Mirna Micheli Nesi
Vingador Prateado
Segunda Edição
São Paulo
2014
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Agradecimentos
Agradeço a Deus e a Meishu-Sama a permissão e
oportunidade de realizar este trabalho. Agradeço
também à minha mãe, Márcia, por me apoiar e incentivar
a escrever este livro. Agradeço ao tio Narciso Guedes e à
tia Sônia Guedes por tudo que fizeram por mim. E ofereço
este livro em memória do meu pai: Waldir Nesi de Freitas
Lima, que, de certa forma, me deu a ideia para escrever
este livro.
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Sumário
Capítulo 1: A Tripulação............................................5 a 20
Capítulo 2: A Lenda..................................................21 a 35
Capítulo 3: A bordo do Vingador Prateado..............36 a 56
Capítulo 4: Fuga da masmorra.................................57 a 80
Capitulo 5: Perdidos na ilha...................................81 a 100
Capítulo 6: Perigos ocultos...................................101 a 120
Capítulo 7: O casamento da princesa guerreira...121 a 138
Capítulo 8: Surpresas inesperadas.......................139 a 154
Capítulo 9: O baile real.........................................155 a 173
Capítulo 10: Conspiração.....................................174 a 206
Capítulo 11: Segredos revelados..........................207 a 242
Capítulo 12: O levante dos piratas.......................243 a 281
Capítulo 13: Início da queda.................................282 a 308
Capítulo 14: Viagem de negócios.........................309 a 325
Capítulo 15: Acordo desfeito...............................326 a 358
Capítulo 16: Atormentado...................................359 a 380
Capítulo 17: O bem mais precioso.......................381 a 412
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Capítulo 1: A Tripulação
história começa na Europa do século XVIII. Em meados
de 1715, no auge da pirataria. Numa época em que piratas
aproveitavam-se das viagens marítimas para saquear, roubar e
cometer crimes. As tripulações tinham formações diversas.
Algumas eram formadas por escravos e outras por tripulantes de
diversas origens. A tripulação do capitão Jones é composta pela
segunda formação. Alguns tripulantes são muito gratos ao
capitão Jones. Tiveram suas vidas salvas por ele, antes mesmo
de embarcar. Outros foram escravos que obtiveram refúgio em
seu navio, conseguindo uma segunda chance de mudar suas
vidas. Entre seus tripulantes, estão homens que serviram as
forças armadas, guerreiros e até mesmo fugitivos da lei. Para o
capitão, o que importa mesmo são as habilidades do pirata que
está a bordo.
A lua cheia esgueira-se entre a neblina densa da noite.
O céu reluzente de estrelas enfeita a noite enluarada. É quando
surge, entre a neblina, veloz e gracioso, o Vingador Prateado.
Como uma flecha cruzando o céu, irrompe no horizonte,
imponente e majestoso, o navio do capitão Jones.
Ao aproximar-se da costa, diminuí sua velocidade,
numa marcha lenta e suave e logo atraca na província de Órion.
A tripulação desembarca depois de mais uma aventura pelos
Sete Mares.
Navio ancorado. Rampas de acesso estiradas no cais. Os
marujos pisam, novamente, em terra firme após semanas, talvez
meses, de aventuras épicas e diversões frívolas. Alguns
reencontram amigos e familiares. Trazem histórias das
aventuras e desventuras que cada lobo do mar conta do seu dia a
dia de incertezas longe dos portos.
A tripulação do Vingador Prateado é formada por quase
cem valentes piratas. Vamos conhecer alguns desses destemidos
guerreiros.
A
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Subindo a rampa do navio, encontramos parte da
tripulação desembarcando cargas. O primeiro pirata que se vê é
o responsável pelas refeições dos tripulantes, seu nome é
Heitor. Amigo de longa data do capitão Jones. Foi abandonado,
ainda criança, num orfanato, junto com o irmão. Ainda muito
jovem, empregou-se no armazém da família Carther, cujo dono
era o pai do capitão Jones. Começou uma longa e duradoura
amizade entre eles.
