7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx
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Oficina: a inversão da dialéticahegeliana por Marx.
Elaboração:
Vinicius Barbosa de Araújo.
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Parte 1:a dialéticahegeliana
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1) Limitações da exposição sobreHegel
a) Vai-se abordar um momento específico da vastaobra de Hegel: a Enciclopédia das Ciências Filosóficas(escrita em 1817 e reeditada em 1830);
b) A Enciclopédia das Ciências Filosóficas já é umtexto com certos limites, uma vez que constitui umaespécie de guia para as aulas que Hegel ministrou naUniversidade de Heidelberg e posteriormente na
Universidade de Berlim;
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c) Logo, a Enciclopédia,além de corresponder a um
momento específico da obra de Hegel (Hegel maduro),detém-se brevemente em diversos aspectos do sistemahegeliano e omite outros. Não obstante, a Enciclopédiaéuma exposição sintética do sistema hegeliano como um todo.
d) Composição da Enciclopédia: três partes, sendo aprimeira aCiência da Lógica(conhecida como “pequenaLógica” a fim de diferenciá-la da obra homônima de 1812-6conhecida como “grande Lógica”, para a qual funciona comouma espécie de “resumo”); a segunda, a Filosofia daNatureza (texto em que Hegel mais se detém nesse aspectoespecífico de seu sistema, é a parte mais extensa daEnciclopédia); terceira, Filosofia do Espírito(engloba temasdispersos pela obra de Hegel).
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.
2) A ideia de sistema filosófico e caminhosexplicativos próprios da Filosofia ocidental.
a)A minoria dos filósofos se aventurou a desenvolver umsistema filosófico, entendido como uma exposiçãosistemática do todo da realidade e dos conhecimentos
humanos. Talvez se possa falar de três grandessistemas na história do pensamento ocidental: oaristotélico, o kantiano e o hegeliano.
b)Na Filosofia desenvolvida principalmente a partir daModernidade, dois modos diversos de explicação darealidade estiveram em voga: um que parte dascausas e outro que parte das “razões”.
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c) O primeiro modo, dito por alguns “realista” e vinculadosobretudo ao empirismo (desenvolvido especialmente apartir do pensamento de Francis Bacon), entende a
realidade como uma cadeia de elementos conectados porrelaçõescausais.
Relação causais são as do tipo: “se A é, B será”. Assim, pela via da causalidade e do empirismo,explicar a realidade seria captar, na observação dosfenômenos dados à consciência (empiria), os elementoscomuns a diversos fenômenos e apreender sua “leicausal”.
É, por isso, um caminho que vai do específico(fenômenos reais) ao genérico (leis causais válidas paraum grupo de fenômenos). É o caminho vinculado aométodo ditoindutivo.
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d) O segundo caminho, dito por alguns “idealista” evinculado sobretudo ao racionalismo (desenvolvidoespecialmente a partir do pensamento de RenéDescartes), entende a realidade como uma cadeia deelementos conectados segundo relações de “necessidadelógica”.
Essas relações de “necessidade lógica” se dão pelaapreensão de um modo próprio e geral de a realidadeorganizar-se, independentemente dos objetos dados pelos
sentidos, independentemente da relação fenomênicaestabelecida entre consciência que conhece e mundo queé conhecido.
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Logo, para o racionalismo, explicar a realidade édescobrir racionalmente e independentemente daexperiência sensível as leis gerais que regem aorganização da realidade e apreender como essas leisse especificam em cada caso.
É, portanto, um caminho que parte do genérico (leisracionais dadas por “necessidade lógica”) para oespecífico (fenômenos do mundo). É a via vinculada ao
método dito dedutivo.
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Observações:1 – Essas divisões entre racionalismo/empirismo,necessidade lógica/causalidade, idealismo/realismo,dedução/indução etc. não são rígidas e as duasperspectivas apresentadas não são necessariamenteexcludentes (conquanto tenham sido entendidas como taldurante largo período da Modernidade ocidental).
2 – Essa divisão didática desconsidera as especificidadese modos específicos de trabalho teórico dos váriosfilósofos.
3 – Contudo, possui um útil caráter didático e mais oumenos explicativo.
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5 – Essa problemática está vinculada principalmente àquestão da validade e modos de construção do
conhecimento. Logo, é uma problemática, sobretudo, epistemológica, isto é, voltada a responder à pergunta“como se pode conhecer a realidade”?
6 – Como veremos, o pensamento de Hegel, embora nãoprescinda da problemática epistemológica, privilegia umaoutra problemática que pode ser chamada deontológica,voltada à pergunta “o que é a realidade”?
7 – Pode-se dizer, com todas as ressalvas ao modo comoHegel resolve essa relação, que ele considera haver umaprimazia da ontologia sobre a epistemologia.
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Sobre a relação entre epistemologia e ontologia,basicamente duas posições são possíveis:
1- A pergunta “como conhecer a realidade?” precede apergunta “o que é a realidade?”. É uma posição queassume a primazia da epistemologia sobre a ontologia,entendendo que apenas posso dizer o que é a realidadese disponho de um modo seguro e racional de conhecê-
la.
2 - A pergunta “o que é a realidade?” precede a pergunta“como conhecer a realidade?”. É uma posição que
assume a primazia da ontologia sobre a epistemologia,entendendo que qualquer modo de conhecer arealidade já pressupõe necessariamente um concepçãosobre o que é a realidade, mesmo que seja umaconcepção genérica do tipo “a realidade é algo que podeser conhecido pela razão”.
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a)Hegel assume um caminho filosófico que privilegia odesenvolvimento de noções mais genéricas em noçõesmais específicas.
b)Isso o aproxima, de certo modo e apesar de suasespecificidades, do racionalismo. Contudo, aproblemática de Hegel é principalmente ontológica,pois ele pensa especialmente sobre os modos de a
realidade vir a ser o que é.c)Para tanto, Hegel parte de uma concepção sobre qual éo princípio que organiza o modo de a realidade vir a sero que é. A esse princípio Hegel chama Razão.
3) Ideia de Razão em Hegel e seu caminho deexplicação filosófica.
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a) A Razão para Hegel não é simplesmente umafaculdade mental humana, mas é o princípioorganizador da realidade. O fato de os seres humanos
possuírem uma faculdade racional é apenas o reflexodo princípio racional que organiza o modo de ser detoda a realidade.
b)Logo, para Hegel, a Razão não é uma “coisa”. A Razãoé universal (é geral, abrange toda a realidade),abstrata (indiferenciada em um primeiro momento),autoexplicativa e autogerativa.
c) A Razão é um absoluto,ou seja, é aquilo que há demais genérico no ser, desprovido de atributos naturaisou humanos, mas apenas sendo cognoscível devido àsuas manifestações na natureza e no mundo humano.
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Daí a célebre afirmação hegeliana, registradano Prefácio de sua obra Filosofia do Direito(mas que perpassa todo o seu pensamento): “oque é racional é real e o que é real é racional”.
O que é real é racional porque a realidade énada mais que a realização da razão; o que é
racional é real porque o modo de ser da razão émanifestar-se como mundo, como modo deorganização e dinâmica da realidade.
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4) Primeiras distinções do pensamento hegeliano etentativa de aproximação de seu vocabulário e noções.
a) Abstrato e Concreto
a1) Noções de abstrato e concreto para o racionalismo e oempirismo.
As noções usuais sobre o que são abstrato e concretoadvém principalmente de uma posição filosófica: a queassume serconcreto aquilo que existe por si e é individual eabstrato aquilo que não existe por si e é genérico. Exemplo: “árvore” é um substantivo concreto e “ floresta” é
um substantivo abstrato.Em larga medida, são essas as noções de abstrato econcreto com que racionalismo e empirismo trabalham.
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a2) Abstrato econcreto para HegelHegel assume definições diversas sobre o que sãoabstrato econcreto.
