UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO
SCHIRLEY APARECIDA FARIAS
Itajaí, junho de 2010
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO
SCHIRLEY APARECIDA FARIAS
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Direito. Orientador: Professora Doutora Cláudia Regina Althoff Figueredo
Itajaí, junho de 2010
AGRADECIMENTO
Primeiramente a DEUS por estar sempre comigo
deste a minha concepção me abençoando e guiando
o meu caminho.
Aos meus pais Jair e Isolete, por acreditarem no
meu ideal, e estarem sempre me apoiando nesta
escolha.
À minha querida filha Heloisa Fernanda dos Santos,
por ser tão pequenina, mas ter uma sabedoria
reluzente, capaz de entender às vezes em que não
pude dar a atenção suficiente quando ela tanto
necessitava, no decorrer destes anos de estudo.
Aos meus irmãos Fábio e Samantha, e demais
familiares, que de alguma forma contribuíram para a
realização deste ideal, em especial aos meus tios
João César e Leonel companheiros das horas
difíceis.
À querida professora e amiga Doutora Cláudia
Regina Althoff Figueredo, por ter aceitado orientar
este trabalho de final de curso, pela ajuda,
companheirismo e inestimável e principalmente
compreensão, aliados aos esclarecimentos sobre a
temática.
Aos meus professores, em especial ao professor
Clóvis Demarchi, pela oportunidade da bolsa de
pesquisa.
Aos colegas de turma, especialmente a Nivalte,
Paulo, Karlon, Márcia e Caroline, pela amizade,
paciência e companheirismo, ao longo destes anos.
E a todos que de forma direta ou indireta,
contribuíram para a conclusão deste curso.
Meu profundo agradecimento.
DEDICATÓRIA
Aos que eu amo muito, em especial aos meus pais e
minha filha que sempre estiveram ao lado, nas horas
alegres, tristes e nos momentos que achava não ser
capaz de cumprir as minhas metas. Muito obrigada
pelo carinho, pela paciência, compreensão e por
acreditarem em mim. Amo vocês!
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, junho de 2010
Schirley Aparecida Farias Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Schirley Aparecida Farias, sob o título
Paternidade socioafetiva e seu reconhecimento no direito de família brasileiro, foi
submetida em [Data] à banca examinadora composta pelos seguintes professores:
[Nome dos Professores ] ([Função]), e aprovada com a nota [Nota] ([nota Extenso]).
Itajaí, junho de 2010
Professora Doutora Cláudia Regina Althoff Figueredo Orientadora e Presidente da Banca
Professor MSc Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ART Artigo
CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916
CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2020
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ED Edição
N Número
ONU Organização das Nações Unidas
ORG Organização
P Página
TJRS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina
TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo
V Volume
§ Parágrafo
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Adoção:
A adoção é uma ficção jurídica que cria o parentesco civil. É um ato jurídico bilateral
que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas para as quais tal relação
inexiste naturalmente1.
Direito de família:
O direito de família é de todos os ramos do direito, o mais intimamente ligado à
própria vida, uma vez que de modo geral, as pessoas provêm de um organismo
familiar e a ele conversam-se vinculadas durante a sua existência, mesmo que
venham a constituir nova família pelo casamento ou pela união estável2.
Família: lato sensu
Abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que precedem, portanto,
de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela doação 3.
Filiação:
Filiação é o vínculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de parentesco
consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe
deram a vida, podendo, ainda ser uma relação socioafetiva entre o pai adotivo e
institucional e filho adotado ou advindo de inseminação artificial heteróloga4.
1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005.
v. 6. p. 269. 2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p.1.
3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 1.
4 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 5. p. 420.
Parentesco:
O parentesco é o vínculo que une duas ou mais pessoas, em decorrência de uma
delas descender da outra ou de ambas procederem de um genitor comum.5
Parentesco por afinidade:
Relação deriva exclusivamente de disposição legal, sem relação de sangue. Na
relação de afinidade, o cônjuge está inserido na mesma posição na família de seu
consorte e contam-se os graus da mesma forma.6
Paternidade socioafetiva:
Paternidade socioafetiva é uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada
pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na
relação paterna filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do
chamamento de pai7.
Poder familiar:
Poder familiar conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais com relação aos
filhos menores e não emancipados, com relação à pessoa destes e seus bens.8
5 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2009. 9. ed. p. 209.
6 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 214.
7 BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade: posse de estado de filho: paternidade socioafetiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 30.
8 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 301-302.
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................... XI
INTRODUÇÃO .................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ....................................................................................... 3
DIREITO DE FAMÍLIA ........................................................................ 3
1.1 DIREITO DE FAMÍLIA - CONSIDERAÇÕES GERAIS .................................... 3
1.1.1 A família no direito canônico ..................................................................... 6
1.1.2 A família no Código Civil de 1916 e nas leis posteriores ......................... 8
1.2 A FAMÍLIA NA ATUALIDADE ....................................................................... 12
1.3 O DIREITO DE FAMÍLIA NO BRASIL ........................................................... 14
1.4 NATUREZA JURÍDICA E CARACTERÍSTICAS ........................................... 15
1.5 PRINCÍPIOS DE DIREITO DE FAMÍLIA ........................................................ 16
1.5.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ............................................. 17
1.5.2 Princípio da liberdade ............................................................................... 18
1.5.3 Princípios da solidariedade familiar ........................................................ 19
1.5.4 Princípios da igualdade jurídica de todos os filhos ............................... 21
1.5.5 Princípio Jurídico da afetividade ............................................................. 23
1.6 DIREITO DE FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 ............................................... 27
CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 31
FILIAÇÃO E PATERNIDADE ........................................................... 31
2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA........................................................... 31
2.2 ESPÉCIES DE PATERNIDADE ..................................................................... 34
2.2.1 Paternidade biológica ............................................................................... 36
2.2.2 Paternidade adotiva .................................................................................. 38
2.2.3 Paternidade registratória .......................................................................... 40
2.2.4 Paternidade sócio-afetiva ......................................................................... 41
2.3 ESPÉCIES DE FILIAÇÃO .............................................................................. 45
2.4 RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO ............................................................. 51
CAPÍTULO 3 .................................................................................... 59
RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA E AS DIVERGÊNCIAS COM A PATENIDADE BIOLÓGICA ..................... 59
3.1CARACTERIZAÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA .......................... 59
3.2 EFEITOS JURÍDICOS DECORRENTES DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. ....................................................................... 67
3.3 SOLUÇÕES DE CONFLITOS DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA PRIORIZANDO O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.71
3.3.1 Aspectos iniciais ....................................................................................... 71
3.3.2 O direito de revogar a paternidade e anulação do registro civil ........... 76
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 82
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 86
RESUMO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 provocou uma importante
alteração no Direito de Família através do princípio da igualdade dos filhos.
Introduziu no ordenamento jurídico uma mudança de valores nas relações familiares,
que influenciou na determinação de uma nova paternidade, fruto do afeto, objeto de
análise na presente pesquisa. Desta forma, faz-se relevante uma abordagem da
repercussão da paternidade socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro, além
dos efeitos decorrentes de reconhecimento. Imprescindível a menção da posição
dos doutrinadores brasileiros, bem como às decisões que formam o atual
entendimento dos Tribunais pátrios, no caminho da solução dos conflitos que
porventura possam surgir decorrentes do reconhecimento da paternidade tema da
presente pesquisa bibliográfica.
Palavras chaves: Direito de Família. Filiação. Paternidade. Paternidade
Socioafetiva.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto a paternidade
socioafetiva e seu reconhecimento no direito de família brasileiro.
O seu objetivo institucional é produzir monografia para
obtenção do grau de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí-
UNIVALI; tendo com objetivo geral analisar as questões relevantes ao
reconhecimento da paternidade socioafetiva, específicos verificar os efeitos
decorrentes deste reconhecimento, bem como os conflitos decorrentes deste
reconhecimento, a possibilidade de revogação ou anulação posterior ao ato, assim,
como examinar os entendimentos dos tribunais acerca do tema pesquisado.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratar de uma
abordagem do direito de família, fazendo uma contextualização histórica do direito
da família. Em seguida dedica-se uma abordagem da família na atualidade e a
família no Brasil. Posteriormente trata da natureza jurídica, características e os
princípio que norteiam o direito de família e finalmente passando a exposição o
direito de família na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o
Código Civil de 2002, fazendo uma contextualização panorâmica, acerca das
modificações ocorridas no direito de família.
Mais a adiante, no Capítulo 2, trata-se-á do estudo do instituto
da filiação e da paternidade. Destacando que acerca da filiação existem duas
espécies, as quais são biológica ou civil, sendo a biológica decorrente do vínculo
sangüíneo, em relação a segunda pode ser constituída pela adoção, pelo vínculo
sociafetivo e de forma registral. Em seguida dedica-se as espécies de paternidade,
fazendo menção à paternidade socioafetiva, e por fim trata-se do reconhecimento da
filiação.
Por fim, no Capítulo 3, será abordado o estudo propriamente
dito da paternidade sociafetiva, dando-se ênfase a forma de sua caracterização,
passando em seguida aos efeitos jurídicos decorrentes desta paternidade. Bem
como se buscou demonstrar a solução dos conflitos gerados a partir do seu
2
reconhecimento e por fim se há a possibilidade de revogação e anulação posterior
ao reconhecimento da paternidade socioafetiva.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,
seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a
paternidade socioafetvia.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses, as quais, após o reconhecimento da pesquisa, serão confirmadas ou não
nas considerações finais:
● Quando há reconhecimento da paternidade socioafetiva,
aquele que o reconhece, terá que assumir os mesmos encargos de um pai biológico.
● A jurisprudência tem aderido à idéia de filiação afetiva
independente da biológica, indo inversamente a base estritamente patriarcal.
● O reconhecimento da paternidade socioafetiva poderá ser
revogado ou anulado, ou deverá nos casos concretos priorizar o melhor interesse da
criança ou do adolescente.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de desenvolvimento o Método
Dedutivo, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é
composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas
do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.
CAPÍTULO 1
DIREITO DE FAMÍLIA
O presente capítulo é dedicado ao Direito de Família, sendo
composto por seis subtítulos, fazendo-se inicialmente uma abordagem do direito de
família, conceituando o direito de família, passando em seguida para uma
contextualização histórica do Direito de Família. Em seguida dedica-se uma
abordagem à família na atualidade. Discorrendo acerca do direito de família no
Brasil. Posteriormente a natureza jurídica, características, os princípios do direito de
família e finalmente passando a exposição o direito de família na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1.988 e o Código Civil de 2002, fazendo uma
abordagem panorâmica, acerca das modificações ocorridas no direito de família.
1.1 DIREITO DE FAMÍLIA - CONSIDERAÇÕES GERAIS
Inicialmente, há de se registrar que a família brasileira atual
sofreu grandes influências da família romana, canônica e germânica.
O direito de família constitui o ramo do direito civil, que
disciplina as relações entre pessoas unidas pelo matrimônio, pela união estável ou
pelo parentesco, bem como os institutos da tutela e da curatela.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, 9:
[...] o direito de família é de todos os ramos do direito, o mais intimamente ligado à própria vida, uma vez que de modo geral, as pessoas provêm de um organismo familiar e a ele conversam-se vinculadas durante a sua existência, mesmo que venham a constituir nova família pelo casamento ou pela união estável.
Acerca do tema leciona Sílvio de Salvo Venosa10:
9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 6. p.1.
4
O direito de família estuda, em síntese, as relações das pessoas unidas pelo matrimônio, bem como daqueles que convivem em uniões sem casamento; dos filhos e das relações destes com os pais, da sua proteção por meio da tutela e da proteção dos incapazes por meio da curatela.
Conforme a sua finalidade ou seu objetivo, as normas do direito
de família ora regulam as relações pessoais entre os cônjuges, ou entre os
ascedentes ou entre parentes fora da linha reta, ora disciplinam as relações
patrimoniais que se desenvolvem no seio da família.
Assim o direito de família regula exatamente as relações entre
os seus diversos membros e as conseqüências que delas resultam para as pessoas
e bens.
Conforme Carlos Roberto Gonçalves11, o vocábulo família no
sentido latu sensu, abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que
precedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela
afinidade e pela doação.
Quanto sua evolução, pode-se dizer que ocorreu lentamente ao
longo dos séculos, mas somente com o advento da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1.988, que chegou ao ápice da mudança social e legal, ao
ser consagrada como a base da sociedade.
Desta maneira a família não é mais vista como um modelo
rígido, constituído unicamente com o casamento, pode-se então dizer, que a
transformação da estrutura da família deu-se progressivamente, através da adoção
do principio da igualdade entre todas as espécies de filiação.
É imprescindível neste trabalho científico que se faça menção à
família romana, como berço da atual, e à qual diversos autores concorrem na
importância de sues sustentáculos para o conceito da cédula familiar ocidental e
para o desenvolvimento do próprio Direito de Família, mesmo que discordem das
diferentes teorias quanto à origem primitiva das relações humanas.
10
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 01.
11 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p.1.
5
Segundo Arnoldo Wald12, em Roma a família era definida como
o conjunto de pessoas que estavam sob a pátria potestas do ascendente comum
vivo mais velho. Assim a família romana era organizada preponderantemente no
poder do pai, e na posição de chefe da comunidade, tendo este poder unitário.
O pater era uma pessoa sui juris, ou seja, este comandava
toda a sua família, e todo resto eram alieni juris.
Desta maneira o conceito de família independia da
consangüinidade, sendo que o chefe (pater) familiar exercia autoridade sobre todos
seus descendentes menores, sobre a sua esposa e inclusive sobre suas noras.
Pelo relato de Arnoldo Wald:13 “a família era, então,
simultaneamente, uma unidade econômica, religiosa, política ou jurisdicional”.
Além destas características a família era uma unidade
religiosa, pois seguiam uma religião própria trazida pelos antepassados já falecidos.
Em relação ao patrimônio, este pertencia a toda família, sendo
administrado unicamente pelo pai, em uma fase mais evoluída do direito romano,
surgiriam patrimônios individuais, como os pecúlios, sendo estes administrados por
pessoas que estavam sob a autoridade do pai.
Com o falecimento do pater, não era a matriarca que assumia a
família, tampouco as filhas, sendo vedado a estas o poder familiar. O pater familis,
era transferido ao filho primogênito, e/ou a outros homens que faziam parte do grupo
familiar.
No casamento romano, existiam duas possibilidades para as
mulheres: que podiam continuar sob a autoridade do pai, denominando-se
casamento sem manus, ou entrar na família marital, devendo obediência a partir
daquele momento do marido, casamento com manus.
Em Roma existiam duas espécies de parentesco: a agnação e
a cognação. “A agnação vinculava as pessoas que estavam sujeitas ao mesmo
12
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 2.
13 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 2.
6
pater, mesmo quando não fossem consangüíneas (filho natural e filho adotivo do
mesmo pai). A cognação era o parentesco pelo sangue que existia entre pessoas
que não deviam necessariamente ser agnadas uma da outra. Assim, por exemplo, a
mulher casada com manus era cognada mas não agnda do seu irmão, o mesmo
ocorrendo com o filho emancipado em relação àquele que continuasse sob a patria
potestas”. 14
A evolução da família romana foi no sentido de restringir
gradualmente a autoridade do pai, dando mais autonomia à mulher e aos filhos,
substituindo assim o parentesco agnatício pelo cognatício. 15
A idéia romana de casamento é diferente da predominante dos
dias atuais. Para os romanos, o afeto era um o sentimento necessário para o
casamento, que por sua vez não poderia existir somente no momento da cerimônia
deste, mas enquanto durasse. Deste modo, a ausência de convivência, e o
desaparecimento do afeto, eram causas necessárias para a dissolução do
casamento.
Por derradeiro, pode-se dizer que a origem do instituto do
divórcio foi no direito romano, sendo este permitido inicialmente em casos especiais,
mais após um lapso temporal volta a ser admitido, desde que houve entre as partes
consentimento mútuo.
1.1.1 A família no direito canônico
Com o decorrente desaparecimento do pater famílias, o poder
familiar passa para mão dos chefes da Igreja. Sendo os canonistas totalmente
adversos ao instituto do divórcio, pelo fato do matrimônio não ser apenas um
contrato, mas sim um sacramento, não podendo ser dissolvido pelos homens,
acreditavasse também que este, seria contrário aos interesses da família e dos
filhos.
Prevalecia a premissa de que “quod Deus conjunxit homo non
separet” 16,ou seja, o que Deus uniu o homem jamais poderá separar.
14
WALD, Arnoldo. O novo direito da família. p. 10.
15 WALD, Arnoldo. O novo direito da família. p. 10
7
É relevante mencionar, a existência de uma divergência básica
entre a concepção católica do casamento e a concepção medieval.
Enquanto para a Igreja, em princípio, o matrimônio depende do simples consenso das partes, a sociedade medieval reconhecia no matrimônio um ato de repercussão econômica e política para o qual devia ser exigido não apenas o consenso dos nubentes, mas também o assentimento das famílias a que pertenciam. 17
Em virtude de o casamento ser indissolúvel, a doutrina
canônica, estabeleceu um sistema de impedimentos, visando impedir a sua
realização. Para ocorrer à dissolução do casamento, era necessário estar presente
causas de nulidade ou de anulabilidade.
A separação do direito canônico se distingue do divórcio romano ou judaico por não importar na dissolução do vínculo e por ser um ato judiciário da autoridade religiosa, enquanto em Roma e para os hebreus constituía um ato privado contra o qual a parte prejudicada podia recorrer à autoridade judiciária.18
A única conseqüência jurídica da separação no direito
canônico, era a extinção do dever de coabitação, permanecendo entre os
separados, o dever de prestar alimentos e de fidelidade recíproca.
Em virtude de o casamento ter caráter de sacramento, a
competência exclusiva para julgar as questões referentes ao direito de família era da
Igreja e das autoridades eclesiásticas. Já na época do Renascimento, com o
fortalecimento da autoridade do rei, a competência para julgar tais questões, passa a
ser do Estado.
