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Histria Econmica: consideraes sobre um
c ampo disc iplinar
Jos DAssun o Barros1
1.Histria Ec onmica : atualidade de um cam po histrico
A historiog ra fia tem passado, na s dc adas rec entes, po r
uma sistemtica reviso de seus pressupostos, e ao mesmo
tempo por uma expanso de seus objetos, de suas
abordagens, de seus aportes tericos, de seus dilogos
interdisciplinares. Dentro da Histria, enquanto campo de
conhecimento mais amplo, vrias das mais antigas
modalidades historiogrficas tm passado por esta
redefinio de seus fazeres e fronteiras. Tem sido assim com a
Histria Poltica, com a Histria Social, ou com a Histria
Econmica. O presente artigo pretende discutir este ltimo
campo historiogrfico, os seus deslocamentos temticos, areviso dos seus fazeres e de seus modos de examinar a
dimenso econmica das sociedades historicamente
localizadas. Aborda-se a questo de dentro da perspectiva
da p rp ria historiog ra fia , e no d a Ec onomia, que , desta rte,
a disciplina fundamental com a qual dialoga esta
modalidade historiogrfica.
De modo bastante evidente, as ltimas dcadashistoriogrficas assistiram a um claro crescimento da rejeio
idia de que a vida social e cultural seja direta e
1 Doutor em Histria Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF); ProfessorVisitante da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Professor titular daUniversidade Severino Sombra (USS) de Vassouras, nos Cursos de Mestrado eGradua o em Histria, ond e lec iona disc iplinas ligad as ao c am po da Teoria eMetodologia da Histria. Entre suas publicaes mais recentes, destacam-se os
livros O Campo da Histria (Petrpolis: Vozes, 2004), O Projeto de Pesquisa emHistria (Pet rp olis: Vozes, 2005) e Cida de e Histria(Pet rp olis: Vozes, 2007).
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linearmente determinada pelas dimenses da Economia e da
vida material uma crtica que se estabelece inclusive no
interior de algumas das correntes do prprio marxismo, a partir
da admitindo que processos culturais podem ser igualmentedete rminantes, inc lusive agindo ou rea gindo sob re a d ime nso
eco nmica de uma Soc ieda de 2. Ao m esmo temp o, pa tente
tambm que os modelos quantitativos de levantamento e
anlise de dados tambm tm sido criticados
significativamente nos ltimos anos, o que refora o fato de
que vem se enunciando j h algumas dcadas a tendncia
rejeio d e uma certa Histria Ec onmic a linea r, red utora
e tambm a proposta de novos mtodos para alm das
tcnicas quantitativas, que j no so compreendidas
nec essariam ente c omo a nic a b ase d e leg itimidade de uma
histria cientfica, ou mesmo garantia desta ltima.
Posto isto , considerarem os que, de todo m od o, a Histria
Econmica j se constitui efetivamente em um campo
histrico bastante antigo antigo, porm, muito longe da
possibilidade de ser taxado de inatual. Esta combinao de
antiguida de c om atualida de tem a sua histria. p arte a s
trilhas epistemolgicas que possuem um traado anterior ao
prprio mbito da Ec onom ia Histric a ta l c om o a entendemo s
hoje isto , parte aqueles caminhos que j d esde o sc ulo
XIX vinham sendo percorridos pelos Economistas que seinteressaram pela Histria como meio para solucionar alguns
problemas do seu prprio campo disciplinar3 datam pelo
2 Sob re isto, ve r os po siciona me ntos de E. P. Thom pson relat ivos a uma rejei o dodeterminismo de via nica (THOMPSON, E. P. Tradic in, revue lta y consc inc ia dec lase: estud ios sob re la c risis de la soc ied ad p re-ind ustrial. Barc elona : Ed itorialCritica , 1979, p.64.3 Sobre esta questo, bastante oportuno o seguinte trecho escrito por Witold Kulano primeiro captulo de seu livro Problemas e Mtodos da Histria Econmica: En
cambio, desde su nacimiento la economa poltica busc las leyes y lasvinculaciones constantes, llegando hasta sobreestiomar em principio esa
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me nos da terce ira dc ada do sc ulo XX os investimentos ma is
decisivos dos historiadores em constituir a Histria Econmica
como um campo historiogrfico especfico, ou como uma
disciplina j bem constituda no interior de uma Histria denovo tipo4. Neste empreendimento, que em diversos focos
diferenciados da Europa e das Amricas comeam a ter
explicitadas as suas primeiras realizaes em torno de 1930,
freq entem ente se misturaram ec ono mista s e histo riadores em
uma empresa m ista . Ma is a inda , freq entemente ec onomistas
se fizeram histo riadores, e histo riad ores se fizeram ec onom ista s.
Diante d este d om nio historiog r fic o em c om um, no qual
se encontram em incessante d i log o ta nto o s ec onomistas por
formao como os historiadores que se apropriaram de um
conhecimento significativo pertinente s cincias
ec onmica s, foroso a dmitir que a Histria Ec onmic a um
daqueles setores intradisciplinares da Histria que exige dos
seus praticantes certos conhecimentos e tcnicas bastante
espec fic as, possivelmente m a is d o q ue q ua lquer outro c ampo
histrico. Alm disto, convm lembrar que, se a Histria
Econmica j uma das modalidades historiogrficas mais
antiga s em a tual vig nc ia , isto se d porque c onjuntamente
constancia. Ello fue causa de que la naciente ciencia econmica no le bastara laobservacin de un corto lapso de tiempo, denominado presente. Para ampliar su
ca mpo de observac in, para a segurarse d e q ue la relacin com probad a e ra unavinculacin constante, deba explorar el pasado. De esta manera abri por otraparte un camino a la historia econmica. En este aspecto la piedra miliaria es laaparicin de La Riqueza de las Naciones de Adam Smith (1776) (KULA, Witold.Problemas y Mtodos de la Historia Econmica. Barcelona: Ediciones Pennsula,1973).
4 Na ve rda de , tal com o ressalta Witold Kula, j d esde a primeira meta de do sc uloXIX sobretudo na Inglaterra e Alemanha a histria econmica j se apresentacomo uma clara esfera de interesse, ainda que distante de estar plenamenteconformada como uma disciplina independente (KULA, Witold. op.cit. p.14). Ostemas de interesse e motivaes nesta poca so bastante especficos: NaInglaterra, os direitos dos pobres e a liberdade de comrcio; na Alemanha, apoltica aduaneira. Quanto a mtodos, estamos aqui, obviamente, ainda muito
distanciados das possibilidades de leituras seriais de grandes massas documentaisque se d esenvolveriam p osteriormente na seg unda meta de do sc ulo XX.
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com a Histria Social ela foi das primeiras que na primeira
metade do sculo XX comearam a ser empunhadas como
bandeiras a se agitarem contra a velha Histria Poltica que
at ento se fazia bem de acordo com o modelo do sculoXIX, esta histria essencialmente preocupada com fatos
polticos relacionados aos grandes Estados-Nacionais, e que
quase sempre se apresentava como uma histria
essencialmente factual, narrativa no mau sentido, pouco
problematizada.
contra este padro historiogrfico extremamente
antigo este sim francamente inatual que se insurgiu a seu
tempo a moderna Histria Econmica conjuntamente com a
Histria Social seja atravs das realizaes inauguradas pela
Escola dos Annales, seja atravs das primeiras obras mais
propriamente historiogrficas desenvolvidas no mbito do
Materialismo Histrico, filosofia da Histria que havia sido
fundada ainda no sculo XIX por Marx e Engels mas que s
ento, no sculo XX, comeava a render realmente seus
primeiros fruto s em forma de histo riografia5.
O nosso objetivo em seguida ser refletir sobre a Histria
Econmica como campo intradisciplinar da Histria
examinar seu estatuto epistemolgico, seus aportes tericos e
possibilidades tcnicas, seus objetos preferenciais.
5 Ante tod o es prec iso ha c er nota r que en la po c a inic ial, tanto Enge ls c omoKautsky y toda una serie de marxistas no se solan ocupar de la problemticahistrico-econmica. Sus principales afanes investigadores y propagandsticos ibanpo r otro c am ino, es de c ir, tend an a de mo strar el cond ic ionamiento c lasista d e losfenmenos ideolgicos y polticos. Es verdad que al investigar el condicionamientoc lasista de c ualquier fenm eno tuvieron que reflexionar respe c to a la estructura declases de una poca determinada y al mismo tiempo sobre el carcter de laec onoma de una soc ied ad c oncreta. Sin emb argo, esto no a ltera el hecho d e q uestos no fueron los fenmenos que constituyeron el objeto preciso de susexploraciones (KULA, Witold. op.cit. p.18). J seria praticamente na virada dosculo que surgiriam as primeiras duas obras marxistas que tematizariamdiretamente dois processos histricos especficos: O desenvolvimento do
capitalismo na Rssia, de Lnin (1899), e O Desenvolvimento Industrial da Polnia,de Rosa Luxemburgo (1899) [id.ibid., p.19].
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Eventualmente, falaremos de algumas correntes especficas
tanto as inseridas no seio das Cincias Econmicas como as
orig inadas no p rp rio seio da Histo riog ra fia que a travessaram
ou tm atravessado esse campo intradisciplinar quepassaremos a chamar de Histria Econmica. Mas no
estaremos nos utilizando da expresso Histria Econmica
para remontar a correntes historiogrficas ou economicistas
especficas, a no ser entre aspas, e nos casos especficos em
que a designao for de uso de grupos que empregam a
palavra como uma auto-referncia (por exemplo, o grupo da
New Economic History, nos Estados Unidos a partir dos anos
1960). Via de regra, Histria Econmica estar sendo
ab orda da aq ui c omo um c am po histric o d efinido que a briga
muitas correntes, que acumulou certo repertrio de discusses
conceituais e potencialidades metodolgicas, que se volta
para determinados objetos especficos que adquirem sentido
no en trec ruzamento d as questes ec onmic as e das questes
histricas.
