Mestrado em Economia e Administração de Empresas
Mudança Organizacional
Introspeção sobre mudança da cultura
organizacional à luz da crise no Banco Espírito
Santo, S.A.
Cláudio Carvalho ‐ n.º mecanográfico 200500442
Porto, junho de 2015
i
Venho, por este meio, declarar que o presente trabalho é da minha autoria e não foi utilizado
previamente noutro ciclo de estudos ou unidade curricular, desta ou de outra instituição. As
referências a autores terceiros respeitam as normas da referenciação e encontram‐se
devidamente indicadas no decorrer do texto e na listagem das referências bibliográficas.
____________________________________________
Cláudio Daniel da Silva Carvalho
ii
iii
Resumo
As organizações são hoje vistas como meios com histórias, mitos, folclore, emoções, rituais
e cerimónias. A cultura destas é social e historicamente construída resultando num sistema de
crenças, normas e expectativas que moldam o pensamento e comportamento dos indivíduos.
Neste sentido, neste documento sugere‐se que as responsabilidades da crise do Banco Espírito
Santo (BES) poderão ter assentado mais na sua cultura organizacional do que tão‐somente numa
"maçã podre". O documento evidencia que a cultura não é só uma variável passível de alteração,
mas a cultura é também uma metáfora ("as organizações são"), pelo que há que atender ao
paradigma, símbolos, rotinas, rituais, histórias e mitos passados. Esta necessidade é sobretudo
patente no caso de estudo do ex‐BES/atual Novo Banco. Assim, ainda que seja bastante difícil
alterar a cultura organizacional (que terá propiciado a crise que se conhece), há que procurar
adotar uma abordagem incremental de everyday reframing e com foco em aspetos mais
complexos e dinâmicos da organização. Este trabalho tem uma perspetiva cética quando ao
paradigma managerialista de mudança planeada aparentemente adotado na resolução da crise
no BES. Por conseguinte, procura‐se sensibilizar para a importância de combinar a perspetiva
planeada com a perspetiva emergente da mudança e de envolver o global com o local. Por
inerência, procura‐se alertar para a necessidade de envolver vários stakeholders no processo de
mudança da cultura organizacional, assim como para a relevância de averiguar como as pessoas
se entendem a si próprias e como estas se relacionam com as iniciativas de mudança.
Concomitantemente, há que ter cautela quanto ao horizonte temporal da resolução efetiva,
visto que a mudança cultural é um processo lento mas central no sucesso da operação de fusão
e aquisição (F&A). Neste documento é também sugerido que a estratégia de absorção é a melhor
decisão de integração no processo de F&A, à luz do conceito estudado. Finalmente, efetua‐se
uma breve referência aos equívocos da mudança cultural à luz do caso de estudo, apresentando
sugestões para os evitar ou mitigar. Das várias conclusões deste caso de estudo, destaca‐se o
facto da cultura organizacional do ex‐BES poder ter estado na origem da crise, a possibilidade
da cultura organizacional de outros bancos poder potenciar crises similares e a necessidade de
alterar o paradigma de mudança de cultura planeada adotado até ao momento, para um
paradigma em que coexistam as duas perspetivas (mudança planeada e mudança emergente).
Palavras‐chave: mudança organizacional, cultura organizacional, Banco Espírito Santo, Grupo Espírito Santo.
Sistema de classificação JEL: M14 ‐ Corporate Culture, Diversity, Social Responsibility; L29 ‐ Firm Objectives, Organization, and Behavior (Other).
iv
Lista de abreviaturas/siglas
BdP ‐ Banco de Portugal
BES ‐ Banco Espírito Santo, S.A.
CMVM ‐ Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
CPIBES ‐ Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão do BES e do GES
F&A ‐ Fusão e Aquisição ou Fusões e Aquisições (utilizados indistintamente)
GES ‐ Grupo Espírito Santo
Lista de abreviaturas em latim
e.g. – exempli gratia (por exemplo)
i.e. – id est (isto é; ou seja)
vd. – vide (ver)
v.g. – verbi gratia (por exemplo)
v
Índice de conteúdos
Resumo ................................................................................................................................... iii
Lista de abreviaturas/siglas ..................................................................................................... iv
Lista de abreviaturas em latim ................................................................................................ iv
Índice de figuras ....................................................................................................................... v
Introdução ................................................................................................................................ 1
Análise à luz da mudança da cultura organizacional ............................................................... 2
As origens da crise: “maçã podre” ou problema de cultura organizacional? ...................... 2
A alteração do BES para “Novo Banco” e a mudança na cultura organizacional ................ 5
Equívocos da mudança cultural à luz do caso de estudo em causa ................................... 10
O “Novo Banco” enquanto banco de transição, a estratégia corporativa futura e a mudança
na cultura organizacional ........................................................................................................ 13
Conclusões ............................................................................................................................. 15
Referências bibliográficas ...................................................................................................... 17
Índice de figuras
Figura 1: Influência cultural no desenvolvimento da estratégia. ............................................. 7
Figura 2: Matriz de integração em processos de F&A. Fonte: Johnson et al. (2014, p. 339) 14
1
Introdução
No âmbito da unidade curricular de Mudança Organizacional do Mestrado em Economia
e Administração de Empresas da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, apresenta‐
se este documento que consubstancia uma introspeção sobre o conceito de "mudança da
cultura organizacional" à luz da crise no "Banco Espírito Santo, S.A." (doravante, apenas “BES”)
e consequente transferência da generalidade da sua atividade para o "Novo Banco, S.A.”
(doravante, designado de “Novo Banco”). Não pertencendo o autor aos quadros da empresa em
causa, nem tendo qualquer relação assente em colaboração, esta análise assenta numa
perspetiva estritamente externa. Apesar do distanciamento e das conceções pessoais que o
autor possa possuir, este documento procura efetuar uma análise tão científica quanto possível,
mas ainda assim apresenta‐se uma análise que não está desprovida de sentido crítico.
