JOGO DEEXTRA
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B No dia em que o Flamengo acerta com Filipe Luís, time de Jesus é hostilizado noembarque para São Paulo. Técnico foi cercado, e Diego bateu boca após ser xingado.
Entre o céu e o inferno
Milícia dominauma cidade como apoio de PMsEm série de reportagens que começa hoje, EXTRA mostra acriação e a expansão do grupo que aterroriza Itaboraí. PÁGINA 3
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PRIMEIRA EDIÇÃORIO DE JANEIRO
DOMINGO, 21 DE JULHO DE 2019ANO XXII
NÚMERO 8.367
B A cantora Luísa Sonza lança o primeiro CD, “Pandora”, e fala so-bre preconceito e as tentativas que sofreu de ser enquadrada:“Vieram falar que bastava ser casada com Whindersson Nunes”.
LIVRE DOS RÓTULOSJON
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Veja como ganhar dinheiro com desapegoSites são um bom caminho para você faturar vendendo objetos pessoais usados. PÁGINA 21
Padre Marcelo:‘Maria semprepassa na frente’PÁGINA 4
Bonsucesso: do abandono ànovela das setePÁGINA 6
A ‘fasepegadora’ de Luana
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Faltam médicosem 59 clínicasda famíliaPÁGINA 5
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Vasco venceo ‘freguês’Fluminensede virada emSão Januário
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LeandroCastan
marcou oprimeiro
Domingo, 21 de julho de 2019 extra.globo.com POLÍCIA ⟨ 3
B Graças a depoimentos de milicianos queresolveram colaborar com as investiga-ções, a Polícia Civil conseguiu identificarnove PMs que fazem parte do grupo. Ossoldados Cláudio Quintanilha e Luís Pau-lo dos Santos foram presos, no decorrerdo inquérito, por execuções de trafican-tes. O cabo Thalisson Gomes de Oliveira,do 35º BPM, se entregou à polícia no últi-mo dia 4, após a Justiça expedir um man-dado de prisão contra ele por participaçãona chacina de janeiro: ele foi identificadocomo um dos encapuzados. O outro PMque participou da matança também foi ci-tado num depoimento que faz parte doprocesso judicial, mas não teve a prisãodecretada.
Já o sargento Fábio China foi preso emcasa, em Rio Bonito, durante a operaçãocontra os milicianos. Segundo o relatórioda investigação, o PM havia assumido achefia do bando após trair Renatinho Pro-blema. Um documento anexado ao in-quérito revela que China informou o es-conderijo do ex-chefe a agentes da 82ª DP(Maricá), que prenderam Renatinho em18 de dezembro do ano passado.
Outros quatro PMs do batalhão de Ita-boraí — dois soldados, um cabo e um sar-gento — são investigados após serem cita-dos em depoimentos de milicianos comointegrantes do bando. Uma gravação quefaz parte do inquérito escancara a proxi-midade entre o 35º BPM e a milícia: “O ba-talhão tá fechado com ‘nós’”, diz um mili-ciano, num áudio de WhastApp enviadoa traficantes da região.
