I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos c ontemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015,
UFES, Vitória-ES.
Dos modos de se relacionar com a política: o caso de duas gerações de
trabalhadores
Maria Gilvania Valdivino Silva.
Doutoranda USP/ Bolsista CNPq.
Resumo:
O objetivo central desse estudo é compreender e analisar os processos de formação e transmissão
de valores, condutas e comportamentos dos moradores de um bairro popular da região do ABC
Paulista no que se refere ao mundo da política. Interessa-nos compreender e analisar os processos
de socialização política entre duas gerações de moradores desse bairro: a primeira formada por
trabalhadores migrantes, nascidos na década de 1950, e a segunda, por seus filhos nascidos no
ABC entre as décadas de 1980 e 1990. Trata-se, portanto, de uma investigação sobre a
socialização política, que pode ser definida como um processo de transmissão e aquisição de
informações, percepções, sentimentos e preferências sobre a política, que incide sobre
mecanismos de desenvolvimento de representações, princípios de formação de atitudes e
comportamentos políticos, processo colocado em prática desde a infância, no seio familiar e
desenvolvido ao longo de toda a trajetória do indivíduo, sendo impossível separar a socialização
política da formação de valores, atitudes, comportamentos e crenças comuns. (MUXEL e
PERCHERON 1985; PERCHERON, 1993).
Palavras – chave: Socialização; Política; Gerações
Esse texto irá tratar de uma pesquisa em andamento sobre os processos de
formação e transmissão de valores, condutas e comportamentos relacionados ao mundo
da política, ou seja, ao conjunto de valores e atitudes e normas relacionados à política,
tanto no que diz respeito à organização e administração do Estado (BOBBIO, 2009),
quanto ao que se refere à direção, participação ou organização de diferentes tipos de
associações que defendam ou reivindiquem alguma causa de interesse comum. Interessa-
nos entender a maneira como se dá esse processo de transmissão e aquisição entre os
moradores de um bairro da cidade de Sã Bernardo do Campo, região do ABC Paulista.
Neste artigo o leitor irá encontrar uma breve síntese sobre os conceitos que
norteiam nossa pesquisa, bem como uma apresentação da região estudada e dos sujeitos
da pesquisa, além da apresentação e discussão de alguns dados levantados até o momento.
Isto posto, prosseguimos esclarecendo que nossa investigação trata da
socialização política, conceito que podemos definir como o processo de transmissão e
aquisição de informações, percepções, sentimentos e preferências específicas sobre a
política. (MUXEL e PERCHERON 1985; PERCHERON, 1993). Nosso objetivo
I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos c ontemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015,
UFES, Vitória-ES. principal na pesquisa é compreender a maneira como esse processo é posto em prática
entre duas gerações de moradores do bairro Ferrazópolis, que foi escolhido como lócus
dessa análise em função de sua tradição operária e das mudanças pelas quais passou ao
longo dos anos, em grande parte, resultado das transformações no mercado de trabalho
industrial da região do ABC Paulista. Para este artigo, trataremos de alguns aspectos sobre
o relacionamento das diferentes gerações com a política.
A primeira geração foco de nossa análise é formada por trabalhadores migrantes,
que nasceram entre a década de 1950 e 1960, já a segunda, é constituída por seus filhos,
nascidos no ABC entre as décadas de 1980 e 1990.
Apenas a título de esclarecimento, destacamos que a região do ABC possui
tradição política anterior à chegada da indústria automobilística, mas é fato notório a
visibilidade que a região passou a ganhar a partir do final da década de 1970 por conta do
Movimento Operário e o chamado Novo Sindicalismo. À partir desse período, a imagem
dos trabalhadores metalúrgicos do ABC passou a ser fortemente associada às “grandes
greves” e, também, ao Partido dos Trabalhadores, porém, essa associação direta,
atualmente, representaria uma imagem um tanto estática das relações políticas na região,
considerando as transformações vivenciadas no ABC Paulista desde a década de 1970 até
hoje.
