de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
Edson Bueno de Camargo
de Lembranças
&
Fórmulas Mágicas
Edições Tigre Azul
Prólogo.
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
Lembro de minha avó paterna cozinhando feijão, em um fogão de lenha, no rés do chão aos fundos de sua grande casa em Rio Claro, um tanto improvisado, quase uma trempe. Lembro da fumaça que a envolvia e na minha visão de criança tudo era mágico. Os seus santos espalhados por toda a casa, seus benzimentos meio que escondidos, seus chás e mezinhas os quais o mais importante era o famoso chá de ferradura, que envolvia leite, hortelã e uma ferradura incandescente. Minha avó nos amava ao seu modo silencioso, nunca lembro de ter me dito uma palavra de carinho, nunca lembro de ter feito uma repreensão. Em contraposição ao olhar severo de meu avô (que em compensação a tudo de nós era conivente), seu olhar era terno, triste mas resignado, profundo e misterioso. É triste lembrar de minha irmã e eu pedindo açúcar cristal para comer como se fosse um doce, criança da cidade desvendando o mistério do campo. Hoje nem minha avó nem minha irmã podem testemunhar em meu favor, pertencem a um outro plano, mais simples e mais completo que o nosso. O mundo das lembranças começa a ficar envolto em névoas, e começo a lembrar de coisas que não aconteceram, e algumas outras que ainda estão por acontecer.
Lembro de minha avó materna desde meus primeiros dias, de quando não deveria me lembrar de nada, foi ela que curou meu umbigo, deu meus primeiros banhos. Cuidou de mim em minhas primeiras febres, me criou ao seu modo medieval e cristão enquanto minha mãe dava seu tributo à fábrica. Fui uma criança doente e acredito que por alguns momentos duvidou que aquele menino bronquitivo e verminoso fosse vingar. Naqueles dias crianças morriam como moscas, e havia muito mais moscas que crianças. Quando nos mudamos para nossa própria casa à alguns quarteirões, a visitava praticamente todos os dias, na certeza de sempre encontrar um doce de abóbora, curau, doce de leite talhado e umas e outras tantas guloseimas, era faminto por comida e carinho. Minha avó foi perdendo o olhar para dentro a medida que a loucura lhe tomava a sanidade. Nada perdia, cada detalhe absorvido e analisado, sabia de tudo, e para tudo tinha uma opinião, mesmo próximo a morte e com a consciência turvada pela loucura.
Somos o resultado de todos que vieram antes de nós, daí a grande mágica que é estar vivo, sermos entes animados e respiradores de ar. A vida não tem explicação por si mesma, explicamos o corpo e o funcionamento quase mecânico de seus órgãos internos, da concepção, até a hora da morte, mas o grande mistério não é resolvido, porque um punhado de carbono e água passa a ser animado? Nossa existência no mundo é de tal precariedade que nos agarramos às lembranças como maneira de nos sentirmos vivos e pertencentes aos lugares e as coisas. A magia mais fantástica de todas está a nossa volta e são nossos antecessores que nos dão as pistas para desvendá-la. Carrego em mim os olhares de minhas avozinhas e na ausência destas é o meu olhar que dará à minha filha e ao meu neto meu aprendizado impreciso. Hoje sou o ancestral, herdeiro e responsável pelas ancestralidades que me precederam. Um elo na corrente que foi encadeado no princípio de tudo e que seguirá até o incerto, o fim de todas as coisas.
Edson Bueno de Camargo
Dedico,
a todos que me precederam e aos que estão por vir3
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ao meu clã e todos que estão sob sua proteção
às minhas avós Maria Julia e Mercedes
aos seus olhares
aos meus avôs José e António que sustentam minhas pernas
aos meus pais Emídio e Eunice, que não entendem bem o que é ter um filho poeta
ao meu neto André e a seus pais Sarah e Marlon
a minha amada companheira Cecília
à todos os membros da Taba de Corumbê em deferência ao poeta Domingos Arnaldo Bedeschi que em sua ausência nos deixa saudades
hoje todos estes estão mortos
Manoel Rodrigues de Carvalhoportuguês de nascimento
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teve o filho José Rodrigues de Carvalhomeu tataravôcujo nome da mãe não me chegou a estes dias
José casou-sejá na Bahia, em Riacho de Santanacom a índia pega a laçobatizada Clementina Maria de Jesusseu nome primeiro também no vento das eras se perdeu
conquistada a poder de panos e jóiasteve vários filhosLaudelino, Laura, Isaura, Jovelina, Mercedes, e uma outra meninacujo nome não nos chegou
Laudelino Rodrigues Carvalhomeu bisavôrompeu o chão do sertãoe passo por passoveio parar em São Pauloaqui trabalhou como um doidomas pela sua inteligência e perspicáciaestudou e enricou
conheceu Dona Adíliacom quem se casouque lhe deu três filhos
um deles minha avóMercedesque me olhava com olhos profundoscomo se visse minha almadentro do meu parco corpo
hoje todos estes estão mortosjá se vão dois séculos de históriaseis gerações lhe observamleitor
Exercício de Memória II.
o que este menino pequenofaz debaixo da máquina de costura?