Heitor era um jovem ávido por aventuras quando Jones
decidiu-se pela vida de pirata. Nunca teve muita habilidade com
armas ou conhecimentos de combate, mas seu espírito
aventureiro ignorava a razão. Queria uma vida sem rotinas e
emoção. Quando soube das pretensões do amigo, logo insistiu
para subir a bordo. Por não ter nenhuma experiência em
combates, Jones o deixou responsável pelo preparo das
refeições. É bem verdade que Heitor não era uma referência
culinária. Entretanto, o capitão não negaria um pedido do seu
quase irmão. Até hoje, Heitor ainda se recorda do dia que
mudaria sua vida. De vez em quando vaga em suas lembranças
revivendo de novo aquele dia.
– Jones, deixe-me subir a bordo nessa aventura, meu
amigo?
– Ora, Heitor, qual seria sua serventia para uma
tripulação de piratas? Não sabe manejar armas e nem tem
conhecimentos de combate. A única coisa que resta é ser
encarregado das refeições da tripulação.
– Posso fazer isso. Já fui cozinheiro numa taberna.
Jones provocou o amigo:
– E logo foi demitido. Do jeito que você cozinha...
Penso que não é uma boa ideia.
– Com o tempo, posso melhorar. E, além do mais, onde
conseguiria um mestre-cuca que embarcasse num navio pirata?
– Está bem, velho amigo. Bem-vindo a bordo.
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O corpulento amigo de cabelos acinzentados não
melhorou muito de lá pra cá. Ainda continua cozinhando mal.
Nada que importasse muito. Em alto mar, não se podem fazer
muitas exigências.
Junto de Heitor, encontramos outros três piratas para
ajudá-lo. São eles: Aston, Faísca e Demolidor.
Aston é um dos cinco imediatos do capitão. Ele foi um
menino de rua muito habilidoso. Abandonado pelos pais ainda
bebê, cresceu nas ruas. Numa das viagens que fazia pelas
províncias, Jones o surpreendeu furtando dinheiro. Não tinha o
que comer e nem alguém para lhe dar comida. Pensou que a
única forma de se sustentar era furtando. Em vez de denunciá-
lo, o capitão convenceu o garoto, de pele alva e cabelos
castanhos até os ombros, a devolver o dinheiro e lhe pagou uma
refeição. Jones ficou impressionado com a habilidade do
menino. Aos 18 anos, ele decidiu unir seu destino ao do navio e
seguir viagem.
O ruivo Faísca é um desertor do exército inglês.
Durante um conflito armado, abandonou seu posto. Entrava,
constantemente, em conflito com seu superior. A luta e o
derramamento de sangue lhe proporcionavam um mórbido
fascínio. Por não poder mais voltar ao exército, decidiu-se pela
vida de pirata.
Demolidor é um grandalhão bom de briga. O loiro forte
usa costeletas. Foi expulso do exército inglês por indisciplina e
insubordinação. Sua expulsão causou um grande desgosto para
seu pai, general do exército. Os conflitos com seu pai
culminaram na sua saída de casa.
Subindo a bombordo1, encontraremos o deque central
da embarcação. À esquerda, encontramos uma escada que dá
acesso ao deque da proa2 e uma porta abaixo do deque. Ao abri-
la, encontramos um corredor. À direita do corredor, uma cabine.
1 Bombordo: lado esquerdo da embarcação.
2 Proa: parte da frente da embarcação.
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À esquerda do corredor, há um pequeno depósito em desuso.
No final, uma escada que desce para os níveis inferiores do
navio. Atravessando esses níveis, encontraremos outra escada.
Subindo por ela, chegaremos embaixo de onde está o deque da
popa3.