Porém, elementos de uma certa “tradição política” que se forjou entre os
trabalhadores do ABC tais como, a “significativa densidade” de participação,
materializada em diferentes modos de engajamento: sindicatos, partidos, associações de
moradores de bairro, ONG’s, cooperativas, etc., permanecem na região e, com isso em
mente, optamos por realizar a nossa pesquisa em um bairro, no intuito de apreender a
dinâmica sócio-política desses trabalhadores fora do ambiente da fábrica. Nossa escolha
foi então pelo bairro Ferrazópolis, o qual consideramos um espaço privilegiado para a
realização de uma investigação que tematiza a relação das pessoas com a política, pois o
mesmo possui tradição de participação e engajamento associativo, sindical e partidário,
relacionada com sua origem operária e seu papel na formação do PT e da Central Única
dos Trabalhadores (CUT). Grande parte dos primeiros moradores de do bairro trabalhava
na indústria automobilística, embora essa não seja mais a realidade do bairro. A realização
de nossa pesquisa anterior (de mestrado), nos permitiu observar, entre outros aspectos,
que a elevação das exigências em termos de escolaridade e qualificação profissional que
incidiram sobre os trabalhadores do setor metalúrgico, após o processo chamado de
I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos c ontemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015,
UFES, Vitória-ES. “reestruturação produtiva”, desencadeado nas indústrias da região especialmente ao longo
dos anos 1990, fez com que a maioria dos moradores de Ferrazópolis fosse excluída desse
setor produtivo. (PEREIRA, 2012).
Embora tenha havido importante transformação na configuração do bairro, a
pesquisa de mestrado nos permitiu constatar a persistência de uma forte identificação
desses antigos trabalhadores metalúrgicos e de seus filhos (que também dificilmente
alcançam postos de trabalho na indústria metalúrgica, especialmente nas montadoras)
com determinados aspectos do que denominamos “tradição política operária do ABC”,
tais como a valorização da defesa dos direitos dos trabalhadores, da organização sindical
e, em menor nível, mas presente, a organização partidária. (PEREIRA, 2012)
Isto posto, a construção do nosso problema de pesquisa, bem como, o recorte dos
sujeitos de nossa investigação nos conduziu ao campo de estudos da socialização política
com ênfase sobre dois conceitos fundamentais: a transmissão intergeracional e os
processos de socialização, dois fenômenos interligados. (TOMIZAKI, 2010).
Nossa hipótese é de que a análise da formação e transmissão de valores e condutas
concernentes à política no bairro Ferrazópolis, passa pela compreensão das relações que
unem e/ou opõe as gerações em questão, bem como pelas condições de formação dos dois
grupos geracionais delimitados para análise. De modo que, aquilo que pode ser
considerado por cada uma dessas duas gerações como fundamental em relação à política
está ligado à suas trajetórias e experiências geracionais. Em meio aos processos de
socialização que são mais amplos, todo indivíduo acaba adquirindo uma maneira própria
de se relacionar com a política, o que pressupõe determinados “conteúdos”, preferências,
modos de percepção, julgamentos e condutas a respeito de assuntos, questões e fatos
políticos. (PERCHERON, 1993).
Desse modo, nosso estudo objetiva ainda compreender e analisar a formação,
identificação ou aversão a determinadas posições políticas e partidárias, verificando seus
efeitos sobre a decisão do voto, para a qual são mobilizadas diferentes estratégias pelos
eleitores. Além do que, a bibliografia consultada nos aponta a estreita relação entre o voto
e a posição social dos eleitores. (GAXIE, 1989; BOURDIEU, 2005). Para este artigo,
pretendemos apresentar dados e resultados obtidos até o momento, visto que a pesquisa
ainda está em andamento.
Para o desenvolvimento da pesquisa, diferentes procedimentos metodológicos
qualitativos e quantitativos vem sendo mobilizados, como realização de observação e
I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos c ontemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015,
UFES, Vitória-ES. pesquisa de campo, aplicação de questionário1 com uma amostra representativa da
população do bairro.
Tendo esclarecido pontos sobre os conceitos mobilizados para a análise e,
norteado o leitor sobre o andamento e os detalhes da pesquisa que deu origem a este
artigo, as linhas que seguem apresentarão brevemente o bairro escolhido para a análise,
tendo como pano de fundo a região em que ele se encontra (ABC Paulista), mostrarão, de
modo mais detalhado, as duas gerações que são foco da pesquisa e, por fim,
apresentaremos alguns dados e ponderações já realizadas.
Um bairro e duas gerações de trabalhadores
De seu surgimento em meio à forte especulação imobiliária do início da década
de 1970 aos dias de hoje, Ferrazópolis se constituiu como um importante bairro de São
Bernardo do Campo, embora bem localizado em relação ao centro da cidade, à Rodovia
Anchieta e à fábricas como, por exemplo, a Volkswagen, a (extinta) Brastemp, foi, desde
o início, um bairro formado por trabalhadores, que guarda até hoje, muito da tradição
operária de sua formação, mas é mais um entre muitos bairros populares, pobres nas
grandes cidades que formam a Região Metropolitana de São Paulo.