Em nota, a PM informou que há inqué-ritos abertos para investigar os policiais ci-tados, mas todos correm em sigilo. s
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QUATRO PMS JÁ PRESOS, CINCOINVESTIGADOS
UM TERRITÓRIO
DOMINADO
São Gonçalo
Itaboraí
NiteróiMaricá
Ampliação
Nova Cidade
Jardim Imperial
Nancilândia
Areal
Ampliação
Nova Cidade
Jardim Imperial
Nancilândia
ArealItamarati
Porto das Caixas
Visconde de Itaboraí
Granjas Cabuçu
Marambaia
Granjas Cabuçu
Marambaia
Bairros dominados pela milícia
Área mais urbanizada de Itaboraí
Cemitérios clandestinos encontrados
BAIRROS ONDE
ACONTECEU A CHACINA
ITABORAÍ
• Ampliação
• Granja Cabuçu
SÃO GONÇALO (DIVISA COM ITABORAÍ)
• R. Igualdade (Marambaia)
• R. Izolina Porto Lopes
• Av. Cabo José Rodrigues
NÚMERO
DE VÍTIMAS
Em 2008, começaram as obras do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj) em Itaboraí. A cidade vivia a expectativa da criação de milhares de empregos. Até hoje, as obras não terminaram e as promessas de melhorias não se cumpriram
A CHACINA
Por volta das 22h de 20 de janeiro des-te ano, uma Pajero prata com cincoocupantes entrou em alta velocidadeno bairro Marambaia, área domina-da pelo tráfico na divisa entre São
Gonçalo e Itaboraí, na Região Metropolitana doRio. Na frente, iam o motorista e o carona, comuma escopeta no colo. Três homens equipadoscom coletes à prova de balas se apertavam nobanco de trás. Dois deles estavam encapuzadose armados com pistolas. O terceiro, com o rostodescoberto, portava um fuzil. O carro parou às23h na frente de uma casa na Rua Igualdade.Três dos homens desembarcaram e executaramos três ocupantes do imóvel. Em seguida, a Paje-ro percorreu mais um quilômetro até uma barra-ca de lanches na Avenida Cabo José Rodrigues.Desta vez, só o motorista ficou no carro. Outrostrês homens foram mortos. Uma mulher — a do-na do estabelecimento — foi colocada, ainda vi-va, na mala do carro. Metros adiante, ela seriaexecutada com um tiro de escopeta no rosto.
A chacina, descrita em detalhes por um ocu-pante do veículo à polícia, foi, ao mesmo tempo,a consumação de uma vingança e um recado.Os atiradores queriam punir os responsáveis pe-lo assassinato de Rodrigo Marques, um PM quemorava na região e havia sido morto a tiros trêsdias antes. Nenhum dos mortos tinha ligaçãocom o crime. Com a ação, entretanto, o grupodeixava claro quem mandava na região. No car-ro, havia três milicianos e, vestindo capuzes,dois cabos do batalhão da cidade, o 35º BPM. Apartir da análise de processos judiciais e inquéri-tos ainda em curso, além de entrevistas com pa-rentes de vítimas, policiais e moradores, o EX-TRA mostra a partir de hoje, na série de reporta-gens “A invasão”, como a milícia se associou àpolícia para dominar Itaboraí.
Achegada da quadrilha à cidade remete — se-gundo a investigação do Ministério Público e daDivisão de Homicídios que culminou com a pri-são de mais 40 pessoas no último dia 4 — ao iní-cio de 2018. Na época, um grupo de milicianoschefiado por Renato Nascimento Santos, o Re-natinho Problema, saiu de Jacarepaguá, na Zo-na Oeste do Rio, rumo ao município. Foragido,Renatinho queria “recomeçar” a vida fora dosholofotes da polícia, num local em que sua atua-ção chamasse menos atenção.
O miliciano, então, com a benção de OrlandoOliveira de Araújo, o Orlando Curicica — chefede um dos maiores grupos paramilitares do Rio— passou a arregimentar comparsas e armas. Àtiracolo, Renatinho levou seu braço direito, o sar-gento Fábio de Souza Costa, o China. De serviço,ele batia ponto na UPP do Borel. Nas folgas, aju-dava Renatinho a tomar o controle de sete bairrosde Itaboraí, mais da metade da área urbanizadado município, onde vivem 240 mil pessoas.
Acidade era, então, majoritariamente domina-da por uma facção do tráfico. Para acabar com omonopólio, os forasteiros tiveram ajuda de PMsque já viviam na região, como os soldados LuísPaulo Silva dos Santos e Antônio Cláudio Quinta-nilha Medeiros. O grupo implantou uma rotina deviolência logo após sua chegada, assassinando ri-vais e moradores inocentes de áreas dominadaspelo tráfico. Policiais do 35º BPM passaram a cola-borar com a milícia, em operações conjuntas con-tra o tráfico e até entregando criminosos presospara os paramilitares. A Polícia Civil estima emmais de cem o número de mortos pelo bando. Par-te dos corpos começa a aparecer agora, enterradaem cemitérios clandestinos.
