MARIA ALICE CAMPAGNOLI OTRE
COMUNICAÇÃO POPULAR-ALTERNATIVA DESENVOLVIDA POR
JOVENS INDÍGENAS DAS ALDEIAS DO JAGUAPIRU E BORORÓ EM
DOURADOS / MS
Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo-SP, 2008
MARIA ALICE CAMPAGNOLI OTRE
COMUNICAÇÃO POPULAR-ALTERNATIVA DESENVOLVIDA POR
JOVENS INDÍGENAS DAS ALDEIAS DO JAGUAPIRU E BORORÓ EM
DOURADOS / MS
Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UMESP - Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre Orientadora: Profa. Dra. Cicilia M. Krohling Peruzzo.
Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo-SP, 2008
FOLHA DE APROVAÇÃO
A dissertação Comunicação Popular-Alternativa desenvolvida por Jovens Indígenas das
aldeias do Jaguapiru e Bororó em Dourados / MS elaborada por Maria Alice Campagnoli
Otre, foi defendida no dia 08 de abril de 2008, tendo sido:
( ) Reprovada
( ) Aprovada, mas deve incorporar nos exemplares definitivos, modificações sugeridas
pela banca examinadora, até 60 dias, a contar da data da defesa
( ) Aprovada
(X) Aprovada com louvor
Banca examinadora: _____________________________________________
Profa. Dra. Cicilia Maria Krohling Peruzzo
_____________________________________________
Prof. Dr. Massimo Di Felice
_____________________________________________
Profa. Dra. Sandra Reimão
Área de concentração: Processos Comunicacionais
Linha de pesquisa: Comunicação Massiva
Projeto temático:
DEDICO
A entidades fundamentais em minha vida:
ao Deus que me sustenta, à família que me acolhe,
aos indígenas que muito me ensinaram, à amiga Ellen Nayara, sem definições.
AGRADEÇO
Faz dois anos que venho contabilizando todos os nomes merecedores de compor esta página. E como são merecedores!
A Deus e, em especial, minha Mãezinha e protetora dos indígenas, Nossa Senhora de Guadalupe, que acompanhou este meu projeto de vida,
sempre intercedendo por mim junto ao Pai. A meus pais que, sob um amor incondicional, “fingiram” não passar por
dificuldades pra me ajudarem a fazer o mestrado, sempre confiantes. À professora Cicilia Peruzzo, que antes era um referencial teórico e hoje é
um referencial de vida. Que soube segurar minha mão quando necessário, mas me ensinou a andar por mim mesma.
A todos os professores e funcionários da Metodista que em algum momento intervieram positivamente em minha vida acadêmica.
A todos os meus colegas de mestrado, em especial Ana Paula Silva Ladeira Costa, com quem morei em São Bernardo e muito aprendi; Nivea
Maria Bona “Onda”, amiga de sorrisos, eventos e angústias, sempre pronta a me socorrer; Márcia, companheirona, Laura e Marcelo, com quem
bons momentos dividi. A Ellen Nayara Kotai Costa, irmã e amiga, uma das pessoas mais
fundamentais durante esta árdua caminhada. Desde os telefonemas eternos em SBC, até as noites mal-dormidas em Marília e Dourados .
Ouvidos sempre abertos para meus devaneios teóricos, palavras mais usadas, gráficos e gráficos. Braços sempre abertos para as lágrimas,
angústias, cansaço e acreditem, risadas. Olhar sempre firme me mandando não desistir deste objetivo. Minha gratidão eterna.
À paciência em forma de homem: Robson Barros. Que se absteve de qualquer idéia de namorada ideal, e passava noites assistindo-me ao
computador, fazendo massagem, servindo tereré, ouvindo meus resmungos. Sempre quieto e confortador.
Aos amigos Aline Oliveira, sempre confiante, Kenedy e Jaqueline, sempre dispostos a me ajudar e a oferecer um sorriso.
À Débora Gracio que me deu suporte em momentos importantíssimos, Raquel Mascarin que mesmo ausente esteve presente e a Maria Carolina,
convicta de que daria tudo certo. Ao primeiro e eterno orientador, Roberto Reis, que me colocou neste
caminho com confiança. À toda a minha família, tios, tias, primos e primas, que tanto acreditaram
em mim e me incentivaram. Em especial tios Silvio e Nanci, que estiveram inclusive na defesa do mestrado, como pontos de sustentação.
À profa. Dra. Maria de Lourdes Beldi de Alcântara que possibilitou meu acesso aos dados necessários para a pesquisa e muito me ensinou.
À comunidade indígena de Dourados, em especial, aos jovens da AJI, exemplos de luta e perseverança.
Aos companheiros que conheci e passei a admirar em Dourados/MS, em especial Érika Batista, Vanderléia Mussi, Bruno Barreto e Cristine
Medeiros, que tanto me apoiaram e suportaram, e tantos outros amigos. A todos os meus primos queridos, em especial à minha prima Giovanna
(10 anos), que sempre pergunta sobre o meu “livro” e diz que pede a Deus pra eu acabar logo.
Por fim, à Capes, que possibilitou a realização deste trabalho e sem a qual eu não teria chegado.
LISTA DE TABELAS Pág. TABELA 1 - Quadro de suicídios praticados por índios Guarani/Kaiowá p.69 no Mato Grosso do Sul TABELA 2 - Quadro de suicídios praticados por índios Guarani/Kaiowá p.70 em Dourados / MS, entre 1992 e 1999, por gênero e idade TABELA 3 - Quadro de suicídios no Brasil, MS e Dourados entre p.71 os anos de 2003 e 2005 TABELA 4 - Dados sobre a desnutrição do Mato Grosso do Sul p.80 TABELA 5 - Assinaturas de cada jovem em textos individuais ou em p.128 co-autoria no ajindo.blogspot.com - 17/05/2006- 29/11/2007 TABELA 6 – Assinaturas de cada jovem em textos individuais ou em p.136 co-autoria no Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006
LISTA DE GRÁFICOS Pág.
GRÁFICO 1 - Assuntos principais abordados no ajindo.blogspot.com p.117 17/05/2006- 29/11/2007 GRÁFICO 2 - Novos assuntos que se formaram da generalização p.118 "Outros", no ajindo.blogspot.com - 17/05/2006- 29/11/2007 GRÁFICO 3 - Aspectos centrais abordados no ajindo.blogspot.com - p.119 17/05/2006- 29/11/2007 GRÁFICO 4 - Sobre quem se fala no ajindo.blogspot.com - p.121 17/05/2006- 29/11/2007 GRÁFICO 5 - Gêneros utilizados no ajindo.blogspot.com - p.122 17/05/2006- 29/11/2007 GRÁFICO 6 - Ilustrações utilizadas nos textos do ajindo.blogspot.com - p.127 17/05/2006- 29/11/2007 GRÁFICO 7 - Classificação, por sexo, dos jovens participantes do p.129 ajindo.blogspot.com - 17/05/2006- 29/11/2007 GRÁFICO 8 - Classificação, por etnia, dos jovens participantes do p.130 ajindo.blogspot.com - 17/05/2006- 29/11/2007 GRÁFICO 9 - Classificação, por sexo, dos jo vens participantes do p.138 Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 GRÁFICO 10 - Classificação, por idade, dos materiais produzidos p.139 pelos jovens participantes do Jornal AJIndo que se identificaram - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 GRÁFICO 11 - Tiragem por edição do Jornal AJIndo - p.142 Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 GRÁFICO 12 -Assuntos principais publicados no Jornal AJIndo - p.144 Fevereiro/2004-Dezembro/2006 GRÁFICO 13 - Palavras mais usadas quanto à temática Descaso p.151 GRÁFICO 14 - Palavras mais usadas quanto à temática Drogas p.152 GRÁFICO 15 - Palavras mais usadas quanto à temática Educação p.153 GRÁFICO 16 - Palavras mais usadas quanto à temática Emprego p.154
GRÁFICO 17 - Palavras mais usadas quanto à temática Eventos p.155 Promovidos pela AJI / Mobilização interna GRÁFICO 18 - Palavras mais usadas quanto à temática Eventos p.156 Externos GRÁFICO 19 - Palavras mais usadas quanto à temática Horta p.158 GRÁFICO 20 - Palavras mais usadas quanto à temática Lazer p.159 GRÁFICO 21 - Palavras mais usadas quanto à temática Preconceito p.160 GRÁFICO 22 - Palavras mais usadas quanto à temática Saúde p.161 GRÁFICO 23- Palavras mais usadas quanto à temática Segurança p.162 GRÁFICO 24 - Palavras mais usadas quanto à temática Terra p.163 GRÁFICO 25 - Palavras mais usadas quanto à temática Violência p.164 GRÁFICO 26 - Palavras mais usadas quanto à temática “Outros” p.165 GRÁFICO 27 - Aspectos centrais dos textos do Jornal AJIndo p.166 Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 GRÁFICO 28 - Sobre quem se fala no Jornal AJIndo - p.170 Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 GRÁFICO 29 - Gêneros utilizados no Jornal AJIndo - p.172 Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 GRÁFICO 30 - Formatos jornalísticos encontrados em "Jornalismo p.173 informativo" no Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 GRÁFICO 31 - Formatos jornalísticos encontrados em "Jornalismo p.176 opinativo" no Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 GRÁFICO 32 - Entretenimento ana lisado no Jornal AJIndo p.177 Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 GRÁFICO 33 - Ilustrações utilizadas nos textos do Jornal AJIndo p.180 Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 GRÁFICO 34 - Assuntos principais publicados nas matérias de capa p.181 do Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006
SUMÁRIO Introdução -------------------------------------------------------------------------------------- p. 16
CAPÍTULO I – A comunicação das minorias ----------------------------------------- p. 25
1. Comunicação popular no contexto de luta por democratização ------------------- p. 25
2. Reflexões sobre a comunicação popular-alternativa e comunitária --------------- p. 39
2.1. Função social da comunicação popular ------------------------------------- p. 39
2.2. Sobre os conceitos de comunidade e comunidade indígena ---------- p. 51
CAPÍTULO II – A realidade social vivida pelos indígenas em
Dourados/MS e sua abordagem pela mídia --------------------------------------------p. 59
1. A fixação dos indígenas em Dourados: formação das aldeias do
Jaguapiru e Bororó --------------------------------------------------------------------- p.59