Um ponto de partida ser discutir algumas noes
fundamentais que fundam esta modalidade historiogrfica
desde suas origens, e outras noes que se desenvolveram
posteriormente no seio dos estudos de Histria Econmica
como noes e conceitos importantes. A primeira destas
noes, no caso uma noo fundacional, a prpria noode sistema econmico j que freqentemente os
historiadores e economistas que se irmanam em torno do
interesse pelos objetos mais habituais da Histria Econmica
est o interessados em desvend ar c onjuntos c oe rentes que so
referidos como sistemas econmicos de uma poca ou
outra, de uma determinada espacialidade social. Ou seja,
como estes historiadores e economistas esto interessados em
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examinar um sistema integrado no interior do qual os diversos
fatos econmicos adquirem algum sentido relativamente a
uma determinada sociedade historicamente localizada, o
c once ito c lam a aq ui por uma reflexo atenta a c erca de suasprincipais implicaes.
2. Alguma s no es fundam entais da Histria Econmica
Considerando que o primeiro conceito a ser
oportunizado pela Histria Econmica o de Sistema
Ec onmico , toma rem os de emprstimo a de finio propo sta
por Witold Kula um historiador polons que j um clssico
ta nto entre historiadores c om o entre ec ono mista s historicista s:
Um sistema econmico , pois, um conjunto dedep endnc ias ec onmic as rec iproca mente liga da sque, pelo fato de estarem vinculadas, surgem maisou menos ao mesmo tempo e se desfazem,tambm, aproximadamente no mesmo momento.Datar emp iric am ente a sua a pa ri o e d esap ari o
fixar os limites cronolgicos de um dado sistemaeconmico. E elaborar a teoria econmica de umsistema econmico dado determinar (e aindaempiricamente) a lista mais completa possvel dasrelaes de dependncia que o mesmo admite edeterminar as vinculaes recprocas que fazemdeste c onjunto de rela es um sistem a nico 6
Em primeiro lugar, Kula admite falar em um Sistema
Ec onmico c om o um c onjunto ma ior que integra d e ma neiracoerente certos fatos econmicos que de outra maneira
estariam dispersos, ressaltando que este sistema possui uma
historicidade definida esta definida por um conjunto de
rela es rec p roc as que os fatos ec onmicos de d ete rminad o
tipo estabelec em entre si. Assim surgem em uma dete rminad a
6 KULA, Witold. Thorie c onom ique d u systm e fo da l. Paris: Mouton, 1970.
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sociedade historicamente localizada estas interaes
especficas de fatos econmicos, relacionadas a um certo
padro que pode ser identificado e decifrado por
historiadores e economistas, estas relaes se desfazem acerta altura. Vale dizer, um sistema econmico no uma
realidade nem esttica e eterna ele de um lado tem uma
dinamicidade prpria e uma tendnc ia a se transforma r, e de
outro lado as transformaes podem conduzi-lo, a certa
altura, a adquirir uma outra identidade que j pouco tem a
ver com a situao inicial do sistema. Em uma palavra, um
sistem a ec onmico possui uma historic idade.
Os alertas e conselhos implcitos na definio proposta
por Kula so bem evidentes: o historiador s deve elaborar a
teo ria g eral que lhe permitir examinar de terminad a realidade
ec onmico -soc ia l depois de estudados os c asos c onc reto s, e
no o contrrio. Sobretudo, mostra-se aqui fundamental a
idia d e q ue p rec iso c onstruir a teoria dos d iversos sistema s
ec onmico s a serem a nalisados porque n o h um s, como
de resto propem algumas correntes da Histria Econmica
que buscam transplantar uma determinada racionalidade
econmica que tpica do Capitalismo mesmo para
soc iedades p r-ind ustria is.
c ontra este t ipo d e a nac ronismo muito espec fic o, por
vezes pouco percebido por economistas de algumascorrentes especficas que se dispuseram a estudar a Histria
Ec onmica , que Mauric e G od elier, num a lerta b astante simila r
ao de Kula, pretende contrapor a idia de que cada
sociedade produz a sua prpria racionalidade econmica,
no sendo esta diretamente aplicvel ou mesmo vlida em
relao a uma outra sociedade no tempo e no espao.
Godelier nos traz um exemplo muito esclarecedor ao dar a
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perceber que a motivao de maximizar a produo e
minimizar os c ustos somente tem a lgum sentido no mb ito de
um a hierarquia de necessidades e valores que se impem
aos indivduos no seio de determinada sociedade e que tm
seu fundamento na natureza das estruturas desta
sociedade7. Ou seja, a racionalidade tpica da economia
capitalista no de modo nenhum transplantvel para as
sociedades pr-industriais, ou mesmo para outras
espa c ialida des j no p erod o m od erno p orm ma is afa stad as
do c ap italismo europ eu.
Para j mencionarmos um exemplo relacionado
Histria Econmica Brasileira, h um interessante aspecto
examinado por Joo Fragoso e Manolo Florentino com
relao a um movimento aparentemente paradoxal que se
d no Rio de Janeiro da passagem do sculo XVIII para o
sculo XIX8. Aps dua s ge ra es de c ontnua a c umula o no
mercado, os dois historiadores brasileiros verificaram umamudana de ativida de econmica em uma pa rcela ba stante
significativa das famlias que haviam constitudo a elite
empresarial mercantil. Estas abandonavam seus negcios e
passavam a se dedicar a atividades rurais e rentistas, que
eram de modo geral muito menos lucrativas que suas antigas
atividades mercantis.
Este paradoxo aparente s pode ser compreendidoquando recolocamos no contexto histrico examinado uma
adequada racionalidade econmica. Vive-se aqui em uma
sociedade onde a ascenso social aparece diretamente
7 GODELIER, M. Racionalidad e irracionalidad em la Economia. M xico: Siglo XXI,1967. p.303.
8 FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, Joo. Arcasmo como Projeto. Rio de Janeiro:Diadorin, 1993. p.104-105.
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ligada aquisio de terras e cativos, que neste caso so os
bens que identificam o prestgio. Desta maneira, um aspecto
relacionado cultura e s relaes de sociabilidade que
estaria comandando o deslocamento de atividadeseconmicas, que se mostraria incompreensvel se o
analisssemos a partir de uma racionalidade econmica
alicerada na obsessiva busca por lucros to tpica da
mentalidad e c ap italista.
Kula d-nos diversos exemplos como este para o caso
da ec onomia polonesa de perod os ma is rec uad os. Assim, em
uma de suas anlises dos latifndios poloneses nos sculos XVII
e XVIII, proc ura demo nstra r que o c ompo rtam ento e c onm ic o
dos proprietrios de terras parecia ser o oposto do que
preveria a economia clssica. Quando aumentava o preo
de seu principal produto, o do centeio, produziam menos, e
quando o preo abaixava, produziam mais. A explicao
deste paradoxo tambm deveria ser encontrada no mbito
da cultura, ou das mentalidades. Os aristocratas poloneses,
neste caso, no estavam interessados em lucros, mas em
manter um estilo de vida, um status quo, da maneira a que
estavam acostumados, e a sua forma de racionalidade
econmica os levava a controlar as variaes na produo
c omo tentativas de ma nter uma renda pa dro.
Neste como em outros exemplos, Kula mostra como asrelaes e comportamentos econmicos em sociedades
diversas, que no podem ser assimiladas ao modelo
capitalista previsto pela economia clssica, se acham
atravessadas por fatores diversos que pertencem ao mundo
da cultura entre os quais os mecanismos formadores de
identidade de classe, as relaes de parentesco, os sistemas
de dotes, as estratgias culturais de incluso ou excluso
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soc ial. Para a lm da indica o de que no h uma , mas sim
diversas racionalidades econmicas, casos como estes
tamb m d emonstram q ue o mundo ec onmic o no p od e ser
explicado apenas atravs dos fatos econmicos, sendo estauma questo igualmente importante qual retornaremos
oportunamente.
Alm de oferecer inmeros exemplos concretos que
ajudam a c ompreende r a singularida de d as ec onom ias soc ial
e historic amente loc a lizadas, Kula mo stra no apena s que nos
diversos perodos histricos as prticas so distintas,
freqentemente contrrias a uma prtica e racionalidade
c ap italista q ue no po de ser tomad a c omo m od elo universal,
como tambm d a perceber a diversidade de sentidos e
conotaes que, nestas sociedades, adquirem expresses
como cmbio, investimento, consumo 9. Por outro lado,
no se trata de cair no absoluto relativismo. Kula mostra que
haveria algumas dimenses inerentes s diversas realidades
econmicas que poderiam ser tomadas como aspectos
irredutveis, como por exemplo o fato de que nenhum grupo
humano pode sobreviver consumindo mais do que produz ou
do q ue c onseg ue se a prop ria r de outras rea lidades p rod utivas.