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(uma Leonam comprada usada)em seu mundo particularcom seus silêncios e pequenos objetospalitos de fósforo queimados e suas caixas,caixas e vidros de remédio vazioscatados na casa da avóo grande quintal de explorações
parece que brinca com o areste censo rarefeito de levezase abriga da solidão dos diase das noites não dormidas(algo o espreitava do escuro)
uma velha mala carcomidaé sua arca do tesouroseus pertencestodos sempre bem guardadoscomo se tivesse semprearquitetando uma fugacomo se tivesse que se refugiardo tempo e do medo
crescer é uma questão de tempocom corpo em crescimentoas dúvidas assaltandojá não quer mais ir a igrejajá não consegue confiar em DeusEste já não lhe responde
mas a solidão permaneceum vazio escuro e friouma inconseqüência, se jogar para frentesem planos e projetos
pulou da infância a fábricaquebrou os objetos e a mágicaabandonou seus poucos brinquedos
o que faz este rapazcom seus livros debaixo do braço?suas certeza e bandeiras vermelhascaminha pelo mundocom sonhos de “viramundo”
ama a revoluçãoencontrou uma soluçãopara consertar o mundo
guardou em uma pequena caixaque construiu com cuidado,mas ficou um tanto quanto torta,uns dois ou três objetos, talvez mais se bem se lembra
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um guizo de cascavel, tipos de impressão,uma forquilha de estilingue feita de mamoeiro,um pequeno caderno de endereços pretocom um poucas anotaçõesmas nenhum endereçoe outras coisas perdidas na memória e de fato(um dia entregou a caixa e objetos coletados com o tempoa única filha, como quem confia uma herança)
a paternidade precoceum trágico acidentea responsabilidade de uma casasem projetos, sem futuro, só a certeza do amor verdadeiro
quem é este homemdiante de um espelho?rugas de expressão, cabelos e barbas brancas,carrega um velho cansaço,não se ilude mais com promessas de mudanças rápidas e certeiras,o mundo ganhou mais complexidade,nunca acreditou em milagres,talvez esteja perdendo, sua fé na humanidade,
mas mantémescondido em algum canto obscuromeio envergonhadosem jeitopor ser tão fora de moda
a última esperançaaquela, a que teima em não morrer.
Corredores.
nos corredores úmidos da fábricaescuro que as fracas lâmpadas não venciam
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a argila batida nas “marombas” e “tamborões”
o cheiro acre nas ventaso cinza sujo nas roupaso pó branco e fino, nos cabelos
nas frinchas das velhas vigas, os ratos nos observavamolhos negros na sombra
passei a esmo, o resto de infância e a adolescência na fábricano ruído das correias, o baque seco do pedal do tornoa louça branco tingida de vermelho sangueo peso das prateleiras e carrinhos
ali sonhei meus primeiros sonhose deixei de acreditar um pouquinho a cada dia
O Apito.
verde,tudo era invariavelmente
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pintado desta cor
portas, portarias,armários,maquinários, carrinhos de louça,caminhões
um verde escurosobre as superfícies de ferro e encanamentos
verde claro contrastando com cinzanas paredes dos prédios e galpões(algo cheira a nazismo)
paredes envelhecidasmuros altos e aramadosuma densa ramagemheras e sebesos recobriam em diversos pontos
ainda ressoaem meus ouvidos apressadosem sonhos e pesadelos
o apito da fábricaa se apossar do silênciode todas as manhãs
Gavetas de Guardados.
meninos correndo buliçososnas ruas de pedras inocentes
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de corte preciso e exato
granitos históricoscaminhosmuito percorridos
dentro da velha casaparedes brancas e encardidaso quarto semi escurecido teias e picomãs
gavetas de guardadosgrampos de cabelo enferrujadosprojéteis da revoluçãobulas de remédioanotações inconclusas e inúteis
Vitório Veneto – Casa.
há sempre uma velha casaem um ou outro poema meu
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reconheço um ou outro detalheda casa de minha avóonde quase nascie não existe mais
o que faço para me libertar do passadose a memória me assalta em sonhose também nos pesadelos
como demoli-latijolos e caliça caindo ao chãoas telhas francesas esverdeadas de musgonuma nuvem de poeiratrágicas lágrimas e lamentos(ouço a tosse de minha vó a noite) o jardim de sempre-vivasa roseira selvagem e espinhuda
tenho que convencê-la que já morreunão existe maisa não ser neste lembrançaque não quer me libertar
Rua Vitório Veneto –1969.
há uma rua que não me sai da cabeçaaquela em que nasci
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Rua Vitório VenetoVila Nossa Senhora das Vitórias
não esta que existe agoravia asfaltada, transito mão de direçãoassaltos a mão armadatodos os benefícios da modernidade
a das minhas recordaçõesera de chão batidocasas velhas rachadase reboque caindo
jardins de sempre-vivas, onze-horas,degraus de cimento vermelhoe portões verdes(igual o verde da fábrica)
esgotos e águas servidas correndo em valasgalinhas ciscando e cães, soltos
e nós livres como o ventocorrendo na poeiraou chafurdando na lama da chuva
Rua Vitório Veneto P&B.
por que minhas lembrançassão sempre em preto e branco?
