UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
DESENHO DIGITAL: A POSSIBILIDADE DE DESENHO
ARTÍSTICO
Henrique Costa
MESTRADO EM DESENHO
2006
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
DESENHO DIGITAL: A POSSIBILIDADE DE DESENHO
ARTÍSTICO
Henrique Costa
Dissertação orientada pelo
Professor Doutor António Pedro Marques
MESTRADO EM DESENHO
2006
2
RESUMO
O recurso ao computador assume cada vez mais importância na sociedade. No
campo artístico isto também é verdade, ainda que não haja um conhecimento profundo
de quais são as mais valias que esse facto acarreta. A presente dissertação tem como
objectivo marcar um território artístico dentro do desenho digital, ou seja, o desenho
digital de facto é desenho, e como desenho que o é pode ser artístico.
A dissertação é apoiada em cinco pontos, o primeiro dos quais equivalente ao
capítulo dois é o fundamento do desenho, o seu tempo, a sua relação com o desenho
digital. Também neste ponto é tratada a relevância ou não do desenho digital em
diversas situações – quando é que o desenho digital é mais eficaz. Isto porque o desenho
digital não é um meio de substituição do desenho analógico mas apenas um outro tipo
de desenho. Assim sendo o desenho analógico será mais indicado para certas situações e
o desenho digital será mais apropriado para outras.
O capítulo três está ligado a factores técnicos onde serão descritos os modos de
desenho digital, e principalmente as características muitas vezes erróneas ligadas a
forma digital de desenho. Neste capítulo são ainda estabelecidos alguns paralelismos
entre o desenho digital e o desenho convencional, como a utilização de estrutura ou o
próprio processo do desenho.
Do capítulo quatro ao seis serão apontados métodos e técnicas genéricas para
uma construção digital de desenho, sempre ilustradas a partir de um modo puramente
teórico mas também com recurso a exemplos relevantes. Nestes capítulos pretende-se
uma desmistificação em relação ao desenho digital e à programação, visto estes
poderem ser facilmente executados por artistas, ou desenhadores apenas com formação
inicial nesta área. Ao desmistificar os processos ligados ao computador pretende-se
demonstrar que o difícil não é dominar os conceitos inerentes à computação gráfica, o
difícil continua a ser desenhar.
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ABSTRACT
The resource to the computer has more and more importance in the society. In
the artistic field this is also true, though a deep knowledge of what are the surplus
values what this fact brings does not exists. The following thesis have an objective: aim
to mark an artistic territory inside the digital drawing, in other words, the digital
drawing in fact is a drawing, and like drawing that it is it can be artistic.
The thesis is supported in five points; the first one equivalent to chapter two is
the basis of the drawing, his time, his relation with the digital drawing. Also in this
point the relevance or not of digital drawing is treated in several situations – when it is
more efficient. This because computer aided drawing is not a way of substitution of
conventional drawing but only another type of drawing. So being, the analogical
drawing it will be more appropriate for certain situations and the digital drawing will be
more appropriate for others.
Chapter three is connected to technical questions where the ways of digital
drawing will be described, and principally the characteristics very often erroneous allied
with the digital form of drawing. In this chapter some parallelisms are established
between the digital drawing and the conventional drawing, like the use of structure or
the drawing process itself.
Chapter’s four to six will be pointed to methods and generic techniques for a
digital construction of drawing, always illustrated from a purely theoretical way and
also with the resource of relevant examples. In these chapters demystification is claimed
regarding the digital drawing, since it can be easily executed by artists, or draftsmen
with essential formation in this area. While demystifying the processes connected with
the computer it intends to demonstrate that the difficult thing is not to control the
concepts inherent in the graphic computation, the difficult thing keeps on being to draw.
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PALAVRAS CHAVE
Desenho digital
Desenho artístico
Desenho assistido por computador
Desenho tridimensional
Programação
KEY WORDS
Digital drawing
Artistic drawing
Computer graphics
Three-dimensional drawing
Programming
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ÍNDICE
7. I.INTRODUÇÃO
9. II.O DESENHO
9. 2.1 Propósito do desenho
14. 2.2 Desenho analógico e desenho digital
14. 2.3 Desenho artístico
18. 2.4 Vantagens e desvantagens do desenho digital
22. III.DA REALIZAÇÃO DO DESENHO DIGITAL
22. 3.1 Modos de desenho digital
22. 3.1.1 Desenho bidimensional – mapa de bits
24. 3.1.2 Desenho bidimensional – vectorial
25. 3.1.3 Desenho tridimensional
27. 3.1.4 Animação
28. 3.2 A vulgaridade do desenho tridimensional
31. 3.3 Estrutura em três dimensões
34. 3.4 Construção a partir de primitivas
38. IV. DA PERCEPÇÃO VISUAL E CONSTRUÇÃO DO DESENHO POR
SUPERFÍCIE
39. 4.1 O processo do desenho por superfície
43. 4.2 Construção por superfície
47. V.CONSTRUÇÃO LINEAR
49. 5.1 Utilidade do desenho linear
50. 5.2 Processo do desenho tridimensional linear
53. 5.3 Construção linear aplicada
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61. VI.PROGRAMAÇÃO
61. 6.1 Programação como desenho
65. 6.2 Programação do desenho
71. 6.2.1 Objecto A
74. 6.2.2 Objecto B
78. 6.2.3 Interacção entre A e B
88. VII.CONCLUSÃO
91. VIII.BIBLIOGRAFIA
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I.INTRODUÇÃO
Podemos atribuir a denominação de desenho artístico a algum desenho
produzido a partir de meios digitais. Geralmente, a palavra “computador” ao ser referida
no meio artístico remete para uma instalação multimédia, vídeo arte ou algo similar, ou
ainda com sorte o uso do computador é relegado para uma fase de execução final de
uma dada obra.1 Todavia o computador pode ser utilizado como uma ferramenta de
criação desde o primeiro instante (ou desde o primeiro desenho) tal como um lápis e
uma folha de papel, pela simples razão de que o processo de criação não está num meio
externo ao artista mas nas suas faculdades. Portanto, todo o desenho está directamente
dependente da cognição e da percepção visual. Tudo o que for externo a estes dois
factores fará parte da execução do desenho e estará dependente destes. Resumindo:
desenhar é um processo mental, ainda que seja requerido um suporte.
O objectivo da dissertação é provar que sendo o desenho um processo mental,
tanto os meios analógicos como os digitais são válidos para a sua representação. Tudo o
que acontece quando se desenha com papel e lápis – todos os erros, vícios,
arrependimentos associados à inclusão/exclusão e à forma desinteressada como se
desenha – vão também acontecer ao nível do desenho digital. O mesmo é dizer que o
desenho digital pode ser igualmente um desenho artístico.
A metodologia empregue na presente dissertação procura em primeiro lugar
explicitar o que é desenho, tanto no seu propósito como na sua vertente analógica e
digital, para seguidamente definir desenho artístico e tentar perceber se a definição de
desenho artístico pode ser aplicada ao desenho digital. Para isso e depois de uma
primeira parte do trabalho mais teórica, apresentar-se-ão os capítulos em que não só
serão descritos teoricamente processos do desenho digital como numa fase posterior
estes serão explicitados a partir de exemplos relevantes.
Por relevância existem três núcleos de trabalho principais, dois deles ligados ao
desenho tridimensional, e o restante ligado à programação. Será tratado o desenho de
1 É de referir que actualmente o conceito de “Arte” se encontra condicionado pela noção de
conceptualidade, sendo que as técnicas de execução são relegadas para segundo plano o que afecta a
importância do desenho.
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construção tridimensional por superfície, onde serão revistos factores importantes
ligados à cognição do desenho; o desenho tridimensional linear, ligado a factores mais
construtivos; e a programação, cuja finalidade é provar que também se pode desenhar
programando – considerando a realização de desenho interactivo, ainda que seja
utilizado um léxico próprio de programação e não a grafia habitual característica do
desenho convencional não programado.
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II.O DESENHO
2.1 Propósito do desenho
Definir desenho é difícil. Difícil quanto à forma e quanto à intenção. Se a forma
pode ser entendida como o resultado físico, a intenção é caracterizada como o porquê do
desenho. De qualquer maneira para existir aquilo a que se chama desenho, estas duas
vertentes têm de existir - não se pode desenhar apenas mentalmente e não podemos
desenhar sem conhecimento, pois o desenho deve ser intencional.
Quanto à forma, a sua identificação é complexa pois existem resultados finais
que podem ser caracterizados como desenhos ou pinturas ou objectos de outra natureza.
Tal acontece hoje em dia porque a técnica do desenho muitas vezes é utilizada na
pintura e a técnica da pintura muitas vezes é utilizada no desenho, ou outras técnicas,
que não sejam tradicionalmente associadas ao desenho ou à pintura, podem ser
utilizadas como técnicas do desenho, como por exemplo as técnicas digitais.
Tradicionalmente o desenho era realizado com uma certa contenção cromática:
geralmente é monocromático. Quando vemos uma imagem executada a grafite não
temos dúvidas em afirmar que se trata de um desenho. Também pode haver recurso a
mais do que uma cor sem que haja grande dúvida quanto à sua classificação. A técnica
dos dois ou três lápis é bastante comum, e neste caso dado um suporte mais escuro que
o branco e mais claro que o preto, se utilizarmos dois lápis, um naturalmente é para
desenhar as partes mais escuras e o outro as partes mais claras. No caso dos três lápis, o
terceiro serve geralmente para dar cor a um determinado elemento diferenciando-o de
um outro de forma a clarificar o resultado final. Assim é relativamente fácil afirmar que
estamos perante um desenho. O maior problema surge com as aguadas e com o uso do
pincel. Aqui entramos declaradamente no domínio da pintura - de facto estamos a pintar
com o pincel ou por outras palavras estamos a desenhar pintando. E isto é possível.
Podemos utilizar o pincel para aquilo a que vulgarmente se chama desenhar e podemos
utilizar o mesmo pincel para pintar, classificando o resultado como uma pintura. No
caso da aguarela isso é óbvio, embora para se desenhar com o pincel também possam
ser utilizados outros tipos de tinta.
No caso do desenho digital a questão já não é o conflito de definição em relação
à pintura mas por ventura em relação à arte digital. Porquê chamar desenho a uma obra
digital e não arte digital? E em termos de definição, porquê a distinção entre desenho
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animado, banda desenhada, desenho científico ou outros tipos de desenho? Poderíamos
pensar que provavelmente o desenho tem como elemento comum a linha: tanto o
desenho animado, a banda desenhada ou mesmo o desenho científico estão ligados a
este elemento e se utilizarmos linhas, estamos a desenhar. E na realidade provavelmente
a maior parte dos desenhos tem expressão linear, mas hoje em dia é óbvio que não é a
linha que faz o desenho - dos três exemplos citados é natural que também se possa
utilizar manchas ou outro tipo de técnicas. E a caracterização gráfica não fica limitada à
linha, ou à mancha ou à trama, sendo que no caso do desenho tridimensional estes
elementos nem existem: o desenho é realizado a partir de formas geométricas.
Podem retirar-se duas conclusões principais do raciocínio anterior: a primeira é a
de que aparentemente a palavra desenho é uma palavra genérica e generalista – serve
para qualquer obra visual. A segunda é a de que o desenho é independente do meio de
expressão utilizado. Serão estas as duas únicas conclusões lógicas que se podem
estabelecer quando olhamos para o simples resultado formal do desenho, e obviamente
por esta via não podemos definir o que é o desenho.
6. Del. Simon Bisley, 1991. Exemplo de banda desenhada executada com técnicas
características da pintura
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Será possível definir desenho a partir da sua temática? Provavelmente também
não, senão vejamos: tradicionalmente existem três formas de definir uma pintura quanto
à sua temática e estas três formas também podem ser importadas para o desenho2:
podemos ter um desenho tirado do natural – desenhamos aquilo que vemos; um desenho
parcialmente tirado do natural e com elementos inventados – não só desenhamos o que
vemos mas também melhoramos essa realidade com elementos de outras formas; e o
desenho de invenção – onde não existe nenhuma relação directa com aquilo que
estamos a ver no momento. Por ordem de valor o desenho de invenção era considerado
o desenho superior.
Mas se analisarmos bem estas diferenças percebemos que elas englobam todo o
tipo de temas – podemos tentar desenhar a realidade ou inventá-la. Ou seja, é possível
fazer tudo com o desenho, mas também é possível fazer tudo com a pintura ou com
outra área de produção visual.
Então o desenho só pode ser individualizado quanto à intenção de fazer um
desenho, mas mesmo assim é relativamente difícil fazer a distinção entre desenho e
outros meios. Se não vejamos - o que é o desenho? A resposta mais clara e simples é: o
desenho é a tradução gráfica de uma ideia. E está definido o desenho. E o que é a
Pintura? É a tradução gráfica de uma ideia. E a arte digital, a banda desenhada, o
desenho de projecto? Também aqui a resposta é a mesma.
Bem mas de qualquer forma, até aqui já definimos o que é o desenho, o grande
problema é que essa mesma definição é possível com pequenas modificações para
qualquer meio de tradução visual. Mas o desenho existe e é único, e se ele não pode ser
caracterizado pelos aspectos formais ou pela sua intenção como é que podemos
classificá-lo? Apenas nos resta uma opção para a caracterização do desenho: o tempo. O
tempo referido aqui é todo o processo que é necessário realizar para a produção de uma
obra visual, desde os primeiros desenhos até ao desenho final, à pintura final, ao
desenho animado final, ao desenho científico final, ao desenho de projecto final. E a
palavra comum a todos estas técnicas é final, ou seja acabado, imutável. E é isso que o
Desenho não é. Ou seja o Desenho é o primeiro momento de uma determinada obra
visual que depois terá outra designação.
2 Vd. ZUCCARI, Federico – “L,idea de scultori, pinttori e architteti”, Ed. Heskamp, Florença, 1961
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O Desenho é então o primeiro passo incerto para a obra visual, é a primeira
tentativa de realização formal da nossa ideia. A partir do momento em que o desenho se
conclui, se finaliza, o processo gráfico cessa. E então o desenho deixa de ser desenho.
Será o desenho um caminho para qualquer obra visual e qualquer obra visual é de facto
um desenho? Genericamente sim, mas o Desenho considerado enquanto tal,
corresponderá apenas aos primeiros momentos de clarificação de uma ideia e não à
concretização da mesma. Por isso é que o lápis é geralmente utilizado para desenhar,
porque é o meio mais fácil de utilizar e está sempre disponível, o que é perfeitamente
suficiente e indicado para a apresentação da primeira sucessão de ideias3. E se
repararmos bem todos os factores exclusivos do desenho encontram-se nesta fase como:
a aproximação, a selecção, a exclusão, o arrependimento, entre outros.
Em conclusão “desenho” é uma definição genérica, quanto à sua ideia é
independente do meio em que é realizado; é um processo de tradução mental, e está
necessariamente ligado à primeira fase dessa mesma tradução. Se posteriormente o
desenho é concluído ou não, é irrelevante.
Resta portanto definir desenho artístico pois o propósito deste trabalho, no
fundo, é poder considerar desenho digital como desenho artístico.
Podem existir dois tipos de desenho artístico: o desenho preparatório e o
desenho autónomo. No caso do desenho preparatório a sua definição adapta-se
perfeitamente ao momento de realização do desenho, ou seja o desenho é a génese da
obra. Mas ao mesmo tempo também verificamos que, na relação entre o desenho digital
e o desenho analógico com lápis nesta área específica, os meios analógicos são
preferíveis devido à sua velocidade, disponibilidade e facilidade. Por outras palavras, se
alguém quiser fazer um desenho preparatório de um dado objecto artístico é lógico que
utilize papel e lápis. Como conclusão podemos supor que os meios digitais podem não
ser os mais indicados para este tipo de desenho artístico. Se o desenho artístico se
esgotasse neste campo então este texto não tinha razão de existir pois a resposta à
pergunta inicial seria a de que o desenho digital não pode ser desenho artístico porque
não é prático. Mas a extensão do desenho artístico não pode ficar reduzida ao desenho
preparatório como já foi referido.
3 Ainda que como já foi referido, com o lápis não se possa desenhar em três dimensões, ao contrário dos
meios informáticos. A tradução tridimensional da ideia inicial no computador apesar de ser mais difícil de
realizar não deixa de ser Desenho.
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O desenho autónomo será aquele desenho que, ou foi feito para não ter
continuidade noutra área específica do desenho4 ou que perdeu essa continuidade. E
ambas as alternativas são possíveis porque correspondem ao desenho os primeiros
momentos de caracterização gráfica de uma dada ideia e esse tempo está
obrigatoriamente carregado de dúvida e incerteza. Enquanto o desenhador executa o
desenho não sabe se vai conseguir transmitir claramente a sua própria ideia ou não. O
desenho autónomo não só pode ser caracterizado como desenho artístico como também
num dado momento pode ser essencial a sua realização em meios informáticos.
A utilização de meios informáticos no que respeita à representação
tridimensional vem em alguns casos inverter a questão do desenho, pois se o desenho é
construído para facilitar a transmissão da nossa ideia, o desenho tridimensional vem
dificultar essa mesma ideia. Esta afirmação não pretende pôr em causa este modo de
desenho. A maior parte das vezes quando se desenha a três dimensões os erros de
concepção são naturalmente mais evidentes do que no caso da representação a duas
dimensões. Ou seja, no desenho bidimensional as dúvidas vão sendo esclarecidas
progressivamente com o desenrolar do desenho; no caso do desenho tridimensional há
outras dúvidas em maior número que requerem outro tipo de exigências.
Consecutivamente o desenho bidimensional, que tradicionalmente está cheio de
erros e de incertezas, vai encontrar, na versão tridimensional, um acréscimo de
dificuldades, o que o torna, à partida, mais difícil. Mas o desenho tridimensional
obviamente também é um processo de tradução mental que pode estar ligado a uma
primeira fase de representação. Logo, o desenho digital tridimensional também pode ser
considerado desenho artístico.
