PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUCSP
MERILYN ESCOBAR DE OLIVEIRA
A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO SOBRE A REFORMA POLÍTICA NOS
EDITORIAIS DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O ESTADO DE
S.PAULO DURANTE OS GOVERNOS LULA I E II (2003-2010)
SÃO PAULO
2017
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUCSP
MERILYN ESCOBAR DE OLIVEIRA
A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO SOBRE A REFORMA POLÍTICA NOS
EDITORIAIS DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O ESTADO DE
S. PAULO DURANTE OS GOVERNOS LULA I E II (2003-2010)
SÃO PAULO
2017
Tese apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados
em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo – PUC/SP como parte das exigências para
obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais.
Orientadora: Profª Drª Vera Lucia Michalany Chaia
Área de Concentração: Ciência Política
MERILYN ESCOBAR DE OLIVEIRA
A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO SOBRE A REFORMA POLÍTICA NOS
EDITORIAIS DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O ESTADO DE
S. PAULO DURANTE OS GOVERNOS LULA I E II (2003-2010)
Banca Examinadora
____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Vera Lucia Michalany Chaia
Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR
____________________________________________
Prof. Dr. Fernando Azevedo
Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR
____________________________________________
Prof. Dr. Francisco Fonseca
Fundação Getúlio Vargas –FGV
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP
____________________________________________
Prof.ª Drª Rachel Meneguello
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
____________________________________________
Profª Dr.ª Rosemary Segurado
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP
Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo - FESPSP
____________________________________________
Profª Dr.ª Roseli Martins Coelho
Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo - FESPSP
Tese apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados
em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo – PUC/SP como parte das exigências para
obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais.
Área de Concentração: Ciência Política
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas contribuíram direta e indiretamente durante a execução desta pesquisa.
Agradeço carinhosamente a minha orientadora e companheira dessa jornada Vera Chaia
pela paciência, parceria, dedicação e amorosidade. Aos professores Fernando Azevedo e
Francisco Fonseca por iluminarem os pontos problemáticos e pelas sugestões durante a
qualificação. Meus agradecimentos a CAPES – mantenedora da bolsa que possibilitou
essa execução – e a PUC-SP onde essa pesquisa foi realizada, desenvolvida e concluída.
Muitas histórias foram construídas durante o período de estudos e muitas amizades
feitas . Agradeço ao companheirismo dos colegas do Núcleo de Estudo em Arte, mídia e
política (NEAMP), a Katia e ao Rafael que tanto alegram e auxiliam os alunos e
professores do Programa de Ciências Sociais, em especial aos professores Miguel Chaia
e Lúcia Bógus, pela motivação e entusiasmo. Agradeço a Karen Marcelja pela
companhia e lealdade nas viagens, nos seminários e na vida. Sou grata a Roseli Coelho,
professora de graduação na Sociologia e Política, sempre muito generosa, que me
ajudou a refletir sobre o tema e auxiliou na estruturação deste trabalho. Obrigada a
minha mãe querida Maria do Carmo, pelo apoio, paciência e amor sem limites. A todos
os amigos que estiveram presentes e me fortaleceram durante todo o processo: a Yara
Andrade, Yara Reis e Lilian Muneiro. Agradeço também a ajuda do Paulo na revisão.
Sou grata a Deus e a espiritualidade amiga que me fortalece a cada dia.
RESUMO
O debate sobre a crise dos partidos políticos, instituições e democracia permaneceu na
agenda de estudos da ciência política contemporânea, durante todo o século passado.
Nas últimas décadas, o aumento da percepção sobre a frágil representação política, o
sentimento antipartidário e a desconfiança nas instituições foram os assuntos que
alimentaram a pauta dos meios de comunicação, do cenário político e da vida social. As
denúncias de irregularidades, corrupção, fraudes, privilégios dos políticos e partidos
tornaram-se frequentes nos noticiários brasileiros. E é neste cenário da política nacional,
que surge o tema da reforma política como um “remédio” para todos os males do
sistema eleitoral de nosso país. Por ocasião da crise política, de 2005 e 2006, que
atingiu o Partido dos Trabalhadores (PT) na legislatura do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, sobre a existência de um “caixa dois” (financiamento ilegal), e do
pagamento em troca de apoio político (“mensalão”), vieram à tona falhas já cristalizadas
no sistema político brasileiro. Como pano fundo, evidenciou-se a fragilidade da
legislação sobre as contribuições partidárias, a fragmentação no Congresso Nacional e
os debates acalorados sobre o combate à corrupção no governo.
O presente trabalho analisa os editoriais dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S.
Paulo no período entre 2003 a 2010 que corresponde à gestão petista no Governo
Federal; nossa intenção foi compreender como se deu a abordagem, o enquadramento
(framing) e a construção do discurso sobre a reforma política em debate no Congresso
Nacional, na ocasião das atividades da Comissão Especial da Reforma Política e da
Comissão de Constituição Justiça e Cidadania (CCJ).
Palavras-chave: Sistema político; reforma política; editorial; enquadramento; governo
Lula.
ABSTRACT
The debate on the crisis of political parties, institutions and democracy remained on the
agenda of contemporary political science studies throughout the last century. In the last
decades, the perception of fragile political representation, anti-party sentiment and
distrust in the institutions has been the subject matter of the media, the political scene
and social life. The reports of irregularities, corruption, fraud, privileges of politicians
and parties became frequent in the Brazilian news. And it is in this scenario of national
politics that the theme of political reform emerges as a "remedy" for all the evils of our
country's electoral system. On the occasion of the political crisis of 2005 and 2006,
which reached the Partido dos Trabalhadores (PT) in the legislature of former President
Luiz Inacio Lula da Silva, on the existence of a "caixa dois" (illegal financing), and
Exchange of political support ("mensalão"), flaws already crystallized in the Brazilian
political system. The fragility of the legislation on party contributions, the
fragmentation in the National Congress and the heated debates on the fight against
corruption in government were highlighted. The present work analyzes the editorials of
the newspapers Folha de S. Paulo and O Estado de S. Paulo in the period between 2003
and 2010, that corresponds to the PT management in the Federal Government; our
intention was to understand how the approach, the framing and the construction of the
discourse on the political reform in debate in the National Congress, during the
activities of the Special Commission of Political Reform and the Commission of
Constitution Justice and Citizenship (CCJ).
Keywords: Political system; political reform; editorial; framework; Government Lula.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
CAPÍTULO 1 – CRISE DAS DEMOCRACIAS CONTEMPORÂNEAS:
PARTIDOS POLÍTICOS E ELEIÇÕES NO BRASIL 25
1.1 - Partidos políticos e a teoria democrática 37
CAPÍTULO 2 – DA REDEMOCRATIZAÇÃO AOS GOVERNOS LULA I E II:
O DEBATE E A AGENDA DA REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO
BRASILEIRO 52
2.1- Agenda da reforma política (1993-2003) 60
2.2 - Agenda da reforma política – governo Lula (2003-2010) 63
CAPÍTULO 3 – A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO SOBRE A REFORMA
POLÍTICA NOS EDITORIAIS DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O
ESTADO E S.PAULO DURANTE OS GOVERNOS LULA I E II 75
3.1 - A construção do discurso político nos editoriais dos jornais Folha de S.Paulo e O
Estado de S.Paulo (2003-2010) 89
3.1.2 - Conjuntura política – governo Lula (2003-2006) 91
3.1.3 Os enquadramentos sobre a reforma política nos editoriais (2003-2006)
96
3.1.4. - Conjuntura política – governo Lula (2007-2010) 112
3.1.5. - Os enquadramentos sobre a reforma política nos editoriais (2007-2010)
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS 137
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 141
LISTA DE QUADROS, GRÁFICOS e TABELAS
Quadro 1 - Sumário da agenda da reforma política no Brasil (1993-2003)
Tabela 1 - Composição da bancada da Eleição de 2002 para deputado federal.
Tabela 2 - Composição da bancada da Eleição de 2006 para deputado federal.
Gráfico 1 – A reforma política nos editoriais dos jornais Folha de S.Paulo e o Estado de
S.Paulo (2003-2010)
LISTA DE SIGLAS
ALN Aliança Libertadora Nacional
ARENA Aliança Nacional Renovadora
BC Banco Central do Brasil
BID Banco Internacional de Desenvolvimento
BIRD Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CCJ Comissão de Constituição e Justiça
CGU Corregedoria Geral da União
CNI Confederação Nacional da Indústria
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CPI Comissão Parlamentar de Inquérito
CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
CUT Central Única dos Trabalhadores
DEM Democratas
EBC Empresa Brasil de Comunicação
FHC Fernando Henrique Cardoso
FIES Financiamento estudantil
FIESP Federação das Indústrias de São Paulo
FMI Fundo Monetário Internacional
FNDC Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços
IRB Instituto de Resseguros do Brasil
IURD Igreja Universal do Reino de Deus
MDB Movimento Democrático Social
MEC Ministério da Educação
Mercosul Mercado Comum Sul
MP Medida Provisória
MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PCB Partido Comunista Brasileiro
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PCO Partido da Causa Operária
PDB Partido Democrático Brasileiro
PDP Política de Desenvolvimento Produtivo
PDS Partido Democrático Social
PDT Partido Democrático Trabalhista
PEC Proposta de Emenda Constitucional
PFL Partido da Frente Liberal
PGR Procuradoria Geral da República
PGU Procuradoria Geral da União
PIB Produto Interno Bruto
PL Partido Liberal
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMN Partido da Mobilização Nacional
PNAS Politica Nacional de Assistencia Social
PP Partido Progressista
PPP Parceria Público-Privada
PPS Partido Popular Socialista
PR Partido da República
PRB Partido Republicano Brasileiro
PRONA Partido de Reedificação da Ordem Nacional
ProUni Programa Universidade para Todos
PSB Partido Socialista Brasileiro
PSD Partido Social Democrata Alemão
PSDC Partido Social Democrata Cristão
PSOL Partido Socialismo e Liberdade
PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unidos
PT Partidos dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
PTC Partido Trabalhista Cristão
PV Partido Verde
STF Supremo Tribunal Federal
SUAS Sistema Único de Assistência Social
TCU Tribunal de Contas da União
TRT Tribunal Regional do Trabalho
TSE Tribunal Superior Eleitoral
UNE União Nacional dos Estudantes
12
INTRODUÇÃO
Desde seu surgimento, os meios de comunicação exercem um papel importante
na vida social, sobretudo, na crítica aos governos, na denúncia dos abusos do poder, na
luta pela democracia e pela liberdade de expressão. Ao longo do século XX, o
desenvolvimento e aperfeiçoamento desses meios transformaram o jogo político,
tornando mais próximo o contato dos cidadãos com as questões públicas, com as
lideranças políticas e com as atividades das instituições dando visibilidade ao cotidiano
da vida política.
A compreensão da relação entre os meios de comunicação e a política nas
sociedades contemporâneas tornou-se o cerne para o entendimento da democracia, uma
vez que os meios de comunicação tornaram-se os provedores de informação no processo
político, funcionando na maioria das vezes, como espaço de debates, auxiliando na
formação da opinião pública e no agendamento da notícia, entre os diferentes veículos
de comunicação.
Diversos estudos sobre a interface comunicação e política estão sendo
produzidos no Brasil, sobretudo análises das disputas eleitorais, essas ganharam
destaque nas pesquisas acadêmicas, após a abertura democrática do país e das eleições
de 1989, como se pode verificar, nas investigações consultadas (MUNDIM 2012;
LIMA, 2007; RUBIM, 2002; MIGUEL, 2000; BRAGA, PORTO & FAUSTO NETO,
1995; MATOS 1994).
A produção na área de comunicação e política, segundo levantamento realizado
por Antônio Rubim e Fernando Azevedo (1998), coincide com essa nova etapa do
processo democrático no Brasil. As campanhas eleitorais ganharam maior importância e
a televisão se converteu na principal fonte de informações e notícias sobre a política,
sendo esse o motivo de tantos estudos priorizarem o papel desse meio na formação da
opinião pública (CHAIA, 2007).
A democracia, centrada nos meios de comunicação, é um tema que já estava em
debate nos Estados Unidos. Segundo David Swanson (1995), os efeitos da influência da
televisão na maneira de se conduzir as campanhas políticas e, posteriormente, na forma
com que políticos e instituições se relacionam com a produção das notícias já eram
visíveis desde os anos cinquenta.
13
Por outro lado, a experiência, de muitos países democráticos, tem demonstrado
que a cultura, presente nos meios de comunicação, tende a abordar o universo da
política, a partir de determinados enfoques direcionados pela audiência da notícia.
Nesse sentido, verifica-se o interesse dos diversos veículos de comunicação na
abordagem de denúncias, de fraudes, de irregularidades e de desvios de verbas públicas.
Temática tratada pelos pesquisadores tomando por base da teoria dos “escândalos
políticos midiáticos” sugerida por John Thompson (2002), ao tratar da visibilidade de
casos de corrupção e de vazamento de informações e de documentos públicos nos meios
de comunicação, fazem parte dessas análises (AZEVEDO, 2010; LIMA, 2007;
MIGUEL & COUTINHO, 2007; CHAIA & TEIXEIRA, 2001).
Estudos sobre o comportamento das diferentes mídias no tocante a abordagem,
ao enquadramento, ao agendamento, a construção da imagem e da opinião pública,
também tem sido frequentes, na produção acadêmica brasileira (MAIA, 2008; PORTO,
2004; ALDÉ, 2004; ALMEIDA, 1999). Cabe destacar que o tema comunicação e
política é constantemente retomado em congressos, seminários, artigos, dissertações de
mestrado e teses de doutorado.
Estudos sobre o comportamento das diferentes mídias no tocante a abordagem,
enquadramento, agendamento, construção da imagem e opinião pública também tem
sido frequentes na produção acadêmica brasileira (MAIA, 2008; PORTO, 2004; ALDÉ,
2004; ALMEIDA, 1999). Cabe destacar a intensa produção da temática comunicação e
política em congressos, seminários, artigos, dissertações de mestrado e teses de
doutorado.
As investigações sobre as relações entre os meios de comunicação de massa e as
instituições políticas tem despertado interesse de estudiosos da Ciência Política, como
será mostrado adiante. Sabe-se que o Congresso Nacional é o centro dos debates, das
decisões e das atividades políticas, que afetam a vida de todos os cidadãos, tomar
conhecimento das atividades parlamentares é importante não apenas para os atores
políticos, mas principalmente para os milhares de brasileiros, que na maioria das vezes
desconhecem os procedimentos legislativos.
A visibilidade do processo político, a dinâmica das atividades dos parlamentares
e o funcionamento das instituições são apresentados aos cidadãos por intermédio dos
meios de comunicação de massa: revistas semanais, telejornais diários, programas de
rádio, jornais impressos, notícias publicadas nos portais da internet além dos blogs e das
14
redes sociais. Desse modo, torna-se relevante examinar como os meios de comunicação
realizam a cobertura da notícia no interior das instituições políticas.
Convém mencionar alguns estudos já realizados na área. O cientista político
Timothy Cook foi um dos pioneiros na análise das relações entre a imprensa e as
atividades dos parlamentares no Congresso estadunidense. Em 1989, o pesquisador
publicou o livro “Making Laws & Making News”. Nesse trabalho ele observou como
os jornalistas e os políticos influenciam no agendamento da notícia de forma mútua,
funcionando como um processo de retroalimentação, no qual um não vive sem o outro
na busca por visibilidade e audiência. O foco de sua pesquisa concentrou-se nas
estratégias adotadas por ambos os atores diante dos imperativos da mídia.
No tocante a cobertura das instituições políticas no Brasil, destaca-se a
dissertação de mestrado de Malena Rodrigues (1997), que sob a perspectiva do modelo
do agenda-setting, analisou como a imprensa pautou a agenda do Congresso Nacional
no ano de 1996, destacando o funcionamento interno da casa, o papel dos assessores de
imprensa e da relação de bastidores entre parlamentares e jornalistas como fontes de
informação, e também como produtores da notícia.
A forma como o Congresso Nacional é apresentado nos jornais e revistas
semanais comparados com os resultados das pesquisas de opinião foi o tema da tese de
doutorado de Ana Lucia Novelli (1999). Essa relação foi analisada entre os anos de
1995 e 1998 no contexto da 50ª Legislatura do Congresso Nacional - período que
transcorreu sob normalidade política, desde o início da redemocratização, após a
constituinte de 1988 e o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello – e
investigou os processos de construção e percepção da imagem do Congresso Nacional a
partir da imprensa.
A contribuição da pesquisa de doutorado de Vladimyr Jorge (2003) sobre a
cobertura jornalística do Congresso Nacional entre 1985 e 1990, foi realizada a partir
dos principais jornais nacionais (Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, O Globo e
JB). Jorge apresentou, em dados quantitativos, o padrão, a frequência e a preferência
dos jornais na cobertura de determinados temas referentes às atividades dos
parlamentares. Examinou as estratégias de produção-recepção da notícia; o valor-
notícia; o funcionamento das atividades internas da instituição (o plenário, as comissões
e as subcomissões); o comportamento político dos parlamentares e dos partidos nas
atividades, o destaque e a visibilidade que ganharam na cobertura de temas específicos
do Congresso.
15
A imagem do Senado nos editoriais da Folha de S. Paulo e de O Estado de
S.Paulo (entre janeiro de 2003 e outubro de 2004) foi tema da pesquisa de Fernando
Azevedo e Vera Chaia (2008), que avaliou como os jornais opinaram sobre questões
relativas às atividades dos membros do Congresso. Verificou-se que as lideranças
políticas foram mais frequentes nos editoriais, e que, na maioria das vezes foram
associadas a uma imagem negativa de sua atuação, nas atividades parlamentares, o que
reforçou a avaliação negativa do próprio Congresso.
Resultado semelhante é apontado por Camila Pessoa (2016), em dissertação
sobre a imagem pública do Congresso Nacional construída nos editoriais dos jornais O
Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, entre 2011 e 2013. Os resultados apontam que
há uma cobertura predominantemente crítica e negativa, em relação às instituições e
seus atores, o que evidencia também a tensão entre interesse do público e a agenda
jornalística.
As pesquisas mencionadas destacaram o papel que a mídia impressa, em
especial os jornais, tem na formação da opinião pública negativa do Congresso Nacional
e de seus membros. O valor-notícia atribuído aos acontecimentos ganharam importância
e visibilidade, segundo o critério de audiência (notícias que atraem interesse do
público), como temas polêmicos, comentários críticos, cobranças e denúncias de
irregularidades.
Vale lembrar que esse tipo de notícia encontra respaldo na ideia da mídia como
“cão-de-guarda”, como defensora da ética, da democracia e da transparência dos
negócios públicos, mas que, por outro lado, esse comportamento contribui para a
construção da imagem negativa dos políticos e das instituições políticas,
consequentemente gerando apatia e rejeição às questões públicas.
A falta de credibilidade gerada e suas relações com a atuação dos meios de
comunicação, foram abordadas por Mauro Porto (1996). O autor observou que a
tendência do jornalismo de denúncia e investigação, sobretudo após casos emblemáticos
de política brasileira, como o caso do ex-presidente Fernando Collor de Mello e a CPI
do Orçamento, contribuiu para disseminar a desconfiança e a rejeição à política e suas
instituições, trazendo obstáculos à legitimidade do próprio regime democrático.
Segundo Porto (1996:55), as instituições políticas e seus membros são
apresentados nos meios de comunicação de forma negativa e desqualificada. Quando se
trata do Congresso Nacional, a “cobertura essencialmente negativa não faz uma
distinção entre o desempenho medíocre de alguns membros destas instituições e a
16
importância das mesmas para o regime democrático”, fato que impede um maior
esclarecimento à sociedade sobre o processo, o funcionamento do Poder Legislativo, da
legitimidade da democracia, além de produzir generalizações à instituição como um
todo.
A produção e circulação de informações, segundo Bernard Manin (1997), está
ligada à formação da opinião pública e afetam o que pensam os diversos públicos, no
entanto, há que se diferenciar a qualidade da informação em jogo. No caso da cobertura
das instituições políticas, faltam informações e detalhes sobre a dinâmica e
funcionamento das atividades parlamentares, que perdem espaço para a grande
diversidade de notícias sobre temas polêmicos, como irregularidades, embates políticos
e outras notícias dos bastidores; o que alimenta as manifestações de descrédito dos
cidadãos em relação às principais instituições do governo.
A percepção que se tem, quando se considera os noticiários televisivos e
impressos, é que os políticos e seus partidos vivem num frequente jogo de interesses em
busca de benesses políticas e pessoais; enquanto que órgãos públicos são representados
como o espaço dos vícios, da corrupção, dos esquemas, das fraudes e da ineficiência de
sua atuação.
É no contexto dessa representação do cenário político nacional que surge a pauta
da reforma política como um “remédio” para todos os males do sistema eleitoral do
país. O tema da reforma sempre esteve presente na agenda dos meios de comunicação e
na agenda pública, quando o assunto é política. Paradoxalmente assim tratado pelos
jornais, como a solução e também como símbolo da letargia das instituições públicas.
Foi por ocasião da crise política, instalada na primeira legislatura do ex-
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ˗ período que se inicia em 2003 e termina em
2006, a denúncia do então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), ao jornal
Folha de S.Paulo em 2005 ˗ sobre o pagamento de mesadas a deputados de outros
partidos, em troca de apoio nos projetos de interesse do Poder Executivo ˗ que os
debates sobre a reforma do sistema político tornaram-se cada vez mais frequentes na
cobertura jornalística, se estendendo até a segunda gestão petista.
Segundo o “Relatório de Análise da Mídia” (elaborado pela equipe técnica do
Senado) com análises da cobertura do Senado e do Congresso Nacional no mês de
janeiro de 2011, o tema da reforma política chegou a liderar o ranking dos assuntos na
cobertura jornalística nos anos de 2006-2007.
17
Vale lembrar que o debate sobre a reforma foi acionada por dois fatores
principais: o financiamento das campanhas eleitorais e a dificuldade em assegurar o
apoio legislativo no Congresso. Os escândalos que arrebataram o PT em 2005 e 2006,
sobre a existência de um “caixa dois” (financiamento ilegal) e do pagamento em troca
de apoio político (“mensalão”), trouxeram à tona falhas já cristalizadas no sistema
político brasileiro. Como pano fundo evidenciou-se a fragilidade da legislação sobre as
contribuições partidárias, a fragmentação no Congresso e os debates acalorados sobre o
combate à corrupção no governo.
As alianças políticas foram tema recorrente na cobertura jornalística desse
período, visto que, aos olhos dos jornalistas esse foi outro grande dilema da gestão
petista. Sob o argumento da boa governabilidade, os jornais mencionavam essa
estratégia como o instrumento fundamental de garantia de boa relação entre Executivo e
Legislativo, capaz de assegurar uma gestão sem entraves, contratempos ou crises
políticas.
O presente trabalho analisa os editoriais dos jornais Folha de S.Paulo e O
Estado de S.Paulo no período entre 2003 a 2010, que corresponde à gestão petista no
governo federal; a intenção foi compreender como se deu a abordagem e o
enquadramento, sobre reforma política em debate no Congresso Nacional, na ocasião
das atividades da Comissão Especial da Reforma Política e da Comissão de
Constituição Justiça e Cidadania (CCJ), quando se discutiu o tema referente à reforma
do sistema político brasileiro.
A proposta de reforma política ˗ que na verdade trata-se de uma reforma eleitoral
pretende resolver os problemas já abordados pela literatura especifica, acerca do sistema
político partidário brasileiro, isto é, a latente fragmentação desse sistema, que torna
obscura a relação entre representação política, a identidade partidária e a inteligibilidade
do sistema ao eleitorado. Os principais pontos da reforma política tratam do
financiamento público de campanha, do voto em listas fechadas, do fim das coligações
em eleições proporcionais e da fidelidade partidária.
Desde a promulgação da Constituição de 1988, vários temas fizeram parte da
agenda pública da reforma política. No início dos anos 90, discutiam-se questões mais
amplas na organização das instituições políticas, como foi previsto no plebiscito sobre o
parlamentarismo no país. Ao longo desse período, novos pontos ganharam destaque no
debate, como a reorganização das regras do sistema político, visando mais participação
da sociedade e transparência nas contas dos partidos políticos.
18
Centenas de proposições legislativas, relacionadas ao tema da reforma, foram
apresentadas no período entre 1989 e 2010, sendo que a maioria delas foram iniciativas
de deputados ou senadores. Não há dúvidas que, a reforma política, apesar de fazer
parte da agenda pública encontra dificuldades para ser implementada. As propostas de
melhoria e de qualidade do sistema político brasileiro vão além dos temas tratados ˗
como a introdução do sistema distrital misto; a representação proporcional; o voto
facultativo; a fidelidade partidária; a proibição das coligações para as eleições
proporcionais, entre outros, ˗ todavia, nenhuma das propostas avançou nos governos
pós-constituinte.
Durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi instituído
a Comissão Especial da Reforma Política, que encaminhou, no final do ano de 2003, à
Comissão de Constituição e Justiça, o projeto de lei 2.679, que propunha: a adoção do
sistema de listas fechadas; a proibição de coligações para as eleições proporcionais; a
criação de federações partidárias com duração de três anos após a posse; a instituição da
cláusula de barreira de 2% dos votos válidos e o financiamento público das campanhas
eleitorais. No entanto, em 2005 a proposta não foi aprovada. Somente questões
pontuais, como a questão do financiamento eleitoral foram novamente colocadas em
debate e aprovadas no ano seguinte, devido à crise política governo petista e ao anseio
da opinião pública.
O grande desafio para a implementação da reforma política, aparentemente
reside no fato de que ela nunca esteve como prioridade, na agenda dos governos após a
abertura democrática; além disso, os conflitos e os dissensos, em torno das propostas,
sempre foram um obstáculo para os partidos e suas coalizões, como se pode constatar na
cobertura jornalística.
Quando o assunto é a reforma política, percebe-se a preferência dos jornalistas
pela publicação dos impasses entre os partidos. Com pequenas notas e entrevistas dos
bastidores, a atividade no interior das comissões é substituída pelos conflitos, pelas
opiniões e pelas acusações dos parlamentares e de seus partidos; menções a eventos e a
seminários, promovidos por outras instituições interessadas no debate da reforma.
Quando são apresentadas as informações e os esclarecimentos “didáticos” ao leitor,
recorre-se aos cientistas políticos e ao recurso das ilustrações, por ser um tema
considerado técnico, difícil e de pouco interesse para o leitor.
De acordo com Swanson (1995:14), para entender esse fato, tomamos em conta
que os jornalistas, com frequência, selecionam e constroem as notícias, sobre o governo
19
e os políticos, de forma que esses possam parecer mais interessantes, para ganhar a
audiência do público. Sendo que os recursos mais utilizados são: enfatizar dramas e
conflitos; concentrar-se em acontecimentos concretos e não em ideias abstratas;
personalizar a política, apresentando pessoas no lugar das instituições, ideias e forças
impessoais, que são difíceis de visualizar; e, por fim, reduzir assuntos complexos à
simples histórias com fundo moral.
Algumas conclusões, apresentadas nos trabalhos de Azevedo e Chaia (2008),
Jorge (2003), Rodrigues (1997) e Porto (1996), comprovam essa tese, em especial sobre
a tendência de se privilegiar os parlamentares em detrimento à instituição; fazendo o
Executivo se destacar em relação ao Legislativo, a votação no plenário parecer mais
importante que às atividades das comissões e subcomissões. Porem, é necessário
salientar que, no período a ser examinado, (2003-2010), o trabalho das comissões
surgiu com mais frequência no noticiário, no entanto, sempre a partir do embate, das
opiniões e do posicionamento ideológico dos parlamentares, sobre o tema em pauta na
reforma política.
O enfoque dado ao debate, e às diversas interpretações das propostas sobre a
reforma política, travado entre membros do Congresso, especialistas, interessados na
temática e outros formadores de opinião, pouco esclarece ao cidadão comum sobre o
que de fato está em discussão no sistema político brasileiro, tornando-se um assunto
desinteressante e ininteligível num primeiro momento. No entanto, uma análise
sistemática dessa abordagem pode revelar que algumas interpretações revelavam-se nas
colunas e matérias para reforçar o posicionamento da linha editorial do jornal.
Sendo assim, investigar como se estabelece a relação entre os meios de
comunicação e a política, suas consequências e seus limites na construção da opinião
pública é significativa para entender a cultura política, os valores e os interesses
presentes, na relação entre os meios de comunicação, os políticos e as instituições
políticas.
Deste modo, o estudo dos textos editoriais sobre a reforma política pretende: 1)
identificar os atos e as decisões políticas que foram comentados pelos jornalistas e
políticos; 2) avaliar o espaço destinado ao tema e o tratamento dado às atividades
parlamentares; 3) examinar o discurso e a linguagem utilizada pelos jornais; 4) explorar
as questões referentes ao enquadramento do editorial; 5) verificar como se apresenta o
posicionamento dos jornais e o comportamento ideológico dos atores políticos em cena,
20
6) e por fim, avaliar a relação entre a imprensa e a imagem pública do Poder Legislativo
e dos parlamentares sob a noção de enquadramento.
Na investigação foi aplicada a metodologia de análise de enquadramento sobre
os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo no período de janeiro de 2003 a
dezembro de 2010, com foco nos editoriais que abordaram questões relacionadas à
reforma política e ao sistema político. Para entender a construção do discurso político
nos apoiamos identificamos os enquadramentos (frame), para reconstruir o discurso e o
contexto político do debate acerca das relações de disputa de poder e de projeto político
para o Brasil.
Vale tornar um pouco mais claro o funcionamento da empresa jornalística e a
elaboração de uma agenda pública de noticias, para abordar a questão do
enquadramento.
Segundo Mauro Wolf (2010: 145), os jornalistas ao selecionarem os
acontecimentos que podem ser transformados em notícias, obedecendo aos critérios de
hierarquia e relevância, oferecem ao público quais temas ou notícias merecem atenção,
esse modelo é chamado de hipótese da agenda-setting.
A elaboração de uma agenda pública contribui significativamente para que um
acontecimento vire notícia. Não é redundância afirmar que a agenda oficial do governo
pauta, em certa medida, a cobertura da mídia e, como conseqüência, as declarações dos
governistas tendem a ser reverberadas em maior ou menor grau. Assim, espera-se que
qualquer menção, feita em público, do presidente tenha a possibilidade de virar notícia.
A agenda pública só adquire êxito se os acontecimentos são providos de uma
dinâmica que ampliem a duração dos eventos nos noticiários. Nesse processo,
redefinem-se, incluem-se ou se exclui elementos de acordo com o que se acredita ser
importante, em termos de publicação, linha editorial, audiência ou para legitimar uma
opinião.
No momento eleitoral, o poder de pautar temas é oportuno para influenciar o
eleitorado e/ou mobilizar candidatos, ou atores políticos, interpelados a responder
àquelas questões presentes na pauta jornalística, que elencam a ordem do dia e que,
possivelmente, será assunto para o leitor.
Sobre a agenda-setting Holfeldt (2001), menciona o fluxo contínuo da
informação, a influência dos meios de comunicação a médio e longo prazo, e a
capacidade de influenciar o leitor sobre o que pensar e sobre o que falar. Assim, definir
21
a agenda não poderia ser pensado sem o interesse do público e de sua linha editorial, e
do fato político que orientará os textos, que estamparão as manchetes.
Outro elemento que acompanha a definição da agenda é o enquadramento
(framing), relacionado aos esquemas de interpretação dos acontecimentos. Cada linha
editorial atribui interpretações ou seleciona alguns roteiros interpretativos. Eles podem
ser caracterizados como: “marcos interpretativos mais gerais construídos socialmente
que permitem às pessoas fazer sentido dos eventos e das situações sociais” (PORTO,
2004, p. 78).
O enquadramento é um pacote interpretativo. Nesse processo, enquadrar
significa organizar a realidade dentro de determinados eixos ou matrizes de apreciação e
entendimento. A ideia central é elaborada através de procedimentos como seleção,
exclusão e ênfase de determinados aspectos e informações, de forma a compor
perspectivas gerais através das quais fatos e circunstâncias são dados a conhecer
(GAMSON; MODIGLIANI, 1989; AZEVEDO, 2004).
O enquadramento refere-se à forma como a mídia trata e organiza a notícia. De
acordo com Robert Entman (1993: 52) o conceito de enquadramento (framing) pode ser
entendido como o processo de selecionar alguns aspectos de uma realidade e enfatiza-
los, de forma a promover uma definição particular do problema, uma interpretação, uma
avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito.
Os enquadramentos podem ser organizados por categorias ou formatos
específicos como: quadros de conflito (quando apresentam os atores políticos como em
constante disputa, omitindo informações ou considerações acerca das políticas
envolvidas); jogo (os personagens são apresentados como agentes racionais que são
movidos por estratégias e interesses); e episódicos (quando a conjuntura ou fatos
recebem tratamento superficial e são abordados a partir de seus traços singulares ou
sensacionalistas). Em oposição a essas categorias, situam-se os enquadramentos
temáticos, que são contextualizados, abrangentes, e que conseguem relacionar e avaliar
as implicações e consequências de uma determinada política. (IYENGAR, 1990; 1991).
No caso da reforma política, o debate assumiu as interpretações dos atores
políticos envolvidos, atendeu às necessidades conjunturais, ao jogo político e também
foi temático, à medida que explicitava a opinião do próprio jornal, de atores políticos e
especialistas.
A hipótese de pesquisa é que a reforma política apareceu com mais frequência
nos jornais, a partir do contexto de crise política. O tema foi agendado e enquadrado, a
22
partir de dois momentos que se intercalaram durante as legislaturas do ex-presidente
Luis Inácio Lula da Silva, são elas: 1) a tematização e o agendamento realizado pelos
parlamentares envolvidos diretamente na Comissão de Constituição e Justiça e na
Comissão Especial da Reforma Política; 2) no caso da crise política decorrente das
denúncias do chamado “mensalão”, sob o enquadramento corrupção.
A segunda hipótese, que se relaciona com a primeira é a de que, apesar de o
tema reforma política, ser constante na imprensa escrita, o agendamento e o
enquadramento também foram realizados pelos políticos como um recurso utilizado
para lidar com a fragilidade e instabilidade causada pelas denúncias do “mensalão”.
Sendo assim, usada como resposta aos anseios de maior transparência na política e
também para lidar com a crise de representação política.
Alguns elementos, do conceito de enquadramento, são relevantes para
fundamentar a compreensão, sobre como o jornalismo opera na sua capacidade de
influenciar os leitores. Deve-se considerar a vinculação dos estudos de frames às teorias
de construção do discurso e da narrativa, segundo a qual os enquadramentos são
necessários para a elaboração de uma estrutura acessível de informações que atribuam
sentido à sua experiência.
A relevância das pesquisas de enquadramentos nos editoriais corrobora o
entendimento da relação entre meios de comunicação e o potencial desses na construção
dos discursos carregados de significados e imagens simbólicas, consequentemente,
percepções acerca do universo da política.
A noção de enquadramento encontra o conceito de representação quando
percebemos o papel desse último no funcionamento da sociedade na “produção social
das ideias, por meio de elaborações discursivas, que sancionam percepções sobre coisas,
pessoas, ideias, estados e processos” (SOARES, 2009, p. 15).
O poder de influencia dos meios de comunicação está na construção e
reprodução de representações. Embora se deva considerar este cenário isoladamente da
interação e da relação que os indivíduos estabelecem entre esses atores e as instituições,
deve-se olhar também para a complexidade da produção simbólica na sociedade.
Para empresas de comunicação, a disputa pelo poder simbólico equivale ao
potencial de transformar interesses e desejos em políticas públicas ou fazer valer um
projeto político. Esses atores tornam-se instrumentos do exercício do poder simbólico
(BOURDIEU, 1998). E o que está em jogo é a construção do repertório e da narrativa,
que vão convencer os leitores sobre determinada opinião ou projeto político.
23
Sabe-se que, os jornalistas buscam em seu cotidiano as melhores narrativas para
enquadrar fatos, diante da diversidade de acontecimentos, que aparentemente não tem
relevância alguma. Segundo Luiz Gonzaga Motta, “os jornalistas utilizam frames
narrativos porque, por um lado, eles facilitam sua tarefa de enquadrar a complexidade
do mundo”, por outro lado, frames apelativos ou dramáticos são rapidamente
compreendidos pelos receptores que os utilizam frequentemente no mundo da vida
(MOTTA, 2010, p. 137).
É possível definir a noção de enquadramento, como uma apropriação particular
de sentido, que opera vínculos de identificação e promove a ênfase de certa perspectiva
ou opinião. Frames são recortes de informações ou cenários, que foram selecionados,
avaliados, valorizados, destacados, interpretados, omitidos ou atenuados, relacionados a
outros, com a finalidade de atribuição de sentido e construção de narrativas nem sempre
reconhecidas ou identificadas rapidamente (SOARES, 2009, p. 21).
O primeiro capítulo aborda os estudos, que tem como preocupação teórica os
partidos políticos, o sistema politico brasileiro e a democracia em crise, considerando as
perspectivas para uma agenda da reforma política nos governos que sucedem o período
dessa pesquisa, no caso, os acontecimentos ocorridos durante o governo Dilma, até o
momento de sua interrupção, no ano de 2016. Buscando compreender a crise de
representação e descrédito nas instituições e dos partidos políticos, e a crise da
democracia contemporânea, tendo como base os trabalhos de Robert Michels, Maurice
Duverger, Giovanni Sartori , Angelo Panebianco, Bernard Manin e Nadia Urbinati,
entre outros.
A segunda parte dessa investigação, considera a agenda da reforma política no
país , desde o período de redemocratização, a partir da revisão bibliográfica de estudos
na ciência política. Nesse capítulo é apresentado o contexto, os elementos presentes e os
principais acontecimentos relacionados ao debate sobre a reforma política durante os
governos Lula I e II.
O terceiro e último capítulo analisa os editoriais publicados nos jornais Folha de
S. Paulo e O Estado de S.Paulo, durante o governo administrado pelo Partido dos
Trabalhadores (2003-2010). A coleta dos textos analisados foi realizada nos sites de
cada grupo jornalístico a partir do acervo online disponível, e para a busca foram
inseridos no campo de palavras-chaves, o termo: “reforma política”. Todos os textos
que aparecem como resultado dessa busca, foram delimitados por editoriais. Os textos
24
foram lidos e compilados em um arquivo pessoal, para verificação e objetivos de
análise.
A seleção do material avaliou a frequência quantitativa e qualitativa do tema
reforma política nos jornais além de verificar, por meio da análise de conteúdo, o
enfoque e os elementos que a compõem. Dentre o universo apresentado, todos os textos
foram analisados, o que corresponde a noventa e cinco editoriais.
Buscamos compreender o conteúdo do texto, a opinião sobre a reforma política
emitida pelo veículo, o agendamento e o enquadramento dado realizado pelo jornal. Por
fim, os enquadramentos discursivos sobre a reforma, o sistema político, o governo Lula,
atores e instituições. Consideramos os editoriais como parte de um projeto político que
utiliza o discurso para construção da opinião, representações e imaginários sobre a
política, contribuindo para a construção de uma narrativa sobre a política.
O eixo condutor dessa investigação está em compreender como a agenda da
reforma política lidou com problemas da democracia representativa, em especial a
questão da representação política, a dinâmica do presidencialismo de coalizão, as
alianças políticas e os mecanismos de financiamento e transparência pública. Por
outro lado, buscou-se entender como os editoriais dos jornais abordaram o assunto,
estabelecendo uma agenda pública sobre a reforma política.
