Décadas de educação: um estudo de caso das políticas de alfabetização de jovens e adultos do
MEB e do MOBRAL no município de Riachuelo-RN.
RODRIGO WANTUIR ALVES DE ARAÚJO1
Este trabalho é uma parte integrante de uma pesquisa acadêmica sobre a história da educação
no município de Riachuelo-RN. O objetivo principal é a do registro e da análise dos
programas de alfabetização de jovens e adultos no referido município a partir de narrativas e
testemunhos orais de pessoas envolvidas nesses projetos. Nesse sentido, a metodologia de
trabalho concebida foi da história oral mediante entrevistas com as professoras envolvidas nos
programas MEB e MOBRAL a partir das suas experiências, impressões e considerações
acerca dessas políticas de educação, além da utilização de alguns arquivos da Prefeitura
Municipal de Riachuelo. Como forma de compreensão e informação foi feito um
levantamento bibliográfico acerca dos temas citados para contextualização histórica e a
legislação à época vigente. Faremos uma análise e reflexão a partir das definições e
peculiaridades que ambas as propostas de alfabetização de jovens e adultos propunham
presentes nessa obra, identificando os elementos dos sujeitos, compreendendo suas memórias,
identidade, peculiaridade e historicidade, além da própria análise da formação do processo do
conhecimento na história da educação.
Palavras-chave: História da Educação; Alfabetização de Jovens e Adultos; MEB; MOBRAL;
Riachuelo-RN.
Histórico do Município de Riachuelo-RN
A origem do município de Riachuelo-RN está ligada a fazenda de nome Riachuelo
datada de meados do século XIX. A fazenda Riachuelo pertenceu aos municípios de São
Gonçalo do Amarante e São Paulo do Potengi (1943), sendo emancipada cidade se
desmembrando deste último município. De acordo com a história oficial registrada na Lei
Orgânica do Município (1990).
Foi nos idos de 1866, com o início de um povoamento, numa rica fazenda de criação
de gado e com muitas lavouras, de propriedade de Manoel Severiano de Macedo,
que nasceu um povoado, no município de São Gonçalo do Amarante com o nome de
Riachuelo. O nome em questão foi uma homenagem à Batalha Naval do Riachuelo,
na qual o fundador do povoado havia participado como combatente e voluntário da
pátria. Em 1898, o povoado começava a se consolidar, mais precisamente, com a
construção da capela em homenagem ao Sagrado Coração de Jesus, por iniciativa de
Manoel Severiano de Macedo. Foi através da produção do algodão, da criação de
gado e da fabricação de queijo que Riachuelo começou a progredir. No ano de 1943,
passou a pertencer ao município de São Paulo do Potengi/RN, desmembrando-se no
dia 20 de dezembro de 1963, pela Lei n° 3.018. Com a conquista de sua
emancipação política, Riachuelo/RN passou a ser um novo município potiguar. 2
1 Professor da rede pública municipal de Riachuelo-RN e aluno do Mestrado do PPGED – UFRN, apoio CAPES.
2 Trecho retirado integralmente da Lei Orgânica do Município de Riachuelo-RN (1990). Esse texto é utilizado
como apresentação da história do município. Podemos encontrar esse texto também na base de dados do IBGE.
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Por muito tempo essa história foi aceita e não foi questionada até que um pesquisador
contestasse a história oficial e apresentasse outra versão.
A outra versão é a que se refere à grafia da palavra. Estando a fazenda [Riachuelo]
localizada em um vale entre duas serras, área onde existem muitos riachos lhe foi
dado o nome de Riachu-ello, em espanhol, o sufixo ello significa pequeno. O
primeiro registro escrito do qual tomei conhecimento, que faz menção a grafia
Riachu-ello é de 1894 – Livro Tombo da Paróquia de São Paulo do Potengi nº 01 fls.
