II Seminário de Pós-Graduação em Relações Internacionais
João Pessoa, de 28 a 29 de agosto de 2014.
Painel de Governança e Instituições Internacionais
A CONSTRUÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA PELA ÓTICA DA ECONOMIA POLÍTICA
INTERNACIONAL
Luiz Felipe Brandão Osório
UFRJ/UFRRJ
A CONSTRUÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA PELA ÓTICA DA ECONOMIA POLÍTICA
INTERNACIONAL
RESUMO
A integração regional via União Europeia atinge o segundo decênio do século
XXI questionada. Diferentemente de outros momentos críticos1, este interregno
desencadeado após 2008 revela-se ímpar. Em primeiro lugar, por ocorrer com uma
estrutura institucional consolidada, após o Tratado de Maastricht, diferentemente dos
momentos de críticos das décadas de 1960 e 1970. Em segundo lugar, por expor as
contradições e as características que contribuíram para o fortalecimento do projeto
comunitário2. Por fim, a peculiaridade da debacle corrente é que ela é resultado do
êxito integracionista, ou seja, do aprofundamento do processo, e não de sua
estagnação ou retrocesso.
Em outras palavras, por meio das formas jurídicas da arquitetura comunitária
pode-se atingir uma explicação substancial para suas contradições e
incompatibilidades. Devido à complexidade, a análise dos contornos atuais do
processo de integração, que é por essência interdisciplinar, requer a compreensão
de seu contexto histórico e teórico de sua gênese por meio de uma abordagem
sistêmica, capaz de apontar seus pilares fundamentais. Uma visão meramente
purista, enfocada apenas em Relações Internacionais ou mesmo na Economia
Internacional, não seria capaz de apreender todas as nuances que tocam este
fenômeno social. Logo, caberá ao campo da Economia Política Internacional,
responsável pela interface amalgamada em componentes históricos entre Economia
Política e Relações Internacionais, a extração do substrato teórico para a
compreensão do objeto de estudo.
Palavras-chave: União Europeia; Organizações Internacionais; Integração
Regional.
1. Introdução
A União Europeia não é um fenômeno dado. Foi construída ao longo de
decênios até atingir o estágio atual. Este processo teve um início: o contexto do pós-
Segunda Guerra Mundial. Apontar isto é fundamental, uma vez que sua gênese está
intimamente relacionada ao panorama do sistema internacional daquele momento.
Este período sinalizou a transição de poder e a concretização da hegemonia
estadunidense. A partir desta remodelagem geopolítica, a ordem mundial ganhou os
contornos estruturais, que ainda hodiernamente desfruta, malgrado importantes
alterações conjunturais, ocorridas ao longo destas quase sete décadas. Neste
diapasão, a expansão da teia de dominância norte-americana foi consolidada por
meio de instituições formais, de alcance mais amplo, mundial, e, mais específico,
regional.
O caso europeu calca-se nesta lógica. A integração comunitária encetou-se
no contexto de reinserção conjunta dos países da porção ocidental, ante as
debilidades herdadas do conflito mundial e a emergência de uma nova configuração
internacional, fundada na hegemonia estadunidense. O continente europeu deixava
de ser o epicentro do poder mundial, condição que detinha desde a gestação do
sistema interestatal, iniciado ainda no século XVI, para compor o núcleo
metropolitano sob outros termos. Nesta estratégia, a via liberal-institucional foi a
saída adotada pelos Estados da Europa Ocidental. A solução foi imposta e
convenientemente aceita pelas elites locais. Ao mesmo tempo em que este
movimento subordinou o destino da porção ocidental do continente à estratégia
estadunidense, com isto, se mantiveram no poder as burguesias nacionais. O
regionalismo europeu constituiu-se, assim, fundado na ideologia político-econômica
liberal.
Em virtude disto, a discussão sobre a trajetória da construção integracionista
é imperiosa. O debate dos aspectos históricos que fundaram o arranjo geopolítico do
pós-Segunda Guerra, que culminou na União Europeia, contribui para elucidar a
realidade do experimento comunitário. Por isto, de forma a viabilizar um estudo de
viés abrangente e alternativo às teses dominantes, a Economia Política Internacional
será o instrumento teórico utilizado para apresentar uma perspectiva crítica do
fenômeno da integração regional dentro das Relações Internacionais. Percebe-se
que o construto regionalista, por sua complexidade e amplitude, precisa ser discutido
a partir de um prisma expandido, contemplando o sistema interestatal capitalista em
que está inserido, o que reforça a imprescindibilidade da ótica político-econômica
para os assuntos internacionais. Nesta dinâmica, salienta-se a peculiaridade da
trajetória que moldou a forma comunitária.
Em virtude disto, este capítulo inaugural será composto por três grandes
seções. Em primeiro lugar, revisando brevemente o sistema interestatal capitalista
para as premissas teóricas da Economia Política Internacional. Por meio de uma
perspectiva neomarxista1, que destaca o derivacionismo2 e o estruturalismo3,
ganhará centralidade a hegemonia estadunidense (de poder e dos capitais). Em
função disto, caberá o relevo à discrepância hierárquica existente dentro do centro
sistêmico de poder. O regionalismo europeu emerge de uma estratégia de
reinserção internacional, que assentiu com uma colocação subordinada ao pode
hegemônica, ainda que nuclear em relação à periferia. Dentro deste contexto
emergem e solidificam-se as bases do poderio americano ante as debilidades
ocidentais conjunturais do pós-guerra e a influência da Guerra Fria nos contornos no
regionalismo europeu.
Em segundo lugar, a integração via União Europeia será abordada por meio
de sua economia política. Neste sentido, serão discutidas os pilares que
sustentaram o regionalismo europeu ocidental, com ênfase ao vetor interno, o da
conciliação de classes via modelo de bem-estar social, ao prisma militar, a aliança
atlântica e a estabilização regional sob o comando dos Estados Unidos, e ao
aspecto geopolítico, voltado à solução da centralidade da Alemanha no continente,
ancorando na economia tedesca o arranjo comercial de recuperação econômica.
Por fim, em terceiro lugar, será exposto o processo de construção da forma
sob a qual reside a União Europeia. Desde suas primeiras iniciativas até seu estágio
atual verifica-se a importância do viés monetário, o norteador da integração. Com
fulcro na interação entre a geopolítica dos Estados e dos capitais, viabilizada pela
1 Apesar de Marx não ter dedicado partes específicas e substanciais de sua obra sobre o cenário internacional, suas ideias servem de paradigma para a elaboração de um pensamento crítico sobre Relações Internacionais. 2 A Teoria Derivacionista do Estado não o vê como um mero instrumento a serviço da burguesia, mas como uma realidade própria, exercendo o Estado função estrutural no modo de produção capitalista. Pela forma como se constitui o Estado e o ordenamento jurídico a seu redor é possível extrair, derivar as relações sociais, políticas e econômicas que cercam o sistema. 3 O Estruturalismo, conceito desenvolvido na linguística, corresponde, nas ciências sociais, à explicação da realidade concreta não apenas com base em seus elementos, mas também destacando sua estrutura. Como fazem parte de um sistema, as alterações impactam efeitos generalizados.
interpretação neomarxista da Economia Política Internacional, a análise enfocará a
dialética que cerca o edifício comunitário: autonomia e subordinação. A trajetória
europeia é marcada por avanços e retrocessos, diretamente relacionados com a
posição subalterna ocupada dentro do núcleo metropolitano, após a Segunda
Guerra Mundial. Por isto, verifica-se nas diversas fases que atravessou, que os
rumos da integração regional foram dados pelas transformações internacionais e
pelas condutas reativas dos países em busca de afirmação.
Em virtude desta estruturação, cabe primeiramente apresentar o marco
teórico dentro da Economia Política Internacional que irá nortear a análise da
integração europeia, uma vez que sem o conhecimento do sistema em que ela se
insere, não há como compreendê-la plena e criticamente.
2. O Sistema Interestatal Capitalista pelo viés da Economia Política
Internacional
O ramo científico da Economia Política Internacional emerge como alternativa
à discussão do cenário internacional. Este arcabouço teórico ainda em
desenvolvimento e, por isto, aberto a disputa de diversas interpretações dos
fenômenos internacionais. O elemento aglutinador da miríade de matrizes de
pensamento é o enfoque dado à inter-relação da política com a economia, do poder
com a riqueza. Sua sistematização (mesmo que remonte a ideias e a eventos
anteriores) é recente, sendo uma disciplina que veio ganhando espaço a partir de
sua validação pelos fatos, ocorridos após os acontecimentos da década de 1970,
sobretudo após o rompimento dos Acordos de Bretton Woods e a Guerra do Vietnã
(STRANGE, 1995; FIORI, 2001). Em outras palavras, a Economia Política
Internacional nasceria da crise, como teoria que busca resolver e explicar os
problemas estruturais e conjunturais (COX, 1987). O foco desta vertente é debater
as Relações Internacionais pelo viés da Economia Política, ou seja, atribuindo
centralidade à acumulação de poder e riqueza nas formulações teóricas sobre os
fenômenos mundiais. Findava-se a aclamada negligência mútua entre Economia
Política e Relações Internacionais:
Os pensadores de Relações Internacionais estudam o fenômeno econômico e utilizam conceitos e métodos emprestados da economia. Economistas, ao
contrário ignoraram por anos a literatura de Relações Internacionais. (STRANGE, 1970, p. 156, tradução nossa)4
A difusão deste horizonte teórico enquanto campo do conhecimento ocorreu a
partir do mundo anglo-saxão, onde se encontram as escolas com maior poder de
irradiação de ideias. Entre seus pioneiros, podem ser elencados Strange (1995),
Gilpin (1999), Cox (1987), Keohane (1984) e Nye (1979), autores que se mostravam
insatisfeitos com a predominância da corrente realista clássica5 nas academias
estadunidenses, cujas discussões eram travadas em torno de assuntos voltados
exclusivamente à política internacional, como segurança, política militar e
dissuasória (STRANGE, 1995). Esta política, dentro da visão realista, aparece
apartada da Economia Política, não considerando a devida relevância da
interdependência entre Estados. Apesar de discordâncias pontuais entre si, os
autores pioneiros enxergam na ausência de interlocução entre Relações
Internacionais e Economia Internacional uma falha que deveria ser sanada pela
Economia Política Internacional, cujo foco é o sistema interestatal e as ordens
político-econômicas que o regem. Partindo deste eixo analítico, é possível incorporar
à ciência outros estudiosos, cujo método converge, enquanto que a interpretação
diverge. Fiori busca a sistematização:
Edward Carr e Raymond Aron, assim como Joseph Nye e Robert Keohane, estavam preocupados com o problema da guerra e da paz; Charles Kindleberger, Robert Gilpin e Susan Strange, com o bom funcionamento da economia internacional; e Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi, com a trajetória econômica e política de longo prazo do Sistema Mundial. Mas todos chegaram a uma mesma conclusão: a presença de um Estado com poder global é indispensável para garantir a ordem e a paz no sistema interestatal e o bom funcionamento da economia internacional, mesmo que seja por um período transitório, porque sempre haverá um novo hegemon. (FIORI, 2004, p. 13)
Assim, Fiori resume os diferentes pensadores, classificando-os de acordo
com suas variadas visões sobre o sistema, mas aproximando-os em relação ao
4 No original, lê-se: “International relations people have studied economic phenomena and have made use of concepts and even methods of argument borrowed from economics. Economists, by contrast, have largely ignored the literature of international relations.” 5 O realismo clássico é uma corrente de pensamento que ganhou predominância nas discussões internacionais após a Segunda Guerra Mundial e a eclosão da Guerra Fria. Seus maiores expoentes são os autores Edward Carr, Raymond Aron e Hans Morgenthau, que, apesar de diferenças nas abordagens, acreditam que no ambiente anárquico internacional, conflitivo e competitivo, os Estados buscam sua sobrevivência por meio da imposição de seus interesses nacionais sobre os outros, ou seja, em uma permanente acumulação de poder. Neste cenário, a segurança militar desempenha papel nodal.
destaque que conferem ao papel da potência hegemônica. Logo, traz à baila a
primeira noção axial da ciência, a da existência de um Estado forte (dotado de
capacidade material) e influente (reconhecido por seus pares), capaz de liderar os
rumos do sistema, segundo conceito nuclear, cuja lógica é determinada pela
interação do modo de produção é capitalista e as forças sociais. Este
consentimento, combinado com a força, se expressa nas instituições e sua ideologia
correspondente, como sustenta Schwartzenberg, evocando a contribuição
gramsciana, percepção compartilhada em maior ou menor medida pelos autores da
Economia Política Internacional:
A contribuição de Gramsci, em todo caso, é a de reintroduzir graças à sua teoria da hegemonia, um traço inteligível entre o marxismo ordinário e o movimento real das forças sociais e intelectuais que se desenrola aos nossos olhos. É “de ter arrancado” o chamado marxismo a um discurso realista e resignado, em última análise reacionário, sobre a “relação de forças” e de o ter elevado à altura de uma estratégia de consentimento. (SCHWARTZENBERG, 1979, p. 105)
Nesta dinâmica, a interação entre hegemonia e sistema é refletida na
competição em busca da acumulação de poder e de riqueza. A capacidade de
impor-se possui relação direta com a gestão dos rumos da economia internacional,
sobretudo no tocante ao estabelecimento e estabilização do padrão monetário e
seus pilares orgânicos. O poder hegemônico influencia diretamente o sistema
interestatal capitalista, ordenamento que possui três características fundamentais.
Em primeiro lugar, ele é datado, como resultado de um processo iniciado
antes, mas que se consolidou a partir do longo século XVI (BRAUDEL, 1996). Há
uma simultaneidade não coincidente entre a instauração da monarquia absoluta na
Europa Ocidental e o surgimento de uma economia-mundo europeia: “É evidente
que o surgimento da monarquia absoluta na Europa Ocidental está coordenada
temporalmente com a emergência da economia-mundo.” (WALLERSTEIN, 1974, p.
133)6. Conforme ilustra o autor, a centralização do poder estatal que impulsionou
este movimento é marcada pela utilização de quatro mecanismos de afirmação do
Estado, quais sejam: burocratização, monopólio da força, criação de legitimação e
homogeneização da população (WALLERSTEIN, 1974). Fiori inspirado em Braudel
(1996) e Wallerstein (1974) busca nos séculos anteriores, em suas guerras de
6 Tradução livre: “It is evident that the rise of the absolute monarchy in Western Europe is coordinate in time with the emergence of a European world-economy.”
conquista, a explicação para a emergência deste sistema, retomando a ideia de
acumulação primitiva, eclodida por volta do século XIII, até a expansão:
Para nós, entretanto, o verdadeiro ponto de partida do “sistema mundial moderno” é os Estados-economias nacionais que foram “inventados” pelos europeus e que se transformaram em “máquinas de acumulação de poder e riqueza”, dotadas de uma “compulsão expansiva” maior do que os primeiros poderes e capitais que se formaram na Europa durante o “longo século XIII”. Na verdade, os “Estados-economias nacionais” foram o produto final da acumulação de poder e riqueza que ocorreu antes do século XVI (...). A partir dos séculos XVI e XVII, as unidades políticas ganhadoras nas guerras e conquistas do período anterior centralizaram e monopolizaram definitivamente o poder de tributação sobre territórios e populações muito mais extensas e aperfeiçoaram seu poder de emissão de moedas nacionais, criando um sistema organizado de crédito e bancos sustentados nos títulos da dívida pública dos Estados. (FIORI, 2007, p. 27-29)
Em segundo lugar, ele é interestatal, historicamente construído pelos Estados
centralizados da Europa, ou seja, seu polo de irradiação possui localização
geográfica própria e valores imanentes ao movimento revolucionário que sofria a
organização política naquele período. Existem dois traços que distinguem a
originalidade e explicam a força vitoriosa desses Estados nacionais europeus, a
competitividade inerente e a simbiose entre Estado e bancos, promovendo a
economia nacional:
(...) a forma como nasceram, dentro de um sistema competitivo e obrigados a se expandirem para sobreviver, como acontecia com as unidades soberanas no período medieval (...) e a forma como se articularam com suas economias nacionais, transformando-as no seu principal instrumento de poder e num fator decisivo de sua expansão imperial. (FIORI, 2008, p. 29)
Em terceiro lugar, ele é capitalista, decorre do modo de produção, no qual os
detentores do capital controlam os meios de produção. Esta dominação está
intimamente vinculada ao poder político do Estado-nação, reverberando efeitos em
outras searas. Cox amplia a análise: “Produção não apenas é refletida na relação de
poder, mas também cria fontes que podem ser transformadas em outras formas de
poder, como o financeiro, o administrativo, o ideológico, o militar e o poder de
polícia.” (COX, 1987, p. 5, tradução nossa)7. As condições materiais altamente
desiguais ocasionam necessariamente a existência de centro e periferia,
7 Tradução livre: “Production not only takes place through a power relationship, but also creates resources that can be transformed into others forms of power- financial, administrative, ideological, military, and police power.”
exploradores e explorados (COX, 1987). Nesta dinâmica o capital nacional se
internacionaliza e se fortalece, respaldado pela forma estatal e pela organização
sistêmica voltada à acumulação desigual.
Estas três particularidades se entrelaçam moldando os contornos do sistema
interestatal contemporâneo, cujo parâmetro de análise deve ser a imbricação do
elemento político com o econômico. Uma vez definidas suas fronteiras, os Estados
europeus passam a conviver em uma esfera hostil de permanente competição,
sendo obrigados a expandir-se. Esta, por sua vez, ocorre por meio das guerras e
das trocas, as quais são financiadas pelas economias nacionais, de íntima ligação
com o setor bancário, sendo a interface entre poder hegemônico e moeda
permanente e umbilical:
O que existe são sempre economias e moedas nacionais, que lutam entre si para aumentar a riqueza nacional, por meio da conquista de territórios econômicos supranacionais cada vez mais extensos, onde se imponha a moeda do vencedor e onde seus capitais possam ocupar posições monopólicas e obter “lucros extraordinários”. Depois do século XVI, foram sempre os “Estados-economias nacionais” que lideraram a expansão capitalista e sempre foram os Estados expansivos ganhadores que lideraram a acumulação de capital em escala mundial. E a “moeda internacional” sempre foi a moeda do “Estado-economia nacional mais poderoso, numa determinada região e durante determinado tempo. (FIORI, 2007, p. 29-30)
Tendo em vista esta vinculação simbiótica, para a Economia Política
Internacional, os fenômenos internacionais devem ser debatidos dentro de sua
existência e seu papel no sistema interestatal capitalista, o qual é determinado pela
busca incessante pela acumulação de poder (geopolítica dos Estados) e de riqueza
(geopolítica dos capitais), em um panorama de materialidades distintas e de
antagonismos sociais. Ambas as concepções de poder e riqueza, ganham maior ou
menor ênfase dentro do sistema internacional a depender da vertente teórica
adotada, que gravitam em torno do liberalismo, realismo e neomarxismo. Ressalte-
se que, dentro de cada uma destas três matrizes, há diversas correntes, que nesta
tríade podem ser sistematizadas para fins didáticos. Por isto, apenas algumas
versões destes pilares teóricos serão aqui abordadas.
Em primeiro lugar, cabe enfatizar o prisma realista. A relação do poder
hegemônico com a consequente estabilização econômica sistêmica decorre da
interpretação de analistas que verificaram que a bonança do pós-guerra era fruto da
imposição, exercida de forma benevolente, da hegemonia estadunidense. Esta visão
atribui a crise do período entre-guerras ao vácuo hegemônico. Logo, a política teria
uma relação umbilical com a economia, a qual, em âmbito internacional, deveria ser
estabilizada pelo país hegemônico. A teoria da estabilidade hegemônica8, de verniz
realista, possui como baluartes Kindleberger (1996), Gilpin (1999) e Strange (1995).
Estes reconhecem que na luta pelo poder hegemônico entre Estados está a
centralidade do sistema, que por si só é conflitivo e competitivo. Caberia ao poder
hegemônico estabilizar as tensões dentro do equilíbrio possível e conferir
sustentáculo às articulações econômicas, por meio da gestão do padrão monetário,
o que reduziria as tensões e elevaria o nível geral de prosperidade. Em outras
palavras os autores supracitados entendem que a hegemonia poderia e deveria ser
exercida benevolentemente, em nome do bem-estar coletivo, de forma que a partir
dela o sistema conflitivo reduza suas incertezas.
Em segundo lugar, cumpre destacar o pensamento liberal. A força
hegemônica não teria tanta influência, apesar de não ser desprezível, no ambiente
sistêmico interdependente, escudado pelos pensadores institucionalistas-liberais,
adeptos da teoria da interdependência complexa, como os expoentes Robert
Keohane (1984, 1989) e Joseph Nye (1989). Estes pensadores conferem maior
relevância à cooperação dentro do sistema por meio das instituições e regras, o que
elevaria a interdependência em diversos assuntos, principalmente, econômicos,
reduzindo a instabilidade e a possibilidade de conflitos, bem como a vulnerabilidade
ao poder das grandes potências (portanto, reconhecem sua influência, ainda que o
jogo de interesses possa ser racionalizado no ventre das instituições). A expansão
econômica mundial teria seus efeitos potencializados no seio do livre comércio. As
relações econômicas internacionais seriam resolvidas em áreas temáticas, nas quais
não haveria uma hierarquia predeterminada, ficando o foro aberto à prevalência do
interesse mais racional à coletividade. As questões de segurança não teriam o
mesmo peso prioritário que detêm no pensamento realista por necessitarem de
gastos elevados em um novo panorama de redução de custos. Ademais, ao lado
dos Estados, diversos atores participariam efetivamente da discussão e dos rumos
do cenário internacional.
Por fim, tanto a abordagem da interdependência complexa quanto a da
estabilidade hegemônica ainda se vinculam a uma racionalidade pressuposta e ao
8 Assim denominada por Keohane (1984).
uso de generalizações a-históricas. Partem da premissa de que, seja pela via da
potência hegemônica benevolente, seja das instituições e vínculos comerciais, os
países buscam atingir o interesse que pareça mais racional à consecução do bem-
estar coletivo. Desconsideram o caráter histórico e todas nuances que envolverão
sua construção, acreditando a subjetividade de cada ator poderá moldá-lo à
estabilidade. Diante destes dois grandes grupos teóricos, a construção comunitária
debatida neste capítulo terá o pilar neomarxista, acoplado de suas variantes
interpretativas, para atender aos anseios de elaboração de uma perspectiva crítica,
alternativa às teorias da interdependência complexa e da estabilidade hegemônica
no campo da Economia Política Internacional.
2. 1. A Economia Política Internacional nas Visões Neomarxistas
Neste diapasão, algumas das teses neomarxistas serão resgatadas para
completar a tríade teórica da Economia Política Internacional. Diferentemente das
duas perspectivas anteriores, a adaptação das ideias marxistas passa pelo enfoque
do contexto histórico dentro de sua totalidade concreta e material. Ao contrário do
viés marxista instrumentalista, a análise será pautada para além das questões
atinentes ao capital e às classes sociais em disputa, tocando a dominação estrutural
pela forma, elemento importante, catalisador das relações sociais, econômicas e
políticas. Nas ideias neomarxistas, os fatores decisivos, hegemonia e sistema,
interlaçam-se, viabilizando a exploração dual, dos Estados mais fortes sobre os mais
fracos, e dos capitais, das elites internas sobre a classe trabalhadora. Neste sentido,
a hegemonia é dada pela acumulação de poder (guerras) e do capital (riqueza)
dentro das estruturas do sistema capitalista, construto histórico europeu,
expandindo-se desde o longo século XIX (BRAUDEL, 1996).
Intelectuais de inspiração neomarxista, como Cox (1987, 2007) e Gill (2007),
mais próximos de um neogramscianismo9, Wallerstein (1974) e Arrighi (1994),
adeptos ao pensamento do sistema-mundo, prestam auxílio teórico para que se
possa fundamentar a visão derivacionista de Poulantzas (1975) e Hirsch (2010).
Estes dois autores guardam diferenças sensíveis, mas somam convergências
quando analisam a interface entre Estados e capitais no cenário internacional, pois
9 Neogramscianismo seria a revisão teórica do pensamento de Antônio Gramsci (1891-1937).
interpretam as peculiaridades da trajetória do sistema, por meio de um forte
embasamento histórico e crítico. Ambos enfatizam o viés estruturalista, apontando a
realidade social como um conjunto formal de relações. Mascaro complementa,
afirmando ser necessário buscar o entendimento causal, estrutural, relacional e
histórico dos fenômenos da política e do Estado, focando seus problemas,
contradições e crises. “Para a compreensão do Estado e da política, é necessário o
entendimento de sua posição relacional, estrutural, histórica, dinâmica e
contraditória dentro da totalidade da reprodução social” (MASCARO, 2012, p. 11).
No contexto de crise do socialismo soviético e do bem-estar social ocidental,
compreendem o Estado a partir das próprias categorias que estruturam a sociedade
capitalista. Em outras palavras, da economia política e da própria forma do capital e
das relações de produção capitalista, é possível extrair o entendimento das
estruturas políticas que lhe são próprias. O derivacionismo defende a compreensão
da própria forma política como derivação da forma-mercadoria que se instaura no
capitalismo. Para os derivacionistas, a crítica materialista da economia política
oferece as bases para uma teoria do Estado capitalista. Há a flagrante necessidade
do Estado, na concorrência entre capitais, deve oferecer a infraestrutura e a
regulação do conflito capital-trabalho.
Os autores, greco-francês e alemão, resgatam de teóricos do Imperialismo10,
como Hilferding (1985), Bukharin (1984), Luxemburgo (1970) e Lênin (2011), a
centralidade da lógica capitalista no sistema internacional, incluindo as noções de
poder e território na internacionalização da produção capitalista. Revelam o modo
essencialmente conflitivo e desigual do sistema, denunciando a discrepância
material e a exploração dos países centrais (metrópoles) ante sua periferia
(colônias). O eixo da disputa de poder são os Estados, e a este acrescentam o
enfoque aos processos de internacionalização da produção, das relações de classe
e da divisão internacional do trabalho, como determinantes para a inserção dos
países tanto no centro quanto na periferia.
2. 1. 1. O Capital Financeiro pelas Teorias do Imperialismo
10 Inspirados na matriz marxista, estes teóricos, ao final do século XIX e início do XX, passaram a incluir as Relações Internacionais na dinâmica da Economia Política. Esta corrente foi denominada de Teoria do Imperialismo, justamente por enfatizar os aspectos da guerra, do território e do poder na economia política e no modo de produção capitalista de Marx.
Neste sentido, o pós-Segunda Guerra Mundial inaugurou uma nova era na
dinâmica imperialista, a da consolidação do capital monopolista financeiro. Para
Nicos Poulantzas (1975), este processo monopolista antes passara por uma etapa
exordial de transição entre o capitalismo competitivo e o monopolista, do final do
século XIX e início do XX. Para Lênin “O século XX marca, pois, o ponto de viragem
do velho capitalismo para o novo, da dominação do capital em geral para a
dominação do capital financeiro” (LÊNIN, 2011, p. 159). Esta primeira fase foi
identificada por teóricos do Imperialismo, ao analisar o fenômeno da concentração e
consequente formação de monopólios modernos. Emerge, nesta concepção, o
capital financeiro, que de acordo com Hilferding significa:
O capital financeiro significa a uniformização do capital. Os setores do capital industrial, comercial e bancário, antes separados, encontram-se agora sob a direção comum das altas finanças, na qual estão reunidos, em estreita união pessoal, os senhores da indústria e dos bancos. Essa mesma união tem por base a supressão da livre concorrência do capitalista individual por meio das grandes associações monopolistas. Com isso muda também, naturalmente, a relação da classe capitalista com o Estado. (HILFERDING, 1985, p. 283)
A fusão unia o sistema bancário com o industrial sob a hegemonia daquele, o
que encetaria o chamado capital financeiro:
O que caracterizava o velho capitalismo, onde reinava plenamente a livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capital. (LÊNIN, 2011, p. 180)
Fundado no monopólio, a economia era guiada por uma lógica de
administração de preços e decisões de investimento, cuja empreitada era garantida
pelo Estado, por meio do protecionismo comercial e da política colonial, o que
alavancaria ainda mais os lucros, pois alargava a fronteira de expansão do capital.