2. Conflitos internos: ---------------------------------------------------------------------- p.63
2.1. As diferenças étnicas e disputas por lideranças dentre os indígenas ------- p.63
2.2. Entreolhares ------------------------------------------------------------------------ p.66
2.3. Alcoolismo, uso de entorpecentes, violência e suicídio juvenil ------------- p.69
2.4. Mortes por desnutrição ----------------------------------------------------------- p.78
3. Conflitos externos ---------------------------------------------------------------------- p.82
3.1. Discriminação, abandono e marginalização ----------------------------------- p.82
3.2. Representação dos indígenas na grande mídia -------------------------------- p.86
4. A comunicação nas aldeias e o papel dos jovens indígenas na velha
e nova ordem---------------------------------------------------------------------------- p. 91
CAPÍTULO III – Apropriação da comunicação dos brancos pelos
indígenas de Dourados: rádio, fotografia, cinema e Internet--------------------- p.95
1. A rádio comunitária da Bororó: experiência extinta ----------------------------- p.96
2. Oficinas de cinema -------------------------------------------------------------------- p.102
3. Oficinas de fotografias ---------------------------------------------------------------- p.109
4. Blog e Fotolog: AJI on-line ---------------------------------------------------------- p.114
CAPÍTULO IV – Jornal AJIndo: uma alternativa comunicacional? -------- p. 132
1 Jornal AJIndo ------------------------------------------------------------------------- p.134
2 Exploração e análise do conteúdo do Jornal AJIndo ---------------------------- p.143
2.1. Quanto ao Assunto Principal -------------------------------------------------- p.144
2.1.1. Palavras mais usadas --------------------------------------------------- p.150
2.2. Quanto ao Aspecto central -----------------------------------------------------p.165
2.3. Sobre quem se fala --------------------------------------------------------------p.170
2.4. Gêneros utilizados -------------------------------------------------------------- p.171
2.5. Quanto às ilustrações ---------------------------------------------------------- p.180
3 Análise das capas – Fevereiro/2004 –Dezembro/2006 ------------------------- p.181
4 Características da comunicação popular-alternativa presentes no jornal ----- p.182
5 Limitações da comunicação popular-alternativa presentes no AJIndo --------p.187
6 Análise da participação no Jornal AJIndo ---------------------------------------- p.192
7 Funções da comunicação popular-alternativa para os jovens da AJI -------- p.195
8 Onde estão localizados os jovens hoje? ----------------------------------------- p.199
Conclusões ------------------------------------------------------------------------------- p.204
Referências ----------------------------------------------------------------------------- p. 209
Anexo A - Jornais---------------------------------------------------------------------- p.217
Anexo B – Autorização Funai ------------------------------------------------------- p. 261
Resumo Trata-se de um estudo de caso em que analisamos a comunicação alternativa desenvolvida pela AJI (Ação dos Jovens Indígenas), em Dourados/MS, nas aldeias do Jaguapiru e Bororó. Os jovens, que produzem audiovisuais, fotografias, blog, fotolog e um jornal impresso, encontraram na comunicação uma alternativa ante à marginalidade com que os índios são tratados na cidade, e buscarem seus direitos à voz e ao espaço social, em suas próprias tribos, já que os jovens indígenas solteiros ocupam um não-lugar na Reserva, pois não pertencem à organização tradicional indígena, tampouco estão inseridos entre os brancos. A partir das características e limitações da comunicação alternativa no Jornal AJIndo, por meio de pesquisa bibliográfica, entrevistas semi-estruturadas e análise de conteúdo, buscamos verificar o impacto da utilização desta comunicação nas aldeias para os jovens que a produzem, levando em conta interferências nas formas tradicionais de hierarquia e comunicação entre os indígenas e a função social da comunicação alternativa para eles. Embora não seja o objetivo principal do AJIndo, destaca-se o desenvolvimento da auto-estima como resultado desse processo. Soma-se a esta função, a mobilização por transformação social e a formação crítico-educativa. Após o esforço de organização, os jovens começaram a se sentir pertencentes aos indígenas e a serem ouvidos pelos brancos, mesmo que acreditem ser por interesses políticos da comunidade como um todo.
Palavras-chave Comunicação Popular-Alternativa. Indígena. AJI. Jornal AJIndo. Auto -estima. Cidadania.
Resumen El presiente trabajo es un estudio de caso en que analizamos la comunicación alternativa desarrollada por el AJI (Acción de los Jóvenes Indígenas), en Dourados/MS, en las aldeas de Jaguapiru y Bororó. Los jóvenes, que producen audiovisuales, fotografías, blog, fotolog y un periódico impreso, encontraron en la comunicación, una alternativa que hace frente a la marginalidad con que son tratados en la ciudad, además de buscaren el derecho a la opinión en sus propias tribus y al espacio social, ya que los jóvenes indígenas solteros no tienen una ubicación social en la Reserva, pues no pertenecen a la organización tradicional indígena, tampoco están inseridos en la sociedad de los blancos. Desde las características y limitaciones de la comunicación alternativa en el Periódico AJIndo, por medio de la investigación bibliográfica, entrevistas semi-estructuradas y análisis de contenido, buscamos verificar el impacto del periódico y blog para los jóvenes que los producen en las aldeas, considerando las interferencias en las formas tradicionales de jerarquía y comunicación entre los indígenas y la función social de la comunicación alternativa para ellos. Mismo que no sea su objetivo principal, en el AJIndo se destaca el desarrollo de la auto-estima como resultado de este proceso. Se añade a esta función, la movilización por transformación social y la formación crítico-educativa. Después del esfuerzo de organización, los jóvenes comenzaron a sentirse pertenecientes a los indígenas y han sido escuchados por los blancos, mismo que crean ser por conveniencias políticas de la comunidad como un todo.
Palabras-clave Comunicación Alternativa. Indígenas. AJI. Jornal AJIndo. Auto-estima. Ciudadanía.
Abstract: This work approaches the alternative communication that has been developed by the AJI (Ação dos Jovens Indígenas / Teen-Indians Action), in Dourados City (MS-Brazil), at Jaguapiru and Bororó Villages, through a case study. The teenagers – who produce audiovisuals, photographs, blog, photoblog, and a printed journal – have found out on communication an alternative to face up the social exclusion which the Indians are undergone in the city. They have also requested the voice rights and social locus at their own tribes, since the single young Indians dwell in a non-place in the reservation, for they do not belong to the Indian traditional organization, neither are inserted amid the non-Indian. Considering the characteristics and limitation of the alternative communication of the AJIndo Journal, and by means of bibliography survey, semi- structured interviews, and content analysis, it has been tried to verify the usage impact of these communication products on the villagers, taking into account the interference upon the traditional hierarchy forms and communication, as well as the social function the alternative communication plays to them. Although it is not the main purpose of the AJIndo, it is remarkable the development of the self-esteem as result of the process. To this feature, it may be added the mobilization for a social transformation and the critical-educative formation. After this organization effort, the teenagers started to feel belonging to the Indians and to be heard by the non-Indians, even believing it would be for political interests of the community as a whole.
Key-words: Alternative Communication. Indian. AJI. AJIndo Journal. Self-Esteem. Citize nship
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Introdução
No cenário de Dourados/MS, que comporta a segunda maior reserva indígena
urbana do país, cerca de 11 mil índios de duas etnias, Terena e Guarani (Guarani-Ñandeva
e Guarani-Kaiowá), dividem 3,6 hectares de terra.
Envoltos em estruturas complexas que envolvem violência, desnutrição infantil,
suicídios, disputas por liderança, brigas étnicas, discriminação e abandono por parte do
governo e da sociedade, os indígenas só têm espaço na grande mídia quando acontece
algum fato negativo. Notícias que valorizem sua cultura ou os projetos desenvolvidos junto
à comunidade, dificilmente são publicadas. Sem voz na grande mídia de Dourados e região,
jovens indígenas desenvolveram iniciativas de comunicação, que envolvem um jornal
alternativo – o principal foco de nosso estudo -, um blog, documentários e fotografias
realizados pela AJI (Ação de Jovens Indígenas), com o apoio de oficinas oferecidas pela
GAPK (Grupo de Apoio aos Povos Kaiowá) 1. Da escolha das pautas e redação dos textos
aos critérios de seleção e diagramação, no caso do jornal AJIndo, tudo é formulado pelos
indígenas. Quanto ao blog, produção dos textos, fotos e postagens também.