37/v. ainda em 1894, em procuração passada no cartório de São Gonçalo, aparece o
nome de Manoel Severiano de Macedo e sua mulher dona Cândida Rosa
d’Alexandria. Naquela ocasião eles declararam que eram proprietários e morava na
fazenda Riachu-ello, com essa mesma grafia. Em outra ocasião, em 08 de junho de
1897, Manoel Severiano compareceu ao cartório de São Gonçalo e solicitou, ao
tabelião daquela cidade, que fizesse o assentamento da terra e dos bens existentes na
propriedade Riachu-ello, cujo o nome permaneceria o mesmo. Na escritura pública
de compra e venda da propriedade de Várzea Fria, tendo como comprador e
vendedor, respectivamente, José Gonçalves de Oliveira e José Candido de Macedo,
datada de 27 de novembro de 1924, lavrada pelo tabelião de 1924, o nome da
fazenda Riachu-ello aparece escrito com a mesma grafia das vezes anteriores.
(CAVALCANTE, 2008, p. 23-24)
Atualmente há essas duas versões sobre a origem da fazenda Riachuelo que
corresponde ao histórico do município. Contudo, a primeira versão é a mais aceita pela
comunidade e há uma identidade dos munícipes. De fato, não há registro que Manoel
Severiano tenha participado da Guerra do Paraguai. Mas, como essa história ficou conhecida
na comunidade? Por que esse nome numa região tão longínqua onde acontecera a Guerra do
Paraguai, pois essa cidade recebe o mesmo nome de uma batalha naval tão fatídica e
importante nesse contexto do episódio histórico ora citado? Por que Riachuelo tem um nome
tão diferente das cidades vizinhas, emancipadas, numa proximidade cronológica próxima, e
que receberam nomes de santos da Igreja Católica, mas Riachuelo, não? Desde a origem
permaneceu com o mesmo nome que se transformou em município. Ao que Cavalcante
(2008) alega Riachu-ello e justifica ser derivado de riacho pequeno, não seria a grafia escrita
da época ou até por desconhecimento do tabelião a forma como se escrevera?
Colocado em discussão esses argumentos, não se trata da busca pela verdade. Mas,
reflexões acerca dessa história local, pois a proposta desse trabalho não é de fato discutir a
origem e a história de Riachuelo. O objetivo está relacionado com experiências educacionais
na área de alfabetização de jovens e adultos nas décadas de 60 e 70 do século XX. Como não
há informações exatas da participação de Manoel Severiano na Guerra do Paraguai, bem
como também não há como afirmar por uma grafia em documentos oficiais e cartoriais ser a
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explicação da origem do município. O fato é que a cidade hoje convive com as duas versões
de sua história de origem, mas há uma identidade com a primeira versão.
Formação Administrativa e Política
Por meio da lei estadual nº 3018, de 20-12-1963, o povoado foi elevado à categoria de
município com a denominação de Riachuelo/RN, desmembrando-se de São Paulo do
Potengi/RN. Sede no atual distrito de Riachuelo, ex-povoado. Constituído do distrito sede.
Instalado em 26-01-1964. Em divisão territorial datada de 1-1-1979, o município é constituído
do distrito sede. Assim permanecendo em divisão territorial datada de 2007.
O primeiro prefeito do município foi Candido Batista Cavalcante em 1964-65,
funcionou como um governo interino, indicado pelo então Governador Aluízio Alves (1921-
2006) sendo que houve eleições em 1964 no município tendo Amélio Azevedo, governando
entre 1965-1970, como o primeiro prefeito constitucional eleito pelo povo.
Conforme temos visto, o município é emancipado dentro de um projeto político do
então governador Aluízio Alves (1921- 2006) e gerenciado em seus primeiros anos na década
de 60 do século XX. As questões políticas, sociais, envolvem diretamente o “novo” município
e esta década torna-se um período importante na sua constituição municipal. Instituições
centenárias (Igreja Católica) e novas instituições (Prefeitura Municipal de Riachuelo, Câmara
Municipal de Vereadores) estavam construindo uma relação de políticas educacionais
importantes. Uma parceria entre o poder público municipal e com uma instituição religiosa.
Ações educativas também chegam nesse momento e fazem parte da história do
município configurando um momento de construção, como foi o caso do MEB. Podemos
destacar o MEB – Movimento de Educação de Base – uma dessas ações da Igreja Católica no
município de Riachuelo-RN.
