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VERONICE BATISTA DOS SANTOS
LIBRAS e LINGUA PORTUGUESA: A Configurao do
texto escrito do aluno surdo na perspectiva do Bilinguismo
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS - CCHS
CAMPO GRANDE
2011
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VERONICE BATISTA DOS SANTOS
LIBRAS e LINGUA PORTUGUESA: A Configurao do
texto escrito do aluno surdo na perspectiva do Bilinguismo
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS- CCHS
CAMPO GRANDE
2011
Dissertao apresentada para obteno do ttulo de
Mestre ao Programa de Ps-Graduao emEstudos de Linguagens da Universidade Federalde Mato Grosso do Sul, sob a orientao da Prof.Dr. Raimunda Madalena Araujo Maeda.
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VERONICE BATISTA DOS SANTOS
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COMISSO JULGADORA
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Raimunda Madalena Arajo Maeda
Orientadora
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Maria Emilia Borges Daniel
Membro TitularUFMS
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Marilda Moraes Garcia Bruno
Membro TitularUFGD
Campo GrandeMS, maro de 2011
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AGRADECIMENTOS
minha orientadora, professora Dra Raimunda Madalena Araujo Maeda, por sua dedicao,ateno e exemplo de compromisso e responsabilidade, meus sinceros agradecimentos.
professora Dra Maria Emilia Borges Daniel, cone de disciplina, humildade e sabedoria.
professora Dra Eluiza Bortolotto Ghizzi, pela ateno e sugestes em minha qualificao.
todos os professores do Mestrado em Estudos de Linguagens que foram capazes de dividir
seu conhecimento com os alunos do programa.
Prof Dra Marilda Moraes Garcia Bruno pela suas intervenes e sugestes que
enriqueceram este trabalho.
Escola Estadual Pedro Mendes Fontoura, Coxim-MS, que abriu suas portas para que eu
pudesse realizar minhas observaes.
Aos Diretores, professores e coordenadores que no mediram esforos para que eu pudesse
realizar as entrevistas.
s Tcnicas do Ncleo de Apoio Educao Especial NUESP- Prof Lgia David e Prof
Maria Aparecida Spengler que me forneceram material terico e me concederam as
entrevistas.
Aos alunos surdos e suas famlias que me permitiram realizar esse trabalho de pesquisa.
Ao meu esposo e filhos que sempre me apoiaram e compreenderam minha ausncia, enquanto
eu caminhava em busca de novas realizaes.
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A firme determinao em prosseguir dos que sabem a que meta chegar nunca ficou semresposta: Eles jamais deixaram de compartilhar a alegria do encontro...
(Dicionrio Ilustrado Trilingue de LIBRAS)
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RESUMO
Neste estudo abordamos questes referentes ao ensino-aprendizagem do aluno surdo que tem
a lngua de sinais como lngua materna e a lngua portuguesa como segunda lngua namodalidade escrita. Abordamos ainda o trabalho com o texto e, nessa perspectiva,investigamos situaes de aprendizagem desenvolvidas na sala de aula, com o objetivo deverificar se o ensino est ocorrendo dentro da proposta de uma educao bilingue para ossujeitos surdos. Enfocamos tambm a funo do professor de lngua portuguesa, no sentido deverificar de que forma ele interage com esse aluno e que papel desempenha na construo doconhecimento linguistico desse indivduo. Analisamos as questes de sala de aula eaprendizagem de segunda lngua ancorados na Linguistica Aplicada (LA), de acordo comMoita Lopes (2006), Signorini (1998) e Paschoal e Celani (1992). Na perspectiva de produoescrita, observamos como acontece o trabalho com o texto escrito, uma vez que nossosinformantes esto cursando os ltimos anos do ensino fundamental e ensino mdio. Portanto,
acreditamos que j tenham desenvolvidas as habilidades na produo textual. Com o intuitode confirmar nossa hiptese, acerca da educao bilngue, coletamos textos produzidos poresses alunos e os analisamos a luz da Lingustica Textual (LT), tendo como referencial Adam(2008) Fvero & Koch(1988), Koch (1989),Koch & Travaglia (1989),Koch (1990), Koch(2002), Marcuschi(2008), Marcuschi (2010), que nos forneceram aportes tericos queconfirmaram a hiptese inicial de que o discurso produzido pelo aluno surdo, usurio daLibras, pode ser considerado um texto. Para essa anlise lanamos mo dos princpios detextualidade da LT que so: a coerncia, a intencionalidade, a aceitabilidade asituacionalidade e a informatividade. Este trabalho foi pautado na pesquisa qualitativa com:estudo documental, observaes nas salas de aula, entrevista com os diretores, coordenadorese professores de Lngua Portuguesa. Tambm foram entrevistados os familiares dos alunos
que fizeram parte da pesquisa. Este trabalho teve incio no ano de 2009, quando selecionamos04 alunos surdos para participarem do projeto de pesquisa e, desde ento, observamos ecoletamos dados que nos permitiram comprovar que o contexto bilngue ainda no faz parteda realidade da sala de aula dos alunos pesquisados. Quanto aos textos escritos pelos alunossurdos, conclumos que so textos que possuem suas especificidades lingusticas, mas quecumprem com o objetivo de cada produtor, cabendo ao interlocutor a busca pelo sentido e acompreenso do texto. Assim, conseguimos responder s questes as quais nos propusemosinvestigar. Esses alunos estavam matriculados na Escola Estadual Pedro Mendes Fontoura,localizada no municpio de Coxim-MS, local onde foi realizado esse trabalho de pesquisa.
Palavras-chave: Surdez, Bilinguismo, Linguagem.
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ABSTRACT
In this paper we discuss issues related to the teaching - learning of deaf student who has thesign language as it first language and Portuguese as a second language in the written form.Westill discuss the work with the text and, from this perspective; we studied learning situationsdeveloped in the classroom, with the aim of verifying if the teaching is occurring within the
proposal of a bilingual education for the deaf subject.We also focus the function of thePortuguese teacher, in order to verify how he interacts with this student and its role in theconstruction of linguistic knowledge of this subject. We analyzed the issues of classroom andlearning of second language based in Applied Linguistics (AL), according to Moita Lopes(2006), Signorini (1998) and Pascoal and Celani (1992).From the perspective of writing
production, we observed as the work with the written text happens, since our informants arefinishing elementary school and high school.Therefore, we believe they have already
developed skills in text production. In order to confirm our hypothesis about bilingualeducation, we collected texts produced by these students and analyzed them based on TextualLinguistics (LT); we had as reference Adam ( 2008)Fvero & Koch (1988), Koch (1989),Koch & Travaglia (1989 ), Koch (1990), Koch (2002), Marcuschi (2008), Marcuschi (2010),they provided us with theoretical studies which confirmed the initial hypothesis that thespeech produced by deaf students, user of Brazilian Sign Language (LIBRAS), can beconsidered a text. This paper was guided by the qualitative research: a study of documents,classroom observations, interviews with directors, coordinators and teachers of Portuguese.Were also interviewed family members of the students who took part in the research. This
paper began in 2009, when we selected 04 deaf students to participate in the research projectand since then we have been observing and collecting data that enabled us to demonstrate that
the bilingual context is not yet part of the reality of the classroom of students surveyed. As forthe texts written by deaf students, we concluded that they are texts that have their specificlanguage, but they meet the goal of every producer, being the recipient to search for meaningand understanding of the text. Thus, we answered the questions which we set out toinvestigate. These students were enrolled in the State School Pedro Mendes Fontoura, locatedin the city of Coxim-MS, where this research project was conducted.
Keywords: Deafness, Bilingualism, Language.
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Lista de Ilustraes
Figura 1. Cenas para elaborao de histria.......................................................................... 63
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Listas de Tabelas
Tabela 1. Tipos de Surdez. .................................................................................................... 52
Tabela 2.
Dados Gerais dos Alunos Surdos. ......................................................................... 54
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Sumrio
INTRODUO .......................................................................................................................... 1
CAPTULO I: REFERENCIAL TERICO: REFLEXES E ABORDAGENS DASDIFERENAS LINGUISTICAS QUE PERMEIAM A EDUCAO DO SURDOBRASILEIRO. ............................................................................................................................ 5
1. Histrico sobre a Lngua de Sinais ............................................................................... 52.
Aquisio da Linguagem ............................................................................................ 19
2.1. Desenvolvimento de Linguagem da Criana Surda na perspectiva bilngue ......... 243.
A Lingustica Aplicada ............................................................................................... 28
4. Lingustica Textual ..................................................................................................... 38CAPTULO II: METODOLOGIA DA PESQUISA ................................................................ 46
1.
Condies da Pesquisa ............................................................................................... 46
1.2
Tipos de Perdas Auditivas: ..................................................................................... 521.3
Tipos de Surdez ...................................................................................................... 52
2. Caractersticas dos Alunos Pesquisados ..................................................................... 542.1
Textos Produzidos Pelos Alunos ............................................................................ 56
CAPTULO III: RETEXTUALIZAES E ANLISES ....................................................... 661.
Retextualizao .......................................................................................................... 66
2.
A Retextualizao do Texto Escrito do Aluno Surdo ................................................ 68
2.1. Quadro I - Texto da Aluna A ..................................................................................... 71
2.2.
Quadro IITexto do Aluno B ............................................................................... 74
2.3. Quadro IIITexto do Aluna C .............................................................................. 802.4.
Quadro IVTexto do Aluno D ............................................................................. 84
3.
Anlises dos Textos Produzidos Pelos Alunos Surdos .............................................. 88
3.1.
Anlise do Texto IAluna A ................................................................................ 89
3.2. Anlise do Texto IIAluno B ............................................................................... 923.3.
Anlise do Texto IIIAluna C .............................................................................. 94
4.4. Anlise do Texto IVAluno D ............................................................................. 97CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................. 100
REFERNCIAS ..................................................................................................................... 106
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INTRODUO
No a surdez que define o destino das pessoas, mas o resultado do olhar da sociedadesobre a surdez.