Este adquire mais espaço na dinâmica relacional com o trabalho. A classe capitalista
sozinha não conseguiria tantas conquistas. Ela precisa do controle político do
Estado, para que este garanta, por meio de guerras ou de negociações, grande
parte de suas aspirações. Logo, a política externa estatal em muito atende aos
interesses da correlação de forças prevalente nas sociedades. Assim, como
defendem objetivos próprios, lutam estrategicamente pela vontade dos capitais. No
sistema interestatal capitalista, a hegemonia do Estado não é obtida apenas por
meio das guerras de conquistas ou pela acumulação de poder, mas este poder se
completa com a acumulação de riqueza, traduzida na imposição do padrão
monetário internacional calcado na moeda nacional hegemônica. A expansão da
economia nacional pelo mundo amplia o território de ganhos do capital interno.
Este espaço era o supranacional econômico, no qual o capital financeiro,
respaldado por seu Estado, acelera a acumulação capitalista:
Enquanto, por um lado, a generalização do sistema protecionista aspira desmembrar progressivamente o mercado mundial em territórios econômicos individuais separados por Estados, a evolução para o capital financeiro eleva a importância da magnitude do espaço econômico. (HILFERDING, 1985, p. 293)
Este espaço econômico deve ser populoso para sustentar o consumo e deve
garantir a unidade empresarial ante as intempéries do mercado. Em condições
favoráveis, acentua-se a especialização interior das empresas. Estas terão maior
facilidade para migrar para locais em que a produtividade seja maior, significando a
redução dos custos de produção. Se todos os países componentes deste território
econômico compartilhassem das mesmas diretrizes, como a do livre comércio, ao
invés do protecionismo, preservaria a maior produtividade do trabalho e a mais
racional divisão internacional do trabalho em favor do capital. Esta dinâmica atende,
contudo, os interesses centrais e não os da periferia. Uma vez que os mesmos que
pregam o livre comércio, aplicam o protecionismo em suas economias nacionais. A
lógica desigual contribui para a difusão do capitalismo via internacionalização do
capital:
Dessa forma, a exportação de capital, poderosamente estimulada de outro modo pelo protecionismo do próprio país, é fomentada igualmente pelo país estrangeiro e, ao mesmo tempo, contribui para a difusão do capitalismo em escala mundial e para a internacionalização do capital. (HILFERDING, 1985, p. 295):
Este movimento leva a conflitos entre os países capitalistas desenvolvidos
exportadores de capitais e a estrutura estatal das nações periféricas, visto que a
estas são impostas legislações que correspondam aos interesses daqueles,
minando o poder político local e subordinando-o aos rumos do mercado
internacional. Esta política imperialista do capital conta com o respaldo do Estado de
origem, que o tutela. Desta forma, o capital financeiro prega liberdade, mas deseja
dominação; exige seu atrelamento ao capital industrial para compartilhar o ônus,
mas colhe sozinho o bônus; e não admite concorrência, a não ser para beneficiá-lo.
Destarte, busca três objetivos para potencializar seus lucros: o maior território
econômico possível, afastamento da concorrência estrangeira e o fortalecimento dos
monopólio nacionais:
Portanto, a política do capital financeiro persegue três objetivos: primeiro, a criação do maior território econômico possível. Segundo, este é fechado pelas muralhas do protecionismo contra a concorrência estrangeira. Terceiro, converte-se assim o território econômico em área de exploração para as associações monopolistas nacionais. (HILFERDING, 1985, p. 306)
Para tanto, precisa que o Estado lhe assegure as melhores condições, como
uma política fiscal favorável, um poder diplomático persuasivo e um poderio bélico
impositivo, para garantir os investimentos e viabilizar a expansão via incorporação
de novas áreas. Bukharin (1984) enfatiza o papel estatal dentro deste sistema
capitalista. A economia mundial representa em seu pensamento a expansão do
poder hegemônico de uma nação. A internacionalização é o alargamento dos
interesses nacionais das economias centrais em âmbito mundial:
A luta dos Estados, que é apenas luta entre grupos da mesma ordem da burguesia, não cai do céu (...) ela é condicionada pelo meio particular em que vivem e se desenvolvem os organismos econômicos nacionais. (...) é necessário encarar a luta dos corpos econômicos nacionais antes de tudo como uma luta entre as diversas partes concorrentes da economia mundial. . (BUKHARIN, 1984, p. 17)
Este imperialismo, para Lênin (2011), seria a fase superior do capitalismo,
pois seguindo o evolucionismo marxista, o sistema monopolista e a exportação de
capitais dele decorrente elevariam ainda mais a taxa de lucro do capital financeiro,
sempre protegido pela tutela estatal, sem que isto, apesar de suas contradições
inerentes, represente a derrocada do modo de produção capitalista, mas seu
fortalecimento. Capital financeiro, monopólios e imperialismo são conceitos
interligados e dependentes entre si, fazendo parte de uma mesma estrutura:
A época do capitalismo contemporâneo mostra-nos que se estão a estabelecer determinadas relações entre os grupos capitalistas com base na partilha econômica do mundo, e que, ao mesmo tempo, em ligação com isto, se estão a estabelecer entre os grupos políticos, entre os Estados, determinadas relações com base na partilha territorial do mundo, na luta pelas colônias, na “luta pelo território econômico”. (LÊNIN, 2011, p. 199)
Rosa Luxemburgo (1970), por sua vez, escancara as relações imperialistas
que envolvem os capitais e a força militar, presentes nos processos de expansão e
conquista das grandes potências no sistema internacional. De acordo com a autora:
As necessidades históricas que acompanham a concorrência mundial intensificada para a conquista de condições de acumulação transformam-se assim, para o próprio capital, num magnífico campo de acumulação. O capital utiliza-se mais energicamente do militarismo para assimilar através do colonialismo e da política mundial, os meios de produção e as forças de trabalho dos países ou das camadas não-capitalistas. (LUXEMBURGO, 1970, p. 411)
Ainda segundo este raciocínio:
O capitalismo é a primeira forma econômica com capacidade de desenvolvimento mundial. Uma forma que tende a estender-se por todo o âmbito da terra e a eliminar todas as demais formas econômicas; que não tolera a coexistência de nenhum outro. Mas é também a primeira que não pode existir sozinha, sem outras formas econômicas de que possa alimentar-se. Ao mesmo tempo em que tende a converter-se em forma única, fracassa pela capacidade interna de seu desenvolvimento. Ele oferece o exemplo de uma contradição histórica viva. Seu movimento de acumulação é a expressão, a solução progressiva e a intensificação dessa contradição. (LUXEMBURGO, 1970, p. 411-412)
Esta transmutação capitalista intensificou-se, acirrando suas contradições.
Após o interregno de afirmação no instável entre-guerras, que configurou sua
segunda etapa, atingiu o estágio pós-1945, no qual o imperialismo do capital
financeiro emergiu com modificações importantes nas relações de produção
mundial, consolidando-se e ganhando cada vez mais espaço no cenário
internacional.
2. 1. 2. Os capitais no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial para
Poulantzas
O estágio atual do desenvolvimento capitalista encontra-se sob outros
patamares, cujas bases se remontam à configuração do pós-1945, em função das
mudanças em torno do papel do Estado. Este aparato estatal assume o papel de
garantidor da hegemonia da classe dominante, visto que é o epicentro do poder. O
Estado não usa a crença para dominar, sendo ele a própria ideologia. Em uma
estrutura capitalista a burguesia é a classe politicamente dominante. O ente estatal
acaba organizando as classes dominantes. As contradições de classe assumem a
forma de contradições internas dos aparelhos do Estado e dentro deles. Os
aparelhos estatais consagram e reproduzem esta preponderância ao estabelecer um
jogo variável de compromissos provisórios entre os blocos no poder e as classes
dominadas. Não há afronta direta aos interesses da classe trabalhadora, mas a
disponibilidade de mecanismo de aparente contestação da ordem, os quais, na
verdade, apenas reforçam o sistema de dominância do capital. Esta estrutura de
exploração é dual e se reproduz internamente, senão também na esfera
internacional, em meio à disputa entre os capitais, a qual envolve diretamente os
Estados, impondo os mais fortes suas vontades em relação aos mais fracos.
Poulantzas (1975) compreende, assim, o processo de consolidação do capital
monopolista financeiro, amparado pela hegemonia estadunidense no sistema
interestatal, ocorrendo mediante três características marcantes: a) desenvolvimento
de bases de exploração de um capital particular ou de uma reunião de vários
capitais nacionais no local onde este capital constitui uma relação social; b)
nacionalidade do capital não está restrita a um país, mas ao local onde se
estabelecem as relações sociais originárias e/ou dominantes que constituem esse
capital; c) internacionalização se efetua sob a dominação do capital americano. O
autor grego radicado na França expande o universo da análise apontando que as
relações desiguais e de dominação vai além da relação centro-periferia, existindo
também hierarquia no seio das grandes potências. A Europa Ocidental, ao consentir
com a estratégia estadunidense submeteu-se a uma posição subordinada, ainda que
no centro metropolitano. As nações europeias, líderes do processo de mundialização
do sistema interestatal capitalista, com as transformações do pós-guerra, sucumbem
ao poder imperial hegemônico, reproduzindo esta posição inferior em suas relações
de produção no núcleo de suas economias:
(...) assiste-se ao estabelecimento de uma nova linha de demarcação, no campo das metrópoles, entre os Estados Unidos de um lado, as outras metrópoles do imperialismo, em particular, a Europa, do outro. A estrutura de dominação e dependência da corrente imperialista organiza as próprias relações das metrópoles do imperialismo. Com efeito, esta hegemonia dos Estados Unidos não é nem análoga àquela de uma metrópole sobre outras nas fases precedentes, e não difere tampouco de um simples ponto de vista “quantitativo”: ela passa pelo estabelecimento das relações de produção que caracterizam o capital monopolista americano e sua dominação no próprio interior das outras metrópoles, e também pela reprodução em seu
seio desta nova relação de dependência. É esta reprodução induzida do capitalismo monopolista americano no seio das outras metrópoles e seus efeitos sobre seus modos e formas de produção (pré-capitalistas, capitalistas-competitivos) que caracteriza a fase atual: ela implica igualmente a reprodução ampliada, em seu seio, das condições políticas e ideológicas desse desenvolvimento do imperialismo americano. (POULANTZAS, 1975, p. 50, grifo nosso)
Exemplo nodal desta clivagem entre as nações metropolitanas é a dualidade
da dominação e dependência, que constitui o imperialismo estadunidense na Europa
Ocidental. Por mais que haja fricções entre interesses contraditórios, isto, por si só,
já revela o papel secundário que cabe à Europa Ocidental dentro do núcleo
hegemônico, capitaneado pelos Estados Unidos:
Em contrapartida, tudo parece indicar que essa reativação das contradições interimperialistas só significa, atualmente, uma guinada na hegemonia americana em relação à etapa precedente, a Europa reocupando o lugar de imperialismo secundário que lhe cabe na fase atual. (POULANTZAS, 1975, p. 92)
As economias locais reergueram-se pelo duplo movimento de recebimento de
capital estadunidense e de exportação de manufaturas, cujas firmas monopolistas
possuem participação ou controle do capital estadunidense (POULANTZAS, 1975).
Os sinais desta dominação evidenciam-se pelo aumento considerável e regular do
investimento do capital americano no exterior, sobretudo para as potências
europeias, que se transformaram no destino preferencial (que outrora já foi a
América Latina); investimentos diretos e alocação dos investimentos na indústria de
transformação; concentração e centralização do capital na Europa constituindo e
sendo viabilizadas por grandes bancos e holdings financeiras. Os interesses
bancários encontravam respaldo no projeto norte-americano: “Entretanto, a política
estadunidense encontrava muitos aliados na comunidade bancária, na qual a
oposição à inflação era uma convicção profunda.” (BLOCK, 1989, p 141, tradução
nossa)11.
A estratégia estadunidense, por sua vez, agradava frações da burguesia
europeia (HOLLAND, 1981). A parte nacionalista ou classe média com dificuldade
de modernizar sua base econômica para enfrentar a concorrência do livre mercado,
logo, era hostil ao livre mercado comum; enquanto que o setor burguês
11 No original lê-se: “Pero la política norteamericana encontraba a menudo aliados en la comunidade bancaria, donde la oposición a la inflación era una convicción profunda.”
internacional, porta-voz do capital multinacional ou nacional internacionalizado, era a
favor do mercado comum; por sua vez o prisma nacional pró-europeu, de cunho
ideológico, enxerga êxitos no processo de integração e na efetivação em corrigir
erros do passado. Com o apoio destes dois grupos, em uma relação repleta de
contradições, o capital estadunidense se enraizou. Poulantzas denomina esta
coalizão de burguesia interior, a qual é dependente dos processos de divisão
internacional do trabalho e de concentração, ao mesmo tempo em que busca certa
autonomia política, sempre dentro das condições ideológicas inseridas em sua
dependência:
Seria então necessário introduzir um conceito novo que permita analisar a situação concreta ao menos das burguesias das metrópoles imperialistas em suas relações com o capital americano: é o que designo, provisoriamente e na falta de melhor, pelo termo burguesia interior. Esta burguesia, que coexiste com setores propriamente compradores, não possui mais, em graus certamente desiguais nas diversas formações imperialistas, as características estruturais da burguesia nacional. Em razão da reprodução do capital americano no próprio seio dessas formações, ela é por um lado imbricada por múltiplos elos de dependência aos processos de divisão internacional do trabalho e de concentração internacional do capital sob a dominação do capital americano: o que pode até tomar a forma de uma transferência por parte da mais-valia para o lucro desse capital; por outro, além disso, em razão da reprodução induzida das condições políticas e ideológicas desta dependência, ela é afetada por efeitos de dissolução da sua autonomia político-ideológica em face do capital americano. (POULANTZAS, 1975, p. 77, grifo nosso)
A busca pela autonomia político-ideológica ante o capital estadunidense
revela a dependência da burguesia europeia quando esta corrobora as formas do
regionalismo, identificando na integração uma projeção própria de poder. Ainda que
medidas independentes sejam tomadas, a inserção do regionalismo na lógica
multilateral e nas formas da economia política liberal reforça a subordinação e a
contradição:
Contradições importantes existem então entre a burguesia interior e o capital americano, sem poder levar doravante a adotar posições de efetiva autonomia ou independência em face desta capital, provocam, entretanto, efeitos sobre os aparelhos de Estado dessas formações nas suas relações com o Estado americano. (POULANTZAS, 1975, p. 78)
Esta interpenetração enraizou seus efeitos nas economias locais (os quais
foram potencializados com as transformações internacionais vindouras),
ocasionando a entrada dos países no sistema multilateral estadunidense, ainda que,
inicialmente de forma gradativa e tolerada. No caso europeu ocidental, verifica-se
uma particularidade na lógica capitalista do sistema-mundo. Isto porque o enfoque
desta é a relação desigual e de dominação que se manifesta entre centro e periferia.
Ocorre que os Estados Unidos também mantêm uma dinâmica de exploração e
dependência entre os países metropolitanos, que figuram no núcleo do sistema.
Neste vetor, aqueles países centrais exploram e são explorados. Apesar das
metrópoles europeias adotarem um discurso de independência, o consentimento à
hegemonia estadunidense proporcionou uma interface contraditória, visto que o
pleito por autonomia reforça a subordinação à hegemonia norte-americana, haja
vista a lógica e as formas em que ela foi construída (POULANTZAS, 1975).
Em função disto, a estratégia hegemônica foi encampada pelas elites, que,
inicialmente, contaram com o apoio estadunidense para recuperar as economias
locais e, sim, integrar o sistema multilateral do padrão dólar-ouro. Esta opção
externa para o equacionamento dos problemas europeus atendeu em grande parte
ao interesse das burguesias europeias, sobretudo, as financeiras. Elas beneficiaram-
se da reprodução do processo de acumulação e exploração pelos Estados. Neste
sentido, é preciso enfatizar, contudo, que este movimento expropriatório não ocorre
apenas verticalmente, entre centro e periferia, senão também no seio metropolitano.
A relação entre União Europeia e o poder hegemônico estadunidense ilustra esta
dinâmica, pouco estudada e, por isto, pouco debatida na literatura especializada.
2. 1. 3. A Inserção Metropolitana Subordinada da União Europeia no
Sistema Interestatal Capitalista
Dentro do sistema interestatal capitalista contemporâneo, a hegemonia
estadunidense tonifica a dinâmica de acumulação. No pós-Segunda Guerra, a
configuração internacional foi pautada na remodelagem imposta pelo poderio norte-
americano. Este referendou as transformações capitalistas do início do século XX,
quando o capital financeiro monopolista superou o produtivo. Aliás, a centralização
política e o desenvolvimento econômico dos Estados Unidos estão calcados em
bases monopolistas.
A desigualdade entre centro e periferia foi mantida, com praticamente a
imobilidade entre as nações. A relação entre estes polos acontece pelo
espraiamento dos capitais imperialistas, sobretudo o estadunidense, que afetam a
formação interna dos Estados, forçando a concessão aos ditames do capitalismo
financeiro. Este processo resulta na desarticulação interna das formações
socioeconômicas, chegando às vias de um neocolonialismo disfarçado,
empreendido tanto pela potência hegemônica quanto entre os europeus. Isto cria um
condomínio entre os Estado de origem e os receptores dos capitais, que se
relacionam de forma antagônica e contraditória, de suporte e de contestação, como
bem delineia Poulantzas, que conecta esta imbricação com até ações imperialistas
militares:
(...) o capital que ultrapassa seus limites nacionais tem realmente recursos nos Estados nacionais não somente no seu próprio Estado de origem, mas também nos outros Estados. Isso produz uma distribuição complexa do papel dos Estados na reprodução do capital sob a dominação do capital americano, podendo ter como efeitos descentralizações e deslocamentos no exercício dessas funções entre seus portadores, estes continuando a ser, no essencial, os Estados nacionais. Segundo a conjuntura, pode acontecer que incumba a este ou àquele Estado nacional das metrópoles a tarefa de uma ou outra intervenção de alcance internacional, concernentes a esta reprodução, e a manutenção do sistema no seu conjunto. (POULANTZAS, 1974, p. 88)
Este condomínio não é, todavia, pacífico. Diferenças substanciais ocorrem no
seio metropolitano, quando os Estados Unidos assumiram a dianteira do centro,
ultrapassando a hegemonia britânica. Ainda assim, as nações europeias gozaram de
uma inserção metropolitana, ainda que subordinada à potência hegemônica. O
regionalismo via União Europeia é parte essencial desta dinâmica. A manutenção
das elites liberais no controle do Estado e a pacificação militar via ocupação
permanente foram os sustentáculos para que as burguesias europeias consentissem
e incorporassem as imposições e enquadramentos do capital estadunidense, como
compreende:
Esses Estados se encarregam dos interesses do capital dominante, antes de tudo, de forma direta: apoio ao capital americano, com frequência do mesmo tipo (subvenções públicas, dispensas fiscais e etc.) daquele que é concedido ao capital autóctone, mas, igualmente, apoio necessário ao capital estrangeiro em sua extensão ulterior, em cadeia, ao exterior desta formação, servindo-lhe assim de reserva (...). A reprodução internacional do capital sob a dominação do capital americano apoia-se sobre os vetores que são os Estados nacionais, tentando cada Estado fixar sobre um momento do processo. Esse apoio ao capital dominante lhe é também dado de forma indireta: política industrial de cada Estado com respeito ao seu capital autóctone, visando à concentração e à expansão internacional deste capital. (POULANTZAS, 1974, p. 79)
Esta conivência e subordinação que marcam a atuação das burguesias
europeias perante o capital estadunidense explicam-se em muito pela desarticulação
e heterogeneidade dentro das classes dominantes nacionais, que, quer pelos
resquícios da guerra, quer pela relação siamesa entre os capitais, não oferecem
resistência substancial à posição de inferioridade no círculo metropolitano. Isto vai
muito das concessões estatais europeias feitas às firmas multinacionais
estadunidenses. Não há um embate entre Estado nacional versus capitais
estrangeiros. O confronto estrutura-se no interior da ossatura estatal dominada pela
burguesia local, que se articula ou para impor seus interesses ou para ceder às
imposições externas. Na integração europeia, há uma clara prevalência dos setores
financistas atrelados pelo capital hegemônico estadunidense. Poulantzas, com
propriedade, resume:
A contradição principal nas burguesias imperialistas se passa então, segundo a conjuntura, no seio das contradições do capital imperialista dominante e da internacionalização que ele impõe, ou ainda no próprio seio da burguesia interior e de suas lutas internas, deslocando-se, porém, raramente, entre a burguesia interior como tal e o capital americano. É esta desarticulação e heterogeneidade da burguesia interior que explica a fraca resistência, com seus diversos desníveis, dos Estados europeus em face do capital americano. Os novos meios reais de pressão das firmas multinacionais americanas sobre os estados europeus- evasão fiscal, especulação sobre as moedas, afastamento dos obstáculos aduaneiros- somente são elementos secundários do negócio, ao contrário do que sustenta a corrente ideológica dominante, que coloca o problema “Estado nacional versus firmas multinacionais”. (POULANTZAS, 1974, p. 80-81)
Mais evidente é este processo no regionalismo econômico. Ao invés da
formação de uma supranação acima dos Estados, há a ruptura do tecido social
nacional, o que acentua as rivalidades e os sentimentos de pertença à nação entre
os membros, uma vez que as desigualdades são atiçadas. O caso europeu é
emblemático. Muito antes de um baluarte de autonomia e resistência à hegemonia
norte-americana firmado pelo concerto entre os capitais regionais, o fenômeno da
integração corresponde à reprodução ampliada do capital internacional sob a
dominância estadunidense no seio do continente europeu:
Tal fenômeno é muito mais característico porque, longe de representar uma pretensa cooperação supranacional dos capitais europeus contra o capital americano, ele corresponde à reprodução ampliada do capital internacional sob a dominação do capital americano no próprio seio dos países europeus, e à nova estrutura de dependência: o que suscita uma tendência à desarticulação interna das formações sociais europeias e de suas
economias (acentuação dos polos de desenvolvimento) podendo chegar a fenômenos reais de colonização interior sob os diversos rótulos de aproveitamento ordenado do território. É sobre esta desarticulação que cria raízes a desintegração da unidade nacional capitalista. (POULANTZAS, 1974, p. 86, grifo nosso)
Neste sentido, o processo de integração econômica, muito antes de um
contrapeso e uma forma de resistência ao capital americano, é parte do processo de
internacionalização do Estado. Conforme verificado, não há que se falar em
rivalidade, mas complementaridade com o sistema estadunidense de dominância.
Isto porque todas as iniciativas foram chanceladas ou encontraram seus limites nas
imposições hegemônicas. Não apenas a formação, como também a guinada sofrida
em Maastricht estão inseridas no sistema interestatal, cuja posição metropolitana
dos países europeus é subordinada aos interesses dos capitais estadunidenses.
Hirsch ratifica este posicionamento:
Os processos regionais de integração econômica, como sobretudo a União Europeia, são parte integrante desses processos de internacionalização do aparelho estatal. Já por isso é problemático falar da União Europeia como sendo um contrapeso aos Estados Unidos. (HIRSCH, 2010, p. 225)
Mesmo escrevendo na década de 1970, Poulantzas demonstra-se atual, pois
lá já identificava os rumos do processo europeu e já vinculava suas correções de
percurso e suas crises como o contexto internacional hegemônico, corroborando a
percepção de Hirsch, conforme elucida:
É justamente sobre essa hegemonia que se baseiam todos os desenvolvimentos atuais, que só podem ser explicados a partir dela: o processo aparente de um passo à frente, dois passos para trás, por parte da CEE, não significa nada mais do que remanejamentos trazidos a essa hegemonia no contexto atual de intensificação das contradições interimperialistas. (POULANTZAS, 1974, p. 94, grifo nosso)
Com fulcro nesta lógica competitiva, os capitais hegemônicos,
conquistadores, impõem suas condições e interesses aos mais fracos, conquistados.
A dominação capitalista deste sistema é, todavia, complexa, pois o capital
hegemônico não imperializa somente a periferia, mas também as metrópoles. De
acordo com este viés, a análise da cooperação europeia passa pela investigação da
posição sistêmica axial dos Estados Unidos. O fator externo foi elemento decisivo
nos rumos tomados pelo continente no pós-guerra, bem como contribuiu, direta e
indiretamente, para a reinserção das economias nacionais no sistema interestatal
capitalista, sendo o grande fiador do regionalismo europeu.
2. 2. O Poder Hegemônico: fator externo decisivo na integração
A região, que por pelo menos desde o século XVI foi o epicentro mundial, viu-
se uma posição ímpar dentro do sistema interestatal capitalista. Destruída
materialmente, com consideráveis perdas humanas e demográficas, bem como
ocupada militarmente por duas potências estrangeiras, a Europa sentia o peso da
eclosão de duas guerras em seu território. Os rumos que tomou no pós-guerra são
produto desta configuração.
O regionalismo encetado como estratégia para a reinserção da porção
ocidental do continente na economia política mundial é resultado da mescla de
condicionantes externas, determinantes, e internas. Sem a presença e a influência
do poder hegemônico nesta região, seu destino seria complemente distinto. O
movimento integracionista que catapultou as economias locais e as introduziu no
sistema multilateral internacional tem como fator determinante o projeto imperialista
dos Estados Unidos. A reconstrução europeia, ao mesmo tempo em que atendeu a
interesses de frações das burguesias nacionais, foi moldada pelos ditames
hegemônicos estadunidenses.
O reflexo da dominância americana aparecia não apenas na difusão do
capitalismo financeiro monopolista na base produtiva europeia, mas também
interagia nas instituições e na ideologia correspondente do reerguimento ocidental.
