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CURRCULOdo Estado dE so Paulo
S239c So Paulo (Estado) Secretaria da Educao. Currculo do Estado de So Paulo: Matemtica e suas tecnologias / Secretaria da
Educao; coordenao geral, Maria Ins Fini; coordenao de rea, Nilson Jos Machado. So Paulo : SEE, 2010.
ISBN 978-85-7849-449-0
1. Ensino de matemtica 2. Ensino fundamental 3. Ensino mdio 4. Contedos curriculares 5. Estudo e ensino 6. So Paulo I. Fini, Maria Ins. II. Machado, Nilson Jos. III. Ttulo.
CDU: 373.3/.512.14:51(815.6)
GovernadorAlberto Goldman
Secretrio da EducaoPaulo Renato Souza
Secretrio-AdjuntoGuilherme Bueno de Camargo
Chefe de GabineteFernando Padula
Coordenadora de Estudos e Normas PedaggicasValria de Souza
Coordenador de Ensino da Regio Metropolitana da Grande So PauloJos Benedito de Oliveira
Coordenador de Ensino do InteriorRubens Antonio Mandetta
Diretora da Escola de Formao e Aperfeioamento dos Professores do Estado de So PauloVera Lcia Cabral Costa
Presidente da Fundao para o Desenvolvimento da Educao FDEFbio Bonini Simes de Lima
EXECUOCoordenao GeralMaria Ins FiniConcepoGuiomar Namo de MelloLino de MacedoLuis Carlos de MenezesMaria Ins FiniRuy Berger (em memria)
GESTOFundao Carlos Alberto VanzoliniPresidente da Diretoria Executiva: Antonio Rafael Namur MuscatDiretor de Gesto de Tecnologias aplicadas Educao: Guilherme Ary PlonskiCoordenadoras Executivas de Projetos: Beatriz Scavazza e Angela Sprenger
COORDENAO TCNICACENP Coordenadoria de Estudos e Normas Pedaggicas
A Secretaria da Educao do Estado de So Paulo autoriza a reproduo do contedo do material de sua titularidade pelas demais secretarias de educao do pas, desde que mantida a integrida-de da obra e dos crditos, ressaltando que direitos autorais protegidos* devero ser diretamente negociados com seus prprios titulares, sob pena de infrao aos artigos da Lei no 9.610/98.* Constituem direitos autorais protegidos todas e quaisquer obras de terceiros reproduzidas no material da SEE-SP que no estejam em domnio pblico nos termos do artigo 41 da Lei de Direitos Autorais.
Coordenao do Desenvolvimento dos Contedos Programticos e dos Cadernos dos Professores e dos AlunosGhisleine Trigo Silveira
AUTORES
Cincias Humanas e suas Tecnologias
Coordenador de rea: Paulo Miceli
Filosofia: Paulo Miceli, Luiza Christov, Adilton Lus Martins e Ren Jos Trentin Silveira
Geografia: Angela Corra da Silva, Jaime Tadeu Oliva, Raul Borges Guimares, Regina Araujo e Srgio Adas
Histria: Paulo Miceli, Diego Lpez Silva, Glaydson Jos da Silva, Mnica Lungov Bugelli e Raquel dos Santos Funari
Sociologia: Heloisa Helena Teixeira de Souza Martins, Marcelo Santos Masset Lacombe, Melissa de Mattos Pimenta e Stella Christina Schrijnemaekers
Cincias da Natureza e suas Tecnologias
Coordenador de rea: Luis Carlos de Menezes
Biologia: Ghisleine Trigo Silveira, Fabola Bovo Mendona, Felipe Bandoni de Oliveira, Lucilene Aparecida Esperante Limp, Maria Augusta Querubim Rodrigues Pereira, Olga Aguilar Santana, Paulo Roberto da Cunha, Rodrigo Venturoso Mendes da Silveira e Solange Soares de Camargo
Cincias: Ghisleine Trigo Silveira, Cristina Leite, Joo Carlos Miguel Tomaz Micheletti Neto, Julio Czar Foschini Lisba, Lucilene Aparecida Esperante Limp, Mara Batistoni e Silva, Maria Augusta Querubim Rodrigues Pereira, Paulo Rogrio Miranda Correia, Renata Alves Ribeiro, Ricardo Rechi Aguiar, Rosana dos Santos Jordo, Simone Jaconetti Ydi e Yassuko Hosoume
Fsica: Luis Carlos de Menezes, Estevam Rouxinol, Guilherme Brockington, Iv Gurgel, Lus Paulo de Carvalho Piassi, Marcelo de Carvalho Bonetti, Maurcio Pietrocola Pinto de Oliveira, Maxwell Roger da Purificao Siqueira, Sonia Salem e Yassuko Hosoume
Qumica: Maria Eunice Ribeiro Marcondes, Denilse Morais Zambom, Fabio Luiz de Souza, Hebe Ribeiro da Cruz Peixoto, Isis Valena de Sousa Santos, Luciane Hiromi Akahoshi, Maria Fernanda Penteado Lamas e Yvone Mussa Esperidio
Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias
Coordenador de rea: Alice Vieira
Arte: Gisa Picosque, Mirian Celeste Martins, Geraldo de Oliveira Suzigan, Jssica Mami Makino e Sayonara Pereira
Educao Fsica: Adalberto dos Santos Souza, Carla de Meira Leite, Jocimar Daolio, Luciana Venncio, Luiz Sanches Neto, Mauro Betti, Renata Elsa Stark e Srgio Roberto Silveira
LEM Ingls: Adriana Ranelli Weigel Borges, Alzira da Silva Shimoura, Lvia de Arajo Donnini Rodrigues, Priscila Mayumi Hayama e Sueli Salles Fidalgo
Lngua Portuguesa: Alice Vieira, Dbora Mallet Pezarim de Angelo, Eliane Aparecida de Aguiar, Jos Lus Marques Lpez Landeira e Joo Henrique Nogueira Mateos
Matemtica e suas Tecnologias
Coordenador de rea: Nlson Jos Machado
Matemtica: Nlson Jos Machado, Carlos Eduardo de Souza Campos Granja, Jos Luiz Pastore Mello, Roberto Perides Moiss, Rogrio Ferreira da Fonseca, Ruy Csar Pietropaolo e Walter Spinelli
Caderno do GestorLino de Macedo, Maria Eliza Fini e Zuleika de Felice Murrie
EqUIPE DE PRODUO
Coordenao Executiva: Beatriz Scavazza
Assessores: Alex Barros, Beatriz Blay, Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena, Eliane Yambanis, Heloisa Amaral Dias de Oliveira, Ivani Martins Gualda, Jos Carlos Augusto, Luiza Christov, Maria Eloisa Pires Tavares, Paulo Eduardo Mendes, Paulo Roberto da Cunha, Ruy Csar Pietropaolo e Solange Wagner Locatelli
EqUIPE EDITORIAL
Coordenao Executiva: Angela Sprenger
Assessores: Denise Blanes e Luis Mrcio Barbosa
Editores: Ghisleine Trigo Silveira e Zuleika de Felice Murrie
Edio e Produo Editorial: Conexo Editorial, Buscato Informao Corporativa e Occy Design (projeto grfico)
APOIOFDE Fundao para o Desenvolvimento da Educao
CTP, Impresso e AcabamentoEsdeva Indstria Grfica
Catalogao na Fonte: Centro de Referncia em Educao Mario Covas
Carta do Secretrio
Senhores professores e gestores,
Com muita satisfao, apresentamos a verso definitiva dos textos-base do
Currculo da Secretaria da Educao para o Ensino Fundamental Ciclo II e o Ensino
Mdio da rede pblica do Estado de So Paulo.
Acompanhamos atentamente a construo destes textos desde sua criao na
forma de proposta e de dilogos estabelecidos com professores e especialistas durante
o ano de sua implantao para as crticas e sugestes de complementao at esta
fase final de reestruturao, que incorpora as excelentes contribuies dos profissionais
de nossa rede.
Estes documentos, que do origem aos Cadernos do Professor, do Aluno e do
Gestor, so as referncias essenciais para o estabelecimento das matrizes de avaliao
do Sistema de Avaliao de Rendimento Escolar do Estado de So Paulo (Saresp), dos
programas de reforo e recuperao e dos cursos de formao continuada de nossa
Escola de Formao de Professores.
Desejamos que estes materiais sejam preciosos tambm para cada uma das
escolas, tanto para a construo de suas propostas pedaggicas como para apoio aos
professores, gestores, especialistas e famlias para reafirmar publicamente o compro-
misso do Governo do Estado de So Paulo com a busca de mais qualidade na educao
de nossas crianas e nossos jovens.
Paulo Renato Souza Secretrio da Educao do Estado de So Paulo
Prezados professores e gestores,
O Currculo do Estado de So Paulo hoje uma realidade nas escolas pblicas paulistas graas
ao empenho de todos os seus profissionais.
Como anunciado em 2008, o Currculo continuar a ser permanentemente complementado com
um conjunto de aes, de projetos e de documentos com orientaes pedaggicas e de gesto para
apoiar as equipes gestoras e os professores no que se refere qualidade do ensino em nossas escolas.
A participao de todos no trabalho de anlise da Proposta Curricular do Estado de So Paulo,
para os ajustes necessrios, reafirmou nossa crena de que a maneira mais saudvel de fazer oposi-
o s ideias conhec-las, aplicando-as e discutindo-as para sugerir as mudanas necessrias.
A Proposta Curricular foi planejada de forma que todos os alunos em idade de escolarizao
pudessem fazer o mesmo percurso de aprendizagem nas disciplinas bsicas: Lngua Portuguesa, Ma-
temtica, Cincias (Fsica, Qumica e Biologia, no Ensino Mdio), Histria (mais Filosofia e Sociologia,
no Ensino Mdio), Geografia, Lngua Estrangeira Moderna (Ingls), Arte e Educao Fsica. Para todas
essas disciplinas foram descritos os contedos, as competncias, as habilidades, as estratgias meto-
dolgicas e o que se espera dos alunos em cada srie/ano.
Vale ressaltar que a proposta de organizao curricular possibilitou que fossem garantidas
iguais oportunidades a todos os alunos de todas as escolas, como tambm preservou o acesso aos
mesmos conhecimentos atualizados e significativos, valorizados pela sociedade.
