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GVPESQUISA
CONVERSAS COM SOCILOGOSBRASILEIROS:RETRICA E TEORIA NA
HISTRIA DO PENSAMENTOSOCIOLGICO DO BRASIL
Relatrio 11/2008
MARIA RITA LOUREIROELIDE RUGAI BASTOS
JOS MARCIO REBOLHO REGO
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Sumrio
Introduo
Octavio Ianni
Juarez Rubens Brando Lopes
Jos de Souza Martins
Gabriel Cohn
Luis Werneck Vianna
Bencio SchmidtElisa Reis
Brasilio Sallum Jr
Sergio Miceli
Renato Ortiz
Reginaldo Prandi
Maria Arminda Arruda
Glaucia Villas Boas
Ricardo Benzaqum
Jos Vicente Tavares dos Santos
Ricardo Antunes
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Conversas com socilogos brasileiros: Retrica e teoria na histria do
pensamento sociolgico no Brasil
Introduo
Elide Rugai Bastos
Maria Rita Loureiro
Esta pesquisa d continuidade a quatro outras j desenvolvidas com financiamentos
do NPP que resultaram nos livros Conversas com Economistas Brasileiros, publicado
pela Editora 34 em meados de Dezembro de 1996 e que entra em sua 3o. edio,
Conversas com Economistas Brasileiros II, de 1999, alm dos livros Conversas com
Filsofos Brasileiros e Conversas com Historiadores Brasileiros. Esta pesquisa tem a
mesma preocupao das anteriores ao escolher uma amostra de socilogos que pudesse
completar um painel a fim de representar a diversidade que encontramos no pensamento
sociolgico brasileiro.
O objetivo deste trabalho apontar importantes diferenas nas apreciaes,argumentos e diagnsticos de socilogos que desenvolveram atividades de docncia e
investigao em alguns centros de pesquisa e ps-graduao em Sociologia. A idia ainda
explorar se eles oferecem respostas diferentes para as mesmas questes sociolgicas.
Exploram-se tambm diferenas que se expressam no ferramental terico e metodolgico
utilizado. Estas particularidades so bastante perceptveis nos que fazem anlise sociolgica
e/ou que produzem ensaios de teoria. Assim um tema subjacente leitura das entrevistas a
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explorao das divergncias e dos problemas de comunicao na discusso de questes
sociolgicas.Trata-se de trabalho que contribui para uma Sociologia da Sociologia brasileira,
acrescentando ao rol do conhecimento disponvel a anlise das condies do fazer cientfico
e intelectual em nosso pas porque dialoga com a literatura acadmica j existente sobre o
tema. A Sociologia brasileira tem sido objeto de estudos que privilegiam vrios pontos de
partida, ou seja, pesquisas que buscam reconstituir a histria da gnese, do
desenvolvimento e da consolidao das cincias sociais no pas, trilhando diversos
caminhos analticos e iluminando diferentes aspectos desse processo. Assim, temos estudos
que enfocam a formao do pensamento social na tradio da histria das idias1. Outros
se dedicam a analisar o processo de institucionalizao das cincias sociais2. Alguns
textos buscam recuperar as relaes estabelecidas entre os membros dos grupos que se
dedicam atividade intelectual3. Muitos so os trabalhos que se dedicam ao estudo de
autores especficos4. H ainda, os que analisam as diferentes tradies sociolgicas e os
embates envolvidos entre elas5. Por fim, h aqueles que procuram reconstituir o itinerrio
intelectual de diferentes figuras das cincias sociais6.
Este projeto difere dos textos anteriores, ao compor um painel a partir do ponto de
vista dos participantes do processo. Para dar conta da constituio da Sociologia no Brasil,
o trabalho recupera o itinerrio dos diferentes intelectuais, os temas relevantes no momento
de sua produo, o contexto em que as idias emergiram, as influncias recebidas, sua
insero institucional e os dilogos estabelecidos.
1Por exemplo, os textos de Luis Werneck Vianna, em especial A revoluo passiva;os de Glaucia Villas Boas, quese dedicam ao trnsito das teorias sociais alems no pensamento social brasileiro.2
Lembremos a importante pesquisa desenvolvida pelo Idesp, sob a orientao de Sergio Miceli, que resultou nos doisvolumes intituladosHistria das Cincias sociais no Brasil, 1989 e 1995.3 Um bom exemplo desse tipo de trabalho o estudo sobre a formao, consolidao, ao e repercusso do grupoClima, desenvolvido por Helosa Pontes,Destinos cruzados.4 Ilustram bem esse ponto os livros de Ricardo Benzaqun, Guerra e Paz, que se dedica a estudar o pensamento deGilberto Freyre; ou ainda, o de Ronald Aguiar, Um rebelde esquecido, tratando da biografia intelectual de ManuelBomfim.5 Os diferentes trabalhos de Lucia Lippi de Oliveira caminham nessa direo, sendo o melhor exemplo os vrios textossobre a sociologia no ISEB, destacando-se os ensaios sobre Guerreiro Ramos.6 So dessa ordem os diferentes trabalhos de Marisa Corra que compem o projeto Histria da Antropologia noBrasil.
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A realizao deste projeto implicou o enfrentamento de desafios e a necessidade de
fazer escolhas nem sempre fceis. A primeira dificuldade consistiu na prpria delimitaodo campo da Sociologia. Como se sabe, a Sociologia, dentre as demais disciplinas que
formam as chamadas "Cincias Sociais", sempre foi uma espcie de "representante" das
outras, quais sejam: Cincia Poltica e Antropologia. Anteriormente institucionalizao
das cincias sociais, no havia propriamente "cientistas polticos": todos eram "socilogos",
quando no "filsofos" que se aventuravam em anlises sociais. A Antropologia era um
pouco diferente por causa de seu objeto, muito focado na atividade etnogrfica com os
ndios, mas, quando se deslocava um pouco desse objeto preciso de pesquisa, era possvel
encontrar antroplogos que eram apresentados como socilogos. Com o desenvolvimento
dos programas de ps-graduao no incio dos anos 70, a diferenciao ganhou um formato
mais definitivo, e as fronteiras se estabeleceram melhor. Assim, a filiao Sociologia
pode esconder essas duas outras especializaes, e natural que seja assim, medida que
recuamos no tempo. Portanto, quanto mais velhos os depoentes do projeto, mais essa
mistura faz sentido.
A segunda dificuldade foi a escolha dos entrevistados, o que envolve
inevitavelmente uma margem de arbitrariedade. Enfrentando este desafio procuramos
definir critrios como a contribuio do entrevistado para a reflexo sociolgica na sua
rea, certa representatividade entre as reas temticas, a gerao intelectual a que pertence,
a distribuio entre diversas instituies universitrias e os estados da federao. Todavia,
vrios problemas prticos impediram o estrito cumprimento de todos eles.
Certamente predominaram na montagem da lista de entrevistados os socilogos
ligados de alguma forma Universidade de So Paulo, seja pela formao, seja pelo
trabalho profissional atual ou passado. A importncia da USP na rea de Sociologia bemconhecida e se justifica por razes histricas que remetem ao fato de que a se realizou uma
das primeiras experincias de institucionalizao da disciplina como profisso acadmica
no Brasil, permitindo no s a excelncia no ensino, mas igualmente a gerao de
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considervel acervo de pesquisa e publicaes na rea, em uma tradio que remonta aos
anos 40 e se reproduz ainda hoje, mesmo com novos concorrentes7
.Mesmo que em menor escala, procuramos entrevistar praticantes da Sociologia de
universidades fora de So Paulo, no Rio de Janeiro e em alguns outros estados da
Federao, j que como se sabe bem, a produo intelectual no Brasil concentrada em
poucos ncleos acadmicos.
Com relao s perguntas propostas aos entrevistados, alm das perguntas
especficas sobre cada autor, sua trajetria pessoal e intelectual, elas seguiram uma
estrutura lgica comum a todos, adaptadas conforme o tom e a direo tomada pelas
conversas. A estrutura comum foi organizada em trs grandes blocos de questes, quais
sejam:
1. A trajetria pessoal e a formao escolar de cada um, com nfase na vida profissional,
nas influncias intelectuais e nas marcas institucionais recebidas ao longo de sua carreira.
2. Desenvolvimento da produo intelectual, da temtica de interesse ao longo da carreira,
identificando pontos de convergncias e divergncias com autores, problemticas e
abordagens tericas.
3.Percepes e avaliaes sobre o ensino das cincias sociais no Brasil e no exterior, seus
dilemas e desafios. E ainda, como a universidade e a poltica universitria esto
respondendo a tais desafios.
4..Reflexes sobre questes tericas e metodolgicas da Sociologia hoje e sobre o papel do
socilogo no Brasil atual frente a outros intelectuais, cientistas e atores polticos.
Levando em conta os critrios acima apontados, compem este volume os seguintes
socilogos: Octavio Ianni (USP/UNICAMP), Juarez Rubens Brando Lopes (UNICAMP),
Luis Werneck Vianna (IUPERJ, Rio de Janeiro), Gabriel Cohn (USP), Jos de SouzaMartins (USP), Sergio Miceli (USP), Brasilio Sallum Jr (USP), Glaucia Villas Boas(UFRJ),
Reginaldo Prandi (USP),Renato Ortiz (UNICAMP),Elisa Reis (UFRJ, Rio de Janeiro),
7 A rigor s existiu uma vida acadmica na acepo das experincias europias e norte-americanas na Universidadede So Paulo, entendendo-se por isso uma atividade profissional permanente de docentes e pesquisadores emcondies de fazer da universidade o centro de sua vida pessoal (afetiva e profissional), o lugar de suas realizaes, oespao prioritrio de sociabilidade, o horizonte ltimo de suas expectativas de melhoria social, a instncia decisiva dereconhecimento do mrito cientfico e intelectual (Miceli, 1989:86)
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Bencio Schmidt (UNB), Maria Arminda Arruda (USP), Jos Vicente Tavares dos Santos
(UFRS),Ricardo Benzaqum (IUPERJ), Ricardo Antunes (UNICAMP).Importantes esclarecimentos precisam ser feitos com relao a esta listagem: O
primeiro que reconhecidos nomes da Sociologia brasileira no puderam, por vrias
razes, compor esta coletnea, o que certamente reduz sua amplitude. Entre estes, figura o
de Fernando Henrique Cardoso que compor outro volume desta coleo, Conversas com
Cientistas Polticos Brasileiros. Embora estivesse prevista inicialmente a entrevista com a
professora Maria Isaura Pereira de Queiroz, no pudemos realiz-la por motivos de sade.