Diferentemente do pensamento realista estrito, o qual entende ser a hegemonia o
poder de coerção, de dominação, resgata-se a noção gramsciana sobre o termo. Gill
elucida:
O conceito de hegemonia de Gramsci (1971) difere do uso feito pelo realismo ortodoxo. Refere-se ao domínio de um Estado sobre outros Estados e, em geral, é um exemplo daquilo que chamamos de exercício direto do “poder sobre”, no sentido usado por Max Weber. Para Gramsci, hegemonia era um conceito usado para analisar as relações de forças dentro de uma sociedade. Uma ordem hegemônica era aquela na qual o consentimento, em vez da coerção, caracteriza basicamente as relações entre as classes e entre o Estado e a sociedade civil. (GILL, 2007, p.157)
Cox trata a interação entre consentimento e coerção como se fossem
separadas por uma linha tênue determinada pela resistência do submisso. A
coerção existe, sendo aplicada quando necessária, o que é excepcional em um
estado de hegemonia, pois o consenso garante o comportamento subalterno:
Enquanto o aspecto consensual do poder está em primeiro plano, a hegemonia prevalece. A coerção está sempre latente, mas só é aplicada em casos marginais, anômalos. A hegemonia é suficiente para garantir o comportamento submisso da maioria das pessoas durante a maior parte do tempo. (COX, 2007a, p. 105)
Este consentimento expressa-se nas instituições e sua ideologia
correspondente. A consolidação do movimento de passagem da dominação
coercitiva para a hegemonia caracteriza o enlaçamento da base material com as
formas jurídicas e políticas. As organizações internacionais refletem esta dinâmica,
visto que traduzem interesses específicos e conciliam as demandas subordinadas,
de forma a manter a dominância permanente:
O movimento rumo à hegemonia, diz Gramsci, é uma “passagem da estrutura para a esfera das superestruturas complexas”; com isso ele queria dizer passar dos interesses específicos de um grupo ou classe para a construção de instituições e a elaboração de ideologias. Se essas instituições e ideologias refletem uma hegemonia, terão uma forma universal, isto é, parecerão ser de uma determinada classe e darão alguma satisfação aos grupos subordinados, mas sem solapar a liderança ou os interesses vitais da classe hegemônica. (COX, 2007a, p. 112-113)
A interconexão entre as esferas marca o processo predominante de
amálgama entre a estrutura (base material) e a superestrutura (expressa nas formas
jurídicas e política, bem como na ideologia prevalente). Essa percepção de
hegemonia passa pela noção difundida por Antônio Gramsci:
Estabeleceu-se que o momento de hegemonia envolve ambos, a difusão consensual de uma cultura particular ou uma visão moral de pensamento social e suas interconexões com as funções coercitivas do poder; ou há o correspondente equilíbrio entre as ideias ético-políticas e as condições socioeconômicas prevalentes fortalecidas pela coerção (...). Em suma, hegemonia é marcada pela decisiva passagem entre a estrutura para a esfera das complexas superestruturas. (GRAMSCI apud MORTON, 2006, p. 95, tradução nossa)12
12 No original lê-se: “It has been established that the moment of hegemony involves both the consensual diffusion of a particular cultural and moral view throughout society and its interconnection with coercive functions of power; or there is corresponding equilibrium between ethico-political ideas and prevailing socio-
É imperioso notar que esta relação de dominância não é passiva, é repleta de
contradições. Na visão da crítica à Economia Política Internacional, ao invés de
estabilizar, o hegemon é o responsável tanto pela ordem quanto pela desordem
sistêmica. No contexto competitivo de permanente e incessante acumulação de
poder e riqueza, o Estado hegemônico, ao mesmo tempo em que cria as regras, as
viola, como forma de seguir impondo sua vontade e mantendo a hierarquia do
ordenamento. Assim, sustenta Fiori:
A própria potência hegemônica- que deveria ser o grande estabilizador (...) precisa da competição e da guerra, para seguir acumulando poder e riqueza. E para se expandir, muitas vezes, precisa ir além e destruir as próprias regras e instituições que ela mesma construiu, num momento anterior, depois de alguma grande vitória. Por isto, ao contrário da utopia hegemônica, neste universo em expansão nunca houve nem haverá paz perpétua, nem hegemonia estável. Pelo contrário, trata-se de um universo que precisa de guerras e de crises para poder se ordenar e se estabilizar- sempre de forma transitória- e manter suas relações e estruturas hierárquicas. (FIORI, 2008, p. 31)
Neste contexto de dominância, a integração europeia, produto do pós-1945,
será influenciada permanentemente pelos norte-americanos, que estarão sempre
presentes, norteando o processo comunitário pela dialética da autonomia e da
subordinação, atuando por vezes de forma direta como indiretamente, na construção
do ordenamento ou no acirramento de crises. Ademais, no caso europeu, a
hegemonia estadunidense não ficará restrita às relações interestatais, mas
penetrará na produção e na economia local via abertura de mercados e fusões
monopolistas industriais, o que reverbera nas relações sociais. Logo, o capital
financeiro amparado pelo Estado preponderante vai além da economia internacional,
criando sustentáculos para seu estabelecimento, como ilustra Cox:
Portanto, a hegemonia no plano internacional não é apenas uma ordem entre Estados. É uma ordem no interior de uma economia mundial com um modo de produção dominante que penetra todos os países e que vincula a outros modelos de produção subordinados. É também um complexo de relações sociais internacionais que une as classes sociais em diversos países. A hegemonia mundial pode ser definida como uma estrutura social, uma estrutura política, e não apenas uma dessas estruturas: tem de ser todas as três ao mesmo tempo. Além disso, a hegemonia mundial se expressa em normas, instituições e mecanismos universais que
economic conditions fortified by coercion (…) To sum up, hegemony is marked by the decisive passage from the structure to the sphere of the complex superstructures.”
estabelecem regras gerais de comportamento para os Estados e para as forças da sociedade civil que atuam além das fronteiras nacionais- regras que apoiam o modo de produção dominante. (COX, 2007a, p. 118-119)
Apesar de sócios no centro metropolitano, ainda que em proporções
descompassadas, Estados Unidos e Europa Ocidental concorrerão, sobretudo
comercialmente, mas também em assuntos geopolíticos, como nos processos de
descolonização. O que ficará evidente, mesmo dentro do ambiente competitivo, será
a hegemonia dos capitais estadunidenses nas economias europeias e na postura de
contenção e de rivalidade com a atual Rússia, outrora União Soviética. As linhas
mestras deste arranjo imperialista, ambíguo e contraditório, foram delineadas no
panorama do pós-Segunda Guerra Mundial, quando o regionalismo foi adotado e a
futura inserção internacional das potências europeias, traçada. Isto significa que a
construção do projeto da União Europeia é norteada pelo poder hegemônico. A partir
da estratégia estadunidense é viável compreender os rumos da integração
comunitária.
2. 3. As Bases da Hegemonia: Contexto do Pós-Segunda Guerra Mundial
Já desde antes do cessar-fogo e do equacionamento das pendências da
guerra, o futuro do continente começou a ser moldado. Determinante nesta dinâmica
foi o fator externo, que contribuiu para a divisão político-econômica da região. A
clivagem entre as porções ocupadas por soviéticos e estadunidenses evidenciou-se.
A parte oriental ficou sob a esfera de influência socialista, enquanto a ocidental, sob
a chancela norte-americana. Esta área é que será o objeto de estudo deste estudo.
As referências textuais de Europa remeterão sempre à parte ocidental, dentro do
sentido geopolítico e não do geográfico, o que engloba os países que optaram ou
sucumbiram à influência norte-americana.
A guerra marcou a transição da hegemonia britânica para a estadunidense
(FIORI, 2007)13. Os Estados Unidos da América tiveram participação decisiva na
frente ocidental do conflito e emergiram dos escombros com o consenso de todos
que seu poder era incontrastável. Antes até do fim da Segunda Guerra, acordos já
13 A literatura especializada chama esta transição de sorpasso (FIORI, 2007).
eram firmados neste sentido. O primeiro foi a Carta do Atlântico14, em julho de 1941,
documento, que não constituía um tratado internacional, mas um acordo formal entre
dois estadistas, Franklin Roosevelt e Winston Churchill, o qual delineava as bases
da entrada estadunidense no conflito, haja vista a precariedade da situação bélica
britânica naquele momento15. Posteriormente, o debate foi ampliado, e reuniões
passaram a ser realizadas entre os aliados, ou seja, além dos representantes anglo-
saxões, com a presença do soviético.
As Conferências de Moscou16, Teerã17, Bretton Woods18, Yalta19, São
Francisco20 e Potsdam21 foram se tornando cada vez mais relevantes, à medida que
a vitória aliada se aproximava. Os rumos da nova ordem internacional, que deveria
refletir os moldes do poder americano, passaram a ficar definidos. O panorama
estabelecido neste período, de 1941 a 1945, é o ainda vigente. A iminência da vitória
aliada levou os países envolvidos a discutir o gerenciamento econômico
internacional sob a égide da hegemonia estadunidense.
A ordem monetária foi instalada pelos Estados Unidos, como forma de
organizar a configuração mundial do pós-guerra, sempre de acordo com seus
interesses nacionais, em cinco pontos nodais, de acordo com Baer et al (1995). O
primeiro foi o estabelecimento de taxas de câmbio fixas, porém, ajustáveis em
função de ajustes estruturais. O segundo foi a opção pelo ouro como ativo de
14 Carta do Atlântico é a denominação para o acordo de cavalheiros assinado por Winston Churchill e Franklin Roosevelt, cada qual representando sua respectiva nação, Grã-Bretanha e Estados Unidos, no qual se estabelecia os termos para o suporte estadunidense para os aliados na Guerra contra o Eixo. Este documento foi assinado a bordo de um navio no Oceano Atlântico e não tinha o caráter jurídico de tratado internacional, mas seria legitimado pela moral do compromisso e duraria enquanto seus signatários ocupassem seus cargos de chefia do Estado. Esse acordo proporcionou aos aliados um fôlego extra no combate, uma vez que incluía condições facilitadas de empréstimo e de aquisição de material bélico, bem como suporte logístico. 15 Além de pavimentar o caminho para a entrada estadunidense no conflito, o acordo significou o reconhecimento expresso da transição hegemônica, bem como resultou no imediato programa bélico e logístico de apoio à resistência britânica, o qual, posteriormente, foi estendido a outros países, o Lend and Lease, que visava o reaparelhamento militar sob condições favoráveis aos necessitados. 16 Em Moscou foram realizadas três conferências, sendo uma em 1941, outra em 1942, da qual emergiu a declaração de apoio aos aliados e contra os países do Eixo, e a última em 1943. Destas reuniões saíram as primeiras bases da ONU. 17 Realizada em dezembro de 1943, quando o Eixo perdia o controle do Norte da África. 18 Realizada ainda em 1944, esta conferência foi fundamental para definir o eixo econômico da hegemonia estadunidense com a criação de duas organizações internacional de apoio, o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, o BIRD, e o Fundo Monetário Internacional, o FMI. Ambos girariam em torno do centro gravitacional, o dólar, que seria a moeda de referência do sistema internacional, a única conversível em ouro. 19 Realizada em fevereiro de 1945, reuniu Roosevelt, Churchill e Stalin, foi a responsável por discutir a composição do Conselho de Segurança e a atribuição do poder de veto aos membros permanentes. 20 Realizada em junho de 1945, serviu para a elaboração do texto da Carta da ONU. 21 Realizada em agosto de 1945, após o fim da guerra na Europa, definiu informalmente a ocupação no continente e a divisão da Alemanha.
reserva internacional. Como os Estados Unidos detinha o controle sobre dois terços
da quantidade aurífera no mundo, o dólar foi alçado à condição de moeda
internacional, única a ser conversível em ouro, mediante lastro específico22,
enquanto as outras somente tinham o recurso de converterem-se em dólar, o que
criava um limite automático para a expansão da base monetária em âmbito mundial.
O terceiro vincula-se à livre conversibilidade de uma moeda para outra, o que
assegura a mobilidade dos capitais privados, que somente possuiriam controles em
casos de especulação. O quarto era a instalação de mecanismos de ajustes de
possíveis desequilíbrios no balanço de pagamentos, desde que cumpridas as
condicionalidades político-econômicas estabelecidas pelo órgão competente, o
Fundo Monetário Internacional, o FMI. O quinto relaciona-se à constituição do Banco
Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento, BIRD, conhecido
posteriormente como Banco Mundial23, e o FMI, responsável pela correção do
desequilíbrio na balança de pagamentos dos países. Somado às organismos de
Bretton Woods, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, o GATT24, responsável pela
garantia do livre comércio, constituíam a formalização da ideologia liberal. Esta era
garantida por instituições políticas, como a Organização das Nações Unidas (ONU)25
e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)26. Para Tavares e Belluzzo,
este cenário se completava com o desmonte dos impérios coloniais europeus,
cimentando a hegemonia estadunidense no mundo:
Em sua essência, a criação das Nações Unidas, do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do GATT significou o reconhecimento do desmoronamento definitivo dos pilares da ordem liberal burguesa, ou seja, do equilíbrio entre as potências e os supostos automatismos do padrão-
22 O lastro estabelecido era que o ouro valeria US$ 35,00 a onça, que pesa 28,35 gramas. Atingida esta paridade, a moeda nacional é aceita nas transações internacionais. 23 O Grupo Banco Mundial é atualmente composto por: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Associação Internacional de Desenvolvimento (AID); Corporação Financeira Internacional (CFI), Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (Miga); e Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (Ciadi). 24 Acordo anexo, que não configurava um organismo em si, que compunha a Organização Internacional do Comércio, criada em 1947. A não aprovação pelo Congresso estadunidense obstaculizou a consolidação desta instituição. Somente o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (General Agreement on Trade and Tariffs) obteve chancela. Provisório, durou de 1947 até 1994 como o principal instrumento do sistema de livre comércio. Em 1995, foi absorvido pela Organização Mundial do Comércio. 25 A estrutura da ONU favorece o argumento em favor de sua composição refletir os interesses hegemônicos. Enquanto a Assembleia Geral abarca os representantes de todos os Estados membros, o Conselho de Segurança, órgão de cúpula e com efetivo poder decisório (e jurídico), possui uma organização hierarquizada, com poucos membros (15), dentre os quais 5 (os vencedores da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, China e Rússia) possuem prerrogativa formal desigual, o poder de veto nas deliberações. 26 Maiores detalhes sobre a OTAN será tratados no tópico referente à Aliança Atlântica.
ouro. Por isso, os princípios que informaram a construção da nova ordem estavam claramente dirigidos contra o que havia sobrado do velho Império britânico. Assim, em primeiro lugar, os EUA aliaram-se com a União Soviética no propósito de desmontar o sistema colonial que servira de base de sustentação do Império britânico. Segundo, os EUA montaram um sistema de instituições internacionais de controle político-militar (OTAN) e econômico financeiro (GATT, FMI e Banco Mundial) e uma instância jurídica global capaz de incorporar na Assembleia os sucessivos países descolonizados, mas mantendo o poder decisório no núcleo das potências vitoriosas (Conselho de Segurança). (TAVARES e BELLUZZO, 2004, p. 123)
Neste arranjo, além do poder expresso na arquitetura institucional mundial, a
riqueza, as relações econômicas em moldes liberais eram ordenadas via o padrão
monetário estabelecido. A imposição do dólar enquanto moeda de referência, em
torno da qual as outras gravitam, rendeu não apenas lucros, senão a consecução de
objetivos estratégicos, conforme advoga Cintra:
No imediato pós-Guerra, a prerrogativa de emissor da moeda-reserva permitiu aos Estados Unidos a consecução de três objetivos: a) objetivo estratégico: suportar a maior parte dos custos da aliança militar formalizada na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN); b) objetivos econômicos: a seignorage permitiu a expansão da indústria americana e de seu estilo tecnológico (o fordismo), sobretudo, por meio do investimento direto levado a cabo pela grande empresa transnacional; c) objetivos financeiros: a posição de “banqueiro internacional” dos Estados Unidos concedeu um enorme espaço para a expansão internacional do sistema financeiro americano e maior raio de manobra para a política monetária do Federal Reserve. (CINTRA, 2013, p. 221)
O atingimento destas três metas, controle militar, expansão do capital
americano e tutela financeira da base monetária no mundo, moldou o sistema
internacional formal, alijando de vez a proeminência europeia no mundo,
incorporando as nações à lógica estadunidense. Os países aliados foram
enquadrados dentro deste panorama. O contexto europeu, de graves debilidades
materiais, políticas e militares, favorecia a aceitação das burguesias locais às bases
e estratégia hegemônicas.
2. 4. As Debilidades Europeias
A concretização da dominância estadunidense no mundo passava pela
reconstrução da Europa. Este continente, fundamental para a construção e difusão
do sistema interestatal, apesar de destruído, ocupado e dividido, ainda concentrava
grandes potências imperialistas. Os Estados Unidos buscavam desmantelar e
ocupar o vácuo das redes coloniais europeias. Por isto, de 1945 a 1947 estava claro
que o estratagema dos Estados Unidos para a Europa seria particular, haja vista as
nações nela localizadas; os moldes ainda estavam incertos, sobretudo em relação à
dúvida acerca da ocupação oriental pela União Soviética. O desejado retorno
imediato às bases liberais da década de 1930 não se mostrava um processo
simples, pois as condicionantes eram outras. Como entendia Polanyi (2012) o mito
do mercado autorregulável (que influenciava os três pilares da ordem pré-Primeira
Guerra: Estado liberal, no padrão ouro e no equilíbrio de poder) perdia sentido ante
as circunstâncias débeis. As primeiras medidas tomadas atinentes aos capitais
financeiros mostravam-se, todavia, inviáveis e potencialmente catastróficas por
diversas incongruências europeias oriundas do momento histórico.
A primeira, e mais óbvia, relaciona-se com a destruição material ocasionada
pelo conflito. Antes de qualquer medida econômica era fundamental o
estabelecimento de um contexto de paz militar duradoura. Levando em conta os
erros cometidos nos arranjos do pós-Primeira Guerra Mundial, era preciso criar um
clima pacífico entre os europeus, anulando os sentimentos revanchistas. Sem a
estabilidade devida outros conflitos emergiriam. Para tanto era imprescindível a
restauração da hegemonia burguesa, que fora atingida diretamente pelos contornos
da guerra: “A Europa estava na situação de refém estratégico, mas isto fazia parte
do equilíbrio. O atlantismo destinava-se, antes de qualquer coisa, a restaurar a
hegemonia burguesa abalada pela guerra no continente.” (JOXE, 1977, p. 289). A
neutralização das históricas ambições expansionistas germânicas pela Europa era
condição indispensável para o retorno de um equilíbrio longevo. As burguesias,
sobretudo, francesa e inglesa nutriam enorme ojeriza e temor ao retorno das
aspirações militaristas na Alemanha (JOXE, 1977). Havia consenso entre europeus
e americanos que a Alemanha não deveria ficar neutra em eventuais embates com a
União Soviética, mas que seu lugar era aliado às potências ocidentais. O controle
mediante a europeização da Alemanha era premente para acalmar as outras
burguesias nacionais. As guerras generalizadas atrapalhavam as finanças na
Europa (POLANYI, 2012).
A segunda toca a recuperação econômica pelas burguesias que logo se
comprovou inviável sem a presença do setor externo, com a necessária inserção no
sistema liberal dólar-ouro. O modelo da economia estadunidense, considerado
exitoso na recuperação da crise da década de 1930, inspirava. Com um invejável
complexo militar-industrial e com um modelo de bem-estar social que mantinha os
privilégios capitalistas no controle do Estado, sem relegar direitos sociais aos
trabalhadores, o país voltara à absorção do elevado nível de desemprego do pré-
guerra:
A hegemonia da burguesia americana sobre a Europa no dia seguinte da Segunda Guerra Mundial é esmagadora: a indústria americana está intacta e modernizada; a guerra venceu onde o new deal fracassara, e os 5 milhões de desempregados de 1939 estão reabsorvidos (...). Diante do gigante americano, os Estados europeus parecem unificados no abatimento. (JOXE, 1977, p. 277)
A carência europeia era o resultado das guerras, que foi nefasto para a
reprodução do capital. A considerável desmobilização de sua capacidade produtiva,
o elevado nível de desemprego e a escassez de dólares (para exportações e
pagamento de dívidas contraídas na guerra) comprometia o atendimento das
necessidades imediatas, como afirma Eichengreen:
A Europa do pós-guerra tinha imensas demandas insatisfeitas por produtos alimentícios, bens de capital e outras mercadorias produzidas nos Estados Unidos, e uma capacidade apenas limitada de produção de mercadorias para exportação. (EICHENGREEN, 2000, p. 137)
Havia entre os países europeus uma série de distorções comerciais que
precisavam ser sanadas, tendo cada qual uma posição econômica distinta. Sem um
plano conjunto, esta desigualdade ficaria ainda mais acirrada. O resgate dos níveis
de produção de outrora servia como alento para a correção da deterioração social, a
qual favorecia o crescimento e difusão de teses socialistas.
A terceira envolve o medo da burguesia em perder o controle do Estado. O
perigo da disseminação das ideias socialistas se tornou factível com as vitórias
eleitorais dos partidos de esquerda. O crescimento das forças políticas
socialdemocratas estava atrelado à sua atuação na guerra, cujo pleito por reformas
e direitos sociais atraía e cuja atuação de resistência ao nazi-fascismo foi decisiva, e
cujo discurso estava conectado a reformas e benefícios sociais. Não só a escolha
dos trabalhistas na Inglaterra preocupava, mas também o elevado apelo popular de
coalizões políticas que envolviam os partidos comunistas na França, na Itália, na
Grécia e na Turquia (o que levou à intervenção direta dos Estados Unidos nos dois
últimos casos). A política liberal ortodoxa da direita restava desacreditada, vinculada
ao fracasso da crise econômica dos anos 1930 e da ampla colaboração com
regimes autoritários, conforme assevera Block:
A força da esquerda na Europa, no início do pós-guerra, se arraigava em uma ampla aspiração popular de reforma social, depois dos anos de miséria provocada pela guerra e pela depressão. Os políticos da direita estavam muito desacreditados por causa dos desastres econômicos dos anos 1930 e da ampla colaboração da direita com o fascismo. Ao mesmo tempo, os partidos de esquerda capitalizavam o prestígio associado às lutas de resistência. (BLOCK, 1989, p. 121, tradução nossa)27
Esses três desdobramentos do pós-guerra obrigaram a uma revisão da
estratégia de inserção do continente ao multilateralismo da hegemonia
estadunidense:
A debilidade das economias europeias, o vigor das forças esquerdistas e reformistas na maioria dos países europeus, o surgimento das forças nacionalistas e revolucionárias no mundo subdesenvolvido, e o fortalecimento da posição internacional da União Soviética, combinavam-se para fazer da restauração do multilateralismo uma tarefa ainda mais difícil. (BLOCK, 1989, p. 111, tradução nossa)28
Logo, a restauração do multilateralismo ocorreria por um caminho gradual e
tolerante em relação às prioridades econômicas (crescimento econômico na frente
do alcance da conversibilidade das moedas locais). Neste sentido, o fenômeno da
Guerra Fria foi vital para direcionar e justificar a estratégia estadunidense para a
Europa Ocidental. Relacionada às três condicionantes do processo europeu, foi
instrumentalizada no sentido de galgar o apoio do Congresso estadunidense aos
planos do Poder Executivo (como na aprovação do Plano Marshall), bem como
serviu de pretexto para o atrelamento das elites nacionais às concepções norte-
americanas.
2. 5. O Papel da Guerra Fria no Regionalismo Europeu
27 “La fuerza de la izquierda en Europa, al inicio de la pós-guerra, se arraigaba en uma amplia aspiración popular de reforma social tras los años de miseria provocada por la guerra y la depresión. Los políticos de la derecha estaban a menudo desacreditados a causa de los desastres económicos de los años treintas y de la amplia colaboración del ala derecha con el fascismo. Al mismo tempo, los partidos de la izquierda se beneficiaban del prestigio asociado a las luchas de resistencia.” 28: “La debilidad de las economías europeas, el vigor de las fuerzas izquierdistas y reformistas en la mayoría de los países europeos, el surgimento de fuerzas nacionalistas y revolucionarias en el mundo subdesarollado, y el fortalecimento de la posición internacional de la Unión Soviética, se combinaban para hacer de la restauración del multilateralismo una tarea más difícil.”
Este conflito político-ideológico entre Estados Unidos e União Soviética
concedeu a tônica do período do pós-guerra. Ainda que a ameaça se mostrasse
factível, não parecia ser iminente, ao menos no curto prazo. As tropas soviéticas,
apesar do enorme desgaste bélico na guerra, não recuaram e fortaleciam-se, bem
como pressionaram pela eleição em favor dos partidos comunistas nos territórios no
Leste Europeu (JOXE, 1977). Em que pese a não constituição de uma ameaça
militar real às forças estadunidenses, tendo em vista que estes possuíam e já
haviam experimentado seu arsenal atômico, a influência soviética era inevitável,
principalmente no campo das ideias políticas, o que preocupava não apenas o
capital monopolista estadunidense, mas também as burguesias europeias. A
imposição da área de influência no Leste Europeu sinalizou que a ocupação
permaneceria e poderia espraiar-se. Eclodiu-se a Doutrina Truman29, ou seja, uma
estratégia aberta de contenção da União Soviética, sem um enfrentamento direto na
Europa, o que configurou o início da Guerra Fria.
Seus efeitos e a plausibilidade de um embate direto são incertos. O que se
pode afirmar é que foi a rivalidade que alterou os rumos da integração europeia,
servindo de instrumento para a conformação da estratégia estadunidense na
Europa. Inicialmente justificou a aprovação do financiamento e da tolerância norte-
americana ao regionalismo europeu, ao mesmo tempo em que fomentou nas
burguesias locais o medo da implantação de um regime socialista, que as coloca em
posição de inferioridade, legitimando a ajuda americana:
De fato, o medo da invasão soviética se renova constantemente há 30 anos, não apenas porque é certamente preciso um inimigo para uma aliança militar, mas mais precisamente porque apenas a perspectiva da invasão soviética recoloca as burguesias europeias divididas em posição de inferioridade, esta posição de vencidos antecipadamente que os autoriza a pedir a ajuda americana. (JOXE, 1977, p. 290)
O governo estadunidense, então democrata30, firme na defesa de seu
complexo industrial-militar, soube capitalizar as tensões soviético-americanas para
obter do Congresso a aprovação para uma atuação mais incisiva na parte ocidental.
29 Doutrina Truman é a expressão que remete à estratégia adotada pelos Estados Unidos, que reúne um conjunto de práticas políticas que visavam a conter a expansão do comunismo para áreas consideradas vulneráveis do bloco capitalista. O lançamento desta política deflagrou a Guerra Fria e pautou a atuação estadunidense durante todo este período. O primeiro movimento foi a concessão de créditos e apoio logístico para a Turquia e a Grécia sustentarem governos pró-ocidentais em seu território, a custa de qualquer princípio ou valor democrático. 30 Governo Harry Truman, democrata, sucessor de Franklin Delano Roosevelt.