Nesse local, encontramos uma grande porta. Atrás dela
está a cabine do capitão; nas laterais, escadas. Que conduzem ao
timão no deque da popa.
No deque central, estão Thompson e Mourize
conversando. Thompson nutre uma enorme gratidão ao capitão.
Ele foi um escravo. Ao perceber que o seu senhor feudal o
maltratava, Jones o comprou para alforriá-lo. Sem família e sem
destino, se ofereceu para fazer parte da tripulação. Seus valores
e habilidades o credenciaram para subir a bordo. Sua gratidão e
lealdade logo o promoveriam ao cargo de imediato do navio.
Mourize também experimentou o gosto amargo da
escravidão. Sua pele é branca, tem olhos azuis, iguais aos do
pai. Ele é filho de um senhor de engenho com uma escrava
mulata. O magro e franzino rapaz passou por muitos maus
tratos durante a vida. Usa sempre um lenço e chapéu para
esconder as cicatrizes da cabeça. Ganhou-as ainda criança. A
esposa do senhor de engenho logo soube da traição do marido
ao nascer da criança. Com raiva e ressentimento do marido,
descontava tudo no menino. Batia nele por qualquer motivo que
fosse. Quando tinha nove anos, sua mãe morreu. Ele foi
vendido como escravo pela esposa do seu pai. Durante a vida
dura de escravo, perdeu os dentes da frente. Fugiu do senhor
feudal escondido no navio de Jones. O capitão deu permissão
para ele se juntar à tripulação quando provou seu valor. Apesar
de ser franzino, é um expert nas “artes da tortura”. O rapaz de
barba falhada substituiu seus incisivos por dentes de ouro pouco
tempo depois de juntar-se à tripulação do navio.
3 Popa: parte de trás da embarcação.
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Um pirata sobe as escadas. Ele é forte, musculoso,
tatuado com uma cicatriz no rosto. Seu nome é Thomas Grey. É
o melhor amigo de Edgar. Rapaz alto de corpo moreno,
bronzeado pelo sol, possui tatuagens pelo corpo, ostenta uma
cicatriz incomum no rosto que começa do lado direito da testa e
segue até o lado esquerdo do queixo em diagonal, contornando
seu rosto. Parecia ter sido desenhada, cuidadosamente, pela
face. É a marca de sua bravura e masculinidade estampada no
rosto. Com certeza, foi obtida em alguma batalha. Thomas foi
um corsário da marinha holandesa. Lutou na Guerra de
Sucessão Espanhola. Após o conflito, deixou a marinha. Sua
família acredita que ele é tripulante de um navio comercial. Ele
nunca revelou à família que é um pirata. Gosta dos cabelos bem
curtos deixando bem à mostra os contornos rudes e bem
definidos do seu rosto.
Edgar sobe as escadas logo depois que Thomas subiu ao
deque central. Ele não é tão aguerrido e selvagem como um
legítimo pirata dos áureos tempos da pirataria. O rapaz tem a
postura e a envergadura de um lorde inglês. Estatura mediana e
silhueta comum. Não era forte, mas também não era fraco. Os
braços e pernas são mais definidos pelo trabalho desgastante da
navegação. Ostenta uma pequena gordurinha na cintura. Nada
que se destaque muito. Tem cabelos castanhos ondulados e bem
cortados; olhos negros como jabuticaba. Demonstra polidez nos
gestos; veste roupas bem alinhadas; camisa, colete e sobretudo
de corte da alta alfaiataria; calça preta de tecidos nobres e
sapato da moda. Mesmo diante de uma rotina cruel e muitas
vezes brutal, tornou-se um rapaz com senso de justiça apurado e
com habilidades distintas. Apesar do jeito sereno, quando
preciso é um excelente guerreiro com as armas.
Edgar acompanha o pai desde a infância, quando sua
mãe morreu. Jones não teve com quem deixá-lo. A única pessoa
em que confiava para cuidar dele era sua cunhada Aurora.