A entrevista do professor Ianni foi montada a partir de trechos selecionados de depoimentos
concedidos em diversas ocasies, j que nosso encontro com ele, embora agendado para
maro de 2004, no pde ocorrer pelo agravamento de seu estado de sade e falecimento
logo a seguir.
O pressuposto terico deste trabalho que no mundo dos socilogos a retrica
tambm ocupa um lugar fundamental to importante quanto o realismo de algumas
suposies ou a verificao de alguma predio. Como e por que o debate sobre a retrica
chegou s cincias sociais? As respostas a esta questo devem ser feitas no quadro da
anlise de uma tendncia mais abrangente de estudos de retrica nas cincias.
Em seus ltimos trabalhos, McCloskey tem enfatizado as razes que forneceriam
explicao para sua extenso s reas de Economia, Sociologia e Filosofia. Segundo ele, as
atividades persuasivas abrangem paulatinamente espao crescente nas ocupaes na medida
em que se reduzem as atividades diretamente produtivas. quase consensual hoje que o
monoplio na determinao dos padres gerais de cientificidade estabelecidos pelo
empirismo lgico tem sido quebrado por novas correntes de pensamento. Este processo
refletiu-se rapidamente nas cincias sociais. Talvez tenha sido estimulado pelo ceticismopresente nestas disciplinas com relao s possibilidades de verificao inquestionvel dos
resultados tericos, atravs de testes empricos. Isto levou os especialistas em metodologia
a se preocuparem com os meios usados pelos cientistas sociais para criar suas convices,
transmiti-las a seus pares e aceitar intercmbio de idias. Como o prprio McCloskey
afirmou: Retrica no o que sobra depois que a lgica e a evidncia fizeram seu trabalho
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(...) a totalidade do argumento, do silogismo ao sarcasmo.Tudo o que se move sem
violncia persuaso, o mbito da retrica,,,,(McCloskey, 1994:16-17).Assim, o que se questiona se o intelectual fala retoricamente, pois a linguagem no
um empreendimento solitrio. Ele no fala no vazio, para si mesmo, fala para uma
comunidade de vozes. Deseja que as pessoas o tenham em conta, que seja ouvido, imitado,
que se publique seu trabalho, que lhe rendam homenagens e que lhe concedam prmios. Os
meios que ele utiliza para isso so os recursos da linguagem. A retrica uma adequao
dos meios aos desejos da conversao. O que est em questo a erudio, no s a
Sociologia ou a adequao da teoria sociolgica como uma descrio da realidade, nem
mesmo o papel do socilogo no quadro das cincias sociais. O tema a conversao que os
socilogos mantm entre si com o fim de convencer-se mutuamente.
Essas particularidades so bastante perceptveis nos que fazem anlise sociolgica
ou que produzem ensaios de teoria sociolgica. Assim, um tema subjacente leitura das
entrevistas com os socilogos brasileiros a explorao das divergncias e dos problemas
de comunicao na discusso de questes da Sociologia. Os profissionais entrevistados
possuem experincias e pontos de vista muito diferentes sobre a realidade. Enfatizamos a
percepo da variedade, da eloqncia dos argumentos e do papel do julgamento pessoal.
Tentamos verificamos como falam sobre si mesmos e sobre os outros socilogos. Conhecer
melhor o pensamento sociolgico brasileiro requer compreender como os cientistas sociais
conversam, como pensam, quais so suas crenas, valores, idiossincrasias, suas influncias,
suas vaidades, seus princpios explicativos e referncias tericas. Estes socilogos
vivenciaram episdios, adquiriram conhecimentos, desenvolveram idias de formas
especficas e peculiares. Tais processos, quando relevados, podem oferecer interessantes
perspectivas para pesquisas sobre a histria do pensamento sociolgico brasileiro. Por isso,consideramos necessrio recuperar o arsenal de experincias e conhecimentos que estes
profissionais acumularam, o que pouco estudado.
Do ponto de vista metodolgico, este trabalho se inscreve no mbito da histria oral,
levando em conta que bastante questionvel a crtica de que a histria oral seria subjetiva
enquanto a histria seriada seria objetiva. Mesmo os documentos exigem uma
interpretao dos analistas, o que faz emergir sua subjetividade. Sem pretender subestimar
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o papel dos documentos escritos, a Histria Oral, associada a outros dados, deve ser
considerada til anlise social. Os depoimentos que se referem a conflitos polticos, arivalidades entre pares, redes de amizades, partidos e escolas, permitem recuperar uma
histria que seria impossvel de ser realizada a partir de textos escritos. Os depoimentos,
especialmente quando se recupera a histria de vida e de carreira dos entrevistados, vo
mais alm. Eles entram no mundo das emoes paixes, ambies, ressentimentos o
que nos permite captar os limites da racionalidade do ator. Ao quebrar o esquematismo dos
dados objetivos, pode-se desvendar as relaes entre o indivduo e a rede social. Pela
entrevista, pode-se recuperar a sociabilidade presente no prprio sub-campo social dos
meios acadmicos. A memria, com suas falhas, distores e inverses, longe de
representar um problema, constitui um elemento de anlise.
A histria oral s acessvel por meio da linguagem. Nossa experincia da vida
social indissocivel do discurso sobre ela. A histria de vida e de carreira de cada um no
apenas um objeto que se pode estudar, mas tambm certo tipo de relao com o passado,
mediada por um discurso, em nosso caso, o sociolgico. exatamente porque o discurso
sociolgico atualizado em sua forma culturalmente significante como um tipo especfico
de linguagem que a importncia deste trabalho se faz sentir tanto para a teoria como para a
histria do pensamento sociolgico no Brasil.
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ela encaminhou contribuies materiais para a realizao dessa atividade. Nessa poca,
tambm houve estudos realizados por norte-americanos, dentre eles Charles Wagley eMarvin Harris, mencionados no captulo Preconceito de marca e preconceito de origem do
livro de Oracy Nogueira Nem preto, nem branco. Nesse captulo esto listados todos os que
participaram desses estudos nessa poca. Ou seja, brasileiros e norte-americanos inspirados
na proposta da tese de que o panorama racial brasileiro seria diferente da situao nos EUA
e em outras partes do mundo, como na frica do Sul.
A hiptese mais evidente (confirmada em vrios estudos) de que a Unesco foi inspirada
pela idia de que o Brasil era uma democracia racial. Isso numa poca em que o mundo saade uma guerra em que o racismo era parte intrnseca das batalhas ideolgicas e tambm
militares. Pois a brutalidade do racismo, que se desenvolveu com o nazismo, seguramente
reacendeu o racismo em outras partes da Europa e do mundo. Impressionados com a tese da
democracia racial, os membros da Unesco decidiram fazer estudos para incentivar o
esclarecimento do problema.
E como foi a recepo dos estudos da USP que apontavam a democracia racial como um
mito?O impacto desses estudos foi assimilado de modo traumtico porque havia na ideologia
brasileira e na academia, como ambiente cultural, um certo compromisso com a tese da
democracia racial. Com os trabalhos de Roger Bastide e Florestan Fernandes, em Negros e
brancos em So Paulo, que foi revelada a realidade do preconceito racial de par a par com
o preconceito de classe e, portanto, o preconceito racial constitutivo da sociabilidade na
sociedade brasileira.Um fato estranho reside em que vrios estudos financiados pela
Unesco foram publicados em ingls e francs. Mas por alguma razo ainda no esclarecida
(suponho que tem a ver com a interpretao), esse livro de Roger Bastide e Florestan
Fernandes no foi publicado nessas duas lnguas. E esse livro por ser fruto de uma
pesquisa emprica, historiogrfica em vrios nveis (tanto pesquisas de campo como de
reconstruo histrica) incomodou grandemente setores intelectuais e elites no Brasil.
Mas tambm fecundou de maneira surpreendente diversos estudos sobre a questo racial no
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Brasil, que foram influenciados por essa viso mais rigorosamente cientfica e
fundamentada em entrevistas, depoimentos, relatos e documentos.
Em que se funda essa tese?
preciso reconhecer que um mergulho na histria social do Brasil mostra que durante a
escravatura formou-se uma poderosa cultura racista. Essa idia, em grande medida, j est
em Caio Prado Jnior. Em seu livro A formao do Brasil contemporneo, h um estudo
primoroso sobre o que foi o escravismo na formao da colnia, inclusive com
desenvolvimentos fundamentais em termos do que a sociabilidade, a cultura e o
contraponto escravo-senhor. Esta questo pode ser encontrada parcialmente em trabalhos
de Roger Bastide e de forma mais elaborada em textos de Florestan Fernandes.
Quais as razes dessa teoria ter-se desenvolvido em So Paulo?
