CENTRO DE EDUCAO SUPERIOR DE BRASLIA
INSTITUTO DE EDUCAO SUPERIOR DE BRASLIA-IESB
COORDENAO DE PS-GRADUAO
LUS GUSTAVO MARTINS BARROS
O Jornalismo Pblico
praticado pelo programa Cidades e Solues
Braslia 2009
LUS GUSTAVO MARTINS BARROS
O Jornalismo Pblico
praticado pelo programa Cidades e Solues
Monografia apresentada ao Curso de Assessoria em Comunicao Pblica do IESB, como requisito parcial para a obteno do grau de Especialista. Orientadora: Prof. e Mestre em Comunicao pela Universidade de Braslia, Mnica Prado.
Braslia 2009
RESUMO
O Jornalismo Pblico no nem um gnero nem uma categoria jornalstica.
Surgiu como um movimento, formado por um grupo de jornalistas norte-americanos que
pretendiam recuperar a tica e os princpios democrticos no processo de formulao de
notcias. Este trabalho pretende apresentar e analisar o Jornalismo Pblico como uma
forma possvel de desenvolver a cidadania, bem como estimular a participao social nas
causas em que necessria uma atitude coletiva. Tambm tenta verificar se os conceitos
que conduzem este tipo de jornalismo podem ser encontrados no Brasil, por meio de um
estudo de caso do programa de TV Cidades e Solues.
ABSTRACT
Public Journalism is neither a gender nor a category in general journalism. It
appeared as a movement, formed by a group of North-American journalists who intended
to recover the ethical and democratic principles in the process of news making. This paper
aims to show and analyze Public Journalism as a possible way to develop citizenship, as
well as to stimulate social participation in causes where a collective attitude is required. It
also tries to verify if the concepts that lead this sort of journalism can be found in Brazil, by
a case study of the Brazilian TV show Cidades e Solues.
SUMRIO
Introduo........................................................................................................ 1
Captulo 1 Jornalismo Cvico: o pensamento voltado para o cidado... 7
1.1 - Antecedentes histricos........................................................................ 7
1.2 Conceitos.............................................................................................. 14
1.3 Preceitos............................................................................................... 19
1.4 - Possibilidades de mudanas nas redaes.......................................... 25
1.5 - A corrente contrria............................................................................... 29
1.6 - A mutao do Jornalismo Pblico nos Estados Unidos........................ 32
1.7 Terminologia......................................................................................... 36
Captulo 2 Jornalismo Pblico no Brasil.................................................... 39
2.1 - A importao de uma idia.................................................................... 39
2.2 - Tipos de JP no Brasil e suas caractersticas......................................... 43
2.3 - Experincias brasileiras......................................................................... 48
2.4 - O campo de atuao............................................................................. 54
2.5 - A Comunicao de Interesse Pblico.................................................... 58
Captulo 3 Cidades e Solues como instrumento de Jornalismo
Pblico...............................................................................................................
63
3.1 - Os responsveis pelo programa............................................................ 63
3.2 - A proposta do programa........................................................................ 68
3.3 - A concepo do programa.................................................................... 76
3.3.1 - O formato....................................................................................... 76
3.3.2 - As pautas....................................................................................... 79
3.3.3 - As fontes........................................................................................ 81
3.3.4 - O pblico-alvo................................................................................ 82
3.3.5 - A audincia..................................................................................... 83
3.4 - Anlise das caractersticas e dos pontos convergentes........................ 86
3.4.1 - Anlise global dos pontos convergentes........................................ 87
3.4.2 - Anlise pontual dos programas...................................................... 89
I) Adoo no Brasil................................................................................ 90
II) Comrcio Justo................................................................................. 95
III) Embalagens Longa Vida.................................................................. 100
IV) Incentivo Leitura........................................................................... 105
Concluso........................................................................................................ 111
Referncias...................................................................................................... 115
INTRODUO
Um dos ditados mais populares do jornalismo diz que se um cachorro morde
um homem, no notcia; mas se um homem morde um cachorro, isso sim notcia. A
mensagem serve para ilustrar um dos critrios utilizados pelos jornalistas para valorar
acontecimentos, declaraes e informaes de todos os gneros no sentido de
determinar e classificar aquilo que deve ser noticiado. Dessa forma, nem tudo o que
acontece pode ser transformado em notcia e os acontecimentos so selecionados de
acordo com uma escala subjetiva de interesse.
O jornalista profissional encarregado de apurar, processar e transmitir
informaes no momento em que est diante de um fato ou de uma ocorrncia
qualquer deve observar atentamente esses critrios, pois faz parte do exerccio de sua
profisso identificar os pontos que ele julgue importantes naquele contexto para a
divulgao da informao. Esses critrios de noticiabilidade so denominados valor-
notcia.
O valor-notcia no chega a constituir uma regra no jornalismo, mas
determinado conforme a deciso pessoal dos editores das empresas jornalsticas
baseado nas experincias vividas pelos profissionais e em critrios atinentes ao nvel de
importncia, ao grau de interesse, ao produto informativo, ao meio de comunicao em
que ser veiculado, ao pblico receptor, dentre outros fatores (ARAJO; SOUZA, 2003, p.
56; WIKIPDIA, 2009).
Alm disso, elementos como o nmero de pessoas envolvidas, a durao da
ocorrncia, o carter inesperado (se um homem morde um cachorro...), a clareza das
informaes, aes que envolvem personalidades famosas e proximidades geogrfica e
2
cultural entre outros, tambm devem ser levados em considerao na hora de decidir
aquilo que dever se tornar notcia (WIKIPDIA, 2009).
Logo na construo da reportagem, o acontecimento narrado sob a tica do
jornalista que presenciou o fato. Ao redigir o texto, o jornalista no s descreve o que viu,
mas insere, conforme o encadeamento de outros elementos apurados, a sua percepo
daquele acontecimento. Depois, o texto submetido a um editor que adiciona, retira ou
modifica trechos da matria no sentido de tornar o assunto mais palatvel ao leitor,
obedecendo sempre aqueles critrios de noticiabilidade.
Com isso, os editores, chamados de gatekeeper (ou selecionadores de
notcias), detm o poder de deciso sobre o que noticiado e tambm sobre o tratamento
e o direcionamento que aquela matria deve tomar. E justamente por meio desse poder
que os editores decidem o qu e como o leitor, ouvinte ou telespectador (conforme o meio
escolhido para receber a notcia) deve tomar conhecimento de um determinado fato.
Mas dito antes como essas decises partem de julgamentos pessoais dos
editores dos mais variados veculos de comunicao, conforme a classificao do valor-
notcia, o leitor ir encontrar leituras e enfoques diferentes para um mesmo assunto. O
que no deixa de ser normal, pois cada pessoa tem uma forma diferente de ver as coisas.
No entanto, quando poder e dinheiro esto em jogo, a possibilidade de acontecer
manipulao de informaes ou conflito de interesses tende a aumentar e a ser mais
constante.
Um dos aspectos relacionados ao valor-notcia e que mais se observa no
jornalismo o carter negativo dos acontecimentos. Eles so noticiados com maior
frequncia porque um dos critrios de noticiabilidade determina que as ms notcias
vendem mais do que as boas notcias. Isso acontece, em tese, porque as pessoas
precisam saber que existem problemas maiores que aqueles enfrentados por elas no seu
3
dia-a-dia. uma questo psicolgica. Mas, partindo da premissa relativa s causas e
efeitos, a grande quantidade de notcias ruins veiculada corriqueiramente e de forma
massificada tende a gerar sentimentos de revolta, indignao e pessimismo na
populao. Claro, que notcias sobre tragdias, calamidades, violncia e corrupo, por
exemplo, existem e devem ser transmitidas, mas coloc-las em um plano acima das
outras na escala de importncia acaba por prejudicar no s a quem recebe a informao,
pela alta carga de negatividade, como o prprio jornalismo, que fica estigmatizado.
H tambm outras implicaes que podem levar manipulao de informao.
A poltica um terreno frtil para isso. Apesar de muitas pessoas dizerem que no
gostam de poltica e se abstenham de assuntos acerca do tema, elas precisam da poltica
e a praticam para poder viver em sociedade. Alm das definies tradicionais que a
tipificam, um dos conceitos mencionados pelo Dicionrio Aurlio para dar sentido
palavra poltica, diz que se trata da habilidade no trato das relaes humanas, com vista
obteno dos resultados desejados. Ele ainda a relaciona com civilidade e cortesia.
Visto dessa forma, um simples ato de desejar bom dia a uma pessoa j pode ser
considerado uma ao poltica.
As empresas jornalsticas, por sua vez, no esto fora desse contexto poltico.
Embora sugiram iseno e imparcialidade na veiculao de informaes e elaborem
manuais de orientao aos jornalistas que determinem condutas morais e ticas, essas
empresas esto inseridas no mundo capitalista e, mesmo que no admitam, se
posicionam politicamente conforme os assuntos abordados e as linhas editoriais
adotadas. E no s isso. Por trs de cada informao, podem estar camuflados interesses
de determinados grupos, classes ou categorias polticas e, at mesmo, de pessoas
influentes.
4
E, por conta de interesses dessa natureza, muitos veculos de informao
cresceram politicamente e economicamente no sculo XX, transformando-se em grandes
conglomerados de comunicao de massa, no s no Brasil, mas tambm em outros
pases, especialmente os Estados Unidos, bero do capitalismo. Com o passar do tempo,
os interesses de determinados grupos, principalmente econmicos, passaram a
predominar sobre o interesse geral nos noticirios e isso teria provocado uma crise de
identidade no jornalismo, refletindo diretamente na vendagem de jornais.
Alguns jornalistas americanos, contudo, perceberam que o jornalismo estaria se
desvirtuando de seus princpios e no estaria atendendo coletividade nem cidadania.
Inconformados com a forma como os trabalhos jornalsticos estavam sendo conduzidos,
eles decidiram lanar um movimento de resgate do jornalismo e o denominaram de
Jornalismo Pblico. Esse movimento teve por objetivo estabelecer novas regras de
conduta de jornalistas e rgos de comunicao no sentido de fazer prevalecer a
cidadania na prtica jornalstica e, dessa forma, envolver os prprios jornalistas e o
pblico a que se destinam em questes pblicas e de interesses comuns sociedade.
A presente monografia tem por objetivo contextualizar o Jornalismo Pblico
conceitualmente e historicamente, mapear a adoo das diretrizes fundadas por esse
movimento na mdia americana e brasileira e confront-lo com o jornalismo praticado pelo
programa Cidades e Solues veiculado pelo canal de TV por assinatura Globo News
e apresentado pelo jornalista Andr Trigueiro , avaliando a proposta do programa, o
formato, o contedo e o seu potencial de dilogo com a sociedade.