Depois uma caracterização sintética do conceito de "cultura organizacional", no
primeiro subcapítulo abordar‐se‐ão as origens da crise e se estas residem num único responsável
ou pequeno grupo de responsáveis ou residem num problema de cultura organizacional. De
seguida, aborda‐se o conceito de cultura e mudança organizacional à luz da alteração do BES
para "Novo Banco". O terceiro subcapítulo aborda os equívocos da mudança cultural à luz do
caso de estudo em causa. O quarto subcapítulo lança uma perspetiva sobre o horizonte futuro
do "Novo Banco" inserido num processo de fusão e aquisição, relacionando‐o com o conceito
de cultura organizacional.
Este trabalho é totalmente original, contudo importa referir que trata‐se de um olhar
mais aprofundado quanto à crise no BES. Para efeitos da unidade curricular de Governo da
Empresa do mesmo Mestrado, o autor deste documento académico já havia estudado a crise
do BES na perspetiva dos conflitos de agência e da aplicação das recomendações de governo
societário de diversas personalidades e entidades.1 Desta feita, este relatório incide na cultura
organizacional da empresa e do grupo empresarial do qual faz parte e relaciona‐o, de forma
apenas sumária, com os conceitos associados à governação das sociedades.
Concomitantemente, também de forma inovadora, aqui aborda‐se a transição para o Novo
Banco e as futuras transições à luz dos conceitos da unidade curricular de Mudança
Organizacional.
1 O trabalho em causa pode ser consultado em http://claudiocarvalho.pt/estudo‐de‐caso‐sobre‐o‐
corporate‐governance‐do‐banco‐espirito‐santo‐s‐a/.
2
Análise à luz da mudança da cultura organizacional
A cultura empresarial ou corporativa tornou‐se um conceito popular em estudos
organizacionais na década de 80 e, particularmente, devido ao sucesso de empresas japonesas.
As organizações deixaram de ser vistas como burocracias weberianas para passarem a ser vistas
como meios com histórias, mitos, folclore, emoções, rituais e cerimónias. (Gabriel 2008, p. 56)
Pina e Cunha et al. (2007) definem cultura organizacional "como um conjunto de valores
e práticas definidas e desenvolvidos pela organização, com base nos quais é socialmente
construído um sistema de crenças, normas e expectativas que moldam o pensamento e o
comportamento dos indivíduos" (p. 636). Os autores acrescentam que as práticas supra
referidas ainda que sejam específicas de cada organização, na generalidade, são também
compatíveis com os valores dominantes no contexto externo, nomeadamente no domínio
regional e nacional. Daqui decorre que a cultura organizacional tem cariz multidimensional,
podendo ser analisada nos seguintes níveis: individual, grupal, organizacional e nacional.
Importa, também, salientar outras características como o facto de possuírem influência
histórica, um alcance coletivo, um caráter dinâmico e por ser algo que pode ser aprendido e
partilhado (Pina e Cunha et al. 2007, p. 638). Os mesmos autores realçam ainda como
características a regularidade nacional e a existência de elementos invisíveis e subjetivos, para
lá dos elementos objetivos e visíveis.
Daqui resultam, desde logo, seis pontos (divididos por quatro subcapítulos) relevantes
para abordar a temática a que o autor deste documento de cariz académico se propõe.
As origens da crise: “maçã podre” ou problema de cultura organizacional?
O primeiro ponto foca‐se nas origens da crise. Poder‐se‐á acreditar que a crise no BES e
no Grupo Espírito Santo (GES) poderá ter sido criada por uma “maçã podre”? Ou terá sido – pelo
menos, em certa medida ‐ a cultura organizacional do BES e do GES que terá propiciado ou
potenciado a crise?
Se, como se referiu acima, a cultura organizacional é socialmente construída e é
desenvolvida coletiva e historicamente ‐ i.e. a cultura é criada coletivamente e as organizações
têm e são culturas, vd. Pina e Cunha et al. (2007, p. 638) ‐ será pouco crível acreditar que a culpa
da "prática de atos de gestão gravemente prejudiciais aos interesses do Banco Espírito Santo,
S.A. [e a culpa da] violação de determinações do Banco de Portugal que proibiam o aumento da
exposição a outras entidades do Grupo Espírito Santo" (BdP 2015) residia somente na
3
administração do BES ou tão só no ex‐Presidente da Comissão Executiva Ricardo Espírito Santo
Silva Salgado. Ainda que possa ser confortante acreditar que uma "maçã podre" ou uma fração
possa ter sido responsável por eventos destes (i.e. "maçãs podres" fazem maus barris ou cestos)
‐ perspetiva micro ‐, maus barris ou cestos também podem fazer "maçãs podres" ‐ perspetiva
macro ‐, como destacam Ashforth et al. (2008, p. 672 e 678). Não obstante, os mesmos autores
consideram que uma perspetiva mais profunda considera que as variáveis interagem dentro e
entre níveis de análise e esta perspetiva mais profunda é tida como de cariz mais processual.
Alinhados com esta posição, a título exemplificativo, Nielsen e Massa (2013, p. 143) consideram
que as causas da crise da grande recessão de 2008‐2009 foram muito mais do que meras causas
individuais (ou devido a "maçãs podres") e até muito mais do que apenas algumas organizações
com práticas incorretas (ou "maus barris" ou "maus cestos").