A ampla maioria daqueles que se instalavam no bairro, à partir de sua fundação
em 1972 (PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO, 1987),
era formada por migrantes oriundos do estado de Minas Gerais e de muitos estados da
região Nordeste, especialmente, Ceará e Paraíba. Tratavam-se de trabalhadores rurais,
recém convertidos em operários, que chegavam em números cada vez maiores para o
trabalho nas fábricas da região do ABC Paulista.
De acordo com Sader (1988) entre os anos de 1960 e 1980, a população da Região
Metropolitana de São Paulo mais do que triplicou, fenômeno impulsionado pela onda
migratória, voltada principalmente para a busca de uma oportunidade de inserção no
mercado de trabalho industrial.
Embora o contingente de imigrantes fosse grande, a preparação das cidades para
recebê-los foi praticamente inexistente. Os novos moradores precisavam de um lugar para
1 Esta etapa da pesquisa está em desenvolvimento, portanto, os dados apresentados aqui referentes aos
questionários ainda não representam a amostra completa da população do bairro, em um universo que
compreende a população maior de 18 anos. A amostra foi sorteada a partir de um plano amostral por
conglomerados em dois estágios. No primeiro estágio, sortearam-se setores censitários com probabilidade
proporcional ao tamanho e, no segundo estágio, foram selecionados domicílios dentro de cada um dos
setores censitários sorteados.
I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos c ontemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015,
UFES, Vitória-ES. viver, mesmo que não fosse o ambiente ideal. Nesse contexto, as periferias das cidades
cresceram, pois a necessidade de um lugar para morar, fugindo dos altos preços cobrados
em alugueis acabou direcionando uma massa de trabalhadores para locais de moradia
mais afastados e ou, menos equipados, como era o caso de Ferrazópolis, próximo ao
centro, porém, sem nenhuma infraestrutura para receber moradias.
Essa característica do surgimento dos novos bairros impulsionados pela demanda
por moradia fez parte da história desses migrantes, inclusive, no que diz respeito à sua
atuação política, pois muitas das melhorias conseguidas em seus locais de moradia foram
resultado de intensa luta dos moradores, aliados à lideranças políticas e religiosas que
emergiam em meio à própria população do bairro. (PEREIRA, 2012; IFFLY, 2010)
Desse modo, uma rede de solidariedade foi se formando ao longo dos anos no
bairro Ferrazópolis, essa rede se forjou em torno de determinadas experiências partilhadas
pelos moradores, como, por exemplo, a migração, a entrada no mercado de trabalho
industrial e a vivência cotidiana no bairro e envolvia a vida privada e coletiva destas
famílias. Temos os movimentos coletivos de bairro, que lutavam pela garantia de direitos
e infraestrutura mínima para a comunidade local, o que expressou inclusive na fundação
da primeira associação do bairro já em 1975. A partir de 1978, destacou-se também uma
rede de comunicação entre as mulheres e os vizinhos, que promovia a informação e ajuda
mútua entre os moradores, se constituindo em uma importante rede de apoio, atuando,
por exemplo, na busca por emprego e no cuidado com os filhos.
Todas essas experiências vivenciadas pelos moradores do bairro nos auxiliam a
pensar o conceito de gerações, fundamental à nosso estudo. Baseados em Mannheim,
entendemos que o fenômeno geracional extrapola a proximidade dos nascimentos e
considera as experiências vivenciadas por um grupo geracional o que irá contribuir para
constituí-lo como tal. Nesse sentido, os moradores da primeira geração analisada por nós
são pertencentes ao grupo que se convencionou chamar de “os peões do ABC”:
trabalhadores de origem rural, vitimados pelo trabalho infantil, migrantes, que
enfrentaram péssimas condições de moradia, trabalho e salário quando da sua inserção no
mercado de trabalho industrial. Além disso, essa geração também vivenciou um
acontecimento histórico fundante: a onda grevista no ABC Paulista, deflagrada no final
da década de 1970. (PEREIRA, 2012).
