PRECIFICAÇÃO DE PRODUTO
INOVADOR: LIDANDO COM
INCERTEZA E URGÊNCIA NA TOMADA
DE DECISÃO EM UMA EMPRESA
NASCENTE DE BASE TECNOLÓGICA
Jonathan Simões Freitas (IEBT)
Júlio Cézar Fonseca de Melo (IEBT)
Bruno França Pádua Coelho (IEBT)
Lin Chih Cheng (DEP/UFMG)
Antônio Artur de Souza (FACE/UFMG)
Ao se considerar a gestão do desenvolvimento de produtos (GDP)
como um sistema de decisões, a decisão relativa ao preço a ser
atribuído a um novo produto é destacada como uma das mais
importantes na fase de desenvolvimento do conceito. Nessse sentido,
visto no contexto de posicionamento e projeto do produto, o problema
da precificação tem sido amplamente estudado. Contudo, as
abordagens propostas na literatura para determinação de preço têm
aplicabilidade limitada em situações marcadas por incerteza, nas quais
a disponibilidade de dados é restrita. Este, porém, tende a ser o caso
em se tratando da precificação de um produto inovador em uma
empresa nascente de base tecnológica (ENBT). Afinal, pelo fato de
essas empresas ainda não estarem transacionando com clientes e
fornecedores, a inexistência de dados históricos e a conseqüente
dificuldade de projeção são recorrentes nessas organizações. Além
disso, por se embasarem na inovação tecnológica, a incerteza
associada ao planejamento de produto nessas firmas é agravada. A
complexidade do problema aumenta ainda mais quando a formação do
preço tem de ser feita sob constrangimentos de tempo. Nesse contexto,
como lidar com a urgência e a incerteza na precificação? É esta a
questão abordada neste artigo, a partir de um projeto de pesquisa-
ação relativo à definição de preço de um produto inovador numa
ENBT. Na construção conjunta da decisão a ser tomada pelos gestores
da empresa, entrevistas individuais, grupos focais e pesquisas em bases
de dados secundários foram utilizadas para a coleta de dados. A
Abordagem da Escolha Estratégica (SCA), análises estatísticas
descritivas e análises de investimento sob diferentes cenários foram os
principais procedimentos analíticos adotados. Como resultado direto,
XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente.
São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.
2
obteve-se um preço em relação ao qual as pessoas que se
responsabilizariam pelas conseqüências da decisão tomada tiveram
confiança para atribuí-lo ao produto em questão, tendo o valor
definido sido bem recebido pelo mercado. Dessa forma, ilustrou-se,
por meio de um exemplo concreto, uma maneira pela qual a incerteza e
a urgência podem ser trabalhadas na precificação de produtos
inovadores em ENBTs. O trabalho representa, portanto, uma
referência pioneira para o refinamento da adaptação de abordagens
para a definição de preço nesse contexto organizacional específico.
Palavras-chaves: Inovação Tecnológica, Produto Inovador,
Precificação, Empresa Nascente de Base Tecnológica
3
1.1.
2. Introdução
A gestão do desenvolvimento de produtos (GDP) tem sido concebida de diferentes maneiras
por distintas comunidades acadêmicas, as quais refletem, tradicionalmente, as principais
perspectivas funcionais que se diferenciaram ao longo do tempo – e.g. marketing, pesquisa e
desenvolvimento (P&D), gestão de operações (KRISHNAN & ULRICH, 2001). Assim, do
ponto de vista prevalente na área de mercadologia, por exemplo, um produto é visto como
uma constelação de atributos, sendo a gestão do seu desenvolvimento representada como um
conjunto de análises de mercado centradas na obtenção da voz dos potenciais clientes e no
atendimento de suas necessidades (e.g. CHENG & MELO FILHO, 2007; HAUSER &
CLAUSING, 1988). Outras comunidades, por sua vez, concebem o produto como uma
seqüência de processos de desenvolvimento e produção ou como um conjunto de
componentes inter-relacionados, levando, conseqüentemente, a diversas concepções da GDP.