(Vigotsky)
A realizao de um trabalho de pesquisa sobre o processo de ensino-aprendizagem do sujeito
surdo , sem dvida, de suma importncia para a sociedade e, especialmente, para a
comunidade escolar que tem esse aluno includo em sala de aula. Aparentemente, a incluso
apenas mais uma dentre as vrias polticas pblicas do pas; mas, se formos analisar asdificuldades dos profissionais que lidam diariamente com alunos surdos includos em salas de
aula regular, onde a maioria dos professores no tem o conhecimento da lngua brasileira de
sinais, nem da metodologia de ensino de segunda lngua, chegamos concluso de que so
necessrias aes mais eficazes para que a proposta do ensino para o aluno surdo seja pautada
na observncia e no respeito pela diferena lingustica de cada um desses indivduos, ou seja,
que se proponha um ensino centrado numa proposta bilngue QUADROS (1997)
Bilinguismo uma proposta de ensino usada por escolas que se propem a tornar acessvel criana duas lnguas no contexto escolar.. Os estudos tm apontado para essa proposta como
sendo a mais adequada para o ensino de crianas surdas, tendo em vista que considera a
lngua de sinais como lngua natural e parte desse pressuposto para a lngua escrita.
De acordo com Godfeld (1997, p.13) a partir da dcada de oitenta, comea a surgir uma nova
viso em relao ao surdo e a lngua de sinas. Percebe-se a necessidade de valorizar esta
lngua e a cultura, e no mistur-la com a lngua oral. As lnguas de sinais, a comunidade
surda, seus valores e sua cultura passam a receber a ateno de diversos profissionais de
diferentes reas, surgindo assim o bilinguismo, uma nova filosofia educacional para os surdos
e a partir de ento o bilinguismo torna-se a base de ensino e aprendizagem.
Para quem no convive com o dia a dia de um a sala de aula na qual se tem alunos com surdez
pode at parecer exagero, mas uma situao real, onde o professor se sente incapaz ao
trabalhar com um aluno usurio de uma lngua que ele no domina, uma vez que so duas
lnguas distintas: a Lngua Brasileira de Sinais que visuoespacial, e a Lngua Portuguesa,que oral-auditiva. Quando falamos em surdos, no estamos nos referindo deficincia em
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si, mas estamos falando de um indivduo que tem potencialidades cognitivas para a
aprendizagem. O que o distingue dos demais alunos a lngua, pois estes so usurios de uma
lngua diferente da utilizada pela maioria ouvinte cuja lngua, por pertencer a uma minoria
lingustica, ao longo de sua histria foi oprimida e rechaada.
Goldfeld (1997, p.11) afirma que desde o sculo dezoito o ponto mais polmico no tratamento
com surdos sempre foi a utilizao da lngua de sinais e de acordo com a autora essa forma de
comunicao despertou defensores e opositores e segundo a mesma, at o sculo dezenove as
lnguas de sinais foram bastante utilizadas em todo o mundo, sendo que a partir dessa poca, a
situao se modificou e a possibilidade de ensinar o surdo a falar, estimulada pelas novas
tecnologias, levou alguns educadores a rejeitarem as lnguas de sinais, acreditando que aaquisio destas dificultaria o aprendizado a lngua oral 1por parte do surdo. Para a autora, at
hoje ainda existem profissionais ligados filosofia oralista que mantm este tipo de
pensamento.
vlido destacar que, para ns que realizamos essa pesquisa, investir na oralizao do surdo
no ruim, pois se h resqucio de audio essa prtica torna-se vlida; assim, importante
que o surdo tenha atendimento com o fonoaudilogo com a finalidade de favorecer e ampliar
a comunicao. No entanto, isso no impede que o surdo oralizado aprenda a lngua de sinais
e a utilize. Este contexto identificado como Bimodalismo2. Mas, como verificamos, cada
surdo reage de uma forma perante a surdez e a oralizao: alguns preferem o uso da lngua de
sinais e no aceitam prteses nem acompanhamento fonoaudiolgico, enquanto outros
utilizam a lngua de sinais e recebem acompanhamento para a oralizao. No entanto, o que
fica claro a postura adotada pelos surdos politizados, pois nos congressos e encontros de
surdos a maioria deles condena o implante coclear, o uso de prtese e os atendimentos
fonoaudiolgicos, uma vez que o grupo considera que esse surdo esteja negando sua
identidade e cultura surda.
Atualmente, as pessoas comeam a ver a lngua de sinais no mais como uma lngua
eminentemente gestual, desprovida de estrutura lingustica, isso graas aos vrios linguistas
que se debruaram e estudaram os gestos e seus componentes e conseguiram provar que a
Libras um sistema lingustico legtimo. Esses estudos contriburam para que a Libras fosse
1Oralidade seria uma prtica social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas formas ougneros textuais fundados na realidade sonora .( MARCUSCHI, 2010,P.25).2Bimodalismo ou Bimodal: utilizao concomitante de lngua oral e de sinais da lngua de sinais.
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amparada legalmente, tornando-se obrigatria a sua incluso no apenas em todos os cursos
de Licenciatura, mas tambm optativa nos demais cursos de educao superior e na educao
profissional. Assim, a Libras est sendo ensinada nas Universidades; isso significa que logo
estaro sendo formados professores aptos a ensin-la, bem como a formao de intrpretes e,
desse modo, conseguiremos evoluir, seja no campo dos estudos lingusticos, seja no contexto
da diversidade lingustica.
Atualmente podemos contar com uma literatura razovel e utiliz-las como fonte de pesquisa
seja de carter histrico da educao do surdo, seja no campo lingustico, ensino da Lngua
Portuguesa para surdos ou nos aspectos ticos e legais no trabalho com os alunos surdos. Os
estudos sobre as lnguas de sinais que iniciaram com Stokoe por volta da dcada de 1960 e noBrasil com autores como; Quadros, Schimiedt, Karnopp, Strobel, Stumpf, Botelho, Silva,
Almeida, Godfeld, Fernandes, Skliar, Gesser, Santana, Brochado, Klnia, Vilhalva, Albres,
Salles, Faulstich, Carvalho, Ramos. O trabalho desses autores de grande importncia para
que ns, pesquisadores possamos utiliz-los como aportes tericos em nossas pesquisas.
Temos como objetivos nesta pesquisa verificar como se d a configurao do texto escrito do
aluno surdo na perspectiva do bilinguismo, a partir da anlise de textos produzidos por esses
sujeitos, temos como referencial terico as teorias lingusticas propostas pela Lingustica
Textual, que nos fornece embasamento com a finalidade de averiguarmos se o discurso
produzido por sujeitos com surdez pode ser considerado ou no um texto. Para tanto,
investigamos as questes relacionadas ao ensino-aprendizagem no contexto da sala de aula,
isto , verificamos de que forma est inserida na proposta pedaggica da escola a questo do
bilinguismo, ou seja, o ensino da Libras como lngua materna (L1), e a Lngua Portuguesa
como (L2).Para isso nos aportamos na Lingustica Aplicada, uma vez que essa disciplina trata
do uso da linguagem dentro e fora do contexto escolar.
Esta pesquisa est dividida em trs captulos. No primeiro captulo tratamos do atendimento
criana com surdez; a seguir aborda-se a histria da lngua de sinais e sobre a educao de
surdos, comeando com os pensamentos cultivados na antiguidade a respeito do indivduo
surdo e as correntes filosficas utilizadas na educao desses sujeitos. Ainda no captulo I,
discorremos sobre a aquisio da linguagem sob as abordagens tericas de Scarpa e outros
estudiosos que contriburam para que hoje se pudesse comprovar teoricamente como se d
esse processo de aquisio da linguagem. Enfocamos ainda, o desenvolvimento de linguagem
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da criana surda na perspectiva bilingue, de modo a demonstrar que o processo de aquisio
da lngua de sinais pela criana surda anlogo ao da aquisio da lngua portuguesa por
crianas ouvintes. Por fim, apresentamos os aportes tericos que fundamentam a anlise dos
textos produzidos pelos sujeitos surdos: a Lingustica Textual (LT), tomando-se os princpios
de textualidade, a saber: a coerncia, a intencionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade e
a informatividade; e, a Lingustica Aplicada (LA), que nos fornecer aportes tericos nas
discusses de ensino-aprendizagem no contexto da sala de aula, onde h alunos com surdez
inseridos.3
No segundo captulo realizamos uma exposio da metodologia utilizada, com um breve
relato sobre a pesquisa de campo no qual se relatam os procedimentos metodolgicosutilizados, que so: contato com diretores e coordenadores, observaes nas salas de aula,
entrevista com as professoras, entrevista com as famlias, coleta de dados sobre os
informantes, coleta dos textos escritos pelos alunos surdos e anlise do Projeto Poltico
Pedaggico da escola onde est sendo realizada a pesquisa. Ainda, neste captulo, apresentam-
se os textos produzidos pelos alunos surdos, que constituem o corpusda pesquisa.
No terceiro captulo trabalhamos com a Retextualizao dos textos originais e a transcrio
desses textos para a Libras, nos quais obedecendo as convenes da Libras, as transcries
foram realizadas a partir do texto sinalizado pelo aluno. Apesar de a lngua de sinais j ter sua
prpria escrita sign writing, essa ainda no conhecida pelos nossos pesquisandos. Dessa
forma, a lngua de sinais utilizada apenas em sua forma gestual. Ainda nesse captulo
realizamos as anlises dos textos a partir dos postulados de Koch (1994 e 2002), Marcuschi
(1994), Beaugrande e Dresller (1978), Costa Val (1991) e Charolles (1978). Analisamos um
texto de cada aluno, totalizando quatro anlises, as quais, como j dissemos, esto voltadas
para os princpios da textualidade a coerncia, a intencionalidade, a aceitabilidade, a
situacionalidade e a informatividade.
Nesse contexto, tentamos responder as questes s quais a pesquisa se props: Como se d a
configurao do texto escrito do aluno surdo na perspectiva do bilinguismo? E, essa produo
pode ser considerada ou no como um texto?