A partir dessa base curricular comum tambm foi possvel definir as metas que os alunos tm
direito a alcanar nas disciplinas estudadas e, consequentemente, avaliar o seu progresso em relao
a essas metas e, quando necessrio, fazer as devidas intervenes com vistas a melhorar o desempe-
nho daqueles que porventura no consigam atingi-las.
A construo da autonomia da escola pressupe a articulao e a continuidade das polticas
nacionais, estaduais e locais de desenvolvimento da educao, a fim de que se possam estabelecer
unidade e direo coordenadas nos respectivos sistemas.
No espao escolar, mesmo que as diferenas sejam considerveis, os profissionais devem ter cla-
reza sobre os propsitos comuns da educao, para que se organizem em funo desses propsitos.
De nossa parte, estamos todos empenhados em oferecer aos profissionais da educao de
nossa rede de ensino mais e melhores condies de trabalho e em apoiar decisivamente aes que
concorram para que esses propsitos sejam alcanados.
Neste documento, so apresentados contedos que versam sobre currculo, planejamento e
avaliao de forma a subsidiar o professor e o gestor em suas prticas para implementar o Currculo
do Estado de So Paulo, organizar sua crtica e construir a Proposta Pedaggica que representa a
identidade da sua escola em particular.
Maria Ins FiniCoordenadora Geral
Projeto So Paulo faz escola
Apresentao do Currculo do Estado de So Paulo 7
Uma educao altura dos desafios contemporneos 8
Princpios para um currculo comprometido com o seu tempo 10
Uma escola que tambm aprende 10
O currculo como espao de cultura 11
As competncias como referncia 12
Prioridade para a competncia da leitura e da escrita 14
Articulao das competncias para aprender 18
Articulao com o mundo do trabalho 20
A concepo do ensino na rea de Matemtica e suas tecnologias 25
O ensino de Matemtica: breve histrico 25
Currculo de Matemtica 29
Fundamentos para o ensino de Matemtica 29
Matemtica para o Ensino Fundamental (Ciclo II) e o Ensino Mdio 35
Sobre a organizao dos contedos bsicos: Nmeros, Geometria, Relaes 38
Sobre o processo de ensino-aprendizagem dos contedos bsicos 40
Ensinar fazer escolhas: mapas e escalas 48
Sobre os subsdios para implantao do Currculo proposto 51
Sobre a organizao das grades curriculares (srie/ano por bimestre): contedos associados a habilidades 55
Quadro de contedos e habilidades de Matemtica 57
Sumrio
7ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo
Apresentao do Currculo do Estado de So Paulo
A Secretaria da Educao do Estado de
So Paulo props, em 2008, um currculo b-
sico para as escolas da rede estadual nos nveis
de Ensino Fundamental (Ciclo II) e Ensino M-
dio. Com isso, pretendeu apoiar o trabalho rea-
lizado nas escolas estaduais e contribuir para a
melhoria da qualidade das aprendizagens dos
alunos. Esse processo partiu dos conhecimen-
tos e das expe rincias prticas j acumulados,
ou seja, partiu da recuperao, da reviso e da
sistematizao de documentos, publicaes e
diagnsticos j existentes e do levantamento
e anlise dos resultados de projetos ou iniciati-
vas realizados. No intuito de fomentar o desen-
volvimento curricular, a Secretaria da Educao
tomou assim duas iniciativas complementares.
A primeira delas foi realizar amplo le-
vantamento do acervo documental e tcnico
pedaggico existente. A segunda deu incio a
um processo de consulta a escolas e professo-
res para identificar, sistematizar e divulgar boas
prticas existentes nas escolas de So Paulo.
Ao articular conhecimento e herana pe-
daggicos com experincias escolares de suces-
so, a Secretaria da Educao deu incio a uma
contnua produo e divulgao de subsdios
que incidem diretamente na organizao da es-
cola como um todo e em suas aulas. Ao iniciar
esse processo, a Secretaria da Educao pro-
curou tambm cumprir seu dever de garantir
a todos uma base comum de conhecimentos e
de competncias para que nossas escolas
funcionem de fato como uma rede. Com esse
objetivo, implantou um processo de elaborao
dos subsdios indicados a seguir.
Este documento apresenta os princpios
orientadores do currculo para uma escola ca-
paz de promover as competncias indispen-
sveis ao enfrentamento dos desafios sociais,
culturais e profissionais do mundo contem-
porneo. Contempla algumas das principais
caractersticas da sociedade do conhecimen-
to e das presses que a contemporaneidade
exerce sobre os jovens cidados, propondo
princpios orientadores para a prtica edu-
cativa, a fim de que as escolas possam pre-
parar seus alunos para esse novo tempo. Ao
priorizar a competncia de leitura e escrita, o
Currculo define a escola como espao de cul-
tura e de articulao de competncias e de
contedos disciplinares.
Alm desse documento bsico curricu-
lar, h um segundo conjunto de documentos,
com orientaes para a gesto do Currculo
na escola. Intitulado Caderno do Gestor, diri -
ge-se especialmente s unidades escolares
e aos professores coordenadores, diretores,
professores coordenadores das oficinas peda-
ggicas e supervisores. Esse material no tra-
ta da gesto curricular em geral, mas tem a
8Apresentao Currculo do Estado de So Paulo
finalidade especfica de apoiar o gestor para
que ele seja um lder capaz de estimular e orien-
tar a implementao do Currculo nas escolas
pblicas estaduais de So Paulo.
H inmeros programas e materiais dis-
ponveis sobre o tema da gesto, aos quais as
equipes gestoras tambm podero recorrer
para apoiar seu trabalho. O ponto mais impor-
tante desse segundo conjunto de documentos
garantir que a Proposta Pedaggica, que or-
ganiza o trabalho nas condies singulares de
cada escola, seja um recurso efetivo e dinmico
para assegurar aos alunos a aprendizagem dos
con tedos e a constituio das competncias
previstas no Currculo. Espera-se tambm que a
aprendizagem resulte da coordenao de aes
entre as disciplinas, do estmulo vida cultural
da escola e do fortalecimento de suas relaes
com a comunidade. Para isso, os documentos
reforam e sugerem orientaes e estratgias
para a formao continuada dos professores.
O Currculo se completa com um conjun-
to de documentos dirigidos especialmente aos
professores e aos alunos: os Cadernos do Pro-
fessor e do Aluno, organizados por disciplina/
srie(ano)/bimestre. Neles, so apresentadas
Situaes de Aprendizagem para orientar o
trabalho do professor no ensino dos conte-
dos disciplinares especficos e a aprendiza-
gem dos alunos. Esses contedos, habilidades
e competncias so organizados por srie/ano e
acompanhados de orientaes para a gesto da
aprendizagem em sala de aula e para a avaliao
e a recuperao. Oferecem tambm sugestes
de mtodos e estratgias de trabalho para as
aulas, experimentaes, projetos coletivos, ativi-
dades extraclasse e estudos interdisciplinares.
Uma educao altura dos desafios contemporneos
A sociedade do sculo XXI cada vez
mais caracterizada pelo uso intensivo do conhe-
cimento, seja para trabalhar, conviver ou exercer
a cidadania, seja para cuidar do ambiente em
que se vive. Todavia, essa sociedade, produto
da revoluo tecnolgica que se acelerou na se-
gunda metade do sculo XX e dos processos po-
lticos que redesenharam as relaes mundiais,
j est gerando um novo tipo de desigualdade
ou excluso, ligado ao uso das tecnologias
de comunicao que hoje medeiam o acesso
ao conhecimento e aos bens culturais. Na so-
ciedade de hoje, indesejvel a excluso pela
falta de acesso tanto aos bens materiais quanto
ao conhecimento e aos bens culturais.
No Brasil, essa tendncia excluso cami-
nha paralelamente democratizao do acesso
a nveis educacionais alm do ensino obrigatrio.
Com mais pessoas estudando, alm de um diplo-
ma de nvel superior, as caractersticas cognitivas
e afetivas so cada vez mais valorizadas, como
as capacidades de resolver problemas, trabalhar
em grupo, continuar aprendendo e agir de modo
cooperativo, pertinentes em situaes complexas.
Em um mundo no qual o conhecimento
usado de forma intensiva, o diferencial est na
qualidade da educao recebida. A qualidade
9ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo
do convvio, assim como dos conhecimentos e
das competncias constitudas na vida escolar,
ser determinante para a participao do indiv-
duo em seu prprio grupo social e para que ele
tome parte em processos de crtica e renovao.
Nesse contexto, ganha importncia re-
dobrada a qualidade da educao oferecida
nas escolas pblicas, que vm recebendo, em
nmero cada vez mais expressivo, as camadas
pobres da sociedade brasileira, que at bem
pouco tempo no tinham efetivo acesso
escola. A relevncia e a pertinncia das apren-
dizagens escolares constru das nessas institui-
es so decisivas para que o acesso a elas
proporcione uma real oportunidade de insero
produtiva e solidria no mundo.
Ganha tambm importncia a ampliao
e a significao do tempo de permanncia na
escola, tornando-a um lugar privilegiado para
o desenvolvimento do pensamento autnomo,
to necessrio ao exerccio de uma cidadania
responsvel, especialmente quando se assiste
aos fenmenos da precocidade da adolescn-
cia e do acesso cada vez mais tardio ao merca-
do de trabalho.
Nesse mundo, que expe o jovem s pr-
ticas da vida adulta e, ao mesmo tempo, pos-
terga sua insero no mundo profissional, ser
estudante fazer da experincia escolar uma
oportunidade para aprender a ser livre e, con-
comitantemente, respeitar as diferenas e as
regras de convivncia. Hoje, mais do que nun-
ca, aprender na escola o ofcio de aluno,
a partir do qual o jovem pode fazer o trnsito
para a autonomia da vida adulta e profissional.
Para que a democratizao do acesso
educao tenha funo inclusiva, no sufi-
ciente universalizar a escola: indispensvel
universalizar a relevncia da aprendizagem.
Criamos uma civilizao que reduz distn-
cias, tem instrumentos capazes de aproximar
pessoas ou distanci-las, aumenta o acesso
informao e ao conhecimento, mas, em
contrapartida, acentua consideravelmente
diferenas culturais, sociais e econmicas.