Essa diversidade de perspectivas resultante da reprodução da divisão funcional no meio
acadêmico obscurece, contudo, o fato de que, num determinado nível de agregação, as
decisões que têm de ser tomadas ao longo do desenvolvimento de produtos são
consideravelmente independentes dos pontos de vista funcionais (KRISHNAN & ULRICH,
2001). Em outras palavras, apesar de a maneira como, funcionalmente, o desenvolvimento dos
produtos é gerido nas organizações variar notavelmente (de empresa para empresa e dentro de
uma mesma empresa ao longo do tempo), o que tem que ser decidido no âmbito da GDP
permanece, em grande medida, constante, ao se adotar uma perspectiva desvinculada das
divisões funcionais organizacionais. Nesse sentido, postula-se que a concepção da gestão do
desenvolvimento de produtos enquanto um processo de negócio centrado em um sistema de
decisões a serem tomadas oferece uma oportunidade distintiva de parcimônia teórica, uma vez
que, independentemente da organização em questão, certas definições comuns terão que ser
feitas (ainda que de diferentes maneiras e por diversas funções) para que se transforme uma
oportunidade de mercado em um produto disponível para venda (KRISHNAN & ULRICH,
2001). Essa perspectiva decisória da GDP encontra fundamentação nas teorias que enfatizam
o papel, nas organizações, da gestão da incerteza pelo processamento de informação
(GALBRAITH, 1977; THOMPSON, 1967), ainda que este se dê de forma racionalmente
limitada (SIMON, 1969).
Nesse sentido, pelo menos dois níveis de tomada de decisão são reconhecidos ao se descrever
a gestão do desenvolvimento de produtos como um complexo sistema adaptativo de decisões:
“projeto de desenvolvimento” e “portfólio de projetos” (KRISHNAN & ULRICH, 2001;
McCARTHY, TSINOPOULOS, ALLEN, & ROSE-ANDERSSEN, 2006). No âmbito de
portfólio, ainda uma subdivisão pode ser feita entre “definição” e “revisão” (McCARTHY et
al., 2006), englobando, assim, desde decisões relativas à estratégia de mercado e produto de
uma organização até aquelas referentes aos chamados “gates” do sistema stage-gate de
desenvolvimento de produtos (COOPER, 1993; COOPER, EDGETT, & KLEINSCHMIDT,
2002). Já no nível de projeto, as decisões envolvidas vão desde as relativas ao
desenvolvimento do conceito do produto até aquelas que se referem ao aumento da escala de
sua produção e ao seu lançamento e acompanhamento no mercado (KRISHNAN & ULRICH,
2001; McCARTHY et al., 2006).
Nesse contexto, a decisão relativa ao preço a ser atribuído a um novo produto é destacada
como uma das mais importantes na fase de desenvolvimento do conceito (KRISHNAN &
ULRICH, 2001). Afinal, o problema da precificação tem sido considerado crítico no contexto
4
de posicionamento e projeto do produto (YAHAYA & ABU-BAKAR, 2007), sendo vários os
modelos e as abordagens propostos, na literatura, para seu estudo (KAUL & RAO, 2005).
Contudo, formas de determinação do preço de novos produtos sob circunstâncias de incerteza
e urgência permanecem pouco exploradas até o momento. Investigar esse tipo particular de
situação apontando maneiras pelas quais as abordagens existentes podem ser adaptadas para
lidarem com essa problemática específica é, portanto, o objetivo deste artigo.
3. Referencial teórico
É vasta a literatura acadêmica dedicada ao estudo do posicionamento e projeto de produtos
(KAUL & RAO, 2005). Em especial, o problema relativo à atribuição de preço a um novo
produto tem sido amplamente investigado (KAUL & RAO, 2005). As abordagens
apresentadas consistem, basicamente, na determinação do preço balizada por um modelo da
escolha do consumidor, embasado nas diferenças de sua preferência entre atributos de
produtos substitutos – avaliados nas demais dimensões do mix de marketing (HAUSER &
SIMMIE, 1981).
Choi, DeSarbo e Harker (1990), por exemplo, modelaram como um jogo a competição em
preço entre firmas, usando a estratégia de posicionamento como variável e derivando o
equilíbrio obtido pelo posicionamento ótimo. Semelhantemente, Dobson e Kalish (1988)
usaram programação matemática para levarem em consideração o impacto de decisões de
precificação no posicionamento ótimo de produto.
Um dos modelos mais robustos apresentados, contudo, é o proposto por Schmalensee e Thisse
(1988), os quais empregaram técnicas de mapeamento de percepções, técnicas de pesquisa
operacional utilizadas para o tratamento do problema de localização de fábricas e técnicas da
área de economia voltadas para a maximização de lucro no framework que propuseram.
Horsky e Nelson (1992), por exemplo, basearam-se nesse modelo para investigarem o
posicionamento e a precificação de uma nova marca num mercado oligopolista.
Nesse contexto, em termos operacionais, segundo Kotler (1998), o processo de
estabelecimento do preço de um novo produto deve contemplar as seguintes atividades:
seleção do objetivo de preço (objetivo da empresa, em termos de abordagem do mercado, em
relação ao lançamento do produto – e.g. a maximização de seus lucros); determinação da
demanda de mercado; estimação dos custos; análise dos custos, preços e ofertas dos
concorrentes; seleção de um método de determinação de preço (ao tomar como base os custos
levantados e objetivos definidos para o negócio e/ou a percepção do mercado em relação ao
produto); e seleção do preço final.