3Optamos em utilizar o termo inseridos ao invs de includos, pois o que verificamos que os surdos quefizeram parte dessa pesquisa esto inseridos em um grupo, enquanto a incluso lhes garantiria o acesso sua L1,como primeira lngua de instruo e no isso o que acontece.
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CAPTULO I: REFERENCIAL TERICO: REFLEXES E
ABORDAGENS DAS DIFERENAS LINGUISTICAS QUE
PERMEIAM A EDUCAO DO SURDO BRASILEIRO.
Assim como os pssaros tem asas, o homem tem lngua.George H. Lewes (1817-1878)
1.
Histrico sobre a Lngua de Sinais
Este captulo aborda questes referentes Lngua de Sinais, que uma lngua que se distingue
das lnguas orais por ser baseada numa forma visual-espacial e que ao invs de utilizar o
aparelho fonador no ato de comunicao, o usurio dessa lngua utiliza as mos, o corpo e as
expresses faciais para transmitir o discurso ao seu interlocutor. As questes referentes s
lnguas de sinais no so modismos da atualidade, pelo contrrio, se nos reportarmos aos
primrdios, podemos observar que estas questes tm sua origem na antiguidade e, pelo
desconhecimento de suas caractersticas, era vista por muitos como um conjunto de gestos
aleatrios ou mmicas. Quando partimos para um estudo mais elaborado percebemos que
atualmente ainda existem pessoas que desconhecem a lngua de sinais e a cultura surda e, por
esse motivo, ainda mantm a mesma concepo da antiguidade, onde a lngua de sinais e o
surdo eram marginalizados e vistos como seres incapazes.
Neste trabalho de pesquisa, nos propusemos a evidenciar a lngua de sinais partindo dos
primrdios da humanidade atualidade, pois hoje a lngua de sinais conquistou sua alteridade
e ocupa o seu devido lugar dentro da cincia da linguagem: a lingustica. De acordo com
Quadros (2004) so vrios os linguistas e os estudos que tratam das lnguas de sinais, dentreeles a autora destaca os estudos que foram iniciados no Brasil pela pesquisadora Gladis Knak
Rehfeldt (A lngua de sinais do Brasil, 1981).
Destaca tambm artigos e pesquisas realizadas pela Linguista Lucinda Ferreira-Brito, que
foram publicadas em forma de um livro em 1995 (Por uma gramtica das lnguas de sinais).
Depois desses trabalhos, as pesquisas comearam a explorar diferentes aspectos da estrutura
da lngua brasileira de sinais. Vale mencionar alguns exemplos, tais como Fernandez (1990),
um trabalho de psicolingstica; Karnopp (1994) que estudou aspectos de aquisio de
fonologia por crianas surdas de pais surdos; Felipe (1993) que prope uma tipologia de
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verbos em lngua brasileira de sinais; os meus trabalhos: Quadros (1995) que apresenta uma
anlise da distribuio dos pronomes na lngua brasileira de sinais e as repercusses desse
aspecto na aquisio da linguagem de crianas surdas de pais surdos (publicado parcialmente
em forma de livro em 1997 - Educao de surdos: a aquisio da linguagem) e Quadros
(1999) que apresenta a estrutura da lngua brasileira de sinais. Tais pesquisas associadas s
atividades dirigidas pela Federao Nacional de Educao e Integrao do Surdo (FENEIS)
foram responsveis pelo reconhecimento da lngua brasileira de sinais como uma lngua de
fato no Brasil.
Como uma lngua percebida pelos olhos, a lngua brasileira de sinais apresenta algumas
peculiaridades que so normalmente pouco conhecidas pelos profissionais. Perguntas sobre osnveis de anlises, tais como, a fonologia, a semntica, a morfologia e a sintaxe so muito
comuns, uma vez que as lnguas de sinais so expressas sem som e no espao. Porm, as
pesquisas de vrias lnguas de sinais, como a lngua de sinais americana e a lngua brasileira
de sinais, mostraram que tais lnguas so muito complexas e apresentam todos os nveis de
anlises da lingustica tradicional.
A diferena bsica est no canal em que tais lnguas expressam-se para estruturar a lngua, um
canal essencialmente visual. Stokoe et al. (1976), Bellugi e Klima (1979), Liddell (1980),
Lillo-Martin (1986) so exemplos clssicos de pesquisas da lngua de sinais americana que
trazem evidncias da existncia de todos os nveis de anlise dessa lngua. Karnopp (1994),
Quadros (1995, 1999), Ferreira-Brito (1995) e Felipe (1993) so exemplos de pesquisas que
evidenciam a complexidade da lngua brasileira de sinais. (QUADROS, 2004 p.19).
Inicialmente, apresentamos o histrico das lnguas de sinais: o incio e sua disseminao pelos
vrios pases; a oficializao da Lngua Brasileira de Sinais Libras, como lngua no Brasil.
Mostramos como se apresenta a organizao do ensino para o aluno surdo enquanto aprendiz
de uma segunda lngua na modalidade escrita. Posteriormente, apresentamos um panorama da
Libras: no Brasil, no estado de Mato Grosso do Sul e no municpio de Coxim-MS, local de
realizao da pesquisa.
No item 2 deste captulo tratamos do desenvolvimento da linguagem e no item 2.1 tratamos
do desenvolvimento da linguagem pela criana surda na perspectiva bilingue, mostrando aimportncia de o individuo surdo adquirir a Lngua Brasileira de Sinais o mais cedo possvel,
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pois, Crianas que vo para a escola com uma lngua consolidada,tero possibilidades de
desenvolver habilidades de leitura e escrita com muito mais consistncia. ( CUMMINS,
2003 apud QUADROS, 2008, P.31).
No item 3 apresentamos alguns aspectos da Linguistica Aplicada ( LA), que um dos aportes
tericos que utilizamos uma vez que enfocamos questes relacionadas aquisio e uso da
linguagem no contexto de ensino-aprendizagem na sala de aula.
No item 4 apresentamos a Linguistica Textual que a teoria que nos fornece embasamento
nas retextualizaes e anlises dos textos escritos pelos alunos surdos, cujo objetivo refutar
ou confirmar a legitimidade do texto escrito do aluno surdo, aprendiz de L2..
De acordo com Quadros & Karnopp (2004, p.30), as lnguas de sinais so consideradas
lnguas naturais ou como um sistema lingustico e, por isso, compartilham uma srie de
caractersticas que lhes atribuem carter especfico que as distinguem dos demais sistemas de
comunicao.
Neste contexto as autoras afirmam que essas lnguas so vistas pela lingustica como um
sistema legtimo e no como um problema do surdo ou como uma patologia da linguagem,
pois, de acordo com seus postulados, na dcada de 1960, Stokoe percebeu e comprovou que a
lngua de sinais atendia a todos os critrios lingusticos de uma lngua genuna, tanto no lxico
quanto na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenas. E foi o
prprio Stokoe que observou que esses sinais no eram imagens, mas smbolos abstratos
complexos. Assim, este autor foi o primeiro a identificar a estrutura dessas lnguas, a analisar
os seus sinais, a dissec-los e a pesquisar suas partes constituintes.
Alm disso, Saussure ([1916] 1995, p. 17 apud Karnopp e Quadros 2004 p.30), citando
Whitney, discute a questo articulatrio-perceptual quando refere:
[...] para Whitney, que considera a lngua uma instituio social da
mesma espcie que todas as outras, por acaso e por simples razes
de comodidade que nos servimos do aparelho vocal como instrumento
da lngua; os homens poderiam tambm ter escolhido o gesto eempregar imagens visuais em lugar de imagens acsticas.
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tambm so lnguas brasileiras caracterizando que o Brasil um pas multilingue
(QUADROS 2008, p.27).
O ensino da Lngua Brasileira de Sinais ocorre de acordo com a demanda de cada local. Nas
capitais a oferta de curso maior, enquanto no interior depende do acordo poltico das
autoridades ligadas educao em firmar convnio com o CAS10(Centro de Capacitao de
Profissionais da Educao e de Atendimento s pessoas com surdez), que o rgo
responsvel pela formao do instrutor, que posteriormente passa a ministrar o curso de
Libras para ouvintes e outros surdos, obedecendo ao que est previsto na Lei da Libras, que
o instrutor de preferncia seja surdo.
Geralmente, as crianas surdas aprendem a Libras no atendimento junto ao AEE11, onde so
atendidas no contra turno por professores especialistas (ouvintes), que tem o domnio da
Libras; nesse contexto elas aprendem a Lngua Brasileira de Sinais e a Lngua Portuguesa na
modalidade escrita. importante lembrar que os professores do atendimento especializado
do suporte aos professores da sala regular que, na maioria das vezes, no conhecem as
especificidades lingusticas do surdo, justamente por no conhecerem a lngua brasileira de
sinais que a lngua materna do surdo brasileiro.
Aos alunos surdos a Lei assegura a presena do profissional intrprete na sala regular, mas a
maioria dos surdos no tem esse profissional, devido escassez deste no mercado de trabalho,
uma vez que para atuar nos anos finais do ensino fundamental, no ensino mdio e no ensino
superior exige-se que esse profissional tenha o Certificado de Proficincia em Libras -
Prolibras(esse exame realizado anualmente), que emitido pelo MEC.
Para interpretar na educao infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental necessrio
que o professor/intrprete seja especialista em Educao Especial, domine a lngua brasileira
de sinais e passe por uma avaliao do CAS.
Ao aluno surdo que ainda no tem o domnio total da Libras, geralmente, filho de pais
ouvintes que no conhecem e no sabem da importncia da aquisio dessa lngua para a
criana, o Estado oferece o professor-mediador, que o profissional capacitado que
10CAS - Centro de Capacitao de Profissionais da Educao e de Atendimento s pessoas com surdez. CampoGrande-MS.11AEE. Atendimento Educacional Especializado / Salas de Recursos Multifuncionais.
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acompanha esse aluno na sala regular e passa a mediar o ensino em lngua portuguesa e
introduzindo a Libras na vida dessa criana, ou seja, passa a trabalhar com as duas lnguas e,
no contra turno, esse aluno atendido nas salas de recursos multifuncionais orientados por
profissionais especializados.