Entretanto, ela pensou que o melhor seria o garoto crescer junto
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do pai. Ela pensava que Jones era um comerciante e não um
pirata. Os piratas não eram vistos com bons olhos pela
sociedade. Em sua quase totalidade, eram marginais que se
aproveitavam de situações para fazer ganhos ilícitos. Por esse
motivo, quando se decidiu pela vida de pirata, Jones nunca
revelou isso a ninguém. Sua família sempre teve grande
tradição no comércio. Possui um enorme armazém na província
de Rio Verde, que fica a três horas de viagem do porto onde
atracaram.
Jones começou a vida como comerciante. Pensou em
continuar a tradição da família. Comprou um navio para fazer
viagens comerciais. Sempre quis viajar, conhecer vários lugares
diferentes. Entretanto, o instinto aventureiro o convidava a uma
outra vida. Para tal, era preciso vender seu navio e comprar uma
corveta1. Mas o capitão não almejava deixar evidentes suas
pretensões. A prática da pirataria regia um estilo de vida
delituoso.
Adaptou seu navio para ter a agilidade e a velocidade de
uma corveta e a aparência de um navio comercial, como
qualquer outro. Dessa forma, o grande navio pode navegar na
velocidade de um navio pirata. E manter em sigilo suas
atividades. O navio comporta uma tripulação total de 100
navegantes e pode levar até 20 canhões. Essas adaptações foram
a solução ideal. Manteria suas atividades em sigilo, pois quem
avistasse seu navio jamais diria que é um navio pirata.
E por falar no capitão Jones... Estava ele lá, à frente do
timão, feliz por atracar em terra firme após algum tempo em
mar aberto. O capitão é um homem de seus 50 anos.
Apresentava uma aparência largada. Deixou a barba grisalha
1 Corveta: embarcação foi muito usada por piratas. É mais leve e veloz
do que um navio comum. Possuí três mastros, com capacidade para
levar 75 tripulantes e 16 canhões.
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crescer. Seus cabelos estavam maltratados e desarrumados. Sua
cabeleira prateada e ondulada atingia quase a altura dos ombros.
Havia quase desaparecidos os fios de cabelo castanhos de
outrora. Deixou um pouco a vaidade de lado quando sua
adorada esposa Margo morreu. Fora acometida por uma
pneumonia avassaladora. A vida, de vez em quando, trazia
dessabores ao capitão. Alguns sempre o atormentavam vez ou
outra. Decerto que a vida não é só penares. Ao longo dos seus
50 anos colecionava aventuras perigosas, excitantes e, algumas
vezes, misteriosas.
O capitão Jones mostrava-se sempre forte como uma
rocha. Parecia que nada o afetava. Guardava suas aflições,
ressentimentos e culpas para si. Sentia suas tormentas como
adagas espetando-lhe o peito. Numa delas tem gravado, o nome
do seu irmão James. Ele sempre se culpou pela morte dele.
Deixou esposa e filha. Após a morte, ainda recente, de sua
cunhada, decidiu tomar conta de sua sobrinha Isabeli, uma
moça de 22 anos. Ele combinou de encontra-la no porto após
seu retorno para conversar sobre seus planos para o futuro.
Bem, na verdade, Jones não era seu tio de sangue. Mas isso
nunca fez diferença. Isabeli sempre foi tratada como se fosse
mesmo da família.
Quando sua mãe deu a luz, seu verdadeiro pai foi
assassinado dias depois do seu nascimento, deixando Aurora
viúva, muito jovem e desamparada. A moça se viu sozinha no
mundo. Quando se casou, mudou para uma província distante
de sua família, ficando aos cuidados do marido. Quando ele
morreu, ficou desamparada, com uma filha para criar. Decidiu
retornar para sua terra natal.