A doutrina, por sua vez, foi destacando como elementos distintos os aspectos civil e religioso do casamento, o primeiro vinculado à lei do Estado e dependente de tribunais leigos e o segundo, à competência dos órgãos eclesiásticos.19
16
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 12.
17 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 13.
18 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 15.
19 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 17.
8
Contudo, não se pode negar, a influência dos direcionamentos
básicos trazidos pelo direito canônico, que ainda hoje são utilizados no direito
brasileiro.
1.1.2 A família no Código Civil de 1916 e nas leis posteriores
A família do início do século passado era constituída
unicamente pelo matrimônio. Em sua versão original, trazia uma estreita e
discriminatória visão da família, limitando-a ao grupo originário do casamento.
Impedia sua dissolução, fazia distinção entre seus membros e trazia qualificações
discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessa
relação.
Maria Berenice Dias20, acerca da evolução da família discorre:
A evolução pela qual passou a família acabou forçando sucessivas alterações legislativas. A mais expressiva foi o Estatuto da Mulher casada (l. 4.121/62), que devolveu a plena capacidade à mulher casada e deferiu-lhe bens reservados que asseguravam a ela a propriedade exclusiva dos bens adquiridos com o fruto do seu trabalho.
Um marco histórico para a equiparação entre os filhos legítimos
e os naturais (ilegítimos), foi o advento da Carta Constituinte de 1937, que trouxe
esculpida em seu artigo 126, a possibilidade de muitos filhos de pessoas
desquitadas na época, de serem legitimados. Porém manteve a proibição da
legitimação dos filhos adulterinos e incestuosos, o que permaneceu até o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
A mencionada lei modificou os princípios básicos aplicáveis em
matéria de regime de bens e de guarda de filhos.21
Inúmeros foram os diplomas legislativos na época, mas sem
dúvida e o mais importante nos últimos tempos, em relação do direito de família, foi
a Lei n. 6.515/77, conhecida como a Lei do Divórcio, que regulou os casos de
dissolução da sociedade conjugal e do casamento.
20
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 3. ed. ver. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 28
21 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 22.
9
Possibilitada a dissolução do vínculo matrimonial pela Emenda Constitucional n. 9, de 28-6-1977, a Lei n. 6.515, de 26-12-1977, alterou profundamente o sistema do Código Civil em matéria de família, que repousava na indissolubilidade do matrimônio. A lei aboliu a palavra desquite, trazida ao nosso direito pelo Código Civil, e substituiu-a pela expressão separação judicial. 22
Em relação ao regime de casamento este não difere do atual,
sendo a separação parcial o legal, ou seja, decorrente de lei no silêncio das partes,
passando o regime de comunhão universal, uma faculdade das partes, sendo
necessário neste caso, o contrato antenupcial.
Com a promulgação da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, ocorreu à facilitação do divórcio, e também o reconhecimento de
entidades familiares, como por exemplo, a união estável, estando está baseada no
afeto e a instituição do divórcio, através da Emenda Constitucional 9/1977 e Lei
6.515/77, acabando com a indissolubilidade do casamento deixando assim de ser o
casamento a única forma de constituir a entidade familiar.
A CRFB/88, “deu maior amplitude ao conceito de família,
abrangendo a família havida fora do casamento, bem como aquela composta por um
dos progenitores e sua descendência, ou seja, a família monoparental”23.
Para destacar a importância da modificação, transcreve-se o
art. 22624 da Carta Magna:
Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1° O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2° O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3° Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
22
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 23.
23 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 27 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 4.
24 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1.988. Organização do texto Anne Joyce Angher. 4 ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 140.
10
§ 4° Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Dentre os textos alterados pela CRFB/88, o instituto da filiação
é o que maior merece destaque. Tendo em vista a eliminação da ligação do
casamento com a ilegitimidade da família resultou no fim de antigas categorias de
filiação influenciando também para o surgimento de uma nova categoria de
paternidade, ou seja, aquele que deriva do carinho e do afeto, denominando-se
paternidade socioafetiva.
Quanto à evolução da família, esta promulgou o principio da
isonomia em seu artigo 5º25, inciso I, ao declarar que homens e mulheres são iguais
em direitos e obrigações.
Estabelece a CRFB/88:
Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
Além da CRFB/88 ter elevado o princípio da isonomia ela prevê
a existência de três espécies de família, quais sejam:
a) família legítima – criada pelo casamento, que por sua vez
possui três ordens de vínculos, o conjugal, o de parentesco e o de afinidade.
b) união estável – decorrente da união de homem e mulher,
estando porém ausente o vinculo matrimonial.
c) família monoparental – formada por ambos os genitores ou
apenas um deles e seus descedentes.
Em relação aos filhos, havidos ou não da relação do
casamento ou por adoção, a CRFB/88, contempla os mesmos direitos e
qualificações, vedando-se qualquer tipo de discriminação relativa à filiação.
25
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p. 2.
11
Segundo Maria Berenice Dias26 “essas profundas modificações
acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em vigor, por não
recepcionados pelo novo sistema jurídico”.
Ressaltando as palavras de Luiz Edson Fachin27 “após a
Constituição, o Código Civil perdeu a papel de lei fundamental do direito de família”.
Diante de todas as mudanças sociais ocorridas e o advento da
CRFB/88, com as significativas modificações já mencionadas, estimularam á
aprovação do Código Civil de 2002.
E segundo Carlos Roberto Gonçalves 28: “[...] com a
convocação dos pais a uma paternidade responsável, e a assunção de uma
realidade familiar concreta, onde os vínculos de afeto se sobrepõem à verdade
biológica”.
No vigente Código Civil, os filhos havidos fora do casamento
ainda necessitam de reconhecimento, pelo fato de não haver a presunção legal
acerca de sua paternidade, conforme preconiza o artigo 1.59729, havendo
necessidade do reconhecimento de maneira voluntária ou por via judicial, enquanto
que os filhos havidos do casamento, esta presunção é pater is est.
Estabelece o disposto legal no artigo 1.597:
Art. 1.597 – Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I – nascidos 180 (cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II – nascidos nos 300 (trezentos) dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
26
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 29.
27 FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade, relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 83.
28 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: direito de família. p. 18.
29 CAHALI, Yussef Said (Org.). Mini código. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 439.
12
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Finalmente em face da evolução científica, a paternidade pode
ser apontada com exatidão, assegurando ao filho o seu reconhecimento, ainda que
na constância da sociedade conjugal de seu genitor, garantido ao mesmo, direito a
alimentos, filiação, bem como a todos os direitos sucessórios, não cabendo qualquer
abjeção à palavra filho.
1.2 A FAMÍLIA NA ATUALIDADE
Pensar em família ainda traz em mente o modelo convencional:
um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercados de filhos, mas
atualmente todos já estão acostumados com famílias que se distanciam do perfil
tradicional.
Acerca do tema posiciona Silvio de Salvo Venosa30:
A cédula da família, formada por pais e filhos, não se alterou muito com a sociedade urbana. A família atual, contudo, difere das formas antigas no que concerne a sua finalidade, composição e papel de pais e mães.
Essa visão hierarquizada da família, no entanto, sofreu com o
tempo enormes transformações. Como diz Teresa Wambier, a “cara” da família
moderna mudou.31
Atualmente o principal papel da família é “de suporte emocional
do indivíduo, em que há flexibilidade e, indubitavelmente, mais intensidade no que
diz respeito a laços afetivos” 32.
30
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 20.
31 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 40 apud Teresa Celina Arrda Alvim Wambier, Direitos de família e do menor, p. 83.
13
Acerca dos novos contornos da família, posiciona Maria
Berenice Dias33:
[...] faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que permita envolver no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação.
Com o advento da CRFB/88, a família buscou um novo
modelo, passou a ser fundar nos pilares do carinho e da afetividade, surgindo com
isso uma nova modalidade de família, denominando-se família socioafetiva.
No dizer de Paulo Lobo34:
[...] a família atual busca sua identificação na solidariedade (art. 3º, I, da CRFB/88), como um dos fundamentos de afetividade, após o individualismo triunfante dos últimos séculos, ainda que não retome o papel predominante que exerceu o mundo antigo.
Disciplina Maria Berenice Dias:35
[...] a família-instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo Estado.
Portanto as novas famílias procuraram construir uma história
em comum, buscando cada vez mais a felicidade pelo convívio e afeto, na qual se
funda na existência da comunhão afetiva cuja ausência implica na falência do
projeto de vida.
32
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 38.
33 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 39.
34 LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 02.
35 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família apud Mônica Guazzelli Estrougo. O princípio da igualdade aplicado à família. p. 331.
14
1.3 O DIREITO DE FAMÍLIA NO BRASIL
Os diplomas legislativos elaborados a partir do século XIX
dedicaram normas sobre a família, considerando que naquela época a sociedade
era eminentemente rural e patriarcal.
[...] a mulher exercia a função fundamental de cuidar dos afazeres domésticos, o marido por sua vez exercia o papel de chefe da família, em relação aos filhos submetiam-se à autoridade exclusiva do pai, não se distanciando muito da família romana36.
Somente a partir do século XX, paulatinamente o legislador foi
vencendo obstáculos e resistências, atribuindo aos filhos ilegítimos direitos e
tornando a mulher plenamente capaz, até o advento da CRFB/88, que não mais
distingue a origem da filiação, estabelecendo igualdade de direitos entre o homem e
mulher na direção da sociedade conjugal.
A batalha legislativa foi árdua, principalmente no tocante à emenda constitucional que aprovou o divórcio. O atual estágio legislativo teve que suplantar barreiras de natureza ideológica, sociológica, política, religiosa e econômica. 37
Nessa evolução social, mostrou-se necessária a mudança da
codificação existente, haja vista que novos temas estão hoje a desafiar o legislador,
esperando com isso respostas mais rápida do Direito, o que não ocorria no passado.
Desta maneira, a CRFB/88, consagrou a proteção à família no
seu artigo 226, compreendendo tanto a família fundada no casamento, como na
união de fato, a família natural e a família adotiva. De modo que há muito tempo, a
sociedade sentia necessidade do reconhecimento da família, independente do
casamento.
36
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 14.
37 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 28.
15
1.4 NATUREZA JURÍDICA E CARACTERÍSTICAS
A presente matéria é tema polêmico e controvertido,
consistente em opiniões divergentes quanto ao Direito de Família pertencer ao ramo
do Direito Privado ou Público.
Contudo, a família constitui o alicerce mais sólido em que se
assenta toda a organização social, estando a merecer, por isso, a proteção especial
do Estado, como proclama a art. 22638 da Constituição da República Federativa do
Brasil.
Dispõe o artigo 226:
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
Ainda dispõe Silvio Rodrigues39:
O interesse do Estado pela família faz com o que o ramo do direito que disciplina as relações jurídicas que se constituem dentro dela se situe mais perto do direito público que do direito privado. Dentro do direito de família o interesse do Estado é maior que o individual.
Em face disso, quase todas as normas de direito de família,
são de ordem pública, insuscetíveis, portanto de serem derrogadas pela convenção
entre particulares.
Acerca do tema observa Pontes de Miranda40: “[...] que a
grande maioria dos preceitos de direito de família é composta por normas cogentes,
sendo que só excepcionalmente, em matéria de regime de bens, deixa o Código
margem à autoridade da vontade".
Assim, as normas familiares são regras que não se sujeitam
exclusivamente à vontade das partes, são chamadas de normas de interesse e
ordem pública, assim a tendência em afirmar que o direito de família pende mais ao
38
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p. 140.
39 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito da família.p. 12.
40 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito da família apud Francisco Pontes de Miranda, Tratado de direito de família. p. 12.
16
ramo do direito público do que o direito privado, em razão de tutelar sempre as
entidades familiares do que os seus integrantes.
Neste diapasão, Maria Berenice Dias41, aduz:
O direito das famílias, por voltado à tutela da pessoa, é personalíssimo, adere indelevelmente à personalidade da pessoa em virtude de sua posição na família durante toda a vida. Em sua maioria, são direitos intransmissíveis, irrevogáveis, irrenunciáveis e indisponíveis. A imprescritibilidade também ronda ao direito das famílias.
Outra característica presente no direito de família é o seu
caráter personalíssimo, por estar voltado à tutelar das pessoas, sendo esses na
maioria das vezes, intransferíveis, intransmissíveis e irrenunciáveis.
Por fim, seu caráter formalista, “exigindo solenidades especiais
para a prática dos atos fundamentais como o casamento, o reconhecimento de filho
e a adoção”.42
1.5 PRINCÍPIOS DE DIREITO DE FAMÍLIA
Após o advento da CRFB/88, é no ramo do direito de família
que mais se sente o reflexo dos princípios eleitos pela carta constitucional, que
consagrou como fundamentais valores sociais dominantes.
Assim, “os princípios constitucionais dispõem de primazia
diante da lei, sendo a primeira regra a ser invocada em qualquer processo
hermenêutico”. 43
Desta feita, as alterações introduzidas visam preservar a
coesão familiar e os valores culturais, conferindo-se à família moderna um
tratamento diferenciado que atenda às necessidades da prole, da afeição entre os
41
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias apud Sílvio Venosa, Direito civil. p. 28.
42 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p.6.
43 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de famílias. p. 56.
17
cônjuges ou companheiros e aos elevados interesses da sociedade, regendo-se o
novo direito pelos seguintes princípios a seguir.
1.5.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana, por estar ligado
intimamente ao direito de família, deve assegurar proteção especial às várias formas
de filiação e aos vários tipos de entidades familiares, preservando e desenvolvendo
as qualidades mais relevantes entre os familiares, buscando sempre o afeto, o
carinho, a solidariedade, a união, o respeito, o amor, e a vida em comum.
Nesta senda Maria Berenice Dias44 dispõe:
É o princípio maior, fundante do Estado Democrático de Direito, sendo afirmado já no primeiro artigo da Constituição Federal. A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional.
Portanto sendo proclamado pela CRFB/88 em seu artigo 1º III,
como o principio fundamental do Estado Democrático de Direito e da ordem jurídica.
Estabelece a CRFB/8845:
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Ferderal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido ensina Paulo Lôbo46:
A dignidade da pessoa humana é o núcleo existencial que é essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros iguais do gênero humano, impondo-se um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade.
44
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de famílias. p. 59.
45 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p. 21.
46 LÔBO, Paulo. Famílias. p. 37.
18
Diante de tal citação, pode-se dizer que o princípio da
dignidade da pessoa humana, é o princípio universal, sendo este considerado como
a célula principal da qual se irradiam todos os demais.
Seguindo esse pensamento, Maria Berenice Dias47 aduz:
[...] representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade.
Ao tema em questão, Maria Berenice Dias48 destaca que:”o
direito de família está umbilicalmente ligado aos direitos humanos, que têm por base
o princípio da dignidade da pessoa humana, versão axiológica da natureza humana”.
Destarte, a dignidade da pessoa humana, encontra na família,
a base fundamental para prosperar, tendo assegurado na Constituição, especial
proteção, independente de sua origem.
Desse modo, o princípio da dignidade da pessoa humana,
constitui base da comunidade familiar, seja esta constitui pelo vinculo biológico ou
socioafetivo, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus
membros, principalmente da criança e do adolescente.
1.5.2 Princípio da liberdade
A liberdade e a igualdade foram os primeiro princípios
reconhecidos como direitos humanos fundamentais, sendo este princípio da primeira
geração garantindo assim o respeito à dignidade da pessoa humana.
Segundo os dizeres de Maria Berenice Dias49: “a Constituição,
ao instaurar o regime democrático, revelou grande preocupação em banir
discriminações de qualquer ordem, deferindo à igualdade e à liberdade especial
atenção”.
47
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de famílias apud Daniel Sarmento, A ponderação de interesses..., p. 52.
48 DIAS Maria Berenice. Manual de Direito de famílias apud Sérgio Resende de Barros, Direitos humanos: paradoxo da civilização, p. 53.
49 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 53.
19
Dispondo sobre o tema Maria Helena Diniz50 continua:
Princípio da liberdade, fundado, como observa Paulo Luiz Netto Lobo, no livre poder de constituir uma comunhão da vida familiar por meio de casamento ou união estável, sem qualquer imposição ou restrição de pessoa jurídica de direito público ou privado.
Ainda sobre o tema, Paulo Lôbo51 ensina: “o princípio da
liberdade diz respeito ao livre poder de escolha ou autônoma de constituição,
realização e extinção da entidade familiar, sem imposição ou restrições externas”[...].
Tem-se assim que, o princípio da liberdade, abrange o livre
arbítrio, dando à pessoa a possibilidade de escolha, seja está em relação à decisão
livre do casal, na escolha do casamento ou da união estável, no planejamento
familiar, ao tipo de regime de casamento, dentre outros elencados tanto CRFB/88
como no CC.
Assim, os princípios de igualdade e liberdade do âmbito familiar
são consagrados em sede constitucional, prevalecendo o princípio da isonomia de
tratamento jurídico, entre o marido e a mulher no que diz respeito ao papel que
desempenham na chefia da sociedade conjugal.
Contudo, no tocante ao princípio da liberdade, no que se refere
o dever de promover à manutenção da família deixou de ser apenas um encargo do
marido, incumbindo também à mulher, de acordo com a possibilidade de cada um.
1.5.3 Princípios da solidariedade familiar
Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio,
que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de conteúdo ético, pois contém em
suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a
fraternidade e a reciprocidade.
O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto
que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna. A lei civil consagra o princípio
50
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 22 ed.São Paulo: Saraiva, 2007. v. 5º. p. 23.
51 LÔBO, Paulo. Famílias. p. 42
20
da solidariedade ao dispor que o casamento estabelece plena comunhão de vidas
(CC 1.511). Igualmente a obrigação alimentar dispõe deste conteúdo (CC 1.694).
Seguindo este pensamento, importante a leitura dos artigos do
Código Civil52:
Art. 1.511 – O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos conjugues.