Apresento uma hiptese que acho interessante. Levando em conta a formao acadmica de
Roger Bastide, de Florestan Fernandes e de Oracy Nogueira e tambm o patamar
representado pela sociedade no Centro-Sul, especialmente em So Paulo, podemos
identificar o porque da teoria desses grandes pesquisadores. So Paulo j era uma sociedade
mais urbanizada, mais de classes e no de castas, como no escravismo. Mesmo ainda
existindo castas em So Paulo (e ainda hoje temos resqucios), a sociedade de classes
estava em franco desenvolvimento, havendo, portanto, uma sociabilidade diferente daquela
existente no Nordeste. Acredito que isso levou Caio Prado, Florestan Fernandes, Roger
Bastide e Oracy Nogueira a perceberem que esse cenrio era um laboratrio excepcional
para a anlise de problemas sociais. Aqui a questo racial aparecia de uma maneira mais
explcita. Temos elementos biogrficos que tambm ajudam, mas acho que no devem ser
postos em evidncia. A vivncia de Florestan Fernandes como criana, adolescente eadulto, na cidade de So Paulo, deu a ele uma percepo aguda do que era a cidade. Isso
aparece em seu livro A integrao do negro na sociedade de classes. patente que ele v a
questo racial inclusive a partir de sua vivncia em So Paulo. Em outros termos, Bastide,
por se interessar por religies, mergulhou na vivncia das relaes negros e brancos de
maneira muito forte. No ironia e nem injusto dizer que alguns autores brasileiros vem
a questo racial da janela, desde longe ou desde o alpendre da casa-grande. Enfatizo esse
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argumento de que no patamar em que eles estavam a sociedade do Centro-Sul havia
uma urbanizao intensa e recente, classes sociais evidentemente em formao e aindustrializao, onde foi possvel descortinar que o preconceito racial no se reduzia ao
preconceito de classe. Mesmo porque os estudos posteriores, que eles fizeram,
demonstraram que, na fbrica, dois operrios na mesma seo se discriminavam segundo
sua etnia.
Ser que a presena do imigrante tambm foi um elemento de peso nessa discriminao
racial?
No h dvida que essa multiplicidade tnica deve ter sido um elemento forte porque,
inegavelmente, havia discriminao em relao aos imigrantes italianos, rabes etc. Nas
pesquisas que fiz na equipe que Florestan Fernandes montou no Paran, Florianpolis e
Porto Alegre, ficava evidente que havia uma pluralidade tnica que implicava uma escala
de preconceitos. Isto , alguns eram mais discriminados do que outros. No Paran, por
exemplo, a freqncia de negros em Curitiba era relativamente pequena (entre 10 e 15% no
mximo da populao) e meus informantes da cidade afirmavam: ''Aqui no h negros'' e
acrescentavam uma fala fatal: ''o nosso negro o polaco''. Isto , inconscientemente, elesassimilaram o preconceito que os alemes desenvolveram na Europa contra os poloneses. O
negro e o polons eram colocados na escala mais baixa da discriminao; em segundo lugar
vinham os italianos (com alguns outros, como os ucranianos); em terceiro, os brasileiros do
povo e no topo da pirmide os alemes. A acentuada valorizao de alguns e a classificao
diferenciada para outros. Logo, esse laboratrio de etnias tambm funcionou como
elemento fertilizante.
Qual a relao que se estabelece entre a questo racial e a questo social?
Sobre a democracia racial temos que observar que esse mito no est s no pensamento
brasileiro. Ele est ao lado de outros emblemas e mitos que so constitutivos da ideologia
dominante no Brasil. Por exemplo, a idia de que a escravatura foi branda e no muito
brutal. Na verdade, a escravatura na casa-grande foi diferente da do eito, mas no aquela
que explica a questo racial no Brasil, porque o convvio das pessoas na casa-grande acaba
sendo comunitrio, influenciado pelo companheirismo. A questo racial vem junto com a
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idia de que a escravatura no Brasil foi diferente, a idia de que houve revolues brancas e
a idia de ndole pacfica do povo brasileiro. H vrios emblemas do que seria a ideologiadas elites dominantes no Brasil que tem a ver com uma certa inveno de tradies e uma
pasteurizao da realidade. Nesse contexto, se vocs permitem a provocao, que o
homem cordial faz parte dessa viso. No foi essa a inteno de Ribeiro Couto nem de
Srgio Buarque, mas vendo esses emblemas, tomados em conjunto na histria do
pensamento brasileiro, conclumos que h uma tradio forte de se pensar o Brasil como
um pas diferente, com uma histria incruenta.
A produo de Cincias Sociais na USP comeou a pr em causa essa viso, tanto no quese refere questo racial, quanto questo social. Colocou em causa inclusive a idia de
nao que vinha sendo elaborada. Enfim, comeamos a formular (na base de Caio Prado, de
Manuel Bonfim e de uma literatura de esquerda) a hiptese de que o pas podia ser
diferente. Isto , um pas mais democrtico, com um estado de bem-estar social mais
avanado quem sabe at uma nao socialista etc.
Coloco a seguinte interrogao: como possvel afirmar e reafirmar a democracia racial
num pas em que as experincias de democracia poltica so precrias e que a democraciasocial, se existe, incipiente? Isso minimamente uma contradio, um paradoxo num pas
oriundo da escravatura, autocrtico, com ciclos de autoritarismos muito acentuados.
Acrescento ainda (algo muito pessoal) que o mito da democracia racial no s das elites
dominantes. Quando pensamos que as relaes sociais esto impregnadas pela idia de
democracia racial, descobrimos, ento, que se trata de um mito cruel porque neutraliza o
outro.
Qual o papel dos movimentos negros hoje, no Brasil?
No tenho um balano sistemtico desses movimentos, mas acho que cresceram muito e
hoje h muitos negros j formados na universidade que estudam a questo racial. Eles esto
questionando o que voc chama de escola paulista. O pioneiro nesse debate foi o Clvis
Moura (de uma gerao equivalente de Florestan Fernandes) que escreveu sobre a questo
social do negro e as rebelies e, inclusive, iniciou um debate crtico sobre os estudos da
escola paulista. Outros negros mais jovens esto tambm fazendo estudos, questionando...
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Qual sua opinio sobre cotas para os negros na Universidade?
No tenho uma opinio amadurecida, somente algumas impresses. Num primeiro
momento, a definio e a obrigao de cotas aparecem como conquistas sociais do
movimento negro. Ou, como diriam outros, como concesses dos donos do poder. Aqui
est o problema, j que nenhum fato social tem apenas um significado. Os setores
dominantes (seja o Congresso, seja o governo, sejam aqueles que decidem) aceitando o
sistema de cotas, esto, de certo modo, concordando com uma determinada interpretao e
o atendimento de algumas reivindicaes. Ento, numa primeira avaliao, o
estabelecimento de cotas aparece como uma conquista positiva; mas, simultaneamente, areiterao de uma sociedade injusta, fundada no preconceito. Ela to evidentemente
fundada no preconceito que preciso estabelecer espaos bem determinados e limitados
para que eles tenham a possibilidade de participao. Tem algo de esquizofrnico e
imitativo do padro norte-americano, onde o preconceito continua a existir da mesma
forma, ainda que tenha havido o reconhecimento da questo racial.
H no mundo atual possibilidade de democratizao das relaes raciais?
A potencialidade de democratizao das relaes sociais existe em qualquer lugar domundo, mas anulada ou bloqueada devido ao jogo das foras sociais, disputa pelo poder
e pelas posies. Esse potencial de modo evidente existe em nossa cultura (mundial), seja
via budismo, cristianismo, islamismo etc. E ele foi criado pelas lutas sociais. Contudo, esse
potencial tem condies limitadas porque prevalecem os princpios do mercado, da
dinmica do capital. Em estatsticas de desemprego nos EUA, que acompanhei, crescem os
contingentes negros e porto-riquenhos, seguidos pelas mulheres e, de maneira mais relativa,
pelos jovens. Nas guerras, como a do Vietn, mostra-se essa hierarquizao j que os
negros vo guerra por estarem desempregados. O primeiro homem que morreu no Iraque
no foi um norte-americano tradicional, mas um guatemalteco.
Fale sobre seus trabalhos sobre globalizao.
Tenho feito estudos sobre globalizao desde incio dos anos 90. Globalizao um novo
ciclo intensivo e extensivo de desenvolvimento em que o capitalismo ingressou em escala
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mundial. Mas estou convencido de que se deve falar no apenas sobre globalizao, mas
sobre mundializao, transacionalizao e planetarizao. O capitalismo j nasceu mundial,com a viagem de Vasco da Gama, e continuou depois, com o descobrimento do Novo
Mundo. Em fins do sculo XV e comeo do sculo XVI, houve um surto de expanso do
capitalismo em termos de mercantilismo, de pirataria e escravismo.
O que diferente hoje?
Uma coisa mercantilismo, outra coisa colonialismo, outra distinta imperialismo. E
agora, estamos nesse outro ciclo, o globalismo. O que no significa que no haja mais
imperialismos, colonialismos e inclusive mercantilismos. claro que h. Mas hoje os
grandes atores do capitalismo mundial so as grandes corporaes transnacionais.
Em geral, elas so assessoradas, direta ou indiretamente, por organizaes tambm
transnacionais, como o Grupo dos Oito (G-8), a Conferncia de Davos, o FMI, o Banco
Mundial e a Organizao Mundial do Comrcio (OMC). So organizaes multilaterais,
constitudas por Estados nacionais que atuam de acordo com a dinmica dessas
corporaes.
Por isso, j no d mais para falar simplesmente em metrpole e colnia, ou em pas
dominante e dependente. As corporaes mandam em certos pases muito mais que os
prprios governos. E pode ser qualquer governo, mesmo os poderosos, como o Japo, os
Estados Unidos ou a Alemanha.
Qual a dimenso desse processo?