Como milicianos se associaram a PMs do batalhão de Itaboraí parasequestrar a cidade
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Policial ganha carro de luxo aoentregar traficante a milicianosNo segundo capítulo da série, EXTRA revela que o esquema batizado como ‘venda de cabeças’ rende prêmios a colaboradores do grupo paramilitar de Itaboraí. PÁGINA 3
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PRIMEIRA EDIÇÃORIO DE JANEIRO
SEGUNDA-FEIRA, 22 DE JULHO DE 2019ANO XXII
NÚMERO 8.368
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B Com a ajuda do árbitro de ví-deo, que validou lance de Ga-bigol, Fla arrancou empatecom o Corinthians no fim dojogo e se manteve em terceiro,com 21 pontos, cinco atrás doslíderes Palmeiras e Santos.
VARleu,Mengão!
Sogra reclamade Flordelis e pede justiçaPÁGINA 4
Deputado doPSL está na mirade bandidosEXTRA, EXTRA!, PÁGINA 8
Moradora de Manguinhospode perder guarda do filhopor viver em local violentoB Juiz determina queuma criança de 8 anosdeve ficar com o pai, emSanta Catarina, porque
a cidade do Rio é “se-menteira de crimes, ha-vendo para todos o riscode morrer”. PÁGINA 5
Predador e Alien ‘atacam’ no Rio
B Mochileiros peruanos que vieram para a cidade assistir aos jogos da Copa América decidiram ficar um pouco mais.Para ganhar dinheiro, circulam caracterizados por Copacabana e posam para fotos. Cada clique custa R$ 5. PÁGINA 6
CUSTÓDIO COIMBRA
UM EXPULSO DE CADA LADO
Botafogo toma um golaço e perde para o Peixe dentro de casa
Pagamento do PIS/Pasep será antecipadoAbono começa a ser liberado hoje. Veja os calendários e quem tem direito a receber. PÁGINA 13
Segunda-feira, 22 de julho de 2019 extra.globo.com POLÍCIA ⟨ 3
B Sob o domínio da milícia, a criminali-dade explodiu em Itaboraí. Mesmo ten-tando ocultar — com o auxílio de PMs —os assassinatos que cometia, o grupo pa-ramilitar fez homicídios dolosos e desa-parecimentos dispararem no município.Segundo dados do Instituto de Seguran-ça Pública (ISP), houve um aumento de113% no número de pessoas desapareci-das de 2017 para 2018, quando a milíciapassou a atuar na região. Já os homicídi-os cresceram de 95 em 2017 para 131 —um incremento de 37%.
A investigação da Polícia Civil concluiuque, em 2018, “começaram as ondas demortes e desaparecimentos de indivíduosrotulados pelos milicianos como margi-nais, usuários de drogas ou até mesmomeros desocupados, sob o pretexto recor-rente de que estariam realizando uma‘limpeza da escória social’”, conforme
eles mesmos chamavam. Ao longo do úl-timo um ano e meio, os milicianos chega-ram a matar parentes de traficantes e atépessoas que praticavam pequenos furtos.
Apesar da dita “limpeza” de criminosose do pagamento das taxas de segurançapelos moradores, Itaboraí não ficou maissegura. Os roubos de cargas, por exem-plo, dispararam: passaram de 126 em2017 para 296 no ano seguinte, 136% deaumento. Já os roubos de carros cresce-ram 9%, de 966 para 1.217.
Na contramão, as prisões pelo crimede tráfico de drogas na área sob influên-cia do grupo minguaram. Um levanta-mento feito pela DH mostra que asprisões de traficantes nos sete bairrosdominados pela milícia passaram de no-ve em 2017 para três em 2018. Em2019, ainda não houve detenção portráfico de drogas na região. s
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DESAPARECIDOS DISPARAM
VENDA DE
TRAFICANTE O CRIME EM
NÚMEROS
FONTE: INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA (ISP)
Com a invasão da milícia, no início de 2018, índices de criminalidade disparam em Itaboraí.