Da participação nesse acontecimento histórico, embora com diferentes níveis de
engajamento e/ou proximidade com os eventos em questão, é possível dizer que essa
I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos c ontemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015,
UFES, Vitória-ES. geração adquiriu um modo de vida, o que inclui valores, práticas e determinados modos
de perceber o mundo, que são próprios à condição operária no ABC Paulista, entre os
anos 1970 e 1980. (TOMIZAKI, 2007 e 2010).
Constatamos a persistência de uma forte identificação dos antigos trabalhadores
metalúrgicos com aspectos da tradição operária do ABC, tais como a valorização da
defesa de direitos dos trabalhadores, a participação na organização sindical e partidária,
até então, preferencialmente ligada ao PT. (PEREIRA, 2012). Aspectos dessa tradição
operária do ABC Paulista permaneceram mesmo após estes trabalhadores terem sido
“expulsos” do setor metalúrgico, o que ocorreu, na maioria dos casos, pela elevação das
exigências, neste setor em termos de escolaridade e qualificação técnica, sobretudo,
durante os anos 19902. Entre os membros que compõe a segunda geração, observamos
também alguns elementos dessa tradição, o que pode ser expresso pela preferência por
um posto de trabalho em empresas com atuação sindical significativa, o que garantiria a
preservação dos direitos dos trabalhadores.
A segunda geração, formada por jovens nascidos entre as décadas de 1980 e 1990,
cresceu e se socializou na região do ABC, que neste período já estava consolidada como
importante polo industrial e era símbolo do movimento operário brasileiro, foco do Novo
Sindicalismo e ponto de partida para a formação do PT e da CUT. Além desses fatores,
há que se considerar também que, a segunda geração passou pelo período de intensas
transformações no mercado de trabalho industrial da região, o que, como já citamos,
acabou por retirar muitos de seus pais do mercado de trabalho industrial e incidir
dramaticamente sobre suas possibilidades de acesso à postos de trabalho na indústria
metalúrgica, sobretudo, os mais desejados postos, quais sejam: as montadoras de
automóveis. (PEREIRA, 2012).
Não seria exagero afirmar também que as tradições sociopolíticas da região do
ABC Paulista sofreram, nos últimos anos, profundas modificações, um dos elementos a
ser destacado novamente do conjunto dessas mudanças é o prolongamento do período de
escolarização dos trabalhadores brasileiros, em especial dos trabalhadores do ABC
Paulista (TOMIZAKI, 2007). Dado que a necessidade de possuir níveis de escolaridade
cada vez mais altos é um ponto chave na definição das expectativas e destinos dos jovens
do ABC, principalmente depois dos anos 1990, bem como na compreensão das
2 Vale ressaltar, que muitos dos moradores da primeira geração foco de nossa análise estavam também
envolvidos em lutas por moradia digna ou por melhorias nos bairros em que viviam por meio de
associações de moradores ou junto às Igrejas Católicas da região (IFFLY, 2010).
I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos c ontemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015,
UFES, Vitória-ES. contradições e conflitos vivenciados entre pais e filhos operários no mundo todo, neste
estudo, tal questão aparece como elemento importante na definição dos dois grupos
geracionais estudados. (RAMALHO e RODRIGUES, 2007; BEAUD, 2003)
Dentro desse contexto, nossas pesquisa anterior evidenciou a intensidade da
socialização para o trabalho em diferentes famílias moradoras do bairro, ficando a
política, em segundo plano no que tange a socialização familiar, porém, a atuação política
(mais intensa por parte dos pais do que das mães, na maioria dos casos, visto que a ampla
maioria daqueles que trabalhavam em indústria metalúrgica no bairro eram os homens),
influenciou de maneira significativa o modo como a segunda geração entende e se
relaciona com a política, seja por meio de engajamento e participação ou total aversão, o
que muitas vezes ocorreu em função da dedicação quase que exclusiva dos pais às
atividades de militância, o afastando assim da família.
É importante ressaltar ainda que a família não é o ambiente exclusivo para a
socialização, enfatizamos que esse processo não é linear e também, nunca totalmente
finalizado e podemos citar como importantes instâncias socializadoras a escola, o grupo
de pares, o lugar de moradia, o trabalho, as mídias, etc. (LAHIRE, 1998; SETTON, 2005).