Apenas uma educao de qualidade para to-
dos pode evitar que essas diferenas se consti-
tuam em mais um fator de excluso.
O desenvolvimento pessoal um proces-
so de aprimoramento das capacidades de agir,
pensar e atuar no mundo, bem como de atribuir
significados e ser percebido e significado pelos
outros, apreender a diversidade, situar-se e per-
tencer. A educao tem de estar a servio desse
desenvolvimento, que coincide com a constru-
o da identidade, da autonomia e da liberdade.
No h liberdade sem possibilidade de escolhas.
Escolhas pressupem um repertrio e um qua-
dro de referncias que s podem ser garantidos
se houver acesso a um amplo conhecimento,
assegurado por uma educao geral, arti culadora
e que transite entre o local e o global.
Esse tipo de educao constri, de forma
cooperativa e solidria, uma sntese dos sabe-
res produzidos pela humanidade ao longo de
sua histria e dos saberes locais. Tal sntese
10
Apresentao Currculo do Estado de So Paulo
uma das condies para o indivduo acessar o
conhecimento necessrio ao exerccio da cida-
dania em dimenso mundial.
A autonomia para gerenciar a prpria
aprendizagem (aprender a aprender) e para
a transposio dessa aprendizagem em in-
tervenes solidrias (aprender a fazer e a
conviver) deve ser a base da educao das
crianas, dos jovens e dos adultos, que tm em
suas mos a continui dade da produo cultural
e das prticas sociais.
Construir identidade, agir com auto-
nomia e em relao com o outro, bem como
incorporar a diversidade, so as bases para a
construo de valores de pertencimento e de
responsabilidade, essenciais para a insero ci-
dad nas dimenses sociais e produtivas. Prepa-
rar os indivduos para o dilogo constante com
a produo cultural, num tempo que se carac-
teriza no pela permanncia, mas pela constan-
te mudana quando o inusitado, o incerto e o
urgente constituem a regra , mais um desa-
fio contemporneo para a educao escolar.
Outros elementos relevantes que de-
vem orientar o contedo e o sentido da escola
so a complexidade da vida cultural em suas
dimenses sociais, econmicas e polticas;
a presena macia de produtos cientficos e
tecnolgicos; e a multiplicidade de linguagens
e cdigos no cotidiano. Apropriar-se desses co-
nhecimentos pode ser fator de ampliao das
liberdades, ao passo que sua no apropriao
pode significar mais um fator de excluso.
Um currculo que d sentido, significa-
do e contedo escola precisa levar em conta
os elementos aqui apresentados. Por isso, o
Currculo da Secretaria da Educao do Estado
de So Paulo tem como princpios centrais: a
escola que aprende; o currculo como espa-
o de cultura; as competncias como eixo de
aprendizagem; a prioridade da competncia
de leitura e de escrita; a articulao das com-
petncias para aprender; e a contextualizao
no mundo do trabalho.
Princpios para um currculo comprometido com o seu tempo
Uma escola que tambm aprende
A tecnologia imprime um ritmo sem pre-
cedentes ao acmulo de conhecimentos e gera
profunda transformao quanto s formas de
estrutura, organizao e distribuio do co-
nhecimento acumulado. Nesse contexto, a ca-
pacidade de aprender ter de ser trabalhada
no apenas nos alunos, mas na prpria escola,
como instituio educativa.
Isso muda radicalmente a concepo da
escola: de instituio que ensina para institui-
o que tambm aprende a ensinar. Nessa
escola, as interaes entre os responsveis
pela aprendizagem dos alunos tm carter de
aes formadoras, mesmo que os envolvidos
no se deem conta disso. Vale ressaltar a res-
ponsabilidade da equipe gestora como forma-
dora de professores e a responsabilidade dos
docentes, entre si e com o grupo gestor, na
11
ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo
problematizao e na significao dos conhe-
cimentos sobre sua prtica.
Essa concepo parte do princpio de que
ningum detentor absoluto do conhecimento
e de que o conhecimento coletivo maior que
a soma dos conhecimentos individuais, alm de
ser qualitativamente diferente. Esse o ponto
de partida para o trabalho colaborativo, para a
formao de uma comunidade aprendente,
nova terminologia para um dos mais antigos
ideais educativos. A vantagem hoje que a tec-
nologia facilita a viabilizao prtica desse ideal.
Aes como a construo coletiva da
Proposta Pedaggica, por meio da reflexo e
da prtica compartilhadas, e o uso intencional
da convivncia como situao de aprendizagem
fazem parte da constituio de uma escola al-
tura de seu tempo. Observar que as regras da
boa pedagogia tambm se aplicam queles que
esto aprendendo a ensinar uma das chaves
para o sucesso das lideranas escolares. Os ges-
tores, como agentes formadores, devem pr em
pr tica com os professores tudo aquilo que reco-
mendam a eles que apliquem com seus alunos.
O currculo como espao de cultura
No cotidiano escolar, a cultura muitas
vezes associada ao que local, pitoresco, fol-
clrico, bem como ao divertimento ou lazer, ao
passo que o conhecimento frequentemente as-
sociado a um saber inalcanvel. Essa dicotomia
no cabe em nossos tempos: a informao est
disponvel a qualquer instante, em tempo real,
ao toque de um dedo, e o conhecimento cons-
titui ferramenta para articular teoria e prtica, o
global e o local, o abstrato e seu contexto fsico.
Currculo a expresso do que existe na
cultura cientfica, artstica e humanista trans-
posto para uma situao de aprendizagem e
ensino. Precisamos entender que as atividades
extraclasse no so extracurriculares quan-
do se deseja articular cultura e conhecimento.
Nesse sentido, todas as atividades da escola
so curriculares; caso contrrio, no so justi-
ficveis no contexto escolar. Se no rompermos
essa dissociao entre cultura e conhecimento
no conectaremos o currculo vida e seguire-
mos alojando na escola uma mirade de atividades
culturais que mais dispersam e confundem do
que promovem aprendizagens curriculares rele-
vantes para os alunos.
O conhecimento tomado como instru-
mento, mobilizado em competncias, refora o
sentido cultural da aprendizagem. Tomado como
valor de contedo ldico, de carter tico ou de
fruio esttica, numa escola de prtica cultural
ativa, o conhecimento torna-se um prazer que
pode ser aprendido ao se aprender a aprender.
Nessa escola, o professor no se limita a suprir o
aluno de saberes, mas dele parceiro nos faze-
res culturais; quem promove, das mais variadas
formas, o desejo de aprender, sobretudo com o
exemplo de seu prprio entusiasmo pela cultura
humanista, cientfica e artstica.
Quando, no projeto pedaggico da escola,
a cidadania cultural uma de suas prioridades,
12
Apresentao Currculo do Estado de So Paulo
o currculo a referncia para ampliar, locali-
zar e contextualizar os conhecimentos acumu-
lados pela humanidade ao longo do tempo.
Ento, o fato de uma informao ou de um
conhecimento emergir de um ou mais con-
textos distintos na grande rede de informao
no ser obstculo prtica cultural resultante
da mobilizao desses saberes nas cincias,
nas artes e nas humanidades.
As competncias como referncia
Um currculo que promove competn-
cias tem o compromisso de articular as dis-
ciplinas e as atividades escolares com aquilo
que se espera que os alunos aprendam ao
longo dos anos. Logo, a atuao do professor,
os contedos, as metodologias disciplinares
e a aprendizagem requerida dos alunos so
aspectos indissociveis, que compem um sis-
tema ou rede cujas partes tm caractersticas
e funes especficas que se complementam
para formar um todo, sempre maior do que
elas. Maior porque o currculo se comprome-
te em formar crianas e jovens para que se
tornem adultos preparados para exercer suas
responsabilidades (trabalho, famlia, autono-
mia etc.) e para atuar em uma sociedade que
depende deles.
Com efeito, um currculo referencia-
do em competncias supe que se aceite
o desafio de promover os conhecimentos
prprios de cada disciplina articuladamente
s competncias e habilidades do aluno.
com essas competncias e habilidades que o
aluno contar para fazer a leitura crtica do
mundo, questionando-o para melhor com-
preend-lo, inferindo questes e comparti-
lhando ideias, sem, pois, ignorar a comple-
xidade do nosso tempo.
Tais competncias e habilidades podem
ser consideradas em uma perspectiva geral,
isto , no que tm de comum com as discipli-
nas e tarefas escolares ou no que tm de espe-
cfico. Competncias, nesse sentido, caracteri-
zam modos de ser, de raciocinar e de interagir,
que podem ser depreendidos das aes e das
tomadas de deciso em contextos de proble-
mas, de tarefas ou de atividades. Graas a
elas, podemos inferir, hoje, se a escola como
instituio est cumprindo devidamente o pa-
pel que se espera dela.
Os alunos considerados neste Currculo
do Estado de So Paulo tm, de modo geral,
entre 11 e 18 anos. Valorizar o desenvolvimen-
to de competncias nessa fase da vida implica
ponderar, alm de aspectos curriculares e do-
centes, os recursos cognitivos, afetivos e so-
ciais dos alunos. Implica, pois, analisar como o
professor mobiliza contedos, metodologias e
saberes prprios de sua disciplina ou rea de
conhecimento, visando a desenvolver compe-
tncias em adolescentes, bem como a instigar
desdobramentos para a vida adulta.
Paralelamente a essa conduta, preciso
considerar quem so esses alunos. Ter entre 11
e 18 anos significa estar em uma fase pecu-
liar da vida, entre a infncia e a idade adulta.
13
ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo
Nesse sentido, o jovem aquele que deixou de
ser criana e prepara-se para se tornar adul-
to. Trata-se de um perodo complexo e con-
traditrio da vida do aluno, que requer muita
ateno da escola.
Nessa etapa curricular, a trade sobre a
qual competncias e habilidades so desenvol-
vidas pode ser assim caracterizada:
a) o adolescente e as caractersticas de suas
aes e pensamentos;
b) o professor, suas caractersticas pessoais e pro-
fissionais e a qualidade de suas mediaes;
c) os contedos das disciplinas e as metodolo-
gias para seu ensino e aprendizagem.
Houve um tempo em que a educao
escolar era referenciada no ensino o plano
de trabalho da escola indicava o que seria en-
sinado ao aluno. Essa foi uma das razes pelas
quais o currculo escolar foi confundido com
um rol de contedos disciplinares. A Lei de Di-
retrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN)
no 9394/96 deslocou o foco do ensino para a
aprendizagem, e no por acaso que sua filo-
sofia no mais a da liberdade de ensino, mas
a do direito de aprender.