Roubos
de carga
Desaparecimentos
Homicídios
Ocorrências
de tráfico
126
52
95
325
296
111
131
319
Crimes
134,9
113,5
37,9
-1,8
Aumento percentual (%
A Delegacia de Homicídios levantou o número de prisões por tráfico de drogas somente nos sete bairros de Itaboraí invadidos pela milícia
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2018
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2017 2018
Entrada do batalhão de Itaboraí: investigação mostrou que PMs da unidade dividiam com milicianos bens apreendidos em operações
Policiais do batalhão de Ita-boraí, na Região Metropo-litana do Rio, ganhavampresentes da milícia quedomina a cidade por en-
tregar traficantes presos aos paramili-tares. Em depoimentos prestados àDelegacia de Homicídios de Niterói eSão Gonçalo (DHNSG), milicianospresos descreveram em detalhes aprática, batizada pelo bando de “ven-da de cabeças”. Após capturar suspei-tos em operações da PM, os policiaislevavam os detidos para os milicianos,que matavam os presos e enterravamos corpos em cemitérios clandestinos.Em troca, os agentes recebiam um“agrado” dos paramilitares. No se-gundo capítulo da série “A invasão”, oEXTRA revela que um soldado lotadono 35º BPM chegou a ganhar um car-ro de luxo da milícia.
Após serem presos no decorrer dainvestigação, dois integrantes do ban-do resolveram colaborar com a políciae com o Ministério Público. Jameli Al-ves de Castro e Celso de Souza presta-ram depoimentos na sede do Grupode Atuação Especial de Repressão aoCrime Organizado (Gaeco) do MP em24 e 25 de junho. Jameli, que foi presoem flagrante em fevereiro com umapistola com a numeração raspada,apontou o nome completo de um PMdo batalhão que vendia presos para amilícia. No depoimento, ele afirmaque já viu o soldado — que ingressouna PM em 2013 — vendendo dois pre-sos a comparsas.
O miliciano conseguiu até identifi-car um dos detidos que foi capturadopelo policial e entregue ao bando:Douglas Lino Neves, que foi encon-trado morto dias depois. Jameli dei-xou claro que “o PM tinha conheci-mento de que a milícia mataria os ‘va-gabundos’ que ele levasse”. Pela “ven-da”, o soldado recebeu “um veículoBMW branco como pagamento”, afir-mou o miliciano em depoimento.
Já Celso de Souza revelou que umoutro soldado do 35º BPM chamavamilicianos para operações conjuntasem áreas dominadas pelo tráfico. Nes-sas ações — chamadas de “botes” pelobando — o objetivo era matar trafi-cantes para roubar dinheiro, armas,joias, relógios e o que mais a quadrilhaencontrasse. Numa ocasião, o “bote”rendeu aos milicianos duas gaiolascom passarinhos — um coleirinho eum trinca-ferro. Em outra, os partici-pantes usaram uma viatura do bata-lhão. O espólio era dividido entre osenvolvidos. O PM costumava ficarcom as pistolas roubadas. Os dois poli-ciais identificados pelos milicianossão alvo da nova investigação abertapela Polícia Civil contra a milícia.
PM ganhou atécarro da milíciapor entregartraficantespresos paraparamilitares
FÁBIO GUIMARÃES
10 ⟩ POLÍCIA extra.globo.com Terça-feira, 23 de julho de 2019
B Omototaxista Jonathas Freitasde Mendonça, de 19 anos, desa-pareceu em 5 de abril depois deser perseguido no bairro NovaCidade por homens num carropreto. Testemunhas contaram aparentes do jovem que, durantea fuga, ele foi baleado e caiu damoto. Ao tentar se esconder nu-ma casa, foi capturado e coloca-do no porta-malas do veículo.
Semanas antes da persegui-ção, Jonathas denunciou, à DH,ameaças que mototaxistas deItaboraí sofriam por não pagartaxas estipuladas pela milícia —obando cobrava R$ 20 semanaisde cada profissional para quepudessem circular pela cidade.
Em 12 de junho, um depoi-mento de dez páginas prestadopor um miliciano preso no Gru-po de Atuação Especial de Re-pressão ao Crime Organizado(Gaeco) do MP detalhou o suplí-cio a que foi submetido o moto-taxista: Jonathas foi “picotado,vivo, com um machado” e teveseu coração arrancado.