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será que algo se perdeu com a passagem do tempo
tendo a imaginar um passado sem coresrostos em sépia e desbotados
avós e avôs poeirentos e amarelecidostios e primos que nunca conhecioutros que não tenho mais o nome de memória
o velho caminhão do meu avô(que na verdade, era só o motorista) este sim, me lembro bem, era verdeum velho Mercedes Bens alemãoque ele vinha dirigindo da fábricaestacionando em frente a nossa casa
a rua de terraas cercas de ripaso esgoto correndo nas valasos cães e galinhas soltos nas ruas
a barroca, as bananeiraso córrego pútrido de esgotosesconderijos secretos e amoreiras silvestres
e nós de calças curtaspés descalçosperdidos em nossa inocência hoje continuo perdidomas já não tenho mais a inocência
Cemitério da Vila Vitória.
brincadeiras infantiso auto falante da igreja
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tocava uma canção do Taiguara
aqui o silêncioentre os mármores e granitos encardidoscruzes e anjos sem narizcapim brotado em espigasgargalhadas e conversas lá fora
o cruzeiroe velas ardentesum cheiro indecifrável
aquele verão não volta maisnem o seguinte
calor do meio do dia insuportávelbrincadeiras entre os túmulosesconde-escondecom um certo receioum medo escondido sem revelar(todos tinham, porém ninguém admitia)
havia a estatua da santaque meu amigo jurou que se mexeuacompanhava com o rosto quem a fitasseaté hoje passo ali com arrepios na espinha
o tempo passouagora só volto ali por obrigaçãofujo daquele lugartenho medo, agora admito
temoque eu entre para ficar
Rememória.
vendedores de bijumatracas a avisar
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contava as moedasparcas e poucasnem sempre dava
havia o vendedor de alhocom seu pregão cantado“olha o alho, allheiroooo”tinha um que tocava uma cornetamas não me lembro mais o que vendia
havia um sorveteiroque trocava o produto por garrafas velhasenquanto empurrava a carrinhofazia um barulho engraçado
na casa da Rua Riachueloquase todos os diasna esquina com a Alberto Brancoo vendedor de algodão docecom seu carrinho brancocom uma engenhoca tocada a pedalaos nove anos de idade estas coisas são fascinantes
minha irmã não podia verque se enchia de desejoàs vezes até tinha uns trocadose lá estávamos nóscom aquelas bolas grandes e brancas de algodão docee ainda ganhava-se uma decalcomania com desenhos infantis
minha irmã já não está dentre nóspara confirmar e ajudar a lembrar
do espanhol com sua charretinhapuxada por um pangaré manco e magrovendia peixes a granel“olha a sardinha, pintado, cavala, viva, viva!”
onde estarão agora estas pessoasalém de estarem presas a minhas reminiscências
Genealogia.
meu avô15
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desembarcou na plataformado trem que vinha de São Paulocom a miséria na bagagemdoençauns trastesquase nenhuma roupaa mulher e uma ninhada de filhos(entre eles minha mãe com quatro anos de idade)uma carta de apresentação para uma igreja evangélicae a fé que tudo iria melhorar
foram muitos anos difíceisvi um dia distraídoem seus olhos brilhanteso orgulho da prole de se multiplicarae em muito progrediradaquele dia em 1944
anos depois, final dos anos 50na mesma plataformadesce meu paique vinha em busca de trabalhopara morar na casa de meu tiologo começou a trabalhar
a cidade era fria e úmidamas, nunca mais olhou para trazMinas Gerais virou um mundo distante
conheceram-se na fábricameu pai e minha mãena mesma fábrica em que fui geradominha mãe na produção, onde quase nascionde trabalhei nas máquinas pintadas de verdeminha irmã tambémmeu avô e meus tios e seus filhosmeus primeiros amigos e também os inimigos
hoje a fábrica agonizatrabalhei em outros lugarespassou o tempo, casei, tenho uma filhaprofessora, nunca pisará no chão de uma fábrica (?)
nunca tive uma fé igual ao meu avô
ranger de dentes
ouço um bater de objetos 16
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e ranger de dentesatrás da porta alguma coisaa bulir no sótãotentando sair
mas nem olho para aquele ladosei muito bem o que está lá
são fantasmas do passadoque teimam em se libertaros tranquei a muitoeles que fiquem no seu devido lugar
o chá servido
o chá servido as fadas17
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mais doce e mais suave (de rosas?)em minúsculas xícarasespera na clareirapelo sol iluminada
meninas sorridentes espreitama sua alegre armadilhatravessura de fim de tarde
pedra de toqueesquecida no fundo de uma gaveta
promessas de ouro escondidapapéisvelhas escritas indecifráveisduas moedas de prata do impériouma semente de romãsimpatia a muita olvidada
efemérides
minha mulher coleciona efemérides18
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que eu cuidadosamente escondoà surdina em um baú trancado a chaves
vez por outranum descuidouma escapa
e se planta em seus olhos suavescomo mágoa cristalizada chorarmanchando de pranto o globo ocular
e cada gota de lágrimapuro soro e salé como agulha no meu coração
Nova Casa.
enterrarei nas fundações de minha nova casa19
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todas as pedras miúdas e pequenas conchasque tem trazido com o tempo de tantos lugares
com isto amareiesta casacomo te amoeste tetocomo um abraço
(Estalagem Mercado do Pouso – Parati-RJ)
estrito senso
“ o imperador adorava20
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liquens no jardimde pedras”
Guilherme Primo Vidotto Jr.
estrito senso
rompida da aurorameses chuvososmeias atrás da geladeiraanos passados a vento
nós atados aos galhosmaçãs na memória do temporomãs no jardim esquecido
remoinhos de ventoobservadosda porta da sala
ouro outro
ouro outro21
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temponas vergas de um velho salgueirodeslocamento do ar
dona “Adília” assunta o céu- Vai chover minha filha –
a pequenina “Mercedes” recolhe o quase nadarotos arremedos de brinquedoscorre para dentro
daquela nova casa de hojenão entende por que não tem parada em lugaralgum
Ouvidos de gato.
