10
INTRODUÇÃO
O curso No Cio da Terra, o Germinar das Letras em Movimento - Formação de Professores
em Áreas de Assentamentos – Licenciatura em Letras foi implantado em 2006, em
atendimento as reivindicações de educadores de áreas de assentamentos de reforma agrária
que solicitaram à Universidade do Estado da Bahia a formação acadêmica.
O curso configura-se como mais uma das possibilidades de formação e de educação
universitária diferenciada planejada e organizada pelo Departamento de Educação - Campus
X. Nesse sentido, a turma de Letras Patativa do Assaré passou a compor o cenário desse
Departamento, com um currículo específico, diferenciado e intercultural. Em função da
especificidade do projeto de curso, as aulas são ministradas no Centro de Formação Carlos
Marighella – no assentamento 1º de Abril, pertencente ao município do Prado (BA), e as
atividades educativas também são planejadas e realizadas pelos sujeitos envolvidos:
educadores, coordenadores da universidade, estudantes e coordenação do setor de educação
do Movimento dos Sem-Terra.
Todas as manhãs, durantes as etapas do Curso Letras da Terra, são ritualizadas as Místicas.
Esse momento de congregação organizado pelos discentes colabora no fortalecimento das
redes de relações entre os estudantes, funcionando como um importante meio de comunicação
e expressão, apontando para construção de saberes por meio de outras linguagens e de outras
práticas.
Segundo Ademar Bogo a Mística é a representação do mistério. A palavra grega mysterión
tem origem em múien, “que quer dizer a busca de entender o que está escondido nas coisas”.
“Mistério não equivale a enigma que, decifrado, desaparece”. Ao contrário, quanto mais se
decifra, mais misterioso fica. “A ansiedade de buscar mais, no mundo da utopia é algo que
nunca se esgota”. (BOGO, 2002, p. 22).
A Mística é um meio de comunicação dentro do Movimento Sem Terra (MST), para a
produção desta é necessário a combinação de diferentes linguagens. As linguagens – verbal e
11
não-verbal – são utilizadas com a intenção de formar, sensibilizar, envolver, congregar,
informar, envolver todos e todas no „mistério‟.
Por ter intimidade com a fotografia, passei a registrar as Místicas, principalmente a produção
grafo-plástica construídas nelas. E no início de cada etapa as imagens capturadas no módulo
anterior eram socializadas com a turma, ora em forma de exposição de fotografias, ora em
slides. Ao observar cada imagem lia o potencial comunicativo que a Mística tem.
Gradativamente, o desejo de ler e interpretar as Místicas produzidas por minha turma foi
acentuando. Assim nasceu o projeto de pesquisa “O estudo Semiótico das expressões grafo -
plásticas produzidas nas Místicas pelos discentes do Curso Letras da Terra”. O objetivo que
norteou o estudo foi: compreender o processo de elaboração das Místicas, o seu potencial de
comunicação, atentando-se para as interpretações dos signos quanto ao seu fundamento,
interpretante e intérpretes (que são também signos linguísticos na composição das Místicas).
Os signos linguísticos que constituem as Místicas foram interpretados como signos culturais,
uma vez que cada sujeito ali presente marca o seu lugar e é representado simbolicamente por
signos carregados de ideologias, dentre elas a defesa pela justa distribuição da terra e de bens
culturais como a educação superior.
A análise e interpretação das Místicas e das expressões grafo-plásticas elaboradas pelos
estudantes do Curso Letras da Terra foram realizadas partindo das questões problemas: (1)
que ciência adotar para o estudo das Místicas e dos textos não-verbais? (2) Que leituras são
realizadas pelos discentes dos signos da Mística? (3) Que saberes são construídos pelos
discentes (produção de sentido) por meio dos signos utilizados nas Místicas? (4) Que signos
são frequentes na produção das expressões plásticas e o que motiva a escolha desses signos?
Na produção de uma Mística diferentes signos estão presentes: os verbais como palavras
escritas e faladas, poemas recitados, músicas, quanto aos signos não-verbais são as
fotografias, telas, ferramentas, instrumentos, livros, teatralização e a construção de uma
expressão grafo-plástica, que abarcar em um grande círculo todos esses signos. Essa
12
expressão é denominada de Mandala1. Por ser um texto híbrido buscou-se na Semiótica os
fundamentos para análise de seus signos.
A Semiótica, conforme Lúcia Santaella (1983, p. 13): “é a ciência que tem por objeto de
investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos
de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de significação e de sentido”.
A palavra Semiótica é originaria da palavra grega semeion, que significa signo ou sinal,
portanto Semiótica é a ciência dos signos verbais e não-verbais. E o signo é alguma coisa que
está representando algo para alguém.
Adotou-se a Semiótica como ciência e método, sendo assim as Místicas e as Mandalas como
signos foram descritos e interpretados, a partir das três categorias: (a) Primeiridade - a leitura
dos signos em relação ao seu representamen – os quali-signos, quanto ao seu objeto, os seus
aspectos icônicos e quanto ao interpretante – o rema; (b) Secundidade, em relação ao seu
representam os sin-signos; quanto a relação do signo com seu objeto, os índices e
interpretante, isto é, o dicente e (c) Terceiridade, em relação ao seu representamen, os legi-
signos; ao seu objeto – os símbolo e quanto ao interpretante – o argumento; sem perder de
vista os elementos emocionais, sensoriais e lógicos que fazem parte do processo de
significação realizado por cada intérprete, isto é, a elaboração de novos signos, a partir da
apreensão das mensagens presentes nos signos antecedentes.
A coleta de dados aconteceu no período de 21 de março a 19 de maio de 2010. As Mandalas
foram registradas por meio de fotografias, as apreciações e leituras das Místicas pelos
discentes foram anotadas no Livro de Memórias do curso, também houve filmagens de
1 Mandala vem do sânscrito de origem hindu, e quer dizer "círculo mágico", um círculo de energia. A Mandala é
constituída por desenhos geométricos - basicamente círculos, quadrados e triângulos - que se inscrevem uns aos
outros formando ou se entrelaçando a imagens simbólicas, formando um grande círculo contendo várias imagens
significativas. A Mandala é a expressão visual do retorno à Unidade pela delimitação de um espaço - o
espaço dentro do círculo - símbolo do "espaço sagrado". A circunferência que delimita a Mandala tem como
origem o próprio ponto central e limita esse espaço circular separando-o do restante do Todo. Este espaço então
é preenchido com várias imagens representativas das mais variadas ligações simbólicas, resultando numa representação gráfica da relação dinâmica entre o Homem e o Cosmo. Desde os tempos mais remotos até os
dias de hoje as Mandalas são usadas como focos de meditação. Em termos de artes plásticas, a Mandala
apresenta sempre grande profusão de cores e representa um objeto ou figura que ajuda na concentração para se
atingir outros níveis de contemplação. Há toda uma simbologia envolvida e uma grande variedade de desenhos
de acordo com a origem. Disponivel em : <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mandala_(s%C3%ADmbolo)>. Acesso
em 19 de julho de 2011.
13
Místicas, dentre as três eleitas para a análise, duas foram; além de entrevistas. Quanto às
fontes impressas foram consultados o Livro de Memórias do Curso Letras da Terra, Projeto
do curso No Cio da Terra, o Germinar das Letras em Movimento - Formação de Professores
em Áreas de Assentamentos – Licenciatura em Letras (UNEB, 2006), Relatórios das I, II, III,
IV, V, VI e VII etapas do curso (VERONEZ, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010) e as obras de
Charles S. Pierce (2005), Lúcia Santanella (2002, 2006) e Winfried Nöth (2003), Ademar
Bogo (2002, 2006, 2009), Fabiano Coelho (2010), Frei Beto e Leonardo Boff (2010)
O estudo da significação das Místicas e dos signos presentes nas Mandalas trouxe como
resultado a produção de quatro capítulos, partindo de aspectos mais gerais até a análise dos
fundamentos e do movimento interno dos signos. Sendo assim, no primeiro capítulo foi
abordada a contribuição dos estudiosos Lucia Santaella e Charles Sander Peirce. A Semiótica
como teoria e método. Segundo Peirce, essa ciência lógico-filosófica da linguagem é uma
forte aliada no processo de entendimento de significação dos signos. E para a leitura semiótica
de tudo que está representado através dos signos, de todos os tipos de linguagens nos
processos comunicativos deve-se atentar para as três Categorias Universais Fenomenológicas:
a Primeiridade que é a contemplação do fenômeno, a Secundidade reação e a Terceiridade, a
reflexão, resultante da capacidade humana de significar.
No segundo capítulo, a Mística é abordada, desde a sua origem aos valores simbólicos que a
ela foram agregados pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra. A Mística como ato da
consagração quando adotada pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEB‟s) e pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT) à Mística como instrumento de conscientização e de formação
política ao ser ressignificada pelo MST.
A produção, organização e vivência da Mística pelos estudantes de Letras são temáticas
abordadas no terceiro capítulo. Nesse capítulo o curso e sua organicidade são descritos, após a
contextualização dos signos analisados e dos sujeitos produtores e receptores são tratadas de
forma descritiva e interpretativa as leituras realizadas pelos intérpretes acerca das Místicas –
as impressões, reflexões e argumentos construídos pelos referidos intérpretes.
No quarto capítulo a sistematização das leituras e interpretações dos signos presentes nas
Místicas: (1) “Parte da vida e da luta”, (2) “Somos Marias” e (3) “Homenagem às
14
orientadoras e orientadores”, isto é, a contemplação, descrição e análise dos seus quali-sin-
legi-signos.
Se os leitores e leitoras do ato Místico e de mundo têm a compreensão semiótica, possuem
mais um instrumento para uma maior participação na sociedade, pelo fato de aguçar o senso
crítico, facilitando a leitura e a reflexão sobre a linguagem e seus sistemas de comunicação
que são articulados através dos signos, o que muito auxiliará também a esses leitores/leitoras
na elaboração de mensagens de uma forma mais consciente, evoluindo assim a formação
política, cidadã e a humanização de trabalhadores/trabalhadoras.
15
I - A SEMIÓTICA COMO CAMINHO: TEORIA E MÉTODO
A Semiótica despontou como ciência no final do século XIX e início do século XX, a partir
das compreensões de Charles Sanders Peirce que procurava dar unidade à concepção de
pensamento como um processo de interpretação do signo com base numa relação entre a
coisa, o representamen e o significado. Ele foi o enunciador da tese de que todo pensamento
se dá em signo, e esta significação seria a continuidade dos signos, rompendo com as teorias
em que o signo só era estudado a partir da dicotomia, significante e significado.
1.1 Histórico da Semiótica
Apesar de ser uma ciência nascida no século passado a Semiótica foi pensada e discutida
pelos filósofos, desde Grécia Antiga. Sua referência mais remota é encontrada na história da
medicina, no estudo diagnóstico dos signos das doenças. Segundo Winfried Nöth, no período
greco-romano, a Semiótica avan la lettre, quer dizer, que antes de atingir o seu estado
definitivo,os signos verbais e não-verbais, eram teorizados através de filósofos como Platão e
Aristóteles e muitos outros estudiosos que contribuíram com o crescimento da teoria dos
signos. (NÖTH, 2003)
Platão (427-347 a. C.) criou um modelo relacionado aos signos, obedecendo a uma estrutura
triádica com os três componentes do signo: o primeiro, o nome, o segundo que é a
idéia/noção, que são as entidades objetivas que só existem em nossa mente, mas que também
possuem realidade numa esfera espiritual além do indivíduo. E o terceiro componente que é a
coisa à qual o signo se refere. Para Platão a verdade que se exprime e se transmite por
palavras, mesmo que as palavras possuam semelhanças com as coisas às quais se referem, é
sempre inferior ao conhecimento direto, não intermediado desse pensamento, esta é a porta de
entrada para a teoria semiótica. Segundo Winfried Nöth, “Platão tratou de vários aspectos da
teoria dos signos; definiu signo verbal, significação e contribuiu com ideias críticas para a
teoria da escritura”. (NÖTH, 2003, p.27).
16
Aristóteles (384-322 a. C.) relacionou a semiótica, como a “doutrina dos signos”, “arte dos
signos”. Ele deu continuidade as ideias de Platão, mantendo a forma triádica dos signos. E
aprofundando um pouco mais, elaborando a teoria dos signos fonéticos e escritos, cuja
essência consistia no fato, de que nos signos algo responde de outro algo. “chamou o signo
linguístico de “símbolo” (symbolon) e o definiu como um signo convencional das “afecções
(pathémata) da alma”. Descreveu essas afecções como “retratos” das coisas (prágmata).
(NÖTH, 2003, p.29).
Sendo que, ainda na idade antiga, através de Aurélio Agostinho, (354 - 430 d. C.) a semiótica
tomou um novo impulso. Agostinho desenvolveu mais a teoria semiótica, definindo o signo
como "uma coisa que, além da impressão que produz nos sentidos, faz com que outra coisa
venha a mente como consequência de si mesmo”. Havendo assim uma interferência mental no
processo de semiose, quer dizer, no processo de produção de signos/linguagem. Outro ponto
interessante de sua teoria é a distinção entre os signos e as coisas. Apesar dessa separação, ele
considerava que "as coisas são conhecidas por meio dos signos". As ideias elaboradas por
Agostinho serviram de base para a semiótica medieval. Nöth acrescenta que:
Na interpretação de Agostinho, todas as coisas percebidas como signo são
ultimamente, signos naturais que revelam a vontade de Deus na criação terrestre.
Tais idéias continuaram a ser desenvolvidas na semiótica exegética medieval, no
quadro da teoria dos sentidos múltiplos do mundo e dos textos. (2003, p.33)
Na Idade Média foi desenvolvida uma ciência dos signos, que envolvia a gramática, a lógica,
e a retórica, e adotava uma posição muito próxima a teoria anterior da antiguidade. Os
escolásticos, estudiosos dos signos, aprofundaram mais os estudos no sentido da teologia, da
gramática, da retórica e da dialética.
Na renascença os mais importantes semioticistas foram Roger Bacon que produziu o tratado
De Signis e João de São Tomás, retoma os postulados de Platão, em que afirma a importância
do signo como instrumento de cognição, não somente de comunicação. No seu livro A
Lógica, definiu signo como sendo “Todos os instrumentos dos quais nos servimos para a
cognição e para falar são signos”, abrindo novas perspectivas para o estudo do signo. Nöth
observa que:
17
Tal definição contém dois elementos de grande interesse para a teoria dos signos. O
primeiro é a definição do signo como instrumento e, portanto, como um meio,
constituindo um esboço da ideia de semiose como mediação, desenvolvida mais
tarde por Peirce (...). O segundo elemento importante na definição de João de Tomás
é a afirmação de que os signos não são apenas instrumentos de comunicação, mas
também de cognição. (NÖTH, 2003, p. 36).
Na Idade Moderna surge a Semiótica, no sentido atual da palavra com a publicação de John
Locke que postula uma “doutrina dos signos”, denominada de Semeiotiké na qual descreve os
signos como "grandes instrumentos do conhecimento" e os separa em dois níveis, idéias e
palavras. O filósofo Johann Heinrich Lambert escreve um tratado Semiotik, especialmente
sobre a Semiótica.
Na idade contemporânea, a partir do século XIX, a semiótica começa a expandir e a ser
firmada como ciência na América do Norte, através de Charles S. Peirce, na Europa com
Ferdinand Saussure e na Ásia com Roman Jakobson e outros semioticista russos.
Charles Sanders Peirce (1839 - 1914), cientista-lógico-filósofo estadunidense, é considerado
fundador da teoria moderna dos signos, o verdadeiro pai da semiótica, muito ligado a
universalidade epistemológica, a Metafísica e a Lógica. Em 1867, Peirce começou a publicar
suas investigações considerando a semiótica e a lógica como sinônimos, afirmando que a
semiótica é a Filosofia Lógica da Linguagem. Aplicou a semiótica principalmente na filosofia
científica e baseou o seu estudo do signo em uma forma triádica, como no modelo platônico e
aristotélico, surgindo daí toda a sua teoria geral dos signos.
A moderna semiótica organizada por Peirce passou a ser estudada no Brasil a partir de 1970
na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no curso de pós graduação Teoria Literária.
A Semiótica de Peirce tornou-se mais valorizada, especialmente nos estudos de linguagem e
comunicação, pelo fato de ter ampliado a noção de signo, em uma perspectiva triádica,
diferenciado de Saussure e de outras correntes que estudaram o signo numa perspectiva
diástica.
Quanto ao campo de abrangência da Semiótica, Santaella diz que
Podemos repetir que ele é vasto, mas não indefinido. O que se busca descrever e
analisar nos fenômenos é a sua constituição como linguagem. Nesse sentido, embora
a Semiótica se constitua num campo intricado e heteróclito de estudos e indagações
18
que vão desde a culinária até a psicanálise, que se intrometem não só na
meteorologia como também na anatomia, que dão palpites tanto ao cientista político
quanto ao músico, que imprevistamente invadem territórios entre as ciências, isso
não significa que a Semiótica esteja sorrateiramente chegando para roubar ou pilhar
o campo do saber e da investigação especificas de outras ciências. Nos fenômenos,
seja eles quais forem – uma nesga de luz ou um teorema matemático, um lamento de
dor ou uma ideia abstrata da ciência -, a Semiótica busca divisar e deslindar seu ser
de linguagem, isto é a sua ação de signo. Tão-só e apenas. E isso já é muito. (2003,
p.14).
1.2 A Teoria dos Signos de Charles Sanders Peirce
A teoria dos signos de Peirce é formada por conceitos lógicos, gerais e abstratos, resultado de
30 anos de intensiva pesquisa e estudos profundos. O início do fio deste infinito novelo que é
a Semiótica Peirceana, se dá com a Fenomenologia, que segundo Santaella, é uma quase-
ciência que investiga os modos como apreendemos qualquer coisa que aparece à nossa mente
e “tem por função apresentar as categorias formais e universais dos modos como os
fenômenos são apresentados pela mente.” (SANTELLA, 2002, p. 7).
Segundo Peirce as Categorias Universais e Formais apresenta os três modos como os
pensamentos são desenvolvidos e preenchidos, na apreensão de todo e qualquer
conhecimento. São elas: a Primeiridade, onde são considerados os signos de primeira
categoria, que está relacionado ao ocaso, possibilidade, os sentimentos e emoções, o presente
imediato. É a Primeiridade, o pensamento inicial, uma sensação, a qualidade primeira
percebida, que independe de qualquer outra coisa. A Secundidade está ligada as ideias de
dependência, determinação, dualidade. Nesta Segunda Categoria predomina a percepção, a
ação e a reação, a dúvida, em um mundo real que independe do pensamento e, no entanto é
pensável. A Terceiridade está ligada as ideias de dependência, determinação, continuidade,
crescimento de tudo que foi gerado nas duas primeiras categorias, é a última categoria que
leva aos pensamentos abstratos e discursos, é o experimentar e o pensar, onde o signo é
manifestado com todo o seu potencial para o intérprete. A Terceira Categoria é a
apresentação, a percepção que predomina já sendo refletida, realizada no momento que o
pensamento entra em concordância com o referencial do primeiro e segundo momento,
portanto em Peirce:
19
(...) as verdadeiras categorias da consciência são: primeira, sentimento, a consciência
que pode ser compreendida como um instante no tempo, consciência passiva da
qualidade, sem reconhecimento ou análise; segunda, a consciência de uma
interrupção no campo da consciência, sentido de resistência, de um fato externo ou
outra coisa; terceira, consciência sintética, reunindo tempo, sentido de
aprendizagem, pensamento. (PEIRCE, 2005, p. 14)
A Semiótica Peirceana é uma filosofia científica da linguagem, que trata das relações dos
fenômenos a partir das Categorias Universais, nas quais estão firmadas as ciências
normativas, a partir de três pontos de vista diferentes: o primeiro, a estética; o segundo, a
ética; e o terceiro, a lógica.
A palavra Estética tem origem grega e significa conhecimento sensorial ou sensibilidade. A
Estética é a área da filosofia que determina o belo, o bem superior, é a ciência dos ideais, do
admirável. É a reflexão filosófica daquilo que desperta emoção por meio da contemplação, os
efeitos de determinado objeto provocado no observador na sua apresentação. A estética
normativa estuda o julgamento e a percepção, a produção das emoções pelo fenômeno
estético situados na Primeiridade, os sentimentos, emoções e impressões. (PEIRCE, 2005)
O segundo ponto de vista utilizado por Peirce é a Ética, a ciência normativa que busca
fundamentar o pensamento humano. Sendo a teoria da ação auto controlada ou da conduta
deliberada, do esforço, da vontade em relação ao bom modo de viver e conviver,
determinando assim o agir, para que as ideias, com sentimentos razoáveis tenham a
possibilidade de se realizar. A Ética investiga e compara a conduta humana em relação ao
bem no seu sentido fundamental e absoluto. É o momento da Secundidade, a dualidade, a
dúvida em relação à ação, reação e também determinação. (PEIRCE, 2005)
A Lógica é a terceira ciência normativa das leis necessárias do pensamento e das condições
para se atingir a verdade na sua representação. A Lógica é chamada de Semiótica por Peirce,
por tratar das leis do pensamento e da sua evolução que estuda as condições gerais do signo, a
transmissão de significados de uma mente para outra e de um estado mental para outro. É a
terceira ciência normativa sendo precedida pela estética e ética, a teoria do pensamento
deliberado ou auto controlado, em direção ao verdadeiro e ao falso, ou do bem e do mal
lógico. É a Terceiridade, a categoria que leva aos pensamentos abstratos e discursos. E para
Santaella:
20
É, porém, sob a base da Fenomenologia que as ciências normativas se desenvolvem
obedecendo à sequencia seguinte: Estética, Ética e Semiótica ou Lógica. Tendo
todas elas por função distinguir o que deve e o que não deve ser, a Estética se define
como ciência daquilo que é objetivamente admirável sem qualquer razão ulterior. É
a base para a Ética ou ciência da ação ou conduta que da Estética recebe seus
primeiros princípios. Sob ambas e delas extraindo seus princípios, estrutura-se em
três ramos a ciência Semiótica, teórica dos signos e do pensamento deliberado (...)