No contato com essa realidade, particularmente tão distante, surgiu o interesse da
pesquisa. A questão central da pesquisa remete à função da comunicação alternativa
desenvolvida pelos jovens indígenas, num processo em que sua ação interfere nas práticas
comunicativas tradicionalmente hierarquizadas pelos indígenas e ressemantiza as culturas e
tradições dessas comunidades.
1 O Grupo de Apoio aos Povos Kaiowá é uma ONG que atua na cidade de Dourados, ligada ao Labi-Nime (Laboratório de Estudos do Imaginário / Núcleo Interdisciplinar do Imaginário e Memória) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. A GAPK oferece oficinas para a AJI (Ação de Jovens Indígenas) e a partir dessas oficinas os indígenas desenvolvem os meios de comunicação alternativa (jornal e blog) e produzem vídeos e fotografias.
17
A partir desta problematização, objetivamos verificar o impacto que a utilização de
meios tecnológicos de comunicação nas aldeias do Jaquapiru e Bororó tiveram para os
jovens produtores do jornal, levando em conta interferências nas formas tradicionais de
hierarquia e comunicação entre os indígenas e a função social da comunicação popular-
alternativa como agente de educação, retomada de auto-estima, mobilização e
transformação social.
Objetivamos ainda, com a pesquisa, averiguar as finalidades os objetivos da criação
de um espaço identitário de pertencimento para os jovens, verificar quais as diferenças que
se colocam na prática alternativa do não-índio e do índio, levantar as razões que motivaram
a utilização desses instrumentos de comunicação (jornal, blog e fotolog, vídeos e
fotografias) e quais objetivos se pretende atingir com a utilização dessas novas tecnologias
nas aldeias, avaliar como se dá a participação dos jovens indígenas nessas formas
alternativas de comunicação, entender como se dá o processo de ressemantização do
cotidiano a partir da tomada de poder pelos jovens das novas ferramentas de comunicação e
averiguar o posicionamento de líderes indígenas sobre a inclusão das novas formas de
comunicação em comunidades indígenas.
O trabalho justifica-se primeiramente por trazer para a universidade uma discussão
pouco desenvolvida no Brasil: a relação entre os indígenas e a inserção das novas
tecnologias de comunicação.
Também para os estudos de comunicação popular-alternativa, acredita-se na
inovação da proposta, pois estes novos produtos de comunicação desenvolvidos pelos
jovens indígenas de Dourados são utilizados na busca por garantir- lhes voz na relação entre
jovens-aldeias e aldeias-cidade.
Espera-se a partir deste estudo, contribuir para a produção teórica sobre
comunicação entre os indígenas e, ainda, apontar as contribuições da comunicação
alternativa dentro desse contexto social e como se dão suas configurações.
Trabalhamos com a hipótese de que por meio da produção de jornal alternativo,
blog, vídeos e fotografias, jovens indígenas de Dourados, tradicionalmente excluídos das
discussões e tomadas de decisões em suas comunidades, encontravam uma forma de
mobilização social que lhes garantia, embora com muita resistência dos indígenas
tradicionais, maior aceitação dentro da própria tribo, além de a criação de canais que lhes
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dessem voz para apresentarem suas críticas à sociedade. Embora, antecipando a conclusão,
tenhamos percebido que mobilização social não é a principal função desempenhada por
jornal e blog, eles cumprem importante papel quanto à mobilização da entidade que os
produz, a Ação de Jovens Indígenas (AJI).
Para a realização da dissertação, obedecendo aos preceitos éticos, apresentamos o
projeto de pesquisa para a Funai Regional de Dourados / MS, que o analisou e nos deu
parecer favorável (ver anexos). O mesmo aconteceu quando o trabalho também foi
submetido ao Comitê de Ética do Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN).
Embora as populações indígenas sejam consideradas áreas temáticas especiais, nosso
trabalho que não é de cunho antropológico e sim comunicacional, buscando apenas, a partir
das entrevistas, contextualizar a realidade dos jovens indígenas e do surgimento dos
produtos de comunicação numa realidade tão complexa. Destacamos que apesar de todos os
entrevistados indígenas serem portadores de RG civil e aceitaram após o conhecimento de
todos os objetivos do trabalho colaborar com a pesquisa, de forma que entenderam sê- la de
importância tanto para o registro histórico de seus trabalhos, como para melhor entender, ao
fim da pesquisa, as potencialidades que têm em mãos, decidimos manter seus nomes
mantidos em sigilo para preservá-los de eventuais constrangimentos. Destaca-se ainda que,
a maioria dos jovens entrevistados cursa o ensino superior.
Metodologia
Assim posto, adiantamos que a pesquisa foi dividida em duas etapas. Num primeiro
momento buscamos desenvolver e delimitar, através da pesquisa bibliográfica, os conceitos
que versam sobre a comunicação popular-alternativa e comunitária na América Latina e no
Brasil, conceitos de participação, comunidade e comunidade indígena.
STUMPF (2005, p. 51) assim define esse tipo de pesquisa.
Num sentido restrito, é um conjunto de procedimentos que visa identif icar informações bibliográficas, selecionar os documentos pertinentes ao tema estudado e proceder à respectiva anotação ou fichamento das referências e dos dados dos documentos para que sejam posteriormente utilizados na redação de um trabalho acadêmico.
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Para a segunda etapa, desenvolvemos um estudo de caso na cidade de
Dourados/MS, buscando entender a comunicação alternativa juvenil dos indígenas das
Aldeias Jaguapiru e Bororó.
Devido à complexidade que envolve a questão indígena, a manutenção de suas
tradições e a interferência dos não- índios em sua cultura, buscamos com o estudo de caso
descrever a organização social das etnias Aruak (Terena) e Guarani (Guarani-Kaiowá e
Guarani-Ñandeva), apresentar a relação destes com a sociedade urbana de Dourados e
compreender o por quê da utilização de formas de comunicação popular-alternativa não-
tradicionais dos indígenas - como o jornal, fotografias, vídeo e internet - por essa população
claramente marginalizada.
Desenvolvendo a estratégia do estudo de caso, para a coleta de dados realizamos
entrevistas semi-estruturadas a) com os jovens da AJI (Ação de Jovens Indígenas)
responsáveis pela produção dos meios de comunicação; b) com os voluntários da GAPK
(Grupo de Apoio aos Povos Kaiowá) - ONG responsável pela elaboração das oficinas de
redação, fotografia, vídeo e site, dando sustentação à iniciativa dos jovens indígenas -; e c)
com lideranças indígenas que não estão entre os membros da AJI.
Além das entrevistas semi-estruturadas, também realizamos uma análise de
conteúdo do Jornal AJIndo (Ação de Jovens Indígenas de Dourados) e do blog mantido
pelos jovens, na tentativa de verificar quais as posturas políticas, ideológicas e sociais
presentes.
A análise de conteúdo (AC), segundo BARDIN (1977, p. 42), define-se como
Um conjunto de técnicas de análises das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção / recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens.
Método predominantemente quantitativo, surge como uma reação às análises
subjetivas dos textos, que eram feitas antigamente. “A atitude interpretativa continua em
parte a existir na análise de conteúdo, mas é sustida por processos técnicos de validação”,
ressalta BARDIN (1977, p.14).
20
De uma maneira geral, a autora (1977, p.29) destaca que o método corresponde a
dois objetivos: a) a ultrapassagem da incerteza, que busca descobrir se a minha leitura de
um texto pode ser generalizável; e b) o enriquecimento da leitura, a partir do momento que
se pode compreender de maneira mais aprofundada o que o emissor daquela mensagem
buscava passar no momento em que a codificou. Importante para a evolução do método no
campo social foi o fato de que deixou a ênfase excessiva nos números e abriu
possibilidades de inferências (deduções de maneira lógica) a partir de mecanismos
subjacentes. Para explicar melhor os procedimentos da análise e o conceito de inferência, a
autora faz a analogia do analista com um arqueólogo, que trabalha com vestígios. A partir
dos vestígios, tal como um detetive, o analista trabalha com índices cuidadosamente postos
em evidência por procedimentos complexos.
Se a descrição (a enumeração das características do texto, resumida após tratamento) é a primeira etapa necessária e se a interpretação (a significação concedida a essas características) é a última fase, a inferência é o procedimento intermediário, que vem permitir a passagem, explícita e controlada, de uma à outra (BARDIN, 1977, p.39).
Para a organização de uma análise de conteúdo, Bardin (1977, p. 95) apresenta três
fases cronológicas delimitadas:
1) Pré-análise: consiste na fase de organização do trabalho, em que se deve escolher
os documentos que serão submetidos à análise, formular hipóteses e objetivos e elaborar
indicadores que fundamentam a interpretação final;
2) Exploração do material: consiste na análise propriamente dita. Se a pré-análise
for realizada de maneira cuidadosa e convenientemente concluída, esta fase representa a
administração sistemática das decisões tomadas anteriormente, envolvendo operações de
codificação em função das regras previamente formuladas;
3) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: os resultados brutos são
tratados de maneira a serem significativos e válidos e a partir deles, o analista pode
interpretar, propondo inferências.