minha vó22
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com ouvidos de gatoouvia toda a casa
rangidosda memória do sol
euobservava aranhas tecendo a morte de pequenos insetosnos esteios(a velha casa não tinha forro)
troncos roliços enegrecidos de fumaçafogão de lenhafumegando as brasas
as velhas telhasabrigavam ninhos e nichosme assombravam criaturas invisíveis
Um Domingo.
compota de pêssego verde23
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um travo no gostorecordação
minha mãena cozinhaàs voltas com o fogãoo cheiro forte me enjoa
um domingoperdido no passado
acordei tarde e de ressaca de vinhoum gosto horrível na bocaum promessa que não vou cumprir
um trem
um trem manobra perto daqui24
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deitado na camasem sono
na salapoltronas esperam
como mesinha de centroum baú de ossos
branca calva de caveira
no porão desta casaum pássaro que não dorme
um universo de rumorespercorre as paredes
Nova.
corrente subterrânea25
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subúrbios da memória
rochas de fadacaminho no bosque
códices/ tropeço da língua
teurgos malabaristasbrincam com o tempo e o vento
vértices suspensos
felizes os poetas que morrem cedo
o homem que vejo no espelho26
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(não é meu paio pai é do Mario Quintana)
metido em um cardigam marromme passa a impressãoque o cadáver que foi dono da blusaera menor
mais magro com certeza“conheci-o ainda jovem”já morreu por certoeste outro
pobre sonhadornão encontrariaregaço neste nosso novo mundo
felizes os poetas que morrem cedonão precisam rever seus próprios conceitos
planos /asas
minhas fortalezas27
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na pedra bruta assentadaspor terra ruíram(muralha de Jericó revisitadas)
afundaramcouraçados enferrujadosbarcos de papel na chuva
meus sonhos de meninodesabaram(depois dissome esqueci dos mesmos)
até meu inimigo (invisível)teve pena de mime me abandonou
arranquei meus planos /asascomo capim que dobra o vento
uma caixa
a maneira de Mario Quintana.28
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arrumando o velho sótãoachei uma caixa velha /empoeiradacheira de anacronismos e recortes de jornais
fechei-a num sobressaltoe escondi sob os escombros e traquitanas
achei que fossem aforismosprestes a me condenar
tijolos, barro e cal
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por que essa casaque já não existe maisvolta sempre à memória?
habita presente o sonho(recorrente)
tijolos, barro e cal
a pequena varandade cimento vermelho
três degraus para a casadois para a rua
a caminho da fábricaminha mãe se voltou para mime sorriu
Totem de vidro.
passagem de fogo30
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totem de vidroágua de geodo
sopro do dragãocongelado na pedrarubi escarnado
encravado no anel puro cristal transparentefruto o fogo e do sal
dordolhos
timbó 31
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curareé coisa de índioou troça de preto (véio)
tumescênciadormênciasonolência /indolênciamoléstia de mato
picada de inseto pólvoramicuimpiolhocobra de vidroolho de cabraserpente de guizomordida de cascavel
dordolhosfebre terçã(úmida) (seca)
bacia de sal grosso ao solbranco de doer os olhos
alho e óleo perfumadoguiné e espada de são jorgereza de quebrar quebrante
e só
cozinhando feijão
nunca viu32
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sua bisavófilha
cozinhando feijãoem panela de ferro de três pésno braseiro que haviano fundo da casa grande
se sentes hojecompelida a dotes de bruxatalvez também deva a ela
em meio a vapores e fumaça da lenhacompletando a águaamassando alhosassuntando o tempopor entre os galhos das jabuticabeirasnos benzia o tempo todode mal olhado e de banzo de criança
minha vó cosia bordados infinitosem panos vindos de Santa Catarinacabelos brancos revoltosóculos na ponta do nariz
a casa na cidade nunca foi bem ao seu gostofoi adaptando os ares de sítiohorta, fogão improvisado no quintalseus santos em altares espalhados pela casa
se bem que o que não esqueçoera seu olhar de descansoseu sorriso curtoquase infantil
minha vóera a madrinha que eu nunca tive
lagartos ao sol
uma lagartixa sem cauda33
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saindo do poço do elevadorindiferente
caminha na minha frente
ao perigo possível (humano)de minha presença
desdenha
lagartos ao solsão criatura ignóbeis e bizarras
(ao modo de Manoel de Barros)
lagartixas não se atrevemsenão morrem
teiú atravessou a estrada
no caminho de José Bonifácio
no veio de minhalembrança
teiús e lagartixasse irmanam
(no deboche)
nunca vi tal criatura
todas as noites34
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recebo uma visitamesmo naquelas de vigília
há um fantasmaque subconscienteaflora de um inferno ( imaginário? )
nunca vi tal criaturasei de sua ronda
pelo quartoem torno de minha cama
de seus passos pesadosa profunda respiração
como uma criançaassustada
cubro a cabeça com lençóisesperando que dê sua hora
que o galo cantandolhe mande embora
temo que se ver meus olhosdeite sobre mim
e devore-os
conteúdo verde-azulado
suporte35
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para chapéus e guarda-chuvasante
portas que dão para o nada
caldeiras fervendoconteúdo verde-azulado
bruxedos ou sopa primordialchamas espectrais
degraus vermelhos
degraus vermelhos36
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duro cimento queimadoliso, frio e úmido
a velha casanão estásó a sombrade sua aparição
a ruaessa ainda estámas não a mesmame parece outra
a casa também talvez estejaescondida sob a outranão, não,foi demolida tendo certezavaranda e degraus vermelhos
uivo de cãolembrança primevaafunda aos primórdios
ainda há meninosuns poucos e escassos
na dobra do tempotudo sempre quer voltarmas, não
todos os dias
mesmo que me acolhe37
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a febreo ventoe os corredores
todos os diascomo ritualse alumbram porões
lâmpadas incandescentescercadas por monjas jovens
água de cabaçasenso de direção torcidopara depoisse iluminar mais leve
outroainda nesta carreiraencontrei formiga“andando ao lado da casa”que poderiam ser cigarrasde tão invisíveis
nestes diaschove mais devagare todos os guarda-chuvassão azuisde desbotados