(SANTAELLA, 2006, p. 29).
A Lógica ou Semiótica Peirceana é dividida em três ramos: a gramática especulativa, a lógica
crítica e a metodêutica ou retórica especulativa. Na análise e aplicação semiótica é utilizada a
gramática especulativa, a ciência geral dos signos que estuda a classificação de diversos
conceitos, todos os tipos de signos, e formas de pensamento que eles possibilitam na análise
de linguagens, publicidade, fotografia e cinema, nos processos empíricos dos signos, em
situações da mais elementar aos níveis mais avançados que são fortemente apoiadas na
Fenomenologia, a base de toda a teoria peirceana. Sobre a gramática especulativa Santaella
diz que:
(...) a gramática especulativa trabalha com os conceitos abstratos capazes de
determinar as condições gerais que fazem com que certos processos, quando exibem
comportamentos que se enquadram nas mesmas, possam ser considerados signos.
Por isso, ela é uma ciência geral dos signos. Seus conceitos são gerais, mas deve
conter; no nível abstrato, os elementos que nos permitem descrever; analisar e
avaliar todo e qualquer processo existente de signos verbais, não-verbais e naturais:
fala, escrita, gestos, sons, comunicação dos animais, imagens fixas e em movimento,
audiovisuais, hipermídia etc. (SANTAELLA, 2002, p. 4).
As bases teóricas para a aplicação da semiótica que estão situadas na Gramática Especulativa,
que por meio dos elementos; Signo, Objeto e Interpretante formam uma relação triádica que
tem por base os três elementos universais: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. Por
exemplo: uma bandeira é um signo que de acordo com as suas cores e formas, representa uma
coisa para alguém, um signo que provoca sentimentos e sensações no primeiro momento da
sua leitura, quer dizer na Primeiridade; no segundo momento provoca uma reação no leitor, é
a Secundidade, o espaço de confronto da percepção e reflexão, entre a ação/ reação e resposta,
o Objeto que conduz para o terceiro elemento, quando uma coisa já depende de outra; a
Terceiridade é apresentação, a percepção, já sendo refletida, realizada no momento do
pensamento em concordância com o referencial do primeiro e segundo momento. É a síntese
da leitura de forma sensitiva, emocional, racional, e a culminância que traz a reflexão, a
continuidade na generalidade. Na Terceiridade surge o efeito da leitura deste signo,
representado na mente do leitor, o Interpretante, a consciência do seu significado:
21
Aí estão enraizadas na fenomenologia as bases para a Semiótica, pois é justo a
terceira categoria fenomenológica que encontramos a noção de signo genuíno ou
triádico, assim como é na nas segunda e primeira categorias que emergem nas
formas de signos não genuínos, isto é, nas formas quase-sígnicas da consciência ou
linguagem. (SANTAELLA, 2006, p. 54)
Para Peirce, um signo ou representamen é aquilo que sob certo aspecto ou modo, representa
algo para alguém. A coisa representada, neste caso a bandeira, é nomeada de Objeto que afeta
alguém que lê este signo. O Signo somente existe na relação de um Objeto que afeta um
leitor/ intérprete. O primeiro signo, o representamen, quando emitido cria na mente do leitor,
outro signo mais desenvolvido nomeado de interpretante. O signo e o interpretante estão
contidos, como categoria lógica, na Terceiridade. O signo só tem vida na mente do leitor, que
gera outro signo resultando na semiose, ação que predomina em toda aprendizagem do dia a
dia. Nöth explicita que:
A interpretação de um signo é, assim, um processo dinâmico na mente do receptor.
Peirce (CP. 5.472) introduziu o termo semiose para caracterizar tal processo referido
como “ação do signo”. Também, conceituou semiose como “o processo no qual o
signo tem um efeito cognitivo sobre o interprete”. (NÖTH, 2003, p. 66).
Segundo Peirce, o signo pode ser uma palavra, um gesto, uma ato, um pensamento, qualquer
coisa que se relacione com um interpretante. Então, o signo, o objeto e o interpretante são as
três entidades que formam a relação triádica que compõem todos os elementos semióticos,
diferenciados de acordo com a sua ação especifica. São três pontos de vista em relação a esses
elementos que formam a tricotomia dos signos:
1. O signo em si, quando o signo é uma mera qualidade, um existente concreto ou uma
lei geral, consequentemente quali-signo, sin-signos ou legi-signo;
2. A relação do signo com o seu objeto, quando o signo tem algum caráter em si mesmo
ou mantém alguma relação existencial com o objeto: ícone, índice, símbolo;
3. A relação entre o signo e o seu interpretante, quando é representado como um signo de
possibilidades, de fato ou como um signo de razão: rema, dicente, argumento.
22
1.2.1 As Categorias Universais do Signo
Quadro 1 - Categorias Universais dos Signos
Tricotomias Universais
PRIMEIRIDADE
Signo em
si mesmo
SECUNDIDADE
Signo com
seu objeto
TERCEIRDADE
Signo com
seu interpretante
PRIMEIRIDADE
Quali-signo
Í
Ícone
Rema
SECUNDIDADE
Sin-signo
Índice
Dicente
TERCEIRIDADE
Legi-signo
Símbolo
Argumento
A primeira tricotomia postulada por Peirce diz respeito ao signo em si, na sua representação
(representamen em si), às suas qualidades, existência e lei, funciona sempre com referência ao
meio possuindo três propriedades formais que dão fundamento ao signo: o quali-signo, o sin-
signo e o legi-signo.
1.2.1.1 O Signo em si mesmo
O quali-signo, segundo Peirce “é uma qualidade que é um signo. Não pode atuar como signo
até que se corporifique; mas esta corporificação nada tem haver com seu caráter como signo”.
(PEIRCE, 2005, p. 52). O quali-signo possui aspectos sensoriais, qualidades em todos os
sentidos: gustativo, olfativo, tátil, auditivo e visual, e nunca é o mesmo, o que podemos
deduzir é que, com a mudança de uma qualidade o quali-signo sofre alterações e passa a ser
um signo novo, ou seja, semelhante ao primeiro e não ele mesmo. O quali-signo não é uma
coisa existente, um acontecimento real é uma mera qualidade, como por exemplo, as
qualidades da cor vermelha que possui significados universais construídos em diversas épocas
e civilizações. Desde quando o ser humano primitivo fez seus desenhos nas cavernas usando a
cor avermelhada, extraída do óxido de ferro, ao vermelho impresso que nos dias de hoje que
representa, o débito, a coca-cola e a resistência política, os significados dessa cor vêm se
firmando. A cor vermelha em um quali-signo é um fundamento que pode dá a qualidade de
afeto representado em um coração, de paixão em uma rosa, de resistência em uma bandeira,
em uma lâmpada, casa de prostituição, ou representar a vida, por ser a cor do sangue também.
23
Todas essas sugestões, sensações e sentimentos, provocados pela cor vermelha é que lhe dar a
competência de dar qualidade ao signo, com várias possibilidades de significação e
interpretação da cor vermelha com toda a beleza, poder e fascinação que essa cor carrega em
si. Santaella adverte que:
Lembramos: se algo aparece como pura qualidade, este algo é primeiro. É claro que uma
qualidade não pode aparecer e, portanto, não pode funcionar como signo sem ser encarnada em
algum objeto. Contudo o quali-signo diz respeito tão só e apenas à pura qualidade.
(SANTAELLA, 2006, p.63)
O quali-signo está dentro da categoria da Primeiridade, sendo a consciência imediata, a pura
qualidade de ser e sentir, uma impressão, um sentimento que faz a ponte para a segunda
categoria dos fenômenos e também para a segunda propriedade que dá fundamento aos
signos: o sin-signo.
O sin-signo “é uma coisa ou evento existente e real que é um signo. E só pode ser através das
suas qualidades, de tal modo que envolve um quali-signo, ou melhor, vários quali-signos”
(PEIRCE, 2005, p. 52). O sin-signo é o signo ocupando um lugar no tempo e no espaço se
relacionando a outros existentes onde a qualidade é sentida em um objeto, dando poder de
agir como signo e ser uma característica singular de cada signo. A cor vermelha entre as
inúmeras qualidades que possui, somente significa paixão quando está representada pela rosa,
afeto quando está encarnada em um coração. Uma das qualidades da cor vermelha na Roma
antiga era de ser exclusiva da alta aristocracia, usada somente por generais e imperadores,
pelo fato de ser complicada a extração de pigmentos para colorir tecidos. No código
Justiniano tinha a morte como punição, o plebeu que comprasse tecido vermelho. O vermelho
era uma cor exclusiva dos nobres. Por este motivo, na Comuna de Paris, os revolucionários
substituíram as bandeiras francesas pelas flâmulas vermelhas, desafiando o poder e
reverenciando o sangue dos companheiros derramado na luta. Todas as qualidades possuídas
pelo vermelho na Comuna de Paris tomam uma característica singular, única, significando
resistência e revolução. O vermelho aqui, não é pura qualidade, está presente em um signo, a
bandeira vermelha, é um signo existente, um acontecimento real, caracterizado pela
singularidade.
Vejamos agora por que o fato de existir faz daquilo que existe um signo. Todo
existente, qualquer existente é multiplamente determinado, é uma síntese de
múltiplas determinações, pois existir significa ocupar um lugar no tempo e no
24
espaço, significa reagir em relação ao outros existentes, significa conectar-se. Por
isso mesmo, os existentes apontam ao mesmo tempo para uma série de outros
existentes, para uma série de direções, infinitas direções. Cada uma das direções
para a qual o existente aponta é uma das suas referencias possíveis, em um campo de
referencias que se perdem de vista. O existente funciona assim como signo de cada
uma e potencialmente de todas as referencias a que se aplica, pois ele age como
parte daquilo para o que aponta. Essa propriedade de existir; que dá ao que existe o
poder de funcionar como signo, é chamado de sin-signo, onde “sin” quer dizer
singular. (SANTELLA, 2002, p. 13)
O sin-signo dentro da categoria dos fenômenos situa-se na Secundidade, pois é uma reação,
não mais um sentimento ou sensação, fazendo a ponte para a terceira categoria dos
fenômenos, e também para a terceira propriedade que dá fundamento aos signos: o legi-signo.
O legi-signo “é uma lei que é um signo. Todo signo convencional é um legi-signo (porém a
recíproca não é verdadeira). (PEIRCE, 2005, p. 52). O legi-signo é a propriedade de lei
estabelecida motivada pelas convenções socioculturais, como também pelas leis de direito. O
caso singular, o sin-signo aqui é generalizado e toma a confirmação de lei. A constante
presença da bandeira vermelha nas manifestações populares foi firmando no inconsciente
coletivo o significado de resistência e luta pela igualdade social no mundo inteiro, portanto a
cor vermelha torna-se uma característica geral, uma lei, um legi-signo, representando
oficialmente o comunismo nas bandeiras da União Soviética e da República Popular da
China. A qualidade presente no quali-signo, que se torna singular no Sin-signo, vem ser uma
lei, um legi-signo, que tanto pode ser convencional como arbitrário. É desta forma que o
vermelho torna-se a cor que representa o socialismo no Planeta Terra, e também o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra no Brasil.
Quando algo tem a propriedade da lei, recebe na semiótica o nome legi-signo e o
caso singular que se conforma à generalidade da lei é chamado de réplica. Assim
funcionam as palavras, assim funcionam todas as convenções socioculturais, assim
funcionam as leis de direito. (SANTAELLA, 2002, p. 13).
Os quali-sin-legi-signos são os fundamentos que habilitam as coisas atuarem como signos,
pois possibilitam apreensão de sua qualidade, existência e caráter de lei que os signos
carregam em si.
25
1.2.1.2 O Signo com seu objeto
A segunda tricotomia, criada por Peirce é formada pela relação do signo com o seu objeto,
quer dizer, ao que o signo se refere, e mantém alguma relação existencial. Está também
sujeita as categorias universais: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. Na relação com o
objeto, o signo é classificado em: icone, índice e símbolo.
Quando o fundamento do signo é um quali-signo a relação com o objeto representado será um
Ícone/imagem. Conforme Peirce, “qualquer coisa, seja uma qualidade, um existente
individual ou uma lei, é ícone de qualquer coisa, na medida em que for semelhante a essa e
utilizado como um seu signo”. (2006, p. 52), podendo ser representado também através de
diagramas, fotografias, desenhos.
O ícone é independente do objeto que lhe deu origem pode ser uma qualidade de um existente
individual, ou uma lei. É ícone na medida em que for semelhante a essa coisa e utilizado
como seu signo, como a imagem de Che Guevara que pode apresentar as qualidades de
revolucionário, ou simplesmente ser uma bonita estampa numa camiseta, ou algo que deve ser
combatido. Santaella explica que é:
a qualidade apenas que funciona como signo, e assim faz porque se dirige para
alguém e produzirá na mente desse alguém alguma coisa como um sentimento vago
e indivisível. É esse sentimento indiscernível que funcionará como objeto do signo,
visto que uma qualidade, na sua pureza de qualidade, não representa nenhum objeto.
Ao contrario, ela está aberta e apta para criar um objeto possível.
É por isso que, se o signo aparece como simples qualidade, na sua relação com seu
objeto, ele só pode ser um ícone. Isto porque qualidades não representam nada. Elas
se apresentam. Ora, se não representam, não pode funcionar como signo. Daí que o
Ícone seja sempre um quase- signo: algo que se dá à contemplação. (SANTAELLA,
2006, p. 64)
Quando a relação do signo com o objeto tem como fundamento um sin-signo, um existente, a
sua relação com o objeto será um índice. É um signo que indica o seu objeto, que segundo
Peirce, “em virtude de ser realmente afetado por esse objeto” (2005, p.52) por ter alguma
qualidade em comum com o objeto. O Índice funda-se não na semelhança como no ícone, mas
26
na conexão física com o objeto, sendo dependente do objeto que lhe deu origem definindo
contiguidade entre dois conhecimentos como a imagem de Che Guevara presente nas escolas
cubanas. Na secundidade a leitura é efetuada se transformando em ação e reação através do
índice.
Desse modo, uma coisa singular funciona como signo porque indica o universo do
qual faz parte. Daí que todo existente seja um Índice, pois como todo existente,
apresenta uma conexão de fato com todo o conjunto de que é parte. Tudo que existe,
portanto é índice ou pode funcionar como Índice. Basta, para tal, que seja constatada
a relação com o seu objeto de que o Índice é parte e como qual está existencialmente
conectado. (SANTAELLA, 2006, p. 66).
Quando o fundamento do signo é uma lei, um legi-signo, no terceiro momento da leitura
visual predomina a reflexão em relação ao signo que representa o seu objeto. Este torna-se um
símbolo, no processo contínuo, no qual um signo com as suas qualidades de ícone, sempre
indicando determinado objeto que representa, torna-se seu símbolo. Como Ernesto Che
Guevara simboliza o revolucionário exemplar nos movimentos sociais de esquerda. Segundo
Santaella, “todo símbolo inclui dentro de si quali-signos icônicos e sin-signos-indiciais.”
(2003, p. 23). Um signo é símbolo, quando é uma abstração de um concreto. Nesta categoria
da terceiridade, a leitura não é mais uma ação ou reação, mas sim, predominada pela razão.
Quanto às tríades ao nível de terceiridade, elas comparecem quando, em si mesmo, o
signo é de lei (Legissigno). Sendo uma lei, em relação ao seu objeto o signo é um
símbolo. Isto porque ele não representa seu objeto em virtude do caráter de sua
qualidade (hipoícone), nem, por manter em relação ao seu objeto uma conexão de
fato (índice), mas extrai seu poder de representação porque é portador de uma lei
que, por convenção ou pacto coletivo, determina que aquele signo represente seu
objeto. (SANTAELLA, 2006, p. 67).
1.2.1.3 As relações do signo com o objeto dinâmico e imediato
Para uma leitura e análise semiótica é imprescindível que além de ter bem claro as bases
teóricas para a aplicação da Semiótica, as suas propriedades formais, que fazem uma coisa
funcionar como signo, sua qualidade, existência e seu caráter de lei, como também as relações
do signo com o seu referente objeto que pode ser imediato e dinâmico.
27
O objeto dinâmico é o que o signo substitui, algo que está ausente no signo que pode ser uma
qualidade representada. O objeto dinâmico da bandeira vermelha com o mapa do Brasil pode
ser lido como o Movimento dos Sem Terra com toda a sua história e ideologia. O objeto
dinâmico de um símbolo é uma referência última que engloba todo o contexto ao qual o
símbolo se refere ou se aplica.
(...) Quando olhamos para uma fotografia, lá se apresenta uma imagem. Essa
imagem é o signo e o objeto dinâmico é aquilo que a foto capturou no ato da tomada
a que a imagem na foto corresponde. Quando ouvimos uma música, o objeto
dinâmico é tudo aquilo que as sequencias de sons são capazes de sugerir para a
nossa escuta. (SANTAELLA, 2002, p.15).
O objeto imediato é o modo como o signo é representado. Uma imensa bandeira do MST
sendo conduzida em uma marcha com milhares de Sem Terra, ou a mesma bandeira afixada
na parede de uma residência demonstra de modos diferentes o mesmo objeto dinâmico
presente no signo, que segundo Santaella:
O modo como o signo representa, indica, se assemelha, sugere, evoca aquilo que ele
se refere é o objeto imediato. Ele se chama imediato porque só temos acesso ao
objeto dinâmico através do objeto imediato, pois, na sua função mediadora, é
sempre o signo que nos coloca em contato com tudo aquilo que costumamos chamar
de realidade. (SANTAELLA, 2008, p.15).
O ícone com suas cores e imagens que estão presentes na bandeira do MST ou no boné dão a
qualidade de luta e resistência, que sugere, se assemelha, indica e simboliza o MST. É o
recorte específico, interno, que o objeto imediato faz do seu contexto de referência. O objeto
imediato de um símbolo é sempre representado através de uma lei.
1.2.1.4 O signo com seu interpretante
O interpretante que se concretiza na imagem mental é o efeito que o signo produz em “uma
mente real ou meramente potencial”. (SANTAELLA, 2006). Quer dizer, é o signo criado na
mente de alguém, da leitora ou leitor que faz a sua interpretação, através de três passos
imprescindíveis, que são: interpretante imediato, o interpretante dinâmico e interpretante final.
O interpretante imediato consiste naquilo que o signo está apto a produzir ainda no nível
abstrato. É primeiro efeito que um signo provoca, mas que não diz respeito a uma reação. Para
Santaella o interpretante imediato do signo quer dizer de sua interpretabilidade antes que o
signo encontre um intérprete qualquer em que esse potencial se efetive:
28
É um interpretante interno ao signo. Assim como o signo tem um objeto imediato,
que lhe é interno, também tem um interpretante interno. Trata-se do potencial
interpretativo do signo, quer dizer da interpretabilidade, ainda no nível abstrato,
antes de o signo encontrar um interprete qualquer em que esse potencial se efetive.
(SANTAELLA, 2002, p. 24).
O interpretante dinâmico, segundo Santaella “se refere ao efeito que o signo efetivamente
produz em um intérprete.” (2002, p.24). Este efeito é produzido de uma forma singular em
cada leitora ou leitor, que interpreta e reage de acordo com as categorias da fenomenologia: a
Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, que correspondem ao interpretante emocional,
energético e lógico.
O interpretante emocional é o primeiro efeito do signo provocado na mente do intérprete, é
uma simples qualidade de impressão e sentimento, sempre presente em qualquer
interpretação. São as sensações que os desenhos, imagens, cores que compõe o signo
produzem nos leitores e leitoras. O interpretante emocional está centrado nas características
da primeira categoria fenomenológica, a Primeiridade. Santaella nos diz que os Ícones tendem
a brotar esse tipo de interpretação na mente do intérprete e todas as obras de arte nas quais, o
aspecto sentimental é mais forte como nos romance e músicas.
O interpretante energético é o segundo efeito do signo provocado na mente do intérprete. O
interpretante energético está centrado nas características fenomenológica da Secundidade,
reage diante das informações que os ícones, índices geram na mente do leitor/leitora, se
apresentando de maneira ativa, através de uma ação física ou mental e intertextual. Segundo
Peirce, o significado de qualquer signo em uma pessoa depende do modo como esta reage ao
signo. Índices tendem a germinar esse tipo de interpretação energética na mente do intérprete,
pois dirigem o olhar do leitor para o objeto que eles indicam.