A proposta deste trabalho apresentar o Jornalismo Pblico como uma forma
vivel de se desenvolver a cidadania e de estimular a sociedade para causas sociais que
necessitam da coletividade. Ser feito um panorama em torno deste modelo utilizando
o programa Cidades e Solues como objeto de estudo a fim de diagnosticar os
5
benefcios que o JP pode trazer para a sociedade, como proporcionar incluso social;
gerar participao social e poltica dos cidados; exigir maior comprometimento com os
direitos humanos e sociais; promover o relacionamento pacfico dentro e fora das
comunidades e, consequentemente, assegurar a qualidade de vida da populao.
Para isso, foi feita a captao de diversos artigos e trabalhos acadmicos na
rede mundial de computadores e realizado um amplo levantamento bibliogrfico, para
registrar os marcos histricos e geogrficos de implementao deste modelo e averiguar
os conceitos fundamentais do Jornalismo Pblico, a trajetria do movimento e os
desdobramentos nos meios acadmico e profissional. Para coletar informaes sobre o
programa, as pginas referentes ao Cidades e Solues na web tambm foram
consultadas. Alm disso, foi realizada uma entrevista com Andr Trigueiro para verificar a
proposta do programa, captar as impresses pessoais do autor e coletar detalhes sobre a
construo do programa, a rotina dos profissionais e as tcnicas jornalsticas
empregadas.
Foram observados, durante o processo de pesquisa, o nvel de adeso causa,
as perspectivas futuras do movimento e as polmicas que o envolvem. Avaliou-se
tambm a presena do Jornalismo Pblico no Brasil, com relao forma como ele foi
disseminado por aqui, as experincias que se aproximam dos conceitos que o movem, o
campo de atuao e a sua relevncia para a Comunicao Pblica.
Na pesquisa referente ao programa, foram revelados os responsveis pelo
projeto e descobertas a proposta e as motivaes para a realizao do Cidades e
Solues. A sua concepo tambm foi verificada, no que diz respeito ao formato, s
pautas, s fontes, ao pblico-alvo e audincia.
Para a avaliao dos programas, foram destacadas quatro edies, constantes
de uma relao de ttulos disponibilizada na pgina oficial do Cidades e Solues e na
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pgina pessoal do jornalista. Andr Trigueiro distribui os ttulos por categorias,
determinadas por ele, tais como Energia; Consumo consciente; Construo Sustentvel;
Reciclagem de materiais orgnicos e inorgnicos; Uso inteligente da gua; Educao e
cultura; Mobilidade; Biodiversidade; Planejamento urbano e gesto; e Terceiro setor.
Desse cardpio, optou-se por escolher programas que tivessem temticas distintas, com
enfoque em relao social, economia, meio ambiente/reciclagem e educao/cultura.
NOTAS DE REFERNCIA:
ARAJO, Ellis Regina; SOUZA, Elizete Cristina de. Obras jornalsticas - Uma sntese . Braslia: Editora Vestcon, 2003. 300 p.
POLTICA. In: NOVO Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1996.
WIKIPDIA. Valor-notcia. Disponvel em: . Acesso em 17 jun. 2009.
7
Captulo 1 Jornalismo Cvico: o pensamento voltado para o cidado
1.1 - Antecedentes histricos
No fim dos anos 80, uma onda de desconfiana atingiu os meios de
comunicao norte-americanos. Os primeiros reflexos detectados foram a queda na
leitura de jornais e o baixo ndice de confiabilidade nos veculos informativos. Depois,
pesquisas apontaram para um descrdito crescente da populao americana em relao
ao que a mdia veiculava e forma como ela transmitia as notcias para sua audincia. O
pblico j no identificava nos meios de comunicao a funo de servir sociedade ou
de reportar notcias de interesse coletivo. Havia um descontentamento geral com a
cobertura feita por jornais e emissoras de TV e ficava cada vez mais clara a ideia do
jornalismo como negcio sobrepondo a ideia do jornalismo como uma prestao de
servio.
Um dos aspectos levantados como causa para a rejeio do pblico aos
veculos de comunicao relacionava-se com a prtica jornalstica, consagrada ao longo
do sculo XX pelos grandes jornais e seus manuais de redao, baseada no
distanciamento do reprter em relao notcia e na adoo de tcnicas redacionais que
privilegiam a objetividade, a imparcialidade, a conciso, a simplicidade e a preciso, entre
outros, e que contribuiu para esse sentimento do receptor da informao de que ele no
faz parte daquele universo noticiado. O pblico, diante da concepo do distanciamento,
apenas consome a notcia e no se envolve.
Diversos pesquisadores da comunicao passaram a mapear o comportamento
da indstria jornalstica e de seus profissionais, por meio de estudos cientficos, e
conceberam inmeras teorias que traduzissem as causas e consequncias do jornalismo
8
desenvolvido ao longo do tempo. Uma delas, a Teoria do Espelho, traduz essa relao de
distanciamento quando diz que o jornalista deveria se comportar como um fotgrafo,
relatando a realidade da forma como ela se apresenta, sem interveno subjetiva
(DANTON, 2003). Ainda de acordo com a teoria, o bom jornalista um observador
desinteressado, que relata com honestidade e equilbrio tudo o que v, cauteloso para
no emitir opinies pessoais (DANTON, 2003) e diz tambm que escrever a matria de
forma impessoal e ouvir os dois lados da questo regra para o bom jornalismo
(DANTON, 2003).
Aliado a isso, as transformaes tecnolgicas, que geraram uma dinmica
maior na transmisso das informaes, a espetacularizao da notcia, determinante nos
telejornais e cujo fato muitas vezes repassado na forma de entretenimento, a busca
incessante pelo furo jornalstico, em que a descoberta de um escndalo torna-se o
principal objetivo a ser alcanado, e a superficialidade com que alguns temas eram
tratados tambm foram ingredientes da prtica jornalstica apontados como causadores
da insatisfao do pblico.
Outro componente verificado naquela ocasio foi a cobertura mal-sucedida da
campanha presidencial de 1988, entre George Bush e Michael Dukakis, feita pela
imprensa americana (SHEPARD apud TRAQUINA, 2003, apud QUADROS, 2005, p. 45).
Como o voto nos Estados Unidos facultativo, detectou-se o afastamento da populao
nas eleies daquele ano. Especialistas tambm perceberam que as matrias veiculadas
privilegiavam a corrida presidencial, com a divulgao constante das pesquisas de
inteno de votos e a posterior repercusso em torno dos nmeros, em detrimento de
notcias que gerassem discusso a respeito de questes mais relevantes para o
eleitorado.
9
E foi esse cenrio, portanto, que proporcionou o surgimento do Jornalismo
Pblico, tambm chamado pelos precursores desse movimento de Jornalismo Cvico. A
ideia inicial era retomar o princpio jornalstico de servir sociedade e tinha como meta a
reinsero dos cidados na vida poltica norte-americana.
O primeiro jornalista que verificou a necessidade de se realizar uma mudana
no processo de construo das notcias foi Davis Merritt, ento editor do jornal The
Wichita Eagle, do estado do Kansas. Desencantado com o trabalho desenvolvido nas
eleies de 1988, ele escreveu um artigo, datado de 1990, em que pregava o
aprofundamento dos temas abordados nas matrias, oferecendo aos leitores/cidados a
oportunidade de compreender, em detalhes, a posio dos candidatos que disputariam as
eleies para o governo do Estado do Kansas em torno dos assuntos de interesse da
comunidade (QUADROS, 2005, p. 45).
Naquele mesmo ano ele lanou dois projetos que colocavam em prtica esse
novo processo de produo de notcias. O primeiro, chamado Where they Stand, tinha
como objetivo aumentar a participao do pblico no processo eleitoral. Foram
estabelecidos 10 temas considerados mais relevantes pela populao, escolhidos por
meio de uma pesquisa, que seriam abordados em matrias mais aprofundadas com a
apresentao de todas as questes relativas a cada assunto proposto. A partir do
levantamento feito pelo jornal, abria-se um espao para o debate, onde os candidatos
expunham suas idias e expressavam seus pontos de vista acerca de assuntos como
educao, desenvolvimento econmico, meio ambiente, agricultura, servios sociais,
impostos e violncia, entre outros (FERNANDES, ca. 2004, p. 2).
O segundo projeto, denominado The People Project, visava o engajamento dos
moradores da regio na busca de solues para problemas distintos como a deficincia
das escolas, crimes e gangues, falta de consenso na poltica, alm de crises em famlia.
10
Essa iniciativa do Eagle, que tinha como subttulo Solving it Ourselves (Resolvendo ns
mesmos), contou com a participao de uma emissora de televiso local e uma estao
de rdio com vistas a trazer o cidado para partilhar idias e encontrar recursos para
aes concretas. Estavam fundadas ali as bases para a criao do movimento
denominado Jornalismo Pblico (QUADROS, 2005, p. 45).
Da em diante, houve uma proliferao dessa prtica jornalstica com o
surgimento de novos projetos realizados por outros jornais. Em 1992, o jornal The
Charlotte Observer, da Carolina do Norte, pertencente ao mesmo grupo de comunicao
do Eagle, Knight Ridder newspapers, com a ajuda do Poynter Institute for Media Studies e
a emissora WSOC-TV (afiliada da ABC), desenvolveu um projeto cuja ao era sondar as
questes de importncia dos eleitores para formar a agenda dos cidados. Outra
experincia ocorreu na Gergia, em outro jornal da Kight Ridder, o Columbus Ledge
Enquirer, que tambm encomendou uma pesquisa para identificar os problemas que
atingiam a comunidade local, gerando um relatrio denominado Columbus para alm de
2000. A partir dele, o jornal passou a pautar suas aes de acordo com o resultado desse
relatrio, assumindo o papel de ativista e descartando o papel de mero observador e
relator dos fatos (QUADROS, 2005, p. 45).
Escritores, professores e pesquisadores das teorias de comunicao passaram
a olhar mais de perto esse fenmeno e alguns deles abraaram a causa. Um dos mais
respeitados tericos sobre o assunto Jay Rosen, professor da Universidade de Nova
York e considerado um dos fundadores do movimento. Crtico dos meios de comunicao
e autor de diversos artigos sobre o Jornalismo Pblico, Rosen desenvolveu alguns
estudos sobre o assunto. Alm dele, se destacam entre os que produziram trabalhos de
pesquisa em torno do Jornalismo Pblico ou Cvico, Theodore L. Glasser, professor de
Comunicao da Communication Affiliated Faculty, Modern Thought & Literature, de
11
Stanford; Stephanie Craft, professora da Faculdade de Jornalismo do Missouri; Edmund
B. Lambeth, professor e pesquisador de processos comunicativos na Universidade de
Missouri, Lewis A. Friedland, jornalista e professor da Faculdade de Jornalismo &
Comunicao de Massa da Universidade de Wisconsin-Madison; e Sandra Nichols,
jornalista e professora do Departamento de Comunicao de Massa e Estudos da
Comunicao da Universidade de Towson Maryland.