Abstrato é aquilo que não é considerado em suas conexõescom o resto da realidade. Logo, o abstrato é carente demediações (conexões) com aquilo que não é ele mas existeem conjunto com ele.
O abstrato é algo imediato, não desenvolvido, pois é carente demediações.
Já oconcreto é aquilo que é considerado em suas conexõescom aquilo que não é ele mas existe em conjunto com ele. O
concreto, portanto, é algo pleno de mediações (de conexões)em um todo.
O concreto é algo mediato (mediado), desenvolvido, pois é pleno de mediações
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a3) Diferença entreabstração eabstrato para Hegel Abstração não é um atributo (uma qualidade) que seatribui a algo, como a noção deabstrato,mas uma operação
mental.Dessa operação mental, pode resultar apreenderem-seatributos abstratos da realidade. A operação mental deabstrair consiste em separar, em
um conjunto de indivíduos, aquilo que eles têm em comum. Abstrair tem o sentido de subtrair, tirar, separar algo. Aabstração é uma operação mental que capta aquilo quehá de comum entre vários indivíduos e o separa como uma
formagenérica que é comum a muitas substâncias.Exemplos: (a) o gosto salgado em relação a todas as coisassalgadas; (b) a forma geométrica “quadrado” em relação atodos os quadrados efetivamente existentes.
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b) Universais, particulares e singulares
b1) Singulares: são os seres existentes comoindividualidades, como algo único e diferenciado em relaçãoa toda a existência (por exemplo a carteira desta sala daUnesp em que cada um está sentado). As singularidades estão no plano do sensível. Elas se dãoà consciência por meio de fenômenos. De modoextremamente simplificado, os fenômenos podem serpensados como a relação estabelecida entre um objeto e umaconsciência que se dirige a esse objeto.
O contato com as singularidades se dá por meio dasensação ou daintuiçãosensível.
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b2) Particulares: são noções genéricas em relação àssingularidades.
No geral, implicam a abstração de certas característicasdas singularidades (individualidades) e a reunião dessascaracterísticas em uma representação.
As representações tendem a ser verbais. Quando digo queum animal é um “cachorro”, a palavra cachorro implicaque reuni em um nome diversas características que sãoparticulares desse tipo de animal.
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b3) Universais: são noções ainda mais genéricas do que asparticularidades.
A bem da verdade, apenas se pode dizer que algo éuniversal se se considera em relação a que ele é universal.Por exemplo, se eu admito que a noção de “ser humano” é
universal, ela apenas é universal em relação às noções de“homem” e “mulher”, que são particulares em relação àprimeira. Mas, por sua vez, a noção de “ser humano” éparticular em relação à noção de “ser vivo”, sendo estauniversal em relação àquela.
Pode-se dizer que os universais, para Hegel, são noçõesgenéricas que estão mais distanciadas da dimensãosensível da realidade.
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Para Hegel, os universais sãoimanentes, isto é, são noções
que não se alteram com o devir histórico.
Já os particulares e singulares sãocontingentes, estãosujeitos ao devir histórico e suas vicissitudes, como osurgimento e o padecimento.
Os universais podem ser racionalmente alcançados pelaabstração das características comuns a váriosparticulares.
Aos universais tendem a corresponderconceitos.
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c) Os universais, particulares e singulares como concretosou abstratos.
c1) Para racionalismo e empirismo.Racionalismo e empirismo trabalham maisespecificamente com as noções de universal e particular.Para eles, os universais seriam abstratos por seremgenéricos e os particulares, concretos por serem específicos.
Assim, o universal, por exigir abstração, seria maisabstrato e genérico (reúne características comuns a muitosparticulares e não considera as particularidades destes).O particular, por exigir menos abstração, seria maisconcreto, uma vez que seria dotado de uma série deespecificidades não consideradas no universal.
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c2) Para Hegel.Hegel entende que a realidade, além de racional, éhistórica, ou seja, é um processo,um contínuovir a ser o que
ela é.Como visto anteriormente, Hegel quer explicar a realidadepelas relações de necessidade lógica, caminho que parte domais genérico (do mais universal) ao mais específico (ao maisparticular). Assim, o universal já conteria em si o particular, isto é, oparticular seria um caso específico do universal: a mesaredonda seria nada mais que um caso específico da formageométrica “círculo”; um homem (particular) nada mais seria
que um caso específico de “ser humano” (universal).Contudo, em um primeiro momento, o universal, em simesmo, seria indiferenciado e imediato (nada além de simesmo). Apenas com o vir a ser da realidade o universal secolocaria no mundo como vários particulares.
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Esse processo de o universal se colocar no mundo comoparticular e como singular é chamado por Hegel dereflexão.
Assim, para Hegel, a história nada mais é do que oprocesso de os universais se colocarem no mundo comoparticulares e singulares, para, em conexão com eles,formar a realidade.
Portanto, para Hegel, diversamente do racionalismo e doempirismo, os singulares e os particulares são abstratos,enquanto os universais podem ser abstratos ou concretos.
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Os universais, quando não refletidos (quando nãoconectados aos particulares e singulares que deledecorrem), seriam abstratos (carentes de conexões ou
mediações); apenas quando conectados com eles osuniversais se tornariam concretos, isto é, plenos demediações (conexões) em um todo.
Já o particulares e os singulares seriam sempreabstratos, porque para que possam ser percebidos como
noções específicas é necessário desconsiderar aquilo degenérico e universal que está neles.
Ao se desconsiderar o que de genérico há nos particularese singulares (justamente as características que os unem a
tudo aquilo que eles não são), perder-se-ia suas conexões,suas mediações. Logo, eles restariam como “coisas”abstratas, isto é, “coisas” não consideradas em suasconexões num todo.
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Disso se pode tirar uma primeira ideia do que sejadialética para Hegel: dialética é o processo por meiodo qual as coisas do mundo são o que são devidoàquilo que elas não são.
Em outros termos, um processo do ser no geral emque os seres individuais vem a ser o que são devidoàquilo com que eles guardam conexão num todo.
Ou ainda, um processo do ser em que ele passa dealgo imediato e pouco desenvolvido a algo mediado(cheio de mediações) e desenvolvido.
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Logo, a história para Hegel é o processo dialéticode desenvolvimento dos universais abstratos rumo
a se tornarem universais concretos por meio desua conexão (reflexão) com os particulares esingulares abstratos que deles decorrem.
Com o vir a ser histórico, os universais explicitam(manifestam) aquilo que estava neles implícito (osparticulares e singulares).
A dialética tem, portanto, um momento positivo,
afirmativo, dado pelo movimento de explicitação.
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A identidade concreta é, para Hegel, a justaposiçãode universais que vem a formar um particular, isto é,
o processo por meio do que algo passa a serconsiderado de acordo com as conexões que estabelecenum todo, conexões que o levam a ser o que ele écomo identidade ou individualidade. Por isso Hegelcritica o que chama de “identidade abstrata”,entendida como uma identidade tautológica formadapela reiteração do ser pelo que ele é, e não pelo queele não é (algo como “A é A, porque não é B ou C”).
Logo, não se trata de afirmar uma tautologia, como alógica formal (“A=A”), mas de afirmar que “A” apenaspode ser A se relacionado e se diferenciando natotalidade a que pertence e por conta da qual existe.
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d) Os universais e particulares como objetividades não sensíveis.
E o que seriam essas noções universais e particulares,
genéricas em relação aos indivíduos (singulares) quepovoam o mundo e com que podemos travar contato?
Os particulares e universais são alcançados pelo
entendimento humano por meio da abstração. Isso fazdeles meras ideias ou seriam eles entes que estão narealidade?
Essa pergunta leva a uma das grandes discussões daFilosofia ocidental: adisputa dos universais.
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A disputa dos universais foi o debate que se formou naescolástica medieval em torno de duas leituras diversasda obra de Aristóteles.
Em sua obraOrganon, Aristóteles faz um estudo própriosobre o que chama de “categorias”. As categorias sãoentendidas como formas, como noções genéricas que serefeririam a diversos indivíduos. Em suma, as categoriassão entendidas por Aristóteles comouniversais.