Já o interpretante lógico é o terceiro efeito que o signo provocado na mente do intérprete, é o
interpretante em si, através de uma regra interpretativa internalizada pelo intérprete sem a
qual o signo não tem significado. Aqui o signo é convencional, é de lei. O que não impede
que o raciocínio lógico diante da leitura e interpretação deste signo ocorra conforme o modo
que qualquer mente reage ao signo. O efeito, o significado da bandeira do MST provocado na
mente dos trabalhadores rurais sem terra é bem distinto do provocado nas pessoas que não
29
têm contato com esse movimento ou que são de uma classe social antagônica. Os símbolos
tendem a sugerir uma interpretação lógica na mente do intérprete, por ser ligado ao objeto que
representa através de uma regra interpretativa ou por uma ideia internalizada. O símbolo só
cumpre a sua função através de um interpretante que internalizou essa convenção, que faz a
conexão entre o signo e o seu objeto, já que o símbolo não tem a conexão física com o seu
objeto como os índices e nenhuma semelhança como no caso dos ícones. Sobre o interpretante
lógico Santaella acrescenta:
Dentro do interpretante lógico, Peirce introduziu um conceito muito importante, o de
interpretante lógico último, que equivale a mudanças de hábito. De fato, se as
interpretações sempre dependessem de regras interpretativas já internalizas, não
haveria espaço para a transformação e evolução. A mudança de hábito introduz esse
elemento transformativo e evolutivo no processo de interpretação. (SANTAELLA,
2002, p. 26).
O interpretante final é o resultado interpretativo ao qual todo o intérprete está destinado a
chegar se o signo for suficientemente considerado, contemplado, observado e refletido, dando
vazão ao interpretante final ao que realmente o signo tende representar como um signo de
razão. O interpretante final possui três níveis de interpretantes: rema, dicente e argumento.
O rema em seu interpretante é um signo de possibilidade qualitativa como nos quali-signos e
ícones que não vão além de uma conjuntura de uma hipótese interpretativa e segundo Peirce
“é entendido como representando esta e aquela espécie de Objeto possível. Todo Rema
propiciará, talvez, alguma informação, mas não é interpretado nesse sentido.” (PEIRCE, 2005,
p.53). Como exemplo de rema podemos dizer que “as bandeiras e flâmulas, usadas pelo MST
são sempre vermelhas”, a qualidade, são vermelhas, é um rema, pois trata-se da interpretação
que a leitora ou o leitor faz de uma qualidade do signo.
O dicente é o interpretante de um signo indicial, comprovando a sua existência como nos sin-
signos, despertando uma reação no seu intérprete, através de uma interpretação particular do
signo. Trata-se de um signo que provoca e desperta uma reação crítica no intérprete a partir do
fato descrito pelo rema, que é indicado pelo signo dicente. Com base no exemplo anterior na
frase: “as bandeiras e flâmulas, usadas pelo MST são sempre vermelhas”, portanto no signo
dicente, o vermelho representa resistência, socialismo, o que indica que o movimento dos
trabalhadores rurais sem terra resiste na luta pela justiça social. É a interpretação particular do
leitor ou leitora de um signo, seja ela positiva ou negativa é um dicente, pois se trata da
30
interpretação, que o intérprete/leitor ou leitora fazem de uma qualidade singular do signo.
Segundo Peirce:
Um Signo Dicente, é um Signo que, para seu interpretante, é um signo de existência
real. Portanto não pode ser um Ícone, o qual não dá base para interpretá-lo como
sendo algo que se refere a uma existência real. Um dicissigno envolve como parte
dele, um Rema para descrever o fato que é interpretado como sendo por ela
indicado. (2005, p.53).
O argumento é um signo que para o seu o interpretante é um signo de lei, exige um raciocínio
complexo, sendo o juízo verdadeiro que o interpretante faz do signo nas sequências lógicas do
quali-sin-legi-signo-simbólico. Para Peirce “um argumento é um signo cujo interpretante
representa seu objeto como sendo um signo ulterior através de uma lei, a saber, a lei segundo
a qual a passagem dessas premissas para essas conclusões tende a ser verdadeira.” (2000, p.
57). Por exemplo, “as bandeiras e flâmulas, usadas pelo MST são sempre vermelhas”,
excluem as demais cores de serem representações do MST, de serem classificadas como
símbolos de resistência e socialismo, pois o argumento de que o vermelho representa a
esquerda revolucionária é um signo de lei.
Imagem 1 - Mística “Marchar e Vencer”, 2010
Nesse registro fotográfico temos um ícone que faz referência a um dos momentos da Mística
Marchar e Vencer. Percebe-se nessa imagem a eleição do símbolo da bandeira do MST com
vistas a conduzir os intérpretes, por meio dos interpretantes imediatos aos interterpretantes
dinâmicos, a marcha em direção ao socialismo, uma das temáticas presentes. Os símbolos
estão afixados nas paredes, estampados na camiseta de uma estudante, no boné de outra, e
31
eles por si já informam que o MST é uma organização que tem como base a ideologia
marxista e a cor vermelha nas faixas distribuída no entorno e na bandeira do MST são legi-
signos que conduzem o intérprete ao interpretante final, isto é, que naquele momento os
organizadores e participantes comunicavam, por meio da Mística que é fundamental que os
lutadores do povo mantenham vivos os seus ideais.
32
II - A MÍSTICA E OS VALORES SIMBÓLICOS A ELA ATRIBUIDOS AO LONGO
DA HISTÓRIA
2.1 O Surgimento da Mística
A Mística praticada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve seu
marco dentro das ações da Igreja Católica com a Teologia da Libertação, na década de 80
Culminando com a criação das Comunidades Eclesiais de Base (CEB‟s) e das pastorais e em
especial com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), formada por padres e agentes religiosos,
detentores de convicção cristã e marxista. (COELHO, 2010).
Esses religiosos tinham o costume de iniciar todas as reuniões e encontros com os
trabalhadores e trabalhadoras rurais através de uma cerimônia. Sempre havia um grupo que
coordenava a ornamentação do ambiente com objetos do cotidiano rural, usando símbolos que
traziam forte representação religiosa e cultural. Inicialmente o cerimonial era um tipo de
encenação, que não chegava a ser teatral, mas sim, uma consagração. Usavam cruzes,
cartazes, ferramentas e produtos agrícolas e entoavam cânticos, recitavam poemas
acompanhados de gestos e mímicas. A cerimônia era produzida em conformidade com a
temática a ser discutida, a linguagem era adaptada para o público com vistas a uma maior
comunicação e participação. Não bastava só informar e provocar reflexões acerca das
questões sociais, mas também mobilizar emoções, a integração dos participantes e a
fraternidade espiritual.
A dimensão da espiritualidade era inerente às celebrações das místicas na CPT.
Mesmo que também na prática da mística também existisse conteúdos políticos de
contestação, o caráter espiritual não podia estar separado desta pratica. A mística
para a comissão tinha que fazer com que os trabalhadores se sentissem parte de uma
mesma família e que as suas experiências fossem compartilhadas.
Fundamentalmente, deveria ser uma linguagem que todos entendessem, para que
não desanimassem na luta. (COELHO, 2010, p.107).
33
E assim, a espiritualidade evangélica era desenvolvida com uma boa base de formação
política. Esta prática definida como Mística, é entendida como a fé, o devotamento sendo
concretizado em direção a uma causa que tinha como objetivo preencher e unificar todos e
todas em torno de uma mesma ideia: o compromisso coletivo de permanecer ou de caminhar
em direção à terra prometida.
A consciência política destes trabalhadores e trabalhadoras rurais foi gradativamente se
ampliando ao ponto de se tornar um movimento autônomo, dando origem ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, (MST), independente da igreja, porém com o forte apoio da
CPT, da qual herdou o aprendizado da Mística, elemento importantíssimo no engajamento,
construção e organização dos trabalhadores e trabalhadoras do Movimento Sem-Terra.
Em consonância com alguns pesquisadores e por meio de análise de algumas fontes,
parto da premissa que o MST, antes da sua oficialização em 1984, já vinha sendo
articulado por lideranças de trabalhadores rurais de diversos Estados, com apoio de
sindicatos, principalmente, da CPT. Este fato ficou evidenciado no ano de 1982,
quando circulava, provavelmente entre as lideranças engajadas na luta pela terra, um
convite para o Primeiro Encontro Nacional dos Sem Terra, realizado em Goiânia
entre os dias 23 e 26 de setembro. Conforme informações contidas no convite
assinado por Derci Pasqualloto, o Encontro foi organizado por lideranças dos
trabalhadores rurais sem terra, pelo Movimento dos Agricultores Rurais Sem Terra
do Oeste do Paraná, por alguns Sindicatos de Trabalhadores Rurais e com apoio de
órgãos ligados aos trabalhos da Igreja, junto aos sujeitos sem terra, com a CPT e o
Movimento de Animação Cristã no Meio Rural. (COELHO, 2010, p. 83).
A Mística que era realizada nos centros comunitários e nas comunidades passou também a ser
presente nos assentamentos e acampamentos, nos encontros do MST como uma forma de
valorização de todos os Sem Terra. Uma Mística ressignificada em que é valorizada a
memória das lideranças, aqueles que se dedicaram a emancipação humana, as histórias dos
assentamentos, os eventos históricos da luta dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, os
revolucionários e as revolucionárias do Brasil e da América Latina, como também em outros
continentes do Planeta Terra. Esta é uma das funções da Mística, rememorar os fatos
marcantes como assassinatos de trabalhadores e trabalhadoras, contar a suas histórias,
expressando as mensagens, por meio de legi-signo-simbólicos que fazem parte do cotidiano
dos trabalhadores como as ferramentas de trabalho, alimentos, canções, poesia, expressão
plástica, fotografias, teatro, monólogos, recitais entre outras linguagens.
34
A Mística praticada no MST possui um sentido abrangente, tenta envolver tudo o que esse
movimento representa os seus valores e práticas. Plínio Arruda Sampaio em relação à Mística
nos diz que:
Pois bem, a base da mística do MST é essa cultura da população rural do país. É na
força telúrica dessa população que o movimento alicerça sua fé na possibilidade de
mudança e extrai os valores, os sentimentos, as intuições que alimentam a sua
mística. A esse alicerce somam-se duas grandes vertentes místicas: a cristã e a
socialista-marxista. (VOZES SEM TERRA. REVISTA ELETRÔNICA. 2002 p.7)
Uma boa Mística sempre carrega uma mensagem de ânimo, esperança, coragem e
conhecimento, elementos importantes na formação política dos trabalhadores e trabalhadoras
rurais Sem Terra. O momento da apresentação da Mística é considerado imperdível, evento de
grande importância, reverenciado com muito respeito e carinho. Sampaio quanto ao ato
místico explicita que:
Reuniões, pequenas, grandes ou enormes, começam sempre com uma celebração.
Ela será rápida nas reuniões pequenas, demorada e complexa nas grandes. Os
elementos dessas celebrações são sempre os mesmos: terra, água, fogo, espigas de
milho, cartilha de estudante, enxada, flor. As palavras são poucas. Poéticas e
convincentes resgatam os poetas populares e os grandes poetas brasileiros como
Haroldo de Campos, Drumonnd de Andrade, Pedro Tierra. O gestual é contido e
significativo: o canto, o punho cerrado, indicando a indignação, a disposição de luta,
a esperança. Canto puro dos trovadores populares, surgidos dos grotões do país,
como Zé Pinto, Zé Cláudio, Marquinho, que se junta ao canto da mais fina flor dos
artistas brasileiros: Chico Buarque, Tom Jobim, Caymmi, Milton Nascimento.
(VOZES SEM TERRA. REVISTA ELETRÔNICA. 2002 p.7)
A Mística dos tempos da CPT foi apropriada pelo MST e ressignificada, ainda sendo mistério,
com um sentido religioso que se revela na solidariedade e também com um profundo
significado sócio-político. Não é algo abstrato, mas prático; um fazer sempre intencionado,
estimulando a permanência na luta, a base para as transformações da sociedade. A linguagem
usada é plural, a estruturação e a realização de cada mística é singular. Segundo João Pedro
Stedile:
Diferentemente, fomos construindo maneiras de fazer místicas a partir de uma maior
compreensão. Antes só imitávamos: “A Igreja usa determinada liturgia mística para
manter a unidade em torno do projeto do evangelho”. Quando forçávamos a cópia,
não dava certo porque as pessoas têm que ter o sentimento voltado para algum
projeto. A partir dessa compreensão, em cada momento, em cada atividade do
35
movimento, ressaltávamos uma faceta do projeto como forma de motivar as pessoas.
(STEDILE, 2005, p. 131).
A celebração da Mística no MST se transformou com a reconstrução dos seus discursos e
práticas em uma Mística com um sentido mais político do que religioso e na sua
intencionalidade a construção de uma identidade coletiva – Os Sem-Terra que diuturnamente
lutam pela terra, produção e educação; elementos importantes na resistência e sustentação do
MST.
Segundo Bogo (2009), a Mística não se constitui apenas no ato da consagração. O seu efeito
na mente dos intérpretes/leitores tem a função de ser permanente, abastecendo de energia,
coragem e ânimo os trabalhadores e trabalhadoras rurais Sem Terra. O efeito da Mística se
prolonga em todos os atos cotidianos, norteando as atividades em uma atitude sempre
positiva, dando razões para a contínua luta pela posse da terra e evolução de sua gente. A
Mística é considerada como a “Alma do Movimento” por ser também abstrata e universal é
tão viva quanto a própria vida dos seus praticantes, como a história de todos e todas que se
doaram até a morte pela liberdade de querer verdadeiramente uma vida digna para a
humanidade.
Por isto a Mística é fundamental para a vida e para a luta. Sem mística na vida
cotidiana, perdemos a alegria, a vibração, o interesse e a motivação de viver. Sem
mística na luta perdemos a vontade, combatividade, a criatividade e o amor pela
causa. (BOGO, 2009, p. 150).
A Mística sempre provoca um profundo e contagiante “entusiasmo” nos seus leitores e
leitoras. Entusiasmo é uma palavra grega que significa “ter os deuses aqui dentro”, no coração
e na mente, o que define muito bem o efeito da Mística, dos signos decifrados através da
contemplação dos ícones, índices e símbolos presentes nos textos não-verbais, que funcionam
como síntese de toda a cerimônia vivenciada – organizados na construção da Mandala.
2.2 A Mística no MST e sua Ressignificação
36
A Mística no MST é uma prática fundamental, um forte instrumento de conscientização e
formação política, pois é estruturada a partir da eleição de signos grávidos de significados
além da estética na composição da mesma.
A Mística no movimento é um importante elemento para integração e participação de
todos/todas, independente do grau de escolaridade, sempre gerando uma aceitação do mundo
social ao qual os trabalhadores e trabalhadoras estão vivendo. É através da Mística que este
sistema social, que compõe o MST é apreendido como legi-signos no ato de significar.
Desempenha um papel importante na visualização mental do que é o MST, da sua história na
luta pela ocupação da terra, produção e educação de suas crianças, jovens e adultos. Cria um
sentimento de pertencimento e a memória histórica é materializada nas Místicas com seus
personagens e outros signos como: música, poemas, cores, desenhos, formas geométricas,
flores, instrumentos, ferramentas e palavras de ordem.
A mística, sendo uma prática que auxilia na construção de memórias no MST, ao
mesmo tempo em que contribui com a edificação da identidade coletiva Sem Terra,
visando à coerência, à continuidade e à organização do grupo. Desse modo, pode-se
dizer que a memória “é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto
individual como coletiva na medida em que ela é um fator extremamente do
sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua
reconstrução de si”. (COELHO, 2010, p. 194).
A mensagem da Mística é sempre ideológica com seus valores, transmitindo um forte apelo e
estímulo aos trabalhadores e trabalhadoras rurais para que se envolvam nas atividades
políticas, objetivando a transformação humana, e dias melhores para todos e todas Sem Terra.
A Mística e a Educação atuam juntas, como importantes métodos para a resistência dos
trabalhadores e trabalhadoras dando um grande impulso para que na prática o novo aconteça,
em relação à forte ligação MST e Mística, Bogo explicita que,
A mística é essa força que existe dentro das pessoas para buscarem objetivos que são
realizações dos sonhos humanos. É uma perspectiva em que vamos construindo na
nossa própria existência, a partir das buscas que vamos estabelecendo como nosso
próprio destino como seres humanos nesta terra. E buscamos também melhoria para
os nossos descendentes. Logo, viver é uma arte interessante, porque nos obriga a
colocarmos diante das dificuldades com certas referencias que busquem, portanto,
expressar aquilo que queremos e ao mesmo tempo sem deixar de perceber aquilo
que somos. Então, queremos uma transformação social, mas também uma
transformação pessoal, uma transformação do homem, da mulher, do jovem e da
criança, para que a humanidade tenha de fato sentido em existir, respeitando a si
próprio, respeitando as demais espécies, como companheiros dessa convivência.
(BOGO,em entrevista cedida a mim e a colega Lucia Monteiro de Oliveira, 2010 )
37
É esta a função da Mística dentro do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem
Terra: convocar todos/todas para a construção de uma nova sociedade igualitária, através da
força e da união de todas/todas trabalhadores/as rurais com terra e sem terra, fortalecendo a
identidade, elevando a auto-estima de cada um/uma. Ela integra crianças, jovens, mulheres e
homens, criando a imagem de uma coletividade homogênea dentro da diversidade, pois tem
como um dos valores defendidos a solidariedade. Na Mística as vitórias/conquistas são
sentidas novamente, admiradas e revividas pelos Sem Terra no seu cotidiano, dentro dos
assentamentos e acampamentos onde atuam, sempre renovando a força na busca da realização
desta causa – o projeto da sociedade igualitária. Para Bogo o objetivo da Mística é
sustentar o projeto político da classe trabalhadora. Alimentar a prática com a energia
de que precisamos para seguir em frente. No fundo, o objetivo e manter a força, o
ânimo, a esperança, mesmo que em determinados momentos tudo apareça acabado.
(BOGO, 2003, p. 328).
O MST ao longo da história construiu seus símbolos, legi-signos que portam significados de
uma coletividade, trabalhadores e trabalhadoras que seguem rumo à construção do projeto
político dessa classe.
38
III – A MÍSTICA NO CURSO LETRAS DA TERRA: OS VALORES E
CONHECIMENTOS CONSTRUIDOS NO PROCESSO DE PRODUÇÃO E
RECEPÇÃO
3.1 O Curso Letras da Terra no Centro de Formação Carlos Marighella: A turma
Patativa do Assaré
O curso NO CIO DA TERRA, O GERMINAR DAS LETRAS EM MOVIMENTO: Formação de
Professores em Áreas de Assentamentos – Licenciatura em Letras ou Letras da Terra como é
denominado pelos estudantes/militantes, contribui para a formação de educadores e
educadoras de escolas do campo que atuam nas seguintes organizações: MST (Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), MLT (Movimento de Luta pela Terra), CETA
(Coordenação Estadual dos Trabalhadores Assentados), FETAG (Federação dos
Trabalhadores na Agricultura), FATRES (Fundação de Apoio aos Trabalhadores Rurais da
Região do Sisal).
A turma de Letras ou Patativa do Assaré escolheu esse cognome em homenagem ao menestrel
vivente da zona rural que canta em poesia a vida dos trabalhadores do campo. A turma iniciou
com 52 (cinquenta e dois) estudantes em 2006, originários do estado da Bahia e do Espírito
Santo, representantes de sete regionais da Bahia: (i) do norte, (ii) do oeste, (iii) do sul, (iv) do
Recôncavo, (v) do sudoeste, (vi) do baixo sul, (vii) do extremo sul e do norte do Espírito
Santo.
O curso tem sua matriz curricular organizada em 8 semestres, oferecidos no formato modular.
Cada módulo acontece em dois espaços geográficos e temporais: o Tempo Escola (TE) e o
Tempo Comunidade (TC).
O Tempo Escola é realizado no Centro de Formação Carlos Marighella, localizado no
Assentamento 1º de Abril no município do Prado – Bahia, onde são realizadas as atividades
didático-pedagógicas. O Tempo Escola é intenso, tendo de 8 a 10 h/a diariamente. Cada
módulo dura em torno de 40 a 50 dias letivos.
39
O Tempo Comunidade é tempo também de estudo, pesquisa e práticas. Momento de retorno
dos estudantes as suas áreas de assentamento ou acampamento para refletir e por em prática
parte do que fora aprendido no Tempo Escola.
Nesse formato curricular busca-se estabelecer uma conexão entre a produção de
conhecimento e a pesquisa, tendo como base a realidade vivida nos assentamentos e
acampamentos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais Sem-Terra. A teoria estudada
funcionando como base para a pesquisa, no dia a dia dos futuros profissionais das Letras.
A turma está auto-organizada em Núcleos de Base, esses núcleos são formados no primeiro
dia de aula de cada semestre, quando é escolhido o nome do Núcleo, e eleitos a coordenadora,
o coordenador, um secretário ou secretária. Os Núcleos de Base se reúnem constantemente,
estudam e realizando trabalhos em grupos, e todas as terças-feiras, à noite, quando as decisões
e normas do curso são recebidas, após a reunião da Comissão Política Pedagógica (CPP).
Os Núcleos de Base possuem várias funções, como no Tempo Trabalho realizar as tarefas de
limpeza e manutenção da estrutura do Centro de Formação Carlos Marighela. O Tempo
Trabalho é executado no final da tarde, apos a última aula. Há também o Tempo de
Organização, dedicado a reuniões dos Núcleos Base para planejamento, discussões e
execução de atividades, dentre essas a função de criar e organizar a Mística.
A Turma Patativa do Assaré também é dividida em setores, cada membro dos Núcleos de
Base participa de um setor. Os Setores têm como compromisso planejar, organizar a execução
de todas as atividades necessárias para a permanência dos estudantes no Centro de Formação
Carlos Marighela e uma melhor realização do Curso Letras da Terra. Todo o Tempo Escola
vivenciado no Centro de Formação é acompanhado e executado pelo coletivo por meio dos
setores, com suas atribuições bem definidas assim como tem os Núcleos de Base.