O Jornalismo Pblico, no entanto, s viria ganhar fora com a adeso de
centros de estudos e pesquisa, como o citado Poynter Institute for Media Studies, o Public
Life and the Press, a Kettering Foundation, a Knight Foundation, o American Press
Institute, etc, que passaram a investir em projetos dessa natureza.
Desse grupo destacou-se a fundao Pew Charitable Trusts, da Filadlfia,
fundada em 1948 pelos herdeiros de Joseph Newton Pew, um industrial do petrleo que
tinha como hbito financiar projetos jornalsticos que enaltecessem os valores
democrticos e as prticas comunitrias. Os responsveis pela fundao perceberam que
os cidados norte-americanos estavam se abstendo de votar e, na viso deles, isso
poderia representar a falncia da democracia. Alm disso, acreditavam que, se isso
estava acontecendo, em parte, seria porque o jornalismo tambm estaria falindo.
Envolvidos diretamente em aes do gnero, eles resolveram criar, em 1993, o
Pew Center for Civic Journalism, cuja proposta era apoiar e financiar, junto aos veculos
de comunicao e aos jornalistas, projetos que construssem modelos de notcia que
dessem voz a pessoas comuns, ajudando-os a identificar problemas e a encontrar
solues, tornando-os participantes ativos em suas comunidades.
A tarefa de dirigir o centro de pesquisa, como Diretora Executiva, coube a
jornalista Jan Schaffer, uma editora de finanas, vencedora da medalha de ouro para o
servio pblico do Prmio Pulitzer, que se tornou autoridade no assunto. Schaffer esteve
12
frente do Pew Center at 2003, ano em que o diretrio fechou as portas. Ao longo de
uma dcada, o centro investiu o equivalente a 12 milhes de dlares em estudos,
pesquisas, fruns, treinamentos e capacitao de jornalistas para buscar novas
experincias jornalsticas, que acabaram gerando mais de 120 projetos de Jornalismo
Cvico (SILVA, 2001; SCHAFFER, 2004)
Na segunda metade da dcada de 1990, o movimento alcanou notoriedade
internacional e pesquisadores de outros pases comearam a debater a prtica do
Jornalismo Pblico como o espanhol Carlos Alvarez Teijeiro, doutor em Comunicao
Pblica pela Universidade de Navarra, a colombiana Ana Maria Miralles Castellanos,
jornalista e professora titular da faculdade de Comunicao da Universidade Pontifcia
Bolivariana, na Colmbia, e o portugus Nelson Traquina, coordenador cientfico da
Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa.
No Brasil, o primeiro artigo a colocar em pauta a discusso sobre esse
movimento no pas foi escrito pelo professor e jornalista Carlos Castilho, publicado no
Boletim n 15 do Instituto Gutemberg, site que se prope a fiscalizar a imprensa. Mas foi o
jornalista e professor Luiz Martins da Silva, doutor em Sociologia pela Universidade de
Braslia, quem se dedicou mais intensamente s pesquisas sobre o Jornalismo Pblico,
coordenando alguns projetos e tentando traduzir para a realidade brasileira os preceitos
do movimento americano. Tambm se propuseram a contribuir para a discusso do
Jornalismo Pblico no Brasil, a pesquisadora da Fundao Getlio Vargas, Alzira Alves de
Abreu, doutora em Sociologia pela Universidade de Paris, e o jornalista e professor
Mrcio Ronaldo Fernandes, mestre em Comunicao e Linguagens pela Universidade
Estadual do Centro-Oeste, no Paran.
13
NOTAS DE REFERNCIA: DANTON, Gian. A teoria do jornalismo e a seleo de notcias . Macap: [s.n.], 2003. Disponvel em: . Acesso em: 28 mar. 2009.
FERNANDES, Mrcio Ronaldo Santos. Civic Journalism no Brasil: a construo de um plan o de referncia para um Jornalismo Pblico . [S.I]: Universidade Federal do Centro-Oeste (Unicentro). [ca. 2004]. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2008.
SILVA, Luiz Martins da. Civic Journalism: um gnero que no Brasil ainda no emplacou . [S.l.: s.n., 2001] Disponvel em: . Acesso em: 28 ago. 2008.
QUADROS, Claudia Irene de. Jornalismo Pblico, rdio e internet Uma combina o possvel? Comunicao e Espao Pblico. Braslia: Ano VIII, v. 5, n 1, 2005. Disponvel em: . Acesso em: 29 jan. 2009.
SCHAFFER, Jay. The Role of Newspapers in Building Citizenship . 5 Congresso Brasileiro de Jornais, 13 Set. 2004, So Paulo. Disponvel em: . Acesso em: 19 mar. 2009.
14
1.2 - Conceitos
Antes de adentrarmos nos conceitos que serviram de base para a construo
do Jornalismo Pblico nos Estados Unidos preciso que vejamos algumas causas que
levaram mudana de paradigma. Jay Rosen apontou seis fatores chamados por ele
de alarmes que indicavam o estabelecimento de uma crise no jornalismo norte-
americano de ento e que serviram de premissas para o movimento (FILHO, 2003, p. 17).
O primeiro deles seria de ordem econmica, com a constante perda de leitores
e a diminuio da circulao dos jornais ao longo dos anos. A segunda seria de ordem
tecnolgica, com o aumento da oferta de informao que estaria circulando mais
livremente, sem intermedirios, dispensando os filtradores de notcia. A relao tradicional
dos meios de comunicao de massa com o pblico onde h um emissor e milhares de
receptores estaria sendo transformada em uma teia de conexes em que os emissores
se multiplicariam e potencializariam a informao 1. A crise poltica seria o terceiro fator,
em que ele relaciona a deteriorao da poltica com a atuao da imprensa,
caracterizando uma apatia na cobertura de campanhas eleitorais, cuja preocupao dos
atores envolvidos seria a busca de informaes pouco relevantes para a vida das
comunidades.
Com a evidncia desses trs fatores, outras trs situaes se apresentaram.
Uma delas relacionada aos prprios jornalistas americanos, que estariam inseguros na
profisso, levando a uma crise de fundo profissional. Nesse aspecto, muitos j se
sentiriam desmotivados e demonstrariam interesse em mudar de rea. Alm disso, ele
considerou existir uma crise espiritual definido como uma falta de um sentido ou algo
inspirador em que os jornalistas possam acreditar e trabalhar na sua construo e 1 Esse fator, inclusive, gerou alguns desdobramentos mais recentemente, que sero abordados no captulo 1, tpico 1.6.
15
uma crise intelectual, em que o exame, a anlise e a interpretao de questes
importantes no estariam mais se sustentando dentro do contexto das matrias
veiculadas.
Quando Davis Merritt se deparou com aquele cenrio de crise no jornalismo e
decidiu mudar a situao no jornal em que trabalhava como editor-chefe, certamente
passaram pela sua cabea algumas perguntas como qual o papel do jornalismo? Ou
isso que queremos passar para o nosso pblico? Ou ainda o que pretendemos com
isso? e que caminhos estamos tomando?. Jornalista experiente, Merritt, certamente,
ps-se a essas reflexes antes de pensar em retomar os fundamentos do jornalismo.
Fundamentos que so descritos por diversos autores e estudiosos de
comunicao como Victor Gentile (2005, apud SOARES, 2008, p. 4), que diz:
Penso o jornalismo como [...] o instrumento que viabiliza o direito informao, onde os jornais desempenham a funo de mediadores e os jornalistas, individualmente, de representantes do leitor, telespectador e ouvinte, como indivduos, consumidores e cidados.
Ou Rosen (1994, apud TRAQUINA, 2001, apud MARAL, 2005, p. 23) que
estabelece que O jornalismo pode e deve ter um papel no reforo da cidadania,
melhorando o debate e revendo a vida pblica e tambm Andr Trigueiro (2009,
informao verbal), que apresenta o conceito de que o jornalismo deve
elencar assuntos que, por mais de um critrio, podem ser considerados notcias ou de interesse pblico e que no se restrinjam apenas a denunciar problemas ou revelar o que no funciona ou o que est errado, mas sinalizar rumo e perspectiva.
Ao se aprofundar nesses fundamentos, Merritt (1995, apud TRAQUINA, 2001,
apud FILHO, 2003, p.43) percebeu que o jornalismo precisaria ir alm. Para ele, o
jornalismo pode e deve ser uma fora fundamental na revitalizao da vida pblica e v
como essencial e simbitica a relao entre democracia e jornalismo. Ana Maria Miralles
16
Castellanos (1999, p. 1) enquadra o Jornalismo Pblico da seguinte forma: trata-se de
um sugestivo convite a ultrapassar as fronteiras do jornalismo tradicional e a envolver-se
na esfera da discusso pblica ao invs de limitar-se ao registro dos feitos que os outros
produzem (traduo nossa). Conceito compartilhado por Theodore L. Glasser e
Stephanie Craft (apud FREIRE, 1998) quando dizem que o propsito da mdia
promover e implementar a cidadania e no apenas descrev-la ou critic-la. Rosen
(1994, apud TRAQUINA, 2001, apud FILHO, 2003, p. 43) segue a mesma linha ao dizer
que o jornalismo demanda algo mais do que somente transmitir notcias.
Complementando a ideia do jornalismo como instrumento da democracia e da
cidadania, Edward M. Fouhy (1996) diz que o objetivo do movimento prover pessoas
com as notcias e as informaes de que elas precisam para permitir que elas funcionem
como cidads, para tomar decises e fazer uma sociedade democrtica (traduo
nossa). J Zanei Barcellos e Celina Alvetti (2007), colocam que o Jornalismo Pblico tem
como proposta o resgate dos ideais do Jornalismo, independente de interesses
econmicos e polticos, visando a cidadania, na defesa das causas de seus cidados.
Jan Schaffer (2004) acrescenta, no entanto, que o objetivo do Jornalismo
Pblico no se detm apenas nos problemas encontrados no jornalismo, conforme as
situaes de crise relatadas por Rosen, mas tambm nas possveis solues que podem
ser encontradas, como a restaurao de bons hbitos jornalsticos, a construo de
conexes com os leitores, a melhoria das histrias e a construo de melhores cidados.
Em terras brasileiras Luiz Martins da Silva contribui com a discusso ao explicar que
o que tem caracterizado o jornalismo pblico a inteno de no apenas se servir dos fatos sociais no que eles apresentam de dramtico, mas agregar aos valores/notcia (news values) tradicionais elementos de anlise e de orientao do pblico quanto a solues de problemas (2002, p. 8).