Uma sociedade que colhe menos que semeia, deve
encontrar uma soluo que re-equilibre a produo e o
c onsumo sob o risc o de sua p rp ria sob revivnc ia . Esta umalei que paira acima da diversidade de racionalidades
econmicas. H, portanto, questes importantes a serem
compreendidas pelos historiadores no confronto de certos
imperativos associados s dimenses econmicas ou mesmo
biolgicas, com as mltiplas formas de racionalidade
9
KULA. Witold.Da Tipologia dos Sistemas Econmicos in FOURASTI (org.).Economia. Rio de Janeiro: FGV, 1979. p.97.
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econmica, conforme as vrias sociedades historicamente
localizadas.
A questo das rac iona lida de s ec onm ic as merec e ser
refletida com cuidado, pois no tem sido encarada de formaunnime entre economistas e historiadores no decurso da
histria da Histria Econmica. Teremos aqui duas questes
interligadas: de um lado a indagao acerca da
universalidade ou no de uma possvel teoria sobre os
desenvolvimentos econmicos; de outro, uma antiga questo
a qual devem se preocupar todos os historiadores, sejam os
associados Histria econmica ou a outras modalidades
historiog r fic as a questo do anac ronismo .
Estes problemas bsicos aparecem amide quando o
historiador toma a si a tarefa de levantar e analisar
economicamente os fatos relativos a uma sociedade cujos
prprios critrios para constituio de uma massa de dados
esto presos a uma especificidade temporal, diferindo
partic ula rme nte d os c ritrios que p residem a p rp ria rea lidade
econmica do historiador. Em uma palavra, alguns problemas
comeam a surgir quando o historiador impe a si a tarefa de
fazer uma an lise econmica retrospec tiva.
O problema no novo, pois ele tem tocado tanto os
historiadores econmicos como, antes deles, os economistas
histricos (isto , aqueles que partem da formao deec onom istas pa ra empreende rem um a a nlise ec onm ic a d e
perod os do passado). As a titudes bsic as, de um lad o ou d e
outro, oscilam neste caso entre duas posies extremas,
admitindo inmeras intermediaes e posicionamentos
tericos-metodolgicos. Em um extremo estariam os
historiadores e economistas que partem de uma teoria
ec onm ic a em seu estad o a tual, toma da aq ui c omo universal
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(isto , ap licvel a tod as as soc ied ades e sistem as ec onmico s
de modo absoluto). No outro extremo estaria esta posio
que poderia configurar um relativismo radical: aquela que
c onsidera q ue c ada sistem a ec onmico tem suas leis p rp rias(ou, dito d e o utra forma , pa rte-se a qui do p ressupo sto d e q ue
os mecanismos econmicos so distintos em cada sistema). A
prime ira posi o pod e ser rep resenta da pelos ec onomistas d e
Chicago da dcada de 1930, articulados em torno de Earl
Jefferson Hamilton. A outra encontra sua representao mais
amide entre os historiadores, ou entre os ec ono mista s que se
fizeram historiadores em meio torrente de estmulos por uma
reno va o historiogrfic a d esde os anos 1930, send o q ue d ela
pode ser dado como um nome bastante representativo o de
Ernest Labrousse.
Hamilton queria aplicar ao estudo de todas as
economias do passado a teoria econmica em seu estado
atual, ou seja, produzida na e pela sociedade regida pela
economia capitalista da sua poca. Haveria, nesta maneira
de ver, uma teoria econmica que em tese seria aplicvel
para sociedades to diversificadas no espao e no tempo
c om o tod as aquelas da Europ a situadas entre o sc ulo XVI e o
sculo XX, mesmo que de fato se relacionem a nuances
distintas dentro do capitalismo, como o capitalismo comercial
(patrimonial ou annimo) ou como o capitalismo industrial(patrimonial, annimo, financeiro, tecnocrtico, apenas para
c ita r a lgum as variantes). J nem toc arem os na q uesto a inda
mais delicada que concerne s economias da Antiguidade
Clssica e dos perodos medievais.
Os historiadores, de modo geral, reagiram ou tm
reagido mais enfaticamente a posies como esta que
ad voga a universalida de d e uma mod erna teo ria e c onmica,
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e e sta s c rtica s inc luem nom es que vo desde Pierre Vila r10 at
Jean Meuvret11 ou o prprio Labrousse12. Este ltimo, por
exemplo, em clebre estudo sobre as crises do Antigo Regime
Econmico 13, apresentou como pedra de toque para umaaproximao verdadeiramente consciente do problema o
fato de que, se as crises cclicas do capitalismo industrial so
crises de superproduo industrial, j as crises do Antigo
Regime so sempre crises de subproduo agrcola (seu
universo d e a nlise, no c aso, a Frana da p oc a).
Haveria tambm estdios intermdios entre as posies
da teoria econmica de validade absoluta e a teoria do
relativismo econmico de acordo com cada sociedade
histric a . Pod e-se, p or exemp lo, a dvog a r que embora no
haja um sistema ec onmico ou uma teoria a ser expo rtad a na
sua integralidade para todos os perodos anteriores
existiriam certos mecanismos fundamentais que a princpio
apareceriam para o caso de todas as sociedades, ou pelo
menos para um grande nmero delas. Esta tendncia
tambm apareceu com os economistas de Chicago, mas a
partir da dcada de 1950, tendo entre alguns de seus nomes
mais remarcveis os de Milton Friedman e Oskar Lange (o
primeiro exps suas idias nos seus Ensaios de Economia
10 VILLAR, Pierre. Desenvolvimento econmico e anlise histrica. Lisboa: EditorialPresena, 1982. Para considerar um estudo econmico mais especfico de PierreVillar, ver Ouro e Mo ed a na Histria(So Paulo: Paz e Terra , 1980).
11 MEUVRET, Jean. La Prod uc tion d e C ra les et la Soc it Rurale. 2vo ls. Pa ris: Ec oleDes Hautes tudes en Sciences Sociales, 1987.12 LABROUSSE, Ernst. Histoire conomique et sociale de la France. Paris: Puf, 1979.Para c onsidera r os estud os mais espe c ficos de Lab rousse, ver (1) LABROUSSE, Ernst,La crise de lconomie franaise la fin de lancien rgime e au dbut de la
Revolution. Paris: 1944, e (2) LABROUSSE, Erne st. Esquisse du mouvement des prix etdes revenus en Franc e du XVIII sic le. 2 vol. Paris: 1932.13 LABROUSSE, Ernest. Esquisse du mouve me nt d es prix et des revenus en Franc e d uXVIII sic le. 2 vol. Paris : 1932.
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Positiva)14. A idia matriz que anima esta posio
intermediria precisamente a de que existiriam certos
mecanismos fundamentais concernentes a determinadas
variveis que deveriam ser o objeto de estudo do historiadoreconmico. Ainda que, em relao a sistemas mais
complexos, estes mecanismos fundamentais sejam capazes
de c om binar-se em prop ore s variveis e d iversific adas, seria
possvel descobrir estes fundamentos, e nisto consistiria a
ta refa do historiador ec onmico ou do ec onomista historiador.
Discute-se, por exemplo, o fundamento da tendncia
pressupo stame nte p resente na ma ior pa rte das soc ied ades d e
obter a chamada vantagem mxima, o que consistiria em
uma determinada atitude que se faz constante tanto em
sociedades capitalistas desenvolvidas como
subdesenvolvidas. Existiriam fundamentos que se relacionam
com a tecnologia (a produo do ferro necessita de
determinada quantidade de carvo), ou com as tcnicas
contbeis (os balanos da contabilidade clssica resistem ao
tempo).
Poder-se-iam discutir fundamentos mais ou menos
universais para modelos econmicos de um mesmo tipo (ou
seja, fundamentos que se aplicassem a todas as sociedades
submetidas ao padro capitalista, por exemplo,
independentemente do recorte espacial ou cronolgicodentro do Capitalismo). Aqui se enquadraria, no caso, a atrs
citada lei da procura do lucro mximo, que poderia ser
validvel para todas as sociedades capitalistas (embora no
pudesse ser verificada para as sociedades medievais). a
possibilidade de discutir fundamentos mais ou menos perenes
14
FRIEDMAN, Milton. The M etho do logy o f Positive Ec ono mic s. Chicago: University ofChicago Press, 1953.
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como estes que habilitaria falar naquilo que Franois Perroux
chamou de cincia econmica generalizada 15. O
importante para o historiador, naturalmente, seria trabalhar
com a conscincia dos limites de sua generalizao (cadatipo de funda-mento pode implicar em uma aplicabilidade
relat iva a um mb ito ou universo m eno s ou m a is extenso).
As posies atrs referidas com relao
universalidade possvel ou relatividade radical de toda
teoria econmica apenas ilustram o terreno pantanoso que,
ainda no campo das tomadas de posio conceituais, o
historiador econmico precisa enfrentar16. Abordar os
aspectos econmicos da Histria no pode significar apenas
um trabalho de coleta quantitativista. Este tipo de trabalho,
para no recair na coleta anacrnica de fatos econmicos
do passado, deve estar vinculado a uma posio que
tam b m filosfic a, teric a, me tod olg ic a.
Outro mbito de parmetros basilares para a Histria
Econmica refere-se ao tipo de modelos explicativos com os
quais o historiador econmico trabalha. De um lado,
mencionaremos o par que ope as explicaes endgenas
em oposio s explicaes exgenas. De outro lado,
registraremos o par que ope as explicaes dedutivas em
contraste com as explicaes empricas. Busquemos
esclarecer estes parmetros, ressaltando contudo o fato deque diversas das explicaes que tm sido elaboradas para
os desenvolvimentos histricos de economia, particularmente
15 Acerca das generalizaes possveis de serem consideradas para as sociedadescapitalistas, ver os desenvolvimentos propostos por Franois Perroux em Capitalismeet communaute de travail. (Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1937). Relativamente aao rec orte d o c ap italismo ma is avan ado , ver PERROUX, Fran ois, A economia dosc ulo XX. Lisboa: Herder, 1967.16 Para um balano mais detalhado das posies que atrs descrevemos verFrdric MAURO, Nova Histria e Novo Mundo, So Paulo: Perspec tiva , 1969. p .44-51[o rig inal: 1968].