Quanto aos setores que constituem a organização do curso são sete: (1) o setor de
Comunicação, encarregado da elaboração do Jornal Letras da Terra, mural, em fim de fazer a
comunicação visual do Curso; (2) o setor de Saúde, Esporte e Lazer, cuida dos doentes,
prepara chás, faz massagens e providencia uma farmácia e produtos de primeiros socorros; (3)
o setor de Cultura, o responsável pelo planejamento e organização das Noites Culturais. As
noites culturais acontecem quinzenalmente, nesse espaço cada Núcleo de Base faz uma
40
apresentação artística, que pode ser um recital de poesia ou teatro, cantos, contador de causos,
e depois muita dança até uma hora da manhã. Há também (4) o setor Financeiro, que faz
pequenos trabalhos, na intenção de arrecadar recursos para a festa de formatura da Turma; (5)
o setor de Infra-estrutura, responsável para fazer pequenos reparos no Centro de Formação,
como trocar lâmpadas ou desentupir ralos ou vasos sanitários e organizar as tarefas diárias de
limpeza no Centro de Formação. O setor de Infra Estrutura também é o responsável pelos
aparelhos eletrônicos, (aparelhagem de som, televisão, aparelho de DVD, toca CD) deixando
todos esses aparatos no ponto de serem usados pelos NBs ou educadores durante as aulas; (6)
o setor de Formação que tem a função de dar uma formação política continuada ao
estudante/militante promovendo seminários e cursos sobre a teoria marxista além de orientar
as leituras todas as manhãs, das seis até as sete horas e (7) o setor de Educação – o
responsável pela Ciranda Infantil, onde permanecem as crianças, filhos e filhas dos educandos
durante o Tempo Escola. Este, além de coordenar o funcionamento e organização da Casa da
Ciranda, tem também a função de fazer reforço escolar com as crianças e adolescentes do
Assentamento 1º de Abril, embora nem sempre isso tenha acontecido. Há a equipe de
Secretaria com a função de organizar tudo que é referente a documentação, entrega de
trabalhos, material didático, listas de frequência, em fim fornece apoio técnico aos educadores
e educadoras do curso.
O MST entende que a educação acontece em diferentes tempos educativos: o Tempo
Reflexão, Tempo Formatura, Tempo Leitura, Tempo Trabalho, Tempo Organização, Tempo
Aula. Essa forma de perceber a educação e de administrar o tempo funciona como um método
eficaz para a organização do tempo coletivo e pessoal, facilitando também a disciplina e o
cumprimento dos horários.
No Tempo Reflexão há um suporte textual de suma importância, O Livro de Memória onde é
realizado todas as atividades vivenciadas durante o Tempo Escola no Curso. O livro é
socializado com cada Núcleo de Base e seus componentes vão anotando a memória do que
vivenciou, com reflexões, de forma poética. Quanto ao estilo, a turma adotou uma
estruturação, a introdução é marcada com um pensamento de algum revolucionário, no
desenvolvimento o relato do acontecido, partindo da descrição do aspecto físico do dia e da
primeira atividade realizada com todo o coletivo: a Mística. Após apreciação e/ou
consideração da Mística as atividades acadêmicas são pontuadas e a conclusão do texto é feita
41
por meio de um fragmento de poema, pensamento, música e muitas vezes, poesias elaboradas
pelo escriba daquela memória.
O Tempo Reflexão é completado com o Caderno de Reflexão este é individual, nele cada
estudante/militante registra as suas aprendizagens, reflete sobre os acontecimentos ou
simplesmente os descreve, relata a Mística do dia e os temas estudados nas aulas. Este
caderno é entregue ao Coordenador do Curso/MST que lê e devolve com apreciações.
Na rotina durante a execução do Curso Letras da Terra, antes das seis da manhã a Turma
Patativa do Assaré já está acordada, é o momento do Tempo Leitura, cada educando/educanda
no seu Núcleo de Base estuda temas relacionados à formação política até as sete. Enquanto
isso há sempre um Núcleo de Base preparando o ambiente para a Mística.
3. 2 Turma Patativa do Assaré e a Mística: Processo de Criação
Após a leitura matinal é servido o café da manha até 7h:30min, e depois é iniciado o Tempo
de Formação, momento em que todos/todas estudantes se reúnem diante de uma Mandala
localizada no pátio, em frente a entrada principal do Centro de Formação Carlos Marighela.
No centro do círculo da Mandala está o mastro onde é hasteada a bandeira do MST. A
bandeira e o Hino são dois símbolos que estão presentes nesse momento. No momento de
organização que antecede a Mística os informes são socializados, o aniversariante do dia é
homenageado e é feita a conferência dos Núcleos de Base que vigorosamente de punhos
erguidos dão o seu grito de ordem. Os instrumentos musicais: pandeiros, atabaque, violão e
seus tocadores estão presentes.
A partir deste momento o ato místico já está iniciado, quando cada ação ou palavra é dedicada
à motivação das atividades diárias. O Hino do MST é entoado enquanto a bandeira é hasteada
e a Mística firma a sua presença no canto coletivo do hino. Após o hino, a turma se dirige a
recepção onde geralmente o ato Místico é realizado, às vezes acontece no refeitório, quando é
necessário um espaço maior, ou em uma sala de aula, quando há necessidade do cenário ser
mantido em segredo até o momento da vivência.
42
No início de cada etapa é determinado o dia da semana em que cada Núcleo de Base realizará
a sua Mística. Os NBs sempre começam a preparar, a “pensar” a Mística com alguns dias de
antecedência. A criação e planejamento de uma Mística podem ser feito em apenas uma
reunião, porém algumas vezes são necessários vários encontros, isso se modifica em função
da temática, da produção de lembrancinhas, da pesquisa de textos ou então a escrita do
mesmo, além da produção do material para a montagem do cenário. A partir do momento que
o tema é definido, o cenário é planejado, as músicas e poesia são escolhidas; as tarefas são
divididas.
A temática da Mística deve estar conectada com o lugar e com o grupo, e principalmente com
as ideias e sentimentos que devem ser por ela transitados. De acordo com o tema do dia, se
produz um texto ou busca nos livros “bons para Místicas” algum que atenda os anseios dos
produtores. Nos sexto e sétimo semestres do curso, em 2010, o livro “Cartas de Amor”, de
Ademar Bogo, foi consultado, e muitas cartas lidas e/ou interpretadas, por essas conterem
mensagens que refletem acerca de todas as datas comemorativas. A poesia de Ademar Bogo é
muito recitada nas Místicas apresentadas pelos estudantes de Letras e também referidas no
Livro de Memória do Curso de Letras.
Grande parte das músicas usadas nas Místicas é de autoria de militantes do MST, as gravadas
no CD “Arte em Movimento”. São músicas de cunho pedagógico e político, apresentando a
ideologia do MST e de como vivem o trabalhador e a trabalhadora rural, a luta pela ocupação
da terra, pela produção e educação de suas crianças, jovens, adultos. Essas músicas possuem
alto grau de comunicação, por isso são utilizadas na produção da Mística. As músicas
funcionam como legi-signos, pois tratam de questões como educação, socialismo, união,
contra o capitalismo e latifúndio.
Além de músicas produzidas pelo próprio movimento também são utilizados hinos/louvores
evangélicos e canções de Milton Nascimento, Chico Buarque, Geraldo Vandré, entre outros.
Há músicas que se repetem, dentre elas “pra não dizer que não falei das flores” “Amigos para
Sempre”, “Tocando em Frente”, essas nunca esgotam o seu poder de sensibilizar e emocionar.
E em cada Mística são renovadas, agregando a elas outros significados.
Escolhido o tema, texto e música o próximo passo é organizar o cenário que geralmente tem
como fundamento um grande círculo desenhado no chão. Se a delimitação da Mística é
grande e detalhada, se faz na noite anterior pelo menos o esboço, ou antes, das seis da manhã.
43
Porém, por mais simples que seja a Mística, às seis da manhã é iniciada a preparação do
ambiente.
Todos esses elementos, tema, texto, música e cenário devem ser preparados para provocar
sensação de inusitado, novidade, condições da Primeiridade. Os demais membros dos outros
NBs não podem ter conhecimento do que será proporcionado/vivenciado.
A última etapa antes da vivência da Mística é o ensaio, este é realizado entre os membros do
NB e depois com os convidados – caso algum companheiro/companheira de outros Núcleos
de Base seja necessário/a de ser incluído/a na Mística.
O material para a construção plástica da Mística, principalmente para a grafia de palavras, os
desenhos e o contorno da Mandala são feitos com materiais naturais (terra, folhagem, flores,
galhos, carvão, farinha de milho, farinha de mandioca). O figurino é improvisado, lençóis se
transformam em túnicas, o tecido não sintético (conhecido por TNT) é muito usado, pela
versatilidade e cores, pode ser um rio ou uma indumentária. Na composição do mosaico de
cores e forma da expressão plástica a tinta também é utilizada, principalmente a cor vermelha.
Outros signos que são trazidos para a mandala: fotografias, telas, bandeiras, flâmulas,
ferramentas, produtos agrícolas, livros, camisas, bonés, jornais.
Os materiais eleitos indicam a quem ou o que está representado de imediato, e o intérprete
tem o ícone, a imagem – a expressão grafo-plástica – à sua disposição para ser contemplada.
São condições da Primeiridade. Os signos eleitos pelo NB são organizados com uma
intencionalidade, entretanto eles por si só informam, pois fazem referência a um
contexto/situação, condições da Secundidade, possibilitada pelos seus sin-signos (as cores, o
designe, a textura dos elementos) conduzindo o intérprete do secundo nível para o terceiro, o
da significação, isto é, a elaboração de novos signos. A Terceiridade que é materializada por
meio dos legi-signos que fundamentam os signos ali presentes e significado pelos intérpretes,
por meio da semiose.
Quanto a esse processo Santaella assim o descreve: “a contemplação dos signos é o primeiro
olhar que devemos dirigir a eles […] contemplar significa tornar-se disponível para o que está
diante dos nossos sentidos. Desautomatizar tanto quanto possível nossa percepção.” (2007, p.
29).
44
Essa leitura no nível sensorial (Primeiridade) conduz à Secundidade – a reação diante das
impressões causadas pelo signo, para que isso aconteça o intérprete deve “estar alerta para a
existência singular do fenômeno, saber discriminar os limites que o diferenciam do contexto
ao qual pertence distinguir partes e todo.” (SANTAELLA, 2007, p.31). Nesse momento
observacional, de percepção, a existência do signo permite ao intérprete discriminar seus
limiares, determinando quais particularidades tornam sua existência distinta num determinado
contexto.
A Secundidade conduz o intérprete para o terceiro momento, que é a capacidade de “abstrair o
geral do particular, extrair de um dado fenômeno aquilo que ele tem em comum com todos os
outros com que compõe uma classe geral.” (SANTAELLA, 2007, p. 32). Portanto, significar
envolve apreender os aspectos de lei do fundamento do signo, focando a atenção para as
regularidades regida pelas convenções sociais.
Quanto às convenções sociais eleitas como legi-signos, o MST tem os seus símbolos, sobre a
simbologia na Mística Bogo defende que
As pessoas precisam enxergarem-se e identificarem-se através dos símbolos, mas
símbolos que tenham significado coletivo e que estejam dentro da ética e a serviço
da construção da dignidade humana. Mais do que nunca é fundamental que se
recupere e se desenvolva no imaginário e na prática social a importância dos
símbolos para fazer frente ao processo de alienação e despolitização das relações
sociais. (BOGO, 2009, p. 70)
O efeito que o signo produz em uma mente, na semiótica é denominado de interpretante.
Sendo assim, uma das tarefas eleitas nessa pesquisa foi a análise semiótica do potencial
comunicativo dos signos empregados nas Místicas, especificamente a semiose estabelecida
pelos estudantes de Letras, a partir dos processos de apreensão, reação e argumentação.
3. 3 Turma Patativa do Assaré e o signo Mística: Apreensão, Reação e Argumentação
As categorias universais dos signos nortearam o percurso para a análise dos processos de
apreensão (Primeiridade), reação (Secundidade) e argumentação (Terceiridade) realizados
pelos intérpretes acerca das Místicas. Os depoimentos foram retirados do Livro de Memória.
Nessa perspectiva esses registros funcionam como outros signos, uma vez que carregam a
capacidade de significar o signo anterior. Um “processo em movimento em que um signo
45
explicita outro signo,” representando outra coisa, criando outro signo. “Toda conclusão ou
racionamento é a interpretação de um conjunto de signos. Ele só pode funcionar como signo
se carregar esse poder de representar, substituir uma coisa diferente dele” (conforme
Santaella, 2006, p. 56).
É de praxe sempre no início de cada etapa relembrar através da Mística todos e todas os/as
companheiros/as que não estão mais presentes. No sexto semestre foram 12 que não puderam
continuar o curso, de uma turma de 52 estudantes, em 2006, em 2010 eram 40. Os nomes
foram lembrados e registrados, grafados com letras vermelhas em uma cartolina branca.
Imagem 2 – “Mística de Boas Vindas ao VI Semestre”
NB Castro Alves.
O cartaz por seu caráter visual chama atenção pela força da cor vermelha no branco. O
registro marca que essas pessoas fizeram parte da história de cada um/a, e a escrita dos nomes
é um signo de lei. Entretanto, esse signo foi apreendido em parte pela estudante, pois esta
retoma o evento e registra no livro de Memória de maneira geral, sem nomear os colegas, na
sentença temos “os companheiros que desistiram” como se o seu relatório fosse a
continuidade da Mística. A intérprete considera que os signos registrados na cartolina,
naquele momento ainda estavam presentes na memória dos colegas.
O dia hoje iniciou com o sol prometendo um bom momento para iniciarmos as aulas
da VI etapa. As 6 da manhã começamos preparar a mística que durante a leitura de
um texto foi lembrado os NBs da etapa passada e os companheiros que desistiram
46
do curso, incentivando os demais a continuarem na caminhada. Depois foi a entrega
das lembranças dando as boas vindas a turma” (LIVRO DE MEMÓRIA, NB
Lampião, Maria Ramos, 2010, p. 148).
A Mística no Centro de Formação Carlos Marighela é ritualizada todas as manhãs, durantes
todas as etapas do Curso Letras da Terra, com a mesma dedicação e emoção. Esse momento
de congregação colabora para o fortalecimento das redes de relações entre os
estudantes/militantes, funcionando como um importante meio de comunicação e expressão e
rompe com o padrão de aula da academia, apontando para construção de saberes, por meio de
outras linguagens e metodologias.
Quando o Núcleo de Base Lampião mudou para o nome João Cândido, foi na Mística que fez
o comunicado, explicando o porquê da preferência pelo marinheiro negro, contando a história
do baiano João Cândido. No Curso Letras da Terra, cada NB tem o compromisso de expor na
Mística a história do seu núcleo Nesta Mística, “Lampião” se despede e “Cândido” entra em
cena como é descrito pelo escrivão no Livro de Memória:
Imagem 3 – “Despedida de Lampião”
NB João Cândido
Bogo no artigo Valores que deve cultivar um lutador do povo diz que “a ternura como valor
está na linha do aperfeiçoamento do comportamento político e humano de um lutador do povo
na sua relação com a coletividade” (2009, p. 65) E esse deve ser um dos valores a serem
47
defendidos nas Místicas. Dando continuidade a essa tese ele diz que a “ignorância é o oposto
da ternura.” (2009, p. 65). Os saberes construídos nessa Mística transitaram pelas áreas:
História, Cultura, Linguística Textual e Artes. Conhecimentos que são perquiridos, por meio
de leituras, pesquisas e socializados com os demais. Segundo o depoimento de Carlos Magno:
“a mística retratou a despedida do cangaceiro Lampião, e a chegada do marinheiro João
Cândido que lutou pela revolta da chibata, e por isso teve que pagar um preço, foi internado
como louco”. (NB Castro Alves, Carlos Magno, LIVRO DE MEMÓRIA, 2010, p.152).
As argumentações sobre as Místicas também trazem análises, reflexões sobre a temática
apresentada. O estudante/militante e escritor Bogo na sua leitura sobre a Mística realizada
pelo NB Maria Bonita, fez uma crítica ao núcleo cujo nome homenageava a companheira de
Lampião. Nesse sentido temos no Livro de Memória:
“Achavam-se agrupados e presos à terra por uma raiz comum, como uma moita de
bambu, e como esse vegetal inclinam-se e dobram-se mas, sobreviviam às maiores
tempestades.”
Com este pensamento e a mesma postura dos bambus, inclinados para o mesmo
objetivo, iniciamos o dia 25 de março com o estudo do “Método de Trabalho de
Base e a Organização Popular”, onde pudemos precisar a importância da valorização
do povo como força invencível. Portanto deve saber lidar, contribuir, ensinar e
aprender para que a humanidade seja verdadeiramente solidaria.
A mística também tratou de um tema semelhante, (o núcleo “Maria Bonita”, que por
sinal junto com o Núcleo Lampião, os seus companheiros, não sintonizaram o
espírito literário do curso com a identificação organizativa, pois utilizaram-se de
mitos do banditismo social para demarcar algo que é muito superior e que merecia
um trato mais cuidadoso que nos ajudasse a cultivar e a imitar referências mais
idôneas) a identidade da mulher. A mãe futura, unida a companheiros que a
acompanham na sua delicadeza e postura de vencedora. (NB João Candido, Ademar
Bogo, 2010, p. 150).
As Místicas suscitam nos intérpretes sensações, reflexões, transferindo-os para um espaço que
não é material, no plano das ideias e das emoções; um lócus em que as atitudes e os
pensamentos reproduzidos são examinados avaliados, conforme as observações feitas pelo
estudante acerca da temática apresentada na Mística do NB Maria Bonita.
A argumentação apresentada aponta que as Místicas elaboradas têm cumprido as funções:
informar, comunicar e elevar o nível de consciência dos sujeitos que delas fazem parte. E
nesse processo, um signo remete a outro signo. A avaliação acerca da escolha do nome para o
48
NB suscitou na equipe Maria Bonita a necessidade de elaborar uma Mística que retomasse o
legi-signo apresentado no relatório, pelo estudante Bogo; uma contra-argumentação.
Na Mística seguinte, o NB Maria Bonita respondeu a avaliação do NB João Candido, ex-
Lampião, realizando uma mística tendo como tema homenagem as mulheres de diferentes
espaços e funções: cangaceiras, comunistas, socialistas, santas e religiosas, entre elas Maria
Madalena e especialmente, as companheiras do Curso Letras da Terra com o seguinte texto:
E por sermos assim essas mulheres revolucionárias, lutadoras, não voltaremos pro
sertão, nem seguiremos por caminhos obscuros, caminharemos lutando, mulheres
maduras que saíram de cima dos muros. “Somos Marias Bonitas, embelezamos e
fortalecemos as revoluções, construímos nossos destinos e não ficaremos presas aos
incansáveis Lampiões.” (LIVRO DE MEMÓRIA, NB Maria Bonita, 2010)
magem 4 – Mística “A Mulher” imagem 5 – Mística “Somos Marias”
Quanto à leitura desta Mística, o estudante Janderson interpreta o signo assim como os demais
intérpretes que chegaram ao interpretante final:
A mística traz elemento sobre a participação da mulher na luta, trouxeram a
presença de Rosa Luxemburgo, Olga Benário, entre outras que dedicaram a vida
pela emancipação. A NB Maria Bonita esqueceu que a revolução é uma construção
coletiva e que, portanto, precisa da participação de todos indiscriminadamente, sem
isto a luta fica pela metade. A mística não pode ser um instrumento de vingança e
ser revolucionário ou revolucionaria, é compreender que a luta deve ser feita contra
49
o sistema capitalista que menospreza as relações sociais. Pois, como disse a
companheira Olga Benário é preciso lutar pelo bom, pelo justo e pelo melhor do
mundo. (LIVRO DE MEMÓRIA, NB Abril Vermelho, Janderson Silva Santos,
2010, p. 156)
A Terceiridade no estabelecimento da relação do signo com o interpretante, processo em que
o intérprete dialoga com os objetos imediatos e dinâmicos dos signos presentes na Mística,
estabelecendo uma síntese intelectual, a partir da aproximação com os quali-signo-remáticos e
com os sin-signo-dicentes, constituindo deste modo uma elaboração cognitiva. Não tratando
só a estética da Mística, nem estritamente uma relação factual com a realidade, e sim uma
compreensão, um argumento, afirmando que “a mística não pode ser um instrumento de
vingança e ser revolucionário ou revolucionaria, é compreender que a luta deve ser feita
contra o sistema capitalista que menospreza as relações sociais”. (LIVRO DE MEMÓRIA
Janderson S. Santos, 2010, p. 156).
O NB Maria Bonita, formado somente por mulheres, permaneceu nos sexto e sétimo
semestres, elaborando Místicas, tendo como tema gerador a valorização da mulher em todos
os sentidos.
O objeto imediato é como o signo se apresenta mediando/representando a realidade e o objeto
dinâmico é a própria conjuntura da realidade, com toda a sua complexidade e contradições,
estas últimas sendo representadas somente em partes ou tendo como determinante a natureza
do signo. Portanto, uma única situação pode ter inúmeros objetos imediatos, visto que o signo
em seu ad infinitum propaga-se em variados contextos de inúmeras formas. Os exemplos das
diversas Místicas tendo a mulher como temática exemplifica essa assertiva. Nesse caso, o
objeto imediato é a Mística com todos os signos que a compõe e o objeto dinâmico é a
questão da mulher e a militância. Assim, o signo é atualizado, como se percebe nesse legi-
signo-argumentativo elaborado a partir da vivencia de uma terceira Mística elaborada pelo
NB Maria Bonita:
A Mística do NB Maria Bonita trouxe alguns elementos que nos levou a refletir
sobre a liberdade, retratou questão de gênero, nos fez lembrar aqueles que tombaram
na caminhada, fortaleceu a importância da formação para os indivíduos e para
valorização da organização da qual pertencemos. (LIVRO DE MEMÓRIA, NB
Maria Bonita, Ednalda Silva Paiva, 2010)
As Místicas criadas pelos estudantes têm como alicerce a ideologia do MST e os assuntos
estudados nos componentes curriculares do curso Letras da Terra funcionam como apoios.