Art. 1.694 – Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
Acerca do princípio da solidariedade familiar, Paulo Lôbo53
relata:
O princípio da solidariedade resulta da superação do individualismo jurídico, que por sua vez é a superação do modo de pensar e viver a sociedade a partir do predomínio dos interesses individuais, que marcou os primeiros séculos da modernidade, com reflexos até a atualidade.
Seguindo este pensamento, importante a leitura do I do art. 3º54
da Constituição, por ser a regra central do principio ora estudado:
Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - constituir uma sociedade livre, justa e solidária.
Acerca do principio da solidariedade, Paulo Bonavides55relata:
O principio da solidariedade serve como oxigênio da Constituição – não apenas dela, dizemos, pois, a partir dela se espraia por todo ordenamento jurídico -, conferindo unidade de sentido e auferindo a valoração da ordem normativa constitucional.
52
CAHALI, Yussef Said (Org.). Mini código.p. 426 - 452.
53 LÔBO, Paulo. Famílias. p. 40.
54 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p. 21.
55 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 259, apud Paulo Lobo.
21
Concernente ao princípio, Paulo Lôbo56, leciona: “a
solidariedade do núcleo familiar deve entender-se como solidariedade recíproca dos
cônjuges e companheiros, principalmente quanto à assistência moral e material”.
Oportuno destacar alguns artigos do CC57, relacionado ao
principio da solidariedade familiar:
Art. 1.513 – É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.
Art. 1.566 - São deveres de ambos os cônjuges:
[...]
III – mútua assistência.
Art. 1.567 – A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos.
Aproveita-se a lei da solidariedade no âmbito das relações
familiares. Ao gerar deveres recíprocos ente os integrantes do grupo familiar,
fazendo com que os integrantes, sempre tenham a obrigação de auxiliar as pessoas
do grupo familiar.
1.5.4 Princípios da igualdade jurídica de todos os filhos
Este princípio consubstancia com o artigo 227 § 6ª da
CRFB/88, que estabelece absoluta igualdade entre todos os filhos, não admitindo
mais a retrógrada distinção entre filiação legítima ou ilegítima.
Destaca-se a leitura do art. 227, § 6ª, da CRFB58:
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
56
LÔBO, Paulo. Famílias. p. 41.
57 CAHALI, Yussef Said (Org.). Mini código. p. 426, 434, 435.
58 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. p. 141.
22
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[...]
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Acerca do princípio da igualdade de tratamento entre os filhos,
Roberto Lisboa59: afirma que “a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a
isonomia plena tratamento, devendo-se conferir aos filhos havidos e não havidos do
casamento os mesmos direitos e garantias.
Com isso, aos filhos devem ser conferidos os meios de
preservação e desenvolvimento dos seus direitos fundamentais básicos, os direitos
da personalidade, entre os quais cabe mencionar: o direito à vida, o direito à
integridade física e psíquica, o direito aos alimentos naturais e civis (vestuário,
educação, cultura, lazer esporte etc.), o direito à liberdade, o direito á convivência
familiar e comunitária, o direito à identidade, o direito às criações intelectuais e o
direito à honra.
Dispondo sobre o tema, Carlos Roberto Gonçalves60 continua:
[...] não admite distinção entre os filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão; permite o reconhecimento, a qualquer tempo, de filhos havidos fora do casamento; proíbe que conste no assento do nascimento qualquer referencia à filiação ilegítima, e veda designações discriminatórias relativas à filiação.
Portanto, no tocante a igualdade entre os filhos, cabe salientar
que em nosso ordenamento jurídico não se pode lograr a figura da discriminação
entre os filhos, nascido ou não na constância do casamento.
59
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 5. p. 309.
60 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 8.
23
1.5.5 Princípio Jurídico da afetividade
No decorrente dos tempos, ocorreram grandes transformações,
em relação ao conceito de família. Antes do advento da CRFB/88, o conceito de
família, fica restrito ao matrimonio, ou seja, o Estado só reconhecia a família,
fundada no vinculo do casamento, assegurando a esta sua proteção.
A CRFB/88 ampliou a definição de família, alude sobre o
reconhecimento da família não constituída pelo laço do matrimônio, mas também
aquela decorrente da união estável e a monoparental, e também aquela constituída
nos laços de afeto e de solidariedade.
Concernente ao princípio da afetividade, Paulo Lôbo61, leciona:
[...] é o principio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações
socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de
caráter patrimonial ou biológico.
Dispondo sobre o tema, Maria Berenice Dias62:
Ao serem reconhecidas como entidade familiar merecedora da tutela jurídica as uniões estáveis, que se constituem sem o selo do casamento, tal significa que o afeto, que une e enlaça duas pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico.
Desta maneira, a família recuperou a função de grupo unido
pelos laços afetivos, em sua comunhão de vida. Tal principio jurídico faz despontar a
igualdade e respeito entre os todos os membros da entidade familiar.
Embora o princípio da afetividade seja implícito na
Constituição, este encontra fundamentos essenciais nos artigos 22663, § 4º e 227, §
5º e 6º.
Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
61
LOBO, Paulo. Famílias. p. 47.
62 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito da famílias. p. 60.
63 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p.140,141.
24
[...]
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão.
§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá sobre casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Muito embora o Código Civil não utilize a categoria afeto, em
alguns de seus dispositivos, de forma explicita, esse é merecedor da tutela do
Estado.
Todavia, o termo laço de afetividade serve de elemento
indicativo para definição de guarda do filho, quando da separação dos pais, como
versa o art. 1.58464, parágrafo único do CC.
Disciplina o artigo 1.584 do Código Civil:
Art. 1.584 – Decretada a separação judicial ou divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.
Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a aguarda do pai ou mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica.
Segundo o que disciplina o CC e CRFB/88, o princípio da
afetividade, está ligado com o bom relacionamento familiar, com o vínculo do amor,
e do companheirismo para com os todos os membros familiares.
64
CAHALI, Yussef Said (Org). Mini código. p. 438.
25
Desta forma, deixou o Estado de se preocupar de que forma a
entidade familiar é composta ou constituída, ou seja, não importando muito, se esta
é matrimonializada ou não, ou ainda, se é composta somente por um dos pais e sua
prole.
Pois a tutela jurisdicional com o advento da CRFB/88
assegurou a proteção de forma igualitária a todas as entidades familiares e a todos
os tipos de filhos, banindo do ordenamento jurídico, quaisquer formas de
discriminação.
Acerca do princípio da afetividade, Maia Berenice Dias65
ensina: “o afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam
da convivência familiar, não do sangue”.
Seguindo esse pensamento, Paulo Lôbo66 assevera:
[...] assim, a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles. O princípio jurídico da afetividade entre pais e filhos apenas deixa de incidir com o falecimento de um dos sujeitos ou se perda do poder familiar.
Portanto, o princípio da afetividade jurídica, faz despontar uma
modalidade de filiação, qual seja a posse do estado de filho, que tem seu
reconhecimento jurídico no afeto.
No tocante a posse de estado de filho, esta surgiu devido às
transformações ocorridas nas famílias, na medida em que se acentuam as relações
mais igualitárias, tendo como elemento essencial o amor, o afeto e respeito mútuo.
Seguindo esta linha de raciocínio, Maria Berenice Dias67, aduz:
Assim, a posse do estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico de afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado. O afeto não é somente
65
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias apud Paulo Luiz Netto.Código civil comentado. p. 56.
66 LÕBO, Paulo. Famílias. p. 48.
67 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. p. 60-61.
26
um laço que envolve os integrantes de uma família. Igualmente tem um viés externo, ente as famílias, pondo humanidade em cada família, compondo, no dizer de Sérgio Resende de Barros, a família humana universal, cujo lar é a aldeia global, cuja a base é o globo terrestre, mas cuja origem sempre será, como sempre foi a família.
Ainda, Paulo Lôbo68, dispõe:
A família atual é tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo. A família, tendo desaparecido suas funções tradicionais, no mundo do ter liberal burguês, reencontrou-se no fundamento da afetividade, na comunhão de afeto, pouco importando o modelo que adote, inclusive que se constitui ente um pai ou mãe e seus filhos.
Desta maneira, “a família transforma-se na medida em que se
acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções
afetivas da família” 69.
Assim, a doutrina jurídica tem novos olhares, na esteira dessa
evolução, vislumbrando a aplicação do princípio da afetividade jurídica, em várias
situações do direito de família brasileiro.
Relativo ao tema cita-se exemplos de Paulo Lôbo70, nas
dimensões: “a) da solidariedade e da cooperação; b) da funcionalização da família
para o desenvolvimento da personalidade de seus membros;c) da primazia do
estado de filiação, independentemente da origem biológica ou não biológica”.
Em suma, o princípio norteador do direito das famílias é o
princípio da afetividade; pois é o elemento de conexão que mantém as pessoas
unidas nas relações familiares.
Elemento este que, deu surgimento a uma nova modalidade de
paternidade, a qual será o foco do trabalho de conclusão do curso, no decorrer da
pesquisa acadêmica.
68
LÕBO, Paulo. Famílias. p. 49.
69 OLIVEIRA, José C. de; MUNIZ, Francisco José F. in DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 11.
70 LÕBO, Paulo. Famílias. p. 51-52.
27
1.6 DIREITO DE FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL DE 1988 E NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
O Código Civil de 1916 e as leis posteriores, vigentes no século
passado, regulavam a família constituída unicamente pelo casamento, de modelo
patriarcal e hierarquizada. Ao passo que o moderno enfoque tem indicado novos
elementos que compõem as relações familiares, destacando-se os vínculos afetivos
que norteiam a sua formação. Nessa linha, a família socioafetiva vem sendo
priorizada em nossa doutrina e jurisprudência71.
A CRFB/88 absorveu essa transformação e adotou uma nova
ordem de valores, privilegiando a dignidade da pessoa humana, realizando
verdadeira revolução no Direito Família.72
Assim, a partir de 1988, a legislação não protege apenas a
família tradicional. Novas estruturas familiares encontram guarda no texto
constitucional e nas codificações que o precedeu.
Nessa tônica Carlos Roberto Gonçalves73aponta:
A nova Carta abriu ainda outros horizontes ao instituto jurídico da família, dedicando especial atenção ao planejamento familiar e à assistência direita à família. No tocante ao planejamento familiar, o constituinte enfrentou o problema da limitação da natalidade, fundando-se nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável, proclamando competir ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito. .
A CRFB/88 garantiu a tutela jurisdicional do Estado, estendo
sua assistência às entidades familiares, independente de suas peculiaridades em
sua formação.
Assim, assegurou a assistência para as famílias formadas
apenas por irmãos, pais separados, tios que tenham a guarda dos sobrinhos ou
ainda àqueles formados no vínculo do afeto, denominadas famílias socioafetivas, e
71
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 16.
72 PEREIRA, Rodrigo da Cunha apud Maria Berenice Dias. Direito de família e o novo Código Civil. Prefácio. p. 17.
73 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito da família. p. 17.
28
outras que possam a vir a surgir na constante metamorfose social que vivemos em
nossa contemporaneidade.
Quanto à assistência direta à família, a CRFB74 estabeleceu no
art. 226, § 8º:
Art. 226 – A família, base da sociedade, em especial proteção do Estado.
[...]
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações75.
Desta maneira, todas as mudanças sociais havidas na segunda
metade do século passado e o advento da CRFB/88, com as inovações
mencionadas, levaram à aprovação do Código Civil de 2002, com a convocação dos
pais a uma paternidade responsável e a assunção de uma realidade familiar
concreta, onde os vínculos de afeto se sobrepõem à verdade biológica.
Maria Berenice Dias76, acerca de tais alterações se posiciona:
[...] “foram sepultados todos aqueles dispositivos que já eram letra morta e que
retratavam ranços e preconceitos discriminatórios. Assim as referências
desigualitárias entre o homem e a mulher, as adjetivações da filiação, o regime dotal
etc”.
Ainda com exemplos aponta: [...] “corrigiu alguns equívocos e
incorporou orientações pacificadas pela jurisprudência, como não mais determinar
complusoriamente a exclusão do sobrenome do marido do nome da mulher”.
Neste enquadramento de pensamentos, Arnoldo Wald77,
menciona as principais inovações ou modificações:
74
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p. 140.
75 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito da família. p. 17
76 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito da famílias. p. 30.
77 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 29-30.
29
a) As normas sobre o registro civil do casamento religioso, de conformidade com o que dispõe a Constituição, com os corolários indispensáveis para se pôr termo aos abusos que ora se praticam.
[...]
b) Revisão dos preceitos pertinentes à contestação, pelo marido, da legitimidade do filho nascido de sua mulher, ajustando-os à jurisprudência dominante.
Nesta senda Carlos Roberto Gonçalves78, aponta outras
inovações ou modificações:
O novo diploma amplia ainda, o conceito de família, com a regulamentação da união estável como entidade familiar; revê os preceitos pertinentes á contestação, pelo marido, da legitimidade do filho nascido de sua mulher, ajustando-se à jurisprudência dominante, reafirmado a igualdade entre os filhos em direitos e qualificações, como consignado na Constituição Federal; introduz nova disciplina do instituto da adoção, regula a dissolução da sociedade conjugal, revogando tacitamente as normas de caráter material da Lei do Divórcio mantidas, porém, as procedimentais.
Destarte, as inovações mencionadas dão uma visão
panorâmica das profundas modificações introduzidas no direito de família.
Importante mencionar, a lição de Carlos Roberto Gonçalves79;
acerca das alterações:
Frise-se, por fim, que as alterações pertinentes ao direito de família, advindas da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, demonstram e ressaltam a função social da família no direito brasileiro, a partir especialmente da proclamação da igualdade absoluta dos cônjuges e dos filhos;
[...] da obrigação imposta a ambos os cônjuges, separados judicialmente, de contribuírem, na proporção de seus recursos, para a manutenção dos filhos etc.
No tocante, a questão da afetividade e do convívio, o referido
Código, não faz menção de forma explicita, em alguns de seus dispositivos, muito
embora seja merecedora da tutela jurisdicional.
78
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito da família. p. 18.
79 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito da família. p. 19.
30
Acerca do mencionado, estatui do CC o art. 1.58480, parágrafo
único:
Art. 1.584 – Decretada a separação judicial ou divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.
Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a aguarda do pai ou mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica.
Todavia, a categoria afeto, é o pilar essencial e indispensável,
quando se quer construir uma entidade familiar, fundada nos laços de afeto, e do
amor, mesmo que está não tenha o selo do instituto jurídico do casamento.
Nesta direção, o referido capítulo foi observado o instituto
direito de família, como seus aspectos históricos, natureza jurídica e características.
Também discorrido a respeito de alguns princípios de direito de família, bem como
uma visão panorâmica do direito de família na CRFB/88 e no CC/2002. O capítulo
seguinte irá tratar o tema: paternidade e filiação, reconhecimento da filiação.
80
CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código. p. 438.
CAPÍTULO 2
FILIAÇÃO E PATERNIDADE
Dedica-se o segundo capítulo à filiação e à paternidade, sendo
composto por sete subtítulos. Porém, acerca da filiação é importante destacar que,
existem duas espécies, as quais são biológica ou civil. Sendo que, a filiação
biológica ou natural, é aquela estabelecida pelo vínculo consangüíneo, e com
relação à segunda, está pode ser constituída pela adoção, pelo vínculo sócioafetivo
e de forma registral. Em seguida dedica-se as espécies de paternidade, fazendo
menção à paternidade socioafetiva, a qual é o foco principal da pesquisa científica.
Posteriormente fazendo uma abordagem acerca do reconhecimento da filiação.
2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
A categoria filiação é a relação de parentesco que se
estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascidas da outra.
Contudo, a filiação pode ser compreendida, de maneira mais
ampla por diversos outros meios como, por exemplo, a filiação adotiva, a por
inseminação artificial, fertilização em vidro, bem como sob o aspecto sócio-afetivo.
Porém, como já vimos anteriormente, nem sempre a filiação decorre de laços
consangüíneos entre pai e filho, que seria a paternidade biológica.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves81, filiação é a relação de
parentesco consangüíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa
aquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado.
Concernente a filiação, Maria Helena Diniz 82, leciona:
81
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: direito da família. p. 297.
82 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 420.
32
Filiação é o vínculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de parentesco consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida, podendo, ainda ser uma relação socioafetiva entre o pai adotivo e institucional e filho adotado ou advindo de inseminação artificial heteróloga.
Sílvio de Salvo Venosa83 assim conceitua filiação:
A filiação é, destarte, o status familiae, tal como concebido pelo antigo direito. Todas as ações que visam seu reconhecimento, modificação ou negação, são, portanto, ações de estado. O termo filiação exprime a relação entre o filho e seus pais, aqueles que o geraram ou o adotaram. A adoção, sob novas vestes e para finalidades diversas, volta a ganhar a importância social que teve no Direito Romano.
Sob o ponto de vista do direito brasileiro, a filiação pode ser
biológica ou não. Com relação à filiação biológica deriva da consangüinidade, já não
biológica, resulta da convivência familiar e da afetividade, sendo considerada para o
direito um fenômeno socioafetivo.
Com o advento da CRFB/88, buscou-se um termo único para
filiação, não se admitindo adjetivações ou discriminações, não havendo mais filiação
legítima, ilegítima, natural, adotiva ou adulterina.
Assim, a CRFB/88 em seu artigo 227, § 6º, estabeleceu
absoluta igualdade entre os filhos.
Estabelece o disposto legal no § 6º do art. 22784:
Art. 227 – [...]
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Contudo, após um lapso temporal entre a CRFB/88 e o
CC/2002, vieram algumas leis que amenizaram as lacunas existentes nos códigos e
leis anteriores. Somente com a entrada em vigor do CC/2002, é que a filiação se
solidificou na seara do direito, embasada no texto constitucional.
83
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 212.
84 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p.72.
33
Importante aqui a posição de Washington de Barros Monteiro85:
Somente com o Código Civil de 2002 foi devidamente acatadao o princípio constitucional da absoluta isonomia entre os filhos. Nenhuma qualificação discriminatória é utilizada no novo diploma civil. Finalmente os filhos, oriundos ou não do casamento, são tratados de maneira igual.