Ainda que o contexto na Europa fosse de coexistência pacífica, durante a Guerra
Fria, como defende Joxe: “A Guerra Fria corresponde a um período da guerra
quente na África e na Ásia e a uma coexistência pacífica na Europa (...)” (JOXE,
1977, p. 289); a ameaça vinda do modelo alternativo político e econômico ao
capitalismo, adotado pelo Leste Europeu ao capitalismo liberal americano, legitimou
definitivamente a estratégia hegemônica, dando-lhe novos contornos:
O que salvou a insegura recuperação do pós-guerra não foram os acordos de Bretton Woods, mas a Guerra Fria- a qual resultou no Plano Marshall. Em 1945 teria sido inconcebível a aprovação do Congresso de uma grande dotação para financiar a reconstrução da Europa. No entanto, esse quadro se alterou com o desenvolvimento das tensões soviético-americanas. (MOFFIT, 1984, p. 26)
As tensões e a propaganda, que difundia o medo ao perigo vermelho, serviam
para angariar apoio ante as elites europeias, assustadas com a possibilidade de
uma Revolução Russa31 em seus territórios. Episodicamente, em face das
circunstâncias, os financistas ortodoxos aceitaram alterar suas convicções, abrindo
concessões internamente, com a conciliação com políticas sociais, e externamente à
Europa Ocidental mediante a tolerância à adoção de medidas heterodoxas na
economia e na gradualidade no alcance do multilateralismo pleno. Eram
fundamentais ajustes para encetar uma estratégia diferenciada e motivações para
justificar a relativização do ideário imposto pelo capital financeiro:
Na verdade, a posição ultraliberal dos financistas só foi quebrada transitoriamente pela crise de escassez de dólares na Europa em 1947; pela ameaça de vitória política-eleitoral dos comunistas na França e na Itália, nas eleições de 1948; e pelo colapso da economia japonesa. Suas ideias predominaram de 1945 e 1947, mas acabaram sendo revertidas pelo novo quadro internacional e pela imposição de prioridades estratégicas da nova Doutrina da Guerra Fria. É neste contexto que se explica o Plano Marshall, assim como todas demais concessões feitas pelos Estados Unidos, com relação ao protecionismo dos europeus, em particular com a retomada dos velhos caminhos heterodoxos das economias alemã e japonesa. (FIORI, 2004, p. 88)
Este arranjo influenciou diretamente na inserção internacional da Europa
Ocidental, isto significa dizer que a Guerra Fria foi fundamental nos rumos do pós-
guerra. A participação estadunidense foi decisiva e constante em seu início:
31 Processo revolucionário comandado pelo proletariado e eclodido no Império Russo em 1917 que o transformou no primeiro governo socialista duradouro em um Estado europeu.
A Europa Ocidental tem muito que agradecer à União Soviética, especialmente, por ter ameaçado e estabilidade e mantido certa hostilidade por longo período. Uma vez que sem a influência dos Estados Unidos impondo à integração objetivos estratégicos próprios, a Europa Ocidental teria tomado outro rumo em sua configuração. (HELLEINER, 1994, p. 502)32
Os contornos como este processo de entrada das economias ocidentais ao
multilateralismo liberal foram, contudo, altamente influenciados pelos
desdobramentos e pela instrumentalização da Guerra Fria. A lógica do inimigo
externo foi utilizada pelo governo dos Estados Unidos tanto para obter a aprovação
do financiamento às economias europeias quanto para angariar apoio das
burguesias interiores (JOXE, 1977; POULANTZAS, 1975).
Encetou-se o regionalismo no continente a partir de caminhos heterodoxos,
em meio à tolerância hegemônica com a inserção gradual europeia no padrão dólar-
ouro: “Entretanto, o certo é que segue sendo necessário colocar a Guerra Fria no
contexto do esforço norte-americano de criar certo tipo de economia mundial”
(BLOCK, 1989, p. 24, tradução nossa)33. Helleiner ratifica esta percepção:
A Guerra Fria assegurou que o crescimento econômico, seria, e não a deflação, o objetivo primordial dos estrategistas do Departamento de Estado, como um meio de promover a estabilidade política na Europa Ocidental e enfraquecer o partido comunista em países como Itália e França. A Guerra Fria também assegurou que à integração econômica e política fosse dada maior importância que a completa e multilateral conversibilidade do dólar. (HELLEINER, 1994, pp.63-64, tradução nossa)34
Desta forma, a Guerra Fria desempenhou duas funções importantes, em meio
às fragilidades europeias, foi instrumentalizada pelos americanos para legitimar sua
estratégia perante as burguesias locais para a Europa Ocidental e alterou os moldes
iniciais da economia política regional, que, ao invés do viés ortodoxo, foi promovida
fora do padrão dólar-ouro, com o crescimento econômico como prioridade até a
32 Tradução livre: “Western Europe had much to thank the Soviet Union for, especially its threatening, unremitting hostility throughout the whole period. And without the drive of the United States to impose integration to suit its own strategic goals, Western Europe would perhaps not have discovered its own different route to a settlement.” 33 No original lê-se: “Pero lo cierto es que sigue siendo necesario colocar la Guerra Fría en el contexto del esfuerzo norteamericano por crear cierto tipo de economía mundial.” 34 Tradução livre: “The cold war was also ensured that economic growth, not deflation, was a prime objective for U.S. strategists in the State Department as a means of fostering political stability in Western Europe and offsetting the strength of the Communist party in countries such as Italy and France. The cold war also ensured that European economic and political integration was given priority over the goal of restoring complete multilateral convertibility with the dollar.”
reinserção no sistema multilateral. O novo direcionamento à Europa Ocidental
caminhou em um movimento, o regionalismo, que buscava também o
equacionamento das três debilidades.
Esta realidade permanece, todavia, escondida pela retórica da integração,
responsável por difundir os êxitos e mascarar as contradições. Por meio de visões
que focam nas teses liberais e nas liberais mescladas com bases realistas, o
processo europeu serviu de modelo para autores que buscaram explicar o fenômeno
a partir de seu desenvolvimento na prática. Este descompasso entre teoria e prática
inviabilizou constantemente as explicações. Em verdade, as elaborações teóricas
serviram muito mais à retórica oficial que buscava legitimar os rumos da integração,
apresentando uma organização que não se coadunava com a realidade. Estes
esforços, muitas vezes, pareciam reduzidos a meras tentativas de legitimar a
economia política da integração.
3. A Economia Política da Integração
O regionalismo foi encetado desde o início na lógica liberal. Em relação a
outros períodos e iniciativas econômicas anteriores, o que diferencia o período pós-
1945 é a ideologia político-econômica dominante, a teoria do capitalismo liberal,
aquela responsável em embasar a teoria e a prática da integração comunitária,
como afirma Holland:
Entretanto o papel secundário desempenhado pelos economistas e pela teoria econômica na instituição das Comunidades Europeias não deve ocultar o fato de seus criadores se inspirarem, na prática, em uma ideologia dominante, de cunho político e econômico. Tratava-se fundamentalmente da teoria do capitalismo liberal, ou seja, presume-se que a busca de cada empresa pelo interesse próprio poderia ser benéfico para o interesse público, por meio de uma liberalização dos movimentos comerciais, do capital e do trabalho. (HOLLAND, 1981, p. 19-20, tradução nossa)35
Holland complementa destacando o capitalismo financeiro que domina a
estrutura econômica da integração:
35 No original, leia-se: “No obstante, el aparente papel secundario desempeñado por economistas y teoría económica en la institución de las Comunidades Europeas, no debe ocultarnos el hecho de que sus creadores se inspiraron, en la práctica, en una ideologia predominante, a la vez económica y política. Se trataba en lo fundamental de la teoría del capitalismo liberal, es decir, de presunción de que la búsqueda del próprio interés por parte de cada empresa podría ser beneficioso para el interés público a través de una liberalización de los movimentos comerciales, de capital y de trabajo.”.
Assim, por exemplo, se a ideologia dominante na Comunidade Europeia é a liberal capitalista- que supõe a presença de um capital nacional predominantemente competitivo- quando na realidade a infraestrutura econômica dominante está composta por um capital monopolístico multinacional, a ideologia está refratando a realidade e impedindo a aplicação das políticas precisas para uma efetiva integração econômica. (HOLLAND, 1981, p. 161, tradução nossa)36
Desde as primeiras reuniões europeias para tratar do assunto, como o
Congresso Europeu de Haia37, no qual se defendia que a futura união deveria
estabelecer a livre circulação de mercadorias e capitais. A integração seria, assim, o
vetor do restabelecimento do livre comércio no continente. Retomavam-se
percepções liberais da década de 1930, que concebiam a integração europeia como
uma união econômica e monetária, o que permitiria contornar a soberania nacional e
serviria de barreira de proteção às tentações protecionistas, ou até socialistas, dos
governos (DENORD e SCHWARTZ, 2009).
Este discurso em nada espelhava a prática, haja vista as medidas
heterodoxas tomadas tanto internamente quanto externamente. O contexto não era
favorável à plena implementação de orientações ortodoxas. Em virtude das
debilidades sociopolíticas, econômicas e político-militares, era preciso que as
burguesias locais adotassem a cautela para primeiramente viabilizar a
governabilidade ante a ameaça do ideário socialista. Por isto, a construção do
regionalismo europeu foi um processo complexo, de avanços e retrocessos, repleto
de contradições e com uma forte presença do poder hegemônico. O fator externo
permitiu que este quadrante fosse constituído, com alicerce no plano internacional,
cujos efeitos a este não se limitavam, pelo movimento dual entre a geopolítica dos
Estados e dos capitais.
Coube à correlação de forças entre os capitais, nacionais e estadunidense,
garantir que o processo de reconstrução econômica passasse por concessões do
36 No original lê-se: “Así, por ejemplo, si la ideología dominante en la Comunidad Europea es la liberal capitalista- que supone la presencia de un capital nacional predominantemente competitivo-, cuando en realidad la subestructura económica dominante está compuesta de capital monopolístico y multinacional, la ideologia estará refractando la realidad e impidiendo la aplicación de las políticas precisas para una efectiva integración económica.” 37 Foi uma importante reunião de líderes europeus (que contou com a presença do Reino Unido e de outros países que não viriam a fazer parte da CECA), na qual o pacifismo e a postura antissoviética foram os parâmetros políticos, enquanto que o multilateralismo liberal foi o norte econômico. Este encontro serviu como embrião para iniciativas posteriores relativamente autônomas, como a União Europeia Ocidental, de cunho político-militar, a Organização Europeia de Cooperação Econômica, de viés econômico, e o Conselho da Europa, de prisma político.
capital ao trabalho, como estratégia para que as burguesias não perdessem o
controle do Estado, em outras palavras, sem amainar seu caráter capitalista. Para
isto, o capital financeiro norte-americano inseriu-se nas economias locais,
influenciando na estruturação produtiva, bem como a ideologia americana de bem-
estar social serviu de inspiração às elites, como parâmetro exitoso de conciliação na
luta de classes.
À relação interestatal foram reservadas as vias da pacificação militar e do
desenvolvimento econômico calcado em uma economia regional líder, em um
arranjo que buscava aplacar o medo e a desconfiança em relação aos alemães pelo
entrelaçamento de sua economia e seu militarismo à região, ao mesmo tempo em
que intentava concluir a inserção internacional europeia no padrão monetário liberal.
O direcionamento à Europa Ocidental caminhou em um movimento, o
regionalismo político-econômico, calcado em três sustentáculos. O primeiro vetor
prioriza a recuperação econômica mediante a manutenção das elites no controle do
Estado, com concessões ao bem-estar social. O segundo prisma toca a segurança e
a pacificação interna via aliança atlântica. O terceiro abrange a geopolítica dos
Estados e o ancoramento regional na Alemanha. Estas garantias viabilizaram a
conformação do processo integracionista comunitário, sob o manto da ideologia
capitalista liberal, pautado na cooperação econômica, voltada à reinserção do
continente no sistema multilateral.
3. 1. O Sustentáculo Político: a Manutenção da Burguesia no Poder pelo
Estado de Bem-Estar Social
Nos países ocidentais, não havia quer condições materiais, quer respaldo
ideológico para a implementação das medidas ortodoxas defendidas pela direita
liberal. O exercício do capitalismo em suas formas tradicionais já conduzira os
europeus a uma crise sem precedentes na década de 1930. O interregno de 1945 a
1947 comprovou que, sem o atendimento das demandas salariais das classes
trabalhadoras, os governos conservadores capitulariam:
Entretanto, no princípio do pós-guerra resultava difícil o exercício do poder dos capitalistas nas formas tradicionais. Por exemplo, uma resistência decidida às demandas salariais da classe trabalhadora havia provocado
uma maior radicalização da classe trabalhadora e o surgimento do espectro da revolução. (BLOCK, 1989, p. 122, tradução nossa)38
Logo, a posição ortodoxa dos financistas foi relativizada, mediante um
compromisso político e econômico. As forças moderadas da direita se conciliariam
com os socialdemocratas para formar coalizões voltadas à recuperação econômica
para via heterodoxa, ou seja, com ampla intervenção estatal, bem diferente do que
pregavam os puristas da década de 1930: “A ortodoxia financeira do período pré-
1931 foi substituída por um novo compromisso liberal ilustrado em torno de uma
política macroeconômica autônoma.” (HELLEINER, 1994, p. 57, tradução nossa)39.
Fundou-se um acordo capitalista com bases liberais que contasse com a vasta
presença do Estado no equilíbrio macroeconômico. Como a restauração da posição
querida pelos financistas era inviável, concessões foram feitas do capital ao
trabalho. Costurou-se na aliança com a esquerda, o Estado de bem-estar social. A
recuperação econômica no interior dos países tornou-se consensual:
O vigor estatal permanente da esquerda e do movimento trabalhista em toda Europa Ocidental, a relativa debilidade internacional das economias europeias e a extensão do poderio soviético na Europa Oriental impulsionavam de diversas formas os países europeus a um capitalismo nacional, em direção contrária ao capitalismo liberal. (BLOCK, 1989, p. 120, tradução nossa)40
O que Block (1989) chama de capitalismo nacional é o resultado da
conciliação temporária entre capital e trabalho, havendo uma manifesta expansão
dos direitos sociais e da intervenção estatal na economia. Era a mudança
necessária para a manutenção da estrutura existente. A incorporação da pauta
desenvolvimentista pavimentou o caminho político para aplacar as demandas dos
partidos trabalhistas e dos sindicatos: “Uma acomodação com os partidos
trabalhistas era vital para que a Europa impedisse que as crises políticas e greves
se colocassem como obstáculos no caminho da recuperação e do crescimento”.
(EICHENGREEN, 2000, p. 151). Neste diapasão, pleno emprego, industrialização e 38 No original lê-se: “Pero el principio de la pós-guerra resultaba difícil el ejercício del poder de los capitalistas en las formas tradicionales. Por ejemplo, una resistencia decidida a las demandas salariales habría provocado una mayor radicalización de la clase trabajadora y el surgimiento del espectro de la revolución.”. 39 Tradução livre: “The financial orthodoxy of the pre-1931 period was replaced by a new embedded liberal commitment to macroeconomic policy autonomy.” 40 No original lê-se: “El vigor estatal permanente de la izquierda y del movimiento laboral en toda Europa Occidental, la relativa debilidad internacional de las economías europeas, y la extensión del poderio soviético em Europa Oriental, impulsaban en diversas formas a los países europeos hacia el capitalismo nacional y en direción contraria al capitalismo liberal.”
modernização tornaram-se, em diferentes países, em razão das experiências da
década de 1930 e durante a guerra, escolhas políticas inevitáveis (MILWARD, 1984;
HELLEINER, 1994).
A experiência exitosa da burguesia estadunidense servia de molde para as
elites europeias (JOXE, 1977). Com uma plataforma voltada ao bem-estar coletivo,
medidas sociais foram implementadas, sem que a classe detentora do poder
perdesse sua hegemonia. A saída para a crise dos anos 1930 ocorreu pela via da
intervenção estatal e pelo estímulo à demanda agregada na economia. As
concessões feitas aos trabalhadores aliviou a pressão política e a guerra foi
instrumentalizada para um esforço da produção, no sentido de acelerar o
crescimento do complexo militar-industrial, alavancada no ressurgimento dos
elevados níveis da produção. A opção pelo desenvolvimentismo aliada ao bem-estar
social impactava no consenso em torno da recuperação industrial nos Estados
europeus. Assim, os pleitos sociais eram enfraquecidos, visto que, na conciliação
com as forças de direita, o ideário da esquerda perdia apelo ante as campanhas de
produtividade, viabilizadas com o apoio externo:
A derrota da esquerda contribuiu também para a recuperação da produção industrial. Os altos níveis de inversão industrial só eram possíveis se fossem reduzidos o consumo e os gastos em serviços sociais. Isto exigia a derrota das demandas dos trabalhadores e da esquerda no tocante a maiores níveis de vida e amplos serviços sociais. As campanhas de produtividade, organizadas pelo Plano Marshall, tratavam de modificar as condições de trabalho e acelerar o ritmo da produção. (BLOCK, 1989, p. 142, tradução nossa)41
O suporte dos Estados Unidos a este movimento de concessões sociais sem
a perda do controle do Estado pela burguesia calcificou a dinâmica da integração
regional. O discurso pacifista da integração foi fundamental nesta dinâmica de
convencimento das massas e de tentativa de aglutinação das forças políticas em
torno de uma única bandeira. A prática integracionista revelou-se, contudo,
altamente contraditória à retórica europeísta, de alcance de um bem-comum
regional, como assevera Holland:
41 Tradução livre: “La derrota de la izquierda contribuyó también a la recuperación de la producción industrial. Los niveles altos de la inversión industrial sólo eran posibles si se reducían el consumo y los gastos em servicio sociales. Esto exigia la derrota de las demandas de los trabajadores y de la izquierda en lo tocante a mayores niveles de vida y amplios servicios sociales. Las campañas de productividad, organizadas por el Plan Marshall, trataban de modificar las condiciones de trabajo y acelerar el ritmo de la producción.”
Ou seja, afirmava-se que a reconciliação dos nada comuns interesses era possível por meio de um mercado comum. Entretanto, por detrás desta afirmação otimista escondia-se a mais prosaica realidade de que nenhum grupo era suficientemente forte para obter benefícios desproporcionais ou impor vantagens desiguais a outros grupos através da integração. É precisamente esta fragmentação que permite as elites promover a integração dos Estados nacionais em uma estrutura política mais ampla. (HOLLAND, 1981, p. 150, tradução nossa)42
Este movimento precisa, todavia, de outro pilar, que garantisse sustentação à
estratégia regionalista. Para tanto, a via militar emergiria para promover em última
instância a estabilidade burguesa.
3. 2. O Sustentáculo Militar: A Aliança Atlântica
Em um processo influenciado pelos capitais como a construção da União
Europeia, não se pode desconsiderar o poder do militarismo. Ao longo da trajetória
deste sistema interestatal capitalista, verifica-se que o belicismo acompanha as
etapas de acumulação e as transformações históricas. Rosa Luxemburgo denuncia
esta relação simbiótica entre armas e finanças: “O militarismo tem uma função
determinada na história do capital. Acompanha todas as fases históricas de
acumulação” (LUXEMBURGO, 1970, p. 399). Tendo em vista a economia política
liberal que pautou a reconstrução e reinserção europeia, o objetivo da aliança
atlântica não podia ser diferente. A paz e a estabilidade trazidas ao continente são o
simulacro de uma estratégia de conquista e de imposição do livre comércio,
garantindo a retirada de quaisquer obstáculos à economia de mercado. A força
bélica impede retrocessos substanciais no fomento estadunidense ao regionalismo
europeu encetado em moldes liberais. Ainda Rosa Luxemburgo esclarece
oportunamente:
(...) mais tarde, serviu para conquistar as colônias modernas, para destruir as organizações sociais primitivas, para apropriar-se de seus meios de produção, para impor o comércio de mercadorias em países cuja estrutura social é um obstáculo para a economia de mercado (...). (LUXEMBURGO, 1970, p. 399)
42 No original lê-se: “Es decir, se afirmaba que la reconciliación de los nada comunes intereses era posible a través de un mercado común. Pero detrás de esta optimista afirmación subyacía la más prosaica realidade de que ningún grupo era lo suficientemente fuerte como para obtener unos beneficios desproporcionados o imponer unas desiguales ventajas em otros grupos a través de la integración. Es precisamente esta fragmentación la que permite a las elites promover la integración de los Estados nacionales em una estructura política más amplia.”
Neste diapasão, a aliança militar dirigida por Washington encontrava-se entre
as exigências da hegemonia estadunidense, ao lado da abertura dos mercados
europeus para os produtos e capitais norte-americanos (DENORD e SCHWARTZ,
2009). Nesta projeção dual eclodiu a cooperação atlântica: “(...) cooperação
econômica atlântica se baseia na transnacionalização do capital financeiro e a
cooperação militar na existência de um complexo militar industrial atlântico.” (JOXE,
1977, p. 282). Em que pese a desproporção da participação alemã, centro da
economia e periferia no militarismo, o perigo e o trauma que as forças germânicas
representavam eram capazes de gerar consenso entre as potências estrangeiras
sobre a sua desmobilização. Tanto que o exército alemão (Bundeswehr) foi
desativado logo após a rendição incondicional, ainda que tenha voltado às funções
já em meados da década de 1950. Mesmo sem o poderio bélico, as burguesias
nacionais, receosas do retorno à beligerância, bem como da invasão soviética,
adotaram uma postura reacionária, chancelando a estratégia estadunidense. Este
cenário não poderia ser muito diferente, haja vista que as coalizões lideradas pelos
democratas-cristãos que ascenderam ao poder, algumas em conciliação com os
partidos socialistas, foram instadas no poder pela reorganização do pós-guerra e
apoio americano explícito. Crentes no liberalismo econômico e na repulsa às
premissas socialistas, as elites legitimaram os valores norte-americanos:
Os políticos democratas-cristãos da Itália, França, Bélgica, Alemanha Ocidental e Holanda, que se apoiavam vigorosamente na unidade europeia, compartilhavam ideias gerais norte-americanas nos terrenos econômico, político e militar. Em termos gerais, eram partidários da disciplina financeira, do liberalismo econômico, do anticomunismo ativo e de um esforço militar unido no Atlântico. (BLOCK, 1989, p. 191, tradução nossa)43
Esta convergência de interesses formalizou a hegemonia dos Estados Unidos
e a posição subalterna das metrópoles europeias. Este suporte que, por vezes era
aberto, por vezes, velado, incentivava passos autônomos dos europeus, desde que
dentro da margem de tolerância estabelecida. Seguindo as premissas da política de
segurança hemisférica que guiou o bloco capitalista ao florescer da Guerra Fria, o
governo estadunidense fomentou e chancelou a coordenação em torno de uma
43 Tradução livre: “Los políticos Demócratas-Cristianos de Italia, Francia, Bélgica, Alemania Occidental y Holanda, que apoyaban vigorasamente la unidad europea, compartían en general ideas norteamericanas en el terreno económico, político y militar. En términos generales eran partidarios de la disciplina financeira, el liberalismo económico, al anticomunismo activo, y un esfuerzo militar unido en el Atlántico.”
organização militar europeia, que funcionasse em moldes solidários44, de defesa
coletiva:
Para fazer frente a ela, criticando na opinião pública a imagem do perigo militar soviético, as burguesias europeias se mobilizam pela assinatura do tratado de Bruxelas (17 de março de 1948) que agrupa a França, a Grã-Bretanha, os Países Baixos, a Bélgica e Luxemburgo numa União europeia e prevê que todo ataque contra um destes países levará a uma resposta militar automática dos outros contra o opressor. (JOXE, 1977, p. 279)
Neste pleito por segurança e paz militar, a União da Europa Ocidental foi
criada, em março de 1948, e caracterizou-se por constituir um acordo
intergovernamental prioritariamente de defesa mútua, sem a presença de Alemanha
Ocidental e Itália. Sua vigência ocorreu à margem do âmbito comunitário,
inaugurado somente com a fundação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço
(CECA), em 1951. A mudança na estratégia estadunidense alterou este panorama.
Para os Estados Unidos, a neutralidade germânica poderia ser perigosa e uma
aproximação favoreceria uma incorporação mais rápida dos alemães na lógica dos
capitais no continente. Assim, o rearmamento alemão foi encetado, dentro de uma
margem de segurança aceitável, em meados da década de 1950, como:
A estratégia dos Estados Unidos e do governo Adenauer consistia em unir a Alemanha Ocidental com o resto da Europa Ocidental mediante fortes laços econômicos. A teoria era que um segmento importante da comunidade empresarial alemã teria forte interesse em sustentar fortes laços econômicos com a Europa Ocidental, o que proveria uma base firme de apoio político para as políticas de Adenauer. Sem embargo, o lento progresso que o Plano Marshall fazia na cooperação econômica europeia durante seus primeiros anos criou algumas dúvidas acerca da força e da rapidez da ligação da Alemanha Ocidental com o resto da Europa Ocidental somente pelas conexões econômicas. A resposta norte-americana foi a proposta de rearmamento alemão, de modo que os laços econômicos fossem reforçados com os laços militares estreitos entre Alemanha Ocidental e resto da Europa Ocidental e Estados Unidos. O rearmamento alemão, sob auspícios norte-americanos, era visto como um meio para impedir toda inclinação futura da Alemanha em uma possível neutralidade política. (BLOCK, 1989, p. 179, tradução nossa)45
44 Solidariedade ofensiva militar irradiada pela Doutrina Monroe e positivada também pelo Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR). 45 Tradução livre: “La estrategia de los Estados Unidos y del gobierno de Adenauer consistia en unir a Alemania Occidental con el resto de Europa Occidental mediante fuerte lazos económicos. La teoría era que un segmento importante de la comunidad empresarial alemana tenía fuerte interés em sostener estrechos lazos económicos con Europa Occidental, y ello proveria una base firme de apoyo político para las políticas de Adenauer. Sin embargo, el lento progreso del Plan Marshall hacia la cooperación económica europea durante sus primeros años creó alguns dudas acerca de que Alemania Occidental pudiera ligarse al resto de Europa Occidental com fuerza o rapidez suficientes sólo mediante conexiones económicas. La respuesta norteamericana fu ela propuesta del rearme alemán, de modo que los lazos económicos podrían reforzarse con los lazos militares estrechos entre
Mesmo a vocação defensiva das forças armadas alemãs já deixava os outros
Estados em alerta. Surge, portanto, dentro dos debates comunitários, como resposta
à proposta de rearmamento alemão, apresentada pelo Secretário de Estado
americano, a Comunidade Europeia de Defesa. Seria composta por forças
multinacionais que carregariam o mesmo uniforme. Dela a Grã-Bretanha não faria
parte. Seu surgimento seria mais uma exigência francesa para a segurança e
manutenção da aliança com os Estados Unidos. Apesar de inicialmente combatido,
o projeto foi aceito pelos estadunidenses, mas não adquiriu longevidade. Logo em
1955, a discussão foi encerrada com a rejeição de camadas nacionalistas e
socialistas da própria França. Antes mesmo do arrefecimento, mas com o fracasso
iminente, da Comunidade Europeia de Defesa, a Alemanha revelava ser seu
rearmamento inevitável, com a entrada na União da Europa Ocidental, em 1954, o
que ocasionou toda uma reformulação desta instituição. Em outubro de 1954, Itália e
Alemanha Ocidental foram incorporadas ao organismo de defesa mútua.
Não demorou para que o retorno alemão ao militarismo se concretizasse pelo
seu acesso como membro pleno à Organização do Tratado do Atlântico Norte, a
OTAN, criada em 4 de abril de 1949, motivada em muito pela causa imediata do
Bloqueio a Berlim46, em 1948, episódio no qual o perigo militar soviético foi sentido.
Esta organização intergovernamental também enfatizava a defesa coletiva,
funcionando como o pilar militar da hegemonia estadunidense. Antes da adesão, o
país candidato deveria celebrar, como condição necessária, um acordo bilateral com
os Estados Unidos: “A condição necessária da concessão da ajuda americana aos
países da Aliança é a existência de um acordo bilateral de defesa mútua com o país
aliado.” (JOXE, 1977, p. 280). Este detalhe demonstrava claramente a dominância
americana na Aliança Atlântica, que continha interessantes peculiaridades, de
acordo com a visão:
Alemania Occidental, el resto de Europa Occidental, y los Estados Unidos. El rearme alemán, bajo los auspícios norteamericanos, se veia como um medio para impedir toda inclinación futura de Alemania hacia la neutralidad política.”. 46 O Bloqueio a Berlim durou de junho de 1948 a maio de 1949 à porção ocidental da cidade, tornando-se um dos momentos mais tensos da Guerra Fria. A União Soviética, no intuito de sufocar o enclave ocidental em sua área de influência e anexá-lo, interrompeu o acesso ferroviário, rodoviário e hidroviário à cidade, restando aos americanos somente a via aérea para o abastecimento local. O objetivo soviético, depois de muita pressão, não foi atingido e em contrapartida, a presença militar estadunidense na região foi acentuada.