4 Entenda-se por exemplo a pintura como área de continuação do desenho.
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2.2 Desenho analógico e desenho digital
A mudança é uma das certezas ao longo da história e no entanto é sempre
encarada com algum receio. É notório que os meios do desenho mudam, os suportes de
fazer desenho mudam, a temática muda. De qualquer forma existe uma certa
desconfiança em relação a uma mudança quer seja do meio, do suporte, temática ou
outros, pois é algo que até então nunca terá sido experimentado: é algo que assusta.
Posteriormente, quando a novidade se torna banal então toda a desconfiança é esquecida
e a inovação é adoptada por todos. Assim acontece com o desenho artístico digital: de
ignorado, passa para desprezado, até ser finalmente aceite e posteriormente banalizado.
É de notar que a fase do desprezo já esteve mais longe de ser ultrapassada, pois
ainda que a maior parte dos intervenientes do desenho já conviva pacificamente com
esta técnica de fazer desenho, vão referindo com algum reforço gestual que “falta uma
certa manualidade”, “falta matéria”, “falta alma” ou num tom mais melancólico “espero
que isto não vá substituir o papel e lápis”. Respondendo rapidamente a estas reacções,
se falta uma certa manualidade não será certamente por culpa do meio, pois a mão
apenas é um agente actuante de ordens lançadas pela mente. De resto, se quando
utilizamos o papel e lápis temos um desenho resultante de uma operação que envolve,
por ordem, a mente, a mão, e o lápis que risca directamente o papel; já no desenho
digital podemos constatar a seguinte sequência: mente, mão, rato (ou qualquer outro
meio de tradução) e o suporte digital. É de notar que tudo o que não nos é exterior
mantém-se. Mas se o problema da manualidade está centrado na relação directa que o
lápis tem com o papel, e quando utilizamos o rato está implícita uma tradução em
coordenadas, o problema não deve ser colocado porque no desenho assistido por
computador a tradução também é directa: o rato só se move se nós o movermos e move-
se precisamente como nós o comandamos, recorrendo à mesma mão que poderia estar a
agarrar um lápis. Portanto a manualidade mantém-se. Se por outro lado por manualidade
se entende expressão gráfica e por expressão gráfica se pode entender irregularidade e
imprecisão de traço, que resulta em “forma disforme”, aí os meios digitais estão em
desvantagem. O rato não consegue ser tão expressivo, provavelmente devido à área de
trabalho que é menor e em que geralmente é apenas a mão que actua, em oposição à
mão-e-braço que controlam o lápis. Mas esta “expressão gráfica” não é característica
essencial do desenho cuja finalidade é a clareza. Pois ainda que o desenho possa ser
totalmente irreconhecível não é concebido para ficar irreconhecível (se não porque seria
15
feito?). Se por manualidade entendemos efeito gráfico aleatório, então poderíamos atar
um pincel à pata de um gato e teríamos um “desenho” com uma “manualidade” extrema
com o bicho a tentar sacudir o pincel e a espalhar tinta por todo o lado. Ou mesmo
colocar um pincel na tromba de um elefante.
Quanto à falta de matéria, de facto, o desenho digital é a sua redução a número:
não depende directamente de nenhum suporte físico específico. Mas, sendo o desenho a
tentativa de explicação gráfica de uma ideia, é indiferente onde é mostrada, se existe
suporte palpável ou não. Desde que a ideia passe, o desenho existe.
Em termos de substituição de um meio por outro a questão não fará sentido por
uma razão muito simples: o desenho digital e o desenho analógico são dois modos
diferentes do mesmo desenho. Um desenho é mais eficaz para um determinado
resultado, outro para outro. De facto o lápis em conjunto com o papel é de longe o
invento mais sofisticado que se fez até hoje em termos de desenho analógico5, e que
permite actuações às quais o desenho digital não pode sequer ser comparado, mas da
mesma forma, o desenho digital permite actuações que o lápis não poderá realizar.
Então porque é que um haveria de substituir o outro? A interrogação deixa de fazer
sentido algum. Se pensarmos de um modo histórico e colocarmos a questão que, se até
hoje sempre se desenhou analogicamente, porque é que se há-de desenhar de outra
maneira? A resposta é simples, porque é fácil, é económico mas principalmente porque
podemos desenhar como até hoje apenas podíamos imaginar: o desenho a três
dimensões.
5 Vd. PETROSKI, Henry - “The pencil: A history of design and circumstance”, Alfred A. Knopf, Nova
Iorque, 2004.
3 e 4. Exemplos de expressão aleatória feita por elefantes
16
2.3 Desenho artístico
O presente trabalho procura demonstrar que o desenho digital também pode ser
artístico. O que não quer dizer que todo o desenho digital seja desenho artístico, tal
como o desenho analógico não o é.
E com esta afirmação respeitante ao facto do desenho digital ser artístico é
levantado o primeiro problema, porque o desenho artístico ainda está muito ligado à sua
singularidade. A arte está muito ligada à singularidade, que por sua vez está ligada ao
próprio mercado da arte. De facto, a arte tem valor porque o objecto de arte é único e de
preferência raro. Se a cópia de qualquer obra de arte valesse tanto quanto o original,
provavelmente não estaríamos a falar de uma obra de arte. A reprodução de um quadro
não é a mesma coisa se olharmos para o original porque o original é único. Esta pelo
menos é a opinião generalizada em termos de fruição de obras de arte e principalmente
do mercado da arte. Mas podemos ver a questão por outro ângulo: observar uma boa
reprodução pode ser a mesma coisa que ver o original, pois o quadro não é o objecto
físico mas o efeito que esse objecto provoca no observador, e esse efeito é igual quer
estejamos perante o original ou uma reprodução sua. Senão vejamos: apesar de ser
óbvio que o quadro original vai ter sempre mais informação original que a cópia, quem
o vê, desde que não seja com uma lupa, não nota a mínima diferença entre o original e a
cópia, todos os elementos de um fazem parte de um fazem parte do outro, as cores são
iguais, as formas, os traços, às vezes até o relevo são de facto iguais. Então porque é que
para o espectador o quadro e a sua cópia serão diferentes? Não são, porque a imagem
produzida no observador é a mesma, ou às vezes até com vantagem para a cópia porque
não é necessário nenhum tipo de cuidado com ela. Alguns autores são desta opinião
como o caso de Jonh Berger6.
Se quisermos dar um exemplo óbvio, basta citarmos a Mona Lisa de Leonardo
Da Vinci: se tivermos acesso a uma reprodução da obra conseguimos ver uma imagem
do quadro em todo o seu esplendor- conseguimos ver toda a geometria, cor e formas do
quadro. Se no entanto formos ao Museu do Louvre e tentarmos ver o original,
verificamos que após abrirmos caminho por entre uma multidão de pessoas com o
mesmo intuito, nos depararemos perante um vidro à prova de bala, a sala com o
ambiente controlado e um tempo limitado para observarmos o quadro enquanto somos
6 Vd. BERGER, John – “Modos de ver”, Tradução Ana Maria Alves, Editorial Gustavo Gili, Barcelona,
2004. pp. 22-38.
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empurrados gentilmente para seguirmos o nosso caminho. A questão que se coloca é a
seguinte: em qual das duas situações é que observámos melhor o quadro? É natural que
a impressão produzida em nós pelo original seja superior à impressão produzida pela
cópia, mas neste caso não é. Tratando-se de um exemplo extremo, a cópia produz um
efeito superior ao original. Ou seja, não é por vermos o original que ganhamos mais
com isso. No caso do desenho artístico a situação é semelhante, quer estejamos a olhar
para o desenho original, quer para uma boa cópia: estamos a olhar para a mesma “ideia”
do desenho. Esta questão é importante pois com o desenho digital o desenho original e a
cópia são os mesmos.
Em termos de mercado de arte, o desenho digital enquanto objecto artístico valorizável,
é nulo. Eventualmente pode haver um mercado paralelo onde se venda as cópias. Um
exemplo onde isto se passa pacificamente noutras artes, é no caso da música ou da
escrita. Não faz sentido pensar que o manuscrito de uma obra literária tenha mais valor
do que a sua impressão dado que a informação do original é igual à cópia. De facto o
original até tem mais valor, mas apenas como símbolo. Transpondo o caso para o
desenho, o valor funcional resulta de quem o vê e não apenas da sua singularidade como
objecto único.
1 e 2. Mona Lisa de Leonardo Da
Vinci. Na figura da esquerda é
apresentada uma reprodução, na figura da direita o original tal
como ele é visto por um visitante
do Louvre.
18
2.4 Vantagens e desvantagens do desenho digital
Com um instrumento que nos permita trabalhar directamente com o computador,
por exemplo o rato, podemos realizar qualquer tipo de desenho, desde o desenho de
observação, o desenho rigoroso, até ao desenho mais livre. Não há portanto diferenças
quanto ao tipo de desenho que se pode fazer analógica e digitalmente. A diferença
reside porém no que é mais adequado para realizar com certo tipo de desenho.
O papel e o lápis são um meio directo no sentido em que o lápis ao fazer pressão
sobre a folha de papel deixa a sua marca. E nós vemos isso mesmo: olhamos para o
lápis a escrever, vemos a nossa mão a segurar o lápis e vemos também a folha em
simultâneo. Na maior parte das vezes com o desenho digital isso não acontece. Também
temos uma impressão directa daquilo que fazemos, a mão que desenha está a ter uma
tradução em tempo real no écran do computador e percebemos a sua actuação. Mas aqui
a grande diferença é que simplesmente não vemos a nossa própria mão pois estamos a
olhar para um écran de computador. Portanto o desenho é realizado num écran e a nossa
mão nem próxima do écran tem de estar. Isso ao princípio provoca alguma estranheza
mas depois o desenhador acaba por se habituar, mas no meio desta tradução existe
sempre alguma desvantagem em relação ao lápis, mesmo que esta rotina ao longo dos
anos seja plenamente normalizada.7
Outra desvantagem do desenho digital é a sua dependência de certos programas
de desenho e meio de os fazer operar. Ou seja um computador para operar tem de
possuir um sistema operativo que por sua vez tem de ter um programa em que seja
possível desenhar. Portanto assim quando se pretende fazer um desenho digital
obrigatoriamente temos que ligar o computador, ordenar ao sistema operativo que lance
o programa de desenho e finalmente podemos desenhar. É uma rotina simples, mas por
muito simples que seja, geralmente demora desde um a cinco minutos, dependendo do
computador, sistema operativo e programa de desenho. Mesmo que não queiramos
desenhar mas simplesmente observarmos o que desenhámos, temos de realizar uma
rotina idêntica. A rotina do “papel e lápis” é mais simples e mais rápida: basta-nos
agarrar no papel e no lápis e desenhar. E o desenho fica sempre disponível.
7 Muitas vezes o hábito de desenhar num lado e olhar para outro torna-se com o tempo preferível a
desenhar directamente sobre o suporte. Como exemplo, um estudante de Belas-Artes habituado a
desenhar com uma caneta digital sobre a mesa e a olhar em frente para o monitor, certo dia teve acesso a
um monitor onde com a mesma caneta se podia desenhar directamente em cima do monitor. Uma das
primeiras reacções do aluno foi queixar-se que a mão estava em cima do desenho e não o deixava ver o
mesmo.
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Ainda outra desvantagem do desenho digital em relação ao analógico, é que no
computador podemos desenhar com praticamente qualquer dimensão: a nossa página,
pode ser de qualquer tamanho, basta recorrer a uma função que torne o desenho mais
pequeno ou maior para conseguirmos qualquer nível de detalhe. Mas de facto estamos a
desenhar sempre do mesmo tamanho, ou seja o monitor obviamente tem dimensões
fixas. No papel e lápis a dimensão é apenas condicionada pelo primeiro, que pode ter
qualquer dimensão mediante um certo objectivo. Isto faz com que no desenho digital se
desenhe apenas com os movimentos da mão e no analógico não só é a mão que desenha
mas o braço, por vezes o antebraço ou ate em casos extremos todo o corpo.
Quanto a vantagens, o desenho digital torna-se extremamente barato, eficiente e
limpo. Após o investimento inicial de adquirir o equipamento para desenhar,
praticamente não há mais despesa alguma. Como já se disse podemos virtualmente
desenhar em qualquer dimensão, sem que sejamos honorados por isso. Não só temos à
nossa disposição meios que traçam, mas meios que preenchem, que dão textura, que
modificam a imagem de uma dada forma com qualquer cor. Se utilizarmos papel e lápis
temos isso mesmo, uma folha e um lápis. A folha após ser desenhada fica inutilizada, o
lápis após o registo nas folhas em que desenha gasta-se. Se queremos um determinado
efeito de textura temos de ter uma certa folha especial, se queremos uma dada cor temos
de a comprar e por sua vez essa cor também se gasta.
Essa vantagem de poder colorir desenhos no computador é amplamente
empregue nos dias de hoje em termos de publicações. Se não vejamos: actualmente,
para se publicar o que quer que seja o computador é uma ferramenta essencial; é
extremamente mais económico e rápido que qualquer meio manual e tem mais
capacidades para manter a cópia próxima do original.
É também através do computador que se controla quase todo o processo de
execução gráfica. Ao acontecer isto, a imagem a ser reproduzida tem de ficar
obrigatoriamente reduzida à sua forma digital, e já que esta transformação é inevitável
porque não colori-la quando se trata de algo para colorir?
Este método possui várias vantagens, para além da económica. Um dos grandes
benefícios traduz-se em termos de unidade cromática: a duplicação exacta de cores é um
processo simples. Outro refere-se em termos de retoque, na imagem digital pode sempre
existir uma forma de correcção de um determinado aspecto do desenho. E outro dos
grandes benefícios inerentes é a certeza de qualidade da obra final, pois neste caso quem
controla o processo desde a fase inicial até à fase de impressão é o próprio criador, o
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técnico de impressão apenas se limita a colocar a imagem já digital para imprimir8.
Ainda em termos de coloração e se considerarmos o caso da animação, mesmo quando
o desenho de base é analógico, a introdução da cor é vulgarmente feita a partir de
suporte digital.
Outra mais valia dos meios digitais é a possibilidade de animação de desenhos.
É certo que também se pode fazê-lo recorrendo a meios analógicos, mas, o computador
pode guardar uma sequência de qualquer número de desenhos9 e consequentemente
animá-los com facilidade, enquanto que, tradicionalmente, são necessários milhares de
folhas só para animar uma sequência média. A organização, disposição, e relação entre
essas mesmas folhas torna-se fácil se as tivermos num dado formato digital. Mas a
animação bidimensional digital tem também outras vantagens sob a analógica como por
exemplo em termos de ferramentas próprias para animação. Ou seja, se basicamente na
animação convencional partimos do lápis e de um dado número de folhas que o
animador tem de passar e sequenciar manualmente, no meio digital existe um grande
número de ferramentas especialmente desenvolvidas para animar e que não são o
próprio desenho10
, sendo o exemplo mais simples uma função que se limite a mudar a
escala do desenho.
8 É necessário fazer uma referência às diferenças de cor de quando se imprime a imagem em impressoras
diferentes. Assim, pode acontecer que o criador da imagem faça uma imagem com uma certa cor e que
quando essa cor é impressa, por exemplo por uma gráfica, possa ficar diferente, apesar da informação de
cor ser a mesma - o problema é apenas de calibração entre a visualização da imagem pelos meios
disponíveis ao seu criador e o resultado da impressão pela gráfica. 9 Apenas limitado em termos de memória.
10 No caso da animação tridimensional muitas vezes acontece que o animador, ou criador de um
determinado desenho, não é a mesma pessoa que faz um determinado efeito necessário para esse desenho,
pois esse efeito pode ter de ser programado e então quem o realiza é um programador.
5. Desenho feito com base analógica e cor digital
21
Mas se por ventura qualquer característica que traga vantagem ao desenho
digital possa ser encontrada no desenho analógico através de um maior número de horas
de trabalho ou por agravamento de encargos, existe uma forma de desenho que não
pode ser realizada pelos meios tradicionais: o desenho tridimensional. De facto,
podemos simular através de meios geométricos a tridimensionalidade com o desenho
analógico, mas com o desenho digital, não só a simulamos, como de facto ela existe:
tem três coordenadas. Neste caso a simulação e o armazenamento dos dados
tridimensionais são realizados pelo computador, mas a pessoa que desenha a três
dimensões é a mesma que desenha com papel e lápis a duas dimensões. Onde o
desenhador imaginava espaços tridimensionais e fazia a sua respectiva tradução
bidimensional, agora, ao imaginar um espaço volumétrico tridimensional tem de o saber
traduzir a três dimensões ou até mesmo de as animar ao longo do tempo.
Resumindo, o papel e lápis não podem ser substituídos pelos meios digitais
porque em determinados campos detêm grande vantagem, quer seja no campo do
esquiço, do esboço, até mesmo do desenho criado a partir do natural – desenho de
representação, o desenho rápido, entre outros, mas este desenho dito analógico pode ter
necessidade de ser completado com os meios digitais que para todos os efeitos também
são métodos de desenho.
Para desenho rigoroso, desenho técnico, desenho para publicar, desenho gráfico,
entre outros, hoje em dia os meios digitais são mais relevantes e precisos. O que não
quer dizer que não se possa executar um desenho rigoroso com papel e lápis ou que não
se possa fazer esboços com o computador: provavelmente não é tão eficaz ou muito
comum, mas é possível e é viável. O que não é possível diz respeito à
tridimensionalidade real no desenho – aí o desenho por computador torna-se essencial, e
por essa razão o desenho tridimensional é o desenho por computador por excelência.
22
III.DA REALIZAÇÃO DO DESENHO DIGITAL
3.1 Modos do desenho digital
Dadas as suas características, o desenho digital é mais adequado para a
representação de certos aspectos do desenho, nomeadamente todo o tipo de formas em
que a relação espacial seja fundamental, como no caso do desenho tridimensional. O
mesmo sucede no caso em que o rigor construtivo seja uma imposição como no desenho
de projecto.
Nos modos genéricos de desenho digital seguidamente descritos verifica-se por
vezes que a técnica digital pode ser semelhante entre os diferentes tipos de desenho mas
ou a função destes ou o resultado do desenho acaba por ser diferente.