Dentro da discussão proposta pela autora, destaca-se que a abordagem que daremos
na análise de conteúdo é quanti e qualitativa, pelo fato de a “inferência - sempre que é
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realizada – ser fundada na presença do índice (tema, palavra, personagem, etc), e não sobre
a freqüência da sua aparição, em cada comunicação individual” (BARDIN, 1977, p.116).
Dessa forma, temos como corpus para a análise, as edições produzidas pela AJI
(Ação de Jovens Indígenas), que resultam em oito exemplares do jornal, 95 matérias, e
ainda, o blog nos anos de 2006 e 2007, 76 matérias, buscando a partir das temáticas
verificar a função que esta forma de comunicação têm para os jovens indígenas, num
contexto de dificuldades sócio -econômicas, preconceito, marginalidade e, muitas vezes,
descrença.
Para a realização da análise de conteúdo, trabalhamos com categorias, na tentativa
de isolar os temas tratados. “As categorias, são rubricas ou classes, as quais reúnem um
grupo de elementos (unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título
genérico, agrupamento esse efectuado em razão dos caracteres comuns destes elementos”
(BARDIN, 1977, p.117).
Durante nossa pré-análise, definimos cinco categorias para analisar: Assunto
principal, Aspecto central, De quem se fala, Gêneros utilizados e Ilustrações dos textos.
Para cada categoria, apresentamos os resultados em forma de gráficos, objetivando facilitar
a análise e visualização do Jornal como um todo. Dentro de “Assunto principal”, detivemo -
nos ainda a classificar as palavras mais usadas, sendo que as quantificamos, agrupando os
textos que compunham o mesmo assunto/tema. Todas as palavras que se repetiram mais de
duas vezes foram computadas, porém, consideramos para a apresentação gráfica, as nove
palavras que os jovens mais utilizaram, em ordem decrescente.
Ao considerarmos a categoria “Gêneros utilizados”, vale atentarmos para o fato de
que nos apoiamos na classificação proposta por José Marques de Melo (2003, p.65),
segundo o qual, existem duas categorias para classificar o jornalismo: o informativo e o
opinativo. O que não se encaixa nessas classificações por não fazerem parte da esfera
jornalística, o autor sugere2, que se denomine “entretenimento”.
Definimos, então, as seguintes categorias para a realização da AC dos jornais da
AJI:
Categoria 1: Assunto principal
2 Em entrevista concedida por e-mail à autora no dia 29 de setembro de 2007.
22
Dentre os assuntos elencados, figuram: Descaso ; Preconceito; Educação; Saúde;
Lazer; Drogas; Segurança; Violência; Eventos promovidos pela AJI / Mobilização interna;
Participação em eventos externos; Terra; Emprego; Horta; e Outros.
Categoria 2: Aspecto central
Nesta categoria encontramos: Críticas governo; Valorização da cultura indígena;
Importância / Atuação da AJI; Críticas à grande mídia; Crítica ao não-indígena;
Comparação entre índios e não- índios; Alerta sobre tema; Reivindicações e Outros.
Categoria 3: De quem se fala
Sobre quem se fala no texto, tivemos três opções: sobre o indígena; não-indígena ou
ambos.
Categoria 4: Gêneros utilizados
Para melhor visualização dos gêneros utilizados nos textos, assim analisamos:
a) Jornalismo Informativo
1. Nota
2. Notícia
3. Reportagem
4. Entrevista
b) Jornalismo opinativo
5. Editorial
6. Comentário
7. Artigo
8. Resenha
9. Coluna
10. Crônica
11. Caricatura
12. Carta
23
c) Entretenimento
13. Quadrinhos
14. Contos
15. Coluna Social
Categoria 5: Ilustrações do texto
Nesta categoria temos: Desenho; Foto e Nenhum, para textos que não apresentavam
ilustrações.
Para análise do “Gênero utilizado”, consideramos textos e / ou fotos que
possibilitaram a identificação do Assunto principal e Aspecto central. Diante disso, foram
analisados os conteúdos de contos, coluna social e quadrinhos. Outros itens como: música,
agenda, sessão de piadas, cruzadinhas, desenhos avulsos, poesias, homenagens,
agradecimentos e publicidades serão apontados num balanço geral dos jornais, sendo,
portanto contemplados no trabalho, embora não analisados quanto ao Assunto principal,
Aspecto central, Atores, Gênero e Ilustrações.
A partir da definição das categorias então expostas, acreditamos atingir a condição
de exclusão mútua entre elas, sua homogeneidade, pertinência, objetividade, fidelidade e
produtividade, qualidades que a autora destaca para uma boa formulação de categorias.
Fundamentadas nesta metodologia, detivemo-nos a cada capítulo, a percorrer um
caminho que abarcasse fundamentação teórica, contextualização história, análise e
interpretação dos dados coletados.
No primeiro capítulo, nos detivemos a explorar a comunicação das minorias, em
que pensamos a comunicação popular no contexto de luta por democratização, refletimos
sobre a comunicação popular-alternativa, suas funções e os conceitos referentes à
participação neste tipo de experiência, conceitos de comunidade e comunidade indígena.
No segundo capítulo retratamos de maneira a contextualizar a realidade social
vivida pelos indígenas em Dourados/MS e sua abordagem pela mídia, passando pela
fixação dos indígenas na cidade, formação das aldeias do Jaguapiru e Bororó, conflitos
internos como diferenças étnicas e disputas por lideranças dentre os indígenas, alcoolismo,
uso de entorpecentes, violência, suicídio juvenil e mortes por desnutrição, e ainda, conflitos
24
externos como a discriminação, abandono e marginalização e a representação dos indígenas
na grande mídia. Ainda neste capítulo, detivemo-nos a discutir a comunicação nas aldeias e
o papel dos jovens indígenas na velha e nova ordem comunicacional.
No terceiro capítulo, em que afunilamos nossa abrangência e discussões, refletimos
sobre a apropriação da comunicação dos brancos pelos indígenas de Dourados, retratando
experiências de comunicação desenvolvidas na aldeia como: a rádio (já extinta), oficinas de
fotografia, oficinas de cinema e desenvolvimento do blog e fotolog da Ação dos Jovens
Indígenas (AJI). Já neste capítulo, apresentamos a Análise de Conteúdo (AC) do blog.
Por fim, no quarto e último capítulo, buscamos realizar de maneira aprofundada a
AC do Jornal AJIndo. Para isso apresentamos os gráficos produzidos a partir da coleta de
dados quanto aos assuntos principais e as palavras mais usadas em cada um deles, quanto
aos aspectos centrais, sobre quem se fala nos textos, gêneros utilizados e quanto às
ilustrações apresentadas. Desenvolvemos, ainda, uma análise das capas dos jornais, de
fevereiro de 2004 a dezembro de 2006, buscando comparar o todo do jornal com as
matérias da primeira página.
Fazendo relações com nossa fundamentação teórica, discutimos e apontamos as
características da comunicação popular-alternativa presentes no Jornal AJIndo e também as
limitações inerentes a este tipo de comunicação. Dentre as características e limitações,
detivemo-nos a focar nossos olhares sobre a questão da participação dos jovens indígenas
no Jornal, já que este é um dos fatores mais relevantes nas experiências de comunicação
popular. Por fim, buscamos identificar e responder nosso problema de pesquisa quanto à
função da comunicação alternativa para os jovens da AJI e verificar onde estão localizados
os jovens hoje.
25
CAPÍTULO I – A comunicação das minorias
1. Comunicação popular no contexto de luta por democratização
Falar de comunicação popular-alternativa e comunitária envolve falar de América
Latina, marginalizados e transformação social. Esse tipo de comunicação, que sofre um
boom nas décadas de 60, 70 e 80 do século passado, devido ao contexto de ditadura,
censura, repressão, empobrecimento da população e fortalecimento de movimentos sociais
que permeava a realidade do continente, está longe de ser esgotada.
A necessidade de se democratizar a informação na busca por promover
transformações na sociedade atual fez com que alunos e pesquisadores de comunicação
retomassem as discussões sobre a função social dos meios de comunicação e, trouxe à tona,
no começo do século XXI, os anseios por cidadania e a temática da comunicação popular.
Regina Festa (1986) realiza uma análise histórico-conjuntural e pontua, no Brasil,
três fases distintas da vida política, econômica e social que registram três processos
diferentes de comunicação popular e alternativa.
A primeira fase, que corresponde ao período de 68 a 78 [do século passado] – entre o AI-5 e a abertura política – caracteriza -se por uma comunicação de resistência, denúncia e acumulação de forças por parte das oposições; a segunda fase, de 78 a 82, período de explosão social, eleições nacionais, abrandamento das restrições políticas, caracteriza-se por projetos políticos mais definidos e pela existência de uma comunicação popular, multiplicadora de meios nas bases e pelo quase desaparecimento da comunicação alternativa; e o terceiro período, de 82-83, caracteriza-se por uma atomização do processo de comunicação popular e alternativa na mesma medida que reflete a incapacidade das
26
forças de oposição para articularem uma alternativa política à crise atual vivida pela sociedade brasileira (FESTA, 1986, p. 10).
O final dos anos 1960 e começo dos 70 foram marcados por espaços de resistência
social.
De um lado, a repressão direta e a censura aos meios de comunicação de massa tentavam bloquear as manifestações e as reivindicações populares, com o objetivo de impor um isolamento ao movimento de base e à sociedade civil como um todo. De outro lado, as próprias condições de marginalidade social e política, acrescidas à crescente pauperização das classes subalternas, construíam pólos de conflito e resistência (FESTA, 1986, p. 12).