Observando a realidade do surdo, hoje, percebemos os avanos adquiridos por esses
indivduos, pois, ao longo da histria da surdez os sujeitos surdos perpassaram por muitos
caminhos diferenciados, que interferiram em seu desenvolvimento social, educacional,
psicolgico, cognitivo e afetivo, repercutindo na construo de sua identidade e
reconhecimento de sua cultura e no respeito pela diferena lingustica.
As autoras Honora, Frizanco e Saruta (2009) fazem o seguinte relato sobre a histria da
surdez na antiguidade : na Antiguidade a educao dos surdos variava de acordo com a
concepo que se tinha deles. Para os gregos e romanos, em linhas gerais, o surdo no era
considerado humano, pois a fala era resultado do pensamento. Logo quem no pensava no
era humano, assim no tinham direito a testamentos, escolarizao e a freqentar os mesmos
lugares que os ouvintes. At o sculo XII, os surdos eram privados at mesmo de se casarem.
Na Idade Mdia, a igreja catlica teve papel fundamental na discriminao no que se refere s
pessoas com deficincia, j que para ela o homem foi criado imagem e semelhana de
Deus. Portanto, os que no se encaixavam neste padro eram postos margem, no sendo
considerados humanos. Entretanto, isso incomodava a igreja, principalmente em relao s
famlias abastadas.Nesta poca, a sociedade era dividida por feudos. Nos castelos, os nobres,
para no dividir suas heranas, acabavam casando-se entre si, o que gerava grande nmero de
surdos entre eles.
Nessa poca ocorre a primeira tentativa de educao para os surdos, inicialmente de maneira
preceptorial12. Ento os monges que estavam em clausura, e haviam feito o Voto do Silncio
para no passar os conhecimentos adquiridos pelo contato com os livros sagrados, haviam
criado uma linguagem gestual para que no ficassem totalmente incomunicveis. Esses
monges foram convidados pela Igreja Catlica a se tornarem preceptores dos surdos.
12Preceptor : aquele ou aquela que encarregado da educao e/ ou da instruo de uma criana ou de umjovem, geralmente na casa deste. (http: //Houaiss.uol.com.br/ busca. Jhtm)
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A Igreja Catlica tinha grande influencia na vida de toda sociedade da poca, mas no podia
prescindir dos que detinham o poder econmico. Portanto, a sua inteno consistia em instruir
os surdos nobres para que o circulo no fosse rompido, possuindo uma lngua, eles poderiam
participar dos ritos, dizer os sacramentos e, consequentemente, manter suas almas imortais.
Alm disso, no perderiam suas posies e poderiam continuar ajudando a Santa Madre
Igreja.
No final da Idade Mdia os dados sobre a educao e a vida dos surdos tornaram-se mais
disponveis. exatamente nesta poca que comeam a surgir os primeiros trabalhos no
sentido de educar a criana surda e de integr-la* na sociedade.
At o sculo XV, os surdosbem como outros deficientes- tornaram-se alvo da medicina e da
religio catlica. A primeira estava mais interessada em suas pesquisas e a segunda em
promover a caridade com pessoas to desafortunadas, pois para ela a doena representava a
punio.
Para Goldfeld (1997, p.24), na Antiguidade, a ideia que se fazia a respeito dos surdos no
decorrer da histria, geralmente apresentava aspectos negativos, nessa poca eram vistos de
forma mais variadas: com piedade e compaixo, como pessoas castigadas pelos deuses ou
como pessoas enfeitiadas, e por isso, eram abandonados ou sacrificados. At mesmo na
Bblia pode-se perceber uma posio negativa em relao surdez. A condio subumana
dos mudos ser parte do cdigo mosaico e foi reforada pela exaltao bblica da voz e do
ouvido como a nica e verdadeira maneira pela qual o homem e Deus podiam se falar (no
princpio era o verbo) (SACKS, 1989, p.31).
Para Machado e Toniolo (2004, p. 32), os primeiros relatos de Educao dos Surdos surgiram
no sculo XVI, com o monge espanhol e beneditino Pedro Ponce de Len (1520-1584 ) que
viveu em um monastrio na Espanha, em 1570 usava sinais rudimentares para se comunicar,
pois havia feito voto do silencio, considerado o primeiro educador de surdos. Ponce de
Leon desenvolveu uma metodologia de educao de surdos que inclua datilologia
(representao das letras do alfabeto), escrita e oralizao, alm de ter criado uma escola de
surdos. De acordo com Goldfeld (1997, p.31) a maior parte das metodologias baseadas nesse
mtodo utiliza como embasamento terico lingustico o Gerativismo de Noam Chomsky.
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Em Paris surgiu a primeira escola pblica para surdos, conhecida como Institute Royal ds
Sourds-muets, fundada pelo Abade de LEpe (1712-1789). Esse professor utilizava a lngua
verncula para o ensino da escrita, da leitura, do alfabeto manual, da linguagem de sinais e
sinais metdicos. As autoras, Machado e Toniolo (2004) afirmam que, paralelamente a essa
primeira busca educacional para os surdos franceses, na Alemanha, atravs de Samuel
Heinicke (1723-1790), desenvolvia-se um trabalho oralista. Nos Estados Unidos, com os
americanos Gallaudet e Clerc, professores de surdos do Instituto Nacional para Surdos-
Mudos, (termo usado naquela poca), em 1917 foi fundado um asilo denominado Asilo
Americano para a Educao e Instruo de Surdos e Mudos, onde se utilizava o ingls
sinalizado e a ASL (Lngua Americana de Sinais), essa instituio tornou-se o Gallaudet
University.
Ao longo da histria da Educao dos indivduos com surdez surgiram vrias correntes
filosficas que tentavam dar conta do ensinoaprendizagem dos surdos: Oralismo,
Comunicao total e Bilinguismo. A corrente oralista atingiu seu pice em 1878, no I
Congresso de Educao de Surdos, que aconteceu em Paris, quando se decidiu que a lngua de
sinais seria utilizada apenas como suporte para a comunicao oral. Este pensamento tornou-
se real no evento considerado um marco na histria do surdo o II Congresso em Milo em1888 (cujos participantes eram todos ouvintes)no qual se decidiu que s se deveria utilizar
o mtodo oral para o ensino dos surdos. Rechaava-se, assim, a lngua de sinais. Esse mtodo
tinha como objetivo desenvolver a oralidade, baseando-se no desenvolvimento lingustico da
criana ouvinte. Desse modo, so realizados treinos da fala, articulao das palavras e leitura
orofacial, cujo intuito integrar o surdo ao mundo dos ouvintes.
A Comunicao Total (CT) surgiu na dcada de 60 nos EUA. Criada por uma professora, me
de uma menina surda e, de acordo com Machado e Toniolo (2004, p. 3), esse tipo de
comunicao viabilizou o uso de qualquer aparato ou combinao, permitindo o uso de
gestos, oralizao, leitura orofacial, desenhos, linguagem escrita e o alfabeto dactilolgico.
Godfeld (1997, p.29) afirma que, a partir da dcada de 1970, em alguns pases como Sucia e
Inglaterra, percebeu-se que a lngua de sinais deveria ser utilizada independentemente da
lngua oral, ou seja, em algumas situaes o surdo deve usar a lngua de sinais e, em outras, a
lngua oral e no as duas concomitantemente como estava sendo feito. Surge ento a filosofia
bilingue.
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No Brasil a educao de surdos teve incio em 1855, com a chegada do francs Ernest Huet,
trazido pelo imperador D. Pedro II, para iniciar um trabalho de educao de duas crianas
surdas com bolsa de estudo pagas pelo governo, que trouxe o alfabeto manual e alguns sinais
da Lngua Francesa de Sinais, da qual originou a Libras (Lngua Brasileira de Sinais). Em
1857, foi fundado o Imperial Instituto dos Surdos e Mudos, atualmente Instituto Nacional de
Educao de Surdos (INES), no Rio de Janeiro, que foi a primeira escola para meninos
surdos, a qual usava a lngua de sinais com influncia francesa.
Em 1911, no Brasil, o INES, seguindo a tendncia mundial, estabeleceu o Oralismo puro em
todas as disciplinas. Mesmo assim, a lngua de sinais sobreviveu em sala de aula e, apesar das
proibies, sempre foi utilizada pelos alunos nos ptios e corredores da escola (REIS, 1992).No fim da dcada de1970 chega ao Brasil a Comunicao Total, aps visita de Ivete
Vasconcelos, educadora de surdos da Universidade de Gallaudet.
Na dcada de 1980, comea no Brasil o bilinguismo, a partir das pesquisas da linguista
Lucinda Ferreira Brito sobre a lngua de sinais. Em algumas regies brasileiras como Rio
Grande do Sul, a Escola Concrdia, da cidade de Porto Alegre, foi a primeira escola brasileira
a adotar a Comunicao Total. No incio da dcada de 1980 houve discusses a respeito da
Comunicao Total, da qual participaram professores de vrias cidades de Porto Alegre; mas,
foi em 1988, durante a IX Jornada Sul-Riograndense de Educadores de Deficientes da
Audiocomunicao que se apresentou uma nova abordagem: o bilinguismo (MACHADO e
TONIOLO, 2004, p. 34).
Skliar (1999, p.7) define a proposta de educao bilngue para surdos como uma oposio
aos discursos e s prticas clnicas hegemnicas caracterstica da educao e da
escolarizao dos surdos nas ltimas dcadas como um reconhecimento poltico da surdez
como diferena.
De acordo com Goldfeld (1997, p.39) O bilinguismo tem como pressuposto bsico que o
surdo deve ser bilngue, ou seja, deve adquirir como lngua materna a lngua brasileira de
sinais, que considerada a lngua natural dos surdos e, como segunda lngua, a lngua oficial
de seu pas, a lngua portuguesa.