Com medo, parentes de Jona-thas não quiseram falar com oEXTRA. Seu corpo até hoje nãofoi encontrado. Funcionários doIML de São Gonçalo contam quediariamente parentes de mortospela milícia vão à unidade tentaridentificar cadáveres encontra-dos em Itaboraí. Como a maiorparte dos corpos está em decom-posição, a identificação só vai serpossível a partir de exames deDNA — cujos resultados não têmprazo para sair. Até o fim destasemana, 15 cadáveres de vítimassem identificação serão enterra-dos como indigentes. s
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EXECUTADOCOM UMMACHADO
Ele estava sozinho em casa.Tudo o que sabemos foi oque os vizinhos contaram.Os milicianos já tinhamcapturado dois amigos delemais cedo, ele foi o terceiro.Todos os três foram mortos.Me disseram que ele estavano tráfico, mas não sei dizer
com certeza. Sei que elenão gostava de estudar, nãoqueria ir pra escola. Quan-do chegamos na casa, haviauma poça de sangue na salae tudo estava revirado.Roubaram um aparelho detelevisão, frascos de perfu-me e até pares de tênis.Fizemos um registro deocorrência na 71ª DP (Ita-boraí) e começamos umacampanha na internet porinformações. Quando vi-
mos a notícia sobre os cor-pos encontrados pela polí-cia, fomos ao IML . Tinhauma fila de parentes deoutras vítimas quando eucheguei. Disseram que nãodá para identificar porqueos cadáveres estão em de-composição. Nós só quería-mos enterrar o corpo.
‘SÓ QUERÍAMOS ENTERRAR’DEPOIMENTO
X.Parente de Marcos Antôniodo Amparo Vieira
BUSCAPolicial no cemitério
clandestino damilícia e o túmulo de
uma das vítimas
Eram 20h30 de 22 de mar-ço deste ano, uma sexta-feira, e Marcos Antôniodo Amparo Vieira, de 16anos, estava sozinho em
casa, no bairro Caluge, em Itaboraí,Região Metropolitana do Rio. Suamãe havia saído para uma festa. Eleouviu batidas na porta da frente efoi atender. No momento em que oadolescente abria a porta, um ho-mem vestido de preto e com o rostocoberto por uma touca deu um tirocom uma pistola em seu braço.Uma poça de sangue se formou nasala. Marcos Antônio foi amarradoe colocado por outros dois homens,também encapuzados, no banco detrás de um carro preto. O veículopartiu em velocidade. O jovemnunca mais foi visto.
A cena foi descrita por vizinhos aparentes do jovem que, nos últimosquatro meses, peregrinaram, sem su-cesso, por delegacias e pelo InstitutoMédico-Legal (IML) atrás de respos-tas sobre seu paradeiro. Num depoi-mento prestado à Polícia Civil e ao Mi-nistério Público, um miliciano preso,que aceitou colaborar com as investi-gações, admitiu que o adolescente foitorturado antes de ser morto pelos pa-ramilitares. Entretanto, até agora ne-nhum dos corpos encontrados pelaDivisão de Homicídios (DH) em cemi-térios clandestinos da milícia foi iden-tificado como sendo o de Marcos An-tônio. No segundo capítulo da série dereportagens “A invasão”, o EXTRAmostra a luta das famílias de vítimasda milícia de Itaboraí para poder en-contrar os cadáveres de seus parentes.
— Só não queria que ele acabasseenterrado como indigente. Ele nãoqueria saber de estudar, diziam queestava no tráfico. Mas ele tem famí-lia, queríamos nos despedir — con-tou um parente do jovem, que pediupara não ser identificado.
A Divisão de Homicídios (DH) le-vantou 24 casos de desaparecimentosde jovens na área dominada pela milí-cia que ainda não foram desvenda-dos. No entanto, de acordo com poli-ciais da especializada, o número émaior, já que muitas famílias não pro-curaram a polícia para registrar o de-saparecimento por medo de represáli-as dos paramilitares. Milicianos pre-sos afirmaram, em depoimento, que obando passou a enterrar corpos das ví-timas em cemitérios clandestinos nosbairros Itamarati e Visconde paraocultar os crimes. Dois locais foramapontados, durante os relatos, comopontos de desova. Dos 18 corpos en-contrados até agora, só três puderamser identificados por parentes, porconta da presença de tatuagens.