17
Com todos os ingredientes analisados, Merritt (1995, apud TRAQUINA, 2001,
apud FILHO, 2003, p. 45) resolveu colocar em prtica no Wichita Eagle aqueles
fundamentos e, conforme Nelson Traquina descreve, o jornalista traou algumas diretrizes
que deveriam ser seguidas dali por diante:
1 Ir alm da misso de dar as notcias para uma misso mais ampla de ajudar a melhorar a vida pblica; 2 Deixar para trs a noo de observador desprendido e assumir o papel de participante justo; 3 Preocupar-se menos com as separaes adequadas e mais com as ligaes adequadas; e 4 conceber o pblico, no como consumidores, mas como atores na vida democrtica, tornando-se assim prioritrio para o jornalismo estabelecer ligaes com os cidados.
Comeava, dessa forma, uma nova era, com a quebra de conceitos
consolidados e a construo de nova concepo de jornalismo.
NOTAS DE REFERNCIA: ALVETTI, Celina e BARCELLOS, Zanei. Jornalismo cidado, uma proposta brasileira ao jorn alismo cvico . Trabalho apresentado ao GT Jornalismo, do VIII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao da Regio Sul. Passo Fundo, 2007. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2008. CASTELLANOS, Ana Mara Miralles. La construccin de lo pblico desde el periodismo c vico . [S.l.]: [s.n.], 1999. Disponvel em: . Acesso em: 29 mar. 2009. FILHO, Paulo Celestino da Costa. Jornalismo Pblico: Por uma nova relao com os pblicos . So Paulo: Universidade de So Paulo, 2003. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2008. FOUHY, Edward M. Civic Journalism Rebuilding the Foundations of De mocracy . Pew Partnership for Civic Change. Civic Practices Network. 1996. Disponvel em: . Acesso em: 24 mar. 2009. FREIRE, Alexandre. Jornalismo pblico, "publijornalismo" e cidadania . [S.l.]: Observatrio da Imprensa, 1998. Disponvel em: . Acesso em: 28 ago. 2008. MARAL, Juliana. Caractersticas do Jornalismo Pblico no Jornal Fut ura . Monografia (Graduao). Curso de Comunicao Social, do Departamento de Cincia da Comunicao, do Centro Universitrio de Belo Horizonte. Belo Horizonte: [s.n.], 2005. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2008. SCHAFFER, Jay. The Role of Newspapers in Building Citizenship . 5 Congresso Brasileiro de Jornais, 13 Set. 2004, So Paulo. Disponvel em: . Acesso em: 19 mar. 2009.
18
SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo Pblico: o social como valor-notcia . 2002. In: Jornalismo Pblico Trs textos bsicos. Braslia: Casa das Musas, 2006, 63 p. Disponvel em: . Acesso em: 28 ago. 2008. SOARES, Murilo Csar, Jornalismo e cidadania, em duas abordagens . Trabalho apresentado no XVII Encontro da Comps, So Paulo, Unip, 2008. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2008. TRIGUEIRO, Andr. Informao verbal. Entrevista concedida ao pesquisador para esta monografia. Rio de Janeiro. 2 jan. 2009.
19
1.3 - Preceitos
Tomando por base as diretrizes traadas por Davis Merritt para a prtica do
Jornalismo Pblico, podemos refletir alguns pontos. No momento em que ele prega que o
jornalista deve ir alm da misso de dar as notcias para uma misso mais ampla de
ajudar a melhorar a vida pblica, ele est propondo uma mudana de cultura na prtica
jornalstica desenvolvida ao longo do sculo XX, e que ainda est em vigor.
Luiz Amaral, citado por Ana Maria Brambilla, descreve a transformao pela
qual a imprensa passou a partir da revoluo industrial:
Ao sofrer as influncias do progresso industrial, da democratizao, do crescente ndice de alfabetizao e da expanso da economia de mercado a imprensa americana do sculo XIX, at ento caracterizada pelo vis panfletrio e politicamente comprometido de seus veculos, v-se na obrigao de atender a um pblico cada vez mais heterogneo, em busca de um produto jornalstico cuja comercializao fosse viabilizada por agradar a um nmero sempre maior de pessoas e no mais atender to-somente a grupos polticos identificados com a tendncia ideolgica do jornal. Foi na dcada de 30 do sculo XIX que americanos, franceses e ingleses substituram o Jornalismo politizado por uma imprensa atenta imparcialidade das notcias, iseno na abordagem dos fatos, neutralidade e ao distanciamento do jornalista (AMARAL, 1996, apud BRAMBILLA, 2005, p. 2-3).
A imparcialidade, a iseno, a neutralidade e o distanciamento a que se refere
Amaral, juntamente com a objetividade, so conceitos que formam um conjunto de
critrios estabelecidos como referncia para a construo do texto jornalstico. Esse
conjunto no s transformou-se em regra, mas tambm passou a ser a mola mestra do
jornalismo industrializado, fruto do poder poltico adquirido pelas empresas de
comunicao.
Andr Trigueiro (2005, p. 285), jornalista formado sob esses conceitos, no
nega a influncia quando diz que o bom jornalismo aquele que se preocupa em ouvir
os dois lados da histria, oferecendo ao leitor/ouvinte/telespectador/internauta a chance
de formar juzo de valor sobre o assunto em pauta. o que pregam os manuais de
20
redao das empresas jornalsticas e a cultura disseminada nos centros acadmicos
embora nem sempre essas regras sejam respeitadas.
Mas o bom jornalismo, no deve se limitar apenas a ouvir os dois lados da
histria, mas buscar elementos que ajudem o pblico receptor a se inserir naquela
histria. E ir alm da notcia, para Merritt, romper esses limites impostos pela cultura
dominante enraizada nas redaes. Jan Schaffer (2001, apud FERNANDES, ca. 2004, p.
9) traduz muito bem esse tpico ao dizer que o JP trata-se de um jornalismo que ajude
as pessoas a superarem sua sensao de impotncia e alienao, desafiando-as a
envolver-se e tomar para si a responsabilidade sobre problemas comunitrios.
Nelson Traquina refora esse ponto ao comentar:
O jornalismo deve dar aos cidados as informaes que so teis, que so necessrias para que eles possam cumprir os seus papis de pessoas interessadas na vida social, na governao do pas etc. Um papel que dado ao jornalismo o de fornecer s pessoas as informaes necessrias para que elas possam cumprir seus papis como cidados. Tambm a teoria democrtica apresenta como outro papel do jornalismo ser watchdog (co de guarda) da sociedade, proteger os cidados contra os abusos do poder (2003).
Outra diretriz que Merritt prega para a prtica do Jornalismo Pblico deixar
para trs a noo de observador desprendido e assumir o papel de participante justo.
Trigueiro (2005, p. 285), ativista das causas ambientais, compartilha dessa idia quando
reconhece que respeitar as regras tradicionais no livra o jornalista de ter sua viso de
mundo, suas convices, seus ideais. O profissional de imprensa que tambm
cidado e que tambm tem suas convices deve utilizar as informaes que obtm
para o bem comum, para a coletividade, como sustenta Merritt.
Carlos lvarez Teijeiro (2006) tambm partilha dessa opinio ao dizer que
jornalistas no so meros observadores e que as empresas jornalsticas perseguem o
lucro, mas tambm precisam se preocupar com as boas causas para terem mais
confiabilidade e credibilidade.
21
A concepo do pblico como atores da vida democrtica e no como
consumidores outra meta que deve ser perseguida por quem quer fazer Jornalismo
Pblico, de acordo com Merritt. Traquina detalha bem esse tpico:
O jornalismo cvico , se quiser, uma chamada aos jornalistas para o fato de que os seus leitores, ou telespectadores, so em primeiro lugar cidados, e s em segundo lugar consumidores. Portanto, no um outro tipo de jornalismo, mas sim criticar o tipo de jornalismo que se est a fazer hoje em dia pelo qual, devido a diversas razes e fenmenos, cada vez mais o importante passa a ser ter vendas e audincia. Ou seja, encarar o leitor/telespectador como um consumidor, esquecendo que ele cidado. [...] uma chamada de ateno a todos os jornalistas, e talvez possamos incluir os empresrios do jornalismo tambm, os donos de empresas jornalsticas, para o fato de o jornalismo no ser igual a um sapato venda, por exemplo; que existem responsabilidades sociais (idem).
Trigueiro complementa esse conceito com uma crtica severa ao estilo
jornalstico empregado nos ltimos tempos:
Quando se discute a funo social do jornalista, importante abrir espao no meio acadmico para o questionamento pontual e contundente do chamado movimento de manada, alienado e insano, na direo do imediatismo, do lucro fcil e rpido, do projeto individual em detrimento do coletivo, da globalizao assimtrica (que privatiza o lucro e democratiza o prejuzo) [...] esse movimento de manada que nos projeta na direo do abismo sem que haja espao para a reflexo, para o questionamento do modelo, para a reviso dos conceitos j estabelecidos e que se cristalizam como dogmas de uma f tragicamente cega (2005, p. 279).
Portanto, mudar essa cultura cristalizada nas redaes no fcil e colocar em
prtica o jornalismo voltado para o cidado exige que sejam observados certos preceitos,
estipulados por alguns tericos envolvidos mais ativamente com o movimento, que
justifiquem os conceitos analisados sobre o Jornalismo Pblico. Para eles, as aes dos
jornalistas na formulao das matrias devem seguir determinadas orientaes que
caracterizaro as notcias dentro do formato proposto.
Jan Schaffer, ento diretora executiva do Pew Center for Civic Journalism e
hoje cumprindo a mesma funo no J-Lab: The Institute for Interactive Journalism at
American University, prope algumas regras, essenciais para a prtica do JP:
22
- Deve produzir notcias de que os cidados precisam para se informar sobre os eventos correntes, tomar decises cvicas e exercer suas responsabilidades na democracia; - Deve criar coberturas que motivem os cidados a pensar e agir, no simplesmente ver ou assistir; - As coberturas devem disparar aes cvicas, da participao em votaes ao voluntariado; - Deve construir conhecimentos. Pessoas motivadas pelos projetos de jornalismo cvico devem ser mensuravelmente mais informadas sobre os eventos que as no engajadas; - Deve construir credibilidade e conexes com a comunidade. As pessoas acreditam mais nos jornais depois de uma campanha cvica; - Devem criar na comunidade a capacidade de resolver problemas e no esperar pelas solues vindas de cima; e - Devem ser persistentes at atingir objetivos mensurveis e no serem engavetados em detrimento de uma novidade ou furo irrelevante (2002, apud MUARREK, 2006, p. 141).