Certo dia parou no comércio de uma instância para
comprar alguns produtos no armazém dos Carther. De repente,
seus olhos encontram os do comerciante James. Ele encantou-se
com ela logo que a viu; uma jovem elegante, de gestos
delicados, cabelos negros e longos, olhos castanhos e pele alva,
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rosto bem feito e delicado. O jovem comerciante aproximou-se
com a intenção de saber mais sobre a moça que o encantou.
– A moça está trabalhando de babá por essas bandas?
Nunca a vi aqui antes.
– Não, senhor. Este bebê é minha filha. Fiquei viúva e
viajo para encontrar parentes.
James surpreendeu-se com a resposta. Tão jovem e já
viúva com uma criança para criar. Por um momento, seu
interesse estremeceu. Tinha seus 23 anos. Não pensava em se
comprometer com uma moça com uma filha para criar.
– Meus sentimentos pelo seu esposo, senhora...
– Me chamo Aurora.
– Prazer em conhecê-la senhora. James Carther ao seu
dispor. Como chama a menina?
– Isabeli.
– Que lindo nome. Posso vê-la?
– Claro, senhor Carther.
– Por favor, me chame de James.
Quando se inclinou para ver a menina, encantou-se com
a pequenina. Dormia serena, no colo da mãe. Tinha lindos
cabelos negros cacheados. Quando James a olhou, ela abriu os
lindos olhos verdes e deu um sorriso encantador segurando com
os dedinhos a mão dele. Aquele sorriso banguela derreteu o
coração do jovem mancebo como manteiga. Ao vislumbrar toda
aquela doçura angelical o rapaz pensou:
“Talvez, não seja tão ruim assim começar uma família
aos 23 anos”.
Algum tempo depois, ele se casou com Aurora. No
coração de James, brotou um amor genuíno de pai. Amava a
criança como se dele fosse. Registrou Isabeli como sua filha no
mesmo dia em que se casou com Aurora.
James não conseguiu ter filhos com a esposa. Isabeli
passou a ser sua única filha. O amor dedicado a ela pelo irmão
incentivou Jones a dedicar-lhe um grande afeto. Após a morte
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inesperada de James, Jones cuidou da cunhada e da sobrinha,
não deixando faltar nada.
Voltando ao desembarque do Vingador Prateado...
Quando desce pela rampa de desembarque, eis que
Jones avista, ao longe, uma cabeleira negra esvoaçante. Uma
jovem se aproxima. Ao chegar um pouco mais perto dele, não
restou dúvida de tratar-se de Isabeli. Há pouco mais de 20
metros da moça, o capitão grita:
– Bel! Espere-me aí mesmo. Estou indo.
Deu um caloroso abraço na moça.
– Como vai a minha menina?
– Bem, tio. Como o senhor sabia que era eu de tão
longe?
– E quem mais teria os cabelos e a silhueta iguais à sua
num cais cheio de marmanjos peludos?
– Ah, tio. Só o senhor mesmo.
Depois do reencontro, foram juntos para uma
hospedaria onde encontrarão Edgar e seus imediatos do navio.
A tripulação tem uma oferta de trabalho. Uma nova missão que
será revelada logo mais.
Dois marujos de sua tripulação observam a moça, de
longe, a acompanhar o capitão.
– Quem é aquela senhorita que acompanha o capitão?
– perguntou Cobra.
– Aquela é a sobrinha do capitão. Não se anime porque
ela não é para o seu bico. – Alertou Jacke, ajeitando a bandana
sobre os cabelos ondulados cor de caramelo.
– Que pena. Adoraria ficar um tempo a sós com ela.
Cobra é um daqueles marujos que denigrem ainda mais
a reputação de vilões dos piratas. Cumpriu pena por furto
qualificado. É acusado de outros crimes; entre eles, assassinato.
Tem fama de atacar moças desacompanhadas. Subiu a bordo
por seu vasto conhecimento em táticas de guerra. Possui uma
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cobra tatuada no braço. O bigodudo pirata raspa a cabeça para
exibir uma tatuagem de caveira em chamas.