A corporate governance (também denominada por governo societário, governo da
sociedade, governo da empresa ou governança corporativa) abrange estruturas de autoridade
e estruturas de fiscalização ‐ internas e externas ‐ do exercício da sociedade para assegurar que
esta estabelece e concretiza eficaz e eficientemente atividades e relações contratuais alinhadas
com os fins privados com as quais foi criada, assim como para assegurar que são mantidas as
responsabilidades sociais associadas à existência da sociedade (Silva et al. 2006, p. 12). Alguns
dos elementos concretos são os mecanismos: (i) de votação e controlo da sociedade; (ii)
supervisão, administração e fiscalização (estando aqui incluídas matérias associadas à eficácia e
eficiência dos sistemas de gestão de risco e do sistema de controlo interno); (iii) remuneratórios;
(iv) de auditoria; (v) de prevenção de conflitos de interesses e transações com partes
relacionadas; (vi) de reporte ou de informação (CMVM 2013). Por outro lado, se se considerar
que a "rede cultural abrange artefactos ou subsistemas organizacionais como as assunções tidas
em comum e como garantidas no seio da organização (i.e. o paradigma), símbolos, estruturas
de poder, a estruturação organizacional, sistemas de controlo, rotinas e rituais e, ainda, histórias
e mitos (Johnson 1992, p. 31; Johnson et al. 2014, p. 155‐162), verifica‐se uma "interseção" entre
os conceitos de "cultura organizacional" e "corporate governance". Neste sentido, importa
destacar que o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão do BES e do GES
(doravante CPIBES) datado de 28 de abril de 2015, cujo deputado relator foi Pedro Saraiva,
detetou deficiências ao nível dos mecanismos ou estruturas de corporate governance referidos,
como, por exemplo, os mecanismos de fiscalização, estruturação organizacional e auditoria
(CPIBES 2015, p. 249) e ao nível dos conflitos de interesses (CPIBES 2015, p. 263). Portanto,
parece estar implícita a ideia de que a cultura organizacional proporcionou ou potenciou a crise
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conhecida. Não obstante, o mesmo relatório da CPIBES (2015) parece suportar ambas as
hipóteses de influência da cultura organizacional e a da afetação da "maçã podre":
"A gestão do GES, sobretudo na área financeira, mas igualmente na área não financeira, assentava num regime centralizado, essencialmente, na pessoa de Ricardo Salgado, que era profundo conhecedor, até ao detalhe, de tudo o que de mais relevante se passava no GES, tomando frequentemente decisões de forma unilateral, que eram depois comunicadas aos restantes ramos da família e estruturas de gestão; (...) Esta cultura organizacional nalguns casos decorre de um verdadeiro casamento conveniente, especialmente no que diz respeito a alguns membros da família Espírito Santo, por conjugar a sua passividade com um estilo de liderança autocrática exercido por Ricardo Salgado, concentrando em si mesmo informação e decisões que nem sempre eram partilhadas, ou só o eram de forma parcial junto de outros administradores ou responsáveis do GES; (...) Este estilo de gestão encontra tradução nos inúmeros cargos de presidência assumidos por Ricardo Salgado, no modo como eram conduzidas as reuniões do Conselho Superior do GES, do Conselho de Administração e da Comissão Executiva do BES, mas igualmente nas soluções de orgânica interna adotadas no BES, onde determinadas funções eram diretamente por ele tuteladas, ou ainda do seu envolvimento direto, sem ser através das correspondentes hierarquias ou por vezes sequer do seu conhecimento, em diferentes tipos de assuntos". (CPIBES 2015, p. 262)
Neste excerto estão também patentes diversas características da cultura organizacional
ou da referida rede cultural (culture web), nomeadamente quanto aos rituais e rotinas inerentes
ao GES e BES, quanto à estrutura de poder tida como autocrática e quanto à estrutura
organizacional tida como centralizada. Ou seja, uma cultura baseada no poder. Ademais, pode
ler‐se que "prevalecia portanto ao que tudo indica no GES uma cultura organizacional de
centralização das tomadas de decisão e onde eventuais divergências perante orientações
superiores não eram fáceis de assumir, pelas eventuais consequências que tal poderia
representar" (CPIBES 2015, p. 306). Ainda, assim, não parecem ser taxativas as referências que
suportam a hipótese da "maçã podre", visto que são também imputadas responsabilidades aos
gestores de conta na transação de determinados produtos financeiros, como o produto do
mercado monetário “papel comercial”. No CPIBES (2015), pode ler‐se que a comercialização de
tais produtos financeiros eram efetuados de forma "especialmente agressiva por diferentes
gestores de conta do BES, junto de diversos tipos de clientes, mesmo quando estes
apresentavam um perfil conservador ou muito conservador" (p. 384). Concomitantemente, para
lá das características referidas acima, perante este excerto, pode‐se verificar as rotinas e rituais
dos gestores de conta, assim como o paradigma de comercialização de produtos financeiros.
5
Este documento realça também a necessidade de criação de uma cultura de exigência, o que
reforça a necessidade de mudar o paradigma (CPIBES 2015, p. 400).
O exposto permite, à partida, afastar que as responsabilidades tenham origem numa
única fonte, uma "maçã podre", isto é, ao Presidente da Comissão Executiva do BES à altura. O
sistema de corporate governance e a própria cultura organizacional parecem ter tido uma
influência mais substantiva. Consequentemente, parece justo inferir que existem
responsabilidades partilhadas entre os stakeholders internos (i.e. acionistas, gestores de topo,
gestores intermédios e pessoas com responsabilidades mais operacionais como gestores de
conta), mas também externos (i.e. auditores externos e, eventualmente, reguladores). Daqui
resulta que um afastamento da hipótese da "maçã podre" e eventuais alterações das estruturas
de poder ou de estruturas organizacionais poderão não ditar propriamente o fim do paradigma
passado, dos rituais e rotinas, isto é, da cultura organizacional. Este será um ponto que se
analisará mais adiante de forma mais aprofundada.