Outro autor que discrimina as aes para a prtica do Jornalismo Pblico o
professor Edmund B. Lambeth. Ele aponta as seguintes condies:
- Escutar sistematicamente as histrias e ideias dos cidados mantendo, ao mesmo tempo, a liberdade para escolher em qual dessas histrias prestar ateno; - Examinar maneiras alternativas de moldar as histrias a partir dos temas que resultam importantes para a comunidade; - Escolher aqueles enfoques, na apresentao dos temas, que ofeream a melhor oportunidade, a deliberao cidad e a compreenso dos temas por parte do pblico; - Tomar a iniciativa na hora de informar sobre os problemas pblicos pendentes de modo que aumente o conhecimento do pblico sobre as possveis solues e sobre os valores envolvidos nos cursos de ao alternativa; e - Prestar ateno sistemtica, assim a relao comunicativa com o pblico credvel e de boa qualidade (1998, apud FERREIRA, 2008, p. 20).
J Lewis A. Friedland e Sandra Nichols no se preocuparam em relacionar
aes para serem colocadas em prtica. O que eles fizeram foi esquematizar os
assuntos, dividindo-os em temas e grupos distintos, como os vistos a seguir:
1 Eleies (Elections), com assuntos relacionados s campanhas eleitorais; 2 Comunidade (Community), que engloba os mais variados gneros de assuntos que envolvam a comunidade; 3 Governo (Government), voltado para os temas polticos; 4 Interatividade (Interactive), sobre como as novas tecnologias podem auxiliar na busca de solues de questes coletivas; e 5 Miscelnea (Other), principalmente com casos de colunistas da imprensa que incentivam o Jornalismo Pblico por meio de seus espaos miditicos. (2002, apud FERNANDES, ca. 2004, p. 12-13)
23
Friedland e Nichols ainda fizeram uma subdiviso do item Comunidade em 13
partes:
Diversidade (Diversity), abordando temas como relaes tnicas e desigualdades sociais; Comunidade (Community), envolvendo pesquisas sobre futuros problemas coletivos; Civismo (Civic), com promoo de programas filantrpicos e identificao de futuros lderes cvicos nas comunidades; Juventude (Youth), sobre violncia escolar, preveno a entorpecentes, noes de educao sexual e orientaes sobre como os prprios jovens podem buscar solues; Educao (Education), em especial debatendo por quais motivos crescente o nmero de estudantes com baixo rendimento escolar; Desenvolvimento econmico (Economic development), principalmente para regies perifricas das cidades; Sade (Health), incluindo preveno de sade de grupos minoritrios; Vida familiar (Domestic life), sobre desintegrao familiar, abusos contra crianas, desentendimentos entre parentes, etc; Criminalidade e segurana (Crime and safety), com debates sobre como parar a violncia, sobre promoo de projetos de segurana e diminuio dos casos de uso de armas de fogo, entre outros; Pobreza (Poverty), com a busca de como oferecer mais escolas para comunidades pobres, alm de desenvolvimento de aes de seguridade social e oferta de moradias para pessoas sem-teto; Meio ambiente (Environment), para diminuio, por exemplo, dos ndices de poluio; Indstria (Industry), para incremento das atividades desse setor em determinadas regies geogrficas; e tica/Moralidade (Ethics/Morality), para discutir limites de tolerncia na vida coletiva, por exemplo (idem).
NOTAS DE REFERNCIA: BRAMBILLA, Ana Maria. As possibilidades do perspectivismo nietzscheano no Jornalismo online . [S.l.]: Biblioteca on-line de cincias da comunicao, 2005. Disponvel em: . Acesso em: 22 mar. 2009. FERNANDES, Mrcio Ronaldo Santos. Civic Journalism no Brasil: a construo de um plan o de referncia para um Jornalismo Pblico . [S.l.]: Universidade Federal do Centro-Oeste (Unicentro). [ca. 2004]. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2008. FERREIRA, Vnia. Impresses sobre Jornalismo Pblico . In: PRADO, Mnica (Org). Coletnea Pblica Prticas de comunicao Pblica em Braslia. Braslia: Entreposto Acadmico e DCE-UniCEUB, 2008. 105 p. MUARREK, Ubiratan. Impacto concreto no mundo real . In: COSTA, Joo Roberto Vieira da. (Org.). Comunicao de Interesse Pblico Ideias que movem pessoas e fazem um mundo melhor. So Paulo: Ed. Jaboticaba, 2006. 160 p. TEIJEIRO, Carlos lvarez. [Sem ttulo]. Entrevista concedida a Aline Fonseca. Secretaria de Comunicao. UnB Agncia. Braslia. Edio on-line, 13 out. 2006. Disponvel em: . Acesso em: 29 mar. 2009.
24
TRAQUINA, Nelson. O cidado antes do consumidor . Entrevista concedida a Antonio Queiroga. Diretrio Acadmico. Observatrio da Imprensa. [S.l.]. 20 mai. 2003. Disponvel em: . Acesso em: 22 mar. 2009. TRIGUEIRO, Andr. Formando jornalistas para um mundo sustentvel . In: Mundo sustentvel Abrindo espao na mdia para um planeta em transformao. 2.ed. So Paulo: Ed. Globo, 2005. 302 p.
25
1.4 - Possibilidades de mudanas nas redaes
Para quem trabalha no meio jornalstico, fazer matrias em que sejam
priorizadas prticas encampadas pelo Jornalismo Pblico pode parecer utpico e, para os
grandes grupos de comunicao, uma afronta ao seu status quo. primeira vista esse
movimento deixa transparecer que no tem como se sustentar diante de um universo
consolidado, onde as tcnicas jornalsticas prevalecem em detrimento da reflexo. Nesse
sentido, levantamos uma questo: possvel mudar essa cultura?
Uma pequena amostra da dificuldade de se mudar um sistema to arraigado
nas rotinas redacionais pode ser visto no trabalho realizado por Lvia Almeida (2008, p.
38), ao pesquisar a prtica do Jornalismo Pblico nas tevs comerciais de Braslia. Ela
conseguiu detectar matrias que utilizam elementos difundidos pelo movimento, mas
concluiu que o Jornalismo Pblico usado frequentemente para preencher espao na
grade de programao das emissoras na falta de matrias factuais e observa que
h necessidade de intensificar aes voltadas para responsabilidade social dos profissionais de televiso, que enfrentam dificuldades para fazer Jornalismo Pblico em emissoras comerciais, decorrentes de interesses econmicos, baseados na disputa por audincia para atrair patrocinadores (idem).
Diante disso, ela ainda atentou para o pouco comprometimento dos
profissionais em mudar essa situao e alertou:
Os jornalistas devem ingressar no mercado de trabalho conscientes da relevncia da profisso para a construo da cidadania. [...] S assim, podero interagir com a sociedade e atender s demandas do cidado da melhor forma possvel (ibidem).
Ento, como mudar essa estrutura amarrada, a cultura da objetividade, cujos
fundamentos se solidificam de gerao em gerao nos meios acadmicos? As
universidades do mundo todo seguem a cartilha dos manuais de redao e funcionam
como reprodutores de jornalistas tecnicistas em escala industrial. O profissional de
26
comunicao j chega ao mercado de trabalho pronto para ser encaixado na engrenagem
do mundo miditico, a indstria da notcia. Trigueiro retrata bem esse cenrio quando diz
que
as universidades se assemelham muitas vezes a fbrica de tijolos quando se preocupam em formar alunos sob medida, por meio de cursos estritamente comprometidos em suprir as demandas do mercado. Relega-se, nesses casos, o curso de nvel superior a um papel medocre, nivelador, sem a perspectiva de discutir a fundo o papel do jornalista num mundo em transformao e com novas demandas na rea de informao (2005, p. 279).
Para ele, existem lacunas a serem preenchidas nas faculdades de comunicao
e para haver mudanas no s para o bem do jornalismo em si, mas para a melhoria
da vida em comunidade necessrio o ajustamento dos crculos de estudo:
A formao do jornalista ser inevitavelmente incompleta para no dizer deficiente se na grade curricular do curso de nvel superior no forem feitos os devidos ajustes para que se revelem os impactos sem precedentes que pessoas, empresas, governos e, de uma forma mais ampla, o atual modelo de desenvolvimento (os meios de produo e de consumo) geram sobre os recursos naturais, a qualidade de vida e a desigualdade social (idem, p.278).
As discusses em torno dos conceitos dessa prtica jornalstica nas
universidades, no entanto, tm aumentado e isso pode contribuir para a mudana de
comportamento da indstria como um todo.
Para Teijeiro (2006) as escolas de jornalismo tm que voltar s Humanidades,
voltar reflexo sobre o sentido da democracia, da cidadania. Para isso preciso
ultrapassar a barreira do mundo contemporneo onde o consumismo, a busca pela fama
a qualquer preo e o culto s celebridades imperam. Ele traa um perfil do universo em
que estamos inseridos quando diz que
o estudante de comunicao de hoje est imerso em uma sociedade de consumo, a mesma que, supostamente, o jornalismo queria transformar nas dcadas de 60 e 70. Encontramos em muitos casos um estudante que j faz parte desse sistema de consumo e que busca fama, notoriedade e xito econmico com o jornalismo, j no busca transformar a sociedade (idem).
27
Teijeiro sustenta que
o desenvolvimento das novas tcnicas, cada vez mais sofisticadas, no pode faz-los deixar de exercitar a leitura, de pensar criticamente, compreender o mundo em que vivem. H uma espcie de seduo pela tecnologia, que no faz pensar (ibidem).
E ele prope a mudana a partir da matria prima: Os estudantes so os
primeiros a quem temos de convencer a mudar, a se engajar (ibidem).
Mas as discusses para a mudana de postura no jornalismo no esto
restritas aos bancos escolares e nem se pode esperar que fiquem por l. Resultados
positivos foram colhidos desde que o movimento foi criado na dcada de 1990.
Schaffer, quando ainda dirigia o Pew Center, ao destacar alguns projetos
implementados no perodo, demonstrou que a mudana de comportamento possvel
com a prtica do Jornalismo Pblico. Ao responder uma questo sobre a importncia do
movimento Qual o lucro do Jornalismo Cvico? , ela apontou para dois
beneficirios diretos: a comunidade e o prprio jornalismo, e forneceu elementos para sua
tese.
Para a comunidade observamos que, ao fornecermos aos leitores meios de agir, eles iro agir; observamos em pesquisas que o jornalismo cvico aumentou de forma mensurvel o conhecimento dos leitores sobre assuntos especficos; observamos outros grupos comunitrios adotarem o modelo de engajamento cvico (atravs de crculos de estudo e equipes de ao, por exemplo) que eles aprenderam atravs do envolvimento de organizaes noticiosas com esforos de jornalismo cvico. [...] Para o jornalismo, observamos jornalismo de profundidade com ressonncia mais autntica com a comunidade, em vez de jornalismo que apenas repete os dois lados de uma questo; observamos jornalistas redescobrindo suas comunidades e rompendo alguns velhos esteretipos; observamos todo tipo de inovaes nas redaes. Novas pginas, novos empregos, novos critrios, novas declaraes de misso [...]; por fim, o jornalismo cvico produziu um ambiente que permitiu aos editores assumirem novos riscos (2001, apud FERNANDES, 2002).