Porém atualmente, todos são apenas filhos, sejam estes
havidos fora do casamento ou na sua constância, mas todos são iguais em direitos e
qualificações.
Nesta linha de pensamento, colhem-se os ensinamentos de
Carlos Roberto Gonçalves:86
O princípio da igualdade dos filhos é retirado no art. 1.596 do Código Civil, que enfatiza: “Os filhos havidos o não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Acerca da nomenclatura paternidade, esta pode ser
compreendida como, uma figura jurídica que vem sendo alterada ao longo dos anos,
através dos grandes avanços tecnológicos e científicos, sendo que o exame de DNA
nos trouxe uma nova espécie de verdade sobre a paternidade, ou seja, a verdade
real, sem a necessidade do formalismo processual.
Décadas atrás, ser pai era algo natural, ou seja, era apenas um
fato, deixando de ser um ato, em outras palavras, o aspecto afetivo da paternidade
era de pouca importância, sendo que os filhos na maioria das vezes nasciam e eram
criados somente com a finalidade de ajudarem seus pais nos trabalhos.
Atualmente, com a promulgação da CRFB/88, a paternidade
vem sendo analisada, sob o ponto de vista de que não é somente um ato, não
podendo ser estabelecida por simples presunção ou pela descendência genética,
mais sim vem sendo construída ao longo dos anos, com dedicação, atenção, zelo,
resguardando o princípio da dignidade da pessoa humana e os interesses da
85
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família.De acordo com o novo código civil (Lei n. 10.406, de 10.01.2002) ver. atul. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 305.
86 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p.273.
34
criança. Assim, a CRFB/88 consagrou como fundamento o direito da convivência
familiar, adotando a proteção integral.
Concernente a paternidade, Maria Berenice Dias87, assevera:
“a paternidade não é só um ato físico, mas, principalmente, um fato de opção,
extrapolando os aspectos meramente biológicos, ou presumidamente biológicos,
para adentrar com força e veemência na área afetiva”.
Maria Berenice Dias88 completa:
[...] os avanços científicos de manipulação genética popularizam a utilização de métodos reprodutivos, como a fecundação assistida homóloga e heteróloga, a comercialização de óvulos ou espermatozóides, a locação de útero e isso sem ainda em clonagem. Todos esses avanços ocasionaram uma reviravolta nos vínculos de filiação.
Ainda, “todas essas mudanças refletem-se na identificação dos
vínculos de parentalidade, levando ao surgimento de novos conceitos e de uma
nova linguagem que melhor trata a realidade atual: filiação social, filiação
socioafetiva, estado de filho afetivo etc.”
Ser pai ou mãe, não significa apenas ser a pessoa que gerou
ou que tem vínculo genéticos com a criança. É antes de tudo, a pessoa que cria, que
ampara, que dá amor, educa, isto é, a pessoa que realmente exerce as funções de
pai ou mãe, atendendo ao melhor interesse da criança.
Por essa razão, a paternidade sócio-afetiva, que é objeto de
estudo desta monografia, vem ocupando espaço no mundo jurídico, e na maioria
das vezes, se sobrepõe à paternidade biológica.
2.2 ESPÉCIES DE PATERNIDADE
Inicialmente e para fins de entendimento, é necessário não se
confundir parentesco com a família, embora as relações de parentesco sempre
87
DIAS, Maria Berenice, apud Julie Cristine Delenski, O novo direito de filiação. p. 297.
88 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p. 295.
35
sejam identificadas como vínculos decorrentes da consangüinidade, ligando assim
as pessoas a determinado grupo familiar.
Oportuno os dizeres de Maria Berenice Dias89: “não existe
coincidência entre o conceito de família e o de parentesco, uma vez que, na idéia da
família, está contido o parentesco mais importante: a filiação”.
Para uma melhor compreensão, acerca do tema faz-se
necessário conceituar a categoria parentesco.
Acerca da categoria Venosa90, dispõe: “o parentesco é o
vínculo que une duas ou mais pessoas, em decorrência de uma delas descender da
outra ou de ambas procederem de um genitor comum.
Neste sentido Maria Helena Diniz,91 conceitua:
Parentesco é a relação vinculatória existente não só entre pessoas que descendem umas das outras ou de um mesmo tronco comum, mas também entre um cônjuge ou companheiro e os parentes de outro, entre adotante e adotado e entre pai institucional e filho sociafetivo.
Importante também é o pensamento de Maria Berenice Dias92,
no que tange ao instituto do parentesco: “além de um vínculo natural, o parentesco
também é um vínculo jurídico estabelecido por lei, que assegura direitos e impõe
deveres recíprocos”.
Desta maneira, como os vínculos familiares dispõem de
diversas origens, o parentesco pode ser natural ou civil.
Dispondo sobre o tema, Maria Berenice Dias93, continua: “o
parentesco admite variadas classificações e decorre das relações conjugais, de
companheirismo e filiação, podendo ser natural, biológico ou consangüíneo, civil,
adotivo, por afinidade, em linha reta ou colateral, maternal ou paternal”.
89
DIAS, Maria Berenice apud Paulo Luiz Netto Lobo, Código civil comentado. p. 26.
90 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 210.
91 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 409.
92 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p. 286.
93 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p. 286.
36
2.2.1 Paternidade biológica
No que se refere à paternidade, antes de qualquer coisa
imperioso reconhecer que esses dados integram o complexo subjetivo formador da
personalidade do indivíduo razão pela qual se revela de máxima importância a justa
aplicação e interpretação das normas que disciplinam a matéria.
Contudo, “a forma de maior prevalência de paternidade, desde
as origens das relações de parentesco, é biológica, como aquela em que o vínculo
da filiação é estabelecido pela consangüinidade”. 94
Portanto, a paternidade biológica ou consangüínea refere-se ao
laço genético que liga a prole aos genitores, aferível através da tipagem do exame
de DNA.
Nessa linha, assevera Maria Berenice Dias95:
Parentes consangüíneos são as pessoas que têm entre si um vínculo biológico. Assim, são parentes as pessoas que descendem uma das outras, ou têm um ascendente comum. O estabelecimento dos elos de parentesco sempre tem origem em um ascendente: pessoa que dá origem a outra pessoa. Descendentes são os parentes que se originam a partir da filiação. Os vínculos de ascendência e descendência natural têm origem biológica.
Acerca do parentesco biológico Maria Helena Diniz96 aduz:
Natural ou consangüíneo, que é o vinculo entre pessoas descentes de um mesmo tronco ancestral, portando ligadas, umas às outras, pelo mesmo sangue. P. ex: pai e filho, dois irmãos, dois primos etc. O parentesco por consangüinidade existe tanto na linha reta como na colateral. Será matrimonial se oriundo de casamento, e extramatrimonial se proveniente se união estável [...] O parentesco natural pode ser, ainda duplo ou simples, conforme derive dos dois genitores ou somente de um deles. Sob esse prisma, são irmãos germanos os nascidos dos mesmos pais, e unilaterais os que são de um só deles.
94
QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. Belo Horizonte : Del Rey, 2001. p. 46.
95 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p. 287.
96 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 410.
37
Entretanto, antes do advento da CRFB/88, a família era
basicamente patriarcal, existindo apenas a presunção pater is est, que consistia em
se atribuir a paternidade de um filho concebido pela mulher na constância do
casamento ao marido dela. Porém, esta nem sempre coincidia com a verdade real,
ou seja, aquele filho nascido poderia não ser filho do cônjuge da mulher que deu a
luz.
Dispondo sobre o tema, Luiz Edson Fachin97:
A verdade biológica era, portanto, uma verdade proibida. Filho era somente o filho no sentido jurídico. A descendência genética podia (e deveria) coincidir com a concepção do direito; caso contrário, ao banimento do sistema se empurravam os filhos que não se submetiam aos estritos limites da lei.
Nesse sentido, menciona Luiz Edson Fachin98:
A presunção comporta duas fases que entre si se completam: uma, a que gera um vínculo de filiação para aquele que contraiu matrimônio, e que impõe aos pais deveres, como é o de educação e sustento; outra, a que se mostra no plano dos direitos (direitos em que se desdobra o poder paternal) e que impõe, até certo ponto em que os fundamentos da regra se mantenham, o respeito de terceiros.
Assim, pode-se dizer que, nem mesmo a verdade biológica
tinha primordial importância na atribuição da paternidade, porque o direito
estabelecia uma série de presunções, que leva à chamada paternidade jurídica,
derivada do direito romano e consistente em “ter como pai o marido da mulher que
deu à luz o filho: pater is est, quem justae nuptiae demonstrant”.99
Desta maneira, a presunção era a única forma de determinar a
paternidade. Porém, após um lapso temporal, mais especificamente nas últimas
décadas do século XX surgiu uma ciência denominada, Bioética, que estuda as
questões ligadas à vida dentro dos valores éticos, e sem dúvida foi responsável pelo
avanço da ciência médica, no campo da genética.
97
FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade. p. 20.
98 FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento de filiação e paternidade presumida. Porto Alegre:Fabris, 1992. p. 27,28.
99 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. Atualizada por Paulo Roberto Benasse. v. 2. 1. ed. Campinas: Bookseller, 1999. p. 267.
38
Contudo, na década de 80 foi descoberto o mais importante e
revolucionário de todos os sistemas para se determinar a paternidade ou
maternidade de um filho a alguém, que foi o DNA, o qual estabelece com precisão
quase absoluta, a origem genética de um individuo, atribuindo assim, ao seu genitor
a responsabilidade sobre a paternidade.
Assim pode-se dizer que a tecnologia científica derrubou a
verdade jurídica como forma de estabelecimento de paternidade, permitindo que os
verdadeiros genitores fossem revelados através de um laudo de DNA.
Haja vista que “a presunção na legislação civil é relativa, ou
seja, admite prova em contrário, em favor da verdade biológica reconhecida pelo
direito brasileiro”. 100
Destarte, de certo modo que o avanço da ciência e da
tecnologia genética nas últimas décadas, inovaram questão da determinação real da
paternidade, pois tudo aquilo que antes era solucionado com base em aparências,
passou a ser diagnosticado e solucionado com uma pequena margem de erro.
2.2.2 Paternidade adotiva
Antes de tratar especificamente sobre o tema paternidade
adotiva, é pertinente termos clareza do que trata o instituto da adoção.
Tal instituto foi regulamentado no Brasil, através do Decreto n.
1890 (Estatuto do Casamento).
Acerca da categoria adoção Sílvio de Salvo Venosa101, aduz:
A adoção é um ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que lhe é geralmente estranha.
100
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 409.
101 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 312.
39
Sendo assim, a adoção é um vínculo criado, muito semelhante
a filiação, o que difere dela é o laço de consangüinidade, vez que trata-se uma
filiação artificial, entre o adotante e adotado.
Contudo, pode-se dizer que a paternidade adotiva cria um
vínculo de parentesco civil entre o adotante e o adotado. Ficando estabelecida a
filiação definitiva e irrevogável para todos os efeitos legais, haja vista que o adotado
se desliga completamente de todos os vínculos com a sua família biológica.
Estabelecendo assim, verdadeiros laços de parentesco com a
família que o adotou, conforme estipula o artigo 1.626 do Código Civil102:
Art. 1.626 – A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos salvo quanto aos impedimentos para o casamento.
Assim, tanto nos casos de adoção e inseminação artificial
heteróloga, cortam-se integralmente os laços correspondentes a paternidade
biológica, ou seja, o passado biológico de uma determinada pessoa, sendo a
presunção da paternidade absoluta, não podendo haver qualquer relação jurídica
com o genitor biológico.
Neste sentido, menciona José Lamartine Corrêa Oliveira103, no
que tange a paternidade adotiva: “a paternidade adotiva não repousa em qualquer
dado de natureza biológica, mas sim em dados psicológicos e sociais”.
Desta maneira a adoção dá nascimento a uma relação de
parentesco, e tem por objetivo principal dar filhos aqueles que a natureza negou,
preservar a continuidade da família, não podendo nos esquecer também da
finalidade assistencial.
Ressalta-se, por derradeiro que o vínculo biológico nunca
poderá se sobrepor à relação existente entre um filho e um pai, e que os verdadeiros
pais são aqueles que amam e dedicam sua vida a uma criança.
102
CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 443.
103 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de e MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família. 4. ed. atual. Curitiba: Juruá, 2001. p.40.
40
2.2.3 Paternidade registratória
Como exemplo clássico de paternidade registratória é o caso
em que o marido registra como seu filho de outrem, tendo convicção de que o filho é
seu, pois é ele o marido da esposa que gerou o filho. Posteriormente este homem
descobre que sua esposa foi infiel, e que ele é apenas o pai que registrou a criança.
Nesta senda Maria Berenice Dias104, dispõe:
Com o registro de nascimento constitui-se a parentalidade registral, que goza de presunção de veracidade e publicidade (CC1.603). O registro faz público o nascimento, tornando-o incontestável. Prestigia a lei o registro de nascimento como meio de prova de filiação. No entanto, essa não é a única forma de reconhecimento voluntário da paternidade. A escritura pública, o escrito público, o testamento e a declaração manifestada perante o juiz também comprovam a filiação (CC 1.609).
Diante de tal fato, tem-se em nosso ordenamento jurídico que
pai é aquele que mantém o vínculo consangüíneo com o filho, mas principalmente o
registrátorio, em face da possibilidade de se ingressar com uma ação de
investigação de paternidade, caso necessário.
O exercício desta ação alcança todos os filhos, inclusive
aqueles concebidos na constância do casamento.
As partes ativas, geralmente são o menor representado, o
Ministério Público, sendo que o nascituro poderá demandar em juízo, conforme o
artigo 26105 do Estatuto da Criança e do Adolescente bem como o artigo 1.609106
parágrafo único do Código Civil.
Assim preconiza tais artigos:
Art. 26 – Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação.
104
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p. 301.
105 ECA- Organização do texto Yussef Said Cahali. 10 ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2008. p. 1.142.
106CAHALI. Yussef Said (org). Mini código. p. 441.
41
Art. 1.609- [...]
Parágrafo único: O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendente.
Assim, não se pode negar que sem dúvida a paternidade
registraria é uma espécie de paternidade sócio afetiva, pois se o suposto pai
registrou o filho e durante toda a sua vida criou-o como sendo seu.
Há de se ressaltar que num período anterior a CRFB/88, a
paternidade jurídica-registrária prevalecia sobre a paternidade biológica, pois se
buscava proteger a família, não permitindo que fosse ajuizada ação de investigação
de paternidade em face de homem casado, pelo fato de que abalaria a paz familiar.
Contudo, com o advento da CRFB/88, foi adotado o princípio
da proteção integral da criança e do adolescente, permitindo que as crianças
pudessem ter seus direitos reconhecidos em face da família, possibilitando assim, a
busca pela verdadeira paternidade, entendida como a biológica.
Portanto, hoje o entendimento dos tribunais já é pacificado com
relação à investigação de paternidade em face de homem casado, uma vez que
trata de um dos direitos fundamentais da pessoa humana conhecer a sua origem.
2.2.4 Paternidade sócio-afetiva
O fenômeno da paternidade não se estabelece pelo simples
ato da procriação, mas sim pelos laços de afetividade, criados pela convivência que
se fortificam dia a dia.
Nesse contexto, é inegável que a CRF/88 deu uma nova feição
à família, que merece proteção do Estado e passa a ser fundada não mais no
pressuposto do casamento, mas sim como um espaço de afeto.
O texto constitucional consagrou o princípio da igualdade,
revogando regras que pudessem estabelecer qualquer desigualdade ou privilégio
por origem de filiação, regra clara insculpida no § 6º do art. 227107.
107
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. p. 141-142.
42
Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[...]
§ 6º- Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Acerca do princípio da igualdade de tratamento entre os filhos,
Roberto Senise Lisboa108 relata:
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a isonomia plena de tratamento, devendo-se conferir aos filhos havidos e não havidos do casamento os mesmos direitos e garantias.Com isso, aos filhos devem ser conferidos os meios de preservação e desenvolvimento dos seus direitos fundamentais básicos, os direitos da personalidade, entre os quais cabe mencionar (...).
Assim, após o surgimento da presunção da paternidade e o
surgimento da paternidade biológica verificável através de exames genéticos, surge
tanto na doutrina como na jurisprudência uma nova espécie de paternidade sócio-
afetiva.
Esta espécie de paternidade fundamenta-se no princípio da
proteção integral da criança e do adolescente e nasce para se contrapor a
paternidade registraria e biológica, nas quais o vínculo que liga uma pessoa a outra
é apenas genético ou jurídico.
Seguindo esse enquadramento de idéias, Maria Berenice
Dias109, denota:
A posse do estado de filho constitui modalidade de parentesco civil de origem afetiva.
[...]
108
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. p. 309.
109 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família. p. 307.
43
A necessidade de se manter uma estabilidade da família, que cumpre a sua função social, faz com que se atribua um papel secundário à verdade biológica. Revela a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva.
Ressalta-se que a palavra afinidade é um termo utilizado
especialmente para denominar o vínculo existente entre um cônjuge e os parentes
do outro.
Acerca da paternidade socioafetiva José Bernardo Ramos
Boeira110 entende por:
Paternidade socioafetiva é uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterna filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai.
Para melhor entendimento, acerca da paternidade socioafetiva,
Leila Donzetti111 relata:
Na paternidade socioafetiva, pai não é apenas aquele ligado por um laço biológico. Pai é muito mais. Pai é aquele ligado pelos intensos e inesgotáveis laços de afeto. Aquele que cuida, protege, alimenta, educa e participa intensamente do crescimento físico, intelectual e moral da criança, dando-lhe o suporte necessário para que se desenvolva como ser humano.
Seguindo esta linha de raciocínio Luiz Edson Fachin112,
assevera:
Se o liame que liga um pai a seu filho é um dado, a paternidade pode exigir mais do que apenas laços de sangue. Afirma-se aí a paternidade socioafetiva que se capta juridicamente na expressão posse do estado do filho.