A alteração do BES para “Novo Banco” e a mudança na cultura organizacional
O segundo ponto relaciona‐se com o exposto supra. O exposto também implica que a
alteração da designação da empresa para Novo Banco e da imagem comunicacional, ainda que
com algumas reestruturações nomeadamente na estrutura de ativos e no topo da estrutura
organizacional, terão pouco impacto efetivo. Isto suporta‐se no facto do Conselho de
Administração do Banco de Portugal ter deliberado a transferência de recursos humanos (e
demais recursos materiais para lá da generalidade dos ativos e passivos) do BES para o Novo
Banco (BdP 2014a), da cultura organizacional ser construída social e coletivamente e pelo facto
da cultura organizacional ser difícil de alterar, existindo uma "ancoragem" das pessoas às suas
ideias, valores e tradições. Tal matéria poderá ter importância acrescida se for verossímil a
acusação de que os gestores de conta do BES tiveram um comportamento ético condenável ou
até violaram disposições jurídicas‐legais aquando da comercialização de papel comercial das
holdings GES (Cavaleiro 2015; JN 2015), como referido. Tal poderá resultar num loop, ou seja,
existindo uma “ancoragem” das pessoas às suas ideias, valores e tradições, fruto da cultura
organizacional do BES que terá transitado para o “Novo Banco” poder‐se‐á dar uma repetição
dos acontecimentos. Poderá aceitar‐se questionar se tais práticas não se manterão mesmo, no
limite, afastando todos os gestores de conta. Este cenário “virtual” ou “ideal” mesmo
verificando‐se, não afasta a hipótese de loop, visto que não justifica a potencial passividade de
terceiros, nomeadamente de gestores intermédios ou de outros recursos humanos da empresa
ou de empresas do grupo.
6
Quanto ao terceiro ponto, como se referiu, se se efetuar uma análise ao contexto da
cultura organizacional do BES à luz de Johnson (1992, p. 31) e Johnson et al. (2014, p. 155‐162),
devem‐se considerar elementos como as assunções tidas em comum e como garantidas no seio
da organização (i.e. o paradigma), símbolos, estruturas de poder, a estruturação organizacional,
sistemas de controlo, rotinas e rituais e, ainda, histórias. A informação disponível e a visão
externa (e não interna) do autor deste documento não permitem uma análise detalhada neste
domínio, contudo, pode‐se identificar algumas diferenças na culture web do BES face ao Novo
Banco. Como já se referiu, existe uma alteração de símbolos, de determinadas estruturas de
poder e organizacionais, assim como – ao que tudo indica ‐ dos sistemas de controlo, todavia as
histórias, rotinas e rituais da empresa estão potencialmente bastante enraizadas. Até porque
importa alertar que o BES é uma instituição com origens que remetem para o século XIX, pelo
que naturalmente histórias, rotinas e rituais estarão fortemente enraizadas. Tal levanta dúvidas
quanto à eficácia da ação das entidades reguladoras, nomeadamente do Banco de Portugal,
visto que as ações parecem assentar sobretudo em medidas planeadas e à superfície,
removendo (as consideradas) “maçãs podres” e designações/símbolos (i.e. Banco Espírito
Santo). Além disso, a suposta intenção da CPIBES em criar uma “cultura de exigência” poderá
não passar de uma declaração de intenções não praticáveis. No entender do autor deste
documento, estas ações (e intenções) poderão ser escassas para evitar a repetição de novos
eventos similares, ainda que perante o desempenho conhecido do BES pareça ser efetivamente
necessário alterar‐se a cultura desta instituição, visto que esta propiciou ou potenciou a sua
crise (conforme suportado acima). Note‐se que, à luz de Johnson et al. (2014, p. 154‐155), a
mudança de cultura deve ser o terceiro passo depois de procurar estabelecer controlos mais
apertados (e de procurar melhorar a operacionalização da estratégia atual) e depois de
reconstruir ou desenvolver novas estratégicas (vd. figura 1).
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Figura 1: Influência cultural no desenvolvimento da estratégia.
Fonte: Johnson et al. (2014, p. 155).