O conceito de competncias tambm
fundamental na LDBEN, nas Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) e nos Parme-
tros Curriculares Nacionais (PCN), elaborados
pelo Conselho Nacional de Educao e pelo
Ministrio da Educao. O currculo referen-
ciado em competncias uma concepo
que requer que a escola e o plano do profes-
sor indiquem o que aluno vai aprender.
Uma das razes para se optar por uma
educao centrada em competncias diz res-
peito democratizao da escola. Com a
universalizao do Ensino Fundamental, a edu-
cao incorpora toda a heterogeneidade que
caracteriza o povo brasileiro; nesse contexto,
para ser democrtica, a escola tem de ser igual-
mente acessvel a todos, diversa no tratamento
a cada um e unitria nos resultados.
Optou-se por construir a unidade com
nfase no que indispensvel que todos te-
nham aprendido ao final do processo, con-
siderando-se a diversidade. Todos tm direito
de construir, ao longo de sua escolaridade, um
conjunto bsico de competncias, definido pela
lei. Esse o direito bsico, mas a escola dever
ser to diversa quanto so os pontos de partida
das crianas que recebe. Assim, ser possvel
garantir igualdade de oportunidades, diversi-
dade de tratamento e unidade de resultados.
Quando os pontos de partida so diferentes,
preciso tratar diferentemente os desiguais para
garantir a todos uma base comum.
Pensar o currculo hoje viver uma tran-
sio na qual, como em toda transio, traos
do velho e do novo se mesclam nas prticas
cotidianas. comum que o professor, ao for-
mular seu plano de trabalho, indique o que
vai ensinar, e no o que o aluno vai aprender.
14
Apresentao Currculo do Estado de So Paulo
E compreensvel, segundo essa lgica, que,
no fim do ano letivo, cumprido seu plano, ele
afirme, diante do fracasso do aluno, que fez
sua parte, ensinando, e que foi o aluno que
no aprendeu.
No entanto, a transio da cultura do en-
sino para a da aprendizagem no um processo
individual. A escola deve faz-lo coletivamente,
tendo frente seus gestores, que devem ca-
pacitar os professores em seu dia a dia, a fim
de que todos se apropriem dessa mudana de
foco. Cabe s instncias responsveis pela po-
ltica educacional nos Estados e nos municpios
elaborar, a partir das DCN e dos PCN, propostas
curriculares prprias e especficas, para que as
escolas, em sua Proposta Pedaggica, estabele-
am os planos de trabalho que, por sua vez, fa-
ro, das propostas, currculos em ao como
no presente esforo desta Secretaria.
Prioridade para a competncia da
leitura e da escrita
Concebe-se o homem a partir do traba-
lho e das mediaes simblicas que regem suas
relaes com a vida, com o mundo e com ele
prprio. So dois os eixos dessas atividades: o
da produo (transformao da natureza) e
o da comunicao (relaes intersubjetivas).
A linguagem constitutiva do ser huma-
no. Pode-se definir linguagens como sistemas
simblicos, instrumentos de conhecimento e
de construo de mundo, formas de classifi-
cao arbitrrias e socialmente determinadas.
Esses sistemas so, ao mesmo tempo, estrutu-
rados e estruturantes, uma vez que geram e
so gerados no constante conflito entre os pro-
tagonistas sociais pela manuteno ou trans-
formao de uma viso de mundo: o poder
simblico do fazer ver e fazer crer, do pensar,
do sentir e do agir em determinado sentido.
Em sntese, as linguagens incorporam
as produes sociais que se estruturam me-
diadas por cdigos permanentes, passveis de
representao do pensamento humano e ca-
pazes de organizar uma viso de mundo me-
diada pela expresso, pela comunicao e pela
informao.
A linguagem verbal, oral e escrita, repre-
sentada pela lngua materna, viabiliza a com-
preenso e o encontro dos discursos utilizados
em diferentes esferas da vida social. com a
lngua materna e por meio dela que as formas
sociais arbitrrias de viso de mundo so in-
corporadas e utilizadas como instrumentos de
conhecimento e de comunicao.
As relaes lingusticas, longe de ser uni-
formes, marcam o poder simblico acumulado
por seus protagonistas. No h uma competn-
cia lingustica abstrata, mas, sim, limitada pelas
condies de produo e de interpretao dos
enunciados determinados pelos contextos de
uso da lngua. Esta utiliza um cdigo com funo
ao mesmo tempo comunicativa e legislativa.
O domnio do cdigo no suficiente
para garantir a comunicao; algumas situaes
15
ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo
de fala ou escrita podem, inclusive, produzir
o total silncio daquele que se sente pouco
vontade no ato interlocutivo.
O desenvolvimento da competncia lin-
gustica do aluno, nessa perspectiva, no est
pautado na exclusividade do domnio tcnico
de uso da lngua legitimada pela norma-padro,
mas, principalmente, no domnio da competncia
performativa: o saber usar a lngua em situa es
subjetivas ou objetivas que exijam graus de dis-
tanciamento e de reflexo sobre contextos e es-
tatutos de interlocutores, ou seja, a competncia
comunicativa vista pelo prisma da referncia do
valor social e simblico da atividade lingustica, no
mbito dos inmeros discursos concorrentes.
A utilizao dessa variedade d-se por
meio de um exerccio prtico em situaes de
simulao escolar. A competncia performativa
exige mais do que uma atitude de reproduo
de valores.
A diversidade de textos concorre para o
reconhecimento dos gneros como expresses
histricas e culturais diversificadas, que vo se
modificando ao longo do tempo. Hoje, mais do
que nunca, as transformaes tecnolgicas po-
dem atropelar o trabalho de uma escola que se
cristaliza em modelos estanques. Nesse sentido,
os gneros devem receber o enfoque especfico
de cada disciplina e, ao mesmo tempo, precisam
ser trabalhados de modo interdisciplinar.
O carter linear dos textos verbais dever
conviver com o carter reticular dos hiper textos
eletrnicos, como, alis, acontece em leituras de
jornais impressos, em que os olhos navegam
por uma pgina, ou por vrias delas, aos saltos
e de acordo com nossas intenes, libertos da
continuidade temporal. Saber ler um jornal
uma habilidade histrica, porque precisamos
conhecer os modos como a manchete, a notcia,
o lead, a reportagem etc. conectam-se e distri-
buem-se, estabelecendo ligaes nada lineares,
e tambm o carter multimdia do jornal, que
se estabelece entre os diferentes cdigos utili-
zados (uma imagem pode se contrapor a uma
manchete, por exemplo, criando, at mesmo,
um efeito de ironia).
Em uma cultura letrada como a nossa, a
competncia de ler e de escrever parte inte-
grante da vida das pessoas e est intimamente
associada ao exerccio da cidadania. As prticas
de leitura e escrita, segundo as pesquisas que
vm sendo realizadas na rea, tm impacto so-
bre o desenvolvimento cognitivo do indivduo.
Essas prticas possibilitam o desenvolvimento
da cons cincia do mundo vivido (ler registrar
o mundo pela palavra, afirma Paulo Freire),
propiciando aos sujeitos sociais a autonomia
na aprendizagem e a contnua transformao,
inclusive das relaes pessoais e sociais.
Nesse sentido, os atos de leitura e de
produo de textos ultrapassam os limites da
escola, especialmente os da aprendizagem
em lngua materna, configurando-se como
pr-requisitos para todas as disciplinas escola-
res. A leitura e a produo de textos so ati-
vidades permanentes na escola, no trabalho,
16
Apresentao Currculo do Estado de So Paulo
nas relaes interpessoais e na vida. Por isso
mesmo, o Currculo proposto tem por eixo a
competncia geral de ler e de produzir textos,
ou seja, o conjunto de competncias e habilida-
des especficas de compreenso e de reflexo
crtica intrinsecamente associado ao trato com
o texto escrito.
As experincias profcuas de leitura pressu-
pem o contato do aluno com a diversidade de
textos, tanto do ponto de vista da forma quanto
no que diz respeito ao contedo. Alm do dom-
nio da textualidade propriamente dita, o aluno
vai construindo, ao longo do ensino-aprendiza-
gem, um repertrio cultural especfico relacio-
nado s diferentes reas do conhecimento que
usam a palavra escrita para o registro de ideias,
de experincias, de conceitos, de snteses etc.
O texto o foco principal do processo
de ensino-aprendizagem. Considera-se texto
qualquer sequncia falada ou escrita que cons-
titua um todo unificado e coerente dentro de
uma determinada situao discursiva. Assim,
o que define um texto no a extenso des-
sa sequncia, mas o fato de ela configurar-se
como uma unidade de sentido associada a uma
situao de comunicao. Nessa perspectiva, o
texto s existe como tal quando atualizado em
uma situao que envolve, necessariamente,
quem o produz e quem o interpreta.
E, na medida em que todo texto escrito
produzido para ser lido, ele reflete as possi-
bilidades e as expectativas do leitor a que se
dirige, identificvel por marcas como valores,
referncias e formulaes caractersticos. Por
sua vez, esse leitor est associado a domnios
de circulao dos textos prprios de determi-
nadas esferas discursivas, ou seja, de mbitos
da vida social como o trabalho, a educao, a
mdia e o lazer em que o texto escrito adquire
formas particulares de produo, organizao e
circulao. Nesse sentido, todo texto articula-se
para atingir um leitor socialmente situado, tendo
em vista um objetivo definido, atualizando-se,
em seu meio de circulao, sob a forma de um
gnero discursivo especfico.
Textos so classificados segundo a esfe-
ra discursiva de circulao e o gnero a que
pertencem. A seleo das esferas e dos gne-
ros procura contemplar a importncia social e
educacional desses textos para a formao do
aluno, considerando-se diferentes situaes
de leitura, como:
ler, em situao pessoal, textos que, no co-
tidiano, so escolhidos pelo leitor de acordo
com seu interesse, em busca de divertimen-
to, de informao e de reflexo (esferas
artstico-literria, de entretenimento, jorna-
lstica e publicitria);
ler textos relacionados vida pblica, que,
no cotidiano, so utilizados para atender a
uma demanda institucional predefinida ou
a ela respeitar (esfera institucional pblica);
ler, em situao de trabalho ou ocupacional,
textos que, no cotidiano, so utilizados para
fazer algo (esfera ocupacional);
17
ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo
ler, em situao de educao formal, textos
que, no cotidiano, so prescritos para o en-
sino-aprendizagem de determinado assunto
ou conceito (esferas escolar e de divulgao
cientfica).