O Pacto Atlântico deve ser descrito como um caso particular desta estrutura imperial americana privilegiada, a aliança militar em tempos de paz. Apenas este tipo de organização permite conciliar a igualdade formal entre Estados (entre burguesias nacionais) com a imposição da hegemonia aos órgãos locais de dominação. (JOXE, 1977, p. 279)
Em primeiro lugar, é celebrada em tempos de paz, sempre com o argumento
de defesa permanente, preventiva e ativa do inimigo que poderá atacar em qualquer
momento. Em segundo lugar, mantém certa margem de autonomia dos Estados, ao
conceder-lhes a ilusão de autonomia por meio da igualdade formal na coalizão. Em
terceiro lugar, formaliza a hegemonia americana, consagrando-a em seu prisma
mais concreto de dominação. Estas três particularidades ratificam a subordinação
dos europeus, representada pela contradição inerente entre a prerrogativa soberana
do Estado na via militar e o reconhecimento expresso da superioridade da burguesia
estadunidense:
É na Aliança Atlântica que, desde 1949, se definiram as funções de defesa que os aparelhos de Estado dos países ocidentais continuam a assumir. Toda a política de defesa dos Estados não é aí tratada, falando juridicamente. Mas é no seio da Aliança que uma contradição essencial do poder de Estado burguês contemporâneo se resolve: a contradição entre o princípio do caráter nacional dos exércitos e o outro princípio, não menos importante, o reconhecimento da hegemonia burguesa americana. (JOXE, 1977, p. 275)
Esta contradição está expressa no pleito europeu por autonomia e no
armistício contratual, que tutela um manifesto congelamento de poder dos Estados e
imobiliza a luta de classes na formação social, na tentativa de estabilização das
relações, o que favorece as classes contestadoras da hegemonia estadunidense:
Os aparelhos militares enquanto elementos de poder de classe das burguesias atlânticas preenchem, com efeito, dois tipos de função: função de dominação, enquanto relação das forças militares puras, mas também função hegemônica enquanto elemento de um sistema que culmina na suspensão de lutas numa formação social, num armistício contratual. (JOXE, 1977, p. 276)
Destarte, o viés atlantista torna-se conveniente às elites, as quais, por mais
que tenham discordâncias e discurso inflamados contrários, não desafiam
seriamente a hegemonia estadunidense, em virtude da configuração geopolítica
costurada. Os questionamentos ao poder americano, ao invés de enfraquecer,
fortalecem esta dinâmica, visto que os países veem na unificação uma forma de
amplificar sua força, quando este movimento homogeneizante favorece a dominação
imperial. A contradição é perene, ao lidar com a autonomia aparente e a
subordinação concreta:
Para dominar a Europa, os Estados Unidos têm interesse em unificá-la (ao nível dos planos militares e de defesa). Para se beneficiarem da ajuda militar em benefício de seu próprio sistema de dominação interna ou imperial, os Estados europeus têm interesse em permanecer divididos e em negociar separadamente com os Estados Unidos (acordos bilaterais); para tornar hegemônica a Europa, os Estados Unidos têm interesse em manter dividida a negociação quanto aos fluxos de ajuda militar (acordos bilaterais). Para resistir a esta hegemonia e transformá-la parcialmente em instrumento de sua própria hegemonia, as burguesias europeias têm interesse em se unificar (tratado de Bruxelas e pedido de ajuda apresentado coletivamente). (...) Mas esta institucionalização não colocou em causa as bases desta dialética, que continua a sustentar os grandes conflitos ideológicos da época: nacionalismo, atlantismo e europeísmo servem para agrupar forças políticas no campo do atlantismo e não fora dele. (JOXE, 1977, p. 281, grifo nosso)
O atlantismo é nodal na consecução do objetivo paz militar e garantia de
governabilidade às classes burguesas. Tutela o arrefecimento do ímpeto militar
alemão e protege ante a contaminação de ideais socialistas. Sobretudo na
Alemanha, onde as preocupações militares eram maiores e justificáveis, a
compatibilidade em cooperação armada fundamenta-se. Inicialmente a união da
Alemanha à Europa Ocidental ficaria restrita aos laços econômicos. A ocupação pela
potência americana alimentou um governo artificial e débil que precisava de um
sustentáculo de legitimação, ora encontrado no progresso econômico, ora
respaldado pela aliança política. O rearmamento militar seria o amálgama desta
construção. A reorientação nos destinos militares da Alemanha pela política externa
americana ocorreu também em razão da penetração econômica do capital
monopolista estadunidense. O complexo militar-industrial norte-americano foi o
propulsor da recuperação durante a década de 1930, tendo saído da guerra ainda
mais fortalecido. Conforme entende Castro:
A produção de armas e equipamentos para uso militar permite às grandes corporações a realização de lucros particularmente elevados. Isto, por si só já, teria uma papel vitalizante sobre o conjunto da economia. (CASTRO, 1979, p. 28).
O autor ainda destaca particularidades pela ótica econômica da demanda por
materiais de defesa: “(...) as encomendas e as especificidades se renovam
permanentemente, dada a celeridade com que se processa a obsolescência de
equipamentos e o incessante desenvolvimento de novos artefatos, materiais e etc.”
(CASTRO, 1979, p. 28).
Além de mercado consumidor para seus produtos, as empresas americanas
fusionavam-se com as alemãs, constituindo verdadeiros conglomerados voltados à
exportação de material bélico. Neste diapasão, as próprias burguesias nacionais,
notadamente a alemã, concordaram em ser hegemonizadas pela instrumentalização
do fator militar, que, ao mesmo tempo em que era alvo da retórica autonomista, era
o respaldo contra possíveis intervenções estrangeiras, mas precisamente soviéticas:
Com mais ou menos sucesso e hipocrisia, as burguesias nacionais europeias continuam então a oferecer uma resistência às pressões hegemônicas e dominadoras dos Estados Unidos. Os alemães, cujo território exíguo deve necessariamente ser o lugar de uma destruição total em caso de preparo da escalada na Europa, evitam entrar em contradição aberta e doutrinária com as exigências do líder; para a opinião alemã é preciso estar de acordo com a América em matéria de segurança, e os Estados Unidos aproveitaram-se disso sempre fazendo com que pagassem bastante caro sua garantia (gastos de estacionamento das tropas americanas, obrigação de comprar material americano e etc.). Neste sentido, a burguesia americana hegemoniza diretamente a formação social alemã pela mediação militar. Mas a burguesia alemã, mais do que qualquer outra, atem-se essencialmente ao princípio das represálias maciças, quer dizer, à manutenção de uma garantia absoluta contra toda iniciativa militar soviética na Europa. (JOXE, 1977, p. 294)
Este arranjo atlantista, com o tempo, foi se alterando, sem perder a mediação
militar. As forças armadas alemãs, de cunho eminentemente defensivo, ganharam
novos contornos com o fim da Guerra Fria. Ainda que a presença estadunidense em
seu território legitime as coalizões internas e a inserção internacional pacífica, com o
beneplácito e o controle hegemônico, a orientação bélica modificou-se47. Aos
Estados Unidos interessava o apoio germânico para que os custos de suas guerras
imperiais fossem divididos com seus aliados, reafirmando a subordinação destes,
ainda que em outros moldes. Desta forma, em que pese os protestos causados pelo
ressurgimento militarista alemão, contou-se com a subserviência da burguesia local,
vinculada ainda às orientações estadunidenses em matéria de segurança. Mesmo
com a dissolução da União Soviética e a retirada de suas tropas do Leste Europeu,
47 Em 12 de julho de 1994, o Tribunal Constitucional Alemão revogou a proibição magna e permitiu a participação de tropas alemãs em missões internacionais. A primeira foi realizada na Bósnia, em 1995, por soldados alemães sob os auspícios da ONU. Em 1999, sob o comando da OTAN, as tropas germânicas intervieram em seu primeiro combate internacional desde a Segunda Guerra Mundial. Em 2002, foi enviado contingente alemão para batalhas fora da Europa, mais precisamente no Afeganistão.
o atlantismo permanece, visto que, muito antes de uma barreira de contenção aos
ideais socialistas, este vetor se configura o sustentáculo militar que garante o
regionalismo europeu e, consequentemente, a hegemonia estadunidense no
continente.
É este pilar militar, que ao lado do político (controle do Estado pela
burguesia), se sustentam as bases que moldam a dualidade do regionalismo
europeu, construída pela geopolítica dos capitais e dos Estados.
3. 4. O Sustentáculo Geopolítico: o alicerce na Alemanha
O fortalecimento do capital bancário mediante sua fusão ao industrial para
formar o financeiro não significou, ao contrário do que defendem as teses liberais, o
enfraquecimento da lógica do Estado nação. Esta concentração é avalizada e
chancelada pelo poder estatal, que busca incrementá-la pela via da
internacionalização, o que impacta nas relações interestatais. Principalmente, em
processos de integração regional, o papel estatal continua nuclear. Eles são os
arquitetos e norteadores dos projetos locais, sem os quais não haveria avanços. No
regionalismo europeu, então, o Estado nação desempenhou função cardial. Para a
linha desenvolvimentista do pensamento político-econômico, como Milward (2000),
Helleiner (1994), Block (1989) e Medeiros (2004), toda a reconstrução europeia
tocou a via estatal, sem a qual o regionalismo não poderia ter eclodido nos moldes
conhecidos. A relação interestatal é, todavia, repleta de peculiaridades e interesses
distintos, os quais buscam concretização em meio ao ambiente competitivo por
acumulação de poder e riqueza. Como os objetivos não se restringem a assuntos
econômicos, outros fatores estratégicos como a inserção internacional e o poder de
barganha se destacam neste panorama. Principalmente, no cenário do pós-guerra
uma das maiores preocupações residia na questão da segurança militar, bem como
na prosperidade. Estas garantias, em que pese seu arranjo conjunto, seriam
inviáveis de ser tuteladas sem a presença marcante do Estado na intensificação dos
laços regionais:
A Comunidade Europeia tem em seu alicerce uma indispensável parte da reconstrução do pós-guerra do Estado nação. Sem isto, o Estado-nação não teria oferecido a seus cidadãos o mesmo grau de segurança e prosperidade que providenciou e que justificou sua sobrevivência (Após 1945 o Estado-nação europeu reconstruiu-se do colapso, criando uma nova
política consensual com base em sua legitimidade e por meio de mudanças em resposta a seus cidadãos, o que significou o alargamento de suas funções e ambições, reinserindo-se como a unidade fundamental da organização política. A Comunidade Europeia somente envolveu um aspecto desta reinserção nacional e sem isto esta reinserção talvez tivesse se provado impossível. A superação do Estado nação seria a destruição da Comunidade. Colocar limites finitos ao processo de integração regional seria enfraquecer o Estado nação, limitando seu alcance e contendo seu poder). (MILWARD, 2000, p. 3, tradução nossa)48
O Estado nacional e sua lógica não foram as razões determinantes para as
guerras nem a superação de suas bases westfalianas será a solução para o fim dos
conflitos. Por conseguinte, a geopolítica estatal precisa ser levada em conta na
análise da integração. Se a reinserção europeia no sistema ocorreu internamente
pela via da manutenção das burguesias nacionais no Estado, mediante concessões
ao trabalho e à subordinação à hegemonia estadunidense, externamente o alcance
dos objetivos, entrada no sistema multilateral e paz militar, passava
necessariamente pelo resgate do Estado nacional europeu. Este termo, apesar da
semântica genérica, relaciona-se, notadamente, a um Estado específico,
fundamental para a pacificação regional e a recuperação econômica, a Alemanha49.
Milward traduz o sentimento europeu e estadunidense em relação ao país
germânico: “A segurança europeia, no sentido pleno da palavra, não dependia
crucialmente do exército alemão. Dependia necessariamente da prosperidade
alemã.” (MILWARD, 2000, p. 120, tradução nossa)50.
Esta afirmação ilustra a estratégia adotada para o ressurgimento europeu, a
qual envolvia uma saída que agradava as burguesias no poder e o governo
estadunidense: a regionalização dos interesses alemães em dois âmbitos
primordiais, o econômico e o militar. Ambos responsáveis por colocar a nação
tedesca em uma posição ímpar na história europeia do século XX.
48 Tradução livre: “The European Community has been its buttress, an indispensable part of the nation-state’s post-war construction. Without it, the nation-state could not have offered to its citizens the same measure of security and prosperity which it has provided and which has justified its survival. (After 1945 the European nation-state rescued itself from collapse, created a new political consensus as the basis of its legitimacy, and through changes in its response to its citizens which meant a sweeping extension of its functions and ambitions reasserted itself as the fundamental unit of political organization. The European Community only evolved as an aspect of that national reassertion and without it the reassertion might well have proved impossible. To supersede the nation-state would be destroy the Community. To put a finite limit to the process of integration would be weaken the nation-state, to limit its scope and to curb its power.)” 49 Ressalta-se nesta tese que toda vez que se mencionar Alemanha a referência feita será à República Federal da Alemanha, deixando de lado a República Democrática da Alemanha, que só veio a integrar esta sistemática quando foi unificada à RFA. 50 Tradução livre: “European security, in the full sense of the word, did not crucially depend on a German army. It did crucially depend on German prosperity.”
O histórico pleito alemão por um lugar central na geopolítica das nações foi
um dos grandes fatores de instabilidade do último século, ficando conhecido como a
questão alemã51. Logo, a experiência acumulada ensinava que a reinserção
internacional da Alemanha, além de econômica, deveria carregar uma solução
política para o foco da problemática. Por conseguinte, a estratégia da europeização
dos interesses internos precisaria de fortes contornos políticos, como defende
Milward, retomando a trajetória alemã no sistema internacional:
A base do resgate do Estado nação foi econômica, o que significou que a europeização do resgate teve que ser econômica. A interdependência dos Estados europeus foi, entretanto, sem dúvidas, puramente econômica. O único grande problema dentro da interdependência foi político, o futuro da Alemanha, o mesmo do que ocorrera em 1848, em 1864, em 1870, em 1914 e desde 1933. O resgate europeu do Estado nação não teria nenhuma validade, a menos que fosse oferecida uma solução ao problema. Apesar do resgate ter sido necessariamente econômico, o êxito deste estava ligado ao problema do futuro da Alemanha na Europa, o que passou a ser solucionado pelas políticas comuns da Comunidade Europeia. (MILWARD, 2000, p. 44-45, tradução nossa)52
Antes do concerto político comunitário, era imprescindível costurar os arranjos
interno e local, ou seja, em sua condução do governo nacional e na gestação de
relações amistosas com a França, respectivamente. Os franceses não viam como
alternativa plausível para a paz na região e para sua soberania qualquer solução
que não fosse o fim da rivalidade com a Alemanha por meio do controle da
economia germânica. Não por acaso, a iniciativa da União partira de políticos
franceses como Robert Schuman53 e Jean Monnet54, que foram os responsáveis por
51 Expressão consagrada pela literatura especializada que ganhou maior relevo após a unificação da Alemanha como Estado nacional no final do século XIX, gerando grande desequilíbrio na balança europeia de poder. Iniciado desde o desmonte do Sacro-Império Romano-Germânico pela invasão napoleônica à Prússia em 1806, o tema dominou a pauta europeia entre os séculos XIX e XX. Unificada tardiamente em relação a seus congêneres, o Estado nacional alemão buscava a expansão territorial a partir de sua posição cardial no continente, sob a alegação da unificação da identidade germânica. Ideal que nunca foi alcançado, mas que gerou tensões pela região e pelo mundo, desequilibrando o concerto local. Desde 1848, os reinos germânicos passaram por diversos momentos de inflexão que atingiram diretamente a política europeia. 52 Tradução livre: “The basis of the rescue of the nation-state was an economic one, and it follows that the Europeanization of its rescue had to be so economic. The interdependence of European states was, however, by no means purely economic. The single greatest problem within that interdependence was political, the future of Germany, as it had been in 1848, in 1864, in 1870, in 1914, and since 1933. No European rescue of the nation-state was any validity, unless it was offered a solution to this problem. Although therefore the European rescue of the nation-state was necessarily an economic one, it is at the point that economic rescue intersected with the problem of Germany’s future in Europe that the common policies of the European Community developed.” 53 Com as cidadanias francesa e alemã, Robert Schuman era o Primeiro-ministro francês, em 1947, quando liderou as primeiras aproximações com a Alemanha no pós-Segunda Guerra Mundial, bem como idealizou e efetivou os primeiros passos para a criação da União Europeia.
articular os primeiros passos da integração e a aproximação entre os dois países,
cujo embrião foi a administração multilateralizada das indústrias de matérias-primas
para a guerra, o carvão e o aço. Helleiner reafirma este imperativo para a paz e o
sucesso do regionalismo:
O nexo dos laços econômicos e políticos entre França e as República Federal foi o que amalgamou o segundo acordo de paz, uma vez que a falta de laços foi a principal causa da inefetividade do primeiro. Os vários arranjos que vincularam os outros países europeus não poderia ter sido completados sem que o estabelecimento destes laços e não sobreviveriam com seu rompimento. Neste sentido, a integração europeia, que remete a diversos significados, dependeu da necessidade central de uma aliança e uma associação econômica franco-germânica. (HELLEINER, 1994, p. 491, tradução nossa)55
A aliança franco-germânica somente foi viável, visto que tinha a concordância
das elites alemãs. Estas foram claramente respaldadas pelo poder hegemônico. Na
Alemanha, ocupada e dividida, com enormes perdas territoriais e demográficas, a
influência externa foi ainda mais determinante. Cooptada pela possibilidade de
desenvolvimento a convite do poder hegemônico, alterou os rumos nacionalistas da
curta, mas intensa, história como Estado nação. Comandada pelas burguesias
liberais colocadas no poder pelas tropas estrangeiras optou pela inserção regional
que favorecesse os capitais nacionais e estadunidenses. Os políticos liberais
privilegiaram a aliança do capital alemão com os capitais europeus, sobretudo
franceses, para sua prosperidade e desenvolvimento, em detrimento de seu projeto
de poder mundial56. Trocou-se uma busca por proeminência mundial de caráter
militar, belicista e induzida pelo Estado por uma estratégia regional de crescimento a
partir da imposição e da fusão de sua força econômica interna, no tocante a outras
economias industrialmente mais frágeis. O consenso gravitava em torno de um
54 Mesmo sem ocupar um cargo oficial, Jean Monnet, francês, foi o responsável pela articulação com os Estados Unidos que resultou nas primeiras iniciativas da integração europeia. 55 No original lê-se: “The nexus of economic and political ties between France and the Federal Republic was what held the second peace settlement together, just as the absence of these ties was a main cause of ineffectiveness of the first. The various attachments which bound the other European countries into the settlement could not have been completed without those ties and would not survive their breaking. In that sense European integration, that phrase capable of so many meanings, depended on a central necessity, a Franco-West German economic association and alliance.” 56 Projeto conhecido na historiografia como Weltpolitik, que seria a política alemã para o mundo, de acordo com seus interesses. Setores nacionalistas e conservadores da sociedade, que lideravam o país desde sua unificação territorial no final do século XIX, entendiam que a sobrevivência de um Estado alemão centralizado e forte no centro da Europa passava por uma projeção de poder em proporções mundiais, seguindo os passos de seus congêneres imperialistas.
arranjo regional, do qual os alemães não poderiam mais se desvincular rumo à
projeção autônoma:
A europeização teve que incorporar a República Federal como o centro do sistema. As esperadas vantagens de liberalização comercial pela Europa Ocidental como um todo foram imprecisas e assunto de repetidos desafios políticos e dificuldades econômicas. As vantagens da expansão comercial com a República Federal eram precisas e indispensáveis para o processo de industrialização, modernização e crescimento. A República Federal teve que ser apanhada em uma teia política e comercial da qual ela não poderia de pronto escapar. (MILWARD, 2000, p. 134, tradução nossa)57
De acordo com esta lógica, a Alemanha merecia e recebeu tratamento
diferenciado do poder hegemônico na reconstrução europeia via integração
comunitária, notadamente, no que tange à economia política da geopolítica dos
Estados. O país outrora inimigo foi instado à figura de polo central irradiador da
prosperidade comercial no continente, a partir da mudança de estratégia
hegemônica.
Cogitada para ser desindustrializada e tornar-se uma grande colônia
agrícola58, a solução encontrada para a Alemanha foi bem mais suave e inteligente,
uma vez que considerou a experiência fracassada do revanchismo que remete ao
passado remoto do pós-Primeira Guerra Mundial. Keynes (2002), em 1946, já
alertava para as consequências econômicas da paz feita sob inspirações
beligerantes e conflitivas59. De inimigos os países do Eixo passaram, após a
ocupação militar e a garantia do apoio político, a ser tratados como aliados
estratégicos do poderio americano em sua cruzada de contenção do poderio
soviético e na tentativa de restauração da ordem liberal multilateral. A porção
ocidental alemã foi transformada na grande vitrine do capitalismo ocidental, por meio
57 Tradução livre: “Europeanization had to incorporate the Federal Republic as the core of the system. The hoped-for advantages of trade liberalization across Western Europe as a whole were imprecise and subject to repeated political challenges and economic difficulties. The advantages of expanding trade with the Federal Republic were precise and indispensable to the process of industrialization, modernization and growth. The Federal Republic had to be embraced in a commercial and political clasp from which it could not readily escape.” 58 Henry Morgenthau Jr. foi Secretário do Tesouro Americano à época que não se confunde com seu contemporâneo, o realista acadêmico Hans Morgenthau, autor do clássico livro “A Política das Nações”. O conhecido Plano Morgenthau, apresentado em 2 de setembro de 1944, foi uma das soluções analisadas pelo Departamento de Estado norte-americano para equacionar o belicismo alemão na Europa. Previa, dentre 14 itens, a desindustrialização completa do país, sua divisão em duas nações independentes, uma no norte e outra no sul, as regiões ricas em carvão deveriam ser internacionalizadas ou anexadas por Estados vizinhos e a submissão dos alemães a trabalhos forçados como forma de reparar os danos causados no conflito mundial. O Plano nunca foi implementado e foi abandonado completamente em 1946. 59 Para mais ver: Keynes (2002).
do projeto americano de desenvolvimento a convite60. Fiori sintetiza a estratégia
estadunidense quanto aos países derrotados:
Esta mudança da posição americana com relação à estratégia de desenvolvimento dos países derrotados, em particular o Japão, a Alemanha e a Itália, se transformou na pedra angular da engenharia econômico-financeira do pós- II Guerra Mundial, em particular depois da década de 1950, quando estes países se transformaram nos grandes “milagres” econômicos da economia capitalista. (...) Em outras palavras, viraram “protetorados militares” e “convidados econômicos” dos Estados Unidos, e no caso da Alemanha e do Japão, foram transformados em “pivôs” regionais de uma máquina global de acumulação de capital e riqueza que funcionou de forma absolutamente virtuosa entre as Grandes Potências e em algumas economias periféricas até a crise da década de 1970. (FIORI, 2004, p. 89)
O apoio hegemônico possibilitou a rápida restauração da bonança econômica
em um modelo voltado para o comércio exterior e a competição internacional dentro
de um panorama geopolítico. A posição privilegiada dos alemães em relação ao
centro de poder sistêmico proporcionou seu célere resgate, mas pautado nas bases
da ideologia norte-americana. O mercado comum na Europa Ocidental deveria ser
encetado com fulcro nas relações comerciais dos outros com a Alemanha
regionalmente e prioritariamente, com a inserção e colaboração da expansão no
intercâmbio mundial e com a devida proteção tarifária às áreas específicas
escolhidas. Esta mescla de ortodoxia liberal com temperos heterodoxos
proporcionou a centralidade da Alemanha, em um contexto de poucas décadas após
a debacle internacional:
Ficou reconhecida e formalizada a realidade que a política econômica dos Estados do pós-guerra invalidou todos os modelos anteriores de relações comerciais internacionais entre os Estados da Europa Ocidental, onde as mudanças ocorreram, e isto criou um modelo inteiramente diferente, o qual seria alicerçado por uma nova política econômica. Isto reconheceu e formalizou o papel central da Alemanha nestas relações, somente doze
60 Expressão consagrada pela literatura especializada em desenvolvimento comparado para explicar os investimentos financeiros, intenso fluxo comercial e a tolerância monetária que os Estados Unidos tiveram em relação a Alemanha e Japão. Principalmente a política de desvalorização cambial possibilitou aos países alicerçarem sua recuperação econômica na competitividade de seu setor exportador, transformando-os, com o tempo, em fortes concorrentes para os produtos estadunidenses, o que gerou tensões e reenquadramento (HELLEINER, 1994, p. 51): “In the absence of. U.S. pressure, West European and Japanese governments chose to retain the capital controls they had introduced in the 1930s and during the war. Indeed, the control of capital movements remained such a central part of foreign economic policy of these countries in the early postwar years that when their currencies were finally made convertible with dollars in the late 1950s and early 1960s, they chose to restrict convertibility to the current account. This decision, too, was fully supported by the United States”.
anos após a queda do mais cruel dos regimes anti-parlamentares já noticiado pela história(MILWARD, 2000, p. 223, tradução nossa)61
O Plano Marshall pode ser considerado o ponto de inflexão na estratégia
estadunidense. Os elevados investimentos diretos garantiam a presença americana
na economia germânica, a qual crescia distante dos ditames ortodoxos do padrão
dólar-ouro, mas por meio de instrumentos protecionistas, como controle do câmbio,
barreiras tarifárias fora do comércio intraeuropeu e contenções comerciais impostas,
o que atrelava seu crescimento à tutela hegemônica:
Desde o início do Plano Marshall tornou-se o ponto cardial da política externa estadunidense a reintegração da República Federal na economia internacional com toda velocidade possível e com severos controles impostos ao comércio alemão, para que as forças de ocupação fossem removidas. (MILWARD, 2000, p. 155, tradução nossa)62
A proeminência econômica não era gratuita, mas recheada de contrapartidas,
sobretudo em relação à ocupação militar, o que ilustra a relação simbiótica entre a
seara bélica e os capitais. Ainda que as forças estrangeiras não apresentassem uma
ameaça de ataques concretos, servia mais como um instrumento catalisador da
penetração econômica estadunidense, visto que atuava como defesa das
burguesias locais ante as rivalidades em seu entorno, bem como favorecia uma
relação estratégica, caracterizada por investimentos diretos e por uma movimentada
balança comercial:
Mas é na Alemanha Ocidental que os investimentos americanos apresentam a tendência de crescimento mais rápida e maciça (...) num momentos em que a relação estreita que se constata atualmente entre as “posições alemãs” e as “posições estadunidenses” é mais frequentemente atribuída seja somente à importância das exportações alemãs para os Estados Unidos, seja unicamente à presença das forças americanas na Alemanha: tudo isso parece demonstrar de fato que esta presença funciona cada vez mais como um para-vento à penetração econômica. (POULANTZAS, 1975, p. 61)
61 Tradução livre: “It recognized and formalized the reality that changes in the political economy of the post-war state invalidated all earlier models of international commercial relations between those Western European states where the changes had taken place, and it created an entirely different model which would buttress that new political economy. It recognized and formalized the central role of Germany in those relations. Only twelve years after the overthrow of the cruellest of anti-parliamentary regimes there this was a remarkable fact.” 62 No original lê-se: “From the start of the Marshall Plan it became a cardinal point of American foreign policy that the Federal Republic should be reintegrated into the international economy with all possible speed and that the severe controls on German trade imposed by the occupation forces be removed.”