Jacke é um dos imediatos do capitão. Serviu a marinha
holandesa por pouco tempo. Fugiu quando o flagraram
vendendo segredos militares. A vida em alto-mar sempre foi sua
paixão. Foi então, que decidiu juntar-se à tripulação, ainda
moço. Ganhou, com o tempo, a confiança do capitão, tornando-
se um de seus imediatos.
– O que estão fazendo? – pergunta Jairo.
– O Cobra quer ter aquela “conversa em particular”
com a sobrinha do capitão.
– Está louco? O capitão te mata. Ela é como uma filha
para ele – disse enrolando uma das pontas do fino bigode.
– Sosseguem cavalheiros. Vou me comportar.
Jairo trabalhou na Guarda Real em uma província ao
norte da França. Buscava mais ação e emoção. Achava o
trabalho muito pacato para seu gosto. Largou o emprego e
embarcou no navio.
O capitão não imaginava que alguns de seus marujos já
tinham notado a beleza de sua sobrinha. Isabeli é uma moça de
corpo torneado e esbelto, cabelos longos e ondulados, rosto de
feições delicadas. Dos olhos verdes, brota um fogo selvagem
indomável por algo a mais da vida. Por fora, é uma princesa,
mas por dentro esconde a alma de uma guerreira sedenta por
aventuras e liberdade. Tem a essência de uma guerreira
Valquíria.
A caminho da hospedaria, Jones partilha suas dúvidas e
incertezas sobre o destino da moça. Por passar muito tempo
navegando, não dispõe de moradia fixa. Quando sua esposa
Margo faleceu, nada mais o prendia em terra firme. Decidiu
vender sua casa. O mais certo é que a deixasse sob os cuidados
do irmão mais novo: Jeferson Carther, fruto do segundo
casamento de seu pai. A diferença de idade entre eles é grande.
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Não manteve muito contato com ele por todos esses anos. Mas
com certeza, Jeferson não se negará cuidar dela.
– Já pensou no que vai fazer da vida, Bel?
– Sim. Vou ser uma tripulante do Vingador Prateado.
O capitão sorri um tanto nervoso. Navio pirata não é
ambiente para uma moça como Isabeli. Ele conhecia sua
tripulação. Sabia que nela havia todo tipo de homem. E Isabeli
não poderia defender-se de todos. Além disso, a moça chama
muita atenção. Certamente, despertará o interesse de seus
marujos. Por mais respeito que os marujos lhe dedicavam,
algum irá vencer seus cuidados. Essa possibilidade estava fora
de cogitação para o capitão.
– Isabeli, você não pode subir a bordo do navio. Você é
apenas uma moça delicada e frágil.
A ternura e o amor, quase paternal, com que os olhos do
capitão a enxergava, o impediam de ver que ela não era uma
moça tão indefesa assim. Ela se doutrinou, desde tenra idade,
para treinar técnicas de defesas, lutas entre outras. É uma
guerreira digna de representar a deusa Atena.
– Tio, o senhor sabe que sempre treinei para ser uma
pirata. Sei me defender, sei lidar com armas e tudo mais.
– Menina! Vida de pirata não é um passeio de cruzeiro,
não. E, além do mais, você é uma moça.
– Ora, não me venha com preconceitos bobos. Sei que
posso me sair muito melhor que muito homem. E se o Edgar
pode, eu também posso.
– O quer dizer com isso?
– Ele não tem tanto jeito e nem muito traquejo para ser
pirata. E é um pirata.
– Sim, mas não tive escolha. Edgar só teve a mim para
cuidar dele nesta vida.
– E eu também tio. Vocês são a família que me restou.
Um nó amarrou-lhe a garganta e quase verteu uma
lágrima. Isabeli é um dos poucos pontos fracos dele. Não quer
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