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as explicaes mais plausveis, procuram na verdade
contrabalanar no seu processo de argumentao e
demonstrao fatores exgenos e endgenos, bem como
elementos ded utveis e em pricos.Uma explic a o exc lusivam ente exgena a que la que
prope como fatores de esclarecimento para a Histria da
Economia fatores exgenos isto , vindos de fora. Guerras,
epidemias, fatores meteorolgicos eis aqui uma srie de
fatores, todos externos economia, que as teorias exgenas
evocam para explicar as flutuaes econmicas. So estas
excita es e m otiva es externas que a c iona riam o p roc esso
de transformao econmica, ou mesmo presidiriam seus
ritmos e encaminhamentos. Um curioso exemplo de
explic a o exg ena foi dado pe lo ec onom ista ingls Jevons,
que em alguns artigos escritos entre 1875 e 1878 chegou a
deslocar para as alteraes nas manchas solares o ponto de
partida de sua explicao para a regularidade aproximada
dos ciclos econmicos. De acordo com Jevons, os efeitos de
intensidade decorrentes da atividade solar influenciariam as
c olheitas, e conseq entemente d itariam o ritmo da ec onom ia
com seus ciclos marcados por movimentos de expanso e
contrao17. Conforme podemos ver nesta explicao, a
excitao externa e a influncia continuada de fatores
exteriores francamente utilizada para explicar osdesenvolvimentos ec onmico s.17 Os textos nos quais Williams Stanley Jevons desenvolve estas idias sorespectivamente The Sola r Period and the Princ e o f Co rn(1875); The Period icity o fCommercial Crises and Its Physical Explanation (1878), e, finalmente , Com mercialCrises and Sun-Spots (Crises Co me rcia is e m arca s sola res), pub lic ado na p restig iosarevista Natureem novem bro d e 1878. Este ultimo ensaio fo i rep ublic ad o p elo a utorem seu livro Investiga tions in Currenc y a nd Financ e (Lond on: Mac millan , 1884). Ma ista rde, o filho de W.S. Jevons H. S. Jevo ns ainda insistiria nas me sma s prop osi e sem um artigo intitulado Trade fluctua tions and solar ac tivities (Contemporaryreview, August, 1909), terminando por escrever, no ano seguinte, um livro mais
completo sobre a questo (JEVONS, H. S. The Sun's hea th a nd t rade a c tivity.London: 1910).
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Contrastando com as explicaes exgenas que
evocam fatores de ordem externa para solucionar questes
econmicas freqentemente ressaltando fatores polticos,
culturais, climticos ou demogrficos como detonadores doprocesso de transformao j uma explicao endgena,
no p rime iro sentido que vnham os c onsiderand o, a quela q ue
procura esclarecer um certo desenvolvimento histrico
relacionado Economia exclusivamente no interior dos
prprios fatores econmicos. Por exemplo, consideremos as
explicaes de Histria Econmica que costumavam ser
desenvolvidas por Juglar o famoso economista francs do
sc ulo XIX que estab elec eu c omo unida de op erac iona l pa ra
a identificao dos movimentos econmicos os ciclos
decenais20. Juglar tendia a fornecer suas explicaes
exclusivamente atravs de fatores endgenos como as
variaes de juros, as polticas dos bancos centrais e as
modificaes no estoque dos metais. Assim, inteiramente
ba sea da em fa tores end genos, notada mente na questo d o
monetarismo, a sua explicao para a Histria da Economia
no sc ulo XVI este sc ulo q ue no quad ro d e tend nc ias
seculares constitui sabidamente a um padro de expanso
econmica, alis marcado por uma subida vertiginosa nos
preos. Do mesmo modo as flutuaes econmicas que se
expressam a travs dos c ic los da ec onomia c ap italista , por eleestudados pela primeira vez de maneira sistemtica
merecem uma explicao exclusivamente em termos
(org.). A Transi o d o Feud a lismo pa ra o Ca pita lismo, Rio de Janeiro: Paz e Terra,1989. Particularmente sobre as consideraes de Sweezy acerca dos fatoresexgenos envolvidos na passagem da economia europia para a Modernidade,ver Uma Trp lic a (Sc ience and Soc iety. Londres: spring, 1953), que responde a umartigo anterior de Dobb (Uma Rplica, Sc ienc e and Soc iety. Londres: spring,1950).20 JUGLAR, C . Des crises co me rciales. Paris: 1889. 2 edio.
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monetrios, considerando como elementos centrais as
modificaes nos estoques de metais preciosos, a poltica dos
bancos centrais e as variaes de juros. No entram
elementos exge nos nesta explic a o.Consideremos, por exemplo, uma explicao que leve
em conta para sua elaborao fatores exclusivamente
econmicos que pudessem ser desdobrados uns dos outros
(veremo s logo que, alm de ser uma explic a o e ndge na ,
aq ui tam b m teramos um tipo de explic a o exc lusivamente
dedutiva, j que para ser produzida no leva em
considerao dados empricos recolhidos atravs de fontes
d iversas que so sub met idos a an lises esta tsticas). A t tulo de
exemplificao, vejamos a seguinte cadeia argumentativa:
uma populao que revele a tendncia a aumentar a sua
poupana em determinado perodo produz como
c onseq nc ia uma red u o d o consumo; com isto, as venda s
caem e aumentam os estoques. Com o aumento dos
estoques h diminuio na fabricao dos produtos que j
no apresentam a mesma demanda, o que ocasiona uma
dispensa de mo-de-obra e uma diminuio nos lucros dos
grandes capitalistas. Com a reduo dos salrios, o processo
tender mais tarde a estabelecer um equilbrio entre o
c onsumo e o s estoq ues ac umulad os. Nesta explic a o21, no
entraram elementos externos, e na verdade o sistemadedutivo tambm operou por si mesmo sem necessitar da
c omp rova o emp rica , o que nos co loc a diante da questo
do segundo par de fatores a ser examinado nas questes
21 O exemplo proposto, a ttulo de ilustrao para uma anlise endgena, porCiro Flamarion Cardoso em Os Mtodos da Histria (CARDOSO, Ciro Flamarion e
BRIGNO LI, Hc to r Prez. Os Mtodos da Histria. Rio de Janeiro: Graal, 1990, p.278-279).
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econmicas: a deduo em oposio induo atravs de
dados empricos.
J uma explicao emprica apia-se ou deve se
apoiar diretamente nos dados empricos observveis,procedendo por uma generalizao a partir de casos
concretos, normalmente base de dados levantados e
analisados criteriosamente atravs de mtodos estatsticos.
Um exemplo est nas obras de Claphan sobre a Histria da
Economia na Inglaterra Moderna22, ou nos trabalhos de
Mitche ll sob re o s c ic los da ec onomia financ eira 23.
Outra dicotomia importante a ser considerada no jogo
de parmetros explicativos disposio dos historiadores
econmicos a relao entre equilbrio esttico e
dinamicidade. At a dcada de 1930 predominaram os
sistemas econmicos dirigidos para o equilbrio esttico,
tendncia que foi fortemente abalada pelo impacto da
Grande Depresso e por um novo contexto que passa a
estimular os economistas e historiadores econmicos a
compreenderem melhor o dinamismo das transformaes
econmicas em alguns casos visando inclusive a proposta
de polticas anticclicas. Desde ento os problemas centrais
da histria econmica se deslocaram preferencialmente para
indagaes que levavam em conta sobretudo a
transformao na temporalidade. A Cliometria, entre outroscampos de possibilidades, surge j neste novo quadro de
motivaes. Mas tambm surge uma Histria Econmica-
Soc ial profunda mente preoc upa da c om a repercusso d os
fatos econmicos da vida social. De uma Histria Econmica
cujos objetos preferenciais relacionavam-se ao problema do
22 CLAPHAM, J. H. An Ec ono mic History o f Mo dern Britain. 3 vol. 1926-1938.23 MITCHELL, W. C. Business Cyc les. The Prob lem and its Setting. 1927.
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eq uilb rio g eral de um me rcado d e b ens e servi os, pa ssa-se a
problemas como as relaes entre os desenvolvimentos da
economia monetria e o pleno emprego, o custo de vida, o
em pob rec imento p op ulac iona l e outras queste s ma is.A tendncia da historiografia econmica, a partir da
me tade d o sc ulo XX tornar-se m a is c omplexa e eq uilib rada
com relao considerao de uma srie de fatores. Atribui-
se importncia tanto a fatores exgenos como a fatores
endg enos, ao m esmo tempo e m q ue as explica es tendem
a entremear de forma equilibrada a deduo terica e a
demonstrao emprica, com ampla utilizao de
metodologias estatsticas mas sem dispensar as anlises
qualitativas. Ao mesmo tempo, considera-se tanto o equilbrio
do sistema econmico como a sua dinamicidade, para alm
de se lanar problematizaes que indagam mais
profunda mente p ela intera o entre ec onomia e soc ieda de.