A luta dasfamílias devítimas dosparamilitarespara encontraros corpos
DIVULGAÇÃO/POLÍCIA CIVIL
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6 ⟩ POLÍCIA extra.globo.com Quarta-feira, 24 de julho de 2019
HIERARQUIA
DO CRIME
OS CHEFES
O topo da hierarquia da quadrilha era ocupado por Renatinho Problema até sua prisão, em dezembro do ano passado. Depois, comparsas passaram a disputar o posto
RENATO NASCIMENTO DOS SANTOS,o Renatinho Problema
FÁBIO DE SOUZA COSTA,o China
FELIPE CÉSAR DOS SANTOS,o Pietro
ALEXANDRE LOBACK GEMINIANI,o Playboy
CARLOS EDUARDO CIRINOSANT'ANNA, o Negão
gerente do bairro Visconde
CARLOS ALBERTO DASILVA PEÇANHA - gerente do
bairro Porto das Caixas
ROSANE MOREIRA DA SILVADA CONCEIÇÃO ALMEIDA,
a Tia - gerente financeira
ANTÔNIO CLÁUDIOQUINTANILHA MEDEIROS
LUIS PAULO SILVADOS SANTOS
LEONIS LOVIZDA SILVA
atirador esportivo
CARLOS ALEXANDREDO NASCIMENTO
o Chambinho
JEICIANE RIBEIRODA SILVA
LORRAINE DASILVA MORAIS
LUANY MILLENADA CONCEIÇÃO
ALMEIDA
AMANDA PEREIRARODRIGUES
ROSELAINE MOREIRADA SILVA
DA CONCEIÇÃO
FRANCINE LIMADA SILVA E SILVA
MARCELLE GOMESDA SILVA
JOSÉ ALFREDOBARDASSON MARQUES,o Alfredinho Pai de Santo
LUIZ EDUARDOPEREIRA, o Du
MARIA DO SOCORRO DONASCIMENTO
DOS SANTOS, mãe deRenatinho Problema
ELZI MARIAQUINTANILHA,
mãe de ClaudinhoQuintanilha
MARIA APARECIDAPEREIRA, mãe de Du
APOIO LOGÍSTICO
O ‘RECOLHE’
POLICIAIS MILITARES DO 35º BPM (ITABORAÍ) -
faziam operações conjuntas com milicianos em áreas dominadas por traficantes e entregavam criminosos presos para os
paramilitares
MATADORES
OS GERENTESO bando era organizado por setores, que ficavam responsáveis por localidades ou atividades específicas
OSMAR DA SILVA GOMES, "Thirso" - responsável pelas ações armadas
PM
PM
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ex-PM
B Para punir moradoresque eram consideradosameaças — e passar umamensagem ao resto da po-pulação — a milícia de Ita-boraí recorria a sessões pú-blicas de tortura. Numa de-las, em outubro de 2018,uma mulher grávida dedois meses perdeu o bebê.Na ocasião, um casal foi es-pancado na frente das duasfilhas porque milicianossuspeitavam que eles pas-savam informações do ban-
do para traficantes.As vítimas tiveram que
fugir do município após ocrime e procuraram a Polí-cia Civil. Em depoimento,contaram que os milicia-nos chegaram por volta das23h à casa do casal e osobrigaram a sair do imóvel.Alguns vestiam capuzes.As vítimas foram algema-das e, em seguida, come-çou o espancamento.
Amulher foi atingida porchutes na barriga. Já o ho-
mem teve um cano de pis-tola colocado na boca e foiagredido com um taco desinuca. Depois dasagressões, um dos milicia-nos obrigou o casal a se ajo-elhar no chão e urinou norosto dos dois. Por fim, elesforam obrigados a deixar acasa só com a roupa do cor-po. O imóvel passou a serocupado pelo bando. Atu-almente, nove milicianosrespondem na Justiça pelasessão de tortura. s
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TORTURA COMO PUNIÇÃOCONVERSA COM MÃENuma das ligaçõesinterceptadas pela polícia,um filho de RosaneMoreira Almeida, agerente financeira daquadrilha, pede a mãepara “abandonar oplantão”. O jovem estavaatuando como segurançada quadrilha, patrulhandoarmado um pontodeterminado, mas pediupara voltar para casa:“Aqui tá brabão”, disse ele.“Você acha que ser damilicia é colocar a arma na
cintura?”, respondeuRosane, antes de mandar o filho voltar para casa.....................