3.1.1 Desenho bidimensional – mapa de bits
O desenho digital bidimensional pode comportar duas vertentes, o desenho em
mapa de bits e o desenho vectorial ou a fusão dos dois.
O desenho em mapa tem um conceito simples11
: dada uma certa grelha ortogonal
de x linhas por y linhas que provocam o número total de pontos (pixeis) por grelha, cada
um desses pontos pode corresponder a uma cor e com isto a imagem é criada. O mesmo
é dizer que dispomos de uma grelha de pontos de diferentes cores. Quanto mais pontos
tiver a grelha, maior resolução terá o desenho e mais definido ficará. A grande
vantagem de utilizar este tipo de imagem é a de que podemos utilizar qualquer técnica
para desenhar e interagir com o desenho – isto se ignorarmos o facto de estarmos a
desenhar sobre uma grelha e tendo em conta as limitações do programa que estivermos
a utilizar para desenhar. A desvantagem é estarmos limitados à grelha.
Este tipo de desenho pode ser útil para desenhar mais livremente com técnicas
semelhantes às técnicas analógicas. Mas também pode ser utilizado para técnicas mais
11
Vd. BRINKMANN, Ron – “The Art and Science of Digital Compositing”, Academic Press, San Diego,
1999. pp.13-32
23
rigorosas como o desenho de representação científica, onde muitas vezes a modelação
das cores e sombras é essencial para a definição do desenho. Tudo acaba por depender
da resolução empregue no desenho visto a questão do número de cores, hoje em dia, não
ser relevante.12
Se para o desenho for necessário rigor construtivo então este tipo de desenho por
estar limitado às coordenadas da sua própria grelha não é o indicado.
12
Nem sempre foi possível desenhar com todas as cores possibilitadas pela combinação dos três feixes de
luzes primárias em síntese aditiva (o vermelho, verde e azul). Tal como nem sempre foi possível ter uma
grande resolução para desenhar. A título de referência, há vinte anos desenhar com uma resolução de 320
por 256 pixeis e ter 32 cores em simultâneo no écran era considerado muito bom. Hoje em dia
desenhamos sem grande problema com uma resolução 10 vezes superior e com 16 milhões de cores.
7 e 8. Capcom design works, p. 10, 1072 por 1840 pixeis. Desenho em mapa de bits
totalmente realizado em computador com técnicas características do desenho analógico.
Pormenor do olho onde se pode observar a sua grelha ortogonal.
24
3.1.2 Desenho bidimensional - vectorial
O desenho vectorial funciona por coordenadas matemáticas não fixas na
resolução do écran. Tem apenas um elemento base matemático: a linha vectorial
definida pelos seus pontos notáveis. Esta linha vectorial pode adquirir várias
propriedades e pode ser fechada, definindo assim uma área.
As suas aplicações tal como no desenho por mapa são múltiplas. Apesar de
apenas utilizar a linha matemática como elemento do desenho, é possível fazer uma
aplicação livre do desenho. Num paralelo com o desenho analógico, seria como
desenhar variando a espessura do traço. Ao definirmos áreas podemos desenhar de uma
forma mais expressiva.
Todavia a sua utilização primordial será para o desenho de projecto ou para o
desenho gráfico. De facto o desenho vectorial pode ser executado com um rigor que
ultrapassa os meios analógicos. Tanto a engenharia como a arquitectura para criação de
projectos usam este tipo de desenho. Mas o desenho gráfico também faz um uso comum
do desenho vectorial, desde a criação de símbolos, logotipos, caracteres tipográficos, até
mesmo um desenho de expressão mais livre.
Como vantagem nesta técnica de desenho temos o rigor e a possibilidade de criar
e alterar a qualquer momento os traçados sem que daí resulte qualquer prejuízo para a
qualidade do desenho.
9 e 10. Del. João Eustáquio. Desenho vectorial e sua
respectiva redução a vectores
25
3.1.3 Desenho tridimensional
Com algumas diferenças pode-se estabelecer um paralelismo entre o desenho
vectorial e o desenho tridimensional. O elemento estruturante é o mesmo: o ponto, que
por sua vez define a linha, com a particularidade de esta possuir três dimensões. A linha
fechada com três pontos define então uma superfície e essa superfície em conjunto com
outras definem uma forma tridimensional. E o desenho tridimensional situa-se nesse
momento, em que as formas são definidas a partir de superfícies triangulares13
,
executadas a partir de pontos tridimensionais. Posteriormente esta geometria poderá
possuir determinadas características que reajam de uma certa forma a partir de um ponto
de luz ou qualquer outro tipo de iluminação matemática mas aqui o que está em causa
será a concretização do desenho tridimensional e não o próprio desenho. Com esta
concretização do desenho dá-se um caso curioso: a pessoa responsável pelo desenho,
apesar de ordenar ao computador que calcule a imagem num certo sentido, não é
responsável por esse cálculo. Ou seja, o processo de finalização da imagem é realizado
pelo programa de computador.14
O desenho tridimensional situa-se então ao nível do ponto e da linha que vai
definir a superfície. Superfície essa que ainda em termos de desenho pode ser
subdividida e calculada através de uma multiplicidade de modos. Consideremos três
exemplos: a linha pode ser recta, que é o modo mais comum de cálculo tridimensional,
dando origem a uma superfície plana no caso de ser um triângulo; a linha pode ser curva
utilizando por exemplo o mesmo método de cálculo tomado nas curvas vectoriais mais
comuns – as curvas de bezier, que pode dar origem a uma superfície empenada; a linha
que gera a superfície pode ainda ser facilmente convertida em NURBS ou nalgum
derivado desta forma de cálculo que consiste em subdividir a superfície segundo uma
determinada influência dos seus pontos geradores e assim obter uma superfície curva.
Existem mais métodos de cálculo de superfícies ou de linhas geradoras de superfícies
mas, em resumo, a superfície plana simples, a superfície definida a partir de curvas ou a
superfície curva a partir de pontos de influência, são os mais comuns.
De resto tal como acontece com o desenho vectorial, aqui não existe grande
expressão gráfica, ou seja, a imagem é de base matemática e calculada
matematicamente. A grande diferença é que enquanto no desenho bidimensional se se
13
Ou outro tipo de superfícies com mais de 3 vértices. 14
Daí muitas vezes, a não consideração da imagem digital como arte mas como técnica.
26
quiser fazer de uma forma mais livre pode-se sempre recorrer ao desenho de mapa de
bits, ou se for uma forma mais rigorosa trabalha-se com o desenho vectorial, no desenho
tridimensional a base é sempre matemática. E aqui não há possibilidade de não ser
assim pois esta é a única maneira de representar o espaço tridimensional. Mas a questão
pode ser resolvida de duas maneiras: na primeira, não sendo a expressão gráfica o factor
mais relevante, o valor da expressão espacial terá de ser reconhecido; na segunda,
teremos de utilizar superfícies suficientemente pequenas para podermos obter um tipo
de expressão em que a base matemática não seja notada.15
Visto que a base matemática não é impeditiva da expressão, quais são os tipos de
desenho mais praticados neste domínio? Sucintamente podemos considerar o desenho
tridimensional adequado para a apresentação de projectos de design, de arquitectura ou
de engenharia, para a realização de desenho animado, bem como para o simples
desenho desinteressado que explore relações de forma e de espaço.
15
Não é invulgar que um desenho tridimensional para definir uma dada forma chegue a ter milhões de
polígonos.
11. Render de um desenho tridimensional com 25000 poligonos
27
3.1.4 Animação
A animação de um determinado desenho não é mais do que uma sequência de
um determinado número de desenhos, tal como um filme não é mais do que uma
sequência de um determinado número de fotogramas. Isto obviamente falando de um
lado absolutamente técnico, pois a dimensão do tempo, na realidade vem colocar um
sem número de outras questões que estão muito além da mecânica da animação. De
qualquer forma, se ignorarmos essas questões vemos que o desenho por computador é
de facto ideal para animação como nenhum outro método criado até hoje. A resposta
deste facto é simples: porque manipula, organiza e trata com grande facilidade qualquer
número de desenho. Se considerarmos apenas o computador como uma espécie de
arquivo quase infinito, ele é uma ferramenta fundamental em qualquer tipo de
animação, mesmo considerando as técnicas clássicas de animação recorrendo ao
desenho analógico, passando pela animação por volumes. De qualquer forma, aqui o
computador pode não ser considerado uma máquina de desenho mas apenas uma
máquina organizadora de desenhos, mas ao sê-lo também não deixa de ser uma parte
fundamental no processo do desenho.
Não obstante o computador passou de máquina auxiliar nos processos de
animação, para máquina fundamental. Na própria indústria de animação para cinema
actualmente o método de animação dominante é a denominada “animação por
computador” ou simplesmente “animação 3d”.
12. Render de um fotograma de animação tridimensional. 74984 polígonos
28
3.2 A vulgaridade do desenho tridimensional
Sendo no início claramente geométrico-abstracto16
, com o desenvolvimento da
tecnologia, o desenho tridimensional tornou-se quase foto realista. Esta mudança vem
ao encontro das necessidades de simulação de um determinado projecto. O desenho
neste caso existe por exemplo para representar o “modello” da uma obra de arquitectura
antes desta ser começada. Se considerarmos o desenho digital como estando ao serviço
do desenho de projecto o modelo foto realista é aceitável, mas o desenho digital
tridimensional é bastante mais do que um meio para satisfazer as finalidades do desenho
de projecto.
Outro meio onde se percebe claramente esta perspectiva do desenho foto realista
como destino previsível do desenho tridimensional assistido por computador é o
cinema. Aqui o desenho digital é realizado para satisfazer dois fins distintos: o primeiro
está relacionado com os efeitos especiais de cinema, onde a necessidade de foto
realismo é facilmente compreendida pois o que interessa é iludir a percepção fazendo
esses mesmos efeitos interagir com actores reais e, mais recentemente, filmes
inteiramente feitos a partir de desenhos tridimensionais. Sendo uma das consequências
lógicas da evolução do desenho animado, o filme animado por computador ainda está
muito ligado ao foto realismo, ainda que seja um foto realismo de ambiente e não
propriamente de modelação: a luz reage com todos os objectos como seria de esperar
numa situação real mas esses mesmos objectos na maior parte dos casos são modelados
como caricaturas. Também há filmes em que o ambiente deixa de ser claramente real e
passa a ser um ambiente definido quase em abstracto por cores, contrastes e outros
16
Vd. FOX, David, WAITE, Mitchell Waite “Gráficos Animados por Computador” Byte
Books/McGraw-Hill, 1986.
13-15. Exemplo de gráficos geométricos
29
elementos que seriam difíceis de observar em situações reais de luz. Em suma, os filmes
animados tridimensionalmente apresentam-se num “formato” foto realista, que nem
sempre é necessário.
De qualquer forma a estética foto realista existe e ainda prevalece sobre outros
tipos de representação tridimensional. Poder-se-ia pensar que essa necessidade vem de
uma sequência lógica onde as primeiras representações tridimensionais são geométrico-
lineares por necessidade tecnológica17
, e a sua evolução será a imagem fotográfica. Os
limites da tecnologia foram forçados por esta tendência foto realista, o que levanta dois
problemas. O primeiro resulta da existência de tecnologia suficiente para a produção
foto realista desde há quinze anos, tendo a meta desta tendência sido alcançada há
algum tempo. Por outro lado, mesmo durante a procura de soluções foto realistas, outras
formas de representação a partir de computador mantiveram-se como alternativa, ou
seja as imagens produzidas por um determinado desenhador poderiam não ser foto
realistas por opção própria.
Esta tendência foto realista, está de qualquer forma a diluir-se e mesmo os
artistas mais ligados ao foto realismo começam a experimentar todos os benefícios que
o desenho tridimensional pode proporcionar. Não obstante o fotorealismo é a estética
vigente, ainda que com mais abertura.
17
Vd. FOX, David, WAITE, Mitchell Waite “Gráficos Animados por Computador” Byte
Books/McGraw-Hill, 1986.
16. Exemplo de imagem digital
foto realista
30
Em resumo, o desenho tridimensional está demasiado ligado ao foto realismo e
exceptuando o caso do cinema, está também ligado ao desenho de projecto. De qualquer
forma o desenho tridimensional por computador não tem de obedecer a regras
específicas para poder ser considerado desenho artístico. Portanto, se o desenho digital é
foto realista ou não ou se está ao serviço do projecto ou não, desde que a
intencionalidade do desenho se verifique e que o seu tempo seja justificável, tudo o
resto será uma aplicação do desenho.
31
3.3 Estrutura em três dimensões
A estrutura de um desenho será um desenho inicial esquemático que defina os
seus traços fundamentais. O desenho esquemático inicial está naturalmente ligado ao
desenho rápido. Como desenho rápido não está ligado ao desenho tridimensional, visto
este ser mais técnico e moroso que o desenho convencional. Porém a estrutura do
desenho existe para definir a organização formal e não para melhorar a velocidade de
execução, ainda que esta seja uma vantagem.
Praticamente o processo normal de um desenho passa pela utilização da estrutura
de modo a evitar erros de construção futuros, poupar tempo ao desenhador e garantir
simultaneamente a correcção. Por exemplo, ao desenhar a figura humana é habitual
colocar-se primeiro o eixo central equivalente à coluna e dois eixos equivalentes às duas
cinturas: a pélvica e a escapular. Também é costume apontar a posição e a extensão dos
membros e cabeça. Tudo isto no desenho convencional é feito numa questão de
minutos, muitas vezes segundos, e é facilmente corrigível para que a figura fique
proporcionada. É mais eficaz estruturar primeiro, e apenas quando a estrutura está
correcta avançar-se para um desenho mais elaborado. Neste caso foi dado um exemplo
comum mas geralmente isto é válido para qualquer tipo de desenho.
Se considerarmos a estrutura para o desenho tridimensional deparamo-nos com
as seguintes dúvidas: é eficaz estruturarmos, visto o desenho tridimensional de base
matemática poder ser alterado sem prejuízo em qualquer altura? Não será uma perda de
tempo (e aqui poderia não ser apenas uma questão de segundos) desencadear uma acção
que não vai ficar posteriormente expressa no desenho? Se entendermos a estrutura como
uma estrutura convencional – representação dos eixos e formas principais de uma dada
figura a representar – de facto acaba por não se ganhar muito em termos práticos:
perdemos tempo e não podemos utilizar a forma estrutural no desenho tridimensional.
Mas se a estrutura for alterada na sua forma actuante, pode ser extremamente útil ao
desenho tridimensional.
A estrutura para ser eficaz no desenho tridimensional tem de obedecer a um
princípio: tem de ser suficientemente rápida para não sobrecarregar a execução das fases
posteriores do desenho. Provavelmente se a estrutura demorar demasiado tempo a ser
realizada ela própria pode tornar-se no desenho. E para ser rápida não pode ser uma
estrutura convencional que se apoie nos eixos, rectas ou até manchas rápidas, visto estes
elementos serem de lenta execução no desenho a três dimensões. Portanto tem de se
32
recorrer a outros elementos para que exista uma estrutura verdadeiramente útil no
desenho tridimensional.
É necessário usar elementos básicos de rápida execução para estruturar e no caso
do desenho tridimensional esses elementos também são considerados formas primitivas.
Essas formas são figuras geométricas simples tridimensionais como o paralelepípedo
muitas vezes descrito como “caixa” e a esfera ou uma deformação desta. Existem
naturalmente muitas outras formas primitivas que vão deste toros a figuras platónicas,
mas para estruturar geralmente chegam as “caixas” e as esferas, ou apenas as “caixas”.
É possível desenhar “caixas” com uma rapidez comparável a uma sequência de duas
linhas e com esta rapidez será então possível a estrutura tridimensional. A estrutura em
vez de assentar em eixos e rectas vai ser realizada a partir de “caixas” que definem o
espaço. Esta simples definição de espaço vai ser fundamental no primeiro passo do
desenho tridimensional por uma razão simples: o desenho tridimensional por
computador parte de um espaço vazio sem referências de qualquer espécie. Só o facto
de ter várias caixas a definir o espaço do desenho pode fazer toda a diferença em termos
estruturais.
17-19. Estrutura de uma figura tridimensional
33
Concluindo, a estrutura tridimensional serve antes de mais para definir um
espaço do desenho que será realizado a partir da estrutura. Para além disso é de
execução extremamente rápida, visto funcionar com formas predefinidas de fácil
construção. Ao realizar esta função podem-se evitar vários equívocos no futuro e com
isto poupar tempo de execução e manifestar com mais clareza os propósitos do
desenhador. Não só é possível desenhar a partir de uma estrutura tridimensional simples
onde apenas o espaço possa ser apontado, como é aconselhável.
34
3.4 Construção a partir de primitivas
Um dos métodos mais simples de modelação será a modelação a partir de
sólidos elementares ou formas primitivas. Como sólidos estruturantes eles não terão
seguimento na parte da modelação mas se considerarmos estes sólidos para além de
estruturantes, como sólidos construtivos então podem ser utilizados para modelar.
Porém a utilização de formas primitivas não resolve a maior parte dos problemas
levantados pela modelação.
No caso de ser requerida uma modelação simples, este método construtivo
apresenta-se como uma alternativa viável relativamente a métodos mais complexos de
construção, visto ser de fácil execução e rapidez. O método varia sempre consoante o
objecto a representar: varia segundo a primitiva utilizada e varia segundo o meio de
transformação dessa mesma primitiva. Por vezes a primitiva será apenas distorcida até
ficar com a configuração desejada, ou a uma primitiva serão adicionadas outras, ou
serão feitas operações boleanas entre primitivas, ou ainda então a primitiva poderá ser
estendida. Assim sendo, para cada objecto pretendido haverá um ou mais métodos
próprios para resolver a sua modelação a partir de primitivas. A título de exemplo
refira-se a modelação de: uma cabeça feita a partir de uma esfera ou cubo, uma bóia
realizada a partir de um toro e de um avião que irá ser construído a partir de uma caixa.