como se o velho pretonão fosse mais cor
doutra feitaminha vó entregou-me um punhado de cinzastirada norma da borralha
tudonunca fez o melhor sentido
quando falar sem palavrasera o mais ouvido
toda casa
toda casa38
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tardefindo diaamarelece o chãonas folhas de outono
não parteo veio bruto
da pedramontanhapequeninas para a vistaimagemcabe dentro dos dedos
o olhar constróio que cintila o vermelhoprevendoque dará a noite
o escuroe vaga-lumes
não é por desleixocavo a luamais adianteentre as copasonde abrem os seus braços
o último ouroos galoslimparam do quintaldepois empoleiraram no telhado do fornopara na manhã acordar outro dia
minha vóé só lembrançaaos poucos se desvanecefeito foto antiga
o mercúriose verte em mancha amarela(sépia, me disseram um dia)enquanto grilos e cigarrinhasroem os bagos do trigo
sepulcroscemitériosonde se misturam sentimentos
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de paz e tristeza
cada túmulo uma história interrompidauma outra começada
crisântemos vermelhospelo aniversário
alamedas de sibipirunasfazem do chãoum tapete de cimento e pequenas folhas
aqui tudo revela tranqüilidadenão mais o medolá foraautomóveise conversas indiscretas
uma criançase aproxima sorrateirae depois desaparece
ressurge mais adiantecom uma vassoura na mãovarrem os sepulcrosdas flores amarelas,ganham uns trocados
quando era criançamal passava em frenteao cemitério
hoje visito velhos amigosnem quero me dar contaque esse será meu endereço
as meninassobem sobre tumbase riem se divertindonão tem o menor temor
antes se derramasse
antes se derramasse40
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o leitenas fervurasrompesse o folenum berço em brasas
o que ouço do fogonão alimenta antes
breves peregrinose suas vieirasnão encontrarão abrigonesse dia
tocarão rabecas encantadase nenhum será suficiente
cantam joões de barrona tentativade encontrar uma fêmeamas estasestão indiferentesneste verãoque se vestede primavera tardia
não há maisgrossas colunas de fumaçachaminésapenas uma únicae derradeirafábrica fantasma
braços e pernas
braços e pernas41
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te comandam
te acomodasno caminho que perfazes
não sabes onde vai dar
observas um meninoque traz à mãoalgo brinquedo
hora feridotalvez segredo
o degredo lhe destesa outro tempo
hora o lastimastesdoutra o olvidastesagora te assombrano teu desejo
ede todoacreditasque tu é ele
(mas não mais serás,nunca)
de lembranças e fórmulas mágicas
bicho folhatalo seco de mamão
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bicho galho taturanasmato seco
quintal
amoreirasdo vermelho ao roxose pintambarrocabananeiras e esconderijos pés descalçoscabelos ruivos (que escureceram)
o vento é tão livreque a vida nem tem sentido
o galo atentogalinhas e pintainhosvigiar o portão da horta
permanente vigília
canteiro de almeirão ( que aprendi a comer com meu avô)couvessalsa e hortelãmastigar alho em folhalimão cravo com sal
o velho pastor alemãoressona com um olho meio aberto
o sol ilumina o quaradorsobre a tela o macacão da fábrica(azul com um dia vesti)
as nêsperas madurasficam no altoas maiores tambémmas não havia medosubir o tronco era desafio diário
a agonia de tardes de chuvanão sabiater que um dia ir emboranão sabia
o apito longo da fábricaa agonia das tardes de chuvao trem do exílio
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e voltar sempre
filhafamíliasoluçosperdas irreparáveisrenunciar a revolução
o conhecimentosempre cobrao preço de uma inocência
seria insolência dizerque não ganhou nada
estamos plenosestamos vivose cada diatem o valor de um dia
o cajado
o cajado de freixonunca chegar a arco
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(aflição de Penélope,que entregará ao amado)
guizos e ossos miúdos(de pequenos roedores)um crânio completo de gatoa pele de um porco ao avessoainda pingando o sangue
velho avental de lona (verde)sabão borbulha no tachocinza e soda acrescidossebo e gordura de ossos
o tempo voa veloz
dedal enterrado num vasoterra úmida e pretadentes de cachorropele de lagarto
colher de alpacaressoa como um sino
neve em tom de dourado
rentes ao chão
flores brancas diminutascrescem rentes ao chão
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trevos de três folhasespigas de azedinha
respiro do porão escurograde e treliça de ferro
maisum verão chuvosoinfância e solidão
não havia ainda a poesia
no entantogoiabas verdesproliferavam os quintais
velhos frascos
velhos frascos de remédioampolas utilizadas
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moedas sem valor monetárioarruelas de açoquinquilharias e talismãs
pedras de turmalina pretacristais imperfeitosencontrados pelo chão
relíquias de menino(embebido até os ossosde solidão)
numa caixa feito baú de piratascuidadosamente guardadaà olhos inconvenientes
vidro enterradoà maneirade tesouro
pequenezas & infortúnios
andaesta alma
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desassossegada
não por estaspequenezasque nos afrontam a vida
infortúniosque apereiamfeito cães de Beijingpequenos pequinesesdestes que ladramàs portas e portõesminiaturas ridículasde dragão
as mazelas são outrasmais fundasfeito traição na quaresma
coisas de não correspondençae coração ferido
no primeiro dia
no primeiro diaas chaminés
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pareciam mais altas(talvez eu tenha encolhido)
era tardee o horizontetingiu-se de carmim
como violetasantes de murchas em cinza
quanto as pedraso matiz mauá do granitobrancas de atavio se vislumbravam
(como foto desfocadao velho trem de aço entrava na estação)
não eram portanto o saldo mar portuguêsem minhas chinelas
o poeta não maisque outro fantasmaem meu mapa astrológico
nunca guardei rebanhosnem acrediteique deus pudesse existirmuito menos que não
(assombrava minha infância)
de restofica este travode enxofre em minha línguagosto de noite mal dormida (mais uma)e pesadelos encavalados (e esquecidos)
empunhadura
o corpoempunhadura de adaga
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que percorre e fere
risco de luzrelâmpago na írisazulam planos epalmas
aqui no sonho
como se podequerer tomar à mão
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o intangível?