Durante o Medievo, a leitura de Aristóteles pelos filósofosescolásticos levou aos seguintes questionamentos: teriam
as categorias natureza ontológica ou simplesmentelinguístico-gramatical? Seriam as categoriasdeterminações do ser ou apenas aquilo que se poderiadizer sobre o ser?
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Em torno dessa polêmica, formaram-sebasicamente duasposições: onominalismo e orealismo.
Os nominalistas entendiam que as categorias (e osuniversais) são apenas nomes que se dão às relaçõesentre os seres. Do nominalismo, surgiu uma posição maisespecífica chamada conceptualismo, que entende que osuniversais são conceitos apenas, isto é, tem naturezaapenas psicológica.
Para o realismo, as categorias (universais) seriam maisdo que nomes ou conceitos, seriam determinações da
própria existência. Logo, além do nome e do conceitopsicológico, haveria uma entidade objetiva a que osprimeiros remeteriam: para o realismo, os universais sãoobjetivos, estão na realidade.
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A posição de Hegel (de que Marx compartilha) é a de que osuniversais são reais e objetivos, logo, uma posição próxima à dorealismo.
Não se há de confundir a distinção entre nominalismo erealismo com a distinção entre idealismo e materialismo: hámaterialistas com posições próximas ao nominalismo(Feuerbach) e ao realismo (Marx), assim como idealistas com
posições próximas ao nominalismo (Kant) e ao realismo(Hegel).
Exemplo de como Marx articula essa questão no cap. I doCapital relação entre valor de uso (bem econômico singular), valor de troca
(forma de valor particular referente à relação de uma série de valoresde uso no processo social de troca/circulação) e valor (forma universalque surge do trabalho humano concreto/produção concreta): emboraos valores de troca e o valor não sejam entes sensíveis, são objetivos –tão objetivos que sua influência se mostra na existência socialconcreta, entre outras coisas, por meio das crises do capitalismo.
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4) Passagem do abstrato ao concreto, síntese deoposto, força do negativo e primeira tríade do sistema
hegeliano.a)O Ser, idêntico ao Nada, e o Devir (vir a ser).
O sistema hegeliano se desenvolve em tríades que, por enquanto, diremos ser compostas por três momentos:
tese, antítese e síntese (veremos que esses termos são problemáticos).
Para clarificar a exposição, convém introduzir aprimeira tríade do sistema hegeliano: Ser, Nada eDevir.
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Como Hegel parte daquilo que é mais genérico rumoàquilo que é mais específico, ele entende que nada é
mais genérico do que o Ser considerado sem qualquerde suas diferenciações ou atributos (determinações).Tal ser abrangeria tudo o que é a realidade.
Ao abranger o todo da realidade, o Ser tambémabrangeria o seu contrário, o Nada. O Ser é ummomento positivo, é um momento de explicitação(tese) que, por ser tão genérico, guarda em si,implicitamente, a sua negação (antítese), o Nada.
O Nada é uma limitação do Ser, algo que torna o Serdiferenciado, determinado perante si mesmo.
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É isso que Hegel entende por força do negativo: adinâmica de negação de um estado da realidade pela
explicitação de um estado contrário que o primeirotrazia implicitamente.
Pela posição do Nada, o Ser em um primeiromomento não reconhece o Nada como proveniente desi mesmo, havendo entre eles uma relação de estranhamento.
Essa contradição entre Ser e Nada será resolvida pelo
Devir, ovir-a-ser em que todo o conjunto do Ser seenvolverá para explicitar aquilo que se encontraimplícito.
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O Devir conserva os elementos de Ser e Nada, na medidaque os coloca em uma relação diferente da inicial, relação
em que é possível reconhecer a origem do Nada no Ser edepreender sua conciliação no Devir, no diferenciar-se doSer genérico para pôr-se como mundo em todas suasparticularidades.
Essa primeira tríade guarda basicamente a dinâmica queHegel flagra no processo de desenvolvimento do todo darealidade: a explicitação (extrusão, “Entaüsserung” emalemão), o estranhamento (alienação, “Entfremdung”) e areconciliação (suprassunção, “Aufheben”).
São esses os termos normalmente traduzidos ou aludidosrespectivamente como tese, antítese e síntese.
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Tese, antítese e síntese não são termos muitoapropriados por dois motivos: (1) estão associados àconcepção aristotélica de dialética, a dialética como
lógica do provável; (2) não traduzemsatisfatoriamente as noções de extrusão, alienação esuprassunção em Hegel.
A extrusão é o momento positivo e negativo em que o
que estava implícito no ser se explicita (afirma-se),negando o estado anterior; a alienação (ouestranhamento) decorre do não reconhecimento doser naquilo que se explicitou; a suprassunção é
concomitantemente a superação e a conservação datensão anterior entre os opostos, agora dada em umnovo patamar.
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Uma metáfora um tanto quanto problemática, masexplicativa e passível de ser relacionada às noções deextrusão, alienação e suprassunção é esta: a criança, ao
realizar sua infância, nega-a com colocar-se comoadolescente (extrusão); o adolescente não se reconhecena criança que fora (alienação); o adulto se reconciliaconsigo mesmo, recuperando a infância e a adolescênciacomo partes constitutivas do que é hoje, reconhecendo-
as e conservando parte de suas determinações pararefletir sobre si mesmo de um modo superior(suprassunção).
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Assim se chega também à ideia de síntese de opostos em Hegel, aunidade entre uma posição afirmativa e aquilo de novo que se explicitounegando-a, síntese de dois opostos que na verdade são idênticos.
É essa a relação estabelecida entre sujeito e objeto para Hegel, umaunidade de opostos que na verdade são idênticos, identidade que apenasvem à tona quando o sujeito supera o estranhamento e percebe o objetocomo sua própria realização: o sujeito por excelência da dialéticahegeliana é a Razão e seu obejto é o mundo. Todo objeto é tambémsujeito (o mundo é a realização da Razão).
A partir das noções de extrusão, alienação e suprassunção, é possívelpensar a relação entre outras noções hegelianas, como o em-si, o para-outros e o para-si,muito presentes (mas não só) na parte do sistemahegeliano chamada Fenomenologia(vide, por exemplo, a dialética entresenhor e escravo na luta por reconhecimento de sua humanidade; ou
ainda, a realização da subjetividade do escravo no produto do trabalho,o que o eleva a um patamar de auto-conhecimento para-si superior aodo senhor).
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Aquilo que é imediato, que não é considerado em suasconexões (abstrato) com o todo é algo em-si, algorefletido apenas sobre si mesmo e indiferenciado; o
para-outros é algo colocado explicitamente emoposição àquilo que ele não é, explicitando oreconhecimento dos limites da individualidade; o para-si é a possibilidade de retorno desse algo sobresi mesmo, agora percebendo-se como algo único ediferenciado devido à sua oposição àquilo que ele nãoé, mas em conexão com o todo dele diferenciado(concreto).
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Para compreensão dessas noções, pode-se pensar naformação da personalidade humana a partir do contato
com o outro: sem o outro, a consciência é em-si,indiferenciada, uma vez que não pode perceber-se comopersonalidade sem ter algo do que se diferenciar; ao sedeparar com o outro, a consciência se limita e se colocacomo uma existência individual para o outro; dessalimitação de si pelo outro, subsiste a possibilidade de aconsciência retornar para-si e perceber-se como umapersonalidade individual, o que faz com que ela possaagora aprofundar-se nela mesma em condições
superiores.
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Adendo: Marx valoriza as noções de em-si e para-si aodiscutir a questão da consciência de classe na Misériada Filosofia: aclasse em sié a classe social que aindadesconhece suas conexões (mediações) com o todo social,
desconhece sua função para a reprodução da totalidadeda vida social; aclasse para si é a classe que já possuiconsciência de si, isto é, já se reconhece como classesocial, em oposição às outras, reconhece suas funções nareprodução social e suas conexões com o todo orgânicoda sociedade. A classe para sise percebeu comointegrante da totalidade social, de modo que agorapossui uma consciência superior sobre si mesma.