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Na esteira do bilinguismo, a autora afirma que os autores ligados a essa corrente percebem o
surdo de forma bastante diferente dos autores oralista e da comunicao total. Para os
bilinguistas, o surdo no precisa almejar uma vida semelhante do ouvinte, podendo aceitar e
assumir sua surdez. A noo de que o surdo deve, a todo custo, tentar aprender a modalidade
oral da lngua para poder se aproximar o mximo possvel do padro da normalidade,
rejeitada por essa filosofia. Isso no significa que a aprendizagem da lngua oral no seja
importante para o surdo, ao contrrio, esse aprendizado bastante desejado, mas no
percebido como nico objetivo educacional do surdo nem como uma possibilidade de
minimizar as diferenas causadas pela surdez.
Em Mato Grosso do Sul, de acordo com Albres (2007, p.9) o emprego da Libras dataaproximadamente de 1951. Na capital, Campo Grande, no havia escolas especiais para
surdos, pois a populao surda era reduzida. Ento, Thomaz Duarte de Aquino, pai de dois
filhos surdos, encaminhou o filho mais velho, Jos Ipiranga de Aquino, ao Rio de Janeiro a
fim de estudar no Imperial Instituto para Surdos-Mudos, onde cursou o ensino bsico e
aprendeu a Lngua de Sinais e o ofcio de tipgrafo. Ao retornar, este trabalhou no jornal O
mato-grossense at se aposentar. O pai, aps alguns anos, encaminhou o filho mais novo,
Geraldo Torres de Aquino para estudar no Imperial Instituto para Surdos-Mudos e, com este,foram outras crianas surdas de Campo Grande, dentre eles Ademir Soares, Edgar e Joel
Faraco. O Instituto funcionava em regime de internato, assim, as crianas passavam as frias
em Campo Grande. Nesse perodo, eram encaminhadas orientaes para os pais referentes
estimulao da linguagem e realizao das tarefas.
Em 1957, o Imperial Instituto para Surdos-Mudos passa a denominar-se Instituto Nacional de
Educao de SurdosINES, atravs da Lei n 3.198, de 06 de julho de 1957.
Nas dcadas de1960 e 1970, em Campo Grande, a populao de surdos era reduzida, os
rapazes surdos eram mais vistos, pois se encontravam todos os finais de tardes e noites na
esquina da Rua 14 de julho com a Dom Aquino, para um pequeno lazer; todos se
comunicavam por meio da lngua de sinais. Recordemos alguns nomes: Jos Ipiranga de
Aquino, Joel Faraco, lvaro, Joo Bacha, Manoel Francisco, Mariano, Antonio, Nilton e
Luglio. De acordo com Albres (2007, p.9) nesse espao dialgico que os surdos
compartilhavam os sinais aprendidos no INES e os sinais caseiros produzidos no interior da
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casa de cada um deles, objetivando a comunicao cotidiana com a funo de discutir as
questes de trabalho, relacionamentos e lazer.
Em 1981 foi criada a Diretoria de Educao Especial para subsidiar os servios de Educao
Especial das instituies e ampliao dos servios de atendimento s pessoas com
necessidades educativas especiais no Estado. Foram criados o CRAMPS Centro Regional
de Assistncia Mdico-Psicopedaggica e Social e o CEADA Centro de Atendimento ao
Deficiente da Audiocomunicao, criado pelo Decreto n 3546, de 17 de abril de 1986, que,
funcionando em regime de internato, atendia a pessoas com surdez severa e profunda a partir
dos primeiros meses de idade, na educao precoce, pr-escolar e primeiros anos do primeiro
grau, contando para isso com avaliao social, pedaggica, audiolgica e fonoaudiolgica,sala de recursos e programas de competncia social, juntamente com oficinas do CIDEM
Centro Integrado de Desenvolvimento do Menor.
Historicamente, as Lnguas de Sinais foram concebidas como lnguas pobres, mas o grupo de
surdos campo-grandense une-se na tentativa de preservar a lngua no Estado. Para isso, foi
fundada a Associao de Surdos, no dia 06 de maro de 1982, com a denominao ADAMS
Associao dos Deficientes Auditivos de Mato Grosso do Sul, com sede em Campo Grande,
tendo como presidente Joel Faraco e vice- presidente Jos Ipiranga de Aquino, a partir do dia
12 de abril de 1987, passa a ser denominada ASSUMS Associao dos Surdos de Mato
Grosso do Sul. Albres (2007, p.12) chama a ateno para essa nova denominao, onde fica
explcito que o surdo no quer ser visto como um deficiente, mas como um indivduo capaz,
com uma lngua diferenciada, pois o termo deficiente carrega o estigma imposto a esses
indivduos.
A autora afirma que para os surdos sul-mato-grossenses o lxico foi construdo por duas vias:
pelos ex- alunos do INES, que trouxeram toda a influncia da Lngua de Sinais Francesa
(LSF) e, logo depois, pelos surdos viajantes que incorporam sinais usados em diversos lugares
do pas; como tambm pelos livros (dicionrios) de lnguas de sinais, que cresceram com a
proposta de comunicao total, influenciados pela Lngua de Sinais Americana (ASL), livros
estes, de uso nas escolas de surdos, nas igrejas, que tinham o objetivo de evangelizao de
surdos, e os prprios surdos ensinavam aos ouvintes interessados em aprender a se comunicar
com eles.
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os sistemas de ensino devero assegurar; currculos, mtodos, tcnicas e, recursos educativos
e organizao especficos, para atender s suas necessidades. (LDB, 1996).
Apesar de todos os movimentos apontarem para a incluso dos alunos na sala comum, nesse
municpio esse evento aconteceu no ano de 2006, pois a classe especial foi extinta, passando a
funcionar como sala de recursos. Todos os alunos foram matriculados no ensino regular.
Acabava-se o perodo de educao segregada e iniciava-se a incluso do surdo em uma
sala comum, onde o professor no sabia a LIBRAS e os alunos no tinham intrprete, nesse
contexto estavam inseridos os alunos que hoje cursam 3, 4, 5 e 6 ano do ensino
fundamental.
Quanto Lngua Brasileira de Sinais, esta ressurge em 2005, com incio do curso de Libras
que foi um curso bsico oferecido para a comunidade e ministrado por essa professora, vinda
de So Paulo, que formou aproximadamente vinte e cinco pessoas dentre acadmicos,
professores e familiares dos surdos que estivessem interessados em aprender a Lngua
Brasileira de Sinais.
Este foi o incio da histria da Libras em Coxim com fins pedaggicos, j que em 2003
estava pautada em conotaes religiosas, depois foi evoluindo com as viagens dos primeiros
alunos surdos a Campo Grande, Minas Gerais, Salvador, Rio de Janeiro, pois os surdos tm
uma carteirinha que lhes permitem viajar sem que tenham de pagar pela passagem, e isso
torna mais fcil o contato deles com surdos de outros lugares, o que bastante enriquecedor,
pois alm de conhecerem novos lugares, ainda fazem contato com pessoas que utilizam a
mesma lngua, ampliando assim o seu vocabulrio, pois,
[...] mudando a lngua que se fala, muda-se todo um sistema de percepo. Seaceitarmos que a linguagem que organiza o pensamento (ou a conscincia) e que alinguagem significativa porque remete a um sistema de referencias e somente nestesistema seus recursos tem sentido, e se este sistema de referencias como propeCarlos G. Franchi, produto e processo do trabalho da linguagem que se constitui aomesmo tempo como lngua (conjunto de recursos expressivos) e como sistemaantropo-cultural de referencia, j que este processo se d, acontece no contextosociocultural, ento os estudos da linguagem, da lngua, do pensamento e da culturano podem distanciar-se, sob pena de excluir elementos que lhe so prprios econstitutivos (GERALDI, 2003, p. 79-80).
Nessa perspectiva pode-se considerar que a Libras como L1 a identidade do surdo brasileiro
e as pesquisas sobre as lnguas de sinais vm mostrando que essas lnguas so comparveis
em complexidade e expressividade a quaisquer lnguas orais. Estas lnguas expressam ideias
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sutis, complexas e abstratas. Os seus usurios podem discutir filosofia, literatura ou poltica,
alm de esportes, trabalho e utiliz-la como funo esttica para fazer poesias, contar estrias,
criar peas de teatro e humor.
2. Aquisio da Linguagem
A linguagem da criana sempre provocou especulaes diversas entre leigos ou estudiosos do
assunto. Seja essa linguagem a manifestao imperfeita de ser incompleto, seja a expresso
primitiva da palavra de Deus, o fato que relatos mais ou menos esparsos, porm constantes,
tm sido registrados ao longo dos sculos e chegaram at ns (SCARPA, 2001, p.203).
De acordo com essa autora, a aquisio da linguagem pelas suas indagaes, uma rea
hbrida, heterognea ou multidisciplinar. Ela afirma que no meio do caminho entre teorias
lingusticas e psicolgicas, tem sido tributria das indagaes advindas da psicologia (do
comportamento, do desenvolvimento, cognitiva, entre outras tendncias) e da lingustica. No
entanto, na contramo, as questes suscitadas pela aquisio da linguagem, bem como os
problemas metodolgicos e tericos colocados pelos prprios dados aquisicionais tm, no
raro, levado tanto a psicologia, (sobretudo cognitiva) como prpria lingustica, a repensarem
seus mtodos e a se renovarem (SCARPA, 2001, p.205).
De acordo com a pesquisadora, a rea recobre muitas subreas, cada uma formando um
campo prprio de estudos, a saber:
A) aquisio da lngua materna, tanto normal, quanto com desvios, recobrindo os
componentes tradicionais dos estudos da linguagem, como fonologia, semntica e
pragmtica, sintaxe e morfologia, aspectos comunicativos, interativos e discursivos daaquisio da lngua materna. Sob a gide de desvios, contam-se aquisio da linguagem em
surdos, desvios articulatrios, retardos mentais e especficos da linguagem etc.;
B) aquisio de segunda lngua quer como bilinguismo infantil ou cultural, quer na
verificao dos processos pelos quais se d a aquisio de segunda lngua entre adultos e
crianas, seja em situao formal escolar, seja informal de imerso lingustica;
C) aquisio da escrita, letramento, processos de alfabetizao, relao entre fala e escrita,
entre sujeito e a escrita nesse processo, etc. (SCARPA, 2001, p.205-206).