ai dorque supera o sonhoou o sonhonos recupera da dor?
por que tudo issome dá uma profunda nostalgia?como canção do Chicoe cravos guardados na gaveta
como são frágeis estes no jardimmas, sua lembrançasuperara a dor do malgrado tempo
e habitaaqui no sonho
mecanismos de relógio
o velho suíçotirado da algibeira
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e rompido a martelo
saltaram a esmorodas dentadas e mola entrelaçados
mecanismos de relógioquando observadosesparramados sobre uma mesanão fazem o menor sentido
derradeiras sementes
quando o Sol se tornar uma gigante vermelha, não haverão mais tardes ensolaradas. Todos os dias, rotina religiosa, uma pequena dose de aguardente como remédio esperado
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um ato de condescendência com o pequeno pecado, distribuía bênçãos pelas ruas e esquinas, mas, não acreditava em ressurreição
único sacerdotee dignitáriode uma religião
não existiam neófitoscortinas de cordasandálias de pecador
tentou insistente o uso do telefone, até o ultimo crédito do cartãoretirou dos bolsos as derradeiras sementes de papoulacuspiu para o céu em um último ato de apostasia
agora o trigo cresceriacomo o ouro da tigela
dois gomos de cominhouma folha seca de hortelã
sacou uma navalha novacabo de madrepérolaaço peruanoforjado em Potosi
o sangue nas narinasa rajada do vento de maioeriçou os pelos das costas das mãos
o menino atravessou a ruaentregando um pacoteembrulhado em papel branco
os pecados
agoradepois de tanto surrealismo
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este sentimento anacrônico
deu de me comparecerum lirismoimperfeito de fora de hora
como se o relógio do tempofosse quebradovoltando para tráse continuasse retornando
o que será dos mortosque partiram para a desvidacom um sorriso nos lábios
quem pagará esta dívidajá coberto o bezerro de sangue
o que cobrará o seu preçose não ocorrerem os pecadosque nos deram a origem
sete corvos
um Sollento e certo se tingir de carmim
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no horizonte agonizandopara a prece do por do sol
neste mesmo diaaconteceu de minha filhacontar ter vistosete corvos empoleirados na cercaao lado da velha escola
os arames apodrecidospaus podres equebradosobservam o milharal tombado
recordei de meus dias de espantalho(colada as costelas como ripas)que ainda hojeme sinto paralisado
os corvos farão de ninho os meus ombrosenquanto se fartam de meus olhos
entre verdes e amarelos
figueiras bravase liquens
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entre verdes e amarelosdisputam a posse do muro
(um pardal impassívelobserva a tudo)
a água já diluiu a alma de cimentoo tempo quebra as últimas resistências
tijolosque ainda resistempor portar a marca do fogodo ferro na argila
vermelhos como os fornos incandescentesroubados da terraem sua substância
reside o fogo da madeirado corte da mata
que colheu suavebrotos e folhas verdesas lâminas de luz
e o calor do Sol
descrever a dor
o quanto de palavras são suficientespara escrever liberdade
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e descrever a dor
quantos ventos enfunaram as velasarredadas ao Solpara que se rompessem as ondas do mare a linha da maré
há um momento que me desiluditão completamenteque viver é carregar um fardo
mas acreditar é possíveldesacreditar quase impossível
está fé ainda me mataa coroa de Cristo em torno do meu coraçãoaperta quanto menos em chama ele arde
masmeu olhar nunca deixou de ser triste
só há pazno azul do mar
e na rebentação das ondas
na noite imensa da lua
grafado de forma rústicarisco em uma rótula
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pela ponta de pedraem paredes ásperas
depoisa busca do alinhamentodos cristais específicose sua linha de clivagem
nos sulcos obtidosse aplicará óxido de ferroocra dos feitiçoso mênstruo da terra
a issose adicionarãocarvão e óleos animais e vegetais
tudo a luz de velas ancestraisbeberagense histórias de fogueiras
à sombra do velho carvalhote esperarei na noite imensa da lua
cheiros
cravo da Índiacominho
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cheirode ervas que queimam
benjoim e canela na brasa úmida e dolorosa
minhas camisas velhas
talvez te incomodemminhas camisas velhas
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(essas que uso o tempo todo)são testemunhas do tempocomo meus sapatos rotospisam à eras o mesmo pó
(antigas sandálias)
totem
totemconstrução de símbolo
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fibra a fibraalimenta-se do mênstruomulher - terra
que se converte em arte(mis)árvore de seiva vermelha
decifrar o conteúdo
1_
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se pudessedecifrar o conteúdodas gavetas
como cartomante cegaque tateia os sulcos das mãoslendo o futuro em braile
do fruto selvagemque se desidrata
(como marcador do tempo)e denuncia
sementes dispersascarregadas de presságio
(e possibilidades interrompidas)
2_
acreditar na promessaque segreda cada lumeque o vento não trouxe
ainda pode cortara navalha enferrujadaque caiu no ostracismo e anacronismo
brincos de cigana(nunca usados)