Neste período, ainda segundo a autora (1986, p.12), a classe operária teve seus
salários “corroídos” devido ao aumento do custo de vida. Os problemas sociais também se
estenderam ao campo, em que famílias inteiras foram ou expulsas das terras pelo “capital
nacional e multinacional” ou transformadas de trabalhadores rurais em empregados
assalariados, “sem os mínimos direitos sociais”. Cerca de 40 milhões de brasileiro se
espalharam pelo país procurando terra e emprego, sendo que grande parte dessa população
se instalou em São Paulo, aumentando os problemas sociais que já eram muitos.
Vinícius Caldeira Brant (apud FESTA, 1986, p. 12-13) analisa no livro “São Paulo:
o povo em movimento”:
Os atos de resistência constituíram por muito tempo uma sucessão de fatos isolados, cuja repetição se dava sob forma de reiteração heróica e, por vezes, suicida. Assim foi, inicialmente, com as manifestações estudantis de rua, com as poucas greves e manifestações operárias, com os desafios à censura por parte de jornalistas e artistas, com os discursos de denúncia ou protesto de alguns parlamentares, com as homilias ou declarações públicas de clérigos ou membros da hierarquia eclesiástica em momentos de especial importância.
MOTTA (1987, p. 38) localiza no ano de 1980, a situação propícia para o
surgimento da comunicação popular. Demonstra a contradição econômica existente na
sociedade ao apontar que neste ano, 76% das casas no país possuíam ao menos um aparelho
de rádio, e 55% pelo menos uma televisão, enquanto em apenas 67,3% dos domicílios tinha
energia rede elétrica, 53,2% possuía água encanada e 26,2% possuía rede de esgotos. Vale
27
lembrar, ainda, que o desenvolvimento dos meios de comunicação e o rápido crescimento
das empresas de comunicação observado nesse período, não garantiam espaço de produção
de mensagens para as camadas mais baixas da população, não satisfazendo suas
necessidades de reivindicação e informação “[...] a grande maioria da população participa
deste processo social de comunicação apenas como passivos receptores, sem capacidade ou
possibilidades de resposta” (MOTTA, 1987, p. 40).
Acentuam-se duas fortes contradições para ele:
Primeira, aumenta a oferta de informação, mas não se satisfazem as necessidades de comunicação; segunda, cresce o número de domicílios com rádio e TV e aumenta progressivamente o número de horas que a população se expõe a estes meios, mas continua faltando água encanada, rede de esgotos e muitas outras necessidades fundamentais para a sobrevivência da população (MOTTA, 1987, p. 39).
No processo de concentração de capital e dos meios de comunicação, as
informações oferecidas pelos meios de comunicação de massa já não refletiam o cotidiano
das pessoas comuns. Funcionavam mais como passatempo e distração e representavam os
interesses da classe dominante.
Num momento em que poucos gozavam de poder político e econômico e a maioria
da população passava por problemas quanto à própria sobrevivência, apesar da forte
repressão, os movimentos sociais surgem reivindicando espaços, denunciando e
mobilizando as forças de oposição em busca de transformação social.
Os movimentos sociais deram suporte às classes mais pobres da população, que
lutavam por sobrevivência e mobilização para enfrentarem os problemas sociais em que
estavam inseridas.
Os movimentos sociais não ocorrem por acaso. Eles têm origem nas contradições sociais que levam parcelas ou toda uma população a buscar formas de conquistar ou reconquistar espaços democráticos negados pela classe no poder [...] Nesse sentido, os movimentos sociais estruturam-se de acordo com a conjuntura, com interesses de grupos específicos, classes ou extrações de classes e em torno de projetos alternativos de sociedade (FESTA, 1986, p. 11).
28
Maria da Glória Gohn (2003, p. 189), destaca a importância dessas entidades para a
sociedade atual e a necessidade de mudar a forma como esse tipo de organização é vista.
Os movimentos são elementos fundamentais na sociedade moderna, agentes construtores de uma nova ordem social e não agentes de perturbação da ordem, como as antigas análises conservadoras escritas nos manuais antigos, ou como ainda são tratados na atualidade por políticos tradicionais.
Havia entre os excluídos a necessidade e vontade de transformação social.
Sentimentos como solidariedade, fé e esperança exigiam, porém, ações concretas que
pudessem romper com os problemas vigentes. O contexto de Regimes Ditatoriais
autoritários, de censura, cerceamento dos direitos, tortura entre tantos outros problemas,
garantia à sociedade anseios de alteração daquela realidade.
Foi nesse período que as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), ligadas à Igreja
Católica surgem aos milhares em todo o país. “Inegavelmente, o cristianismo, de modo
particular a Igreja Católica, teve papel preponderante no desenvolvimento das idéias
comunicacionais da América Latina” (GOMES, 2004, p. 237). Principalmente no que dizia
respeito à comunicação popular-alternativa.
A Campanha da Fraternidade ganhou densidade a partir do momento em que a Igreja, vítima, em seus membros da repressão do Estado autoritário, começou a ouvir o clamor de seu povo. Rapidamente os temas da Campanha passaram, a partir de 1968, a traduzir o sofrimento do oprimido, construindo na consciência dos fiéis recém-saídos de um catolicismo intimista, os referenciais simbólicos necessários para a aceitação da nova postura que incluía a defesa das reformas estruturais na sociedade e a defesa da própria liberdade de pensamento e expressão. Isso ocasionou, da parte de numerosas dioceses, o apoio às práticas da comunicação alternativa, principalmente aquelas surgidas, nas décadas de 1970, do Movimento Popular. (GOMES, 2004, p. 248).
A luta da Igreja nos anos 1970 e 1980 era por uma comunicação mais igualitária,
acessível e disponível para todos os estratos sociais. SOARES (1988, p.56) disponibiliza
em seu texto, um trecho da Carta aos comunicadores, de 3 de junho de 1984, falando sobre
esse tipo de comunicação.
29
Uma comunicação autêntica e libertadora somente pode existir se for dialógica, privilegiando não mais o pólo emissor do processo de emissão de mensagens, mas o pólo receptor. Neste caso, o “dialógico” não diz respeito apenas à possível troca de informações entre interlocutores, mas ao próprio lugar social de onde se produz a comunicação e dos interesses que se defende.
Dentro dos movimentos sociais, promoveu-se o desenvolvimento de formas
alternativas de comunicação, com conteúdos próprios, no intuito de conquistarem um
espaço de expressão.
Nessa perspectiva, a comunicação popular, que hoje chamamos de comunitária, surge e se desenvolve articulada aos movimentos sociais como canal de expressão e meio de mobilização e conscientização das populações residentes em bairros periféricos e submetidas a carências de toda espécie; de escolas, postos de saúde, moradia digna, transporte, alimentação e outros bens de uso coletivo e pessoal, em razão dos baixos salários ou do desemprego (PERUZZO, 2003, p. 247).
Luiz Motta (1987) e Regina Festa (1986) localizam o nascimento efetivo da
comunicação popular no Brasil entre os anos de 1978 e 1982, a partir dos movimentos
sociais. “No nosso entender, a comunicação popular no Brasil nasce efetivamente a partir
dos movimentos sociais, mas, sobretudo da emergência do movimento operário e sindical,
tanto na cidade como no campo” (FESTA, 1986, p. 25). A autora aponta cinco
experiências-reflexos desse tipo de comunicação:
a) Imprensa sindical diária: o movimento operário introduz, sobretudo nas greves do
ABC, os suplementos diários distribuídos a partir dos sindicatos, nas portas das
fábricas, de mão em mão. “Quem introduz essa inovação é o Tribuna Metalúrgica,
jornal do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema (SP), a partir de
79 e circula até hoje” (FESTA, 1986, p. 25). É nesse período que pequenos jornais e
boletins voltados às reivindicações do operariado surgem por todos os lados.
b) A imprensa chega ao campo: essa atitude se dá principalmente devido ao trabalho
da Comissão Pastoral da Terra, jornais e boletins publicados pelos centros de
educação popular, da corrente sindical e da Confederação Nacional dos
Trabalhadores Agrícolas (CONTAG). Os jornais da CPT, como afirma Festa (1986,
30
p. 26) que atingem a zona rural dão origem a outras publicações desenvolvidas pelos
sindicatos rurais, como Enxadão, A Foice, O Picareta da Justiça e o Lamparina,
todos provenientes de sindicatos de trabalhadores rurais.
c) Leitura crítica dos meios de comunicação de massa: em 1978, meio às greves,
aparece o Jornal dos Jornais (JJ), intitulando-se “leitura política da grande
imprensa”. Funcionando como um observatório da imprensa, o JJ montava
publicações com títulos e fragmentos do que fora publicado na grande imprensa,
fazendo críticas ao conteúdo e forma de abordagem das notícias.
d) O Núcleo de Serviços de Correspondência, primeira agência popular de informação:
constituído em agosto de 1980, tinha o intuito de ser “canal de divulgação para que
os grupos populares, da cidade e do campo, pudessem trocar suas experiências,
notícias e documentação escrita por eles mesmos” (FESTA, 1986, p. 27).
e) Experiências concretas de comunicação popular se multiplicaram neste período:
surge, por exemplo, o cinema comprometido, tendo alguns filmes filmados com
apoio dos operários; o Jornalivro, um jornal que divulgava obras escolhidas por
trabalhadores; a recriação dos cineclubes, os teatros com cunho político-ideológico
apoiando o movimento popular, entre outros.