Trigueiro v a possibilidade de mudana no prprio jornalista e exorta uma nova
postura profissional daqui por diante:
28
Os jornalistas devem ser livres para trabalhar de acordo com sua conscincia um dos princpios que considero extremamente importantes, principalmente quando lidamos com assuntos que desagradam os poderes poltico e econmico [...]. No ser possvel ganhar todas as batalhas, mas h que se ter inteligncia e estratgia para seguir em frente. A luta boa. A causa nobre. A hora essa (ibidem, p.286).
NOTAS DE REFERNCIA: ALMEIDA, Lvia. Jornalismo Pblico nas tevs abertas em Braslia . In: PRADO, Mnica (Org). Coletnea Pblica Prticas de comunicao Pblica em Braslia. Braslia: Entreposto Acadmico e DCE-UniCEUB, 2008. 105 p. FERNANDES, Mrcio Ronaldo Santos. Jornalismo Cvico: um estudo comparado dos modelos americano e brasileiro . Trabalho apresentado no XXV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao. Salvador. Centro de Convenes da Bahia, 1. 5. set. 2002. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2008. TEIJEIRO, Carlos lvarez. [Sem ttulo]. Entrevista concedida a Aline Fonseca. Secretaria de Comunicao. UnB Agncia. Braslia: Edio on-line, 13 out. 2006. Disponvel em: . Acesso em: 29 mar. 2009. TRIGUEIRO, Andr. Formando jornalistas para um mundo sustentvel . In: Mundo sustentvel Abrindo espao na mdia para um planeta em transformao. 2.ed. So Paulo: Ed. Globo, 2005. 302 p.
29
1.5 - A corrente contrria
Mesmo que haja uma mudana gradativa de pensamento ou de postura em
relao prtica jornalstica e isso represente novos tempos na relao entre a imprensa
e seu pblico, ainda existem muitas arestas para aparar. Grande parte dos profissionais e
de empresas jornalsticas contrria aos propsitos ditados pelo Jornalismo Pblico. Os
principais exemplos so os grandes jornais tais como The Washington Post, The New
York Times e Los Angeles Times que alegam no ser funo do jornalismo envolver-se
com outras atribuies, como explica Luiz Martins da Silva: Eles baseiam-se
no pressuposto de que a funo essencial do jornalismo a cobertura dos fatos, o que, em si, j constituiria a sua funo pblica, no devendo a mesma extrapolar para atividades relacionadas com polticas pblicas, sendo estas atribuies do Estado ou da sociedade civil, por meio de suas instituies. Ao reprter, o mesmo modo, caberia to somente reportar os problemas e no se imiscuir na busca de suas solues (2002, p. 27).
O movimento incomodava bastante os editores, a quem Rosen se referia como
o alto clero do jornalismo. A disputa poltica comeou a ficar evidente e a grande mdia
sentia que seu poder de influncia estava ameaado. Um deles, Michael Gartner, editor e
scio do Daily Tribune de Ames, Iowa, chamava o jornalismo pblico de tolice da moda
e pregava aos quatro ventos que os jornais estavam sendo trapaceados por jornalistas
cvicos (WITT, 2004, p. 49, traduo nossa).
Outro fator de resistncia que ocorreu nos Estados Unidos se deu em relao
ao investimento do Pew Charitable Trust no movimento, organismo frequentemente
associado direita norte-americana e aos ideais conservadores. Um preconceito que no
se justifica se levarmos em considerao a nobreza da causa. Como diz Luiz Martins da
Silva (2001), o combate ao consumo de drogas e a reduo da violncia so problemas
de todos, independentemente de ideologias.
30
No entanto, o dinheiro injetado por estas instituies em projetos de Jornalismo
Pblico no era bem visto por muitos formadores de opinio e quando o Pew Center
fechou as portas em 2003, alguns deles chegaram a escrever artigos comemorando o
fato. Um exemplo foi o articulista Alan Wolper que, em um artigo de opinio escrito para a
revista Editor & Publisher tradicional publicao mensal que cobre a indstria de jornais
dos Estados Unidos intitulado RIP, Civic Journalism (Descanse em paz, jornalismo
cvico), anunciou a morte do movimento e no poupou ironias:
hora de deixarmos o movimento do Jornalismo Cvico partir. J fez estrago suficiente obrigado pelas centenas de milhares de dlares jorrados nas redaes pelo Centro Pew para Jornalismo Cvico. Mas, felizmente, o centro est fechando seus tales de cheque, e portas, no prximo ms e no capitalizar mais nenhum daqueles programas que chegam e tocam algum chamados de bom jornalismo (2003, traduo nossa).
No Brasil, no h propriamente rejeio, mas desconhecimento e indiferena.
Quando Jan Schaffer esteve no pas em 2004, no 5 Congresso Brasileiro de Jornais,
realizado em So Paulo, para proferir uma palestra sobre Jornalismo Pblico, o
movimento mereceu uma crtica por parte do jornalista Luciano Martins Costa, no site do
Observatrio da Imprensa. No texto ele mostra descrdito total no movimento ao afirmar
que
o jornalismo cvico permaneceu restrito ao ambiente acadmico, frequentou alguns debates da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicao), ficou mais conhecido como o espao do politicamente correto e, na verdade, nunca chegou a ocupar lugar de destaque entre as preocupaes dos gestores de jornais e revistas, emissoras de rdio e TV (2004).
E, em poucas linhas, pe fim s pretenses dos defensores do Jornalismo
Pblico antes mesmo de se realizarem debates mais aprofundados: o jornalismo cvico
representa um conjunto de princpios dos quais a imprensa brasileira apenas ouviu falar,
mas dos quais sabe o suficiente para que se possa afirmar que no h hiptese de que
venham a ser adotados por aqui (Idem, 2004).
31
NOTAS DE REFERNCIA: COSTA, Luciano Martins. Distores no espelho da mdia . Sadas para a mdia. Observatrio da Imprensa. [S.l.]: 2004. Disponvel em: . Acesso em: 15 mar. 2009. SILVA, Luiz Martins da. Civic Journalism: um gnero que no Brasil ainda no emplacou . [S.l.: s.n., 2001]. Disponvel em: . Acesso em: 28 ago. 2008. ______. Jornalismo Pblico: o social como valor-notcia . 2002. In: Jornalismo Pblico Trs textos bsicos. Braslia: Casa das Musas, 2006, 63 p. Disponvel em: . Acesso em: 28 ago. 2008. WITT, Leonard. Is Public Journalism morphing into the Publics Jou rnalism? National Civic Review. Denver, EUA, v. 93, n 1, p. 49-57, 2004. Disponvel em: . Acesso em: 26 mar. 2009. WOLPER, Alan. Rip, Civic Journalism . [S.l.]: Editor and Publisher [s.n.], 16 abr. 2003. Disponvel em: . Acesso em: 17 abr. 2009. Comentrio em: Ciberjornalismo.com. Disponvel em: . Acesso em: 17 abr. 2009.
32
1.6 - A mutao do Jornalismo Pblico nos Estados U nidos
No captulo 1, tpico 1.4, falamos das possibilidades de mudana na cultura das
redaes e na conduta dos jornalistas. Mas, independentemente de os jornalistas
mudarem de postura ou no, um outro movimento surgiu paralelamente ao JP e j est
transformando at mesmo a forma de se fazer jornalismo nos grandes jornais.
O fenmeno, detectado por Leonard Witt, outro expoente do Jornalismo
Pblico, em um artigo escrito em 2004, diz respeito ao Jornalismo Colaborativo,
processo em que o cidado comum municia os veculos de comunicao com fotos,
vdeos e sugestes de pautas, e o Jornalismo Participativo tambm conhecido como
Jornalismo Cidado , conceito que parte da premissa de que qualquer cidado pode
produzir material jornalstico, com crticas e comentrios sobre assuntos que esto na
esfera pblica e, alm disso, redigir, editar e veicular reportagens sem a interferncia de
qualquer profissional da rea de comunicao ou editor jornalstico.
Na poca que o artigo de Witt foi publicado, o Jornalismo Pblico nos Estados
Unidos passava por um perodo de indefinies. Segundo Witt, o fechamento do Pew
Center for Civic Journalism, em janeiro de 2003, representou um enfraquecimento do
movimento, pois, junto com o centro tambm se foram a capacidade de organizao e
milhes de dlares em fundos de apoio para projetos e oficinas de jornalismo pblico
(WITT, 2004, p. 49, traduo nossa). Ele descreve aquele momento da seguinte forma: O
Jornalismo Pblico parecia, pelo menos para alguns crticos e at para alguns de seus
defensores, estar moribundo. (Idem).
Witt conta em seu artigo que, apesar do movimento ter sofrido esse golpe, no
houve propriamente uma rendio por parte de seus adeptos, que ansiavam por mant-lo
vivo. Um grupo de 24 jornalistas, entre os quais Rosen, Friedland, Merritt e Schaffer, se
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reuniu na Universidade Estatal de Kennesaw, prxima de Atlanta, no comeo de 2003,
com o propsito de determinar o futuro do jornalismo pblico. Nesta reunio formaram
uma sociedade profissional de educadores e jornalistas chamada de PJNet - Public
Journalism Network (Rede de Jornalismo Pblico). Muitas dvidas e incertezas pairavam
sobre o movimento, visto que, conforme relata Witt, havia estudos conflituosos sobre o
verdadeiro impacto sofrido pelo pblico ou pelo jornalismo em virtude do Jornalismo
Pblico (Ibidem).
O prprio Witt, no entanto, mostrou otimismo em relao ao futuro do JP ao
comentar:
Na verdade, o jornalismo pblico est diariamente nas manchetes de jornais como o Savannah Morning News, em histrias cheias com as vozes de gente real e boxes dizendo aos leitores como se envolver ou aprender mais sobre os assuntos discutidos. O Jornalismo Pblico tambm sobrevive em projetos especiais, tais como Construindo a nova economia de Wisconsin, no qual o Wisconsin State Journal e vinte outros jornais menores espalhados por todo o estado se comprometeram por dois anos a se engajarem nas discusses pblicas sobre o desenvolvimento econmico estadual. Vive, ainda, todas as vezes que um editor empurra um reprter a buscar maior diversidade de fontes, ou a pesquisar verdades tanto no meio quanto nos extremos. Vive todas as vezes que pequenos jornais abrem canais para leitores e espectadores para responder aos jornalistas, como o The New York Times fez quando anunciou sua inteno de contratar um ombudsman (Ibidem, p. 50).