Portanto, a paternidade socioafetiva, fundada na posse do
estado do filho, ganha abrigo nas mais recentes reformas do direito em todo o
mundo, alguns com mais intensidade que em outros, não levando em conta o
110
BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade: posse do estado de filho: paternidade socioafetiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p.40.
111 DONIZETTI, Leila. Filiação socioafetiva e direito à identidade genética. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 15.
112 FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade. p. 32.
44
nascimento, mas na vontade baseada na afetividade, colocando em xeque tanto a
verdade jurídica como a certeza cientifica, já que ela leva em consideração o
aspecto psicológico.
Assim, para legitimar a verdade socioafetiva, surge o instituto
da posse do estado de filho, com o objetivo de valorizar o afeto.
Desta forma, a posse de estado de filho nada mais é do que a
relação clara e pública de um vínculo natural existente entre pais e filhos, ou seja, “é
mais um elemento de convicção para ser sobrepesado pelo juiz, dentro do conjunto
probatório na ação de investigação de paternidade”.113
Então a posse de estado de filho constitui uma nova
modalidade de parentesco civil baseado na origem afetiva.
Entretanto, para que a posse do estado de filho se torne
relevante deve ser considerada ”como um dos elementos constitutivos da
paternidade responsável, fundada em consonância com a noção de família, cuja
estruturação é feita por meio dos laços afetivos”.114
Contudo, para que a paternidade sócioafetiva esteja
caracterizada, é necessário que haja uma relação afetiva, íntima e duradoura com o
filho de criação, comprovada pela posse de estado de filho (estado de filho afetivo),
que se caracteriza não só pelo uso do nome, mais, sobretudo do afeto, amor,
dedicação e o reconhecimento de filho perante toda a sociedade.
Assim, não sendo contemplada a noção de posse de estado de
filho para o estabelecimento da paternidade socicafetiva, pelo direito pátrio e
enquanto a reforma legislativa não ocorre, a função de estabelecer a verdade da
filiação compete ao julgador, que dever ter audácia para inovar e adequar as normas
à realidade social.
113
RODRIGUE, Sílvio. Direito civil brasileiro. p. 309.
114 DONIZETTI, Leila. Filiação sociafetiva e direito à identidade genética. p. 17.
45
2.3 ESPÉCIES DE FILIAÇÃO
A filiação é entendida pelo negócio jurídico existente entre pai
ou mãe e sua prole, podendo ser provada pela certidão do nascimento inscrito no
registro civil, conforme preconiza o artigo 1.603115 do Código Civil.
Art. 1.603 – A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil.
Maria Helena Diniz116 assim conceitua:
Filiação é o vinculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de parentesco consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida117, podendo, ainda, ser uma relação socioafetiva entre pai adotivo e institucional e filho adotado ou advindo se inseminação artificial heteróloga.
Importante os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves118,
acerca do tema: “a relação de parentesco consangüíneo em primeiro grau em linha
reta, que liga uma pessoa àqueles que a geraram e a receberam como se tivessem
gerado”
No entanto o Código Civil de 1916 dividia o instituto da filiação,
em duas, sendo a filiação legítima e ilegítima. Aos filhos não concebidos na
constância do casamento, eram rotulados de ilegítimos, e por conseguinte o
advindos do vínculo do casamentos, eram tidos com legítimos, e estes por sua vez
possuíam proteção integral do Estado.
Entretanto, com o advento da CRFB/88 se estabeleceu
absoluta igualdade entre todos os filhos, não admitindo mais a retrógrada distinção
entre filiação legítima ou ilegítima, conforme preceitua o ar. 227, § 6º.
115
CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 440.
116 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 420.
117 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família apud Antônio Chaves, Filiação legítima, in Enciclopédia Saraiva do Direito. p. 420.
118 GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses jurídicas: direito de família. 12. ed. ver. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.102.
46
Art. 227- É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[..]
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Hoje, porém, todos são apenas filhos, uns havidos fora do
casamento outros em sua constância e outros por via de adoção, mais com iguais
direitos e qualificações.
Assim devido às conseqüentes mudanças ocorridas no Direito
de Família, ao longo dos anos, principalmente em tempos de grandes avanços de
biotecnologia, impõem novas formas de vivenciar e compreender as relações entre
pais e filhos.
Por fim, tendo conceituado a categoria filiação, com
fundamento nos doutrinadores brasileiro, a seguir passarei a explanar acerca de
algumas espécies de filiação, relevantes a presente pesquisa, dentre elas: a filiação
biológica, registral, assistida e sociafetiva.
Entende-se por filiação biológica, quando o filho possui o
mesmo sangue que dos pais, decorrente de uma relação sexual. A partir dessa
figura, extrai-se três tipos de espécies, os legítimos, legitimados, ilegítimos.
Conceitua Arnaldo Rizzardo119:
Legítimos consideram-se os filhos gerados na vigência do casamento civil de seus pais.
Legitimados, os gerados antes desse casamento, que os legítima.
119
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2005. 3. ed. p. 408.
47
Ilegítimos, os nascidos fora do casamento civil de seus pais, os quais, por sua vez, se distinguem em naturais stricto sensu e espúrios.
Dentre os filhos considerados ilegítimos, existia a distinção
entre eles em: naturais e espúrios. Os filhos naturais eram os concebidos por
genitores que não tinha nenhum tipo de impedimento entre si na data da concepção.
Já os espúrios de forma contrária, quando os genitores possuíam algum tipo de
impedimento, sejam por estarem casados na data da concepção ou ainda, se eram
parentes em linha reta.
Com relação a filiação registral, está não difere muito da
paternidade registratória; pois uma forma de ambas se constituem, é através do
registro de nascimento, como preceitua o art. 1.603120 do CC.
Art. 1.603- A filiação prova-se pela certidão de termo de nascimento registrada no Registro Civil.
Oportuna os dizeres de Maria Berenice Dias121:
O registro faz público o nascimento, tornando-o incontestável122. Prestigia a lei o registro de nascimento como meio de prova de filiação. No entanto, essa não é a única forma de reconhecimento voluntário de paternidade. A escritura pública e o escrito particular, o testamento e a declaração manifestada perante o juiz também comprovam a filiação (CC 1.609).
A filiação registral, é um ato voluntário, que gera direito e dever
decorrentes do poder familiar.
Segundo Maria Berenice Dias123: “aqueles que comparecerem
perante o oficial de Registro Civil e se declaram pais de um recém-nascido assim
passam a ser considerados para todos os efeitos legais. Em face da presunção de
paternidade dos filhos nascidos durante o casamento[...].
120
CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 440.
121 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família. p. 301.
122 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família apud Paulo Luiz Netto Lobo, Código civil comentado. p. 301.
123 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família. p. 301.
48
Relativo à maneira, de como ocorre o registro de nascimento
de um recém-nascido, Maria Berenice Dias 124 aduz:
[...] basta um dos pais, munido da certidão de casamento, comparecer à serventia registral para lavrar o assento de nascimento. Caso contrário é necessária a presença de ambos. Comparecendo somente a mãe, se ela declinar o nome do pai, poderá se desencadear procedimento administrativo oficioso de paternidade.
Todavia, aquele que registrou um recém-nascido como seu, em
caso de erro ou falsidade, conforme o disposto no art. 1.604 do CC, poderá invalidá-
lo.
Pertinente ao tema, Maria Berenice Dias125 conjectura:
[...] A só existência do registro não pode limitar o exercício do direito de buscar, a qualquer tempo, o reconhecimento da paternidade (CC 1.614). Assim, mesmo quem tenha pai e esteja registrado como filho de alguém, não está inibido de intentar ação investigatória de paternidade para conhecer sua ascendência biológica, havendo somente a necessidade de proceder à citação do pai registral.
Concernente a filiação assistida, esta surgiu no direito civil
brasileiro, devido aos grandes avanços da ciência e da biotecnologia, nos últimos
tempos.
Nos dizeres da doutrinadora Maria Berenice Dias126, “os
avanços tecnológicos na área da reprodução humana emprestaram significativo
relevo à vontade, fazendo ruir todo o sistema de presunções da paternidade e da
filiação”.
Com relação a esta espécie de filiação, a lei presume como
filhos havidos na constância do casamento, como dispõe o art. 1.597127, III, IV, V do
CC.
124
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família. p. 301.
125 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família. p. 301.
126 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família apud Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Direito de família brasileiro. p. 302.
127CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 439..
49
Art. 1.597– Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
[...]
III- havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV- havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V- havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Nesse sentido, menciona Sílvio de Salvo Venosa128, no que
tange a filiação assistida:
Esses dispositivos, únicos do Código, cuidam dos filhos nascidos do que se convencionou denominar fertilização assistida. O Código enfoca, portanto, a possibilidade de nascimento de filho ainda após a morte do pai ou da mãe, no caso de fecundação homóloga e de embriões excendentários.
Todavia, por ser uma técnica nova de concepção no
ordenamento jurídico, “o código de 2002 não autoriza nem regulamenta a
reprodução assistida, mas apenas constata lacunosamente e existência da
problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade”129.
A modificação de paradigmas que originou a CRFB/88, bem
como os vários fenômenos apontados pela doutrina que refletem significativamente
no Direito de família, com o fenômeno da repersonalização das relações familiares,
permitindo que a afetividade fosse inserida nas discussões doutrinárias acerca da
família contemporânea, fazendo surgir com isso outra espécie de filiação, a qual
denomina-se socioafetiva.
Isso fez com que a socioafetividade formasse uma das
principais características da família atual, se apresentando nas relações familiares
onde o amor é cultivado cotidianamente.
128
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. p. 228.
129 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. p. 228.
50
Sílvio de Salvo Venosa130 assim conceitua filiação socioafetiva:
“é aquela na qual o amor e o carinho recíprocos entre os membros suplantam
qualquer grau genético, biológico ou social”.
Destarte, a filiação socioafetiva, é um fato cada vez mais
presente na sociedade, embora o legislador não a tenha reconhecido de forma
expressa, através da noção de posse do estado de filho.
Para melhor compreensão sobre posse do estado de filho,
Maria Berenice Dias131, aduz:
Quando as pessoas desfrutam de uma situação jurídica que não corresponde à verdade, detêm o que se chama de posse de estado. [...] A noção de posse de estado filho não se estabelece com o nascimento, mas num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade.
A socioafetiva como espécie de filiação, é caracterizada pela
convivência, afetiva e pela estabilidade nas relações familiares, sendo cada vez
mais marcante na evolução do direito de família.
Desta maneira, a filiação socioafetiva, baseia-se na idéia de
qualidade de filho, onde os elementos formadores da relação paterno-filial são
construídos através de laços do amor visando a felicidade dentro da família.
Seguindo este pensamento expõe Maria Berenice Dias132:
A posse do estado de filho constitui modalidade de parentesco civil de origem afetiva (CC 1.593). A filiação socioafetiva corresponde à verdade aparente e decorrente do direito à filiação.
Nessa linha, Luiz Edson Fachin133, assevera:
A descendência genética é assim um dado; a filiação sociafetiva se constrói; é mais: uma distinção entre o virtual e o real. A parternidade biológica vem pronta sobre a filiação [...] Ao reverso, a relação paterno filial socioafetiva se revela; é uma conquista que ganha
130
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 200.
131 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias apud Rolf Madaleno. Direito de família em pauta. p. 306.
132 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 307.
133 FACHIN, Luiz Edson. Da Paternidade. Relação Biológica e afetiva. p. 60.
51
grandeza e se afirma nos detalhes [...] A segunda é fruto de um querer: ser pai, desejo que se põe na via do querer ser filho; desse desejo ela nasce e frutifica o que nenhum gene dispensa, mas que por si só pode não explicar.
Contudo, para que a filiação socioafetiva, se caracteriza é
necessário que haja uma relação afetiva, íntima e duradora com o filho de criação,
comprovada pela posse do estado de filho, que se caracteriza não só pelo uso do
nome, mais, sobretudo do afeto, do amor, dedicação e o reconhecimento de filho
perante toda a sociedade.
Acerca dos requisitos necessários para caracterização da
filiação socioafetiva, Paulo Luiz Lobo Netto134 aduz: “a) pessoas que se comportem
como pai e mãe e outra pessoa que se comporta como filho, b) convivência familiar,
c) estabilidade do relacionamento, d) afetividade”
Por fim, ressalta-se que os laços de afeto não derivam da
herança genética dos pais biológicos, mas sim da convivência, portanto pai ou mão
não é apenas a pessoa que gera e que tenha vínculo genético com a criança. Mas
sim a pessoa que cria, educa, instrui, ampara, dá amor, carinho, proteção; enfim,
aquela que realmente exerce as funções próprias de pai ou da mãe em atendimento
ao melhor interesse da criança.
2.4 RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO
Conforme o disposto na CRFB/88, o meio pelo qual se admite
a paternidade de filho tido entre pais não casados, é através do ato de
reconhecimento.
De acordo com o sistema jurídico brasileiro, existem três
modalidades de reconhecimento de filiação, o voluntário ou espontâneo, o judicial ou
coativo e o oficioso.
134
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Paternidade sócioafetiva e a verdade real. p. 15.
52
Dispondo sobre o tema Sílvio de Salvo Venosa135, continua:
Este ato pode ser espontâneo ou coativo, gerando, é evidente, todo um complexo de direitos e obrigações. [...] Toda a gama de direitos entre pais e filhos decorre do ato jurídico do reconhecimento.
Portanto o reconhecimento voluntário, este ocorre quanto o
suposto pai, por livre manifestação de vontade, tem o desejo de reconhecer/ assumir
seu filho, proveniente de uma relação extraconjugal.
Importante o conceito de Silvio Rodrigues136; “reconhecimento
espontâneo é o ato solene e público, pelo qual alguém, de acordo com a lei, declara
que determinada pessoa é seu filho”.
Dispondo sobre o tema Maria Helena Diniz137 continua:
O reconhecimento voluntário é, segundo Antônio Chaves o meio legal do pai, da mãe ou de ambos revelarem espontaneamente o vínculo que os liga ao filho, outorgando-lhe, por essa forma, o status correspondente.
Segundo Maria Berenice Dias138, “o reconhecimento,
espontâneo ou judicial, tem eficácia declaratória, constatando uma situação
preexistente. Isto é, tem efeito ex tunc, retroagindo à data do nascimento[...]
podendo ser levado a feito antes do nascimento”.
O reconhecimento voluntário foi regulamentado pela Lei nº
8.560/92, pois, antes de seu advento, o Código Civil de 1916 em seu art. 357, dizia
que o reconhecimento poderia ser feito no registro civil, por escritura pública e por
testamento. Já o ECA reproduziu as normas elencadas no CC/16, acrescentando
que o reconhecimento também poderá ser feito por documento público.
Dispondo sobre o tema, Sílvio de Salvo Venosa139 continua:
135
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 244.
136RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 346.
137 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, apud Antônio Chaves, Filiação ilegítima. p. 450.
138 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 311.
139 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 245, 246.
53
O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
I - no registro de nascimento;
II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV – por manifestação expressa e direta perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que contém.
Essa alteração continua mantida no art. 1609 do CC, e ainda
que a lei estabeleça várias maneiras para o reconhecimento, exige-se o uso de uma
delas, pois se houver omissão, dará ensejo a uma ação de investigação de
paternidade.
Com relação à escritura pública, Arnaldo Rizzardo140diz ser
possível “reconhecer-se em ato especificamente elaborado para tal finalidade, ou em
ato também destinado para outro objetivo, como em escritura de doação, ou venda,
ou de instituição de um direito real qualquer”.
Consoante o que reza o inciso III, do art. supra transcrito Caio
Mário da Silva Pereira141, leciona:
[...] é ato personalíssimo e não comporta representação, devendo observar os respectivos requisitos da validade. Atente-se para a regra do art. 1.610, ao determinar que o reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo por outro testamento.
No tocante ao escrito particular, Arnaldo Rizzardo142, aduz:
“este deve conter certeza absoluta, devendo a assinatura ser reconhecia pelo
tabelião, ou, em caso de fotocópia, a indispensável autenticação, devendo consistir
numa declaração específica de reconhecimento”.
140
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. Lei 10.406, de 10.01.2002. p. 439
141 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 16. ed. p. 350.
142 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: lei 10.406, de 10.01.2002.p. 439.
54
Disciplina Sílvio de Salvo Venosa143:
O escrito particular pode redundar um expresso consentimento. Pode ser formalizado em uma simples declaração ou missiva, por exemplo, mas com a finalidade precípua de reconhecimento. É evidente que o escrito particular, menos formal, fica mais sujeito às vicissitudes da dúvida e da anulabilidade.
No reconhecimento voluntário, somente tem legitimidade os
pais, ou apenas um deles, é um ato personalíssimo.
Nesse sentido, menciona Maria Berenice Dias144:
A legitimidade para o reconhecimento da paternidade é de ambos os pais, ou de apenas um. Qualquer deles pode comparecer ao registro civil e registrar o filho em nome de ambos os genitores, mediante a apresentação da certidão de casamento. Não sendo casados, mas vivendo os genitores em união estável e havendo prova da vigência da união à época da concepção, há a possibilidade de o declarante proceder o registro também em nome do companheiro.
Segundo o que disciplina o CC/2002, o ato de reconhecimento
voluntário é unilateral, não depende anuência da outra parte, salvo em se tratando
de filhos maiores de idade, exigindo assim seu consentimento, conforme preceitua o
art. 1.614 do CC145:
Art. 1.614 – O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos 4 (quatro) anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.
Assevera Sílvio de Salvo Venosa146, no que tange aos filhos
menores:
Há, de fato, um caráter sinalagmático no ato de reconhecimento, não só porque é necessária a concordância do filho, se maior, como também porque pode o menor reconhecido impugnar o reconhecimento quando se tornar capaz.
Ao aduzir esse termo de consentimento pelo filho maior/menor,
observadas as circunstâncias de cada um, buscou o legislador uma forma de
143
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 249.
144 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 312.
145 CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 441.
146 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 246.
55
assegurar ao filho reconhecido, o livre arbítrio de escolher o que lhe seja favorável.