No processo de seleção do preço final, após a escolha dos métodos, ainda devem ser
considerados alguns fatores adicionais, incluindo o preço psicológico, a influência de outros
elementos do composto de marketing sobre o preço, as políticas de preço da empresa e o
impacto do preço sobre terceiros (KOTLER, 1998). O preço psicológico é relacionado a
aspectos comportamentais que devem ser considerados na seleção do preço final – e.g. a
supervalorização atrelada à idéia de atribuição de maior qualidade ao produto. A qualidade da
marca e da propaganda em relação à concorrência são, também, elementos de marketing a
serem considerados nessa etapa. Os preços de cada produto ainda devem estar atrelados às
políticas de preço da empresa como um todo, como forma de estarem alinhados à estratégia
de marketing desenvolvida. Por fim, o impacto do preço sobre outros envolvidos no mercado
deve ser considerado na etapa de seleção, pois pode haver reações que impactam na
administração da empresa, advindas, principalmente, de: distribuidores e revendedores;
vendedores; concorrentes; fornecedores; e governo.
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Porém, quando o conhecimento acerca desses fatores intervenientes na determinação do preço
é limitado, a decisão de precificação tem de ser tomada sob condições de incerteza, havendo
restrição de informações disponíveis. Esta tende a ser a situação prevalente na decisão relativa
à atribuição de preço a produtos inovadores em ENBTs, tornando a questão da precificação
crítica nessas organizações (SCOTT, 1999; SHANE & ULRICH, 2004; YAHAYA & ABU-
BAKAR, 2007). O problema mostra-se ainda mais complexo quando essa decisão tem de ser
tomada sob constrangimentos de tempo – o que freqüentemente ocorre, por exemplo, quando
o lançamento do produto está previsto para se dar em uma data específica (e.g. evento
setorial). Nesse sentido, a concepção de abordagens apropriadas para lidarem com
circunstâncias de incerteza e urgência em situações reais de precificação é uma demanda
perceptível no referencial teórico-metodológico correlato.
4. Metodologia
O trabalho realizado consistiu na operacionalização de um projeto de pesquisa-ação relativo à
definição de preço de um produto inovador numa ENBT. Essa estratégia metodológica
adotada tem sido apontada como adequada para a investigação de problemas organizacionais,
em geral, e relativos à gestão de operações, em especial (COUGHLAN & COGHLAN, 2002;
EDEN & HUXHAM, 1996; THIOLLENT, 1997). Essa metodologia de pesquisa tem seus
méritos científicos justificados e seu embasamento epistemológico consolidado
(CHECKLAND & HOLWELL, 1998; RIORDAN, 1995; SUSMAN & EVERED, 1978;
THIOLLENT, 1996), diferindo-se, essencialmente, do trabalho de consultoria (COUGHLAN
& COGHLAN, 2002; SCHEIN, 1995) e constituindo-se como uma alternativa promissora
para a pesquisa acadêmica em campos gerenciais (COGHLAN, 2004).
Uma vez adotada essa metodologia, houve, ao longo da pesquisa, um processo iterativo de
diagnóstico do problema, planejamento da ação, intervenção, avaliação e consolidação do
aprendizado (SUSMAN & EVERED, 1978), sendo essa construção conjunta dos resultados
intermediada, basicamente, por instrumentos de coleta, análise e síntese de informações.
Nesse sentido, entrevistas individuais, grupos focais e bases de dados secundários foram
utilizados para a coleta de dados, enquanto a Abordagem da Escolha Estratégica – Strategic
Choice Approach, SCA (FRIEND & HICKLING, 1997) –, análises estatísticas descritivas e
análises de investimento sob diferentes cenários foram os principais procedimentos analíticos
adotados. Um relato detalhado desses processos e uma discussão dos resultados obtidos são
apresentados a seguir.
5. Caso
5.1. Contextualização do problema
5.1.1. Empresa
A empresa na qual o projeto de pesquisa-ação foi realizado foi fundada no ano de 2009, em
Belo Horizonte, Minas Gerais, com a missão inicial de oferecer materiais inovadores para o
setor de construção civil.
O grupo de empreendedores é formado por quatro empresários, sendo três deles sócios de
uma proeminente imobiliária local (tendo vários contatos com grandes construtoras e
escritórios de arquitetura) e o outro, um dos sócios de uma importante empresa de alta
tecnologia brasileira, tendo sido o responsável pela aquisição e proteção da tecnologia
estrangeira que fundamentou a abertura do novo negócio. Além dos quatro sócios, a empresa
contava, na época do projeto, apenas com um químico – responsável pela finalização do
desenvolvimento da tecnologia – e uma vendedora.