50
Todos os signos que simbolizam as ideologias desses segmentos – movimento e universidade
- estão sempre presentes, como a bandeira, o hino, a enxada, a terra, o verde, o alimento tirado
da terra e o/a homem/mulher, o livro, o poema, o conto e o teatro.
A mística esteve por conta do NB3 Abril Vermelho, em que retrataram o tempo, a
organização, a força que os símbolos nos ajudam a caminhar como os alimentos,
livros, o sal, como um horizonte que iremos percorrer no caminho (LIVRO DE
MEMÓRIA, NB Castro Alves, 2010, p. 179)
A forma especial como a Mística é produzida por meio desses símbolos confere a este signo a
qualidade de um signo genuinamente do MST, e a expressão Mandada como síntese da
vivência. A expressão é concluída desde que haja a presença dos sujeitos sociais
(trabalhadores/trabalhadoras, educandas/educandos, militantes, educadores e representantes
do assentamento) que em união com os demais signos informam de onde são e o que querem,
diferentemente dos ícones e dos índices em que o primeiro é uma representação – como as
fotografias de grandes vultos da história e o segundo uma referencialidade, como o vermelho
nas faixas, nas flâmulas; os sujeitos que obrigatoriamente compõem a Mística são signos e
por natureza legi-signos.
A Mística construída no Curso Letras da Terra é um componente fundamental para o
equilíbrio e harmonia da turma, manhãs iniciadas com arte, animando e auxiliando no
processo de organização do espaço do Curso, traduzindo esse sentimento um NB apresentou
essa humanização na Mística, conforme o registro de Daniel Silva: “A mística trouxe as partes
do corpo humano relacionando-o com a construção dos valores na formação dos indivíduos na
sociedade”. (NB Abril Vermelho, Daniel Silva, 2010, p. 158).
Imagem 6 - Mística: “Obrigação de Seguir” NB João Cândido
51
A Mística tem a função de influenciar os comportamentos, sensibilizando os participantes
para uma melhor convivência. No Livro de Memória temos o registro: “A mística enfatiza o
compromisso que temos com os estudos, com a organização, o espaço onde estamos e
principalmente com o companheiro.” (LIVRO DE MEMÓRIA, NB Abril Vermelho,
Edmilson Araújo, 2010, p. 159).
Essa discussão foi apresentada pela Mística do NB Abril Vermelho e para que esse objetivo
fosse alcançado, a construção de um signo próximo do que o grupo apresentara através de
legi-signos:
“- A cultura, a moral, a arte e os valores seriam muito diferentes se o mundo tivesse
companheirismo. Você é companheiro?”
“- Se somos seres inteligentes, precisamos provar isto com atos, onde vivemos
devemos cultivar a beleza, a rebeldia e o conhecimento. Você é companheiro?”
“- Companheirismo exala solidariedade, ambas são armas poderosas contra o
egoísmo, precisamos está atentos para que não caiamos em contradição de falar o
que não se vive. Você é companheiro?”
Imagem 7 - Mística: “Você é companheiro?
No curso de Letras a Mística tem sido utilizada pelos estudantes como uma arte
revolucionária, contestadora da realidade social. Nesse sentido, o NB Gandhi defendeu o
combate a alienação e a ideia defendida, posteriormente foi sistematizada pela educanda Ana
Cristina:
52
A mística do Núcleo Gandhi, traz as contradições provocadas pela alienação. E
ressalta que esta também, por vezes fazem-se presentes nas lutas populares.
Portanto, devemos incansavelmente formar nossa consciência, para que não
venhamos a cair em desvios. (LIVRO DE MEMORIA, NB Abril Vermelho, Ana
Cristina de Araújo, 2010, p. 156).
Imagem 8 - Mística: “A alienação deve ser combatida”, NB Gandhi.
A semiose estabelecida pela educanda Ana Cristina faz parte de um “processo em movimento
em que um signo explicita outro signo,”representando outra coisa, criando outro signo. “Toda
conclusão ou racionamento é a interpretação de um conjunto de signos. Ele só pode funcionar
como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma coisa diferente dele”
(SANTAELLa, 2006, p. 58). Tem-se a Mística, o seu objeto dinâmico, o tema: a alienação
deve ser combatida. Este foi apresentado por meio do objeto imediato: os quali-signo, os sin-
signos e os legi-signos. Todos esses representamem foram captados pela intérprete,
estabeleceu-se uma referencialidade, por meio das singularidades presentes nos índices e
pelas convenções embutidas nos símbolos; em seguida a construção de um significado, um
novo signo – o texto da estudante apresentado anteriormente.
A Mística contribui para a formação irrestrita dos/das educandos/das, uma vez que temáticas
como dificuldades nas relações interpessoais surgidas no decorrer do curso e na aprendizagem
são abordadas. Não trata apenas o problema, mas também reflete sobre o mesmo, apontando
53
caminhos para que, neste caso, a aprendizagem em todos os sentidos seja produtiva e
significativa para todos e todas. A semiose, presentes nos depoimentos, confirmam o
potencial comunicativo das Místicas:
(1) A mística nos mostrara os verdadeiros valores de um educador, transmissor de
verdades, ativador de amor e amizade e acima de tudo gostar e se orgulhar do que
faz. (NB Letras em Movimento, Edinália Maria da Cruz, 2010, p. 163).
(2) A mística de hoje nos mostrou uma grande e triste realidade. O professor
tradicional e opressor. Vimos a transformação através da conscientização em um
educador que dialoga com o aluno e liberta.
(3) A NB João Candido trouxe no ato místico os valores presentes na educação e a
importância destes valores para as construções da consciência dos indivíduos, assim
como a relevante participação de educadoras e educadores nesta formação e
construção de valores. Ficou nítida a importância de existir interação entre os
sujeitos envolvidos no processo educacional. (NB Maria Bonita, 2010, p.163)
Os três argumentos são os interpretantes finais, do interpretante dinâmico – as questões
presentes nas três Místicas – percebe-se que os três trazem significados semelhantes,
denotando que nas Místicas havia signos que funcionavam como signos de lei.
O registro fotográfico da Mandala “Valores na Educação” mostra a imagem de uma rosácea,
em cujo miolo da flor há a figura do trabalhador e trabalhadora junto ao mapa do Brasil
(símbolo presente na bandeira do MST), um legi-signo, portanto a linguagem comunicava que
as conquistas são frutos da união. A grande rosácea tem as pétalas construídas por hibiscos e
folhagens, em cada pétala uma palavra. Cada palavra por associação estabelecia a rede de
significação. Sendo assim, a utilização do signo verbal contribui para apropriação do
conhecimento do conteúdo apresentado na Mística.
Imagem 9 - Mística “Valores na Educação” NB João Cândido
54
A argumentação (Terceiridade) vem precedida pela sensação (Primeiridade) e reação
(Secundidade) e esses três estados possíveis da mente não podem ser entendidos como dados
estanques. Disse Peirce: nenhuma linha firme de demarcação pode ser desenhada entre
diferentes estados integrais da mente, isto é, entre estados tais como sentimento, vontade e
conhecimento, pois estamos ativamente conhecendo em todos os nossos minutos de vigília e
ao mesmo tempo sentindo também. Se não estamos sempre querendo, estamos pelo menos, a
todo o momento, com a consciência reagindo em relação ao mundo externo. (PIERCE, apud
SANTAELLA, 2006, p. 53).
As Místicas são produzidas com a intenção de provocar uma ação, reflexão e ação, isto é, agir
em sintonia com a realidade, consciente do que e como deve seguir cada estudante em sua
regional, o compromisso com os valores do MST: solidariedade, respeito, organicidade,
cooperação, indignação e ética. No depoimento abaixo temos a interpretação da Mística pela
discente Ariadne Macedo:
Imagem 10 - Mística “Letras em Movimento”
O sol amanhece ensolarado trazendo em seus raios os prenúncios de um dia quente e
agitado. O NB Letras em Movimento trás na mística uma retrospectiva da nossa
história no curso, desde quando chegamos até o momento atual, trazendo em forma
de espiral os momentos vividos e deixou claro, a importância de cada um de nós
para este curso. Que NÃO fiquemos para trás então. (LIVRO DE MEMÓRIA, NB
Maria Bonita, Ariadne Macedo, 2010, p. 181).
Muitas Místicas foram elaboradas com o firme propósito de animar a Turma Patativa do
Assaré no cumprimento das suas atividades acadêmicas, como exemplo a elaboradas a partir
55
do temas geradores: Monografia e Estágios. Conforme a reflexão da educanda: “ a mística
com o tema certificado trouxe a reflexão de ler e registrar, a importância da continuidade da
luta.” (LIVRO DE MEMÓRIA, 2010, Tânia de Jesus Oliveira, p.)
Imagem 11 – “Mística: É Preciso Ter” Imagem 12 – “Mística : Monografia”– Nb Gandhi
O mês de abril é considerado como o “Abril Vermelho” pelo Movimento dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais Sem Terra. É quando se intensifica as ocupações, marchas e
reivindicações. Muitas Místicas deste referido mês tiveram essa temática em uma sequência
de Místicas grandiosas, densas, ricas em detalhes, carregadas de significados, o que
possibilitou a construção de conhecimentos profícuos acerca da questão, conforme os
depoimentos coletados no Livro de Memória.
A mística retratou a importância da história da luta do mês de abril, por conta do
massacre de Eldorado dos Carajás, onde 19 militantes foram mortos. Nesse sentido
somos convidados a fazer parte dessa luta conhecida como “Abril Vermelho”. (NB
Castro Alves, Alexandra E. dos Santos, 2010, p.154)
A mística nos reporta aos massacres acontecidos no processo de luta pela terra
deixando claro que por mais que a classe dominante tente nos parar e nos calar
erguemos nossas vozes, balançamos as bandeiras e seguimos em frente acreditando
que juntos somos milhões e como tal imbatíveis, carregando em nosso peito a doce
lembrança daqueles que corajosamente tombaram na luta, e deixaram um legado a
ser seguido. (NB Abril Vermelho, Vicência da Silva Morais, 2010, p.155).
56
Imagem 13 - Mística: “Abril Vermelho”, NB João Cândido. Imagem 14 - Mística “Vermelho na Luta”
A Mística “Vermelho na Luta” representou tragédia que aconteceu em 19 de abril, em El
Dorado Carajás. Praticamente em todo o Centro de Formação havia marcas vermelhas, no
piso, nas paredes, cadeiras. A mística cumprindo a sua função por meio da cor vermelha que
simbolicamente representa as vidas ceifadas. Esse símbolo e demais signos são retomados e
ampliados nas interpretações dos intérpretes:
A mística retratou o massacre de Eldorado dos Carajás, onde 19 companheiros
foram assassinados, na tarde de 17 de abril de 1996 no estado do Pará. Enquanto
alguns companheiros homenageavam em pontos estratégicos no pátio, nós seguimos
em fileira representando a marcha em memória dos companheiros assassinados na
luta por justiça, em pro da reforma agrária. (NB Maria Bonita, Marcela Nascimento
da Gama, 2010, p. 162).
Imagem 15 - Mística “A luta por Justiça é Internacional”
NB Abril Vermelho.
57
Iniciamos o sábado com um pouco de chuvas, um pouco triste, pois há 14 anos, 19
jovens militantes perderam suas vidas injustamente. A mística relembra esse
momento em que o companheiro Oziel Alves perdeu sua vida, enquanto nos deixou
a mensagem de que a luta não pode parar, quando gritou “Viva o MST”, 17 de abril
e Eldorado dos Carajás jamais sairá da memória de quem lutou e acredita na
construção do socialismo. (LIVRO DE MEMÓRIA, NB Maria Bonita, 2010, p.
163).
O NB Maria Bonita avaliou que a Mística “Marchar e Vencer” do Núcleo Abril Vermelho que
o signo marcha retomado significou mais do que andar em fila, mas um ato consciente e
político, conforme a argumentação: “A Mística do Núcleo Abril Vermelho retratou de que
marchar é mais do que andar, é mostrar como os pés o que dizem os sentimentos, transformar
a quietude em rebeldia, é traçar como passos firmes um projeto que nos levará a nova
sociedade.” (LIVRO DE MEMÓRIA, NB Maria Bonita, 2010, p. 161).
As Místicas de abril trouxeram a tona fatos marcantes como assassinatos de trabalhadores e
trabalhadoras, expressando as mensagens por meio de legi-signo-simbólicos que fazem parte
do cotidiano dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, como as machas, legitimando os
compromissos assumidos por todos e todas de permanecer ou de caminhar em direção ao bem
da coletividade. Conforme, o registro:
A mística ainda no final deste mês vem com uma representatividade forte
demonstrando ações e respectivos resultados das manifestações feitas em diversos
lugares, essa somatória forma o nosso esplendoroso Abril Vermelho. ( LIVRO DE
MEMÓRIA, NB Gandhi, Marcio, 2010, p.168)
O dia primeiro de maio, consagrado internacionalmente como o “Dia do Trabalho” está
sempre presente nas Místicas, como também o “Treze de Maio” e o “Dia das Mães”. Assim
como o mês de abril foi em memória aos violentados pelas lutas empreitadas pelo bem
coletivo. As Místicas de maio foram produzidas com muita sensibilidade, por meio da função
poética e emotiva dos signos verbais e por signos não-verbais que simbolizam a maternidade,
fertilidade e o Criador. O signo elaborado pela educanda no livro de Memória, possibilita a
construção da imagem semiótica de parte da Mística vivenciada pela turma:
As Marias Bonitas com muita sensibilidade e delicadeza, apresentaram a mística
focando as grandezas da mãe natureza, com toda sua feminidade, fazendo referência
ao grande criador, que com sua sabedoria criou as criaturas com muito amor,
buscando inspiração no mês de maio, que é considerado o mês da mulher. (LIVRO
MEMÓRIA, Suzete da Paixão Rocha, 2010, p. 168).
58
Imagem 16 - Mística: Mês de Maio, NB Maria Bonita
Como se pode ver, os níveis do interpretante – dinâmico e imediato – congregam não só
elementos lógicos, mas também emotivos e sensórios como parte do processo interpretativo.
Este se constitui em um conjunto de habilidades mentais e sensoriais, ativos e reativos como
parte do processo de semiose – um signo que reporta a outro signo, infinitamente. Nesse
sentido, as semioses são percebidas, a partir das leituras desses dois signos: (1) recorte das
significações retiradas do Livro de Memória e (2) a imagem capturadas em um dos momentos
da Mística.
Com a responsabilidade de fazer a Mística, o NB, Letras em Movimento enfatiza o
dia da mãe colocando a importância de ser mãe e os seus desafios, que mulher já
nasce com o dom de ser mãe e desenvolve de acordo com o passar do tempo,
quando a maturidade toma conta de sua convivência. (LIVRO DE MEMÓRIA, NB
João Cândido, Arisnando de Aragão Ribeiro, 2010, p. 169).
Imagem 17 – “Dia das Mães “ Imagem18- Interpretantes na Mística “Dia das Mães”
NB Letras em Movimento
59
A Mística no Centro de Formação é uma prática cultural, política e social e para os estudantes
de Letras é também uma ação sócio-comunicativa, abaliza a missão da coletividade, a função
de cada um (a) naquele local, no curso, informa os anseios e as necessidades, tanto na
organicidade do espaço físico quanto educacional. É o espaço para a socialização de visões de
mundos, representação da realidade vivida e também da que está por vim, sobre a Mística no
Curso Letras da Terra, Ademar Bogo considera:
As Místicas no Centro de Formação, no nosso curso de Letras, tem expressado
justamente esse anseio dos estudantes que estão se preparando para serem novos
seres humanos nas suas relações, com os trabalhadores sem terra, com as crianças
nas escolas dos assentamentos, mas também com toda sociedade. Por isso os temas
são os mais diversos possíveis, a criatividade de cada um expressa justamente essa
amplidão de interesses, de vontades, de sonhos, de esperanças, que guardamos
dentro de nós no tempo comunidade, no tempo que convivemos em nossos
assentamentos, nas nossas práticas e levamos para os cursos como uma forma de
também compartilhar aquilo que somos em outros espaços, em outros momentos.
(BOGO,em entrevista cedida a mim e a colega Lucia Monteiro de Oliveira, 2010 )
Parte do depoimento de Bogo está representado na descrição da Mística “Homenagem às
Revolucionárias”, NB Abril Vermelho, feita pelo estudante João Paulo Ferreira, legitimando
que as Místicas são mobilizadoras de aprendizagens, instiga a criatividade, alimenta o espírito
de fraternidade, contribui para o desenvolvimento das habilidades linguísticas, tais como falar
em público, ler, interpretar e escrever. Sem essa intencionalidade explícita, a Mística tem
contribuído para a formação dos futuros profissionais da linguagem.
Dirigimo-nos a recepção onde havia um cenário circular com caminhos conduzindo
até o centro onde se encontrava nome de personalidades feminina com Cora
Coralina, Salete Strozak, Margarida Alves, Olga Benário, simbolizando a luta por
um mundo melhor. Janderson lia um texto enquanto companheiras e companheiros
falavam da pessoa que vivia dentro de si. A mística encerrou-se com o Hino do
MST. (LIVRO DE MEMÓRIA, João Paulo Ferreira, 2010, p.)
60
Imagem 19 – Mística “Homenagem às Revolucionarias”,
NB Abril Vermelho.
As Místicas realizadas no Centro de Formação Carlos Marighela são considerados pela Turma
Patativa do Assaré, como uma ocasião de relevância, e os estudantes dedicam-se para que
cada Mística alcance seu potencial comunicativo. As ações não se restringem ao momento de
elaboração, mas também de contemplação, pois a reverência, o envolvimento, o sentimento de
pertencimento fazem com que a Mística seja materializada como signo. Metaforicamente,
pode-se dizer que a Mística é um livro no qual cada dia uma página é elaborada e lida
coletivamente. Leituras realizadas por meio de representações, escritas, músicas,
declamações, desenhos, cores, tons, formas e principalmente por sujeitos que compõem as
Mandalas. É uma multiplicidade de linguagem que por meio de seus interpretantes afetam,
provocam, informam, acrescentam saberes, provocam reflexão e o crescimento humano. Nas
Místicas todos os signos eleitos estão ali para que o leitor e a leitora se encontre neles
representado, ou melhor, se sinta literalmente dentro da mensagem.
As Místicas construídas durante a execução do Curo Letras da Terra, tem contribuído para o
fortalecimento da identidade coletiva, uma vez que cada um do seu jeito e no coletivo, luta
pelos mesmos objetivos, respeita os mesmos símbolos, “veste a mesma camisa”, “ usa o
mesmo boné”. Em fim, é por meio da Mística no Centro de Formação Carlos Marighela que
os estudantes de Letras acalentam, criticam, avaliam, dão “puxões de orelha”, revigoram as
forças na luta do dia a dia, firmando assim a militância na formação acadêmica. Conforme
Bogo,
Então, ali floresce todos os dias pela manhã, como um campo novo, uma reverência
expressiva, uma alegria, uma motivação, um incentivo que faz com que as outras
pessoas que participam sejam contaminadas no bom sentido, dessa energia positiva,
desse carinho, desse afeto. Dessa vontade de sermos melhores, e sermos melhores
no sentido da nossa própria participação, da nossa própria construção, da nossa
61
própria realização, enquanto estudantes, enquanto cidadãos, enquanto seres
revolucionários, que temamos em lutar contra todos os obstáculos que escraviza,
domina, explora e diminui o ser humano na sua existência. Nós queremos libertar os
seres humanos e libertarmos juntos, para construir uma sociedade digna, livre,
igualitária e solitária. (BOGO, entrevista cedida a mim e a colega Lucia Monteiro de
Oliveira, 2010 ).
62
IV - ANÁLISE SEMIÓTICA DAS EXPRESSÕES GRAFO-PLÁSTICAS
PRODUZIDAS EM TRÊS MÍSTICAS
4.1 A Mística: “Parte da Vida e da Luta”
O primeiro Ato Místico analisado é “A Mística: parte da vida e da luta”, inspirado no texto de
Ademar Bogo publicado no Caderno de Formação Nº 38 (2009). Este ato foi realizado
durante nove minutos pelo Núcleo de Base Gandhi no dia 7 de maio de 2011.
Para expressar a mensagem A Mística: “Parte da vida e da luta” foram grafados no chão seis
círculos entrelaçados, destinados a serem ocupados por cada NB, tendo no centro outro
círculo com a palavra Mística escrita em letras grandes.
A abertura da Mística é feita com a canção “Companheiros de Guevara” e após a introdução
dois apresentadores iniciam com a leitura do texto “A Mística: parte da vida e da luta” A
leitura de cada parágrafo é intercalada com uma indagação, o que significa a Mística para
cada NB. Finaliza quando todos os NBs respondem à pergunta ocupando seus círculos, ao
mesmo tempo em que acrescenta mais um signo à Mística.
Imagem 20 - “A Mística: parte da vida e da luta” – NB Gandhi
63
4.1.1 A primeiridade presente
Buscando entender a Mística como um fenômeno, serão aplicadas as Categorias Universais de
Peirce como o ponto de partida para a análise semiótica, através do olhar contemplativo com a
atenção dirigida para a primeira tricotomia quando o signo em si mesmo é uma quali-signo,
sin-signo e legi-signo, abrindo assim os sentidos para a mensagem Mística.
