da 3ª Vara Cível de Volta Redonda-RJ
Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social- INSS
EMENTA: RMS - Assinatura de termo de gratuidade judicial - Ilegalidade - Renovação periódica de procuração e não aceitação de procuração com poderes para receber e dar quitação -Imposição limitativa da lei processual civil.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 331
- Ofende o comando constitucional, inserto no art. 59, inciso 11, da Constituição Federal, o provimento que exige a assinatura de Termo de Gratuidade Judicial, quando a lei não o prevê.
- Da mesma forma, não se admite a renovação periódica de procuração, quando tal exigência, também através de provimento, constitui imposição limitativa aos termos do art. 38 da lei processual civil.
- Constitui, igualmente, imposição limitativa ao teor da norma processual do art. 38, a não aceitação de procuração com poderes para receber e dar quitação.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros José Arnaldo, Felix Fischer, Edson Vidigal e José Dantas.
Brasília, 28 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro EDSON VIDIGAL, Presidente. Ministro CID FLAQUER SCARTEZZINI, Relator.
Publicado no DJ de 30-06-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FLAQUER SCARTEZZINI: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança dirigido contra o v. acórdão da 7ª Câmara Cível do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de J aneiro, cuja ementa restou assim redigida:
"Ordinária. Despacho que manda cumprir Provimento da Corregedoria Geral da Justiça deste Estado. Ilegalidade. Inexistência. Denegação do mandado."
A impetração originária demonstra a recusa do ora impetrante contra exigência de atualização de procuração sem data ou datada há mais de seis meses, bem como contra a imposição de assinatura de termo judicial de gratuidade de justiça e ainda contra a proibição de outorga de poderes ao patrono, para receber importância.
Após as contra-razões pelo MP estadual, subiram os autos e mereceram parecer da douta Subprocuradoria Geral da República no sentido do seu provimento.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO FLAQUER SCARTEZZINI (Relator): Sr. Presidente, o parecer da douta Subprocuradoria Geral da República, da lavra do Dr. Edinaldo de Holanda
332 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
Borges, é de uma clareza ímpar e, assim, merece ser transcrito, quando não, tecer comentários sobre a matéria em foco, haveria de ser repetitivo com a tese do ilustre Subprocurador-Geral. Assim, eis o trecho fundamental:
"A gratuidade judicial, regulada pela Lei l.060/50, com a redação dada pela Lei 7.510, de 04 de julho de 1986, decorre, segundo o art. 4Q
, da simples afirmação, na petição inicial, da falta de condições para pagamento das custas do processo e honorários de advogado. A exigência, por Provimento e não por lei, de assinatura de termo é descabida e metajurídica, incidindo no comando constitucional proibitivo de que ninguém é obrigado a fazer, senão o que a lei determina.
Do mesmo juiz é a exigência, por Provimento, de renovação periódica da procuração. Tal imposição é implicativa de limita-
ção dos termos do art. 38 do Código de Processo Civil, importando em denegação de sua plena eficácia.
Finalmente, a não aceitação de mandado com poderes para receber importâncias é também limitativa do teor da norma processual do art. 38, o que não se coaduna com a regra regulamentativa de Lei."
Com toda razão o bem elaborado parecer do digno representante do Ministério Público Federal, o que me faz adotá-lo como razões de decidir, assim, dou provimento ao presente recurso para, reformando o v. acórdão recorrido, conceder a segurança pleiteada no sentido de fazer cessar os efeitos do Provimento n Q
262/91, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro contra o ora recorrente, e que se prossiga no feito, normalmente.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 36.944 - RO
(Registro n Q 93.0019976-5)
Relator: O Sr. Ministro Edson Vidigal
Recorrente: Antonio Morimoto
Advogado: Antonio Morimoto
Recorridos: Mauricio Calixto da Cruz e outro
Advogados: Carlos Augusto Gomes Lobo e outro
EMENTA: Lei de Imprensa. Direito de resposta. Descumprimento. Multa prevista no § 52 do art. 32.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 333
1. A multa prevista no § 52 do art. 32 da Lei de Imprensa decorre do descumprimento de uma obrigação de natureza civil- a recusa em publicar a resposta-retificação enviada pela parte - sendo, portanto, devida ao ofendido, e não ao Estado.
2. Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Ministro-Relator. Votaram com o Relator, os Srs. Ministros José Dantas, Cid Flaquer Scartezzini, José Arnaldo e Felix Fischer.
Brasília, 28 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro EDSON VIDIGAL, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 09-06-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL: Sentindo-se ofendido em sua honra em razão de fatos caluniosos e difamatórios contra si publicados pelo Jornal "O Estadão do Norte", que circulou nos dias 23 e 24 de abril de 1989, Antônio Marimoto, advogado e suplente de Senador - depois de fracassada a via direta -pleiteou judicialmente o seu direito de resposta.
O Juiz de primeiro grau condenou Mario Calixto Filho e Maurício
Calixto Cruz, respectivamente presidente e vice-presidente daquele jornal, a publicar a resposta-retificação no prazo de 24 horas, sob pena de multa por dia de atraso, no dobro do seu valor legal.
O Tribunal de Justiça de Rondônia não conheceu da apelação interposta pelos requeridos ao fundamento de que a resposta não foi publicada, sendo que o recurso não tem efeito suspensivo.
Devolvidos os autos ao juízo de primeiro grau para cumprimento da decisão, os ora recorridos impugnaram os cálculos referentes a multa e custas.
O recorrente manifestou-se pela rejeição da impugnação, sendo que os cálculos foram atualizados a seu pedido.