Enfatiza Silvio Rodrigues147: “[...] pode-lhe ser inconveniente, no campo patrimonial,
adquirir um herdeiro não desejado, ou um parente a quem deve alimentar”.
Em relação à revogação do reconhecimento, este não é
possível, nem quando feito através de testamento, conforme estatui o artigo 1.610
CC:
Art. 1.610 – O reconhecimento não pode ser revogado, nem
mesmo quando feito em testamento.148
Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa149 ensina:
O reconhecimento da filiação no bojo de um testamento, em declaração incidente como diz o Projeto do Estatuto das Famílias, obedece aos próprios requisitos dessa declaração e não propriamente aos requisitos testamentários. Assim sendo, sendo o testamento negócio revogável por excelência, o ato de reconhecimento contido em seu bojo não admite revogação.
Diante as diretrizes apontadas, fica evidenciada a busca pela
equiparação entre os filhos. Com o reconhecimento voluntário, o legislador
possibilitou uma maneira mais célere e eficaz no tocante à aplicação da lei.
Já o reconhecimento judicial de filho resulta de sentença
proferida em ação de investigação de paternidade, ajuizada pelo filho, ou seu
representante legal, sendo este incapaz.
Concernente a investigação paternidade, Maria Helena
Diniz150·, leciona:
A investigação de paternidade pode ser ajuizada conta o pai ou a mãe ou conta dos dois, desde que se observem os pressupostos legais de admissibilidade de ação, considerando como presunções de fato.
Assevera Sílvio de Salvo Venosa151:
147
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil:direito de família. p. 320.
148 CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 441
149 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 250.
150 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 459
56
Ação de investigação de paternidade é a que cabe aos filhos contra os pais ou seus herdeiros, para demandar-lhe o reconhecimento da filiação. Ação de estado por definição é inalienável, imprescritível e irrenunciável.
Oportuno os dizeres de Fábio Ulhoa Coelho152:
O filho pode propor contra o genitor ou genitora a ação de investigação de paternidade ou maternidade, sempre que pretender ver retratada no assento civil a verdade biológica de sua concepção. É irrelevante, aqui, se nasceu na constância de casamento ou união estável das pessoas mencionadas como seus pais no registro civil, ou não.
Aduz Sílvio de Salvo Venosa153, em relação a legitimidade:
São legitimados ativamente para essa ação o investigante, geralmente menor, e o Ministério Público. O nascituro pode demandar a paternidade como autoriza o art. 1.609, parágrafo único.
O CC/16 não previa a forma de reconhecimento de paternidade
forçado, a figura do reconhecimento via judicial veio a partir da publicação da Lei
8.560/92, e repetida pelo CC/2002.
O grande êxito da Lei 8.560/92, além possibilidade de iniciativa
do filho, conferiu ao Ministério Público, legitimidade para intentar ação de
investigação de paternidade, quando possuir elementos suficientes para tanto.
Sílvio de Salvo Venosa154 ensina:
O Ministério Público propõe a ação de investigação em nome próprio para defender interesse alheio, ou seja, o do investigante. Essa legitimação extraordinária não exclui a dos interessados que, uma vez proposta a ação, podem pedir seu ingresso como assistentes litisconsorciais. Nada impede, da mesma forma, que, não proposta a ação pelo Ministério Público, façam-no os interessados.
Segundo Washington de Barros Monteiro155, “o Código Civil
não estabelece em que ocasiões a ação de investigação de paternidade poderá ser
impetrada, sendo assim, permite sua utilização em qualquer caso”.
151
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 257.
152 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 5. p. 174.
153 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 258.
154 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 258.
57
Assim, qualquer pessoa que tenha seus interesses ou direitos
ameaçados, poderá contestar à ação investigatória, com fundamento na inteligência
do art. 1.615156 do CC: ”Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar
a ação de investigação de paternidade ou maternidade.
Concernente ao reconhecimento oficioso, a Lei n. 8560/92
trouxe em seu art. 2º a possibilidade de reconhecimento da filiação de forma
oficiosa.
Para melhor compreensão sobre o reconhecimento oficioso,
Silvio de Salvo Venosa157 aduz:
Quando no registro apenas a maternidade é estabelecida, o escrivão remeterá ao juiz uma certidão do ato e das declarações da mãe, informando o nome do suposto pai, endereço e outros dados importantes para identificação. [...] Se negada a paternidade ou mantiver-se silente o indigitado, os autos desse procedimento serão remetidos ao Ministério Público, para o fim de ser promovida a ação de investigação de paternidade contra o suposto pai.
Assinala Washington de Barros Monteiro158: “se o pai admitir a
paternidade será lavrado termo de reconhecimento, a ser averbado pelo oficial de
Registro Civil junto ao assento de nascimento”.
Acerca do procedimento, ensina Sílvio de Salvo Venosa159 que:
O procedimento deve ser singelo e sem formalidades, as quais devem ser reservadas para a ação judicial, se necessária. A simples negativa por parte do pai notificado, que não necessita maiores digressões, implica remessa dos autos ao Ministério Público para a propositura da ação de investigatória. Nada impede, contudo, que as partes, no procedimento, concordem em produzir provas para confirmar a paternidade, como o exame de DNA, por exemplo.
Neste capítulo foram observados os institutos da paternidade e
da filiação no direito brasileiro. Em relação a filiação, foi discorrido a respeito de suas
155
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. p. 320.
156 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: lei 10.406, de 10.01.2002. p. 463.
157 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 250 - 251.
158 MONTEIRO, Washigton de Barros. Curso de direito civil: direito de família. p. 318.
159 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 252 - 253.
58
espécies, bem como os modos de seu reconhecimento. O capítulo seguinte irá tratar
propriamente dito do tema proposto na presente monografia.
CAPÍTULO 3
RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA E AS
DIVERGÊNCIAS COM A PATENIDADE BIOLÓGICA
A terceira e última seção, da presente monografia, encontra-se
voltada especificamente ao tema paternidade socioafetiva, ressaltando a forma de
sua caracterização, passando em seguida ao conflito de interesse existente entre a
paternidade biológica e socioafetiva na tentativa de explicar que sempre deverão ser
observados os interesses do menor. Posteriormente, a polêmica questão sobre a
revogação da paternidade e anulação do registro civil, dando exemplos clássicos
para elucidar as situações existentes, e por fim o entendimento jurisprudencial
acerca do caso, onde na maioria dos casos que houver divergência entre a
paternidade biológica com a socioafetiva ou registraria prevalece o registro civil.
3.1CARACTERIZAÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
A filiação socoiafetiva um é fato cada vez mais presente na
sociedade, embora o legislador ainda não a tenha reconhecido de forma expressa,
através da noção de posse do estado de filho.
Ocorre que, tendo o Código Civil já “nascido velho”, estando a
sociedade em constante evolução, o direito acaba ficando para trás. Porém, isso não
significa que não haja, nessa relação de filiação de fato, direito merecedor da tutela
jurisdicional.
Assim, tem-se conhecimento que atualmente o conceito de
paternidade, não está somente voltado para o liame biológico e jurídico. O conceito
de filiação e sua definição no mundo jurídico evoluiu da filiação biológica até a atual
filiação socioafetiva que prepondera, atualmente, em nosso ordenamento.
60
Nesse sentido, a relação paterno-filial não se esgota na mera
constatação da hereditariedade sangüínea, há também uma relação afetiva e
cultural. Afirma Paulo Luiz Lobo Netto160 que “[...] o afeto não é fruto da biologia. Os
laços de afeto e da solidariedade derivam de convivência e não do sangue”.
No mesmo sentido aduz Rodrigo da Cunha Pereira161 quando
diz:
[...] não basta esse ato para instituir a paternidade; é preciso que o pai deseje ser o pai, ou é necessário que ele adote seu filho biológico. Caso contrário, ele será apenas o pai jurídico, que se prestará às obrigações e deveres decorrentes da lei.
Com base nesse ensinamento pode-se perceber que não basta
o vínculo biológico para estabelecer a relação entre pai e filho, pois para que se
estabeleça essa relação é necessário o afeto, o cuidado, entre outros fatores que
somente o amor estabelece.
Assim também esclarece Luiz Edson Fachin162, ao tratar que
pai é aquele que se comporta como tal e não aquele que simplesmente gerou a
criança ou o adolescente.
[...] a verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria genética da descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços de paternidade numa relação psicoafetiva, aquele, enfim que além de poder emprestar seu nome de família, o trata (sic) como sendo verdadeiramente seu filho perante o ambiente social.
Quando dispensado o tratamento ao qual o doutrinador cometa
acima, verifica-se a posse do estado de filho, presente na relação paterno-filial
De qualquer forma, a paternidade está presente no dia a dia e
geram muitos efeitos. O sistema jurídico brasileiro vigente não permite, de forma
160
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Jus navigandi, Teresinha, a. 4, n. 41, mai. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=527>. Acesso em: 02 mai. 2010.
161 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. 2. ed. p. 162.
162 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 169.
61
expressa, o reconhecimento do vínculo jurídico decorrente da paternidade
socioafetiva, até porque o advento do exame de DNA tornou fácil a descoberta da
verdade biológica e, conseqüentemente, o estabelecimento do vínculo jurídico.
Ocorre que, conforme já demonstrado neste trabalho, as
relações familiares sofreram uma sensível alteração, deixando de levar em conta
apenas ou primordialmente os aspectos patrimoniais e matrimoniais, para dar
destaque aos membros que convivem na família, ou seja, tornando-os sujeitos de
direitos. É inegável que, a par de toda essa evolução, necessário se faz contemplar
também o reconhecimento do vínculo afetivo, em detrimento do vínculo biológico.
Nesse contexto, é inegável que a CRFB/88 deu uma nova
feição à família, que merece a proteção do Estado e passa a ser fundada não mais
no pressuposto do casamento, mas sim como um espaço de afeto.
O texto constitucional consagrou o princípio da paridade,
revogando regras que pudessem estabelecer qualquer desigualdade ou privilégio
por origem de filiação e resgatou a dignidade, deixando de classificar filhos pela
maior ou menor pureza das relações sexuais, legais e afetivas de seus pais, regra
clara insculpida no § 6º do art. 227.
Contudo o reconhecimento é importante para garantir o vínculo
jurídico, que gerará efeitos ao filho e, dentre eles, o principal será o direito ao pai.
Para melhor entendimento Giselda Maria Fernandes Novaes
Hironaka163 explica:
Por direito ao pai, na sua valoração juridicamente relevante, deve-se entender o direito atribuível a alguém de conhecer, conviver, amar e ser amado, de ser cuidado, alimentado e instruído, de colocar-se em situação de aprendizado e de apreensão dos valores fundamentais da personalidade e de vida humana, de ser posto a caminhar e falar de ser ensinado a viver e conviver e a sobrevier, o que ocorre com a maioria dos animais que habita a face da Terra. Na via reversa, encontra-se o dever que tem o pai-leia-se também a mãe- de produzir tal convívio, de modo a buscar cumprir a tarefa relativa ao
163
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos: além da obrigação legal de caráter material. Disponível em:<http://www.advocaciapasold.com.br/artigos/arquivos/os_contornos_juridicos_da_responsabilidade_afetiva.doc>.Acesso: 01 mai. 2010.
62
desenvolvimento de suas crias, que provavelmente, a mais valiosa de todas as tarefas incumbidas à raça humana.
Neste sentido, a relação paterno-filial não se esgota na mera
constatação física-laboratorial da hereditariedade sangüínea, há também uma
relação afetiva e cultural. Afirma Paulo Luiz Lobo Netto164: “[...] o afeto não é fruto da
biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não do
sangue”.
Assim, enquanto não existe uma normatização específica,
pode ser deferida ao julgador a prerrogativa, de “adaptar o conjunto normativo
existente às necessidades sociais, buscando, assim, atender aos interesses da
criança165”.
Com bem salienta Jacqueline Filgueras Nogueira166:
O julgador, ao decidir um conflito de filiação, deve ter presente a noção de “posse de estado de filho” para reconhecer a paternidade, não tão somente como sendo aquela que decorre da presunção legal ou do vínculo biológico, mas aquela que retrata a verdadeira relação paterno-filial, vínculo que somente se adquire no convívio, na troca diária de afeto.
Vale salientar também os ensinamentos de Paulo Luiz Netto
Lôbo167 ao defender a filiação na perspectiva do princípio da afetividade:
O desafio que se coloca aos juristas, principalmente aos que lidam com o direito de família, é a capacidade de ver as pessoas em toda sua dimensão ontológica, a ela subordinando as considerações de caráter biológico ou patrimonial. Impõe-se a materialização dos sujeitos de direitos, que são mais que apenas titulares de bens. A restauração da primazia da pessoa humana, nas relações civis, é a condição primeira de adequação do direito à realidade e aos fundamentos constitucionais.
164
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Jus Navigandi. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=527>.Acesso em: 11 de mai. 2010.
165 DELINSKI, Julie Cristine. O novo direito da filiação. São Paulo: Dialétiva, 1997. p. 94.
166 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico.São Paulo: Memória Jurídica, 2001. p. 148.
167 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Acesso em: 11 de maio de 2010.
63
Como base nesses ensinamentos pode-se perceber que não
basta o vínculo biológico para estabelecer a relação pai e filho, pois para que se
estabeleça essa relação é necessário o afeto, o cuidado, entre outros fatores que
somente o amor estabelece.
Assim também esclarece Luiz Edson Fachin168, ao tratar que
pai é aquele que se comporta como tal e não aquele que simplesmente gerou a
criança ou adolescente:
A verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria genética de descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços da paternidade numa relação psico-afetiva, aquele, enfim que além de poder emprestar seu nome de família, o trata (sic) como sendo verdadeiramente seu filho perante o ambiente social.
Quando dispensado o tratamento ao qual o doutrinador
comenta acima, contata-se a posse do estado do filho, pois verifica-se presente na
relação paterno-filial elementos importantes para a caracterização da paternidade
socioafetiva, uma vez que a posse do estado de filho nesta paternidade, nada mais
é do que o reconhecimento público da filiação, a forma ao qual o pai dá ao seu filho
afetivo status de filho perante a sociedade.
Dessa maneira entende-se para José Bernardo Ramos
Boeira169, como posse de estado de filho:
[...] expressão forte e real do parentesco psicológico, a caracterizar a filiação afetiva. Alías, não há modo mais expressivo de reconhecimento do que um pai tratar o seu filho como tal, publicamente, dando-lhe proteção e afeto, e sendo assim reputado pelos que, com ele convivem. E pode-se afirmar que a desbiologização da paternidade tem, na posse de estado de filho, sua aplicação mais evidente.
Concernente ao tema Maria Berenice Dias170 afirma que:
168
FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 169.
169 BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade. p. 54
170 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 306.
64
[...] a noção de posse de estado de filho não se estabelece com o nascimento, mas num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, colocando em xeque tanto a verdade jurídica, quanto à certeza científica no estabelecimento da filiação.
Assim, o direito à paternidade e ao afeto dela decorrente è
inerente à pessoa, principalmente à criança, considerada, atualmente, não mais
como objeto, ma sim como sujeito de direitos.
Todavia, mesmo estando em uso o estado de filho, e os
direitos dos pais e filhos socioafetivos, esse fato não vem sendo tratado como
deveria pela legislação civil brasileira. Uma vez que a posse do estado de filho,
deveria ser incluída entre as formas de estabelecimento de paternidade.
Concernente ao tema, José Bernardo Ramos Boeira171 aduz:
A própria modificação na concepção jurídica de filiação conduz, necessariamente, a uma alteração na ordem jurídica da filiação, em que a paternidade socioafetiva deverá ocupar posição de destaque, sobretudo para solução de conflitos de paternidade.
Destarte, para a caracterização da posse do estado de filho,
segundo Carlos Roberto Gonçalves172, “[...] é necessário a presença de três
elementos: o tratamento (tractatio), o nome (nominatio) e a fama (reputatio)”.
Com relação ao tratamento, conforme o próprio termo, este se
configura através do tratamento que é dispensado na relação paterno-filial, ou seja,
dá-se por meio da convivência.
Deste modo, o estado de filho encontra-se completamente
ligado com a própria relação vivenciada com o pai, na medida em que este revela os
sentimentos que nutre pelo filho através da preocupação com o seu bem-estar,
cuidando de sua saúde, promovendo a sua educação.
O segundo trata da utilização do patronímico pertencente ao
pai pelo filho. Entretanto, o elemento nome não de suma importância, uma vez que a
paternidade poderá ser comprovada apenas com os outros dois elementos.
171
BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade. p. 54.
172GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p. 305.
65
Corroborando com o mencionado, se posiciona José Bernardo
Ramos Boeira173:
[...] a doutrina reconhece em sua maioria, o fato de o filho nunca ter usado o patronímico do pão, não enfraquece a posse do estado de filho se concorrerem os demais elementos – trato fama- a confirmarem a verdadeira paternidade. Na verdade, esses dois elementos são os que possuem densidade suficiente capaz de informar e caracterizar a posse de estado.
Nesse sentido se posicionam os doutrinadores174:
[...] o primeiro elemento (a nominatio) é quase sempre de pouca ou nenhuma utilidade: tenha o filho apenas o nome de família da mãe dou também o nome d família do marido desta, não se está ai diante de elemento decisivo. Os outros dois elementos, porém, particularmente o segundo (tractacio) são da maior importância, por permitirem revelar a existência (ou não) de um vínculo psicológico e social entre filho e suposto pai, isto é, de uma relação pai-filho existencialmente vivida.
Com relação ao terceiro elemento, tem-se a fama ou a
reputatio. Esta nada mais é que a notoriedade acerca da filiação, devendo
transcender além do lar, aos outros familiares e à sociedade.
Assim, a posse do estado de filho se torna relevante e deve ser
considerada “como um dos elementos constitutivos da paternidade responsável,
fundada em consonância com a noção de família sociológica, cuja estruturação é
feita por meio dos laços afetivos”.175
Então ao estudar o instituto da paternidade socioafetiva logo se
percebe que é o único que realmente supri os deveres de um pai e os direitos de um
filho, pois essa relação é baseada em afeto, sendo que a obrigação é composta por
amor e não simplesmente, pelo fato que seu descumprimento acarreta medidas
judiciais.