A relevância desta pesquisa demonstra como as empresas jornalísticas
constroem narrativas, imagens e discursos que alimentam imaginários sobre as
instituições políticas, seus atores e suas ações e como estes repertórios refletem
negativamente nos discursos e imaginário cotidiano sobre o universo da política
nacional, e auxilia na construção do ambiente político de descrença e descontentamento
com as instituições.
Os jornais ao concentrar seus esforços em mostrar a dinâmica do jogo político,
ao comentar ações e atitudes de políticos, partidos e instituições, ou enfatizar os
escândalos de corrupção e irregularidades, pouco menciona sobre o funcionamento
político do legislativo, executivo e judiciário, e mesmo sobre como acontecem as
eleições, do ponto de vista financeiro ou ideológico, isto é, não trata com profundidade
em questões de ordem institucional, de interesses econômicos ou de classe e mesmo seu
papel nesse emaranhado de contradições.
25
CAPÍTULO 1 – CRISE DAS DEMOCRACIAS CONTEMPORÂNEAS:
PARTIDOS POLÍTICOS E ELEIÇÕES NO BRASIL
Traçar um panorama geral sobre a vida política nas democracias
contemporâneas não é uma tarefa fácil. O desafio que se impõe aos pesquisadores da
Ciência Política e áreas correlatas de estudo é compreender contextos permeados por
crises, incertezas e mudanças que atingem o mundo como um todo.
De um lado, pode-se observar a reorganização da economia capitalista em escala
mundial, ainda com grandes questionamentos acerca da desorganização das conhecidas
instituições da modernidade como o Estado, a família, a empresa, as instituições de
ensino, os partidos e os sindicatos. Por outro, busca-se entender o ambiente gerado pelas
mudanças, em grande parte marcado pela instabilidade, dúvidas, inseguranças e
descrença nos governos, nos políticos e nas instituições sociais.
As competições eleitorais se profissionalizaram com o uso das estratégias do
marketing político. A visibilidade foi intensificada nos canais televisivos, ganhou novos
formatos comunicacionais com a internet e outras mídias sociais. Nesse cenário
complexo, a representação de grupos que historicamente se identificavam com partidos
de esquerda, como os trabalhadores e sindicatos, viram-se cada vez mais distantes
desses canais de representação.
Os partidos perderam a capacidade de dialogar com sua base eleitoral. Não
conseguem mais atingir classes, categorias e profissões como faziam há trinta anos. É
perceptível a ascensão de organizações internacionais assumindo posições técnicas e
decisivas na política dos países, como é o caso do Fundo Monetário Internacional
(FMI), Banco Mundial, o Banco Internacional de Desenvolvimento (BIRD), ligados à
Organização das Nações Unidas (ONU).
Nos últimos anos verifica-se o crescimento de partidos populistas e de viés
conservador como a candidatura eleita de Donald Trump, nos Estados Unidos, em 2016;
Emmanuel Macron, em 2017, na França; Mauricio Macri, em 2015, na Argentina; além
dos grupos de extrema-direita que ganham força na Europa e no mundo. No Brasil, a
crise de representatividade abriu espaço para que as mobilizações de grupos
conservadores ganhassem força junto ao decrescente índice de confiança nos partidos
políticos.
26
Nessa condição a crítica ao sistema político, a ideia de negação da política e dos
mecanismos institucionais de representação ganham adesão da população. O mal-estar
na democracia acaba por se consolidar, enquanto crença e valor que apresenta reflexos
na rejeição da política institucional e antiestablishment. Como resultado dessa
conjuntura, a população assume o discurso do “contra tudo e contra todos que aí estão”
ou “fora todos eles”.
O pano de fundo desse cenário é construído a partir das denúncias de
irregularidades e de corrupção. O país assistiu ao desgaste do Partido dos Trabalhadores
na administração federal, depois de um pouco mais de uma década no comando da
gestão, os diversos casos de corrupção envolvendo todos os partidos políticos e em
todos os níveis da federação, o desencantamento com as instituições políticas e seus
atores como resultado de um quadro político institucional em crise.
É importante compreender como se atingiu esse ponto. Para tanto é necessário
considerar elementos conjunturais do governo Lula e do governo Dilma (ambos do
Partido dos Trabalhadores – PT). Durante a gestão de Lula, os veículos de comunicação
foram importantes para a construção do processo de desencantamento político, à medida
que o foco das notícias foi as denúncias de irregularidades no governo e na área da
administração pública federal, o ataque aos movimentos sociais e grupos de sindicatos e
as alianças políticas no parlamento e fora dele. No caso do governo Dilma pesaram a
condução das alianças políticas, as jornadas de junho de 2013 e a disputa eleitoral de
2014.
As chamadas “jornadas de junho” foram manifestações de ruas, que eclodiram
nos meses de junho e julho de 2013, se proliferaram pelo país e ganharam adesão de
milhares de pessoas. O Movimento Passe Livre (MPL) que convocou as primeiras
manifestações colocou na pauta da agenda pública a questão da mobilidade urbana e da
tarifa zero, isto é, do transporte público e gratuito. O movimento liderado por jovens
não discutiu apenas a redução das tarifas do transporte coletivo, mas trazia consigo
diversos temas presentes na agenda, como o combate à corrupção, a melhoria das
condições de vida e do acesso aos serviços públicos, como saúde e educação.
A disputa à Presidência da República, em 2014, aconteceu quase um ano após
essas mobilizações. A polarização da campanha foi observada por institutos de pesquisa
como o Datafolha e o IBOPE, que sinalizavam o enfrentamento nas urnas entre a
presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), e
27
o candidato Aécio Neves do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), ex-
governador do estado de Minas Gerais.
A candidata petista representava aproximadamente 36% das intenções de voto,
enquanto, o segundo colocado, Aécio Neves, seguia com 20%1. O candidato Eduardo
Campos2, ex-governador de Pernambuco, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), estava
em terceiro lugar variando entre 6% e 8% nas intenções do eleitorado. As estimativas
realizadas pelos institutos de pesquisa, e na pesquisa publicada pelo Datafolha em julho
de 2014 apontavam a vitória da presidente Dilma Rousseff no segundo turno.
A morte de Campos levou a então vice de sua legenda, Marina Silva (ex-
ministra do Meio Ambiente), a assumir a candidatura. O acontecimento alimentou o
panorama político eleitoral do ano de 2014, cabe destacar alguns fatos, elementos e
problemáticas que deram o tom da corrida presidencial daquele momento.
O clima de insatisfação em relação aos políticos, às instituições e ao sistema de
representação política, se instalou apontando para algumas questões relacionadas ao
combate à corrupção, transparência nas contas públicas, participação social e cidadania,
além de crescimento da economia do país.
Entrou em jogo nesse quadro, a disputa de um projeto político entre a “velha” e
a “nova” forma de se fazer política na concepção desse eleitorado, que apostou sua
confiança na promissora candidatura de Eduardo Campos, como representante desse
novo projeto, e depois, em sua vice Marina Silva (PSB). Com o enfraquecimento nas
urnas dessa última, a preferência de votos recaiu para o candidato da oposição Aécio
Neves (PSDB).
E somando-se ao descrédito dos políticos e das tradicionais formas de
participação, havia nas mobilizações das “jornadas de junho”, a presença de
organizações de esquerda, anarquistas, grupos de direita e de extrema direita, além
daqueles que se diziam “apartidários”.
Foi nesse meio que surgiram os grupos de oposição ao último governo petista,
clamando por uma “nova” política. A vitória da presidente Dilma Rousseff, em 2014,
não agradou setores médios da sociedade e grupos políticos, que ficaram insatisfeitos
1 Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/07/1487860-com-36-dilma-lidera-
aposinicio-oficial-da-campanha-eleitoral.shtml> Acesso em: 10 de out. de 2014.
2 No entanto, é necessário lembrar que dois meses antes do primeiro turno eleitoral, realizado em 5 de
outubro de 2014, o candidato Eduardo Campos faleceu em um acidente aéreo no dia 13 de agosto, quando
seguia para um compromisso de campanha no Guarujá (SP).
28
com o resultado das urnas. O clima de insatisfação com o governo predominou durante
toda a sua gestão até a sua ruptura, em maio de 2016.
A construção da notícia, por meio de um jornalismo opinativo, pautou as
eleições e o ambiente político do ano de 20153. Em virtude da difícil e acirrada disputa
eleitoral de outubro, a presidente reeleita Dilma Rousseff optou por ajustes que
desagradaram à população logo no inicio de sua gestão. Tendo em vista o equilíbrio das
contas do governo e a sobrevivência diante da crise econômica instaurada, o governo
federal decidiu anunciar o pacote de ajuste fiscal, que alterava as regras de benefícios
previdenciários, sobretudo no tocante ao seguro desemprego e abono salarial.
Nesse cenário econômico desfavorável, o escândalo político, que envolvia maior
empresa estatal do país, a Petrobras, num amplo esquema de irregularidades e
pagamento de propina, comprometia a confiabilidade em políticos e partidos
pertencentes à base aliada do governo.
Os protestos, que resultaram em grandes mobilizações de rua no dia 15 de
março, 12 de abril e 16 de agosto de 2015, foram convocados pela internet e redes
sociais, por grupos oposicionistas conservadores (Vem Pra Rua, Movimento Brasil
Livre, Movimento Endireita Brasil e Revoltados Online), que tinham como objetivo a
crítica ao Partido dos Trabalhadores, apoio ao impeachment da presidente Dilma
Rousseff e o combate à corrupção4.
Grupos conservadores e intolerantes ergueram bandeiras e cartazes a favor de
uma intervenção militar, morte aos petistas e ao Partido dos Trabalhadores, anunciando
rejeição às lutas e aos movimentos sociais identificados com a esquerda, ou as pautas
progressistas, como: a defesa da luta pela defesa das mulheres, do movimento LGBT,
dos movimentos indígenas, dos grupos minoritários que reivindicam maior igualdade
econômica e social.´
É a partir dos sentimentos de desconfiança e insegurança da base institucional
que o clamor por lei e ordem se fortalece, ganha adesão da população e abre espaço para
o crescimento de movimentos totalitaristas, conservadores e intolerantes.
3 Destaca-se o crescimento de colunistas que opinavam sobre política nos principais jornais impressos,
revistas semanais, canais televisivos e de rádio e que representavam o pensamento e o projeto afinado
com princípios conservadores e liberais (Reinaldo Azevedo, Demétrio Magnoli, Marco Antonio Villa
para citar alguns.) 4 Segundo pesquisa do Instituto Datafolha divulgada no dia 17 de março de 2015, 47% das pessoas que
compareceram à Avenida Paulista, em São Paulo, tinham como motivação o combate à corrupção.
Estima-se que aproximadamente um pouco mais de 150 mil pessoas estiveram presentes na manifestação.
Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2015/03/1604284-47-foram-a-avenida-
paulista-em15-de-marco-protestar-contra-a-corrupcao.shtml. Ultimo acesso em novembro de 2015.
29
Embora se declarassem apartidários, tais movimentos obtiveram apoio de
partidos e lideranças de legendas como o PSDB, DEM, PPS, entre outros. Os índices de
rejeição ao governo aumentaram juntamente à insatisfação com as questões políticas e a
crise econômica, que começava a mostrar seus efeitos na população5. Diversos foram os
temas propalados pelos veículos de comunicação e pelos manifestantes, dentre eles
estavam o combate à corrupção, por meio de uma reforma política6.
Durante o governo da presidente Dilma Rousseff, o tema da reforma política
voltou à baila como resposta aos protestos de junho de 2013. No dia 24 de junho de
2013, a presidente Dilma Rousseff divulgou, em discurso pela televisão aberta, uma
agenda de longo prazo, e dentre dessas propostas estavam a reforma política ampla e de
apoio popular, a partir da convocação de um plebiscito que autorizasse um “processo
constituinte específico” para esse fim.
A consulta aos cidadãos versaria sobre cinco temas: financiamento de
campanhas, sistema eleitoral, suplência de senadores, coligações partidárias e voto
secreto. Em setembro e outubro de 2013, a ideia recebeu o apoio do Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST), do Movimento do Sem Terra (MST), a Central Única
dos Trabalhadores (CUT), pastorais e ONGs, dos partidos como o PT, PCdoB, e alguns
membros do PSOL. Nesse processo, 7,4 milhões de brasileiros manifestaram-se
positivamente ao responder a seguinte questão: “você é a favor de uma constituinte
exclusiva e soberana sobre o sistema político”?
Apesar do caráter apenas consultivo, o objetivo da mobilização estava em
demonstrar o anseio da população por mudanças no sistema político e pressionar o
poder público a convocar um plebiscito nacional sobre a reforma. A proposta foi
enviada ao Congresso Nacional e o projeto foi engavetado mesmo com a aprovação da
base aliada do governo.
Todavia, ainda no ano de 2013, a presidente Dilma Rousseff divulgou a
minirreforma eleitoral (Lei nº 12.891/2013) aprovada pela Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) em setembro de 2013, sendo esse documento, o consenso obtido ainda
naquele ano entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.
5 Como reação e forma de expressar seu descontentamento, alguns grupos, simpáticos a esse novo
movimento das ruas, a cada novo pronunciamento televisivo da presidente, promoviam o chamado
“panelaço”, como alternativa de protesto contrário ao discurso proferido por Dilma Rousseff, no intuito,
de “calar” a tentativa de dialogo do governo com o cidadão brasileiro. 6 Mais informações sobre a discussão da reforma política no governo Dilma estão em artigo de minha
autoria publicado na revista Em Debate, v.8, n.3, p.52-58, mai. 2016. Disponível em:
http://opiniaopublica.ufmg.br/site/files/artigo/Merilyn-Oliveira.pdf. Ultimo acesso em maio de 2017.
30
A proposta teve o objetivo de diminuir o custo financeiro das campanhas
eleitorais e corrigir falhas nas normas vigentes. Apesar de não conter mudanças
significativas, o texto tratava do veto à divulgação de candidaturas em outdoors e à
limitação no formato da campanha, abordava a participação dos candidatos na internet e
nas redes sociais, e reafirmava a proibição da propaganda eleitoral antecipada em rádio
e TV por políticos quanto à publicidade de seus atos ou ofender adversários. Versava
ainda, sobre o prazo para a filiação ao partido político; à obrigatoriedade de publicação
da ata da convenção; determinava novo período de tempo para substituição de
candidatos; estabelecia a proibição de realização de enquetes durante o período de
campanha; e mais, definia limites para gastos de campanha com alimentação de pessoal,
além de aluguel de veículos e contratação de cabos eleitorais.
Outros temas também foram tratados, como o pagamento da multa eleitoral e a
prestação de contas; da mesma forma, fixando novo critério para distribuição do tempo
de rádio e televisão (Lei n.º 12.875/2013). Contudo, o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) decidiu (25/06/214) que a lei da minirreforma eleitoral no país não valeria para as
eleições de outubro daquele ano, por ter sido aprovada em dezembro de 2013, ou seja,
não atendia ao princípio da anualidade, que determina que mudanças na legislação
eleitoral não possam ocorrer menos de um ano antes da data de realização das eleições
de outubro.
No dia 18 de março de 2015, a presidente, como nova resposta às demandas
oriundas das manifestações contra seu governo, anunciou o lançamento do pacote
anticorrupção. O conjunto de medidas incluía: a criação de uma secretaria de controle
sobre as empresas estatais, subordinadas à CGU (Controladoria Geral da União), que
cuidaria da avaliação dos contratos públicos; a criminalização do chamado “caixa dois”;
o confisco de bens adquiridos de forma ilegal; a exigência de ficha limpa para os
ocupantes de cargos públicos, a tipificação, como crime, do enriquecimento ilícito de
agentes públicos, a sugestão da criação de varas especiais para o julgamento de desvio
de recursos públicos, além de regulamentar a Lei Anticorrupção em vigor desde 2013.
Assim, a partir das manifestações de rua de 2013 e de 2015, a reforma política
ganhou espaço na agenda pública dos cidadãos, dos políticos e também das mídias nas
duas gestões de Rousseff. A crise de representação política relacionava-se com a
demanda pela modificação das regras eleitorais, fazendo com que, o tema da reforma
política adquirisse relevância em tempos de crise democrática. Contudo, a preocupação
31
do governo Dilma, em relação à reforma política não foi suficiente para acalmar o
ânimo da população e dos atores políticos.
O pleito de 2014 elegeu a bancada mais conservadora do Congresso Nacional
desde 1964 (ano que marcou a ditadura militar no Brasil)7. Nesse cenário conturbado
pós-eleições, políticos retrógrados, com o auxilio de figuras-chave dentro do Congresso
Nacional, obtiveram os votos necessários para o julgamento do processo de
impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e a tomada do poder no mês de maio
de 2016, por seu vice Michel Temer (PMDB).
Temer se colocou como defensor das pautas e medidas conservadoras, como a
redução de recursos para as pastas da Saúde, da Educação, para a Ciência e Tecnologia;
medidas que alteram os direitos sociais como o tempo de contribuição para
aposentadoria e alteração das normas sobre o 13º salário; além das contratações
temporárias.
Quanto às pastas ministeriais, Temer extinguiu o Ministério das Mulheres, da
Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Constituiu uma equipe formada por políticos
que não obtiveram votos suficientes para se tornarem parlamentares, entre eles alguns
envolvidos em irregularidades, ao menos três dos novos ministros são alvo da Operação
Lava Jato. 8.
A proposta de reforma política discutida no governo Temer com previsão para as
eleições de 2018, contem vários itens, porém, a principal é a do modelo do distritão para
vigorar em 2018 e o distrital misto de 2022 em diante.
Em 2015 esse modelo entrou na discussão com a proposta de Eduardo Cunha
(PMDB) e não vingou. Por meio dele, os eleitores votam somente nos candidatos e os
mais votados ganham uma cadeira no legislativo. Esse sistema não só enfraquece os
partidos, como favorece aqueles detentores de maiores recursos financeiros ou que já
são conhecidos do público.
O voto distrital misto combina o sistema distrital e a lista fechada. Metade das
cadeiras seria escolhida por cada uma das regras. O eleitor escolhe para os cargos de
vereador, deputado estadual e federal. Um dos votos iria para o candidato, e o outro para
7 Levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) mostra um
aumento, na nova composição do Congresso Nacional, do número de parlamentares ligados a segmentos
mais conservadores – entre eles, militares, policiais, religiosos e ruralistas (Radiografia do Novo
Congresso - Legislatura 2015-2019. DIAP, 2014) 8 A operação conduzida pelo juiz Sergio Moro foi amplamente divulgada e reverberada nos noticiários
televisivos, na imprensa como um todo, atingindo nomes conhecidos da classe política, partidos da base
aliada e da oposição.
32
o partido. O primeiro voto seria apurado pelo sistema distrital, no qual o território é
dividido em pequenos distritos, e cada um deles elegeria um representante. Os
candidatos vinculados a um distrito disputam os votos da região. A ideia é que o voto
distrital diminua os gastos eleitorais e aumente a representatividade do distrito/região no
legislativo.
As críticas a esse sistema é que ele não privilegia a representação das minorias e
acaba por favorecer alguns grupos. O voto no partido determinaria o número das
cadeiras que cada partido terá em metade do legislativo e seria contabilizado pela lista
fechada, na qual as legendas definem quem ocupará as cadeiras. Esse modelo fortalece
os partidos e diminui os custos das campanhas.
Cabe enfatizar que a mudança para o modelo distritão e distrital misto com lista
fechada não foram aprovados para 2018.
O relatório apresentado pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP) resgatava a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 77/03. O documento tratou de questões
relativas às campanhas eleitorais, ao financiamento, ao limite para doações e ao prazo
para a propaganda eleitoral.
O assunto continuou na pauta, e no inicio do mês de outubro de 2017, os
deputados e senadores aprovaram as novas regras e que passarão a vigorar em 2018.
Entre os itens sancionados por Michel Temer estão a cláusula de desempenho (os
partidos devem atingir desempenho eleitoral mínimo para garantir o tempo de
propaganda e acesso ao fundo partidário).
Isso significa que a partir da próxima eleição, os partidos devem obter pelo
menos 1,5% dos votos válidos distribuídos em nove estados, com ao menos 1% dos
votos em cada um deles, ou, os partidos devem eleger nove deputados em pelo menos
1/3 das unidades de Federação, e assim vão aumentando gradativamente até 2030. Essa
medida tende a favorecer os partidos grandes e políticos já conhecidos do público. A
disputa eleitoral torna-se assim muito mais acirrada quanto aos recursos em jogo.
Outro ponto da proposta é a criação do fundo eleitoral com recursos públicos,
para o financiamento das campanhas, estimado em R$ 1,7 bilhões. A destinação será de
2% para todos os partidos, 35% entre aqueles com ao menos um deputado na Câmara,
48% , variando de acordo com o número de deputados na Câmara em 28 de agosto de
2017 e 15% distribuídos, entre as agremiações, na proporção do número de senadores
em 28 de agosto de 2017. A medida tende a promover ainda mais a disputa no campo
eleitoral.
33
Sobre a arrecadação dos recursos, o documento aprovado libera as campanhas
online (crowdfunding) a partir de 15 de maio do ano eleitoral. Permite que os partidos
possam vender bens e serviços e realizar eventos de arrecadação. As empresas ficam
proibidas de financiar candidatos. Saliente-se que a liberação de outras formas de
arrecadação de recursos financeiros tende a mercantilizar as eleições, e, por outro lado,
não há qualquer menção de como isto vai ser fiscalizado.
A reforma estipula também um limite de gastos para as campanhas de cargos
majoritários; estabelece que, nos debates nos meios de comunicação (radio e televisão)
devem ser convidados candidatos de partidos com ao menos cinco deputados com
cadeira na Câmara dos Deputado; e o registro do voto deve ser impresso a partir de
2018.
Importante considerar que o debate e aprovação de itens da reforma política
respondem à demanda da conjuntura política e aos interesses dos atores políticos.
Durante o governo Lula a grande novidade foi a adoção da Lei da Ficha Limpa no final
de seu mandato. Já na gestão de Dilma e de Temer, ficou bem claro que questões
relativas à doação, à arrecadação e ao financiamento das campanhas eleitorais foram
aprovados porque correspondiam aos interesses dos deputados e promoviam a disputa
por recursos financeiros durante a corrida eleitoral.
Segue-se a tendência de votação e escolha por itens das propostas que pouco
resolve a questão da falta de representação política. Longe de acenar para a solução dos
problemas políticos do sistema partidário, a reforma política no Brasil, na forma como
vem sendo realizada, pouco auxilia no ajuste de falhas do sistema, e por outro lado,
acentua o peso dos recursos financeiros nas eleições.
O fato é que, os partidos perderam a capacidade de dialogar com sua base
eleitoral. Não conseguem atingir classes, categorias e profissões como faziam há trinta
anos. Nesse cenário complexo, a representação de grupos que historicamente se
identificavam com partidos de esquerda, como os trabalhadores e sindicatos, viram-se
cada vez mais distantes de uma possível representatividade politica.
Como resultado desse panorama, acentuado com os acontecimentos de 2013 e
das eleições presidenciais de 2014, o debate tornou-se polarizado nas diversas mídias
sociais, na maioria das vezes com discursos de ódio, incitação à violência, marcado pela
intolerância, pela não-aceitação das diferenças sociais e ideológicas. Soma-se a esse
quadro, um ambiente político de total descrença e insatisfação com as instituições, os
partidos e os políticos.
34
As denúncias de irregularidades, corrupção e vazamentos de informações pelos
meios de comunicação auxiliaram na construção de uma atmosfera de crise,
fragmentação e fragilidade da democracia brasileira. Os partidos, que antes atuavam
como mediadores entre a sociedade civil e o Estado, encontram hoje dificuldades na
organização das demandas e defesa dos interesses da maior parte dos cidadãos, por
exemplo, se pensarmos no acesso a serviços públicos básicos como educação, saúde e
mobilidade urbana.
Os partidos atuavam como canais tradicionais de participação. Eles
organizavam e estruturavam a vida política e social de forma institucionalizada, com
força nas lideranças, nos membros filiados e simpatizantes, e também em ideias e
projetos que afirmavam alguns direitos e pautas de participação da sociedade de forma
ativa e cívica. Por outro lado, observamos que fazer politica na sociedade atual é distinta
na sua forma de organização.
O peso da comunicação e do marketing é maior, o que torna o foco na disputa
eleitoral mais acentuada, mais performática e espetacular. O investimento é grande em
pesquisas de opinião para forjar perfis, tipos e o gosto que perpasse o gosto do
eleitorado. Assim, o partido político e suas propostas são esvaziadas a pautas do
momento, não há uma agenda interessada na questão das classes sociais ou defesa de
bandeiras ideológicas de forma mais clara, a legenda do partido se perde em meio aos
recursos utilizados na propaganda eleitoral.
Ocorre, portanto, um declínio da forma histórica do partido político, que dá lugar
a uma nova organização preocupada com a arena eleitoral e em obter espaço nos
governos e órgãos estatais. A participação popular ou a noção de cidadania se perdem,
permeados de impressões forjadas por formadores de opinião, nos jornais e nas redes
sociais, distanciando, assim, os cidadãos de uma cultura cívica.
A fragilidade da representação política, desconfiança nos partidos, nos políticos
e nas instituições, acaba por afetar a permanência, a legitimidade e a qualidade da
democracia representativa contemporânea.
Entre as razões dessa falta de confiança e descrédito, a percepção da ineficiência das
instituições para articular e responder às demandas da sociedade e da presença de
motivações meramente individuais para boa parte dos políticos concentra as principais
críticas dos cidadãos. Os estudos mostram que as avaliações negativas do desempenho
dos políticos e das instituições representativas são vetores que condicionam a avaliação
do desempenho do sistema democrático e se traduzem em uma tendência crescente de
insatisfação da opinião pública sobre como a democracia e suas intermediações
funcionam.(MENEGUELLO, 2012, p. 14)
35
Os partidos são coordenados por grupos políticos que têm como maior objetivo a
perpetuação no poder. As demandas, os valores e os interesses dos eleitores, nesse caso,
são deixados de lado; enquanto que os cidadãos se voltam para eleger representantes
que se identificam com aquele sentimento de negação da política, de repulsa aos
partidos, e ultimamente se empolgam com o discurso capacidade administrativa do
político gestor.
Com o desgaste dos partidos no Brasil, seguindo uma tendência internacional,
alguns optaram por mudar o nome da legenda como uma estratégia de marketing
eleitoral. Em 2007 o Partido da Frente Liberal (PFL), herdeiro da ARENA, sigla
tradicionalmente ligada a membros do regime militar, virou Democratas, ou DEM como
é mais conhecido.
A Rede Sustentabilidade optou por ser chamada apenas de REDE. Recentemente
partidos como o Partido Trabalhista Nacional (PTN), um dos mais antigos do país,
mudou seu nome para PODEMOS (2017). A mudança de nome agrada partidos como o
Partido Trabalhista do Brasil (PT do B), que pretende fazer a troca pelo nome
AVANTE. O Partido Social Liberal (PSL) já se autodeclara nas mídias sociais como
LIVRES.
É notável que os partidos não só negam a instituição partidária ao retirar o nome
partido da legenda. Eles demonstram pouca expressão ideológica no jogo político, a
identidade, a história e a memória política ficam assim prejudicadas do ponto de vista
do eleitor, pois se trata apenas de uma alteração na aparência do partido e não na sua
estrutura e forma de organização.
Todavia, é perceptível que as mudanças estão em curso. As formas de
organização política tradicionais parecem não acompanhar as necessidades do
eleitorado, e isto se manifesta nos altos índices de votos nulos e brancos que se apurou
nas ultimas eleições municipais no Brasil.
A confiança nas instituições políticas pode ser entendida como um compromisso
entre os cidadãos e o Estado, para que os cidadãos tenham seus direitos de cidadania
respeitados em sua forma plena, inserindo o acesso a serviços públicos de qualidade,
por exemplo. Práticas de irregularidades na gestão pública e o envolvimento de líderes e
políticos, nesses casos, fragilizam o principio democrático da confiança e da
legitimidade.
36
A confiança nas instituições se faz necessária justamente porque nas democracias
modernas fora dado a estas a função de mediadores dos interesses dos indivíduos, são
elas que atuam na intermediação das relações ente os cidadãos e o sistema político de
modo a garantir a concretização dos direitos fundamentais. (MENEGUELLO, 2013,
p.361).
Esse fenômeno de desconfiança insatisfação com a democracia se repete em
outros regimes parlamentaristas e presidencialistas pelo mundo. Trata-se de dimensões
complexas que afetam a representação política. Em grande parte, devido as variadas
fontes de informação e de comunicação que influenciam os cidadãos. Por outro lado,
esse processo de transformação vincula-se também à relevância que ganham atores e
instituições como o judiciário e as organizações não-governamentais.
É possível afirmar que as manifestações de junho de 2013 e 2015 demonstraram
os dilemas produzidos pelo desenho institucional brasileiro, um aprofundamento da
percepção negativa e da desconfiança dos cidadãos com relação ao funcionamento das
instituições.
A visão crítica sobre os parlamentares e partidos políticos, a noção de fragilidade
das instituições representativas, em boa medida, recaem sobre as influências que o
sistema eleitoral brasileiro exerce sobre o comportamento dos eleitores e o
comportamento das elites parlamentares, temas que ocupam há um bom tempo as
reflexões sobre os desafios do futuro do sistema político nacional, e que, abre espaço
para um debate mais profundo sobre a reforma política.
Alguns pontos importantes caracterizam a 54ª Legislatura (2011-2015): aumento
da fragmentação partidária, ascensão de temas conservadores nas casas legislativas,
manifestações de rua que tem como bandeira a luta contra a corrupção e a insatisfação
com as instituições, a pauta e a agenda pública da reforma política e a criação de cinco
novos partidos no período.
Embora tenham perdido algumas de suas funções e sofrido transformações, os
partidos políticos continuam sendo fundamentais para a representação política, para a
disputa eleitoral, para a organização de arenas parlamentares, sendo agentes importantes
para o funcionamento e a legitimação da democracia.
Isto posto, segue-se uma breve reflexão sobre o papel dos partidos políticos, suas
transformações e implicações nas democracias contemporâneas a partir de uma
discussão já realizada no interior de estudos da sociologia dos partidos dialogando com
análises e concepções sobre o sistema político e eleitoral brasileiro.
37
1.1 – Partidos políticos e a teoria democrática
A expansão da democracia durante todo o século XX marcou um período de
grandes avanços no campo político. A participação dos cidadãos através do voto, o
exercício da cidadania e a liberdade de escolha em um projeto ou ideário tornaram-se
valores característicos do regime democrático.
A origem dos partidos está associada ao desenvolvimento de grupos
parlamentares que durante os séculos XVIII e XIX formaram-se a partir de associações
e clubes. O sufrágio universal auxiliou na propagação desses e de partidos de origem
exterior aos grupos parlamentares, como os partidos socialistas e comunistas.
Maurice Duverger (1970) afirma que o partido de quadros, tipo relacionado com
os grupos parlamentares, tem suas bases compostas por membros “notáveis”. Pessoas
importantes que angariavam simpatia de setores privados, como bancos e indústrias,
para o financiamento das atividades partidárias. Nesse momento, as doações serviam a
manutenção partidária, que possuía baixo custo financeiro e atividades partidárias
políticas tímidas. O sufrágio, limitado pelo voto censitário, promovia eleições em que
apoio das elites econômicas era indispensável. Os partidos conservadores e burgueses
eram os protagonistas da vida política.
Entretanto, com a ampliação do sufrágio, inaugura-se um segundo “estágio” da
história partidária, com o advento dos partidos de massa. Essas organizações contavam
com a expressiva participação da base social e popular dos partidos. Os membros eram
militantes ativos na vida partidária, sua base social era em grande parte formada por
trabalhadores. Um exemplo mencionado por Duverger é o caso do Partido Social-
Democrata alemão (PSD), que chegou a ter mais de um milhão de membros em 1914
(DUVERGER, 1970, p.103).
A força dos militantes para a manutenção do partido do ponto de vista político,
econômico e ideológico marcaram as instituições partidárias, no que se refere ao
vínculo construído entre os eleitores e os partidos.
Daí nasceu a noção de democracia representativa, ligada aos partidos políticos, à
disputa eleitoral e ao voto. O processo eleitoral, segundo Pierre Duverger (1985, p. 58),
é um mecanismo fundamental das democracias representativas cujo princípio é a
delegação de poderes. Numa sociedade onde todos são livres e iguais, faz-se necessário
alguém que governe sobre os outros e que tenha sido escolhido pelos cidadãos para tal
38
função. Dessa forma, garante-se a possibilidade real de os cidadãos participarem de
maneira periódica para a escolha dos governantes.
Robert Dahl (1998) observa as eleições como um mecanismo essencial das
modernas democracias representativas. O processo eleitoral é visto como uma
manifestação da vontade do eleitor, ou seja, princípio da representação popular.
A importância dos partidos políticos como mediadores da relação entre cidadãos
e governantes é considerada um elemento necessário na análise das democracias
representativas. Para Giovanni Sartori (1972: 470-473), nas democracias modernas é
imprescindível que os cidadãos sejam representados por partidos políticos e seus
representantes.
Partidos políticos são organizações que expressam demandas, necessidades e
interesses de determinados grupos da sociedade, organizam a disputa eleitoral,
participam de decisões políticas e participam de governos sendo capazes em suas
funções de mediar a relação entre Estado e sociedade (SARTORI, 1982).
No entanto, a era dos partidos de massa aos poucos mostrava mudanças em
curso. Na década de 1960 surgiu outra denominação para estrutura partidária em
ascensão: o partido “catch-all”. A utilização desse nome foi empregada por Otto
Kirchheimer, em 1966, no contexto do pós-guerra. As organizações partidárias
apresentavam alterações importantes, quanto a sua estrutura e a sua relação com os
eleitores. O discurso dos partidos a seus eleitores agora não expressava mais a
identidade de determinados grupos sociais como trabalhadores, religiosos ou
conservadores. A ênfase estava em conquistar o maior número possível de eleitores,
visando o aumento das bases eleitorais e pressionando a mudança dos partidos
tradicionais.
O desafio imposto aos partidos é a conquista de eleitores num forte ambiente de
heterogeneidade social, em que o dilema da representatividade força uma
reconfiguração da organização, no que se refere às identidades coletivas, que são
importantes para a compreensão do comportamento eleitoral (SARTORI, 1982).
A entrada dos meios dos meios de comunicação, na cena política, contribuiu
para uma nova relação entre os partidos e seus eleitores. Na era dos partidos de massa, a
comunicação com o eleitor era de forma mais participativa e direta, nos comitês, nos
jornais informativos dos partidos. Atualmente, percebe-se que a mediação entre o
veículo de comunicação de massa e o eleitor é que passa a influenciar a opinião dos
39
cidadãos. Os partidos perdem força e aqueles que dominam os recursos de comunicação
tem maior predominância no jogo político.
Otto Kirchheimer (1966) apontou diversas mudanças trazidas pela organização
“catch-all”: mudança no discurso político e ideológico, que tendem a ser mais
heterogêneo e difuso; diversificação e ampliação das legendas; as lideranças ganham
destaque e se fortalecem com base no discurso e nas realizações políticas; redução do
número de militantes e membros filiados e distanciamento da base social de origem.
Pensar os partidos políticos como organizações que têm uma história, trajetória e
identidade construída ao longo do tempo redireciona o olhar para a sua
institucionalização, modo de organização e seleção de suas lideranças. Essa
preocupação tornou-se objeto de estudo de Angelo Panebianco (2005), sobretudo
porque o autor traz à tona a reflexão sobre a profissionalização dos partidos políticos.
Panebianco ressalta que a estratégia adotada pelos partidos é voltada para a
sobrevivência eleitoral. Ele observa que as mudanças apontadas pelos estudos de Otto
Kircheimer dão ênfase ao papel do profissional da política, responsável por garantir o
sucesso nas eleições. Esse profissional ganha importância na mesma medida que o
militante e os filiados perdem espaço para o eleitorado a ser conquistado
(PANEBIANCO, 2005).
A perspectiva de Panebianco dialoga com características já observadas por
Kirchheimer, como o peso dos profissionais no partido; diminuição da base eleitoral;
influencia dos meios de comunicação na conquista do eleitorado; mantenedores do
partido passam a ser grupos de interesse; lideranças mais preocupadas em incentivos
seletivos (status, carreira, dinheiro) do que incentivos coletivos (identidades e
ideologias).
As lideranças partidárias, ao buscarem a estabilidade e manutenção da
organização, dependem do equilíbrio do poder interno e suas relações com o ambiente
externo. Pode-se em alguns casos manter a estabilidade e consolidar grupos dirigentes,
ou acentuar a divisão entre eles, numa dinâmica que dependerá do cenário externo, no
qual o partido estará inserido. A estrutura organizativa é importante na avaliação da
competição no interior do partido, e também na consideração da estratégia adotada na
arena eleitoral.
Desse modo, os partidos funcionam como filtros de seleção de políticos e
lideranças capazes de atuar como representantes. Cabe a eles observarem suas normas,
regras de filiação, programas e diretrizes na estrutura organizativa do poder interno do
40
partido. Sem esquecer, do alcance destas organizações, nas arenas eleitoral,
governamental, legislativa entre outros cargos de poder.
Um ponto em comum, que aparece com frequência na análise dos teóricos sobre
partidos políticos nas democracias, é o peso das disputas eleitorais. E para os
pesquisadores do mundo político impõem-se desafios que expliquem a diversidade do
fenômeno partidário, seja quanto à estrutura organizativa, ao perfil, às estratégias,
identidades, coesão interna e disciplina parlamentar, e os vínculos com os eleitores.
A preocupação em entender a dinâmica dos partidos políticos, já era objetivo de
estudo de teóricos importantes como Max Weber (1864-1920) e Robert Michels (1876-
1936), que no inicio do século XX buscaram analisar o funcionamento dessa
organização. A questão da profissionalização, apontada por Kircheimer e Panebianco,
tinha chamado a atenção de Weber, que procurava compreender o perfil dos que se
interessavam pela atividade política.
O cenário descrito por Weber abordava a política na Inglaterra e nos Estados
Unidos, como um clube de notáveis formado por funcionários, professores, pastores e
proprietários; a atividade política era uma ocupação de prestígio social. Com o aumento
da competição eleitoral esse perfil se transformou em máquina profissional, no qual, os
partidos adquiriram centralização, controle organizativo e disciplina partidária de seus
políticos. Observou-se também, com a expansão do sufrágio, a emergência de
representantes desprovidos de recursos sociais e econômicos, que passaram a se dedicar
exclusivamente à política, dependendo dessa atividade para sua sobrevivência material.
A vocação do trabalho voltado à esfera politica, em especial, quanto ao perfil
dos membros e militantes no interior dos partidos socialistas, interessou Robert Michels
que, percebeu mudanças organizativas que garantissem a manutenção material do
membro dedicado a causa do partido. (MICHELS, 1982, p. 27). Para assegurar o padrão
organizativo, desenvolviam-se estratégias de arrecadação e financiamento financeiro
para a estrutura partidária, construindo em torno de si, uma rede de interesses materiais,
políticos e sociais, tornando-se um fim em si.
Os sinais do processo de oligarquização se apresentam na dinâmica partidária
com a profissionalização e sua consequente divisão e especialização do trabalho;
verticalização e hierarquia dos membros e dirigentes, e a estabilidade desses últimos em
seus cargos (MICHELS, 1982, p. 61-65).