Isto posto, o foco principal de nossa análise, como já dito anteriormente, é a
socialização política, portanto, partirmos do princípio de que todo e qualquer indivíduo é
socializado politicamente. Destacamos três dimensões desse tipo de socialização, quais
sejam: (i) a socialização política, processo que todo e qualquer indivíduo passa durante
sua socialização, que assume os contornos do meio no qual ele nasceu, cresceu e viveu
até determinado momento de sua vida; (ii) a socialização para a política, típica dos
processos de socialização no interior de famílias que se dedicam à vida pública ou à
militância política e que, sistematicamente, organizam experiências socializadoras que
permitam aos seus filhos o acesso a determinados conteúdos e práticas considerados
relevantes para o exercício da opção político-ideológico do grupo ao qual a família
pertence e, finalmente, (iii) a socialização na política, processo que ocorre quando
indivíduos jovens ou adultos se inserem em experiências políticas que reconfiguram seu
quadro de valores, comportamentos e percepções do mundo. Desse modo, inferimos que
a primeira geração passou por essa última dimensão (socialização na política) de maneira
mais intensa, o que não exclui outras modalidades de socialização que não são nosso
objetivo analisar neste momento. Já a segunda geração acabou por vivenciar, de maneira
I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos c ontemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015,
UFES, Vitória-ES. mais significativa, a primeira dimensão, a socialização política, que ocorreu de maneira
mais genérica e ampla. (PERCHERON, 1993; PEREIRA, 2012).
Essa segunda geração, de maneira geral, tem uma participação menos significativa
em diferentes associações ou agremiações que lutam por alguma causa comum. O que
não quer dizer que esta participação seja nula. Os dados recentes que vem sendo
coletados3 no bairro mostram que 53% dos moradores entrevistados até o momento,
parcela significativa da população participa ou já participou de alguma organização
associativa, mas o tipo de engajamento se dá de maneira diferente. Ao questionarmos o
tipo de associação, os sindicatos aparecem na frente, entre aqueles que participam ou já
participaram de organizações desse tipo, o sindicato aparece em primeiro lugar, com
38,8% das respostas. Porém esse dado precisa ser problematizado, como veremos a
seguir.
Entre os entrevistados da primeira geração, a participação sindical, principalmente
entre as décadas de 1970 e 1980 se dava de maneira mais intensa e efetiva, com atuação
em comissões de fábrica, ocupação de cargos de delegados e diretores sindicais,
participação em assembleias e demais atividades oferecidas pelas instituições, e, como já
sabemos, a militância sindical se converteu em militância partidária para importante
parcela dos entrevistados da primeira geração. Já aqueles pertencentes à segunda geração,
a participação sindical não é vivida da mesma maneira (é claro que essa informação não
limita todos os membros desse grupo geracional a não participação sindical, há casos em
que isso ocorre, porém, entre os entrevistados até o momento, essa participação ativa não
atinge relevância), muitos declaram estar associados ao sindicato apenas para ter
preservados os seus direitos de trabalhador, encaram a instituição como um meio de ter
garantias no emprego e, quando entram em uma empresa em que o sindicato é atuante,
consideram que este é um bom local para trabalhar. Outros, declaram ter total aversão ao
sindicato, e entre estes, alguns são filhos de militantes sindicais, e que enxergam a
instituição, nos moldes atuais, em que se privilegia a negociação, como algo muito
diferente daquilo pelo qual seus pais lutaram. (PEREIRA, 2012).
3 Enfatizamos mais uma vez que estes dados fazem parte de uma parcela da amostra que vem sendo coleta
no bairro por meio da aplicação de questionários domiciliares com os moradores, tratam-se de dados
bastante preliminares, pois a coleta ainda não foi finalizada, portanto, não possuímos toda a amostra
necessária e estão sendo citados neste artigo apenas a título de ilustração, pois estamos conscientes do fato
de que sem a amostra finalizadas, ainda não podemos estabelecer conclusões mais definitivas sobre essas
informações.
I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos c ontemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015,
UFES, Vitória-ES. No que tange a participação em outros tipos de associação4, 15,8% dos
entrevistados já atuaram em pastorais da Igreja Católica, número este que já conta com
um pouco mais de membros da segunda geração. Ainda não temos resposta definitiva
para explicar este fato, mas nossa hipótese é a de que a Igreja teve papel importante
durante o processo de socialização das duas gerações, a maioria dos moradores do bairro
entrevistados até o momento se declara católica, (61% dos entrevistados até o momento)
e, por conta disso, além da socialização na própria igreja, muitos tenham chegado a
participar de pastorais. Além do que, há lideranças religiosas na região, oriundas do
período de importante atuação da Igreja Católica da região ao Movimento Operário nas
décadas de 1970 e 1980.