Ao analisarmos estes objectos percebemos que uma esfera é uma forma reduzida de
uma cabeça, que um toro facilmente pode ser confundido com uma bóia, mas que um
avião não mantém uma relação directa com uma caixa. De qualquer maneira todos estes
exemplos podem ser construídos a partir de uma forma primitiva, a questão é que uns
serão mais eficientes que outros.
No caso da modelação de uma cabeça a partir de uma esfera, tendo a esfera uma
configuração comparável à da cabeça, basta apenas deslocar os pontos da esfera para
que coincidam com as coordenadas da cabeça. Trata-se então da deformação de um
elemento geométrico que originalmente tinha a configuração de uma esfera e cuja forma
final será a de uma cabeça. Isto apenas recorrendo a uma operação de deslocamento dos
pontos, e em que toda a estrutura geométrica da esfera foi mantida. Este facto pode
tornar-se um problema, visto que no fundo teremos uma cabeça que vai manter a
relação geométrica da esfera, e como tal, todas as direcções e subtilezas da cabeça não
serão realizadas visto a estrutura geométrica do objecto não ser a de uma cabeça mas
sim a de uma esfera deformada. A linha supra-orbital, o traço do nariz, os olhos, a
35
direcção das rugas, entre todos os outros pormenores presentes na face, não serão fáceis
de desenhar a partir de uma esfera, chegando mesmo em certos casos de ser impossíveis
de realizar. Outro dos problemas que este método apresenta na modelação deste objecto
é a quantidade de tempo dispendida para modelar em oposição à qualidade final do
trabalho. O arrastamento de superfície - ou ponto da esfera até que a configuração desta
se assemelhe a uma cabeça - não só vai demorar um tempo que será excessivo como o
resultado final vai ser algo com a configuração de uma cabeça, mas pouco detalhada e
sem as suas linhas características. Visto que as suas linhas não são definidas, torna-se
complicado detalhar mais a forma. Concluindo, demora-se demasiado tempo para fazer
um objecto que não é particularmente bem construído, logo, utilizar a modelação a
partir de primitivas para fazer objectos orgânicos específicos geralmente não é eficaz.
A modelação da bóia é um caso de mais fácil compreensão, visto o objecto
primitivo que lhe vai dar origem já ter uma forma aproximada à do objecto final. Para
modelar o dito objecto basta apenas adicionar geometria e realizar operações à
geometria resultante. Vejamos, o objecto inicial para a modelação será então um toro
[1] fig.20. A este elemento geométrico será adicionado um cilindro perfurado ou um
tubo ligeiramente maior que o toro e que esteja na sua posição média [2]. O rebordo
resultante será deste modo perfurado a partir de uma operação boleana segundo quatro
ou mais cilindros equidistantes entre si [3]. Estes furos irão equivaler ao espaço que vai
ser ocupado pela corda e que irá passar à volta da bóia. Essa corda será determinada por
uma curva tridimensional que definirá um caminho [4]. O caminho será percorrido por
uma circunferência que assim dará espessura à corda. O objecto final será algo de muito
aproximado a uma bóia, toda ela feita a partir de formas primitivas e de uma curva
fechada. Aqui verifica-se que quando o objecto é maioritariamente geométrico o método
de modelação a partir de formas primitivas é geralmente eficaz e rápido.
20. Exemplo de modelação a partir de formas primitivas
[1] [2] [3] [4]
36
O caso mais improvável de modelação será o de um avião a partir de uma caixa
subdividida. Improvável porque uma caixa não se assemelha necessariamente a um
avião, mas se essa mesma caixa for estendida nos polígonos certos, poderá assemelhar-
se-lhe uma forma de avião. Se considerarmos a caixa subdividida, em duas das
subdivisões laterais serão estendidas as asas. Na superfície frontal e posterior será
alargado o corpo do avião, que por sua vez ao ser alargado ganha espaço para as asas
posteriores e para o leme. Depois de termos ampliado a geometria até esta se assemelhar
a uma forma de avião basta deformar essa mesma geometria até ficar com a forma do
avião pretendido. Como resultado teremos um avião, mas um avião simples. Ou até
demasiado simples porque apesar da forma básica do avião estar construída, nada mais
existe para além desta mesma forma. Portanto o avião que é uma forma extremamente
complexa acaba por ser reduzida a uma forma básica. O produto final pode ter duas
interpretações possíveis, se o avião for intencionalmente básico então a modelação será
eficaz, se não tornar-se-á numa modelação insuficiente. Portanto, a partir de uma
primitiva poder-se-á obter uma forma aproximada de um dado objecto complexo mas
para um desenho com mais pormenor este método não será tão eficaz.
Podemos então concluir que a modelação a partir de formas primitivas só nos é
particularmente útil quando o objecto a representar é simples e de preferência de base
geométrica, não sendo eficaz quando o modelo é orgânico ou demasiado complexo.
Quanto ao método de construção verifica-se que acaba por ser mais um processo
exclusivamente mental em que todos os passos são pensados à priori e só depois
21. Como desenhar uma folha.
37
executados. Com isto a dúvida característica em qualquer desenho, aqui, torna-se
diminuta visto o resultado final ser o esperado. Ou seja, se realizarmos o passo um,
seguido do passo dois, do três e sucessivos passos, teremos o objecto esperado. É mais
uma questão de organização mental do que propriamente de desenho, onde existe uma
mecânica própria para cada objecto. Poderíamos inclusivamente ter uma criança sem
grandes aptidões para o desenho a construir formas desta maneira, tal como já foi
ensinado, a desenhar a partir de passos. Se dissermos a uma criança para desenhar dois
semicírculos interrompidos a meio, e se nesse meio colocarmos uma linha, então a
criança terá desenhado uma folha de árvore sem o saber. É portanto questionável se isto
será ou não desenho, ainda que no caso da modelação a partir de primitivas todos os
passos dados sejam pensados pelo desenhador e não repetidos a partir de uma ordem,
mas visto não haver grande incerteza no resultado, o problema mantém-se.
38
IV. DA PERCEPÇÃO VISUAL E CONSTRUÇÃO DO DESENHO POR
SUPERFÍCIE
4.1 O processo do Desenho por superfície
O desenho, não estando totalmente dependente do meio em que é apresentado,
encontra-se todavia condicionado por esse factor. Sendo o desenho maioritariamente um
processo mental, é também um processo físico de representação. E esse processo físico
naturalmente encontra-se condicionado pela técnica utilizada. Neste capítulo vão ser
abordadas algumas técnicas específicas do desenho tridimensional e também a sua
relação com o processo mental do desenho.
Um dos factores fundamentais para o desenho é o recurso à memória. Se
desenharmos na presença do modelo, o recurso à memória não será imprescindível, mas
o uso do computador, na maior parte dos casos não é o mais prático para o registo por
observação directa. De facto um computador de secretária não é facilmente
transportável, e mesmo que se trate de um computador portátil a situação não é
particularmente confortável. Veja-se o caso do desenho rápido ou do apontamento: se
possuirmos um bloco de notas é fácil manuseá-lo e nele desenhar desde que a sua
superfície seja rígida. Com um computador tal não sucede, ainda que se tratasse de um
portátil: assim que ligássemos o computador ainda teríamos de esperar uns minutos para
acedermos ao programa de desenho e convinha estarmos sentados, dispondo de um
suporte para o computador. Não é prático portanto. E mesmo que não se tratasse de um
desenho rápido seria sempre necessário um espaço específico para se desenhar
confortavelmente.
Uma das formas de contornar esta questão seria: começar o desenho por
pequenos esboços feitos a papel e lápis, ou então recorrendo à fotografia. O recurso à
fotografia acaba por ser na maior parte dos casos particularmente feliz, visto permitir de
uma forma rápida e eficiente que o objecto a representar esteja presente devido aos
vários registos, representando os ângulos mais relevantes da peça. A situação
geralmente é a seguinte: como não é prático deslocar o computador para junto do
modelo, este é substituído por um simulacro em fotografia.
Contudo, apesar da fotografia ser um meio confortável para transmitir
informação de um modo rápido, essa mesma informação acaba por ser mecânica, ou
39
seja, a fotografia representa os níveis de luz captados por uma objectiva. E embora este
factor nos pareça irrelevante, é extremamente importante porque a fotografia – mesmo
tratando-se de várias fotografias do mesmo objecto – não tem a capacidade de transmitir
tudo aquilo que o desenhador pretende em termos de informação visual: existe sempre
ambiguidade. Com o objecto presente, pode-se sempre estabelecer uma aproximação
maior, concentrar num pormenor, tocar, perceber como o objecto funciona, como o
queremos representar e como o queremos alterar caso seja essa a intenção. Para além de
todos estes factores ainda podemos referir a visão estereoscópica, que ajuda a perceber
as relações espaciais de uma maneira diferente da percepção bidimensional da
fotografia. Portanto, ou se faz um desenho no local, para clarificar o que não consegue
ser explicado por fotografia, ou então fazemos uso da nossa memória estimulada pela
fotografia.
O uso da nossa memória mesmo recorrendo ao apoio da fotografia, torna-se
difícil em termos de resultado final. O mesmo é dizer que ao desenharmos com o apoio
fotográfico pensamos que nos lembramos de tudo aquilo que queremos desenhar, mas
de facto estamos a recorrer à nossa memória para completarmos a falta de informação
característica da fotografia. E esse recurso à memória é extremamente falível. Falível
porque no caso de estarmos a desenhar um objecto que seja vulgar, supomos
imediatamente que ele tenha uma determinada forma que pode estar longe do objecto a
representar. A título de exemplo podemos referir uma experiência com base no desenho
tridimensional em computador de um estirador comum18
. Um estirador geralmente tem
um tampo branco de determinada dimensão, é inclinável, e naturalmente tem pés.
Fizemos várias fotografias desse estirador e construímos o desenho com base nas
fotografias. O resultado final é o de um estirador extremamente parecido com o
pretendido. Mas um olhar mais atento revela que toda a sua parte inferior é
completamente diferente da do estirador que se pretendia desenhar. De facto toda a
parte inferior do estirador pertence a um outro estirador muito mais familiar ao
desenhador – isto quer dizer que o recurso à memória generalizou um objecto e supôs
que este possuísse uma determinada forma, quando de facto essa forma fazia parte da
memória da pessoa que o desenhou. E isto acontece mesmo com o registo fotográfico:
desenhamos o que conhecemos e não necessariamente o que vemos.
18
Experiência realizada na aula de desenho digital do mestrado em desenho.
40
Este aspecto do desenho mais ligado ao conhecimento e não tanto à visão é
facilmente verificável em toda a História. Tradicionalmente, se olharmos para a
representação animal verificamos muitas vezes que os olhos são caracteristicamente
humanos, ou mesmo no desenho de representação clássica todas as bocas são
estranhamente idênticas e infantis. Poder-se-ia pensar que é por falta de qualidade
técnica mas ao vermos o rinoceronte desenhado por Dürer verificamos que de facto o
artista desenhou o que sabia e não o que via19
. Portanto esta questão é relativamente
pacífica no desenho, e mais uma vez se verifica que no desenho tridimensional, onde
praticamente todo o processo do desenho é idêntico ao desenho bidimensional, apenas
muda a técnica.
Outra característica em termos de evolução de construção do desenho é o
acumular da experiência, ou seja, quanto mais se desenhar um objecto melhor o
desenhamos. Mais uma vez esta é uma afirmação aceite sem qualquer tipo de questão,
mas será que este facto também ocorre na terceira dimensão?
Outra experiência foi feita: desenhar uma dada sala com os meios habituais,
papel e lápis, e posteriormente desenhar a mesma sala mas agora com os meios
tridimensionais. O primeiro desenho bidimensional teve um resultado aceitável (fig.23).
O segundo desenho tridimensional teve um resultado semelhante (fig.24). A questão é
que ao ver o primeiro desenho depois de executar o segundo tornou-se claro que não só
19
Vd. GOMBRICH, E.H. - “Art & Illusion, A study in the psychology of pictoral representation”,
Phaidon, Londres, 6ª Edição, 2002.
22. Rinoceronnte de Dürer, 1515. É de notar a semelhança entre a pele do animal e uma armadura
41
o resultado do primeiro desenho não era aceitável como perfeitamente desastrado.
Portanto o que mudou foi a nossa visão da sala e o conhecimento desta. Este caso foi
começado com um desenho bidimensional e só depois se passou para o desenho
tridimensional, mas é certo que o inverso também seria verdade, ou então no caso de
dois desenhos tridimensionais.
23. Desenho a grafite sobre papel
24. Desenho tridimensional posterior ao desenho a grafite
42
Um dos factos reconhecidos ao desenho tridimensional assistido por computador
é que este é apenas um. No desenho convencional existe um sem número de desenhos
sobrepostos ao desenho final, em que toda a estrutura utilizada, os arrependimentos, as
dúvidas ou até a falta de resolução técnica aparecem patentes no desenho. No desenho
tridimensional o resultado final é apenas um: geralmente não existem sobreposições
nem dúvidas visíveis. Como foi referido acerca da estrutura podemos estruturar
qualquer desenho, mas essa estrutura não ficará patente. Como resultado final temos um
desenho “limpo”, à margem das contingências da sua construção. Toda a expressão
incerta do desenho não fará parte do desenho tridimensional. Mas, se observarmos bem,
isto não é verdade: o que acontece é que ao ser apresentado o desenho final
tridimensional, todo o outro desenho necessário para chegar ao resultado final não é
visível. Não ser visível não quer dizer que não exista, ele de facto existe e caso o
pudéssemos ver, verificávamos que apesar de possuir base geométrica o processo do
desenho tridimensional é idêntico ao bidimensional. Vejamos: de todo o desenho por
computador é possível fazer múltiplas cópias; logo, é possível e até aconselhável fazer
cópias de estado, ou seja, à medida em que o objecto é construído ou alterado, guardar
essas mesmas alterações. O resultado pode ser visível na figura 25. Verificamos que um
simples desenho de uma figura tridimensional, quando gravado com todas as suas
alterações sobrepostas, é semelhante ao traçado de um desenho convencional. No
desenho apresentado observam-se alguns dos passos e a figura final. Passos esses que
foram gravados quando a figura já se encontrava estabilizada geometricamente. Caso
fossem mostrados todos os passos, a construção da figura seria ainda mais visível.
Como se pode verificar existem alterações de colocação, mas principalmente
reconstruções de forma, facto que é evidente na orelha.
43
25. Evolução de um desenho tridimensional. Múltiplas figuras sobrepostas à medida
que auferiam de alterações até chegar à forma final. Foi utilizado um filtro de
contorno para que as alterações se mostrassem mais visíveis.
44
4.2 Construção por superfície
Sendo o desenho um meio livre, melhor ou pior, com mais ou menos técnica, a
representação de qualquer objecto pode ser conseguida a partir do desenho. Isto
acontece em grande parte devido à facilidade técnica do desenho: é tecnicamente fácil
desenhar, principalmente com o lápis e papel, em que apenas com a grafite cortada em
bisel e a variação da força a exercer contra o papel, é possível representar todas as
formas. Devido a este facto todo o pensamento do desenhador está concentrado no
próprio desenho e nas alterações necessárias ao seu traçado e não desperdiçado em
ensaios técnicos.
Quando se fala do desenho executado por computador, o método a utilizar não é
directo, e adquirir um conhecimento técnico é fundamental. De facto o desenho por
computador geralmente é mal visto por isto mesmo, porque é reduzido a um dado
número de comandos decorados e metodologias cuja utilização é mecânica e não
propriamente artística. Desenhar por computador é aborrecido. Se nalguns casos esta
afirmação é verdadeira, não pode ser contudo generalizada. Neste caso tudo vai
depender do programa utilizado para desenhar, que pode ser intuitivo e de fácil
utilização ou complexo e de difícil aprendizagem e execução. De qualquer forma não é
por ser um programa complexo que o desenho se vai tornar melhor ou pior: apenas é
mais difícil de executar. Sendo o desenho um acto difícil de realizar, o processo técnico
deve ser facilmente exequível. Isto explica o sucesso do lápis sobre qualquer outro meio
de desenho. Terá então de se achar um programa de fácil utilização e que sirva o
propósito do desenho. Essa fácil utilização passa muito pelo uso reduzido de comandos,
e no caso do desenho tridimensional pelo controlo absoluto sobre os polígonos que
definem o modelo. Controlando os polígonos, controla-se a superfície e
consequentemente o modelo.
O conceito para modelar por superfície é de fácil compreensão: colocamos
vários pontos no espaço, esses pontos podem definir várias superfícies, essas superfícies
podem ser modeladas. Posteriormente o cálculo de superfície pode ser facilmente
convertido de poligonal em curvas tridimensionais a partir de nurbs20
e com isto a
modelação orgânica torna-se extremamente fácil e intuitiva, permitindo assim ao
20
Non-Uniform Rational Bezier Splines
45
utilizador que com um número muito reduzido de comandos possa fazer qualquer tipo
de objecto.
Geralmente para modelar são utilizadas quatro projecções da mesma peça: uma
de topo, uma de frente, uma lateral e outra obliqua. Para a introdução de pontos basta
dar uma dimensão correcta numa das vistas e rectifica-la noutra vista, permitindo assim
que o ponto fique correctamente definido nas suas três dimensões. São necessários no
mínimo três pontos para definir um polígono. Caso seja um objecto não orgânico poder-
se-á ter um número elevado de pontos a definir apenas um polígono, desde que todos os
pontos sejam complanares; mas tratando-se de um objecto orgânico ou qualquer outro
tipo de objecto em que possam existir superfícies empenadas, como estas serão
convertidas em curvas, existe a necessidade de criar polígonos de quatro lados. Não que
seja impossível converter polígonos, com mais ou menos lados, em curvas
tridimensionais, mas o quadrado (ou polígonos quadrangulares), devido à sua
continuidade, torna-se ideal para ser convertido em curva.
Depois de marcar pontos, é necessário definir os pontos que definem polígonos.