O processo de mudanças da estrutura partidária foi chamado por Michels de lei
de ferro da oligarquia: “A organização é a fonte de onde nasce a dominação dos eleitos
41
sobre os eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os que
delegam. Quem diz organização, diz oligarquia”. (MICHELS, 1982, p. 238). O
fenômeno marcou o declínio dos homens notáveis, e a ascensão de um novo tipo de
elite política, formada por membros do partido, que, passaram a comandar e diriger o
recrutamento e seleção de seus representantes.
Outra perspectiva trata da contribuição de Richard Katz e Peter Mair (1997),
para quem a abordagem dos estudos sobre partidos e seu desenvolvimento deve dar
conta de elementos indissociáveis, como a relação da sociedade civil, dos partidos e do
Estado. Esses três elementos estão associados e são importantes para o modelo
organizativo dos partidos.
É possível que os profissionais da política estivessem presentes nas organizações
durante todo o século XX. E, que, a definição de partido “cacth-all” tenha emergido
após a Segunda Guerra Mundial, pela necessidade de conquistar um número maior de
cidadãos na competição eleitoral. Todavia, Katz e Mair (1997) acreditavam que tenha
emergido um novo tipo de organização: o partido cartel. Este seria um ultimo estágio do
modelo de organização partidária, e a principal característica é sua relação mais
próxima com o Estado e seu distanciamento da sociedade civil.
Essas organizações que cada vez mais passaram a ocupar posições e cargos na
arena governamental, expressam o que Katz e Mair chamaram de processo de
cartelização dos partidos. Nesse cenário, a competição entre os partidos é limitada e
administrada pelo próprio jogo da política. As organizações partidárias negociam
cargos, o financiamento depende de fontes estatais e o acesso aos canais de
comunicação é regulado pelo Estado.
Há de se considerar, os exemplos de partido-empresa, de negócios bem-
sucedidos (Business-firm Part). Esse modelo de organização foi inspirado nos estudos
de caso do Forza Italia, de Silvio Berlusconi e Unión de Centro Democratico, de
Adolfo Suarez, na Espanha pós-franco. O empresário político coordena o grupo em
troca de “lucro” privado, entendido como o prestígio e as vantagens materiais trazidas
pela ocupação de um cargo público. O partido político deixa de ser uma organização
voltada a objetivos político-sociais, para se tornar uma espécie de empresa de negócios,
em que os bens públicos produzidos se sobrepõem aos objetivos políticos. (HOPKIN e
PAOLUCCI, 1999, p. 311)”
Quando se considera a funcionalidade e o modelo partidário é importante
destacar o contexto democrático e o caráter representativo das instituições apresentadas.
42
Os partidos contemporâneos, sejam catch-all ou partidos cartéis, não representam os
interesses de seus cidadãos. Para os diversos autores estudados (Kirchheimer,
Panebianco, Katz, Mair), as associações politicas precisam dar conta da
representatividade de grupos mais heterogêneos e complexos. No caso do Brasil, as
organizações partidárias parecem ter um perfil do tipo catch-all, com todos os
elementos e limitações já apresentados pelos autores.
Embora os problemas relacionados à queda da representação e a desconfiança
dos cidadãos com as instituições políticas estejam candentes nos debates nos países
ocidentais, os partidos continuam sendo importantes para a representação, participação
da competição política, para o acesso aos governos e na decisão de políticas públicas.
Na relação entre partidos políticos e democracia, é possível perceber que embora
os partidos sejam necessários para o funcionamento do regime democrático, são,
contudo, insuficientes à participação popular, à cidadania e à representação social.
A democracia representativa está em crise. Segundo Manuel Castells (2001, p;
402), “todas as formas de comunicação, tais como o jornal e a internet tornaram-se o
espaço privilegiado da política”. Os partidos políticos são dependentes dos meios de
comunicação, e todos eles, para adquirir ou exercer poder acabam entrando no mesmo
jogo político. Contudo, as organizações não tem força política e nem confiabilidade da
população por estarem imersos em corrupção e nos escândalos políticos midiáticos.
A emergência e o estabelecimento de novos recursos e possibilidades, no campo
institucional e tecnológico, tornaram os partidos obsoletos. As consequências disso são
o declínio da volatilidade eleitoral e o enfraquecimento partidário. Os meios de
comunicação assumem papel crucial na vida da população, tomando para si o papel
cívico, que tradicionalmente era dos partidos, enquanto instâncias de representação
política.
A propaganda eleitoral, disponibilizada nos canais televisivos, o uso das mídias
sociais, e a cobertura jornalística da política acabam por dar um caráter personalista à
vida política, conferindo aos homens públicos certo protagonismo, diante de situações
próprias da dimensão político-institucional e atribuindo às mídias e aos veículos de
comunicação de massa, papel importante no cotidiano dos eleitores por ser fonte e canal
de informação. Como efeito decorrente desse processo, constata-se a passividade e a
falta de confiança nas instituições como um todo. E o público é inundado por noticias e
coberturas orientadas, em sua grande maioria, em estabelecer uma relação direta entre a
política, os escândalos e a corrupção.
43
A partir do surgimento da imprensa criou-se uma nova constituição para a noção
de publicidade e visibilidade de um indivíduo ou político, que, por se desenrolarem em
grande parte sob os holofotes da mídia, acabam sendo caracterizados por ela como um
grande acontecimento. A visibilidade política ganha assim novos contornos.
Os meios de comunicação de massa, dirigem-se a um público heterogêneo e é
voltado à grande audiência. Os canais de comunicação tornam-se o espaço público,
onde a visibilidade adquire repercussão, a disputa simbólica acontece e os líderes
políticos se relacionam com os cidadãos comuns.
A mídia se torna a arena central onde essa luta por poder simbólico é travada. Sendo a
mídia o meio mais importante pelo qual os líderes políticos se relacionam com os
cidadãos comuns, ela se torna assim o meio principal através do qual os líderes políticos
acumulam capital simbólico no campo político mais amplo. Através do contínuo
gerenciamento da visibilidade e da apresentação cuidadosa de si mesmos, os líderes
políticos usam a mídia para construir um estoque de capital simbólico diante do
eleitorado: e esse fato ao propiciar a eles, por sua vez, uma base de apoio popular, lhes
dá poder no subcampo político. (THOMPSON, 2002, p. 139).
A ideia de uma política personalista, baseada no poder pessoal de suas
lideranças, alicerçada nas características construídas pelo discurso e pela imagem é
diretriz para entender o papel do jornalismo e dos meios e comunicação e sua influencia
na formação de opinião. Nesse sentido, é mister avançar na discussão, a partir do
entendimento que o campo midiático opera muitas vezes como mediador das relações
políticas, seja entre grupos de interesse, nas relações do político com o eleitorado, ou na
construção do discurso sobre um tema.
Sem esquecer do jornalismo do tipo “cão de guarda”, que exerce o papel de
guardião dos interesses públicos, vigiando, controlando, expondo e criticando. São eles
que asseguram a função fiscalizadora do campo político, eles tem credibilidade e detém
o poder daquilo que importa ser visto. Segundo Maria Helena Weber, o jornalismo:
É o espaço que vigia, critica e expõe ações e informações geradas por políticos, partidos
e instituições do campo político. Mesmo estabelecendo pactos econômicos e
ideológicos com determinadas instituições e sujeitos políticos, é nesse ambiente que
prevalece a credibilidade. A instância que julga e tem o poder de propiciar visibilidade.
(WEBER, 2009, p. 87).
Nesse ambiente de maior visibilidade, aumentam as possibilidades e as chances
de ações de um grupo, de um setor da sociedade ou de um partido político ganharem
44
força pela publicidade e pela interação com os canais midiáticos. A disputa eleitoral se
constrói nesses termos, não exatamente pelas atividades e propostas apresentadas pelos
candidatos seus eleitores, mas sim, pela habilidade e pela capacidade de operação com
recursos do marketing e da propaganda, na utilização dos meios de comunicação de
massa. Segundo Bernard Manin:
A personalidade dos candidatos parece ser um dos fatores essenciais na explicação
dessas variações: as pessoas votam de modo diferente, de uma eleição para a outra,
dependendo da personalidade dos candidatos. Cada vez mais os eleitores tendem a votar
em uma pessoa, e não em um partido. Esse fenômeno assinala um afastamento do que
se considerava como comportamento normal dos eleitores em uma democracia
representativa, sugerindo uma crise de representação política. (MANIN, 1995, p. 26)
A representatividade política sofre consequências danosas com a influência dos
meios de comunicação e seu papel na mediação das relações políticas na vida de seus
cidadãos. Os partidos perdem seu espaço para os meios de comunicação. Não existe o
diálogo e a construção coletiva que havia no século XX, quando os partidos eram
responsáveis por essa função cívica:
Isto é, não notamos a presença de liderança, chefes políticos ou burocratas, porém
percebemos os meios de comunicação realizando esse papel, e mais, realçando a
personalidade dos candidatos através da comunicação de massa. Ou seja, o vitorioso nas
democracias modernas passa a ser aquele que detém a melhor forma de comunicação,
sendo a democracia do público o reinado do "comunicador". (MANIN, 1995, p. 26)
A conclusão do autor, é que a democracia de partidos está se transformando em
democracia de audiência, com o afastamento dos cidadãos da vida política, com o
decréscimo da força das legendas partidárias, e com a ênfase nas características pessoais
das lideranças no processo eleitoral. Com esse processo de profundas transformações,
os partidos perderam funções, na relação entre a população e os representantes, e a
política virou entretenimento aos espectadores, sendo difícil manter partidos fortes, no
sentido institucional e ideológico.
Estudos reforçam que tanto os eleitores, quanto os partidos políticos
contemporâneos tendem a enfatizar as características pessoais dos candidatos, sua
trajetória, suas qualidades como profissional e gestor, em detrimento dos programas do
partido. Os eleitores passam a escolher seus representantes, de acordo com o contexto
45
de necessidade e simpatia pelo candidato do momento, sem nenhuma preferência
ideológica ou partidária, tornando a fidelidade partidária algo cada vez mais raro.
O caso brasileiro é ilustrativo. Com uma miríade de siglas, que a cada novo
pleito muda o nome; com candidatos que trocam de legendas e com novos partidos que
surgem a cada momento, é esse o contorno da paisagem quase caótica da história
política do país, e nesse sentido, é fundamental perceber o quão prejudicada fica a
memória dos eleitores e das organizações partidárias.
Manin (2013) ressaltou que essas transformações têm afetado todas as
democracias consolidadas pelo mundo. E essas mudanças são impulsionadas pelo
desenvolvimento do capitalismo globalizado causando impactos generalizados: como a
passagem de economias industriais para economias de serviços, com o aumento da
influencia dos meios de comunicação, com a mudança dos meios sociais tradicionais,
com a elevação dos níveis de educação e cultura, e leva, por fim a um desequilíbrio nas
formas de participação política, no ideal de funcionamento da política, e na falta de
identificação com os representantes e partidos.
O distanciamento dos eleitores e partidos traz consigo problemas, como a
desconfiança nas instituições políticas e de seus atores, o sentimento da não
representatividade, a incapacidade de participação nas decisões políticas (KATZ e
MAIR, 1994; MANIN, 1995).
De acordo com Peter Mair (1994), os tradicionais partidos de massa perdem a
capacidade de atrair membros e simpatizantes, há um declínio de suas funções sociais
de representatividade, a aproximação do aparelho estatal, num tipo de modelo focado
nas estratégias e nos interesses em recursos e cargos, o destaque dos meios de
comunicação e a diminuição das diferenças ideológicas.
O autor enumera recursos estatais que são preteridos pelas organizações
partidárias como: 1) comunicação — a publicidade partidária é regulamentada por leis
que reduzem os custos fornecendo espaço para os partidos nos meios de comunicação;
2) recursos humanos — os partidos contratam funcionários para auxiliá-los nas tarefas
gerenciais; 3) recursos financeiros — os partidos buscam cada vez mais financiamento
do Estado e menos de seus filiados; 4) legislação — a atividade e organização partidária
são reguladas por leis estatais; 5) barganha por cargos troca de cargos no governo por
apoio no legislativo.
Mair (1994) argumenta que, com a concorrência e dependência dos partidos em
relação aos recursos estatais, há um enfraquecimento da organização e o decréscimo da
46
identidade partidária. Os laços e os vínculos dos partidos com os eleitores e cidadãos de
modo geral diminuem, ocasionando pouco interesse de novos membros e da
participação no interior do próprio partido.
Os partidos desenvolvem um modelo de comunicação política superficial e
baseada nas propagandas eleitorais que, na maioria das vezes, apresenta caráter
personalista de seus candidatos, com ênfase na biografia e na trajetória pessoal da
liderança, nos feitos de gestões administrativas e com pouco conteúdo programático da
legenda. Os meios de comunicação e as novas mídias sociais é que passam a aproximar
a informação política aos cidadãos. Dessa maneira, a relação entre eleitores e partidos é
marcada pelo desinteresse, falta de engajamento, conveniente apenas durante período
eleitoral, o que acarreta a incredulidade nas instituições representativas.
O autor traça um contexto de fragilidade da democracia de partidos, que perdeu
a capacidade representativa, e que estão ficando cada vez mais debilitados com o
desinteresse e a decrescente participação dos eleitores:
A democracia de partidos, que normalmente oferecia um ponto de conexão e um âmbito
de participação para os cidadãos e seus líderes, se está debilitando, com o resultado das
eleições e do processo eleitoral, se convertendo em pouco mais que partes dignas da
constituição democrática moderna. (MAIR, 2015, p. 36, tradução nossa).
O distanciamento dos cidadãos dos partidos e das instituições políticas acarreta
consequências profundas, como a crise ou transformação do modelo democrático e a
legitimidade do sistema democrático vigente. Por outro lado, novos meios de
mobilização política emergem para tentar preencher a lacuna no tocante à participação
política e mesmo ocupar o papel dos partidos.
Os partidos políticos podem estar perdendo a sua função em relação à
representação, contudo, continuam sendo importante nas arenas da democracia
representativa. A competição eleitoral, a seleção de lideranças políticas, a mobilização
dos eleitores, a implementação de políticas públicas, na atuação no governo e na
oposição, tudo isso compete às agremiações partidárias. Por esse motivo, estudiosos do
comportamento político argumentam que não há uma crise ou o declínio da democracia
de partidos, mas uma adaptação aos novos tempos (MANIN, 1995; URBINATI, 2013).
As mudanças pelas quais os partidos estão passando seriam apenas necessárias
adaptações ao ambiente político e econômico atual. Bernard Manin (1995) sustenta que
47
há uma crise no modelo de representação. Na perspectiva do autor, as instituições
representativas continuam funcionando, se modificando e persistem vigorosas. Manin
reconhece a tendência a um tipo de recrutamento político elitista, no qual ganha aqueles
que investem recursos nas campanhas e que se destacam pelo uso dos meios de
comunicação. A qualidade da relação entre representante e representado é que comanda
a possibilidade de que a representação e a democracia caminhem juntas. Sabe-se que a
tendência à formação de uma elite é forte, porém, o movimento de uma democracia
representativa é possível com a aproximação dos governantes e cidadãos.
A qualidade da relação entre partidos e sociedade, o distanciamento entre
representantes e cidadãos é que está em jogo quando abordamos a questão da crise dos
partidos políticos. Para Peter Mair (2003), as funções procedimentais dos partidos na
organização de governos e nas disputas eleitorais continuam, porém, com desafios para
a manutenção da organização partidária:
[...] as funções representativas dos partidos estão em declínio e foram assumidas, pelo
menos parcialmente, por outros organismos, ao passo que as suas funções processuais
foram preservadas, chegando mesmo a adquirir uma maior relevância. Por outras
palavras, assim como os partidos mudaram da sociedade para o Estado, as funções que
estes desempenham, e se espera que desempenhem, mudaram de uma acção
principalmente representativa para uma acção principalmente governativa. Esta
mudança enfatiza também um aspecto importante relativo ao suposto «declínio dos
partidos»: de facto, os partidos enquanto tais não declinaram, mas modificaram-se e
encontram-se hoje cada vez mais implantados nas instituições. (MAIR, 2003:p. 285)
Mair aponta as dificuldades encontradas pelos partidos contemporâneos, como a
fraca identidade partidária, “os partidos se arriscam a confundir-se cada vez mais uns
com os outros”, partilham de estratégias semelhantes de organização e campanha na
disputa pela simpatia do mesmo eleitorado, tornando-se inevitavelmente parecidos uns
com os outros.
No ponto de vista das estratégias partidárias, os partidos acabam realizando
alianças estratégicas estritamente para ter acesso ao poder, o que implica na formação
de coligações e uniões entre partidos para atuarem na arena governamental. Mair (2003)
enumera exemplos de diversos partidos europeus que foram no passado inimigo
tradicional e até mesmo adversário no campo ideológico, e que hoje partilham do
mesmo espaço governamental.
48
Processo semelhante acontece no Brasil. A frágil identidade partidária força o
govermo a se lançar em difíceis acordos e em governos de coalizão, em que a barganha
e a negociação política com os partidos aliados são frequentes no jogo político.
A adaptação dessas organizações às novas formas de se fazer política é o que se
observa aos poucos, como o surgimento dos “partidos-movimentos”, que tem sua
origem em movimentos sociais ou movimentos de protesto como o Podemos e
Movimentos Cidadãos (Espanha) e o Syriza (Grécia), mais à esquerda. É possível se
verificar também, partidos que buscam se identificar como movimento e não como
partido, exemplo: Cinco Estrelas (Itália), Em Marcha (França). No Brasil, é o caso do
Raiz Movimento Cidadanista, um dos mais conhecidos, entre aqueles que aguardam
registro junto ao TSE, além daqueles que apenas optaram por solicitar a mudança de
nome retirando o “P” de partido do nome da legenda.
Peter Mair (2003), ao elaborar uma perspectiva futura para os partidos, acerta ao
adiantar alguns passos como a substituição dos partidos pelas organizações de interesse
e de movimentos da sociedade civil, exemplo dos partidos-movimentos. O processo de
ocultação da ideologia ou do conflito ideológico na apresentação e aparência dos
partidos. Dificuldade dos partidos de esquerda na adaptação às novas formas de
organização e atuação, em especial quanto à estrutura hierárquica e as formas de
atuação em redes. De outro, nota-se a fácil adaptação dos partidos conservadores a esse
movimento, o que explica em partes sua ascensão organizada em diversos países.
A pesquisadora Nadia Urbinati (2013) nos fornece outra interpretação sobre a
democracia contemporânea e as mudanças observadas nos partidos políticos. Segundo a
autora os partidos mudaram sua função, mas não perderam importância, nem estão em
vias de extinção. O momento autal corresponde à transformação da democracia
representativa em plebiscitária. O que significa dizer que no plebiscitarismo
contemporâneo os eleitores ou cidadãos não são mais mobilizados por lideranças
carismáticas.
O novo plebiscitarismo é o da democracia da audiência (audience), que surge do
declínio do partido-organização e da expansão dos meios de comunicação, que
transformou o cidadão em espectador da política. A característica marcante é a
personalização do poder e da política que conduzem o olhar do cidadão à exibição da
performance, da teatralidade, da visibilidade.
Assim, prevalece a consolidação de um grupo de lideranças e a teatralização do
jogo político-democrático. De um lado, continua no poder um determinado grupo que
49
defende interesses políticos tradicionais e por outro o foco das atenções volta-se as
características pessoais do político.
Na esteira desse processo, os recursos e estratégias empregadas pelos
profissionais da comunicação e pelos especialistas em marketing (político) são
determinantes para a construção da imagem pública do personagem político, e a política
da audiência ganha projeção em relação à democracia de partidos. Com isso, a
democracia de audiência passa a ser produzida e conduzida por especialistas de
marketing e por pesquisas de opinião. Diz Urbinati:
Na democracia por meio de partidos, a imagem do candidato não tomava o lugar das
expectativas futuras dos eleitores como acontece na democracia plebiscitária [de
audiência], em que as eleições estão centradas na imagem do candidato e a referência
aos programas e às plataformas políticas é quase irrelevante (URBINATI, 2013, p. 103).
Desse modo, as pesquisas e sondagens de opinião são utilizadas com objetivos
eleitorais. A representatividade política, ou mesmo o programa político, não são
objetivos nesse formato de partido. Para a autora, o declínio do partido-organização
corresponde ao crescimento dos partidos-esponja, também chamados de leve ou líquido.
Os partidos-esponja operam de forma procedimental, porém com legitimidade,
regulando as eleições, organizando governos e ocupando cargos no Estado em todos os
níveis, abrindo pouco espaço para a participação e controle do cidadão. Esses partidos
apresentam frágil conteúdo ideológico e programático, buscam acima de tudo angariar
votos e obter alianças eleitorais.
Sabe-se que a noção de representação política está associada à representação
social. O eleitor escolhe o candidato por meio do voto para representá-lo politicamente,
a partir de determinadas demandas, orientado por ideais, pensamentos e posições
adotadas. Há nessa relação um processo de identificação entre o eleitor e seu candidato.
A discussão sobre a crise dos partidos e das democracias contemporâneas
concentra-se nesse fato, de que a crise do regime representativo está em declínio e
consequentemente os mecanismos de representatividade. Os partidos e suas lideranças
voltam sua atenção para si e se esquecem dos eleitores.
Nas democracias ocidentais consolidadas, Manuel Castells (2001) mostra
como as eleições têm revelado um dado importante: a diminuição da participação da
50
população nos processos eleitorais. Para ele a crise da democracia está atrelada a uma
crise de legitimidade. “(...) as novas condições institucionais, culturais e tecnológica do
exercício democrático, tornaram obsoletos os sistemas partidários existentes, levando à
volatilidade eleitoral, o desaparecimento gradativo dos partidos e a importância decisiva
da mídia nos processo eleitorais e assim para ele a tendência global parece indicar ou
confirmar, ao longo do tempo, a proporção decrescente de votos para os partidos”.
Quanto à crise de legitimidade, diz “um componente essencial dessa crise de
legitimidade consiste na incapacidade de o estado cumprir com seus compromissos
como estado de bem-estar, desde a integração da produção e do consumo, com um
sistema globalmente independente e os respectivos processos de reestruturação
capitalista” (CASTELLS, 2001:401).
Sobre esse cenário de crise das instituições tradicionais partidárias e
representativas, a pesquisadora Rachel Meneguello afirma que novos horizontes podem
se apresentar à participação política:
Um conjunto grande de análises internacionais vem mostrando uma tendência à
constituição de um cenário adverso às instituições tradicionais partidárias e
representativas, marcado, sobretudo pelo descrédito nos partidos, nas eleições e nos
próprios governos como atores responsivos aos interesses do público. A mesma
tendência declinante ocorre para a confiança em instituições (...) esses estudos apontam
o declínio da participação eleitoral nas democracias consolidadas e a intensificação de
formas mais participativas de ativismo político. (MENEGUELLO, 2003, p.346)
Refletindo sobre a insatisfação dos cidadãos frente à incapacidade do sistema
partidário em responder seus anseios e aspirações, vemos como este ambiente de
descrédito das instituições tem contribuído para o crescente distanciamento do eleitor
dos partidos e para a emergência de formas alternativas de representação política à
margem dos partidos tradicionais voltando-se, sobretudo para as mobilizações e
ativismo político pela Internet e outras mídias sociais.
Por outro lado, sucede que os meios de comunicação: a televisão, o rádio, a
imprensa e as mídias sociais, auxiliam na formação da relação construída com o eleitor,
em especial naquilo que diz respeito à identificação.
O comportamento do eleitor, no processo eleitoral, se relaciona à afetividade: o
gostar ou simpatizar com o candidato, extraindo essa percepção através de imagens,
modo de falar, de olhar e de se pronunciar. A escolha está diretamente ligada à imagem
do candidato e aquilo que o eleitor acredita ser melhor. Portanto, pouco importa o
conteúdo ideológico, o programa e plano de governo que se pretende adotar.
51
O Brasil é mais um exemplo dessa situação, os eleitores escolhem a pessoa e não
a legenda e seus projetos. Assim, aqueles que possuem o domínio das técnicas de
comunicação, recursos investidos no marketing e na propaganda levam vantagem na
disputa eleitoral, pois, pautam-se na construção do carisma e no poder de persuasão.
O cenário apresentado sinaliza para a importância de se compreender a relação
entre a política e os meios de comunicação; entre quem detém o poder de informação,
quem controla e como funciona a construção do discurso político nos jornais. Cabe
investigar como as mídias têm se apropriado das questões que envolvem o sistema
partidário e como tem apresentado isso ao público.
O processo de alterações pelas quais passaram os partidos políticos no mundo
todo ganhou elementos que auxiliam na construção de uma narrativa sobre o sistema
político. No Brasil, essa questão ao ser tratada pelos formadores de opinião aponta para
a necessidade de uma reforma política, que ajuste problemas como a questão da
corrupção, do financiamento eleitoral, da representatividade política, da migração
partidária e do personalismo político.
O caso do Brasil é também ilustrativo da fragilidade do sistema partidário e da
crise de representação política. Numa perspectiva histórica, as falhas e distorções, além
da falta de legitimidade dos partidos, acompanham nossa história política. Analisando
a agenda da reforma política no período democrático, apesar da democracia brasileira
esteja relativamente consolidada (ocorrem eleições regulares, os resultados eleitorais
são respeitados, há liberdade de organização partidária etc), há, um paradoxo: as
instituições democráticas são objeto de ampla e continuada desconfiança e descrédito
dos cidadãos brasileiros.
Os desafios que se impõem a teoria democrática é compreender o
distanciamento dos representantes e seus representados, como tornar estes últimos mais
participativos num sistema que é assimétrico. Urbinati revigora esta discussão ao
perceber a representação não apenas como um ato da vontade expressa no
consentimento e no voto, mas algo que se renova por meio da avaliação política
(julgamento), abrindo brechas para que a teoria política considere outros modos de
representação e participação. Talvez, devêssemos considerar melhor a questão da
responsividade, do accountability da representação democrática, e das formas de
participação por meios dos canais de comunicação não tradicionais (redes sociais), e do
acesso as contas públicas.
52
CAPÍTULO 2 – DA REDEMOCRATIZAÇÃO AOS GOVERNOS LULA I E II: O
DEBATE E A AGENDA DA REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO
BRASILEIRO
A reforma política não é um tema recente nas discussões públicas, ganhou
destaque nos meios de comunicação e espaço na agenda política após a Constituição de
1988, junto ao reestabelecimento da democracia, das eleições regulares para a escolha
de representantes, no âmbito de um sistema representativo, multipartidário, pluralista e
da participação cidadã. Com o processo de redemocratização, mecanismos foram
criados para garantir que pudesse haver maior participação da sociedade e suas camadas
na vida política respeitando a legislação eleitoral vigente, que remete ao Código
Eleitoral de 1965 e a Lei Eleitoral de 1997.
No processo de debate sobre a Constituinte, optou-se pela construção de certo
consenso sobre como deveria ser o sistema representativo brasileiro. Os diversos atores
políticos que participaram deste processo mantiveram componentes importantes na
história da vida republicana brasileira como o sistema presidencialista (Constituição de
1891), a representação proporcional de lista (Constituição de 1946), o bicameralismo
(Constituição de 1891) e o federalismo (Constituição de 1891). (NICOLAU, 2003;
p.11)
É pertinente fazermos neste momento uma breve retomada dos principais
elementos que caracterizam as regras que regulam a disputa eleitoral no Brasil e que,
têm impacto na formatação do sistema partidário, para, em seguida, apontar algumas
considerações sobre as propostas de reforma política que se fizeram presentes na
histórica democrática recente.
O sistema político brasileiro se caracteriza pela combinação entre:
presidencialismo, multipartidarismo (atualmente 35 partidos políticos registrados no
TSE – Tribunal Superior Eleitoral, 2016) e representação proporcional. Para grande
parte da literatura consultada, a combinação desses elementos em um mesmo sistema
político torna a sustentação, a estabilidade e o fortalecimento da democracia algo difícil,
sobretudo quando se trata da questão das alianças políticas no interior do chamado
presidencialismo de coalizão.
O cientista político Sérgio Abranches, em artigo publicado em 1988 e intitulado
“Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro.” -, caracteriza o sistema
53
político brasileiro, a partir de uma especificidade: o presidencialismo pautado em
coligações eleitorais.
Segundo o autor, a frequência de coalizões observadas no Brasil seria um reflexo
da fragmentação do sistema partidário, da variedade de partidos, e da heterogeneidade
de atores políticos que advém das eleições de fins da década de 1950, e que tornaria
confusa a distinção entre as legendas partidárias e as identidades políticas. Abranches
argumenta que no Brasil a combinação entre a proporcionalidade e o multipartidarismo
organiza o Executivo com base em coalizões, a este fenômeno denominou
“presidencialismo de coalizão”.
Sabe-se que desde as eleições presidenciais de 1989, todos os governos eleitos
têm sido estruturados a partir das alianças e coalizões, que tem assim suas finalidades:
garante apoio, força, recursos e visibilidade na campanha eleitoral; participação na
divisão de pastas e gabinetes ministeriais distribuídos entre os partidos aliados; e
também nas votações no âmbito do Congresso Nacional.
As regras de representação e o sistema partidário expressariam a ideia de uma
sociedade política marcada pela pluralidade, elemento este, fundamental e necessário
para que se organizem governos por meio de alianças políticas heterogêneas que
garantam as oportunidades de manutenção de cargos, mandatos ou outros benefícios
oriundos da vida política:
É possível perceber até intuitivamente, que a possibilidade de alianças e coligações
amplia adicionalmente o campo de escolhas eleitorais, elevando a fragmentação
partidária, na medida em que não apenas garante a sobrevivência parlamentar de
partidos de baixa densidade eleitoral, mas também multiplica as possibilidades de
escolha além das fronteiras de legendas partidárias. (ABRANCHES; 1988:14)
Segundo esta avaliação, os políticos aproveitam-se das oportunidades colocadas
por este mecanismo e exercem suas atividades com vistas à reeleição e o bem público
estaria bem longe dos objetivos partidários. Todavia, observamos também que há
incentivos na legislação eleitoral brasileira para que se realizem coalizões entre os
partidos políticos na tentativa de evitar conflitos ou impasses.
Do ponto de vista destes atores, a estratégia eleitoral está em construir
determinadas alianças para garantir as condições necessárias de governabilidade na cena
54
política. Embora este requisito não seja suficiente para a realização de um projeto
político idealizado pelos partidos envolvidos, observamos que, a partir das alianças
estes atores apoiam suas expectativas de realização de uma agenda política.
Na medida em que tomamos as alianças como elemento fundamental e inerente
à vida política seja na forma de negociação e acordos ou mesmo na constituição de
bases de apoio na arena parlamentar ou de grupos de oposição, destacamos a
importância deste mecanismo como instrumento de garantia de boa relação entre
Executivo e Legislativo, assegurando as condições favoráveis para uma gestão de
governo sem entraves, contratempos ou crises políticas.
Outra questão sinalizada, esta pelo pesquisador Scott Mainwaring (1991) reforça
a ideia de que objetivos pessoais dos atores políticos prevalecem, tendo em vista a
estratégia de ganhar a disputa eleitoral, o que dificultaria a construção de alianças
estáveis ou mesmo a distinção pelo eleitorado das legendas agrupadas nas coligações.
Para Mainwaring a despolitização do eleitorado ocorre porque há grande número de
candidatos em disputa eleitoral e uma diversidade de partidos que obstruiriam o
controle partidário aumentando a importância dos esforços individuais na campanha:
A legislação eleitoral estimula a autonomia dos representantes eleitos em relação a seus
partidos. Os representantes podem agir independentemente de programas com quase
nenhuma chance de sofrer sanções. Eles não devem seus mandatos ao partido, mas sim
à sua própria iniciativa. Os partidos aceitam violações flagrantes dos programas
partidários e dos compromissos organizacionais quando um político consegue uma
grande soma de votos. (MAINWARING, 1991, p. 44)
Nesse sentido, a fragilidade do sistema político brasileiro decorreria em primeiro
lugar pelo fato de os mandatos dos candidatos pertencerem a eles mesmos e não a
legenda na qual são filiados. Os partidos seriam entidades fragilizadas diante do poder
pessoal do político; pouca possibilidade de identidade partidária; a relação entre
representantes e representados seria marcada pela falta de representatividade política.
Nesta perspectiva, a questão da representação política e mesmo da identidade partidária
não se apoiariam nas necessidades dos eleitores, e sim, constituir-se-ia a partir de lógica
oportunista dos partidos em garantir a reeleição e o fortalecimento pessoal do candidato.
Para Mainwaring (1993) a combinação de presidencialismo com sistema
proporcional e multipartidarismo estimularia a indisciplina partidária e o distanciamento
55
da vontade e da representatividade do eleitor na ação parlamentar. O autor sustenta que
os políticos tenderiam a agir de forma indisciplinada, na medida em que nesse sistema
as coligações partidárias seriam construídas e mantidas por ocasião das estratégias
eleitorais. Neste caso, um exemplo seriam os ministérios, que ao serem escolhidos pelo
presidente como forma de participação dos partidos aliados, comprometeria o apoio e
compromisso nas atividades parlamentares do governo.
Numa perspectiva teórica oposta, situamos o trabalho de Argelina Figueiredo e
Fernando Limongi (1996) que transporta o desafio institucional para outra questão, o
desafio de realizar reformas políticas que tenham efetividade no sistema político
brasileiro, uma vez que, para os autores, na prática, o próprio sistema elabora
mecanismos que solucionam impasses apontados pela literatura. Para eles o sistema
político brasileiro é marcado pelo forte poder de agenda do presidente da República e a
alta centralização dos trabalhos parlamentares nas mãos dos líderes partidários.
Segundo Figueiredo e Limongi (1999), a Constituição de 1988 teria mantido os
instrumentos introduzidos durante o regime militar, com o objetivo de garantir a
preponderância do Executivo sobre o Legislativo, fazendo deste último um servidor, na
consideração das proposições de iniciativas e leis, em caráter de urgência pelo
presidente da República, a projetos de sua autoria e à edição, pelo chefe do Executivo,
de medidas provisórias com força de lei. De outro lado, os líderes partidários teriam sua
importância ampliada pelos novos regimentos internos das casas legislativas, fazendo
com que atuassem como coordenadores das bancadas partidárias.
Conforme estudos produzidos pelos respectivos autores, observou-se que cada
partido vota de acordo com seu bloco ideológico e com aval de sua liderança partidária.
Tornando assim, as coalizões um dos mecanismos de disciplina dos partidos, uma vez
que os líderes das legendas seriam os responsáveis por impor a disciplina partidária às
suas bancadas. Este cenário é marcado por negociações partidárias, conduzidas pelas
lideranças do partido que formam a base do governo. Portanto, os arranjos políticos e
eleitorais, assim como as reformas, não produziriam os resultados esperados.
Fernando Limongi (2006) contesta o conceito de “presidencialismo de
coalizão”, elaborado por Sérgio Abranches. Limongi afirma que Abranches ao dar
pouca importância às estruturas mais profundas do sistema político brasileiro, não
destacou o peso do Executivo no controle da agenda legislativa nas aprovações de suas
proposições sustentando-se nos partidos:
56
A forma como o processo decisório é organizado, mais especificamente, o poder de
agenda conferido ao Executivo, garante que o governo brasileiro opere em bases
similares às de grande parte das democracias existentes. Nesse aspecto particular, a
Constituição de 1988 alterou radicalmente as bases institucionais sobre as quais se
estruturam as relações entre o poder Executivo e o Legislativo. (LIMONGI, 2006, p. 20)
Deste modo, com a Constituição de 1988, o presidente dispõe da prerrogativa de
legislar sobre as principais áreas da política, o que não constituiria uma especificidade
do sistema político brasileiro em relação às constituições de outros países, visto que, o
presidente controla a agenda e seus aliados, e os partidos políticos se garantem enquanto
atores fortes no sistema em questão:
O governo controla a produção Legislativa e esse controle é resultado da interação entre
poder de agenda e apoio da maioria. Maioria reunida por uma coalizão partidária pura e
simples. Nada muito diverso do que se passa nos governos parlamentaristas. Ou seja,
não há bases para tratar o sistema político brasileiro como singular. Muito menos, para
dizer que estaríamos diante de uma democracia com sérios problemas, ameaçada por
alguma síndrome ou patologia causada que pela separação de poderes, quer pela
fragilidade de seus partidos. (LIMONGI, 2006, p. 25)
Sendo assim, se o presidente tem pleno controle da agenda e as lideranças de
cada partido orientam suas bancadas, o comportamento de políticos e partidos seria caso
resolvido, se não considerássemos o eleitorado e a dificuldade de distinção entre as
legendas partidárias que fazem parte de uma coligação.
De acordo com Figueiredo e Limongi, a coesão partidária e ideológica é
observada e tem-se como elemento ordenador não o interesse particular e individual dos
políticos, mas sim a figura da liderança partidária do momento e sua autoridade na arena
parlamentar:
[...] a disciplina encontrada torna as decisões do plenário previsíveis. Se um observador
qualquer entra em plenário em meio a uma votação nominal em tempo de ouvir somente
os votos encaminhados pelos líderes dos partidos, ele será capaz de prever o resultado
desta votação com 90% de chance de acerto. Os votos das bancadas não se distribuem
de maneira aleatória, obedecendo antes a um padrão constituído a partir da proximidade
ideológica dos partidos. (FIGUEIREDO e LIMONGI, 1996, p. 30)
57
A necessidade de conceituar ou mesmo definir o presidencialismo de coalizão,
pode tornar mais inteligível o debate que está sendo realizado, ao retomar a definição de
presidencialismo elaborada por Cheibub, Przeworsky e Saiegh (2002, p. 189), de que,
“no presidencialismo é uma situação em que o partido do presidente controla todas as
pastas ministeriais e as políticas são estabelecidas no ponto ideal do presidente”.
O fato é que a prerrogativa do presidencialismo divide-se em dois tipos de
situação: a primeira refere-se a uma coalizão ministerial, em que um grupo de
legisladores, pertencentes a partidos que ocupam cargos de gabinete, cuidam da
distribuição das pastas ministeriais e tem por finalidade apoiar o governo. A segunda
situação refere-se a uma coalizão parlamentar, em que legisladores pertencentes a
diferentes partidos votam da mesma maneira. Também conhecida como coalizão
legislativa, tem por finalidade assegurar os votos para a aprovação de assuntos do
interesse do governo vigente.
A formação de gabinetes de coalizões, no presidencialismo brasileiro, tem por
objetivo maior realizar um acordo entre Executivo e Legislativo, assegurando a
participação de diversos partidos na condução do governo. Embora a ideia que se faz
das coalizões é que elas se formem em torno de uma questão programática, em que os
partidos discutiriam e acordariam sobre diferentes posições ideológicas, na prática não é
isto que acontece, porque quem controla as decisões e a agenda é o presidente e seu
partido, funcionado assim como um coordenador de interesses diversos.
Cabe ressaltarmos também a função dos partidos na composição governamental,
no Congresso, no Senado e nas Câmaras Municipais. Segundo Rachel Meneguello
(1998), após a redemocratização em 1985 que os partidos passam a compor os níveis de
governo, buscando estabelecerem e consolidarem quadros partidários legítimos de uma
sociedade democrática.
O estabelecimento e organização dos partidos estabelece relações entre o Estado
e a sociedade para a representação de distintos interesses de grupos políticos no interior
do Estado e a função de governo:
No campo dos processos decisórios e da gestão da sociedade, [...] figuram como agentes
centrais da conexão entre os cidadãos e os governos democráticos, atuando como os
articuladores das questões na arena pública, definindo agendas governamentais e
influenciando o processo de elaboração das políticas públicas.