O novo ciclo precisa ser entendido no s como modo de produo ou de organizao da
economia. Podemos pensar tambm como um processo civilizatrio. Com essa dinmica,
vm instituies, a mdia, a cultura, a msica, os festivais, as competies esportivas. Tudo
internacional. um processo econmico, financeiro, tecnolgico e cultural. Tanto que h
msicas que so de difcil identificao, no sabemos dizer se a raiz caribenha, africana,
brasileira ou norte-americana. So msicas com um pouco de tudo, como as roupas e as
mercadorias em geral.
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Mercadorias so globais, algumas so uma combinao de peas fabricadas em diferentes
continentes. E essa globalizao no uma coisa inocente. As organizaes transnacionaisse tornaram estruturas mundiais muito poderosas, a ponto de o FMI puxar a orelha do
governo norte-americano pelos problemas financeiros de sua economia.
Quais so as conseqncias desse processo sobre as classes desfavorecidas?
A globalizao que est acontecendo de cima para baixo. Se desenvolve conforme os
princpios do neoliberalismo, conforme os interesses dos setores dominantes em escala
mundial. O resultado o imenso sacrifcio dos diferentes setores sociais.
O desemprego um exemplo. Na Argentina ele de 20% e no verdade que a culpa dessa
alta taxa s do governo argentino. Foi a dinmica da economia mundial que levou muitas
transnacionais a transferir suas empresas de l para o Brasil e outras partes. A globalizao
um fato indiscutvel, com complicaes no s econmicas, financeiras e tecnolgicas,
mas tambm polticas, sociais e culturais.
As manifestaes de protesto em vrias partes do mundo so uma tentativa de fazer face
globalizao de cima para baixo e propor uma de baixo para cima. a luta por mais
democracia, melhor distribuio da riqueza, evitando que direitos sejam dizimados.
Por que o desemprego acompanha o processo de globalizao?
Essa globalizao vem acompanhada de uma intensa tecnificao eletrnica dos processos
de trabalho e de produo. Tecnificar significa intensificar a presena da mquina, do
equipamento, das tecnologias eletrnicas, microeletrnicas, robticas e de automao e,
portanto, eliminar mo-de-obra. Ela no dispensa o trabalho, mas potencializa a capacidade
produtiva. Cinco empregados conseguem realizar o que antes demandava cinqenta.
mentira que o trabalho est em declnio. uma anlise muito superficial. Na verdade,
isso acontece desde 1500, medida que se adotam tcnicas novas. Estamos vivendo em
uma poca em que h uma forma de desemprego conjuntural, que resulta do metabolismo
normal da economia.
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O desemprego estrutural diferente, aquele que implica na dispensa a longo prazo do
trabalhador, j que seu trabalho foi substitudo por outro meio. Faz parte dos desafios que ajuventude enfrenta o reconhecimento desses problemas. E fundamental compreender
quais so suas perspectivas no espao do mercado, no espao da profissionalizao, para
que assumam como cidados algum tipo de papel no debate sobre os problemas da
sociedade.
Quais so as possibilidades de se atuar nesse processo?
A globalizao do capitalismo tanto germina a integrao como a fragmentao. Na mesma
medida que se desenvolvem as diversidades, desenvolvem-se tambm as disparidades. A
dinmica das foras produtivas e das relaes de produo, em escala local, nacional,
regional e mundial, produz interdependncias e descontinuidades, evolues e retrocessos,
integraes e distores, afluncias e carncias, tenses e contradies. altssimo o custo
social, econmico, poltico e cultural da globalizao do capitalismo para muitos indivduos
e coletividades ou grupos sociais subalternos. So principalmente esses os setores sociais
mais drasticamente atingidos pela ruptura dos quadros sociais e mentais de referncia. Arealidade que a globalizao do capitalismo implica globalizao de tenses e
contradies sociais, nas quais se envolvem grupos e classes sociais, partidos polticos e
sindicatos, movimentos sociais e correntes de opinio em todo o mundo. Assim, as novas
geraes so desafiadas a se repolitizar. No mais em termos de um projeto poltico
nacional, mas compreendendo que agora cada pessoa membro de uma sociedade que
mundial, que cada um cidado do mundo.
E qual o papel das Cincias Sociais nesse novo mundo?
No sculo XXI, muitos esto empenhados em compreender e explicar as situaes, os
acontecimentos e as rupturas, assim como as relaes, os processos e as estruturas que se
formam e transformam com a sociedade global; uma sociedade na qual se subsumem as
sociedades nacionais, em seus segmentos locais e em seus arranjos regionais. Ocorre que a
sociedade global, vista em suas implicaes simultaneamente econmicas, polticas e
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culturais, demogrficas, religiosas e lingsticas, constitui-se como nova, abrangente e
contraditria totalidade, um formao geo-histrica na qual se inserem os territrios, asfronteiras, as ecologias e as biodiversidades, os povos e as naes, os indivduos e as
coletividades, os gneros e as etnias, as classes sociais e os grupos sociais, as culturas e as
civilizaes. Uma totalidade simultaneamente histrica e terica. Estudar essa
configurao exige o dilogo entre as diferentes reas do conhecimento, onde as cincias
sociais tm um papel especfico,pois esto preocupadas principalmente em compreender as
aes, as relaes, os comportamentos, as instituies. D para dizer que a narrativa nas
cincias sociais lida muito mais com a compreenso, ao passo que a narrativa nas cincias
naturais empenha-se em explicar, principalmente, em termos de causa e efeito. Nas cincias
sociais, a compreenso a do sentido das aes das pessoas. a anlise do comportamento
de um indivduo, seja um annimo ou de uma figura conhecida. Ela sempre revela vrios
significados nas aes dos indivduos. Em outras palavras, os fatos sociais so sempre
carregados de vrios significados. Nesse sentido, a narrativa nas cincias sociais est
empenhada em captar o sentido ou os sentidos das aes, das relaes, das tenses, dos
conflitos sociais. E neste momento elas esto desafiadas a repensar esses sentidos e
significados.
Ento, h um avano do conhecimento nos momentos de transformao?
Sem dvida. Para citar o perodo da Revoluo Francesa, h um conjunto de inquietaes
que fertilizam a criatividade de filsofos Diderot, Kant, Hegel -, de cientistas Lavoisier,
etc.- e de artistas. Aqui se coloca um problema fascinante, que o de como as chamadas
revolues cientficas podem ser vistas como acontecimentos que so contemporneos de
revolues culturais, filosficas e polticas. Da porque estou convencido de que nessa
poca da histria, no fim do sculo 20 e no comeo do sculo 21, ns estamos metidos
numa grande ruptura histrica.
Qual a dimenso dessa ruptura?
O declnio do mundo socialista, a transformao das naes socialistas em fronteiras de
expanso do mundo capitalista e a tentativa dos EUA em se transformarem na nica
potncia mundial e de institurem uma espcie de administrao mundial das vrias
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nacionalidades e naes, isso est sendo uma transformao muito sria, muito profunda,
que est abalando muitas convices, muitas noes. Isso implica um novo florescimentoda filosofia, das cincias e das artes. Alis, j h produes nas cincias sociais e algumas
produes nas artes que demonstram que seus autores esto interessados em compreender
os novos horizontes.
Quais so?
H uma parte grande da obra de autores como Edward Said j traduzida na rea de cincias
sociais. So escritos que desembocam em novos conceitos, novas noes. Seus livros
expressam isso. No cinema, temos filmes em que voc no sabe qual o pas em que se
passa a histria. Isso significa que j h uma arte transnacional, cujos temos so de
significao mundial e cujos personagens no precisam ser identificados como sendo deste
ou daquele pais.
Qual o papel da cincia e da tecnologia nesse universo?
A cincia e a tcnica esto, por enquanto, sendo administradas e monopolizadas pelas
estruturas de poder, pertencentes s elites e s classes dominantes em escala nacional e
mundial. Voc sabe que a reforma do sistema de ensino de primeiro, segundo e terceiro
graus que est sendo feita no mundo uma reforma preconizada e imposta pelo Banco
Mundial, que uma organizao sistmica. A realidade a seguinte: a cincia e a tcnica
que, em abstrato, por hiptese, so inocentes, tm sido usadas em escala crescente, como
tcnicas de poder.
E a Universidade nesse quadro?
O uso crescente da tecnologia e sua respectiva industrializao produzem uma adoo
crescente da razo tcnica-instrumental no mbito da universidade, o que em si no nem
ruim nem bom. uma relidade. S que est havendo um predomnio exclusivo do
pensamento tecnocrtico. Esto reduzindo, seno marginalizando, continuamente, o
pensamento crtico. O pensamento instrumental est invadindo crescentemente a
universidade. Na verdade, muita da conquistas tcnicas que a universidade tem produzido
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so usadas pela empresa privada. E o desemprego crescente. Na verdade, o uso das
conquistas cientficas e tecnolgicas para a maioria da populao ainda est muito restrito.E o problema grave, a universidade est sendo invadida por interesses tecnocrticos no
s alheios a ela. Setores internos acreditam que fazer pesquisas de acordo com certos
projetos de corporaes um trabalho vlido para a sociedade.
Acha essa viso equivocada?
Depende. Se o resultado vai ser distribudo para toda a sociedade muito bom. Mas, se os
resultados vo servir para certas corporaes aperfeioarem as inovaes, no entendo,
porque quem se beneficia dos lucros e das vantagens que se obtm so essas empresas e
corporaes. Ento, est havendo esse fenmeno que chamo de reverso. A universidade
nasce comprometida com a cincia, que uma forma de praticar o pensamento crtico, mas
o pensamento tecnolgico est aumentando sua presena no meio universitrio e isto
muito evidente. H setores e falo das cincias sociais em que o pensamento crtico
malvisto. provvel que haja algo semelhante nas cincias fsico-naturais, mas um
pssimo sinal que o exerccio do pensamento crtico, independente, como uma forma de
levantar novas hipteses, novas perspectivas, esteja sendo considerado como irrelevante oudesnecessrio.