Inconformado com a decisão que apreciou a impugnação dos ora recorridos, mandando efetuar novos cálculos, manifestou o recorrente Apelação, que foi parcialmente provida no Tribunal de Justiça de Rondônia. O Acórdão, no que interessa, está assim ementado:
"Apelação criminal - Lei de Imprensa (Lei n 2 5.250 / 67) -Direito de reposta - Omissão do apelado - Pena de multa - Cálculos - Competência do juiz das
334 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
execuções penais - Pena pecuniária devida ao Estado.
C .. ) O valor da pena pecuniária destina-se ao Estado e não ao particular, a quem remanesce íntegro, o direito de reivindicar reparações de danos na órbita civil a teor do disposto no art. 35 da Lei n Q 5.250/67."
Rejeitados seus Embargos Declaratórios, interpôs o vencido, Recurso Especial, alegando violação à Lei 5.250/67, art. 32, § 5Q
•
Sustenta que o beneficiário da multa prevista no referido dispositivo é o ofendido e não o Estado.
Admitido na origem o recurso vieram os autos a esta Corte. '
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do apelo especial.
Relatei.
VOTO
SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL (Relator): Senhores Ministros , a multa prevista no § 5Q do art. 32 da Lei de Imprensa não tem natureza penal. Decorre ela do descumprimento de uma obrigação civil imposta pela lei.
Com efeito, pleiteado extrajudicialmente o direito de resposta, não obteve sucesso o requerente, que teve que recorrer à via judiciária para satisfação do seu direito.
A multa surge, então, como sanção civil ao periódico, que se recu-
sou a publicar a resposta que lhe foi dirigida diretamente.
Não é outra a posição de Darcy Arruda Miranda, que afirma em sua obra "Dos Abusos da Liberdade de Imprensa", verbis:
"Essa multa será aplicada em benefício do ofendido, sendo exigível a partir do prazo dado na sentença, nada importando o provimento que venha a ser concedido pela superior instância à apelação do jornal ou periódico. (Dos Abusos da Liberdade de Imprensa, Revista dos Tribunais, 1959, pág. 435)"
N este sentido também o Acórdão proferido na Apelação 103.537, pela Primeira Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, do qual extraio o seguinte trecho:
"Esse processo da retificação compulsória independe do processo criminal. Antecede-o e pode o ofendido satisfazer-se com essa providência sem iniciar queixacrime pelas ofensas que imputa o jornal. C .. ) À evidência, portanto, que a multa cominada pela falta da publicação da resposta compulsória, nada tem de comum com a que é imposta por infração penal. Pela infração o responsável fica sujeito, além das penas detentivas à multa, caso não publique a s~ntença condenatória (art. 50, § 1 Q). Quanto à outra, embora aplicada pelo juiz criminal, é de interesse exclusivo do ofendido no exercício do seu direito de p~dir
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 335
a retificação e, conseqüentemente de reclamar o pagamento se não cumprida a ordem judicial."
Assim, reputo violado o art. 32, § 5º da Lei de Imprensa e dou provimento ao recurso para declarar que a multa prevista no referido dispositivo é devida ao recorrente.
É o voto.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS: Senhor Presidente, vou acompanhar o voto do Sr. Ministro-Relator, com possíveis ressalvas futuras.
RECURSO ESPECIAL Nº 68.134 - SP
(Registro nº 95.0030050-8)
Relator: O Sr. Ministro Edson Vidigal
Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo
Recorrido: Geraldo Alves Pereira
Advogado: José Rodolfo Furlan
EMENTA: Penal. Contravenção. Porte ilegal de arma de fogo. Confisco.
1. Ressalta do artigo primeiro da Lei das Contravenções Penais a possibilidade de confisco da arma de fogo, inexistindo, nessa lei, disposição sobre os efeitos da condenação.
2. Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Ministro-Relator. Votaram com o Relator, os Srs. Ministros José Dantas, Cid Flaquer Scartezzini, José Arnaldo e Felix Fischer.
Brasília, 14 de abril de 1997 (data do julgamento)
Ministro EDSON VIDIGAL, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 09-06-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL: Condenado ao pagamento de 10 (dez) dias-multa por porte ilegal de arma (LCP, art. 19), Geraldo Al-
336 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
ves Pereira requereu, após o trânsito em julgado da sentença, a restituição do revólver apreendido em seu poder.
Indeferido o pedido, interpôs Apelação que foi provida no Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, que considerou "incabível o confisco em se tratando de contravenção, pois, em obediência ao princípio da estrita legalidade, a expressão crime deve ser entendida em sentido estrito, como espécie do gênero infração penal, e não o contrário."
Manifestou o Ministério Público Recurso Especial fundado na Constituição, art. 105, III, a e c. Alega que o Acórdão do Tribunal local, ao deferir a restituição da arma, violou o CP, art. 91, II, a e a Lei das Contravenções Penais, art. 1 Q, além de divergir de julgados de outros Tribunais.
Admitido na origem o recurso, sem contra-razões subiram os autos.
O Ministério Público, nesta instância, opinou pelo seu provimento.
Relatei.
VOTO
O SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL (Relator): Senhores Ministros, sustenta o recorrente que o art. 91, II, a, do Código Penal, é aplicável também em caso de condenação por contravenção penal, e não apenas em caso de crime, como entendeu o Acórdão recorrido.
Razão assiste ao recorrente.
É tranqüilo o entendimento desta 5ª Turma no sentido de que aplica-se o referido dispositivo do Diploma Penal também às hipóteses de condenação por contravenção. A propósito:
STJ, 5ª Turma, REsp 75.566-SP, Relator Ministro José Dantas, DJ 24/3/96.
"Criminal. Contravenção. Porte ilegal de arma.