Ainda que a crise do BES, pela gravidade da situação e potencial de risco sistémico, possa ter
suscitado inicialmente uma mudança de cariz mais top‐down e portanto uma mudança mais
disruptiva ou de rutura, para que a mudança seja eficaz e eficiente, existe a necessidade de
melhorias contínuas, incrementais e de cariz mais local (ou, em melhor rigor, conciliar o global
com o local). Ou seja, há a necessidade de conciliar a perspetiva da mudança planeada com a
perspetiva da mudança emergente, equilibrando o nível global com o nível local. A mudança
organizacional deve assentar num processo contínuo, sendo a mudança vista como o resultado
de decisões operacionais e administrativas e de ações tomadas diariamente por membros da
organização (Alvesson e Sveningsson 2008, p. 27). Este tipo de mudança na perspetiva
processual implica perceber o ambiente complexo e caótico de uma organização ‐ e,
particularmente do BES, ‐ procurando adaptar a empresa a consequências imprevistas como
resistências, processos políticos, ambiguidades, negociações e salvaguardar interpretações
diversas e maus entendimentos. A mudança planeada não salvaguarda estas consequências,
como referem Alvesson e Sveningsson (2008, p. 28). Este caso revela claramente a necessidade
de que "os gestores devem estruturar as suas intervenções de mudança em função (...) da
situação particular vivenciada pela própria organização e pelos elementos que a constituem"
(Pina e Cunha et al. 2007, p. 861), visto que só as intervenções desenhadas em função do
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contexto poderão ser eficazes. Há que perceber que as pessoas resistem à mudança, que a
tarefa é gerir a dinâmica e não as peças e que as pessoas não podem ser geridas como se se
tratassem de sistemas fechados ou máquinas. A gestão da mudança é um processo de eficácia
contingente e não passível de lógicas prescritivas e universais, como demonstra a evidência
empírica existente. (Pina e Cunha et al. 2007, p. 860‐861)
Na verdade, a mudança do BES para Novo Banco parece ter sido idealizada como um grande
projeto tecnocrático e não parece ter existido um equilíbrio entre ambas as perspetivas da
mudança e entre o global e o local. Uma das “provas” deste ponto é o facto da demissão dos
administradores cooptados para a administração do Novo Banco ‐ i.e. Vítor Bento (presidente
executivo), José Honório (vice‐presidente) e João Moreira Rato (administrador financeiro) ‐ ter
ocorrido por supostas divergências de visões. Ao que é noticiado a administração cessante
pretendia apostar numa estratégia de médio prazo para desenvolver o banco, contudo o
Governo e o Banco de Portugal pretendiam (e pretendem) vender a curto prazo. (BdP 2014b;
Ferreira 2014; Público 2014). Ora, acabou por prevalecer a visão do Governo e do Banco de
Portugal, numa tónica aparentemente top‐down e managerialista. Parecem ter sido definidas as
metas e a direção estratégica, sinalizando a mudança como um grande projeto,
independentemente da avaliação das circunstâncias locais. Esta abordagem parece dificultar a
mudança de comportamentos dos recursos humanos que transitam do BES para o Novo Banco
e é possível que surjam mais más interpretações e maus entendimentos a nível local, tal como
surgiu, desde logo, com Vítor Bento e os demais administradores. Mudança não é um processo
puro, apolítico e linear como sugere a orientação racionalista e não é expressado em
recomendações para se seguir um número de passos como um guia (Alvesson e Sveningsson
2008, p. 33), típico da abordagem de mudança planeada. Concomitantemente, como realçam
Alvesson e Sveningsson (2008, p. 46), há que ser cauteloso quanto a visualizar a cultura como
um objeto homogéneo que pode ser mudado apenas pela adoção de mensagens e práticas
(como parece o ser o caso da mudança aparentemente aplicada no ex‐BES/atual‐Novo Banco).
A perspetiva da mudança emergente parece ir mais longe, procurando envolver os membros de
toda a organização numa abordagem incremental, informal e diária (everyday reframing) e
focando‐se em aspetos mais complexos e dinâmicos da organização, assim como em aspetos do
domínio político e cultural. Neste sentido, havia e há margem para entidades reguladores
atuarem, nomeadamente na mobilização de energia, na criação da nova direção, na
identificação de barreiras organizacionais e no desenvolvimento da visão, mas tal pode ser
partilhado com a gestão de topo do Novo Banco e esta pode, por sua vez, conferir empowerment
aos gestores intermédios e tolerar e dar liberdade para a participação e iniciativas da restante
9
organização, particularmente da linha hierárquica e do centro operacional da empresa. Tal como
a combinação da teoria E (que procura a maximização do valor acionista) e a teoria O (que
defende o desenvolvimento de capacidades organizacionais) advogam, deve ser estabelecida a
direção no topo e envolver as pessoas abaixo, focando a mudança simultaneamente nas
estruturas e sistemas como na cultura e planear para a espontaneidade (Beer e Nohria 2000, p.
134 e 137). Ademais os incentivos ‐ financeiros e os voltados para o desenvolvimento de
competências ‐ devem ser utilizados para reforçar a mudança mas não para a conduzir, e os
consultores externos deverão ser especialistas que dão empowerment aos empregados e não
que analisam meramente os problemas ou formulam apenas soluções. Portanto, o Novo Banco
deveria ter adotado ou deverá adotar iniciativas tipicamente incrementais e informais e onde
pequenos grupos de pessoas tenham um papel central juntamente com uma liderança
pedagógica (Alvesson e Sveningsson 2008, p. 34 e 46). Esta abordagem, que procura averiguar
como as pessoas se entendem a si próprias e como estas se relacionam com as iniciativas de
mudança, parece ser a abordagem mais consentânea com os intuitos de salvaguardar que o
processo de reestruturação do BES é bem‐sucedido. Trata‐se de uma abordagem que combina
o global com o local, que promove uma maior ligação ao nível dos significados e que é mais
realista que a abordagem managerialista (Alvesson e Sveningsson 2008, p. 47). O Conselho de
Administração do Novo Banco e os gestores intermédios devem inspirar, legitimar e apoiar
continuamente as iniciativas locais dos constituintes do centro operacional.