O SAR [Serviço de Assitência Rural], como parte de um projeto político pedagógico
da Arquidiocese de Natal, foi construído ao longo dos anos num conjunto de práticas
educativas com os trabalhadores do campo. Essas práticas expressam o resultado de
ideologias em conflito no contexto histórico em que se deram. A construção de uma
ação educativa com os trabalhadores do campo. A construção de uma ação educativa
foi tramando, num complexo processo de ações educativas. (CORREIA,
PERNAMBUCO, 2011, p. 14)
O SAR tinha atuação nas mais diversas áreas desde a social até a educacional. Muitos
relatos e depoimentos das pessoas do campo em que foram beneficiadas com alimentação,
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construção de açudes, trabalho e educação. Nesse sentido, vale salientar que as ações elas
eram pensadas, planejadas e geridas pela Igreja Católica ao passo que atuava como uma
instituição nos espaços escolares e também não-escolares. Vamos conhecer um pouco mais
sobre o MEB, uma das ações do SAR.
Contextualização histórica do início da década de 1960 no Brasil
O Brasil, nos anos de 1960, é marcado por profunda crise política e econômica, vale
salientar que de 1956 a 1961, época em que o crescimento econômico, governava o país,
Juscelino Kubitschek, populista que promoveu forte investimento na indústria, e transferiu a
capital do Brasil para o centro do país, com a construção de Brasília, tudo isso, à custa do
aprofundamento da dívida externa.
Em janeiro de 1961, assume a presidência do Brasil, o governo Jânio Quadros, da
mesma linha política do Kubitschek, populista, mas que teve breve passagem, só ficou sete
meses no poder, renunciando em agosto do mesmo ano. O populismo teve sua última
representação no governo de João Goulart de agosto de 1961, porém, antes de assumir o
governo, Jango, como era chamado no meio político, se torna refém dos militares, que o
fizeram aceitar as exigências daqueles, para que tivesse governabilidade, uma vez que não
concordavam com a sua posse ao poder máximo do Brasil.
Mas, contrariando o acordo feito com os militares, em 1963, João Goulart conseguiu a
aprovação de um plebiscito que reestruturou o presidencialismo, para tanto, conseguiu apoio
do campo da esquerda, o que provocou grande desconfiança dos setores conservadores e
militares, quanto o cumprimento do acordo, no qual tinha em seu arcabouço, a efetivação das
Reformas de Base.
Desconfiança esta que promoveu a articulação do golpe militar, em 31 de março de
1964, os militares golpearam de uma vez só a democracia e o populismo no Brasil.
MEB – Movimentação de Educação de Base
O MEB é um organismo vinculado a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil –
CNBB, constituído como sociedade civil, de direito privado, sem fins lucrativos, com sede e
foro no Distrito Federal.
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Em 1960, realizou-se em Aracaju o I Encontro de Educação de Base, promovido
pela Representação Nacional de Emissoras Católicas (RENEC). Após contatos com
o presidente Jânio Quadros, a Confederação Nacional dos Bispos (CNBB) integrou
os sistemas de aulas radiofônicas e, por meio do decreto n 50.730, de 21 de março
de 1961 era criado o Movimento de Educação de Base (MEB), para coordenar e
executar todo o trabalho de educação realizado pelo sistema de radiodifusão do país.
(COLARES, 2003, p. 44)
Parceria firmada entre o Governo Federal e a CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos), a partir das experiências radiofônicas em meados da década de 1950 e início da
década de 1960. Com metodologia e ideologias próprias, o MEB foi um importante
instrumento de alfabetização de adultos.
Envolvendo a participação de funcionários e a cooperação de diferentes órgãos do
governo federal, seu principal objetivo é alfabetização de adultos por meio de
transmissões radiofônicas, captadas em locais próprios pelos alfabetizandos, sob a
orientação de um coordenador. (PILLETI, 2016, p. 200)
Esse trabalho de alfabetização de adultos foi muito importante e fez parte do início do
processo de emancipação e construção do novo município. Já havia atuação desse programa
antes mesmo da emancipação do município de Riachuelo na década de 60 por parte do padre
Expedito Sobral de Medeiros, Monsenhor Expedito3 (1916 – 2000) como era comumente
chamado.