(MENEGUELLO, 1998, p.26)
58
A presença dos partidos nas disputas eleitorais, na escolha de seus candidatos, na
composição das cadeiras representativas são fundamentais para uma melhor
governabilidade, efetivação das políticas e no diálogo com a sociedade civil,
movimentos sociais, sindicatos e ONGs, além da formação das alianças em todas as
esferas de governo.
Considerado como um dos elementos mais polêmicos da vida partidária, as
alianças políticas vêm sendo abordada de modo geral como um mecanismo mais usual
de estratégia eleitoral. O contraponto deste tipo de prática disseminada entre os partidos
políticos distorce o voto original do eleitor, que ao escolher um candidato de sua
preferência acaba elegendo outro candidato por causa do mecanismo denominado
quociente eleitoral.
Cabe lembrar que, os partidos políticos brasileiros apresentam-se na arena
política muito mais em alianças partidárias do que como legendas diferenciadas, o que
destaca a figura dos candidatos individualmente e das coligações formadas pelos
diversos partidos de orientação ideológica até mesmo incompatível.
As coligações são realizadas em todas as esferas de disputa eleitorais, e isso
dificulta, aos eleitores, a distinção dos partidos e a criação de identidades partidárias
mais sólidas. A formação de governos de coalizão é marcada assim, pela
heterogeneidade, o que nos permite questionar a efetividade do sistema eleitoral na
orientação dos cidadãos para a decisão do voto. Desde 1985, os partidos encontram
desafios em construir e manter vínculos de lealdade com o eleitorado, a fim de
assegurar uma base de apoio.
Levando-se em conta algumas das questões e propostas trazidas pelos estudiosos
da ciência política, e observando a história da agenda da reforma política, pouco se tenta
combater os problemas ou disciplinar a performance dos atores e partidos políticos, mas
busca-se colocar em destaque novas formas e mecanismos de estratégias eleitorais na
arena política que podem beneficiar alguns atores.
Segundo o pesquisador Francisco Fonseca (2013: p.409), o sistema político
brasileiro atualmente mantem uma estrutura que foi moldada no período da ditadura
militar, com características que vão da pouca representatividade; do financiamento
misto (público e privado) com predominância das doações privadas; da infidelidade
partidária; da coligação em eleições proporcionais que distorcem o voto do eleitor,
devido ao quociente eleitoral, entre outros. Para o autor, vencem as eleições os partidos
59
políticos que obtém financiamento privado de campanha; que na maioria das vezes
formam coalizões ideológicas incoerentes, devido ao tempo de exposição que podem
angariar no horário gratuito eleitoral de radio e televisão; e também, para garantir a
chamada “governabilidade”.
Como a esmagadora maioria dos grandes e médios partidos – que carreiam candidatos
ao Executivo e ao Legislativo – é financiada por grandes interesses (bancos,
construtoras, entre outros setores empresariais sensíveis à ação estatal), governar
implica fundamentalmente costurar acordos diversos e normalmente contraditórios.
Mais ainda, a vida pública torna-se fortemente “privatizada”, na medida em que
interesse privados, notadamente empresariais, se fazem presentes antes, durante e
depois das eleições, colocando a democracia brasileira, embora não apenas ela, sob
suspeição plutocrática. (FONSECA, 2013, p. 409)
Neste sentido, os partidos políticos para ganharem os pleitos, ou para
governarem, são obrigados a seguir as regras do “jogo politico”, o que implica em
negociar compromissos ou programas de governo, que podem resultar em ações
limitadas ou políticas públicas contraditórias e pouco transformadoras. Tal fenômeno
nos leva a refletir sobre a heterogeneidade estrutural da sociedade brasileira e
pluralidade de interesses na sua dimensão política.
Esta questão foi abordada por Abranches (1988: p.06-07) ao tentar compreender
a dimensão social, econômica e política, seus desequilíbrios e descompassos, que
refletem em problemas encontrados no sistema político brasileiro. Segundo o autor, a
sociedade brasileira é desigual social e economicamente. Há um “pluralismo de
valores”, de grupos diversos que buscam acesso a política institucional no intuito de
representar determinados interesses de setores da sociedade.
Nesta lógica, terá representação grupos detentores de recursos diversos como
financeiros, humanos, de visibilidade, entre outros. O dilema institucional do sistema
político brasileiro estaria assim, para Abranches, na necessidade de encontrar uma
ordem, via instituições, que fosse capaz de lidar com o cenário heterogêneo de
interesses, que possibilitasse a redução das desigualdades e disparidades em todas as
dimensões.
60
2.1 - Agenda da reforma política (1993-2003)
Desde a promulgação da Constituição de 1988, vários temas fizeram parte da
agenda pública da reforma política. A ideia de que o Brasil precisava reorganizar sua
forma de fazer política, via reforma, apareceu com força logo após o processo de
impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, na época filiado ao Partido da
Reconstrução Nacional (PRN) de Alagoas. Collor foi deposto do mandato presidencial e
teve seus direitos políticos suspensos por oito anos por causa do envolvimento em
esquemas de corrupção. Cabe lembrar que após muitos anos de ditadura militar e
eleições indiretas para presidente, a disputa eleitoral marcou o ano de 1989 como o ano
em que os cidadãos brasileiros exerceram o direito de opinar sobre qual candidato
governaria o país, a acirrada disputa entre Fernando Collor de Mello (PRN) e Luiz
Inácio “Lula” da Silva (PT) coroava o retorno à democracia.
Foi neste cenário de intenso debate que no mês de abril de 1993, a forma e o
sistema de governo foram questionados em um plebiscito, que decidia se o país deveria
ter um regime republicano ou monarquista controlado por um sistema presidencialista
ou parlamentarista. A escolha pela República Presidencialista vinha reforçar uma
atitude de defesa e aprimoramento das instituições representativas, que poderiam ser
aperfeiçoadas por reformas e ajustes do sistema político para garantir a condição
necessária de governabilidade e o bom funcionamento da democracia brasileira.
Segundo o pesquisador Jairo Nicolau (2013; p. 08), alguns temas propostos estão
ligados à alteração do sistema proporcional e continuam na agenda de uma discussão
sobre reforma política: opções à lista aberta (voto majoritário-distrital, lista fechada e
lista flexível); redução da fragmentação partidária; proibição de coligações nas eleições
proporcionais e adoção de cláusula de exclusão.
A reforma política foi objeto de discussão no primeiro mandato do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso (PSDB) - de 1995-1999, quando foram criadas as
Comissões Especiais para analisar as propostas e propor alternativas, na Câmara dos
Deputados e no Senado Federal. No entanto, a Comissão da Câmara não concluiu seus
trabalhos; já a Comissão do Senado, após diversos debates com representantes do Poder
Executivo, da Justiça Eleitoral e de partidos políticos, resultou , em 1998, na
apresentação de uma série de propostas, na forma de Propostas de Emendas à
61
Constituição e Projetos de Lei do Senado. As mudanças mais significativas propostas
pela Comissão do Senado referem-se à instituição da fidelidade partidária; ao voto
facultativo; ao financiamento público exclusivo de campanha; e à cláusula de barreira.
Durante a primeira gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
(PSDB), houve a aprovação da Lei 9.096 de 1995 ainda em vigência, e que dispõe
regras aos partidos políticos quanto ao seu funcionamento, organização, programa e
estatuto, filiação, fidelidade e disciplina partidária, prestação de contas, propaganda
gratuita no rádio e TV, entre outras questões. Algumas dessas mudanças foram
aprovadas no Plenário do Senado, como o financiamento público de campanhas, a
fidelidade partidária, o fim das coligações.
No final da primeira gestão foi aprovada a emenda constitucional da reeleição,
no ano de 1997, o que permitiu a Fernando Henrique Cardoso concorrer novamente ao
cargo nas eleições presidenciais em outubro de 1998: eleições que foram marcadas por
um cenário conturbado de denúncias de venda de votos de parlamentares da base aliada
do governo, para que tal emenda fosse aprovada.
Percebe-se neste momento, que a agenda da reforma política volta-se para
diversos aspectos relacionados às regras eleitorais regulares e a organização dos
partidos políticos, visando posteriormente alterações pontuais nas regras do sistema
político-eleitoral, na forma de financiamento de campanha, objetivando maior
participação da sociedade e transparência nas contas dos partidos políticos.
Jairo Nicolau (2003) elaborou um trabalho expresso no quadro abaixo, que
compreende o período após a volta à democracia e o estabelecimento de eleições
presidenciais regulares no Brasil com os principais itens e elementos discutidos quanto
às propostas de mudanças no sistema político brasileiro. Figuram nesta agenda questões
já abordadas no texto como: critérios para eleições para a escolha de deputados; eleições
presidenciais, duração de mandato e reeleição; escolha pelo voto obrigatório ou
facultativo; regras para troca de legendas; legislação eleitoral e sistema de governo.
62
Sumário da agenda da reforma política no Brasil (1993-2003)
Sistema Eleitoral da Câmara dos Deputados
Novo sistema de representação (diversas propostas de introdução de sistemas mistos nas eleições para Câmara dos Deputados)
Adoção de novo critério para apresentação da lista de candidatos (lista fechada/lista flexível)
Fórmula matemática (retirada dos votos em branco do quociente eleitoral, 1998).
Cláusula de exclusão nacional (adoção de cláusula de 5% para acesso dos partidos à Câmara dos Deputados)
Número de representantes por estado na Câmara dos Deputados (diversas propostas aumentando o número mínimo e máximo de representantes por estado)
Coligações (proibição nas eleições parlamentares)
Eleições para o Senado (mudança nas regras de eleição para suplentes)
Regras da Eleição para o Executivo
Sistema eleitoral (novos critérios para realização do segundo turno; fim dos dois turnos nas eleições de prefeito e governados).
Duração do mandato (redução do mandato presidencial, 1997);
Reeleição (possibilidade de uma reeleição para os chefes do executivo, 1997).
Voto Obrigatório Adoção do voto facultativo (proposta derrotada na votação da Revisão Constitucional de 1993)
Restrição à Troca de Legenda
Fidelidade partidária (perda do mandato para os políticos que trocaram de legenda)
Disciplina parlamentar (punição para o parlamentar que votou contrariamente a posição do partido)
Legislação Eleitoral
Financiamento público de campanha
Prazo de filiação partidária (aumento do prazo de filiação partidária para que se possa concorrer em uma eleição)
Divulgação de pesquisas de opinião (restrições para divulgação)
Acesso dos partidos ao radio e televisão (restrição para os pequenos partidos, 1995).
Legislação Partidária
Regras para um partido ser reconhecido pelo TSE (maiores exigência, 1995).
Acesso ao fundo partidário (condicionado ao desemprenho eleitoral, 1995).
Sistema de Governo
Adoção do parlamentarismo (proposta derrotada no plebiscito de 1993)
Reprodução: Quadro 1 - Sumário das principais propostas de reforma política apresentadas no Brasil
(1993-2003) – (NICOLAU, 2003; p.12-13).
O contexto da eleição presidencial de 2002 merece destaque neste estudo, em
virtude da estar relacionado ao objeto de pesquisa e sua demarcação histórica sobre a
reforma política. O então candidato Luiz Inácio “Lula” da Silva (PT), já havia passado
por três derrotas eleitorais à presidência da República nos anos de 1989, 1994 e 1998. O
63
Brasil vinha de duas eleições que foram decididas em primeiro turno que deram vitória
a Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Contudo, no decorrer de seu segundo mandato,
uma grave crise econômica e cambial se instalou em nosso país, ocasionando aumento
do desemprego e da dívida pública. O longo período no poder desgastou qualquer
tentativa de continuidade por parte de outro candidato de seu partido nas eleições, na
época José Serra estava na disputa eleitoral.
Foi nessa conjuntura difícil, marcada pela incerteza e pelo desejo de mudança,
que o candidato petista ganhou peso e destaque nas pesquisas de intenção de voto. Com
a assinatura da Carta ao Povo Brasileiro, documento que garantia a continuidade do
projeto econômico neoliberal, Lula conquistou a confiança dos investidores estrangeiros
e dos eleitores que apostaram num governo disposto a agregar interesses diversos. A
reforma política foi declarada prioridade na campanha de 2002 e reforçada por Luiz
Inácio Lula da Silva após a confirmação de sua reeleição.
2.2 - Agenda da Reforma Política – governo Lula (2003-2010)
No decorrer do primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a
Comissão Especial de Reforma Política, presidida pelo deputado Alexandre Cardoso
(PSB-RJ), realizou dezenas de reuniões, audiências públicas e seminários, com
especialistas brasileiros e estrangeiros, para discutir as propostas de mudanças nos
sistemas político, partidário e eleitoral do Brasil. Nenhuma das proposições decorrentes
desse debate, como a PEC 548-B e os Projetos de Lei de nos 5.268, 1.712 e 2.679,
obtiveram consenso entre os parlamentares.
Com a atribuição de efetuar um estudo sobre as matérias em tramitação no
Congresso Nacional e elaborar uma proposta de reforma, a Comissão Especial de
Reforma Política, que tinha como relator o deputado Ronaldo Caiado (DEM/GO),
encaminhou uma proposta de Lei Ordinária, deixando de fora medidas que requeressem
mudanças na Constituição. O projeto tinha como foco processo de escolha da
representação política e dos partidos. Sendo uma proposta de lei infraconstitucional, não
foram incluídos, temas frequente no debate sobre reforma política, como voto
facultativo e a proporcionalidade da representação dos estados.
64
A composição da bancada da eleição de 2002 para deputado federal contava, em
sua grande maioria, com representantes do PT, PFL, PMBD e PSDB, sendo que o PT
aumentou sua bancada naquele ano como observamos na tabela abaixo:
PARTIDO BANCADA
PT 91
PFL 84
PMDB 75
PSDB 70
PPB 49
PTB 26
PL 26
PSB 22
PDT 21
PPS 15
PC do B 12
PRONA 6
PV 5
PSD 4
PST 3
PMN 1
PSC 1
PSDC 1
PSL 1
TOTAL 513
Tabela 1. Composição da bancada da Eleição de 2002 para deputado federal.
Fonte: Câmara dos Deputados
A Comissão Especial de Reforma Política criada no primeiro ano da gestão do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva funcionou ao longo de 10 meses na Câmara dos
Deputados. Executou 26 reuniões e 7 audiências públicas, e tinha como objetivo
analisar as propostas de reforma existentes e propor, então, um novo projeto de reforma
política. No tocante a sua composição, observamos o caráter proporcional à
representação dos partidos. Os 38 integrantes da Comissão foram assim distribuídos:
sete do Partido dos Trabalhadores, seis do PFL, cinco do PMDB, cinco do PSDB,
quatro do PP, três do PTB, três do PL, dois do PSB, um do PDT, um do PC do B e um
do PV.
As principais questões do projeto referiam-se à relação entre eleitor, candidato e
partido; as alianças; o funcionamento parlamentar; e as campanhas eleitorais. Como
65
resultado dos debates e encontros foi elaborado o Projeto de Lei nº 2.679/2003, de
autoria dessa Comissão, e que tinha como base o financiamento exclusivamente público
das campanhas eleitorais, a substituição do voto em lista aberta pelo voto em lista
preordenada pelos partidos (lista fechada), o fim das coligações partidárias nas eleições
proporcionais e sua substituição pelas federações partidárias.
A respeito do financiamento público de campanha, tema mais controverso e
polêmico do debate sobre a reforma, o PL nº 2.679/2003 discorria sobre a proibição de
doações aos partidos realizadas por empresas e pessoas jurídicas no período eleitoral.
Pretendia-se com esta proposta regular e controlar os gastos com as eleições,
estabelecendo que os recursos viessem unicamente do Tesouro Nacional, sendo as
despesas realizadas exclusivamente através dos partidos, federações ou coligações. Os
valores calculados considerariam o equivalente ao número de eleitores multiplicado por
R$ 7,00 (sete reais), pelo número atual de eleitores, de aproximadamente 116 milhões, o
total desses recursos alcançariam o valor de R$ 812 milhões, para financiamento de toda
a campanha eleitoral no país.
O objetivo seria eliminar qualquer vestígio ou influência de atividades ilícitas,
proveniente dos recursos do financiamento privado, fazendo com que os partidos, as
federações ou coligações constituíssem um único comitê financeiro para toda a
campanha na união, no estado ou no município. A prestação de contas seria realizada
antes e depois das eleições, estando sujeito às multas pessoas ou empresas envolvidas.
Possibilitando, com isso, o aperfeiçoamento do sistema atual de financiamento de
campanhas, que favorece as relações de candidatos com empresas, além de receber
recursos do Fundo Partidário e do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão.
Quanto ao sistema de voto em lista preordenada, cabem algumas considerações
sobre o atual sistema chamado de lista aberta. Neste caso, o eleitor pode votar no
candidato ou na legenda de sua preferência. O que frequentemente ocorre é que o
eleitor escolhe um candidato e, assim, a definição da lista dos eleitos vai sendo
construída a partir da soma dos votos atribuídos a ele. A ordem dos candidatos eleitos é
estabelecida segundo a preferência dos eleitores.
No sistema de lista fechada, a ordem dos candidatos é estabelecida pelos
partidos políticos, através de suas instâncias de deliberação. Por meio de convenção
partidária, os candidatos são escolhidos e preordenados em uma lista de preferência do
partido, fazendo com que os eleitores votem nos partidos e respectivos programas. Os
votos das legendas garantem um número determinado de cadeiras a serem distribuídas
66
aos primeiros da lista partidária. Nesse modelo fortalecem-se os partidos, seus projetos
e programas, levando as campanhas eleitorais a darem mais ênfase às legendas
partidárias do que aos candidatos. Porém, este item da proposta de reforma também
precisa lidar com um problema que é a tendência do eleitorado brasileiro ao voto
nominal.
Quanto às coligações partidárias, o PL 2.679/2003 criou o instituto da federação
de partidos, com duração mínima de três anos. As coligações como ocorrem atualmente,
são constituídas com objetivos eleitorais, feitas sem afinidades programáticas e
ideológicas, trazendo consequências negativas para a representatividade e para a
governabilidade. Resultam assim, distorções representativas, uma vez que o eleitor vota
num candidato de um partido pelos compromissos programáticos e seu voto acaba por
beneficiar candidatos com ideias e projetos com os quais não há qualquer identificação.
No tocante à questão da governabilidade, a ausência de compromisso ideológico e
programático evidencia a fragilidade de coesão das bancadas eleitas e,
consequentemente, a sustentação dos projetos majoritariamente apoiados pelo
eleitorado.
As federações permitiriam vínculos mais efetivos e duradouros entre os partidos.
De acordo com esta proposta, dois ou mais partidos poderiam reunir-se em federação,
atuando como agremiação partidária única, seja no registro de candidatos e/ou no
funcionamento parlamentar, permitindo a afinidade ideológica, a identidade e a
autonomia dos partidos reunidos na federação.
O projeto mantinha ainda algumas mudanças sobre o mecanismo da cláusula de
desempenho (cláusula de barreira) definido na Lei nº. 9.096/1995, a Lei dos Partidos
Políticos. De acordo com essa Lei, tem direito a funcionamento o partido que, em cada
eleição para a Câmara dos Deputados, obtenha o apoio de, no mínimo, 5% dos votos
apurados, não computados os brancos e nulos distribuídos em, pelo menos, um terço
dos Estados, com um mínimo de 2% do total de votos. O PL 2.679/2003 diminui para
2% esse percentual nacional, sendo que os votos devem ser distribuídos em, pelo
menos, um terço dos Estados, fazendo com que o partido tenha, ao menos, um
representante eleito em cinco desses Estados.
Em dezembro de 2003, a proposta de reforma política estabelecida e constituída
no PL 2.679/2003 foi votada na Comissão Especial de Reforma Política, dos 12 partidos
representados na Comissão, oito foram favoráveis ao Relatório: o PV, PC do B, PDT,
PSB, PMDB, PSDB, PFL e PT, e três foram contrários: PTB, PL e PP. Concluída a
67
votação por bancada foi realizada a votação nominal, que resultou em 26 votos
favoráveis, 11 contrários e uma ausência.
Para Maria Francisca Pinheiro Coelho (2006; p.11) havia um reconhecimento da
maioria dos partidos no Congresso Nacional de que o projeto representava o
pensamento, o sentimento dos parlamentares e que a reforma seria aprovada naquela
legislatura. Por outro lado, os partidos da base aliada foram contrários à proposta da
reforma política:
A reunião de votação do anteprojeto foi expressiva, do ponto de vista do
comportamento dos partidos na apreciação da proposta e da representação política
daqueles que votaram favoráveis. As defesas do anteprojeto e as manifestações
contrárias estabelecem uma clara divisão na Câmara dos Deputados que não passa pelo
partido do governo versus partidos da oposição, mas pela união dos partidos que, de
certa forma, têm história e compromisso político versus partidos sem consistência
política-ideológica. Não é aqui o local para análise de governos de coalizões, mas foram
os partidos da base aliada do governo, PTB, PP e PL, os que votaram contra a proposta
da reforma política. (COELHO, 2006; p.16)
A proposta aprovada passou a tramitar na Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJC), e para que passasse a vigorar nas eleições de 2006, teria de ser
votado até 30 de setembro de 2005, prazo mínimo exigido, um ano antes do pleito, para
alteração nas normas eleitorais.
Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), o deputado Rubens
Otoni (PT-GO), foi designado como relator do projeto. O relatório apresentado foi
favorável por promover mudanças de maior impacto nas instituições eleitorais e
partidárias. Em 22 de junho de 2005, foi para a votação na CCJC, a proposta do PL nº
5.268/2001 e do PL nº 2.679/2003. No entanto, apesar do parecer favorável do relator, o
projeto não foi encaminhado ao Plenário da Câmara dos Deputados, uma vez que o
requerimento assinado pelos líderes do PTB, PP, PL e PMDB, aos quais se somou, no
último momento, o líder do PT, impediu de seguir para votação no plenário da Câmara.
A proposta recebeu análise do relator, deputado Rubens Otoni (PT-GO), no
final de 2004, e durante todo o ano de 2005 não avançou9. Nas eleições de 2006 vigorou
pequenas alterações na legislação eleitoral, aprovadas no Senado, a chamada
minirreforma, que modificou aspectos pontuais do processo eleitoral, como a proibição
9 Cabe lembrar que foi em junho de 2005 que a crise política denominada “mensalão” fragilizou o
governo e o Partido dos Trabalhadores, logo após este episódio foi deflagrada a Operação Sanguessuga,
que denunciava mais de 100 deputados e três senadores de terem se beneficiado com uso do dinheiro do
orçamento da União na compra de ambulâncias superfaturadas.
68
de venda de broches, de camisetas e de realização de “showmícios”. Esta minirreforma
introduziu, também, controle e transparência na prestação de contas das campanhas.
Com a ausência da implantação da reforma política, o debate sobre o tema
voltou-se para a sociedade civil. No final de 2005, diversas organizações da sociedade
civil se reuniram visando à construção da Plataforma dos Movimentos Sociais para a
Reforma do Sistema Político no Brasil. Nos movimentos sociais, apesar da crítica a
alguns aspectos do PL nº 2.679/2003, formava-se o consenso de que a proposta
significava um avanço em relação ao sistema vigente.
Desde que se instalou a crise na primeira gestão petista, a reforma política
começou a despontar como resposta institucional ao escândalo e denúncias de
irregularidades que marcaram todo o ano de 2005. Diversas propostas de modificações
de natureza distinta prometiam aprimorar a legislação eleitoral. No início da nova
legislatura em 2007, o governo Lula encarregou Tarso Genro, então ministro da Justiça,
para coordenar um grupo formado pelo Ministério da Coordenação Política e pela
Secretaria-Geral da Presidência da República, além do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social, para analisar as propostas sobre o tema e entregar em 45 dias ao
presidente “um diagnóstico para iniciar a reforma política no país”. Durante este
processo, resgatou-se todo o debate realizado no Congresso sobre o Projeto de Lei nº
2.679/2003.
Sendo assim, no início do ano de 2007, ao se retomar o debate sobre uma
proposta de reforma política optou-se por manter e enviar para votação o Projeto de Lei
nº 2.679/2003, renomeado nesta legislatura de Projeto de Lei nº 1.210/2007, que deveria
ser votado em partes. O documento abordava a questão sobre as pesquisas eleitorais, o
voto de legenda em listas partidárias preordenadas, a instituição de federações
partidárias, o funcionamento parlamentar, a propaganda eleitoral, o financiamento de
campanha e as coligações partidárias, alterando a Lei n.º 4.737, de 15 de julho de 1965
(Código Eleitoral), a Lei n.º 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos
Políticos) e a Lei n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições).
Sobre a composição da Câmara dos Deputados (2007-2010), dezessete partidos
políticos tinham direito a representação e liderança na Câmara dos Deputados. Cabe
lembrar que, quanto ao posicionamento ideológico os partidos nem sempre guardavam
coerência com as declarações ideológicas contidas em seus estatutos e seu
posicionamento em relação ao governo muito menos tinha afinidade programática ou de
projeto político.
69
A falta de coerência ideológica era frequente em vários partidos que se
declaravam de direita ou centro-direita. Apesar disto, estes partidos fizeram parte da
base parlamentar de sustentação do governo Luiz Inácio Lula da Silva, de orientação à
esquerda ou centro-esquerda do espectro ideológico. Essa ambiguidade deu o tom da
relação dos partidos com o governo ou com a oposição, isto é, em sua própria base
parlamentar o PT encontrava oposição a seus projetos.
A composição da bancada da eleição de 2006 para deputado federal tinha em sua
grande maioria representantes do PMBD, PT, PSDB e PFL. Neste momento
observamos o aumento das bancadas dos partidos aliados. Em destaque vemos o PMDB
avançar no número de cadeiras:
PARTIDO BANCADA
PMDB 89
PT 83
PSDB 66
PFL 65
PP 41
PSB 27
PDT 24
PL 23
PPS 22
PTB 22
PCdoB 13
PV 13
PSC 9
PMN 3
PSOL 3
PTC 3
PHS 2
PRONA 2
PAN 1
PRB 1
PTdoB 1
TOTAL: 513
Tabela 2. Composição da bancada da Eleição de 2006 para deputado federal.
Fonte: Câmara dos Deputados
Na fase final da discussão e do prazo para proposição da emenda, em 27 de
junho de 2007, o deputado Ronaldo Caiado (DEM – GO), relator da proposta,
70
apresentou parecer pela rejeição de algumas emendas e aprovação de outras. Daquelas
emendas relacionadas aos principais itens da reforma proposta por meio do PL n.
1.210/2007, o deputado Ronaldo Caiado acolheu apenas o que versava sobre a
supressão da cláusula de desempenho eleitoral, ou de barreira ao funcionamento
parlamentar.
Na primeira sessão legislativa ordinária, realizada em 27 de junho 2007 os
deputados Luciano Castro (PR – RR) e Miro Teixeira (PDT-RJ), requereram votação
em grupo de artigos, colocando em primeiro lugar os artigos relacionados à lista
fechada. Os artigos referentes ao voto em lista preordenada dos candidatos nas eleições
proporcionais foram para votação e obtiveram 181 votos a favor, 252 contra e três
abstenções, o projeto foi frustrado, visto que não foi aprovado por 71 votos.
Anterior a esta votação, uma emenda aglutinativa nº 1, foi enviada para
avaliação, essa emenda propunha a lista flexível, que combinava o voto na legenda com
o voto no candidato, e o eleitor daria dois votos: no partido e em seu candidato. As
vagas obtidas pelo partido ou federação deveriam ser assim preenchidas: metade pela
ordem dos candidatos na lista e a outra metade pela ordem dos outros candidatos mais
votados, independente de seu lugar na lista. A emenda aglutinativa foi derrotada por 37
votos (203 deputados votaram a favor e 240 contra).
Em 4 de agosto de 2007, foi realizada uma nova tentativa de aprovar os demais
itens da reforma política, quando foram rejeitados, por votação simbólica, o segundo
grupo de artigos do substitutivo do deputado Ronaldo Caiado. No mesmo dia foi
submetida à votação uma emenda aglutinativa substitutiva global, apresentada pelo
deputado Flávio Dino (PCdoB – MA), que propunha o financiamento exclusivamente
público somente para as eleições majoritárias e a proibição de integrar nova bancada
partidária ao parlamentar que, no curso do mandato, se desfiliasse do partido de eleição.
Esta emenda não pôde ser votada, em razão de conter matéria nova ou não encontrada
nem no projeto original nem nas emendas a ele apresentadas.
Em 15 de agosto, foi votado o Projeto de Lei Complementar nº 35, que instituía
a fidelidade partidária, sendo aprovado com 310 votos, 28 contrários, duas abstenções e
24 obstruções. Conforme a disposição do artigo 2º, o ocupante de cargo eletivo, que se
desligar do partido político pelo qual se elegeu, poderá ter cassado o seu diploma e
perderá o mandato por decisão da Justiça Eleitoral.
Ao longo de todo o processo de apreciação da reforma política proposta por
meio do PL n. 1.210/2007, as bancadas partidárias que se mostraram favoráveis à
71
proposta comportaram-se de modo relativamente coeso. Foram elas as bancadas do
PCdoB, do PSOL e do PT – as duas primeiras mais congruentemente do que a última –,
todas bancadas de esquerda ou centro-esquerda.
A bancada do PPS, juntamente os parlamentares do PSDB e do DEM, embora
pouco coesas, vinham posicionando-se favoravelmente à reforma política. Ao final,
mostrou-se fragmentada e preocupada com a própria sobrevivência política: 60%
votaram contra a reforma. Percebem-se, de um lado, dirigentes partidários preocupados
com a continuidade do partido, como uma agremiação política, que privilegia as ações
coletivas, mostrando-se favoráveis à mudança das regras políticas atuais, e, de outro,
políticos sem compromisso ideológico-programático com o partido, a maioria dos quais
com um longo histórico de migração partidária. Da mesma forma, a bancada do DEM
não se posicionou favoravelmente à reforma. Este foi o partido que viu diminuir o
número de representantes, perdendo espaço para os deputados das legendas governistas.
No lado oposto, encontravam-se os partidos que vinham sendo beneficiados com
o atual sistema político, caso do PR, PSC, PP, PTB e o PV – cujas bancadas se
posicionaram contra a reforma política proposta, uma vez que foram os partidos, que
nesta legislatura, mais receberam parlamentares de outras legendas, sem perder nenhum
ou quase nenhum.
No tocante às bancadas de centro, como o do PSDB e do PMDB, se
posicionaram contra a reforma política proposta, em partes porque o PSDB vinha
perdendo deputados, sobretudo para partidos governistas. O partido defendia o voto
distrital, colocando-se ainda como críticos do sistema eleitoral-partidário vigente, e
convenceram-se de que as regras atuais seriam mais favoráveis à formação de uma base
de apoio à candidatura de José Serra a presidente da República.
Por fim, o PMDB. Desde o início do processo de apreciação do PL n. 1.210/
2007, a bancada peemedebista foi a que se comportou de forma menos coesa em torno
da reforma política proposta, 57% de seus parlamentares votaram contra a lista fechada.
O partido desde a última legislatura vem se beneficiando com as atuais regras políticas,
sendo a legenda com o maior número de filiados, vereadores, prefeitos e governadores;
além de possuir a maior quantidade de deputados federais e senadores. Com seis
ministérios durante o governo Lula, o PMDB comandava a Câmara dos Deputados e o
Senado Federal.
Observando o processo de votação e discussão sobre a reforma política nas duas
últimas legislaturas, torna-se evidente que a combinação de presidencialismo de
72
coalização com sistema proporcional de lista aberta, promove estímulos e incentivos
sobre o comportamento parlamentar. Juntamente com outros fatores, como a cultura
política, o modo de se fazer política no Brasil, contribui para a formação de partidos
com pouca representatividade e vínculo com seu eleitorado, ausência de identidade
partidária e ideológico-programática.
Decorre desta situação, uma grande quantidade de parlamentares com longo
histórico de migração partidária, que se lançam na corrida eleitoral a partir de
campanhas voltadas ao plano individual, reforçando o caráter particularista e
personalista do político. A fragilidade, a fragmentação, o pragmatismo e a falta de
coesão partidária, somados ao individualismo, interesses individuais e o apartidarismo
dos parlamentares, delineia uma paisagem difícil, de dissenso, em que a cada votação no
Congresso, o processo de negociação com a base aliada, muitas vezes acontece num
plano individual.
Esse cenário acaba por expor a frágil atuação das lideranças políticas na Câmara
dos Deputados, uma vez que esses líderes perdem seu poder de influenciar e de orientar
de forma decisiva no comportamento das respectivas bancadas, contrariando assim, as
considerações já abordadas no estudo de Argelina Figueiredo e Fernando Limongi
(1999). Sabe-se que as orientações do líder da bancada costumam ser meramente
formais. O parecer da liderança nem sempre representa os sentimentos e opiniões da
maioria da bancada ou do grupo.
O poder do presidente da república é manifesto no preenchimento dos espaços
estruturantes do no Congresso Nacional, seja na proposição de leis e projetos de lei, na
edição de medidas provisórias com força de lei, no controle da pauta no Congresso, no
controle do orçamento da União e de milhares de cargos de livre nomeação na
administração pública, direta e indireta. O governo acaba por desempenhar papel
determinante no jogo político em especial na Câmara dos Deputados, incentivando o
interesse nos projetos, acordos e negociação entre as bancadas dos partidos aliados e de
oposição.
Por outro lado, o tema da reforma política deixou de ser uma preocupação
apenas do Poder Legislativo, que, apesar dos debates, reuniões e tentativas não
conseguiu aprová-la. Cabe destacarmos, o debate acerca do Poder Judiciário e suas
decisões que influem nas regras políticas. A interferência do Poder Judiciário na
resolução de disputas e demandas nas arenas políticas nos auxilia na compreensão das
decisões como no caso da verticalização das coligações políticas decidida pelo TSE, ou
73
conflitos próprios do período eleitoral, como no momento da definição das regras que
constrangerão atores nas disputas políticas.
O processo de “judicialização da política” como vem sendo chamado este
aumento da atuação do Judiciário nas questões de ordem da arena politico-eleitoral vem
sendo cada vez mais observado. Conforme Marchetti e Cortez (2009, p: 441) nas
eleições de 1994 e 1998, os partidos políticos adotaram um padrão de comportamento
para as alianças, que se orientava pela assimetria entre os diferentes estados e a disputa
presidencial. Nas eleições de 2002 e 2006, por uma decisão judicial, o comportamento
teve de ser alterado, para houvesse fortalecimento dos partidos em âmbito nacional, o
que resultou na judicialização da disputa eleitoral, alterando o padrão de formação de
coalizões.
Podemos concluir que em outros casos em que se envolvem as regras eleitorais,
percebe-se uma maior atuação do poder Judiciário, diante do poder Legislativo e do
poder Executivo, tornando-se frequente as formas conflituosas entre os poderes nos
ajustes da ordem institucional.
Observa-se também que o debate sobre a reforma possibilitou uma agenda mais
ampla sobre o sistema político, a democracia e a participação. O exemplo disso é a
formação da Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular, a
Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma do Sistema Político, a Coalização
pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, que une CNBB, OAB, CUT,
UNE, MCCE, ABONG, CTB, MST entre outros.
Desde 2006, entre as proposições fundamentais na agenda do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social foi incluída a reforma política, que ressaltou o
tema como prioridade do Estado e da sociedade. Destaca-se ainda, o Projeto de
Iniciativa Popular (liderada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral -
MCCE), originando a Lei da Ficha Limpa10
(Lei Complementar 135/2010), que contou
10
Esta lei está vigente em nosso país desde sua promulgação ocorrida no mês de junho de 2010, mas teve
sua aplicabilidade apenas nas eleições de 2012. A lei prevê que a inelegibilidade de um candidato, ou
seja, impede que este assuma um cargo público eletivo nos casos em que ele tenha sido condenado por
um órgão colegiado (condenado por mais de um desembargador), mesmo em caso de recursos em
tramitação nos Tribunais de Contas Estaduais, Tribunais de Justiça e Tribunais Eleitorais. Determina a
inelegibilidade de políticos condenados em processo criminais, envolvidos em casos de abuso de poder
econômico ou político, cassados ou que tenham renunciado para evitar a cassação; condenados por crimes
contra a administração pública e o patrimônio público; contra o sistema financeiro; o meio ambiente e à
saúde pública; condenados nos casos de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens e valores;
enriquecimento ilícito; tráfico de entorpecentes; crimes de racismo; trabalho escravo; tortura; terrorismo,
que tenham atentado contra a vida e a dignidade sexual; condenados por corrupção eleitoral, compra de
votos, gastos ilícitos de recursos de campanha, infração ético-profissional, entre outros crimes.
74
com a assinatura de mais de 1,5 milhões de pessoas e foi aprovada oito meses depois de
ter sido protocolada, em virtude dos anseios da sociedade por uma política transparente
e menos corrupta.
Não há dúvidas que a reforma política constitui um tema fundamental e está na
pauta da agenda pública. O fato dela não ocupar lugar de destaque merecido junto aos
diversos atores políticos sinaliza para alguns fatores: o modus operandi de se fazer
política no Brasil; a pouca motivação dos atores políticos; a dificuldade da integração
do eleitor na participação nas disputas eleitorais; o dilema institucional ligado à
pluralidade de interesses dos diversos grupos sociais; a expectativa de resultado pouco
satisfatório das mudanças no panorama geral do cenário político; a rejeição ao controle,
à fiscalização e aos limites dos partidos políticos; a corrupção e as irregularidades.
É preciso mencionar a presença do tema no imaginário político do brasileiro,
que nos leva a pensar a política como sinônimo de ineficiência da coisa pública, à
corrupção, à falta de representatividade política, à falta de e mecanismos de fiscalização
e controle, e por fim ao entendimento da necessidade de uma reforma política ampla
como o “remédio” para os “males” do sistema político atual.
Por fim, de todo debate realizado nesses dois momentos da história sobre a
questão da reforma política houveram pouco ou quase nada de avanço em relação ao
aperfeiçoamento da representação política, da participação cidadã e mesmo sobre o
financiamento das campanhas eleitorais e dos partidos. O distanciamento entre
representantes e representados continua de forma abissal, os interesses entre um e outro
são divergentes, o cidadão não se vê representado enquanto setores financeiros e
industriais continuam a promover políticos e bancadas no Congresso que atendam os
interesses do setor.
De outro lado, vemos a participação das empresas jornalísticas que auxiliam na
construção de uma narrativa que enfatiza a dinâmica da negociação política, que julga e
culpa as instituições e seus atores pelas fragilidades do sistema político, sem, no
entanto, considerar como a estrutura da sociedade, o funcionamento institucional e o
peso dos recursos financeiros nas eleições, no apoio aos partidos, suas lideranças e
projetos.
75
CAPÍTULO 3 – A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO SOBRE A REFORMA
POLÍTICA NOS EDITORIAIS DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O
ESTADO DE S.PAULO DURANTE OS GOVERNOS LULA I E II
A compreensão da relação entre mídia e política passou a ter centralidade para o
entendimento do jogo político nas sociedades contemporâneas. As empresas de
comunicação transformaram-se nos provedores de informação do processo político
democrático, apresentando-se como o espaço de visibilidade e debates.
Esses meios disponibilizam “formadores de opinião” com autoridade sobre
determinados assuntos e assumem papel importante no agendamento de temas,
selecionando e hierarquizando quais desses temas merecem ganhar destaque nos
comentários cotidianos.
Quando pensamos no campo da política e das instituições representativas, a
influência desses meios é percebida de forma mais contundente, na medida em que a
cobertura viabiliza o conhecimento de assuntos e perspectivas de forma a atingir grupos
e agentes específicos.