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5.1.2. Produto
O produto para o qual se desejava atribuir um preço consiste num tipo inovador de
revestimento de elementos de vedação e estruturais, no âmbito da construção civil de
edificações. Nova para o mundo, essa inovação, de natureza similar à das argamassas, dá uma
aparência final distintivamente semelhante à de revestimentos pétreos.
Para isso, contudo, essa diferenciada solução construtiva de aderência mecânica não exige o
corte de rochas, podendo utilizar como agregado os próprios resíduos gerados pelas empresas
no processo de extração de pedras das jazidas. De fato, para que o produto apresente os
resultados desejados, nem mesmo a utilização do pó de pedra como agregado é necessária;
outras matérias-primas amplamente abundantes na natureza, como a própria areia (incluindo a
de fundição), podem ser empregadas como substitutas, sem perda alguma dos benefícios
associados ao produto final.
A tecnologia subjacente a esse produto foi desenvolvida autonomamente, em outro país, por
um pesquisador, tendo sido vendida para um dos sócios da ENBT, sendo por ele protegida em
âmbito nacional e internacional.
5.1.3. Problema
O problema abordado no presente estudo advém da necessidade de introdução de um produto
inovador no mercado de construção civil. Geralmente, quando há esse tipo de necessidade em
uma empresa, uma extensa gama de atividades deve ser realizada (e.g. ROZENFELD, 2006).
A definição do preço do produto a ser comercializado deve ser contemplada como uma dessas
atividades. Especificamente para o caso em questão, tal definição deveria ser realizada de
forma urgente (em 10 dias), pois o produto seria apresentado em um evento do qual iriam
participar potenciais compradores.
Sendo esse o problema, existiam algumas premissas a serem consideradas para a realização
do trabalho e algumas definições iniciais foram desdobradas.
5.1.4. Premissas e definições iniciais
Para a resolução do problema identificado, foram consideradas as seguintes premissas –
advindas de estudos feitos previamente pelos empreendedores – e definições iniciais –
realizadas com a participação tanto da equipe de pesquisa quanto dos empreendedores: área
de aplicação do produto; tempo considerado para se realizar a análise do projeto de
investimento; projeção da capacidade máxima de produção do produto; região do público-
alvo; projeção prévia de vendas do produto. Vale ressaltar que as premissas consideradas
poderiam ter seus valores alterados durante a operacionalização do trabalho, devido,
principalmente, a novas informações que seriam encontradas.
Sobre a área de aplicação do produto, foi considerado que ele seria aplicado, inicialmente, em
superfícies verticais, externas, de edifícios residenciais, devido, principalmente, às
especificidades das suas características técnicas no momento do início da sua
comercialização. No futuro, talvez pudesse ser aplicado em superfícies horizontais e em
ambientes internos, mas, para isso, haveria a necessidade de se realizarem mudanças na sua
composição.
Em relação à determinação do tempo de projeto a ser utilizado na análise do projeto de
investimento, foram levados em consideração a necessidade dos empreendedores em relação
ao tempo de retorno do projeto e o conservadorismo advindo do fato de que o negócio foi
classificado como arriscado. Tal classificação foi realizada ao se levar em conta que o negócio
se baseia na comercialização de um produto inovador, até então, desconhecido no mercado
brasileiro. O tempo considerado, então, foi de 5 anos, a partir do início do investimento futuro
na planta de produção.
Já a capacidade máxima de produção foi previamente projetada pelos empreendedores, de
7
acordo com o risco máximo que gostariam de assumir no negócio. Tal risco é traduzido em
valores monetários ao se levar em consideração o investimento máximo que desejavam
realizar. Nesse contexto, foi feita uma análise junto à equipe de pesquisa, logo no início do
projeto e foi considerado que a capacidade de produção mais provável, seria de 1.000
toneladas do produto no primeiro ano de produção e de 2.400 toneladas nos quatro anos
seguintes.
Em relação às vendas, considerou-se, inicialmente, que o produto seria comercializado na
cidade de Belo Horizonte. A demanda mais provável projetada para esse mercado local
superaria a capacidade de produção dado o período considerado na análise e dadas as
dimensões do mercado para todos os tipos de edifícios residenciais construídos para o público
de diversas classes sociais. A projeção da demanda do mercado foi baseada, principalmente,
em pesquisas prévias realizadas pelos empreendedores com players do mercado imobiliário
da região. Vale ressaltar que os empreendedores já tinham uma grande atuação prévia nesse
mercado e, devido a isso, a sua rede de contatos se tornou valiosa para o projeto.