Além das dificuldades enfrentadas pelo proletariado neste período, - pobreza,
miséria, falta de condições dignas de trabalho etc – que emergiram com o surgimento da
sociedade pós-moderna, pesquisadores como Armand Mattelart, Luis Beltrán, Louis
Althusser e Paulo Freire, se voltavam para denunciar a existência de uma comunicação
dominante, impositiva e manipuladora, em que o fluxo de informação é unilateral e
alienante para o receptor.
Para Freire os meios de comunicação de massa são propagadores dos mitos, normas e valores das minorias oligárquicas e, como tais, instrumentos da comunicação vertical e alienante, encarregados de auxiliar na subjugação dos oprimidos (BELTRÁN, 1981 p. 26).
31
A relação de exploração e controle percebida entre as classes sociais, existia,
segundo Beltrán (1981, p. 23), também entre países dominadores e dominados. Desde
então, o grande vilão imperialista eram os Estados Unidos, apontados pelos críticos como
exportador não só dos bens de consumo, mas também do American way of life 3, enquanto
do outro lado estavam os países da América Latina com altos índices de desemprego, fome,
mortalidade infantil, suscetíveis aos bens simbólicos estadunidenses e economicamente
dependentes.
O pensar na dependência dos países subdesenvolvidos, inclusive dependência
cultural - que engloba a comunicação -, pediu dos latino-americanos que levassem em conta
toda a estrutura de dominação que os envolvia.
Assim percebida, a comunicação não é questão técnica a ser tratada de forma asséptica, fora da estrutura econômica, política e cultural da sociedade. Trata-se de uma questão política amplamente determinada por essa estrutura e que, por sua vez, contribui para a sua continuidade. Assim, a busca da saída para essa situação dirige-se à mudança da comunicação vertical/antidemocrática para a horizontal/democrática (BELTRÁN, 1981, p. 28).
O imperialismo cultural é criticado fortemente por pesquisadores influenciados pela
Escola de Frankfurt e com ele, a comunicação dominadora.
O uso da comunicação [na América Latina] se faz, em geral, em forma tão antidemocrática que chega a se chamar “comunicação vertical”, segundo Pasquali, Freire e Gerace. E o que acontece entre as classes sociais em todos os países da América Latina, também se passa entre eles – uma sociedade dependente – e os Estados Unidos da América, seu dominador externo. Em ambos os casos, os poderosos dominam os sem poder, com a ajuda da comunicação (BELTRÁN, 1981, p. 23).
O desenho que se faz da sociedade naquele momento, leva em consideração a
realidade de pobreza em que vivia a população e a existência de meios de comunicação de
massa que não retratam seu dia-a-dia. Além disso, estudiosos da comunicação se dedicam a
analisar a comunicação de massa e indústria cultural, influenciados pela Escola de
3 A expressão “The American way of life” ficou amplamente conhecida como a tentativa dos Estados Unidos de implantarem seu modo americano de vida, ou seja, a forma como eles se vestem, comem e se divertem a países subdesenvolvidos, que seria o caso dos latino-americanos.
32
Frankfurt com uma visão negativa e demonizadora da mídia. Essa tendência conforme
destaca Beltrán, (1981, p. 21) foi muito comum na América Latina.
Os latino-americanos são enfáticos a respeito das influências alienantes da comunicação de massa. A pesquisa documentou amplamente a enorme influência da orientação, conteúdo e financiamento norte-americano sobre os meios de comunicação de massa da região. Vários estudos descobriram uma série de inculcação de valores estrangeiros e de normas voltadas à promoção de todo “um modo de vida”: a ideologia capitalista.
Diante das denúncias realizadas em torno da comunicação de massa, vista como a
comunicação que aliena o receptor e o faz um ser passivo, como a comunicação que
transmite ideologias dominantes e que não garante espaço para as minorias 4, a população se
mobiliza em torno à democratização da informação, o acesso à produção dos conteúdos
midiáticos pelos marginalizados e a transformação social da América Latina e dos
excluídos.
Algumas das experiências na luta por voz utilizavam-se da conscientização
interpessoal, enquanto outras apoiavam-se em meios de comunicação de massa como as
unidades móveis de vídeo-teipe para educação rural não- formal no Peru, o método do
Cassete- foro no Uruguai desenvolvido por Mario Kaplún; e outras, ainda, que se utilizavam
de meios simples, como periódicos comunitários e sistemas de alto-falantes que, segundo
MATA et al (apud BELTRÁN, 1981, p. 29) estava “convertendo favelados em
comunicadores ativos e autônomos”.
Conforme explicita Cicilia Peruzzo (1995, p. 37)
A Comunicação Popular é portadora de um conteúdo crítico da realidade e reivindica a construção de uma sociedade mais justa. Como produto de uma situação concreta , seu conteúdo nos últimos anos é essencialmente composto por denúncias sobre as condições reais de vida, críticas às
4 Fazendo um parêntese nessa discussão, destaca-se conquanto a evolução dos estudos sobre a “comunicação dominadora e alienante”, que antes apontavam para a influência negativa dos meios de comunicação de massa para a sociedade, e, atualmente sofreram diversas reformulações. Já não se aceita totalmente o poder manipulador e incontestável dos meios de comunicação de massa. Já em 1987, Grinberg (p. 31) questionava essa postura. “Se os meios fossem, porém, realmente esses maravilhosos reprodutores da submissão, esses todo-poderosos conformadores de consciências, a ordem social seria inamovível. Neste caso, deveria ser fechada, com resignação fatalista, toda a possibilidade de mudança; teríamos que renunciar a todo projeto, por modesto que fosse, no sentido de construir as pontes para a democratização das estruturas econômicas, políticas e sociais, e, por conseguinte, das próprias estruturas de comunicação”.
33
estruturas de poder geradoras das desigualdades, convite à participação e organização, reivindicações de acesso a bens de consumo coletivo etc.
Também retomando os conceitos de comunicação popular, Beltrán (1981, p. 32)
destaca algumas considerações operacionais. Dentre elas, ressalta que “o processo livre e
igualitário da comunicação acesso-diálogo-participação faz-se sobre a estrutura da
comunicação direitos-necessidades-recursos e se dirige à realização de propósitos
múltiplos”. Enfocando a questão do acesso, afirma ser este “a pré-condição da comunicação
horizontal. Pois sem que as pessoas tenham oportunidades semelhantes para a recepção de
mensagens, não pode haver interação social democrática”. A última consideração feita pelo
autor, é a respeito do diálogo.
O diálogo é o eixo da comunicação horizontal porque, se o objetivo é a genuína interação democrática, todas as pessoas deveriam ter oportunidades semelhantes para emitir e receber mensagens com o propósito de se evitar o monopólio da palavra no monólogo. Dado que, sob tal perspectiva, estes papéis opostos são incluídos num constante desempenho atual, em que todos os participantes no processo da comunicação devessem identificar-se como “comunicadores”, segundo a correta proposta de Harms Richstad. Dessa maneira, torna-se inadequada a diferença que se costumava fazer entre as duas opções separadas, “fonte” e “receptor” (BELTRÁN, 1981, p. 32-33).
Discutindo o termo comunicação popular, apoiamo-nos nas pesquisas de Peruzzo
(2004, p. 118 e 119), em quem encontramos três correntes da Comunicação Popular:
1. Popular-folclórico: “abarca o universo de expressões tradicionais e genuínas do “povo”,
presentes em manifestações folclóricas, festas, danças, ritos, crenças, costumes, objetos
etc”.
2. Popular-massivo: essa segunda corrente situa-se no universo da indústria cultural
dividindo-se em três linhas que se definem pela forma como o “popular é visto”.
a) na apropriação das características da cultura do povo pelos meios de comunicação;
b) em programas com altos índices de penetração e audiência, mais caracterizados como
“popularescos”; e
34
c) em programas massivos mais engajados com as problemáticas comunitárias, dando
espaço aos que dele quiserem se utilizar para disseminar informações de utilidade pública.
3. Popular-alternativo, que pode se dividir em duas linhas de pensamento:
a) a primeira surgida logo no início dos anos oitenta, concebe a comunicação popular como libertadora, revolucionária, portadora de conteúdos críticos e reivindicativos capazes de conduzir à transformação social; ela concretizar-se-ia pelos meios “alternativos”, como contracomunicação da cultura subalterna, colocada em antagonismo com a comunicação de massa; é chamada de “populista esquerdizante” por Jorge Gonzáles; b) a segunda, que apareceu no início dos anos noventa em função das reelaborações ocorridas no âmbito da sociedade civil, tem uma postura mais dialética e mais flexível; considera que a comunicação popular pode inferir modificações em nível de cultura e contribuir para a democratização dos meios comunicacionais e da sociedade, a cuja transformação imediata ela não consegue levar, por suas limitações e contradições e sua inserção numa grande diversidade cultural; e, por concretizar-se em espaço próprio, ela não se contrapõe à comunicação massiva (PERUZZO, 2004, p. 119).
É da terceira corrente (popular-alternativa) que trataremos nesse trabalho.