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ENTREVISTA SOCILOGOS
Prof. Juarez Lopes
Voc poderia comear descrevendo sua trajetria pessoal e intelectual.
Nasci em 1925, tenho 78 anos. Sou formado pela Escola de Sociologia e Poltica. Esta
escola marcou a carreira dos que se formaram nos anos 50 e 60. Entrei em 1946 e formei-
me em 1949. Naqueles anos 40, as escolhas para meu mundo mental e minha famlia eram
muito estreitas: ser engenheiro, mdico ou advogado. Eu me lembro que no queria ser
advogado. Meus irmos j eram advogados e estavam entrando no escritrio de advocacia
do meu pai. Meu av pelo lado do meu pai era poltico. As razes da famlia so mineiras,
oligrquicas. Quando entrei para a Escola de Sociologia e Poltica eu j estava fazendo a
Politcnica h dois anos, mas completamente insatisfeito, especialmente quando as cadeiras
de engenharia ficaram mais intensas. Durante seis meses fiz as duas, s que na Politcnica,
comecei a faltar sistematicamente nas cadeiras tericas. O que eu gostava mesmo era de
literatura. Gosto muito ainda hoje.
Na Sociologia Poltica quem foram os professores mais marcantes?
Olhando depois de muitos anos, sofri mais influncia da Antropologia. Toda a escola eraextremamente estimulante, e os professores eram timos, como o Levi Strauss que havia
passado por l. A Universidade tinha relaes muito estreitas principalmente com os
Estados Unidos, mas tambm com a Inglaterra.. Outra coisa importante que a escola era
muito livre e de uma grande flexibilidade. Basta dizer que desde o primeiro ano virei
assistente de pesquisa. Os cursos eram semestrais. Eu estava completando o meu primeiro
semestre de escola, quando fui com um aluno ps-graduado fazer reconhecimento dos
grupos indgenas do Sul do Mato Grosso, durante um ms. Isto me marcou muito. Alis, a
escola me marcou muito, desde o incio, com o seu esforo em pesquisa rigorosa,
cuidadosa. Ela tinha esta fama vis--vis USP, que tambm a diferena entre americanos,
ingleses e franceses.
O Darci Ribeiro no era da sua turma?
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Ele estava terminando quando eu entrei no primeiro ano. Claramente, ele tentou me aliciar
para o Partido Comunista. Eu fiquei seu amigo desde aquela poca. No entrei para o
Partido Comunista. Ele era um construtor de instituies. Ele conseguiu alocar Oracy
Nogueira no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, no Rio. Aqui era o Centro
Regional de Pesquisas Educacionais. O Oracy foi para este primeiro curso de formao de
pesquisadores.
Eu me lembro do Herbert Baldus que foi um professor importante.
Como professor, ele realmente foi influente para muita gente. Ele no escreveu muito. No
Brasil, escreveu dois ou trs livros de Etnografia. Ele era bom etngrafo. Eu fiz graduao
entre 1946 e 49. Fui para Chicago em 1951, depois da minha formatura. Fiquei dois anos e
meio l. Minha grande influncia foi o Mrio Vieira da Cunha. Tinha dois professores na
faculdade que conheciam bem Weber. Mas, a minha influncia weberiana, no vem da
Escola de Sociologia e Poltica. posterior, vem de Chicago, e por leituras. Eu li o que
havia de Weber em ingls. Chicago o grande momento, na minha cabea. Quer dizer, o
fato que eu pude, em Chicago, ler beca, escritores alemes, Antropologia. Eu tenho a
impresso de que li, em Chicago, o suficiente para depois no ler durante dez anos. Eu
podia descansar. Logo depois, tomei um banho de gua fria e compreendi que precisava lermais. Aprofundei muito os tericos das Cincias Sociais, a partir do Sculo XVIII. Adam
Ferguson, menos conhecido, mas tambm Adam Smith, e os chamados moralistas e
economistas escoceses. E tambm um pouco de Direito. Eu constru uma base muito slida,
antes mesmo de Weber. Li muito pouco Marx nesta poca. S li Marx, em um terceiro
momento de formao, depois de voltar ao Brasil, principalmente entrando para o grupo
de O Capital.
O senhor estava falando de Mrio Wagner Vieira da Cunha?
Mrio Wagner tinha voltado de Chicago, da Antropologia de Chicago. Ele era uma cabea
fantstica, e com grande senso crtico. Fui seu aluno, depois seu assistente. Ele influenciou-
me enormemente, me marcou tanto que os outros cursos no contavam.
O Mrio Wagner no era professor de Direito?
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No. Ele era professor de Cincia Poltica, na escola de Sociologia. Ele tinha vindo do
exterior. Apesar de bacharel em Direito, ele ganhou uma bolsa em Cincia Poltica e foi
para Yale, nos anos 40. Veio para o Brasil em 49.
O Florestan Fernandes tambm teve presena na Escola de Sociologia e Poltica...
O Florestan fez na Escola de Sociologia sua tese sobre A Organizao Social dos
Tupinambs. Eu estava no primeiro ou segundo ano. Suas aulas no me marcaram, mas sua
personalidade sim. Ele tinha um no formalismo. Dava aulas mostrando slides sobre os
tapiraps. Mostrava slides e fazia piadas, constantemente.
E sobre o professor Donald Pierson?
O Pierson foi importante para mim, sem dvida. A sensao que eu tive, no primeiro ano de
Chicago era que naquele momento estava bebendo na fonte original. Voltando para a
escola de Sociologia, eu l tive no s a influncia da Antropologia, mas da Antropologia
olhada por um sujeito como (?), que era um antroplogo que estudava a organizao social
de povos primitivos, aquela cultura do noroeste canadense, que uma organizao social
elaborada. Alm disso, a Escola de Sociologia e Poltica tinha outros mritos. Estou
falando da relao entre Sociologia e Antropologia, sua intercambiabilidade. Nunca
consegui separar Economia do que eu estava pensando em Cincias Sociais, nem tampouco
separar estatstica, como instrumento bsico e os mtodos quantitativos. Isso diferente da
experincia da Faculdade de Filosofia da USP
Em Chicago sua bolsa era americana?
Era americana. Eram sempre duas bolsas, uma da Universidade, e outra, coordenada pelo
Instituto Internacional de Educao. Era por um ano. Depois, eu concorri l e ganhei outra
em Chicago. Fiquei seis meses sem bolsa. Antes de ir tinha ganhado uma bolsa mais longado que o tempo que eu pretendia ficar. Eu fiquei a dois anos e meio.
E voltou com doutorado?
No. Voltei com tudo menos uma tese. E nunca fiz tese para l. Dos professores de Chicago
que mais me influenciaram um o Louis Wirth (?) e o outro (?) os dois discpulos diretos
de Robert Ezra Park (?), que j havia morrido quando eu fui para l. Ele era de uma dcada
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anterior, mas, marcou a sua presena no Departamento de Sociologia de Chicago. O Outro
foi Herbert Neuman (?).Ele saiu no meio da minha estada e foi para Berkeley. Eu j tinha
conhecido tambm, antes de ir para Chicago, a obra de Thomas e Znaniecki, The Polish
Peasant in Europe and America. Uma vez, brinquei com Fernando Henrique Cardoso
dizendo acho que sou o nico brasileiro que leu isto. Ele disse, no, no no, eu
tambm li. Vrios autores em colaborao com o Park tinham feito monografias sobre
Chicago. No li todas as que foram produzidas, mas, li bastante o G.H.Mead. Eu li em
Chicago os originais do comeo do sculo. Fundamental um artigo longo, que aparece em
muitas antologias, de Park, sobre sociologia urbana, que era uma espcie da agenda de
pesquisas urbanas,escrito em 1915. Sou muito consciente de que havia professores quefalavam de Weber na aula, na Escola de Sociologia. Um deles era Srgio Buarque de
Holanda, que foi meu professor e me influenciou muito. Tive contato atravs dele com os
socilogos alemes, Simmel que li bastante, e um americano do comeo do sculo,
Cooley..Lembro-me que quando cheguei aos Estados Unidos passei pelo Orientation, curso
de orientao, onde se aprendia um pouco mais de ingls e boas maneiras americanas. A
me convidaram para falar sobre um tema qualquer. Escolhi o tema Indivduo e
Sociedadee fiz uma apresentao de como eram duas faces da mesma moeda, na viso do
Cooley. Eu me lembro que no consegui transmitir nada. O pessoal achava que eu estava
falando grego. Chicago me parecia a Universidade americana, em muitos aspectos. Eu fui
para os Estados Unidos em 1951, em pleno macarthismo. Eu no era muito consciente de
temas polticos. Eu s senti o macarthismo muito fortemente, quando a comisso de
atividades no americanas foi para Chicago. Levei um susto tremendo ao perceber,
primeiro a solidariedade. Houve reunies de todos os professores para receber aqueles que
estavam sob a mira, alguns tinham sido meus professores. A represso macarthista era
diablica. Eles perguntavam se voc j pertenceu ou participou de atividades comunistas.Eles usavam os fellows travellers. Nada ilegal se voc diz no, no fui. Quais eram as
alternativas? Fui, no fui ou seno me recuso a responder, apelando para a quinta emenda
da Constituio Americana. A quinta emenda dizia simplesmente que no se era obrigado a
responder coisas que pudessem ser usadas contra si mesmo. Ento, qualquer das respostas
era aceitvel. Se algum dissesse, eu sou comunista, at logo. Se dissesse: eu no sou
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mas em certo ponto, dava conselhos corretos. Voc quer ir a campo? Ento, faa o seguinte,
d uma olhada nas escolas secundrias, high school e faa um balano das estatsticas
gerais sobre brancos e negros, duas categorias muito claras nas escolas americanas. E
escolha quatro escolas, duas brancas e duas negras. Nos Estados Unidos se podia fazer
direitinho isso, sem grandes problemas metodolgicos. H separao de escolas brancas e
negras, ligadas a bairros ricos e pobres. A experincia que mais me marcou foi ir aos
bairros negros. Durante meses eu andava a p, uma meia hora, at a escola, e eu aprendi
coisas sobre a realidade americana, que no teria aprendido em outras circunstncias. Eu
acho que foi timo fazer o mestrado. Eu aprendi um mnimo de idias tericas para guiar
uma pesquisa.Esta foi sua tese de mestrado?.
uma tese que no foi publicada. Ela no acrescenta muito ao que se sabe. um trabalho
de campo em que a principal coisa que acontece o pesquisador aprender a trabalhar, e
como ele liga as coisas que j sabe, no incio, com o propsito de pesquisa..... O ambiente
que Chicago criava para se poder ler tudo quanto coisa, era incrvel. Harvard tambm
criava isto. Apesar de que eu tinha um preconceito danado contra Harvard..