5.2. Estruturação do trabalho
Para estruturação do trabalho, foi realizada, preliminarmente, uma modelagem, por meio da
Abordagem da Escolha Estratégica, do problema apresentado pela empresa-cliente.
Nesse sentido, sendo a questão “qual preço atribuir ao produto?” a área de decisão levantada,
foram identificadas as áreas de incerteza associadas (no contexto específico da empresa) a
essa dúvida e as inter-relações existentes entre essas áreas. Dessa forma, foi criado um
modelo estrutural em que: informações não obtidas (i.e. áreas de incerteza – e.g. quem são os
produtos substitutos? Qual o preço de cada um?) constituíram os nós; e as relações de
dependência entre essas informações (e.g. para saber os preços dos produtos substitutos, é
necessário saber, primeiramente, quais são esses produtos), as ligações. (Por questões de
espaço, o modelo não foi anexado ao trabalho; contudo, sob demanda, pode ser
disponibilizado pelos autores).
Diante da urgência existente para a tomada de decisão, foi feita uma análise, a partir desse
modelo, das relações de precedência entre os nós, priorizando-se as informações em ordem
decrescente do impacto – direto e indireto – nas demais informações (assim como é feito na
chamada “análise de domínio”, constituinte da análise de topologia de redes – EDEN, 2004).
Dessa forma, foi possível identificar conjuntos (i.e. conglomerados) altamente relacionados
entre si, mas pouco relacionados com os demais, que teriam um grande impacto na decisão de
precificação. Desses, três foram considerados críticos, tendo sido intitulados:
a) “Preço minimamente atrativo do produto”, envolvendo o levantamento de informações
como: “qual é a previsão de vendas para os próximos períodos de tempo?”, “qual é a
previsão de investimento e de despesas iniciais em relação ao produto?”, “quais serão os
custos provenientes da gestão do negócio (administração e produção)?”;
b) “Preços dos produtos substitutos”, envolvendo o levantamento de informações como:
“quais são os produtos substitutos?”, “qual o preço de cada um?”;
c) “Percepção do valor relativo do produto”, envolvendo o levantamento de informações
como: “qual a percepção de potenciais clientes em relação ao valor técnico do produto?”,
“qual a percepção de potenciais clientes em relação ao valor associado ao modelo de
negócio a partir do qual o produto será comercializado?”.
Para cada um desses agrupamentos de variáveis priorizados, foi estabelecida uma frente de
trabalho distinta. A frente de trabalho referente à obtenção de um preço minimamente atrativo
do produto teve o objetivo de projetar um preço mínimo de venda que viabilizasse
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financeiramente o desenvolvimento do projeto de start-up da empresa. A frente relativa aos
preços dos produtos substitutos visou fornecer uma referência do contexto do mercado no
qual o produto inovador pretendia se inserir, sinalizando o espaço de possibilidades existente
para a precificação. Por fim, a frente referente à percepção do valor relativo do produto
objetivou a identificação de um limite superior para o preço e a obtenção de diretrizes
orientadoras para o posicionamento do produto dentro do intervalo estabelecido. Por estarem
relacionadas, as atividades dessas frentes foram realizadas simultaneamente, havendo
retroalimentação dinâmica entre os resultados obtidos.
Assim, apesar de ter envolvido um tempo razoável para a estruturação do problema, a SCA
contribuiu, contudo, para direcionar, estrategicamente, a busca por informações, remindo o
tempo restante e propiciando, com base no modelo, o controle do trabalho realizado, ao
explicitar a contribuição de cada nova informação levantada e a possibilidade de erro por cada
incerteza não resolvida devido à urgência.
5.3. Operacionalização do trabalho
5.3.1. Projeção do preço minimamente atrativo
A projeção do preço minimamente atrativo foi baseada em uma análise de investimento que
contemplou um prazo de projeto de 5 anos, como explicitado anteriormente. Nessa análise,
foram desdobrados o Fluxo de Caixa e a Demonstração de Resultado do Exercício (DRE) de
cada ano. O desenvolvimento da análise foi baseado em Casarotto e Kopitike (2006) e Galôba
e Motta (2002). Para a realização da projeção, foram considerados três fatores principais, dos
quais o preço mínimo do produto é dependente:
a) Meta de produção e vendas relacionadas ao produto: metas de produção e vendas de
acordo com a capacidade de investimento e com uma inferência inicial sobre a
aceitabilidade do mercado ao produto;
b) Investimentos e despesas iniciais: investimentos e despesas iniciais necessários para que o
produto possa ser produzido de acordo com a capacidade de produção almejada;
c) Custos provenientes da gestão do negócio (administração e produção): custos fixos e
variáveis necessários para que a produção do produto e a administração do negócio sejam
compatíveis com a capacidade de produção almejada.