Polígonos que partilhem os mesmos pontos laterais obviamente estão adjacentes; com
polígonos ligados entre si, todo o objecto pode ser construído e facilmente modificado
ou destruído. Quando uma superfície não é do agrado do desenhador, basta apagá-la e
fazer outra que sirva os propósitos do desenho. Torna-se então relativamente fácil
desenhar em três dimensões visto que o desenhador tem controlo absoluto sobre os
polígonos e pode não só alterá-los como quiser, mas também reconstruí-los. De facto, a
maior parte dos desenhos tridimensionais, tal como acontece nas duas dimensões do
processo tradicional, são feitos e refeitos até adquirirem a forma pretendida pelo
desenhador.
Para dar um exemplo, foram marcados pontos específicos numa escultura que
seguidamente foi fotografada de frente e de lado (figura 26-27). Como duas vistas são
suficientes para a definição tridimensional, basta criar pontos “tridimensionais” no local
dos pontos reais já assinalados e através das linhas fundamentais do modelo definiram-
se os pontos em falta. As superfícies são definidas atendendo à lógica do modelo, ou
seja, acompanhando os contornos específicos do modelo, bastando posteriormente
corrigir a superfície, colocando mais pontos onde for necessário, eliminando os pontos
em excesso e deslocando os pontos para o sítio específico [1]. No final, os polígonos
são convertidos em superfície curva e novamente alterados até satisfazer as pretensões
46
do desenho[2]. Em termos de tempo todo este processo demorou sensivelmente duas
horas, o que para um desenho de estátua é muito rápido.
Resumindo, se o programa de desenho for de simples compreensão, desenhar em
três dimensões acaba por ser um processo idêntico ao processo bidimensional, em que o
erro, a alteração constante, entre outras contingências do desenho, acaba por estar
sempre presente.
[1]
26 - 31. Fotografia de uma estatua com pontos assinalados na sua geometria
fundamental e realização tridimensional da mesma.
[2] [3] [4]
47
V.CONSTRUÇÃO LINEAR
O desenho linear é habitualmente usado no caso da representação bidimensional
onde a linha se apresenta como síntese de uma dada superfície. É de fácil execução e
transmite com sucesso a informação pretendida pelo desenhador. De facto,
historicamente até existem vários métodos para a execução linear de um dado desenho
muitos deles fundados na geometria.21
Mas geométricos ou não, importa referir que
todos eles acabam por servir dois objectivos: a representação e a apresentação.
A construção linear, como síntese que é no plano das duas dimensões, não
apresenta qualquer problema construtivo em relação ao que se pretende desenhar. Se
desenharmos, por exemplo, uma pessoa e houver nela algum pormenor que nos escape
ou que seja irrelevante, podemos simplesmente não desenhá-lo. Não porque não tenha a
sua importância, mas simplesmente porque o autor assim o decidiu. As unhas são um
caso comum. Num desenho de modelo completo não é hábito representá-las. Porquê?
Por várias razões; a primeira que pode ser referida prende-se com o seu tamanho
reduzido em comparação com o modelo completo, depois é a sua quantidade, vinte, se
considerarmos as dos pés e das mãos, e mesmo que algumas não estejam visíveis a sua
quantidade é elevada. A unha como elemento estrutural não é particularmente relevante,
basta a representação das falanges. E quando comparamos a representação das unhas
com um outro elemento de igual dimensão reparamos na importância destes dois
últimos factores. O umbigo, por exemplo, tem sensivelmente o mesmo tamanho que
uma unha mas no entanto ele é sempre representado porque, para além de ser único, é
um elemento estrutural importante. Portanto, existem razões válidas para a não
representação da unha e para a representação do umbigo.
A omissão de diversos elementos por escolha consciente do desenhador é uma
das grandes vantagens que o desenho tem em relação a qualquer meio de reprodução
fotográfica da realidade visual, pois permite deslocar a atenção do observador para onde
ela é necessária. Com a linha bidimensional (ou mancha ou qualquer outro elemento
aplicado ao desenho), isso é possível e extremamente fácil de executar, basta não
representar. No caso da linha tridimensional o caso pode ser diferente consoante o
resultado final esperado. Quer dizer, podemos desenhar em três dimensões e omitir
21
Vd. ENFERT, Renaud “L’enseignement du dessin en France: Figure humaine et dessin
géométrique (1750-1850)”, Editions Belin, Paris, 2003. p. 142-151.
48
certas linhas conscientemente, e isto é possível num desenho onde não sejam
necessários pormenores construtivos – neste caso o desenho é realizado tal como no
plano bidimensional; mas. caso esses pormenores sejam necessários não podemos
simplesmente omiti-los, especialmente se considerarmos a linha como geradora de
superfície. Isto acontece, entre outras razões, porque o desenho bidimensional
convencional é um desenho com uma escala fixa, e o tridimensional, com meios
infográficos, pode ter uma escala variável.
Retomando o exemplo das unhas – num desenho de corpo inteiro as mãos e mais
especificamente as unhas vão ter um tamanho extremamente reduzido, mesmo se
olharmos o desenho de perto a mão continua a parecer-se com uma mão,
independentemente de ter ou não unhas. No caso de ser um desenho tridimensional, se
focarmos a mesma mão, ela vai parecer-se com uma luva cirúrgica. Podemos utilizar o
argumento de que se não for possível deslocar o ponto de vista do observador isto já não
acontece, mas aí qual seria a vantagem de desenhar a três dimensões?
Um exemplo onde se verifica a necessidade de definir melhor o desenho
tridimensional do que o bidimensional é o caso do design de automóveis. Convém
referir que, ainda que estejamos a falar do desenho de um objecto industrial criado com
o intuito de ser reproduzido em grande escala não é por isso que podemos deixar de
classificar esse mesmo desenho como artístico, pois tudo o que está ligado ao desenho
artístico convencional pode estar ligado ao desenho de automóveis. A grande diferença
entre os dois é que, na normal evolução deste tipo de desenho, os pormenores vão sendo
cada vez mais definidos, porque existe uma necessidade construtiva. Deste modo
podemos constatar que o desenho de um automóvel pode ser considerado desenho
artístico.
49
5.1 Utilidade do desenho linear
Imaginemos a representação tridimensional de um automóvel. A primeira
questão que se pode levantar é se neste caso a construção tridimensional tem alguma
vantagem sobre a bidimensional - se vale a pena o esforço despendido com o intuito de
se obter apenas uma representação. De facto, hoje dia, com os métodos de representação
tridimensional relativamente difundidos, ainda existem muitos desenhadores a preferir
apresentar as suas propostas para o projecto de um automóvel a partir de meios
bidimensionais. Esta preferência recai não somente na fase inicial do projecto como
também na apresentação do desenho final. Ou seja, não só o desenho é bidimensional
para o desenvolvimento da ideia, como é bidimensional (ainda que com outras técnicas)
a realização do desenho final. Muitas vezes essa realização final passa até por meios
digitais, o que não deixa de ser uma representação bidimensional. Resumindo,
geralmente para o traçado inicial do carro e para um desenvolvimento base, o meio
bidimensional – quer seja analógico ou digital – é o preferido, enquanto que para uma
apresentação final do projecto é tão comum a apresentação de um desenho
bidimensional como de um desenho tridimensional. Verificando-se esta situação já seria
relevante utilizar como exemplo a construção tridimensional de um carro, mas neste
caso específico é de considerar que o desenho tridimensional do carro terá vantagens
sobre o desenho bidimensional. Não porque na sua apresentação final um meio seja
superior ao outro mas simplesmente porque o desenho tridimensional é mais complexo
que o desenho bidimensional e neste caso a complexidade compreende uma vantagem:
o desenhador atende muito mais aos pormenores de escala, de construção e de
morfologia. Esta complexidade é relevante para avaliar a funcionalidade do automóvel.
Convém lembrar que o propósito do desenho não é a mera representação de uma ideia
mas também verificar se essa ideia é ou não viável.
Neste caso é assim preferível utilizar o desenho tridimensional22
ao invés do
desenho bidimensional. Tratando-se de um desenho tridimensional em princípio não
podemos ocultar pormenores que poderiam facilmente ser omitidos no desenho
bidimensional.
22
Poderá também ser utilizado um modelo real mas o desenho tridimensional geralmente tem a vantagem
de implicar menos custos, ser mais rigoroso e mais rápido.
50
5.2 Processo do desenho tridimensional linear
Para dar um exemplo do processo de construção linear, mesmo que a questão
não seja fundamental para a representação do desenho de um automóvel, os travões em
disco podem ser visíveis a partir do exterior do carro, se a jante o permitir. Se é visível
tem de ser representado. No caso da representação bidimensional bastaria colocar um
objecto circular associado a outro objecto semicircular, para produzir o efeito desejado.
Ou então representava-se uma forma indefinida dentro da jante em sombra, sugerindo
apenas a ideia. No caso do desenho tridimensional, a questão é mais complicada:
primeiro porque não convém construir apenas um círculo a fazer de travão pois o
círculo provavelmente era entendido mais como uma geometria estranha do que como
um travão; segundo, porque é essencial saber qual a forma exacta do travão e dos seus
componentes; terceiro, porque é necessário compreender como esses componentes
encaixam na jante e que relação têm com o carro. Em suma, quase é forçoso saber como
funciona o travão para podermos representá-lo tridimensionalmente. Todavia, só é
inevitável conhecer o funcionamento básico das partes visíveis para a representação do
travão.
A menos que o desenhador esteja familiarizado com a forma do travão de disco,
ou que encontre a forma correspondente numa base de objectos tridimensionais, a
primeira fase do desenho começa sempre com a observação do objecto. Esta fase é
geralmente caracterizada por uma leitura obsessiva do objecto a representar, no caso
deste exemplo, um simples travão de disco. Habitualmente esta obsessão revela-se
quando se trata de um motivo relativamente ao qual o desenhador manifeste grande
simpatia, como por exemplo, a figura humana que desempenha um papel extremamente
importante no desenho artístico. Mas de qualquer forma, sendo o desenho uma forma de
adquirir conhecimento à medida que se vai desenhando, esse conhecimento não depende
da especificidade do objecto.
O primeiro passo neste exemplo será olharmos para jantes que tenham o travão
de disco descoberto. É um passo aparentemente simples, que no entanto pode implicar
algumas dificuldades. Ao observarmos diferentes jantes verificamos que existem vários
tipos de travão de disco; alguns até desconhecidos pelo observador. Existem jantes para
carros de cidade, jantes para jipes, para camionetas, de todos os tipos com todos os
encaixes possíveis. Para resolver esta questão há então que fazer uma selecção do tipo
de jante pretendido e depois observar em vários carros a jante mais adequada com o tipo
51
de travão certo. Aqui poder-se-ia colocar uma questão pertinente: não seria mais fácil
obter o desenho técnico de uma jante com um travão de disco aplicado? A resposta a
esta pergunta não pode ser afirmativa, porque o objectivo não é construir um carro a
partir de um desenho, mas sim desenhar um carro ou uma jante a três dimensões. E para
esse desenho funcionar não só basta desenhar com as dimensões correctas, como
também é necessário ver que partes da jante e do travão são necessárias para a sua
representação visual e para isto nada melhor do que observar jantes ao vivo. O desenho
técnico ou até mesmo a própria fotografia de uma jante não ajudam nesta fase.
Outro problema associado a esta etapa de busca e compreensão do objecto certo
relaciona-se com a obsessão referida, pois é comum o desenhador não saber quando
parar a busca, em virtude de nunca existir toda a informação necessária. Neste caso
específico, até o desenhador mais desinteressado por jantes desenvolveria um tique
obsessivo ao olhar constantemente para as rodas de todos os carros. Em vez da rua
normal com os passeios, as pessoas a andar ou paradas, o desenhador de uma jante
provavelmente limitar-se-ia a tentar observar e analisar o maior número de jantes
possível. Esta atitude pode ter consequências negativas principalmente porque um dos
objectivos do desenho é explicar a jante graficamente. Se o objecto a representar for
demasiado observado significará também que o observador possui uma noção muito
aproximada do modelo, e quando isto acontece geralmente a vontade de desenhar
diminui. Ironicamente, se o desenho serve para explicar uma forma, estando esta
apreendida, não é necessário o registo.
A segunda fase será a realização do esboço. Ainda nesta fase o desenho será
principalmente bidimensional, pois é mais rápido e intuitivo. Para além do esboço, o
desenhador deverá utilizar todo o tipo de material recolhido para melhor entender a
jante, e com isto incluem-se os desenhos realizados à vista, desenhos técnicos já
existentes, ou até mesmo fotografias. Nesta fase de consolidação de conhecimento é
posto em destaque o que o desenhador julga que sabe e o que o desenho técnico lhe diz.
Trata-se de um exercício de equilíbrio em que o desenho não pode resultar nem num
desenho técnico, nem num devaneio gráfico. Tem apenas de cumprir a pretensão de ser
o desenho de uma jante, parte de uma estrutura mais complexa que é a totalidade do
automóvel.
A terceira fase será assim a concretização ou execução do desenho
tridimensional. Mas não se pense que essa fase de concretização se limita a reproduzir o
conhecimento adquirido até àquele momento, pois com a fase de construção
52
tridimensional surgirão necessariamente problemas ligados não só à execução técnica
mas também à tradução do objecto exterior. Geralmente a terceira dimensão acrescenta
pormenores não pensados até então que se revelam fundamentais para a construção da
forma23
.
Resumindo o desenho começa bidimensionalmente, na segunda fase esboça-se o
objecto, e termina quando já não houver dúvidas aparentes no desenho tridimensional.
Não quer dizer que em certos aspectos a dúvida quanto ao objecto representado não
subsista, mas desde que aparente não subsistir, o desenho passa bem a sua mensagem.
23
Exemplo: é natural que um arquitecto ao pensar na construção de um edifício esteja concentrado na
criação do espaço e na articulação desse espaço com outros espaços e se esqueça de pormenores
construtivos fundamentais para a construção desse edifício, como o caso da espessura das paredes.
Pormenor que pode escapar ao desenho bidimensional (não se entenda desenho de projecto) mas que não
escapa ao desenho tridimensional.
32. Desenho de jante a partir de linhas tridimensionais
53
5.3 Construção linear aplicada
Quanto à execução do desenho tridimensional, são colocados problemas em dois
níveis distintos: um que se prende com o método de tradução técnica do programa que
nos irá permitir desenhar tridimensionalmente; outro, respeitante à própria concepção
do objecto. O mais comum é estes problemas aparecerem paralelamente, pois à medida
que o objecto vai sendo construído, ora o desenhador se confronta com erros ou
evoluções de concepção, ora com limitações técnicas do programa. Mas a maneira
correcta de enfrentar estes dois problemas será corrigindo primeiro os erros de
concepção para realizar posteriormente o modelo tridimensional.
A construção tridimensional é variável de objecto para objecto. Para dar um
exemplo onde se pode demonstrar com facilidade o processo de criação de um objecto
tridimensional linear, consideremos outra vez o design automóvel, agora tendo em conta
o próprio desenho do automóvel. Um dos aspectos a ter em linha de conta, para além
dos erros ou indefinições construtivas que não tinham grande peso na representação
bidimensional, é a própria volatilidade do desenho enquanto processo construtivo, quer
estejamos a considerar duas ou três dimensões. Por outras palavras, não é só na fase do
esboço que o desenho é mudado - é um fenómeno constante ao longo do desenho e tem
a ver com toda a indecisão que o processo criativo acarreta. É natural que o desenho
evolua para um estado diferente dos esboços iniciais e que essa evolução também se dê
na fase de construção tridimensional. Para comprovar este facto foi feita a seguinte
experiência: a partir de um determinado desenho bidimensional de um automóvel, foi
pedido a duas pessoas que realizassem o seu registo a três dimensões.
33. Del. Ricardo Nilsson. Desenho A
54
Ao observarmos o desenho B verificamos que a parte dianteira do carro tem as
linhas onduladas do desenho original (A) mas sem imitá-las claramente. Também a
parte traseira é relativamente semelhante. Mas ao olharmos para a parte central
verificamos que pouco tem a ver com o desenho original. Toda a definição de linhas foi
esbatida, provavelmente para dar uma transição mais suave entre a parte da frente e a
parte de trás. Este fenómeno faz parte de uma modificação consciente que o desenhador
decidiu seguir. Quanto ao desenho C, sendo outro o desenhador, naturalmente foi
alterado noutros aspectos. Por decisão do desenhador, as linhas, em vez de atenuadas,
foram acentuadas, o que proporcionou dois resultados: com o exagero das linhas, as
partes da frente e de trás ficaram distintas do desenho original, mas a parte central ficou
relativamente intacta. Relativamente intacta, porque como se pode observar no desenho
original existem partes que não estão definidas, como por exemplo a parte que antecede
a zona posterior da roda frontal. Nesta parte podemos admitir que exista uma quebra em
termos de linha superior da roda do carro, ficando assim parte do pneu visível; mas,
também se pode admitir que se mantenha a continuidade da linha. Mais uma vez, a
primeira opção foi a tomada no desenho C e, a segunda, no desenho B. Trata-se portanto
de uma questão de interpretação do desenho original e da própria vontade do
desenhador que está constantemente a ser alterada. Se mais interpretações do mesmo
desenho existissem, era provável que todas tivessem traços em comum mas que fossem
todas diferentes.
34. Desenho B
55
O resultado não podia ser mais claro: os dois desenhos a três dimensões são
completamente distintos e são também distintos em relação ao desenho original. O que
aconteceu foi que cada desenhador seleccionou pormenores do seu agrado e modificou
outros que não o motivaram tanto. Para além deste facto, foi ainda aproveitada toda a
indefinição característica do desenho bidimensional para se acrescentar pormenores que
não tinham sido pensados no desenho original. Deste facto pode-se afirmar que, se o
processo do desenho for interrompido e continuado por outra pessoa, esse desenho
passa a reflectir as escolhas dessa mesma pessoa ou, mesmo sendo realizado pela
mesma pessoa, é natural que esta vá modificando a ideia original e obtenha um
resultado muito diferente dos esboços iniciais. Resumindo, o desenho evolui e modifica-
se em todas as fases, incluindo a fase tridimensional.