Monsenhor [Expedito] era muito brincalhão e dizia: Laura, eu vou trazer um rádio
para você ensinar ao povo. A assistir às aulas e a ensinar o povo. Aí eu dizia:
Monsenhor, como eu vou fazer se a pessoa não está vendo nada, como eu vou
ensinar? Ele disse: Não... Você escuta e transmite as pessoas.[...]. Aí através desse
rádio, o povo vinha assistir, dava aula e assistia aquelas aulas do rádio, depois a
gente tinha que transmitir. Era uma inteligência. A gente tinha que escutar e
transmitir.
Na residência de Laura Ribeiro da Silva (1942), D. Laura, uma comunidade rural
chamada Cachoeira do Sapo, era onde aconteciam as aulas radiofônicas do MEB. Uma casa
simples que pertencia a sua família e que parte da noite era destinada para os alunos
assistirem ao rádio e para que D. Laura pudesse transmitir o conhecimento. Nesse momento
da história do Brasil, a Igreja Católica continuava exercendo grande influencia na área da
3 Monsenhor Expedito foi um sacerdote muito influente na política, sociedade e educação, através de programas
educacionais implementando ações de educação religiosa e de alfabetização de adultos, como o caso do MEB.
Sua maior atuação foi em São Paulo do Potengi-RN e região do Potengi (RN). Ficou também muito conhecido
como o “profeta das águas” devido a sua luta pela transposição das águas no Estado do Rio Grande do Norte.
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educação. Além do próprio município de Riachuelo-RN, objeto de estudo desse artigo, todo o
Estado do Rio Grande do Norte, todo o nordeste do Brasil era um campo fértil de atuação
católica. “O centro da ação pedagógica do MEB eram as escolas radiofônicas que, a partir de
Natal, Mossoró e Caicó, criaram uma onda que em pouco tempo cobria todo o Norte e
Nordeste do Brasil e que recebeu apoio do Governo Federal. (ANDRADE, 1996, p. 116)
As aulas tinham o teor diverso e seu objetivo na sua grande maioria era o de
alfabetizar e esclarecer a população acerca dos acontecimentos sociais, direitos, entre outros
assuntos. A metodologia de ensino era baseada no ouvir o assunto e na discussão oral, bem
como, a escrita dos assuntos das aulas. No município de Riachuelo-RN, o MEB funcionou
também em salão paroquial e teve grande influência e interesse da Igreja Católica na sua
divulgação.
O MEB foi criado com o objetivo maior de cooperar na formação integral de adultos
e adolescentes, nas áreas subdesenvolvidas do país e propiciar elementos para que
essas camadas da população tomassem consciência da sua dignidade de criatura
humana, transformando-se em agente do processo de mudança da realidade em que
viviam. (PAIVA, 2009, p. 61)
Assim, compreende-se que este processo de alfabetização era mais complexo e
pretendia ter como objetivo maior a consciência das pessoas tendo como alfabetização o elo
entre a cidadania do homem. Vale salientar que o MEB era destinado em sua grande maioria
para as áreas rurais atendendo em grande medida parcela da população rural que tiveram seu
direito a educação negada.
Fotografia 01: alunos participando de uma aula do MEB 4
4 Imagem retirada de blog em internet: https://resistenciaemarquivo.wordpress.com/tag/movimento-de-educacao-
de-base/
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Há registros de que esse programa funcionava nas paroquias, galpões, espaços
domiciliares, entre outros espaços que foram aproveitados para tal fim. As aulas aconteciam
com o uso do rádio e discussões. Com a ditadura militar instaurada em 1964, o programa foi
considerado como subversivo e foi interrompido e os seus principais líderes foram presos. O
movimento foi enfraquecido, mas perseverou e continua atuante na atualidade.
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização.