COBRANÇA À ESCOLAA diretora de uma escolano bairro chegou abarganhar um descontoda “taxa de segurança”com milicianos. Numaligação com umintegrante do bando, que cita “benefícios”trazidos pela quadrilha, a mulher diz que não podepagar R$ 300 por semana.Por fim, o milicianoconcorda em cobrar R$ 720 por mês.
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DETALHES DA INVESTIGAÇÃO.........................................................................................................................................................
Na manhã de 5 de feve-reiro deste ano,agentes da Correge-doria da PM recebe-ram uma denúncia
anônima de que milicianos estari-am extorquindo moradores nobairro Porto das Caixas, em Itabo-raí, na Região Metropolitana doRio. Os policiais chegaram rapida-mente ao local e se surpreenderamao flagrar três mulheres fazendo acobrança da “taxa de segurança”estipulada pela milícia que domi-na a região. Mais afastado, um ho-mem armado com uma pistola
agia como guarda-costas do trio. Os quatro foram presos em fla-
grante. Com Jeiciane Ribeiro daSilva, Francine Lima da Silva e Sil-va, Marcelle Gomes da Silva e LuizEduardo Pereira, os policiaisapreenderam R$ 641 em espécie,três celulares e um caderno. Nasfolhas, anotações escritas à mãolistavam endereços, nomes dosmoradores, valores pagos e, porvezes, comentários dos cobrado-res: “acamado”, “casa vazia”,“sempre se esconde”. As prisõesdescortinaram uma estratégia damilícia para angariar a simpatia da
população do município e, ao mes-mo tempo, despistar possíveis in-vestigações: o uso de mulheres pa-ra cobrar e ameaçar moradores ecomerciantes.
No terceiro capítulo da série “Ainvasão”, o EXTRA detalha comofunciona o braço financeiro daquadrilha. As apreensões feitas pe-la Corregedoria possibilitaram àPolícia Civil vasculhar mensagensdo bando e escutar, com autoriza-ção da Justiça, ligações dos crimi-nosos. Nos diálogos, milicianos re-velam que o “recolhe” — como ogrupo chamava o montante extor-
quido — era revertido na comprade armas e combustível para asações do bando e no pagamentodos salários da quadrilha.
Segundo a denúncia oferecida àJustiça pelo Ministério Público doRio — que culminou com a decre-tação da prisão de mais de 70 mili-cianos — Rosane Moreira Almei-da, a Tia, era a gerente financeirada quadrilha. Outras sete mulhe-res, responsáveis por percorrer asruas atrás do recolhe, respondiamdiretamente a ela. Além de casas ecomércios, mototaxistas, empre-sas de telefonia e internet e até es-
colas estavam na caixinha da milí-cia. Por mês, de acordo com o de-poimento de um miliciano presoque aceitou colaborar com as in-vestigações, o bando conseguiajuntar até R$ 200 mil somente comas taxas cobradas em dois bairros,Porto das Caixas e Visconde.
Uma parte do montante era re-servada a milicianos presos: R$ 15mil, segundo o colaborador, eramrepassados toda semana a RenatoNascimento dos Santos, o Renati-nho Problema, chefe do grupo.Quem ia a Itaboraí buscar o dinhei-ro era a mãe do miliciano.
Como agia o braço da quadrilha responsável por cobrar e ameaçar moradores
8 ⟩ POLÍCIA extra.globo.com Quinta-feira, 25 de julho de 2019
São Gonçalo
Ampliação
Nova Cidade
Jardim Imperial
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Ampliação
Nova Cidade
Jardim Imperial
ArealItamarati
Porto das Caixas
Visconde de Itaboraí
A TRÉGUAMilícia de Itaboraí tinha acordo com traficantes e com grupo de extermínio
A milícia e o grupo, comandando por um policial civil, convivem pacificamente. Há até empréstimo de armas entre integrantes das quadrilhas
A advogada Tânia Monique Faial Correa (foto) intermediou uma trégua entre os grupos
SÃO JOAQUIMGrupo de
extermínio
ITABORAÍ
Centro
RETA VELHATráfico
Área dominada pela milícia
B Além de fechar acordo como tráfico, a milícia fez um pac-to de não agressão com umgrupo de extermínio paramanter Itaboraí sob seu domí-nio. O bando atua no bairrode São Joaquim, é comanda-do por um policial civil e é ci-tado em depoimentos de tes-temunhas à Polícia Civil. Lá,não há pagamento de taxasde segurança, mas traficantese ladrões que tentam se esta-
belecer são assassinados pelo“carro da linguiça”, como ogrupo se autodenomina. Amilícia não entra em São Joa-quim. Já os integrantes dogrupo de extermínio ajudamos paramilitares: uma teste-munha cita o empréstimo dearmas a milicianos.