É por meio desses canais que a percepção da atuação de instituições como a
Câmara dos Deputados ou o Senado Federal figura na agenda da cobertura jornalística.
Há uma relação entre a confiança nas instituições e as informações oferecidas pelos
meios de comunicação – no caso brasileiro, o Congresso Nacional encontra-se em
situação de total descrédito.
Partindo dessa constatação, entendemos os grupos jornalísticos como empresas
que possuem interesses na formação de um determinado discurso, pensamento ou
opinião. Os editoriais, por seu caráter institucional, são o espaço em que esse
movimento acontece de forma mais clara. Nesses textos, nos quais o jornal apresenta
sua opinião, trata-se de assuntos de grande importância para os rumos do país.
A classificação do texto editorial como gênero opinativo acaba sendo uma
estratégia de comunicação para que jornalistas/veículos abordem temas considerados
fundamentais para o interesse nacional e a vida política e democrática de uma nação. A
partir dessa reflexão, entendemos que os movimentos de opinião podem pressupor um
acordo prévio com o leitor – ou seja, o jornal se apresenta dentro de uma expectativa de
76
leitura. Pierre Bourdieu (2007), há tempos, já nos alertava quanto à presença da
“mentalidade-índice-audiência”11 nas redações.
As estratégias comunicacionais definem de que forma os elementos da realidade
serão levados ao público. A estrutura do texto do editorial segue uma argumentação
clara e objetiva, voltada para o convencimento de que o tema ali presente é relevante
para a sociedade e para o agendamento dos discursos em outros veículos. O tom
polêmico, crítico e provocativo compõe o posicionamento do jornal, além de constituir
a visão de mundo que o veículo quer que seus leitores compartilhem.
Estratégia comumente adotada é a referência ao mundo de representações do
qual fazemos parte, sendo recorrente o uso das metáforas, jogo de palavras, frases
cotidianas e provérbios que acabam por estruturar pontos de vista, posicionamentos,
opiniões, crenças e valores vigentes na sociedade. Sendo assim, os textos dos editoriais
formalizam uma opinião e um posicionamento daquele veiculo em relação a um
assunto.
Nesse sentido, o presente capítulo tem como objetivo apresentar, comparar e
refletir sobre os enquadramentos mobilizados pelos editoriais dos jornais Folha de S.
Paulo e O Estado de S. Paulo ao tratar do tema da reforma política.
O resgate histórico sobre a origem desses veículos e seu papel em importantes
momentos políticos do nosso país revela que os dois grandes jornais de abrangência
nacional, a Folha e o Estadão, se constituíram como grandes conglomerados
empresariais de comunicação social que têm como objetivo publicizar, propalar e
reverberar posicionamentos ideológicos.
Criada em fevereiro de 1921, a Folha (Folha da Noite, Folha da Manhã e Folha
da Tarde) só teve seus jornais unidos sob o nome Folha de S.Paulo na década de 1960,
quando Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho assumiram o controle da
empresa. Em 1980, consolidou-se um novo projeto editorial, que defendia um
jornalismo crítico, pluralista, apartidário e moderno a partir de três metas: informação
correta, interpretações competentes e pluralidade de opiniões. Atualmente o jornal segue
com circulação média durante a semana de 320.741 exemplares12.
O Grupo Folha é proprietário da Folha de S.Paulo e também dos jornais Valor
Econômico, Agora São Paulo, Alô Negócios; de revistas e suplementos dos jornais; da
11
O índice audiência e a medida da taxa de audiência de que se beneficiam diferentes emissoras foi por
Bourdieu considerada “o juiz final do jornalismo”. (BOURDIEU, 2007: p. 37)
12
Informações divulgadas pelo próprio jornal em seu site: www.folha.com.br
77
editora Publifolha; de portais na internet (UOL e seus serviços); e do instituto de
pesquisas Datafolha. No tocante ao seu desempenho na história política do Brasil, o
jornal apoiou o golpe militar de 1964, ainda que se limitando a divulgar poucas e
pontuais críticas. Submeteu-se à censura, aceitando as proibições, sem confrontar as
imposições dos militares.
A partir de 1969, a Folha da Tarde publicou manchetes que exaltavam as
operações militares. Naquele momento, a redação foi entregue a jornalistas que
apoiavam a repressão militar. O jornal sofreu ataques de militantes da ALN (Ação
Libertadora Nacional), de Carlos Marighella, sob a acusação de que veículos de entrega
do jornal teriam sido usados por agentes da repressão para acompanhar a movimentação
de militantes. Na década de 1980, sobretudo no ano de 1984, a Folha associou-se ao
movimento das Diretas Já, que visava à volta da democracia ao país.
Em meados daquela década, no país e no prédio da rua Barão de Limeira, sede
da empresa, os tempos eram outros. Os jornais do grupo deveriam alinhar-se ao “Projeto
Folha”, criando um periódico “moderno, crítico, pluralista e imparcial”. E,
definitivamente, as baias da Folha da Tarde, seus “dez mandamentos” e seu ar de
delegacia estavam fora de esquadro. (KUSHNIR, 2004, p. 341)
Segundo Kushnir (2004, p. 338) o “Projeto Folha” concretizou-se sob a
coordenação de Otavio Frias Filho, com uma nova linha editorial que incorporava
estratégias de marketing e buscava, segundo as palavras de Frias Filho, “um jornalismo
crítico e imparcial”.
No período de redemocratização, com a volta dos partidos políticos à disputa
eleitoral, o jornal optou pelo pluralismo e apartidarismo, sendo esta a base do Projeto
Folha. Na atualidade, o jornal utiliza-se de um leque amplo de colunistas e formadores
de opinião para abordar os diferentes temas em pauta.
Quando Fernando Collor de Mello assumiu a Presidência da República, em 15
de março de 1990, a Folha passou a publicar denúncias contra ele e seu governo em
diversas reportagens e no caderno de Economia. Em junho de 1992, em editorial na
primeira página, o jornal pedia a renúncia do presidente. Em setembro foi aberto
processo de impeachment contra Collor, que renunciaria em dezembro para tentar evitar
sua responsabilização na continuidade do processo.
No ano de 1875, nasceu o jornal A Província de São Paulo, fundado por um
grupo de republicanos liderados por Manoel Ferraz de Campos Salles e Américo
Brasiliense, que decidiram criar um diário de notícias para combater a monarquia e a
78
escravidão. O jornal passou a se chamar O Estado de S. Paulo em 1890, ano seguinte à
proclamação da República.
O posicionamento político expresso na seção mais antiga do jornal, intitulada
“Notas e Informações”, mantém a postura tradicional em seus editoriais, identificados
com o conservadorismo político, o pensamento econômico liberal e a defesa do estado
democrático de direito. Quanto à circulação média, durante a semana são impressos
165.740 mil exemplares, de acordo com a empresa jornalística, o Grupo Estado.
O jornal O Estado de S.Paulo pertence ao Grupo Estado, que detém o controle
do Jornal da Tarde (que circulou de 1966 a 2012), da OESP Mídia (1984), empresa que
atua no ramo de publicidade por meio de classificados; das rádios Eldorado AM e FM
(1958) e da Agência Estado (1970), maior agência de notícias do Brasil. Desde março
de 2000 faz parte do grupo o portal Estadão13. Durante o Estado Novo (1937-1946), sob
o comando autoritário de Getulio Vargas, o jornal buscou sua independência ante a
censura prévia do regime varguista.
Em 1964, o Estado apoiou o golpe militar que depôs o presidente João Goulart.
Defendeu a intervenção militar transitória até o momento em que percebeu a
perpetuação de uma ditadura militar, voltando-se então à oposição. No dia 13 de
dezembro de 1968 o jornal é impedido de circular e os censores passam a atuar dentro
da redação.
Nos anos 1970, o Estado, ainda sob censura, começou a publicar versos de Os
Lusíadas, de Camões, e o Jornal da Tarde, receitas de bolos e doces com o objetivo de
demonstrar aos leitores as arbitrariedades. Durante a campanha pelas Diretas Já, em
1984, o Estado adotou postura comedida e discreta quanto à mobilização, expressando
medo dos movimentos de rua daquele momento e não mostrando muito entusiasmo.
Já em 1992, assim como a Folha, o Estado publicou editoriais que pediam a
renúncia de Fernando Collor de Mello. Contudo, a preocupação maior era com a
manutenção da ordem institucional, o temor da ruptura com a Constituição de 1988 e o
retorno à ditadura militar.
O livro Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988,
de Beatriz Kushnir, publicado em 2004, fornece diversos detalhes e informações que
ajudam a compreender a trajetória desses dois jornais desde a década de 1960, no auge
da ditadura militar no Brasil. O livro explora detalhes e informações de como policiais e
13
Informações divulgadas pelo portal do jornal: www.estadao.com.br
79
censores, que eram jornalistas e trabalhavam nas redações, influenciavam na elaboração
das notícias.
Esse tipo de atuação durou até meados da década de 1980, com o processo de
abertura democrática e as transformações pelas quais os veículos passaram para se
tornar o que são hoje e como se apresentam aos seus leitores. A autora demonstra que,
no processo de construção da notícia, consideram-se o interesse e a capacidade de
compreensão e interpretação dos consumidores da notícia, assim como de que forma
esses sujeitos se relacionam com o tema.
O perfil do leitor do jornal também é um ponto fundamental, considerando-se
que os dois veículos em questão são lidos, assinados e compartilhados por pessoas
pertencentes aos setores de classe média e detentores do capital. José Fiorin (2004a)
afirma que cada jornal constrói seu público leitor a partir de características discursivas.
O enunciatário não adere ao discurso apenas porque ele é apresentado como um
conjunto de ideias que expressam seus possíveis interesses. Ele adere, porque se
identifica com um dado sujeito da enunciação, com um caráter, com um corpo, com um
tom. Assim, o discurso não é apenas um conteúdo, mas também um modo de dizer, que
constrói os sujeitos da enunciação. O discurso, ao construir um enunciador, constrói
também seu correlato, o enunciatário. (FIORIN, 2004a, p.134)
O autor se reporta aos estudos realizados por Nádia Campos (2003) para
demonstrar como O Estado de S.Paulo e a Folha de S.Paulo constroem seus
enunciatários – aqui entendidos como o público leitor – a partir de diferenças entre seus
editoriais e outras publicações.
Na página dos editoriais, a Folha apresenta uma charge, artigos de cronistas
sediados no Rio, em São Paulo e em Brasília e artigos de colaboradores. O Estadão
apresenta textos mais extensos e páginas mais compactas. Os textos são escritos
segundo a norma culta, com períodos longos e sintaxe mais complexa.
Os editoriais do Estadão são marcados por afirmações e certezas, enquanto que
os textos da Folha têm como característica a contingência, muitas vezes com uma
pergunta sobre o assunto, que é respondida por três articulistas: um responde
afirmativamente; outro, negativamente; outro, em termos. (FIORIN, 2004b, p.25)
Para Fiorin, o enunciatário do Estadão é um homem que pertence às elites do
país, que conhece bem os fatos da política e da economia e tem posições políticas
conservadoras bem definidas. O enunciatário da Folha é o “descolado”: artistas,
80
professores universitários. O interesse pela política seria relativo, pois o jornal se
apresenta como pluralista.
Para o leitor do Estadão, o mundo é objeto de conhecimento e campo de ação, para o
leitor da Folha, o mundo é objeto de contemplação. O tom do primeiro é viril, educado,
sério, peremptório; o do segundo é levemente blasé, tingido por uma certa ironia.
(FIORIN, 2004b: p.26)
O público leitor do texto editorial tem um perfil bem peculiar: trata-se de um
público restrito e exigente quanto à norma culta e ao estilo linguístico. Para esse
público, o editorial é visto como um espaço de formação da opinião pública,
agendamento dos temas e debates intelectuais. Desse modo, fomenta-se a crença de que
suas informações precisam estar de acordo com os anseios da coletividade. (MELO,
2003: p.18)
Os editoriais representam a posição oficial e a linha ideológico-editorial da
publicação. De acordo com Francisco Fonseca (2005, p. 33) a opinião expressa nos
textos editoriais orienta o trabalho de todos os que produzem o veículo, demarcando o
posicionamento ideológico-editorial no periódico de forma geral, o que lhe atribui
coerência.
Para José Marques de Melo (1994, p. 96), o editorial reflete a opinião dos
diferentes grupos que participam da empresa jornalística: proprietários, anunciantes e
jornalistas. Segundo Melo, o editorial é um espaço de contradições que encontram
equilíbrio na conciliação dos diversos interesses.
É necessário entender os editoriais como textos capazes de pautar as demais
matérias, reportagens e outras notícias – ao mesmo tempo, sendo também o resultado de
pautas, agendas e enquadramentos já realizados por trabalhos de outros núcleos que
compõem o grupo jornalístico.
O editorial tem por objetivo dialogar com o Estado e os demais atores políticos,
partidos, instituições e representantes da sociedade civil, sendo capaz de influenciar
arenas decisórias a partir de algumas estratégias abaixo apresentadas.
Para Azevedo (2004) e McCombs (2009), os meios de comunicação de massa
definem a pauta e a hierarquia da produção de notícias, levando em consideração
diversos fatores: econômicos, ideológicos, e outros interesses coletivos do público e de
outras esferas públicas. Os meios de comunicação auxiliam na compreensão ao
81
delimitar o léxico; o conjunto de palavras, expressões e opiniões a serem utilizadas no
cotidiano.
Alguns assuntos são priorizados em detrimento de outros, levando a uma
interpretação da realidade e dos fatos conhecida como framing (enquadramento): ao
adotar opiniões positivas ou negativas sobre determinados temas, atores e
acontecimentos, os meios de comunicação constroem atributos, colaborando para a
formação de opinião.
Nesse sentido, a agenda dos meios de comunicação e a abordagem dos temas são
formas analíticas de avaliar como se dá a relação entre imprensa e política. Os jornais se
colocam como atores políticos em disputa por saberes, valores, crenças, opinião,
interesses e representações do que devem ser a vida em sociedade e sua organização
social e política. O discurso em construção sustenta um projeto político embasado em
questões que representam setores da sociedade na qual esses meios estão inseridos.
José Marques de Melo (2003: p.73) destaca a natureza ideológica contida nos
textos jornalísticos, “através dos quais as mensagens jornalísticas penetram na
sociedade, bem como os demais meios de reprodução simbólica”, influenciando seus
leitores e mobilizando determinados pontos de vista.
O editorial é mais que um mero texto ou uma opinião ou posição ideológica.
Representa o discurso de todos os grupos que mantêm financeiramente o jornal, seja por
meio de assinaturas ou publicidade, sejam os acionistas.
O gênero editorial baseia-se na interpretação e na crítica, sustentadas em dados
documentais, conjunturais ou testemunhais, que são capazes de lhes dar legitimidade e
credibilidade. Fruto da manifestação e expressão do posicionamento de grupos de
interesse que administram as empresas jornalísticas, os editoriais comentam sobre
aquilo que consideram importante para os interesses nacionais, isto é, assuntos de
relevância política, social e econômica.
Redigidos em terceira pessoa e sem a assinatura de um jornalista ou articulista,
os editoriais têm como uma de suas funções garantir a imparcialidade do
posicionamento e opinião ali emitidos, utilizando-se do recurso argumentativo. O
editorial é o lugar que tende a dar visibilidade e espaço aos múltiplos interesses com
vistas a construir e influenciar opinião:
[...] o editorial afigura-se como um espaço de contradições. Seu discurso constitui uma
teia de articulações políticas e por isso representa um exercício permanente de equilíbrio
semântico. Sua vocação é a de aprender e conciliar os diferentes interesses que
82
perpassam sua operação cotidiana [...] embora se dirijam formalmente à “opinião
pública”, na verdade encerram uma relação de diálogo com o Estado.” (MELO, 1994;
96-97)
A representação dos setores médios da sociedade no discurso político dos
editoriais relaciona-se com as estratégias de comunicação de que se utilizam para
adesão aos valores, crenças e projetos partilhados. De acordo com Patrick Charaudeau
(2008: p.16), o discurso político é uma prática social que circula no espaço público
permeado de relações e disputas de poder.
Para Charaudeau (2008: p. 39), não há política sem discurso. A circulação das
palavras, da linguagem e do discurso é que permite que se constituam espaços de
discussão, de persuasão e de sedução no campo de construção do pensamento e ação
políticos – isto é, abrange o debate das ideias e o fazer político propriamente dito.
O discurso político enquanto ato de comunicação envolve atores preocupados
em influenciar opiniões a fim de obter adesões, rejeições ou consensos. Na construção
do discurso político elaborado por veículos de comunicação, como é o caso dos jornais,
busca-se credibilidade e adesão dos cidadãos – de leitores prontos a auxiliar na
construção e produção de sentidos.
O texto comentado, como é o caso do editorial, além de fornecer as
circunstâncias, as intenções dos atores envolvidos e as implicações do fato, deve
também provocar a interpretação pessoal de cada leitor, chamando-o a comentar e a
tomar partido dentro do que denominamos opinião pública.
O acontecimento é sempre construído: “para sua significação, depende do olhar
que se estende sobre ele, olhar de um sujeito que o integra num sistema de pensamento
e, assim fazendo, o torna inteligível.” (CHARAUDEAU, 2010: p.95)
Sendo assim, há necessidade de o assunto ser comentado para poder significar,
ser interpretado e compreendido, e isso acontece num espaço comum de debates como
aquele disponibilizado pelos jornais. Adentramos assim em duas questões: o universo
das representações sociais e o seu espaço de visibilidade.
Por definição, as representações sociais constituem os sistemas de valores e
esquemas de pensamento de um determinado grupo social; suas formas de pensar e agir;
símbolos que o identifiquem, especificidades culturais etc. No entanto, para que essas
representações sejam reconhecidas ou contestadas, elas precisam circular num espaço
83
que seja comum a todos os cidadãos, isto é, naquilo que chamamos de esfera pública.
Segundo Charaudeau (2010), o espaço público
(...) resulta da conjunção das práticas sociais e das representações. As práticas sociais
constituem o motor das representações, e estas são a razão de ser daquelas, atribuindo-
lhes valores que tendem a confirmá-las ou a modificá-las. Essa interação dialética
constrói um espaço público plural e em movimento. (CHARAUDEAU, 2010: p.120)
Podemos entender o discurso impresso nos editoriais também como um lugar em
que as representações são utilizadas como mecanismos e estratégias de poder, isto é, da
influência do saber fazer, fazer pensar e fazer sentir segundo determinados modos
discursivos. Se o acontecimento apenas significa quando transformado em discurso, é a
partir daí que concentraremos nossa análise. Uma atividade discursiva consiste em
descrever situações, buscar explicações, situar o acontecimento no tempo (história),
identificar os principais atores e assim produzir reações.
Para Charaudeau (2010: p. 150), cada situação de comunicação implica um
modo discursivo que tem a ver com a forma de descrever, contar, explicar e/ou
persuadir. Sobre as estratégias discursivas empregadas para atrair audiência do público e
adesão a ideias e valores, alguns fatores devem ser considerados, como a imagem
construída (ethos), que dará credibilidade e sedução, e a maneira como se percebe a
opinião e se constrói o discurso (pathos), o posicionamento que fundamenta um projeto
político. (CHARAUDEAU, 2008: p. 84)
Concentraremo-nos em apresentar como essas estratégias são utilizadas para
construir imagens (ethos) na formação da opinião pelos jornais e em relação ao fazer
política, às instituições e aos seus atores. Consideramos o processo da construção da
imagem, a temporalidade, o momento da história do país, a cultura política que nos
remete às crenças, valores e ideias dos cidadãos de uma nação e o universo da política.
Sendo assim:
No domínio político, a construção das imagens só tem razão de ser se for voltada para o
público, pois elas devem funcionar como suporte de identificação, via valores comuns
desejados. O ethos político deve, portanto, mergulhar nos imaginários populares mais
amplamente partilhados, uma vez que devem atingir o maior número, em nome de uma
espécie de contrato de reconhecimento implícito. O ethos é como um espelho no qual se
refletem os desejos uns dos outros. (CHARAUDEAU, 2008: p. 87)
84
Desse modo, o discurso político busca incorporar em sua performance, na
linguagem e nos símbolos utilizados elementos que façam sentido e remetam a valores
que o enunciador acredita serem aprovados e compartilhados por seus leitores.
Parece-nos evidente que a reiteração de posições ajuda a desenhar
posicionamentos imaginários com força para garantir adesão ao que foi propalado. Para
Maffesoli, a política se tornou “um vasto espetáculo de variedades que funcionam mais
sobre a emoção e a sedução do que sobre a convicção ideológica. (...) Tudo isso mostra
que existe uma dialética entre o conhecimento e a experiência dos sentidos”.
(MAFFESOLI, 1998, p. 192)
De acordo com Charaudeau, ao recorrer aos símbolos presentes na “cultura
política” nacional, dá-se a construção do ethos com base em duas matrizes fundamentais
– credibilidade e identificação – para que se forme opinião acerca da vida política
nacional, com a utilização das construções do imaginário social e político. Por isso o
uso de palavras e expressões cotidianas, além de termos que acabamos por utilizar ao
representar a vida política.
No processo de construção de identificação com o público e com o leitor, há
uma construção de sentidos mediados pelas imagens, pela narrativa e pela recorrência a
momentos históricos e a todos os códigos simbólicos que compõem o nosso universo de
representações sociais. Os editoriais apresentam uma interpretação da realidade que
envolve ideias-força, figuras de linguagem e imaginários da “cultura política” nacional.
A narrativa da nação brasileira pode ser observada no modo como é
reinterpretada e apresentada no discurso político: ele fornece imagens, cenários, eventos
históricos, símbolos e figuras que dão sentido às representações compartilhadas. Nesse
repertório estão momentos de crise econômica e política, personagens políticos,
programas que tiveram êxito etc. Nessa relação, o momento do processo de construção
do discurso torna-se um contrato entre os meios de comunicação e os cidadãos, com
base num projeto comum para o país.
Os meios de comunicação de massa, nas últimas décadas, se diversificaram e
ampliaram seu alcance e modo de difusão, sobretudo com o advento da internet e de
outras tecnologias informacionais. Sabe-se de sua importância na formação da opinião,
na produção de notícias e também como canais alternativos de resistência.
Devido ao seu potencial de influenciar a opinião, os meios de comunicação
podem ser considerados representantes dos “aparelhos privados de hegemonia”, visto
que estes são instrumentos receptores, construtores e difusores de hegemonias do
85
chamado “pensamento único” dominante do ponto de vista hegemônico. A grande
imprensa, nas palavras de Francisco Fonseca, é:
“a instituição que nas sociedades complexas é capaz de simultaneamente publicizar,
universalizar e sintetizar as linhagens ideológicas. Isso porque a periodicidade diária
(que lhe confere mais agilidade que as revistas semanais), com todo o aparato das
manchetes, editoriais, artigos, charges, fotos, reportagens, dentre outros recursos,
possibilita aos jornais uma influência sutil, capaz de sedimentar – embora de forma não
mecânica – uma dada idéia, opinião ou representação.” (FONSECA, 2005, p.29)
É precisamente nos meios de comunicação que a produção da cultura e da
ideologia repercute pelo mundo, assim como é nesse espaço que os distintos projetos e
concepções políticas são expressos visando à tomada de posição do leitor sobre um
determinado assunto.
A interpretação do mundo, dos acontecimentos e das notícias refletiria assim
uma construção de um “pensamento único” compartilhado pelas grandes empresas do
setor de comunicação aliadas ao poder econômico e político dominante. Nesse campo,
destaca Wanderley (2009, p.09), basta investigar quem são os grandes produtores de
notícia no mundo. Veremos que eles se concentram sob grupos empresariais ou
familiares ligados ao grande capital econômico:
“Na maioria dos países capitalistas, os donos dos meios se concentram em poucas
famílias e empresas. As fontes de notícias advêm de um número restrito e fechado, que
as divulgam segundo interesses pessoais e grupais. Os proprietários são os maiores
defensores do capitalismo atual, e combatem todos os adversários impugnando-os como
atrasados, fracassados, superados; além de selecionarem as notícias que lhes interessam
e às elites dominantes, e muitas vezes esconderem e manipularem os acontecimentos e
os comentários numa única direção (não raro com o artifício de que agem em nome da
liberdade de expressão e de pensamento)”. (WANDERLEY, 2009, p.09)
Os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo pertencem a grandes
conglomerados empresariais que atuam não só no segmento dos meios de comunicação,
mas possuem outros negócios relacionados à produção de noticia, entretenimento e
internet, como já apontamos no início deste capítulo.
Vale trazer um pouco da discussão sobre a concentração da propriedade no
mercado brasileiro de mídia e meios de comunicação. O sociólogo Manuel Castells
sugere que, “mais do que nos atermos às fronteiras nacionais, precisamos identificar as
redes sócio-espaciais de poder (local, nacional, global) que, nas suas interseções, se
86
configuram em sociedades” (2001, p.18) que sustentam diferentes formas de poder
exercido nas redes.
A transmissão de conteúdo produzido pelas empresas de mídia e a produção de
conteúdos audiovisuais na internet, nas redes sociais e nos canais televisivos constituem
espaços para a circulação de conhecimento, informação e discursos diversos.
Entre 1960 e 2005, os conglomerados nacionais de comunicação no Brasil se
consolidaram com o apoio do setor privado e, em alguns períodos, do Estado – que,
com garantias políticas, favoreceu o desenvolvimento do que pode ser identificado
como um “sistema central de mídia” (GÖRGEN, 2009, p. 17).
O crescimento dos negócios dos meios de comunicação fez surgir empresas
influentes e de poder que atuam e operam com diferentes suportes (impresso, rádio,
televisão, websites de notícias, agências de notícia, sistemas de distribuição de
conteúdos, gráficas, provedores de internet).
O cenário demonstrado nos ajuda a compreender os grandes conglomerados
empresariais de comunicação como grandes detentores de “concentração econômica,
controle das redes de distribuição, penetração regional, presença histórica e
relações políticas” (GÖRGEN, 2009, p. 92).
A propriedade dos meios de comunicação no Brasil pertence a grupos familiares
que concentram as concessões públicas de radiodifusão e a infraestrutura das
comunicações. As famílias que controlam os canais de comunicação de abrangência
nacional estão na região Sudeste: são os Civita, do Grupo Abril; os Marinho, das
Organizações Globo; os Saad, do Grupo Bandeirantes; e as famílias que interessam
diretamente à nossa pesquisa, os Frias, do Grupo Folha, e os Mesquita, do Grupo
Estado.
Conforme pesquisa de Rodrigo de Carvalho (2016, p. 56) a concentração da
informação opera a partir da produção de riqueza para grupos econômicos e da disputa
de ideias na sociedade. O monopólio das empresas de produção de informação funciona
segundo aqueles que detêm concessões públicas, como os aglomerados
comunicacionais de rádio e TV, e as empresas que são proprietárias de veículos
impressos.
Segundo Carvalho (2016), estas últimas, embora tenham abrangência distinta,
difundem maior conteúdo de informação e estão mais fragmentados em todo o país.
Elas dependem indiretamente dos recursos estatais, se levarmos em conta as disputas
pela publicidade dos governos locais, regionais e federal.
87
As empresas de rádio e TV são bastante abrangentes e dependem do Estado para
obter ou renovar concessões públicas. Seu alcance, abrangência e audiência são
maiores. É importante destacar que esses canais de comunicação dependem dos veículos
impressos para a elaboração de sua agenda e do conteúdo de noticias.
Por outro lado, não podemos nos esquecer de que as redes sociais atuam como
produtoras de conteúdos e informação, participando da disputa de opinião sem qualquer
regulamentação ou fiscalização por parte do Estado.
A atuação e funcionamento desse campo – ou seja, quem detém, quem controla,
quem informa e como a informação chega à população – é fundamental para
compreendermos que há uma disputa sobre a formação da opinião na sociedade.
A disputa em torno das agendas políticas, econômicas e culturais está
relacionada à elaboração de ideias e construção de um determinado discurso. Sabe-se
que em nosso país parte importante das emissoras de TV e rádio foi beneficiada durante
a ditadura militar. A manutenção dessas concessões, mesmo durante a
redemocratização, foi realizada sob pressões do jogo político.
É evidente a relação entre comunicação e política, sobretudo quando
consideramos nossa história e observamos dados atualizados sobre grupos, famílias e
políticos detentores desses meios.
O debate sobre novas regras e regulamentação para a democratização dos meios
de comunicação é recente. A Constituição de 1988, nos parágrafos 221 a 224, prevê
questões relativas a essa regulação. Está no centro dessa discussão a limitação das
empresas de comunicação quanto às concessões, nacionalização das propriedades e
acesso a concessões públicas.
Durante o segundo governo Lula (2007-2010), o tema entrou na agenda pública
quando o ex-ministro das Comunicações Franklin Martins elaborou o projeto que
buscava regulamentar e alterar a legislação sobre o setor de radiodifusão. Com a
mudança na condução do ministério (Paulo Bernardo assumiu no lugar de Martins),
pouco se avançou nesse sentido e outras mudanças foram realizadas15.
Os governos FHC (1995-2002), Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2015) pouco
avançaram quanto à questão da distribuição das verbas publicitárias que alimentam o
monopólio da comunicação. A Rede Globo concentra cerca de 70% dessas verbas
governamentais.
15
Paulo Bernardo conduziu a expansão da infraestrutura e inclusão digital/social: o Programa Nacional de
Banda Larga (PNBL) já no mandato de Dilma Rousseff (2011).
88
Todavia, um ponto positivo de avanço foi dado em 2007, com a criação da
Empresa Brasil de Comunicação (EBC), rede de comunicação pública no Brasil,
responsável por emissoras de rádio e televisão públicas federais16.
Registrou-se também o crescimento de movimentos que se uniram em fóruns,
conferências e encontros que têm como bandeira a democratização dos meios de
comunicação17. Nesse bojo, diversos grupos têm se apropriado da internet e realizado
produções independentes, como Mídia Ninja e Jornalistas Livres, além do exemplo do
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que criou a TVT, fundada em 2010.
O projeto do Marco Civil da Internet acabou por ser aprovado em 2014, sendo
oficialmente chamado de Lei N° 12.965/14. A lei regula o uso da internet no Brasil por
meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a rede, bem
como da determinação de diretrizes para a atuação do Estado. Trata ainda da garantia da
liberdade de expressão, além de impor obrigações de responsabilidade civil aos usuários
e provedores.
É certo que o advento e a propagação dos meios de comunicação de massa
transformaram a concepção de espaço público, de política e de vida social, mas também
há que se registrar a importância da regulação e democratização dos canais de
comunicação em nosso país.
O potencial de influenciar a opinião interessa a grupos econômicos, políticos e
também ideológicos. Os jornais apresentam-se como porta-vozes das correntes políticas
e ideológicas das classes dominantes, e estão expressas em seus discursos as
contradições e as disputas entre diferentes projetos de poder.
16 Dentre as empresas públicas estão: a TV Brasil, a TV Brasil Internacional, as Rádios EBC (Rádios
Nacional do Rio de Janeiro, AM e FM de Brasília, da Amazônia e do Alto Solimões, as Rádios MEC
AM e FM do Rio de Janeiro e Rádio MEC AM de Brasília), Agência Brasil, Radioagência
Nacional e Portal EBC, responsável pelo canal TV NBR, e o programa de rádio A Voz do Brasil.
17 Destacamos dentre estes o Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), que
une diversos movimentos e entidades como o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra),
a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) para
assegurar a Lei de Mídia Democrática, que estabeleceria um novo marco regulatório das
comunicações.
89
3.1 - A construção do discurso político nos editoriais dos jornais Folha de S.Paulo e
O Estado de S.Paulo (2003-2010)
A narrativa do jornalismo reserva lugares determinados para os atores da
sociedade e da vida política. As relações entre esses atores tendem a ser simplificadas
no texto jornalístico com a finalidade de corresponder aos anseios do consumo da
notícia. Podemos dizer que o caminho de nossa investigação perpassa o modo como
essas narrativas são construídas.
Os enquadramentos jornalísticos auxiliam na compreensão da formação da
percepção e da imagem dos atores e instituições políticas. A literatura científica de
comunicação e política relaciona o conceito de enquadramento a “marcos
interpretativos” construídos socialmente que permitem a produção de sentidos
(PORTO, 2004, p. 78).
O enquadramento corresponde a recortes selecionados de uma realidade ou de
uma informação que podem ganhar destaque ou simplesmente ser excluídos; podem vir
carregados de juízos de valor, avaliações morais e interpretações valorativas;
geralmente são organizados por uma perspectiva central, e nem sempre são
identificados imediatamente (AZEVEDO, 2004).
Nosso corpus de análise são os editoriais publicados nos jornais Folha de
S.Paulo e O Estado de S.Paulo sobre a reforma política durante os governos Lula I e II
– período de 2003 a 2010, que abrange o momento de discussão do tema na Comissão
Especial da Reforma Política na Câmara dos Deputados (2003 e 2007) e a crise política
deflagrada em função do “mensalão”18 (2005).
Os dois jornais publicaram neste período um total de 95 editoriais sobre a
reforma política: 58 textos na Folha de S.Paulo e 37 n’O Estado de S.Paulo. A busca
por esse material foi realizada no acervo online disponível nos sites de cada grupo
jornalístico. Utilizamos para a busca as palavras-chave “reforma política” e limitamos a
escolha aos editoriais. O material foi lido e compilado para nosso arquivo pessoal, para
verificação e objetivos de análise.
18
Nome dado ao esquema de pagamento irregular de propina a parlamentares que votassem a favor de
projetos governistas. O caso atingiu o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano de 2005,
durante seu primeiro mandato presidencial.
90
Com o objetivo de identificar o enquadramento de cada editorial, procuramos
primeiro os elementos que compõem o frame sobre a reforma política observando: 1)
quais são aos problemas apresentados; 2) interpretação do jornal sobre a questão; 3)
opinião e posicionamento apresentando uma avaliação positiva, negativa ou neutra; 4) a
recomendação de uma solução para o problema. Essa metodologia foi adaptada do
trabalho de Matthes e Kohring (2008).
Realizamos a análise de todos os editoriais encontrados no acervo. Elaboramos
um gráfico que apresenta a quantidade de editoriais publicados em cada jornal por ano,
no qual podemos verificar que os períodos mais representativos quanto à quantidade
foram os momentos da crise política motivada pelas denúncias do ano de 2005, que
geraram uma quantidade maior de textos sobre o tema da reforma, e também por
ocasião do debate no âmbito da Comissão da Reforma Política (2007).
Gráfico 1 – A reforma política nos editoriais dos jornais Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo (2003-
2010)
Buscamos compreender o conteúdo do texto, a opinião sobre a reforma política
emitida pelo veículo, o enquadramento dado pelo jornal e, por fim, as imagens
discursivas sobre a reforma, o sistema político, o governo Lula, atores e instituições.
Será abordada, antes de cada análise, a conjuntura política do governo Lula no
momento em que é discutida a reforma, a fim de compreendermos o cenário, os atores
envolvidos e as preocupações daquele momento.
91
3.1.2 - Conjuntura política – governo Lula I (2003-2006)
A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial de 2002 abriu
um amplo debate sobre a perspectiva de um governo de esquerda no Brasil. A chegada à
Presidência da República de um ex-metalúrgico, nordestino, de origem sindical e de um
partido ligado aos movimentos e lutas das classes trabalhadoras foi um marco no
processo de disputas eleitorais em nosso país.
Buscamos apresentar a conjuntura polícia dos dois mandatos do governo Lula e
as principais ações do governo no tocante ao debate sobre o sistema político brasileiro.
Consideramos nesta linha do tempo o primeiro mandato, no período de 2003-2006, e o
segundo mandato, de 2007-2010, que encerra um ciclo político com a eleição de Dilma
Rousseff, sua sucessora.
O ambiente político no final do mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB)
era de pouca popularidade do governo, sentimento de apatia e anseio por mudanças, o
que deu o tom das eleições presidenciais de 2002. A conjuntura era de crise econômica,
crise cambial, desemprego e aumento da dívida pública. A desconfiança e a incerteza do
mercado de investimentos tiveram um peso grande durante toda a campanha eleitoral
daquele ano. Esse setor não apostava numa candidatura à esquerda19.
A candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva20 apresentou condições e força
significativa durante toda a campanha eleitoral, a começar pelas estratégias do
marketing eleitoral e pela ampla aliança política construída para alcançar os eleitores
para além do espectro ideológico tradicional da esquerda.
A Frente Lula Presidente tinha como finalidade formar uma aliança política mais
ampla, buscando outros setores da sociedade, em especial do empresariado. O candidato
19
Para afastar a incerteza e desconfiança do setor financeiro, Lula assinou um documento político de
compromisso com a estabilidade econômica por meio da manutenção aos contratos estabelecidos pelo
governo de seu antecessor. Esse documento ficou conhecido como “Carta ao Povo Brasileiro”.
20 Lula havia disputado três eleições anteriores, todas sem sucesso. Em 1989, o petista chegou ao segundo
turno e foi derrotado por Fernando Collor de Mello (PRN). Em 1994, foi derrotado por Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), que se elegeu no primeiro turno. Após aprovação da emenda da reeleição,
Fernando Henrique Cardoso se elegeu para um segundo mandato em 1998.
92
escolhido para a vice-presidência da chapa, José Alencar, filiado ao Partido Liberal
(PL), cumpriu essa função de pacto com os setores da sociedade. A aliança contou
também com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido da Mobilização
Nacional (PMN) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
A candidatura de seu principal opositor, José Serra (PSDB), tinha o apoio da
classe empresarial e de setores médios da população. A campanha buscava transmitir a
mensagem de mudança e continuidade, tendo como base a experiência política do
candidato como secretário estadual, deputado, senador e, também, ministro do
Planejamento e da Saúde. A temática da saúde formou a base de seu programa.
A campanha de Lula foi baseada no discurso “paz e amor”, trazendo elementos
do marketing político e da publicidade para conquistar eleitores e dialogar com setores
conservadores da sociedade. Com o slogan “a esperança vence o medo”, Lula
distanciou-se do discurso mais radical do passado, adotando conceitos de mudança e
esperança.
As demais candidaturas serviram como segundo plano para o ganho de
visibilidade da polarização PSDB versus PT enquanto duas forças políticas com
lideranças relevantes em âmbito nacional. A disputa para a eleição presidencial de 2002
foi estruturada com base nos dois mais importantes partidos políticos do Brasil.
A vitória de Lula (PT) no segundo turno, com 61,27% dos votos válidos,
expressou o apoio de todas as unidades federativas do país. José Serra (PSDB), seu
opositor, ficou com 38,73% dos votos válidos.
Quanto às bancadas por legendas na Câmara dos Deputados e no Senado
Federal, observamos alterações na composição legislativa, com o crescimento
substantivo do PT na Câmara e no Senado, embora não de modo suficiente para compor
maioria simples nas votações. Também observamos redução das cadeiras do PFL,
PSDB e PMDB na Câmara dos Deputados21.
Na prática, a necessidade de formar maioria parlamentar para governar e
viabilizar as propostas do mandato tornou-se inevitável. A composição de alianças
parlamentares com o PMDB, que somava 73 cadeiras, e com outros partidos – como o
PTB, com 26 deputados, e o PPB, com 49 – deixou claro que a prerrogativa do
presidencialismo de coalizão não seria tarefa fácil.
21
Ver tabela 1, referente às bancadas eleitas em 2002, no Capítulo 2.