173
BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade. p. 93.
174 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família. p. 50.
175 DONIZETTI, Leila. Filiação sociafetiva e direito à identidade genética. p. 17.
66
Concernente ao tema Belmiro Pedro Welter176 se posiciona:
A paternidade socioafetiva é a única garante a estabilidade social edificada no relacionamento diário e afetuoso, formando uma base emocional capaz de lhe assegurar um pleno e diferenciado desenvolvimento como ser humano.
Mesmo não havendo a positivação da posse do estado de filho,
ela não é estranha, visto que se verificam evidências que legitimam a existência do
instituto, principalmente em razão da eleição do princípio do maior interesse da
criança, como preconiza o art. 227 da CRFB/88.
Com relação a este tema, Zeno Veloso177 assevera:
Quem acolhe, protege, educa, orienta, repreende, veste, alimenta, quem ama e cria uma criança, é pai. Pai de fato, mas, sem dúvida, pai. O “pai de criação” tem posse de estado com relação ao seu ”filho de criação”. Há nesta relação uma realidade sociológica e afetiva que o direito tem que enxergar e socorrer. O que cria, o que fica no lugar de pai, tem direitos e deveres para com a criança, observado o que for melhor para os interesses desta.
Embora a paternidade socioafetiva não esteja positivada em
nosso ordenamento jurídico atual, alguns tribunais, como adiante se pontua, vêm
acatando a paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica, ao
argumento de que a paternidade é função dos pais para o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual, cultural e social da pessoa em crescimento.
Por fim, não sendo contemplada a noção de posse do estado
de filho para o estabelecimento da paternidade socioafetiva pelo direito pátrio, e
enquanto a reforma legislativa não acontece, a função de estabelecer a verdade da
filiação compete ao julgador, que deve ter coragem para inovar e adequar as normas
à realidade social.
176
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e sociafetiva. São Paulo: RT, 2003. p. 165.
177 VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 215.
67
3.2 EFEITOS JURÍDICOS DECORRENTES DO RECONHECIMENTO DA
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.
Pelo princípio da igualdade dos filhos, consagrado pela
CRFB/88, onde dispõe que todos os filhos são iguais e têm os mesmos direitos,
independente sua origem, pressupõe que uma vez reconhecida e declarada a
paternidade socioafetiva, todos os filhos socioafetivos terão os mesmos direitos.
Então, por conseqüência deste princípio, aquele que
reconheceu a paternidade, assumindo o papel de pai, assumiu também todos os
encargos decorrentes deste, como é o caso de ter direito a pensão alimentícia, a
sucessão, bem como os demais direitos inerentes a um filho biológico, haja vista a
decorrência lógica do seu reconhecimento.
Dessa maneira já se posicionou o Tribunal do Rio Grande do
Sul178, decidindo sobre essa questão:
Ementa: Negatória de paternidade, anulação de registro civil ao assumir a paternidade do filho de sua ex-companheira, falseando com a verdade registral, assumiu todos os deveres inerentes à paternidade. Prática de adoção à brasileira, que, como tal, caracteriza-se pela irrevogabilidade. RECURSO DESPROVIDO.
Embora muito se questione, se o pai não biológico, após
romper a relação com sua parceira, fará jus ao dever de alimentar e ao direito de
visitas aos filhos desta, mesmo que não possua qualquer vínculo consangüíneo de
paternidade. Fica evidente no julgado acima que, o dever permanece isso graças ao
princípio da prevalência do melhor interesse da criança, estando esse assegurado
pelo CC, em seu art. 1.593179, o qual estabelece que:
Art. 1.593- O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.
178
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.. Apelação cível nº 70006440002, Oitava Câmara Cível. Relator: Des. Alfredo Guilherme Englert, Julgado em 18/09/2003. Disponível em <http://www.tjrs.jus.br> Acesso em 03 mai. 2010 179
CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 439.
68
Em relação direito sucessório, sendo o filho socioafetivo
considerado herdeiro necessário, este se deve atentar para as normas do art. 1.845
do CC: “são herdeiros necessários, os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”.
Desse modo, se reconhecida à paternidade socioafetiva,
caberia ao filho socioafetivo impugnar eventual testamento, caso esse dispusesse
de modo diverso do que determina a lei.
Entretanto, se o reconhecimento judicial ocorrer após o
falecimento do pai socioafetiva, há entendimento que se utiliza do argumento de que
se trata de interesse meramente patrimonial, haja vista que o suposto pai em vida
não manifestou a sua vontade de que esse filho fosse reconhecido, ou ainda, teria
deixado testamento que beneficiasse esse filho socioafetivo.
Assim, pela análise da emenda abaixo transcrita, podemos
dizer que, aqueles que negam o reconhecimento da paternidade socioafetiva, após o
falecimento do suposto pai, o fazem por acreditar tratar-se de interesse meramente
patrimonial:
Ementa: Apelação cível, investigação de paternidade socioafetiva cumulada com petição de herança e anulação de partilha. Ausência de prova do direito alegado. Interesse meramente patrimonial. Embora admitida pela jurisprudência em determinados casos, o acolhimento da tese da filiação sociafetiva, justamente por não estar regida pela lei, não prescinde da comprovação de requisitos próprios como a posse do estado de filho, representada pela tríade nome, trato e fama, o que não se verifica no presente caso, onde o que se percebe é um nítido propósito de obter vantagem patrimonial indevida, já rechaçada perante a Justiça do Trabalho. Negaram provimento. Unânime.180
Agora em relação, aquele que educa, sustenta e cuida de
alguém como se fosse um filho, se realmente não o reconhecesse com tal, não
diminuiria o vínculo existente entre esse pai e seu filho, caracterizando assim a
paternidade socioafetiva.
Contudo, dizer que um filho socioafetivo só teria direito à
herança se seus pais socioafetivos o reconhecessem expressamente, seja por um
180
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Sétima Câmara Cível. A.C. 70016362469, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 13/06/2006. Disponível em <http://www.tjrs.jus.br> Acesso em 03 mai. 2010.
69
testamento ou pelo registro civil, seria o mesmo que reconhecer que a filiação
socioafetiva não gera efeitos, o que é um equívoco.
Situação que ilustra a questão suscitada foi objeto de acórdão
proferido pelo TJRS que, por maioria negou o reconhecimento da maternidade
socioafetiva, por entender tratar-se de interesse meramente patrimonial,
determinado que o único bem da mãe socioafetiva ficasse com a irmã da falecida,
ao invés de ficar com seu filho socioafetivo. Porém, como já foi dito, não há
posicionamento unânime sobre a matéria.
Contudo, enquanto a posse do estado de filho, base da filiação
socioafetiva, não for expressamente reconhecida pelo ordenamento jurídico, cabe à
doutrina e jurisprudência assegurar que os filhos socioafetivos sejam reconhecidos e
protegidos, sobretudo após o falecimento daquele que o criou.
Nesse momento, surge a figura do julgador, o qual cabe a
função de identificar e configurar a filiação, protegendo assim relação existente.
Nesse enquadramento de pensamentos salienta Bernardo
Ramos Boeira181: “Na verdade, o pronunciamento judicial consiste no suprimento da
manifestação da vontade que o pretenso pai deveria ter tido, perfilhando, e que o
omitui”.
A exemplo do que foi explanado, pode-se citar o caso de um
filho que ingressou com pedido de reconhecimento de filiação socioafetiva, e
provando ter sido criado como filho, obteve na justiça o reconhecimento que lhe
estava negado pelos demais herdeiros.
Ementa: Ação declaratória. Adoção informal. Pretensão ao reconhecimento. Paternidade socioafetiva. Posse do estado de filho. Princípio da aparência. Estado de filho afetivo. Investigação de paternidade socioafetiva. Princípios da solidariedade humana e dignidade da pessoa humana. Ativismo judicial. Juiz de família. Declaração da paternidade. Registro. A paternidade sociológica é um ato de opção, fundando-se na liberdade de escolha de quem ama e tem afeto, o que não acontece, às vezes, com quem apenas é a fonte geratriz. [...] que se supere a formalidade processual, determinando o registro da filiação do autor com veredicto
181
BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade. p. 71.
70
declaratório nesta investigação de paternidade socioafetiva, e todos do seus consectários. Apelação provida por maioria.182
Destarte, a filiação socioafetiva é um fato presente em nossa
sociedade, a mesma merece e deve ser regulada expressamente, pois como
preconiza Maria Berenice Dias183, a ausência de regulamentação legal não implica
em ausência de direito:
O Estado, ao reservar o monopólio da jurisdição, assegurou a todos a prerrogativa de buscar os seus direitos. Elencou, pautas de conduta por meio de leis e, na impossibilidade de prever todas as situações que a riqueza da vida, a inteligência humana e o avanço das ciências, podem imaginar, atribuiu aos juizes, não só a função de aplicar o direito, mas também o dever de cria-lo sempre que constatar lacunas na legislação... Tal função torna-se verdadeira missão, quando o magistrado se conscientiza de que lhe compete revelar o direito mesmo quando não há previsão legal, pois a ausência de lei não significa a inexistência de direito merecedor de tutela.
Assim, tendo o filho preenchido os requisitos para a
configuração da filiação socioafetica, quais sejam, nome, trato e fama, e tendo sua
existência determinada pela inserção e convivência em uma determinada família,
entende-se que deva ser autorizada a manutenção do seu status de filho.
Consequentemente será plenamente possível à legitimação do
filho socioafetivo, para assegurar os direitos provenientes desta filiação. Assim o
art.1.593, juntamente com o art. 1.634 do CC184 nos trazem o amparo legal do que
foi acima exposto:
Art. 1.634- Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I – dirigir-lhe a criação;
II – tê-los em sua companhia e guarda;
182
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Sétima Câmara Cível. AP. 70008795775, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 23/06/2004. Disponível em <http://www.tjrs.jus.br> . Acesso em 03 de mai. 2010.
183 DIAS, Maria Berenice. Era uma vez. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Afeto, ética, família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p 17-18.
184 CAHALI, Yussef Said (org). Mini código civil. p. 444.
.
71
III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV – nomear-lhe tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder de família;
V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos aos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
V I – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Em suma, o artigo mencionado trata dos pais de uma maneira
geral, não mais mencionando se estes são naturais, civis, afetivos ou não, dirigindo
a eles todos estes encargos, e por conseqüência determinando os seus deveres
direitos inerentes.
3.3 SOLUÇÕES DE CONFLITOS DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
PRIORIZANDO O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
3.3.1 Aspectos iniciais
Existem diversas formas de se constituir uma relação de
filiação socioafetiva, independente de consangüinidade. Algumas são decorrentes
da legislação, como ocorre com a adoção e a inseminação artificial, e por isso
gozam de uma presunção legal de existência de convivência e afetividade. Outras
se constroem sem atender a específicas formalidades, e por isso dependem de
prova de relação socioafetivo, fundada no afeto.
No que tange as primeiras, Paulo Luiz Netto Lôbo185 aduz que:
[..] como se desenvolvem sob abrigo de critérios formais delineados, já é assentado na doutrina que não podem ser reversíveis. Consumado o processo de adoção, ou dado o consentimento para a inseminação, tem-se uma consolidação inequívoca do liame de filiação, que não pode vir a ser desfeito.
185
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Revista brasileira de direito de família. Porto Alegre: Síntese, 2003. v. 5. n. 19, p. 137.
72
Contudo, em uma breve análise acerca da filiação
socioafetiva,esta foi por longo tempo considerada pelo direito de família como um
mero aspecto jurídico., ou seja nunca se negou a sua existência, nem a relevância
de seu papel para a família. Negava-se sim, a possibilidade de que viesse a produzir
efeitos no mundo jurídico, estruturando-se a disciplina legal das relações de família
sem levá-la em consideração.
Todavia com a constitucionalização do direito civil, da qual é
“corolário a repersonalização das relações de família, veio transformar esta situação,
tornando a afetividade um princípio fundamental da filiação, fulcrado na Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988.” 186
Na expressão de Luiz Edson Fachin187, “passou a ser
reconhecido pela jurisprudência o valor jurídico do afeto, como elemento primordial
para o estabelecimento da filiação”.
Desta forma, quando surgir conflito decorrente da paternidade
socioafetiva em relação à paternidade biológica, o julgador ao analisar o caso
concreto, deverá se atentar para o princípio do melhor interesse da criança e do
adolescente, para estabelecer a solução para este conflito.
Acerca do princípio do melhor interesse da criança Paulo Luiz
Lôbo Netto188 tece considerações: “[...] não é uma recomendação ética, mas diretriz
determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua
família, com a sociedade e com o Estado”.
Os artigos 4° e 6°, do ECA (Lei 8.069/90) consagram o
princípio do melhor interesse da criança, senão vejamos:
Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos diretos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
186
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Revista brasileira de direito de família. Porto Alegre: Síntese, 2003. v. 5. n. 20 p.40.
187 FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo código civil. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2007. p. 28.
188 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. p. 144.
73
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único – A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais e públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos as áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Para maior efetividade ao disposto, teve o legislador o cuidado
de determinar que sua aplicação levaria em consideração não só os aspectos
materiais, mas também os fins sociais a que se destinam.
Art. 6 – Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento.
Assim acerca do tema Belmiro Pedro Welter189 aduz que:
A Constituição Federal, ao adotar o sistema único de filiação, está, na verdade, garantindo a todos os filhos “o direito à peternidade”, e tendo em vista que se trata de um direito constitucional, “ não mais se tolera que aqueles que biologicamente são filhos não sejam juridicamente considerados como tais”. Em outras palavras, “deve-se entender, portanto, que todos as espécies de filiação têm o direito a ser reconhecidos”. Aliás, o art. 7° da Convenção Internacional do Direito da Criança, proclama, em favor do filho, “o direito de conhecer seus pais. No direito brasileiro, o Estatuto da Criança e Adolescente o reconhece em seu art. 27”.
Desde o ano de 1990, o artigo 3.1 da Convenção Internacional
de Direitos da Criança, da ONU190, de 1989, passou a integrar o direito interno
brasileiro, estabelecendo que “[...] todas as ações relativas aos menores devem
189
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e sociafetiva. p. 142.
190 LÔBO, Paulo Luiz. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus p. 143.
74
considerar, primordialmente, o interesse maior da criança. O termo criança para a
Convenção abrange, também o que a lei brasileira (ECA) considera como
”adolescente”.
Concernente ao tema José Roberto Moreira Filho191 leciona
que:
Ser pai ou mãe, atualmente, não é apenas ser a pessoa que gera ou a que tem vínculo genético com a criança. É, antes disso, a pessoa que cria, que ampara, que dá amor, carinho, educação, dignidade, ou seja, a pessoa que realmente exerce as funções de pai ou de mãe em atendimento ao melhor interesse da criança.
E ainda Belmiro Pedro Welter192 ensina: “[...] a filiação
sociológica também é irrevogável. Isso porque, além de ter assento constitucional
(arts. 226, §§ 4° e 7°, e 227 § 6°), devem ser atendidos os princípios da prioridade e
da prevalência absoluta dos interesses da criança e do adolescente”.
A ordem de prioridade é invertida sob a égide do princípio do
melhor interesse, haja vista que antes de seu surgimento, a prática do direito tendia
para a filiação biológica na decisão de conflitos entre a paternidade biológica e
socioafetiva. No entanto “[...] o princípio impõe a predominância do interesse do filho
que norteará o julgador, o qual, ante o caso concreto, decidirá se a realização do
menor estará assegurada, entre os pais socioafetivos ou entre os pais biológicos.”
193
Todavia ao falar em melhor interesse da criança e do
adolescente em termos de filiação não significa fazer coincidir a paternidade jurídica
com a paternidade biológica, pois nem sempre o melhor pai é aquele que possui
mesmo fator genético.
Contudo o fator genético não assegura a melhor paternidade
ou maternidade, pois há aqueles que não agem de acordo com a paternidade
191
MOREIRA FILHO, José Roberto. Direito à identidade genética. p.
192 WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e sociafetiva. p. 193.
193 LÔBO NETTO, Paulo Luiz. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus p. 146.
75
biológica responsável, não se importando com os filhos, não os visitam, inexistindo
assim qualquer relação afetiva entre eles o filho.
Nesse sentido estão se posicionando os Tribunais no intuito de
dirimir os conflitos relativo a paternidade. Assim posicionou-se o Tribunal de Justiça
de Santa Catarina194:
Ação Declaratória Negativa de Paternidade- Reconhecimento da mesma através do Registro de Nascimento – Ato jurídico irrevogável – Inteligência da Lei 8.560/92- Vindicação contrária ao que consta do Registro Civil – Inteligência do art. 348 do CC- Impossibilidade jurídica do pedido – Extinção do processo – Sentença confirmada- Apelo improvido. O registro civil prova o nascimento e estabelece presunção de verdade em favor de suas declarações. Ninguém será admitido a impugnar-lhe a veracidade; seu conteúdo impregna-se de fé pública, a mesmo que tenha ocorrido erro ou falsidade do registro
No mesmo sentido posicionou-se o Tribunal de Justiça de São
Paulo195:
NEGATÓRIA DE PATERNIDADE-Reconhecimento voluntário – Anulação – Inadmissibilidade – Pai não biológico – Irrelevância – vício de consentimento não alegando – Irrevogabilidade do ato – Recurso não provido – Voto vencido. É irrevogável o reconhecimento voluntário de paternidade se não eivado de vício de vontade como erro, coação ou inobservância de certas formalidades legais
Assim tem se posicionado a maioria dos Tribunais, uma vez
que o interesse maior do judiciário é o dever a proteção da criança e do adolescente,
sabendo-se que os seus interesses devem preponderar ao demais.
Sendo assim, os conflitos entre os pais biológicos e os pais
socioafetivos não se resolve mais pela primazia de um ou de outro, e sim pelos
interesses do filho.