No que tange ao momento da escolha do voto5, acreditamos que este seja
influenciado também pelo processo de socialização, seja no interior da família ou em
outras instâncias. Embora as manifestações de apoio à partidos e candidatos ocorram em
níveis diferentes entre as gerações, eram recorrentes entre os entrevistados, respostas
como “voto no PT por influência familiar” ou, “voto no PT, porque é muito forte aqui
no bairro6”. De acordo com Bourdieu (2005), o voto é expresso e produzido a partir das
condições sociais em que se encontra o eleitor, o autor cita Durkheim (1990) para destacar
que o voto não pode ser visto apenas sob seu caráter individual, pois, “cada opinião
individual, por formar-se no seio de uma coletividade, tem algo de coletivo.” (Durkheim,
1990: 138). Tanto para os membros da primeira geração que foram socializados na
política, quanto para os membros da segunda geração que foram socializados
politicamente de maneira mais ampla, as lutas coletivas de associações de bairro, a
tradição operária e político sindical presentes no bairro desde sua formação exerceram e
ainda exercem papel importante nas formações das opiniões e decisão do voto entre os
sujeitos foco de nossa análise.
4 O restante das respostas positivas no que tange à participação em outros tipos de organizações associativas
corresponde a organizações sem denominação, organizações não governamentais e partidos políticos. 5 Estamos conscientes da vasta bibliografia da área das ciências políticas sobre as diferentes variáveis
consideradas pelos eleitores no processo de escolha e decisão do voto, porém, entre estes estudos a variável
socialização aparece de maneia tímida, sendo considerada dento de um processo mais amplo que considera
os sentimentos (de maneira geral) dos eleitores na decisão do voto. Nossa pesquisa pretende verificar qual
o tipo e a importância da influência do processo de socialização para a escolha do voto, no contexto do
bairro Ferrazópolis. (CARREIRÃO e BARBETTA, 2002; SINGER, 1994 e 2012; GRILL, 2012;
FIGUEIREDO, 1991 E QUADROS, 2003). 6 Respostas associadas à melhoria de vida para os pobres, trabalhadores e nordestinos também apareceram
em grande número, na verdade, representam parcela muito significativa entre os dados obtidos até o
momento, porém, essa discussão será trabalhada de maneira profunda em outro momento, considerando o
conceito cunhado por André Singer conhecido como “lulismo” (SINGER, 2012).
I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos c ontemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015,
UFES, Vitória-ES. Observamos a dinâmica do bairro durante dois períodos de campanha eleitoral
para presidente (2010 e 2014), embora as duas eleições tenham se dado em conjunturas
diferentes, no que tange às expectativas da população enquanto ao governo do PT, a
credibilidade do partido, a situação econômica no Brasil e no mundo, destacamos o fato
da persistência da tradição petista no bairro Ferrazópolis, tradição esta que é herdeira do
passado operário e da importante atuação do partido na formação política do bairro,
inclusive com a existência de um núcleo que fora fundado no ano de 19827. O PT é o
partido mais apoioado entre os eleitores que vivem no bairro, as manifestações públicas
de apoio à candidatos à presidência que não fossem do Partido dos Trabalhadores, eram
incipientes, mesmo nas eleições de 2014, entre os entrevistados até o momento, 76%
declararam votar no PT.
Isto posto, observamos que dentro de um contexto de diferentes condições de vida
e socialização, a segunda geração guarda alguns elementos da primeira, no que tange à
maneira de se relacionar com a política, o que se deve em grande parte à entrada dos pais
no mercado de trabalho industrial, o tipo e a intensidade da socialização na política que
muitos deles vivenciaram, assim como, as transformações em escala macro que
ocorreram na sociedade e no mercado de trabalho, a superação em níveis de escolaridade,
por parte da segunda geração, foram, na maioria dos casos, insuficientes para alcançar
mobilidade social significativa em relação à primeira geração. As rupturas da segunda
geração são aparentes, não há forte engajamento político, a identificação partidária não é
tão intensa como foi por parte da primeira geração e, é muito frágil, o que se expressa,
pelo grande número de respostas negativa atribuídas ao partido dos trabalhadores durante
a coleta de dados no bairro.