Os prprios dados aparecem mais problematizados. Os
historiadores econmicos no se contentam apenas em
levantar criteriosamente os dados que estaro expressos em
uma curva de preos e salrios, mas procuram indagar que
significado tero aqueles preos e salrios para a sociedade
sobre a qual eles incidem. Vo mais alm, investigando as
repercusses econmicas nos diversos grupos sociais. A
Histria Econmica, assim, torna-se mais complexa.Exemplo de tratamento complexo da Histria
Econmica pode ser encontrado quando o analista
compreende o prprio fato econmico como produto de
uma complexidade que transcende a dimenso econmica
propriamente dita. Rigorosamente, disto cada vez mais se
acerca a moderna Histria Econmica, no existe o fato
econmico propriamente dito, isolvel de outros fatores, de
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modo que cada vez mais os pensadores e estudiosos da
Economia tm recolocado a questo de que os fatos
econmicos freqentemente acham-se imbricados com fatos
polticos, sociais, culturais, institucionais, ou mesmo ligados smentalidades.
A esse respeito, ser oportuno registrar a contribuio
da Nova Economia Institucionalde Douglass North24. Aqui, no
mbito de uma leitura institucional da histria econmica de
cada sociedade, mostra-se precisamente ressaltada a
importnc ia dos asp ec tos instituc iona is e , ma is a inda , po lticos,
na constituio dos processos econmicos. Assim, tal como
observa North ao considerar os desenvolvimentos do
Capitalismo, sobretudo nas suas ltimas fases, os sistemas
polticos trazem ou devem trazer eles mesmos uma
contribuio fundamental para a constituio dos sistemas
ec onm ic os, e, de c erto m od o, pode -se d izer que em muitos
casos quem institui as regras do jogo econmico a Poltica.
Recolocar nestes termos o papel dos sistemas polticos e das
instituies para o desenvolvimento dos processos
econmicos examin-los, na tica da Economia
Institucional, a partir de uma perspectiva mais rica, complexa,
interdisciplinar.
As Instituies so aqui vistas tambm na sua dimenso
de estruturas de incentivo, que interferem nos mercados, eno c om o estruturas que so me ramente c riadas para ajustar-
se a certas funes deste mercado, tal como propunha o
24 (1) NORTH, Doug lass. Emp irica l Stud ies in Institutiona l Change (Politica l Ec onom y ofInstitutions and Dec isions). New York: Lee J. Alston, 1996 e (2) Institutions, InstitutionalChange a nd Eco nomic performa nce. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.Antes destas obras, uma referncia tambm fundamental Structure a nd C hang ein Economic History (NORTH, 1981), na qual North j se prope a analisar a histriaeconmica, da pr-histria contemporaneidade, atravs de uma leitura dastransforma e s instituciona is. Vale ressa ltar ainda, c om o integran tes impo rtante s da
corrente que ficou conhecida como Nova Economia Institucional, os nomes deOliver Williamson e Ronald Coase.
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institucionalismo funcionalista25. Recupera-se, assim, a
perspectiva de uma dinmica de reciprocidade entre
Instituies e sistemas econmicos, de modo que as idias de
North orientam-se no sentido de perceber que h umainterrelao entre o crescimento econmico sustentado e o
fortalecimento institucional. A solidez das instituies
constituiria precisamente um estmulo produtividade, ao
investimento tecnolgico, ao aprofundamento da inovao
e aqui seria preciso atentar tanto para as instituies formais
(leis impostas pelo governo e instituies reguladoras) como
para as instituies informais, que constituiriam normas e
cdigos de conduta formados pela prpria sociedade26.
Neste contexto, o Estado, ou o sistema poltico, tambm teria
seu papel fundamental, no sentido de assegurar o ambiente
de forma o e m anuten o d as institui es forma is.
Uma tal abordagem da Histria Econmica, atenta s
transforma e s instituc iona is e p oltica s que se d o no seio d as
diversas sociedades, permitiria examinar e esclarecer as
d iferen as de d esenvolvimento e c onmico que se e xpressam
entre as histrias econmicas dos diversos pases, notando-se
que, ainda segundo North, seria possvel explicar com base
nas diferenas de desenvolvimento institucional a partir do
sculo XIX os distintos nveis de desenvolvimento econmico
alcanados pelos Estados Unidos em comparao com os
25 importante ressaltar que, para North, as instituies incluem uma legislaocapaz de assegurar os direitos de propriedade e o cumprimento das obrigaescontratuais, bem como um sistema judicirio eficaz e diversas outras agnciasdestinadas regulamentao em diversos nveis da vida social. Importanteressaltar que, para a questo econmica, as instituies desempenhariam umpapel fundamental no sentido de atenuar a incerteza fator que afeta apossibilidade de transao econmica entre pessoas e que por isso geraria,concomitantemente, o que North denomina custos de transao. Instituiesfortes facilitariam a coordenao do sistema econmico ao reduzir os custos detransa o e ame nizar as incertezas (NORTH, 1990, p. 27).26 NORTH, Institutions, Institutional Change and Economic performance, p .36.
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pases da Amrica Latina 27. Para a lm disto , uma out ra
coordenada importante a ser aqui considerada refere-se s
diferenas de recepo que cada sociedade historicamente
localizada apresentou em relao implantao etransformaes de cada modelo institucional28. As
explicaes proporcionadas pela anlise de North, por outro
lado, vinculam-se s discusses e polmicas que se do em
torno do pensamento econmico liberal contemporneo. Eis
aqui, de todo modo, questes que mereceriam certamente
um de senvolvimento ma is ap rofunda do em outro artigo .
Por fim, para alm da complexidade dos processos
econmicos como produtos de interaes entre aspectos
para alm do econmico propriamente dito, h que se
considerar a complexidade rtmica dos processos
econmicos. Assim, outro aspecto fundamental sobre o qual
deve refletir o historiador econmico que se lana a uma
investigao refere-se ao questionamento acerca da
sincronicidade de fatos econmicos relativamente a uma
determinada unidade de observao. Deve-se considerar a
possibilidade de que haja diferenas de ritmo entre distintos
27 Para North, teria sido precisamente a fragilidade de suas instituies, desde osprocessos de Independncia, o que teria bloqueado para pases com amplosrecursos naturais como o Brasil, Mxico e Argentina a possibilidade de que estesviessem a se tornar naes ricas como os Estados Unidos da Amrica, nao
extraordinariamente fortalecida no aspecto institucional. Por outro lado, asdiferenas de modelos institucionais implantados nas colnias remeteriam sheranas recebidas das prprias metrpoles, que j apresentavam profundoscontrastes perceptveis na comparao entre o modelo institucional ingls e omodelo institucional ibrico, este ltimo caracterizado por instituies ineficientes.Estes contrastes remetem, concomitantemente, a aspectos polticos que no limiteexpressam -se na c ontrapo si o e ntre o po de r absoluto d os reis ib ric os e o p od erde med ia o ec onmica exerc ido pelo Parlamento pa ra o ca so d a Inglaterra. Emuma palavra, na Inglaterra as finanas pblicas eram controladas por instituiesfortes, e no po r mera d ec iso rg ia.28 Vale lem brar ainda o diag nstico de North pa ra a histria do s pa ses da Amric aLatina, que desde a poca colonial teriam apresentado uma tendncia dapersonalizao das relaes comerciais entre indivduos, afastando estas
soc ieda de s da c ria o de me c anismo s formais eficientes (isto , do fortalec imentoinstitucional).
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setores econmicos de um mesmo pas ou regio, por
exemp lo, em c ontraste c om a idia de que na ec onomia de
uma determinada sociedade todos os seus elementos
evoluem ou desenvolvem-se consoante ritmos idnticos.De igual ma neira , em se t ra tand o de estudos nac iona is,
as diversas pesquisas realizadas por historiadores econmicos
regionais tm mostrado que no possvel enquadrar os
desenvo lvime ntos ec on micos nas d iversas reg ies de um pa s
no mb ito d e um nic o p erfil eco nmico . Os antigos mode los
explicativos que buscavam dar conta da totalidade da
economia ao nvel nacional comearam, em muitos pases, a
serem confrontados pela realizao de trabalhos empricos
realizados ao nvel regional, que obrigaram a srias revises
relativamente a modelos generalizantes que antes eram
ad mitido s sem c ontesta o .
Foi o que ocorreu no Brasil a partir dos anos 1980, e
sob retudo, dos anos 1990, com uma srie d e traba lhos sob re a
Sociedade Escravocrata no Brasil, onde foi confrontado o
antigo modelo da Monocultura Agro-Exportadora voltada
nica ou preponderantemente para o mercado externo 29, e
na q ual o esc ravo d esem pe nhava um p ap el espe c fic o d e um
tipo de unidade produtiva e de hierarquia que parecia
dicotomizar as posies entre senhores e escravos30. As
29 Em um artigo de 1985 no qual analisa a economia mineira da segunda metadedo sculo XIX, Robert Slenes chama ateno para a diversificao econmicadaquela regio, para a produo de gneros voltada para o mercado interno, epara o dina mismo da ec ono mia no -exportadora (SLENES, Rob ert. O s mltiplos deporcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no sculo XIX.Ca dernos ICHL/ UNICAMP, Campinas, n. 17, 1985). De igual maneira, no mbito depesquisas que evidenciam a diversificao da economia colonial, podemos citar,entre outros, o trabalho de Hebe Castro, que, ao analisar um municpio fluminensedo sc ulo XIX, p de pe rceb er pa ra os ma iores prod utores loca is uma diversific a ode produ o e spec ific am ente voltada pa ra o mercad o loc al (CASTRO, HebeMa ria Matto s de . Ao Sul da Histria. So Paulo: Brasiliense, 1987).30 Assim, po r exem plo, a tese d e M ary Ka rasc h sob re a vida dos esc ravos no Rio d e
Janeiro (1988) j chama ateno para a presena importante de pequenossenhores que, na sociedade escravocrata, possuam apenas um ou dois escravos,
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investiga es ao nvel reg iona l permitiram que se verific assem
inmeros fatores importantes como a importncia do
mercado interno, a eventual diversificao de culturas, o
papel dos homens livres pobres na economia e na sociedadeescravocrata 31, as estra tg ias de ne go c ia o d os esc ravos no
interior da sociedade que os oprimia e do sistema econmico
que os incorporava como fora de trabalho 32. Para alm
disto, estas mesmas monografias tambm revelaram toda
uma diversidade inter-regional que os grandes modelos
ec onmico s explic a tivos nem sempre p reviam.