O debate e o dilogo, as perguntas que
desmontam as frases feitas, a pesquisa, entre
outras, seriam formas de auxiliar o aluno a cons-
truir um ponto de vista articulado sobre o texto.
Nesse caso, o aluno deixaria de ser mero espec-
tador ou reprodutor de saberes discutveis para
se apropriar do discurso, verificando a coerncia
de sua posio em face do grupo com quem
partilha interesses. Dessa forma, alm de se
apropriar do discurso do outro, ele tem a possi-
bilidade de divulgar suas ideias com objetividade
e fluncia perante outras ideias. Isso pressupe
a formao crtica, diante da prpria produo,
e a necessidade pessoal de partilhar dos propsi-
tos previstos em cada ato interlocutivo.
Pertencer a uma comunidade, hoje,
tambm estar em contato com o mundo todo;
a diversidade da ao humana est cada vez
mais prxima da unidade para os fins solid-
rios. A leitura e a escrita, por suas caracters-
ticas formativas, informativas e comunicativas,
apresentam-se como instrumentos valiosos para
se alcanar esses fins. Na escola, o aluno deve
compreender essa inter-relao como um meio
de preservao da identidade de grupos sociais
menos institucionalizados e como possibilidade
do direito s representaes em face de outros
grupos que tm a seu favor as instituies que
autorizam a autorizar.
Hoje, o domnio do fazer comunicativo
exige formas complexas de aprendizagem. Para
fazer, deve-se conhecer o que e como. Depois
dessa anlise reflexiva, tenta-se a elaborao,
consciente de que ela ser considerada numa
rede de expectativas contraditrias. Entra-se
no limite da transversalidade dos usos sociais
da leitura e da escrita; s escolhas individuais
impem-se os limites do social, envolvendo
esquemas cognitivos complexos daqueles que
podem escolher, porque tiveram a oportunida-
de de aprender a escolher.
Por esse carter essencial da competn-
cia de leitura e de escrita para a aprendizagem
dos con tedos curriculares de todas as reas e
disciplinas, a responsabilidade por sua aprendi-
zagem e avaliao cabe a todos os professores,
que devem transformar seu trabalho em opor-
tunidades nas quais os alunos possam aprender
e consigam consolidar o uso da Lngua Portu-
guesa e das outras linguagens e cdigos que
fazem parte da cultura, bem como das formas
de comunicao em cada uma delas.
A centralidade da competncia leitora e
escritora, que a transforma em objetivo de to-
das as sries/anos e de todas as disciplinas, assi-
nala para os gestores (a quem cabe a educao
continuada dos professores na escola) a necessi-
dade de criar oportunidades para que os docen-
tes tambm desenvolvam essa competncia.
Por fim, importante destacar que o do-
mnio das linguagens representa um primordial
elemento para a conquista da autonomia, a
18
Apresentao Currculo do Estado de So Paulo
chave para o acesso a informaes, permitindo
a comunicao de ideias, a expresso de senti-
mentos e o dilogo, necessrios negociao
dos significados e aprendizagem continuada.
Articulao das competncias para aprender
A aprendizagem o centro da atividade
escolar. Por extenso, o professor caracteriza-se
como um profissional da aprendizagem. O pro-
fessor apresenta e explica contedos, organiza
situaes para a aprendizagem de conceitos,
de mtodos, de formas de agir e pensar, em
suma, promove conhecimentos que possam ser
mobilizados em competncias e habilidades que,
por sua vez, instrumentalizam os alunos para
enfrentar os problemas do mundo. Dessa forma,
a expresso educar para a vida pode ganhar
seu sentido mais nobre e verdadeiro na prtica
do ensino. Se a educao bsica para a vida, a
quantidade e a qualidade do conhecimento tm
de ser determinadas por sua relevncia para a
vida de hoje e do futuro, para alm dos limites
da escola. Portanto, mais que os contedos iso-
lados, as competncias so guias eficazes para
educar para a vida. As competncias so mais
gerais e constantes; os conte dos, mais espec-
ficos e variveis. exatamente a possibilidade
de variar os contedos no tempo e no espao
que legitima a iniciativa dos diferentes sistemas
pblicos de ensino de selecionar, organizar e or-
denar os saberes disciplinares que serviro como
base para a constituio de competncias, cuja
referncia so as di retrizes e orientaes nacio-
nais, de um lado, e as demandas do mundo
contemporneo, de outro.
As novas tecnologias da informao
promoveram uma mudana na produo, na
organizao, no acesso e na disseminao do
conhecimento. A escola, sobretudo hoje, j no
a nica detentora de informao e conheci-
mento, mas cabe a ela preparar seu aluno para
viver em uma sociedade em que a informao
disseminada em grande velocidade.
Vale insistir que essa preparao no
exige maior quantidade de ensino (ou de
contedos), mas sim melhor qualidade de
aprendizagem. preciso deixar claro que isso
no significa que os contedos do ensino no
sejam importantes; ao contrrio, so to impor-
tantes que a eles est dedicado este trabalho
de elaborao do Currculo do ensino oficial do
Estado de So Paulo. So to decisivos que in-
dispensvel aprender a continuar aprendendo
os contedos escolares, mesmo fora da escola
ou depois dela. Continuar aprendendo a mais
vital das competncias que a educao deste
sculo precisa desenvolver. No s os conheci-
mentos com os quais a escola trabalha podem
mudar, como a vida de cada um apresentar
novas nfases e necessidades, que precisaro
ser continuamente supridas. Prepa rar-se para
acompanhar esse movimento torna-se o gran-
de desafio das novas geraes.
Este Currculo adota como competncias
para aprender aquelas que foram formuladas
no referencial terico do Exame Nacional do
Ensino Mdio (Enem, 1998). Entendidas como
desdobramentos da competncia leitora e es-
critora, para cada uma das cinco competncias
19
ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo
do Enem transcritas a seguir apresenta-se a ar-
ticulao com a competncia de ler e escrever.
Dominar a norma-padro da Lngua Portu-
guesa e fazer uso das linguagens matemtica,
artstica e cientfica. A constituio da
competncia de leitura e escrita tambm
o domnio das normas e dos cdigos que
tornam as linguagens instrumentos eficien-
tes de registro e expresso que podem ser
compartilhados. Ler e escrever, hoje, so
competncias fundamentais para qualquer
disciplina ou profisso. Ler, entre outras coisas,
interpretar (atribuir sentido ou significado),
e escrever, igualmente, assumir uma autoria
individual ou coletiva (tornar-se respon svel
por uma ao e suas consequncias).
Construir e aplicar conceitos das vrias reas
do conhecimento para a compreenso de
fenmenos naturais, de processos histri-
co-geogrficos, da produo tecnolgica e
das manifestaes artsticas. o desenvol-
vimento da linguagem que possibilita o ra-
ciocnio hipottico-dedutivo, indispensvel
compreenso de fenmenos. Ler, nesse sen-
tido, um modo de compreender, isto , de
assimilar experincias ou contedos discipli-
nares (e modos de sua produo); escrever
expressar sua construo ou reconstruo
com sentido, aluno por aluno.
Selecionar, organizar, relacionar, interpre-
tar dados e informaes representados de
diferentes formas, para tomar decises e
enfrentar situaes-problema. Ler implica
tambm alm de empregar o raciocnio hi-
pottico-dedutivo que possibilita a compre-
enso de fenmenos antecipar, de forma
comprometida, a ao para intervir no fen-
meno e resolver os problemas decorrentes
dele. Escrever, por sua vez, significa dominar
os inmeros formatos que a soluo do pro-
blema comporta.
Relacionar informaes, representadas em
diferentes formas, e conhecimentos dispo-
nveis em situaes concretas, para construir
argumentao consistente. A leitura, nes-
se caso, sintetiza a capacidade de escutar,
supor, informar-se, relacionar, comparar etc.
A escrita permite dominar os cdigos que
expressam a defesa ou a reconstruo de ar-
gumentos com liberdade, mas observando
regras e assumindo responsabilidades.
Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos
na escola para elaborar propostas de inter-
veno solidria na realidade, respeitando os
valores humanos e considerando a diversida-
de sociocultural. Ler, nesse caso, alm de
implicar o descrever e o compreender, bem
como o argumentar a respeito de um fen-
meno, requer a antecipao de uma inter-
veno sobre ele, com a tomada de decises
a partir de uma escala de valores. Escrever
formular um plano para essa interveno,
formular hipteses sobre os meios mais efi-
cientes para garantir resultados a partir da
escala de valores adotada. no contexto da
realizao de projetos escolares que os alu-
nos aprendem a criticar, respeitar e propor
20
Apresentao Currculo do Estado de So Paulo
projetos valiosos para toda a sociedade; por
intermdio deles, aprendem a ler e a escre-
ver as coisas do mundo atual, relacionando
aes locais com a viso global, por meio de
atuao solidria.
Articulao com o mundo do trabalho
A contextualizao tem como norte os
dispositivos da LDBEN, as normas das DCN, que
so obrigatrias, e as recomendaes dos PCN
do Ensino Mdio, tambm pertinentes para
a educao bsica como um todo, sobretudo
para o segmento da 5a srie/6o ano em dian-
te. Para isso, preciso recuperar alguns tpicos
desse conjunto legal e normativo.
Compreenso dos significados das
cincias, das letras e das artes
Compreender o significado reconhecer,
apreender e partilhar a cultura que envolve
as reas de conhecimento, um conjunto de
conceitos, posturas, condutas, valores, enfo-
ques, estilos de trabalho e modos de fazer que
caracterizam as vrias cincias naturais, exatas,
sociais e humanas , as artes visuais, musicais,
do movimento e outras , a matemtica, as ln-
guas e outras reas de expresso no verbal.