Em termos de concepção da forma, para além da indefinição e evolução inerente
ao projecto, também existem erros. Sendo considerado um objecto industrial, seguindo
o exemplo do design de um automóvel, os erros ou indefinições na construção da forma
são particularmente visíveis. Um dos erros que podemos assinalar na passagem do
desenho bidimensional para três dimensões consiste em considerar o automóvel como
um conjunto de várias partes. O que acontecia no desenho convencional é que quando
se quer separar uma parte de outra, basta fazer um traço ou linha separadora. Ou seja,
35. Desenho C
56
desenha-se o carro como um todo e depois caso seja necessário vão-se acrescentando
linhas de corte que definem as várias partes do carro. Neste método a abertura para o
motor ou as portas são extremamente fáceis de realizar. O problema é que no desenho
tridimensional estas partes de facto são partes autónomas e têm de ser congruentes entre
si. Não basta traçar uma linha, porque aquilo que parece ser uma linha é de facto um
corte. E se, em certas partes do automóvel, o corte é simples, outras há que são
extremamente complicadas de realizar. Esta forma de concretização do desenho
tridimensional raramente é prevista a duas dimensões por uma razão muito simples:
porque não é necessário pensar nela quando tudo isto pode ser resolvido com uma
simples linha. Enquanto no desenho bidimensional uma linha resolve um corte, essa
mesma linha, ao ser transposta para três dimensões, não passa de uma linha sobre a
superfície do carro.
Após a clarificação da ideia da forma de modo a que esta possa ser construída a
três dimensões, é natural que outras dúvidas surjam progressivamente, mas, de uma
maneira ou de outra, podem ser resolvidas à medida que o desenho tridimensional as
suscita.
A questão que se coloca agora é outra: como desenhar em três dimensões a partir
de linhas e de um meio que geralmente só transmite duas dimensões para o
computador? Este problema resolve-se de duas maneiras: primeiro, a partir da utilização
de várias vistas simultâneas; segundo, a partir de uma definição cuidada da linha,
corrigida nessas mesmas vistas. Não é exequível portanto desenhar a linha à primeira
tentativa: trata-se de um processo de correcção progressiva. Outro factor a ter em conta
é que a linha obedece a um cálculo matemático e posteriormente será usada como
geradora de superfície. Por isso, o tipo de desenho que temos vindo a referir pode ser
considerado de “construção linear”. Esta construção linear pode adquirir duas vertentes:
uma mais livre e outra mais técnica.
A vertente mais técnica terá mais interesse para a construção real de um desenho
mas para o desenho artístico não terá tanto, considerando a representação como
principal objectivo. Este método é extremamente rigoroso e como rigoroso que é tem
uma forte vertente matemática, portanto o objecto é construído a partir de modificações
numa dada superfície definida linearmente. Em termos de construção prática desenha-se
a duas dimensões; a superfície gerada pela linha é posteriormente seguida de uma
modificação que poderá ser combinada com outras linhas ou alterada a partir desse
momento.
57
Imagine-se uma dada forma bidimensional representando, por exemplo, o corte
de um copo, que depois irá sofrer uma revolução formando assim um copo
tridimensional. Posteriormente, esta forma tridimensional pode ser alterada ou
combinada com outras formas, provocando assim novas configurações. Neste caso, o
princípio tridimensional derivou de uma operação matemática: a revolução.
Existe um grande número de operações matemáticas nas quais é possível passar
de uma linha para um objecto tridimensional como no caso das extrusões, revoluções,
operações boleanas, entre outras; mas apesar do objecto adquirir com isto uma grande
possibilidade construtiva, estas técnicas não demonstram ser particularmente eficazes
para desenhar uma forma mais livre em três dimensões; daí serem mais úteis para um
desenho técnico ou construtivo.
Considera-se que o objecto não tem como finalidade ser construído a partir do
seu desenho tridimensional. Como tal, apenas a sua representação será tida em linha de
conta. Para isto, exige-se um desenho linear mais livre que não dependa directamente
das transformações matemáticas aplicadas sobre si. Neste sentido será tomada uma
lógica simples: o cruzamento de linhas tridimensionais. Se isto acontecer, ao serem
desenhadas linhas no espaço e essas mesmas linhas se cruzarem em pontos que
pertençam simultaneamente a duas delas, então o espaço definido entre as linhas pode
ser considerado uma superfície.
36.Linhas que se
cruzam
37.Definição da
superfície interior
38.Ajuste das linhas
exteriores
58
Como facilmente se compreenderá, para que este método funcione as linhas têm
de se cruzar quadrangularmente ou triangularmente, de outra forma a geometria interior
seria improvável24
.
Assim sendo o desenhador fica livre para utilizar as linhas geradoras de
superfície da forma que desejar, alterando progressivamente as formas até obter o
resultado desejado. Com a particularidade de estas terem de se cruzar em quadrângulo
ou em triângulo ou das duas maneiras ao mesmo tempo. De qualquer modo e para
assumir uma forma mais regrada e sem grandes problemas geométricos, é aconselhável
que o desenhador faça um esforço para apenas utilizar quadrângulos visto estes
permitirem uma continuidade entre si.
24
De facto existem programas capazes de gerar superfície a partir de mais de 4 cruzamentos mas esses
programas geralmente geram essa mesma superfície a partir de cálculos matemáticos e não de linhas
livres.
39.Linhas que se
cruzam
40.Definição da
superfície interior
?
41. Combinação de quadrângulos e triângulo de maneira a mostrar a continuidade da forma
59
O desenhador tem somente de criar as linhas necessárias para a construção da
sua forma porque a superfície será gerada pelo próprio programa de computador.
Apesar de nos exemplos acima referidos só se ter utilizado linhas rectas, as linhas
empregues também podem ser curvas por meio de qualquer método de cálculo25
, desde
curvas de Bezier até curvas de tensão. Se forem curvas de Bezier o desenhador obtém
um maior rigor construtivo mas cada curva ao ter de ser definida por quatro pontos ou
dois pontos e duas tangentes, torna mais complicado desenhar de uma forma intuitiva.
Da mesma maneira se forem usadas curvas de tensão, o rigor é mais difícil de atingir
mas ao serem controladas ponto a ponto desenha-se de uma forma mais livre. O
problema é que muitas vezes para existir uma determinada continuidade de formas as
curvas de tensão têm de ser prolongadas para além do necessário.
Resumindo, o desenhador desde que cruze correctamente as linhas no espaço
pode sempre fazer superfícies tridimensionais e com isto desenhar praticamente tudo de
25
É esta a grande diferença entre a construção por superfície e a construção linear, na construção por
superfície, esta existe poligonalmente e pode ser modificada normalmente ou em nurbs, na construção
linear, a superfície não tem de necessariamente existir na fase da modelação, modelação esta que pode ser
conseguida a partir de cálculos diferentes de linha.
42. Exemplo de uma curva de Bezier
43. Exemplo de uma curva de tensão
(TCB spline)
PONTO
PONTO
PONTO
PONTO
PONTO
PONTO
TANGENTE TANGENTE
60
uma forma intuitiva ainda que demorada. Apesar de este método não apresentar grandes
problemas técnicos (de facto o desenhador só tem de utilizar um comando para construir
linhas e cruzar as mesmas), às vezes podem surgir problemas inesperados, como a
construção de peças que requeiram buracos quadrangulares ou triangulares, pois o
programa geralmente fica sem poder distinguir um buraco de uma superfície ou o
próprio número elevado de linhas num desenho mais complexo.
44. Desenho por linhas tridimensionais.
61
VI.PROGRAMAÇÃO
6.1 Programação como desenho
O desenho digital possibilita um modo de realização gráfica que não
encontramos no desenho analógico: a programação. Se através dos meios analógicos era
sempre possível fazer qualquer desenho com mais ou menos esforço, quanto à
programação só é possível efectuá-la no computador. A primeira questão que se coloca
é se a programação poderá ser admitida como desenho. A segunda questão é referente à
sua necessidade e utilidade.
Quanto à primeira questão será relativamente simples responder: sendo o
desenho a tradução gráfica de uma ideia em desenvolvimento, é possível admitirmos o
conceito de desenho programado. O programa, desde que tenha uma resolução visível,
responde à primeira questão da tradução gráfica de uma ideia. Quanto ao tempo e
desenvolvimento dessa ideia, ela pode ser progressivamente resolvida a partir de uma
lógica matemática. Desde que haja um resultado visual dessa programação, temos
desenho.
Quanto à segunda questão colocada podemos considerar duas respostas. Se
pensarmos no desenho programado como construção de uma imagem cujo resultado
final é imprevisto pelo desenhador, então será difícil não só entendermos o desenho
programado como útil mas também de o concebermos como desenho: o desenho surgiu
do acaso de uma fórmula matemática, ou seja, não existe nele intencionalidade. Neste
caso encontramos alguns exemplos no domínio operativo dos fractais ou similares26
, ou
até mesmo nos filtros de imagem. No caso dos filtros, se considerarmos os diversos
efeitos aplicáveis a uma imagem, e tendo o utilizador a possibilidade de escolher o
efeito que pretende, se não tiver uma ideia prévia, a escolha é espontânea e o efeito não
é formulado directamente pelo autor do desenho. No entanto, não se confunda esta
situação com o acaso que muitas vezes é importante quando se desenha, porque o acaso
tem de partir do desenho e não de elementos que lhe sejam estranhos. De acordo com as
razões expostas, o desenho programado não teria muita utilidade.
26
O que não quer dizer que o resultado final da fórmula matemática não seja interessante do ponto de
vista estético, apenas não é desenho ou não será sempre útil para o desenho.
62
Mas a utilidade do desenho programado pode ser elevada noutros casos.
Recorrendo aos exemplos anteriores, os fractais são extremamente comuns na criação
de texturas. Aqui poder-se-ia pensar que as texturas são parte do tal leque de opções
pré-criadas que o desenhador pode escolher, sem ser directamente responsável pela sua
criação. Mas o desenhador não tem necessariamente que criar todos os elementos da
45 e 46. Exemplos de fractais
63
imagem, tem de idealizá-los e tirar partido deles, como no caso da textura que
geralmente é pensada antes de ser aplicada. E o que foi dito sobre o uso de fractais pode
ser aplicado aos filtros ou outros efeitos – se o desenhador procura um determinado
efeito específico e se o filtro pode possibilitar esse mesmo efeito, porque não utilizá-lo?
Se for mais eficiente e a tradução final for a pretendida, não existe razão para que não se
utilizem efeitos.
Apesar da relativa utilidade, estas características da programação não são um
factor essencial à concretização do desenho. Então onde se torna essencial a
programação? Na criação de interactividade dentro do próprio desenho. Aqui não é
possível cairmos na situação do “desenho automático”, como nos casos acima
apresentados, como tudo tem de ser controlado (programado) sem recurso a
automatismos. Também tem de ser acrescentada uma nova dimensão ao desenho: a
interactividade. A interactividade no desenho não é possível através de nenhum outro
meio gráfico e vai estar sempre dependente de alguém que observa a imagem. Nesta
área da interactividade temos duas variantes possíveis: a do desenho interactivo
propriamente dito27
e a do jogo onde é acrescentado um objectivo. Quanto ao desenho
interactivo este pode reagir de uma determinada maneira quando o observador o
“provoca” para produzir uma determinada resposta. No caso de um jogo tem de se
perceber a sua lógica, para a interacção ser bem sucedida. De qualquer forma, convém
lembrar que se trata de desenho, não tendo a fase final de estar explícita. O desenho
encontra-se sempre no processo de desenvolvimento. Quando se fala de um jogo, trata-
se do seu desenho.
27
Existem várias possibilidades para o desenho interactivo, desde o desenho que modifica a sua própria
aparência visual, até uma situação mais simples em que se tem por base um desenho tridimensional e o
espectador interage com o ponto de vista desse mesmo desenho.
64
48. Iugo Nakamura, http://yugop.com – desenho interactivo. O observador deslocando o cursor vai construindo
uma linha tridimensional que evolui no espaço em tempo real.
47. Iugo Nakamura, http://yugop.com – desenho interactivo. Quando se passa com o cursor sobre a escala de
cinzentos, as formas sofrem modificações.
65
6.2 Programação do desenho
Desenvolvendo o exemplo da criação de um jogo, verifica-se que existe um
paralelo entre as funções desenvolvidas matematicamente e a sua tradução visual. O
mesmo é dizer que, aquando da representação convencional de movimento – e aqui a
título de exemplo trata-se basicamente de um jogo de movimento – existem várias
formas de representá-lo. Convém não esquecer que no caso do desenho convencional
não existe movimento mas a tentativa de simulá-lo: desde movimentos simples que
assinalam a passagem de um determinado lugar para outro, a movimentos que
necessitam de interacção entre alguns elementos gráficos. Em ambos os casos o
movimento tem de ser traduzido graficamente.
São diversas as maneiras de realizar esta tradução gráfica, tendo vindo a ser
alteradas ao longo do tempo. Considerando três exemplos e começando pelo mais
antigo: a tradução simples de movimento era realizada através de uma linha, ou seja, se
um determinado objecto fosse deslocado de um lado para o outro, aparecia uma linha a
indicar o trajecto por ele percorrido. Este talvez fosse o método mais simples de
tradução de movimento mas não deixava de ser eficaz. Mais eficaz ainda é o método de
repetição de um determinado elemento, em que o objecto a deslocar é repetido várias
vezes desde a sua posição inicial até à posição final, sendo também útil para assinalar
uma repetição de movimento. Uma evolução deste tipo de representação de movimento
traduz-se na deformação de um objecto alterado desde a sua posição de origem até à sua
posição de destino. A grande vantagem deste método é que, para além de poder ser
realizado em conjunto com outros métodos, pode ser utilizado em animação. Ao
terminar os exemplos de tradução de movimento no desenho não animado, é de referir a
utilização do computador (para executar a arte final ou até mesmo todo o desenho) que
permite a desfocagem automática do elemento em deslocação, provocando assim um
efeito cinético.28
28
Vd. WILLIAMS, Richard - “The animator’s survival kit - A manual of methods, principles and
formulas for classical, computer, games, stop motion and internet animators”, Faber and Faber,
Londres/Nova Iorque, 2001. pp. 96-98.
66
Se a tradução de movimento num dado desenho convencional ocorre assim, num
jogo ou num desenho programado, para reagir a determinados acontecimentos, o
movimento existe e tem uma lógica geométrica simples, que vai traduzir-se numa lógica
matemática. Por outras palavras, o princípio de movimento é o mesmo da representação
convencional não animada, mas a forma de representá-lo é diferente. Portanto em vez
da ordem normal do desenho:
1. Pensar o movimento
2. Desenhar o movimento
3. Corrigir o movimento (o desenho)
Temos de:
1. Pensar o movimento
2. Programar o movimento
3. Corrigir o movimento (o programa)
No entanto, qualquer que seja a tradução de movimento convém salientar que de
facto estes três passos se encontram no tempo do desenho e são desenho. Um tem uma
expressão imediata e não tem a temporalidade da quarta dimensão; o outro, ao ser feito,
não tem qualquer tipo de tradução gráfica mas o programa, ao ser executado, traduz a
quarta dimensão. Outra diferença entre o desenho programado e o desenho não
49. Del. Albert Uderzo, Asterix Legionário,
Bertrand, p.26. Exemplo de movimento em
banda desenhada
50. Del. Richard Williams, The animator’s survival kit, Faber
and Faber, p. 96. Exemplo de movimento deformador em
animação.
67
programado é que o desenho é expresso através de um meio actuante imediato29
e o
desenho programado depende de uma linguagem lógica e matemática. Se pretendermos
fazer um desenho programado necessitamos dominar as particularidades destas
linguagens aplicadas ao desenho.
À primeira vista é credível pensar que este tipo de desenho escapa ao
desenhador, pois as linguagens lógica e matemática geralmente não são do seu domínio
mas da competência de alguém que domine estas áreas. O que conduz ao segundo
problema que é o desenhador não saber programar e depender de alguém que execute os
seus intentos. O que sendo possível é sempre de evitar, porque num desenho a dois a
coordenação torna-se mais difícil. Se já é problemática a resolução de um desenho, mais
problemática será a situação resultante da transmissão de informação verbal, gestual ou
gráfica e posteriormente da sua conversão em lógica matemática. Esta situação acarreta
um problema de autoria: afinal, de quem é o desenho? Basta pensar para que o desenho
exista? Não sendo estas questões fundamentais, podemos considerar que, apesar deste
método de tentativa/erro geralmente funcionar, como no caso de duas pessoas que
realizam o mesmo desenho, será sempre aconselhável haver uma só pessoa a executar
todo o processo.
Como linguagens que são, a lógica e a matemática, possuem um léxico próprio.
Este léxico também terá de ser adaptado à linguagem de programação em questão. Por
ser a mais simples, os exemplos dados serão apresentados numa linguagem de
scripting30
. Seguidamente será dado o exemplo da criação de um jogo onde todo o
processo de um determinado objecto em movimento reaja a estímulos transmitidos pelo
utilizador.
Tratando-se de um exemplo de jogo de movimento, o primeiro problema a
resolver será sempre o movimento. Enquanto na animação o movimento é traduzido de
uma forma sequencial, de acordo com a lógica de quem o desenha, no movimento
programado a forma a ser movida terá um movimento matemático lógico. O que ocorre
é o seguinte: se uma figura específica, daqui em diante referida como objecto, num
29
No caso do desenho analógico temos o exemplo do lápis que risca directamente o papel; no caso do
desenho digital temos o exemplo do traçado realizado com meios idênticos aos do desenho analógico,
ainda que com uma base de programação que pode escapar completamente ao desenhador – não é
necessário que o desenhador saiba como o programa funciona, basta-lhe saber funcionar com o programa. 30
Havendo múltiplas linguagens deste género, será utilizado o lingo, ainda que com pequenas diferenças
entre si poderia ser apresentada outra linguagem de scripting como o java script, o basic, o visual basic,
etc. De qualquer forma as bases de qualquer linguagem deste género podem ser aplicadas a outras
linguagens, por serem princípios genéricos.