papeis amareloscom sua escrita roxa
moedas de rincões desconhecidospaíses que não constam maisem compêndios e mapas
as fronteiras foram (inter)rompidaspelas esteiras dos tanquese tiranos perturbadores
(outros pela geopolítica do ódio e do racismo)
3 _
haverá (sempre)cartas que
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nunca serão lidas
números de tômbolae naipes que se destacaram dos baralhos
pedras de micae turmalinas sem nenhum valor
4_
sempre sinto que é meuo lugar do enforcado
carrego o ás de espadaso gládio negro do destino
cravado em pelo
5_
sempre haverá margaridas selvagense dentes de leão
meio aluado
minha avôsempre dizia à minha mãe
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este menino é meio aluadoestranho e taciturnoparece que fala em outra línguanas suas engrolações
vê coisas em cima do guarda roupaque só ele percebe e sentecoleciona insetos mortose vidros de remédio vazios
o que esperar de meninos estranhosa não ser que virem poetas
dor incomoda
guardar caixas de remédios vazias
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drágeas nulase anacrônicasque não curam esta dor incomoda
por que guardamos remédios que não vamos usar mais?lotamos caixas e prateleiras como trapos velhos de bandeiras de combate?
há algo de não sutil em tudo issoporque isto já foi um diae outro novamente
os olhos de meu avô
quando o tempo viração de ventode recolher guaxuma para fazer vassouras
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de varrer o forno para assar o pãoque minha vó, minha mãe e minhas tias haviam preparado
chegou antes de muitas chuvasque meus olhos não pediram perdãoas brasas vivas e incandentesos tijolos vermelhos também embrasados
a massa do pão amalgamava tudode lágrimas escondidas a feridas no coraçãoo tempo corria lentoe os cães mediam o quintal
quando vicejava nas hortas cercadas de paus e ripaso almeirão colhido na horacom óleo, vinagre e salera comido cerimoniasamente
meu avô tinha olhos tão profundos que me perdia dentro delestinha olhar de ver tudonão perder nenhum detalhenós ao redor a ouvir suas histórias
da cozinha os olhos da minha avó trespassavam perscrutando nosso pequeno mundo
(antes da loucurafazia muitos doces e bolossempre me guardando um pedaço)
de Domingo não havia o apito da fábricaas moças e rapazes iam ao cinema
tenho lembranças em preto e brancomas a cor de meu cachorro era amarelaas paredes de minha escola ainda são cinza e verdeassim como as da fábrica
hoje olho meu netocom os olhos de meu avô
Sob raiz de angico
placentaraiz materna
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cravada a carvão e salna raiz da outra mãeàquela mais antiga
ao salgueiroque arca seus membrosum cumprimento sutil
o campo sagrado assim preparadose enraízam às novas gerações
todos los hombres son Angeles
a estrela rompe 67
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a rotae ilumina distraída
o quintal desta minha casa
entre os corredoresuma luz fantasmagórica
que tem medo de espelhose janelas
carece de portaesse cômodo que contém águae cerâmica colorida
a velha perra dormitao sonho de velhas calçadas
caminha sonora e late
a garagem abandonada aos livrosmóveis velhos e licores empoeirados
mira madretodos los hombresson Angelespero sísin asas
nos degraus da concha acústica
I ‘ve got you under my skin.C. Porter.
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onde estão todos as garrafas para leite, o vidro e as chapinhas de alumínio, o pão embrulhado em papel de seda, cuidadosamente desembrulhado para ser aproveitado?
o sol caustico daquele invernoteus olhos vermelhos de tanto chorarseguia uma agulha de bordado sob a peletuas veias azuis eram como rios da velha Europa
e meu caderno de capa negraretalhado de uma escrita hoje indecifrávelcalhamaços de papel guardados em perfeita inutilidadejunto a uma garrafa de leite de vidroaquelas com chapinha de alumíniodos quais o velho japonês de bigodes brancosfazia tisurus prateadosque brilhavam no sol da tarde
teus joelhos grandes e a magreza as camisas de gola redonda para as meninas
(eu escrevia poemas escondido)
tudo se resumia num seloconservado em uma caderneta faltando duas páginase tardes de domingo inúteissentado nos degraus da concha acústica
um velho amigo
um velho amigoestes das antigas
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me bateu à porta
portava um óculos escuroscabelos despenteadose um olhar no vazio
me falou do presidentee da crise política nos jornais(qual crise?algum dia não houve uma crise qualquerpara alguém ganhar algum dinheiro?)
esse nós elegemostomamos pauladas da políciae o carregamos nas costas na praça
a revolução morreu em nósestamos um tanto combalidosficamos anososassim como nossos sonhos da adolescência
velhos amigos são momentos perigososo tempo da segadora cada vez mais próximo
e tudo o que quero ver hojeé poesiae meu neto em seus cueiros
de Lembranças & Fórmulas Mágicas
Edson Bueno de Camargo
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Edson Bueno de Camargo nasceu em Santo André - SP, em 24 de julho de 1962, mora a partir de seu segundo dia de nascimento em Mauá – SP.