Ao dispor sobre esse objetivo de compre-
enso do sentido, a LDBEN est indicando que
no se trata de formar especialistas nem pro-
fissionais. Especialistas e profissionais devem,
alm de compreender o sentido, dominar a es-
trutura conceitual e o estatuto epistemolgico
de suas especialidades no esse o caso dos
alunos da educao bsica. Como esto na es-
cola, preparando-se para assumir plenamente
sua cidadania, todos devem passar pela alfa-
betizao cientfica, humanista, lingustica, ar-
tstica e tcnica para que sua cidadania, alm
de ser um direito, tenha qualidade. O aluno
precisa constituir as competncias para reco-
nhecer, identificar e ter viso crtica daquilo
que prprio de uma rea do conhecimento
e, a partir desse conhecimento, avaliar a im-
portncia dessa rea ou disciplina em sua vida
e em seu trabalho.
A lei determina um prazo generoso para
que os alunos aprendam o significado das cin-
cias, das artes e das letras: comea na Educa-
o Infantil, percorre o Ensino Fundamental e
prossegue no Ensino Mdio.
Durante mais de doze anos dever haver
tempo suficiente para que os alunos se alfa-
betizem nas cincias, nas humanidades e nas
tcnicas, entendendo seus enfoques e mtodos
mais importantes, seus pontos fortes e fracos,
suas polmicas, seus conceitos e, sobretudo,
o modo como suas descobertas influenciam
a vida das pessoas e o desenvolvimento social
e econmico.
Para isso, importante abordar, em cada
ano ou nvel da escola bsica, a maneira como
as diferentes reas do currculo articulam a
realidade e seus objetos de conhecimento es-
pecficos, a partir de questes como as exem-
plificadas a seguir.
21
ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo
Que limitaes e potenciais tm os enfoques
prprios das reas?
Que prticas humanas, das mais simples s
mais complexas, tm fundamento ou inspi-
rao nessa cincia, arte ou outra rea de
conhecimento?
Quais as grandes polmicas nas vrias disci-
plinas ou reas de conhecimento?
A relao entre teoria e prtica em cada
disciplina do Currculo
A relao entre teoria e prtica no envolve
necessariamente algo observvel ou manipulvel,
como um experimento de laboratrio ou a cons-
truo de um objeto. Tal relao pode acontecer
ao se compreender como a teoria se aplica em
contextos reais ou simulados. Uma possibilidade
de transposio didtica reproduzir a indagao
de origem, a questo ou necessidade que levou
construo de um conhecimento que j est
dado e precisa ser apropriado e aplicado, no obri-
gatoriamente ser descoberto de novo.
A lei determina corretamente que a rela-
o entre teoria e prtica se d em cada disci-
plina do currculo, uma vez que boa parte dos
problemas de qualidade do ensino decorre da
dificuldade em destacar a dimenso prtica
do conhecimento, tornando-o verbalista e abs-
trato. Por exemplo, a disciplina Histria , por
vezes, considerada terica, mas nada to pr-
tico quanto entender a origem de uma cidade
e as razes da configurao urbana. A Qumica
erroneamente considerada mais prtica por
envolver atividades de laboratrio, manipula-
o de substncias e outras idiossincrasias; no
entanto, no existe nada mais terico do que o
estudo da tabela de elementos qumicos.
A mesma Qumica que emprega o nome
dos elementos precisa ser um instrumento
cognitivo para nos ajudar a entender e, se preciso,
decidir sobre o uso de alimentos com agrotxicos
ou conservantes. Tais questes no se restringem
a especialistas ou cientistas. No preciso ser qu-
mico para ter de escolher o que se vai comer.
No entanto, para sermos cidados ple-
nos, devemos adquirir discernimento e co-
nhecimentos pertinentes para tomar decises
em diversos momentos, como em relao
escolha de alimentos, ao uso da eletricidade,
ao consumo de gua, seleo dos progra-
mas de TV ou escolha do candidato a um
cargo poltico.
As relaes entre educao e tecnologia
A educao tecnolgica bsica uma das
diretrizes que a LDBEN estabelece para orientar
o currculo do Ensino Mdio. A lei ainda associa
a compreenso dos fundamentos cientficos
dos processos produtivos ao relacionamento
entre teoria e prtica em cada disciplina do cur-
rculo. E insiste quando insere o domnio dos
princpios cientficos e tecnolgicos que presi-
dem a produo moderna entre as compe-
tncias que o aluno deve demonstrar ao final
da educao bsica. A tecnologia comparece,
22
Apresentao Currculo do Estado de So Paulo
portanto, no currculo da educao bsica com
duas acepes complementares:
a) como educao tecnolgica bsica;
b) como compreenso dos fundamentos cien-
tficos e tecnolgicos da produo.
A primeira acepo refere-se alfabetiza-
o tecnolgica, que inclui aprender a lidar com
computadores, mas vai alm. Alfabeti zar-se
tecnologicamente entender as tecnologias
da histria humana como elementos da cul-
tura, como parte das prticas sociais, culturais
e produtivas, que, por sua vez, so insepar-
veis dos conhecimentos cientficos, artsticos e
lingusticos que as fundamentam. A educao
tecnolgica bsica tem o sentido de preparar
os alunos para viver e conviver em um mun-
do no qual a tecnologia est cada vez mais
presente, no qual a tarja magntica, o celu-
lar, o cdigo de barras e outros tantos recur-
sos digitais se incorporam velozmente vida
das pessoas, qualquer que seja sua condio
socioeconmica.
A segunda acepo, ou seja, a com-
preenso dos fundamentos cientficos e tec-
nolgicos da produo, faz da tecnologia a
chave para relacionar o currculo ao mundo
da produo de bens e servios, isto , aos
processos pelos quais a humanidade e cada
um de ns produz os bens e servios de que
necessita para viver. Foi para se manter fiel
ao esprito da lei que as DCN introduziram a
tecnologia em todas as reas, tanto das DCN
como dos PCN para o Ensino Mdio, evitando
a existncia de disciplinas tecnolgicas iso-
ladas e separadas dos conhecimentos que lhes
servem de fundamento.
A prioridade para o contexto do trabalho
Se examinarmos o conjunto das reco-
mendaes j analisadas, o trabalho enquanto
produo de bens e servios revela-se como a
prtica humana mais importante para conectar
os contedos do currculo realidade. Desde sua
abertura, a LDBEN faz referncia ao trabalho,
enquanto prtica social, como elemento que
vincula a educao bsica realidade, desde
a Educao Infantil at a concluso do Ensino
Mdio. O vnculo com o trabalho carrega vrios
sentidos que precisam ser explicitados.
Do ponto de vista filosfico, expressa
o valor e a importncia do trabalho. par-
te qualquer implicao pedaggica relativa a
currculos e definio de contedos, o va-
lor do trabalho incide em toda a vida esco-
lar: desde a valorizao dos trabalhadores da
escola e da famlia at o respeito aos traba-
lhadores da comunidade, o conhecimento do
trabalho como produtor de riqueza e o reco-
nhecimento de que um dos fundamentos da
desigualdade social a remunerao injusta
do trabalho. A valorizao do trabalho tam-
bm uma crtica ao bacharelismo ilustrado,
que por muito tempo predominou nas escolas
voltadas para as classes sociais privilegiadas.
A implicao pedaggica desse princpio
atribui um lugar de destaque para o traba-
lho humano, contextualizando os contedos
23
ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo
curriculares, sempre que for pertinente, com
os tratamentos adequados a cada caso.
Em sntese, a prioridade do trabalho na
educao bsica assume dois sentidos com-
plementares: como valor, que imprime im-
portncia ao trabalho e cultiva o respeito que
lhe devido na sociedade, e como tema
que perpassa os contedos curriculares, atri-
buindo sentido aos conhecimentos especfi-
cos das disciplinas.
O contexto do trabalho no Ensino Mdio
A tradio de ensino academicista, des-
vinculado de qualquer preocupao com a
prtica, separou a formao geral e a forma-
o profissional no Brasil. Durante dcadas,
elas foram modalidades excludentes de ensi-
no. A tentativa da LDB (Lei no 5692/71) de unir
as duas modalidades, profissionalizando todo
o Ensino Mdio, apenas descaracterizou a for-
mao geral, sem ganhos significativos para a
profissional.
Hoje essa separao j no se d nos
mesmos moldes porque o mundo do trabalho
passa por transformaes profundas. medida
que a tecnologia vai substituindo os trabalha-
dores por autmatos na linha de montagem
e nas tarefas de rotina, as competncias para
trabalhar em ilhas de produo, associar con-
cepo e execuo, resolver problemas e tomar
decises tornam-se mais importantes do que
conhecimentos e habilidades voltados para
postos especficos de trabalho.
A LDBEN adota uma perspectiva sintoni-
zada com essas mudanas na organizao do
trabalho ao recomendar a articulao entre edu-
cao bsica e profissional, definindo, entre as
finalidades do Ensino Mdio, a preparao
bsica para o trabalho e a cidadania do edu-
cando, para continuar aprendendo, de modo a
ser capaz de se adaptar com flexibilidade a
novas condies de ocupao ou aperfeioa-
mento posteriores (grifo nosso). A lei no re-
cupera a formao profissional para postos ou
reas especficas dentro da carga horria geral
do Ensino Mdio, como pretendeu a legislao
anterior, mas tambm no chancela o carter
inteiramente propedutico que esse ensino
tem assumido na educao bsica brasileira.
As DCN para o Ensino Mdio interpre-
taram essa perspectiva como uma preparao
bsica para o trabalho, abrindo a possibilidade
de que os sistemas de ensino ou as escolas te-
nham nfases curriculares diferentes, com au-
tonomia para eleger as disciplinas especficas
e suas respectivas cargas horrias dentro das
trs grandes reas institudas pelas DCN, desde
que garantida a presena das trs reas. Essa
abertura permite que escolas de Ensino Mdio,
a partir de um projeto pedaggico integrado
com cursos de educao profissional de nvel
tcnico, atribuam mais tempo e ateno a dis-
ciplinas ou reas disciplinares cujo estudo possa
ser aproveitado na educao profissional.