3. Fontes e Mtodos
Relativamente s fontes e mtodos disponveis aos
historiadores econmicos, destaca-se o notvel advento da
Quantific a o e d a Serializa o c omo c am inhos pa ra o
levantamento e anlise das fontes e dados da Histria
Econmica. A noo de srie ser aqui fundamental. Umasrie um determinado conjunto de fontes estabelecido pelo
historiador com vistas quantificao e serializao de
dados, sendo estas fontes necessariamente assinaladas por
o q ue pe rmitia co nfrontar o mod elo dicotm ico que a os escravos opunha ap enaso grande latifundirio proprietrio de inmeros escravos, ignorando todo umc ont ingente d e peq ueno s senho res (KARASCH, Mary. A Vida dos Esc ravo s no Rio d eJaneiro. So Paulo: Co mp anhia da s Letras, 2000). Pesqu isas co mo esta , e tamb m
a d e Stuart Sc hwa rtz pa ra o Rec nc avo Baiano , c onfronta vam a id ia de q ue aproprieda de escrava ap resentava -se radica lmente co nc entrad a no na s mos degrandes proprietrios de terras (SCHWARTZ, Stuart. Padres de propriedades deesc ravos nas Amrica s: nova evid nc ia p ara o Brasil , Estudos Econmicos, XIII, n1,1983, p .259-287).31 Uma referncia j clssica para este aspecto a obra de 1969 produzida porMaria Sylvia de Carvalho Franco sobre os Homens Livres na Ordem Escravocrata(So Paulo: UNESP, 1994), certamente um trabalho pioneiro que j chamavaateno para uma questo que seria cada vez mais abordada nas dcadasseguintes.32 A esse respeito, tem-se um marco importante com o livro Cam pos da violnciade Slvia Lara (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988). Mais ainda, fundamental areferncia obra conjunta de Joo Jos REIS e Eduardo SILVA intitulada .
Negociao e conflito: a resistncia negra no Brasil escravista (So Paulo:Co mp anhia d as Letras, 2005).
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uma relao de continuidade e, freqentemente,
abundantemente disponveis para o historiador (pelo menos
em modalidades como a Histria Econmica e a Histria
Demogrfica). Alm deste requisito de que as fontesconstitutivas da srie conservem uma relao de
continuidade (isto , sem lacunas que afetem a constituio
da srie), estas devem ser ainda homogneas isto , de
uma mesma na tureza .
No caso em que a srie ser utilizada com vistas a
uma quantificao de dados, como ocorrer habitualmente
c om a Histria Ec onmic a , terem os um enc ontro fortuito entre
a Histria Serial e a Histria Quantitativa. Estas expresses no
so sinnimas, embora possam estar relacionadas,
particularmente quando estabelecem uma conexo com a
Histria Econmica. A Histria Serial refere-se ao uso de sries;
a Histria Quantitativa remete a um levantamento e anlise
de dados. Esta, inclusive, freqentemente se valer das
abordagens estatsticas, pois atravs delas o historiador
buscar compreender uma grande quantidade de dados
que se coloca sua disposio de forma globalizada,
identific and o tendnc ias.
O tratamento quantitativo em histria, no que se refere
a uma exposio de suas tcnicas e recursos operacionais, j
conta com algumas obras especficas que procuramdisponibilizar metodologias quantitativas para historiadores. Tal
o objetivo, por exemplo, da obra de Roderick Floud
intitulada Uma Introduo aos Mtodos Quantitativos para
Historiadores 33. J em um mbito mais especfico de crtica
33 FLOUD, Rod eric k. An Introduction to Quantitative Methods for Historians. Lond res :Methuen, 1973. Ver tambm CARMAGNANI, Marcello. La Historia Econmica enAme rica Latina. I : Situac in y mtod os. M xic o: Sep / Setenta s, 1972. p.253-264.
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historiog r fic a , textos teric o-metod olg ic os importantes sob re
Histria Serial e Histria Quantitativa seriam elaborados em
meados do sculo XX por Franois Furet34 e Pierre Chaunu35,
sendo que este foi autor de uma das teses maisimpressionantes sobre o Comrcio Atlntico, ao ter lanado
m o d e uma qua ntida de monumental de fontes e d ad os que
foram expostos em um trabalho que ocupa nada menos que
onze volumes. Mas antes de chegarmos monumental obra
de Histria Econmica e Serial de Pierre Chaunu, produzida
nos anos 1950, ser preciso pontuar o princpio de tudo: as
realizaes de historiadores econmicos como Labrousse,
Simiand e Hamilton em torno dos anos 1930.
Atravs destes auto res, a a plica o da Quantificao
Histria Econmica faz a sua entrada na historiografia atravs
do estudo da Histria dos Preos. Os grandes historiadores
ec onmico s da p rime ira m eta de d o sc ulo XX mo stra ram q ue
o historiador podia dispor, neste caso, de dois tipos de fontes
basicamente funda menta is: de um lado as esta tstic as oficiais
de preos de um determinado perodo fontes conhecidas
como mercuriais para perodos anteriores e de outro lado
os livros contbeis referentes aos registros administrativos de
instituies, hosp ita is, moste iros, c asas nob ilirquica s, fa zendas.
Para dar do is exem plos j c lssico s de usos destes dois tipos de
fontes em um trabalho de Histria econmica de naturezaQuantitativa-Serial, Labrousse fez amplo uso das mercuriais em
seu estudo sob re o movimento d e p re os na Frana d o sc ulo
34 FURET, Pierre. O Q ua nt ita tivo em Hist ria in Histria novos problemas. Rio deJane iro: Franc isc o Alves, 1988.35 (1) CHAUNU, Pierre. Histo ire qua ntita tive et histo ire srielle in Cahiers VilfredoPareto. Ge nebra: Droz, 1964. n3. p .165-175. / (2) CHAUNU, Pierre. LHistoireSrielle in Revue Historique. Pa ris : PUF, 1970. ab ril-jun.
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XVIII36. Earl Hamilton valeu-se de registros contbeis de vrios
tipos em seu estudo sobre Moeda e Preos em Valena,
Arago e Navarra 37. Entre estes dois tipos de fontes
fundamentais as estatsticas oficiais e os registros contbeisao nvel da s unidades p rod utivas ou d e c irc ula o h a inda
que c onsiderar uma srie de o utras fontes d isponve is Hist ria
dos Preos, como documentos aduaneiros, jornais que
apresentem em algum momento cotaes de determinados
produtos, registros cartoriais que permitam apurar preos de
bens de raiz, testamentos, sries de documentos de compra e
vend a , e assim p or diante .
Nos anos 1950, para alm da j mencionada
contribuio de Chaunu com sua obra sobre Sevilha e o
Atlntico, surge na Amrica do Norte uma corrente que se
denominou a si prpria como Histria Quantitativa a partir
dos trab a lhos de Kuznets e, j na Fran a a partir dos anos
1960, com os trabalhos de Jean Marczewski38. Tratava-se de
uma Histria Econmica preocupada em classificar ano a
ano, para d iversos perodos histrico s, os fluxos aqui inc luind o
tanto as produes como os intercmbios e os estoques,
intencionando resumir a atividade econmica em seu
conjunto. Por outro lado, o enfoque concentrava-se em
aspectos como a demanda de bens e servios, a produo
interna, a receita total familiar de uma sociedade, e outrosfatores que muitas vezes pareciam excluir a presena mais
efetiva dos homens e das foras econmicas de base, de
acordo com algumas crticas que partiram de setores
36 LABROUSSE, Ernest. Esquisse du mouve me nt d es prix et des revenus en Franc e d uXVIII sic le. 2 vol. Paris : 1932.37 HAMILTON, Ea rl. Money, Prices and Wages in Valencia, Aragon and Navarra,1351-1650. Ca mb ridge: 1936.38
MARCZEWSKI, Jean. Buts et mthods de lhistoire quantitative in Cahiers VilfredoPareto. Ge nebra : Droz, 1964. n3. p .125-164.
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historiogrficos contra esta Histria Econmica que era
habitualmente realizada por economistas, mais do que por
historiadores.
Em 1957 constitui-se ta mb m a New Ec ono mic Histo ry ,uma corrente que compartilhava entre seus membros certas
prticas e concepes acerca do que deveria ser a Histria
Econmica. Esta Escola, desenvolvendo o que passou a se
chamar Econometria, trouxe a novidade de trabalhar com
contrafactuais simulaes histricas para verificar a
importncia de determinados elementos no desenvolvimento
de uma dada Economia abstraindo-os do processo e
projetando como seria o desenvolvimento econmico sem
tais elementos. Um exemplo pode ser visto com as obras de
Fogel39 e Fishlow40, que para verificar a importncia da
construo de ferrovias na histria econmica dos Estados
Unidos produziram simulaes de uma histria americana que
no t ivesse conta do c om a construo destas ferrovias.