O Ato Místico, “A Mística: parte da vida e da luta” dá o seu começo com os/as estudantes
acomodados em volta da expressão grafo-plástica, momento este em que a apreensão dos
qualissignos exige do contemplador uma disponibilidade para o poder de sugestão, evocação e
associação que a aparência do signo presente exibe na primeiridade.
Em um primeiro momento, pelo menos, temos de dar aos signos o tempo que eles
precisam para se mostrarem. Sem isto estamos destinados a perder a sensibilidade
para seus aspectos qualitativos, para seu caráter de quali-signo. Aquilo que apela
para a nossa sensibilidade e sensorialidade são qualidades. O signo diz o que diz,
antes de tudo, através do modo como aparece, tão somente através das suas
qualidades. (SANTAELLA, 2002, p. 30).
Diante deste evento místico a contemplação se concentra nas três habilidades que permitem
qualquer coisa ou abstração agir como signo: a qualidade, a existência e o aspecto de lei.
Todos os signos com as suas qualidades que compõem esta Mística é um representâmen,
representam algo que está fora da Mística. Como a sigla MST destacada neste desenho não
representa apenas um movimento social, mas sim, a história e a cultura do Movimento dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra e todos os elementos que dão fundamento à luta
pela posse da terra, produção e educação em direção ao um novo sistema social que legitime o
real valor da classe trabalhadora.
4.1.2 As qualidades são apresentadas
A forma, dimensão, volume, vozes, canção, cores e textura que compõem esse ato místico são
qualidades apresentadas nos seis círculos entrelaçados sendo que todos estão ligados ao que
está no centro formando uma mandala por meio dos intérpretes que circundam essa
64
composição. As cores que cobrem os traços e fundo do circulo central, são as cores da
bandeira do MST: vermelho, branco e preto. O vermelho cobre todos os traços do centro e
periferia dos grafemas, no piso cimentado, uma simetria que agrada os olhos de quem vê
criando uma impressão de coesão e equilíbrio. A cor preta representada, por meio de uma
terra escura, rica em matéria orgânica decomposta, contorna todos os seis círculos e letreiro.
O vermelho e o negro faz contraste com o branco suave aveludado da farinha de mandioca
peneirada, que serve de fundo para o letreiro central do desenho o qual está contornado por
muitas flores vermelhas.
Folhas verdes com flores vermelhas, amarelas e brancas estão espalhadas em toda expressão
grafo-plástica. Dá-se a impressão de estar diante de um jardim composto não somente de
flores, folhas e cores, mas também de outros elementos embelezadores que estão espalhados
neste espaço místico. O vermelho, a cor do MST, comprovada cientificamente como a que a
que chega mais rápido aos olhos, é predominante em todo o cenário de uma forma bem
combinada com o preto da terra fértil, causando uma agradável sensação estética a quem
contempla. Percebe-se de imediato que as seis partes circulares unidas formam um todo
firmado no circulo central, retentor da mensagem principal da Mística, para onde
naturalmente o olhar é dirigido. A música “Companheiros de Guevara” está no ar com o seu
eterno poder de emocionar, em um cenário enfeitado com a clara intenção de dar ênfase ao
belo, como forma de assegurar a admiração. É a primeiridade comandando as sensações e
impressões. Quando o volume da música é reduzido às qualidades nos signos se modificam
através do silêncio, índice que aponta que outros signos serão acrescentados. A expectativa e
um clima solenidade são estabelecidos, entram os apresentadores trajados com roupas de
cores vermelha e preta.
4.1.3 As qualidades tornam-se singulares nos signos presentes
A leitura do texto é iniciada. É a secundidade expressada na ação e reação, em uma segunda
espécie de olhar que leva em consideração a característica existencial e única que dá
fundamento ao signo: o sin-signo. A Mística apresentada “como parte da vida e da luta” no
Centro de Formação Carlos Marighella é um existente singular. Dificilmente será criado
outro Ato Místico idêntico a este, com a mesma grafia plástica, texto, depoimentos, música e
65
movimentos. Os círculos entrelaçados com as suas cores, formas e adereços é uma expressão
plástica ímpar no universo e por isto mesmo é caracterizada como um sin-signo, um signo
sempre em singular, nunca plural.
A cor vermelha quando sin-signo é a somatória de todas as qualidades de representação de
acordo com o signo no qual está incorporada: resistência, provocação, paixão, socialismo,
afeto, vida, sendo que todas essas qualidades do vermelho são existentes nos signos presentes
nesta Mística. Através dos traçados, nos contornos circulares, das flores vermelhas que
significam afeto ou paixão espalhadas em todo desenho; nas bandeiras que representam a
esquerda revolucionaria e especialmente o sangue vertido na luta de classe; no boné e túnica,
exercendo sua função estimulante instigando à ação. São sin-signos como os seus significados
próprios e particulares. A enxada neste ato místico não é apenas a ferramenta, é o cultivo da
terra possuída, o livro é emancipação e poder; o facão é mais do que uma faca grande, é
resistência e luta; o pandeiro e a música presente em todas as místicas representam a
animação; a verdura é o alimento produzido em busca da auto sustentabilidade; a água é vida
e a terra, o bem maior. São signos que apresentam qualidades particulares se caracterizando
como Sin-signo.
Nesta Mística é bem marcado o momento que ação é iniciada envolvendo os que estão na
periferia do círculo. É o agir e reagir também do leitor e da leitora, quando uma interação
dialógica é estabelecida com o tema apresentado, aumentando a complexidade da
comunicação. Há uma provocação, uma ação, na qual os intérpretes são convidados para o
interior da Mandala onde se encontra a síntese da mensagem. Os intérpretes em movimento,
interagem e coletivamente acrescentam outros elementos ao cenário.
4.1.4 Do particular para o geral, o legi-signo torna-se presente
Aprofundando mais a observação para as características que dão fundamento ao signo indo
em direção ao seu terceiro, o aspecto de lei. A Mística apresentada é um legi-signo que tem
suas próprias regras e leis para elaboração e apresentação, seguidas por todos e todas do
Curso Letras da Terra no Centro de Formação Carlos Marighella. É um legi-signo pelo fato de
condizer com a tradição cultural e política do Movimento dos Sem-Terra. É uma convenção a
66
apresentação da Mística todas as manhãs, elaboradas coletivamente nos NBs, em sigilo total,
e sempre seguindo os princípios de apresentação: um primeiro momento de contemplação,
sentimento, originalidade; o segundo de ação e reação, dualidade, surpresa; e o terceiro no
qual impera a generalidade, entrosamento, continuidade e crescimento culminando com o
fechamento do ato Místico.
A palavra Mística escrita com cor vermelha no centro desta grafia plástica é um legissigno
originado da singularidade e aqui é generalizado como o vermelho revelador da identidade do
MST, uma cor já convencionada internacionalmente como a representante da classe
trabalhadora no campo e na cidade. O vermelho que antes era uma particularidade torna-se
geral, como também a ressignificação da enxada, livro, facão, pandeiro, verdura, água, terra e
a canção “Companheiros de Guevara”, que sob a ação ritualizada nos atos Místicos assume
um elevado significado, tornando-se símbolo para os discentes do Curso Letras da Terra.
Após esse momento de contemplação do signo em si mesmo, o próximo o passo é a análise
do signo em relação ao seu objeto, neste caso a própria Mística praticada pela Turma Patativa
do Assaré, a mensagem principal deste ato que está explicitada no centro da Mandala. A
observação firmada no que o fundamento do signo pode reportar em relação ao objeto, é
muito importante, pois quando o fundamento é um quali-signo a relação do signo com o
objeto é evidente que será um ícone, se o fundamento for um sin-signo , o índice é o seu
correspondente, se for um legi-signo, o símbolo que representa o objeto.
4.1.5 O quali-sign incorporado no ícone
O objeto dinâmico presente na Mística no MST e o ícone é um signo com imagem que se
refere ao objeto representando por uma associação de semelhança. Sendo que as referências
dos ícones dependem do campo associativo por similaridade que os quali-signos despertam na
mente de algum intérprete. E as referências e similaridades aqui apresentadas são as cores do
MST que estão fortemente presentes no desenho estampado no chão, nas túnicas vermelha e
preta dos dois apresentadores presentes no espaço místico. Todo o conjunto do grafo-plástico
com os vários círculos traçados com tinta vermelha e terra é um ícone que representa o MST
através da qualidade de suas cores e da união dos círculos que dão uma ideia de movimento e
integração significando a essência do MST, inclusive a palavra MíSTica escrita no seu centro
67
Esse poder de sugestão emanado pelo ícone ressalta os aspectos qualitativos e sensoriais
provocados pela expressões feitas com tinta vermelha e terra. É através da imagem, de todo
conjunto artístico que o ícone se faz presente neste evento.
4.1.6 As qualidades do ícone fazem a conexão no Índice
Diferente do ícone, o índice baseia-se não na semelhança, mas na conexão física com o
objeto, definindo contiguidade entre dois conhecimentos, sendo dependentes do objeto que
lhe deu origem, como a terra retirada do Assentamento 1º de Abril, que cobre os seis círculos
unidos indicando a conexão da Turma Patativa do Assaré com a terra, a causa maior da
criação do MST. O índice se refere ao objeto com o qual tem vinculação, por isto mesmo, a
terra está sempre presente nas Místicas realizadas no Centro de Formação Carlos Marighela.
Segundo Peirce, o signo é índice, “em virtude de ser realmente afetado por esse objeto”
(2005, p.52) por ter alguma qualidade em comum com o objeto. São leituras indicadas pelo
signo a cor vermelha predominante nesta mística nos traços e nas flores a qual têm um sentido
particular para todos e todas presentes, como a letra da canção de abertura “Companheiros de
Guevara, trilhando a estrada por um novo dia” que traz as marcas de Che Guevara, quando diz
que “grande será o nosso o espanto de ver o encanto do bom comandante, chegando na hora
certa , com a voz desperta nossa rebeldia” indicando total concordância com o conteúdo da
Mística.
O letreiro grafado no centro do desenho, também sinaliza a densa relação do MST com a sua
Mística nas letras MST que sobressaem na palavra MíSTica, de forma que dá a impressão
através de uma leitura mais apurada que a as letras MST envolvem todas as letras restantes
que formam a palavra MíSTica. Indica concretamente como o MST está entranhado na sua
Mística, sendo que um compõe o outro. O MST e a MíSTica é um só corpo nessa expressão
grafo-plástica mostrando que a própria MíSTica já carrega em si o significado do que o MST
representa, fortalecendo e unindo visualmente o conceito e a prática da MíSTica dentro do
Movimento.
68
Imagem 21 - Ícone da Mística
Os vestígios, marcas e traços vermelhos, pretos e floridos indicam o cuidado dos produtores
desta expressão plástica com o embelezamento de cada circulo que a compõe. Em cada um
desses círculos há outros signos indiciais como: abóbora, bandeiras e no desenrolar da
MíSTica, quando cada NB se expressa, outros signos indiciais são depositados com muita
reverência: livros, gamela de madeira com terra, bandeja com vegetais, pandeiro, facão, boné,
enxada, água. São indicações de elementos importantíssimos no dia-dia do Sem Terra. Quali-
signos e ícones, sin-signos e índices são aspectos inseparáveis que são exibidos nesta Mística,
permitindo que funcionem como signos e se tornem símbolos.
4.1.7 A lei no legi-signo é indicada no símbolo
O modo como o legi-signo indica os seus objetos existentes é através do símbolo, porém é
diferente do índice, pois não define contigüidade. O símbolo refere-se ao objeto que
representa em virtude de uma convenção ou lei, sendo fundamentado pelo legi-signo, como é
a bandeira vermelha, o símbolo maior do MST presente neste Ato Místico.
O significado da enxada, livro, facão, pandeiro, verdura, água e terra sob a atuação de
reverência constante nas Místicas, adapta-se a generalidade por serem elementos essenciais na
vida rural dos trabalhadores e trabalhadoras Sem-Terra. Assim como o facão, que nesta
Mística não é apenas uma ferramenta agrícola, tem outra significação é a representação da
resistência e da produção na ocupação da terra, sendo um símbolo presente na bandeira do
69
MST. Sobre a importância dos símbolos no MST João Pedro Stédile, afirma: “o que constrói
a unidade é a ideologia da visão política sobre a realidade e o uso de símbolos, que vão
costurando a identidade. Eles materializam o ideal, essa unidade invisível”. (STÉDILE, 1999,
p.132) .
Imagem 22 - a enxada Imagem 23 – os vegetais Imagem 24- o pandeiro Imagem 25 - a terra
Segundo Peirce o símbolo é o signo convencionado num dado tempo e espaço, existia antes
como sin-signo, se torna legi-signo quando não é mais singular e sim plural, se torna geral,
uma lei que pode ser denominada de “réplica.” (SANTAELLA, 2002 ). As três bandeiras
pequenas e uma grande que estão posicionadas nos círculos ocupados pelos NBs estão
impregnadas de todas as qualidades convencionadas por lei simbolizando o MST.
Os quali-signos, sin-signos e legi-signos evoluem através da imagem, indicando a base
necessária para a criação do símbolo. O exame cuidadoso dos símbolos dentro deste Ato
Místico conduz para um vasto campo de referencias que incluem os valores coletivos,
comportamentais e as expectativas sociais dos educandos e educandas, quando interagem com
os símbolos e com o cenário, se expressando verbalmente e depositando outros Símbolos no
espaço circular que ocupam.
Um signo é símbolo quando é uma abstração de um concreto como o livro nesta Mística, o
que não significa apenas leitura e aprendizagem, mas é a abstração na busca da evolução
pessoal e coletiva, o conhecimento tão necessário para lutar melhor, concretamente no dia-a-
dia em direção da emancipação humana. A leitura simbólica só é possível porque os dois
aspectos icônicos e indiciais instauram valores que são veiculados à mensagem da “Mística:
como forma de luta e de vida”. A própria Mística é um símbolo no MST, uma abstração que
se materializa no cotidiano como forma de luta e de vida.
70
Dois gritos de ordem são as palavras finais dessa mística, outro símbolo fortíssimo, sempre
manifestado com muito vigor no qual a força e a crença nas palavras imperam, estabelecendo
uma profunda identificação dos educandos e educandas com o objetivo maior de estarem alí
reunidos. O grito de ordem é o chamamento para a luta: “MST: Agora é pra valer! Reforma
Agrária já: Por justiça social e soberania popular!” Cada grito é repetido três vezes com o
punho erguido que segundo Plínio Arruda Sampaio, este gesto simboliza “a rebeldia e a
resistência, e desobediência ao estabelecido, um símbolo mundial na utopia socialista em que
novos valores e relações sociais possam ser criados, na construção de uma nova sociedade”.
(2002, p 7).
Os símbolos ritualizados nas Místicas têm os seus significados fortalecidos e absorvidos na
mente e na vida cotidiana dos educandos e educandas do Curso Letras da Terra. É o efeito dos
signos em ação, é o interpretante decodificando os símbolos sobre os quais João Pedro Stédile
acrescenta:
A bandeira, o hino, as palavras de ordem, as ferramentas de trabalho, os frutos do
trabalho no campo etc. Eles aparecem, também, de muitas formas: no uso do boné,
nas faixas, nas músicas etc. As músicas são um símbolo muito importante. O próprio
Jornal Sem Terra para o MST, já é mais do que um meio de comunicação. É um
símbolo. O militante se identifica , tem afinidade, gosta dele. (STÉDILE, 1999,
p.132).
Os símbolos apresentados expressam a cultura do MST na sua prática social através da
Mística, que se materializada por intermédio dos educandos e educandas que fazem a sua
leitura, decodificam e dão novos significado a todos os seus signos. É por símbolos
constituída a Mística despertando amor e carinho pelo movimento, ajustando uma unidade
dentro do Curso Letras da Terra, colaborando assim para a sua integridade e solidez.
4.1.8 O interpretante imediato, dinâmico e final dos símbolos
Santaella nos diz que “o primeiro nível do interpretante é o imediato, a saber, todos os efeitos
que o signo está apto a produzir no momento que encontrar um intérprete” (2007, p. 95). A
Mística com o seu tema, sua mensagem através dos signos para ser lida e interpretada,
encontrando ou não algum interprete, estará lá grafada na recepção com todos os seus ícones,
índices e símbolos, signos para serem interpretados durante o dia inteiro. Quem passar olhar
71
mesmo que rapidamente, o seu olhar certamente será dirigido para o centro onde está escrito
Mística. Este é o interpretante imediato, é um interpretante interno ao signo, o qual faz parte
dele independente de quem lê. É a primeira leitura na qual o tema da mensagem é captado, a
Mística, e não outro tema qualquer, produzindo o efeito para o qual foi elaborada. Este é o
poder de interpretação contido nos signos que compõe esta Mística, é o potencial interno do
signo para ser lido cumprindo a sua função. Este evento foi uma Mística sobre Místicas, uma
metalinguagem, em que no seu interpretante interno há um efeito relacionado com o seu
significado, sintetizado por meio da combinação dos grafemas que formam, em interseção, as
palavras Mística e MST.
O interpretante imediato se torna interpretante dinâmico no momento em que o efeito do
signo torna-se presente, as qualidades sentidas de admiração, emoção impele para a ação e
culmina com o raciocínio lógico, é o efeito particular produzido na mente de cada intérprete
no ato de significação. O interpretante dinâmico ou o interpretante singular é decomposto em
três efeitos agindo de acordo com as Categorias Universais: Primeiridade, o emocional;
Secundidade, o energético; e Terceiridade, o lógico.
Imagem 26 - Interpretantes Imediatos
O emocional é instigado pelo admirável, provocador de sensações e impressões. É o primeiro
efeito do signo produzindo uma qualidade de sentimento. A emoção provocada pela trilha
sonora que faz a abertura, o ícone com suas cores e enfeites, constitui o interpretante
emocional sempre presente nas interpretações. A letra da canção “Companheiros de
Guevara,” toca fundo nos sentimentos dos educandos e educandas: “se não houver o amanhã
72
brindaremos o ontem e saberemos então, onde está o horizonte”, é uma chamada para
vivenciar o momento presente, provocando certa nostalgia pelo fato da Turma Patativa do
Assaré ser composta por gente do Espírito Santo e por todas regiões do estado da Bahia,
havendo a alegria do encontro e as lagrimas da despedida: “e quem ficou sem chegar, sem
poder andar estará presente”, sempre um ou dois componentes da turma não retornam na
próxima etapa do Curso. O tom de voz dos apresentadores é solene, alto, condizente com o
texto, com a firme intenção de emocionar. O sentimento de reverência e devoção é
permanente em todo ato místico em relação a esse grande símbolo do MST que é a MíSTica.
No nível energético há inicialmente ação dos apresentadores e a reação dos interpretes,
quando o signo MíSTica impele a uma ação física e mental, no momento em que os
apresentadores questionam os NBs que se dirigem para os círculos, dando o seu depoimento
com um forte sentimento de identidade expressam o significado da Mística em suas vidas e
lutas. Os apresentadores Eliane Oliveira Sales e Márcio Alves Santos, por meio de um
diálogo, em que algumas falas são recortes de textos publicados por Bogo e outras produzidas
pelos partícipes, conforme o registro:
“- MíSTica é um sentimento que passeia delicado e lento por dentro de nosso
coração. Como se tivesse mãos, coloca o ânimo em cada pensamento. Mexe no
comportamento, no jeito de andar, falar e sorrir; é a força que nos faz sentir prazer
e arrependimento” (BOGO, p.155, 2009). Para você João Cândido, o que é a
MíSTica?
”- MíSTica é o vigor, é a emoção, é a satisfação de participar da luta, da vitória, e
construir um mundo melhor”. (Ademar Bogo)
“- MíSTica é poder da própria criação, nasce de um jeito simples, núcleo da visão.
MíSTica é nascimento, é essência, é valor. É estudo, sobretudo formação”.
MíSTica é vida!” (Elza Sales).
“-Quem tem mística está sempre crescendo. A cada dia sente-se renascendo nas
coisas que vai realizando. Seja na base ou no comando, a mesma energia se
manifesta, como a alegria em uma festa, instiga quem está participando”. (BOGO,
P.155, 2009). “Para vocês Letras em Movimento o que significa MíSTica?”
“- A MíSTica nos faz refletir as nossas ações acerca do tema trabalhado”.
(Mariana Silva de Jesus)
“- MíSTica é a nossa capacidade de expressão”. (Edir Carlos Menezes Marques)
“A diferença a se comparar, está na capacidade de sonhar. Embora alguns sonhem
sem nada edificar, há os que vão os sonhos construindo. Os dois lados andam juntos
e separados, são os ativos e os acomodados. Os primeiros sonham acordados e os
demais sonham estando dormindo”. (BOGO, p.155, 2009). “Para vocês Abril
Vermelho o que significa MíSTica?”
73
“- MíSTica é um momento de renovação, de renovar as utopias. É um momento
que avaliamos como foram os nossos erros ou os nossos acertos, e assim podemos
construir um mundo melhor. Desde que nos alimentem a esperança, por isso a
MíSTica está em todos os momentos, em todos os atos, em todas as nossas ações”.
(Janderson Silva Santos).
Esse discurso proferido com a enxada erguida, dando outra função à ferramenta agrícola
como se fosse uma bandeira. E A enxada é posta no círculo com delicadeza junto com os
livros, como se fosse algo precioso. Assim aconteceu com todos os NBs. Quando
questionados, respondiam e depositavam mais um símbolo no círculo, e em seguida ocupava
um dos círculos que constituíam a grande Mandala.