Tal como salientam Alvesson e Sveningsson (2008, p. 176) a transformação da cultura
organizacional deve envolver todas as pessoas e não apenas uma elite e, no entender do autor
deste documento académico, o que vem acontecendo é precisamente uma abordagem oposta
à sugerida por estes autores. Como Alvesson e Sveningsson (2008) referem “a base da mudança
cultural deve ser os significados e as orientações da maioria dos trabalhadores e não o mundo
dos sonhos de gestores de topo e consultores com pouco contacto com os significados e
orientações expressos no dia‐a‐dia da vida organizacional” (p. 176). Com isto, o autor deste
documento académico não advoga que não haja intervenção dos reguladores, nomeadamente
do Banco de Portugal, mas que haja um equilíbrio que salvaguarde os interesses de todos os
stakeholders de forma mais duradoura, ao invés de uma postura de procura de resultados
imediatos. Até porque a cultura é um fenómeno lento (“culture is a slow‐moving phenomenon”),
como suportam Alvesson e Sveningsson (2008, p. 176). Outro aspeto relevante é assegurar que
a mudança tem um sentido coletivo forte, visto que “se aqueles que promovem e forem vistos
como simbolizando a mudança cultural forem tidos como outsiders ou na periferia de uma
organização, então a credibilidade do projeto de mudança (…) será questionada” (Alvesson e
10
Sveningsson 2008, p. 177). Ora, considerando que o projeto é liderado pelo Governo e Banco de
Portugal, aparentemente de forma top‐down, pode haver aqui um risco na transição bem‐
sucedida para um novo paradigma e para novos rituais e rotinas. Neste sentido é, também,
importante envolver empregados e gestores intermédios no projeto de mudança e proporcionar
interações frequentes e intimistas, promovendo diálogo, dando sentido e fazendo sense making,
reportando e efetuando follow‐up e encorajando mecanismos de feedback, como sugerem
Alvesson e Sveningsson (2008, p. 177‐178). Por exemplo, o comprometimento com a mudança
cultural não pode ser desenvolvida por correio eletrónico, tem que ser feito cara a cara e em
tempo real, visto que esta mudança é alcançada através de ações ao invés de palavras (Cameron
e Green 2009, p. 268)
O quarto ponto trata‐se de uma reserva quanto ao facto de se considerar o BES uma
excecionalidade, o que merece uma referência neste trabalho. Como se apresentou supra,
considera‐se frequentemente a cultura organizacional do BES como uma cultura que promove
a autocracia e a centralização do poder. Ora, em matéria de estrutura e de cultura existe a
tendência das organizações se conformarem com a moda do momento e as organizações de um
determinado setor têm a tendência a estruturarem‐se de modo similar, ainda que a estrutura
possa não se adequar a todas as organizações da mesma forma (Mintzberg 2010, p. 323). Tal
revela, não só, a característica managerialista one size fits all, como também o facto de culturas
deste género não serem características do GES ou BES. Portanto, poderá ser necessário rever a
visão que se tem sobre as culturas organizacionais dos bancos e se estas promovem o melhor
alinhamento dos interesses entre gestores, acionistas e demais stakeholders, nomeadamente
os seus próprios recursos humanos e a própria sociedade. Tal faz salientar ainda mais a
importância de envolver os próprios quadros da empresa no processo da mudança da cultura
organizacional.
Equívocos da mudança cultural à luz do caso de estudo em causa
O quinto ponto que convém alertar é para a possibilidade de equívocos da mudança cultural
à luz do caso de estudo que se tem vindo a analisar. Entre os equívocos, destaca‐se a
hipercultura (hyperculture), a anorexia simbólica (symbolic anorexia), o valor limitado dos
valores (the limited value of values), a cultura como "aquilo ao invés de nós" (working with
culture as an ‘it’ rather than ‘we’) e o conhecimento limitado (limited knowledge). (Alvesson e
Sveningsson 2008, p. 165‐171)
11
A hipercultura tem a tendência de seguir o exemplo de outros e de utilizar rótulos e temáticas
usadas comummente em imprensa na área de gestão e em visões empresariais, resultando em
problemas de desconexão da realidade organizacional específica. Ainda que a hipercultura possa
ser positiva para consultores externos, especialistas em comunicação, gestores de tempo e ‐
acrescenta o autor deste documento académico ‐ entidades reguladoras e governamentais, para
a produção de documentos com vocabulário adequado e para a produção de discursos públicos,
tem inconveniências a nível local, onde as palavras devem ser utilizadas de forma mais concreta
e aplicadas às experiências reais. (Alvesson e Sveningsson 2008, p. 165‐166)
A anorexia simbólica está associada à utilização limitada de material simbolicamente rico ao
longo da mudança (Alvesson e Sveningsson 2008, p. 166). Como já foi referido, em certa medida,
‐ e como é reforçado por Alvesson e Sveningsson (2008, p. 166) ‐ a cultura é um conceito que
incide na partilha de significados e símbolos (i.e. eventos, ações, objetos materiais, expressões
e histórias), que sintetizam e expressam significados de uma forma rica e condensada. Daqui
decorre a importância de comunicar exemplos credíveis e com caráter pedagógico que
transmitam alguma mensagem ou valor relevante, nomeadamente para a escala local (i.e. será
recomendável interligar este conceito com o abordado no conceito anterior) (Alvesson e
Sveningsson 2008, p. 167).
Ao contrário de diversa literatura, Alvesson e Sveningsson (2008, p. 167) consideram que os
valores não são elementos tão centrais na cultura organizacional, nomeadamente na influência
que exercem. Os valores são indispensáveis, contudo existem algumas dificuldades em
compreender o significado por detrás dos mesmos e estes são demasiado consensuais, leia‐se
desprendidos de conteúdo. Assim é importante estabelecer um foco nos significados, que são
habitualmente subestimados e até negligenciados. (Alvesson e Sveningsson 2008, p. 167‐168)
É bastante comum os indivíduos verem a mudança como a mudança "daquilo" ou dos
"outros", ao invés da mudança dos próprios valores e significados. A mudança é habitualmente
percebida como a mudança (dos valores e crenças) do segmento da maioria das pessoas alvo de
mudança pela gestão de topo (eventualmente, juntamente com consultores externos). Assim, a
mudança deve ser vista como "nós temos que mudar", incluindo todos os indivíduos, entre os
quais os agentes da própria mudança. Estes devem também rever as suas próprias assunções,
crenças e significados. (Alvesson e Sveningsson 2008, p. 169‐170)
A autoconfiança combinada com a ignorância dos atores que promovem a mudança faz com
que estes conheçam efetivamente muito pouco do que realmente se passa. Ademais, existem
casos em que a gestão de topo acredita que os recursos humanos são especialistas em mudança
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cultural e outros casos em que os gestores de topo acreditam que há alguém a encetar a
mudança cultural sem ser eles. Este conhecimento limitado característico da gestão de topo
sobre os diferentes níveis da organização pode, contudo, ser mitigado ouvindo melhor as outras
partes da organização (nomeadamente, as suas visões e significados), sendo modesto e curioso
para com os outros e abrindo canais para a emissão de críticas e feedback para os alvos da
"melhoria". (Alvesson e Sveningsson 2008, p. 170‐171)
Do exposto decorre que, à luz do caso de estudo, as entidades reguladoras e o atual Conselho
de Administração do Novo Banco devem ter o cuidado de tornar claro os documentos e
discursos produzidos para o centro operacional da empresa e demais stakeholders, evitando
ambiguidades e o surgimento de resistências e garantindo o sucesso da mudança desejada.