Sua tese de doutorado com o Florestan Fernandes?
Primeiramente a tese de doutorado foi com o Otis Duncan, que naquela poca era um
mocinho, e virou um grande entendido de Metodologia. Quando voltei a falar com ele
depois, estudava estratificao social, com tecnologias avanadas. O Duncan no mudou
uma linha do meu projeto. O sistema de teses l funcionava assim: apresentava-se o texto
que ficavq no Departamento um ms, e qualquer um podia criticar. No havia defesa. Os
que liam eram os orientadores, mas texto era aprovado pelo departamento E o
Goldman(?) no fez nada. Eu me lembro de chegar a ele meio desapontado, mas, ao mesmo
tempo ele fez um quase elogio. Foi importante, acho que a tese est bem feita. So cento e
poucas pginas, correta. Quando doutoramento, eles mudam at depois de se defender a
tese, mas, ele no mudou nada. No Mestrado eles podiam me fazer mudar, corrigir. O
Duncan no fez isto. E quela altura eu j tinha aprendido a pensar e a escrever em ingls.
Foi uma fase difcil porque minha mulher abandonou a carreira para me acompanhar. Eu a
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ajudei depois, porque era suficientemente prximo da Matemtica para discutir com ela. De
qualquer jeito eu tinha um limite, precisava voltar antes de Dezembro de 52. No queria
ficar l, mesmo tendo recebido um convite para trabalhar como instrutor. Nem me passou
pela cabea aceitar
Voltando ao Brasil, voc foi para a Escola de Sociologia e Poltica?
Voltei para a Escola de Sociologia e Poltica para dar aulas na ps-graduao.Vou
recapitular toda a carreira, resumidamente, porque isto marca o que eu chamo de
desprofissionalizao da Sociologia. Eu voltei em 54 e sa em 56 da Escola de Sociologia.
Dei um ou dois anos em ps-graduao. Em certo momento pedi demisso pois no me
pagaram nada. Realmente, havia uma crise financeira. Eu no era o alvo. Eu prefiro no
entrar na briga que houve l, porque basicamente eram as dificuldades financeiras da
Escola.
E a voc foi para a USP?
Fui para a FGV. Fiz um concurso. Em 1954 e 55, quando estava na Escola de Sociologia,
entrei tambm na FEA, na cadeira do Mrio Wagner, onde passei um ano como tcnico de
administrao, tentando fazer minha tese. Era um estudo de duas comunidades muito
prximas, uma industrializada e outra no.Tambm aceitei fazer parte de uma equipe do
Bertrand Hutchinson que estudava mobilidade social, e que resultou no livro Sociedade
Industrial no Brasil. Meus orientadores da tese de doutorado so Philip Hauser, era um dos
mais jovens discpulos de Robert Park, um magnfico demgrafo. Foi diretor do censo
americano. Aprendi muito com ele. E o outro orientador era o Herbert Rios(?),
especializado em relaes raciais, e que tambm era um discpulo mais velho do Park. Seu
livro mais conhecido o French Canadian (?), sobre o Canad. Isso mostra que estava no
meu horizonte voltar a negociar com Chicago e apresentar uma outra tese l. A primeira
idia era apresentar os resultados da pesquisa sobre Cataguases (?) e o material sobre a
Metal Leve que uma fbrica paulistana. Esta pesquisa representou uma das primeiras
experincias de um socilogo que entra na fbrica. Antes as pessoas faziam pesquisa com
outras bases de dados, entrevistas na casa dos operrios, e na linha de montagem. Reuni
vrios captulos para fazer o livro. Em certo momento eu tinha desistido de apresent-lo, e
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carreira forava-nos a nos enquadrar a contragosto, na disciplina, e depois, a individualizar
a pesquisa. Era um contexto difcil para duas pessoas colaborarem uma com a outra. Quem
deslancha a Fundao Fernando Henrique com as aposentadorias de Abril de 69. Isso
demorou dois ou trs meses. Eu queria uma Cincia Social interdisciplinar e no separada
por Sociologia, Geografia, o que me pareceu possvel de realizar no CEBRAP.
Quais so suas atividades profissionais no momento?
Estou na Emplasa como assessor da presidncia. Eu decidi voltar a So Paulo, depois de
oito anos em Braslia, viajando mais de duas vezes por semana. Em agosto de 1995, fui
para o governo Fernando Henrique, mas, como assessor do Jungman. Tambm me engajei
na campanha do Serra. Antes havia passado pelo CNPq, como diretor, fazendo as vezes do
vice-presidente, embora este cargo no existisse formalmente naquela ocasio. O Roberto
Santos, que era presidente, me ps, realmente como vice-presidente, a fiquei por um ano.
Fui candidato a presidente do CNPq. Sa da e fui imediatamente convidado para ser
secretrio adjunto ao secretrio executivo do Sayad. A partir de 82 estive sempre metido
em alguma atividade de poltica pblica. Isto tambm marca o meu jeito de fazer cincia.
O Calabi estava saindo e eu fui para l em junho, num momento timo, que foi o do Plano
Cruzado. Eu me sentia em um lugar privilegiado para assistir o que os economistaspensavam. O secretrio executivo era o Felipe Reichstul. Eu lhe telefonei para dizer que
estava saindo do CNPq, e na brincadeira disse: eu gostaria de ficar, se vocs me
convidarem eu fico. Ele disse, est convidado. E na conversa ele me convidou para ser
secretrio adjunto dele. E ao mesmo tempo, nesta conversa de dez minutos ao telefone eu
lhe disse que tinha um apartamento em Braslia que estava deixando. Ele disse-me: no
larga no. Fiquei, ento, como secretrio adjunto do Ministrio do Planejamento, que
naquela poca no tinha este nome, mas tinha status de ministrio.
Passando para questes mais gerais, voc acha que a Sociologia est perdendo hoje o
papel que vrios dos seus fundadores lhe atriburam como disciplina unificadora e mais
importante das Cincias Sociais?
No sei se a Sociologia. Em certas pocas os cientistas sociais se sentiam mais cientistas
sociais do que socilogos, mesmo economistas, como Celso Furtado, por exemplo. Ele
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tratava de temas muito prximos aos socilogos. O pessoal dos anos 50, 60 e 70 cita muito
um ao outro, e sempre surgia nas discusses uma viso totalizadora. Tenho a impresso de
que a Sociologia no , no sentido de Comte, uma espcie de coroamento das Cincias
Sociais. H uma tendncia de considerar que as vrias formaes diferenciam um pouco as
Cincias Sociais. Estas formaes que levam seus cultores - socilogos, economistas,
antroplogos - tentativa de uma viso totalizadora. Esta tendncia muito clara no
marxismo que busca teorias mais gerais. Weber tambm pretende ter uma teoria
totalizadora, distinta da de Marx. Lembro-me muito da introduo do W. Mills, sobre
Weber em Ensaios de Sociologia, onde mostra o que h de totalizador no Weber. Inclusive
coloca-o em um dilogo muito claro com Marx.Quer dizer que voc concorda com a idia de que a Sociologia tinha esta presena
totalizadora?
Tem mritos e demritos. Acho que a minha gerao ou algumas mais jovens representam
o fim desta tendncia. Pode-se colocar em termos de generalizao versus especializao. O
defeito era justamente no saber nada muito a fundo. No tinha uma Sociologia da Famlia
que explorasse mincias, descrio de processos de transformao como h hoje.
Aqui no Brasil, voc no acha que esta excessiva especializao coincide com o
desenvolvimento dos cursos de ps-graduao?
Nunca tinha pensado nisto. Eu acho que tem algo a ver e que levaria a esta especializao,
mas, gostaria de frisar que isto no s defeito. A primeira reao que um sujeito mais
generalizador tem de dizer, est empobrecendo. Acho que podem ocorrer as duas coisas:
empobrecer, mas, tambm enriquecer. Pense nas enormes transformaes estruturais,
globais do Brasil. Esto mudando os padres gerais da sociedade ao passar para uma
sociedade urbano-industrial. Era mais comum definir este processo como de penetrao do
capitalismo. Toda a discusso sobre formas pr-capitalistas foi muito forte. Basta lembrar
que Andr Gunder Frank foi contra isto. Ele se contrapunha idia de que havia uma era
pr-capitalista. A comearam a falar mais em um aprofundamento do capitalismo. Caio
Prado Jnior, muito antes do livro Revoluo Brasileira de 1966, j tinha a posio de que
desde o perodo Colonial o Brasil era uma formao capitalista.
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E voc considera que estes estudos tinham uma matriz sociolgica?