Este ato Místico realizado tem uma função inter-semiótica, a MíSTica que dialoga com a
própria MíSTica, dando condições ao intérprete de atingir o nível lógico, produzindo um
signo argumentativo. Se o intérprete é um bom leitor ou leitora, vai ler e sentir o efeito de
cada ícone e índice simbolizados e perceber toda a lógica alí existente. Porém, corre o risco
do interpretante estacionar no nível emotivo, não atingindo o lógico. Sobre o interpretante
dinâmico Santaella esclarece:
No nível do interpretante dinâmico, na sua subdivisão do interpretante lógico, as
regras interpretativas, os hábitos associativos que o intérprete acionará dependem do
repertório do intérprete, ou melhor; dependem da experiência colateral que esse
intérprete já teve com o campo contextual do signo, dependem dos conhecimentos
históricos e culturais que já internalizou. (SANTAELLA, 2007, p. 95).
Após cada NB fazer sua oferenda à Mística, a música “Companheiros de Guevara” ocupa
todo o espaço: “Então ouviremos da história o grito de glória da nossa utopia.” A Mística é
finalizada com a resposta coletiva, os gritos de ordem.
O interpretante final segundo Santaella é um interpretante em aberto (2007, p. 97).
Aparentemente os dois gritos de ordem deram por encerrada a Mística, porém a Mandala
permanecerá com todos os seus elementos exposta o dia inteiro no salão da recepção. O que
esse ato Místico poderá proporcionar aos seus interpretes até o final da tarde quando será
varrida e apagada? E a lembrança que ainda permanecerá na mente dos seus leitores e
leitoras? Como agora mesmo quando essa interpretação dinâmica está sendo realizada? E que
efeito provocará em que está lendo neste exato momento esta pesquisa? É o interpretante final
em ação com a Mística repleta de símbolos vivos na mente do interprete que darão origem a
74
outros signos em uma semiose sem fim, já que a MíSTica é considerada pelos militantes
como “uma forma simbólica de sentir-se bem na luta”.
Imagem27 - “MíSTica : parte da vida e da luta” – NB Gandhi
4.2 A Mìstica “Somos Marias”
“Somos Marias”, a segunda a ser analisada, foi realizada no dia 8 de abril de 2010, pelo NB
Maria Bonita, com a duração de 7 minutos, inspirada no poema “Somos Marias” de Ariadne
Macedo. O desenho místico consiste em um globo terrestre grafado no chão com uma grande
árvore dentro do círculo sugerindo um mapa. Nos galhos da árvore estão colocados canudos
de papel e em quatro pontos do círculo, uma integrante do NB. Enquanto o texto é lido os
canudos são abertos nos quais constam nomes de mulheres que deixaram suas marcas a nível
nacional e mundial. O ato Místico é finalizado quando são apresentados os nomes das
integrantes da Turma Patativa do Assaré.
75
Imgem 28 - Mística: “Somos Marias” – NB Maria Bonita
4.2.1 Os fundamentos da Mística “Somos Marias”
O ambiente da Mística “Somos Marias,” foi secretamente elaborado com porta e janelas
fechadas. Quando é exposto após a Formação o impacto da primeira leitura é imediato, com o
acréscimo do elemento surpresa em um lampejo de segundos torna mais vigoroso o momento
propício a contemplação. O que está representado em signos provoca uma agradável surpresa
e admiração geral, quando a turma adentra na aconchegante sala e se depara com um visual
colorido.
De imediato sente-se o odor do sabão em pó que está polvilhado em uma grande parte do
grafo-plástico de forma circular, que se encontra no centro da sala. Como se estivessem
vigiando, zelando o conteúdo deste círculo quatro mulheres estão agachadas em quatro
pontos distante uma da outra na periferia do círculo. Este é chapado, nas cores amarelo, azul e
verde sem um único letreiro. Em seu centro está uma grande árvore com pequenos canudos de
cartolina amarrados com fitas vermelhas, azuis, amarelas e verdes, espalhados na copa da
árvore a qual se confunde com mapas em um fundo de cor azul que tanto pode representa o
céu como a água do mar entre os continentes. Linhas amarelas traçam o tronco da árvore com
seus galhos ou caminhos que conduz para cada espaço geográfico. Este é o cenário que
compõe a Mística “Somos Marias”, com seus quali-signos, puras qualidades que se
incorporam nos signos nesta mensagem visual.
76
4.2.3 As particularidades presentes
A Mística “Somos Marias” é uma criação existente de um objeto único produzido pelo NB
Maria Bonita. É uma situação comunicativa que tem o ato místico como suporte, aberta à
percepção dos seus intérpretes. Um acontecimento real, marcado pela singularidade do grafo -
plástico e de cada elemento que compõe esta Mísitica. Todas as qualidades presentes no
sinssigno são particulares e autônomas: as cores, a forma da árvore ou dos troncos possuem
suas características próprias de organização com o seu potencial de significação que está
sendo desenvolvido.
Quando a leitura do texto é iniciada os canudos são abertos pelas quatro mulheres que estão
em volta do círculo, e em cada um está escrito os nomes de: Tarsila Amaral, Cora Coralina,
Doroth Stang, Rosa Luxemburgo, Olga Benário, Joana D‟arc, Maria Quitéria, Margarida
Alves, Maria Madalena, Madre Teresa, Zilda Arns e Maria Bonita, cada uma com as suas
qualidades e singularidade existentes, pois um Sin-signo pode envolver um ou vários quali-
signos. Todas essas mulheres marcaram a sua época de acordo com o seu modo na vida.
Novos sinssignos são revelados quando após a leitura do texto uma estudante vestida em uma
camisa vermelha se apresenta com os nomes de todas as companheiras presentes afixados na
mesma. Cada uma dessas mulheres são seres únicos com suas particularidades representadas
pelo sin-signo (segundo a imagem 5).
4.2.4 O particular em função da classe que o signo pertence
A forma redonda desenhada no chão é um arquétipo do Planeta Terra com seus traços que dão
a ideia do mapa mundial, e também de uma grande árvore com terra na base do seu tronco. A
árvore fincada na terra e os continentes rodeados pelo mar seguem um padrão. Essas
realidades já convencionadas fazem com que o leitor e a leitora se sintam diante de uma
árvore-mapa. Os diversos nomes de mulheres apresentadas fazem parte da História. As suas
particularidades presentes nos sinssignos são integradas em um conceito generalizado, já que
todas foram de vanguarda e construíram a sua história na coletividade. O nome das mulheres
que estão em tarjetas na camisa vermelha do MST vestida por uma educanda, pertencem a
classe do Curso Letras da Terra que forma a ala feminina da Turma Patativa do Assaré.
77
4.2.5 O ícone: a imagens dos quali-signos
Na Mística “Somos Marias” são varias qualidades incorporadas nos ícones em especial nos
nomes das mulheres espalhados na árvore-mapa e os nomes que estão em tarjetas fixados na
camisa vermelha, que por suas qualidades internas criam uma relação com o objeto da
Mística: “Somos Marias”
Os nomes são ícones representando qualidades bem conhecidas para a Turma Patativa do
Assaré, como a persistência da poeta Cora Coralina, anciã, que viveu em um mundo
masculino opressor e esperou anos para publicar seus poemas. O preconceito sofrido por
Maria Madalena e sua determinação em permanecer ao lado de Jesus Cristo sendo a única
mulher em um grupo de homens que a discriminava. A coragem de Dorath Stang que mesmo
sendo ameaçada por fazendeiros permaneceu na luta, sendo assinada por pistoleiros. A
firmeza na luta de Olga Benário, também assassinada a mando de homens reacionários. A
determinação de Joana D‟arc, que para participar da luta se transvestiu, sendo queimada viva
por homens. Maria Bonita, que rompeu com os padrões da sua época, não se submetendo ao
estabelecido foi decapitada por homens. Em fim, cada uma das mulheres apresentadas é um
ícone na História do Brasil ou Geral e são independentes do objeto que lhes deu origem,
neste caso, a Mística como o tema “Somos Marias”.
As mulheres citadas que atuaram na guerra, na política, nas artes, saúde, espiritualidade e
cangaço, por ser um existente individual com suas propriedades, são ícones e seus nomes são
utilizados nesta Mística para aclamar as suas qualidades e usufruir do grande poder sugestivo,
e metafórico da mensagem “Somos Marias”.
Os ícones com suas qualidades internas representam seus objetos também por apresentarem
semelhanças na aparência como a imagem da árvore-mapa, a qual é bastante ambígua se
referenciando a uma árvore com seus frutos, os canudos escritos, porém observando
atentamente percebe-se o mapa do Brasil na parte central da expressão grafo-plástica. A
ambiguidade é proposital já que a imagem que representa o Brasil é a mais definida e o
restante que sugere ser o mundo inteiro é disforme se assemelhando mais aos galhos da copa
de uma árvore. A mesma ambiguidade é aplicada na cor azul, que tanto pode ser a água do
mar como também o azul do céu, ficando o poder representativo no nível da sugestão.
78
4.2.6 As indicações dos sin-signos
Os sin-signo se incorporam nos índices e no ato Místico “Somos Marias” a referencilalidade é
direta, dirigindo a retina mental do interprete para o seu objeto através da leitura dos nomes.
Os índices são existentes e singulares com suas marcas e vestígios possibilitando a associação
dos nomes dessas personagens históricas posicionados na árvore-mapa como frutos e água,
com os nomes das mulheres do Curso Letras da Terra, que estão cobrindo a camisa vermelha
vestida pela companheira.
Os frutos diferentes produzidos pela mesma árvore estão com as marcas das fitas coloridas em
cada canudo, nas cores da bandeira nacional e vermelho indicando a relação com esquerda
revolucionária e com a pátria Brasil. É o mesmo vermelho da camisa vestida pela educanda,
onde está o nome das mulheres do Curso Letras da Terra, que estão fora do círculo, fazendo
assim a conexão dos dois grupos de mulheres, dando a ideia de continuidade na Mística
“Somos Marias”.
Imagem 29 - Índices - o canudo Imagem 30 - o canudo desenrolado Imagem 31- Tarjetas com nomes
É interessante frisar que a expressão grafo-plástica deste ato Místico é toda confeccionada
com as cores da bandeira nacional: azul, amarelo, verde e branco. O azul do sabão em pó, que
com o seu odor de imediato se faz a conexão com a água que banha os continentes, sugerindo
também a vastidão do céu que serve de fundo para a árvore. O tronco da árvore é traçado
com fubá, produzindo a tonalidade amarelo ouro, a riqueza do Brasil. A copa da árvore é
preenchida com folhas verdes indicando a imensidão das florestas. As mulheres brasileiras da
Turma Patativa do Assaré, não estão dentro do círculo, porém este está fortemente marcado
79
com as cores e com o mapa do Brasil fazendo a conexão das “Marias” que cobrem a camisa
vermelha, com as “Marias” personagens históricas representadas nos frutos da árvore.
O olhar do leitor e da leitora faz a continuidade entre os dois grupos de mulheres
estabelecendo a conexão, que é completada com o texto e o próprio título da Mística “Somos
Marias” um nome feminino universal presente em muitos idiomas é um Índice que se
confirma na poesia recitada:
Somos todas Marias
Bonitas, formosas, guerreiras, literárias.
Representantes do ontem, viventes do agora
Eternas militantes, Marias revolucionárias.
Somos mesmo Marias
Mães de muitos Severinos
Que não se deixam abater
E apesar dos pesares
Nas lutas vão resistindo.
(Ariadne Macedo, 2010)
A cor vermelha na camisa da companheira é a marca pessoal e coletiva de todas as mulheres
do Curso Letras da Terra, carregada de valores e sentimentos como indicação de serem
eternas militantes, Marias revolucionárias, Mães de muitos Severinos.
4.2.7 Os legi-signos dos símbolos
Toda a configuração da mística sinaliza um ideal de militante através das fortes características
individuais que marcam cada personagem histórica apresentada. São Legi-signos que indicam
símbolos a serem admirados como código padronizado de mulheres extraordinárias. Como
exemplo a admirável Rosa Luxemburgo conhecida por toda Turma Patativa do Assaré tema
de inúmeras Místicas, famosa pelas suas múltiplas qualidades. Quando criança deficiente e
poliglota, na adolescência advogada e militante, adulta torna-se doutora intelectual e
revolucionaria. São ícones que sofrem alterações e passa a ser um novo signo. Rosa
Luxemburgo é um Símbolo para o movimento feminista pelo fato de ter se construído como
mulher independente tanto no plano político com pessoal. Fez política debatendo com os
maiores teóricos do partido e é um símbolo no MST cultuada pelas suas qualidades de
80
militante e dirigente: estudiosa, disciplinada, sensível, atuante e coerente com seus ideais
políticos.
As generalidades presente no legi-signo indicam um novo signo, em uma semiose em
constante movimento, em que um signo sempre enviará a um novo signo. Aqui as qualidades
apresentadas são símbolos em: Rosa Luxemburgo, Olga Benário, Tarsila de Amaral, Joana
D‟arc, Margarida Alves, Cora Coralina, Doroth Stang, Maria Quitéria, Maria Madalena,
Madre Teresa, Zilda Arns e Maria Bonita frutos de uma mesma grande árvore-mapa que
ocupam o mundo inteiro na expressão grafo-plástica.
Para que as mulheres, símbolos apresentados na árvore-mapa, passem a ter uma a relação com
o nome das mulheres que estão na camisa vermelha, os valores sócios culturais presentes nas
interpretes são valorizados através do texto, o qual de uma forma explícita afirma esta relação:
Somos Marias por que somos bonitas
E somos bonitas porque somos Marias
Somos bonitas porque somos mulheres
E porque sabemos viver com alegria
Somos bonitas porque entendemos
Que a força feminina faz toda diferença
Na construção da história
E como mulheres não devemos esconder
Atrás dos medos nossos erros e nossas glórias
Somos Marias que cuidam da casa
Dos homens frágeis escondidos em suas fortalezas
Somos Helenas, Dorotis, Rosas e Coras
Marias incontáveis de incontáveis grandezas.
(Ariadne Macedo, 2011)
São signos que representam nesta situação o objeto, “Somos Marias‟ que simboliza todas as
mulheres fazendo a associação das educandas do Curso Letras da Terra com as que estão na
grande árvore. Estas, as famosas, indicam acontecimentos, valores e ideologias que se firmam
no Legi-signo e evoluem para símbolos. É um processo de significação em que um signo
remete a outro signo: – os nomes das companheiras do Curso Letras da Terra e que antes de
se expor ao publico estava protegida debaixo de um grande símbolo do MST, a sua bandeira.
A bandeira do MST foi destacada nesta Mística sendo o elemento surpresa pelo fato de estar
cobrindo a companheira que carrega no corpo todas as Marias. No momento em que a
81
bandeira é descoberta e estendida, o Hino do MST, outro poderoso Símbolo do Movimento, é
entoado, assim a Mística “Somos Marias” é encerrada.
4.2.8 O efeito do símbolo no intérprete
Todo signo está para um objeto, assim como todo objeto está para o interpretante em três
níveis: rema, dicente e argumento. É por meio do interpretante que as identidades das
mulheres da “árvore-mapa” e das que ocupam a camisa vermelha, são construídas através da
leitura e interpretação dos signos que se complementam: o qualitativo-icônico com o
interpretante remático; o singular-indicativo com o interpretante dicente; e o convencional-
simbólico com o interpretante argumento.
Imagem 32- intérpretes Imagem 33 - intérprete s
O interpretante rema é um signo de primeira categoria, produzindo no seu interpretante efeitos
de possibilidades qualitativa-icônicas. Na primeira leitura dos ícones, os canudos distribuídos
nas árvores podem não serem frutos, apenas nomes presentes de mulheres com suas
qualidades. Como também pode ser uma árvore produtora de frutos que alimenta a
humanidade, ou uma expressão grafo-plástica que representa o Planeta Terra. São inúmeras
leituras e interpretações que podem ser realizadas através das qualidades apresentadas nos
ícones.
Observando com mais profundidade, o interpretante dicente vem à tona, comprovando ou não
as informações e hipóteses que foram contempladas no primeiro momento, através da
existência dos índices, para os quais o intérprete dirige o olhar: os nomes que são frutos da
82
árvore e os que estão na camisa vermelha podem despertar uma reação crítica no intérprete:
“Somos Marias” as mulheres celebres da árvore-mapa e as mulheres da camisa vermelha são
todas Marias? As mulheres da camisa vermelha possuem as qualidades indicadas pelas que
estão na árvore-mapa? É a interpretação particular de cada interprete dizendo sim ou não à
mensagem emitida pelos signos. É o interpretante dicente apresentando uma qualidade
singular cuja existência é real no signo. Como a linha circular que envolve a expressão-grafo
plástica, um signo dicente, cujo efeito interpretativo faz com que os leitores e leitoras da
Mística não ultrapassem esta linha marcada permanecendo às margens do círculo.
O Argumento é um signo que exige um raciocínio complexo, um signo de lei. O interpretante
raciocina dentro das sequencias lógicas do legissigno simbólico, e a interpretação é realizada
através de premissas que levam a uma conclusão verdadeira.
O interpretante argumento pode concluir que “Somos todas Marias, eternas militantes, Marias
revolucionarias”, tanto as Marias da grande árvore que ocupam o mundo, como as Marias que
ocupam a camisa vermelha do MST vestida pela companheira. Os elementos que reúnem
todas as Marias foram construídos, sob os três aspectos complementares da semiótica
aplicada: o qualitativo-icônico-remático, o singular-indicativo-dicente e o convencional-
simbólico que conduzem ao interpretante Argumento. Como exemplo na afirmação: “Rosa
Luxemburgo é vermelha”. É um rema que produz no seu interpretante efeitos de
possibilidades qualitativas. “Rosa Luxemburgo é vermelha porque dedicou toda a sua vida a
causa socialista”. É um dicente que comprova a existência das qualidades através dos índices
e sin-signos. Então se conclui que “todas as mulheres que se dedicam a causa socialista são
vermelhas”, como as que estão cobrindo a camisa vermelha. Este é um signo argumento, um
raciocínio dentro das sequências lógicas apresentadas na Mística “Somos Marias.”
Essa transformação de um signo de uma categoria para outro, só é possível com a participação
do intérprete, através da leitura dos ícones, índices e símbolos modificando o signo,
valorizando as mulheres da Turma Patativa do Assaré ao relacioná-las com as personagens
históricas apresentadas visando produzir identificações emocionais, culturais, politicas e
intelectuais
83
Há nesse ponto de vista um indicativo mobilizador de emoções, pois as personagens que estão
na grande árvore são montadas por índices singulares, as personagens que estão na camisa,
fora do limite do circulo, passam por um novo desempenho ao serem indicadas para uma
comparação de igual para igual com as que estão na “árvore-mapa‟, provocando um signo
argumento comprovado com o depoimento da discente do Curso Letras da Terra:
Como a árvore, a mulher também produz frutos e todas as mulheres em todos os
continentes em suas trajetórias, cada qual a seu modo, de acordo a sua época
deixaram suas marcas. Algumas conhecidas mundialmente outras não. A História é
contada por homens, o que não impede que as mulheres que passaram e passam pelo
mundo deixem suas sementes que serão regadas por outras mulheres, produzindo
frutos que perpetuam a luta pela igualdade entre todos seres humanos. (CADERNO
DE MEMÓRIA, Rita de C. Queiroz, 2010).
Imagem 34 - NB Maria Bonita
4.3 A Mística “Homenagem às Orientadoras e Orientadores”
O terceiro Ato Místico analisado é “A Homenagem às Orientadoras e Orientadores,” realizado
no dia 17 de maio de 2011, pelo Núcleo de Base João Candido, com uma hora de duração. A
expressão plástica analisada consiste em dois grandes círculos interligados, sendo que no
primeiro está o nome dos orientandos e orientandas em pequenos círculos floridos. No
segundo circulo grande contém o nome de todas as orientadoras e orientadores em círculos
menores sem flores. No desenrolar do Ato Místico os ramalhetes que estão no primeiro
círculo são transferidos para o segundo.
84
Imagem 35 - Círculo dos/das orientandos/as Imagem 36- Circulo dos/das Orientadores/as
4.3.1 O signo em si mesmo a qualidade
O quali-signo, com seus aspectos sensoriais, auditivo, textura e visual, estão fortemente
presentes neste ato. Na imensidão do salão redondo da recepção, onde estão grafados dois
grandes círculos unidos entre si, com suas bordas traçadas com folhas verdes. O primeiro
círculo é preenchido com os nomes que compõem a Turma Patativa do Assaré, sendo todos
agrupados de acordo com a sua orientadora ou orientador. No centro deste círculo, entre os
menores há um destacado por está circundado com flores e ser um pouco maior do que os
demais onde está escrito: Estágio, Monografia, Memorial, Artigo.
Imagem 37- Estágio, Monografia, Memorial, Artigo Imagem 38 - Cooperação e Solidariedade
No segundo grande círculo o qual também contém círculos menores preenchidos com a suave
cor preta polvilhada, estão os nomes de orientadoras e de orientadores, e no seu centro um
círculo maior do que os demais, coberto com folhas e flores, está escrito Cooperação e
Solidariedade.
85
As dimensões das Mandalas e a quantidade de flores impressionam causando um grande
impacto ao intérprete, mesmo antes de iniciar o Ato Místico. Ninguém passava indiferente
diante dessa expressão artística sem parar para admirar ou seguindo seu o caminho lentamente
rodeando a Mandala. O conhecimento sensorial sendo concebido através da imagem por
ramalhetes em cada círculo. A beleza das flores coloridas é destacada no aveludado fundo
preto que lhes serve como suporte, sobressaindo mais ainda os matizes das flores.