Além dos fatores principais, dos quais o preço é dependente, algumas premissas importantes
foram consideradas na realização da projeção:
a) Foi considerado o Lucro Presumido como forma de apuração dos resultados;
b) Para o cálculo do Valor Presente Líquido (VPL) a partir do Fluxo de Caixa, o valor
residual do projeto foi desconsiderado na análise (uma forma de tornar a análise mais
conservadora, dada a dificuldade vislumbrada de se obter retorno financeiro a partir da
venda dos ativos atrelados ao projeto ao final dos 5 anos);
c) Para as análises dos custos e despesas nos DREs, a forma de custeio considerada foi o
custeio variável, devido à maior facilidade de compreensão deste tipo de análise pelos
empreendedores nos casos de investimentos de uma start-up;
d) Todos os impostos incidentes sobre o negócio foram considerados nas análises, segundo a
legislação em vigor;
e) Foram considerados na análise manutenção, seguros e depreciação (de acordo com a
INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF nº 130, 1999) dos bens físicos.
Nesse contexto, foram realizados três tipos de simulações de acordo com diferentes cenários
incluídos na análise de investimentos: projeções “mais prováveis”; projeções “otimistas”; e
projeções “pessimistas”. Como tais projeções seriam realizadas com base em um negócio sem
9
precedentes, advindo do desejo de comercialização de um produto inovador, foi consenso que,
nesse contexto, se deveria levar em consideração diferentes cenários. Isso foi definido com o
objetivo de que os empreendedores pudessem ter uma melhor idéia de como o preço
minimamente atrativo do produto poderia variar, de acordo com situações diversas, não
previstas, que poderiam ocorrer tanto referentes ao mercado quanto a atividades internas.
Para cada cenário, ainda foram realizadas duas análises diferentes: ao se levar em
consideração o retorno do projeto, representada pelo seu VPL; e ao se levar em consideração
o resultado anual do projeto em fase madura, com resultado líquido (RL) mensurado na DRE
do 5º ano considerado.
Sendo assim, em cada uma das seis simulações, as premissas e fatores de impacto no
resultado das análises podem ser considerados como parâmetros, o preço pode ser
considerado como uma variável e os dois tipos de função objetivo do problema podem ser
definidos como: minimização do VPL; e minimização do RL do 5º ano. As funções são
dependentes respectivamente das seguintes restrições: VPL maior ou igual a zero; e RL do 5º
ano maior ou igual a zero. As restrições representam a necessidade de que o projeto seja
viável financeiramente, ou seja, que tenha um retorno maior ou igual a zero – para o primeiro
caso, em relação ao seu retorno e para o segundo, em relação ao resultado considerado no seu
5º ano.
Para o cenário mais provável, foi considerado que:
a) A taxa mínima de atratividade (TMA) do projeto foi de 10%, pois foi considerada como
maior que a taxa Selic (aproximadamente 8,6% ao ano) e que a poupança (6,6% ao ano),
no momento da pesquisa, dado o risco do projeto, considerado como acima da média;
b) A produção no último mês do primeiro ano seria de 2.400 t/ano e seria mantida assim para
os quatro anos seguintes, tendo sido gradativamente incrementada no primeiro ano.
Para os cenários pessimista e otimista houve modificações em alguns parâmetros em relação
ao cenário mais provável, de acordo com a análise conjunta da equipe de pesquisa e dos
empreendedores. Na Tabela 1, são apresentados os resultados obtidos.
Cenários
Pessimista Mais Provável Otimista
Parâmetros
TMA 13% 10% 10%
Produção do 12º mês em diante 2400t-(0,3x2400t) 2400t 2400t+(0,3x2400t)
Investimentos e despesas iniciais I+(0,3xI) I I-(0,3xI)
Custos fixos e variáveis C+(0,3xC) C C-(0,3xC)
Resultados VPL → 0⁺ 1,29 1,13 0,94
RL do 5º ano → 0⁺ 1,25 1,10 0,92
Tabela 1 – Resumo dos parâmetros e resultados da projeção do preço minimamente atrativo, com escala dos
resultados alterada por questões de confidencialidade
5.3.2. Posicionamento dos produtos substitutos
Os dados para posicionamento dos produtos substitutos foram obtidos com base tanto em
entrevistas semi-estruturadas, realizadas por telefone, quanto por meio da análise de dados
secundários. O objetivo para com a coleta dos dados foi fornecer informações para possibilitar
que os produtos fossem comparados, dada a restrição de tempo do projeto. Assim, não foi
almejada a possibilidade de se fazer qualquer tipo de inferência. Para a realização da pesquisa,
foram contempladas 31 fontes de dados, incluindo fornecedores e estudos com cotações de
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preços e características de: granitos, porcelanatos, cerâmicas, texturizados e monomassas. O
tratamento dos dados foi realizado por meio de cálculos de medidas de posição (i.e.
percentis).