De qualquer modo, considerando todas estas correntes
inseridas no interior da Histria Econmica que tem utilizado
francamente a quantificao, podemos concluir que a
serializao e a quantificao incorporaram-se
definitivamente como aspectos importantes do metier do
historiador econmico nos dias de hoje. Poucas vezes
possvel explorar adequadamente esta rea sem algumdomnio destas possibilidades. Em seguida, examinaremos os
vrios riscos, limites e aspectos a serem contornados ou
evitad os em um t raba lho d e Histria Ec onmica .
39 FOGEL, R. W. Railroads and American Economic Growth: Essays in EconometricHistory. Baltimore: 1964.40
FISHLOW, A. Americ an Railroa ds and the Transforma tion o f the Ante -BellumEconomy, Harvard Ec ono mic Stud ies. Vol.127. Camb ridge, Mass: 1965.
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4. Limites, risc os e obje tos privileg iados da Histria Econmica
J menc iona mo s a lguns dos risc os ma is graves c on tra os
quais devem se prevenir os historiadores econmicos. O
primeiro deles aquele que ronda o trabalho de todos os
historiadores, nas diversas modalidades da Histria: o
anacronismo. Em Histria Econmica, o principal tipo de
anacronismo fundador de todos os outros o de importar
indevidamente para uma determinada sociedade
historicamente localizada um sistema ou uma racionalidade
econmica que so os de nosso tempo. A racionalidade
ec onmic a tpica do mundo Ca pitalista, enquanto m od elo d e
comportamento para os fatos econmicos a serem
exam inad os, po de no te r nenhuma c ongrunc ia em rela o
ao mundo histrico que o historiador est examinando. Assim,
nada implica em que a obsesso pela busca do lucro seja
um fator que v ditar as normas em todas as sociedades ousituaes histricas.
Tamb m j menc iona mo s a iluso da sinc ronicida de
ou seja, a idia de que em uma determinada economia
nacional, por exemplo, todos os fatores progridem ou
regridem juntos. Os fatores integrados em um determinado
sistema ec onm ic o p od em ter cad a qua l o seu ritmo prprio.
De maneira anloga, as diversas regies ou sub-unidades
espaciais de um mesmo pas podem no se comportar da
mesma maneira em uma determinada realidade histrica: a
economia das pequenas unidades pode apontar,
eventualmente, para especializaes econmicas e
desenvolvimentos diferenciados. O historiador, aqui, deve
esta r p ron to para se a fasta r da iluso do m od elo globa lizador
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nic o , da ge nera liza o q ue busc a subm eter indevida mente
todas as regies e prticas inseridas em uma determinada
sociedade, como ocorreu na historiografia brasileira de certa
poca, por exemplo, com a generalizao de um Modo deProduo escravista-Colonial baseado quase que totalmente
em uma monocultura exportadora, sem considerar seja as
espec ific idades de c ada reg io, seja os me rc ados internos ou
as interaes entre os elementos internos da economia
colonial da Amrica Portuguesa. Neste caso, a louvvel
tentativa de entender a histria econmica brasileira como
uma totalidade tpica de uma historiografia que vai desde
Caio Prado Jnior nos anos 1930 at Ciro Flamarion Cardoso e
Jac ob Gorender em temp os ma is rec entes41 te rminou por se
confrontar com limites que s seriam contornados pelas teses
de ps-graduao brasileiras que comeam a surgir nas
ltimas dcadas do sculo XX, voltadas para as realidades
loc a is dos perod os c olonial e imp eria l.
Estes, enfim, so os riscos tericos da Histria Econmica:
totalizao sem apoio emprico, reducionismos vrios. Por
outro lado, agora que j discutimos algumas tcnicas
presentes no trabalho de Histria Econmica, particularmente
a Quantificao, poderemos discutir outros riscos. O primeiro
deles o que poderia ser chamado de fetiche da
quantificao, a saber, a quantificao por ela mesma, nocomo meio mas como fim. Uma Histria Econmica que se
limite descritivamente a enunciar informaes quantificadas
seria an log a , na histria narra tiva, me ra fac tua lidade. Uma
curva de preos no pode ter valor por si mesma. Ao
contrrio, seu valor estaria em servir para uma interpretao
histric a que a c onsiderasse c om o m ateria l de anlise, e no
41 Ver nota n42.
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como finalidade a ser atingida. Ernst Labrousse, um dos
pioneiros da quantificao na Histria, postulava que a
quantificao, destinada a desvelar uma determinada
realidade conjuntural, deveria contribuir para a realizao deuma Hist ria Tota l que esc larec esse a d inm ica das estruturas,
das crises sociais e institucionais, e assim por diante. Quando
ele elaborava uma curva de preos, tinha em vista
compreender uma realidade scio-econmica mais
complexa, para cuja compreenso a curva de preos
funciona ria c om o um sina lizador p rivileg iado.
Esta postura, de fundar toda uma explicao histrica
complexa apenas no trabalho quantitativo ou, mais ainda,
em um nico aspecto quantificado pode eventualmente
conduzir a um problema diverso: o da supervalorizao da
quantificao. Acreditar por exemplo que uma curva de
preos pode dar conta da explicao de todo um
desenvolvimento histrico-social, sem o concurso de outros
fatores e recursos historiogrficos, pode produzir resultados to
questionveis quanto a mera descrio quantitativa.
Com relao aos objetos de estudo privilegiados pela
Histria Econmica, dificilmente pode haver maiores dvidas.
Estuda-se qualquer um dos trs aspectos envolvidos pelas
atividades econmicas: a Produo, a Circulao ou o
Consumo. O campo da Produo foi objeto de interesseprimordial da historiografia marxista. Neste sentido, aqui
encontra o seu espa o o c onceito de modo de p rodu o ,
que procura da r co nta de toda a produo d a vida m aterial
de uma sociedade a partir da apropriao do trabalho
humano e da utilizao dos meios de produo (matrias
primas, instrumentos). Fora da teoria marxista, pode-se falar
em sistemas de produo, o que apenas uma outra
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maneira de se referir a este mbito produtivo que constitui o
ponto de pa rtida da vida econmica de uma sociedade.
Naturalmente que, notadamente com a historiografia
marxista e outras preocupadas com a dimenso social daHistria, considera-se que o sistema de produo est em
inseparvel interface com a organizao social e poltica de
uma sociedade. Da que, para este tipo de histria
ec onm ic a, impresc indvel ca minhar conjuntame nte c om a
Histria Soc ia l e c om a Histria Poltica . Qua lquer g rupo soc ia l
ocupa uma posio central ou perifrica, ativa ou
parasit ria , c onsc iente ou a liena da no sistem a de p rod u o
de uma sociedade, e todos estabelecem entre si relaes
que, alm de sociais, so relaes polticas. Para o
materialismo histrico, por exemplo, a Histria a histria dos
modos de produo e tambm a histria das lutas de classe.
Uma coisa est sobre-posta outra, pois se os modos de
produo vo se desenvolvendo e derivando em outros no
decurso de uma durao mais longa, a luta de classes aflora
cotidiana e conjunturalmente sobre estas grandes estruturas
em mutao. Percebe-se assim que, nesta linha de
perspectivas, a Histria Econmica est em permanente
inte rface c om uma Histria Poltica e uma Histria Soc ia l.
Por outro lado, o enfoque do historiador econmico
tambm pode se dirigir para a esfera da Circulao (ou dadistribuio). Sero estudados aqui os ciclos econmicos, os
preos, as trocas, o sistema financeiro. O interesse no estudo
dos ciclos econmicos, por exemplo, tornou-se muito
marcante a partir da dcada de 1930, com historiadores da
economia associados Escola dos Annales (mas neste caso
ta mb m ao m arxismo) c om o Ernst Labrousse. Desta c a-se uma
interface evidente da nova Histria Econmica com os
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diversos desenvolvimentos na cincia social da Economia. Na
verdade, o estudo dos ciclos, das conjunturas, da flutuao
de preos e salrios (e tantos outros aspectos) tornou-se
possvel a partir do dilogo com a Estatstica. Estes novoscampos da Histria Econmica tornam-se precisamente
possveis com a quantificao com aquela abordagem
que logo p assaria a ser cha ma da de Histria Qua ntita tiva.
Fec hando o c irc uito d e interesses da Hist ria Ec on mic a
aparece a esfera do Consumo, com objetos que podem ir
desde os aspectos relativos aos salrios (poder de compra)
at os hbitos de consumo dos vrios grupos sociais. Estudar o
consumo estudar os modos como a riqueza apropriada
pelos vrios grupos e foras sociais que se encontram em
interao no interior de uma determinada sociedade. As
tenses sociais, enfim, tambm se expressam nas relaes de
consumo, nas ostentaes, nas carncias, nos contrastes que
do a revelar a riqueza apropriada e que a colocam em
contraposio riqueza produzida. Esta ponta do tringulo
econmico, portanto, estabelece uma interface com a
Histria Social.