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Assim Hegel se expressa sobre a relação entre aconsciência e o mundo:
"A consciência contém já como tal em si mesma a determinação do ser-para-si, posto que serepresentaum objeto que sente, intui etc., valedizer, cujo conteúdo tem em si; e de tal maneira que esse conteúdoexiste como ideal. […] O ser-para-si é o comportamento polêmico,negativo contra o outro que limita; e por meio dessa negação dele é oser-refletido-dentro-de-si, ainda quando,ao ladodesse retorno da
consciência em si e da idealidade do objeto, se conserva aindatambém arealidade desse objeto enquanto ele é conhecidoao mesmotempocomo uma existência exterior. A consciência é desse modoaque aparece, ou seja, o dualismo de, por um lado, conhecer um objetodiferente dela mesma e exterior e, por outro, de estar em si mesma,
de ter o objeto nela idealmente, de estar não apenas no outro, mastambém em si mesma dentro desse outro. A autoconsciência, aocontrário, é o ser-para-si como realizado e posto; aquele aspecto darelação com um outro, ou seja, com um objeto exterior, édesconsiderada" (HEGEL, Ciência da Lógica, 1968, p.139-40).
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Esse movimento em que as particularidades sãoexplicitadas a partir das universalidades é ummovimento de passagem do abstrato ao concreto,
daquilo que é carente de mediação àquilo que é plenode mediações.
Com a reflexão – dada pela dinâmica entre extrusão,alienação e suprassunção – os universais colocam
para si mesmos um objeto a partir do que podemreconhecê-lo como diferente de si e proveniente de si.
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5) Realidade e existência, essência e aparência.
Essas são distinções basilares do sistema hegeliano.
a) Realidade (efetividade) e existência.
Para Hegel, realidade e existência não são sinônimos:a existência é uma parcela limitada da realidade.
Na existência estão os fenômenos, isto é, o contatosensível entre consciência e mundo que aparece àconsciência.
Na existência temos apenas entes singulares (estacadeira, este livro, esta parede etc.)
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A realidade (também traduzida como “efetividade”) émais ampla que a existência na medida em que ela
engloba não apenas os singulares que aparecem(manifestam-se, põem-se como fenômeno), mastambém os particulares e os universais com que aconsciência não tem contato sensível.
Conforme visto, os universais e os particulares são,para Hegel, objetivos, ainda que não sejam sensíveis.
Logo, a realidade é o todo de que a existência é apenasuma parte. Daí Hegel considerar que a existência éabstrata em relação à realidade.
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b) Essência e aparência.
Distinção profundamente conectada à primeira.
Como a realidade decorre por necessidade lógica dos universais
para os singulares (extremos mediados pela particularidade),
Hegel entende que os universais são o fundamento dos singulares,
são sua essência.
A essência é o fundamento daquilo que aparece no plano da
existência e, para Hegel, existir é aparecer.
Logo, a aparência é a forma que a essência toma para pôr-se naexistência. A existência é a dimensão da realidade em que as
aparências remetem para algo além de si mesmas: remetem para
o seu fundamento, para sua essência.
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Daí se dizer que os universais não têm existência, mas
tem realidade.
Isso porque eles são objetivos mas apenas se colocam
no plano da existência por meio da sua reflexão nosparticulares e nos singulares.
A particularidade, embora não seja sensível, está
muito próxima da existência, uma vez que é uma
forma abstrata imediata das singularidades existentes.
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Talvez o seguinte trecho daCiência da Lógica(“grande
Lógica”) possa clarificar um pouco tais relações:
“A existência é a imediação do ser, na qual a essência se restabeleceu de
novo. Essa imediação é em si a reflexão da essência em si. […] A
existência é essa imediação refletida porque nela mesma ela é a pura
negatividade. […] Por conseguinte, a aparência é antes de tudo a essência
em sua existência, a essência se acha de modo imediato nela. […]Somente há aparência no sentido de que a existência como tal é apenas
algo posto, não um ser existente em si e por si. O que constitui sua
essencialidade é o seguinte: o ter em si mesma a negatividade da
reflexão, a natureza da essência. Não se trata de uma reflexão estranha,
extrínseca, à qual pertença a essência, a qual por meio de sua
comparação com a existência explique a esta como aparência. Se não que,
como se há demonstrado, essa essência da existência – quer dizer, o ser
aparência – é a própria verdade da existência” (HEGEL, 1968, p. 439)
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6) A divisão do sistema hegeliano.
A partir da primeira tríade (Ser, Nada e Devir), o
sistema hegeliano se estrutura em suas três partes:
a)Ideia ou Lógica: o modo mais abstrato da ontologia,lida com as categorias universais e independentes da
forma sensível (funciona como uma tese).b)Natureza: lida com os conceitos (e não com os seresefetivos) que povoam a natureza.
c)Espírito: lida com o mundo humano, suas instituições emodos de ser.
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Legenda:
T: Tese
A:AntíteseS: Síntese
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a)Ideia ou Lógica: o modo mais abstrato da ontologia, lida com
as categorias universais e independentes da forma sensível
(funciona como uma tese).
Divide-se em:
a1) ser (com letra minúscula mesmo): diferente do Ser da primeira
tríade, é o ser determinado, ser que já é considerado conformealguns de seus atributos, como qualidade, quantidade e medida.
a2) Essência: exposição da dialética da reflexão existente entre essência
e aparência e entre existência e realidade (efetividade).
a3) Conceito: é a unidade entre o ser e a razão, uma vez que é a
captação da essência dos fenômenos em conceitos universais.
Engloba o conceito subjetivo, o conceito objetivo e a ideia absoluta
(unidade entre conceito subjetivo e objetivo).
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b) Natureza: lida com os conceitos (e não com os seres
efetivos) que povoam a natureza.
Divide-se em:
b1) Mecânica: discute os conceitos de tempo, espaço, lugar,
movimento, gravitação, força, deformação etc. Prescinde da
especificidade dos seres naturais, uma vez que tais conceitos se
aplicam a todos indistintamente.
b2) Física: considera a particularidade dos seres naturais,
como a luz, o som, o calor, os processos químicos etc., discutindo seusprincípios constitutivos.
b3) Física Orgânica: discute a particularidade constitutiva dos
seres vivos.
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c) Espírito: lida com o mundo humano, suas instituições e modos de ser.
Divide-se em:
c1) Espírito subjetivo: a capacidade cognitiva humana, por sua vez dividido
em:
c1.1 - Antropologia: doutrina sobre a alma, a dimensão da capacidade
cognitiva humana mais imediata em relação ao ser natural. Trata basicamente da
sensação e da intuição sensível.
c1.2 - Fenomenologia: debruça-se sobre as relações estabelecidas entre a
consciência e um objeto a ela dado.
c1.3 - Psicologia: discute a capacidade cognitiva humana
independentemente do objeto de conhecimento. Trata do modo como intuição erepresentação são articulados como conceitos.
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c2) Espírito objetivo: as instituições organizadoras do mundo
humano-social:
c2.1 – Direito: pensa de modo abstrato as relações estabelecidas pelossujeitos da sociedade, como o contrato, a propriedade etc.
c2.2 – Moralidade: doutrina sobre o agir moral e o que hoje se conhece pelo
nome de ética. Ou seja, é uma reflexão sobre o agir humano em relação a seus
objetivos, meios e desejos.
c2.3 – Eticidade: relações estabelecidas entre a família, a sociedade civil e
o Estado. Trata inclusive das dimensões legislativa, judicial e administrativa
da vida social na subsunção dos interesses particulares, dados na família e na
sociedade civil, ao interesse universal, resguardado pelo Estado.
c3) Espírito absoluto: as formas superiores do conhecimento
humano sobre a realidade, como a Arte, a Religião e a Filosofia.