A pesquisa foi realizada com o objetivo de identificar cada tipo de revestimento substituto,
considerando as suas diferentes configurações (cor; área; espessura; tipo de tratamento do
material), assim como faixa de preço de cada uma em R$/m². Tais preços se referem única e
exclusivamente ao produto em si e, não foram considerados os custos pós-venda tais como:
custos de instalação ou aplicação do material, transporte, entre outros. Por meio da Figura 1 é
explicitado o posicionamento dos produtos em termos das suas características e preços.
5.3.3. Extração da percepção do valor relativo do produto
Dois grupos focais foram realizados para extração da percepção de potenciais clientes acerca
do valor relativo do produto. Do primeiro, participaram 8 pessoas, construtores e arquitetos
decoradores, convidados pelos sócios da ENBT. O objetivo era obter um conceito preliminar
do produto, a ser validado, posteriormente, por outros profissionais que desconhecessem a
empresa. Assim, para o segundo grupo, foi elaborado um instrumento de pesquisa (passível de
disponibilização pelos autores) baseado nas questões mais relevantes levantadas pelos
primeiros entrevistados, tendo sido realizada a análise de conteúdo dos dados (gravados e
transcritos em forma de tópicos). As principais conclusões obtidas dessa análise estão
sumarizadas a seguir:
“Foco inicial em empreendimentos para classe A”, pois, além de ter diferenciais suficientes
para concorrer nesse segmento, uma expansão futura para nichos centrados em classes
mais baixas seria possível alterando-se o preço. Além de o movimento contrário não ser
plausível (pois o setor de alto luxo não adere, em geral, a produtos utilizados em
edificações mais populares), o produto poderia não conseguir competir em preço com
tintas e texturas, caso se direcionasse para as classes mais baixas inicialmente;
“Preço abaixo do preço médio da maioria dos granitos”, uma vez que o produto não
deveria ser apresentado como um substituto de revestimentos pétreos, mas apenas como
uma alternativa ambientalmente mais responsável. Nesse sentido, sugeriu-se que o preço
do produto estivesse entre o das texturas e o de porcelanatos de nível médio;
“Serviço de aplicação associado à venda do produto”, pois a aplicação incorreta poderia
denegrir a imagem do novo revestimento no mercado;
“Mesmo preço para todas as cores”, dado que, para os entrevistados, a variação no preço se
justificaria apenas para o caso de existirem diferenças de desempenho técnico.
5.3.4. Definição do preço do produto
A operacionalização da frente de trabalho voltada para a definição do preço minimamente
atrativo resultou no estabelecimento de um limite inferior para o preço, abaixo do qual não
haveria interesse econômico, por parte dos sócios da empresa, de continuarem investindo no
produto. Já a frente voltada para o mapeamento do posicionamento dos produtos substitutos
propiciou a definição, fundamentada nas opiniões manifestadas nos grupos focais, de um
limite superior para o preço, acima do qual sua comercialização foi considerada inviável pelos
entrevistados. Por fim, a frente voltada para a extração da percepção dos potenciais clientes
acerca do valor relativo do produto, além de ter informado as demais análises, suscitou
comentários relevantes para o posicionamento do produto no espaço-solução resultante dos
limites estabelecidos (Figura 1).
Preço x Categorias de Análise (Produtos Substitutos, Preço Minimamente Atrativo )
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,00
Gra
nit
o P
reto
São
Gab
riel
1,5
Gra
nit
o P
reto
São
Gab
riel
2,0
Gra
nit
o V
erd
e C
and
eia
1,5
Gra
nit
o V
erd
e C
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Preço do novo
produto
Figura 1 – Gráfico de suporte à definição do preço do produto no âmbito dos limites estabelecidos (com escala
alterada por questões de confidencialidade)
Nesse sentido, uma reunião com os sócios da empresa, visando a esta definição final do preço,
foi realizada. Todos os dados coletados e as respectivas conclusões tiradas foram novamente
apresentados. Por fim, uma sugestão inicial de preço foi proposta para discussão. A
justificativa para o valor proposto foi explicitada a partir dos resultados obtidos nas análises
realizadas, tendo os sócios considerado consistente e satisfatória a sugestão dada,
apropriando-se do resultado, na medida em que ganharam a confiança necessária para se
comprometerem com a atribuição, ao produto, do preço estabelecido (1,90, na escala alterada,
como mostrado na Figura 1).