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Quanto s abordagens tericas sobre aquisio da linguagem, essa autora elucida que estas
surgiram no final da dcada de 1950, quando os estudos sobre processos e mecanismos de
aquisio da linguagem, tomaram um grande impulso, isso a partir dos trabalhos do linguista
Noam Chomsky. Naquela poca, o quadro cientfico era dominado pela corrente behaviorista
ou ambientalista nas teorias da aprendizagem. A aprendizagem da linguagem seria fator de
exposio ao meio e decorrente de mecanismos comportamentais como reforo, estmulo,
resposta. Assim, aprender a lngua materna no seria diferente em essncia, da aquisio de
outras habilidades e comportamentos como andar de bicicleta, danar, etc.
Skinner (1957, apudScarpa, 2001, p. 206), psiclogo cujo trabalho foi o mais influente no
behaviorismo, parte tanto de pressupostos metodolgicos (com nfase nas observaes demanifestaes comportamentais externas mensurveis da aprendizagem), quanto terico
epistemolgico (com a premissa da inacessibilidade mente para se estudar o conhecimento,
postura contrria mentalista e idealista nas cincias humanas), que propem, ento,
enquadrar a linguagem (ou comportamento verbal) na sucesso e contingncia de mecanismo
de estmulo - resposta - reforo, que explicam o condicionamento e que esto na base da
estrutura do comportamento.
Chomsky (apudScarpa, 2001, p. 206) adota uma postura inatista na considerao do processo
por meio do qual o ser humano adquire a linguagem. Essa linguagem especfica da espcie,
dotao gentica e no um conjunto de comportamentos verbais seria adquirido como
resultado do desencadear de um dispositivo inato, inscrito na mente. Em 195913 tornou-se
famosa a polmica criada pela publicao da resenha de autoria de Chomsky: comportamento
verbal: nela o jovem linguista posiciona-se contra a viso ambientalista de aprendizagem da
linguagem. Chomsky comea rejeitando a projeo das evidencias skinnerianas, provenientes
de experimentos laboratoriais com animais para a linguagem humana.
A autora exemplifica um dos argumentos bsicos de Chomsky que : num tempo bastante
curto (mais ou menos dos 18 aos 24 meses) a criana que exposta normalmente a uma fala
precria, fragmentada, cheias de frases truncadas ou incompletas, capaz de dominar um
conjunto complexo de regras ou princpios bsicos que constituem a gramtica internalizada
do falante.
13A autora aconselha que os interessados se aprofundem melhor nesses trabalhos pioneiros que d uma passadade olhos em Skinner (1957) e em Chomsky (1959), segundo Scarpa, este ltimo contribuiu para lanar Chomskyno debate cientifico.
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Scarpa (2001, p. 208) conclui que, no processo de aquisio da linguagem, a criana exposta
a um input (conjunto de sentenas ouvidas no contexto), sendo o outputum sistema de regras
para a linguagem do adulto, a gramtica de uma determinada lngua (L1). As colocaes
inatistas de Chomsky suscitaram uma srie de estudos a partir dos anos 1960, que se
concentraram, sobretudo, na chamada fase sinttica, onde a prioridade de anlise pendeu para
o estudo da aquisio da gramtica da criana por volta do seu segundo ano de vida, quando a
criana j comea a produzir enunciados de mais de uma palavra.
Esses trabalhos foram criticados por duas vertentes tericas que, junto com os trabalhos
gerativistas, tem norteado os estudos na rea. A ideia de que a aquisio e o desenvolvimento
da linguagem so derivados do desenvolvimento do raciocnio na criana contesta aautonomia do chamado mecanismo de aquisio da linguagem ou da GU14como domnio do
conhecimento lingustico. Em outras palavras, a aquisio da linguagem depende do
desenvolvimento da inteligncia da criana.
Perroni (1994 apud Santana 2007, p.57) estudou o desenvolvimento discursivo de duas
crianas gmeas, um menino e uma menina, e identificou diferenas que no poderiam ser
explicadas nem pela idade nem pelo ambiente social. No menino, predominava o discurso
argumentativo/explicativo com abundancia de construes com por qus, algo ausente nos
dados da menina, que apresentavam predominncia de discursos narrativos.
Abaurre (1996), ao discutir o trabalho de Perroni, afirma que para explicar o diferente
desenvolvimento linguistico dos gmeos, no tocante ao uso de gneros distintos do
discurso,teria de se considerar a singularidade dos sujeitos e a sua maneira particular de
interagir com a linguagem e com seus interlocutores.
A abordagem Cognitista-Construtivista ou epigentica15 foi desenvolvida com base nos
estudos do epistemlogo suo Jean Piaget, segundo o qual o aparecimento da linguagem se
d na superao do estgio sensrio-motor por volta dos 18 meses. Nesse estgio de
desenvolvimento cognitivo numa espcie de Revoluo Coperniciana usando as palavras do
prprio Piaget (1979), d-se o desenvolvimento da funo simblica, por meio da qual um
14GU. Gramtica Universal: Teoria Chomskyana de que a criana traz uma grande quantidade de informaessem que ningum lhe fornea.15Estas duas denominaes evocam a proposta de explicao da origem e do desenvolvimento das estruturas doconhecimento cognitivos pela interao entre ambiente e organismo.
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significante (ou um sinal) pode representar um objeto significado, alm do desenvolvimento
da representao, pela qual a experincia pode ser armazenada e recuperada. Essas duas
funes esto ligadas concomitantemente e colaboram para a superao do que Piaget chama
de egocentrismo radical, presente no perodo sensrio-motor, segundo o qual existe uma
indiferenciao entre sujeito e objeto ao ponto que o primeiro no se conhece nem mesmo
como fonte de suas aes. (SCARPA, 2001, p.210)
Nesse contexto, a linguagem vista por Piaget como um sistema simblico de representao,
contrapondo-se ao modelo inatista, a aquisio vista como resultado da interao entre o
ambiente e o organismo, atravs de assimilaes e acomodaes responsveis pelo
desenvolvimento da inteligncia em geral e no como resultado do desencadear de ummdulo ou um rgo especfico para a linguagem. Da se diz que a viso de Piaget sobre a
linguagem no modularista.
Ainda, de acordo com Scarpa (2001, p. 212), as pesquisas piagetianas floresceram nas
dcadas de 1970 e 1980. As crticas ao modelo piagetiano, que criaram fora nesse perodo,
basearam-se na interpretao de que Piaget avaliou mal e subestimou o papel do social e das
outras pessoas no desenvolvimento da criana, pois um modelo interativo social se fazia
necessrio para explicar o desenvolvimento nos primeiros dois anos; modelo esse que desse
conta de como a criana e seu interlocutor exploram os fenmenos fsicos e sociais.
A partir da que surgiram nas elaboraes ocidentais as propostas de Vygotsky, para melhor
dar conta do alcance social da aquisio da linguagem. A grande influncia do psiclogo
sovitico nos estudos de aquisio da linguagem surgiu a partir dos anos 1970, no bojo dos
questionamentos ao inatismo chomskyano e como alternativa ao cognitivismo construtivista
piagetiano. De orientao construtivista como Piaget, explica, porm o desenvolvimento da
linguagem (e do pensamento) como tendo origens sociais, externas nas trocas comunicativas
entre a criana e o adulto.
Vygotsky (1984) parte do princpio de que os estudiosos separam o estudo da origem e
desenvolvimento da fala do estudo da origem do pensamento prtico na criana. Em outras
palavras, o estudo do uso dos instrumentos tem sido isolado do uso dos signos. Vygotsky
prope o contrrio, fala e pensamento prtico devem ser estudados sob um mesmo prisma; eatribui atividade simblica, viabilizada pela fala, uma funo organizadora do pensamento:
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com a ajuda da fala, a criana comea a controlar o ambiente e o prprio comportamento.
Para o psiclogo, o processo de internalizao uma reconstruo interna de uma operao
externa: mas diferentemente de Piaget, para a internalizao de uma operao deve concorrer
a atividade mediada pelo outro, j que o sucesso da internalizao vai depender da reao de
outras pessoas. Assim que, entre criana e ao com o mundo, existe a mediao atravs do
outro. (SCARPA 2001, p.213).
Diante de tantas informaes e indagaes sobre aquisio da linguagem Scarpa (2001, p.
219), escreve a respeito da dificuldade em dominar uma segunda lngua em idade adulta,
ainda mais em situao formal escolar. Nas palavras da autora, por mais brilhante e
esforado que seja o aprendiz, [...] sempre fica na sua fala certas construes gramaticais mal-ajambradas, erros fossilizados, ou mais certamente um sotaque estranho aos ouvidos dos
falantes nativos. Segundo Pinker (1994), o sucesso total em aprender uma segunda lngua em
idade adulta, ainda mais em situao de sala de aula, existe, mas raro e depende de puro
talento.
No decorrer dessas discusses, Lenneberg (1967, apud Scarpa 2001, p.220) buscou bases
biolgicas para argumentar em favor do perodo crtico para aquisio da linguagem:
Entre dois e trs anos de idade, a linguagem emerge atravs da interao entrematurao e aprendizado pr-programado. Entre os trs anos de idade e aadolescncia, a possibilidade de aquisio primria da linguagem continua a ser boa;o individuo parece ser mais sensvel a estmulos durante este perodo e preservarcerta flexibilidade inata para a organizao de funes cerebrais para levar a cabo acomplexa integrao de subprocessos necessrios adequada elaborao da fala e dalinguagem. Depois da puberdade, a capacidade de auto-organizao e ajuste sdemandas psicolgicas do comportamento verbal declinam rapidamente. O crebrocomporta-se como se tivesse se fixado daquela maneira e as habilidades primrias ebsicas no adquiridas at ento geralmente permanecem deficientes at o fim da
vida.