Diante dos apontamentos, Paulo Luiz Lôbo Netto196 assevera:
194
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação cível nº 96.00570l-3, de Pinhalzinho, Rel. Des.Cláudio Barreto Dutra.Disponível em: <www.tj.sc.gov.br>. Acesso 28/04/2010.
195 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação cível. nº 274.482-, de São Paulo, j. 11.6.96, Rel. Des. Alfredo Migliore. Disponível em:< www.tjsp.jus.br >. Acesso 28 abr. 2010.
196 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus p. 155-156.
76
A solução do conflito mudou o foco dos interesses dos pais para os filhos. A convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, com força da lei ordinária no Brasil, desde 1990, estabelece que todas as ações relativas às crianças devem considerar, primordialmente, o melhor interesse da criança, em face dos interesses dos pais. Essa norma, interiormente conforme a Constituição foi absorvida pelo Estatuto da Criança e Adolescente e pelo Código Civil de 2002.
Desta forma, quando não houver vínculos afetivos entre pai e
filho, a paternidade biológica deverá imperar sobre a paternidade socioafetvia, uma
vez que se não há relação paterno-filial saudável e afetiva entre pai e filho, não há
que se falar em sociafetividade.
No entanto, verificou-se que nos casos em que houver uma
relação paterno-filial amorosa e saudável entre o pai e o filho, sejam os ligados ou
não pelos laços sanguíneos, a paternidade sociafetiva deverá ser preservada,
inclusive juridicamente, para a continuação da vida social e psicológica da criança
não ser afetada.
Assim os laços afetivos são mais importantes do que os laços
biológicos, pois é o que dá base para a formação de uma criança, a estrutura do seu
lar a forma com que ela é criada, dará amparo para o que ela venha ser no futuro.
3.3.2 O direito de revogar a paternidade e anulação do registro civil
Um exemplo clássico de revogação de registro civil pode ser
visto no caso de um homem que ao estar apaixonado por uma mulher, registra como
seu o filho de outrem (paternidade registratória), após, casa com aquela mulher,
criando e educando o filo alheio como se fosse seu, ou seja, estabelecendo assim
uma relação paterno-filial entre ambos. Porém, como o passar dos anos, o
relacionamento desse homem com a mãe da criança chega ao fim, e esse homem,
arrependido do que fez (ter registrado a criança) queria também deixar de ser pai.
Surge então a pergunta que não quer calar? Teria esse homem
o direito de negar a paternidade de anular o registro civil?
Se for levado em conta o entendimento de alguns anos atrás,
sem dúvida a resposta seria sim. Porém nos dias de hoje a resposta pode ser não.
77
Essas situações tratam do reconhecimento voluntário da
paternidade sem a existência do vínculo biológico, equiparando-se assim, a
paternidade adotiva, porém sem a existência do processo legal.
Neste sentido, o tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul197, já decidiu, em caso semelhante conforme demonstra a jurisprudência
abaixo:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇAO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA EVIDENCIADA EM TRINTA ANOS DE CONVÍVIO FAMILIAR. ADOÇÃO Á BRASILEIRA. Para haver a anulação do registro civil, deve ser demonstrado um dos vícios do ato jurídico. Pedido embasado em alegada "dúvida" do autor acerca da paternidade da filha, admitida a efetivação do registro de nascimento com dita incerteza. Ato equivalente à denominada adoção à brasileira, que, aplicando-se por analogia o art. 48 do ECA, é irrevogável. Paternidade sociafetiva configurada ante o convívio familiar de trinta anos, idade da ré quando do ajuizamento da ação. APELAÇÃO DESPROVIDA. (SEGREDO DE JUSTIÇA)
Ainda:
EMENTA: REGISTRO DE NASCIMENTO – RECONHECIMENTO ESPONTÂNEO DA PATERNIDADE – ADOÇÃO SIMULADA OU “À BRASILEIRA”. Descabe a pretensão anulatória do registro de nascimento do filho da companheira, lavrado durante a vigência da união estável, já que o ato tipifica verdadeira adoção, que é irrevogável. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível nº 598300028, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Maria Berenice Dias, julgado em 18/11/98).
Sendo assim, atualmente o juiz tem a faculdade de determinar
a paternidade socioafetica, não permitindo a desconstituição da paternidade
registrária apenas pela ausência do vínculo biológico.
Ou seja, não há como desconstituir o registro de nascimento de
uma criança, realizado de forma espontânea por aquele que, mesmo não sabendo
ser o pai biológico, tem o filho como se fosse seu, cumprindo assim com todos os
seus deveres de pai, produzindo esta os mesmo efeitos da adoção, tornando-se
assim, um ato irrevogável.
197
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça di Rio Grande do Sul. Apelação cível nº 70027474907. Sétima Câmara Cível, Relator: André Luiz Planella Villarinho. Porto Alegre/RS.Julgado em 08/07/2009. Disponível em: <www.tjrs,jus.br>. Acesso: 25 abr. 2010
78
Colhe-se a jurisprudência neste sentido:
EMENTA: NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. AUSÊNCIA DE PROVA DE OCORRÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. O reconhecimento da paternidade por quem sabe não ser o pai biológico tipifica a chamada adoção à brasileira, inviabilizando a anulação do registro de nascimento, salvo comprovação de ocorrência de vício de consentimento. Apelação desprovida. (Ap. cív. Nº 70031082837, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Jorge Luís Dall'Agnol, julgado em 28/04/2010).
Assim, diante dos julgados expostos, fica demonstrada
claramente a opção do legislador em manter a paternidade e não revogar o registro
de nascimento.
Concernente ao tema Maria Berenice Dias198 aduz que: “como
foi o envolvimento afetivo que gerou a posse do estado de ilho, o rompimento da
convivência não apaga o vínculo da filiação que não pode ser desconstituído”. Assim
se, os pais registraram voluntariamente a criança e conviveram com a mesma, vindo
a separar-se logo após, não há como desconstituir este registro, pois persiste o
registro da filiação, no sentido de que o pai é muito mais importante como função
social do que propriamente como genitor.
Todavia, se após o registro de nascimento, os pais separem-se
nem por isso, desaparece o vínculo de paternidade, ou seja, se mantida a posse de
estado de filho, não há como desconstituir o registro.
Sobre o tema leciona Pontes de Miranda199:
O ato de reconhecimento é irrevogável, isto é, o seu autor, não pode retirar a expressão que motivou o ato de reconhecimento de paternidade e maternidade, nem de desdize, com o fim de pedir o seu cancelamento. O único meio á a alegação de nulidade, anulabilidade ou ineficácia [...].
Sobre o tema, merece destaque à lição de Paulo Luiz Lôbo
Netto200: “a declaração de nascimento do filho, feita pelo pai, é irrevogável. Ao pai
198
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 307.
199 MIRANDA, de Pontes apud Costa, Larissa Toledo. Disponível em: <www.boltimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1036.>. Acesso 16 maio 2010.
200 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Paternidade socioafetiva e a verdade real, in Revista CEJ. Brasília,
79
cabe apenas o direito de contestar a paternidade, se provar conjuntamente, que está
não se constitui por não ter sido o genitor biológico e não ter havido estado de
filiação estável.
Para dar maior elucidação ao tema, pode-se citar tal
jurisprudência:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ANULATÓRIA DE REGISTRO PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA NÃO DEMONSTRADA. Confirmada a falsidade da declaração de paternidade, inclusive pela recorrente na contestação, para a conservação do registro de nascimento deve restar demonstrado que entre eles se configurou a posse do estado de filho (relação socioafetiva), pois se sobrepõe à verdade consangüínea e manutenção da relação jurídica de filiação que se construiu a partir dos fortes laços afetivos de convivência estabelecidos entre o pão registral e a filha ao longo do tempo. Tal circunstancia, entretanto, não se configurou no caso. NEGARAM PROVIMENTO, À UNANIMIDADE.201
Dessa forma quando um filho for reconhecido jurídica e
voluntariamente por alguém, não há o que se falar em desconstituição da
paternidade, uma vez que a perda da identificação paterna e do vínculo de
parentesco com os parentes em linha paterna feriria sua dignidade. Pois como não
teria como apagar toda a história de sua vida, pelo fato de ter sido alterado um
simples documento. Como se diria a um filho para esquecer a figura paterna que foi
tão marcante durante a sua infância e a adolescência, como também na sua face
adulta.
Como já visto, o reconhecimento da filiação é um ato
irretratável e incondicional, sendo seus efeitos imediatos a partir de sua
manifestação e do lançamento no registro civil, no entanto, este ato poderá emanar
de vícios de vontade ou defeitos formais no registro, como por exemplo, erro ou
coação.
Portanto, somente nestes casos á admitida a modificação do
registro com uma ação anulatória, com sentença transitada em julgado.
201
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível nº 70008775686, Sétima Câmara Cível, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Porto Alegre/RS. julgado em 30/06/2004. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 30 abr. 2010.
80
Como o Código civil admite apenas duas hipóteses de
impugnação de paternidade: pelo marido ou pelo filho contra o reconhecimento de
filiação, não existe fundamento para disseminação de ações negatória de
paternidade, com o intuito de substituí-la pela paternidade genética.
A jurisprudência tem também entendido, que nos casos de
“adoção à brasileira”, torna-se irrevogável o registro de nascimento, pois quando
estabelecido o estado de filho afetivo, nasce à filiação socioafetiva, a qual está
devidamente amparada na CRFB/88 em seus artigos 226 e227.
Então, o pai registrário não poderá jamais interpor uma ação
negatória de paternidade, ma vez que não tem a legitimidade para buscar a
anulação do registro de nascimento, pelo fato de inexistir vício material ou formal
para ensejar sua desconstituição.
Everton Leandro da Costa202 neste sentido aduz:
Quando um pai cria e educa uma pessoa como filho, mesmo que não biológico, ele deixa transparecer ali o estado de filho sociológico (...) e com isso, não mais poderá impugnar essa paternidade, mesmo que não seja o pai genético.
Portanto, diante de todo o exposto, pode-se constatar que
existem julgados para todos os tipos de casos, uns revogando o registro, nos casos
quando emanar de vício, outros não. Porém constata-se que a grande maioria dos
julgados tem decidido em não anular o registro de nascimento, por isso, “os olhos do
profissional devem estar sempre voltados para as relações sociais que envolvem o
conflito e buscar a melhor solução para a pacificação desta. Não servimos a
biologia, mas sim ao social” 203.
Como a paternidade socioafetiva é um tema novo no direito
brasileiro, existem diversas demandas nos judiciários envolvendo estas questões, e,
pelo fato de não existir uma legislação específica para regular as questões
202
COSTA, Everton Leandro da. Paternidade sócioafetiva. Disponível em: <www.ibdfam.com.br./ public/artigos.aspx?codigo=295>. Acesso em 16 maio 2010.
203 CINTRA, Antônio Carlos Fontes. Sócio-afetividadexconsaguinidade. Disponível em: <www.defensoria.df.gov.br/artigos/artigoantonio.htm>. Acesso em: 10 maio 2010.
81
envolvendo esta nova forma de paternidade, as decisões dos magistrados vêm
sendo baseada na grande maioria das vezes em jurisprudências.
O fato é que não se pode negar a existência da paternidade
socioafetiva, a qual foi demonstrada no decorrer da pesquisa, que se dá não só pelo
registro de nascimento, mas principalmente pela convivência diária e pelos vínculos
afetivos que se formam entre pai e filho.
Contudo, o direito civil brasileiro juntamente com a CRFB/88,
passou a valorizar a pessoa, as questões relativas a paternidade e a preservação da
identidade do filho, de sua história de vida e de sua personalidade passaram a ter o
foco no melhor interesse da criança e do adolescente, tutelando os seus direitos,
atentando para a paternidade exercida com responsabilidade.
Por fim, ressalvada a hipótese de erro ou coação, não se pode
voluntariamente registrar uma criança e após negar a paternidade anular o registro
civil, pelo fato de se tratar de um ato irrevogável e irretratável, uma vez que a
paternidade socioafetiva equipara-se a paternidade adotiva, produzindo assim os
mesmos efeitos da adoção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como advento da CRFB/88 foram inseridos, em nosso
ordenamento jurídico, uma série de princípios e direitos fundamentais. Contudo, uma
das principais mudanças trazidas pela Constituição foi sem dúvida a equiparação
dos filhos.
Até a promulgação da CRFB/88 os filhos eram tidos como
legítimos e ilegítimos, dependendo do vínculo existente entre seus pais. Se os pais
fossem casados então os filhos seriam legítimos, caso não fossem, seriam
ilegítimos.
Pode-se dizer que há muitas verdades acerca da filiação, mas
infelizmente, nem todas elas estão protegidas pelo ordenamento jurídico. A respeito
disso, citamos a filiação baseada apenas o afeto. Pois, embora a CRF/88 tenha
equiparado os filhos, proibindo a discriminação e reconhecendo, como vimos ao
longo do trabalho, o princípio da afetividade, ela não faz referencia direta ao
chamado filho sociafetivo.
Ao não reconhecer e proteger a filiação socioafetiva, o
legislador deixa uma enorme lacuna no nosso ordenamento. E foi essa lacuna
deixada pelo legislador que motivou a presente pesquisa.
O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da
legislação, da doutrina e jurisprudência brasileira, os aspectos da filiação a
paternidade socioafetica, bem como as soluções dos conflitos que versam sobre a
paternidade socioafetiva, se valendo das formas de reconhecimento da paternidade,
às enquadrando no princípio do melhor interesse da criança.
O interesse pelo tema deu-se em razão de existir
cotidianamente problemas enfrentados por criança que provieram de relações não
matrimoniais e em decorrência desse fato sofreram as discriminações impostas pela
sociedade.
83
Para seu desenvolvimento a presente pesquisa foi dividida em
três capítulos.
O primeiro, tratou sobre considerações gerais do direito de
família, fazendo uma contextualização da família no direito romano, canônico, bem
como uma abordagem da família na atualidade, no direito de família brasileiro e da
família na atualidade, fazendo-se uma abordagem panorâmica acerca do direito de
família no Brasil, a sua natureza jurídica e características, os princípios e por fim o
direito de família na Constituição e no Código civil.
Neste capítulo, observou-se que historicamente a religião, era
a norma constitutiva da família, tornando os laços de consangüinidade em princípio
secundário. Mostrou-se, porém, que as famílias não advindas do matrimonio não
eram consideradas legitimas, e o mesmo acontecia com os seus filhos, ou seja, os
filhos concebidos de famílias não matrimoniais eram tidos como filhos ilegítimos.
O segundo capítulo foi destinado a filiação e paternidade, as
espécies de paternidade e suas subdivisões, bem como as espécies de filiação, a
forma de seu reconhecimento.
Abordou-se também, que atualmente as divisões em relação a
filiação, são particularmente somente a título de estudo do direito, pois na prática é
vedado qualquer tipo de distinção discriminatória entre filhos, reconhecendo a todos
os filhos, aqueles advindos ou não do matrimonio, todos os direitos à filiação e os
benefícios e ela inerentes.
Ainda, foi destinado aos meios de reconhecimento, dentre os
quais o reconhecimento voluntário e suas espécies e o reconhecimento judicial.
Pode-se constatar ainda que, o reconhecimento voluntário dos
filhos, quando se tratar do filho maior o reconhecimento dependerá de sua
aceitação, e quanto ao filho menor fica reservado o direito a sua impugnação nos
prazos estipulados por lei.
No terceiro capítulo, observaram-se os aspectos relevantes da
paternidade socioafetiva e suas divergências com a paternidade biológica, tratou-se
da caracterização da paternidade socioafetiva, onde tentou-se enumerar, quais os
84
fatores que apontam para essa forma de paternidade, vislumbrando o caráter afetivo
acima do fator biológico.
Nesse último capítulo foi considerada a importância do pai na
formação da criança, considerando que pai não é aquele que simplesmente possui
um laço biológico, mas sim aquele que assumiu a paternidade de forma responsável
criando assim uma verdadeira paternidade, baseada nos laços afetivos.
Pode-se perceber durante a pesquisa, que nos casos de
conflitos entre a paternidade biológica e socioafetiva, tanto a doutrina como a
jurisprudência, tem-se posicionado no sentido de assegurar o melhor interesse da
criança e do adolescente.
Para encerrar essa pesquisa, foi apreciada a questão da
revogação e anulação do reconhecimento, e com base nos posicionamentos
doutrinários e jurisprudenciais, foi demonstrado que o reconhecimento da filiação é
ato jurídico irretratável e irrevogável, não podendo estar os interesses dos filhos
vulneráveis aos sentimentos dos pais, ressalvados os casos que ocorrem defeito no
negócio jurídico.
Passando as hipóteses da pesquisa, verificou que a primeira:
Quando há reconhecimento da paternidade socioafetiva,
aquele eu o reconhece, terá que assumir os mesmos encargos de um pai biológico,
restou comprovada visto que, o reconhecimento da paternidade gera todos os
deveres inerentes ao pai, com fundamento no principio constitucional da igualdade
jurídica dos filhos, consagrado pela CRFB/88 em seu art. 227 § 6.
Com relação à segunda hipótese:
A jurisprudência tem aderido à idéia de filiação afetiva
independente da biológica, indo inversamente a base estritamente patriarcal, restou
confirmada, já que se absorveu do estudo que a paternidade socioafetiva vem sendo
reconhecida, amparando tanto aos filhos, como aos pais que não querem ter
interrompido o seu vinculo de afeto por problemas judiciais, uma vez que a teoria do
melhor interesse da criança toma proporções maiores e a cada dia, sendo
confirmada pelos Tribunais.
85
A última hipótese trabalhada na pesquisa:
O reconhecimento da paternidade socioafetiva poderá ser
revogado ou anulado, ou deverá nos casos concretos priorizar o melhor interesse da
criança ou do adolescente, restou confirmada em parte, haja vista que o
reconhecimento voluntário da filiação é um ato jurídico irrevogável e irretratável, uma
vez que a paternidade socioafetiva equipara-se a paternidade adotiva, produzindo
assim os mesmos efeitos da adoção. Assim a revogação ou a anulação é possível,
somente nos casos em que forem comprovados o erro e a coação.
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