O Mobral foi criado em 1967, mas seu início ocorreu no ano de 1970. A partir de
estudos e para atender a uma demanda muito grande que era o número de analfabetos que
havia ainda no Brasil “O resultado do censo de 1970 foi de 17.936.887 analfabetos de quinze
anos ou mais, correspondendo a 33% da população adulta. (BRASIL, 1973, p. 7) ”. Assim, o
Mobral foi um sistema integrado no ensino brasileiro a partir de uma política pública
governamental na área da educação tentando preencher o vazio deixado pelas políticas
públicas de educação e alfabetização de jovens e adultos que estavam há alguns anos inertes.
O Mobral trabalhava mediante convênios diretamente com os municípios e não com os
Estados. Os convênios eram celebrados entre os setores educacionais do Governo Federal e os
representantes dos municípios. No município de Riachuelo-RN aconteceu que
Houve muitas reuniões de pessoas idôneas, de secretários, pessoas diretamente não
sei da presidência da República, talvez, eu não me lembro, mas que era para quê?
Para procurar aquelas pessoas de idade. Não era só criança, porque criança já tinha
no município. Aquelas pessoas de idade e a gente encontrava aquela dificuldade para
aquelas pessoas virem. Umas pessoas diziam: mas, eu não vou não, já tô velho... Eu
dizia não faça isso não, velho também aprende. Aprende a ler. Não tenha dúvida.
Por sinal até saiu à história “de pé no chão também se aprende a ler”, isso foi dito
aqui várias vezes [...] (CRUZ, 2018, p. 4)
Como podemos observar, identificamos que a própria presidência celebrou o convênio
com o município através dos seus funcionários. As ditas pessoas de idade eram jovens e
adultos a partir de 15 anos que não eram alfabetizadas. Sendo assim, as escolas do Mobral
tinham uma equipe nacional e uma equipe local.
A equipe local era formada pelo presidente da comissão, supervisora municipal e
professores. Existiam núcleos estaduais para organização dos supervisores de área como eram
chamadas as professoras que vinham dar a capacitação no município, bem como fazer um
acompanhamento da turma.
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A equipe era formada por um presidente, supervisor municipal, que no caso era eu
[Fátima Bevenuto da Silva], e um supervisor de área. No caso o supervisor de área
residia em Lajes e era como se fosse regional. A supervisora regional no município
de Riachuelo e em outras cidades. Era o presidente, a supervisora de área e a
supervisora municipal. E os professores eram da zona rural e da zona urbana. No
caso eram vinte e dois professores. (SILVA, 2018, p. 2)
Fátima Bevenuto, a supervisora municipal, em depoimento oral, cita que o Mobral era
tão importante que existia uma mesa na sede da prefeitura municipal de Riachuelo-RN
destinada para esse programa e que muitas vezes nem haviam escolas suficientes para o
funcionamento das salas de aulas, principalmente nas áreas rurais o que fazia com que as
aulas fossem na casa dos professores que também eram responsáveis pela busca e manutenção
da turma.
O Mobral utilizava um método semelhante ao uso de palavras-chave, ou tema-
geradores do método Paulo Freire. Contudo, as palavras eram descontextualizadas da inserção
crítica, política e era usada como método de repetição. Aliás, essa foi uma grande crítica a
esse modelo de alfabetização. Vejamos a foto abaixo:
Fotografia 02: Professora utilizando o método de ensino MOBRAL5
Vemos um quadro com uma foto de uma construção, casas em construção e logo
abaixo a palavra tijolo. Ao lado a família silábica da letra t (ta, te ti) e acima a palavra tijolo
dividida em sílabas. O método utilizado era a repetição. Nesse caso os alunos viam as
imagens, viam as letras, as sílabas e a professora repetiam juntamente com os alunos. Sobre
5 Fotografia retirada do livro Soletre Mobral e Leia Brasil. Disponível em:
http://livros01.livrosgratis.com.br/me002465.pdf
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esse caso, a supervisora municipal, Fátima Bevenuto conta que sempre que se lembra do
Mobral lembrava-se de
Tijolo. A palavra era essa... É.... Porque era assim a palavra era tijolo, aí mostrava
o tijolo. Pronto. A segunda, enxada e mostrava a enxada. Era como se fosse, no meu
entendimento, era como se fosse um programa, era pra pessoas que não fossem
alfabetizadas acima de 15 anos e que geralmente essas pessoas eram da zona rural,
vamos dizer assim, mas eu lembro bem dessas duas palavras: tijolo, a segunda
enxada. (SILVA, 2018, p. 4)
A supervisora municipal trabalhou durante os anos de 1973 até 1978 com a supervisão
do Mobral no município de Riachuelo-RN. Esse é o período do auge do programa em todo o
Brasil. A partir da pesquisa identificamos que o modo de ensino priorizado neste município
foi o curso de Alfabetização Funcional, ou seja, os cursos tinham duração de 5 a 6 meses e
pretendia acelerar a erradicação do analfabetismo. Conforme o certificado podemos constatar
tal informação.