68
determinado tempo estiver numa certa coordenada, no tempo imediatamente a seguir
terá de estar noutra e assim sucessivamente de acordo com esta mesma razão,
perfazendo uma sequência lógica. Ou seja, em cada fotograma o computador executa
um determinado ciclo que fará o objecto ter novas coordenadas cada vez que aparecer o
fotograma seguinte. Logo, e ainda sem obedecer a nenhum léxico de programação:
Objecto (coordenadas) será OBJECTO(X,Y)
e para X=+1 então OBJECTO(+1,Y)
Com esta lógica simples poder-se-ia pensar que o objecto, segundo a função
responsável pela transformação de X num determinado valor, mover-se-ia. Mas aqui
surge a questão do léxico da linguagem de programação – se o ciclo for reproduzido
pelo computador repetindo-se várias vezes, então verifica-se que o objecto apenas
adquiriu uma nova coordenada constante.
[ciclo 1] X=+1 logo OBJECTO(+1,Y)
[ciclo 2] X=+1 logo OBJECTO(+1,Y)
[...]
[ciclo n] X=+1 logo OBJECTO(+1,Y)
E aqui se analisa mais um paralelo entre a linguagem de computador e o
desenho convencional: o erro é um factor constante nos dois. Agora, tal como no
desenho basta corrigir o erro, logo:
OBJECTO(X,Y)
X=X+1 logo OBJECTO(X+1,Y)
É de notar a diferença em relação à matemática convencional que neste
momento teria formado uma função paradoxal: uma variável igual a si mesma mas que
contraditoriamente não seria igual a si mesma (X=X+1). Em termos de programação
lógica esta função não apresentaria qualquer problema porque é uma função cíclica.
69
Portanto, geralmente quando se quer modificar uma variável que não seja uma
constante, a variável tem de ser igual a ela própria mais a sua modificação. Verificando:
[ciclo 1] X=X+1 logo OBJECTO (+1,Y)
[ciclo 2] X=1+1 logo OBJECTO (+2,Y)
[ciclo 3] X=2+1 logo OBJECTO (+3,Y)
[...]
[ciclo n] X=n+1 logo OBJECTO (n+1,Y)
O objecto move-se então segundo o eixo do x positivamente, até ao infinito,
segundo uma função de progressão aritmética. Tanto a lógica como a matemática estão
resolvidas segundo a função acima descrita. A parte mais complicada é fazer o
computador executar esta função e para isto a linguagem tem de ter um léxico próprio
característico do programa em que se vai projectar. Utilizando lingo será algo como:
o OBJECTO é igual a [member("teste").model("objecto")]
variavel = variavel+1
member("teste").model("objecto").worldposition.x = variavel
O léxico para além de introduzir um comando específico (.worldposition) com
uma variável aplicada (.x) tem de ser extremamente preciso, desde a colocação dos
pontos até às aspas ou parêntesis. Se faltasse apenas uma letra, o programa entrava
imediatamente em erro. De facto este é o grande problema da programação: o domínio
das suas regras; porque em termos tanto de lógica como de matemática, ao funcionar
ciclicamente torna-se extremamente simples.
Se a função acima apresentada for aplicada simultaneamente a qualquer outro
eixo, então o objecto pode mover-se constantemente em qualquer direcção.
Neste momento o problema seguinte consiste em resolver a interacção, pois se
tal não acontecesse, tínhamos na prática um movimento singular passível de ser imitado
por qualquer método de animação. Para resolver a primeira parte deste problema tem de
haver um objecto controlado pelo utilizador para interagir com um segundo objecto.
Não explicitando os seguintes passos com todo o detalhe (pois para um método
70
generalizado de interacção entre objectos torna-se irrelevante), descreve-se o modo
prático como:
1. Mover um “objecto A”
2. Mover um “objecto B” controlado pelo observador (que deixa de ser passivo)
3. O “objecto A” reagir ao “objecto B”
71
6.2.1 Objecto A
Poder-se-á pensar que o ponto 1 já foi descrito anteriormente mas o que se
analisou foi um movimento programado constante ou de lógica matemática imutável,
logo, um movimento de um objecto que não pode reagir com outro pois apenas se rege
pela sua própria regra. Portanto, para que a interacção aconteça, o objecto tem de estar
dependente de estímulos que lhe são externos. De resto, para além da direcção, o
objecto tem de se mover segundo mais dois parâmetros: a sua velocidade e a sua
desaceleração. A título de referência diga-se que a desaceleração não é necessária mas
para que se obtenham resultados de movimento coerentes aconselha-se a sua
utilização31
.
Tanto a velocidade como a direcção são dependentes de factores externos ao
objecto, não obstante podem utilizar-se uma direcção inicial e uma velocidade inicial.
Agora, mesmo esta velocidade e direcção iniciais têm de ser inseridas na rotina de
movimento de um objecto. Comecemos pelo factor mais acessível: a velocidade. A
lógica da velocidade é simples - o objecto encontra-se num dado espaço e na unidade de
tempo seguinte está num outro espaço. Para determinar a sua velocidade basta subtrair
às coordenadas actuais as coordenadas na unidade de tempo anterior. O resultado é a
velocidade do objecto. Ou seja, para duas coordenadas:
1º As coordenadas do objecto “bola” antes de ser movido são guardadas nas variáveis
posicaoanteriorx e posicaoanteriory:
posicaoanteriorx = member("teste").model("bola").worldposition.x
posicaoanteriory = member("teste").model("bola").worldposition.y
2º O objecto “bola” é movido segundo um vector vectorbola:
member("test").model("pong3d:bola").translate(vectorbola, #world)
31
Nesta descrição de movimento, interacção entre elementos, etc., é notória uma aproximação à física.
Mas neste caso apenas serão utilizadas funções que sejam eficazes e não funções que estejam fisicamente
correctas. Isto não quer dizer que as funções utilizadas não sejam correctas, apenas que não têm
necessariamente em atenção as leis da física. Como tal, até a nomenclatura utilizada é simples, por
exemplo a desaceleração no fundo seria o equivalente na física ao atrito.
72
3º As coordenadas do objecto “bola” depois de ser movido são guardadas nas
variáveis posicaoactualx e posicaoactualy:
posicaoactualx = member("teste").model("bola").worldposition.x
posicaoactualy = member("teste").model("bola").worldposition.y
4º O vector vectorbola é definido
vectorbola = vector((posicaoactualx - posicaoanteriorx),(posicaoactualy -
posicaoanteriory), 0.0000)
Saliente-se que o vector responsável pela deslocação do objecto é o último a ser
definido, o que permite que no início de cada ciclo ele possa ser modificado e o 4º passo
tenha sempre em conta essa mesma modificação. Isto também é útil para dar a
velocidade inicial, caso isso seja o pretendido, para tal basta comandar o computador
apenas uma vez para seguir um determinado vector – vectorbola. Logo a questão da
velocidade está resolvida.
Como se está a trabalhar com vectores, a questão da direcção fica
simultaneamente solucionada e ambas podem ser alteradas em qualquer ciclo em que
haja uma interacção com outro objecto: é só mudar o vector no início do ciclo.
A desaceleração agora torna-se simples, resta modificar o vector para que em
cada ciclo este se torne mais pequeno. Isto pode resumir-se a duas contas de divisão,
cada uma para o seu eixo. Ou então no caso de se poder fazer a conta directamente em
vectores teremos:
vectorbola = vectorbola / 1.01
O valor da desaceleração é de 1.01 mas podia ser qualquer número maior que 1
sendo que, quanto maior ele fosse, mais depressa o objecto se imobilizava. Caso fosse
menor que 1 então o objecto em vez de perder força, ganhá-la-ia, o que seria
inverosímil. Este valor podia até ser variável estando assim dependente do tamanho do
objecto, por exemplo. De qualquer forma, e tal como num desenho, o valor teria de ser
testado ou por outras palavras teria de se saber quanto tempo demoraria até o objecto
voltar a permanecer imóvel.
Apenas para referência serão feitas duas tentativas (com os valores 1.01 e 2)
com o objectivo de verificar a desaceleração de um determinado objecto. Como ciclo
73
que é, temos um número X (que seria a velocidade) e esse número vai sendo
sucessivamente dividido por 1.01 e depois por 2. Como se trata de um teste, em vez da
variável X dá-se o valor 8. Então, com 8 a dividir por 2 temos a seguinte sequência:
8 - 4 - 2 - 1 - 0.5 - 0.25 - 0.125 - 0.063 - 0.031 - 0.016 - 0.007 - 0.004 - 0.002 - 0.001(...)
E a dividir por 1.01:
8 - 7.92 - 7.84 - 7.76 - 7.68 - 7.61 - 7.53 - 7.46 - 7.38 - 7.31 - 7.24 - 7.17 - 7.09 - 7.02(..)
A conclusão a que se pode chegar é a seguinte: se considerarmos que o
computador está a executar este ciclo 25 vezes por segundo, se o dividirmos por 2,
passados 12 ciclos o objecto praticamente não se move, logo demora meio segundo até
ficar imóvel. No segundo caso, em 12 ciclos a velocidade apenas desce de 8 para 7.17 e
para se atingir a imobilidade seriam necessários aproximadamente 1000 ciclos, o que na
prática significa uma demora de mais de 40 segundos até estabilizar. Portanto, agora
basta escolher a desaceleração pretendida ou continuar com as experiências.
Para finalizar esta questão da desaceleração aplicável a qualquer objecto, resta
referir que no caso de utilizarmos esta fórmula, a desaceleração tornar-se-á exponencial.
74
6.2.2 Objecto B
O objecto B será controlado pelo observador/utilizador. Este objecto pode
caracterizar-se por duas rotinas distintas: uma em que a rotina de programação faz-se
equivaler de uma forma directa pelos dados introduzidos pelo utilizador relativamente
ao objecto em questão, por exemplo o utilizador carrega numa tecla e o objecto desloca-
se para uma determinada direcção, ou o rato é movido e o objecto desloca-se segundo a
razão do rato32
; e uma segunda rotina em que, quando o utilizador carrega numa
determinada tecla, é desencadeado um comportamento específico num determinado
objecto, como por exemplo o objecto saltar.33
Para a primeira rotina a sua execução é suficientemente fácil, basta criar uma
variável para cada eixo de movimento e mudar essa mesma variável segundo as teclas
pressionadas. Assim:
1º Impõe-se a condição de que se a tecla X for carregada, então a variável adquire dois
valores possíveis cada um devido à sua tecla.
if keyPressed("a") then
variavelx = 10
end if
if keyPressed("s") then
variavelx = -10
end if
32
De notar que no caso do rato esta rotina se encontra sempre quotidianamente, sendo o objecto o
ponteiro do rato. É uma rotina deste género que nos permite desenhar com facilidade no computador pois
permite-nos uma tradução directa do movimento real para o movimento num cursor no computador. 33
Hoje em dia existem várias formas para fazer o computador reagir a estímulos provocados pelo
utilizador. Os meios mais comuns são o teclado e o rato, mas existem outros menos convencionais como
por exemplo a imagem de vídeo e o som em tempo real. De resto o processo é idêntico portanto, se por
exemplo o utilizador fizer um som que ultrapasse um certo volume o computador vai dar início a uma
certa rotina. Estas introduções de dados através de vídeo e/ou som não são particularmente úteis em
termos de realização do desenho (pois aí considerar-se-ia o desenho à parte da programação) mas podem
ser particularmente úteis na parte da interacção com múltiplos espectadores/utilizadores. Este é também
um processo que já está relativamente difundido em termos de realização de instalações ou até de
performances.
75
2º Para o objecto parar caso alguma tecla já tenha sido pressionada, se for levantada
então a variável passa a ser 0.
on keyUp me
variavelx = 0
end
3ºÉ constituído um vector com as três coordenadas do movimento a aplicar.
vectorobjecto = vector(variavelx, variavely, variavelz)
4º O objecto objecto é movido segundo o vector criado anteriormente.
member("test").model("pong3d:objecto").translate(vectorobjecto, #world)
Resumindo, se uma determinada tecla estiver a ser pressionada o objecto move-
se e assim que essa mesma tecla é levantada o objecto pára.
A segunda rotina pode ser mais complicada de realizar pois não existe uma
relação directa entre o acontecimento programado e as instruções dadas pelo utilizador,
porque o utilizador ao dar um estímulo inicial ao programa atribui-lhe igualmente o
controlo do restante processo.
No caso do objecto saltar passa-se o seguinte: primeiro uma tecla é pressionada
o que faz com que o computador inicie a rotina do salto, segundo o objecto é deslocado
ascendentemente para em termos progressivos vir a ser parado pela gravidade até que a
certa altura deslocar-se-á no sentido descendente. Quando adquirir a sua coordenada
vertical inicial pára e estará pronto para o salto seguinte. Portanto a versão programada
seria algo como:
1º Definir a gravidade e altura (posição em y) do objecto.
gravidade = -1
alturaobjecto = member("teste").model("objecto").worldposition.y
76
2º Se a tecla W for pressionada então se a altura do objecto for 0 ou menor que 0 nesse
caso a coordenada y do vectorobjecto vai ser 10.
if keyPressed("w") then
if alturaobjecto <= 0 then
vectorobjecto.y = 10
end if
end if
3º Se a altura do objecto for maior que 0 então a gravidade vai ser adicionada
progressivamente ao movimento em y do objecto.
if alturaobjecto > 0 then
vectorobjecto = vectorobjecto+gravidade
end if
4º Quando a altura do objecto for igual ou menor que 0 então a sua coordenada em y
vai ser 0 e a coordenada em y do vector que desloca o objecto também vai ser 0.
if alturaobjecto <= 0 then
member("teste").model("pong3d:objecto").worldposition.y=0
if vectorobjecot.y < 0 then vectorobjecto.y = 0
end if
5º O objecto é movido.
member("test").model("pong3d:objecto").translate(vectorobjecto, #world)
Relativamente a esta rotina há várias questões a destacar. No ponto 2 a rotina só
poderá ser executada quando o objecto for de coordenada nula em y, ou seja quando o
objecto estiver pronto a saltar. Daí duas condições: a primeira se a tecla W for carregada
e, dentro desta, a da altura do objecto. No ponto 3 verifica-se que a gravidade só será
activa se o objecto possuir uma coordenada em y superior a 0, isto é, quando o objecto
estiver na rotina de salto. O ponto 4 serve para definir em que momento o objecto entra
em contacto com o chão, quer dizer o instante em que a sua coordenada em y é igual ou
menor que 034
. Quando tal acontece são executados dois comandos, o primeiro a
34
Não é utilizada a coordenada = 0 porque a coordenada em y pode adquirir valores fraccionários logo é
utilizada a expressão 0 ou menor que zero.
77
coordenada em y do objecto ser 0 e com isto, devido ao ponto 2, o objecto estar
novamente pronto a saltar. O segundo comando é necessário pois o vector que desloca o
objecto também tem de ser nulo.
Neste momento já existem dois objectos, o Objecto A que irá deslocar-se
mediante estímulos exteriores a ele (segundo um dado vector), e um Objecto B que
sendo controlado pelo observador irá interagir com o Objecto A.
78
6.2.3 Interacção entre A e B
Como se pôde verificar, tanto a base matemática como a lógica apenas
dependem de conhecimentos muito elementares para executar até aqui qualquer tipo de
programação. Com a interacção entre elementos temos duas possibilidades.
A primeira é a da interacção simples entre elementos, ou seja, o Objecto A entra
no espaço do Objecto B e uma rotina pré-definida entra em acção. A título
exemplificativo o Objecto A ao colidir com o outro desloca-se para a esquerda, ou
ainda, aquando da colisão é apresentada uma mensagem. Isto significa que a colisão
entre os objectos apenas vai desencadear uma rotina que nada tem a ver directamente
com essa colisão – esta funciona como um gatilho, mas sendo esta acção possível, nada
de novo tem para acrescentar ao que já foi escrito.
A segunda possibilidade é a da interacção que permite desencadear um
acontecimento que seja directamente resultante da colisão entre os objectos. Neste
sentido e como até agora se entende ser possível retirar factores de velocidade e
direcção dos objectos ou de outros factores externos como a gravidade, a questão está
no modo como podem surgir novos dados que combinem com lógica todos os
anteriores, não passando estes de números.
A questão mantém-se a mesma, o Objecto A colide com o Objecto B e dá-se um
acontecimento. Mas esse acontecimento está directamente dependente de A e B para
poder ser executado. No problema específico aqui apresentado temos o Objecto A que
será considerado a bola e o Objecto B que será considerado o taco. O taco é controlado
pelo observador e a bola é movida por uma lógica que se altera quando esta entra em
contacto com o taco. O primeiro problema está em saber quando é que a bola entra em
contacto com o taco, mas esta premissa não será em muito analisada pois geralmente
existem comandos específicos para determinar este pormenor. Neste caso foi utilizado
um deles:
member("teste").model("teste:bola").addModifier(#collision)
member("teste").model("teste:bola").collision.mode = #mesh
member("teste").model("teste:bola").collision.resolve = TRUE
member("teste").registerForEvent(#collideWith, #bolacolisao, script "motor",
member("teste").model("teste:bola"))
79
Sendo os primeiros três comandos apenas para activar o comando de colisão, o
quarto é o mais relevante pois especifica que, quando existir colisão com o objecto
“teste:bola” serão executadas as ordens expressas em “#bolacolisão” que está dentro do
script “motor”. O problema será agora em organizar essas ordens de forma lógica e de
maneira a que a colisão seja verosímil: se considerarmos que a bola tem o vector (X,Y),
como é que em função do vector do taco (A,B) obtemos um novo vector (X1,Y1) para a
bola? Para além destes dados, mediante uma vez mais a utilização de um comando
específico, ainda conseguiremos auferir a normal do impacto:
on bolacolisao me, collisiondata
vectorcolisao = (collisiondata.collisionNormal)
Sucintamente, temos três vectores distintos e um deles vai ser decidido pelo
próprio e pelos outros dois. E se até aqui a parte matemática era acessível a qualquer
pessoa, para resolver este problema será necessário o recurso à matemática a um nível
mais avançado. Poderia eventualmente existir um comando que resolvesse este
problema tal como sucedeu no problema da colisão e aí, novamente, o desenhador
comum poderia continuar a programar facilmente. Outra opção seria a de colocar uma
parte de código que fosse mais complicada de executar nas mãos de um programador, o
que é uma prática corrente, por exemplo, em termos de trabalhos executados para a
Internet. Quando o executante da página não sabe como resolver uma determinada
questão de programação utiliza rotinas feitas por outras pessoas e adapta-as às suas
necessidades, o que em termos pedagógicos está correcto, pois é das maneiras mais
fáceis de se aprender a programar35
. A terceira opção é aquela em que se aprende
algumas fórmulas e conceitos matemáticos não elementares, mas principalmente, se vai
testando e aperfeiçoando várias rotinas, tal como num desenho.