O atrelamento do destino germânico à hegemonia do capital financeiro
estadunidense revela o concerto do pós-guerra que conseguiu amainar o ímpeto
militarista e solucionar temporariamente a questão do lugar da Alemanha na Europa.
Neste arranjo, o país continua a ocupar uma projeção de destaque, como polo
irradiador da proliferação e dominância de seu capital financeiro (em muitos casos,
fusionado ao norte-americano) pela região. Medeiros disseca essa escolha política
de protagonismo regional em meio à subordinação associada aos Estados Unidos:
Do ponto de vista político, (...) o resgate do estado nacional europeu no pós-guerra tinha por vetor essencial o reconhecimento político da impossibilidade de um projeto alemão exclusivamente nacional. As elites alemãs perceberam, desde a reconstrução do pós-guerra, que seus interesses nacionais seriam muito melhor atendidos subsumidos num discurso e numa prática eminentemente europeia, tal como a historicamente construída pelo Tratado de Roma. Esta prática, que muitos denominaram de soft hegemony ou hegemony by stealth ou ainda semi-sovereignty, resultava de um esforço de construir um espaço econômico unificado onde os interesses econômicos e políticos alemães poderiam se exercer sem confrontos políticos e subordinando-se à liderança dos EUA no plano da segurança e defesa externa da Europa. A sua importância na formação da Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a sua irrelevância na OTAN traduziam os limites e ambições da Alemanha no contexto criado pela Guerra Fria. (MEDEIROS, 2004, p. 156)
O rechaço ao militarismo germânico impôs a suas forças armadas um papel
defensivo e contraído, inicialmente. A fortaleza econômica combinava-se com
debilidades bélicas. A questão da segurança também precisava ser regionalizada,
de acordo com a estratégia hegemônica; não, porém, sob a liderança germânica,
cuja posição, apesar do papel pouco relevante na contribuição no que tange a poder
destrutivo, foi determinante na constituição e nos rumos da aliança atlântica.
Diante da análise dos três prismas que sustentaram o regionalismo
comunitário, verifica-se que eles embasaram um processo complexo, permeado pela
interação entre a geopolítica dos Estados e a dos capitais, o que evidenciou uma
série de contradições, sobretudo no que tange à dialética da construção da
integração europeia, balizada pelo dualismo entre autonomia e subordinação.
4. A Interação entre a Geopolítica dos Capitais e dos Estados na
Construção da Institucionalidade Comunitária
Em um contexto de economia política liberal, o regionalismo foi incentivado
como forma de reinserir as economias europeias no sistema multilateral americano.
As diversas condicionalidades que caracterizaram o panorama do pós-guerra,
sobretudo das debilidades e a Guerra Fria, moldaram os contornos do projeto. No
início, foi encetado com uma preocupação maior com o crescimento econômico do
que com a manutenção da ortodoxia, o que já apontou a diferenciação e tolerância
do poder hegemônico em relação à região. Isto é, o foro regional também atendeu a
aspirações políticas dos europeus, demasiadamente enfraquecidos para impor seus
interesses imediatamente. Apesar da conveniência episódica, dificilmente seria
formada ou mantida uma vontade comum, haja vista as disparidades entre os
países. Somadas as diferenças específicas e as debilidades gerais, a estratégia
regional foi empreendida de forma gradual e seguindo, inicialmente ditames
heterodoxos até a conversibilidade e a consequente entrada do bloco europeu no
sistema multilateral de Bretton Woods, que era o objetivo primordial dos Estados
Unidos para a região: “Os norte-americanos confiavam em que o processo de
reconstrução, apesar de suas dificuldades, se traduziria na restauração dos regimes
capitalistas liberais por toda Europa.” (BLOCK, 1989, p. 119, tradução nossa)63. O
enquadramento das economias liberais no sistema monetário-financeiro
internacional era inevitável, fazia parte da política hegemônica estadunidense.
Três medidas demonstraram-se decisivas neste panorama da integração
econômica antes da adesão completa a Bretton Woods. Em primeiro lugar, veio o
financiamento externo via plano de recuperação econômica, o Plano Marshall. Este
tinha como escopos geoeconômicos, como a restauração do multilateralismo, a
estabilidade de preços e a recuperação da produção, e geopolíticos como a
reversão das debilidades socioeconômicas pela contenção da cartilha soviética e
pela influência na política econômica interna dos países beneficiados:
As estruturas do Plano Marshall davam aos Estados Unidos bastante influência para determinar as políticas econômicas internas dos países receptores, e esta influência se multiplicava quando as metas dos Estados Unidos coincidiam com as dos grupos de interesses importantes nos países receptores. (BLOCK, 1989, p. 140, tradução nossa)64
63 Tradução livre: “Los norteamericanos confiaban en que el proceso de reconstrucción, a pesar de sus dificuldades, se traduciría en la restauración de regímenes capitalistas liberales por toda Europa.”. 64 No original lê-se: “Las estructuras del Plan daban a los Estados Unidos bastante influencia para determinar las políticas económicas internas de los países receptores, y esta influencia se multiplicaba cuando las metas de los Estados Unidos coincidían con las de grupos de interés importantes en los países receptores.”
Em segundo lugar, emerge a tolerância à conversibilidade das moedas
europeias. Os Estados Unidos queriam, ao contrário do tratamento dispensado aos
países periféricos, cujas moedas não são conversíveis em dólar, possibilitar que as
metrópoles continuassem ocupando o centro, mas que se tornassem competidoras
em relação à economia americana. A coincidência de objetivos estratégicos dos
Estados Unidos com frações das burguesias locais potencializava os efeitos do
plano de recuperação. Para afastar o perigo soviético era nodal fazer as elites
europeias perceberem que poderiam competir no sistema multilateral
estadunidense, ainda que não possuíssem o papel protagonista: “Para impedi-lo, o
Plano Marshall deveria demonstrar aos países da Europa Ocidental que estes
poderiam competir com êxito, ainda que como sócios minoritários, em uma
economia mundial multilateral dominada pelos Estados Unidos” (BLOCK, 1989, p.
138-139, tradução nossa)65.
Em terceiro lugar, veio a criação de um mecanismo multilateral de
pagamentos, primeira iniciativa concreta rumo à integração econômica, a União
Europeia de Pagamentos, voltada ao restabelecimento do equilíbrio comercial entre
os europeus, de forma que eles pudesse reequilibrar sua balança comercial, em
meio à desigual relação existente de déficits e superávits:
A criação de uma União Europeia de Pagamentos (UEP) era um dos mecanismos principais para a implantação de uma integração econômica europeia (...). A UEP se propunha a reanimar o comércio intraeuropeu mediante a criação de um mecanismo de pagamentos multilaterais dentro da Europa. Em essência, a UEP seria uma câmara de compensação que estimularia o comércio intraeuropeu, permitindo que os países utilizassem seus superávits comerciais com um país na compra de produtos do outro. A união também provia créditos para que os países já não se vissem obrigados a restringir seu comércio com o resto da Europa para manter um equilíbrio contínuo. (BLOCK, 1989, p. 155, tradução nossa)66
65 Tradução livre: “Para impedirlo, el Plan Marshall debía demostrar a los países de Europa Occidental que podrían competir com éxito, aunque como socios minoritarios, en una economía mundial multilateral dominada por los Estados Unidos.”. 66 Tradução livre: “La creación de una Unión Europea de Pagos (UEP) era uno de los mecanismos principales para la implantación de uma integración económica europea (...). La UEP se proponía a reanimar el comercio intraeuropeo mediante la creación de un mecanismo de pagos multilaterales dentro de Europa. Em esencia, la UEP sería una câmara de compensación que estimularia el comercio intraeuropeo permitiendo que los países utilizaran sus superávits comerciales con un país en la compra de produtos de outro. La unión también proveria créditos para que los países ya no se viesen obligados a restringir su comercio con el resto de Europa para mantener un balance continuo.”
Estas três iniciativas desencadearam um processo de aprofundamento da
cooperação econômica na região, a qual atingiu patamares inéditos. Esta opção das
elites pela inserção subordinada ao poder hegemônico paralelamente ao sistema
multilateral foi alicerçada em um eixo interno, responsável pela geração da
prosperidade econômica, cujos impactos foram imediatos, como a recuperação
econômica já encetada na década de 1950. Sem o apoio diferenciado, haja vista as
concessões feitas à ortodoxia da ordem de Bretton Woods e a injeção direta de
recursos financeiros, a Europa Ocidental não teria atingido este patamar com
tamanha celeridade. A conquista da estabilidade interna via geopolítica dos capitais
foi complementada pela interface da geopolítica dos Estados.
Com a recuperação econômica célere, já no final da década de 1950, os
europeus ocidentais em nenhum momento enquadraram-se plenamente na lógica do
padrão dólar-ouro. Empreenderam diversas iniciativas autônomas, pautadas no
vetor monetário e na competição comercial com os Estados Unidos. Esta trajetória
não foi linear, orquestrada por avanços e retrocessos. Esta sequência de irregulares
big bangs (MORAVCSIK, 1998) avançou até a constituição de um arcabouço
institucional inédito para os processos de integração regional.
Com a recuperação econômica, os europeus aderiram gradualmente ao
padrão monetário internacional, a partir do alcance da conversibilidade de suas
moedas. Isto não retirou, porém, o sentimento de autonomia monetária, traduzido
em concertações regionais fora do sistema de Bretton Woods. Para Helleiner (1994),
o sistema dólar-ouro não era liberal, tendo em vista o controle do capital financeiro.
Este ocasionado por força das circunstâncias como a aliança entre burocratas
keynesianistas, industrialistas e líderes trabalhistas para a não repetição das
experiências de retorno à ortodoxia do período entre-guerras; a comprovada
incompatibilidade de uma ordem financeira liberal com taxas de câmbio fixas e livre
comércio naquele contexto; a Guerra Fria na Europa levou à mudança de estratégia
em relação aos outrora inimigos, que foram transformados em aliados, exercendo a
hegemonia benigna por meio da tolerância benevolente em relação às moedas
nacionais; e a crise econômica europeia que durou de 1945 a 1947, mediante a falta
de dólares e a necessidade premente de importações. A superação deste cenário
ativou a inerente contradição da ortodoxia sistêmica e a iminente derrocada do
padrão dólar-ouro.
A busca reativa por alternativas ao dólar foi intensificada após o rompimento
unilateral do padrão dólar-outo pelos Estados Unidos. A incerteza quanto ao sistema
monetário internacional reforçou a necessidade e a importância de uma estabilidade
econômica regional menos dependente do sistema internacional. Propostas variadas
de alcançar uma moeda única foram lançadas, porém, adotaram-se soluções
cautelosas, baseadas em serpentes monetárias e mecanismos de taxas de câmbio,
refletidas no Plano Werner e no Sistema Monetário Europeu, iniciativas que
passaram a delinear a imposição germânica por uma política econômica anti-
inflacionária, cujo objetivo é a manutenção dos preços relativos.
As transformações sistêmicas ocorridas, principalmente na década de 1980
levaram o processo europeu a ser repensado, a partir do relançamento da
integração, com o Ato Único Europeu, articulado por Jacques Delors, em 1985. A
pressão pela maior abertura das economias ao capital financeiro era latente. A
reunificação das porções ocidental e oriental da Alemanha e a dissolução da União
Soviética aceleram a remodelagem europeia, que culminou no Tratado de
Maastricht, de 1992. O tratado internacional estruturou a integração por meio da
formação da União Europeia, que abarcaria todas as iniciativas comunitárias
anteriores sob o mesmo teto. Além disso, no documento, ficou expressa a intenção
de transformação do mercado comum europeu em mercado único por meio da
previsão de uma moeda comum para a zona comunitária, a União Econômica
Monetária. Este incremento ia ao encontro das aspirações francesas, que buscavam
manter a Alemanha envolvida no trajeto comunitário, após a incorporação da
Alemanha Oriental. Neste diapasão, a integração europeia mostrava adaptabilidade
ante a conjuntura internacional e viria a servir de parâmetro para outras iniciativas de
integração econômica no sistema mundial.
Desta forma, as iniciativas de integração monetária podem ser didaticamente
divididas em três grandes fases67, que marcam a trajetória monetária comum desde
a União Europeia de Pagamentos até chegar à União Econômica Monetária. A
primeira dirá respeito ao contexto do imediato pós-guerra até 1958, com a extinção
da União Europeia de Pagamentos. A segunda diz respeito ao período de tentativa
de enquadramento das moedas europeias no padrão dólar-ouro e as soluções
autônomas anteriores ao rompimento dos Acordos Bretton Woods e posteriores a
67 As três grandes fases pensadas neste trabalho se diferem das cinco propostas por António Mendonça (2004) e das seis idealizadas por Moravcsik (1998), mas nelas se inspiram.
1971, já dentro do padrão dólar-flexível. De acordo com Serrano (2004), o sistema
monetário internacional, após o fim do padrão dólar-ouro, diferentemente deste,
passou a ser regulado não mais pela paridade fixa de uma moeda de referência em
relação ao ouro, mas por uma lógica pautada em taxas de câmbio flutuantes, cujo
epicentro ainda é o dólar, que, agora, é sustentado pelo poder hegemônico
estadunidense, não tendo nenhum limite econômico. A terceira vincula-se à correção
de rumo dada ao projeto europeu pelo Tratado de Maastricht, ressaltando os
acontecimentos de preparação e de consolidação da moeda comum, o euro.
Desta forma, as etapas sucederam-se pautadas na dualidade entre os
interesses dos capitais e dos Estados.
4. 1. Primeira Fase: a Reconstrução Econômica em Direção ao
Multilateralismo
As debilidades oriundas da guerra impediam a inserção no livre comércio
mundial. Os países recorriam a todo tipo de controle econômico para evitar o
agravamento da crise. Enquanto os financistas ortodoxos pressionavam pela
restauração do Estado liberal da década de 1930, os conflitos sociais acirravam-se
com a deterioração do bem-estar coletivo. Sem a contribuição externa, seria
impossível a célere recuperação. A identificação destas condições e a
instrumentalização do perigo soviético promoveram uma guinada no governo
americano. A partir da mudança de estratégia hegemônica para a Europa foi criada
uma engenharia para a reconstrução dos países que se submeteram à estratégia
estadunidense68, cujo processo de reerguimento pode ser considerado como a
primeira fase da trajetória da integração econômica. Nela buscou-se anular medidas
unilaterais, restritivas ao livre comércio, como as que foram praticadas no imediato
pós-1945, como revela:
Na realidade, nos primeiros anos do pós-guerra, a maioria dos países da Europa recorria a todo o conjunto de instrumentos de controle associados ao capitalismo nacional: controles de câmbio, controles de capital, barreiras comerciais bilaterais e estatais. (BLOCK, 1989: p. 22)69
68 Cabe a pequena ressalva em relação à outrora Iugoslávia, país que recebeu recursos do Plano Marshall, mas tentou não se alinhar nem com o bloco capitalista nem com o socialista. 69 Tradução livre: “En realidad, em los primeros años de la pós-guerra, la mayoría de los países de Europa Occidental recurrieron a todo el conjunto de instrumentos de control asociados al capitalismo nacional: controles de cambio, controles de capital, arreglos comerciales bilaterales y estatales.”
Neste sentido, para que a Europa Ocidental aderisse ao multilateralismo, três
medidas demonstraram-se decisivas neste panorama da integração econômica, que
preparou as economias, mediante sua recuperação e entrada na livre concorrência
internacional.
Em primeiro lugar, veio o financiamento externo via plano de recuperação
econômica, o Plano de Recuperação Econômica, conhecido como Plano Marshall. A
injeção de dólares via investimentos externos no continente cumpria objetivos
geoeconômicos, como a recuperação para a conversibilidade das moedas, mediante
a atenuação da escassez de dólares, e geopolíticos, como a contenção do ideário
socialista e da influência da União Soviética. Ainda que na interpretação de autores
como Milward (1984) e Helleiner, (1994) o Plano Marshall tenha colaborado mais
para estancar a crise do balanço de pagamentos dos países europeus do que para
uma plena recuperação econômica, não há que negar o tratamento diferenciado e a
preocupação hegemônica em restaurar o equilíbrio na Europa Ocidental, atenção
que não foi dispensada na mesma proporção para outras regiões:
Entretanto, o gênio do Plano Marshall residia no fato de que constituía muito mais que um esforço para financiar durante alguns anos mais o superávit de exportação. Ao mesmo tempo, atacava todas as forças que estavam se movendo na Europa Ocidental contra o multilateralismo: a fortaleza das esquerdas europeias, a relativa debilidade das economias europeias, e a atração pela União Soviética. Contudo, o Plano Marshall se fez possível somente em um clima político internacional deteriorado de 1947. (BLOCK, 1989, p. 130)70
O envio de recursos foi bem sucedido tendo em vista o clima de incerteza e
as tensões geradas pelo início da Guerra Fria. Além do desafogo econômico, o
envio de recursos à Europa gerou efeitos indiretos e consonantes com as aspirações
hegemônicas, visto que viabilizou a influência nas políticas econômicas dos países
receptores, sobretudo naqueles cujos governos compactuavam da crença na via
liberal:
70 No original lê-se: “Pero el genio del Plan Marshall residía en el hecho de que constituía mucho más que un esfuerzo para financiar durante unos cuantos años más el superávit de exportación. Al mismo tempo atacaba a todas las fuerzas que en Europa Occidental se estaban movendo en contra del multilateralismo: la fortaleza de las izquierdas europeas, la relativa debilidad de las economías europeas, y la atracción de la Unión Soviética. Pero el Plan Marshall se hizo posible sólo en um clima político internacional deteriorado de 1947.”
As estruturas do Plano Marshall davam aos Estados Unidos bastante influência para determinar as políticas econômicas internas dos países receptores, e esta influência se multiplicava quando as metas dos Estados Unidos coincidiam com as dos grupos de interesses importantes nos países receptores. (BLOCK, 1989, p. 140, tradução nossa)71
Para administrar os recursos oriundos da injeção de dólares na economia
europeia foram constituídos, no governo estadunidense o órgão Administração de
Cooperação Econômica (ACE), responsável por controlar os recursos enviados à
Europa, que interferiu bastante no reerguimento da região, e a Organização
Europeia para Cooperação Econômica, em 1948, que foi o primeiro fórum de
convergência de iniciativas autônomas voltadas à cooperação, destacando-se a
União Europeia de Pagamentos (UEP).
Inicialmente criada para atender aos interesses dos países europeus
receptores dos investimentos oriundos do Plano Marshall, a Organização Europeia
para Cooperação Econômica, foi em 1961, após cumprir seu objetivo de reestruturar
economicamente os europeus, transformada em uma organização de abrangência
extraeuropeia. Passou a ser chamada de Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE), englobando outros países, como Estados
Unidos, Canadá, México, Japão e Coreia do Sul, e, atualmente coordena estudos e
programas voltados a seu objetivo.
Em segundo lugar, mediante a carência de reserva de meios de pagamentos
internacionais, o que impedia a conversibilidade imediata das moedas, gerando a
necessidade imperativa de obtenção de dólares para importar máquinas e
equipamentos dos Estados Unidos e após frustradas tentativas de conversibilidade
isolada da libra, a organização internacional, então OECE, viabilizou em seu âmbito
a criação da União Europeia de Pagamentos72. Sua missão era facilitar as trocas
comerciais e os pagamentos durante a ausência de dólares pela promoção da
liquidação pela diferença dos saldos e conceder linhas de crédito em dólar, para
incentivar a liberalização comercial. Mendonça resume o funcionamento do sistema
de pagamentos:
71 No original lê-se: “Las estructuras del Plan daban a los Estados Unidos bastante influencia para determinar las políticas económicas internas de los países receptores, y esta influencia se multiplicaba cuando las metas de los Estados Unidos coincidían con las de grupos de interés importantes en los países receptores.” 72 Composta pelos 18 países que originalmente faziam parte da Organização Europeia para a Cooperação Econômica, quais sejam, Alemanha, França, Itália, Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Áustria, Suíça, Irlanda, Turquia, Grécia, Portugal, Noruega, Dinamarca, Suécia, Islândia, Espanha e Reino Unido. Sua sucessora a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) possui atualmente 34 membros. Para mais ver: http://www.oecd.org/general/organisationforeuropeaneconomicco-operation.htm.
Os pagamentos e as receitas de exportação dos diferentes países eram centralizados no Banco de Pagamentos Internacionais (instituição integrada na UEP) procedendo-se mensalmente aos acertos de saldos, através do pagamento em ouro ou em dólares. Inicialmente só uma parte dos saldos era regularizada deste modo sendo a parte restante transformada em crédito do credor ao devedor. Todavia, à medida que o processo de reconstrução se foi realizando e as reservas foram sendo reconstituídas, foi diminuindo a fracção de crédito e aumentando o pagamento em dólares ou em ouro. (MENDONÇA, 2004, p. 3)
Além do intercâmbio, colocava à disposição dos países linha de crédito para
fomentar o fluxo contínuo do comércio, gerando, consequentemente equilíbrio
regional, como assevera Block:
A criação de uma União Europeia de Pagamentos (UEP) era um dos mecanismos principais para a implantação de uma integração econômica europeia (...). A UEP se propunha a reanimar o comércio intraeuropeu mediante a criação de um mecanismo de pagamentos multilaterais dentro da Europa. Em essência, a UEP seria uma câmara de compensação que estimularia o comércio intraeuropeu, permitindo que os países utilizassem seus superávits comerciais com um país na compra de produtos do outro. A união também provia créditos para que os países já não se vissem obrigados a restringir seu comércio com o resto da Europa para manter um equilíbrio contínuo. (BLOCK, 1989, p. 155, tradução nossa)73
Encetou-se, assim, a primeira iniciativa econômica de cooperação monetária
na Europa Ocidental por um meio próprio, dentro da alçada da OECE e fora do
âmbito do FMI (já que nesta época não tinha aderido ainda ao padrão monetário
internacional), o que propiciou a formação de uma zona autônoma. Após cumprir
seus objetivos, tornar as moedas europeias conversíveis em dólar e liberalizar o
comércio, foi extinta em 1958:
A criação da União Europeia de Pagamentos em 1950 restaurou em alguma medida uma conversibilidade regional limitada entre os bancos centrais, o que foi decisiva para ajudar a Europa Ocidental a alcançar um sistema mais aberto de comércio e troca de pagamentos. (HELLEINER, 1994: p. 68, tradução nossa)74
73 Tradução livre: “La creación de una Unión Europea de Pagos (UEP) era uno de los mecanismos principales para la implantación de uma integración económica europea (...). La UEP se proponía a reanimar el comercio intraeuropeo mediante la creación de un mecanismo de pagos multilaterales dentro de Europa. Em esencia, la UEP sería una câmara de compensación que estimularia el comercio intraeuropeo permitiendo que los países utilizaran sus superávits comerciales con un país en la compra de produtos de outro. La unión también proveria créditos para que los países ya no se viesen obligados a restringir su comercio con el resto de Europa para mantener um balance continuo.” 74 No original, leia-se: The establishment of the EPU in 1950 restored a somewhat limited regional convertibility between central banks and is said to have been decisive in helping Western Europe achieve a more open system of trade and exchange payments.”
Em terceiro lugar, para facilitar ainda mais o acesso ao dólar, a economia
norte-americana fomentou a competitividade europeia pela abertura de seus
mercados às exportações e tolerou a desvalorização coordenada das moedas
nacionais. Os Estados Unidos queriam, ao contrário do tratamento dispensado aos
países periféricos, possibilitar que as metrópoles continuassem ocupando o centro,
mas que se tornassem competidoras em relação à economia americana. A
coincidência de objetivos estratégicos dos Estados Unidos com frações das
burguesias locais potencializava os efeitos do plano de recuperação. Para afastar o
perigo soviético era nodal fazer as elites europeias perceberem que poderiam
competir no sistema multilateral estadunidense, ainda que não possuíssem o papel
protagonista:
Para impedi-lo, o Plano Marshall deveria demonstrar aos países da Europa Ocidental que estes poderiam competir com êxito, ainda que como sócios minoritários, em uma economia mundial multilateral dominada pelos Estados Unidos. (BLOCK, 1989, p. 138-139, tradução nossa)75
Esta tríade de concessões desencadeou um processo de aprofundamento da
cooperação econômica na região, a qual atingiu patamares inéditos. Esta opção das
elites pela inserção subordinada ao poder hegemônico paralelamente ao sistema
multilateral foi alicerçada em um eixo interno, responsável pela geração da
prosperidade econômica, cujos impactos foram imediatos, como a recuperação
econômica já encetada na década de 1950. O panorama de crescimento econômico
ocorreu devido a uma comunhão de fatores que viabilizaram a acumulação no
regime pós-1945 e a prosperidade geral. Gill (2007) elenca alguns elementos vitais
como a construção no mundo não comunista de uma estrutura econômica, política e
de segurança centrada nos Estados Unidos que garantia condições de paz ao
núcleo capitalista; a capacidade do poder hegemônico em manter o crescimento da
demanda agregada global, por meio de déficits na balança de pagamentos, gerados
por grandes despesas militares no exterior; a congruência de ideias, instituições e
políticas entre as principais nações capitalistas, num sistema liberal incrustado, que
75 Tradução livre: “Para impedirlo, el Plan Marshall debía demostrar a los países de Europa Occidental que podrían competir com éxito, aunque como socios minoritarios, en una economía mundial multilateral dominada por los Estados Unidos.”.
legitimou os governos liberais-democratas na Europa Ocidental; e a oferta de
matérias-primas baratas e abundantes.
O arranjo responsável pelas altas taxas de desenvolvimento no bloco
capitalista começou a dar sinais de desgaste ainda na década de 1960, em que
pese seu agravamento ter ocorrido apenas nos anos 1970. Pela dinâmica que
funcionava o padrão-ouro as contradições demonstravam-se inerentes. O próprio
poder hegemônico tinha dificuldades em cumprir as regras por ele estabelecidas:
“Se os Estados Unidos não podiam atuar responsavelmente dentro de suas próprias
regras, aumentando suas importações, a Europa Ocidental resistia a aceitar regras
multilaterais estritas.” (BLOCK, 1989, p. 111)76. Helleiner (1994) percebe a
resistência europeia como razoável ante a uma ordem que, na prática, não era
liberal. Havia uma flagrante incompatibilidade da lógica financeira liberal com taxas
de câmbio fixas e livre comércio no contexto de destruição e tensões. A escassez de
dólares no mundo levava os Estados Unidos a incorrer em déficits para suprir a
liquidez mundial e para atingir seus objetivos geopolíticos. O multilateralismo, na
década de 1960, falhava em vários aspectos, como as assimetrias no balanço de
pagamentos dos EUA, as elevadas barreiras no comércio internacional e atuação e
funcionamento insatisfatório das organizações internacionais (BLOCK, 1989).
Este cenário fomentou a busca dos europeus por alternativas ao padrão
dólar-ouro. O reerguimento ocorrera fora do multilateralismo, o que incentivou a
formação da relativa autonomia europeia, como ilustra Block, caracterizando-a como
marginal e potencialmente desestabilizadora do padrão dólar-ouro e da concorrência
internacional: “Entretanto, o perigo do regionalismo europeu para os Estados Unidos
consistia na possibilidade de fortalecimento de uma alternativa no longo prazo para
a Europa Ocidental às políticas econômicas multilaterais” (BLOCK, 1989, p. 187,
tradução nossa)77.