93
No Senado Federal, o quadro da base governista apresentava uma composição
ainda mais difícil: o PFL estava representado por 14 novos senadores, seguido do PT
com 10 novos membros, o PMDB com nove, o PSDB com oito, o PDT com quatro, o
PSB com três, o PTB com dois, o PL com dois, o PPS e o PSD também com um
senador cada.
Nesse cenário, constituir uma maioria parlamentar dependia de muita
negociação e diálogo com os líderes de bancadas para que o apoio para a aprovação de
projetos no Congresso Nacional tivesse êxito. O responsável pela composição da base
parlamentar do governo Lula foi o principal articulador do PT, José Dirceu, que viria a
ser o ministro-chefe da Casa Civil.
Além de PT, PL, PCdoB e PMN, que desde o início apoiaram o governo petista,
aliaram-se a eles PSB, PPS e PDT, partidos com posições de esquerda. Num segundo
momento buscou-se o apoio de partidos conservadores: PTB e PPB. A base de
sustentação foi consolidada apenas a partir da entrada polêmica do PMDB no governo,
em 2004, com a reforma ministerial.
A composição da base governista no Congresso Nacional funcionou com a
distribuição de cargos entre os partidos e a mudança partidária de parlamentares,
buscando aproximação com o governo. A estruturação das pastas ministeriais buscou
fortalecer as lideranças identificadas com a esquerda e que fossem representativas de
setores da sociedade22.
A ampliação do número de ministérios constituiu uma novidade e tornou-se
assunto polêmico, com a criação das pastas de Esporte, Mulheres, Direitos Humanos,
Combate à Fome, Pesca, Corregedoria-Geral da República e Conselho de
Desenvolvimento Econômico Social.
A equipe econômica foi composta por Henrique Meirelles para assumir o Banco
Central e o professor Carlos Lessa para a condução do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Visava-se à manutenção do equilíbrio
e à busca da confiança do mercado financeiro com viés desenvolvimentista.
22
Havia ministros que pertenciam ao quadro histórico do PT, como José Dirceu na Casa Civil, Antônio
Palocci na Fazenda e Dilma Rousseff nas Minas e Energia; porém, havia representantes de setores da
sociedade, como Roberto Rodrigues na pasta da Agricultura, Luiz Fernando Furlan no Desenvolvimento
Indústria e Comércio e o artista Gilberto Gil no Ministério da Cultura, além dos senadores Marina Silva e
Cristovam Buarque, reconhecidos em suas respectivas áreas: Meio Ambiente e Educação.
94
A composição governista de coalizão apresentou o PT na ocupação das
principais funções de governo e de decisão política. A base de sustentação do governo
no parlamento, nos ministérios, na administração direta das estatais e autarquias foi
organizada, com apoio inicial nas pautas do governo no Congresso. Com o acordo
estabelecido com o PMDB, o deputado João Paulo Cunha (PT/SP) foi eleito para a
presidência da Câmara dos Deputados, e o senador José Sarney (PMDB/AP), para a
presidência do Senado Federal.
Seguiu-se a partir daí a agenda de reformas do governo Lula: uma delas foi a
reforma da Previdência, defendida pelos setores econômicos produtivos, financeiros e
partidos de oposição. Essa reforma alterou as regras previdenciárias do funcionalismo
público, acabando com a paridade dos ativos e inativos do setor, equiparando-os aos
trabalhadores do setor privado.
Durante o primeiro mandato de Lula, os partidos tiveram alterações
significativas com a diminuição das bancadas do PSDB e do PFL no Congresso, o
fortalecimento de partidos conservadores aliados do governo (PL, PTB e PPB) e o
aumento da bancada governista23. Naquele momento a troca de legenda ainda não tinha
regulamentação específica.
Vimos mudanças significativas quanto aos partidos e a seu posicionamento
político. O PDT passou para a oposição. Com a divergência e a expulsão de quatro
parlamentares petistas – os deputados Luciana Genro (RS), Babá (PA) e Chico Alencar
(RJ) e a senadora Heloísa Helena (AL), nasceu o Partido da Solidariedade e da
Liberdade (PSOL).
Em 2003, destacamos como impasse em torno da reforma política o Projeto de
Lei nº 2.679/2003, que precisava ser votado até 2005 para valer nas eleições de 2006, o
que não se verificou.
No ano de 2004 vieram as aprovações relacionadas à reforma do Judiciário,
como a constituição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que permitiria maior
controle e transparência das atividades e contratações do Poder Judiciário.
Na época foi sancionada também a lei que instituiu o programa de transferência
de recursos a famílias pobres, o Bolsa-Família. As críticas ao programa foram diversas;
23
O PT teve sua bancada reduzida de 91 para 90 deputados. O PMDB passou a compor a base aliada e
aumentou de 70 para 77 o numero de deputados. O PPB foi de 43 para 49; o PTB de 41 para 52
deputados; o PL de 34 para 43 e o PSC, de um para sete. Os partidos de oposição viram suas cadeiras
serem reduzidas. O PFL caiu de 76 para 68 parlamentares e o PSDB, de 63 para 50. Também perderam
deputados o PSB, de 28 para 20; o PDT, de 18 para 13; o PCdoB, de 12 para 10; e o PMN, que tinha dois
e ficou sem nenhum parlamentar. PPS (21), PV (seis) e PSL (um) permaneceram com a mesma bancada.
95
todavia é importante ressaltar que o programa estava atrelado ao processo de
descentralização das políticas de assistência social. Foi criado o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) e implementado o Programa Nacional de Assistência Social
(PNAS), com o objetivo de garantir direitos às famílias e grupos em situação de
vulnerabilidade social.
No Congresso Nacional, o ambiente político mudou com a derrota do candidato
petista à presidência da Câmara, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT/SP), para o
candidato do chamado “baixo clero”, Severino Cavalcanti (PP/PE). O momento já
apontava para problemas como a insatisfação da base aliada24 e a falta de articulação e
de diálogo quanto ao encaminhamento de demandas dos deputados para os ministros.
Severino Cavalcanti, o novo presidente da Câmara dos Deputados, se elegeu
baseado na promessa de aumentar os salários dos deputados e melhorar as condições de
trabalho dos parlamentares. Na presidência do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL)
elegeu-se a partir de um acordo entre PT e PMDB.
O clima de instabilidade se instaurou no Congresso e adversidades graves
atingiram o governo Lula e o PT. Denúncias de corrupção eclodiram durante o ano de
2005, como o chamado “mensalão” e o envolvimento do assessor da Casa Civil
Waldomiro Diniz, flagrado em gravação pedindo recursos para favorecer a liberação de
jogos de bingo25.
A situação política em 2005 trouxe um clima de instabilidade política e
problemas quanto à governabilidade. O governo Lula perdeu apoio de setores da
sociedade e também de parte de sua base, que chegou a pedir seu impeachment.
De outra parte, Severino Cavalcanti teve de renunciar devido às irregularidades
que envolviam práticas de um esquema de exploração financeira de serviços de
restaurantes no Congresso.
A nova eleição para a presidência da Câmara foi vencida por Aldo Rebelo
(PCdoB) numa disputa acirrada no segundo turno de votação. Essa vitória garantiu à
base governista uma posição estratégica diante da grave crise política vivida na época.
24
Havia uma disputa dentro do próprio PT com o lançamento da candidatura avulsa do deputado Virgílio
Guimarães (PT/MG), que no primeiro turno das votações acabou por disputar os votos do próprio partido.
25
A situação se agravou com as denúncias e a entrevista do deputado Roberto Jefferson (PTB/RJ),
presidente do PTB, à revista Veja e à Folha de S.Paulo, acusando o ministro José Dirceu de organizar um
“mensalão” para os deputados votarem a favor dos projetos do governo.
96
A conjuntura política do governo Lula com o Congresso Nacional, os políticos e
os partidos políticos; as adversidades da governabilidade no presidencialismo de
coalizão; a reforma política e a crise política foram temas presentes nos editoriais da
Folha e do Estadão.
Nos textos analisados foi possível observar a preocupação dos veículos em
organizar e hierarquizar sua argumentação tendo sempre como base a defesa de valores
e de condutas éticas e morais.
3.1.3. Os enquadramentos sobre a reforma política nos editoriais (2003-
2006)
No ano da primeira gestão do governo Lula, os dois jornais apostam na reforma
política como uma solução para um sistema político-partidário caótico, irregular e cheio
de falhas. Os textos apresentam alguns itens discutidos na proposta do Projeto de Lei nº
2.679/2003, depois atualizado como Projeto de Lei nº 1.210/2007.
O ano de 2003 foi marcado pela expectativa da primeira gestão de Luiz Inácio
Lula da Silva e do Partido dos Trabalhadores em nível federal. A reforma política é
vista pelos jornais como algo fundamental a ser realizado, já no primeiro ano de gestão,
para conter a troca de legendas e as alianças criadas por motivos eleitorais.
Segundo editorial do Estadão:
[...] há muitos outros motivos para que se considere o corrente ano ideal para que se
considere uma ampla reforma político, partidária e eleitoral, no Brasil. Um deles é a
barafunda político-partidária que levou o eleitorado brasileiro a assistir, perplexo,
mudanças de posição doutrinárias, trocas de partidos e esdrúxulas construções e /ou
desarticulação de alianças como nunca se vira em nossa história republicana. (OESP,
“A hora e vez da reforma política”, 10/02/2003)
O frame discursivo dos editoriais apresenta o sistema político como uma
“barafunda político-partidária”, que necessita de ajustes quanto ao custo e ao
financiamento das campanhas eleitorais. No que se refere à representatividade partidária
e a alianças coerentes e com maior duração, o Estado defende a adoção do sistema de
97
votação nas legendas, com listas ordenadas pelos partidos, como uma solução para o
problema.
No dia 3 de fevereiro de 2003, o editorial “Ritos políticos”, da Folha, assegura
aos leitores a necessidade de o governo realizar as reformas. O texto afirma que o rito
sumário, com objetivos de acelerar esse processo, então encabeçado por João Paulo
Cunha, vem atender os interesses governistas de marcar um tempo de transição.
A agenda de reformas do governo Lula, segundo a Folha, precisa obedecer à
natureza política das instituições democráticas, e não operar por “casuísmos”:
Reformar o Estado é processo de longo prazo, que acompanha a democratização, com
erros e acertos. Os principais condicionantes do tempo da reforma não são os
regimentos parlamentares, mas a amplitude e a qualidade dos pactos políticos
articulados em torno dos projetos de emenda à Constituição.
É compreensível que o governo Lula queira mobilizar a sociedade para as reformas. Daí
a forjar casuísmos vai uma longa distância que coloca em risco a saúde das instituições.
Se a preocupação do governo é “dar sinais” de que as reformas virão, é importante
perceber que o principal e mais legítimo indicador de progresso na reforma do Estado é
de natureza política e não regimental. (FSP, “Ritos políticos”, 03/02/2003)
O editorial do Estadão “Os usos da infidelidade partidária”, publicado em 13 de
maio de 2003, volta a criticar a troca de legendas (69 parlamentares haviam mudado sua
filiação partidária). Partidos conservadores da base governista, como o PTB e o PL,
viram suas bancadas aumentarem para atender os interesses do Executivo: “[...] para
muitos políticos as legendas representam apenas canais de acesso a votos, verbas e
cargos”.
O jornal utiliza uma frase de Fernando Henrique Cardoso para reiterar seu
discurso: “no Brasil os partidos são fracos, mas o Congresso é forte”. É interessante
destacar que essa frase aparece em destaque no texto. O editorial comparando o governo
Lula com o antecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB): “Com FHC a infidelidade
convinha aos congressistas, com Lula convém ao Executivo”.
O enquadramento ressalta as alianças políticas feitas ao sabor das oportunidades
oferecidas pelo governo. Nessa avaliação, os problemas relacionados à infidelidade
partidária são, em grande parte, motivados pelo governo Lula.
Em 26 de maio de 2003, a Folha publica o editorial “Saída fisiológica” para
manifestar sua opinião sobre a formação da maioria parlamentar e a presença do PMDB
na base de sustentação do governo. O texto alerta:
98
O detalhe perverso é que o fato de o governo ter fechado um acordo com o PMDB não
significa necessariamente que vá receber os votos do partido. Parlamentares da legenda
cobrarão “spreads” que crescem na mesma proporção da importância da matéria a ser
aprovada. Essa é, infelizmente, a regra do jogo. (FSP, “Saída fisiológica”, 26/05/2003)
A Folha orienta o partido governista a “honrar sua história”, e não “acomodar-se
ao jogo fisiológico” (...) “para lançar as bases de uma reforma política que reforce o
poder dos partidos” e contribua para uma relação política mais “saudável”.
A Folha de S.Paulo não difere muito em sua opinião daquela emitida pelo
Estado, que entende o sistema político-partidário como um “mercado político” no qual
se trocam votos, cargos e recursos financeiros. Em editorial, chama atenção também
para o “troca-troca” de partidos que resulta do fisiologismo do sistema, isto é, das
relações de poder em troca de benefícios:
Desde o início da redemocratização, Câmara e Senado são palcos de nebulosas
transações envolvendo troca de votos por cargos, por liberação de verbas orçamentárias
e, até mesmo, por outras formas mais sonantes de retribuição. Esse vergonhoso mercado
político já propiciou uma série de escândalos, que serviu para alertar e despertar a
indignação da opinião pública. (...) O PT, obviamente, sabe que possui um patrimônio
ético a ser preservado. Tem procurado, portanto, jogar o jogo com relativa prudência. A
maior demonstração disso talvez seja o modo como vem promovendo a transferência de
parlamentares para a base do governo. O troca-troca de legendas é uma outra face do
problema do fisiologismo. (FSP, “PT heterodoxo”, 28/09/2003)
O jornal elabora opinião semelhante à do Estado, que acredita na necessidade
de uma reforma política capaz de moralizar a situação. “Novas regras precisam ser
estabelecidas para que o comércio de votos e a vergonhosa deserção partidária motivada
por interesses de ocasião possam ser coibidos” (FSP, 28/09/2003). O jornal dá
conselhos sobre como o PT deve conduzir o jogo político.
O editorial “O planalto comanda o vaivém” (OESP, 30/09/2003) destaca a
afirmação no meio do texto: “Assiste-se na atualidade a mais frenética troca de legendas
desde 1985”. O texto compara a migração dos parlamentares à migração das aves que se
deslocam a climas mais convidativos, segundo seus ciclos e lógica. No caso dos
parlamentares, o ciclo é marcado pelo calendário eleitoral e sua legislação.
Os marcadores dos enquadramentos desse momento são formados pela crítica ao
PT na composição de sua base parlamentar, à migração partidária para os aliados do
governo e à necessidade de uma reforma política que limite esses comportamentos.
No ano seguinte (2004), as críticas dos jornais à migração partidária, à relação
do Executivo com o Legislativo e à base governista no Congresso Nacional sugerem
99
novamente que apenas uma reforma política poderia solucionar esses problemas e
aperfeiçoar a democracia.
No editorial “Reforma política não cai do céu” (OESP, 12/09/2004), destaca-se a
importância da reforma política para o aperfeiçoamento da democracia e o
desenvolvimento socioeconômico do Brasil. O texto menciona o agendamento do tema
para os próprios parlamentares a quem denomina “políticos caboclos”, que insistem em
criticar o sistema político brasileiro. O texto menciona a entrevista do então senador
José Sarney (PMDB), que defende a mudança do modelo proporcional para o distrital.
O destaque está na frase: “Sem iniciativas concretas dos que exercem o poder, a
mudança jamais virá”. Com essas mesmas palavras, encerra-se o texto.
O editorial “Doar para receber” (FSP, 04/08/2004) aborda a transparência no
sistema de doação de fundos de campanha. O contexto é o das contribuições de
empresas que prestam serviços à prefeitura e ao governo do Estado para as campanhas
da então prefeita Marta Suplicy (PT) e do governador Geraldo Alckmin (PSDB)
respectivamente. A Folha, novamente em tom de cobrança, afirma que o tema estava na
reforma política prometida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e parece ter sido
relegado ao esquecimento.
O Estado enfatiza a difícil tarefa de Lula na condução das votações das emendas
parlamentares. De acordo com o jornal:
Em meio ao cenário caótico do relacionamento do governo Luiz Inácio Lula da Silva
com o Legislativo, em que o Executivo tem tido que, literalmente “pagar” para ver o
Congresso funcionar, liberando verbas para atender as emendas parlamentares – e estes
deixando o Plenário escandalosamente vazio, mesmo estando nas Casas, por não mais
acreditarem em promessas de liberação de verba nem com hora marcada – enquanto a
paralisia do Congresso – pelo não atendimento aos interesses regionais/eleitorais dos
congressistas [...] (OESP, “O calmo dedo na ferida”, 13/11/2004)
O jornal menciona o governador Geraldo Alckmin (PSDB), que com calma e
ponderada reflexão coloca o dedo na ferida falando da necessidade de uma reforma
política no Brasil que estabeleça a fidelidade partidária e voto distrital misto. O Estado
utiliza o exemplo de Alckmin para deixar claro que apoia a proposta de reforma política
defendida pelo PSDB. Apesar de afirmar que a reforma política é um tema que encontra
pouco esforço e vontade entre os parlamentares, o jornal reafirma sua posição no voto
distrital misto para lidar com a questão da representatividade.
100
Já a Folha, no editorial “Migração fisiológica”, critica os parlamentares e o
próprio PT, que permite que membros de sua base aliada mudem de partido diversas
vezes durante o mandato. Como o próprio texto sugere, essas trocas acontecem com
muita frequência no período:
[...] É deplorável o elevado número de mudanças de partido registrado no Congresso
Nacional de janeiro de 2003 até agora. Apenas nesse período, aproximadamente um
quarto dos deputados federais – cerca de 141 parlamentares – trocou de sigla partidária.
Dentre esses casos, alguns configuram uma verdadeira peregrinação por diversas
agremiações partidárias. (...) Lamentavelmente, a gestão petista não se limitou a dar
prosseguimento a essa prática, mas produziu aprimoramentos em sua execução.
Convenientemente, não é o PT o principal receptor das adesões, mas as legendas
aliadas. Numa prudente “terceirização”, partidos da base governista têm prestado o
serviço de receber a maior parte dos migrantes. Dessa forma, o PT se beneficia da
infidelidade partidária – que tanto criticou no passado –, mas procura manter as
aparências de paladino da ética, imagem já bastante arranhada que construiu ao longo de
sua história [...] (FSP, “Migração fisiológica”, 04/09/2004)
Conforme a Folha, esses fatos apenas reiteram a necessidade da reforma
política. Para o jornal, se houvesse obediência e fidelidade à filiação ao mesmo partido
durante os quatro anos anteriores ao pleito, e se uma regra assim o determinasse, só
deveriam candidatar-se a um novo mandato ou a outro cargo público eletivo aqueles
políticos que mantivessem filiação com duração estabelecida em lei, pois “contribuiriam
muito para o aperfeiçoamento da democracia brasileira”.
O editorial “Panaceia autoritária” (OESP, 18/11/2004) discute as propostas de
plebiscito e referendos como consultas à população. A frase em destaque no texto é:
“uma solução falsa para o problema do descrédito do Legislativo”. Na visão do Estado,
esse mecanismo, utilizado algumas vezes no Brasil, é uma medida autoritária. A solução
está na reforma política.
O uso dos enquadramentos pejorativos e negativos em relação aos políticos,
partidos e ao sistema político-partidário acaba por reforçar a imagem de ineficiência do
sistema e das instituições, além de atores que “traem” partidos, regras e possivelmente o
eleitorado. A ideia de partidos como “empresas terceirizadas” sugere que os recursos
financeiros e os benefícios políticos de fato comandam o universo da política no Brasil
– daí a necessidade de reformas no sistema político-partidário para o melhoramento da
democracia.
101
A Folha, em “Governo de coalizão” (FSP, 21/011/2004), menciona a fala do
senador Aloizio Mercadante (PT) sobre a política de alianças para abordar a articulação
da base governista com vistas às eleições de 2006. E aproveita para fazer uma
provocação sobre o papel do PMDB no governo:
[...] esse partido político (se assim ainda merece ser chamado) do qual restou um
consórcio de facções e líderes que em geral pouco representam ou lideram além de seus
interesses. Para infortúnio da política brasileira, essa legenda, cujos membros parecem
sempre à espera do melhor lance no mercado da fisiologia, reúne fragmentada, mas
numerosa, representação que, nas decisões legislativas, pode ser o fiel da balança para
as pretensões do Executivo. (FSP, “Governo de coalizão”, 21/11/2004)
Com as mudanças nos ministérios e o afastamento de Carlos Lessa da
presidência do BNDES, assumida então por Guido Mantega, a Folha afirma que a
reforma ministerial marca o afastamento do governo Lula daqueles anseios das eleições
de 2002 e faz com que o governo se torne cada vez mais pragmático, à mercê de novos
impasses e “rodadas fisiológicas de negociação”.
O ano de 2005 foi marcado pelo episódio do “mensalão” e de outras denúncias
de irregularidades no governo Lula. A eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a
presidência da Câmara dos Deputados foi assunto comentado nos editoriais do Estadão.
O jornal denuncia o estado de “degeneração”, “desgaste” e “desmoralização” dos
partidos políticos no Brasil e afirma que tal cenário clama por uma profunda reforma
político-partidária.
No mês de fevereiro daquele ano, dois editoriais abordam diretamente o tema:
“Um mal para o bem?” (OESP, 20/02/2005) e “Da degradação à reforma” (OESP,
23/02/2005). O primeiro texto faz críticas às práticas corporativistas de Severino
Cavalcanti e suas “convicções medievais” sobre direitos civis ou liberdade científica.
O Estado sugere que Severino foi eleito num “free for all” (forró de versão
abrasileirada) devido à “virtual desintegração” dos partidos e ao “bacanal de
infidelidade partidária” possibilitada pelo governo Lula. Apresenta ainda, noutro
momento do texto, as críticas do presidente da Câmara à infidelidade partidária,
defendendo a cassação de mandato dos parlamentares infiéis.
O editorial afirma que aquela seria uma ocasião para cobrar uma reforma
política que aprove o modelo de lista fechada para as eleições. Nesse sistema, o
candidato infiel perderia sua vaga para o candidato mais votado da lista. E finaliza: “se
102
o presidente Severino apoiar o saneamento dos costumes políticos, a sua biografia
poderá ficar irreconhecível – no bom sentido”.
O texto do dia 23 de fevereiro reafirma que o momento de crise era propício a
uma profunda reforma política. O “fundo do poço” é o pano de fundo de um processo
“galopante” de “desgaste” e “desmoralização” dos partidos. O texto utiliza frases do ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso com críticas ao governo: “Um governo que se
elegeu com a história de um partido devia ter entendido que os partidos são importantes
e que não vale o preço destruir os partidos para governar”.
O jornal não poupa julgamentos acerca do deputado Severino Cavalcanti, a
quem descreve como “rei do baixo clero”. O Estado utiliza-se da frase de Renan
Calheiros (PMDB/AL), então presidente do Senado, para reforçar o apoio a uma
reforma política que estabeleça limites para a “infidelidade partidária”.
Segundo o Estadão, o PT permitiu a migração partidária para aumentar sua base
parlamentar a partir da transferência de deputados para os partidos aliados.
[...] É possível, quem dera fosse provável, que uma dessas tarefas diga respeito à
reforma político partidária. É evidente, contudo, que se o PT se dispõe a liderar uma
reforma nesse campo, precisa fazer seu honesto ato de contrição, admitindo sua
responsabilidade na “degradação” a que chegou o quadro partidário caboclo, antes de
travestir-se de paladino da “fidelidade partidária”. (...) Se o presidente do PT e suas
lideranças empreenderem um real esforço em prol da reforma político-partidária e, além
disso, se empenharem contra o corporativismo Severino, a começar pelo combate ao
cumprimento da promessa – severina – de duplicação de ganho dos deputados federais,
será possível a sociedade brasileira ter esperança na regeneração dos hábitos políticos.
(OESP, “Da degradação à reforma”, 23/02/2005)
Nomes de personagens importantes como o presidente do PT, José Genoíno, e o
presidente do Senado, Renan Calheiros, são mencionados no texto a fim de corroborar a
necessidade de uma reforma política para a “regeneração dos hábitos políticos”.
Os enquadramentos feitos pelo jornal sugerem que o quadro partidário brasileiro
durante o governo Lula é o pior de toda a história do país, visto que é uma confusão.
Está em pleno processo de degradação; daí a avaliação negativa. Os partidos estão
desmoralizados e a migração partidária é fisiológica, enquanto o PT permite aquilo que
o jornal chama de “receptação fisiológica”. A identificação do problema do frame é o
fisiologismo; e sua solução é a reforma política.
No mês de fevereiro a Folha publicou sobre o tema os editoriais “Mixórdia
partidária” (19/02/2005) e “A farsa da reforma” (25/02/2005). No primeiro, o jornal
103
busca expor sua crítica à eleição de Severino Cavalcanti à presidência da Câmara, ao
problema da fidelidade partidária e ao poder capitaneado pelo PMDB. Na visão da
Folha, o sistema político brasileiro favorece as alianças de interesses:
[...] visto como um todo, o sistema partidário é invertebrado e não consegue as
inclinações oportunistas e fisiológicas que animam a maioria dos políticos. O mais
clamoroso exemplo dessa mixórdia é o PMDB, legenda que há muito se tornou um
desconexo condomínio de lideranças e agrupamentos para os quais a política consiste
freqüentemente em extrair o máximo de vantagens do balcão da fisiologia e defender a
todo custo ambições e interesses paroquiais. (FSP, “Mixórdia partidária”, 19/02/2005)
A Folha assegura que apenas com uma reforma política será possível haver um
controle maior da migração partidária. A posição é reforçada no editorial do dia 25 de
fevereiro, o qual critica a proposta defendida pelo senador Renan Calheiros de votar
questões pontuais e de interesse dos parlamentares com vistas às eleições de 2006. O
texto enfatiza que as alianças políticas deveriam ter um controle mais rigoroso e a troca
das legendas deveria obedecer a um prazo de quatro anos de filiação.
O editorial do Estadão do dia 19 de junho de 2005, intitulado “A herança de
Dirceu”, discorre sobre a queda de José Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil do
governo. O ex-ministro foi responsabilizado pelas falhas nas alianças no Congresso e
por envolvimento com o pagamento de valores a deputados no caso do “mensalão” e no
caso Waldomiro Diniz, que envolveria recursos irregulares oriundos do jogo do bicho
para contribuições em campanhas em troca de favorecimento em concorrências e
contratações.
Para o jornal, o ex-ministro da Casa Civil pode ser definido como “um aprendiz
de feiticeiro centralizador, obcecado em manipular a estrutura administrativa ao sabor
de seus interesses”. Afirma ainda que o único setor em que o ministro não interferia era
a economia, que estava no rumo certo e não dava problemas. O jornal reitera a
necessidade de uma reforma política corajosa que efetive “a despetização e o
emagrecimento do corpanzil ministerial”.
O jornal assegura que a reforma ministerial seria capaz de garantir a eficiência
das engrenagens da administração e o controle da corrupção. O enquadramento do
problema apresentado são as práticas de corrupção; a avaliação recai sobre o governo
petista e uma de suas principais lideranças, José Dirceu; e a solução apontada aos
problemas é a reforma ministerial.
104
O tema da corrupção volta a aparecer nos editoriais do Estadão “O outro
mensalão” (16 de junho) e “A reforma política” (26 de junho). Os textos são reflexos do
momento: as denúncias do pagamento de valores a parlamentares nos casos do
“mensalão”, da CPI dos Correios e do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).
Essas denúncias ganham a atenção dos editorais da Folha de S.Paulo no mesmo
período. O jornal também destaca a dificuldade do presidente Lula em lidar com a base
aliada e aponta a necessidade de uma reforma política como solução para os problemas
político-partidários.
Nos editoriais “A política como negócio” (8 de junho), “Sem mágica” (12 de
junho) e “Reforma equivocada” (26 de junho), a Folha cobra maior transparência, mais
moralidade e rigor nas regras do sistema político-partidário, com uma reforma que
fortaleça os partidos e diminua o personalismo dos parlamentares.
Para a Folha, é preciso conter a lógica do mercado de interesses do Congresso
Nacional: “nada parece escapar da lógica mercantil, que se instaura já no processo de
financiamento de campanhas”. Afirma ainda que: “Não há muita diferença entre o
‘mensalão’ de hoje e a compra de votos para aprovar a emenda da reeleição em 1997”,
que favoreceu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
No editorial “Sem mágica” (12 de junho), a Folha menciona um
pronunciamento do presidente Lula sobre a agenda da reforma política no qual a
reforma foi classificada como “palavra mágica”. O jornal utiliza-se da mesma “palavra
mágica” para associá-la a uma intenção do governo de desviar o foco quando há crises
ou denúncias de irregularidades:
Não há dúvida de que o sistema político-partidário brasileiro precisa de correções. O
Planalto, porém, parece inclinado a ver no debate da reforma uma ocasião para desviar
as atenções, transferindo responsabilidades do governo e do PT para as deficiências
institucionais do país. A verdadeira “mágica” que se pretende encenar é transformar
culpados em vítimas. O ilusionismo consiste em criar a idéia de que falhas do arcabouço
político devem responder por decisões de indivíduos cientes do que estavam fazendo.
Mas identificá-los e submetê-los ao rigor da lei é fundamental. (...) Militantes petistas e
apaniguados tomaram de assalto a máquina pública, numa disputa feroz com “aliados”
insatisfeitos e sedentos de recompensas. Erros políticos foram cometidos em série, e o
fisiologismo tornou-se a regra. Agora, o governo tenta convencer o país de que irá se
redimir por meio de uma reforma política, que constava, aliás, das prioridades do
candidato Lula, mas foi esquecida depois da vitória. A reforma continua sendo
necessária, mas é ilusão acreditar em seus poderes mágicos. (FSP, “Sem mágica”,
12/06/2005)
105
A Folha sugere que os políticos tendem a culpar o sistema político-partidário
por suas falhas e deficiências; porém, acentua a responsabilidade e a conduta dos
parlamentares durante o mandato: “A sociedade brasileira elegeu o candidato Luiz
Inácio Lula da Silva com a esperança de que o PT demonstrasse no poder o mesmo grau
de exigência moral e republicana que pregava na oposição. Se esse compromisso deixou
de ser cumprido, a culpa não é apenas do sistema político” (FSP, 12/06/2005).
A Folha afirma ser favorável à restrição do individualismo parlamentar com o
fortalecimento das legendas, assim como apoia o fim da troca de legendas feita de
forma oportunista; o controle dos partidos; a proibição das coligações em eleições
proporcionais; a correção da proporcionalidade das bancadas estaduais; o rigor para
com o financiamento de campanhas; a redução dos cargos de confiança; a privatização
do IRB.
A necessidade da reforma política volta a aparecer no editorial do dia 26 de
junho, a partir da aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara
dos Deputados, de uma proposta de reforma que, segundo a opinião da Folha, é “eivada
de equívocos” e “fica aquém do desejável”.
As críticas do jornal são pontuais acerca das federações partidárias e do acesso
ao financiamento eleitoral. O jornal também se mostra contra a proposição de um
financiamento público para as campanhas e das listas fechadas organizadas pelos
partidos. A Folha aponta que há lacunas quanto à proporcionalidade do sistema que
precisam ser corrigidas, além defender regras mais rigorosas para as migrações
partidárias.
A reforma política, afirma o editorial, não é “panaceia para os males nacionais,
mas isso não significa que não seja possível aprimorar os marcos institucionais”, desde
que “seja levada a sério, e não conduzida de maneira acomodatícia ao sabor dos
interesses da classe política” (FSP, 26/06/2005).
Os enquadramentos utilizados pelo jornal sugerem que a reforma política deve
ser conduzida de maneira a trazer os valores éticos para a política. Já o Estado enfatiza
o resgate da eficiência do sistema político a partir de um tom moralizador que promova
a “regeneração dos costumes políticos”. As críticas ao sistema político, ao governo
Lula, aos membros do governo e à base aliada são constantes nos textos. O
melhoramento da democracia é apresentado como um valor.
Nos editoriais “A panaceia de sempre” (de 15 de agosto) e “A minirreforma” (21
de agosto), o Estadão dialoga com o momento em que se desenrolam as CPIs do
106
Mensalão, dos Bingos e dos Correios. O jornal defende que o tema da reforma serve aos
parlamentares nos momentos de crise política e ao mesmo tempo favorece esses atores
quando as mudanças são aprovadas.
No editorial do dia 21 de agosto, menciona-se por duas vezes a necessidade de
“moralizar as eleições”. O texto também defende que mudanças votadas na
minirreforma já pudessem valer para as eleições de 2006 – entre elas o fim dos
“showmícios” e da distribuição de brindes, além da redução da campanha de 90 para 60
dias e da propaganda eleitoral gratuita de 45 para 35 dias.
A Folha trata dessas questões no editorial “Mudar as campanhas”, de 10 de
agosto. Segue-se a crítica ao financiamento das campanhas, ao PT e aos gastos com
marketing e publicidade:
Se já está claro que o esquema montado pela “oligarquia” do PT em parceria com o
publicitário Marcos Valério vai muito além da mera utilização de recursos “não-
contabilizados” para patrocinar gastos eleitorais, não há dúvida de que o financiamento
de campanha é um dos pontos fundamentais a ser enfrentado na reforma pela qual as
instituições políticas precisam passar. (FSP, “Mudar as campanhas”, 10/08/2005)
Em relação ao financiamento público de campanha, proposta defendida pelo PT,
a Folha se manifesta contrariamente por não considerá-lo a melhor solução para o
problema. Para o jornal, é preciso reduzir os custos com as campanhas, haver mais
transparência e também punições para os ilícitos, bem como que não haja “tanta despesa
com marqueteiros que cobram fortunas para apregoar seus ‘produtos’ ao eleitor”.
Por ocasião de uma nota divulgada pela Executiva Nacional do Partido dos
Trabalhadores, no editorial “As desculpas do PT”, de 18 de agosto, a Folha faz críticas
ao pedido formal de desculpas do partido à nação. Para o jornal: “Mais que um discurso
estéril de vitimização, o PT deve à sociedade sinais de que responderá à crise com uma
profunda reformulação interna”.
É possível constatar que o movimento para a formulação e a aprovação de
reformas político-eleitorais, no contexto da crise política, influencia os editoriais da
Folha do mês de agosto daquele ano.
Os textos “Não ao casuísmo” (19 de agosto) e “Corrupção enraizada” (28 de
agosto) mencionam o imediatismo presente nas propostas para responder aos recentes
escândalos de corrupção. Nesse último, o jornal argumenta:
107
Não é aceitável, porém, transferir para o arcabouço político-eleitoral a responsabilidade
pelo festival de irregularidades cometidas nesse campo pelo PT e pelos demais partidos
que se serviram de recursos de caixa dois e de outros expedientes ilícitos para obter
vantagens. Um mínimo de respeito à ética, à decência e à honestidade provavelmente
surtiria melhor efeito. (FSP, “Corrupção enraizada”, 28/08/2005)
O jornal apresenta-se contrário ao discurso do presidente Lula, para quem a
prática da corrupção é comum em todos os partidos e faz parte de nossa cultura política.
Aludindo ao humorista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta (1923-1968), com a frase
“ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos”, a Folha afirma que é preciso
combater essa prática.
No editorial “Manobra no Congresso” (30 de setembro), o jornal retoma a sua
opinião quanto ao “casuísmo” da aprovação da reforma num contexto de crise política.
Diz o texto: “Embora uma série de propostas já tenha passado pelo Senado e aguarde
apenas votação na Câmara, não houve entre as lideranças acordo para que a matéria
fosse votada”. A falta de esperança é o mote da narrativa.
No ano de 2006, a ideia de que o presidente Lula e o PT culpam o sistema
político pelos problemas relacionados à corrupção em seu governo volta com força nos
editoriais d’O Estado de S.Paulo.
O jornal critica o projeto da Comissão de Constituição e Justiça que trata da
reeleição para cargos executivos a partir de 2010, a convocação de uma Constituinte
para a reforma política organizada pelo PT e as mudanças na legislação que
regulamenta as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).
Começando pelo fim, pois neste caso o disparate contém a ameaça de uma intromissão
casuística e, portanto, abusiva do governo nos procedimentos do Congresso, o que o
presidente e seu partido querem concretamente é emascular os inquéritos parlamentares
impedindo-os de terem acesso aos dados fiscais, bancários e telefônicos de suspeitos de
corrupção. (...) Já a Constituinte para a reforma política – o que decerto dará em nada,
por isso é um factoide – é um jogo de cena e um risco para a democracia. Lula deu de
culpar o sistema político, que ele não fez nada para mudar, pela corrupção do esquema
petista de poder. Agora, posa de paladino da alteração das regras que, se propiciam
malfeitorias, não obrigam ninguém a ser malfeitor. É certo que os políticos evitam
mexer no que os favorece, mas a única unanimidade a respeito da reforma, entre os
especialistas isentos, é que ela nunca será uma panaceia. (OESP, “Disparates em dose
tripla”, 04/08/2006)
O texto sugere ao leitor que o presidente e integrantes de seu governo se
esforçam para que não sejam apuradas as irregularidades e denúncias de corrupção.
108
Noutro momento, afirma que há uma “corrupção do esquema petista de poder” e que a
consulta popular via Constituinte para a reforma política não passa de um jogo para
ocultar outras questões do governo, sendo, portanto um risco para a democracia.
O Estado se posiciona contra o governo e o partido, criminalizando condutas,
propostas e possíveis intenções. As imagens negativas utilizadas sugerem que o PT é
responsável pela corrupção no governo; que se utiliza de medidas “abusivas” para
“emascular” inquéritos e impedir as investigações; e tenta colocar o presidente como um
“falso” defensor da reforma política.
No editorial “O programa de governo de Lula” (27 de agosto), o discurso do
presidente Lula ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social ganha destaque.
A crítica a Lula e a seu posicionamento quanto à reforma política, encarada como
remédio para a crise do sistema político, não passa de um falso diagnóstico, segundo o
jornal. A infidelidade partidária e a corrupção são problemas apontados pelo Estadão,
que encerra o texto com a pergunta: “Terá ele meios de salvaguardar a administração da
voracidade dos políticos?”
O editorial “Da intenção aos atos” é publicado em 31 de outubro de 2006, logo
após o segundo turno das eleições daquele ano. No texto, o Estadão menciona que, com
o apoio obtido com a vitória eleitoral de Lula, torna-se oportuno o debate sobre a
reforma política, que aborde temas como a fidelidade partidária, o fortalecimento dos
partidos e o financiamento eleitoral. Os erros das gestões anteriores não devem ser
permitidos na gestão a ser iniciada, como disse o presidente Lula, em declaração
corroborada pelo jornal.
Nos editoriais “O Supremo fez a coisa certa” (9 de dezembro) e “A oportuna
barreira” (4 de outubro), o tema é a cláusula de barreira. Nesse contexto, o Estado
aborda a definição do STF de considerar inconstitucional a regra que facilitava a
proliferação de “partidos de aluguel” e promovia a fragmentação partidária e as relações
escusas entre o Executivo e o Congresso.
A regra é clara sobre a necessidade dos partidos de atingir os 5% na votação
nacional, com o mínimo de 2% em nove estados, para que tenham acesso ao fundo
partidário. O Estadão apoia a vigência da cláusula de barreira para acabar com o
oportunismo eleitoral.
A Folha de S.Paulo, no dia 2 de março, afirma que com a cláusula os partidos
ganham maior representatividade, já que “houve tempo mais do que suficiente para a
109
consolidação de siglas que são de fato dotadas de representatividade (...) o que garante
diversidade de opções ao eleitor”.