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Parte 2:
a inversão dadialética hegeliana
em Marx
1)N t d l ã t M diléti hgli
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1) Natureza da relação entre Marx e a dialética hegeliana
No seguinte trecho, Marx se refere à sua relação com a dialética hegeliana
da seguinte forma:
“Há quase trinta anos [portanto, em 1843-4], numa época em que ela ainda estava na
moda, critiquei o lado mistificador da dialética hegeliana. Quando eu elaborava o
primeiro volume deO Capital, epígonos aborrecidos, arrogantes e medíocres que agora
pontificam na Alemanha culta, se permitiam tratar Hegel como o bravo Moses
Mendelssohn tratou Espinosa na época de Lessing, ou seja, como um ‘cachorro morto’.Por isso, confessei-me abertamente discípulo daquele grande pensador e, no capítulo
sobre o valor, até andei namorando aqui e acolá os seus modos peculiares de expressão.
A mistificação que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impede, de modo algum, que
ele tenha sido o primeiro a expor as suas formas gerais de movimento, de maneira
ampla e consciente. É necessário invertê-la, para descobrir o cerne racional dentro doinvólucro místico” – Marx, Prefácio de 1873para a segunda edição deO Capital.
As metáforas da “inversão” e do “cerne racional” têm sido comumente utilizadas
pelos marxistas para referir o trato que Marx dá à dialética de Hegel.
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a) AnoçãodecríticafilosóficaemMarx
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a) A noção de crítica filosófica em Marx
Contudo, essas metáforas são um tanto quanto imprecisas, pois não
há propriamente uma simples inversão acrítica ou a conservação
de um “cerne racional”, deixado ileso: no geral, Marx se apropria de
parte do pensamento de Hegel, retrabalha diversas de suas
categorias e propõe novas articulações e problematizações.
Pode-se dizer que as relações com o pensamento hegeliano se dãopela via do que Marx chama de “crítica filosófica”, diversa da
“crítica dogmática”.
Enquanto a crítica dogmática “luta contra seu objeto”, a crítica
filosófica “ não indica somente as contradições existentes [em seuobjeto]; ela esclareceessas contradições, compreende sua gênese,
sua necessidade” (MARX,Crítica da Filosofia do Direito de Hegel,
2005, p. 108).
Essanoçãode“crítica”formuladaem1843acompanhaMarxpelorestode
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Essa noção de crítica, formulada em 1843, acompanha Marx pelo resto de
sua carreira teórica, como fica evidente pelos títulos, subtítulos,
procedimentos e conteúdos de diversas de suas obras:
-Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Introdução [1843];
- Crítica da Dialética e da Filosofia Hegelianas em Geral(um dos
Manuscritos Econômico-Filosóficos) [1844];
- A Sagrada Família, ou Crítica da Crítica Crítica [1845];
- A Ideologia Alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus
representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus
diferentes profetas [1845];
- Elementos fundamentais para a crítica da economia política (conhecidocomo Grundrisse) [1857-8];
- Para a Crítica da Economia Política [1859];
-O Capital, ou Crítica da Economia Política [1867] etc.
b)AstrêscríticasdeMarxaHegel
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b) As três críticas de Marx a Hegel
Principalmente em três textos Marx realiza de modo mais explícito sua
crítica do pensamento de Hegel:
1.Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843): Marx estuda a relação
entre Estado e Sociedade Civil, conforme descrita por Hegel em Princípios de
Filosofia do Direito, e propõe que é a Sociedade Civil que coloca primeiramente
determinações ao Estado, não o contrário.
2. Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844): a tônica do texto, em sua
parte mais significativa, é a de uma discussão em torno dos conceitos de extrusão
(“Entäusserung”, traduzido algumas vezes como exteriorização ou objetivação) e
alienação (“Entfremdung”, estranhamento), relacionados às condições de
trabalho na sociedade civil capitalista, as quais impedem aohomem singular
existente o livre acesso aos produtos de sua essência humano- genérica
universal. Marx discute o conceito de trabalho na Fenomenologia do Espírito.
3.Grundrisse (1857-58): Marx trabalha explicitamente com os termos e
noções da Lógicae da Psicologia do Espírito hegelianas.
c)AcríticanaIntroduçãode1857(introduçãoaosGrundrisse)
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c) A crítica na Introdução de 1857 (introdução aos Grundrisse)
Vamos nos concentrar apenas na terceira crítica de Marx a Hegel.
c1) A ideia de “determinação” em Hegel e Marx
É comum afirmar que, para Marx, há uma relação de “determinação” entre certas
esferas da existência social.
Por exemplo a clássica afirmação, extraída do Prefácio de 1859 a Para a Crítica da
Economia Política, de que a “infraestrutura econômica determina as
superestruturas, como o Estado e o direito”.
É necessário entender qual o significado desse verbo “determinar” para Marx (e
para Hegel).
A ideia mais corrente de “determinação” nas ciências sociais está relacionada ao
positivismo sociológico francês e traz a noção de uma relação de causalidade: “se A é,B será”, “AB”, ou “se temos certa infraestrutura, teremos certas superestruturas”.
Esse não é o sentido da palavra utilizado por Marx. A determinação, para Marx, tem
o sentido de “ser determinado, concreto, contextualizado em uma totalidade à qual
pertence”.
AdeterminaçãoparaMarxnãotemosentidoderelaçãodecausalidade
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A determinação para Marx não tem o sentido de relação de causalidade,
mas de relação de primazia ontológica: “B não pode existir sem que A
exista, mas ao B passar a existir estabelece uma relação de mútua
implicância com A”.
Nas palavras de Lukács, no capítulo dedicado exclusivamente a Marx
em suaOntologia do Ser Social, “quando atribuímos uma prioridade
ontológica a determinada categoria com relação a outra, entendemos
simplesmente o seguinte: a primeira pode existir sem a segunda,enquanto o inverso é ontologicamente impossível. É algo semelhante à
tese central de todo materialismo, segundo a qual o ser tem prioridade
ontológica com relação à consciência” (1979, p. 40).
As diversas ordens da existência social (produção, circulação,distribuição, consumo, mídia, religião, Estado, direito, moral, produção
artística etc.) guardam entre si, portanto, relativa independência
decorrente de sua especificidade, embora só se desenvolvam nas
relações de umas com as outras.
Asordenssociais,contudo,limitam odesenvolvimentoumasdasoutras.
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As ordens sociais, contudo, limitam o desenvolvimento umas das outras.
Exemplo dos limites colocados ao Direito pela organização da existência social
na sociedade civil: normas jurídicas válidas e efetivas que não atingem eficácia.
Quando Marx assume a primazia ontológica da produção sobre qualquer outraforma da sociabilidade, está a pensar nisto: qualquer forma de sociabilidade
pressupõe homens vivos, ou seja, homens que atendem às suas necessidades no
intercâmbio com a natureza por meio do trabalho (isto é, produção).
Por isso se afirma ser o trabalho a categoria fundante do ser social, pois é o
trabalho que permite o intercâmbio com a natureza .
“O processo de trabalho [...] é atividade orientada a um fim para produzir
valores de uso, apropriação do natural para satisfazer necessidades humanas,
condição universal do metabolismo entre o homem e a Natureza, condição
natural eterna da vida humana e, portanto, independentemente de qualquerforma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas
sociais” (MARX, O Capital I, 1983, p. 153).
Contudo essaéapenasumaabstração poismesmoaforma
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Contudo, essa é apenas uma abstração, pois mesmo a forma
rudimentarmente socializada do trabalho já exige outras categorias
(divisão do trabalho, trabalho coordenado, linguagem etc.).
O trabalho, quando considerado como “trabalho em geral”, é,
portanto, uma categoria universal e uma determinação
transhistórica (atravessa toda a história humana e é a condição de
possibilidade de todas as outras formas de sociabilidade).