Resta portanto tentar resolver um problema em que na maior parte dos casos o
desenhador comum não faz a mais pequena ideia de como resolvê-lo. Esta questão da
auto-superação e de se ser constantemente defrontado por questões que até então nunca
35
A cópia de códigos realizados por outras pessoas é um acto viciante e muitas vezes o modificador
acaba por nunca começar um código seu mas por adaptar outros códigos para si, o que em termos de
desenho nos coloca um problema a nível de criação do desenho.
80
foram resolvidas pelo desenhador, é mais uma das aproximações entre o desenho
tradicional e a programação. Temos então três dados que podem ser descritos da
seguinte maneira:
vector da bola (X,Y)
vector da normal de colisão (U,V)
vector do taco (A,B)
vector pretendido (X1,Y1)
Simplificando, vão-se tomar em linha de conta apenas o vector da bola e a
normal de colisão, pois de momento a velocidade e direcção do taco não são relevantes
para o cálculo da reflexão. Como tal:
vector da bola (X,Y) e
vector da normal de colisão (U,V)
vão dar origem a
vector pretendido (X1,Y1)
qualquer que seja o ângulo
Graficamente executado é extremamente simples de se perceber a lógica do
valor pretendido, ou seja, para obter X1 e Y1 basta fazer de UV um espelho, mas
mesmo assim não resulta pois falta ainda inverter o vector. O problema reside na
obtenção de dois valores a partir de quatro valores preexistentes, que sigam a lógica do
espelho, e isto, expresso de uma forma lógica e matemática.
A primeira tentativa de qualquer desenhador, sem formação específica em
matemática, seria a de aplicar todas as formas de somar, dividir, subtrair e multiplicar, e
passados alguns dias chegaria a duas conclusões: a primeira, de que por mais que
tentasse a partir de contas básicas o resultado nunca seria o pretendido; a segunda seria
taco
bola
X,Y
A,B
X1,Y1
U,V
X,Y X1,Y1 U,V
51. Esquema de reflexão
52. Esquema simplificado de reflexão
81
a de que apesar disso, existiria uma solução. E provavelmente este seria o único mas
fundamental estímulo necessário para que o desenhador continuasse com o seu desenho
interactivo, e pegasse nos livros e revisse definições matemáticas. A primeira coisa a
rever seria o que é um vector e como este se comporta. E então verificar-se-iam duas
situações:
um vector é definido por duas o que em termos angulares é equivalente
coordenadas: à figura, quando normalizado (magnitude
= 1 ):
Chega-se à seguinte conclusão fundamental para resolver o problema: quando
normalizado, as coordenadas de um vector são equivalentes ao seno e coseno por ele
formado. Logo ou se fazem contas simples para normalizar os vectores em questão ou
utiliza-se um comando equivalente:
vectorbolanormal = vectorbola.getNormalized()
Se os dois vectores em questão forem normalizados podemos então rodar o
ângulo que quisermos segundo uma operação matricial. O problema agora é definir o
ângulo α que se traduz da seguinte maneira:
x magnitude
(comprimento do vector)
x
y
y
cos α
sen α
raio=1
α
53. Definição de vector 54. Vector normalizado
82
vector da bola (X,Y)
vector da normal de colisão (U,V)
vector pretendido (X1,Y1)
Na realidade, α36
pode nem ser encontrado37
como vai ser o caso, mas para
resolver o problema, rodar X,Y por α é equivalente a rodar U,V pelo ângulo β formado
por X,Y e U,V. e assim se pode chegar a X1, Y1.
Então para resolver o ângulo β é feita a rotação β1 (roda-se X,Y segundo o ângulo U,V)
e obtém-se β2 que irá rodar o vector U,V. Um esquema gráfico pode ser observado na
figura 56 até 58.
Com isto fica concluído o cálculo da reflexão provocada pelo impacto da bola no
taco. Resta traduzir este cálculo em linguagem de programação e para isto, ter-se-ia
resumidamente de:
36
α é o angulo formado por X,Y e X1,Y1. 37
Nem era relevante encontrar α pois isso significaria que X1 e Y1 já eram conhecidos.
raio=1
α
X,Y X1,Y1
U,V
raio=1
β2 X,Y
U,V
raio=1
β2
X,Y
U,V
raio=1
β1 X,Y
U,V
β1
X1,Y2
55. Rotação de X,Y segundo α
56-58. Passos para uma rotação de X,Y em torno de
U,V
83
1.Considerar dois vectores:
A-vector inverso da direcção da bola, normalizado (descrito em cima
com as coordenadas X,Y)
B-vector da normal de colisão, normalizado (descrito em cima com as
coordenadas U,V)
2.Rodar A em função de B que dá origem a um vector C (cálculo matricial)
3.Rodar B em função de C (cálculo matricial)
4.Equivaler A a C (para a bola adquirir a sua nova direcção)
Resta então descrever tecnicamente o cálculo matricial e reduzir o mesmo a
simples operações matemáticas. Se repararmos na matriz geral de rotação verificamos
que para se rodar um determinado objecto, neste caso um vector, temos que:
[X,Y] * cosα senα X,Y - a coordenada a transformar
-senα cosα α - o ângulo da transformação
Neste caso, como se pôde verificar, o vector que vai rodar encontra-se
normalizado, tanto o seno como o coseno do ângulo de rotação equivalem às próprias
coordenadas do vector. Então temos:
[X,Y] * U V X,Y - a coordenada a transformar
-V U U,V - o ângulo da transformação
Para finalizar, resta referir que para esta fórmula funcionar falta inverter a
rotação pois se aplicarmos a rotação através da matriz com a fórmula geral de rotação,38
verificamos que esta se dá no sentido inverso ao dos ponteiros do relógio. E podendo
parecer um problema perfeitamente acessível, acaba por tornar-se difícil de resolver por
uma pessoa que não tenha conhecimentos de matemática, pois essa matriz raramente é
38
Vd. RIBEIRO, C.T. “Geometria Projectiva - Conceitos, Metodologias, Aplicações”, Editora Europress,
1992. pp. 350-364.
84
dada como exemplo nos manuais de matemática ou geometria, e como tal o utilizador
desses manuais terá de chegar à sua própria conclusão. O que provavelmente para um
matemático não apresenta problema algum. E para um desenhador? Curiosamente aqui
aparece ainda outro paralelo com o desenho convencional: o uso da perseverança e
alguma sorte. Ou talvez a perseverança faça a sorte. Após um maior ou menor número
de tentativas na resolução do problema, na maior parte dos casos através da
tentativa/erro, eventualmente acabar-se-ia por encontrar a solução, que depois pareceria
simples ou mesmo demasiadamente simples. Neste caso bastaria inverter o valor do
seno que equivale à coordenada vertical do vector. Então:
[X,Y] * U -V X,Y - a coordenada a transformar
V U U,V - o angulo da transformação
Agora com a parte matemática finalmente resolvida (pelo menos na parte da
nova direcção da bola) resta a redução a comandos básicos e então para resolver uma
operação matricial temos:
X=X.U+Y.V e Y=X.(-V)+Y.U
E a linha apresentada em cima já é extremamente simples de inserir em qualquer
linguagem de programação. Mas para além do sentido da nova trajectória da bola
convém que a mesma de momento mantenha a velocidade o que não acontece pois os
vectores encontram-se normalizados. Como tal a magnitude do vector da bola antes da
transformação será preservada numa variável vectorbolamag que no final da rotina irá
multiplicar o vector obtido após as duas rotações. Assim sendo:
on bolacolisao me, collisiondata
vectorbolamag = vectorbola.magnitude
vectorcolisao = (collisiondata.collisionNormal)
85
primeira rotação
bolacol.x = (vectorbolanormal.x*vectorcolisao.x)
+(vectorbolanormal.y*vectorcolisao.y)
bolacol.y = (vectorbolanormal.x*-(vectorcolisao.y))
+(vectorbolanormal.y*vectorcolisao.x)
segunda rotação
reflexao.x = (vectorcolisao.x*bolacol.x)+(vectorcolisao.y*bolacol.y)
reflexao.y = (vectorcolisao.x*-(bolacol.y))+(vectorcolisao.y*bolacol.x)
reflexao = vectorbolamag*(reflexao)
end
Como se pode verificar toda esta operação foi resolvida em 9 linhas de
programação. O que significa que não é uma operação minimamente complexa para um
computador realizar, mesmo tratando-se de uma rotina de programação executada 50
vezes por segundo.
Para finalizar a parte da interacção e mais concretamente deste exemplo
específico, falta ao vector resultante desta operação (que será o movimento descrito pela
bola após colisão com o taco) a influência da velocidade do taco. Mas aqui o problema
pode ser facilmente resolvido a partir da soma do vector que move o taco com o vector
pós-colisão que move a bola. Resultado, a bola muda ligeiramente de direcção
consoante o movimento descrito pelo taco, e adquire a força deste somada à sua própria
força, como era previsto. Falta aplicar ainda alguns detalhes a esta rotina específica,
como o atrito sofrido pela bola e a gravidade, mas neste momento e como se trata
apenas de um exemplo pode-se chegar a essas mesmas conclusões se o modo de mover
o objecto for tomado em conta.
Estando a parte do movimento resolvida, podemos ainda acrescentar outros
factores que contribuam para melhorar a sua percepção ou para simular outros
acontecimentos possíveis. Para uma abordagem simples consideremos que a bola para
além de se mover produzia um rasto como se tratasse de uma luz em movimento. Esta
86
técnica é particularmente útil como já se viu na tradução de movimento num desenho
estático, mas também pode ser útil num desenho programado por motivos estéticos, ou
até motivos de percepção do movimento, quando este se torna demasiado rápido. De
qualquer forma o problema é de simples resolução. O primeiro passo será tomar em
conta apenas um objecto e fazer vários clones que sejam progressivamente mais
transparentes. O segundo passo é colocar por ordem os clones semitransparentes do
objecto nos espaços anteriormente ocupados por este. Resultado: se o objecto está num
determinado espaço, o seu clone menos transparente irá ocupar o espaço em que ele
esteve anteriormente, o clone a seguir irá ocupar o espaço em que o clone menos
transparente esteve anteriormente, e assim sucessivamente. O que em termos de
linguagem de programação não é particularmente difícil de executar; trata-se apenas de
colocar os objectos pela ordem correcta. Assim para oito clones, numa dimensão X,
teríamos:
as posições dos clones seriam guardadas em variáveis
d2x = member("teste").model("teste:d1").worldposition.x
d3x = member("teste").model("teste:d2").worldposition.x
d4x = member("teste").model("teste:d3").worldposition.x
d5x = member("teste").model("teste:d4").worldposition.x
d6x = member("teste").model("teste:d5").worldposition.x
d7x = member("teste").model("teste:d6").worldposition.x
d8x = member("teste").model("teste:d7").worldposition.x
e essas variaveis iriam corresponder ao clone posterior
member("teste").model("teste:d1").worldposition.x = d1x
member("teste").model("teste:d2").worldposition.x = d2x
member("teste").model("teste:d3").worldposition.x = d3x
member("teste").model("teste:d4").worldposition.x = d4x
member("teste").model("teste:d5").worldposition.x = d5x
member("teste").model("teste:d6").worldposition.x = d6x
member("teste").model("teste:d7").worldposition.x = d7x
member("teste ").model("teste:d8").worldposition.x = d8x
87
Esta repetição de comandos aliada à construção de clones do objecto resolvia
facilmente o rasto do objecto.
Como conclusão podemos admitir que programar acaba por não ser nem muito
complicado, nem requer uma grande base de conhecimentos de matemática ou lógica
matemática. Como processo construtivo que é acaba por existir um grande paralelismo
entre a programação e o próprio desenho. Desde o horror ao vazio, a experimentação, o
erro, a incerteza do resultado, a constante mutação, tudo isto é comum à programação e
ao desenho convencional. Um lida com um léxico próprio das linguagens de
computador, outro com grafismos. O resultado seria o mesmo, não pudesse o desenho
programado interagir com o observador, e esta é a sua vantagem. Como desvantagem
principal tem o tempo despendido para fazer as mais pequenas rotinas.
59 e 60. Resultado de interactividade a partir dos exemplos de programação dados. A figura da esquerda sem
rastos e a figura da direita com a rotina descrita acima aplicada.
88
VII.CONCLUSÃO
O desenho digital encontra-se numa fase ambígua onde tanto pode ser
considerado desenho artístico como não. Aparentemente, quando se observa um
desenho digital que obedeça a uma estética de surpreender o observador, como no caso
dos efeitos especiais para filmes, a maior parte dos desenhadores não hesita em admirar
os seus feitos, mas de um ponto de vista mais pessoal o desdém pelos meios digitais é
notório – nada se compara ao lápis ou ao pincel. Se por um lado o desenho digital é
admirável, este só servirá para fazer truques de magia a partir de grandes empresas
cinematográficas ou então é um desenho de engenharia. A maior parte dos desenhadores
estabelecidos com fins artísticos não considera vir algum dia a utilizar o computador
para realizar desenho artístico; quanto muito fará umas brincadeiras com um programa
de desenho. Parte das novas gerações não tem este tipo de preconceito, chegando a
desenhar tão frequentemente com o computador como sem ele. Por vezes, até há quem
desenhe mais no computador do que no papel. Portanto será apenas uma questão de
tempo até que esta visão de maioridade artística do desenho por computador se
estabeleça.
Com uma visão mais estabelecida sobre o desenho digital, também virá uma
maior exigência. É certo que hoje em dia qualquer pessoa pode utilizar recursos
informáticos para fazer o que costumava fazer analogicamente, inclusive desenhar. E
essa facilidade e generalização de um meio acarretam dois factores: uma produção de
desenho digital muito elevada e consequentemente uma produção maioritariamente de
fraca qualidade. Já aconteceu com a fotografia aquando da sua generalização pública.
Mas esta produção de fraca qualidade é o que vai provocar uma maior exigência ao
desenho artístico, pois se é certo que toda a gente pode desenhar no computador, nem
toda a gente o faz devidamente. Só com o conhecimento do que é fraco se pode
distinguir o que será desenho artístico digital. Esta dicotomia vai implicar que o
observador, ao contemplar um desenho em computador e estando já habituado a ver
produção digital, não vai perder tempo para questionar se foi realizado em computador
ou não; pelo contrário, vai preocupar-se exclusivamente com o lado estético da obra.
Quer dizer que é irrelevante se ela foi feita em computador ou noutro meio. E é esta
irrelevância que faz com que o desenho digital possa ser artístico, porque a dimensão
artística do desenho não está no meio físico em que é apresentado.
89
Neste sentido, procurou-se com o presente trabalho demonstrar que grande parte
do processo do desenho se baseia mais em processos cognitivos do que propriamente
em processos técnicos. Não obstante, a vertente técnica é fundamental para que o
desenho exista e neste caso a vertente técnica é digital. Desde o ponto três ao ponto seis
da presente dissertação são focados estes dois factores, onde se pretendeu primeiro a
partir de um ponto de vista teórico estabelecer o processo do desenho e posteriormente a
sua realização digital. Aqui a utilização de exemplos foi fundamental pois graças a eles
pudemos estabelecer uma análise mais detalhada de todo este processo. Nestes pontos
pôde verificar-se que o processo de cognição utilizado pelo desenho digital acaba por
ser idêntico ao dos processos analógicos, e que a realização digital acaba por não ser
muito complicada quando se domina a técnica especifica deste meio. Se no ponto 3.2
foram referidos os erros mais comuns atribuídos ao desenho digital, onde existe uma
estética vigente foto realista, e os processos construtivos acabam por ser mais um
seguimento de passos preestabelecidos do que propriamente uma modelação
tridimensional, nos pontos seguintes todo o desenho tridimensional e a própria
programação acabam por se adaptar com sucesso à definição de desenho artístico,
definição essa explanada no ponto 2.
O desenho por superfície tridimensional acaba por ter um grande paralelismo
com os processos do desenho ligados à memória, à experimentação, ao erro, à
correcção, e à realização do desenho. Por sua vez o desenho linear está ligado a uma
construção mais geométrica, mais pensada, mas que pode servir sem problema algum o
intuito do desenho artístico. Aqui pode-se notar a relação estreita entre o desenho e a
obsessão, a necessidade de expor uma ideia com clareza e todos os erros inerentes a este
facto.
No capítulo da programação, que não é possível de realizar analogicamente, é de
notar o processo de eliminação de problemas e a auto superação do desenhador. A auto
superação é um dos factores importantes em todo o desenho, pois este existe para
produção de conhecimento – para a realização de uma ideia. Todos estes métodos de
desenhar no computador acabam não só por estar ligados entre si, como também
possivelmente unidos ao desenho artístico através do erro.
Geralmente o erro nunca aparece associado ao desenho digital, que é
considerado geometricamente perfeito e sem expressão. Mas como se pode verificar o
erro está implícito em todo o desenho digital e no próprio desenho artístico
convencional. Todo o desenho está necessariamente cheio de erros, e entenda-se por
90
“erros” todas as faltas do desenho. O desenho é desenho porque é errado ou, por outras
palavras, será progressivamente certo. Quando a dúvida desaparecer com ela
desaparecerá o desenho que acaba por se transformar numa aplicação deste. Daí a
importância do tempo do desenho, que está necessariamente ligado à resolução de cada
desenho. Sendo isto também verificável no desenho digital, este pode adquirir qualquer
denominação de desenho, inclusive a denominação de “desenho artístico”. Se é
expressivo ou não, se é geométrico, se utiliza uma determinada técnica digital, se tem
cor, se é a preto e branco, todos estes factores acabam por ser indiferentes: o que nos faz
desenhar é a vontade de saber mais.
91
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