Dessa forma, Witt sugere que os preceitos estabelecidos pelo Jornalismo
Pblico j estavam sendo absorvidos nas rotinas dos grandes jornais e esse fato era
ignorado por seus editores.
Mas, alm de atingir a grande mdia de forma sutil, a doutrina do JP j
comeava a ser encampada por outros movimentos, como o Jornalismo Colaborativo e
o Jornalismo Participativo, impulsionados pelo surgimento constante de novas
tecnologias. Ao perceber que essa onda j estava se espalhando pelo mundo globalizado,
Leonard Witt argumenta:
Muito do que os jornalistas pblicos ou cvicos tm lutado para conseguir por mais de uma dcada, na maior parte das vezes, de dentro da mdia impressa,
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est sendo repentinamente empurrado sobre a mdia, de fora, velocidade da luz. Poucos previram isso. [ ] A maior parte dos membros rotativos da Rede de Jornalismo Pblico, incluindo eu, estava parcialmente cego para o mar de alteraes que vinha acontecendo, que comeava a transformar o jornalismo pblico em jornalismo do pblico (Ibidem, p. 49-50).
De acordo com o articulista, a criao do site de notcias na internet Oh my
news, em 2000, foi o ponto inicial da mutao sofrida pelo Jornalismo Pblico. A lgica do
site a de que todo cidado um reprter e qualquer um tem condies de redigir uma
matria e partilh-la com outrem. Ou seja, o cidado, baseado nesta filosofia, passou a se
apropriar das ferramentas de comunicao, facilitadas pelas tecnologias de informao.
Witt descreve bem esse cenrio: Graas ao aparecimento de uma tecnologia totalmente
nova, o DNA do jornalismo pblico havia sido literalmente alterado. (Ibidem, p. 51).
O que se viu na sequncia foi a proliferao de novas redes comunicacionais,
com a popularizao das Weblogs ou, simplesmente, blogs. Nos Estados Unidos, essas
ferramentas individuais de comunicao on-line comearam a conquistar mais ateno,
em virtude da disponibilizao gratuita, da simplicidade na utilizao e do alcance global.
De acordo com a tese de Leonard Witt, o Jornalismo Pblico, ao contrrio
desses novos movimentos, padece de algumas limitaes:
No antigo jornalismo pblico, talvez a melhor ferramenta disponvel eram as reunies virtuais com grupos representativos de cidados. Eles eram muitas vezes parte de projetos especiais, onerosos, demorados e espordicos. Muito frequentemente esses projetos lidavam com um assunto em particular e passavam adiante. Jornalistas conduziam a discusso. Eles diziam: Vamos fazer um artigo sobre direitos trabalhistas (ou meio ambiente, ou problemas de trnsito, ou economia), e ento selecionariam alguns cidados e relatariam seus pontos de vista. Como nem todos os reprteres e editores acreditavam em jornalismo pblico e alguns abertamente se opunham a ele, alcanar a turma da redao no era tarefa fcil (Ibidem).
Ainda assim, Witt considera que o surgimento desses novos ideais jornalsticos,
alimentados pelas modernas tecnologias, fez bem ao Jornalismo Pblico:
Essa alterao de DNA, de modo simblico, pareceu mover-se para a alma do movimento do jornalismo pblico. Schaffer e Rosen, seu terico mais visvel, aderiram tecnologia eletrnica. Schaffer promove experincias interativas entre
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a mdia e os cidados por intermdio do J-Lab (o Instituto para Jornalismo Interativo da Universidade de Maryland). Rosen escreve e publica o PressThink, um Weblog voltado crtica da mdia. De fato, o PressThink, em parte porque critica a grande imprensa, est ajudando jornalistas, cidados, educadores e blogueiros a construir uma estrutura terica para essa nova era (Ibidem, p. 51-52).
Em decorrncia disso, o que se tem visto ultimamente uma associao do
Jornalismo Cvico com o Jornalismo Cidado em conferncias realizadas nos Estados
Unidos cujos temas envolvam Jornalismo Pblico. Mas a forma como esta simbiose vem
ocorrendo merece uma reflexo mais profunda que no cabe ser discutida neste trabalho.
NOTA DE REFERNCIA: WITT, Leonard. Is Public Journalism morphing into the Publics Jou rnalism? National Civic Review. Denver, EUA, v. 93, n 1, p. 49-57, 2004. Disponvel em: . Acesso em: 26 mar. 2009.
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1.7 - Terminologia
Outro ponto que gera discusso mas que no significa um problema
propriamente dito a questo da terminologia. Afinal, por que h essa indefinio dos
nomes? Quando o movimento foi criado, alguns jornalistas o chamaram de Jornalismo
Cvico e outros o estabeleceram como Jornalismo Pblico, e at hoje os dois nomes so
comumente utilizados. Existe uma explicao para isso. Alzira Alves de Abreu que
denomina o movimento no Brasil de Jornalismo Cidado conta que os dois termos no
pas norte-americano se referem a movimentos diferentes:
O Jornalismo Pblico (Public Journalism) foi uma resposta perda de leitores da imprensa escrita na concorrncia com os canais de televiso, e tambm uma maneira de impedir o controle, cada vez maior, das mquinas partidrias sobre o debate poltico na mdia. Esse novo jornalismo pretendia impor uma nova agenda de opinio e se tornar o intrprete dos cidados quanto hierarquia dos problemas e escolha das solues pela comunidade. O Jornalismo Cvico (Civic Journalism) nasceu na dcada de 1970 por iniciativa de um industrial de petrleo, que decidiu financiar projetos de jornalismo tendentes a enaltecer os valores democrticos. Desenvolveu-se a partir dessa experincia, orientado para mobilizar, dar a palavra aos cidados comuns e aos responsveis por associaes e comunidades. (ABREU, 2003, p. 6)
O que se pde perceber na explicao de Abreu que existiam duas propostas
independentes e que acabaram se fundindo num movimento nico. As motivaes que as
separavam foram relacionadas entre si, agrupadas e incorporadas em uma mesma causa.
No Brasil, a confuso de nomes maior e Barcellos e Alvetti que assim
como Abreu, tambm o denomina Jornalismo Cidado tentam destrinchar os meandros
da conceituao:
Defende-se que, no caos brasileiro, o termo Jornalismo Cidado adequado, porque a palavra cidadania remete a iniciativas que tratam da incluso social, da busca pelos direitos dos cidados e est consagrado na linguagem da prpria imprensa, bem disseminado na sociedade com conotao semelhante ao emprego de jornalismo cvico em textos portugueses e nas origens em ingls. No Brasil, a expresso jornalismo cvico sofre o risco de ter conotao militaresca, resqucio da ditadura militar. Da mesma forma, jornalismo pblico remete a jornalismo oficial, porta-voz dos rgos pblicos e governos, justamente a anttese da proposta, assim como jornalismo comunitrio ou jornalismo de servio
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comunitrio do idia de jornais alternativos feitos por ou para comunidades restritas, sem abrangncia maior (2007).
Luiz Martins da Silva tambm v problema de interpretao relacionado ao
termo Jornalismo Pblico, mas acredita que haja maiores esclarecimentos sobre o
assunto:
Algumas confuses tm ocorrido, possivelmente em decorrncia da prpria comutao que se faz, no Brasil, em torno do setor pblico, em geral associado com as esferas estatal e governamental. Jornalismo pblico, ento, seria aquele praticado desde as redaes a servio dos governos Federal e Estadual ou por emissoras estatais, o que, evidentemente, uma impreciso, j que, na atualidade [...] a sociedade vem repensando o espao pblico, cada vez mais assumindo parcela de subjetividade na elaborao e na execuo de polticas pblicas (2002, p. 7).
Silva ainda se refere a outro termo ao pesquisar novos conceitos de jornalismo:
Na provisoriedade do que se poderia chamar de jornalismo pblico, havamos preferido recorrer ao rtulo jornalismo institucional, dada a existncia no Brasil de Organizaes No-Governamentais (ONGs) que se especializaram exatamente em estratgias de agendamento da mdia, trabalhando intensamente com o objetivo de obter a publicao de releases ou de pautar coberturas de fatos sociais, mas sobretudo aqueles que representam tecnologias sociais, ou seja, o sucesso de projetos destinados a operar mudanas na qualidade de vida de segmentos sociais, especialmente no que diz respeito s populaes mais vulnerveis [em risco], como o caso da criana e do adolescente (Idem).
Muito embora o nome Jornalismo Pblico no se configure uma unanimidade,
dessa forma que o movimento mais conhecido no Brasil. At porque a designao
Jornalismo Cidado, apesar de fazer mais sentido a esses preceitos, est vinculada
diretamente ao processo de produo de notcias intitulado Jornalismo Participativo
como vimos no captulo anterior , que se caracteriza pela participao direta de
pessoas sem formao ou sem vnculo com a profisso de jornalista na produo de
material jornalstico e que foi popularizado pelo uso constante de ferramentas de edio e
publicao na internet, como os blogs e sites de relacionamento, alm da utilizao
corriqueira de celulares com cmeras digitais e de outras novas tecnologias de
informao e comunicao, que permitem interatividade.
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Outro termo que tambm poderia se enquadrar ao movimento, principalmente
na realidade brasileira, Jornalismo Comunitrio. Mas, igualmente ao Jornalismo
Cidado, esse termo empregado em outra situao, pois mais conhecido como o
jornalismo praticado por membros de uma comunidade, cujos temas abordados sejam de
interesse daquele grupo de moradores especfico.
Abreu ainda faz referncia a outros termos como jornalismo de utilidade social
e jornalismo de utilidade pblica que sero abordados posteriormente , mas o
termo Jornalismo Pblico tem prevalecido sobre os demais.
NOTAS DE REFERNCIA: ABREU, Alzira Alves de. Jornalismo cidado . Estudos Histricos, Mdia. Rio de Janeiro, n 31, 2003/1. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2008. ALVETTI, Celina e BARCELLOS, Zanei. Jornalismo cidado, uma proposta brasileira ao jorn alismo cvico . Trabalho apresentado ao GT Jornalismo, do VIII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao da Regio Sul. Passo Fundo, 2007. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2008. SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo Pblico: o social como valor-notcia . 2002. In: Jornalismo Pblico Trs textos bsicos. Braslia: Casa das Musas, 2006, 63 p. Disponvel em: . Acesso em: 28 ago. 2008.
39
Captulo 2 Jornalismo Pblico no Brasil
2.1 - A importao de uma ideia
Com a difuso do Jornalismo Pblico em vrios estados norte-americanos e a
sua notoriedade nos meios acadmicos, em fruns de discusso e, at mesmo, nos
editoriais dos grandes jornais dos Estados Unidos, o movimento acabou chamando a
ateno de professores de comunicao, pesquisadores, tericos e jornalistas engajados
de outros pases.