- Confisco. Legalidade da perda da arma portada sem a devida autorização, conforme a orientação do STJ, assentada em aplicação do art. 91, II, a, do Cód. Penal, com o art. 1 Q da LCP."
STJ, 5ª Turma, REsp 7.713-RJ, Relator Ministro Cid Flaquer Scartezzini, DJ 17/6/91.
"Penal. Contravenção. Porte ilegal de arma de fogo. Confisco.
- A condenação por contravenção de porte de arma, impõe a aplicação, por analogia, do confisco autorizado pelo art. 91, II, a, do cód. Penal.
- Recurso conhecido e provido."
Assim, na esteira desses e de outros precedentes da Corte, dou provimento ao recurso para cassar o Acórdão recorrido e restabelecer a decisão de primeiro grau que indeferiu a restituição da arma.
É o voto.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 337
RECURSO ESPECIAL Nº 86.290 - SP
(Registro nº 96.0003878-3)
Relator: O Sr. Ministro José Dantas
Recorrente: Nelson Rodrigues
Advogados: Drs. Nunzio Monaco e outro
Recorrido: José Jorge Neves
Advogados: Drs. Paulo Calixto Bartolomeu Simoni e outro
EMENTA: Locação revisional. Curso do prazo premonitório de doze meses.
- Ressalva do art. 68, § 1 º, da Lei 8.245/91. Incensurabilidade da interpretação dos novos dispositivos locatícios, na conclusão de que o prazo superior a 30 dias para desocupação do imóvel não obsta a ação revisional.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Ministros Cid Flaquer Scartezzini, José Arnaldo, Felix Fischer e Edson Vidigal.
Brasília, 03 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro EDSON VIDIGAL, Presidente. Ministro JOSÉ DANTAS, Relator.
Publicado no DJ de 30-06-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS: Eis como a espécie restou bem
esclarecida no despacho de admissão do recurso, lavra do Juiz Boris Padron:
"Conquanto não tenha o recorrente declinado o dispositivo constitucional de interposição do apelo, passo ao exame prévio de sua admissibilidade.
Interposto recurso especial por locatário, em autos de ação revisional de aluguel, sob a alegação de ofensa às Medidas Provisórias 566 e 596, bem como interpretação do artigo 68, § 1 º, da Lei 8.245/91 em confronto com o disposto no artigo 78, da mesma lei.
Cinge-se a controvérsia em saber se é possível a propositura de ação revisional de aluguel contra locatário que foi notificado para desocupar o prédio locado em doze meses, na medida em que o venerando acórdão entendeu
338 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
que, no caso dos autos, o prazo de doze meses concedido ao inquilino é o previsto no artigo 78 da Lei Inquilinária, o qual não se enquadra na restrição legal imposta no artigo 68, § 12 , do mesmo diploma legal. Acrescentando que essa norma aplica-se a período inferior a trinta dias para desocupação. Assim, concluiu que o prazo superior a trinta dias para desocupação do imóvel não obsta à ação revisional.
Assim sendo, não obstante a razoabilidade da interpretação conferida nesta instância à questão federal ora suscitada, presentes os pressupostos constitucionais a ensejar a abertura da via especial, já que a aplicação da Súmula 400 do Pretório Excelso vem sendo rejeitada pelo Superior Tribunal de Justiça (cf. AI 15.531-SP - STJ -1ª T. - ReI. Min. Pedro Acioli - J. em 13.11.91 - DJU de 18.11.91, págs. 16.721/22; AI 15.786-SPSTJ - 1ª T. - ReI. Min. Demócrito Reinaldo - J. em 3.2.92 -DJU de 12.2.92, pág. 999).
Cuidou o recorrente de apontar julgados deste Tribunal a fim de caracterizar eventual dissídio, os quais desdejá ficam afastados ante o teor da Súmula 13 do Superior Tribunal de Justiça. Ademais, com relação aos julgados de Porto Alegre, verifico que não restaram cumpridos os ditames impostos pelo artigo 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
Pelo exposto, admito o recurso especial pela alínea a do per-
missivo constitucional. Encaminhem-se os autos ao Superior Tribunal de Justiça.
Anote-se a interposição de recurso extraordinário, não admitido por decisão em separado." -fls. 80/81.
Relatei.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS (Relator): Senhor Presidente, começo por apoiar a restrição da admissão do recurso por carência de demonstração do alegado dissídio jurisprudencial.
Quanto à letra a, por mais que o recorrente tenha-se estendido em malsinar o rigor normativo da nova lei locatícia, sem se fixar, porém, nesse ou naquele dispositivo confrontado dentre os diversos textos legais arrolados, vejo que, ainda quando se permita o exame do recurso sem referência ao permissivo, sua inviabilidade é manifesta.
Manifesta porque, embora singela a proposição do acórdão, a mesma se revela incensurável na aplicação dos arts. 68, § 12,46, § 22 , 57 e 78, numa gama associativa da melhor hermenêutica. Tenho, pois, incensurável o teor do voto condutor do acórdão, relatoria do Juiz José Malerbi, assim concebido:
"Não obstante os ponderáveis argumentos da sentença, tem razão o apelante.
A atual Lei do Inquilinato não admite, efetivamente, o ajuiza-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 339
mento de ação revisional de aluguel na pendência de prazo para desocupação, nas hipóteses que especifica.
A norma do art. 68, § 1 Q, da Lei 8.245/91 é expressa nesse sentido. Faz remissão aos arts. 46, 2Q, e 57. Ambos cuidam de denúncia vazia, com prazo de 30 dias para desocupação. Ainda que não se entenda taxativa a enumeração legal, no mínimo a norma do art. 68 aplica-se a período igualou inferior a 30 dias para desocupação.