Para as DCN, o que a lei denomina pre-
parao bsica para o trabalho pode ser a
aprendizagem de contedos disciplinares
24
Apresentao Currculo do Estado de So Paulo
constituintes de competncias bsicas que
sejam tambm pr-requisitos de formao
profissional. Em inmeros casos, essa opo
pouparia tempo de estudo para o jovem que
precisa ingressar precocemente no mercado de
trabalho. Para facilitar essa abertura, as Diretri-
zes Curriculares Nacionais para a Educao Pro-
fissional de Nvel Tcnico (DCNEP) flexibilizaram
a durao dos cursos profissionais desse nvel,
possibilitando o aproveitamento de estudos j
realizados ou mesmo o exerccio profissional
prvio. Essas duas peas normativas criaram
os mecanismos pedaggicos que podem via-
bilizar o que foi estabelecido na LDBEN (Lei
no 9394/96) e em decretos posteriores.
A preparao bsica para o trabalho em
determinada rea profissional, portanto, pode
ser realizada em disciplinas de formao bsica
do Ensino Mdio. As escolas, nesse caso, atri-
buiriam carga horria suficiente e tratamento
pedaggico adequado s reas ou disciplinas
que melhor preparassem seus alunos para o
curso de educao profissional de nvel tcni-
co escolhido. Essa possibilidade fundamenta-se
no pressuposto de que nfases curriculares
diferenciadas so equivalentes para a consti-
tuio das competncias previstas na LDBEN,
nas DCN para o Ensino Mdio e na matriz de
competncias do Enem.
Isso supe um tipo de articulao entre
currculos de formao geral e currculos de
formao profissional, em que os primeiros
encarregam-se das competncias bsicas, fun-
damentando sua constituio em contedos,
reas ou disciplinas afinadas com a formao
profissional nesse ou em outro nvel de esco-
larizao. Supe tambm que o tratamento
oferecido s disciplinas do currculo do Ensino
Mdio no seja apenas propedutico, tampou-
co voltado estritamente para o vestibular.
25
MatemticaCurrculo do Estado de So Paulo
A concepo do ensino na rea de Matemtica e suas tecnologias
O ensino de Matemtica: breve histrico
Em todas as pocas, em todas as cul-
turas, a Matemtica e a lngua materna
constituem dois componentes bsicos dos
currculos escolares. Tal fato era traduzido,
em tempos antigos, pela trplice caracteriza-
o da funo da escola como o lugar em
que se devia aprender a ler, escrever e con-
tar, o que significava, sinteticamente, uma
dupla alfabetizao, no universo das letras
e dos nmeros.
Naturalmente, h muito essa alfabeti-
zao que se espera da escola ampliou seu
raio de ao, incorporando o interesse pelas
mltiplas formas de linguagem presentes na
sociedade contempornea e estendendo-se
para os universos das cincias e das tecno-
logias, particularmente no que se refere s
tecnologias informticas.
Em decorrncia de tais fatos, em orga-
nizaes curriculares mais recentes, como os
Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensi-
no Mdio (PCNEM, 1998), o mapeamento do
conhecimento a ser apresentado disciplinada-
mente e disciplinarmente na escola sugeriu
a organizao dos contedos disciplinares em
trs grandes reas:
Linguagens e Cdigos, incluindo-se as Ln-
guas Portuguesa e Estrangeiras, a Educao
Fsica e a Arte;
Cincias Humanas, incluindo-se a Histria,
a Geo grafia, a Sociologia e a Filosofia;
Cincias da Natureza e Matemtica, grande
rea que incluiu a Fsica, a Qumica, a Biolo-
gia e a Matemtica.
No que se refere Matemtica, houve,
na poca, discusses referentes especifici-
dade excessiva que tal disciplina aparentava,
gerando frequentemente nos alunos uma sen-
sao de desamparo absolutamente indevida.
Foram examinadas diversas aes para mini-
mizar tal sensao, entre as quais a possibili-
dade de a Matemtica ser includa na rea de
Linguagens e Cdigos ou na de Cincias da
Natureza, em vez de constituir uma rea com
identidade prpria.
Certamente, faria sentido inclu-la na rea
de Linguagens e Cdigos, uma vez que, com a
lngua materna, a Matemtica compe o par de
sistemas simblicos fundamentais para a repre-
sentao da realidade, para a expresso de si e
compreenso do outro, para a leitura em sen-
tido amplo, tanto de textos quanto do mundo
dos fenmenos.
26
Matemtica Currculo do Estado de So Paulo
Igualmente faria sentido inclu-la na
rea de Cincias da Natureza, em decorrncia
de sua grande e histrica proximidade com a
Fsica, por exemplo, desde as origens da cin-
cia moderna, com Galileu, at os trabalhos
de Descartes, com seu sonho de expresso de
todo conhecimento confivel na linguagem
mate mtica, ou de Newton, com sua imensa
competncia em traduzir matematicamente
fenmenos de mltipla natureza. No final das
discusses, prevaleceu, na apresentao dos
PCNEM, a incorporao da Matemtica pela
rea de Cincias da Natureza.
No Estado de So Paulo, nas propostas
curriculares elaboradas a partir de 1984 e que
agora esto sendo substitudas , a Matemtica
era considerada uma rea especfica. Tais pro-
postas constituram um esforo expressivo e, em
alguns sentidos, pioneiro, na busca de uma apro-
ximao entre os contedos escolares e o uni-
verso da cultura, especialmente no que tange s
contextualizaes e busca de uma instrumenta-
o crtica para o mundo do trabalho.
Essa rica herana pedaggica sobreviveu
a uma avalanche de novidades passageiras e
serve agora de ponto de partida para que, in-
corporadas as necessrias atualizaes, novos
passos possam ser dados para sua realizao
efetiva no terreno das prticas escolares.
O novo Currculo, agora apresentado,
certamente inspirou-se na proposta ante-
rior, mantendo a rea de Matemtica como
um territrio especfico, distinto tanto das
Linguagens e Cdigos quanto das Cincias da
Natureza, apesar de partilhar com tais reas
mltiplas ideias fundamentais.
Trs so as razes principais da opo
pela constituio de uma rea do conhecimen-
to especfica para a Matemtica.
Em primeiro lugar, a incorporao da Ma-
temtica tanto pela rea de Cincias da Natureza
quanto pela rea de Linguagens e Cdigos pode
elidir o fato de que, mesmo tendo as caractersticas
de uma linguagem e sendo especialmente impor-
tante e adequada para a expresso cientfica, a Ma-
temtica apresenta um universo prprio muito rico
de ideias e objetos especficos, como os nmeros
e as operaes, as formas geomtricas, as relaes
entre tais temas, sobretudo as mtricas. Tais ideias
e objetos so fundamentais para a expresso pes-
soal, a compreenso de fenmenos, a construo
de representaes significativas e argumentaes
consistentes nos mais variados contextos, incluin-
do-se as chamadas Cincias Humanas.
No caso dos Parmetros Curriculares Na-
cionais para o Ensino Mdio (PCNEM), a incluso
da Matemtica na rea de Cincias da Natureza
teve o efeito salutar de diminuir o risco de ter
o contedo matemtico na escola bsica como
um fim em si mesmo, enfatizando sua condi-
o instrumental. Entretanto, a partir da con -
solidao da ideia de competncias apresentada
pelo Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem),
tal risco deixou de existir, explicitando-se com
MatemticaCurrculo do Estado de So Paulo
27
nitidez o que era apresentado tacitamente em
propostas anteriores: todos os contedos dis-
ciplinares, nas diversas reas, so meios para a
formao dos alunos como cidados e como
pessoas. As disciplinas so imprescindveis e
fundamentais, mas o foco permanente da ao
educacional deve situar-se no desenvolvimento
das competncias pessoais dos alunos.
Uma segunda razo para a apresentao
da Matemtica como uma rea do conhecimento
o fato de que uma parte importante da especifi-
cidade da Matemtica resulta esmaecida quando
ela se agrega tanto s linguagens em sentido am-
plo quanto s cincias da natureza. A Matemtica
compe com a lngua materna um par funda-
mental, mas complementar: impossvel reduzir
um dos sistemas simblicos ao outro.
Uma lngua que se pretenda aproximar de-
masiadamente do modo de operar da Matemtica
resulta empobrecida, o mesmo ocorrendo com um
texto matemtico que assuma uma ambivalncia
apropriada apenas expresso lingustica. A multi-
plicidade de sentidos de cada elemento simblico
prpria da lngua corrente e intencionalmente
controlada na expresso matemtica. A pretenso
da expresso precisa natural na Matemtica, mas
pode empobrecer o uso corrente da lngua; afinal,
a linha reta faz bem ao carter, mas faz mal ao
poeta... No que a lngua no possa ser preci-
sa: ela o exemplarmente, como bem o revela o
texto potico, em que uma palavra no pode ser
substituda nem por um perfeito sin nimo sem
desmontar o poema.
Naturalmente, existem diferenas fun-
damentais entre os significados da preci-
so na Lngua e na Matemtica e os alunos
devem ser conduzidos a apreciar a bele-
za presente tanto na exatido dos clculos
quanto no rigor expressivo do texto potico,
por exemplo.
Uma terceira razo para o tratamento
da Matemtica como rea especfica a pos-
sibilidade de tal opo facilitar a incorpora-
o crtica dos inmeros recursos tecnolgicos
atualmente existentes para a representao
de dados e o tratamento das informaes dis-
ponveis, na busca da trans formao de infor-
mao em conhecimento.
De fato, se, em vez do Trivium original,
constitudo pela Lgica, pela Gramtica e pela
Retrica, decidssemos propor um novo conjun-
to de trs matrias bsicas para a formao da
cidadania, mais apropriado s caractersticas da
sociedade contempornea, certamente parece-
ria mais justo incluir como seus componentes a
Lngua, a Matemtica e a Informtica.
Os computadores atualmente so con-
siderados instrumentos absolutamente im-
prescindveis para jornalistas e escritores, mas
no terreno da Matemtica que se abrem
as mais naturais e promissoras possibilida-
des de assimilao consciente dos inmeros
recursos que as tecnologias informticas po-
dem oferecer no terreno da Educao. Ainda
que as tais tecnologias estejam presentes e
Matemtica Currculo do Estado de So Paulo
28
representem papel importante em todas as
reas do conhecimento, a natureza algortmi-
ca dos com putadores aproxima-os especial-
mente dos contedos matemticos.