A estas formas alternativas de comunicação se convencionou chamar de comunicação popular, uma comunicação feita pelo povo e para o povo. Ela tem um nítido caráter de classe na medida em que expressa os interesses de um determinado grupo social no seu conflito pela sobrevivência, no seu enfrentamento da dominação política, cultural e econômica. [...] Neste caso, são formas de comunicação espontâneas, que nascem das necessidades imediatas dos grupos populares se orientarem nas relações de produção e reprodução, na vida econômica. Em outras circunstâncias podem assumir um caráter mais político de enfrentamento e de resistência frente à imposição massiva ou de afirmação de identidade popular (MOTTA, 1987, p. 42).
Cientes das limitações da comunicação produzida pelos movimentos sociais
populares, referenciamos PERUZZO (2004, p. 149-154), buscando abandonar uma visão
utópica desse tipo de comunicação:
1. Abrangência reduzida – os meios atingem apenas uma parcela reduzida da
população de um bairro por exemplo. Se seu canal é o meio impresso, as dificuldades são
35
de reproduzir grandes tiragens e se são com veículos sonoros ou visuais, seu alcance não é
muito potencializado, devido à falta de recursos materiais;
2. Inadequação dos meios – utilização de veículos sem conhecimento do
público-alvo. Com jornais impressos por exemplo, em comunidades de maioria analfabeta
ou com sistemas de alto-falantes em horário inadequado para a realidade daquela
comunidade;
3. Uso restrito dos veículos – os movimentos populares preferem se utilizar da
comunicação interpessoal e grupal a buscar outros espaços que possam lhes garantir maior
alcance. “No Brasil, não existe, até agora, uma mobilização mais ampla em torno da
reivindicação de acesso à concessão de emissoras de rádio e televisão comunitárias locais”
(PERUZZO, 2004, p.150);
4. Pouca variedade – as organizações e os movimentos populares se utilizam de
poucos tipos de veículos, escolhendo um ou outro. Esses meios poderiam ser
complementares uns aos outros, o que os tornaria mais dinâmicos, participativos e
certamente aumentaria sua potencialidade comunicativa e, consequentemente, seu sucesso,
devido ao enraizamento na cultura;
5. Falta de competência técnica - além de uma utilização reduzida dos veículos,
no que diz respeito ao seu alcance, ela o é feito de forma pouco competente. Devido à falta
de capacitação dos “produtores”, os conteúdos são muitas vezes desatualizados,
inadequados ao meio, com voz de difícil audição ou linguajar de difícil compreensão para
aqueles receptores;
6. Conteúdo mal explorado – as limitações em relação ao conteúdo da
comunicação popular escrita e de áudio são gritantes, tanto na linguagem quanto na
variedade da programação ou dos materiais divulgados. No que diz respeito à primeira, ela
é quase sempre dura e pesada. Talvez devido ao afã de “conscientizar” a qualquer custo e
rapidamente, transmitem-se discursos abstratos, prepotentes, panfletários ou doutrinários;
7. Instrumentalização – Com o tom pesado relaciona-se a instrumentalização
que se faz dos meios de comunicação populares. Ou seja, eles geralmente são utilizados
para um fim, como a conscientização / mobilização / transformação da sociedade e, ao
mesmo tempo, negam-se, em partes, suas características e as mediações do contexto. Se o
uso de meios de comunicação populares decorre das necessidades de expressão,
36
conscientização e mobilização, justifica-se o empenho no sentido de que sejam aceitos por
parte dos públicos a que se destinam. Nesta perspectiva, não há como fazer pouco-caso da
demanda pela mídia massiva. Em outras palavras, se o instrumento é o rádio, não se pode
desprezar a contribuição das emissoras comerciais que fazem sucesso, na montagem de
uma boa programação, que atenda aos interesses da comunidade;
8. Carência de recursos financeiros – é um dos grandes problemas das
organizações populares. Se, muitas vezes, as pessoas não têm dinheiro nem para se deslocar
até a sede do movimento e freqüentar reuniões, é difícil fomentar veículos apoiados por
recursos financeiros da própria comunidade. O problema financeiro é um complicador da
comunicação popular, podendo tanto pôr em risco sua geração como até mesmo inviabilizar
sua continuidade, pois a auto-sustentação, que seria um dos pilares de sua autonomia, é um
problema de difícil solução;
9. Uso emergencial – Há muitos casos de experiências comunicativas com
características de emergência, faltando-lhes continuidade e estruturação adequada;
10. Ingerências políticas – sempre existe o risco de as iniciativas comunitárias
serem utilizadas com objetivos particulares ou político-eleitorais, desviando-as de suas
finalidades e conturbando todo o processo. Cresce a tendência nesse sentido;
11. Participação desigual – Apesar de não dispormos de dados de pesquisas,
podemos afirmar com segurança que, na maioria das práticas brasileiras de comunicação
popular, a produção de mensagens, o planejamento e a gestão dos meios se centralizam em
poucas mãos. Além de envolver o risco de controle de informação e do poder, entre outras
implicações, isso favorece a reprodução de padrões de dominação e uma contradição da
prática participativa mais ampla dos movimentos.
Apesar das limitações apresentadas por Cicilia Peruzzo nestes 11 tópicos acima, a
autora reconhece (2004, p. 155) que existem experiências avançadas de comunicação
popular “que envolvendo efetivamente a participação conjunta, contribuem para uma
comunicação popular realmente útil ao processo de educação para a cidadania, encerrando
um significado político inovador”. Este significado citado pela autora pode ser observado
em algumas características que, contrapondo com as limitações, ela chama de aspectos
positivos. São eles, segundo PERUZZO (2004, p. 155-158):
37
1. Diversificação dos instrumentos – a comunicação utilizando-se de vários tipos
de instrumentos, de acordo com a disponibilidade de recursos financeiros,
materiais e de tempo e em função do contexto, das necessidades e dos
objetivos dos movimentos onde se desenvolve;
2. Apropriação de meios e técnicas – a comunicação popular se apropria de
meios técnicos e as formas de produção que antes eram mantidos, mais
monopolicamente, nas mãos de uns poucos, devido à estrutura de
funcionamento dos veículos massivos neste país. Isso democratiza o acesso à
comunicação e ajuda na desmistificação de seus instrumentos.
3. Conquista de espaços – a comunicação popular consegue lugar nos meios
massivos, para divulgar informações dos movimentos populares e apresentar
programas elaborados em seu âmbito;
4. Conteúdo crítico - a comunicação popular tem, em geral, um conteúdo crítico,
formulado a partir da realidade das comunidades em que está inserido, tanto
em nível de denúncia descritiva quanto de interpretação ou de opinião
levantando reivindicações, apelando à organização e à mobilização popular,
apontando para a necessidade de mudanças;
5. Autonomia institucional – salvo em casos isolados, a comunicação popular
pauta-se pela autonomia em relação às instituições privadas e públicas. Via de
regra, essa independência é perseguida em relação tanto ao conteúdo quanto à
sustentação técnica e financeira. Talvez seja por isso que, geralmente, se usam
os veículos mais baratos;
6. Articulação da cultura – a comunicação popular abre espaços para a
transmissão de produtos da cultura e da criatividade presentes na música, na
canção, no desenho, na literatura, na poesia, na dramatização teatral, na
medicina popular e em outras manifestações da própria população, de pessoas
da localidade, que assim têm onde se expressar;
7. Reelaboração de valores - a comunicação popular, trabalhando e articulando
elementos culturais, contribui para romper a dicotomia emissor versus
38
receptor. Este último assume o papel de emissor e, coletivamente vão sendo
reelaborados valores simbólicos condizentes com o exercício da cidadania;
8. Formação das identidades – ao abordar temas locais, comunitários ou
específicos, a comunicação popular-alternativa tende a despertar o interesse
por parte da audiência, pelo fato de o conteúdo e os personagens terem relação
mais direta com as pessoas. Os programas não são espetáculos aos quais se
assiste, mas dos quais se participa, o que leva a incrementar o processo de
construção das identidades e de cultivo dos valores históricos e culturais;
9. Mentalidade de serviço – a comunicação popular é predominantemente um
serviço de interesse público, com benefícios reais para a população envolvida,
que encontra nela uma forma de “proteger-se” do mercantilismo da mídia;
10. Preservação da memória – a comunicação popular, ao documentar decisões,
programas e fatos relacionados com os processos de organização e de lutas
dos movimentos, concorre para registrar a história dos segmentos subalternos;
11. Democratização dos meios – a medida que se for ampliando o número de
rádios, televisões e outros veículos a serviço da comunidade, estará servindo
cada vez mais à democratização dos meios e do poder de comunicar;
12. Conquista da cidadania – A comunicação popular, enfim, contribui para a
democratização da sociedade e a conquista da cidadania. Mas não faz tudo
isso por si só, apenas se estiver inserida na dinâmica dos movimentos,
gerando-se a partir deles e, como conseqüência, caminhando na mesma
direção por eles apontada. Assim, toda a práxis – teoria e prática – da
comunicação popular no Brasil representa uma conquista muito expressiva
para os setores que dela se servem, num amplo processo político-educativo de
uma população sem tradição de participar, de forma igualitária, nas decisões
que a afetam e, ainda por cima, impedida de se reunir, se expressar, denunciar,
reivindicar e interferir durante mais de duas décadas de regime militar
autoritário. Contudo, ela não se constitui nenhuma força predominante nem
hegemônica na sociedade civil, mas está cooperando para a democratização
desta e da comunicação como um todo.