No caso dos autos, o prazo concedido ao inquilino é o de 12 meses, previsto no art. 78 do mes-
mo diploma. A hipótese não se enquadra portanto na restrição legal. A propósito, em país de histórica espiral inflacionária, seria totalmente desarrazoado o inquilino permanecer por 12 meses no imóvel, pagando aluguel progressivamente defasado. Ocorreria, sem dúvida, enriquecimento sem causa do locatário, o que não se admite.
Em resumo, o prazo superior a 30 dias para desocupação do imóvel não obsta a ação revisional." - fls. 45/46.
Pelo exposto, não conheço do recurso.
RECURSO ESPECIAL NQ 94.717 - DF
(Registro n Q 96.0027218-2)
Relator: O Sr. Ministro Edson Vidigal
Recorrente: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Recorrido: Jaciel Pompeu Campos
Advogado: Alair Ferraz da Silva
EMENTA: Penal. Aplicação da pena. Crime autônomo considerado como circunstância judicial para elevação da pena-base. Impossibilidade.
1. Não pode o juiz, no momento da aplicação da pena, elevar a pena-base em face de circunstância que constitui crime autônomo.
2. Recurso provido.
340 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Ministro-Relator. Votaram com o Relator, os Srs. Ministros José Dantas, Cid Flaquer Scartezzini, José Arnaldo e Felix Fischer.
Brasília, 13 de maio de 1997 (data do julgamento).
Ministro EDSON VIDIGAL, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 04-08-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL: Era alta madrugada quando Jaciel Pompeu Cândido, 21 anos, açougueiro, acordou seu irmão Rubens e o convidou para passear na pick-up/Toyota que ele havia subtraído, momentos antes, em Ceilândia Norte, depois de forçar o quebra-vento e fazer uma "ligação direta". Mas o passeio automobilístico de J aciel durou pouco. Na Av. Sandu Norte, um ônibus freiou abruptamente na sua frente, a colisão foi inevitável, os dois irmãos ficaram bastante lesionados.
A sentença condenou Jaciel por crime de furto (CP, art. 155, caput) a 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, com sursis pelo prazo de dois anos.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios negou provimento ao apelo da defesa, em Acórdão assim ementado:
"Furto. Estando a autoria e a materialidade do delito comprovadas, não há como absolver o apelante, como também não se pode diminuir a pena tendo em vista inocorrer as causas especiais previstas na parte geral e especial do Código Penal Brasileiro. Desprovido o recurso à unanimidade."
Manifestou o Ministério Público Recurso Especial fundado na Constituição, art. 105, lU, a.
Sustenta que o Acórdão do Tribunal local, ao manter a sentença de primeiro grau, violou o CP, art. 59, tendo em vista que o juiz sentenciante levou em consideração, para aumentar a pena do ora recorrido, circunstância caracterizadora de delito autônomo; ou seja, as lesões corporais sofridas pelo menor, o que "poderá acarretar bis in idem e cerceamento de defesa". Aduz, ainda, que remeteu cópia dos autos à Procuradoria de Justiça para a adoção das medidas cabíveis quanto ao possível crime de lesões corporais. Requer seja a pena do recorrido diminuída para 1 ano e dois meses de reclusão e 40 dias-multa.
Admitido na origem o recurso, com as contra-razões vieram os autos a esta instância.
A Subprocuradoria Geral da República opinou pelo seu provimento.
Relatei.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 341
VOTO
O SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL (Relator): Senhores Ministros, como se viu do relatório, o recorrido, momentos após a subtração do veículo, veio a chocar-se com a traseira de um ônibus, sendo que do acidente resultaram lesões corporais nele próprio e em seu irmão, que ocupava o assento do carona.
O juiz de primeiro grau, no momento da aplicação da pena ao recorrido pelo crime de furto, elevou a pena-base em razão das lesões corporais sofridas pelo menor no acidente.
Evidentemente, este fato, que constitui crime autônomo, não poderia ser considerado quando da análise das circunstâncias judiciais previstas no CP, art. 59, sob pena
de verificar-se o chamado bis in idem. Como bem acentuou o parecer do MPF, "As lesões ocasionadas no irmão do recorrido devem ser apuradas em ação penal uma vez que constituem um fato típico."
Destarte, o Acórdão recorrido, ao confirmar a decisão de primeiro grau, violou o art. 59 do Código Penal.
Assim, dou provimento ao recurso para reduzir a pena do recorrido para 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo.
Presentes os requisitos previstos no Código Penal, suspendo a execução da pena privativa de liberdade pelo prazo de dois anos.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 104.978 - SP
(Registro n Q 96.0052981-7)
Relator: O Sr. Ministro José Dantas
Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social- INSS
Advogada: Dra. Ana Francisca Moreira de Souza Sanden
Recorridos: Marcelino Pereira da Rocha e cônjuge
Advogado: Dr. João Antônio Francisco
EMENTA: Previdenciário. Ação acidentária. Autônomo.
- Pensão por morte. Indevida a dependente de autônomo na vigência da Lei 8.213/91 (art. 18, § 1 Q), sem a alteração da Lei 9.032/ 95.
342 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Ministros Cid Flaquer Scartezzini, José Arnaldo, Felix Fischer e Edson Vidigal.
Brasília, 26 de maio de 1997 (data do julgamento).
Ministro EDSON VIDIGAL, Presidente. Ministro JOSÉ DANTAS, Relator.