No mesmo mês, a Folha apresenta questionamentos sobre a capacidade do
governo Lula de impor a pauta da reforma política no Congresso, assim como fala de
letargia quanto ao crescimento econômico e às mudanças na Previdência Social. O
editorial “Pouco a oferecer” critica o governo sobre sua prudência e comedimento no
tocante às reformas e à condução de sua gestão:
[...] tanto no governo como em diversos setores da oposição, prevaleça uma espécie de
realismo degradado, sem perspectivas nem propostas, a serviço de cínicos interesses de
autopreservação política. (...) Poucas vezes, no Brasil, a política teve tão pouco a
oferecer. Muito bem que tenha passado o tempo das bravatas ideológicas, e que
promessas antes levadas a sério hoje se revelem irrealizáveis. Mas que o sentido da
construção do futuro não se perca num estado de conformidade, indiferença e cinismo,
que enfraquece o espírito da própria democracia. (FSP, “Pouco a oferecer”,
05/03/2006)
Sobre a votação da medida que proíbe a divulgação de pesquisas eleitorais nos
quinze dias anteriores às eleições, a Folha, no editorial “Câmara escura”, argumenta que
“a medida priva o eleitor do acesso a informação relevante para decidir seu voto”. O
jornal afirma que tal medida censura e viola a liberdade de expressão e o direito à
informação.
É inconstitucional e injusta a tutela que a Câmara tenta impor ao eleitorado. A título de
produzir uma resposta de faz-de-conta à crise de credibilidade que se abate sobre o
Parlamento, os deputados não têm o direito de lançar mais sombra na disputa eleitoral.
(FSP, “Câmara escura”, 23/03/2006)
Vale lembrar que o jornal, por meio do Instituto Datafolha, realiza pesquisas de
opinião eleitoral. Sabe-se também que a divulgação dessas pesquisas são bastante
polêmicas pelos seus resultados e efeitos no comportamento do eleitor.
Para a Folha, com a chamada minirreforma (Lei 11.300/06), o Congresso
Nacional “parece mesmo empenhado em caçoar da opinião pública”, uma vez que seria
uma reforma política para criar a “ilusão de que o Congresso reagia aos escândalos”.
Os elementos em discussão “vão do irrelevante (proibição de ‘showmícios’ e de
distribuição de brindes a eleitores) ao inconstitucional (o veto a divulgação de pesquisas
eleitorais a 15 dias do pleito)” (FSP, “Lei inócua”, 19/06/2006).
110
No mês de agosto daquele ano, a Folha publicou cinco editoriais motivados pela
disputa eleitoral e pela proposta de convocação de uma Assembleia Constituinte. Os
editoriais “Escapismo de volta” (4 de agosto) e “Assembleia no vácuo” (6 de agosto)
tratam da proposta do governo Lula de convocar uma Constituinte específica para a
reforma política.
Na opinião da Folha, a proposta se caracteriza como “escapismo” e
“demagogia”, tendo o objetivo único de influenciar a opinião da população sobre o
tema, visto que as regras já estão dadas pela Constituição de 1988: “Constituintes só se
justificam quando há rupturas institucionais, mudanças de regime. Do contrário, o
instrumento se banaliza e, com ele, a própria democracia”. Seria mais salutar regular e
punir as migrações partidárias, defende o jornal.
Na mesma linha, no editorial de 6 de agosto, a Folha salienta o vazio de
propostas e a falta de vontade de produzir mudanças nas regras eleitorais. O jornal
sugere que a Constituinte não traria grandes contribuições, uma vez que não teria
fundamentação e tratar-se-ia apenas de um subterfúgio para escapar de questões mais
importantes.
Em “Nova fase” (16 de agosto), o jornal discorre sobre as eleições e a
expectativa para a campanha daquele ano. Espera-se que os partidos “afinem seus dotes
publicitários em razão do debate informativo e responsável”, aponta. Sobre a incidência
das novas regras no marketing político, afirma que “ficou muito mais difícil iludir o
eleitor, escaldado, com conversa fiada embalada em truques de imagem”.
Sobre o financiamento das campanhas, o editorial “Ocultações perigosas” (14 de
agosto) assegura que a prestação de contas deve ser transparente do inicio ao fim da
campanha eleitoral: “Não há razão para preservar o anonimato dos doadores antes do
pleito. Pelo contrário: é direito do eleitor saber quem financia seu candidato antes de
definir o voto”, a fim de que não se corra o risco de novas ocorrências como o episódio
do “mensalão”.
Sobre o discurso de Lula voltado às reformas, em “Rumo da negociação” (27 de
agosto) o diário afirma que o presidente acertou ao apostar num acordo nacional sobre
as reformas necessárias, como a da Previdência, além do ajuste fiscal e da reforma
política; afastando-se da ideia da convocação de uma Constituinte:
Com efeito, ao enunciar a idéia de um entendimento nacional em torno de questões
como a reforma previdenciária, do ajuste fiscal e da reforma política, Lula se afasta das
duvidosas associações que a proposta da Constituinte poderia manter com o modelo
111
messiânico e personalista adotado em outros países latino-americanos. (FSP, “Rumo da
negociação”, 27/08/2006)
A pauta da reforma na agenda pública instiga o jornal a pontuar alguns
problemas, como a disfuncionalidade e a frouxidão do sistema. As soluções estariam
numa reforma que promovesse a correção das disparidades na representação das
bancadas estaduais na Câmara dos Deputados e a adoção do voto facultativo e do
sistema distrital misto.
Todavia, o posicionamento sobre a necessidade de reformas na área econômica
ganha prioridade. A Folha recomenda que não se perca tempo com a reforma política
nesse contexto de transição de mandato:
O duplo risco de um messianismo institucional na Presidência e de um impasse
deliberativo no Congresso recomenda todavia que, em torno de assunto tão complexo,
não se percam as energias e o capital político que outras reformas urgentes, no campo
econômico sobretudo, devem mobilizar no próximo mandato. (FSP, “A reforma
possível”, 12/11/2006)
A Folha de S.Paulo segue a mesma orientação na crítica do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva de que as deficiências no sistema político não são as únicas
responsáveis pela corrupção (“o diversionismo dos mandatários atribuiu a origem da
corrupção às deformações do sistema”). O jornal faz parecer fácil a mudança das regras
eleitorais:
Aos que sonham, por seu turno, com vôos altos na reforma política cabe lembrar que há
passos iniciais simples e eficazes, que dispensam a complexa mobilização de forças
parlamentares para emendar a Carta. Com uma lei aprovada por maioria simples na
Câmara, seria possível implementar a fidelidade partidária. Pelo projeto, que já passou
pelo Senado, quem muda de legenda fica impedido de candidatar-se pelos quatro anos
seguintes. Esse dispositivo contribuiria para reforçar os elos entre candidatos e partidos,
inibindo trocas constantes de sigla. (...) Esse processo de depuração está em pleno curso
e resulta não de um casuísmo, mas de uma medida que levou dez anos para ser
totalmente implantada. Quando o assunto é reforma política, às vezes a opção por
avanços incrementais é tão eficiente quanto propostas radicais para alterar o sistema – e
bem mais factível. (FSP, “Com fidelidade”, 06/11/2006)
Entretanto, a Folha não menciona a dificuldade na obtenção de consenso nas
votações na Câmara e no Senado; aprovar qualquer item da reforma no Congresso não é
112
tão fácil como o jornal faz parecer. Esse posicionamento do periódico acerca da
fidelidade partidária é recorrente.
Sobre o veto à cláusula de barreira pelo STF (“Ainda no pântano”, 9 de
dezembro), a Folha afirma que “a votação no Supremo projeta novas incertezas sobre o
futuro de qualquer reforma política”. O jornal entende essa instituição como “instância
guardiã da Constituição”, que tem “papel mais conservador”, preservando as regras do
jogo democrático. O veto leva o sistema “de volta ao ponto de partida; parece mais
longo do que nunca o caminho para sair do pântano”.
Vale lembrar que o veto a essa cláusula beneficiou os partidos pequenos – 22
partidos na ocasião –, que dependiam dos recursos do fundo partidário e do acesso,
ainda que reduzido, a tempo de rádio e televisão durante a campanha eleitoral.
Os enquadramentos presentes apresentam os políticos como “mandatários”; a
corrupção como parte das “deformações do sistema”; e o sistema político-partidário
como ineficiente. As soluções são a regulação e o controle das atividades parlamentares,
garantidos por meio de uma reforma política.
3.1.4 - Conjuntura política – governo Lula II (2007-2010)
O cenário político das eleições presidenciais de 2006 é marcado pelo
fortalecimento do apoio popular a Luiz Inácio Lula da Silva, que, após a grave crise
política do ano anterior, se apresenta como candidato à reeleição. O cenário econômico
era favorável, com crescimento do PIB, expansão comercial externa e altas exportações
das commodities nacionais.
As perspectivas de aumento de emprego e renda foram sentidas em todas as
regiões do país, em especial nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que receberam
novos projetos do governo. Entre os programas lançados no primeiro mandato estavam
o Bolsa-Família, o Luz Para Todos, o ProUni e outras iniciativas para investimentos
estatais e privados.
Por ocasião da crise deflagrada pelo “mensalão”, mudanças políticas fizeram
com que o PMDB ganhasse mais espaço no governo. O PSB também passou a integrar
a base governista. O Partido Republicano Brasileiro (PRB), com base na militância
evangélica organizada pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), ganhou a
113
filiação de José Alencar, que novamente aparecia como vice-presidente na chapa de
Lula.
A aliança A Força do Povo (PT, PMDB, PRB e PCdoB) baseou sua campanha
nas realizações de governo, com vistas a angariar o apoio de parte do eleitorado de
“classe média” descontente com as medidas econômicas e as denúncias de
irregularidades.
O principal candidato da oposição, Geraldo Alckmin (PSDB), conquistou o
apoio do PFL e do PPS para a composição da aliança Por um Brasil Decente, vencendo
a disputa interna no próprio partido para lançar sua candidatura26.
Novamente a polarização entre PT e PSDB marca a disputa eleitoral
presidencial. A candidatura de Lula se aproximava da vitória no primeiro turno quando,
às vésperas das eleições, um grupo27 ligado à campanha de Aloizio Mercadante (PT),
candidato a governador em São Paulo, se envolveu na compra de um dossiê com
supostas “provas” contra seu opositor José Serra (PSDB). A grande repercussão do
episódio foi uma das razões às quais se atribuiu o resultado que acabou levando ao
segundo turno.
Nele, Lula (PT) obteve 60,83% dos votos, vencendo no Rio de Janeiro, Minas
Gerais e Espírito Santo (Sudeste); Pará, Amazonas, Acre, Rondônia, Amapá e Tocantins
(Norte); em todos os nove estados do Nordeste; Goiás e Distrito Federal (Centro-Oeste).
O candidato Geraldo Alckmin (PSDB) obteve 39,17%, obtendo maioria no Sul, Centro-
Oeste e São Paulo.
Os compromissos do governo com a população das regiões mais pobres
impactaram o resultado eleitoral. O voto em Alckmin nas regiões centrais do país estava
relacionado à situação econômica nessas regiões, que apresentaram declínio das
atividades produtivas.
Quanto às bancadas no Congresso Nacional, observamos poucas mudanças.
PMDB e DEM obtiveram número expressivo de cadeiras. PFL, PSDB e PT , mesmo
mantendo bancadas expressivas, tiveram redução no número de eleitos, assim como
partidos envolvidos no chamado “mensalão” (PP, PR e PTB). No Senado Federal, o
PFL ganhou relevância e expressividade com uma bancada relativamente grande, assim
como PSDB, PMDB e PT, que mantiveram suas posições.
26
Aliado aos setores mais conservadores, Alckmin não era um político popular, tinha pouca
expressividade e era desconhecido em outras regiões do Brasil. 27
A Polícia Federal prendeu os proprietários do dossiê e militantes petistas com cerca de R$ 5 milhões
para a compra do documento.
114
A coalizão presidencial e a aliança entre os partidos se refletiram na composição
da Câmara dos Deputados em 2006, sobretudo no que se refere à base de apoio do
governo Lula. A presença do PMDB na aliança aproximou os partidos médios no apoio
nas votações mais importantes.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa Minha Vida,
voltado à área da moradia, eram iniciativas governamentais que atendiam às
necessidades de determinadas regiões e grupos sociais. Contaram com investimentos do
Tesouro Nacional, de empresas estatais – como a Petrobras –, financiamento por meio
dos fundos de pensão de trabalhadores de grandes empresas e recursos do BNDES.
A grave crise econômica de 2008, que atingiu o mercado financeiro mundial,
prejudicando bancos internacionais tradicionais e levando os Estados Unidos e os
principais países da Europa a enfrentar problemas e dívidas com resgate financeiro, não
foi sentida de forma mais intensa no Brasil naquele momento por conta do crescimento
iniciado em 2004 e das reservas que protegiam o país da especulação.
O segundo mandato do presidente Lula contou com o apoio da maioria dos
partidos no Congresso, como os progressistas PDT e PSB e os conservadores PP, PTB,
PR, PSC, PHS, PTC, PAN e PTdoB. No Senado, a base era de 26 senadores e
senadoras, chegando a 50 com a ampliação da coalizão.
O núcleo oposicionista era composto pelo PSDB, PFL (que se transformou no
DEM), PPS e PSOL. O grupo tinha expressivas força e articulação no Senado e na
composição do Tribunal de Contas da União (TCU).
A composição dos ministérios obedeceu à divisão que privilegiava quadros do
PT. O principal partido aliado, o PMDB, estava representado com seis ministros, e o
PSB ficou com duas indicações. PP, PTB, PCdoB, PDT e PR ocuparam um ministério
cada.
A eleição da mesa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal foi articulada
entre PT e PMDB. No biênio 2007-2008, os deputados Aldo Rebelo (PCdoB) e Arlindo
Chinaglia (PT) concorreram à presidência da Câmara, numa disputa que teve a vitória
do petista e representou o afastamento do PT do bloco de aliança de partidos de
esquerda (com PCdoB, PSB e PDT). Na eleição seguinte (2009-2010), Michel Temer
(PMDB), em disputa com Aldo Rebelo (PCdoB) e Ciro Nogueira (PP), venceu em
primeiro turno com 304 votos.
No Senado Federal o presidente Renan Calheiros (PMDB) renunciou em 2007,
por envolvimento em irregularidades. Tião Vianna (PT) assumiu até que no final
115
daquele ano Garibaldi Alves (PMDB) foi eleito, exercendo a presidência até 2009,
sendo sucedido pelo senador José Sarney (PMDB).
A formação da aliança na Câmara e no Senado visava favorecer a
governabilidade e os acordos com a articulação dos parlamentares da base governista.
Talvez a grande derrota no Legislativo tenha sido a votação que extinguiu a CPMF
(Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), imposto cobrado sobre as
movimentações bancárias de pessoas jurídicas e físicas que vigorou entre 1996 e 2007.
Essa contribuição destinava-se ao financiamento da saúde pública no Brasil.
As eleições municipais de 2008 consolidaram a posição dos partidos da base de
apoio ao governo Lula e marcaram um recuo dos partidos oposicionistas. O PT e o
PMDB venceram em 146 prefeituras. O PSB também se destacou, com 134 prefeituras.
Sobre a repercussão dos escândalos políticos e práticas de irregularidades no
segundo mandato de Lula, a oposição buscava desgastar a imagem pública do
presidente, porém sem sucesso.
Denúncias sobre o favorecimento do então presidente do Senado, Renan
Calheiros, eclodiram em 2007. O escândalo envolvia o caso extraconjugal de Calheiros
e pagamentos da construtora Mendes Júnior para a pensão de sua filha com a amante.
Em novembro daquele ano, Calheiros renunciou e seu mandato foi cassado. Mais tarde,
foi absolvido pela Comissão de Ética do Senado da quebra de decoro parlamentar pelas
acusações de tráfico de influência e falsificação de prestação de contas.
Em 2008, as denúncias do jornal O Estado de S.Paulo envolviam os
irregularidades no uso dos cartões corporativos28. A ministra da Igualdade Racial,
Matilde Ribeiro (PT), o ministro do Esporte, Orlando Silva (PCdoB), e os filhos do
presidente Lula foram investigados. A ministra pediu demissão, Silva devolveu os
valores gastos e no caso dos filhos do presidente não houve comprovação das
denúncias.
Podemos destacar ainda os casos do banqueiro Daniel Dantas e de Erenice
Guerra, ministra-chefe da Casa Civil. No primeiro havia irregularidades no processo de
privatização dos setores de telecomunicações e, no segundo, a denúncia era de
favorecimento a empresas. Erenice Guerra pediu demissão.
28
Geralmente utilizados para o pagamento de pequenas despesas, como alimentação, deslocamento,
diárias de hospedagens de determinados funcionários de alto escalão do governo federal, como ministros
e auxiliares diretos da Presidência da República.
116
Buscamos identificar elementos centrais que marcaram o governo Lula a fim de
mapear as alianças formadas para a condução de um projeto político para o país. No
segundo mandato, o petista reforçou sua base de apoio político e manteve sua política
visando à governabilidade no denominado “presidencialismo de coalizão”. Lula
garantiu com isso o apoio do Congresso Nacional e de setores da sociedade.
3.1.5. Os enquadramentos sobre a reforma política nos editoriais (2007-
2010)
Em março de 2007, o editorial do Estadão “Começou a reforma política” faz
elogios ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por acatar o pedido do DEM quanto à
perda de parlamentares para partidos da base governista. A infidelidade partidária,
afirma o jornal, é uma “obscenidade” e o que há de mais “nefasto” nos costumes
políticos brasileiros, sendo muito frequente durante o primeiro ano de mandato.
É a partir deste acontecimento que os partidos prejudicados adquiriram o direito
de requerer que esses deputados sejam cassados: “O Tribunal Superior Eleitoral
inaugurou, pelo seu item mais importante, a reforma política que o Congresso se
recusava a enfrentar” (OESP, 29/03/2007).
A decisão da Justiça Eleitoral e do STF continua sendo assunto dos editoriais “A
infidelidade condenada” (6 de outubro) e “Quando a Justiça legisla” (20 de outubro). Na
opinião do Estadão, o que leva os partidos à infidelidade é o “adesismo” ao governo
vigente. Na administração, o Executivo incentiva a prática com ofertas de cargos e
facilidades para liberação de verbas das emendas parlamentares ao Orçamento. Segue-
se a crítica ao governo petista:
O costume nefasto chegou ao cúmulo na era Lula. Os operadores do Planalto não
apenas se habituaram a avançar sobre as bancadas da oposição, como se fossem reservas
de caça do Planalto, mas ainda por cima indicavam aos seduzidos – o termo certo seria
subornados – as siglas às quais deviam se filiar. (OESP, “A infidelidade condenada”,
06/10/2007)
117
Partidos da oposição como o DEM, o PSDB e o PPS reivindicaram à Justiça
Eleitoral o direito de titularidade dessas cadeiras. O Estado afirma que a Justiça passa a
legislar no lugar de um Congresso omisso quanto a esses problemas.
Em 2007, o jornal faz avaliação negativa em relação ao governo Lula e às
atividades do 3° Congresso do PT. Os temas propostos no congresso enfocaram um
projeto para o Brasil, o socialismo petista, a concepção e o funcionamento do partido e a
convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte para implementar a reforma
política.
Em editorial, o periódico critica o encontro e afirma que a proposta de uma
Constituinte é um subterfúgio para ocultar questões mais relevantes, como o combate à
corrupção:
A circunstância enfatiza a posição que o Partidos dos Trabalhadores sempre adotou em
relação aos integrantes de seus quadros e de sua cúpula dirigente que praticaram “erros”
(termo oficialmente consagrado para referir crimes de petistas): o abafamento completo
do assunto, a falta total de investigação sobre o comportamento dos acusados e, em
ultima instância a tranquila oferta de impunidade aos participantes da “sofisticada
organização criminosa” denunciada pelo Procurador Geral da República e agora
processada no Supremo Tribunal Federal. (...) Outra ideia “de jerico” a ser discutida
nesse conclave partidário é a da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte
exclusiva, destinada a implementar a reforma política. Diga-se, antes de tudo, que esta
proposta implica numa “capitis diminutio” das duas Casas Legislativas do Congresso
Nacional. A argumentação em seu favor prende-se à premissa segundo a qual o atual
Congresso jamais fará uma reforma política porque seus membros se beneficiam do
“sistema” político que “aí está”. (OESP, “Congresso do PT – em má hora”, 29/08/2007)
O jornal leva o leitor a concluir que o PT está mais preocupado com seus
encontros e festas – e, mais do que isso, faz de tudo para ocultar irregularidades. A
mesma coisa acontece em relação à proposta da reforma política. A Constituinte
serviria, nesse caso, apenas como paliativo para deixar as coisas como estão no
Congresso Nacional, já que os políticos não estariam interessados em aprovar regras
que não os beneficiariam.
Os enquadramentos buscam reforçar a ideia de que os governistas são
criminosos, “réus de ações penais” que fazem parte de uma “sofisticada organização
criminosa”, que buscam o “abafamento” das irregularidades supostamente cometidas. A
Constituinte exclusiva para debater a reforma política é considerada uma “ideia de
jerico”, uma expressão utilizada para qualificar uma ideia de tola.
No inicio do ano de 2007, a Folha de S.Paulo organizou com parlamentares um
debate sobre a reforma política. No editorial “Bom começo” (27 de janeiro),
118
mencionam-se alguns pontos que estiveram presentes no debate, como o fim das
votações secretas no Parlamento, o financiamento público das campanhas, o papel do
Conselho de Ética, as emendas ao Orçamento, o absenteísmo no plenário, o acúmulo de
Medidas Provisórias e a recuperação da iniciativa legislativa do Legislativo. “Foi, pelo
menos, um bom começo”, avalia a Folha.
O editorial “Mais participação” (16 de fevereiro) trata de uma proposta da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) destinada a ampliar consultas diretas aos
eleitores. Busca-se permitir que os projetos de iniciativa popular pudessem suscitar a
realização de plebiscitos e referendos. Esses projetos de lei têm a exigência de reunir
apoio de pelo menos 1% do eleitorado brasileiro (cerca de 1,2 milhão de assinaturas),
distribuído por cinco Estados.
A Folha sugere que essa iniciativa pode resultar em manipulação autoritária de
plebiscitos: “poderia ser utilizada pelo presidente de turno como um meio de coagir o
Congresso e ensaiar alguma aventura cesarista”.
No mês de março de 2007, a Folha tece críticas à decisão do TSE sobre o
mandato parlamentar. Na visão da Justiça Eleitoral, o mandato de deputados federais,
estaduais e vereadores pertence ao partido, e não ao parlamentar. Em “Barafunda
eleitoral” (29 de março), o jornal postula que “a ação desastrada do TSE ao menos sirva
para que os deputados aprovem um estatuto claro sobre a fidelidade partidária”.
O jornal aborda essa questão em outro editorial:
A velha tradição brasileira de providenciar o cadeado apenas depois de arrombada a
porta volta a manifestar-se. A Câmara, atordoada pelo entendimento do TSE de que o
mandato do parlamentar eleito em votação proporcional pertence ao partido, aquece as
turbinas para votar alguma reforma política. A situação é paradoxal. Por um lado, a
corte eleitoral tem se mostrado à vontade para atuar num terreno que deveria ser
prerrogativa do Legislativo. Não raro essas intervenções criadoras de norma geram
insegurança. Qual será, por exemplo, a conseqüência prática da resposta à consulta do
ex-PFL (hoje Democratas) se a Carta não elenca, entre os casos passíveis de cassação
(art. 55), a desfiliação do partido? Por outro lado, tais intervenções da Justiça ocorrem
porque o Congresso se omite, há mais de uma década, da tarefa de modernizar as
instituições da representatividade popular. Os termos da fidelidade partidária – um
anseio da sociedade, que abomina o troca-troca entre legendas – deveriam estar
esclarecidos nos códigos há muito tempo. Agora o tempo da protelação terminou. Os
políticos terão de decidir, e escrever em lei, se entregam o mandato ao partido ou se
encontram alguma outra maneira de inibir a infidelidade. (FSP, “A vez dos deputados”,
30/03/2007)
119
O jornal apoia a ideia de que o prazo deva ser prolongado e que o tempo de
filiação partidária suba de um para quatro anos antes do pleito. O texto critica o
Congresso por manter uma norma antiquada às necessidades das instituições.
Os enquadramentos apresentam um sistema político com regras antigas que
precisam ser “modernizadas” e que o “troca-troca entre legendas” precisa ser proibido.
Há também uma opinião sobre o TSE, que na observação do jornal operou
equivocadamente em relação ao mandato parlamentar. A Folha acredita que o mandato
é do parlamentar, uma vez que foi este que recebeu os votos nas eleições. A solução
estaria na adoção de regras mais restritas acerca da fidelidade partidária.
As eleições municipais de 2008 são tema do editorial “Deboche dos vereadores”
(7 de abril de 2007). Critica-se a votação aprovada sobre a proposta da Câmara
Municipal de São Paulo “que transfere ao contribuinte o pagamento dos salários de seus
cabos eleitorais, cria 223 novos cargos e oferece jetons para servidores efetivos da
Casa”.
A Folha reafirma que apenas com uma reforma será possível romper com o
clientelismo e o alto custo dos legisladores. Conclui: “Decerto a democracia não pode
prescindir de legisladores. Mas é também válida a recíproca de que parlamentares não
podem debochar do contribuinte” (FSP, “Deboche dos vereadores”, 07/04/2007).
Já no editorial “Foco no Legislativo” (17 de abril), o periódico acusa o PT e o
PSDB de não dar a devida prioridade à reforma política. O texto menciona a decisão do
TSE de atribuir o mandato do candidato ao partido e afirma que o Congresso e as
lideranças partidárias contribuem para a “anomalia” da infidelidade partidária.
Na opinião da Folha, era necessária uma discussão prévia no Congresso sobre a
fidelidade partidária. O jornal deixa claro que os parlamentares pouco fazem acerca
dessas regras e “tampouco arredaram pé da modorra no que concerne à chamada
cláusula de barreira”. Os partidos adotam alguma decisão apenas quando se trata de
salvaguardar benefícios: “Quando as principais legendas do governo e da oposição dão-
se a consultas veladas entre cardeais, preocupadas em distribuir senhas para a ocupação
escalonada do Planalto” (FSP, 17/04/2007).
No editorial “Os alquimistas” (14 de abril), a Folha aborda a proposta do fim da
reeleição para os cargos no Executivo e o aumento do mandato para cinco anos. O
jornal argumenta ser positiva a discussão. Entretanto, isso “não significa transformar o
sistema político brasileiro num laboratório em que destilações de composição suspeita e
120
vagas poções de longa vida sejam feitas e desfeitas, ao sabor de interesses
conjunturais”.
A Folha compara os parlamentares a alquimistas “capazes de turvar ainda mais,
conforme lhes convém, as poucas regras claras em que se baseia a democracia
brasileira”.
O mês de maio de 2007 foi marcado pela Operação Navalha da Polícia Federal.
O esquema de superfaturamento de obras e fraudes nas construções envolvia o
pagamento de propina a políticos do PSDB e do DEM, além de outros agentes públicos.
No editorial “Além da Navalha”, (20 de maio), a Folha assim descreve a
situação: “É todo o sistema político brasileiro, entretanto, que mais uma vez parece
desagradavelmente expor suas entranhas com essa operação”. E acrescenta:
Nos últimos anos, nenhuma organização partidária relevante deixou de protagonizar
episódios que vão do revoltante ao ridículo, compondo um painel que desafiaria os
pincéis do mais enfático adepto do surrealismo. Cuecas, maletas, carros de luxo,
máquinas de bingo, em meio a curupiras, navalhas e sanguessugas – para lembrar os
nomes, sempre sugestivos, das operações da PF –, acumulam-se diante dos olhos do
espectador, que entretanto já não se surpreende. (FSP, “Além da Navalha”, 20/05/2007)
O jornal descreve o sentimento de descrédito nas instituições e a insatisfação
com a falta de transparência no financiamento das campanhas, na elaboração
orçamentária de emendas parlamentares e na dificuldade de acesso às informações de
doação eleitoral, além da multiplicação dos casos de corrupção.
Em 12 de junho de 2007, a Folha aborda o movimento dos deputados em torno
das alterações das regras da representação popular. Segundo o jornal, os parlamentares
buscam prejudicar os cidadãos:
[...] com o financiamento público de campanhas, aumentar a fatia de recursos que as
legendas tomam do contribuinte. Já com a lista fechada, predeterminada pelo partido,
também querem cassar do eleitor o direito de escolher pelo nome o seu representante
nos pleitos para deputado e vereador. Trata-se de uma “reforma” pensada sob medida
para beneficiar as oligarquias partidárias, à custa dos cidadãos. (FSP, “Reforma em
reforma”, 12/06/2007)
Para o jornal, é necessário melhorar os mecanismos de controle democrático,
como a prestação de contas pela internet, na qual seja apresentada a relação de doadores
das campanhas. Sobre a lista fechada preordenada pelos partidos, o jornal se mostra
contrário a essa opção: “Não é preciso enfraquecer o voto para fortalecer partidos”.
121
Também defende o voto distrital misto como forma de aproximar o eleitor de seus
representantes.
A pauta de votação para o segundo semestre de 2007 no Congresso inclui a
CPMF e a reforma política. Os editorais “Solução anômala” e “Falsa reforma”,
publicados pela Folha respectivamente nos dias 6 e 7 de outubro, abordam a decisão do
STF sobre a fidelidade partidária que concluiu que os mandatos de deputados e
vereadores (eleitos no sistema proporcional) pertencem aos partidos.
O jornal também alerta para o risco que se corre em relação à judicialização da
política, afirmando que houve interferência do Supremo num assunto cuja decisão
caberia ao Legislativo. Para a Folha, esse fato aponta para a necessidade de uma
reforma política abrangente. Novamente, o jornal se posiciona a favor da proposta do
voto distrital misto, que seria capaz de resolver o dilema do voto no partido ou no
candidato:
O sistema é inoperante e contraditório nos seus próprios termos e lacunas. Cumpre
trazer a discussão ao conjunto da sociedade. O voto, a rigor, não é do partido nem do
candidato: é do eleitor, e é este quem se vê solenemente traído – por partidos e
candidatos – enquanto persistem os absurdos do atual sistema. (FSP, “Falsa reforma”,
07/10/2007)
No editorial “Confusão eleitoral” (18 de outubro), o jornal reitera a necessidade
da reforma política, sobretudo após a decisão a respeito da fidelidade partidária. Para a
Folha, esse caso “reflete esse clima de imprevisibilidade e, para empregar o termo no
seu sentido mais estrito, de casuísmo judiciário”. Menciona ainda a decisão do STF e
alerta para o risco de determinações feitas em resposta a necessidade conjunturais:
Não há decisões conjunturais, ainda que bem-intencionadas, capazes de resolver
deficiências que atingem o conjunto do sistema. Só uma reforma política ampla
atenderia a esse objetivo. Que as últimas decisões do Judiciário tenham pelo menos o
efeito de impor a deputados e senadores uma pauta que, com crescente evidência, não
mais se podem dar ao desplante de negligenciar. (FSP, “Confusão eleitoral”,
18/10/2007)
No dia 26 de dezembro de 2007, a base de sustentação do governo é o tema do
editorial “Base instável”. A Folha descreve a dificuldade de negociação do Executivo
para obter de seus aliados o apoio de que necessita nas votações no Congresso. De
acordo com o jornal, cargos e favores voltam a ser objetos de barganha a cada decisão
122
de interesse do governo: “É como se nenhuma base existisse – e nenhuma sustentação
houvesse – sem o atendimento de pleitos individuais de cada parlamentar”.
O jornal acusa as relações fisiológicas construídas pelo governo Lula, que
permitem que o PMDB negocie mais espaço no ministério. O partido é comparado à
“hidra mitológica” por ter “inúmeras cabeças, e em todas o mesmo insaciável apetite”.
A instabilidade do bloco parlamentar do governo – e tudo o que supõe de benefícios
fisiológicos para mantê-lo – é, para não dizer o principal, um dos mais decisivos fatores
para a degradação que a atividade política hoje conhece no Brasil. O tema – apesar das
dificuldades que o cercam – não tem como ser adiado. (FSP, “Base instável”,
26/12/2007)
Nesse sentido, a Folha assegura que as mudanças a partir de uma reforma
política que regule os mecanismos quanto à fidelidade partidária, ao financiamento de
campanha e à disciplina partidária podem trazer maior transparência à vida política.
Os enquadramentos voltam-se ao problema da fidelidade partidária e das
decisões do TSE e do STF, que são avaliadas negativamente por definir sobre temas de
responsabilidade do Legislativo. O conflito entre Legislativo e Judiciário é marcador de
frame sobre as instituições e seu comportamento. A solução novamente estaria na
aprovação de regras eleitorais mais rigorosas.
O ano de 2008 foi marcado pela especulação de que o presidente Lula tentaria
um terceiro mandato em 2010. O Estadão menciona os esforços de PSDB e DEM, de
oposição, de bloquear qualquer tentativa de mudança nas normas eleitorais para permitir
uma nova candidatura de Lula:
Dirigentes tucanos e democratas resolveram bloquear por todos os meios a seu alcance
qualquer tentativa de mudança das normas eleitorais antes da sucessão de 2010 – a rigor
o único germe da mudança em cena é o fim da reeleição para presidente, governadores e
prefeitos, substituída por um mandato exclusivo de cinco anos. É óbvio, que o objetivo
imediato da decisão só tem parentesco com o conceito de pós-Lula na preocupação de
assegurar que tudo permaneça como está até 1º de janeiro de 2011. A intenção do pacto
pela estabilidade das regras do jogo é cimentar a barreira oposicionista contra um
casuísmo destinado a dar ao presidente a espúria possibilidade de se candidatar ao
terceiro período no Planalto. Como se sabe o golpe de mão inicial dos continuístas
consistia na apresentação de uma emenda constitucional que daria ao chefe do governo
a faculdade de convocar plebiscitos – atualmente prerrogativa exclusiva do Congresso.
Aprovada a rasteira de estilo “chavista”, Lula chamaria o povo a dizer se o quer lá por
mais quatro anos. (...) Por fim, desvinculada de um projeto geral de reforma política, a
mudança contra a qual se insurgiram as lideranças da oposição como já haviam feito,
justiça se lhes faça, as melhores cabeças do outro lado, seria a consagração do
casuísmo. E os casuísmos são letais para a legitimidade das instituições políticas.
(OESP, “Contra o casuísmo eleitoral”, 17/04/2008)
123
Na época, as declarações do presidente Lula iam contra qualquer tentativa de um
terceiro mandato, apesar de terem acontecido pequenas mobilizações de parlamentares
nessa direção. No entanto, o Estadão posiciona-se contra qualquer tentativa de adoção
da medida, o que denomina de “rasteira estilo chavista”, em alusão ao então presidente
da Venezuela, Hugo Chávez, que permaneceu no poder por vontade popular.
O texto demonstra insegurança por mudanças nas regras do jogo político que
pudessem beneficiar o presidente Lula. O enquadramento desse contexto apresenta a
ideia de “casuísmo” sobre eventuais mudanças oportunistas de tais regras. O uso das
expressões “golpe”, sobre a possibilidade de convocação de plebiscitos populares, e
“pós-Lula”, cunhada pelos políticos da oposição, é ressaltado no editorial.
Por ocasião da comemoração dos vinte anos da Constituição Federal de 1988, o
Estadão publicou em 3 de outubro editorial que enaltece a estabilidade política
conquistada a partir da restauração da democracia. O jornal destaca que a Carta já
sofreu 62 emendas e que novos ajustes deverão ser realizados com uma reforma política
e tributária.
No caso da reforma política, o Estado vê como positivos os ajustes quanto ao
controle das práticas de trocas de favores (fisiologismo) e ao fortalecimento dos
partidos. No caso da tributária, apoia a desvinculação de receitas da União, o que dá
mais autonomia aos governos, e a criação do Imposto Provisório sobre Movimentação
Financeira, atual CPMF, que dá mais liberdade ao Tesouro Nacional.
No ano de 2008, a Folha novamente dá destaque às regras sobre a fidelidade
partidária e reitera sua posição favorável ao sistema distrital misto. Critica ainda a
possibilidade de aprovação de uma norma que permite a troca de legenda num tempo
mais curto. Segundo o jornal:
A crônica das “reformas políticas” que vêm sendo implantadas de modo assistemático e
anômalo no país ganhou mais um capítulo. A previsível reafirmação, pelo Supremo
Tribunal Federal, das regras sobre a fidelidade partidária – norma criada pela corte em
outubro de 2007 e regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral em seguida –
deflagrou uma lamentável reação corporativista no Congresso. Deputados e senadores
pretendem aprovar um atalho legal que lhes devolva a faculdade de mudar de partido
impunemente. A idéia – que demonstra como parlamentares são inventivos quando se
trata de legislar em causa própria – é criar uma "janela" para o troca-troca. Como maio é
o mês das noivas e outubro, o das crianças, todo setembro que antecedesse um ano
eleitoral seria o mês da infidelidade tolerada na política. (...) A iniciativa está tão eivada
de esperteza, no sentido macunaímico do termo, que soa como um acinte, uma caçoada
que ofende não só o público, mas a própria decisão do STF. A corte constitucional
124
decidiu, há mais de um ano, que o mandato dos políticos eleitos no sistema proporcional
(deputados e vereadores) pertence ao partido. Mais tarde, o TSE estendeu a
possibilidade de perda do cargo a senadores, prefeitos, governadores e presidente que
trocassem de legenda. A entrada do Judiciário nessa seara, tipicamente legislativa,
decerto não foi o melhor caminho para acabar com a distorção da infidelidade partidária
generalizada. [...] (FSP, “Resposta mesquinha”, 14/11/2008)
Os enquadramentos empregados para tratar da frequente mudança de partidos
apresentam os políticos como “traidores” e “infiéis”, e o “troca-troca” de siglas como
prática “tolerada na política”, mas que prejudica a representatividade dos eleitores,
tornando frágil a relação destes com os eleitos. A fim de corrigir essa falha da
representação, o jornal manifesta sua opinião favorável ao sistema de voto distrital
misto.
No editorial “Três reformas” (16 de novembro), a Folha afirma que as reformas
do ajuste fiscal, da Previdência e do sistema político “arrastam-se cronicamente pelos
gabinetes de Brasília”. O cenário costumeiro de “estagnação e mediocridade” impede o
avanço de agendas mais ambiciosas.
Para a Folha, as atividades parlamentares se resumem à “administração pontual
das emergências”, o que favorece o fisiologismo nas relações políticas. Nem temas
importantes como a descoberta do pré-sal ou o Programa de Aceleração do Crescimento
conseguem movimentar a atmosfera de inércia do Parlamento:
A reforma política, a diminuição dos encargos tributários e o equacionamento das
contas da Previdência vinham sendo protelados não só pela sua inerente complexidade
como também pelo clima de acomodação e triunfalismo que caracteriza o atual governo.
Não se trata, por certo, de forçar a nota pessimista nos dias que correm. Nada pior,
numa crise, do que o pânico e a improvisação. Por isso mesmo, o que se impõe é agir,
em profundidade, desde já. (FSP, “Três reformas”, 16/11/2008)
A narrativa construída coloca o Congresso Nacional como o espaço inerte da
política, onde as decisões ou não são tomadas, ou demoram muito para ser efetivadas. A
noção de letargia e ineficiência está sempre presente no enquadramento sobre as
atividades do Congresso.