Pinker (1994, apudScarpa 2001. p.221) afirma que a aquisio de uma linguagem normal
garantida at a idade de seis anos, comprometida entre seis at pouco depois da puberdade, e
rara da para frente. Este autor chega a especular que o perodo crtico se explica por
mudanas maturacionais no crebro, tais como o declnio da taxa de metabolismo no crebro
e do nmero de neurnios durante a idade escolar e da diminuio do metabolismo e do
nmero de sinapses cerebrais na adolescncia.
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Na literatura encontramos relatos de crianas que foram isoladas do contato humano durante a
infncia. Algumas delas foram abandonadas pelos pais em florestas- as chamadas crianas
selvagens como o caso e Kasper Huser, de Vitor (o menino selvagem de Aveyron), de Genie
e de Isabelle.
Quando trabalham a noo de idade crtica, vrios pesquisadores citam o caso de Genie, uma
menina que foi privada de relacionamentos com qualquer pessoa at os 13anos. Genie
aprendeu a falar, mas possua dificuldades na sintaxe e na fonologia. Para Newport (1990) e
Newport e Johnson (1999), esse fato comprova a hiptese do perodo crtico, j que h um
dficit de competncia linguistica, em particular na sintaxe para adquirir a linguagem aps a
infncia (Santana 2007, p.59).
De acordo com Scarpa, desde que nasce a criana j inserida num mundo simblico, em que
a fala do outro a interpreta e lhe imprime significado. Por outro lado, segundo alguns
trabalhos, com alguns dias de vida, a criana tem uma reao positiva aos sons da fala, que
lhes so confortadores e gratificantes. A partir de algumas semanas de vida, a criana j
consegue discriminar a fala de outros sons, rtmicos ou no. Com 3 a 4 meses de idade os
bebs comeam a balbuciar sequncias de sons que se aproximam da fala humana. A
frequncia do balbucio aumenta e este comea a ser cada vez mais padronizado at cerca de
10 meses. O ritmo, a entonao, a intensidade, a durao da fala, que no incio so
assistemticos, comeam a ser recorrentes e estruturados. E segue afirmando que,
aparentemente, os sons que a criana balbucia no comeo so universais; os sons do balbucio
inicial no so especficos de sua lngua materna. As crianas surdas conseguem balbuciar
nesta fase, embora, depois disso, no acompanhem o desenvolvimento normal da criana
ouvinte. Alguns trabalhos apontam para os processos dialgicos que se instauram j nessa
fase. A contribuio da criana gestual e vocal; a do adulto, gestual e lingustica, atravs da
ao e da ateno partilhadas (SCARPA, 2001, p.225).
2.1. Desenvolvimento de Linguagem da Criana Surda na perspectiva bilngue
Fernandes e Correia (2008, p.18), afirmam que a capacidade humana de significao se
apresenta como uma competncia especfica para a operao, produo e decodificao dos
signos, permitindo, atravs dessa faculdade, a produo dos significados. De acordo com osautores, esta constatao infere aquisio da lngua um lugar privilegiado no apenas no que
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se refere ao processo de comunicao, mas tambm ao desenvolvimento cognitivo. Afirmam,
ainda, que atravs da aquisio de um sistema simblico, como o da lngua, o ser humano
descobre novas formas de pensamento, transformando sua concepo de mundo. Desse modo,
torna-se bastante claro, segundo os autores, que propiciar pessoa surda a exposio a uma
lngua seja oral ou gestual o mais cedo possvel, obedecendo s fases naturais de sua
aquisio fundamental ao seu desenvolvimento social e cognitivo.
Os autores insistem que apenas o domnio de uma lngua adquirida em sua totalidade e
fluncia permite ao ser humano a captao dos signos, a produo de novos signos, da
combinao entre novos signos e novos sentidos para o signo em jogo, no apenas no
processo de comunicao como no processo cognitivo. Assim, admitir tais recursosinstrumentais em uma criana surda privada da Lngua Brasileira de Sinais como sua primeira
lngua e apenas aprendiz da lngua portuguesa equivale a desconhecer os caminhos bsicos da
aquisio de uma lngua e, consequentemente, priv-la de seu direito a ter a sua disposio os
caminhos naturais a seu desenvolvimento.
Para Quadros (1997, p.1), as pesquisas sobre a aquisio da linguagem avanaram muito a
partir dos anos de 1960. Os estudos envolvendo a anlise do processo de aquisio de vrias
crianas comearam a indicar a universalidade desse processo (Fletcher & Garman, 1986;
Ingram, 1989; Slobim, 1986 apud Quadros, 1997). O estudo da Lngua de Sinais Americana
ASL comeou exatamente neste mesmo perodo, atravs de uma descrio realizada por
Willian Stokoe, publicada em 1965 pela primeira vez (Stokoe et alli, 1976). Esse trabalho
representou uma revoluo social e lingustica; a partir dessa obra, vrias outras pesquisas
foram publicadas apresentando perspectivas completamente diferentes do estatuto das lnguas
de sinais.
No Brasil, a Libras comeou a ser investigada na dcada de 1980 (FERREIRA-BRITO, 1986)
e a aquisio da Libras nos anos 90 (KARNOPP,1994; QUADROS, 1995).
Todos esses estudos concluram que o processo das crianas surdas adquirindo lngua de
sinais ocorre em perodo anlogo aquisio da linguagem em crianas adquirindo uma
lngua oral-auditiva. Assim sendo, mais uma vez, os estudos de aquisio da linguagem
indicam universais lingusticos. O fato de o processo ser concretizado atravs de lnguasvisual-espacial, garantindo que a faculdade da linguagem se desenvolve em crianas surdas,
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exige uma mudana nas formas como esse processo vem sendo tratado na educao de surdos
(QUADROS, 1997, p. 2).
Nas pesquisas realizadas pela fonoaudiloga Klnia (2008), sobre a aquisio da linguagem, a
mesma afirma que dentro da proposta bilngue, a criana surda desenvolver a lngua de sinais
como sua primeira lngua. Alm dessa autora, Quadros (1997), tambm partilha da assertiva
de que esta anloga ao processo de aquisio das lnguas faladas, sendo subdividida nos
perodos:
a) Pr-lingustico: nos bebs surdos foram detectadas duas formas de balbucio manual: o
balbucio silbico e a gesticulao. O primeiro apresenta combinaes que fazem parte dosistema fontico das lnguas de sinais, ao contrrio do segundo, que no apresenta
organizao interna. As vocalizaes nos bebs surdos so interrompidas assim como as
produes manuais nos bebs ouvintes, pois o inputfavorece o desenvolvimento de um dos
modos de balbuciar;
b)Estgio de um sinal:inicia por volta dos 12 meses e percorre um perodo at por volta dos
dois anos. Quando a criana entra nesse estgio, o uso da apontao desaparece. Petitto (1987)
sugeriu que parece ocorrer uma reorganizao bsica em que a criana muda o conceito da
apontao inicialmente gestual (pr-lingustica) para visualiz-la como elemento do sistema
gramatical da lngua de sinais (lingustico);
c) Estgio das primeiras combinaes: ocorre por volta dos dois anos. Iniciam o uso do
sistema pronominal, mas de forma inconsistente. De acordo com alguns autores a ordem
usada pelas crianas surdas durante esse estgio substantivo-verbo (SV), Verbo-objeto (VO)
ou ainda, num perodo subsequente, substantivo-verbo-objeto (SVO);
d) Estgios das mltiplas combinaes: ocorre por volta dos 2 anos e meio a 3 anos, as
crianas surdas apresentam a chamada exploso de vocabulrio. O domnio completo dos
recursos morfolgicos da lngua totalmente adquirido por volta dos 5 anos. Dos 3 anos em
diante, as crianas comeam a usar o sistema pronominal com referentes no presentes no
contexto do discurso, mas ainda apresentam erros.
De acordo com Goldfeld (1997, p. 53),
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A linguagem possui, alm da funo comunicativa, a funo de constituir opensamento. O processo pelo qual a criana adquire a linguagem, segundoVygotsky, segue o sentido do exterior para o interior, do meio social para oindivduo. Esta viso compartilhada por Bakhtin, que afirma ser a linguagem, ossignos mediadores entre a ideologia e a conscincia.
Esta afirmao tem grande relevncia para o estudo do desenvolvimento da criana, marcando
a importncia das relaes sociais e lingusticas na constituio do indivduo e apontando o
meio social como foco de anlise nos casos de atraso de linguagem em crianas. Trazendo
essas afirmaes para o contexto do surdo, percebe-se que os problemas comunicativos e
cognitivos da criana surda no tm origem na criana e sim no meio social em que ela est
inserida, que frequentemente no adequado, ou seja, no utiliza uma lngua por meio da qual
esta criana tenha condio de adquirir de forma espontnea a lngua de sinais (GOLDFELD,1997, p.53).
A autora concorda com a afirmao de Karnopp (2005), quanto ao fato de que a lngua de
sinais uma lngua natural, pois estudos da aquisio da linguagem revelam uma semelhana
no processo de aquisio dos sinais comparados com a aquisio da fala nas lnguas orais.
praticamente impossvel ao surdo falar de forma natural, tendo em vista o bloqueio sensorial
em relao ao input lingustico sonoro que o circunda. Por outro lado, crianas surdas
expostas lngua de sinais adquirem de forma natural tal lngua, da mesma forma que as
crianas ouvintes de forma espontnea adquirem uma lngua oral. Elas comeam a produzir
sinais, mais ou menos na mesma idade em que as crianas ouvintes comeam a falar, e
atravessam os mesmos estgios de desenvolvimento lingustico das lnguas naturais. Portanto,
se a lngua universal no sentido de que todos os seres humanos possuem a capacidade para
adquirir uma lngua, no surpreendente que as lnguas de sinais se desenvolvam entre
pessoas surdas.
Considerando os aspectos universais das lnguas humanas, natural que surdos expostos s
lnguas de sinais apresentem um paralelo em relao aos estgios de aquisio das lnguas
orais. Crianas surdas inicialmente balbuciam com as mos, comeam ento a produzir
enunciados com um nico sinal, enunciados de dois sinais e, em seguida, combinam sinais,
formando sentenas simples (KLENIA, 2008, p.15).