Publicado no DJ de 30-06-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS: A espécie está bem relatada pelas linhas da decisão que admitiu o recurso da lavra do Juiz José Horácio, Vice-Presidente do 2Q TAC/ SP, textual:
"Trata-se de recurso especial fundamentado no artigo 105, lII, a, da Constituição Federal, sob a alegação de ofensa aos artigos 11, 18, § 1Q
, da Lei 8.213/91 e 301, § 4Q do Código de Processo Civil porque concedido o benefício da pensão acidentária e pecúlio para dependentes de montador autônomo, falecido em virtude de acidente de trabalho. No entanto, para esta categoria de segurado obrigatório, a lei não estende
aqueles benefícios. Reclama, ainda, a incompetência absoluta da Justiça Estadual.
De proêmio, observo, é certo que a incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição. Não menos certo, porém, que trata-se de questão nestes autos já decidida pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, cujo acórdão transitou em julgado, sem qualquer impugnação recursal das partes naquela esfera jurisdicional." - fls. 103.
Relatei.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS (Relator): Senhor Presidente, assiste inteira razão à decisão ao dar por preclusa a suscitação de incompetência, vez que a questão resultou trânsita em julgado pelo acórdão do TRF/3ª Região de fls. 58.
De respeito ao cabimento de pensão por morte a dependente de trabalhador autônomo, tema dito ofensivo aos arts. 11 e 18, § 1 Q da Lei 8.213/91, tem-se que, embora o autônomo seja segurado obrigatório da Previdência Social (art. 11, inciso IV da Lei 8.213/91) está excluído dos benefícios 'resultantes de acidente do trabalho, consoante art. 18, § 1 Q
da mesma lei. É o que se lê:
"Art. 18- .............................. .
§ 1 Q. Só poderão beneficiar-se do auxílio-acidente e das disposições especiais relativas a aci-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 343
dente do trabalho os segurados e respectivos dependentes mencionados nos incisos I, VI e VII do art. 11 desta Lei, bem como os presidiários que exerçam atividade remunerada."
"Art. 11- São segurados obrigatórios da Previdência social, as seguintes pessoas físicas:
I - como empregado:
II - como empregado domés-tico: ............................................. .
UI - como empresário: ........... .
IV - como trabalhador autô-nomo: ........................................... .
V - como equiparado a traba-lhador autônomo: ....................... .
VI - como trabalhador avulso:
VII - como segurado especial: "
Ressalte-se que, conquanto a Lei 9.032, de 28.04.95, tenha limitado a proibição ao auxílio-acidente, excluindo, assim, as demais "disposições especiais relativas a acidente do trabalho", no presente caso, o acidente ocorreu em 17.09.91, época em que vigia a Lei 8.213/91 (tempus regit actum).
De notar ainda que a exclusão legal aos benefícios acidentários abrangia, também, outras categorias de segurados obrigatórios, a saber: os domésticos, os empresários e os equiparados aos autônomos.
Pelo exposto, conheço do recurso e o provejo, para julgar improcedente a ação, sem ônus por se tratar de justiça gratuita.
RECURSO ESPECIAL NQ 112.930 - PR
(Registro n Q 96.0070883-5)
Relator: O Sr. Ministro José Arnaldo
Recorrente: Alceu Pigorim (preso)
Recorrido: Ministério Público do Estado do Paraná
Advogado: Dr. Ercilio Rodrigues de Paula
EMENTA: REsp. Direito Penal. Pena. Regime prisional.
- Ao estabelecer o regime de cumprimento de pena, deve o julgador examinar os requisitos objetivos e subjetivos, em atenção ao disposto no art. 59 do Código Penal.
- Recurso conhecido e provido.
344 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Felix Fischer, Edson Vidigal, José Dantas e Cid Flaquer Scartezzini.
Brasília, 14 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro EDSON VIDIGAL, Presidente. Ministro JOSÉ ARNALDO, Relator.
Publicado no D.; de 26-05-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ ARNALDO: Condenado a 5 anos de reclusão por ofensa ao disposto no art. 171, da lei substantiva penal, Alceu Pigorim insuflou a instância de 2Q
grau e logrou êxito, em parte, posto a pena foi reduzida a 1 (um) ano de reclusão. Ainda inconformado, vem a esta Corte com base no art. 105, III, c, da Lei Magna, e na violação ao art. 33, § 2Q
, c e § 3Q c/c o art. 59, do Código Penal, à consideração de inexistir fundamentação no atinente ao regime fechado imposto como ao regime inicial de cumprimento da pena.
Admitido o recurso, por ocorrência de negativa de vigência à lei federal (art. 33, § 2Q
, c e § 3Q c/c o art.
59, do Código Penal), pronunciouse o Ministério Público Federal pelo não conhecimento, por não caracterizada a divergência, e quanto à violação de lei federal o tema não foi prequestionado.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ ARNALDO (Relator): Realmente, não se comprovou o dissídio pretoriano, porquanto o só transcrever a ementa do aresto tido por divergente sem o detido exame para confrontá-lo com o acórdão hostilizado - nem sempre é hábil a ensejar conhecimento do recurso. Por essa alínea, não conheço do recurso.
N o pertinente à infringência dos dispositivos do Código Penal, tenho para mim que ocorreu o prequestionamento ainda que de forma velada. Lendo-se o acórdão recorrido, depara-se com a indicação dos arts. 59 e 33, da lei substantiva penal. Destaque-se esse trecho às fls. 298:
"Diante dessas considerações prévias, fixo a pena-base em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, como resultado da valoração das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, que reduzo de 02 (dois) meses ante a reparação do dano, durante a instrução criminal, conforme consta dos autos, perfazendo a pena total de 01 (um) ano de reclusão, que torno definitiva, ante a impossibilidade do reconhecimento da circunstância agravan-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 345
te da reincidência supramencionada, bem como, pela ausência das causas de aumento ou diminuição da pena.