Quanto às resistências e ambiguidades há que efetuar uma breve referência. Isto é, tal importa
atender aos efeitos no gap entre o que a gestão pretende e expõe e aquilo que os membros da
organização acreditam que é verdadeiro, até porque atualmente os recursos humanos de
diferentes níveis hierárquicos atribuem razões muito diferentes para as iniciativas de mudança
(Ogbonna e Harris 1998, p. 284). A cultura organizacional é de difícil alteração, mas ainda assim
é possível alterá‐la e controlá‐la, como se aludiu e em consonância com Harris (2002, p. 699).
Não obstante, existem potenciais consequências indesejadas e as alterações de valores podem
não ser genuínas, sendo fruto de técnicas coercivas sofisticadas pela gestão de topo ou um mero
cumprimento ou adesão instrumental aos valores por trabalhadores mais astutos, como
destacam os mesmos autores. Quanto a estas potenciais consequências indesejadas há que
atender aos fatores que podem influenciar as reações positivas e resistências ou reações
negativas dos recursos humanos, entre os quais: força subcultural, o grau de diferença entre as
atitudes e comportamentos atuais e os desejados, as condições do mercado laboral local e
nacional, a sofisticação educacional, os mecanismos de persuasão e coerção, a posição dos
recursos humanos na hierarquia da empresa, as perspetivas de desenvolvimento de uma
carreira no seio da empresa, as experiências anteriores em programas de mudança, género,
situação laboral, a natureza da posição no emprego do recurso humano, extensão da
ambivalência, extensão em que as medidas adotadas foram tidas como exploradoras,
proximidade de recursos humanos alternativos e capacidades e carisma dos gestores de
mudança mais próximos (Harrir 2002, p. 700). No contexto particular do caso de estudo que se
vem analisando, as maiores resistências poderão advir do grau de diferença entre as atitudes e
comportamentos atuais e os desejados, a posição dos recursos humanos na hierarquia da
empresa e as perspetivas de desenvolvimento de uma carreira no seio da empresa.
Considerando que o Novo Banco é um banco de transição, poderá haver poucas perspetivas de
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desenvolvimento de uma carreira ou perspetiva de evolução desfavorável do status na
hierarquia. Ademais, as atitudes e comportamentos desejados poderão ser bastante diferentes
das anteriores, dada a cultura organizacional típica do ex‐BES. Poder‐se‐á avizinhar como fontes
de resistências as pessoas mais próximas do Conselho de Administração e da Comissão Executiva
do ex‐BES que se mantenham (eventualmente) na empresa, nomeadamente na gestão
intermédia, caso não sejam envolvidas – por exemplo, por empowerment – no processo de
mudança que está a decorrer.
Ademais, a nova administração deve acentuar o caráter simbólico, transmitindo mensagens
e valores relevantes, credíveis e pedagógicos e não apenas diretrizes genéricas que possam
induzir ambiguidades interpretativas. Não basta só pretender sinalizar a necessidade de
estabelecer uma "cultura de exigência" no Novo Banco (ex‐BES) como vem sendo feito e que se
exemplificou com o relatório da CPIBES. É fundamental tentar demonstrar o que está por detrás
da "cultura de exigência", focando a preocupação nos significados e interpretações.
Concomitantemente, entidades reguladoras, o poder legislativo e o poder executivo devem
conceber a mudança da cultura do Novo Banco como a sua própria mudança cultural. Isto é,
estas devem refletir sobre a cultura de transparência que promovem, sobre as suas próprias
assunções ou paradigmas, as suas rotinas e rituais no que a esta temática diz respeito, ou seja,
quanto à regulação do setor bancário e financeiro. Por conseguinte, o autor deste documento
advoga que mais do que imputar responsabilidades a posteriori‐ como as que vêm sido
realizadas ‐, deve ocorrer uma mudança cultural de reguladores e poder político para prevenir
situações futuras (ou a priori). A mudança não deve ser vista tão só como a mudança do ex‐BES
ou até do setor bancário e financeiro, mas também como a mudança de todo um sistema que
se articula e que deve funcionar tão harmoniosamente quanto possível por checks and balances.
A este respeito, também, o próprio Conselho de Administração do Novo Banco deve assumir a
mudança como uma mudança sua e não só do seu centro operacional (e.g. gestores de carteiras
dos seus clientes). Finalmente, é recomendável que estes atores (i.e. Conselho de Administração
do Novo Banco, entidades reguladoras e poder legislativo e executivo) evitem ou mitiguem
equívocos advindos do seu conhecimento limitado do que realmente se passa na realidade
quotidiana do Novo Banco. Neste sentido, sugere‐se uma abordagem humilde do processo de
mudança dos atores supra referidos e a abertura de canais abertos de feedback e de críticas
para com todos os constituintes do Novo Banco.