De acordo com Lacerda (2000, p. 90), a lngua de sinais permite o restabelecimento destacomunicao efetiva, que a base para todo o desenvolvimento da linguagem da criana. Em
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verdade, com a lngua de sinais partimos daquilo que positivo na criana: sua capacidade de
falar por meio de um modo visual; pelo reconhecimento desta capacidade que lhe ser
dada a fala vocal. A ausncia dessa fala oral, no ser o ponto de partida para nossa ao
educativa. Vemos a criana surda dentro daquilo que ela : um ser lingustico inteiramente e
que pode satisfazer todos os seus desejos de sujeito falante por intermdio de um modo visual.
O individuo bilngue , na verdade, um agente que usa e atualiza dois sistemas de linguagem.
Desse modo, podemos entender a importncia da lngua de sinais como sistema simblico
especfico para o indivduo surdo, que atravs de signos de natureza gestual, espacial e visual,
melhor traduzem os processos de percepo e apreenso da experincia da criana surda,
desprovida da capacidade de escutar os sons da linguagem verbal articulada e aprend-la deforma natural, ou melhor, atravs de processos de aquisio prprios a um ouvinte.
3. A Lingustica Aplicada
A Lingustica Aplicada (LA) constitui-se um dos aportes tericos no que se refere aos
processos de aquisio de lnguas em contexto bilingue; ou seja, na esteira da LA tratamos do
processo ensino-aprendizagem e das questes relacionadas utilizao da lngua materna (a
Libras) na sala de aula, bem como se d o ensino-aprendizagem da L2. Este mediado pela
L1 do surdo?
Moita Lopes (1996, p. 20), conceitua a disciplina LA como uma cincia social, uma vez que
seu foco volta-se para problemas de uso da linguagem enfrentados pelos participantes do
discurso no contexto social, isto , usurios da linguagem (leitores, escritores falantes,
ouvintes) dentro do meio ensino-aprendizagem e fora dele (por exemplo, em empresa, no
consultrio mdico, etc.).
Essas questes so importantes para nossa pesquisa medida que acompanhamos o trabalho
desenvolvido na sala de aula e, com o conhecimento de como ocorre esse processo de ensino-
aprendizagem, podemos, posteriormente, contribuir para que a escola veja o ensino de
segunda lngua para surdos, no caso a lngua portuguesa, com responsabilidade e
compromisso.
De acordo com Freire (1999, p.26), atravs da educao que o surdo poder ter acesso a um
avano social e profissional e, se a nica lngua utilizada na sua educao o portugus, tanto
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na modalidade oral quanto escrita, ento este aprendiz j tem automaticamente bloqueados
seus direitos como cidado brasileiro. Mas, segundo a autora, preciso ressaltar que a mesma
no est tratando o aluno surdo como um bloco, ao contrrio, a heterogeneidade o trao
marcante dessa realidade.
Para Freire, uma coisa inegvel, este aprendiz tem sido desafiado a aprender contedos
programticos em uma lngua, no caso o portugus, que ele na maioria dos casos no domina
e o resultado tem sido invariavelmente o fracasso, a frustrao, o isolamento social e o
abandono da escola por parte do aluno. Ressalta-se ainda que este no um problema apenas
do aprendiz surdo, mas de outros grupos minoritrios e, comprovadamente, o problema s foi
solucionado quando realisticamente a escola passou a levar em conta, no apenas os direitosdas comunidades afetadas, enquanto comunidades falantes de uma lngua materna, mas
tambm a realidade das comunidades educacionais, enfatizando-se a questo da formao do
corpo docente.
importante destacar que a formao e a capacitao do professor so essenciais no trabalho
de ensino de lnguas, pois como um profissional que no conhece as questes lingusticas da
lngua brasileira de sinais pode ensinar uma segunda lngua, no caso dos surdos, o professor
deve conhecer a estrutura da lngua brasileira de sinais da mesma forma que a da lngua
portuguesa, uma vez que elas apresentam no que se referem estrutura das lnguas naturais,
suas semelhanas e arbitrariedades. Apesar disso, comum chegarmos s escolas e nos
depararmos com professores que esto mais inseguros que seus alunos surdos.
Nas palavras de Lane (1992, p.103, apudFernandes 1999, p.76), a educao o campo de
batalha onde as minorias lingusticas ganham ou perdem seus direitos, portanto, devemos
estar atentos para que muitas vezes em nome da igualdade de oportunidades em desigualdades
de condies, no estejamos fomentando a assimilao e a destruio das diferenas. Nesse
sentido, continua a autora, defendemos a idia de que a interlngua16produzida pelos surdos
no seja ignorada em seu processo de aprendizagem do portugus, mas sim considerada como
parte de um percurso de aquisio de uma segunda lngua que tem no ponto de partida sua
lngua natural.
16Interlngua: o sistema de transio criado pelo indivduo ao longo de seu processo de assimilao de umalngua, ou seja, a linguagem produzida a partir do inicio do aprendizado at o aluno ter alcanado seu teto nalngua estrangeira. (SCHUTZ, R. Online, apudBrochado 2003, p.56)
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Para John Steiner (1985, apud Castro 2004, p.150), o aprendiz de segunda lngua est, na
verdade, aprendendo novas formas lingusticas, isto , formas de um novo cdigo lingustico
para um antigo sistema de significados de sua lngua materna. Para o aprendiz o processo
psicolgico de desenvolvimento da segunda lngua tem, ento, consequncias afetivas,
cognitivas e sociais.
normal que o aluno iniciante enfrente cognitivamente uma desorientao, pois o confronto
entre as lnguas a serem aprendidas realmente complexode um lado uma lngua centrada
na oralidade, do lado oposto outra lngua, no caso do surdo uma lngua visuoespacial, que a
maioria das pessoas acha que so gestos, mmicas e que no conseguem se comunicar com
estes sujeitos surdos e isso acaba por desnorte-los, contribuindo assim para que desistam daescola, talvez essa seja uma das razes para encontrarmos tantos surdos fora do contexto
escolar.
Para Quadros (2008, p.29), o fato de a lngua de sinais ser adquirida pelos surdos de forma
assistemtica, ou seja, de forma espontnea diante do encontro surdo-surdo17 assim como
acontece a aquisio de quaisquer outras lnguas por outros falantes de outros grupos sociais,
caracteriza o processo de aquisio da linguagem em sua plenitude. Este fato tambm implica
rever o processo de aquisio da lngua majoritria falada no pas, no caso do Brasil, da lngua
portuguesa, uma vez que esta acontece por meio do ensino. A maioria dos surdos cresce em
famlias de pais que falam e ouvem o portugus e no adquirem esta lngua (apesar de estarem
imersos)18.
Os prprios surdos reclamam da dificuldade de aprender a lngua portuguesa, pois eles tm
conscincia de que as bocas das pessoas se movimentando expressam pensamentos e idias;
mas, mesmo havendo tal percepo, no compreendem essa lngua. Em alguns casos passam
por processos teraputicos intensos e chegam a adquirir a lngua portuguesa, mas de forma
assistemtica e limitada (QUADROS, 2008, p.30).
17Este encontro um elemento chave para o modo de produo cultural ou de identidade, pois implica umimpacto na vida interior, lembrando a centralidade da cultura na construo da subjetividade do sujeito surdona construo de identidade como pessoa e como agente pessoal (Miranda 2001 apud Quadros 2008, p.30)18Refere-se a estar junto, convivendo com falantes da lngua portuguesa, no caso do surdo ele no tem acessoreal lngua, por ser oral-auditiva, no h imerso no sentido de estar em contato sistemtico com a lngua, poresse motivo, os surdos no adquirem a lngua portuguesa simplesmente convivendo com pessoas falantes deportugus.
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Para essa autora, as crianas surdas tem tido acesso Lngua Brasileira de Sinais tardiamente,
pois as escolas no oportunizam o encontro adulto surdo e criana surda. Elas encontram os
surdos adultos na fase da adolescncia, normalmente por acaso. Como diz Perlin (1998, p.54),
este encontro representa o encontro com o mundo, pois:
uma identidade subordinada com o semelhante surdo, como muitos surdosnarram. Ela se parece a um impara a questo de identidades cruzadas. Esse fato citado pelos surdos e particularmente sinalizado por uma mulher surda de 25 anos:aquilo no momento do meu encontro com os outros surdos era o igual que eu queria,tinha a comunicao que eu queria. Aquilo que identificavam eles identificavam amim tambm e fazia ser eu mesma igual. O encontro surdo-surdo essencial para aconstruo da identidade surda, como abrir o ba que guarda os adornos quefaltam ao personagem.
A autora afirma que, este contexto bilngue completamente atpico de outros contextos
bilngues estudados, uma vez que envolve modalidades de lnguas diferentes. Descobrir laos
de tais cruzamentos e as fronteiras que so estabelecidas desafiador tanto para os surdos
quanto para os ouvintes envolvidos. O Brasil, ao aderir a Declarao Mundial de Educao
para Todos, em 1990, fez a opo pela construo de um sistema educacional inclusivo,
reafirmando esse compromisso na Declarao de Salamanca (UNESCO, 1994) e,
recentemente, com a participao efetiva no processo de construo da Conveno sobre os
Direitos das Pessoas com Deficincia, coordenada pela ONU, em dezembro de 2006.
O lanamento da Constituio Federal de 198819 significou um grande avano em termos
educacionais no Brasil, pois respalda e prope avanos significativos para a educao escolar,
elege a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Somente esta Lei seria suficiente para que
as instituies escolares passassem a repensar a educao como um direito inegvel a todos,
independentemente de suas deficincias. Porm, em 1996 o Brasil passou a ter uma Lei
exclusiva para educao que a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB, de1996), que no s garante o acesso e permanncia na escola, mas acrescenta que dever do
Estado prover o acesso destes educando preferencialmente nas escolas pblicas. A partir desta
interpretao legal possvel notar que estamos vivendo uma nova era educacional.
19(art.1, incisos II e III) como um dos seus objetivos fundamentais: a promoo do bem de todos, sempre
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