Contudo, “até as categorias mais abstratas – precisamente por
causa de sua abstração –, apesar de sua validade para todas as
épocas, são, contudo, na determinidade dessa abstração,
igualmente produto de condições históricas, e não possuem plenavalidez senão para essas condições e dentro dos limites destas”
(Marx, Introdução de 1857, p. 17).
Portantonoreferenteaotrabalhoeàprodução“existemdeterminações
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Portanto, no referente ao trabalho e à produção, existem determinações
comuns a todos os graus de produção [e a todas as épocas], apreendidas
pelo pensamento como gerais; mas as chamadas condições gerais de toda
a produção não são outra coisa senão esses fatores abstratos, os quais não
explicam nenhum grau histórico efetivo da produção” (Marx, Introdução
de 1857, p. 6).
Isso conduz a duas conclusões importantíssima para a se apreender a
concepção de dialética em Marx:
1) Mesmo as categorias gerais, transhistóricas e universais (plano
da essência) são produto das condições históricas particulares da
existência dos sujeitos singulares.
2) Se apenas se fixa os olhos nessas determinações ou categoriasuniversais, se perde de vista a marcha histórica, o devir da
realidade. A história decorre justamente da contingência (sujeição à
mudança) e das particularidades vívidas e mutáveis do ser social.
d)OmétododaEconomiaPolítica(itemterceiroda“Introdução ”)
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d) O método da Economia Política (item terceiro da Introdução...)
É a exposição mais explícita sobre metodologia e epistemologia em Marx.
Seu tamanho (é um texto bastante curto) decorre de o pensamento deMarx privilegiar a ontologia e de se reportar em muito ao modo como Hegel
trabalha a capacidade cognitiva humana na parte de seu sistema chamado
“Espírito Subjetivo”, mais precisamente a parte chamada “Psicologia”, que,
como visto, pensa a capacidade cognitiva humana sem considerar a relação
entre alma e natureza (dada na intuição sensível e tarefa da Antropologia)
e a relação entre a consciência e seus objetos (relação eu/outro ou
consciência/mundo, tarefa da Fenomenologia).
Devido a isso, é um texto extremamente denso, pois apesar de poucoextenso, sua correta compreensão pede certo conhecimento do pensamento
hegeliano. Assim, apesar de sua redação clara e mesmo um tanto quanto
simplória, é um texto que apresenta bastante complexidade devido às
categorias filosóficas com que trabalha.
d1)Orealeoconcretocomopressuposiçãopréviaeefetivaeatotalidade
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d1) O real e o concreto como pressuposição prévia e efetiva e a totalidade
concreta (plena de determinações e mediações).
Segundo Marx, “parece que o correto é começar pelo real e pelo
concreto, que são a pressuposição prévia e efetiva [...] no entanto,
graças a uma observação mais atenta, tomamos conhecimento de que
isso é falso. A população é uma abstração, se desprezamos, por exemplo,
as classes que a compõem. [...] Assim, se começássemos pela população,
teríamos uma representação caótica do todo, e através de umadeterminação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a
conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a
abstrações cada vez mais tênues até atingirmos determinações as mais
simples. Chegados a esse ponto, teríamos de voltar a fazer a viagem demodo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com
uma representação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade
de determinações e relações diversas. ” (Introdução de 1857, p. 14).
Logo paraMarx mesmoaquiloquenosparececoncreto(em sentido
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Logo, para Marx, mesmo aquilo que nos parece concreto (em sentido
hegeliano, um ser determinado, isto é, rico em determinações e mediações
na totalidade a que pertence) não pode ser apreendido como concreto em um
exame imediato: apenas se consegue aproximar idealmente da
concreticidade do objeto real com decompô-lo (abstração) em seus elementos
determinantes (tanto os sensíveis, substanciais e aparentes, quanto os não
sensíveis, formais e essenciais) e com captar quais são as relações que ele
guarda com a totalidade a que pertence e com os elementos desta (relação
dialética do objeto com tudo aquilo que não é ele, mas que possibilita que ele
seja o que é).
Apenas depois de percorrer esse caminho de abstração é possível apreender
o objeto examinado como algo concreto, como uma “síntese de múltiplas
determinações, isto é, como unidade do diverso” (Introdução de 1857, p. 14).
É por isso que se pode dizer que o método de Marx consiste em “elevar-se do
abstrato ao concreto”, isto é, em decompor o objeto em suas determinações
abstratas e reproduzi-lo idealmente pela ordenação dessas determinações:
“reproduzi-lo como concreto pensado” (Introdução de 1857, p. 14).
IssoporqueparaMarxninguémpodeacessarracionalmenteoconcretodemodo
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Isso porque para Marx ninguém pode acessar racionalmente o concreto de modo
imediato, como se bastasse olhar (acesso via intuição). “Por isso o concreto
aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, não como
ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto
de partida também da intuição e da representação” (Introdução de 1857, p. 14).
Como vimos, para Hegel a realidade é mais ampla que a existência e é formada
por objetividades sensíveis e não sensíveis.
Marx é da mesma opinião e, por isso, para ele, considerar a realidade como umtodo articulado, captado pela consciência de um modo imediato como “concreto
idealizado”, parece uma pressuposição correta, pois é assumir que a realidade é
um todo articulado em diversas relações dadas entre as partes e entre as partes
e o todo.
Isso é uma posturaontológica, a postura de pressupor a realidade como uma
totalidade, acessível à consciência justamente por ser uma totalidade.
Logo, antes de propor uma epistemologia, é necessário considerar que a
realidade se organiza como umatotalidade concreta.
d2)Aperspectivadetotalidade
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d2) A perspectiva de totalidade
A totalidade é uma noção tomada do pensamento hegeliano e
extremamente valorizada por Marx.
De modo prévio, pode-se dizer que a perspectiva de totalidade é uma
teoria sobre o que a realidade é (e isso é uma postura ontológica) do que
pode decorrer, ou não, um modo de conhecer essa realidade (uma
proposta epistemológica, portanto).
A totalidade pode ser definida como um todo dinâmico composto de
elementos e suas relações. Logo, a totalidade é mais do que a simples
soma dos seus componentes.
Com essa definição, pode-se pensar que o conceito de totalidade
equivale ao de sistema, mas isso não é verdadeiro: o conceito de
totalidade pressupõe o conceito de sistema, mas possui uma maior
complexidade.
Umsistemaéumtodocujaspartessãomutuamenteimplicantes.Assim,
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Um sistema é um todo cujas partes são mutuamente implicantes. Assim,
se um elemento do sistema sofre mudança, o sistema como um todo muda,
passa a ser um novo sistema, não passível de comparação com o anterior.
Um bom exemplo de sistema é um tabuleiro de xadrez: as peças são seuselementos e as posições no tabuleiro dão as relações possíveis entre seus
elementos. O jogo de xadrez, como sistema, é mais do que a simples soma
de suas partes e das relações possíveis entre elas. Se trocamos o rei por
uma dama, não temos mais um jogo de xadrez, temos um sistema novo,
com uma legalidade própria.
Uma equação como “x2 - 3x -4 = 0” também é um sistema, com uma
legalidade própria (por exemplo, apenas são raízes dessa equação 4 e -1);
se altero um dos termos da equação (“x2 - 9x -4 = 0”), temos uma nova
equação, diversa da anterior (inclusive com novas raízes). Ainda que
mantenha a proporção entre os termos (“2x2 - 6x -8 = 0”) e conte com as
mesmas raízes, tenho uma nova equação (as constantes desta são
diferentes das da primeira).
A ideia de sistema pode ser aproximada à de estrutura. Inclusive, diga-se que a
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p p g q
metáfora do jogo de xadrez foi emprestada de Ferdinand de Saussure, pai da linguística
moderna e do estruturalismo. Ele compara a língua ao jogo de xadrez, pois ambos são
sistemas ou estruturas: ao se substituir um elemento ou uma forma possível de relação,
tem-se um novo sistema ou estrutura (no caso, um novo jogo e uma nova língua).