O “Novo Banco” enquanto banco de transição, a estratégia corporativa futura e a mudança na cultura organizacional
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O sexto e último ponto a analisar assenta no facto do Novo Banco ser tido como um
banco de transição pelo Banco de Portugal, pelo que importa refletir sobre que estratégia
corporativa deverá ser adotada pela empresa adquirente (tomando em conta o framework da
figura 2). A integração é frequentemente um desafio devido a problemas de fit organizacional,
nomeadamente pelas potenciais diferenças de cultura organizacional entre empresas ou grupos
empresariais (Johnson et al. 2014, p. 337). Uma má integração pode ditar o insucesso de uma
operação de fusão ou aquisição (F&A), como se espera que seja este caso.
Figura 2: Matriz de integração em processos de F&A. Fonte: Johnson et al. (2014, p. 339)
Se a estratégia for de preservação, considerando que preservar‐se‐á a autonomia
organizacional, vai‐se acabar por perpetuar estratégias e práticas antigas, assentes na cultura e
sistemas anteriores – tal como refere, em certa medida, Johnson et al. (2014, p. 339) ‐ que
propiciaram a crise. Se a estratégia for de manter como holding, considerando que haverá uma
estrutura paralela, o que é comum quando se adquire empresas em más condições financeiras
(como menciona desde logo Johnson et al. 2014, p. 340), também existe o risco de “perpetuar”
os modos de pensar, valores e ideias. O mesmo se aplica se a estratégia for de simbiose, que
assenta na manutenção da autonomia organizacional e, consequentemente, na cultura
organizacional (Johnson et al. 2014, p. 339‐340). Em alternativa, a estratégia de absorção do
adquirente sobre o Novo Banco parece ser a mais adequada, se se considerar que o grupo
empresarial adquirente será uma instituição bancária (tal como se espera). Tal suporta‐se no
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facto de existir baixa necessidade de autonomia organizacional, até porque tal não é desejável
pela crise ocorrida e pela imagem transmitida aos diversos stakeholders, e na elevada
interdependência estratégica entre adquirente e Novo Banco. Concomitantemente, importa
referir que esta parece ser a estratégia mais comum em fenómenos de F&A de bancos a nível
nacional. Não obstante, no capítulo da mudança na cultura organizacional, tal cenário levanta
dúvidas sobre qual é a cultura que se conseguirá impor: será a do Novo Banco (ex‐BES) ou a do
grupo empresarial adquirente? De qualquer das formas, a estratégia de absorção parece ser a
única plausível e a menos arriscada, à luz do conceito da cultura organizacional. Ainda assim, há
que atender que as empresas do setor tendem a seguir estruturas por modas, como já se referiu:
“(…) em matéria de estrutura e de cultura existe a tendência das organizações se conformarem
com a moda do momento e as organizações de um determinado setor têm a tendência a
estruturarem‐se de modo similar, ainda que a estrutura possa não se adequar a todas as
organizações da mesma forma (Mintzberg 2010, p. 323).”. Paralelamente, no entender do autor
deste documento, as próprias culturas organizacionais dos bancos como um todo têm claras
semelhanças, não obstante, o caso do BES ter certas particularidades, nomeadamente a sua
história.
Conclusões
Neste documento, de forma crítica, procura‐se levantar algumas reservas quanto à assunção
comum de que crise do BES terá tido origem na estratégia e práticas de um só indivíduo ou de
uma fração. Em alternativa, sugere‐se que a origem poderá ter incidido na sua cultura
organizacional baseada no poder autocrático e faz‐se alusão a um certo paralelismo de
estruturas e culturas no setor bancário. Por este raciocínio, a cultura organizacional de outros
bancos poderá potenciar crises similares.
Assim, e considerando que a cultura é um processo holístico, que envolve uma construção
social e histórica e não é tão só a "soma das partes", exige‐se que as pessoas mudem os seus
comportamentos, mas sobretudo que as pessoas alterem a sua forma de pensar para se
identificarem com os comportamentos mais desejáveis para todos os stakeholders e não apenas
para uma minoria de stakeholders (como a gestão ou acionistas). Não obstante, a cultura não é
só uma variável passível de alteração, mas a cultura é também uma metáfora ("as organizações
são"), pelo que há que atender ao paradigma, símbolos, rotinas, rituais, histórias e mitos
passados.
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Apresentando argumentos que suportam uma crítica ao paradigma managerialista patente
na mudança planeada da cultura organizacional no processo de reestruturação do ex‐BES/atual
Novo Banco, no presente documento deixa‐se notória a possibilidade e importância de conciliar
elementos da perspetiva de mudança planeada com elementos da perspetiva de mudança
emergente. Particularmente, é importante assegurar um processo de mudança duradouro e
incremental, de conciliar o global com o local, de estabelecer um foco nos resultados e de se
procurar averiguar como as pessoas se entendem a si próprias e como estas se relacionam com
as iniciativas de mudança. Concomitantemente, verifica‐se que será natural o surgimento de
ambiguidades na estrutura organizacional e resistências advindas de pessoas eventualmente
próximas da gestão de topo do ex‐BES. No sentido de evitar equívocos da mudança cultural,
sugere‐se que a nova administração acentue o caráter simbólico, transmitindo mensagens e
valores relevantes, credíveis e pedagógicos e não apenas diretrizes genéricas que podem induzir
ambiguidades de interpretação. Sugere‐se também a abertura de canais abertos de feedback e
de críticas para com todos os constituintes do Novo Banco e que entidades reguladoras.
Adicionalmente, sensibiliza‐se para a necessidade do poder legislativo e do poder executivo
conceberem a mudança da cultura do Novo Banco como a sua própria (oportunidade de)
mudança cultural.
Finalmente, tendo em conta a reestruturação do Novo Banco, refere‐se também que à luz
do conceito de "cultura organizacional", a estratégia de F&A potencialmente mais adequada
seria a de absorção. Esta estratégia exige uma baixa necessidade de autonomia organizacional
e permite uma elevada interdependência estratégica entre os intervenientes.
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