A lógica particular europeia passou a ser consolidada a partir do Acordo
Monetário Europeu78, em 1955, ainda dentro da OECE, criado para substituir a
União Europeia de Pagamentos, após sua dissolução. Pregava pela continuação de
um mecanismo de compensação multilateral gerido pelo Banco de Compensações 76 Tradução livre: “Si los Estados Unidos no podían actuar responsablemente dentro de sus propias reglas aumentando sus importaciones, Europa Occidental se resistiría más aún a aceptar reglas multilaterales estrictas.” 77 No original lê-se: Pero el peligro del regionalismo europeo para los Estados Unidos consitía que podría proveer una alternativa a largo plazo de las políticas económicas multilaterales para a Europa Occidental. 78 Constituiu-se o Comitê Monetário, composto por ministros das finanças e representantes dos bancos centrais, competindo-lhe coordenar as políticas monetárias dos países.
Internacionais (BIS)79 para países que mantivessem a inconversibilidade; pela
criação de um Fundo Europeu de concessão de crédito de curto prazo, em 1962; e
pela estipulação de cláusulas relativas à estabilização das cotações das taxas de
câmbio das partes contratantes (limite às flutuações viabilizou políticas comuns,
como a PAC80). Destarte, verifica-se a relevância desta experiência de autonomia
monetária dos europeus, o que, além de fomentar o comércio intraeuropeu, garantiu
aos países condições de competitividade no mercado internacional e inspiração para
iniciativas de cooperação mais aprofundadas. Mendonça ilustra o não
enquadramento aos ditames do padrão dólar-ouro:
É interessante notar que ao longo dos doze anos em que vigorou em pleno o sistema de Bretton-Woods nunca se verificou, verdadeiramente, por parte dos europeus uma aceitação plena da sua inevitabilidade. Ao mesmo tempo que assumiam as regras e instituições do SMI, os europeus aprofundavam a discussão sobre a importância de desenvolver um vector monetário no contexto do aprofundamento do processo de integração económica em que estavam empenhados. É de notar que, praticamente no período em que havia funcionado a UEP, se havia evoluído da CECA para a Comunidade Económica Europeia (CEE) e para a Comunidade Europeia de Energia Atómica (EURATOM), na sequência da assinatura dos Tratados de Roma em 25 de Março de 1957, de modo que parecia haver uma contradição entre o abandono de um projecto monetário especificamente europeu, como era o caso da UEP, e o avanço para um patamar superior de integração económica que, claramente, apontava na direcção do mercado comum e da união económica. (MENDONÇA, 2004, p. 5-6, grifo nosso)
Diante do exposto ficava evidente que a recuperação econômica viabilizada
pela estratégia estadunidense foi exitosa. A rápida inserção das economias
nacionais no sistema multilateral acontecia, contudo, com restrições. Block acentua
o papel do fator externo no célere ressurgimento:
Em suma, para os fins dos anos cinquenta, os países da Europa Ocidental haviam optado pelas medidas econômicas liberais. O êxito norte-americano na restauração de uma economia mundial multilateral durante os anos cinquenta pode ser atribuído em grande medida às políticas inter-
79 A sigla BIS refere-se ao nome em inglês Bank for International Settlements. Criado em 1929 pelo Plano Young, o Banco de Compensações Internacionais ou Banco de Pagamentos Internacionais tinha como objetivo o recebimento e a administração dos recursos pagos pela Alemanha a título de indenização aos vitoriosos da Primeira Guerra Mundial, garantindo o circuito de crédito entre Alemanha, França, Grã-Bretanha e Estados Unidos, credores dos europeus. Com o fim dos pagamentos alemães foi transformado em uma organização internacional que viabiliza acordos financeiros entre os bancos centrais de diversos países no mundo. 80 PAC é a Política Agrícola Comum, uma demanda francesa, baseada no argumento da segurança alimentar, que protege o setor agrícola dos países por meio de elevados subsídios à produção.
relacionadas de rearmamento e apoio ao regionalismo europeu. (BLOCK, 1989, p. 168, tradução nossa)81
Paralelamente, iniciativas regionais eram incentivadas, como forma de buscar
certa autonomia. A independência monetária justificava-se também pela
desconfiança ao lastro das moedas às reservas de ouro, tendo em vista a prática da
ordem de Bretton Woods, discrepante em relação a suas regras.
4. 2. A Segunda fase: o padrão dólar-ouro e as iniciativas reativas às
crises
Com a retomada da conversibilidade das principais moedas europeias, veio
o aumento da pressão dos EUA para a entrada da Europa no sistema monetário
internacional, cujo epicentro era o dólar estadunidense. A União Europeia de
Pagamentos era vista como uma etapa transitória de estabilização. A cooperação
monetária por ela proporcionada ampliou, todavia, os horizontes europeus. Quando
foi decretado oficialmente seu fim, em 31 de dezembro de 1958, a integração
europeia tinha se aprofundado substancialmente, com os Tratados de Roma e a
consequente instituição da Comunidade Econômica Europeia e da EURATOM.
Formou-se neste momento a Europa dos Seis, constituída por Alemanha, França,
Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. De acordo com Denord e Schwartz (2009)
desde este momento a via do mercado já fora tomada. Neste diapasão, logo veio o
reconhecimento do Fundo Monetário Internacional e a adesão inevitável ao padrão
dólar-ouro, o que não durou muito. Com isto, a Europa Ocidental passou a também
ficar vinculada à restritiva financeira de Bretton Woods:
Assim, apesar da restauração da conversibilidade do dólar foi um importante momento na construção da ordem internacional liberal-econômica do pós-guerra, ambos, o governo dos Estados Unidos e os governos da Europa Ocidental, ficaram vinculados à restritiva ordem financeira da Bretton Woods. (HELLEINER, 1994, p.73, tradução nossa)82
81 No original lê-se: “En suma, para fines de los años cincuentas, los países de Europa Occidental habían optado por las medidas económicas liberales. El éxito norteamericano en la restauración de uma economía mundial multilateral durante los años cincuentas puede atribuirse en gran medida a las políticas inter-relacionadas del rearme y el apoyo al regionalismo europeo.” 82 Tradução livre: “Thus, although the restoration of dollar convertibility was an important moment in the building of the postwar international liberal economic order, both the American government and West European governments remained committed to restrictive Bretton Woods financial order.”
A desconfiança coletiva nos rumos do padrão dólar, motivada pelos
constantes déficits no balanço de pagamentos estadunidense, justifica-se ante a
evidente insuficiência de lastro do dólar em relação ao ouro, uma vez que após o
espraiamento dos investimentos e das ações bélicas dos Estados Unidos pelo
mundo eram contraditórias à austeridade e o ajuste automático imposto por Bretton
Woods. A lógica do ajuste automático não era viável em uma ordem liberal. O êxito
em seu cumprimento levava a seu fracasso, no movimento que ficou conhecido
como Dilema de Triffin:
Esta contradição foi apontada por Triffin (1979) já no final dos anos 50 e ficou conhecida como o “Dilema de Triffin”. A contradição consiste na incompatibilidade de o dólar, como padrão monetário internacional, exercer simultaneamente a função de circulação e a função de ativo de reserva de valor, esta última baseada no lastro em ouro. Cumprir com a regra da conversibilidade ao ouro supunha que os EUA somente pudessem emitir dólares na proporção em que acumulassem reservas em seu balanço de pagamentos, requerendo que o país incorresse em constantes superávits. Constantes superávits no balanço de pagamentos significa uma entrada de dólares superior à saída, o que implica escassez da moeda norte-americana no mercado internacional. Consequentemente, se a moeda é escassa em nível internacional ela não pode satisfazer a demanda por liquidez. (BAER et al, 1995: p. 82, grifo nosso)
Moffit complementa:
O mecanismo responsável por seu sucesso, a saber, crônicos déficits no balanço de pagamentos dos Estados Unidos, trazia as sementes da destruição do sistema. A essência do que se tornou conhecido como o Dilema de Triffin era que os déficits americanos não poderiam servir eternamente como fonte de moeda internacional- enquanto os Estados Unidos mantivesses a ligação entre o dólar e o ouro. Se a “hemorragia” de dólares estancasse, a antiga escassez de dólares retornaria e estrangularia o comércio mundial. Por outro lado, um fluxo constante de dólares dos Estados Unidos para o exterior criaria um excesso de dólares no exterior, estimulando governos a demandarem ouro com esses dólares. O estoque de ouro do Tesouro diminuiria, solapando a confiança na capacidade dos Estados Unidos de honrar o lastro de dólar em ouro, levando, portanto, a uma crise monetária internacional. (MOFFIT, 1984, p. 28-29)
Os gastos, como forma de garantia de liquidez, atendiam a escopos da
hegemonia estadunidense. Ao mesmo tempo em que concediam fôlego, via injeção
monetária, para a recuperação dos aliados, cimentavam sua presença e proteção
nas áreas mais importantes. As alianças militares, como a Atlântica, celebrada com
a Europa Ocidental fazia parte desta dinâmica, tendo contribuído para o resgate da
região por meio do dispêndio estadunidense com a manutenção das tropas (o que
depois da recuperação foi invertido, tendo os Estados ocupados que arcar com os
custos das missões estrangeiras), conforme a avaliação:
Entretanto, se o déficit na conta governamental já não era funcional para o conjunto da balança de pagamentos, os gastos, todavia, eram importantes para a realização dos objetivos mundiais dos Estados Unidos. As tropas norte-americanas estacionadas na Europa constituíam um elemento essencial da Aliança Atlântica, e não poderiam ser retiradas simplesmente porque os europeus, ainda que não tivessem uma necessidade premente, precisavam dos dólares gastos na manutenção da presença militar norte-americana. (BLOCK, 1989, tradução nossa)83
A contradição era flagrante na conjugação de metas estratégicas e do
equilíbrio automática exigido por Bretton Woods. Tanto que Block indaga: “Subsiste
a contradição: Como poderão os Estados Unidos buscar seus objetivos mundiais e
viver ao mesmo tempo dentro das regras de uma ordem monetária internacional.”
(BLOCK, 1989, p. 296, tradução nossa)84. Constatadas estas incompatibilidades,
empresas multinacionais, bancos e outros investidores começaram a alocar maiores
quantias de seu capital na forma de moedas estrangeiras. Moffit identifica a
especulação contra o dólar o fator principal de desestabilização do padrão
monetário-financeiro:
A causa imediata da morte do sistema de Bretton Woods foi a maciça especulação contra o dólar, sem precedentes na história. (...) A incerteza sobre o futuro do dólar como moeda dominante no mundo e a crescente sofisticação no gerenciamento monetário internacional foram responsáveis pelo fim do papel hegemônico do dólar. (MOFFIT, 1984, p. 75-76)
O movimento especulativo prejudicial, ainda segundo Moffit, teria ocorrido por
dois aspectos primordiais: “O substancial aumento da especulação contra o dólar
teve duas causas imediatas: o crescente desentendimento entre os aliados em
questões monetárias e a crescente sofisticação dos negociadores privados de
moedas.” (MOFFIT, 1984, p. 83). A hegemonia estadunidense, por estar ancorada
no padrão dólar-ouro, foi questionada com a verificação das contradições imanentes.
Logo, tanto os governos aliados quanto os investidores do mercado financeiro
83 No origina lê-se: “Pero si el déficit de la cuenta del gobierno ya no era funcional para el conjunto de la balanza de pagos, los gastos todavia eran importantes para la realización de los objetivos mundiales de los Estados Unidos. Las tropas norteamericanas estacionadas en Europa constituían un elemento esencial de la Alianza Atlântica, y no podrían ser retiradas simplesmente porque los europeos ya no tuviesen una necesidad apremiante de los dólares gastados en el mantenimiento de la presencia militar norteamericana.” 84 Tradução livre: “Subsiste la contradicción: ¿Como podrán los Estados Unidos buscar sus objetivos mundiales y vivir al mismo tempo dentro de las reglas de un orden monetario internacional?”
preferiram vender dólares e comprar outras moedas para transacionar no livre
mercado londrino, o Euromercado85. Muitos destes pertenciam ou eram as próprias
firmas estadunidenses, que contribuíram definitivamente para deflagrar a derrocada
do padrão dólar-ouro. O movimento inflacionário reverberou para a Europa,
atingindo o arranjo econômico da época:
A grande especulação nos mercados de câmbio não só exportou a inflação americana para a Europa, mas também forçou a Alemanha a abandonar suas políticas anti-inflacionárias. Em resumo, a Europa perdeu o controle sobre suas próprias políticas monetárias. Dessa experiência de intervenção os governos tiraram a lição de que não poderiam controlar fluxos de capitais privados- portanto, de nada adiantaria continuar tentando controlá-los. (MOFFIT, 1984, p. 86)
Neste prisma, os europeus buscaram alternativas no intuito de manter certa
autonomia monetária, diversas propostas variadas foram lançadas. Nelas já ficam
evidentes as discrepâncias entre as economias envolvidas. Aqueles países com
menores barreiras comerciais e mais vulneráveis às variações no valor relativo da
moeda eram os que mais necessitavam de limites para a flutuação cambial.
Ademais, a desconfiança em relação aos rumos do padrão financeiro internacional
motivou o consenso em torno da concertação. Primeiramente, optou-se pelo Acordo
de Basileia, de 1972, celebrado entre os seis bancos centrais comunitários, que
deveria funcionar estabelecendo limites à variação cambial, de forma análoga a uma
serpente no túnel, ficando, assim, conhecida a Serpente Monetária Europeia. Para
Mendonça (2004), este mecanismo impunha níveis de flutuação das moedas em
relação ao dólar (comprimento do túnel) e no tocante às moedas envolvidas (medida
na largura da serpente), cujo controle era feito por meio de intervenções
coordenadas dos bancos centrais nacionais. Logo, era o mecanismo de gestão
conjunta das moedas, que viabilizava ações para a manutenção dos patamares
desejados, quando preciso.
Em segundo lugar, adotou-se uma solução cautelosa, elaborada pelo
Comissário Europeu, o luxemburguês Pierre Werner, o Plano Werner, que se
baseava na serpente monetária, como forma de atingir após 10 anos um estágio
propício para a criação de uma união econômica monetária. O cumprimento das
disposições e o alcance do ambicioso cronograma ficaram comprometidos, quando
emergiu a crise iminente, com o rompimento unilateral dos Acordos de Bretton 85 Para mais ver Moffit (1984).
Woods pelos Estados Unidos e a incerteza quanto ao padrão monetário
internacional, que reforçaram a necessidade e a importância de uma estabilidade
econômica regional menos dependente do sistema internacional. De acordo com
Eichengreen: “As economia interdependentes na Europa ocidental procuraram
repetidamente colocar em prática uma ancoragem cambial coletiva”
(EICHENGREEN, 2000, p. 185).
Em meio às incertezas do sistema monetário internacional, outros países
como Reino Unido86, Dinamarca e Irlanda optaram pela adoção do Acordo de
Basileia, aderindo à Comunidade Europeia87. A crise decorrente do rompimento do
padrão dólar-ouro expôs as diferenças entre os países europeus, ao contrapor as
prioridades internas, como a manutenção do pleno emprego com o perigo da
desestabilização das taxas de câmbio. Mendonça corrobora esta noção, ressaltando
a contrariedade do equilíbrio monetário com as políticas internas de pleno emprego,
e aponta o caminho dos próximos projetos:
Por outro lado, a situação de crise económica acentuou as divergências entre países. A prioridade ao pleno emprego determinava a prioridade aos problemas internos o que provocava a desestabilização ao nível das taxas de câmbio. Ao mesmo tempo afirmava-se a evolução assimétrica entre a economia alemã e as economias dos restantes países-membros, com claro reforço da primeira. Tudo isto, num contexto de ausência de experiência em matéria de cooperação monetária. (MENDONÇA, 2004, p. 13)
Apesar da vivência curta e atribulada, a Serpente Monetária Europeia pode
ser considerada o segundo mecanismo direto de gestão conjunta das moedas
europeias, após a UEP, servindo de parâmetro para o posterior planejamento de
outras iniciativas. Ainda assim, neste panorama, já se revelavam notórios os
descompassos entre as, então, nove economias, havendo clivagens marcantes:
Já nos primeiros experimentos da década de 1970, em relação à flutuação de moedas, com a chamada serpente, se viu claramente como algumas economias eram mais sólidas que outras, com um grupo central e outro periférico, sendo o primeiro composto por Alemanha Ocidental e BENELUX, e o segundo, pelo resto dos países comunitários. (HOLLAND, 1981, pp. 39-40, tradução nossa)88
86 Cabe ressaltar que Inglaterra, Grã-Bretanha e Reino Unido são conceitos distintos, porém, neste trabalho terão significados sinônimos. Inglaterra é um dos países que compõe a ilha, a Grã-Bretanha, junto com Escócia e País de Gales, mas os lidera. O Reino Unido engloba a Grã-Bretanha e a parte norte da Ilha da Irlanda, reconhecida como Irlanda do Norte. 87 A partir de 1973, com a adesão dos três novos países, fala-se em Europa dos Nove. 88 No original, lê-se: “Ya en los primeros experimentos de los setenta sobre la alienación de monedas, con la llamada “serpiente”, se vió claramente como algunas economias eran más sólidas que otras, com um grupo
Passados os primeiros anos de tormenta e fracassadas as propostas
anteriores, um novo acordo foi articulado, agora, um amplo sistema de bandas
cambiais. Elaborado em 1978 e lançado em 1979, o Sistema Monetário Europeu,
cujo cerne era o Mecanismo de Taxa de Câmbio (MCT I), fixou as paridades
bilaterais entre as moedas envolvidas e estabeleceu metas comuns em matéria
monetária. Seus objetivos eram criar uma zona de estabilidade monetária interna e
externa, promover uma maior cooperação das políticas econômicas e estipular
políticas comuns a terceiras moedas e aos choques monetários. Implicitamente era
a assunção da hegemonia germânica no continente, pois elegeu como desiderato a
estabilidade da moeda, cujo modelo era a gestão do marco alemão: em detrimento
do pleno emprego, elegeu-se como prioridades a baixa inflação e a estabilidade
cambial (MENDONÇA, 2004). Sua lógica era calcada em três eixos: na unidade
monetária europeia, o ECU; no sistema de taxas de câmbio e um mecanismo
associado de intervenção, o MTC I; e no conjunto de mecanismos de crédito de
curto e médio prazo. O ECU, unidade monetária de conta, pode ser considerado o
embrião do Euro. Seu valor era calculado em cima de uma cesta das moedas
comunitárias, considerado a importância relativa de cada economia nacional. Este
ativo monetário de referência garantia um sistema de paridades fixas dentro da
Comunidade, orientava as intervenções, facilitava os mecanismos de crédito e
funcionava ainda como meio de reserva e de pagamento entre os bancos centrais
(MENDONÇA, 2004).
Os europeus, por meio de sistemas autônomos, atrelavam as moedas
nacionais ao marco alemão, tentando recuperar a pujança de seu mercado comum
em um panorama cercado de incertezas. Medeiros explica:
No SME, finalmente instituído em 1978, a Alemanha, devido à sua maior produtividade, abriu amplo superávit comercial com os países europeus gerando significativo saldo na sua balança de transações correntes. Este superávit acompanhado de baixo crescimento transformou-se em saídas de capital, principalmente de IDE. Embora este movimento correspondesse aos seus objetivos nacionais, interrompeu a regionalização macroeconomicamente expansiva construída historicamente no pós-guerra. (MEDEIROS, 2004, p. 157)
central y outro periférico, el primero compuesto por Alemania Occidental y el Benelux y el segundo por el resto de países comunitarios.”.
Portanto, as latentes diferenças passaram a ficar evidentes e a transformar a
trajetória da integração monetária europeia em um processo desigual e restrito, sem
mais gerar a prosperidade distributiva de outrora. O contexto da década de 1970
mudara consideravelmente o arranjo do pós-guerra. As décadas de crescimento
econômico e intensa participação estatal no controle do sistema monetário
passaram diversos momentos críticos. A transição do sistema monetário para o
domínio da lógica do mercado foi marcada por fortes turbulências:
Não se pode dizer que a transição de um sistema monetário dominado pelo governo para um sistema orientado para o mercado tenha sido suave. Ela foi marcada por uma série de crises monetárias e mudanças bruscas de política. Um período dos mais turbulentos da história no qual se manifestou, essencialmente, uma disputa entre governos e bancos privados pelo controle sobre o sistema monetário internacional. (MOFFIT, 1984, p. 71)
Nas décadas de 1970 e 1980 foram sentidos os ecos dos períodos
inflacionários, agravados em 1971 e 1973, da elevação dos preços do petróleo, em
1973 e 1979, dos interregnos recessivos, como de 1974-1975 e 1980-1982, e do
aumento de juros da moeda estadunidense, em 1979. A partir deste momento até a
estabilização na década de 1990, a reação europeia foi sempre na direção de
fortalecer os arranjos regionais, para diminuir a dependência externa. Os efeitos das
transformações perpetradas não tocaram apenas o setor externo, senão o cenário
interno. A debacle do padrão monetário, além de influenciar nos rumos da economia
internacional, minando a bonança do pós-guerra, acirrou os conflitos internos. As
crises geradas levaram ao questionamento do Estado de bem-estar social na
Europa Ocidental. Os elevados gastos sociais e dívidas públicas, mediante a
intervenção estatal constante na economia, foram identificados como empecilhos à
prosperidade. Isto porque o poder de barganha dos trabalhadores era relativamente
forte e conseguia pressionar os setores do capital, que aceleraram a estratégia de
enfraquecimento das prerrogativas estatais em favor do mercado. A ofensiva
ideológica foi deflagrada. O ideário da abertura comercial e financeira, traduzido pelo
fenômeno da globalização econômica, fortaleceu-se no continente, afetando o
Sistema Monetário Europeu e sendo determinante nos rumos comunitários.
4. 3. A Terceira Fase: o Tratado de Maastricht e a correção de rumos da
integração europeia
Em meio a uma sequência de crises89, interna e externa, acompanhada de
questionamentos sobre o declínio da hegemonia estadunidense, antes do fim do
governo Carter, ainda em 1979, Paul Volker assume a cadeira do Federal Reserve,
dando nova guinada às pretensões imperiais estadunidenses90, com o Choque de
Juros. Era a reafirmação da hegemonia por meio da imposição do poder financeiro,
retomando o controle do sistema monetário-financeiro internacional, estratégia
inspirada na hegemonia britânica (TAVARES, 1997). Na manobra, as taxas de juros
foram elevadas unilateralmente e atingiram níveis quatro vezes maiores, o que
gerou uma recessão internacional. Principalmente, no tocante aos países que
tinham elevadas dívidas em dólares, os quais viram seus débitos aumentarem
consideravelmente. Este movimento foi acompanhado por um discurso de fomento
às inovações financeiras e à desregulamentação, que predominaria na década de
1980. Os EUA, em sua estratégia de restauração liberal-conservadora, retomam
progressivamente o controle, surgindo um novo sistema financeiro internacional,
que, posteriormente ficaria conhecido como dólar-flexível:
Nesse novo padrão, o dólar continua sendo a moeda internacional. Só que agora finalmente livre das duas limitações que tanto o padrão ouro-libra, quanto ouro-dólar impunham aos países que emitiam a moeda-chave. No padrão dólar flexível os Estados Unidos podem incorrer em déficits na BP e financiá-los tranquilamente com ativos denominados em sua própria moeda, como nos outros padrões anteriormente citados. Além disso, a ausência de conversibilidade em ouro dá ao dólar a liberdade de variar sua paridade em relação a moedas dos outros países conforme sua conveniência, através de mudanças da taxa de juros americana. Isso é verdade tanto para valorizar o dólar quanto para desvalorizá-lo. No último caso não há mais por que temer uma fuga para o ouro, pois o novo padrão dólar é inteiramente inconversível, baseado na premissa de que um dólar “is as good as one dollar”, premissa ancorada no poder do Estado e da economia americana no mundo unipolar pós-guerra fria. Como o dólar é o meio de pagamento internacional e a unidade de conta nos contratos e nos preços dos mercados internacionais, acaba por se tornar também a principal reserva de valor. (SERRANO, 2002, p. 250-251, grifo nosso)
Ocupando as três funções da moeda, o dólar continua sendo a moeda
referência, sem lastro metálico, sendo, todavia, totalmente conversível em si mesmo.
89 Dentre as diversas crises, econômicas e políticas, que cercaram a década de 1970, pode-se citar as Primeira e Segunda Crises do Petróleo, de 1973 e 1979, a Guerra do Vietnã, a Revolução Islâmica no Irã, a Revolução Sandinista na Nicarágua, a independência das ex-colônias portuguesas na África e a invasão soviética ao Afeganistão. 90 Esta mudança foi apenas o início de uma virada conservadora no poder político estadunidense, a qual viria a ser concretizada após a eleição de Ronald Reagan.