So duas caractersticas que se confundem um pouco. De um lado, tudo Cincia Social e
no Economia, Sociologia, ou Antropologia. De outro lado a idia de se contrapor a
uma tendncia generalizadora, totalizadora como era o termo mais comum, usado para se
distinguir de uma atitude referente especializao. Eu acabei minha tese de Livre-
Docncia, Desenvolvimento e Mudana Social, na Faculdade de Arquitetura em um clima
violentamente no propcio para se pensar. Foi a coisa mais rpida que escrevi. Eu tive de
marcar data para a Livre-Docncia. Eu tinha acabado de fazer o Doutoramento. Ela foi
escrita em 66, naquele clima de uma Faculdade sem Congregao, sob o domnio de
politcnicos, e no de arquitetos. Os politcnicos estavam direita, os arquitetos esquerda, e eu sendo identificado com o grupo dos arquitetos. Eu me sentia parte deles.
Neste clima, marquei a Livre-Docncia e tive de escrev-la muito rpido para estar pronta
na data marcada. E em segundo lugar, tive que pensar rapidamente uma coisa que fosse
pertinente para a Faculdade de Arquitetura, pesquisa original. Paulo Singer me ajudou a
pensar captulo por captulo. Eu me lembro de estar preocupado se aquilo tinha
originalidade e ele apontava para a marca sociolgica presente em minha interpretao.
Talvez esta especificidade, este olhar sociolgico esteja no fato de que voc estdiscutindo a desagregao das relaes patrimonialistas, no? Esta discusso sobre
patrimonialismo seria o olhar da Sociologia.
Era weberiana, e estava presente de forma explcita ou no em todos os socilogos
daquela poca, Florestan, Fernando Henrique.
Mas, o Fernando Henrique, mais especificamente, mostra como estas relaes
patrimonialistas constituem a sociedade brasileira.
Por isso eu coloco em Weber uma das opes para uma viso totalizadora. E eu estava
muito influenciado por Weber. Ele era uma resposta a Marx. Eu tenho um ensaio publicado
em 56, 57, quando, tendo voltado dos Estados Unidos fiz uma conferncia sobre Weber.
Nele eu minimizo as diferenas entre os dois autores. Naquele momento eu no estava
imerso em Marx, sua influncia sobre mim vem bem mais tarde. Foi quando, em 60,
explicitei que deve haver um dialogo de Weber com Marx, em que Marx est muito
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que est acontecendo dentro das organizaes econmicas dentro de cada um dos pases.
Mas, como se est construindo uma economia, uma coisa nova que uma economia
mundial distinta da economia internacional anterior. Como as cincias sociais esto
construindo esta anlise? Manuel Castels claramente um socilogo totalizador. Sua
trilogia utilssima para tentar ver esta nova sociedade de informao. Cito ainda, Saskia
Sassen, que publicou no final dos anos 80 um livro que me impressionou enormemente
sobre imigrao. Ela a j est fazendo um estudo qualitativamente diferente sobre
globalizao. Outro livro fundamental seu A Cidade Global.
Voc acha que ela tem capacidade explicativa maior do que os economistas ou outros
cientistas sociais?
Para mim ela foi importante porque diz: globalizao o resultado de um processo de
trabalho e todo processo de trabalho est localizado. Ela une a construo de uma economia
global - que diferente de economia internacional, entre naes - a uma economia j meio
desprendida do espao. Ela est reagindo histria da grande revoluo antropolgica dos
anos 80, possibilitando desprender-se do espao. Ela est mostrando que isto est sendo
construdo. Parece que a Informtica se tornaria irrelevante se nos ativermos apenas s
grandes cidades. Ou melhor, colocando nos termos dos economistas, as economias deaglomerao teriam desaparecido. Por exemplo, a Informtica est permitindo fluxos
financeiros violentssimos. Tem gente construindo isto. Este um processo de trabalho.
Tm instituies sendo criadas. Novos papis financeiros esto sendo criados. Tem uma
poro de coisas sobre mundializao, mas, qual a formulao bsica que comea a
fertilizar a pesquisa? a idia de que certas transformaes nas grandes cidades so
genricas no mundo e uma dela a cidade deixar de ser industrial, pois a indstria comea
a sair. Percebe-se nestes anos que o ABC paulista perdeu indstrias. A Ford foi para a
Bahia, a Renault no sei para onde, a Peugeot para o Paran. No mais o velho polo. Isto
aconteceu nos Estados Unidos, 10 anos antes. Detroit no atrai os novos investimentos.
Vamos encontrar as indstrias automobilsticas americanas, mais avanadas, no Sul dos
Estados Unidos e fora do pas. O que a Saskia Sassen formula que a funo da cidade est
mudando, passando para o setor de servios. So as funes das grandes corporations, de
controle com avanada tecnologia - as funes de controle comando. As tais cidades
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globais tm certos processos de trabalho determinados. E parte da economia mundial,
uma parte crescente com relativa independncia dos Estados.
Em sentido mais amplo podia-se at colocar So Paulo.
Est a.. Por que eu dou esta importncia para a Saskia Sassen,? Suas formulaes so
empiricamente relevantes O Castels foi empiricamente pobre. O principal grupo de
pesquisa na rea de uma Universidade inglesa que se chama Loughborough(?).University
of Loughborough Todas as coisas desta universidade esto na Internet. s vezes eles
pegam trs, quatro coisinhas empricas e tiram leite de pedra. Um dos principais autores
que esto teorizando a partir da Saskia Sassen Peter Taylor. Eles esto atrs de onde esto
localizadas as matrizes, sucursais das grandes corporations multinacionais. Descobrem que
muito difcil pesquisar, porque elas no alardeiam onde esto os seus escritrios. Por
exemplo, os da Shell? Difcil saber, porque isto revelaria certa estratgia espacial. O que
fcil descobrir onde esto os servios produtivos avanados. Porque estes se desgrudaram
das corporations. Eles so multinacionais: por exemplo, propaganda, advertising, servios
legais, auditoria, escritrios de consultoria, de contabilidade.
Aqui no Brasil, alm do senhor, quem est estudando isto?
Tem muita gente. Por exemplo, Lcio Kowaric teve participao em alguns seminrios que
tocam nesta problemtica. Os socilogos e cientistas polticos deviam estar interessados
nisto. Acabam fugindo para a idia de globalizao enquanto processo que se d em nvel
cultural. No h dvida, mas, mau marxista quem no pensa que tem um enraizamento no
interesse scio-econmico. At para entender a globalizao cultural temos de pensar nisto
Mudando de assunto, qual foi sua avaliao da estratgia do governo Fernando
Henrique em relao ao movimento dos trabalhadores rurais, o MST. Como v. trabalhou
no governo FHC, este me parece ser um depoimento importante.
Minha vida profissional marcada pelo fato de ter lecionado para muita gente com
orientaes profissionais diversas, desde administradores, estatsticos, economistas, depois
arquitetos. To importante quanto isto a experincia no governo. Minha participao no
Ministrio do Desenvolvimento Agrrio articula-se a um interesse mais amplo. Com a
redemocratizao brasileira, eu estava interessado em ter algum papel poltico ativo
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nome de Ncleo de Estudos Agrrios. A portaria que criou este ncleo de abril de 97.
Tinha um chefe, um coordenador. Eu fui convidado para chefiar este ncleo que estava
sendo planejado h muito tempo. A principal caracterstica do novo mtodo implantado era
que a terra seria comprada em vez de desapropriada. Logo o MST (Movimento dos Sem
Terra) colocou-se contra. A idia do Ministrio de que seria uma alternativa, no para
substituio do processo de assentamento. E a principal funo do ministro era fazer
levantamentos. Exatamente o que foi realizado: fazer um levantamento das famlias
assentadas por este mtodo. Era uma coisa incrvel no se devolvia o que se tinha de pagar,
e era desapropriada. E ainda mais, o governo desapropria por certa quantia, que deposita
em juzo. O dono da terra aceita, mas, imediatamente depois, ele entra na Justia,argumentando no ter aceitado o preo. Ento, do ngulo daqueles que so assentados,
ocorre o seguinte: eles tm uma dvida, no momento em que terminam de pagar o que
devem, eles recebem o ttulo da hipoteca, eles tm uma (?). S que tm de pagar aquelas de
antes de 96. Tinha uma dvida de tal ordem que era pagvel. Pode-se dizer que barateava
enormemente.
No tinha clusula de correo?.
Sim. Mesmo independente disto, era estranho que algum adquirisse uma dvida individualdaquele porte. Ter-se-ia um tanto por famlia, um teto, no momento em que a inflao
estava sob controle. E a dvida no era individual mas sim de uma associao dos
assentados. Qual era o interesse em organizar uma associao em torno da dvida coletiva,
solidria, negociada. O dinheiro recebido era calculado simplesmente por Estado, variava
de um para outro e deveria ser usado para comprar a terra e para fazer investimentos
polticos, havendo um teto por famlia. Isso significava que quanto mais cara a terra que
eles compram, menos sobrava para ser aplicado.
Este era o projeto inicial?
Este o projeto inicial que foi seguido e que deveria ser acompanhado. No momento em
que entrei isto no tinha comeado, mas o emprstimo, as regras, a forma, tudo, realmente,
j estava pronto. Parecia-me uma lgica tima, e ainda me parece. A idia era fazer um
levantamento destas famlias: qual a situao no tempo zero e depois avaliar a experincia
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no seu desenvolvimento.E isto no era feito pelo NEAD mas gerido por ele.. Ns tnhamos
em trs anos seis milhes ( de dlares?) que se podia usar para outros estudos e seminrios
e inclusive contratar pessoal por uma organizao internacional.
A que entram os professores universitrios?