Entre continuidades e rupturas entre as gerações, levamos este estudo à frente,
buscando entender de maneira profunda a dinâmica sociopolítica do bairro Ferrazópolis,
os modos de vida e as maneiras como se dão os processos de socialização política entre
seus moradores. A segunda geração é herdeira do passado político de seus antecessores?
Sim, mas essa herança tem para eles a mesma importância? Incide sobre as mesmas
formas de agir e se perceber no mundo? Evidente que a transmissão intergeracional não
é um fenômeno simples e direto, e que não leva a total reprodução ou total ruptura.
(PERCHERON, 1993).
7 Informação de pesquisa de campo, 2014.
I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos c ontemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015,
UFES, Vitória-ES.
Referências Bibliográficas:
BEAUD, S. 80% au bac... et après? Les enfants de la démocratisation scolaire. Paris:
La Découverte, 2003.
BOURDIEU, P. O mistério do ministério: das vontades particulares à ‘vontade geral’.
In: CANEDO, L. B. (org). O sufrágio universal e invenção da democracia. São Paulo:
Estação Liberdade, 2005.
BOBBIO, N. et al. Dicionário de Política. Volumes 1 e 2. Brasília: Editora UnB, 2009.
CARREIRÃO, Y. de S. e BARBETTA, P. A. A eleição presidencial de 2002: a decisão
do voto na região metropolitana da Grande São Paulo. Revista Brasileira de Ciências
Sociais. Vol, 19, nº 56, outubro de 2004.
DURKEIM, E. Leçons de Sociologie. Paris: PUF, 1990.
FIGUEIREDO, M. A decisão do voto: democracia e racionalidade. São Paulo: Ed.
Sumaré: ANPOCS, 1991.
GAXIE, D. (dir.) Explication du vote. Um bilam des études électorales em France. 2ª
ed. Paris: Références, 1989.
GRILL, I. G. “Ismos”, “Ícones” e “Intérpretes”: as lógicas das etiquetagens na política
de dois estados brasileiros (MA e RS). In: Rev. Sociol. Políti. Curitiba: v. 20, n. 43, p.
193-220, outubro de 2012.
IFLLY, C. Transformar a metrópole. Igreja Católica, territórios e mobilizações
sociais em São Paulo 1970 – 2000. São Paulo: Editora Unesp, 2010.
LAHIRE, B. L' homme Pluriel. Paris: Nathan, 1998.
MUXEL, A. PERCHERON, A. Histoires politiques de famille. premières illustrations.
Life Stories/ Récits de Vie. Paris: vol. 1, 1985.
PERCHERON, A. La Socialization politique. Paris: Armand Colin, 1993.
PEREIRA, M. G. V. Experiências de socialização: o caso de famílias de trabalhadores
do bairro Ferrazópolis em São Bernardo do Campo. Dissertação de Metrado. São
Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. 2012.
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO, Departamento de
biblioteca pública e preservação de memória da Prefeitura do Município de São Bernardo
do Campo. Documento de informações sobre os bairros, ano de 1987.
QUADROS, D. G. A decisão do voto no Brasil: um modelo explicativo para as eleições
presidenciais. Revista Sociol. Polít. Curitiba, vol. 20, v. 153- 156, jun. 2003.
I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos c ontemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015,
UFES, Vitória-ES.
RODRIGUES, I. J; RAMALHO. J. R. (orgs.) Trabalho e sindicato em antigos e novos
tempos produtivos. Comparações entre o ABC paulista e o Sul fluminense. São
Paulo: Anablume, 2007.
SADER, E. Quando novos personagens entraram em cena. Experiências e lutas dos
trabalhadores da Grande São Paulo 1970-1980. Rio de Janeiro: ed. Paz e Terra, 1988.
SETTON, M. G. J. A particularidade do processo de socialização contemporâneo. Tempo
Social. São Paulo, v. 17, n. 2, 2005.
SINGER, A. Esquerda e direita no eleitorado brasileiro. São Paulo: Edusp/Fapesp,
1994.
__________. Os sentidos do Lulismo. Reforma gradual e pacto conservador. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012.
TOMIZAKI, K. Ser metalúrgico no ABC: transmissão e herança da cultura operária
entre duas gerações de trabalhadores. Campinas: Centro de Memória da Unicamp/Arte
Escrita/ FAPESP, 2007.
_________. Transmitir e herdar: o estudo dos fenômenos educativos em uma perspectiva
intergeracional. Educ. Soc., Campinas, vol.31, n. 111, abr/jun, 2010.
Top Related