Fotografia 03: Diploma de Fátima Bevenuto da Silva
Conforme vemos no diploma da própria alfabetizadora, encontramos o termo
“funcional”, o que caracteriza que esse programa de alfabetização seria mais voltado para a
formação alfabetizados funcionais. Não que estivesse explícito isso, mas é que atualmente
ficou muito conhecido um tipo de alfabetizado em que apenas tem ênfase na decodificação de
signos linguísticos, não dominando a língua escrita ou sua compreensão.
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Era de responsabilidade da equipe municipal a manutenção dos alunos, para que não
houvesse a evasão. Para isso, a cada ciclo de alfabetização funcional se realizava festas e
encontros para promover a socialização dos alunos e da equipe. Além disso, há relatos sobre a
dificuldade de conseguir finalizar as turmas
A dificuldade é como hoje ainda existe: a frequência. As vezes a gente visitava uma
turma que o professor dava um total de alunos e geralmente quando a gente visitava
eram poucos que frequentavam como hoje ainda é a assim, não é? Que o programa
do Mobral quando terminou foi substituído pelo programa de Jovens e Adultos.
(SILVA, 2018, p. 3)
O programa Mobral encerrou no ano de 1985 e a denominação de Educação de Jovens
e Adultos, como modalidade de ensino, só viria ser confirmada com a LDB 9.394/96
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram
acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que
não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais
apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições
de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. (BRASIL, 2017, p. 16)
Dessa maneira, a supervisora fez um paralelo com a dificuldade que acredita existir
ainda hoje no programa de alfabetização de adultos. Vale ressaltar que a metodologia e o
conteúdo da aula verdadeiramente precisam ser bastante envolventes e que atendam a
necessidade desse público especifico. Esse depoimento nos faz refletir que já havia essa
dificuldade de manutenção da turma. Sendo assim, precisando haver um equilíbrio dos
professores, o que devido, talvez, as condições da época, aos locais de trabalho, entre outros
fatores tenham prejudicados.
Existia muito material didático na época “O material era assim, em grande escala
mesmo. Tinha material... para os professores, para os alunos...” (SILVA, 2018, p. 2). E com
esse material havia a capacitação pela supervisora de área (externa) com a supervisora
municipal e com os professores locais. “Havia encontros dos supervisores municipais em
Lajes [RN] com a supervisora de área... A capacitação [dos professores] era dada pela
supervisora de área juntamente comigo e [ a capacitação ] era com o material didático que era
usado na sala de aula. ” (SILVA, 2018, p. 2)
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O Mobral foi uma experiência importante no município, embora haja muitas críticas
em relação ao método de ensino, mas houve boa aceitação das autoridades, munícipes e
professores que trabalharam com este programa. De acordo com a literatura, sabemos que este
programa encerrou suas atividades no ano de 1985, quando o Governo do regime militar no
Brasil acabou. Contudo, muitos materiais ficaram sendo utilizados anos depois e até a
estruturação do novo Governo no período chamado de Redemocratização, ainda perdurou por
muitos anos até a estruturação de um novo modelo de alfabetização de adultos.
Fotografia 04: Foto de Encontro de Capacitação em 1975. Acervo: Fátima Bevenuto.6
Em um dos raros registros fotográficos da época neste município, verificamos a
presença além dos adultos, crianças presentes. O que demonstra que os pais levavam seus
filhos para esse ambiente escolar. Vale ressaltar também a presença do prefeito municipal de
Riachuelo-RN nesta época, José Alves de Lima, isso nos faz refletir que o programa era muito
bem aceito na esfera municipal e tinha grande notoriedade na esfera municipal.