Por outro lad o, ta mb m da Histria Econmica estudar
os modos ou estruturas de produo nas suas linhas gerais, no
mbito de temporalidades diversificadas como a Economia
Antiga, a Economia Medieval ou a Economia Capitalista.Neste campo, o interesse do historiador desloca-se das
espec ific idades quantitat ivas para os aspec tos relac iona dos
intera o entre Ec onomia e Soc ied ade, surgindo aqui as
clebres e polmicas questes concernentes ao tipo de
interao que nesta interface se produz (determinao linear
e direta, determinao em ltima instncia, reciprocidade,
relativa autonomia?).
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5. A Histria Ec onmica no Brasil
No Brasil, a Histria Econmica tem sido desde os anos
1930 um campo bem freqentado pelos historiadores. Osobjetos e interesses de estudo se diversificam. Entre 1930,
menc iona rem os, ao lad o d e outras tem tic as, as tenta tivas de
elaborar modelos econmicos globais, que dessem conta de
entender a histria econmica brasileira como uma
tota lidade. Surgiram ent o grand es mo delos explic a tivos para
a realidade colonial, para a sociedade escravista-colonial,
para a economia no Estado Novo ou do perodo
desenvolvimentista, atravs de autores que vo de Caio
Prado Jnior, um pioneiro na rea, at historiadores,
economistas ou socilogos como Fernando Novais, Celso
Furtado, Ciro Flamarion C ard oso, Jac ob Gorend er42. As ltimas
dcadas do sculo XX assistem ecloso de trabalhos mais
monogrficos, interessados em perceber atravs de
investigaes locais muitas vezes com o apoio da Histria
Serial precisamente aquelas especificidades e
complexidades que os grandes modelos explicativos
deixavam escapar, por vezes em frmulas ou modelos
reducionistas.
Desta lavra, e das dcadas seguintes, so alguns dos
mais importantes trabalhos sobre a economia brasileira nosseus perodos histricos. H desde as investigaes regionais
ou mais localizadas sobre o perodo escravocrata, como a
42 (1) PRADO JNIOR, Caio. Formao do Brasil Contemporneo. So Paulo:Brasiliense, 1977. (2) NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do AntigoSistema C olonial. So Paulo: Hucitec, 1983, 2 ed. (3) FURTADO, Celso. FormaoEconmica do Brasil. So Pau lo: Comp anhia Edito ra Nac iona l, 1976. (4) CARDOSO,Ciro Flamarion. Observaes sobre o dossier preparatrio da discusso sobre omodo de produo colonial in PARAIN, C (org). Sob re o Feuda lismo. Lisboa:
Esta mpa , 1973, p. 71-ss. (5) G ORENDER, Jac ob . O Escravismo Colonial. So Paulo:tica , 1978, 2 ed.
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verdadeira reviso dos modelos generalizantes que, antes dos
anos 1970, vinham send o e laborad os para a c om preenso d a
economia brasileira no perodo colonial. Ao lado do j
mencionado trabalho de Ktia Mattoso sobre a Bahia,traremos o exemplo de uma ob ra que rep resenta certam ente
um marco para a historiografia econmica brasileira mais
recente: o estudo de Joo Fragoso intitulado Homens de
Grossa Aventura acumulao e hierarquia na praa
mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830) 48. Esta obra, como a
de Ktia Mattoso e outras, permitiu precisamente nova
historiografia econmica brasileira examinar os ritmos internos
da economia colonial, suas assincronias em relao ao
mercado internacional, suas diversidades regionais, suas
complexidades irredutveis ao desgastado e generalizador
modelo que retratava a economia colonial como um sistema
exclusivamente escravista-agro-exportador, diretamente
dep end ente d os c entros europeus.
Objetivando examinar as formas de acumulao que
perpassam a economia colonial brasileira em fins do sculo
XVIII e primeiras dcadas do sculo XIX, Fragoso elege como
lcus privilegiado de observao o funcionamento do
mercado do Rio de Janeiro e suas formas de produo. Mas,
sob retudo, o q ue a qui se emp reend e m ais uma c ontribui o
vigo rosa c rtica em rela o a os antigos mo delos explic a tivosda economia colonial brasileira, alcanada atravs da
exposio de uma srie de novas complexidades que se
tornam bastante claras a partir de uma bem fundamentada
48 FRAGOSO, Joo. Homens de Grossa Aventura acumulao e hierarquia napraa mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,1998.
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pesquisa em prica amp arada em an lises seria is de um a va sta
documentao.
A p rimeira c omplexida de a ser exam inad a a d e q ue a
economia colonial brasileira apresenta atravs dos nmeroslevantados um complexo jogo de ajuste e desajuste em
relao ao ciclo econmico internacional. Ao invs de uma
economia inteiramente atrelada ao ritmo internacional, o
autor vem mostrar que ainda que esta sintonia se expresse
em algumas oportunidades a economia colonial brasileira
tambm tem seus ritmos prprios. A conscincia de que os
ritmos coloniais no se ajustam inteiramente e em todos os
momentos s tendncias internacionais j vinha sendo
expressa atravs das pesquisas de Ktia Mattoso, que
examinara atravs de uma sistemtica metodologia
quantitativa os preos na Bahia do mesmo perodo,
demonstrando seu comportamento de acordo com ritmos
prprios49. Assim, e nquanto os p re os europ eus haviam sofrido
uma inflexo geral para cima entre 1810 e 1815, at atingir
neste ano a c rise mund ia l que inaugura um a fase dep ressiva,
esta inflexo s oc orreria na Bahia a pa rtir de 1822.
O objetivo de Fragoso seguir nesta mesma trilha:
demonstrar que tambm o Rio de Janeiro tinha seus ritmos
prp rios. O rec orte d a pesquisa situa-se no e nqua dramento de
um ciclo de Kondratieff que tem uma fase A positiva entre1792 e 1815, e uma fase negativa (B) entre 1815 e 1850.
Contudo, se por um lado verifica-se a sintonia entre uma
expanso econmica brasileira e a ampliao do comrcio
no plano internacional, j para o perodo seguinte (a fase B)
esta sintonia no se verifica. Entre 1815 e 1817, ocorre uma
49 MATTOSO, Ktia de Queiroz. Os preos na Bahia de 1750 a 1930 in LHisto irequantitative du Brsil de 1800 a 1930, C IVRS 1973, p .167-182.
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crise mundial que se expressaria sob a forma de uma
depresso econmica at 1850, afetando diretamente os
preos do acar e do algodo. Conforme a interpretao
clssica, a montagem da economia cafeeira apresenta-secomo uma resposta ao declnio destes produtos e
c onjuntura ec onm ic a internac iona l de sfavorvel.
O modelo confrontado e criticado pelo autor (e mais
especificamente considerando o contexto especfico das
transformaes que se do na passagem do sculo XVIII para
o sculo XIX) o da economia colonial exclusivamente
fundada na monocultura exportadora, destinada a fornecer
excedentes para as economias centrais europias. Segundo
este modelo, no haveria lugar na colnia para um mercado
interno suprido por produes locais, nem para possibilidades
de acumulaes endgenas, e tampouco para ritmos
econmicos prprios, desvinculados das economias que
dominavam o mercado internacional50. Contudo, so
precisamente estes aspectos que Fragoso verifica, mostrando
por exemplo que o comportamento da economia colonial
no pode ser medido apenas pelo desempenho do setor
expo rtad or. Assim, c ontra uma queda de preo s de produtos
ligados ao setor exportador, como o acar branco, Fragoso
demonstra uma realidade diferente relativa aos produtos
coloniais de abastecimento que desembarcam no porto doRio de Janeiro51. Sintetizando a questo, o mercado interno
colonial produz os seus prprios ritmos, que interagem de
muitas maneiras com os ritmos ditados pelo mercado
internacional, respondem ou resistem a eles. O mercado
interno, portanto, uma rea lidad e e fetiva, imp ortante pa ra a
50 FRAGOSO, Joo. Op.cit. p .16-17.51 FRAGOSO, Joo. Op.cit. p .20.
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compreenso da histria econmica. Conforme as palavras
de Fragoso, a e c onomia c olonial um pouc o ma is c omp lexa
do q ue uma p lanta tion esc ravista , subm etida aos sabores das
conjunturas internacionais52. todo um antigo modelointerpretativo, demasiad o simp lific ador, que aqui se questiona .
Mais ainda, diante da verificao emprica de uma
verdadeira flexibilidade da economia colonial que a permite
confrontar-se queda de preos internacionais e retrao
da exportao, Fragoso identifica a possibilidade de
realizao de acumulaes endgenas no espao colonial,
um dos objetivos centrais de seu estudo. Questiona-se,
tam b m, as po stulad as rela es de estrita de pe ndncia que,
segundo antigos modelos explicativos, estariam
necessariamente presentes nas relaes da economia
c olonial c om a Metrp ole.
Vale ressaltar, por outro lado, que o trabalho de Joo
Fragoso se refere mais especificamente virada do sculo
XVIII para o sculo XIX um perodo de crise do antigo sistema
colonial. Para os trs sculos anteriores de colonizao da
Amrica portuguesa, decerto, o modelo de anlise
econmica proposto por Caio Prado Jnior e seguido de
perto por Celso Furtado e Fernando Novaes conserva
considervel poder explicativo. De todo modo, as obras de
Joo Fragoso e Ktia Mattoso foram aqui evocadas apenascomo suporte exemplificativo. Elas constituem sintomas claros
de uma historiografia brasileira em pleno desenvolvimento e
renova o, que se liberta de mo delos fec hados e irred utveis,
que busca novas complexidades e que, sobretudo,
em preende um trab a lho sistem tic o sob re a s fontes a partir do
52 FRAGOSO, Joo. Op.cit. p.21.
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