Sobre o trabalho da Comissão de Constituição e Justiça, que conduz a reforma
política na Câmara dos Deputados, no editorial “Retalhos de reforma” (18 de dezembro)
o jornal aponta que quase todos os itens da proposta foram aprovados – como as
125
mudanças no tempo de mandato, alteração na suplência de senadores e o fim do voto
obrigatório.
A tentativa de emplacar um artigo sobre a reeleição sem limite de número de
mandatos foi duramente criticado por vir da base governista. Para a Folha, esse artigo
servia a objetivos “mesquinhos e casuístas que buscam moldar a Carta a seu interesse”.
Vale lembrar que naquele momento estava em discussão a possibilidade de um terceiro
mandato consecutivo para o presidente Lula. Novamente, o jornal se posiciona
favorável à adoção do voto distrital misto, em listas abertas, a fim de disciplinar os
partidos e melhorar a representatividade.
No editorial “Voto e cassação” (26 de dezembro), a Folha cita o caso do
deputado federal paraibano Walter Britto, eleito pelo então PFL, depois DEM, e que
passou pelo PRB. Britto foi cassado por indisciplina partidária.
O jornal demonstra falhas da proporcionalidade do sistema e aborda a questão
do pertencimento da candidatura ao partido. Para a Folha, o adiamento da discussão
sobre a fidelidade partidária poderia ser resolvido através de uma reforma política, e não
por decisões judiciais, como de fato aconteceu.
No ano de 2009, a ideia de crise moral e de permanente escândalo na política dá
o tom dos editoriais. O Estado busca tratar da proposta de reforma eleitoral
mencionando itens importantes, como o financiamento das campanhas eleitorais e o
voto em listas fechadas. Todavia, aponta críticas e a dificuldade de aprovação de regras
eleitorais:
A sessão permanente de escândalos em que vive o Congresso, imerso numa crise moral
como poucas na sua história recente, acaba de produzir o efeito perverso de estigmatizar
a iniciativa de levar à ordem do dia uma proposta de reforma eleitoral e do
financiamento das campanhas. Compreensivelmente, talvez, dado o profundo descrédito
que os parlamentares fizeram por merecer da opinião pública, o projeto tem sido
recebido com uma jogada duplamente maliciosa. Serviria, primeiro para desviar as
atenções da rotina de abusos nas duas Casas do Legislativo. Segundo, para acobertar os
seus responsáveis. Isso porque, se a mudança passar, o que parece duvidoso, o eleitor
deixará de votar em nomes para deputado e vereador, para votar em listas partidárias
fechadas; ficaria assim, argumenta-se, impedido de punir nas ruas os políticos que
desonram o mandato popular. (OESP, “Reforma eleitoral polêmica”, 11/05/2009)
O texto menciona ainda a proposta liderada pelo então presidente da Câmara,
Michel Temer (PMDB), que propõe lista fechada, financiamento público exclusivo,
possibilidade da troca de partidos e proibição de coligações em anos eleitorais, além de
alterar tempo de distribuição dos horários de propaganda gratuita eleitoral.
126
A crítica do jornal se faz a essa proposta, apoiada por PT, PCdoB, PMDB, DEM
e PPS, mas que não obteve consenso de outras siglas. Os enquadramentos sobre a
reforma política, ou a ideia que se faz dela, trazem percepções de insegurança,
ineficiência e falha. Corrobora essa visão a tese de que o interesse dos políticos sempre
prevalece sobre o partido, o que resulta em fisiologismo.
Na opinião do Estadão, em editorial do dia 4 de dezembro, o presidente Lula tira
vantagens de tudo, inclusive de seus próprios erros. Na ocasião da Cúpula Ibero-
americana em Portugal, uma declaração do presidente, minimizando o escândalo do
“mensalão”, repercutiu negativamente. O jornal acusa o presidente de “esconder a
sujeira embaixo do tapete.”
Lula se defende assegurando que enviou ao Congresso duas propostas de
reforma política que visavam, nas palavras do petista, a “moralizar o funcionamento dos
partidos” e o processo eleitoral. Novamente, o Estado acusa o presidente de dar falsas
declarações. Além disso, reforça a crítica de que o presidente é o responsável pela
articulação da base governista que construiu para apoiá-lo nas votações.
Na verdade, nunca antes na história deste país houve um presidente que tivesse
contribuído tanto quanto Luiz Inácio Lula da Silva para o avanço galopante da gangrena
da corrupção em todas as instituições republicanas. Está aí, “falando por si”, o
tratamento privilegiado que dele merecem alguns dos protagonistas mais expressivos de
recentes episódios escabrosos da cena política nacional, a começar por Roberto
Jefferson, passando por Jader Barbalho, Renan Calheiros, José Sarney e Fernando
Collor, etc., etc., e tal. (OESP, “O falso patrono da reforma”, 04/12/2009)
Para o Estadão, a reforma política não foi aprovada porque o presidente, apesar
das condições favoráveis, não quis fazê-la.
O tema da corrupção foi muito presente também nos editoriais da Folha de
S.Paulo no ano de 2009. O editorial “Reforma em fatias”, publicado em fevereiro,
considera a proposta de plebiscito para uma Constituinte específica para a reforma
política um “lance de marketing político rudimentar”, com vistas ao fortalecimento do
discurso de combate à corrupção a ser utilizado por Dilma Rousseff, então ministra-
chefe da Casa Civil, em sua candidatura à eleição presidencial de 2010.
A ideia da convocação de uma Constituinte, apresentada em 2007, volta à
agenda, ao lado da proposta do presidente para um projeto de lei que torna hediondos os
crimes de corrupção ativa e passiva, peculato e concussão. Para a Folha, essas ações
127
não resolvem os problemas de corrupção e funcionam como propaganda do partido
governista para as eleições do ano seguinte:
De um lado – com a tese do “crime hediondo” – cria-se uma bandeira de fácil
entendimento popular. De outro, acena-se com um plano supostamente sólido destinado
a empreender a reforma política, para consumo de uma plateia mais restrita.
O assunto retorna com frequência na retórica lulista, numa formulação inverídica: a de
que o Planalto sempre quis promover mudanças no sistema, deparando-se entretanto
com o desinteresse do Congresso. (FSP, “Reforma em fatias”, 12/02/2009)
A Folha classifica a proposta de reforma política como resposta pronta do
governo para as graves as denúncias de irregularidades que o atingem. Além disso, a
Constituinte nada acrescentaria à discussão política e poderia fragilizar ainda mais a
Constituição de 1988 como o documento fundamental da democracia brasileira.
No editorial “A lei dos descarados”, publicado em maio de 2009, o jornal
argumenta que a proposta de lista fechada em eleição proporcional prejudica os
eleitores. Segundo a opinião da Folha, “trata-se de impedir que o eleitor escolha
nominalmente seus candidatos a deputado federal, deputado estadual e vereador e ainda
exigir que o contribuinte pague pelos gastos da propaganda eleitoral”.
Nesse modelo, que contavam com amplo apoio da base governista e da
oposição, o eleitor vota no partido e não no candidato; seu objetivo é fortalecer as
legendas. Para a Folha, o dispositivo permite “esconder o próprio rosto no momento da
eleição. É a lei dos descarados – e uma das piores afrontas às instituições democráticas
do país desde que se encerrou o regime militar” (FSP, 07/05/2009).
Em vista das propostas apresentadas para a limitação do uso da internet nas
campanhas eleitorais, o jornal considera um atraso, por não respeitar a liberdade de
expressão política, o conjunto de dispositivos que os deputados apresentaram. Com o
uso de blogs e sites na propaganda eleitoral, ficaria vedado ofender ou caluniar
adversários. A Folha discorda deste ponto, considerando uma norma burocrática que
restringe a liberdade de opinião: “persiste nesse conjunto de regras a incompreensão
básica a respeito do que é liberdade de pensamento. A net, ambiente do exercício
desimpedido da opinião, arrisca-se mais uma vez a ser sitiada pelo burocratismo das
autoridades de plantão” (FSP, “Atraso na rede”, 26/06/2009).
Sobre a imagem do Senado, a Folha menciona no editorial “O Senado que
interessa” (3 de agosto) que algumas propostas surgem para alterar o mandato dos
128
senadores e até mesmo extinguir a Casa, refletindo um cenário de total descrédito de
suas funções.
Em junho de 2009, o escândalo dos atos secretos do Senado editados para
nomear parentes e amigos de senadores, aumentar salários de servidores pagos com
dinheiro público e criar cargos e privilégios aos próprios políticos tornou-se público.
As decisões beneficiaram diversos senadores e parlamentares, dentre eles o presidente
da Casa, José Sarney (PMDB).
Diversas críticas foram feitas, e um editorial foi dedicado ao episódio:
Ficou patente que na cúpula do Senado, especialmente na figura até então resguardada
de José Sarney, a mais completa confusão entre patrimônio público e sua apropriação
privada vinha sendo há anos comportamento usual, normalíssimo. É deplorável que um
político com reais serviços prestados à implantação da democracia hoje vigente no
Brasil não tenha jamais se emancipado dos métodos próprios do mais primitivo
coronelismo político. Longe de ter sido a primeira onda de escândalos a atingir o
Senado, esta terá sido, porém, uma das mais desmoralizadoras. E o peso dessa
responsabilidade recai, junto com as acusações específicas, sobre o presidente Sarney.
(FSP, “O Senado que interessa”, 03/08/2009).
Para o jornal, as reformas ganham força nesses casos – porém, extinguir o
Senado não seria a melhor solução, mas sim reduzir o tempo de mandato dos senadores.
O jornal reitera o papel legítimo de atuação da Casa como garantia de equilíbrio
federativo, atuando na proteção das unidades menos populosas em relação àquelas que
concentram a maioria da população.
No final do ano de 2009, a Folha faz um balanço acerca do número de emendas
e dispositivos “casuísticos” impostos à legislação eleitoral. Sempre no ano anterior a um
pleito, são aplicados “remendos”, transformando a legislação numa “colcha de retalhos”
(expressão frequentemente usada durante a ditadura militar para falar sobre a
Constituição Federal).
O editorial “Gato e rato” (10 de dezembro) compara a relação entre a Justiça
Eleitoral e o Parlamento a uma corrida de gato e rato, “na qual as contradições e
omissões da lei formal terminam por motivar uma jurisprudência”. As decisões acerca
da fidelidade partidária são um exemplo desse impasse, visto que emanou do Judiciário
a determinação de que o mandato é do partido, e não do candidato.
As mudanças para as eleições seguintes são passíveis de reflexão a respeito da
relação entre a Justiça Eleitoral e o Ministério Público sobre quem deve fiscalizar e
129
punir políticos e partidos, que demonstram incapacidade de realizar uma reforma
política em função de seus comportamentos oportunistas.
Os enquadramentos se manifestam novamente com foco no conflito entre
Legislativo e Judiciário, apresentando imagem negativa da Câmara e do Senado e
associando-os a práticas de corrupção. A convocação de uma Constituinte é avaliada
negativamente pelos dois jornais. O fisiologismo é apresentado como um dos grandes
males do governo Lula, o que só poderia ser resolvido com regras e reformas rigorosas.
O texto da Folha aborda o tema do combate à corrupção e a preparação da
candidatura de Dilma Rousseff para a disputa presidencial de 2010. O jornal afirma que
algumas ações do presidente Lula fazem parte de uma estratégia de marketing para
promover a candidatura, fortalecer as ações do governo contra a corrupção e retomar o
debate sobre a reforma política:
Na semana passada, numa iniciativa puramente propagandística, o presidente enviou ao
Congresso um projeto de lei tornando hediondos os crimes de corrupção ativa e passiva,
peculato e concussão. Como já observado neste espaço, aumentar a severidade das
punições em casos desse tipo não altera em nada o problema que de fato se necessita
resolver: o de que haja rápida e concreta aplicação da lei. Acrescenta-se agora, por
iniciativa do PT, uma ideia já apresentada em 2007: a de que se realize um plebiscito
sobre a convocação de uma Constituinte exclusiva, destinada a promover a reforma
política. No cronograma petista, a tese do plebiscito seria votada na mesma convenção
partidária que consagrará – pois esta é a vontade de Lula – o nome de Dilma Rousseff
como candidata à sucessão presidencial. De um lado – com a tese do “crime hediondo”
– cria-se uma bandeira de fácil entendimento popular. De outro, acena-se com um plano
supostamente sólido destinado a empreender a reforma política, para consumo de uma
plateia mais restrita. O assunto retorna com frequência na retórica lulista, numa
formulação inverídica: a de que o Planalto sempre quis promover mudanças no sistema,
deparando-se entretanto com o desinteresse do Congresso. O fato é que não houve real
empenho, nem da parte do Executivo nem dos partidos que o apoiam, no sentido de
tornar a reforma política algo além de uma desconversa, a ser repetida cada vez que se
tornavam mais graves as denúncias de irregularidades no governo. (FSP, “Cortinas de
fumaça”, 18/12/2009)
O jornal avalia de forma crítica a inserção na agenda da convocação de uma
Constituinte exclusiva para a reforma política, pois acredita que se trata apenas de um
discurso em relação ao combate à corrupção; seria um falso tema de agenda, uma vez
que “não houve real empenho, nem da parte do Executivo nem dos partidos que o
apoiam” nesse combate, fazendo com que apenas o discurso se repita a cada nova
denúncia de irregularidade no governo. O frame de que a reforma é um assunto sempre
retomado como placebo para questões que não “querem” ser solucionadas aparece
novamente.
130
O ano de 2010 foi marcado pela disputa eleitoral e pela iniciativa popular da Lei
da Ficha Limpa (Lei complementar nº 135/2010), que reuniu cerca de 1,6 milhão de
assinaturas. A medida torna inelegível por oito anos um candidato que tiver o mandato
cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de órgão
colegiado (com mais de um juiz).
O Estado abordou a questão das alianças políticas e do poder Executivo na
aprovação de valores maiores para as aposentadorias. Para o jornal, a base aliada propôs
um aumento bem maior no Congresso, colocando em xeque o presidente:
[...] Os aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o traíram, no Congresso, ao
defender com objetivos obviamente eleitorais um aumento bem maior para as
aposentadorias do que o proposto pelo governo. A oposição apoio este jogo para ver o
presidente em xeque. Ele teria de escolher entre um ato de imprudência fiscal – se as
contas dos ministros estivessem certas, e uma decisão politicamente custosa. Vetados os
7,7% perderia vigor também o aumento de 6,14%, eliminado do texto emendado pelos
congressistas. Teria sido uma jogada brilhante se a oposição pudesse reivindicar sua
autoria. Mas quem pôs em xeque o presidente foi sua base aliada. Esse episódio
comprova, mais uma vez, a urgência da reforma política. Governar bem é quase
impossível, quando se dependem de alianças como num sistema partidário como o
brasileiro. (OESP, “O presidente em xeque”, 28/05/2010)
Embora a ideia que se faz das coalizões é de que elas se formem em torno de
questões programáticas, num ambiente em que os partidos discutiriam e acordariam
sobre diferentes posições ideológicas, na prática não é isso que acontece. Há muita
negociação no jogo político. O jornal aponta novamente a necessidade de uma reforma
política visando à garantia da governabilidade.
Vale lembrar que uma aliança eleitoral pode garantir cargos políticos, mas não é
necessariamente fator suficiente para a sustentação de governos, o que implica a adoção
de dinâmicas constantes para garantir maiorias. Os atores políticos estão expostos a um
dilema inerente à arena política – ou seja, entre as estratégias eleitorais e as estratégias
de obtenção e manutenção de cargos.
O enquadramento presente remete à “dinâmica” do jogo e a decisões negociadas
num tabuleiro. O jornal também parece torcer por jogadas que coloquem os atores
políticos em situação difícil como consequência de ações que podem ocasionar reveses
e propiciar “traições” se não forem bem articuladas.
No editorial “O perfil do eleitor brasileiro” (22 de julho), o Estadão comenta
sobre a divulgação de pesquisa divulgada pela Justiça Eleitoral sobre o perfil do
eleitorado, o aumento do número de eleitores e as implicações da eventual adoção do
131
voto facultativo. Destaca-se o equilíbrio da opinião da população sobre a opção do voto
facultativo e o nível de escolaridade dos eleitores brasileiros.
Sobre a escolaridade, o jornal acentua suas críticas contra as falhas no processo
educacional do país, visto que mais da metade do eleitorado (54%) não concluiu o
ensino fundamental: “São 72 milhões dos eleitores dos quais se pode presumir que
tenham mínima ou nenhuma capacidade de formar juízo sobre as grandes questões
nacionais que estão em jogo numa sucessão presidencial.” (OESP, 22/07/2010).
Encerra-se o texto com a imagem de que essas questões não fazem parte da
reflexão durante as campanhas eleitorais. Nelas, as promessas tendem a atender as
necessidades básicas desse eleitorado, sobretudo, quanto a “manter” ou “mudar” o
governo – e, diante da popularidade “arrasadora de Lula”, o desafio se impõe aos
candidatos sobre qual estratégia escolher.
Em “Debaixo do pano” (6 de fevereiro), a Folha de S.Paulo trata da
determinação do TSE sobre as doações de campanha eleitoral. Essa decisão pretende
fazer valer a regra da transparência nas contas, a fim de que cada candidato identifique
os “doadores no prazo máximo de um mês depois das eleições, e que tanto partidos
quanto candidatos tenham contas bancárias próprias para suas finanças de campanha,
promovendo-se a necessária separação dos respectivos caixas”.
A Folha destaca a insatisfação de representantes de PT, DEM e PSDB que se
posicionaram contra o fim das “doações ocultas” nas campanhas eleitorais. Em tom
provocativo, conclama as lideranças destes partidos a se pronunciar sobre o assunto:
Seria aliás saudável, num ambiente em que todos se dizem a favor da reforma política,
ouvir a opinião de figuras como Dilma Rousseff, José Serra, Lula ou Aécio Neves
acerca das doações ocultas. Enquanto as instâncias menores do PT, do PSDB e do DEM
tratam de defender o sistema, seus próceres tendem a agir – como é sempre o caso nos
negócios de campanha – como se nada tivessem a ver com isso. (FSP, “Debaixo do
pano”, 06/02/2010)
Na opinião da Folha, o ideal seria a divulgação online das doações e das
despesas eleitorais, a fim de dar mais transparência ao processo.
O jornal prefere dar destaque à Lei da Ficha Limpa e suas possíveis implicações.
Para o periódico, “o exemplo da ‘ficha limpa’ pode demonstrar que, face às pressões da
opinião pública, o interesse corporativo e partidário nem sempre sai vitorioso”. O jornal,
que sempre menciona em seus editoriais a dificuldade e falta de vontade política acerca
132
das discussões sobre a reforma, aponta para outro item que mereceria destaque: o voto
facultativo.
O Legislativo, como é de costume, pouco faz para desemperrá-lo. Como ocorre em
outros pontos da reforma política, depende da pressão da sociedade levá-lo adiante – e
não dar como perdida qualquer possibilidade de mudança num sistema às voltas com
nítida crise em seus mecanismos de representação. (FSP, “Voto facultativo”,
31/05/2010)
A posição da Folha sugere que, se a adoção do voto facultativo tivesse apoio em
mobilização popular, talvez o instrumento fosse aprovado no Congresso. Os
enquadramentos presentes no texto dão ênfase à morosidade do sistema e à falta de
vontade política de um grupo, a quem denomina de “estamento político”, que nenhuma
mudança realiza.
No editorial “Afinidades fisiológicas” (30 de junho), enfatizam-se as alianças
políticas com vistas ao ganho no tempo da propaganda eleitoral no rádio e na televisão.
“Todos se veem compelidos a barganhar mais espaço no jogo eleitoral midiático, cujo
peso no resultado das urnas pode não ser absoluto, mas é decisivo”.
A Folha considera que o oportunismo nas alianças eleitorais consegue unir o
governo Lula até mesmo a “antigos adversários viscerais, como os ex-presidentes José
Sarney e Fernando Collor”. O fisiologismo é a principal “argamassa” do
presidencialismo de coalizão no Brasil, afirma o jornal, que acrescenta que a reforma
política emerge sempre como solução redentora.
Com certo desânimo, a Folha salienta que é pouco provável que o Congresso
Nacional coloque em debate e votação um conjunto de regras que acabe com as
imperfeições do sistema. Aponta ainda que, observando pontos específicos como a
cláusula de barreira e o controle sobre os pequenos partidos que funcionam como
legendas de aluguel, já haveria avanços.
O periódico volta a comentar sobre a proposta de Constituinte exclusiva para a
reforma política, avaliando-a como “ingênua”. A Folha é taxativa ao afirmar que “a
ideia é ingênua, impraticável e, na presente conjuntura eleitoral, perigosa”. Cabe
lembrar que a proposta da Constituinte era defendida pelo PT (FSP, 29/08/2010).
No editorial “Perigosa fantasia”, o jornal assegura que se trata de “fantasia
eleger uma assembleia de anjos, imunes aos vícios do sistema”. Além do mais, é uma
proposta inconstitucional, pois deveria ser autorizada por um plebiscito ou convocação
133
de um corpo legislativo e finalizada por meio de um referendo popular. Ao mesmo
tempo, aponta que se corre o risco de o Executivo “refazer o desenho constitucional do
país para submetê-lo a seus desígnios”. Nesse caso, teria início um novo ciclo de
autoritarismo, dissimulado sob a aparência de maiorias eleitorais.
O editorial “Colcha de retalhos” (23 de outubro) aborda a necessidade de
reforma da legislação eleitoral, que tem como base o Código Eleitoral de 1965, criado
pelo regime militar, e a Lei das Eleições (Lei 9.504), de 1997. Para a Folha, o conjunto
de regras trata o eleitor como “incapaz de distinguir os seus interesses”, sendo, portanto,
“carente de cuidados e proteções”.
De acordo com o periódico, as restrições impostas pela legislação e pela Justiça
Eleitoral ferem o direito constitucional à liberdade de expressão. Como exemplo disso,
menciona-se a proibição às emissoras de rádio e TV de “ridicularizar” candidatos, “bem
como produzir ou veicular programa com esse efeito” (medida que foi revogada);
proibiu-se a distribuição de panfletos contrários ao PT e a circulação de uma revista
com conteúdo favorável à candidata Dilma Rousseff.
A Folha lembra esse último caso, que envolvia uma igreja e um sindicato, para
tocar no assunto e opinar sobre as entidades sindicais e o aparelhamento político-
partidário. Em sua opinião, não cabe ao Poder Judiciário interferir na relação entre os
trabalhadores e a direção de sua entidade. “Panfletos e revistas (...) são meios pelos
quais sindicatos ou quaisquer outras entidades exercem seu direito de manifestar
opiniões” (FSP, 23/10/2010).
O editorial “Gasto eleitoral” (5 de novembro) trata dos custos elevados com as
campanhas eleitorais no país e classifica o financiamento público das campanhas como
uma alternativa que aumenta o ônus para o contribuinte, “sem oferecer garantia
nenhuma quanto à eliminação das contribuições ilegais”. Na opinião da Folha, a adoção
do voto distrital misto seria a melhor alternativa para diminuir os custos ao concentrar a
disputa numa região geográfica menor.
Alguns enquadramentos recorrentes nos dois jornais sinalizam para um sistema
político-partidário ineficiente, com falhas que precisam ser corrigidas por meio de uma
reforma política ampla. Os jornais apostam que parte da causa de todos os problemas
estava colocada nas alianças realizadas por estratégias eleitorais, que na maior parte das
vezes eram incoerentes do ponto de vista ideológico.
Os partidos políticos são visto como frágeis e agremiações que precisam se
fortalecer, em termos legais, para coibir a migração constante de seus políticos. Tanto a
134
Folha de S. Paulo como O Estado de S.Paulo apontam que os partidos políticos são
instituições frágeis e sem poder, o que se expressa no uso dos termos: “troca-troca entre
legendas”; “dança das cadeiras”; “vaivém entre legendas”; “infidelidade partidária” etc.
Esses termos são usados para abordar um panorama político que se assemelha a um
mercado em que se pode comprar, barganhar, vender, trocar etc.
A análise dos editoriais revela ainda uma imagem pública predominantemente
negativa do Congresso Nacional, na qual parlamentares são apresentados como
motivados por interesses políticos e econômicos, atuando em benefício próprio,
inclusive alterando ou não as normas legais de acordo com conveniências de ocasião.
O governo Lula também é caracterizado a partir de perspectivas que ressaltam
atributos negativos, como na relação que se mostra assimétrica e conflituosa na
condução dos parlamentares no Congresso; na dificuldade em lidar com a base de
partidos aliados; ou nas tentativas de se aproveitar de proposições normativas para
facilitar a tramitação de assuntos de seu interesse nas casas legislativas.
Instituições como o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e o
Congresso Nacional são apresentadas em relações conflituosas entre os poderes,
inclusive quando, na visão dos jornais, não se posicionam em relação a alguns
problemas inerentes a partidos e parlamentares.
A defesa dos valores e princípios da democracia é frequente, sobretudo quando
os jornais apresentam o discurso de melhoramento e aprofundamento das regras
eleitorais; de respeito às regras do jogo democrático; da conclamação à transparência; e
da defesa da liberdade de expressão e opinião.
Em diversos momentos, percebe-se uma tentativa de simplificação dos processos
de votação da reforma. Há pouca distinção entre Câmara dos Deputados e Senado
Federal. Por isso, na maioria das vezes há um apelo aos parlamentares para a resolução
de problemas, criticando-se a disposição e atuação destes quanto às soluções,
desconsiderando-se a complexa dinâmica do processo legislativo e das decisões
governamentais.
Os jornais buscam simplificar também as decisões e aprovações de medidas do
governo a partir de uma perspectiva de vitória ou derrota e do poder imposto pelo
Executivo sobre a base aliada. As noções de competição, negociação, compensação ou
articulação sugerem que os parlamentares atuam sempre segundo interesses próprios,
benefícios e favores, esquecendo-se do seu papel de representação da sociedade e da
defesa do bem comum.
135
Observar os editoriais a partir da construção do discurso político nos remete à
quantidade enorme de expressões, imagens e sensações que atravessam o universo da
política. Se pensarmos no tema corrupção, pano de fundo do cenário político nacional,
percebemos que se trata de um assunto amplamente propalado, reforçado pelos
editoriais, pela grande imprensa, pela mídia televisiva e, sobretudo, cristalizado em
nosso imaginário.
As conversas cotidianas sobre a política estão permeadas por imagens
construídas pelos meios de comunicação. Os enquadramentos são constituídos nas
formas de abordagem e hierarquização de assuntos carregados de ideologias; ao serem
comentadas, discutidas e compartilhadas, as imagens construídas no discurso político
tomam a vida cotidiana, alimentando todo um repertório discursivo de expressões e
imagens acerca da política, dos seus atores e instituições.
Em termos comparativos quanto à posição dos jornais analisados em relação à
atividade dos políticos, nota-se que os dois veículos compartilham uma opinião negativa
sobre problemas já conhecidos, como a migração partidária, o fisiologismo, a barganha
e a negociação.
Apesar de certas diferenças, os editoriais do Estado e da Folha apresentam
algumas semelhanças. Cada linha editorial trabalhou a sua forma: a Folha dá destaque
aos acontecimentos da semana ou do dia, enquanto o Estado prefere reconstruir a
história do evento para expressar sua opinião. Os dois veículos seguem a tendência de
crítica e desconfiança quanto às instituições e aos atores políticos. A reforma política
aparece nos dois jornais como um grande remédio para todas as mazelas apresentadas
por um sistema político muitas vezes chamado de “caótico”.
As sugestões para resolução dos problemas enfatizados pelos jornais são
limitados, seja quanto à explicação, ou a proposição. A contextualização da dimensão
sócio-histórico-político não existe. Observamos que os editoriais mantêm sua influência
política ao agendarem temas semelhantes e abordarem a partir de perspectivas que se
aproximam, e assim, exercerem algum tipo de influencia em governos, partidos e até
mesmo no eleitorado. Nesse sentido, convergem a opinião negativa sobre o Congresso
Nacional e as negociações entre os partidos e seus membros para aprovação de projetos.
Os editoriais apresentam uma posição, tanto em relação a democracia política,
como no que diz respeito à participação popular. A Folha de S.Paulo e O Estado de
S.Paulo são contrários às propostas de Assembleia Constituinte ou um Plebiscito para a
reforma política sugerida pelo governo Lula. Desqualificando a proposta em todos os
136
editoriais sobre o tema. Trata-se de uma concepção restrita e limitada de democracia do
ponto de vista político. Tanto que, não existe espaço para as organizações da sociedade
civil nos editoriais dos jornais. Muito menos para a participação cidadã ou as proposta
que surgiram da sociedade naquele momento (OAB, CNBB, MST, CUT entre outros).
Podemos afirmar que são ocultadas muitas informações aos leitores, como por
exemplo, como funcionam as instituições, o peso do recurso financeiro para as
campanhas eleitorais. Como é a dinâmica do presidencialismo de coalizão e a lógica das
alianças políticas.
Por fim, o papel da própria empresa jornalística no cenário político não tem
espaço para reflexão. O papel dos meios de comunicação como intermediadora dos
interesses privados e dos interesses públicos é complexo. Deve-se considerar a
concentração da propriedade dos meios de comunicação que busca dialogar com uma
maioria de cidadãos que busca informação nesses meios.
Os editoriais apresentam como o posicionamento da empresa capaz de
influenciar, vetar e propor de forma contínua pautas para governantes e para membros
do Estado. Trata-se da construção ideológica da agenda política e econômica que atende
interesses de determinadas classes político-ideologico- econômico.
Há uma relação de apoio da Folha de São Paulo e do Estado de São Paulo em
relação aos pensamentos e ideário de algumas lideranças do PSDB. Sobretudo, O
Estado, que utiliza-se de frase e atitudes dos políticos desses partidos para fazer valer
seu posicionamento político. Em outras palavras, os jornais apoiam teses liberais e
conservadoras, e que em determinados momentos, atuam como linha de transmissão de
determinados partidos.
Esses são alguns pontos importantes para a reflexão sobre os enquadramentos e
abordagens dos jornais analisados. Não há, nos editoriais uma análise sobre o sistema
político brasileiro. Há posicionamentos e opiniões sobre esse sistema, a atuação dos
partidos, políticos e instituições. Sobre a democracia representativa e suas fragilidades
elas se perdem em meio ao debate e divergências sobre qual reforma política adotar.
Os próprios jornais acabam contribuindo para o ambiente político de descrença,
descrédito e desconfiança nas instituições políticas. Não é seu objetivo propor soluções,
mas sim mostrar interpretações vagas, avaliações de juízo, que alimentam um amplo
repertório de senso comum sobre a política, enfatizando os conflitos, os dissensos, o
jogo político e sua dinâmica.
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa apresentada teve como objetivo geral investigar o discurso
construído pelos editoriais dos jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo sobre a
reforma política debatida durante os dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, partindo do pressuposto de que os jornais contribuem para o processo de
produção de imagens públicas e imaginários.
Direcionamos nossos objetivos de forma a contemplar os enquadramentos
adotados pelos jornais e os temas abordados a fim de perceber quais perspectivas os
jornais privilegiam ao tratar da reforma política nos textos editoriais e perceber que
imagem os periódicos analisados constroem para si na narrativa jornalística. A partir
dessa análise foi possível oferecer contribuições mais abrangentes acerca das relações
entre comunicação e política – ou melhor, entre os jornais e a política.
No centro do debate sobre a reforma política estão colocadas questões sobre as
instituições políticas e seus representantes, e sobre qual a função dos partidos políticos.
Sabe-se que a discussão sobre a reforma política é um tema constante na agenda política
que apresenta fragilidades e problemas que, ao longo de mais de duas décadas, não
foram solucionados adequadamente.
O agendamento sobre o conteúdo da reforma política pela imprensa brasileira
desde a promulgação da Constituição de 1988 apresenta certa regularidade e aborda
sempre os mesmos temas – como a representação desproporcional dos cidadãos na
Câmara dos Deputados, o voto facultativo, o voto distrital e a lista fechada, o fim das
coligações e a cláusula de barreira de 5%, o financiamento eleitoral e a fragmentação
partidária. Somente por uma decisão do TSE em 2007 a fidelidade partidária foi
implementada. Cabe refletirmos por que apenas questões pontuais da reforma política
são aprovadas e por que o tema permanece na agenda política e encontra dificuldades de
encaminhamento por conta dos parlamentares.
É certo que as mudanças pelas quais passam os partidos políticos nas
democracias contemporâneas são importantes para o sistema político e para a
legitimidade e o funcionamento das instituições vigentes. Por outro lado, sabemos que
não há consenso sobre pontos essenciais da reforma. A classe política e os partidos
divergem quanto a questões importantes da reforma política. Além do mais, o fator
tempo de trabalho para a discussão e aprovação é pequeno: em torno de dez meses para
138
negociar as propostas de reformas nas comissões especiais na Câmara dos Deputados e
no Senado, aprová-las nas respectivas comissões de Constituição e Justiça e votá-las no
plenário.
A análise dos editoriais sinaliza que a imprensa acompanha os temas nos
bastidores da política. Quando a reforma política está sendo discutida nas comissões ou
no Congresso, ou quando membros do governo, lideranças políticas ou formadores de
opinião se manifestam sobre o tema, a ação desses atores é comentada nos editoriais.
A existência de determinadas ênfases e enquadramentos direciona uma certa
interpretação ou construção da realidade e acaba por revelar a forma pela qual se
compreendem os atores e instituições políticas, resultando consequentemente em
imagens públicas para o público leitor. O editorial se configura como o espaço do jornal
“fazer política”, dialogar com o poder público e colocar assuntos na pauta de discussões
– mas também oferecer elementos que conformam a imagem do próprio jornal.
A leitura de editoriais produzidos durante o mandato do ex-presidente Lula
apresenta algumas características que foram investigadas neste trabalho. O governo
Lula assumiu em 2003, como pauta de sua gestão, uma reforma do sistema político
baseada nos valores da participação e da ética. No entanto, as prioridades do governo no
primeiro ano do mandato concentraram-se, no campo econômico, na tentativa de
tranquilizar os mercados financeiros e, no social, na implementação dos programas
sociais de combate à pobreza e à fome.
A necessidade da reforma política veio à tona de forma inesperada com a
denúncia do caso Waldomiro, assessor da presidência envolvido num esquema de
arrecadação ilegal de fundos para a campanha política, no início do segundo ano do
mandato do presidente Lula. O governo acenou com a reforma política como uma
resposta direta ao escândalo. O debate aconteceu num contexto nada propício para o
encaminhamento do tema, já que era inicio de ano eleitoral.
Quando, em maio de 2005, a revelação sobre o esquema do “mensalão” vem a
público, a ideia de crise política se intensifica e o caráter instrumental da reforma fica
claro com a participação de membros do governo na condução da proposta a poucas
semanas antes do prazo para que novas regras entrassem em vigor para as eleições
seguintes.
Os editoriais da Folha e do Estado abordam esse período de forma crítica ao
trabalho na Comissão de Constituição e Justiça para a Reforma Política, devido ao
pouco tempo de discussão e ao imediatismo da iniciativa.
139
No entanto, a crise política assumiu uma forte dimensão de que a corrupção
deveria ser combatida com alterações nas regras eleitorais. Os três pontos polêmicos –
financiamento público, lista fechada e cláusula de barreira – foram aprovadas na
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados porém, não seguiram em
frente. O debate recuou no Congresso e a campanha eleitoral assumiu a agenda do
momento.
A forma como foram abordados e enquadrados o Partido dos Trabalhadores, o
presidente Lula e o trabalho dos parlamentares merece destaque, pois as opiniões
negativas dos jornais nesse momento estigmatizaram a classe política como um todo,
alimentando o sentimento de desconfiança e insatisfação com as instituições políticas,
partidos e suas lideranças. O discurso do presidente e de seu partido recaiu sobre as
fragilidades do sistema político brasileiro, enquanto os jornais enfatizaram o caráter
ineficiente e corrupto do governo e do sistema político.
Diversas críticas foram feitas pelos jornais ao presidencialismo de coalizão e às
alianças políticas feitas durante as eleições. A divisão do apoio da base aliada no tema
da reforma política, por exemplo, contribuiu para que as divergências entre os
parlamentares ficassem mais claras, sobretudo em relação às propostas centrais da
reforma política. Nesse sentido, voltamos à discussão sobre o poder do Executivo
versus Legislativo e a garantia de governabilidade no presidencialismo de coalizão.
Sobre as propostas encaminhadas pelo PT, o financiamento político aparecia em
primeiro lugar, e a inclusão da lista fechada em segundo. Por sua vez, a proposição do
PSDB apostava na fidelidade e na cláusula de barreira, abandonando a ideia do
financiamento público exclusivo, além da proposta do voto distrital. Nessa questão,
observamos que os jornais tendem a apoiar a proposta do PSDB, pelos posicionamentos
apresentados nos textos analisados.
Os enquadramentos que apareceram com frequência nos editoriais, identificados
na pesquisa, foram: reforma política como solução; conflitos entre Legislativo e
Judiciário; relação entre Executivo e Legislativo; corrupção; sistema político ineficiente
e falho; fisiologismo; infidelidade partidária; comportamento negativo dos
parlamentares; críticas ao governo Lula e seus membros; imagem negativa do
Executivo.
É possível afirmar que o debate sobre a reforma política leva a uma politização
das regras do jogo político. À medida que jornais, partidos e lideranças políticas
discutem tais propostas de alteração de legislação, constroem possíveis cenários para a
140
política brasileira e sugerem ajustes nas regras, adentramos na discussão acadêmica
sobre judicialização da política.
As divergências crescentes entre a classe política quanto ao conteúdo da reforma
e a discussão nos jornais fizeram com que a reforma política entrasse na arena do
discurso – que se ocupa da construção de uma narrativa sobre os desajustes do
arcabouço institucional da política; a fragilidade das instituições; a qualidade dos
políticos; a legitimidade da democracia.
Temos a impressão de que o discurso construído pelos editoriais sobre a reforma
política acabou por deslegitimar os atores políticos, suas ações e o próprio
funcionamento dos partidos nas comissões do Legislativo. É reforçada a ideia de que os
representantes políticos vivem um momento de crise de seu papel e de sua função de
representação; crise esta expressa também na fragmentação do sistema partidário e na
ineficiência de suas regras.
É interessante também pensarmos nas ocultações e omissões que não aparecem
nos jornais na discussão sobre a reforma política. Talvez a mais importante esteja
relacionada ao momento de crise dos partidos e das democracias contemporâneas no
mundo. Pouco se falou das regras do jogo democrático e da questão latente sobre a crise
de representação institucional.
A abordagem sobre o papel do Congresso Nacional e as distinções sobre as casas
legislativas quase não aparece, assim como não é apresentada uma discussão sobre os
movimentos sociais e os setores da sociedade civil que amplamente discutiram a
reforma política em suas bases. Faltam informações sobre a dinâmica do processo de
votação e aprovação dos projetos na Câmara e no Senado, entre outras questões que
envolvem os atores políticos e seus interesses em cada proposta discutida.
A questão sobre o financiamento e doações nas eleições também é um ponto
falho nos jornais. Os editoriais não mencionam que são atores dos setores financeiro,
industrial e a agropecuário, grandes doadores nas campanhas eleitorais. E que, são os
mesmos que mantem os conglomerados de empresas jornalísticas através da
publicidade.
A oportunidade de reflexão sobre a reforma política sugere um momento de
politização das instituições e das regras do jogo democrático. Momento, talvez, de uma
virada nas concepções do fazer política; de pensar a representação por outro viés; de
reinventar os partidos políticos; de incluir a participação como elemento importante do
horizonte político que se desenha.
141
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