Determino o regime inicial fechado para o cumprimento da pena privativa de liberdade, consoante dispõe o artigo 33 do Código Penal."
Dessarte, o recurso, malgrado não haja invocado a letra a do permissivo constitucional, alegou violação ao art. 33, § 29 , c e § 3Q
, da Lei Penal.
A decisão, na linha de entendimento do STF e do STJ, que estabelecer regime de prisão mais duro a que o condenado deveria se submeter obrigatoriamente, há de trazer fundamentação. Leiam-se os precedentes citados pelo il. Presidente do Tribunal de Alçada, Dr. Dilmar Kessler, às fls. 315/16:
"REsp - Direito Penal - Pena - Regime de cumprimento ° Juiz, ao fixar o regime inicial de cumprimento da pena, deve analisar os requisitos objetivos e subjetivos. Só assim, a pena alcançará o fim enunciado no Código Penal (art. 59), ou seja, necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Indispensável ponderar o Juízo de conveniência." (Recurso Especial n Q
22.829-7-PR, ReI. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU 23.8.93, pág. 16.593).
"A fixação do regime inicial de cumprimento da pena deve ser feito, fundamentadamente, com estrita observância dos critérios previstos no art. 59 do Código Penal. Não basta, para esse efeito, a genérica referência às circunstâncias judiciais indicadas na norma legal mencionada. Quando possível, em tese, o início do processo de execução penal em regime semi-aberto, impõe-se ao juízo sentenciante a concreta indicação de elementos cuja efetiva ocorrência torne recomendável, ante as razões constantes do ato decisório, a adoção do regime fechado." (HC 69.118-8-SP, ReI. Min. Celso de Mello, DJU 10.4.92, pág. 4.799).
N a mesma linha de raciocínio, podem ainda ser citados: HC 70.150-7-RJ, ReI. Min. Octavio Gallotti, DJU 18.06.93, pág. 12.112; HC 71.088-3-SP, ReI. Min. Carlos Velloso, DJU 23.9.94, pág. 25.314; HC 72.937-1-SP, ReI. Min. Ilmar Galvão, DJU 01.12.95, pág. 41.685; HC 72.361-6-SP, ReI. Min. Carlos Velloso, DJU 22.9.95, pág. 30.592; HC 69.929-4-SP, ReI. Min. Moreira Alves, DJU 26.3.93, pág. 5.005; HC 1.567-1-GO, ReI. Min. Assis Toledo, DJU 15.2.93, pág. 1.690; entre outros."
Ante o exposto, conheço do recurso pela letra a e o provejo para, mantendo a condenação, anular a parte do acórdão que fixou o regime prisional.
346 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
RECURSO ESPECIAL NQ 116.883 - DF
(Registro n Q 96.0079521-5)
Relator: O Sr. Ministro José Dantas
Recorrente: Andrea Peixoto de Araújo
Advogados: Drs. José Gomes de Matos Filho e outros
Recorrido: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
EMENTA: Criminal. Sursis Processual. Lei n Q 9.099/95 (art. 89).
- Retroatividade. Sua inviabilidade em relação aos processos julgados anteriormente à vigência da norma legal, ainda que não transitada emjulgado a sentença condenatória. STF - Precedentes mais recentes.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Ministros Cid Flaquer Scartezzini, José Arnaldo, Felix Fischer e Edson Vidigal.
Brasília, 03 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro EDSON VIDIGAL, Presidente. Ministro JOSÉ DANTAS, Relator.
Publicado no DJ de 30-06-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS: A espécie está bem relatada no parecer da Subprocuradora-Geral Zélia Gomes, deste modo:
"A recorrente foi denunciada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios pela prática de crime previsto no art. 121, § 3Q, do Código Penal, porque, em 12 de setembro de 1992, por volta das 17:00h, conduzindo seu veículo automotor de placa BB-0047-DF, pela via DF-025 (Estrada do Parque Dom Bosco), atropelou Pedro Rodrigues Barros, que faleceu em virtude das lesões sofridas, sendo a denúncia recebida em 3 de agosto de 1994.
Processada e julgada, sobreveio-lhe sentença condenatória, em 29 de setembro de 1995, aplicando pena de um ano de detenção e mais sessenta dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, sendo a pena corporal substituída por outra restritiva de direito consistente em prestação de serviço à comunidade pelo mesmo período.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997. 347
Inconformada com a r. sentença, interpôs recurso de apelação, pretendendo ser absolvida, por entender que a prova dos autos aponta para a inexistência de culpa, tudo não passando de mera fatalidade.
Protestando pela juntada de suas razões na superior instância, estas vieram aos autos em 21 de novembro de 1995.
Estavam os autos com vista ao Ministério Público para apresentar contra-razões ao recurso e conseqüente parecer ao apelo, quando entrou em vigor a Lei n Q
9.099, de 26 de setembro de 1995, dispondo sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, em cujo art. 89 prevê a possibilidade de suspensão do processo, mediante proposta do Ministério Público, nos crimes em que a pena mínima cominada seja igualou inferior a um ano, desde que o acusado que preencha determinados requisitos aceite a proposta.
Em vista disso, a Procuradoria de Justiça, ao se pronunciar acerca do recurso, argüiu, preliminarmente, questão prejudicial no sentido de ser oportunizada, no Juízo de Primeiro Grau, a suspensão condicional do processo, que foi reiterado pelo patrono da recorrente, na sustentação oral, na sessão de julgamento da apelação.
A preliminar foi rejeitada, à unanimidade, por entender ser impossível a suspensão condicional do processo em virtude de comportar a pena corporal subs-
tituição por pena restritiva de direito, por se tratar de crime culposo. No mérito, foi mantida a r. sentença condenatória.