Isto garante vantagens sem precedentes. A ampla discricionariedade para decisão
da flutuação cambial determina sua competitividade ante seus concorrentes no
mercado internacional, haja vista a precificação em dólar. Além disto, sua
capacidade de endividamento tornou-se controlável e infindável, visto que não há
mais restrição externa do ouro, ou seja, o país hegemônico pode incorrer em déficits
permanentes, uma vez que é a sua moeda que estipula o valor das obrigações. Aos
outros países restam algumas vantagens, como o espaço que o câmbio flutuante
garante para políticas e soluções nacionais, sempre balizadas pelas premissas
liberais:
O sistema atual de taxas de câmbio flutuantes também dá espaço para as ações nacionais, ao mesmo tempo em que mantém o princípio de um compromisso prioritário para harmonizar as políticas nacionais com os interesses de uma economia mundial liberal. (COX, 2007, p. 119)
Este padrão dólar-flexível não se instaurou imediatamente. Essas
particularidades foram solidificando-se com o tempo. Após a Diplomacia do Dólar
Forte, iniciada em 1979, o Federal Reserve alterou sua estratégia, buscando
estancar a valorização do dólar, sem, todavia, desvalorizá-lo. Para tanto, entrou em
acordo com os aliados desenvolvidos a convite e findou a tolerância americana com
a desvalorização controlada das moedas de Alemanha e Japão, garantindo que os
juros dos países estariam acima da taxa americana, para que o dólar pudesse se
desvalorizar, sem alterar as elevadas taxas internas. Este compromisso foi articulado
nos Acordos de Plaza, de 1985, com o Japão, e do Louvre, de 1987, com a Europa
Ocidental (SERRANO, 2004). A consequente valorização compulsória do marco
alemão em meados dos anos de 1980, aliadas à forçada desregulamentação
financeira, arrefeceram o ímpeto comercial alemão e restringiram sua área de
influência ao continente europeu. Serrano sintetiza o movimento, ao qual os países
industrializados, como a Alemanha, passaram a seguir:
Os demais países industrializados foram forçados a acompanhar de perto este movimento de alta, sem precedentes, das taxas de juros, sob pena de sofrerem uma desvalorização cambial descontrolada com consequências inflacionárias. A partir daí os países desistiram definitivamente de questionar a dominância do dólar e a Europa defensivamente começou a montar o sistema monetário europeu para estabilizar o câmbio entre os países da própria comunidade europeia. (SERRANO, 2004, p. 202)
A década de 1980 pode ser identificada como o momento de inflexão que
explica em grande parte os atuais rumos do processo de integração europeia. Junto
com a ofensiva financeira e ideológica, empreendeu-se uma estratégia militar que
levou ao estrangulamento da União Soviética e a consequente dissolução do bloco
socialista, o que fortaleceu o discurso triunfalista da hegemonia estadunidense e
mudou significativamente a geopolítica europeia, após a reunificação da
Alemanha91. Os efeitos externos do fim da tolerância comercial com os aliados
reverberam n arranjo interno dos Estados europeus:
A retomada da política hegemônica do dólar no início dos anos 80 interrompeu as possibilidades de se construir em colaboração com os principais países industrializados, alternativas monetárias a um dólar enfraquecido. A estratégia de enquadramento dos aliados e das moedas rivais se deu como reação ao extraordinário sucesso industrial e exportador da Alemanha e do Japão e da contestação do dólar enquanto moeda internacional que caracterizaram a economia mundial no final dos anos 70. A iniciativa norte-americana de retomada da hegemonia econômica e ideológica nas relações internacionais afirmou-se, também, como uma ampla ofensiva interna liderada pelos EUA e Inglaterra contra os sindicatos, o Estado de Bem-Estar, o excesso de democracia, interrompendo o crescimento compartilhado típico do keynesianismo social que caracterizou o capitalismo industrial no pós-guerra. (MEDEIROS, 2004, p.139-140)
O capital recuperara sua pujança e já não aceitava mais a composição com a
classe trabalhadora mediada pelas garantias estatais. O esgotamento do modelo de
bem-estar social começou a aparecer quando o capital passou a lucrar menos por
ter que pagar salários maiores, concedendo demais para a vontade do trabalho, pois
os sindicatos ganhavam poder de barganha e contestavam o regime, acirrando o
conflito distributivo e tencionando o compromisso capital-trabalho do pós-guerra
(SERRANO, 2004). Neste sentido, houve uma forte e efetiva promoção do
pensamento neoliberal internamente e externamente por grupos financeiros e
multinacionais correlatos, com noções semelhantes à lógica ortodoxa que não
conseguiu ser implantada no imediato pós-guerra:
91 Vale lembrar que a reunificação não foi um movimento isolado e unilateral da República Federal da Alemanha, mas um processo arquitetado multilateralmente. O Acordo Dois mais Quatro, que envolvia das duas Alemanhas (Ocidental e Oriental), França, Inglatera, URSS e EUA, arregimentou o processo de reunificação foi mais uma forma consensual de admissão da nova inserção tedesca, após seu incremento de poder oriundo do fim da divisão territorial e da ocupação soviética. Antes de reunificação, a incorporação da banda oriental germânica foi uma anexação acordada, a despeito da discordância de franceses e britânicos, repleta de contrapartidas, tanto pelo lado econômico quanto pelo geopolítico para as partes envolvidas. Aos Estados Unidos e à União Soviética interessava o retorno de uma Alemanha fortalecida ao cenário europeu, como forma de reequilibrar a balança de poder na Europa.
Ademais, o pensamento neoliberal foi promovido fortemente por uma coalizão de grupos sociais similares com aqueles que apoiaram a ideia nos Estados Unidos na década de 1970. Os interesses financeiros europeus e os negócios das multinacionais, por exemplo, foram importantes advogados do argumento neoliberal pela liberdade financeira neste período. (HELLEINER, 1994, p. 162)92
As transformações internacionais das décadas de 1980 e 1990 acirraram este
panorama. As propostas de cooperação regional foram afetadas pela estratégia de
abertura dos mercados liderada pelo poder hegemônico. As limitações aos fatores
externos emperrou o andamento do Sistema Monetário Europeu e direcionou o
bloco para outros rumos, os quais atendiam aos interesses das frações dos capitais
internos mais fortes e dos internacionais. Assim, os Estados europeus sentiam os
efeitos da internacionalização de suas economias:
Assim, a diluição de territórios monetários na ordem liderada pelos EUA e pelo dólar introduz duas questões que se articulam: a subordinação da política macroeconômica à restrição externa, o conflito de interesses entre frações de capital, e a vulnerabilidade a instâncias de poder, independentes do estado nacional. Nestas condições, a questão do baixo crescimento e da estagnação prolongada deve ser observada a partir das restrições que impedem a política macroeconômica de estimular consistentemente o conjunto da economia através do gasto público e política monetária, e coordenar os diferentes interesses associados à internacionalização. (MEDEIROS, 2004, p. 143-144)
Em um contexto de restrições externas e conflitos internos, repensou-se o
processo europeu, e a reação à tendência de baixo crescimento e à concorrência
internacional começaram com o relançamento da integração, a partir do Ato Único
Europeu, documento que continha as diretrizes futuras da guinada europeia,
articulado por Jacques Delors, socialista francês, quando este assumiu a presidência
da Comissão Europeia, em 1985. O panorama tornou-se muito mais favorável à
liberalização dos capitais do que na celebração dos Tratados de Roma, que já a
previra. Esta abertura passou a ser relacionada com a concretização do mercado
único, que para Denord e Schwartz (2009), só produziria plenamente seus efeitos
com a adoção do Ato Único de 1986:
Apesar da liberalização de capitais constar formalmente como objetivo dos Tratados de Roma (1957), esta recebeu pouca atenção dos governos da
92 Tradução livre: “Moreover, neoliberal thinking was promoted especially strongly by a coalition of social groups similar to that which had supported neoliberal ideas in the United States in the 1970s. European financial interests and multinational businesses, for example, were important advocates of the neoliberal argument for financial freedom in this period.”
Europa Ocidental nas décadas de 1960 e 1970 (...) Foi o Livro Branco, de 1985, que pavimentou o caminho para o Ato Único Europeu, de 1986, o qual enfatizou a importância da liberalização de capitais como parte final da concretização do mercado único. (HELLEINER, 1994, p. 157)93
Era necessário alterar os rumos da integração. As pressões competitiva e
ideológica forçavam pela transformação. Por um lado, os capitais queriam a mesma
liberdade providenciada na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos dentro da Europa
continental: “Mesmo sem a consecução de objetivos regionais explícitos, a
Comissão e os governos europeus perseguiam a liberalização financeira no período,
como resultado de pressões oriundas do Euromercado e dos Estados Unidos.”
(HELLEINER, 1994: p. 159, tradução nossa)94. Por outro, o neoliberalismo passou a
ser associado à modernidade, à transposição dos conflitos do passado para um
mundo racional, globalizado e integrado, cuja prosperidade estaria na superação das
barreiras impostas pelo Estado: “Junto com as pressões competitivas, a liberalização
financeira foi encorajada pelo crescimento proeminente de concepções positivas de
finanças, difundidas na Comunidade nos anos 1980.” (HELLEINER, 1994: p. 161,
tradução nossa)95.
A integração foi, então, relançada sobre novas bases. Acreditava-se que uma
política macroeconômica unificada, ainda que inserida na lógica neoliberal, poderia
fortalecer a posição dos europeus no contexto de poder americano (MEDEIROS,
2004). Os controles cooperativos de capitais mostram-se insustentáveis ante a
dificuldade política de implementação de mecanismos mais efetivos de proteção aos
movimentos especulativos, o interesse hegemônico em promover os ditames
neoliberais, e a propaganda ideológica em torno dos benefícios de sua adoção.
Neste cenário, avançou-se mais uma etapa na criação de alternativas autônomas ao
sistema do dólar.
Neste momento, a moeda única, pensada desde os Tratados de Roma, foi
defendida arduamente pela elite francesa, que convenceu os alemães a aderir,
93 No original, lê-se: “Although the liberalization of capital movements was one of the formal objectives of the Treaty of Rome (1957), it received little attention from West European governments in the 1960s and 1970s. (…) Its 1985 White Paper, which established the framework for the 1986 Single European Act, emphasized the importance of liberalizing capital movements as part of its goal of completing the creation of the single market.” 94 Tradução livre: “Even without these regional objectives the Commission and many continental European governments still would have pursued financial liberalization in this period because of competitive pressures from the Euromarket and the U.S. financial system.” 95 No original, lê-se: “In addition to these competitive pressures, European financial liberalization was encouraged by the increasing prominence of neoliberal conceptions of finance throughout the Community in the 1980s.”
como forma de contraprestação à reunificação germânica. Conforme entende
Callinicos, a União Econômica Monetária era atrativa por duas razões:
A União Monetária Econômica era atrativa às elites francesas por duas razões. A primeira por fortalecer a Comunidade Europeia enquanto bloco econômico, o que garantia uma maior independência perante os Estados Unidos. O mesmo objetivo estava por trás dos esforços franceses, que encontravam forte oposição de Washington e Londres, para encorajar a Alemanha, particularmente, e a Comunidade, em geral, para engajarem-se em uma cooperação militar para além da OTAN, altamente influenciada pelos Estados Unidos. O segundo deve-se ao fato de que a União Monetária Econômica poderia reverter o incremento de poder adquirido pela Alemanha após a reunificação e o fim da Guerra Fria. O Banco Central Europeu, criado pelo Tratado de Maastricht, poderia, ao contrário do Bundesbank, estar subordinado aos órgãos comunitários, nos quais a França exercia grande influência. (CALLINICOS, 1997, p. 9, tradução nossa)96
Previu-se, então, a criação de uma União Econômica Monetária (UEM) em
três fases graduais, com menor transferência de competências orçamentárias para a
CEE, se comparado com o Plano Werner. O objetivo final era a adoção de taxas de
câmbio fixas e uma política monetária única para a área, a serem determinadas por
uma entidade independente de um Estado nacional. Assim, pensou-se o Banco
Central Europeu e o Sistema de Bancos Centrais que o sustentaria. A remodelagem
europeia culminou no Tratado de Maastricht, de 1992. O tratado internacional
pensou a integração por meio da formação da União Europeia, que abarcaria todas
as iniciativas comunitárias anteriores sob o mesmo teto97. No documento, ficou
expressa a intenção de transformação do mercado comum europeu em mercado
único por meio da previsão de uma moeda comum para a zona comunitária. Assim,
em 7 de fevereiro, o Tratado de Maastricht é assinado, baseado no binômio
gradualismo-convergência. O lançamento da UEM seria projetado em três fases
previstas mesmo antes da assinatura dos aderentes (MENDONÇA, 2004). As fases
96 Tradução livre: EMU was attractive to the French ruling class for two reasons. First, by strengthening the EC as an economic bloc it would allow European governments to act more independently of the US. The same objective lay behind French efforts, bitterly opposed by Washington and London, to encourage Germany in particular and the Community more generally to engage in military co-operation outside the framework of the US-dominated NATO. Secondly, EMU would reverse the shift in the balance of economic power in Germany’s favour that had occurred in the early 1980s. The European Central Bank (ECB) created by the Maastricht Treaty would, unlike the Bundesbank, be accountable to European governments, in whose counsels France had an exceptional weight. 97 A literatura especializada costuma caracterizar este encanamento institucional como um templo grego de três pilastras, cujo teto seria a União Europeia e os pilares compostos um, pela CECA, EURATOM e CEE, outro, pelos assuntos internos e judiciários, e o último, pela política externa e de segurança comum.
de adaptação98 incluíam a coordenação e liberalização financeira, em um primeiro
momento, a consolidação de novas estruturas, em segundo lugar, e a transferência
de responsabilidades dos países para os órgãos competentes, no terceiro ciclo.
Iniciada em 1° de julho de 1990, a primeira fase, seguindo a euforia neoliberal
que contagiava o contexto, buscava a liberalização completa dos movimentos de
capitais entre todos os Estados-Membros. Ainda que tenha sido encetada antes,
este período só alcança robsutez institucional com a entrada em vigor do Tratado de
Maastricht, em 1° de novembro de 1993.
Bem-sucedida, a primeira fase pavimenta o caminho para a segunda. Em
conformidade com o artigo 109-E do Tratado, começa em 1° de janeiro de 1994, o
período de constituição de novas estruturas, notadamente com a criação do Instituto
Monetário Europeu (IME)99, órgão embrionário do futuro Banco Central Europeu.
Ademais, cabia aos Estados aderentes assegurar a compatibilidade tanto de sua
economia quanto de sua legislação nacional com os ditames da área comum,
sobretudo quanto à independência do Banco Central Europeu.
A compatibilidade econômica viria com o estágio de atingimento dos critérios
de convergência, previsto para 1° de janeiro de 1999, inaugurando a terceira fase,
expressa no artigo 109-I do Tratado da União Europeia. O empenho europeu em
cumprir os compromissos assumidos foi demonstrado no Conselho Europeu de
Madrid, realizado em dezembro de 1995, o qual confirmou as diretrizes de
Maastricht. Para se chegar à moeda única era necessário, todavia, o cumprimento
de critérios de convergências100, condições econômicas e financeiras que
permitissem o agrupamento dos países em um mercado único. Os pressupostos
envolvem a estabilidade dos preços101; situação orçamental102 (evitabilidade de
98 Os preparativos para a adoção estão expressos nos nas disposições comuns presentes nos artigos que vão do 109-A até o 109-M. 99 A previsão de constituição e as competências do Instituto Monetário Europeu encontram-se no artigo 109-E do Tratado de Maastricht. Dentre suas funções cabe destacar a de reforçar a cooperação entre os bancos centrais e a coordenação das políticas monetárias, e a de efetuar os trabalhos preparatórios necessários à instituição do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), o qual deveria conduzir a política monetária única a partir do início da terceira fase e proceder à introdução da moeda única. 100 Previstos no artigo 109-J e mais especificadamente no Protocolo n° 13 anexo ao Tratado de Maastricht. 101 Para verificar este critério da estabilidade de preços é imprescindível observar a taxa de inflação em um Estado durante o período de 1 ano para compará-la com a taxa de inflação de três Estados com melhor desempenho neste aspecto, não podendo a taxa do Estado candidato exceder 1,5% do paradigma dos três Estados-membros com melhores resultados. 102 O Protocolo n°12, anexo ao Tratado de Maastricht, complementa os valores de referência citados pelas duas condicionalidades listadas pelo art. 104-C, quais sejam, as finanças devem ser equilibradas e sustentáveis, não podendo ultrapassar os valores de 3% para a relação déficit público/PIB a preços de mercado; e de 60% da relação dívida pública/PIB a preços de mercado.
déficits excessivos); a participação no mecanismo de taxas de câmbio do Sistema
Monetário Europeu103; a convergência das taxas de juros no longo prazo104. O
cumprimento das condicionantes é analisado pelo Conselho da União Europeia,
após recebimento de relatório oriundo da Comissão Europeia, concedendo o parecer
favorável ou não ao Estado que pleiteia a entrada na área monetária comum. Para
Cintra (2011) as metas expostas em Maastricht, que vieram a ser consolidadas no
Pacto de Estabilidade e Crescimento de 1997, eram irreais. O atingimento do teto de
3% do PIB para o déficit público; de 60% do PIB para a dívida pública; para a
inflação uma banda de 1,5% sobre a média ponderada dos três membros da UEM,
com as menores taxas de inflação; e para as taxas de juros uma banda de 2% dos
três Estados da UEM com melhor desempenho; não condiziam com a realidade da
esmagadora maioria das economias presentes no acordo.
Além das condições econômicas, era fundamental alcançar concerto político
sobre os determinados assuntos, como o quadro jurídico para a utilização do euro.
Inicialmente, foram intensificados os preparativos, em 1998, com a listagem dos
países aptos a participar (cumpridores dos critérios de convergência), o
estabelecimento da taxa de conversão definitiva entre o Euro e as moedas
nacionais, a adoção de disposições legais e administrativas, e a instituição do
Sistema Europeu de Bancos Centrais, cujo pilar é o Banco Central Europeu. O
arranque efetivo veio em 1° de janeiro de 1999, com a substituição do ECU,
enquanto moeda contábil (função de unidade de conta da moeda) pelo Euro. Para
Cintra (2013), o ECU era uma moeda virtual, calcada na cesta de moedas dos
Estados-membros da Comunidade Europeia, utilizada como unidade de conta antes
da introdução do Euro, em 1° de janeiro de 1999, coroando a terceira fase. Este
período de efetivação duraria três anos, até sua entrada em circulação, como meio
de troca nas economias envolvidas. Em 1° de janeiro de 2002, o Euro transformou-
103 É o mecanismo de ajuste entre as taxas de câmbio das moedas nacionais é um instrumento para se atingir a estabilidade e a convergência na integração econômica. O Mecanismo de Taxas de Câmbio I foi criado em 1979 pelo Sistema Monetário Europeu vigendo até sua implosão em 1993 pela extrapolação dos limites estabelecidos. Estes tendem a evitar flutuações excessivas das moedas, ancorando-as em padrões de referência. Com as mudanças relativas à eliminação do controle de capitais da primeira etapa, o sistema tornou-se inviável, obrigando o alargamento das bandas de flutuação de 2,25% para 15%, após a crise de 1993. Para que este critério seja cumprido, é preciso que o país pleiteante esteja inserido no sistema pelo período de 2 anos sem que sua moeda sofra fortes tensões além do limite fixado. Preenchido o requisito, estará o país apto a integrar a área do Euro. 104 As taxas de juros no longo prazo são calculadas com base nas obrigações ou títulos emitidos pelos Estados. Assim, são comparadas àquelas dos três Estados-membros de melhor resultados em termos de estabilidade de preços. Cumprirá o critério o Estado cuja taxa não exceder 2% daquelas de referência.
se em moeda autônoma e com curso oficial, subsistindo com as moedas nacionais
até a data derradeira de 1° de julho de 2002, a partir da qual não poderão mais ser
trocadas pela moeda única.
A opção pela entrada na UEM dos diversos países justificava-se por
vantagens como a ausência de custos na conversão cambial, uma garantia de
eficiência econômica; maior transparência dos preços; eficiência da intermediação
financeira e dos processos de investimento; redução da incerteza dos agentes
econômicos; evita desvalorizações competitivas, diminuindo tensões comerciais e
protecionismo (afastamento em relação aos conflitos do passado). Ao mesmo
tempo, em contrapartida, havia desvantagens claras, como a perda de autonomia na
condução da política monetária e a consequente dependência a critérios externos; a
manutenção da grande assimetria entre os países; e a perda da taxa de câmbio
como ferramenta de equilíbrio do balanço de pagamentos.
Os pontos negativos pesaram significativamente para alguns países que
optaram por uma aceitação parcial das novas disposições, o que ocasionou no
surgimento de diversas subdivisões dentro da União Europeia. Com a entrada em
vigor do Tratado, ficaram evidentes os variados enquadramentos jurídicos dos
países. Todos os Estados membros, 12105 em 1992, assinaram o documento.
Inglaterra e Dinamarca, parcialmente, pois exerceram o direito de não vir a compor a
área monetária única. Em outras palavras, seriam partes do mercado comum, mas
não do mercado único. Estabeleceu-se que aqueles Estados que aderissem
posteriormente ao Tratado, ainda que não entrassem imediatamente, seriam
potenciais membros da área do Euro, efetivando-se esta condição quando tiverem
preenchidos os pressupostos necessários.
A integração europeia mostrava adaptabilidade ante a conjuntura
internacional e viria a servir de parâmetro para outras iniciativas de integração
econômica no sistema mundial. A partir do fortalecimento prorcionado pelos
Tratados de Roma, a integração consolidou-se, a ponto de atingir uma unificação
institucional, dada pelo Tratado de Bruxelas de 1965106. As transformações
105 Os doze membros em 1992 eram: Bélgica, Luxemburgo. Holanda, Alemanha, França e Itália (originários); Inglaterra, Dinamarca e Irlanda (aderentes em 1973), Grécia (1981), Portugal e Espanha (1986). 106 O Tratado de Fusão ou Tratado de Bruxelas foi assinado em 8 de abril de 1965 e entrou em vigor em 1° de julho de 1967. Estabeleceu um conselho e uma comissão únicos para as três comunidades, Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), Comunidade Econômica Europeia (CEE) e Comunidade Europeia de Energia Atômica (EURATOM). Logo, foram criados o Conselho de Ministros e a Comissão Europeia, ambos com sede
internacionais, como as crises que permearam a década de 1970 e o início da
década de 1980, frearam o âmbito integracionista, que só foi retomado no limiar da
década de 1990. Após um longo período sem acordos relevantes entre os países, a
integração, ante o novo contexto internacional, foi relançada, mediante a
formalização do Ato Único Europeu e a reforma materializada no Tratado de
Maastricht, elaborado em 7 de fevereito de 1992, entrando em vigor em 1° de
novembro de 1993. Com a conjuntura distinta, principalmente pelo fim da Guerra
Fria, ocasionado pela dissolução da União Soviética, e a reunificação da Alemanha,
sob os auspícios da República Federal, e com a renovação da arquitetura
institucional, sob a expectativa de aprofundamento inédito, com a unificação das
iniciativas comunitárias e a previsão de uma moeda comum dentro da União
Econômica Monetária.
A euforia liberal com o aprofundamento do projeto europeu, consolidado em
Maastricht, durou ao longo da década de 1990. Perpassou os Tratados de
Amsterdã, de 1997, e de Nice, de 2001, que prepararam a integração europeia para
uma moeda única e para uma ambiciosa expansão territorial. Atingiu seu ápice com
a criação do Banco Central Europeu, em 1999, com a entrada em circulação do
euro, em 2002, marcando a unificação da política monetária dos países membros da
União Europeia que adotaram a moeda comum, e com a incorporação de 10 países
do Leste Europeu em 2004, de poderio econômico frágil, o que demandaria um
esforço ainda maior da União Europeia para sua absorção, além das mudanças
institucionais necessárias. Um maior número de membros, todos com direito iguais,
passou a inviabilizar decisões céleres sobre assuntos urgentes. Em meio a este
impasse, cuja demanda era por flexibilidade institucional e manutenção do poder das
economias mais fortes, foram celebrados em 2007, os Tratados de Lisboa, cuja
composição era feita pelo Tratado da União Europeia e o Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia. Estes documentos traziam ao direito comunitário
muitas das disposições materiais previstas na malfadada Constituição Europeia,
além de viabilizarem a flexibilidade institucional, para possibilitar ações mais rápidas
em tempos de crise, os quais se aproximavam. Logo, os Tratados de Lisboa, que
foram firmados em dezembro de 2007, mas somente entraram em vigor em 1° de
em Bruxelas, juntando-se aos outros órgãos comunitários já existentes, Parlamento Europeu e Tribunal de Justiça Europeu.
dezembro de 2009, buscaram adequar e adaptar as estruturas políticas do contexto
hodierno às alterações econômicas consagradas em Maastricht.
Desta forma, mediante acordos políticos, que catapultaram reformas e
adesões, a organização internacional União Europeia consolidou-se, adquirindo os
moldes atuais. O estreitamento dos laços monetários, gradativo ao longo de sua
trajetória, foi assegurado por um arcabouço formal e orgânico.
5. Conclusões
No que concerne ao exposto neste capítulo, é imperioso encerrá-lo mediante
a apresentação das ideias principais. A ótica da crítica à Economia Política
Internacional permite o estabelecimento de uma análise sistemática e ampla, que
busca desvendar os fenômenos internacionais por meio da verdade de sua
economia política. O prisma neomarxista complementa-se a aspectos realistas,
contribuindo para uma abordagem substancial do complexo regionalismo europeu.
Antes de qualquer ilação, é imprescindível situá-lo nas bases do pensamento
que mescla a Economia Política com as Relações Internacionais: o sistema
interestatal capitalista e o poder hegemônico que sobre ele exerce influência. Logo,
a integração regional precisa ser contextualizada dentro deste panorama, o cenário
sistêmico do pós-Segunda Guerra Mundial. Neste, o continente, pioneiro na
constituição e protagonista nas transformações do ordenamento interestatal emerge
derrotado, ocupado e destruído, com as burguesias locais enfraquecidas, mas
pleiteando sua reinserção no seio das metrópoles. Com esta configuração, os
Estados Unidos transformaram sua dominância econômica e militar em hegemonia,
conseguindo o consenso de seus pares sobre sua superioridade, o qual se
manifesta, notadamente, na construção das instituições, políticas, econômicas e
militares, e da ordem monetária internacional. Face às debilidades europeias, as
demandas por recuperação econômica (dos capitais nacionais), paz militar e
garantia do poder político às classes burguesas, os Estados Unidos promovem uma
estratégia de reinserção ao multilateralismo e subordinação da porção ocidental do
continente em sua dinâmica hegemônica. Os contornos deste reerguimento são
conferidos pela instrumentalização da Guerra Fria, frente à ameaça que o
militarismo e o ideário soviético traziam às elites ocidentais.
Neste diapasão, a inserção internacional subordinada e metropolitana da
Europa Ocidental é dada pela promoção do regionalismo local com base na
economia política liberal. Este movimento apoia-se sobre três pilares: o sustentáculo
político, qual seja, o Estado de bem-estar social que garantiu a proeminência política
das elites burguesas, obrigando-as a fazer concessões ao trabalho e à heterodoxia
econômica para não poderem o controle do Estado; o sustentáculo militar, a aliança
atlântica, que pacificou e rearmou as forças europeias, assegurando um contexto de
estabilidade bélica; e o equacionamento da questão geopolítica alemã, instituindo o
país germânico como alicerce da recuperação econômica regional, mediante
parceria estratégica com os Estados Unidos.
Estes fundamentos viabilizaram a estratégia integracionista que foi
entrelaçada pelas vias da geopolítica dos capitais e dos Estados, nas quais o capital
monopolista financeiro estadunidense contamina e hegemoniza as economias
nacionais, promovendo a gradual inserção no sistema internacional multilateral. Foi
por intermédio desta correlação de forças que a Europa Ocidental rapidamente se
recuperou das mazelas da guerra e adentrou a economia mundial multilateral em
uma posição central, ainda que subalterna. A evolução foi gradativa, repleta de
avanços e retrocessos, respeitando as condicionalidades e as externalidades, até a
entrada no padrão dólar-ouro. O apoio hegemônico, ao mesmo tempo em que
subordinou os interesses nacionais a seus objetivos de enquadramento, propiciou
aos países aliados na Europa Ocidental relativa autonomia dentro do sistema
financeiro-monetário. Assim, a construção da institucionalidade europeia
caracterizou-se pela díade: de um lado, os Estados buscavam alternativas à
dependência do dólar, por outro lado, os capitais pressionavam para a liberalização
dos controles estatais e por um espaço livre e comum, cuja previsibilidade e
rentabilidade seriam bem maiores.
Com fulcro nesta dialética entre autonomia e subordinação, ergueu-se na
Europa Ocidental uma estrutura inédita para os parâmetros de uma organização
internacional, cuja cooperação é abrangente, envolvendo entendimentos em
diversas áreas, residindo o maior aprofundamento nas competências favoráveis à
livre proliferação dos capitais. Por um lado, os arroubos de independência dos
europeus ao padrão mundial residem na consecução de diversas iniciativas de
cooperação monetária, marcando sua posição descolada da ortodoxia de Bretton
Woods. Ainda que este sistema não tenha se mostrado, na prática, tão rigoroso, a
tolerância hegemônica com a recuperação regional foi apenas mais um estímulo a
projetos próprios (dos capitais europeus que passaram a ter relações íntimas com os
estadunidenses na reconstrução continental), à margem dos multilaterais. Por outro
lado, o assentimento da inserção secundária no núcleo metropolitano ocorre quando
a cooperação europeia se depara com seus limites e, consequentemente, explicita
suas contradições. A evolução ou retrocesso dos arranjos monetários europeus
acompanham as transformações internacionais, sofrendo os efeitos da trajetória
hegemônica.
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