Eu estava pensando no pessoal permanente durante todo o perodo. Este pessoal
permanente no veio de todo da universidade. Este grupo mais permanente nunca teve mais
do que umas dez (?) pessoas. E tinha treze (?) doutores. No fazia sentido isto. Eu tinha um
coordenador geral e um coordenador executivo, que eu escolhi.
Se voc puder fazer um balano da sua experincia como intelectual na direo das
polticas pblicas e depois fazer um balano da poltica do governo Fernando Henrique.
Eu tive influncia grande junto com Edson (?), que era um sujeito da burocracia, mas,
tambm da universidade, com doutorado. Ele tinha sido superintendente do Incra, chefe de
gabinete do presidente do Incra, com uma experincia vastssima. Ele conhecia tudo sobre
o assunto, e ao mesmo tempo, no estava avesso a pensar coisas novas, ao contrrio. Outras
pessoas que ele escolheu foram timas como tcnicos, independentemente de posies
polticas. Muito cedo eu percebi que ele estava rodeado de pessoas do PT, pessoas que
pensavam bem. Ningum ali tinha a verdade pronta. Todo mundo tinha certos valores
comuns, e estavam prontos a experimentar o que dava certo. Esta foi a principal
experincia. Este grupo Nead ganhou total aceitao, de uma parte considervel dos
movimentos - da cpula do MST, da cpula da Contag. Tivemos uma excelente
convivncia.
Quem eram os pesquisadores do NEAD?
Tivemos gente tima, o pessoal todo da UFRRJ, da rea rural. Eles trabalharam sem haverobjeo a outro sujeito que era importante aceitar, o Edson Tefilo. O Zander Navarro, da
UFRS foi minha escolha. Eu conhecia da Unicamp o Jos Graziano, que era um bom
pesquisador, mas ele no quis ir. Chico Graziano fui conhecer muito mais tarde. O Jos de
Sousa Martins, da USP. E s vezes, entre si, eles entravam em discusses enormes.
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Vocs faziam projetos, gestados no interior deste Centro, ou era mais um Centro de
Estudos para dar assessoria ao ministro?
A definio de que deveria ser uma avaliao geral j estava feita desde o incio sob a
direo de Antnio Mrcio Buoinaim (?).No que eu tivesse objees, mas era uma
avaliao enorme que consumia boa parte do dinheiro e no tnhamos mais verba para fazer
grandes projetos.
Voc est se referindo ao balano sobre os assentamentos?
No. Ns fizemos aqueles da Cdula da Terra. Um deles foi com uma equipe enorme, cujos
coordenadores eram do Museu Nacional e do CPDA: o Srgio Leite Lopes, o Moacyr
Palmeira e a Leonilde Srvulo de Medeiros. No CPDA j tinham feito bastante pesquisa
com o dinheiro da FINEP. De repente, a FINEP cortou a verba e eles ficaram com uma
quantidade grande de trabalho para finalizar. Ento, influenciamos no estudo que eles
fizeram, envolvendo 40 pessoas. Pena que nem tudo que foi produzido foi publicado, mas,
tem uma quantidade enorme em disquete. A influncia do Nead foi grande: organizamos
seminrios, financiamos conferncias, vrias das conferncias da Confederao dos
Trabalhadores da Agricultura(CONTAG). A pesquisa do Srgio Leite Lopes sobre
assentamento por desapropriao enorme. O governo que entrou diz que no fizemos
nada. Meu balano outro. Minha experincia que o dinheiro deve ser usado no s na
avaliao de programas, mas para montar equipes, com total liberdade.? Na equipe de
trabalho tnhamos Jos Eli da Veiga, Ricardo Abramovay, Jos de Sousa Martins, Zander
Navarro, Jean Hebete.Eles cobriram as grandes regies brasileiras. Acompanhei durante
todo o tempo que estavam discutindo, todos os seminrios. Eles no estavam avaliando
apenas a desapropriao, mas o desenvolvimento rural, as mudanas legais de
desapropriao, feitas atravs de instrumentos como o Pronaf, o Crdito Rural.Tudo issopassa despercebido. Claramente o Brasil comeou uma reforma agrria.
Qual o objetivo do Nead? Fazer diagnsticos sobre a realidade para agilizar o processo
de reforma agrria?
Eram duas coisas. No seu programa principal, que era o combate pobreza atravs de
compra, o objetivo era fazer um programa em que tivesse embutida uma auto-correo. E
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houve muitas pequenas mudanas, no sentido em que o programa hoje existe vinculado ao
Banco da Terra. O PT disse que o Banco da Terra no existia, cortou o nome do programa e
botou em outro lugar. Um dos principais mritos do programa foi ter feito uma experincia
importante que no , certamente, para substituir a desapropriao. A desapropriao
complicadssima, demorada. Exige mudanas legais a serem resolvidas, h interesses dos
donos da terra a ser desapropriada, pois baixou violentamente o preo da terra.
Ela deixou de ser reserva de valor.
Ela deixou de ser reserva de valor, exatamente. Outra complicao legal no processo de
desapropriao que h chance do proprietrio entrar na Justia e conseguir um reclculo
do preo que o Estado lhe deve E h ainda a possibilidade de corrupo. O Jungman fez
coisas magnficas para simplificar o processo. Qual o balano do trabalho do Ministrio do
Desenvolvimento Agrrio? O principal projeto desta poca foi 150 mil assentamentos por
compra. O trabalho do Nead teve influncia nas correes. Entre o primeiro contrato com o
Banco Mundial e este com o Banco Mundial houve pequenas mudanas. Isto que
fundamental para todos os programas, ter independncia. Os seminrios foram tambm
muito importantes. Colocar gente discutindo. O principal sujeito deste processo foi Raul
Jungman. Ele realmente deu fora, ele construiu um ministrio, que no existia. O queexistia era para fazer Reforma Agrria, e depois ser extinto. Por isto que se chama
Ministrio Extraordinrio de Poltica Fundiria.
Ele tinha fora junto ao presidente Fernando Henrique?
Eu acho que ele a conquistou, conquistou o respeito do presidente. Ele um sujeito
inteligente, intuitivo.
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ENTREVISTA SOCILOGOS
Jos de Souza Martins
Voc qualificado como socilogo rural. Mas creio que sua preocupao com o
mundo rural est inserida em uma indagao mais ampla da interpretao sobre o
pas. O rural, ento, seria um ponto de partida essencial para a reflexo sociolgica no
Brasil?
De fato, nunca fiz sociologia rural. Sociologia rural uma disciplina muito especfica, com
sua teoria prpria, com cdigos e sistemas conceituais prprios. Eu nunca trabalhei comeles. Alis, o pouco que escrevi, especificamente, sobre sociologia rural foi de crtica
sociologia rural, que o caso da antologia que eu montei sobre o tema. Nesse sentido, eu
no tenho nada a ver com a sociologia rural, inclusive com o modo como ela foi codificada
sobretudo nos Estados Unidos, que representa um enorme empobrecimento, inclusive da
sociologia. Tanto que os socilogos rurais americanos tiveram de sair da Associao
Americana de Sociologia, tiveram que constituir uma entidade parte e produzir uma
revista especfica parte, que no tem nada ver com a grande tradio sociolgica. uma
perspectiva de uma pobreza terica enorme e com limitaes graves, com um reducionismo
na questo de tcnicas de pesquisa quantitativa etc. O meu trabalho de fato explica-se
porque, seguindo a tradio da USP, tenho me interessado pelos grupos sociais marginais,
grupos que no esto no centro do teatro da Sociologia e isso me levou a discutir o mundo
rural. A histria da casa de estudos sobre as figuras que esto margem do grande
processo histrico brasileiro e que por estarem margem ajudam a entender justamente as
grandes contradies dessa sociedade, os limites dela. Se quero entender a sociedade
escravista tenho que estudar o escravo. No quer dizer que se deixe de estudar o senhor
dos escravos, mas, aquele que revela mais sobre o que a sociedade o escravo. O que
tenho feito isso, eu tenho me interessado pelo subrbio um tema que est bem no centro
de minhas preocupaes, e que no o centro do palco, mas explicita no s o processo da
construo da sociedade moderna no Brasil, bem como da metrpole.Eu entendo melhor o
que esta sociedade, os problemas que ela tem, suas possibilidades, analisando esses
grupos marginais. Isso tem a ver com uma escolha de natureza metodolgica. Quer dizer, a
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opo pelas margens uma opo de natureza metodolgica e a boa Sociologia s se
desenvolveu com estas opes. Quando Levy Strauss veio para a USP veio como professor
de Sociologia e no de Antropologia. Daqui ele podia estudar a sociedade contempornea a
partir da margem.
Numa entrevista para a revista do Instituto de Estudos Avanados de 1997voc diz
que a sociologia brasileira hoje est desenraizada e colonizada, sem dilogo com os
problemas nacionais...
Eu vou mais longe. Acho que houve uma brasilianizao da sociologia brasileira. Os
brasilianistas acabaram definindo um padro de ciencia social para o Brasil. Eles tm
recursos, competncia profissional e acabam fazendo trabalhos interessantes. Mas acabam
impondo o modo de fazer Sociologia. At porque eles tm o controle do acesso s revistas
internacionais e se voc no cantar pela pauta deles, dificilmente vai publicar seu trabalho
fora do Brasil. Por isso h uma perda de interesse por vrios temas importantes, pela
indagao a respeito do que tpico, caracterstico e prprio da sociedade brasileira. No
estou fazendo crtica aos meus colegas, cada um faz o que acha relevante. Mas, penso que
no conjunto houve e est havendo uma perda em relao aos temas relevantes. Por
exemplo, ns no temos uma resposta para a questo da violncia. Quando se fala deviolncia no Brasil, usamos modelos estrangeiros para analis-la. No se tem uma resposta
para questes como a das geraes, sobre o que est acontecendo com os adolescentes, com
os jovens, que futuro tm, como viv
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