Inconformada com o v. acórdão, a ré interpôs recurso especial, fundado na alínea a, do permissivo constitucional, sob a alegação de que a decisão contrariou § 1Q
, do art. 89, da Lei n Q 9.099, de 26 de setembro de 1995, porquanto deveria ter determinado o retorno dos autos à primeira instância, não podendo, inclusive, adentrar no exame do mérito do cabimento, ou não, do benefício, matéria exclusiva da competência do juiz singular, bem assim o caput do aludido dispositivo, ao concluir pela sua inaplicação, quando plenamente cabível na espécie. Entendeu, ainda, contrariado o art. 77, UI, do Código Penal, porque totalmente inaplicável à espécie.
Pretende a reforma do v. acórdão guerreado a fim de que os autos baixem à primeira instância, para os fins previstos no art. 89, caput, da Lei n Q 9.099/95.
Admitido o recurso na origem, subiram os autos a essa Colenda Corte, de onde vieram ao Ministério Público Federal para pronunciamento.
Estes, em síntese, os fatos." -fls. 143/45.
Quanto ao mérito, louvando-se na doutrinação de Fabbrini Mirabete e Luiz Flávio, a ilustre parecerista se manifesta em apoio do recorrente, nesta conclusão:
348 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 311-352, novembro 1997.
"Assim, restou maltratado o art. 89, da citada Lei nº 9.099/95, pelo que, embora pessoalmente eu entenda que as normas ali contidas não devam ser aplicadas aos processos em curso por crimes praticados antes de sua vigência, por não vislumbrar o seu caráter mais benéfico ao infrator, certo que com a suspensão do processo também fica suspenso o curso da prescrição, a hipótese é de provimento do apelo, a fim de que os autos baixem em diligência para que o Ministério Público avalie a possibilidade de proposta conciliatória, vez que, segundo têm decidido nossos Tribunais, em consonância com grande parte da doutrina, o comando do art. 89, do Diploma Legal em apreço, somente não se aplica quando transitada em julgado a sentença condenatória." - fls. 146/47.
Relatei.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS (Relator): Senhor Presidente, no que pertine ao chamado sursis processual instituído pelo art. 89 da Lei 9.099/95, já se avolumam nos Tribunais, dentre outras, as controvérsias sobre os parâmetros de sua aplicação retroativa. Até onde pude alcançar, no que interessa ao caso dos autos, vem-se definindo, sem maior receio, a sua incidência retroativa, no quanto, independente de sua ordenação instrumental, contenha matéria penal favorável ao réu,
tal qual o disse a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 73.837, ReI. Min. Marco Aurélio, reportado ao precedente do Tribunal Pleno, proferido no Inq. PoI. 1.055, relatado pelo Min. Celso de Mello (DJ de 15.02.96).
Muito mais amplo se mostra o alcance desse preceito retroativo proclamado pelo Pretório Excelso, no acórdão da Primeira Turma, relatado pelo Min. Octavio Gallotti, conforme esta ementa:
"Habeas Corpus impetrado contra acórdão que, em 13.12.95, sem pedir manifestação do Ministério Público sobre a admissibilidade da suspensão do processo prevista no art. 89 da Lei nº 9.099/95, em vigor desde 27.11.95, confirmou a sentença de 19.06.95, que condenara o paciente a 15 dias de detenção e 50 dias-multa, por infringência do art. 330 do Código Penal.
Efeito retroativo das medidas despenalizadoras instituídas pela citada Lei n Q 9.099 (Precedente do Plenário: Inquérito n Q
1.055, D.J. de 24.05.96).
Pedido deferido para, anulados o acórdão e a sentença, determinar-se remessa dos autos da ação penal ao Tribunal Especial Criminal, para a aplicação, no que for cabível, do disposto nos artigos 76 e 89 da Lei nº 9.099/95." - HC 74.017, Informativo de 23 a 27.09.96.
Anote-se, por explícito, que nesse último julgado, anulou-se o acór-
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dão recorrido e a sentença condenatória por ele confirmada, pelo que ficou certo que somente a coisa julgada escaparia à discutida incidência. Aliás, essa mesma conclusão fora a dos estudos da Comissão Nacional de Interpretação da Lei 9.099/95, presidida pelo Min. Sálvio de Figueiredo, segundo informação do Ministério Público ora recorrido, a fls. 133.
Nessa aberta linha interpretativa se pôs a 6ª Turma deste Superior Tribunal, embora que em apreciação de hipóteses de processos ainda em curso instrutivo no advento do examinado diploma - REsps 101.737, relator "vencido" o Min. Vicente Leal, e HC 4.780, relator "convencido" o mesmo eminente Ministro.
Desta 5ª Turma, tem-se notícia de um único caso, relatado pelo Sr. Min. Flaquer Scartezzini, mas que versou denúncia por crime cometido já na vigência da discutida lei, pelo que o seu julgamento limitouse à questão da gravidade do delito, matéria imprópria de exame na via do hc, porque constitutiva do próprio elemento subjetivo interessado ao mérito da acusação - HC 5.027, sessão de 12.11.96. Outros casos de minha relatoria também não guardam interesse neste julgamento, porquejá se tratava da aplicação da regra suspensiva ao revel, com autorização, porém, da nova redação do art. 366 do Código de Processo Penal (HC 6.142 e 6.340 - DJ de 18.02.97 e 28.04.97).
Em face dessa varredura nos anais dos tribunais superiores, ou-
tra não deveria ser a conclusão, senão a de que os altos pretórios teriam se posto em declarar a retroatividade mais plena da norma, inatingível apenas a coisa julgada.