Depoimentos de paramili-tares presos também revelamque o bando comprava a cum-plicidade da polícia. A 71ª DP,
por exemplo, recebia “arre-go” semanal de R$ 3 mil. Opagamento era feito num res-taurante no Centro do muni-cípio. Já para policiais do 35ºBPM (Itaboraí) a propina eramenor: R$ 1.500 por semana.Uma nova fase da investiga-ção da DH busca identificar ospoliciais envolvidos.
PMs do batalhão tambémsão investigados por partici-par de um esquema de reven-
da de carros clonados, denun-ciado pelos colaboradores.Milicianos atraíam pessoasque anunciavam, na internet,carros roubados. Os policiaiseram acionados e roubavamos veículos, argumentandoque o vendedor seria levado àdelegacia se resistisse. Os veí-culos eram repassados aos pa-ramilitares, que os vendiam.Odinheiro, então, era reparti-do entre os envolvidos. s
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PACTO COM GRUPO DE EXTERMÍNIO
Em dez de abril desteano, Tânia MoniqueFaial Correa entrou nobairro Visconde, baseda milícia que domina
Itaboraí, na Região Metropolitanado Rio. Tânia — que contava com acompanhia de um policial militardo batalhão da cidade para circularpela região — é advogada de Lin-domar de Oliveira Brant, o Dodô,chefe do tráfico da Reta Velha, mai-or favela do município. Ela tinhaum encontro marcado com inte-grantes do grupo paramilitar. Namesa, o equilíbrio de forças entreas duas maiores quadrilhas que di-videm a cidade.
Aadvogada informou aos milici-anos que a execução de um de seuscomparsas não havia sido obra dotráfico e, então, propôs uma tréguaentre a milícia e o tráfico. Os para-militares não deveriam mais tentarinvadir a Reta Velha. Em troca, aadvogada passaria a trabalhartambém para o bando, pois teria“muita influência na polícia” e po-deria informar a milícia sobre in-vestigações em andamento. A cenafoi descrita em detalhes à PolíciaCivil e ao Ministério Público pordois integrantes do grupo que,após serem presos, resolveram co-laborar com a investigação. No úl-timo capítulo da série “A invasão”,o EXTRA mostra os acordos feitospela milícia para manter Itaboraísob seu domínio.
Ao fim da reunião, os presentestrocaram números de celular. Amilícia não promoveu mais in-vasões à Reta Velha. Com basenos relatos dos milicianos, Tâniafoi presa no último dia 4. Ela e omarido, Mayson César FidélisSantana, foram denunciados pe-lo Grupo de Atuação Especial deRepressão ao Crime Organizado(Gaeco) do MP à Justiça por parti-ciparem da milícia. Santana, se-gundo a investigação, era a fontede informação da mulher na Polí-cia Civil: mesmo não sendo poli-cial, ele se identificava como tal edizia, em ligações interceptadascom autorização da Justiça, quejá havia trabalhado na delegaciade Itaboraí, a 71ª DP. Ao longo doperíodo em que teve suas ligaçõesgravadas, Santana dizia a seus in-terlocutores que circulava por vá-rias delegacias e tinha acesso a di-versos agentes e delegados.
OPM que acompanhava a advo-gada em sua incursão rumo aobairro dominado pela milícia tam-bém foi identificado: era o caboThalisson Gomes de Oliveira, ami-go de infância da mulher. Como oEXTRA mostrou no primeiro capí-tulo da série, Thalisson está presopor participar, junto com milicia-nos, da maior chacina da históriada cidade, em janeiro deste ano.
Advogadanegociou trégua entreparamilitares etraficantes daReta Velha
FÁBIO GUIMARÃES
A principalentrada da RetaVelha: domíniodo tráfico comaval da milícia
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