O bem superior que norteia a estética, o efeito admirável está presente. Os dois círculos
grandes formam um conjunto harmonioso, repleto de detalhes em 38 círculos menores que
estimulam a contemplação, a reflexão estética despertando emoções e apreciação da
expressão plástica grafada no chão da recepção. Na realização das Místicas há sempre o
esforço para que a beleza seja predominante, de forma que receptor da mensagem se sente
dignificado em pertencer aquela comunidade ali desenhada, enfeitada, em estar em contato
com este mundo mostrado com arte.
4.3.2 O signo em si mesmo com a singularidade e em relação ao seu objeto
A canção “Tocando em Frente” dá o tom do Ato Místico com todo o seu poder de comover
fazendo a abertura para a ação quando os educandos e educandas são conduzidos, para o
grande círculo que contém os nomes da Turma Patativa do Assaré. Entram devagar a mirar o
círculo florido onde estão os nomes em manuscrito escritos a dedo, vasculhando todo o
espaço místico com seus inúmeros sin-signos presentes. O volume da música é diminuído e
uma apresentadora vestida de azul dar início a leitura do texto alternando as falas com outras
apresentadoras vestidas de túnicas vermelha e branca, desenvolvendo assim o ato Místico.
86
Imagem 39 - Apresent. de azul Imagem 40 - apresent. de branco Imagem 41 - apresent. de vermelho
A Mística “Homenagem às Orientadoras e Orientadores” é um evento existente, real e único,
que ocupa um lugar no Centro de Formação Carlos Marighella durante uma hora de atuação.
É um Sin-signo possuidor de qualidades únicas que se relacionam com dezenas de existentes:
as orientadoras e orientadores cada um com suas singularidades em relação aos seus
orientandos e orientandas. Estes apontam para outros existentes como as suas respectivas
monografias, estágio, artigo, memorial e como diz Santaella “em um campo de referências
que se perde de vista”. O Sin-signo provoca uma ação e reação no intérprete diante da
percepção de tudo que é visto, admirado e sentido neste ato Místico.
O universo ao qual pertence o Índice apresenta uma conexão por ter qualidades em comum
com o seu objeto por meio do seu singular. Aqui neste ato místico o Índice é atuante no
momento em que as apresentadoras convidam o orientando a colocar as flores que estão no
circulo que contém os seus nomes, para serem depositados no outro grande circulo onde está
grafado o nome da orientadora ou orientador. Este gesto é uma indicação profunda, pois tanto
as perguntas como as respostas são repletas de valores e sentimentos: carinho, dedicação,
responsabilidade, afeto, ânimo, confiança, gratidão, compreensão e solidariedade. São índices
os gestos, as falas, o movimento das orientadas, orientandos e apresentadoras que conduz o
desenrolar da Mística através do dialogo:
“- Sou Mavanier. Estou aqui para ajudar sem me cansar. Quero ser parte desta obra
de arte, seja do estágio ou da monografia. Quero partilhar a rebeldia sem medo de
deixar acontecer a vitória. Quero ser parte desta história e deixar marcas profundas
na memória. Por isso venham: Ariadne e Joélito. Digam o que trazem para
colaborar?”
87
“- Trazemos letras e flores, carinho e muita responsabilidade. Queremos vencer e
construir, por isso queremos progredir, escrever e elaborar. Ajude-nos e nos faça
triunfar com a tua capacidade.”
“- Eu sou Arolda, gosto de literatura. Caminhei com vocês por todos os lugares
levando poesia e a alegria. Sinto que vocês cresceram e alcançaram a maturidade.
Mas ainda há um ultimo degrau para subir. Venha Elza, quero ver no teu olhar o
compromisso e o empenho. O que trazes para colaborar?”
“- De onde venho trago flores para você. Trago poesia e alegria. Trago animação
para que possamos trabalhar sem desanimar.”
“- Sou João Pinto. Professor da primeira etapa. Junto com vocês construí a
capacidade de sonhar e servir. Estou à sua disposição para ajudar nesta elaboração
sem medo de errar. Quero participar, ser membro dessa grande construção. Por isso
venham: Carlos Magno, Mônica e João Paulo. Digam o que trazem para contribuir?”
“- Trazemos muito empenho. Vontade de estudar e desvendar nossas raízes.
Compreender melhor as cicatrizes que o tempo de exploração construiu. Trazemos
flores para perfumar o caminho que é para nós o maior gesto de carinho”.
Imagem 42 -Índice - orientadora Imagem 43- Índice - orientadores
É importante ressaltar que aqui a ética tem o seu lugar como a ciência orientadora, a teoria da
ação auto controlada é fio condutor neste momento da Mística, buscando fundamentar as
ideias através de uma boa conduta em relação a todos os trabalhos necessários para a
conclusão do Curso Letras da Terra. É o esforço da vontade em relação a atitude certa com os
estudos a fim de concluir o Curso.
A terra preta peneirada que serve de base para a escrita dos nomes, faz a conexão com a
identidade dos orientandos e orientandas que são do Curso Letras da Terra. E quando os
orientandos transferem as flores dos seus círculos para os das suas mestras e mestres fazem a
ligação entre os dois conhecimentos ao qual o orientando está ligado: a sua orientadora ou
orientador. Este índice é um gesto muito bonito e profundamente significativo porque
88
concretamente indica que a orientanda e o orientando estão dando o melhor de si: a dedicação,
o carinho, a gratidão em troca da compreensão e solidariedade que lhes dedicam suas
orientadoras e orientadores.
O índice neste ato Místico também apresenta as propriedades transmitidas pelas cores da
bandeira da Bahia nas roupas das apresentadoras: vermelho, branco e azul, fazendo uma
relação com a as cores do timbre da UNEB (Universidade do Estado da Bahia) que coordena
o Curso Letras da Terra e da qual fazem parte grande número de orienadoras e de orientadores
representados nesta Mandala.
4.3.3 O ato místico e o seu objeto dinâmico e imediato
Ainda em relação ao objeto através da referência do quali-signo, sin-signo vistos na primeira
tricotomia do signo; do ícone e índice vistos na segunda tricotomia está presente a relação do
signo com o seu referente objeto: os objetos dinâmico e imediato.
O objeto dinâmico neste ato Místico é algo que está ausente no signo, sendo a referência
última que engloba todo o contexto que inclui orientadoras/orientadores e
orientandas/orientandos, todo esse conjunto, todos os signos presentes contidos nesta Mandala
tem sua origem no seu objeto dinâmico: o Curso Letras da Terra.
O modo como o Curso Letras da Terra é evocado e referido em “A Homenagem às
Orientadoras e Orientadores”, é através do seu Objeto Imediato, que está à mostra neste Ato
Místico e que dá acesso ao objeto dinâmico através dos educandos e educandas que compõe a
classe do Curso Letras da Terra ao qual estão associados todas as qualidades, singularidades,
ícones e índices.
O signo presente analisado que homenageia as orientadoras e orientadores é um recorte do
Curso Letras da Terra comprovado em uma realidade concreta, por meio dos nomes presentes
em um círculo que compõe a classe de estudantes do Curso, com o outro círculo que contém
os nomes dos profissionais que têm uma relação direta com esses estudantes, conforme os
exemplos nas imagens 44, 45, 46 e 47.
89
Imagem 44 - Orientadas Imagem 45 - Orientador Imagem 46- orientadas/os Imagem 47 - orientadora
4.3.4 O signo em relação ao seu objeto terceiro: símbolo
Na Mística “Homenagem as Orientadoras e Orientadores” o signo com as suas qualidades de
ícone, sempre indicando determinado objeto que em um processo contínuo, torna-se símbolo,
como a fértil terra preta na qual está desenhado o nome de cada pessoa representada nesta
Mística. Todo símbolo inclui dentro de si quali-signos-icônicos e sin-signos-indiciais. Isto
acontece através das qualidades transmitidas na similaridade das imagens e também pela
convenção cultural ou pacto coletivo que determina que flores representem afeto, respeito,
carinho, atenção e gratidão.
Este ato Místico em si é um símbolo, uma abstração de um concreto através dos seus
inúmeros círculos, os quais são considerados como um dos maiores símbolos da experiência
humana, usados em rituais por todas as civilizações desde os tempos primitivos. Os círculos
que formam uma Mandala favorecem a concentração, integração e união de todos que estão a
sua volta. Segundo Carl Jung, é um símbolo presente no inconsciente coletivo, uma forma
com alto poder de sensibilização e que de acordo o seu conteúdo provoca sentimentos
profundos a povos de qualquer nação ou continente. No centro do primeiro círculo, para onde
naturalmente o olhar se dirige, pois os círculos exercem essa atração, estão as metas dos
estudantes do Curso Letras da Terra: estágio, monografia, memorial e artigo. No centro do
outro círculo a complementação do que é necessário para atingir essa meta: compreensão e
solidariedade por parte dos orientadores e das orientadoras.
O signo não-verbal dentro de uma Mística assume diversos significados dependendo do
contexto que está inserido. A modificação de uma imagem pelo seu contexto quando as flores
são depositadas junto ao nome das orientadoras e orientadores, o ícone torna-se um índice
com todas as referências que as flores possuem, simbolizando o carinho e a gratidão dos
educandos e educandas com a sua orientadora ou orientador.
90
Este símbolo cresce à medida que há uma reflexão, nesse caso, percepção que o orientando
está dando o melhor de si: flores organizadas em buquê para suas orientadoras e orientadores,
selando o compromisso entre esses legi-signos. Simboliza também o acordo por parte das
orientandas e orientandos em serem responsáveis, levando letras, poesia, alegria, vontade de
estudar e de progredir, escrever e elaborar, com vistas à realização dos estágios
supervisionado II e II e a escrita dos textos científicos: a monografia, memorial e artigo.
E a Mandala neste ato é um ícone que representa a associação de todos os nomes que estão
grafados, sugerindo as qualidades que se incorporam neste objeto com todos os seus
elementos, referindo-se às/aos orientadoras/res e seus respectivos orientandos e orientandas,
os índices que completam os símbolos. E os intérpretes sobre o efeito da conexão presente na
mensagem central terão a possibilidade de construir um argumento, o sucesso na caminhada
acadêmica dependerá do compromisso de cada um/uma, segundo a função que cada um/uma
tem nesse processo. Pois os signos presentes simbolizam a necessidade da dedicação aos
estudos, a responsabilidade, a persistência, por meio da cooperação e solidariedade.
Imagem 48 – NB João Candido
O Santaella (1995, p. 69) diz que “na produção e utilização prática dos signos, estes se
apresentam amalgamados, misturados, interconectados” de uma maneira tão abstrata que o
intérprete não consegue perceber. Como neste ato místico estão presentes uma série de
elementos sinestésicos, a mensagem é enviada não somente pela percepção visual e auditiva,
utiliza-se outros sentidos como o toque físico no final do ato místico, ao som de “Amigos para
91
Sempre. A escrivã do dia Eliane de Oliveira Santos sobre este ato Místico escreveu o
seguinte:
A mística inspira o dia, pois flores representam beleza, serenidade, amor, paixão,
enfim exalam sentimento, e assim começou o dia homenageando as nossas
orientadoras que são Helânia, Jucilene, Nalva, Guilhermina, Paulo Cesar, Irene,
Solange, Crisna, João Pinto, Josinéa, Arolda, Mavanier, Nelcida, Nelma, Cecília,
Djacira e outras, nomes escritos no chão que recebiam de seus orientandos buques
de flores, foi uma linda mística, fazendo muitos chorarem no final.
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo semiótico das Místicas e das Mandalas produzidas pela turma Patativa do Assaré foi
realizado por meio da pesquisa participativa; sendo assim, a informações socializadas aqui
foram co-construídas, pois ao mesmo tempo em que era a pesquisadora estava inteiramente
envolvida nas produções e recepções desses signos.
Para a interpretação dos signos linguísticos que constituem as Místicas elegeu a Semiótica
como ciência, pois esta permite que o pesquisador/intérprete/leitor penetre no próprio
movimento interno das mensagens, no modo como elas são geradas, nos procedimentos e
recursos nelas utilizados. (SANTAELLA, 2005).
Essa ciência tem como corpus de investigação o processo de significação, isto é, a relação do
intérprete com o signo e desse com os seus interpretantes imediatos como os ícones, os
índices e os símbolos. Nesse sentido, a pesquisa trouxe como resultados:
(1) A Semiótica é uma ciência eficaz para o estudo das Místicas e das Mandalas, pois
esses signos não -verbais são construídos por imagens, sons, cores, movimento, uma gama de
linguagens que se apresentam em forma de ícones, índices e símbolo;
(2) A Semiótica contribui na operação com os signos não-verbais, pois possibilita que a
linguagem seja lida como faculdade que permeia o conhecimento e as formas de conhecer, o
pensamento e as formas de pensar, a ação e os modos de agir, como produto e produção
cultural nascida das práticas sociais, conforme as análises apresentadas nos últimos capítulos;
(3) A Mística para os dicentes do Curso Letras da Terra é um símbolo do MST, portanto
um signo cultural, pois possui em si um sentido histórico, social, político e artístico. E a sua
vivencia no curso de Letra da Terra funcionou como um espaço para a socialização do que os
estudantes vivem e sentem em relação ao movimento, ao curso, aos educadores e aos
companheiros/ companheiras;
(4) A Mística é um signo que contribui para a evolução intelectual e política dos/das
educandos/educandas, pois os levam a refletir sobre o seu fazer e ser no contexto da
universidade e do movimento;
(5) Quanto às aprendizagens possibilitadas por meio das Místicas sinalizamos algumas: a
elevação do nível de envolvimento entre todos/todas, capacitação de cada um(a) e do coletivo
93
para a realização de ações com maior autonomia. Reflexão, a partir da vivência do “mistério”
e estabelecimento de diálogos reflexivos entres os participantes;
(6) A Mística também se configura como uma ação educativa emancipatória, isto é, a
condição de ter acesso a conhecimentos que não são contemplados no currículo do curso.
Uma vez que os/as educandos/as, na elaboração das Místicas tem autonomia quanto à escolha
do tema, da forma como irão significar tal temática assim como a eleição dos signos e
símbolos a serem apreendidos pelo coletivo;
(7) Foi apontado que boas Místicas são aquelas que geram novas aprendizagens, partindo
da práxis, ação-reflexão-ação;
(8) Quantos aos signos eleitos na produção das expressões plásticas, a pesquisa apontou
que a escolha é motivada frente ao efeito que esses irão produzir. Sendo assim, devem ser
utilizados signos que são capazes de mobilizar o sentimento de pertencimento, de
coletividade, dentre eles, os legi-signos como a bandeira, o hino e demais símbolos que fazem
alusão a ideologia do MST;
(9) A Mística é um legi-signo que contribui para a evolução intelectual e política dos
educandos e educandas, pois os levam a refletir sobre o seu fazer e ser no contexto da
universidade e do movimento.
(10) Os acontecimentos e temáticas representados no ato Místico só completam sua ação
como signos nas suas relações com o interpretante, o que inclui os fundamentos presentes – os
quali-signos, os sin-signos e os legi-signos – interpretantes imediato de um interpretante
dinâmico, através dos três níveis de interpretação: o imediato; o dinâmico e o final, conforme
as análises das três Místicas apresentadas no quarto capítulo.
Nesse sentido, inferimos que a produção e a recepção das Místicas e das expressões plásticas
pelos (as) educandos (as) possibilitam que os estudantes desenvolvam suas competências
linguísticas e a capacidade de analisar e interpretar signos não-verbais como sistemas de
comunicação.
Na elaboração das Místicas os discentes de Letras se vêem como os protagonistas do
processo, e não apenas consumidores e reprodutores. O que significa uma pratica educativa
emancipatória com vistas ao desenvolvimento conjunto das autonomias individuais junto ao
coletivo.
94
Considera-se, relevante que os educadores e as educadoras conheçam acerca da Semiótica,
para que sejam capazes de estabelecer a leitura e interpretação de diferentes signos não-
verbais, atentando-se para os modos de condução do pensamento de seus discentes como
intérpretes e produtores de signos.
Salienta-se que os/as letrados/as que irão atuar em escolas ligadas ao movimento terão as
Místicas e as expressões plásticas como textos grávidos de significados, o que possibilitará
leituras em diferentes níveis. Como exemplo, a leitura dos ícones – signos abertos que
possibilitam o desencadeamento de emoções, uma das funções do ato místico. Assim também,
os índices que podem provocar reações nos intérpretes e os símbolos, o argumento. Ações
interdependes em todo ato de significar.
Como foi discutido ao longo desse estudo o ato de significar depende do modo como o
intérprete reage a um signo. Nesse sentido, não há leituras fechadas, verdades instituídas. São
possibilidades de interpretações que se dão a partir do conhecimento de mundo do leitor, do
grau de envolvimento com o signo e do potencial comunicacional dos signos eleitos. No caso
das Místicas e das Mandala analisadas, essas só foram interpretadas, segundo os depoimentos
registrados, porque os estudantes do Curso Letras da Terra já internizaram conversões que
circundam a produção e a recepção desses signos.
Um intérprete que não pertence ao universo do Curso Letras da Terra, que não tem contato
com os professores, estudantes e assentados, ao contemplar um dos atos místico talvez não
passasse do interpretante emocional, comovendo com a beleza do ícone, com a
referencilalidade dos índices e ou aproximar dos argumentos dos símbolos, uma significação
ao nível da Terceiridade, entretanto uma argumentação, partindo da subjetividade.
Santaella (2005) diz que normalmente, o ser humano tem a versatilidade de interpretar
rapidamente o que ver sem mesmo deixar que o que está sendo observado possa lhe mostrar
outras interpretações que ali existem, e por falta de uma segunda chance de interlocução com
o objeto observável, as coisas ficam apenas na primeira impressão e acaba deixando de ser
compreendida na sua totalidade.
95
A argumentação lógica desejada na significação de um signo é denominada pela Semiótica de
interpretante final, situado no terceiro nível, mas esta não pode ser efetivamente alcançada por
um intérprete particular, mas por uma coletividade. Entretanto Santaella (2005) adverte que
essa significação é inatingível, pois os interpretantes (quali-signos, sin-signos e legi-signos)
podem dar vazão ao que o signo tende representar, um processo contínuo, ad infinitum.
Um dos objetivos da escola é justamente possibilitar que seus discentes possam participar das
várias práticas sociais, que utilizam da leitura e da escrita na vida, de maneira ética, crítica e
democrática. Para que isso ocorra é preciso que a escola leve em conta os diferentes signos
eleitos e manuseados pelos seus discentes. E foi nesse sentido, que os estudantes do curso
Letras da Terra caminharam durante o período em que estiveram juntos do Centro de
Formação Carlos Marighela e no Campus X.
É desta forma que se festeja uma cidadania popular não-burguesa de estudar no campo,
fazer universidade em um assentamento com todo o direito de sonhar e ter utopias. E a
Mística possibilitou o fortalecimento da identidade coletiva, animar, encorajar
todos/todas, o desenvolvimento das competências linguísticas: ler, escrever, falar, ouvir e
interpretar, com vista à produção de conhecimentos como forma de evolução pessoal e
coletiva.
96
REFERÊNCIAS
ARRUDA, Plínio Sampaio. Vozes Sem Terra. Revista Eletrônica. 2002.
BETO, Frei. Mística e Espiritualidade. Frei Beto, Leonardo Boff. Petrópolis, RJ. Vozes,
2010
BOGO, Ademar. Arquitetos de sonhos. São Paulo: Expressão Popular Ltda, 2003.
BOGO, Ademar. O vigor da Mística. São Paulo, Associação nacional de Cooperação
Agrícola, 2002.
BOGO, Ademar. O MST e a Cultura. Caderno de Formação nº 36. São Paulo: MST, 2006
BORGES, Társila Moscoso. Metodologia da pesquisa em comunicação e culturas
midiáticas. Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB. Ano VI, n. 09 –
Setembro/2010
CENTRO DE ESTUDOS Percianos: www.pucsp.br/pos/cos/.../semiotica/semiotica.htm
COELHO, Fabiano. A Prática da Mística e a Luta pela Terra no MST. MS: UFGD, 2010.
FERNANDES, Bernardo Mançano e STÉDILE, João Pedro. Brava Gente: A trajetória do
MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mandala_(s%C3%ADmbolo). Acesso em 19 de julho de 2011.
LIVRO DE MEMÓRIAS do Curso Letras da Terra. Teixeira de Freitas: UNEB,MST, 2010.
NORT, Winfried. Panorama da Semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 2003.
PEIRCE, Charles S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2005.
PROJETO DO CURSO No Cio da Terra, o Germinar das Letras em Movimento - Formação
de Professores em Áreas de Assentamentos – Licenciatura em Letras. Salvador:
UNEB/PROEX, 2006.
RELATÓRIOS das etapas do curso. Teixeira de Freitas: UNEB - Campus X, (2006), (2007),
(2008), (2009), (2010).
SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1993.
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Cengage Learning, 2002.
SANTAELLA, Lúcia. Imagem – cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras ltda,
2005.
97
VALENTE, André. A linguagem nossa de cada dia. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
VERONEZ, Helânia Thomazine Porto. PROJETO DO CURSO No Cio da Terra, o
Germinar das Letras em Movimento - Formação de Professores em Áreas de Assentamentos –
Licenciatura em Letras. Teixeira Freitas: UNEB/NUPEX, (2006), (2007), (2008), (2009),
(2010).
98
Top Related