Num primeiro momento, o que se pretendia era simplesmente importar a ideia,
o conceito e os preceitos para serem implementados nos mercados locais. Mas, ao serem
transportadas as normas conceituais, empregadas no Jornalismo Pblico americano, para
outras realidades, viu-se que as diferenas culturais presentes em cada pas poderiam
afetar no s o desenvolvimento, mas tambm o resultado dos projetos incentivados pela
lgica desse movimento.
Ana Maria Castellanos diz que, no incio, o modelo de Jornalismo Pblico
teoria e prtica adotado nos Estados Unidos foi reproduzido fielmente na Colmbia,
mas que, com o passar do tempo, foi se reenquadrando. Comeamos imitando a ideia
norte-americana de jornalismo pblico, mas agora definitivamente sinto que temos um
caminho diferente, desde o terico at o metodolgico (2004, apud FERNANDES, ca.
2004, p. 15).
Vnia Ferreira detectou o mesmo problema ao verificar a introduo do JP no
Brasil:
Os autores brasileiros traduziram as principais caractersticas americanas do jornalismo pblico e as divulgaram, como premissas para a prtica no Brasil, em suas obras bibliogrficas. Esqueceram, no entanto, que as realidades sociais dos dois pases so completamente diferentes (2008, p. 17).
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Essas diferenas, no entanto, foram detectadas ao longo do tempo pelos
pesquisadores e tericos da comunicao. Mrcio Fernandes aponta o primeiro conflito
existente entre o Jornalismo Pblico praticado nos Estados Unidos e aquele desenvolvido
no Brasil por meio do conceito de cidadania:
Enquanto que, na lngua inglesa, ela [a cidadania] vista como uma condio para ser cidado, no Brasil tem sido encarada como um direito do cidado. O civic journalism trabalha com a noo de cidadania como uma condio, quase uma obrigao, e no apenas para os moradores de uma regio ou cidade, mas para a imprensa tambm, algo que os veculos de comunicao brasileiros no compactuam, j que so ainda defensores do mito da iseno (parte da teoria do espelho), algo que pode ficar comprometido, na viso verde-amarela, quando se procede do modo que o civic journalism costuma fazer (2008).
De fato, o que acontece na realidade brasileira que no h o compromisso
das empresas de comunicao nem dos jornalistas de mobilizar o cidado ou de se criar
um movimento que agrupe todo tipo de classe incluindo a prpria imprensa em prol
de uma causa. Ainda que possamos buscar alguns exemplos do tpico JP em terras
brasileiras, em nenhum momento foram percebidas essas pretenses.
O Jornalismo Pblico que se v por aqui acabou adquirindo uma identidade
prpria, como explica Luiz Martins da Silva:
No Brasil, o jornalismo pblico est emergindo com caractersticas prprias e, ao contrrio do que ocorreu nos Estados Unidos, no houve, aqui, intenes e aes visando especificamente fundar uma categoria jornalstica (2002, p.7).
Prticas jornalsticas presentes no jornalismo brasileiro h muitos anos como
a prestao de servios, por exemplo foram incorporadas ao modo de se fazer
Jornalismo Pblico no Brasil.
Ao assumir essas prticas, o JP, sem abandonar os preceitos originais,
configurou diretrizes especficas, voltadas realidade brasileira, como as vistas a seguir:
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a) Promover a formao crtica do telespectador para o exerccio da cidadania;
b) Disponibilizar informaes que sejam de interesse coletivo;
c) Estimular a participao do cidado nas discusses por meio de
instrumentos de interatividade;
d) Atentar para a responsabilidade social;
e) Evidenciar a capacidade resolutiva da sociedade com exemplos de boas
prticas de determinados grupos ou indivduos.
A semelhana mais latente entre os dois modelos foi a motivao para a
adoo de uma nova forma de se fazer jornalismo. Assim como havia ocorrido no pas
norte-americano na dcada de 1980, uma crise institucional tambm afetou a imprensa
brasileira, esta dominada por oligoplios de comunicao e influenciada por polticos
em grande parte proprietrios de jornais e concessionrios de rdio e TV e o mercado
publicitrio.
Dessa forma, possvel constatar que o que houve no Brasil foi apenas a
importao, por grupos de pesquisadores da comunicao e alguns setores
governamentais, de um ideal de jornalismo que inclusse as questes sociais na pauta
jornalstica, seja ela pblica, privada ou estatal.
NOTAS DE REFERNCIA: FERNANDES, Mrcio Ronaldo Santos. Civic Journalism no Brasil: a construo de um plan o de referncia para um Jornalismo Pblico . [S.I]: Universidade Federal do Centro-Oeste (Unicentro). [ca. 2004]. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2008. ______. Civic Journalism: notas histricas sobre os 20 anos de uma corrente de Imprensa engajada . Trabalho apresentado no 11 Encontro Nacional de Professores de Jornalismo Frum Nacional de Professores Jornalistas. So Paulo, 2008. Disponvel em: . Acesso em: 26 mar. 2009. FERREIRA, Vnia. Impresses sobre Jornalismo Pblico . In: PRADO, Mnica (Org). Coletnea Pblica Prticas de comunicao Pblica em Braslia. Braslia: Entreposto Acadmico e DCE-UniCEUB, 2008. 105 p.
42
SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo Pblico: o social como valor-notcia . 2002. In: Jornalismo Pblico Trs textos bsicos. Braslia: Casa das Musas, 2006, 63 p. Disponvel em: . Acesso em: 28 ago. 2008.
43
2.2 - Tipos de JP no Brasil e suas caractersticas
O termo Jornalismo Pblico ainda pouco reconhecido nas redaes
brasileiras. Alguns j ouviram falar e a maioria ignora a sua existncia. No se trata de um
gnero jornalstico como os apresentados por Luiz Beltro, que os classifica em trs
grupos: Jornalismo Informativo; Jornalismo Interpretativo; e Jornalismo Opinativo. E
tambm no se encaixa nas classificaes de Jos Marques de Melo que, alm de
considerar os trs gneros de Beltro, acrescenta mais dois: Jornalismo Utilitrio e
Jornalismo Diversional 2.
Apesar disso, o Jornalismo Pblico praticado no Brasil poderia se enquadrar
nos gneros classificados por Marques de Melo, como, por exemplo, o que ele denomina
de Jornalismo Utilitrio. De acordo com o terico, neste gnero esto compreendidos os
itens: indicadores, cotaes, roteiros e servios. Estes quatro elementos tambm podem
ser considerados Jornalismo Pblico. Assim como nas classificaes de Luiz Beltro, o
tpico reportagens em profundidade relacionado pelo autor como Jornalismo
Interpretativo est presente nos preceitos do JP. (BELTRO, 1980; MELO, 2003 apud
LEAL; SOUZA, 2007, p. 4)
Luiz Martins da Silva (2002b, p. 6) diz que, como gnero, o jornalismo pblico
ainda no adquiriu o status de outras especializaes, a exemplo da crnica policial, do
jornalismo esportivo, do jornalismo poltico, do jornalismo econmico e do jornalismo
cientfico. Ele afirma que ainda no se tem uma compreenso do Jornalismo Pblico do
que ele representa enquanto funo, rea de cobertura e campo profissional (idem), mas
considera que algumas prticas jornalsticas da chamada grande imprensa brasileira
2 Os dois tericos distribuem e classificam as diversas categorias (Notcia, Reportagem, Entrevista, etc)
nesses grupos primrios.
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comeam a assentar as bases para o que, entre ns, poderia vir a se chamar de
jornalismo pblico (Ibidem).
Mas no universo externo das redaes que os conceitos do Jornalismo
Pblico tm se criado. Segundo Luiz Martins da Silva, h
uma verdadeira onda de simpatia para com os projetos de impacto social (a Bolsa-Escola um deles) que vem obtendo xito e para com as organizaes e personalidades que dedicam vida a grandes causas sociais ou grandes campanhas, como j aconteceu em relao ao falecido socilogo Herbert de Souza, o Betinho, e sua campanha contra a fome (Ibidem, p. 12).
Ainda conforme Silva, as campanhas pblicas tm um agente principal e
poderoso que o Estado, mas a principal estratgia tem sido a publicidade e no o
jornalismo (Ibidem). Apesar disso, o jornalismo praticado no Brasil, em inmeros casos,
tem sido direcionado para as causas sociais ou de cidadania, ainda que esta prtica no
seja reconhecida pelos cnones da imprensa como Jornalismo Pblico. Martins explica
como esse jornalismo feito:
Investir no social vem sendo encarado pelo capitalismo moderno como um bom negcio. [...] Tal como o empresariado de modo geral, as empresas de mdia no Brasil tm-se mostrado significativamente abertas aos projetos de cidadania empresarial e que, no seu caso, pode no significar, necessariamente, o dispndio de recursos financeiros, mas a concesso de espaos s boas notcias, ou seja, a cobertura de aes sociais relacionadas com o voluntariado, o combate fome, ao analfabetismo e proteo da criana (Ibidem, p. 13).
O professor ainda reafirma que o conceito de jornalismo pblico no Brasil,
entretanto, no est fixado como tal, sendo mais frequentes retrancas que se referem ao
Terceiro Setor e ao Voluntariado (Ibidem, p. 14).
A partir disso, Silva estabelece uma classificao em uma tentativa preliminar
de criao de categorias de jornalismo pblico no Brasil, conforme o descrito a seguir:
1) Jornalismo Pblico de patrocnio : ocorre quando agncias de notcias especficas, como a Agncia de Notcias dos Direitos da Infncia (Andi), so patrocinadas por organismos sociais, como a Unicef e a Unesco entre outros, a fomentar as redaes dos veculos de comunicao com noticirios e reportagens por meio de pautas-clipping e resumos de matrias sobre a temtica em questo.
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2) Jornalismo Pblico de campanhas : o mais prximo do Jornalismo Pblico praticado nos Estados Unidos. aquele em que um veculo noticia constantemente matrias a respeito de um determinado assunto relativo s questes de cidadania hierarquizado sob um selo ou logomarca especfica que o remete s campanhas. Martins cita como exemplo as campanhas do jornal Correio Braziliense que noticia h vrios anos sob essa forma, sem financiamento externo e sem parcerias formais, matrias relacionadas preveno de acidentes de trnsito e ao combate violncia urbana intituladas respectivamente Paz no trnsito e Eu quero paz. 3) Jornalismo Pblico institucional : Refere-se participao de alguns veculos tradicionais da imprensa brasileira em iniciativas de promoo social e outros com publicaes especiais cujas reportagens abrangem s questes de interesse do cidado. Nesse quesito, Martins cita alguns ex
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