Se uma mquina, no sentido da Revo-
luo Industrial do sculo XVIII, era essencial-
mente um transformador de energia de um
tipo em energia de outro tipo, um computa-
dor essencialmente um transformador de
mensagens. E o processo de composio e de-
composio dessas mensagens, para viabilizar
sua insero ou sua extrao dos computa-
dores, tem muitos elementos comuns com os
objetos matemticos e sua manipulao. Ao
falarmos de Matemtica e suas tecnologias,
estamos utilizando a palavra tecnologia,
portanto, em sentido mais prximo do literal
do que no caso das extenses metafricas
associadas s Linguagens e Cdigos, s Cin-
cias da Natureza e s Cincias Humanas.
Insistimos, entretanto, no fato de que a
apresentao da Matemtica como uma rea
especfica no busca uma amplificao de suas
supostas peculiaridades, nem sua caracteriza-
o como um tema excessivamente especiali-
zado ou particularmente relevante.
Vivemos uma poca em que as ativida-
des interdisciplinares e as abordagens transdis-
ciplinares constituem recursos fundamentais
para a construo do significado dos temas es-
tudados, contribuindo de modo decisivo para
a criao de centros de interesse nos alunos.
Ao respeitar a rica histria da disciplina e
al-la a uma rea do conhecimento, busca-se
apenas criar as condies para uma explorao
mais adequada das possibilidades de a Mate-
mtica servir s outras reas, na grande tarefa
de transformao da informao em conhe-
cimento em sentido amplo, em todas as suas
formas de manifestao.
MatemticaCurrculo do Estado de So Paulo
29
Currculo de Matemtica
Fundamentos para o ensino de Matemtica
O objetivo principal de um currculo
mapear o vasto territrio do conhecimento,
recobrindo-o por meio de disciplinas e articu-
lando-as de tal modo que o mapa assim ela-
borado constitua um permanente convite a
viagens, no representando apenas uma deli-
mitao rgida de fronteiras entre os diversos
territrios disciplinares.
Em cada disciplina, os contedos de-
vem ser organizados de modo a possibilitar
o tratamento dos dados para que possam se
transformar em informaes e o tratamento
das informaes para que sirvam de base para
a construo do conhecimento. Por meio das
diversas disciplinas, os alunos adentram de
maneira ordenada de modo disciplinado,
portanto o fecundo e complexo universo do
conhecimento, em busca do desenvolvimen-
to das competncias bsicas para sua forma-
o pessoal.
A Matemtica e a lngua materna en-
tendida aqui como a primeira lngua que se
aprende tm sido as disciplinas bsicas na
constituio dos currculos escolares, em to-
das as pocas e culturas, havendo um razo vel
consenso relativamente ao fato de que sem o
desenvolvimento adequado de tal eixo lingus-
tico/lgico-matemtico a formao pessoal no
se completa.
Desde as sries/anos iniciais de escolari-
zao, ao mesmo tempo que aprendem a se
expressar e a se comunicar na lngua materna,
gostando ou no da Matemtica, as crianas a
estudam compulsoriamente.
Existe um acordo tcito com relao ao
fato de que os adultos necessitam da Matem-
tica em suas aes como consumidores, como
cidados, como pessoas conscientes e autno-
mas. Todos lidam com nmeros, medidas, for-
mas, operaes; todos leem e interpretam textos
e grficos, vivenciam relaes de ordem e de
equivalncia; todos argumentam e tiram conclu-
ses vlidas a partir de proposies verdadeiras,
fazem inferncias plausveis a partir de informa-
es parciais ou incertas. Em outras palavras, a
ningum permitido dispensar o conhecimento
da Matemtica sem abdicar de seu bem mais
precioso: a conscincia nas aes.
O Estado de So Paulo apresenta expres-
siva herana pedaggica, consubstanciada em
suas propostas curriculares e nos materiais
produzidos pela Coordenadoria de Estudos e
Normas Pedaggicas (Cenp) para apoiar os
professores em suas aes docentes.
Ensino Fundamental (Ciclo II) e Ensino Mdio
Matemtica Currculo do Estado de So Paulo
30
A aproximao entre os contedos esco-
lares e o universo da cultura, a valorizao das
contextualizaes e a busca permanente de
uma instrumentao crtica para o mundo
do trabalho no constituem exatamente uma
novidade entre ns. Tais princpios servem, na-
turalmente, de ponto de partida para a recon-
figurao que agora se realiza, tendo em vista
os novos passos a serem dados para o enrique-
cimento da prtica pedaggica.
Reiteramos que um novo Currculo deve
estar especialmente atento incorporao
crtica dos inmeros recursos tecnolgicos
disponveis para a representao de dados e o
tratamento das informaes, na busca da trans-
formao de informao em conhecimento.
A Matemtica nos currculos deve consti-
tuir, em parceria com a lngua materna, um re-
curso imprescindvel para uma expresso rica,
uma compreenso abrangente, uma argumen-
tao correta, um enfrentamento assertivo de
situaes-problema, uma contextualizao signi-
ficativa dos temas estudados. Quando os con-
textos so deixados de lado, os contedos
estudados deslocam-se sutilmente da con-
dio de meios para a de fins das aes do-
centes. E, sempre que aquilo que deveria ser
apenas meio transmuta-se em fim, ocorre o
fenmeno da mediocrizao.
Para exemplificar, mencionamos que
vivemos em busca de um ideal, temos um
projeto de vida e, para tanto, precisamos
garantir nossa subsistncia, dispondo de
alimentao, moradia, entre outras condies
bsicas; se toda a nossa vida se resume bus-
ca da garantia de tais condies mnimas de
sobrevivncia, no temos mais do que uma
vida medocre.
Analogamente, trabalhamos para realizar
nossos projetos e a justa remunerao que de-
vemos receber um meio para isso; quando o
dinheiro deixa de ser o meio e passa a ser o fim
de nossa atividade, no temos mais do que uma
vida profissional medocre. No mesmo sentido,
a transformao dos contedos das matrias
escolares em fins da educao bsica somente
pode conduzir a um ensino medocre.
A caracterizao dos contedos disciplina-
res como meio para a formao pessoal coloca
em cena a necessidade de sua contextualiza-
o, uma vez que uma apresentao escolar
sem referncias, ou com mnimos elementos
de contato com a realidade concreta, dificulta
a compreenso dos fins a que se destina.
fundamental, no entanto, que a valo-
rizao da contextualizao seja equilibrada
com o desenvolvimento de outra competn-
cia, igualmente valiosa: a capacidade de abs-
trair o contexto, de apreender relaes que
so vlidas em mltiplos contextos e, sobre-
tudo, a capacidade de imaginar situaes fic-
tcias, que no existem concretamente, ainda
que possam vir a ser realizadas.
To importante quanto referir o
que se aprende a contextos prticos ter
MatemticaCurrculo do Estado de So Paulo
31
capacidade de, a partir da realidade factual,
imaginar contextos ficcionais, situaes in-
ventadas que proponham solues novas
para problemas efetivamente existentes.
Limitar-se aos fatos, ao que j est feito, pode
conduzir ao mero fatalismo. Sem tal abertura
para o mundo da imaginao, do que ainda
no existe enquanto contexto, estaramos con-
denados a apenas reproduzir o que j existe,
consolidando um conservadorismo, no sentido
mais pobre da expresso.
Ainda que o desenvolvimento de tal
capacidade de abstrao esteja presente
nos contedos de todas as disciplinas, ela
encontra-se especialmente associada aos
objetos e aos contedos de Matemtica. Na
verdade, na construo do conhecimento,
o ciclo no se completa seno quando se
constitui o movimento contextualizar/abs-
trair/contextualizar/abstrair.
Quando se critica a abstrao de grande
parte dos contedos escolares, reclama-se
da falta de complementaridade da contex-
tualizao; igualmente criticvel pode ser
uma fixao rgida de contextos na apresen-
tao dos diversos temas.
De modo geral, uma rgida associao
entre contedos e contextos, que tolha a li-
berdade de imaginao de novas contextua-
lizaes, pode ser to inadequada quanto
uma ausncia absoluta de interesse por con-
textos efetivos para os contedos estudados
na escola.
A partir das ideias gerais apresentadas
na formulao do Enem, dando-se destaque
valorizao da capacidade de extrapolao
de contextos acima referida, possvel vis-
lumbrar um elenco de competncias bsicas
a serem desenvolvidas pelos alunos ao longo
da escola bsica, incluindo trs pares comple-
mentares de competncias, que constituem
trs eixos norteadores da ao educacional:
o eixo expresso/compreenso: a ca-
pacidade de expresso do eu, por meio
das diversas linguagens, e a capacidade
de compreenso do outro, do no eu, do
que me complementa, o que inclui des-
de a leitura de um texto, de uma tabela,
de um grfico, at a compreenso de fe-
nmenos histricos, sociais, econmicos,
naturais etc.;
o eixo argumentao/deciso: a capa-
cidade de argumentao, de anlise e de
articulao das informaes e relaes
disponveis, tendo em vista a viabiliza-
o da comunicao, da ao comum, a
constru o de consensos e a capacidade
de elaborao de snteses de leituras e de
argumentaes, tendo em vista a tomada
de decises, a proposio e a realizao
de aes efetivas;
o eixo contextualizao/abstrao: a
capacidade de contextualizao dos con-
tedos estudados na escola, de enraiza-
mento na realidade imediata, nos universos
de significaes sobretudo no mundo do
Matemtica Currculo do Estado de So Paulo
32
trabalho , e a capacidade de abstrao,
de imaginao, de considerao de novas
perspectivas, de virtualidades, de poten-
cialidades para se conceber o que ainda
no existe.
Nesses trs eixos, o papel da Mate-
mtica facilmente reconhecido e, sem d-
vida, fundamental. No primeiro eixo, ao
lado da lngua materna, a Matemtica com-
pe um par complementar como meio de
expresso e de compreenso da realidade.
Quando ainda muito pequenas, as crian-
as interessam-se por letras e nmeros sem
elaborar qualquer distino ntida entre as
duas disciplinas. Se depois, no percurso es-
colar, passam a temer os nmeros ou a des-
gostar-se deles, isso decorre mais de prti-
cas escolares inadequadas e circunstncias
diversas do que de caractersticas inerentes
aos nmeros.
Os objetos matemticos nmeros,
formas, relaes constituem instrumentos
bsicos para a compreenso da realidade,
desde a leitura de um texto ou a interpre-
tao de um grfico at a apreenso