No exame de um sistema ou de uma estrutura pode-se privilegiar uma perspectiva
sincrônica (abordando o sistema de um modo estático, por exemplo o estado atual do
português) ou diacrônica (abordando o sistema em sua transformação em outro sistema,
como a transformação do galego português em português ou do português do séc. XIX
no atual).
Diversas perspectivas teóricas se valem do conceito de sistema e de formas de
abordagens mais ou menos comparáveis à sincrônica e à diacrônica: os positivismos
sociológicos de Comte e de Durkheim, o estruturalismo, a Teoria Pura do Direito
(Kelsen fala em um sistema escalonado de normas e agentes e em dinâmica e estática
jurídicas) etc.
A metáfora do jogo de xadrez é útil para distinguir essas perspectivas da perspectiva
dialética (a partir de Hegel), que desconhece essa clivagem entre abordagem sincrônica
e diacrônica.
A totalidade pressupõe o conceito de sistema, pois suas partes e as relações
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p p ,p p ç
entre elas também são mutuamente implicantes. Alterando algo na
totalidade, ela assume uma nova configuração.
A diferença entre o sistema e a totalidade é que a última está sujeita ao devirhistórico e, por isso, não apenas suas partes se transformam, mas as formas
de relação entre elas. Tem-se, com o devir, novos elementos e novas formas de
articulação entre eles, mesmo que algumas determinações permaneçam.
Usando a metáfora do jogo de xadrez, ele poderia ser considerado umatotalidade apenas se com o decorrer do tempo as relações entre suas partes
gerassem novas partes (por exemplo, novas peças, também sujeitas a sumirem
ou se alterarem um dia) e novas formas de relação entre elas (por exemplo,
novos formatos de tabuleiro).
Assim, na totalidade real, que é concreta (pois é plena de mediações, de
conexões entre seus elementos), seus elementos estão sujeitos à dinâmica do
ser, ao devir, de um modo muito mais intenso e estruturante do que numa
abordagem diacrônica.
Falar em conhecimento da totalidade não é o mesmo que falar em
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aa e co ec etodatotadade ãoéo es oque aa e
conhecimento total, pois:
1) Considerar a realidade como totalidade apenas é tê-la com um todo
dinâmico e articulado em que as relações entre as partes e entre as
partes e o todo geram novas formas de relação, novas partes e um
novo todo.
2) Considerar a totalidade como concreta é considerá-la como rica em
elementos e mediações, de modo que sempre se pode intentar um nível
de análise mais ou menos abrangente: sempre é possível incluir ou
desconsiderar um elemento praticamente ao infinito.
3) Logo, o conhecimento da totalidade sempre é parcial, pois a totalidadereal sempre é mais rica e complexa (mais concreta) que sua
representação teórica. Nos termos de Marx, o “concreto pensado” é
menos complexo que a totalidade real. Ou seja, a teoria éabstrata em
relação à realidade.
d3) A concepção ontológica das categorias em Marx
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) pç g g
Contudo, conceber a realidade como totalidade diz muito pouco sobre a
realidade e seus elementos constitutivos. É necessário fazer uma análise,
uma abstração, a partir do que se pode chegar aos elementos simples eabstratos que, sensíveis ou não, compõem essa realidade.
Em suma, é necessário captar ascategorias dessa realidade.
Para Marx, “em toda ciência histórica e social em geral é preciso ter sempreem conta, a propósito do curso das categorias econômicas, que o sujeito, nesse
caso, a sociedade burguesa moderna, está dado tanto na realidade efetiva
quanto no cérebro; que as categorias exprimem portanto formas de modos de
ser, determinações da existência” (p. 18).
Aqui surge pertinente a aproximação feita entre Hegel e o realismo
escolástico para pensarmos Marx: não apenas os sujeitos do real, mas as
próprias categorias estão dadas “tanto na realidade efetiva quanto no
cérebro”, na consciência.
Fica evidente que, para Marx, as categorias são reais, estão na realidade e,
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por isso mesmo, pode-se chegar a concebê-las na consciência. Logo, as
categorias têm um caráter ontológico, e não epistemológico (como os
conceitos).
Essa aproximação da posição marxiana com a leitura realista do tratado
sobre as categorias do Organon de Aristóteles é evidente em outro texto, os
cadernos deCrítica da Filosofia do Direito de Hegel, em que a crítica de Marx
a Hegel se diferencia daquela realizada por Feurbach justamente nesse ponto:
para Feuerbach, Hegel concebe o ser como predicado da ideia, tida comosujeito do real, quando na verdade o ser, enquanto objeto dos sentidos, seria o
sujeito de que o pensamento seria o predicado. Em suma, para Feuerbach, as
categorias da Lógica de Hegel seriam apenas pensamento, e não reais, pois
para ele a realidade é composta apenas pelos elementos sensíveis apreendidos
pela sensação, pela intuição sensível (posição próxima ao nominalismo).
É nesse sentido que se diz que a concepção de essência humana de Feuerbach
é antropológica, no sentido da Antropologia de Hegel, da relação entre alma e
natureza dada por meio da intuição.
Marx nunca incorreu na postura de Feuerbach, pois para ele a realidade é mais
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do que o imediatamente sensível.
Também salta aos olhos a distinção feita por Hegel entre realidade e
existência: se “as categorias exprimem [...] formas de modos de ser,determinações da existência”, quer dizer que as categorias são as formas
essenciais (entes não sensíveis) dadas pela organização das substâncias (entes
sensíveis) na existência.
As categorias são as formas particulares e universais oriundas da configuração
das singularidades aparentes dadas à consciência por meio da relação
fenomênica (relação eu/outro, consciência/mundo). Na existência se encontram
as singularidades aparentes (fenômeno) em suas formas particulares de
manifestação, e a realidade seria formada não apenas pelo plano da existência,
mas também pelo plano das essências particulares e universais.
Por isso, atento ao pensamento hegeliano, Marx afirma no livro III deO
Capitalque “toda ciência seria supérflua se a forma de manifestação e a
essência das coisas coincidissem imediatamente” (1985, p. 271).
Essas considerações levam a conclusões importantes:
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ç
1) Se as categorias são formas da existência e a existência está sujeita ao devir,
as categorias também estão. Logo, as categorias são históricas e apenas são
reais na medida em que os entes singulares a que estão conectadas aindaexistem.
2) Não faz sentido, portanto, procurar categorias captadas por Marx como
próprias do capitalismo em outras formações sócio- históricas (por exemplo,
lei tendencial da queda da taxa de lucro na Grécia antiga). E mesmo que
certas categorias estejam presentes em todas as épocas e formações
sociais (o “trabalho em geral”, por exemplo), isso é indicativo de que são
pouco explicativas sobre as peculiaridades e particularidades de cada
formação sócio-histórica específica.
3) Logo, a elaboração de Marx não é universalizável nem para todas as épocasnem para todas as formas de organização social. E Marx tampouco pretende
que ela seja: sua teoria tem validade apenas em relação ao seu objeto – a saber,
as condições de formação, reprodução e crise da sociedade civil burguesa – e
enquanto o devir desse objeto não invalidar a representação teórica.
4) A revisão e atualização teóricas são princípios constitutivos do pensamento
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metodológico de Marx, de modo que cabe à teoria sempre “correr atrás” do processo de
vir a ser da realidade.
5) Marx teorizou sobre – isto é, captou as categorias de – certos objetos
específicos, o que não impede que se parta da suas concepções ontológica e
epistemológica para abordar outros objetos, desde de que se respeitem a
especificidade e modo de ser de cada objeto (dotado de categorias próprias), como
fizeram alguns dos mais eminentes marxistas do séc. XX: por exemplo, entre diversos
outros dignos de lembrança, Lukács em relação à estética e à “sociologia” da
literatura; ou Lefébvre em relação à produção do espaço urbano e rural e àestrutura da vida quotidiana; etc.