N o entanto, por muito pesar ao tema, o Supremo Tribunal Federal parece ter-se reconsiderado, em atenuação daquela primeira abrangência. É o que se pode perceber pela seguinte ementa:
"Habeas corpus - Suspensão condicional do processo penal (sursisprocessual) -Lei n Q9.099 / 95 (art. 89) - Condenação penal já decretada - Impossibilidade de aplicação retroativa da lex mitior- Limites da retroatividade - Pedido indeferido.
Condenado o réu, em momento anterior ao da vigência e eficácia integral da Lei dos Juizados Especiais Criminais, torna-se inviável a incidência retroativa do art. 89 da Lei nº 9.099/95, eis que, com o ato de condenação penal, ficou inteiramente comprometida a finalidade única para a qual o instituto do sursis processual foi concebido: a de evitar a imposição de decreto condenatório. Precedentes: HC nº 74.463-SP, ReI. Min. Celso de Mello e HC nº 74.305-SP, ReI. Min. Moreira Alves." - HC 74.856, STF, Primeira Turma, ReI. Min. Celso de Mello, DJ de 25.04.97.
Do voto condutor desse acórdão, extraem-se assertivas deste teor:
"É irrecusável que as prescrições normativas benéficas de ca-
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ráter material que veiculam medidas despenalizadoras, à semelhança da norma inscrita no art. 89 da Lei nº 9.099/95, devem projetar-se com eficácia retroativa, para favorecer o réu, em virtude de expressa determinação constitucional (CF, art. 5Q
, XL).
Ocorre, no entanto, tratandose da suspensão condicional do processo penal, que a incidência da norma de direito material mais benéfica - considerada a própria natureza desse novo instituto - encontra limitações que derivam da fase processual em que se acha a persecutio criminis.
É por essa razão -adverte Luiz Flávio Gomes ("Suspensão Condicional do Processo Penal", pág. 154, 1995, RT) - que "Sejá houve trânsito em julgado, é impossível a retroatividade da lei em tela. Essa impossibilidade deriva da própria natureza das coisas: é impossível suspender um processo que já terminou. A lei cuidou da suspensão, não da ressurreição do processo" (grifei).
Essa mesma orientação é também perfilhada por autorizados doutrinadores (Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes, "Juizados Especiais Criminais", pág. 21, item n. 9, 1996, RT; Damásio Evangelista de Jesus, "Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada", pág. 114, 2ª ed., 1996, Saraiva, v.g.), que identificam na existência do trân-
sito em julgado um limite natural para a aplicação retroativa do sursis processual.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (HC n Q 74.305-SP, ReI. Min. Moreira Alves), no entanto - tendo presente situação idêntica à que ora se examina nesta sede - entendeu que, condenado o réu, ainda que mediante decisão recorrível, torna-se inviável a realização dos fins para os quais o instituto do sursis processual foi previsto e concebido: impedir a prolação de sentença penal condenatória e evitar a conseqüente imposição da pena privativa de liberdade.
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, ao julgar o HC n Q 74.463-SP, ReI. Min. Celso de Mello, reiterou esse mesmo entendimento, em acórdão assim ementado:
"Habeas corpus - Suspensão condicional do Processo Penal (sursis processual) -Lei n Q 9.099/95 (art. 89)Condenação penal já decretada - Impossibilidade de aplicação retroativa da lex mitior - Limites da retroatividade -Pedido indeferido.
- A suspensão condicional do processo - que constitui medida despenalizadora -acha-se consubstanciada em norma de caráter híbrido. A regra inscrita no art. 89 da Lei n Q 9.099/95 qualifica-se, em seus aspectos essenciais, como preceito de caráter processual,
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revestindo-se, no entanto, quanto às suas conseqüências jurídicas no plano material, da natureza de uma típica norma de direito penal, subsumível à noção da lex mitior.
- Apossibilidade de válida aplicação da norma inscrita no art. 89 da Lei n Q 9.099/95 -que dispõe sobre a suspensão condicional do processo penal (sursis processual) - supõe, mesmo tratando-se de fatos delituosos cometidos em momento anterior ao da vigência desse diploma legislativo, a inexistência de condenação penal, ainda que recorrível.
Condenado o réu, ainda que em momento anterior ao da vigência da Lei dos Juizados Especiais Criminais, torna-se inviável a incidência do art. 89 da Lei n Q 9.099/95, eis que, com o ato de condenação penal, ficou comprometido o fim precípuo para o qual o instituto do sursis processual foi concebido, vale dizer, o de evitar a imposição da pena privativa de liberdade. Precedente."
Essa situação - existência de decreto condenatório, ainda que
recorrível - atua como causa obstativa da aplicação retroativa do instituto jurídico em referência, pois, em tal hipótese, já não mais existe a possibilidade de útil invocação da norma consubstanciada no art. 89 da Lei n Q 9.099/95."
o vigor dessas afirmativas me convence do impedimento da existência da sentença condenatória, e não o seu trânsito em julgado, como termo ad quem da examinada retroatividade da Lei 9.099/95, arts. 76 e 89. Na verdade, processo sentenciado é processo findo na instância originária, não tendo como suspendê-lo por força do incidente despenalizador sobrevindo à condenação.
É bem o caso dos autos, a trato de crime cometido em 12.09.92, e sentenciado a 29.09.95, dias depois da edição da Lei 9.099 (27.09.95), mas anterior à sua entrada em vigor (60 dias depois, isto é, 26.11.95).
Em suma, embora que por motivação diferente da que embasou a negativa de aplicação daquela lei ao caso, na realidade, o v. acórdão não cometeu a suscitada violação de lei.
Pelo exposto, não conheço do recurso.
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