6 Em pé, no plano central, da esquerda para direita, a terceira pessoa era o então prefeito do município de
Riachuelo, José Alves de Lima, ao seu lado esquerdo, a supervisora de área, e logo após a senhora que está ao
centro, a sexta pessoa da esquerda para direita, a professora Fátima Bevenuto.
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MEB e MOBRAL: algumas discussões
Ambos os projetos foram de alfabetização de jovens e adultos com o cerne principal
em proporcionar a alfabetização, a letra, a palavra. Mas, embora com objetivo central
semelhantes haviam algumas diferenças que valem a pena serem referenciadas.
O MEB era uma ação de uma instituição que ao longo da história do Brasil fez parte
da educação nacional. Embora que consideremos que ação do MEB seja de cunho informal,
ou seja, não-escolar, houve grande incentivo e colaboração do Governo Federal em muitas das
suas ações. O MEB atendia mais ao anseio da igreja do que o Governo. Também vale
salientar que ocorrera na década de 60 do século XX e antecedeu ao período do Regime
Militar, onde havia maior flexibilidade e autonomia para ser executada entre os governos
chamados de populistas.
Um aspecto importante são os espaços utilizados, em nosso caso particular, nas
residências dos professores, nos locais, mais distantes, nos interiores. Havia já um início de
uma educação para cidadania em que o indivíduo era responsável pela compreensão e
reflexão do mundo a sua volta. Uma tecnologia bastante popular também era utilizada com as
aulas do MEB e que atingia os locais mais distantes através das ondas eletromagnéticas do
rádio que chegavam as casas das professoras, salões paroquiais e também as igrejas.
Em relação ao MOBRAL, precisamos compreender o contexto da época. Já estava em
vigência o Regime Militar e que este programa era do Governo Federal. Implementada
através de Lei e estabelecido como uma modalidade de ensino brasileiro. Também houve uma
maior duração deste tipo ensino. Contudo, ele também funcionou nas comunidades rurais,
também foi realizado na casa das professoras e de certa forma interiorizado.
O método de repetição e de alfabetização motora, ou seja, a decodificação por si, foi
uma tônica desse projeto, o que recebeu por diversos estudiosos críticas e rejeição por seu
modelo de ensino. Nesse período da história no Brasil não se podia questionar ou discordar, o
que fez essa modalidade servir para que as pessoas aprendessem a fazer o nome para votar.
Ao saber escrever o nome o indivíduo já não era mais considerado analfabeto podendo
pleitear o seu direito ao voto. É bem verdade que escrever o nome não significa que o
indivíduo estar alfabetizado, mas essa foi uma prática muito comum.
Diante dessas situações, percebemos que o Brasil ao longo das décadas de 60 e 70 do
século XX continuava a um processo de erradicação do analfabetismo que começara com
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maior efetividade nos primeiros anos da República brasileira e perdurou todo o século XX e
ainda é tema importante na educação e alfabetização em pleno século XXI.
Encontramos atualmente um número menor de analfabetos, cerca de 9,6% de acordo
com o censo de 2010, somando a isso ainda temos os analfabetos funcionais, que apenas
decodificam os signos lingüísticos. Nesse sentido, precisamos avançar ainda mais no tocante
ao processo de alfabetização de adultos e ponderar que tal processo é faz parte do processo de
cidadania e é um direito do cidadão ser incluído no processo de leitura e escrita, fazendo com
que seja autônomo, crítico e cidadão.
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Fontes Orais
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[18 de abril, 2018] Entrevista concedida a Rodrigo Wantuir Alves de Araújo.
SILVA, Laura Ribeiro da. Projeto Narrativas da Educação: depoimento. Riachuelo-RN [28 de
abril, 2017] Entrevista concedida a Rodrigo Wantuir Alves de Araújo.
SILVA, Maria de Fátima Bevenuto. Projeto Narrativas da Educação: depoimento. Riachuelo-
RN [11 de abril, 2018]. Entrevista concedida a Rodrigo Wantuir Alves de Araújo.
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