6) A filiação ao pensamento de Marx não se dá pela “aplicação de suas
categorias” (já vimos por que isso não faz sentido), mas pela adoção de suas
propostas ontológica e metodológica (calcadas na perspectiva de totalidade), cujo
princípio mestre é o respeito à configuração histórica e à dinâmica do objeto, dadas a
partir do modo de manifestação que ele apresenta. O “marxismo” vulgar tende a forçar
a presença, nos objetos examinados, de categorias captadas por Marx em relação a
outros, como se isso constituísse a garantia de uma ortodoxia marxista e não a
falsificação de Marx.
d4) Concepção metodológica e momentos ascendente e descendente em Marx:
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captação da concreticidade pela elaboração da intuição e da representação em
conceitos
Em Marx vislumbra-se que a atividade teórica envolve dois momentos: umascendente e outro descendente.
No momento ascendente, partido do concreto como “representação caótica do todo”,
abstraem-se os elementos da totalidade dada à consciência de modo imediato
(consideram-se os elementos comuns a muitos singulares e apreendem-se as suas
formas particulares). É um caminho do concreto ao abstrato. Contudo, nesse
primeiro momento o concreto aparece à consciência teórica como “representação
caótica do todo”, fruto de contato imediato com a totalidade. Assim, por enquanto o
concreto concebido mentalmente não é nada além de um “concreto idealizado”, uma
“pressuposição prévia e efetiva” que, apesar de ser “ponto de partida da intuição e
da representação”, não pode ser considerada como teoria devido à sua
imediaticidade e abstração: isto é, nesse momento, o conhecimento ainda é precário,
pois a atividade cognoscitiva dirigida a um dado objeto ou a uma dada parcela da
realidade não capta a concreticidade do real em suas mediações e elementos.
No momento descendente, o de passagem das determinações abstratas à
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concreticidade, o pensamento reorganiza as formas e categorias alcançadas por meio
da análise da totalidade dada imediatamente (abstração) e topa com a totalidade
agora como concreta e determinada, não mais com um “concreto idealizado” ou uma
“representação caótica de um todo”, mas com uma “rica totalidade de determinações erelações diversas”.
Por isso, para Marx, o método que consiste em se elevar do abstrato ao concreto é o
“método cientificamente exato”, pois permite a captação teórica da realidade, ou seja,
a construção de um “concreto de pensamentos”.
Assim, Marx critica o método dos economistas políticos que partem do todo e, por
meio de análise, chegam a “determinações as mais simples”, pois esse método pararia
no meio do caminho; daí a necessidade de elevar-se do abstrato ao concreto, num
movimento descendente, embora só se chegue ao abstrato com um movimento
ascendente de análise (abstração) a partir da totalidade dada imediatamente à
consciência.
Em suma: “no primeiro método, a representação plena volatiliza-se em determinações
abstratas, no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do
concreto por meio do pensamento” (MARX, Introdução de 1857, p. 14).
Todavia, segundo Marx, “a totalidade concreta, como totalidade de pensamentos,
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como um concreto de pensamentos é de fato um produto do pensar, do conceber;
[é a] elaboração da intuição e da representação em conceitos” ( Introdução...p. 15).
Assim, seguindo Hegel, Marx faz uso das três seguintes noções:
1) Intuição (sensação): é o modo de a alma acessar os entes sensíveis,
singulares e existentes (aparentes). É tratada por Hegel principalmente
na Antropologia e na Psicologia do Espírito.
2) Representação: exige já certo grau de abstração, pois lida com a relaçãoentre consciência e mundo. Assim, a união de diversos indivíduos em uma
representação (a representação de “cadeira”, por exemplo), exige que se
comparem diversos indivíduos (entre cadeiras e não cadeiras) e se extraia
da singularidade imediata algo mais genérico. A representação é composta por
três graus – a rememoração, a imaginação e a memória – e nela se dá arelação entre pensamento e linguagem (o pensamento encarna-se em
signos e símbolos, embora não se confunda com eles). A discussão sobre a
representação conecta-se ao contexto da Fenomenologia e da Psicologia do
Espírito.
3) Conceito: refere-se aoconceito subjetivocomo resultado do pensar
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em sua relação com oconceito objetivo. A diferença entre a representação e o
conceito é em relação à concreção: embora a representação já lide com
certo grau de abstração, é no conceito que se organizam (movimento
descendente) as categorias captadas por meio da abstração (movimento
ascendente). Logo, o conceito é o modo superior de o espírito teóricose
apropriar da realidade concreta, uma vez que no conceito estão captados
os elementos e as formas de relação que compõem a totalidade. Logo, a
intuição e a representação são abstratas em relação ao conceito, poiscarecem das mediações reais que o pensamento capta e organiza no conceito.
Assim concebe Hegel os três graus do conhecimento:
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“Para fins de clareza, queremos agora indicar previamente, à guisa de
asserções, o curso formal do desenvolvimento da inteligência rumo ao
conhecimento. É o seguinte: em primeiro lugar, a inteligência tem um objetoimediato. Em segundo lugar, tem depois um materialrefletido sobre si
mesmo, interiorizado [erinnerten]. Enfim, em terceiro lugar, tem um objeto
tanto subjetivo como objetivo. Nascem assim três graus:
1º – Do saber relativo a um objeto imediatamente singular, saber de ummaterial– ou [grau] daintuição.
2º – Da inteligência que, [a partir] da relação à singularidade do objeto, se retira
em simesma, e refere o objeto a um universal – ou [grau] darepresentação.
3º – Da inteligência queconceitua oconcretamente universaldos objetos; ou
[grau] do pensar, nesse sentidodeterminadode que o que pensamos
também é, também temobjetividade” (HEGEL, Enciclopedia das Ciências
Filosóficas Vol. 3, Filosofia do Espírito, adendo ao § 445).
Marx se apropria dessas categorias e as retrabalha, inclusive de modo crítico a
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Hegel, como fica evidente no seguinte trecho:
“Para a consciência, pois, o movimento das categorias aparece como ato de produção
efetivo – que recebe infelizmente apenas um impulso do exterior –, cujo resultado é omundo, e isso é certo [...] na medida em que a totalidade concreta, como totalidade de
pensamentos, como um concreto de pensamentos, é de fato um produto do pensar, do
conceber; não é de modo nenhum o produto do conceito que pensa separado e acima da
intuição e da representação, e que se engendra a si mesmo, mas da elaboração da
intuição e da representação em conceitos”. (p. 15). O trecho em destaque é patente
crítica a Hegel.
Por isso Marx não trabalha com definições, pois para ele qualquer ser da realidade só é
passível de ser captado pelo pensamento por meio do “encharcamento de determinações”
(expressão de Florestan Fernandes para explicar a metodologia marxiana).
Na captação teórica da “cadeira”, é necessário partir da sua singularidade abstrata
dada por meio da intuição rumo à análise dos elementos particulares e formais também
abstratos que nela convergem (abstração dada no grau da representação) para depois
reorganizar esses elementos abstratos em conceitos concretos e na representação teórica
da totalidade concreta em que a cadeira existe.
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Referências das citações:
HEGEL, G. W. F.Ciencia de la Logica. 2. ed. Buenos Aires: Solar/Hachette, 1968.
______. Enciclopedia das Ciências Filosóficas: em compêndio. São Paulo: Loyola, 2005, vol.
1 Ciência da Lógica; 2011, vol. 3 Filosofia do Espírito.
Lukács, G.Os Princípios Ontológicos Fundamentais de Marx.São Paulo: CiênciasHumanas, 1979.
MARX, K. “Introdução de 1857”in Para a Crítica da Economia Política. Salário, Preço e
Lucro. O Rendimento e suas Fontes. São Paulo: Abril cultural, 1982.
______.“Prefácio de 1859”in Para a Crítica da Economia Política. Salário, Preço e Lucro. O
Rendimento e suas Fontes. São Paulo: Abril cultural, 1982.
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