Esse comprometimento foi um resultado extremamente valioso, uma vez que, apenas dez dias
antes, com base em documentos internos da empresa, as especulações dos sócios acerca do
preço a ser adotado variavam em até cinqüenta por cento do preço acordado na reunião e
tendiam a um valor consideravelmente inferior a este. Portanto, mesmo sob fortes
constrangimentos de tempo, foi possível passar de uma situação marcada por alta incerteza
para uma marcada por alta confiança na decisão tomada.
Como conseqüência, o preço proposto foi praticado na feira de mercado em que o produto foi
lançado. Visando avaliar a adequação da proposta, entrevistas presenciais semi-estruturadas
foram realizadas com as responsáveis pelos estandes nos quais o produto foi exposto (não
vinculadas à empresa e desconhecedoras da vinculação dos entrevistadores), questionando-se
sobre a reação dos interessados ao preço informado. Segundo essas informantes-chave, houve
generalizada aceitação do preço pelos potenciais clientes, tendo havido o interesse por parte
de vários deles pela obtenção do contato da empresa (o que, de fato, se evidenciou nas
semanas seguintes, tendo sido efetivadas as primeiras vendas do produto como resultado da
exposição na feira). Nas palavras das entrevistadas: “não há quem vem e não pede o contato”;
“ninguém contestou o preço”.
6. Conclusão
Alguns modelos teóricos existentes para determinação de preço de produto mostram-se
“matematicamente elegantes, mas contextualmente ingênuos” (ROSENHEAD & MINGERS,
2001), negligenciando restrições empíricas encontradas na prática da precificação. Afinal, sua
aplicabilidade a situações marcadas por incerteza e urgência é consideravelmente limitada,
uma vez que muitos dos dados demandados não existem ou não poderiam ser disponibilizados
em tempo hábil. Nesse sentido, uma adaptação dessas abordagens para essas circunstâncias
faz-se necessária.
Nesse contexto, este artigo relatou a maneira pela qual, a partir de um projeto de pesquisa-
ação, uma metodologia de precificação foi estruturada para o caso particular da definição do
preço de um produto inovador em uma ENBT. Destaque foi dado para a maneira pela qual se
lidou com a falta de informações e com os constrangimentos de tempo a que estavam
submetidos os tomadores de decisão.
O uso da Abordagem da Escolha Estratégica para estruturação do problema enfrentado pelos
membros da organização propiciou a identificação das variáveis particularmente relevantes no
contexto em questão e o direcionamento estratégico da busca por informações, economizando
o escasso tempo disponível para o comprometimento com uma decisão. A consideração de
múltiplos cenários na análise de investimento minimizou o impacto da imprecisão dos dados
na projeção do preço minimamente atrativo. A identificação de produtos substitutos a partir
da aplicação-alvo – mesmo não havendo, no mercado, nenhum produto da mesma natureza
que o produto desenvolvido – permitiu a visualização do espaço de possibilidades para a
precificação. Por fim, a confrontação entre os resultados da realização de dois grupos focais –
diferenciados pelo envolvimento de potenciais clientes com diferentes níveis de conhecimento
prévio sobre o produto – forneceu um embasamento consistente (tendo em vista o tempo
13
disponível) para o estabelecimento de algumas diretrizes norteadoras para o posicionamento
do preço do produto no espaço mapeado.
É importante ressaltar, contudo, que projetos de pesquisa-ação, como o relatado neste artigo,
devem ser compreendidos como estudos de situações únicas, que não levam diretamente à
obtenção de proposições generalizáveis. A investigação tende a ser localizada, aplicada a
casos específicos. Nesse sentido, cada intervenção é, em certa medida, particular ao ambiente
organizacional estudado – fato que tem gerado críticas à metodologia por sua falta de
repetibilidade e, segundo os críticos, conseqüente falta de rigor. Contudo, defende-se que o
acúmulo de um número considerável de intervenções em casos semelhantes pode e deve
contribuir para a evolução da teoria até conclusões mais gerais (EDEN & HUXHAM, 1996).
Nesse sentido, este trabalho constitui-se como uma referência inicial para o estudo da
precificação de produtos inovadores em ENBTs. Novas pesquisas, focadas nesse contexto
organizacional específico, poderão refinar a compreensão sobre como a precificação de
produto pode ser realizada em circunstâncias marcadas por incerteza e agravadas por
constrangimentos temporais.
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