Publicou: ”O Mapa do Abismo e Outros Poemas” Edições Tigre Azul/ FAC Mauá -2006, “Poemas do Século Passado-1982-2000” edição de autor - 2002; “Cortinas”, com poesias suas e de Cecília A. Bedeschi - 1981; participou das antologias poéticas “As Cidades Cantam o Tamanduateí que Passa”.da Prefeitura do Município de Mauá e “Poesia Só Poesia” Editora Novas Letras. Junto com os amigos escritores da extinta Oficina Aberta da Palavra, grupo de Mauá-SP, edita o fanzine aperiódico "Taba de Corumbê".
Participa do grupo poético/literário Taba de Corumbê, do qual por aclamação foi intitulado Cacique e das aulas da Escola Livre de Literatura de Santo André-SP, como aprendiz de mundo. Recentemente conquistou o 1º lugar no I Prêmio Off Flip de Literatura 2006 – Categoria Poesia em Paraty-RJ e Menção Honrosa no 24o Concurso Literário Yoshio Takemoto - categoria poesia livre - São Paulo – SP.
Edson Bueno de CamargoRua José Cezário Mendes, 104 Vila Noêmia – Mauá – SP – Brasil.CEP – 09370-600correio eletrônico: [email protected]
http:// www.secrel.com.br/jpoesia/ebcamargo.html http://umalagartadefogo.blogspot.com/http://www.eldigoras.com/eom03/indic/buenodecamargoedson.htmhttp://www.gargantadaserpente.com/toca/poetas/edson_bc.phphttp://pt.wikipedia.org/wiki/Edson_Bueno_de_Camargohttp://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=5443045
O poema “Nova Casa” foi publicado na agenda Livro da Tribo - 2005-2006 – pág. 95 - Editora da Tribo - São Paulo-SP; o poema “rentes ao chão” foi publicado no site PD- Literatura http://www.pd-literatura.com.br/pd2004/poemas/set.html em setembro de 2004, no site Pliegos de Opinion http://www.pliegosdeopinion.net/pdo11/11barandal/11poesia/edsonbueno.htm e no site Revista o Caixote n.º 14 http://www.ocaixote.com.br/caixote14/cx14_poemas_camargo.html ; o poema “todos los hombres son Angeles” foi publicado no site Varal de Literatura http://www.varaldaliteratura.ale.nom.br/poemas2.php ; o poema “de lembranças e fórmulas mágicas” foi publicado no site Pliegos de Opinion http://www.pliegosdeopinion.net/pdo11/11barandal/11poesia/edsonbueno.htm e na Revista O Caixote n.º 14 http://www.ocaixote.com.br/caixote14/cx14_poemas_camargo.html
Orelhas:
O seu eu-lírico é como um Gregory Sansa metamorfoseado arrastando-se pelas frestas mais escuras da memória, porém mais do que só memorialismo, sua poesia agora busca imagens com uma pequena lanterninha, no fundo do subconsciente. E o leitor fica a
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lembrar-se de uma infância muito antiga, mais antiga que a lembrança, um tempo em que as sensações eram tudo.
Mas olha, o teu poema, a tua poética, bebendo em fontes orientais, conseguiu uma síntese muito original entre esse nosso memorialismo bucólico, mineiro, drummondiano, e a delicadeza sintética dos raicais, dos ideogramas, dos origamis. Seus poemas são cerimônia do chá com bolinho de queijo!
Jorge de Barros – poeta, contista e guerreiro da Taba
...como sempre tuas poesias extremamente inteligentes, que deixam transparecer um mundo mais amplo do que teu escrito registra. Vejo nele fantasmas rondando nossos pensamentos , mar em fúria incomodados com os abusos da ciência, cabelos revoltos pela intransigência do vento...
Leonor Domene Pedrão – escritora na aurora da vida e minha tradutora para o espanhol
Acredito piamente na grandiosidade da alma que cada um de nós traz consigo ou em si. Nós (cada um de nós) deve saber aproveitar a generosidade divina para polir o seu "eu" e, deste modo, servir o mundo com boas acções. Os escritores tentam fazê-lo por via da palavra, tal como tu o fazes com a perfeição de um ourives e segurança de um cirurgião.
Conceição Cristóvão – poeta angolano
fiquei surpreso e feliz com a chegada do seu livro pelo correio - entre tantos outros mapas, guardo-o junto ao meu tesouro pessoal .agradeço. a poesia é sempre um belo presente. coloco o poema Varais - e sua beleza imensa - entre os meus poemas preferidos. Mario Pirata poeta / brincadeiro
Gosto de ler as suas imagens fortes, e gosto de ver que você continua com toda a verve.
José Carlos Mendes Brandão – poeta e ensaísta
...tem um estilo muito bonito, amadurecido, usa vocabulário com dosagens adequadas, enfim, sua obra é de excelente qualidade, ao contrário do que tanto se vê na Internet...
Perce Polegatto - escritor e ensaísta
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