39
A partir do reconhecimento da comunicação popular, seu contexto social, os
processos que a originaram, suas limitações e aspectos positivos, retomamos os conceitos
de comunicação popular-alternativa e comunitária no que diz respeito às suas funções,
relações com a comunidade e participação.
2 Reflexões sobre a comunicação popular-alternativa e comunitária
Para estudarmos a comunicação que se dá envolvendo os indígenas das aldeias do
Jaguapiru e Bororó, em Dourados/MS, retomaremos os conceitos de comunicação
alternativa e comunitária, buscando apresentar algumas funções desse tipo de comunicação,
para posteriormente compreendermos quais dessas funções sociais são encontradas nas
aldeias, através do jornal e do site desenvolvidos pelos jovens indígenas. Debruçamo-nos,
também, sobre o conceito de comunidade, que é de fundamental importância para a
compreensão do que pretendem os meios comunitários em seu locus de desenvolvimento.
2.1. Função social da comunicação popular
Para pensarmos esse tipo de comunicação no Brasil, é preciso que consideremos a
existência de uma parcela da população que vê na comunicação comunitária uma
oportunidade de satisfazer interesses comerciais, políticos e econômicos, ou ainda, um
entrave para as rádios comerciais; e outra parcela da população, mais engajada com a
democratização da informação e com as funções e efeitos desse tipo de comunicação,
dentre estes, ONGs, associações, estudantes e dependentes da comunicação comunitária
para receber e passar informação necessárias para seu dia-a-dia.
Retomando a evolução da comunicação popular-alternativa (imprensa típica dos
anos 70), para a reconfiguração da comunicação popular nos dias de hoje (a comunicação
comunitária), Cicilia M. K. Peruzzo esclarece
Em suma, na nossa pesquisa, ao longo da última década, reunimos dados e informações que evidenciam que a comunicação comunitária, tal como se apresenta no final da década de 90, tem suas raízes nas manifestações comunicacionais que marcaram época na sociedade brasileira, no contexto das transformações ocorridas a partir do final da década de 70. Dos movimentos sociais são trazidos princípios e experiências tais como
40
de participação e democracia que vão ajudando a configurar novas experiências (PERUZZO, 2000, p. 147).
Nesse novo contexto, a comunicação comunitária deve se configurar como o canal
de expressão de uma comunidade, tendo o povo como protagonista tanto como receptor
quanto como gestor do veículo e produtor das me nsagens veiculadas. E como instrumento
de uma comunidade, propõe-se a prestar serviços públicos informativos e educativos a seus
membros, no intuito de fornecer um olhar crítico a partir da realidade local/regional e de ser
manifestação do desejo de reivindicar melhores condições para aquela comunidade.
Formação crítico-educativa
Como alternativa, temos nas iniciativas populares de comunicação, a formação
crítico-educativa, que possibilita aos envolvidos com esse tipo de atividade, o
desenvolvimento de um olhar crítico sobre a sociedade, os meios de comunicação, seus
conteúdos e construções de significados.
Para demonstrar essas funções da comunicação popular, vamos nos apoiar em
experiências retratadas em textos científicos, para a partir daí, promovermos a apresentação
de algumas funções.
Comecemos por Carnicel (2005, p.73) que, ao destacar três experiências realizadas
em bairros periféricos de Campinas com a utilização da comunicação popular, aponta os
resultados obtidos.
O trabalho realizado nas três regiões possibilita aos adolescentes o desenvolvimento de um olhar crítico sobre o que a imprensa divulga a respeito dos locais onde vivem. Permite que percebam, entre outras descobertas, que parte da imagem negativa que caracteriza esses bairros é construída pelos veículos de comunicação da cidade.
A função de formação crítica contribui para a educação da população,
principalmente no que diz respeito às formas de ler a mídia.
A título de ilustração, apresentamos um exemplo de trabalho que buscou já nos anos
1970 desenvolver essa função de maneira planejada, acreditando na necessidade de instruir
formadores de opinião e líderes sobre as formas que a mídia tem de se pronunciar. É a LCC
(Leitura Crítica da Comunicação) projeto desenvolvido pela União Cristã Brasileira de
41
Comunicação Social (UCBC) desde 1970 em que “A partir de um método indutivo,
dialógico e participativo, nos cursos de LCC, os receptores dos meios de comunicação são
desafiados a descobrir e recriar coletivamente os sentidos das mensagens ” (LEITURA,
2007, p.1).
O projeto que surge no início dos anos 1970 aproximou-se da área acadêmica,
buscando contribuições de universidades, para superar a concepção moralista frente aos
fenômenos da comunicação de massa. Segundo informações colhidas no site da UCBC, já
no fim dos anos 70, a partir do núcleo de professores da Faculdade de Comunicação Social
do Instituto Metodista de São Bernardo do Campo, a UCBC sistematiza sua oferta de
cursos, privilegiando o tratamento sócio -político-ideológico dos temas elaborados. “Passam
a ser tratados temas como Indústria Cultural, Impactos do Meio de Comunicação, Políticas
de Comunicação, NOMIC (Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação),
Comunicação Popular e Alternativa, Comunicação e Liturgia, etc” (LEITURA, 2006 b,
p.1). O público-alvo dos cursos eram professores, agentes multiplicadores, religiosos,
estudantes de seminários maiores.
Por meio da comunicação popular-alternativa oferece-se aos que excluídos
socialmente esse tipo de possibilidade, de enxergar o que está por trás da grande mídia –
que fala deles sem conhecê-los -, e é a partir de seu conteúdo que a comunicação popular
cumpre a função de formar cidadãos mais críticos.
A comunicação popular tem, em geral, um conteúdo essencialmente crítico. Ou seja, julga-se a realidade concreta, local ou mais abrangente, tanto em nível de denúncia descritiva quanto de interpretação ou de opinião, levantando reivindicações, apelando à organização e à mobilização popular, apontando para a necessidade de mudanças (PERUZZO, 2004, p156).
Quando Cicilia Peruzzo cita o julgamento da realidade local, reconhecemos também
uma iniciativa educativa de contribuir para o fortalecimento das localidades. Fortalecendo
localidades, a comunidade envolvida no processo passa a valorizar também sua cultura, sua
gente, suas iniciativas.
A partir disso, inicia -se um processo de reconstrução da auto-estima por meio da valorização das coisas boas que também têm espaço no cotidiano dos bairros. Procura despertar, também, para a sensibilidade de valorizar
42
o local, como aquele rio que corre no povoado de Fernando Pessoa 5 (CARNICEL, 2005, p.73).
Cabe lembrar que além da educação para ler a mídia de maneira crítica, os
envolvidos no processo de comunicação popular também fazem parte de processos
educomunicativos.
Desenvolvimento da auto-estima e cidadania
Possibilitar o papel de emissor aos que nunca tiveram esse espaço na grande mídia,
é possibilitar ao indivíduo a chance de se tornar sujeito social ativo e não mero espectador
dos conteúdos midiáticos. A partir dessa inversão dos papéis exercidos no processo
comunicativo, proporciona-se o desenvolvimento da auto-estima dos que estão produzindo
informação e a ampliação da cidadania.
Além da questão de produção informativa, levando em conta a pluralidade de idéias
que se torna disponível aos receptores numa localização onde se presencia iniciativas de
comunicação popular, deve-se ressaltar a possibilidade de maior desenvolvimento da
cidadania, pois os conteúdos veiculados não são apenas os que representam os interesses
das classes dominantes, mas os que tocam em questões que afetam diretamente os
espectadores, configurando-se uma alternativa, uma outra visão, ao que vinha formatado
pelos meios convencionais.
Cidadania é a Carta Magna que rege as relações sociais e humanas entre todos os campos sociais desta Nação. Estar bem informado é estar garantido contra toda e qualquer espécie de discriminação, de abusos, de poder político e econômico, de exploração do trabalho, da mulher e da infância, da mais-valia absoluta e relativa, do cerceamento à livre expressão do pensamento e da comunicação, enfim, o conhecimento da norma jurídica proporciona (VIEIRA, 2003, p. 19).
5 Estrofe com a qual, Amarildo Carnicel inicia seu artigo “O Tejo é mais Belo que o rio que passa pela minha aldeia, mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.”.
43
Roberto Vieira (2003, p. 18) conceitualiza a cidadania como “um status jurídico é
político que concede ao cidadão, direitos e deveres. Direitos das esferas civil, jurídica e
social, e deveres, no âmbito, por exemplo, da prestação do serviço militar, do recolhimento
de impostos, da denúncia, da malversação da coisa pública, etc”.
Além dessa definição burocrática, o autor (2003, p. 19) destaca a importância de se
conceber a cidadania como “inscrita num campo de relações e interações de sujeitos” e
ressalta a evolução por qual o conceito tem passado desde o término da recessão
democrática. “Ela deixou de ser uma simples figura retórica, para instituir-se como
instrumento jurídico e político, à disposição de todos os cidadãos” (VIEIRA, 2003, p. 19).
Considerando a discussão da cidadania na realidade, Rubim (2003, p. 105) ressalta
que “A situação verdadeiramente problemática da cidadania hoje fica patente através da
rápida constatação do descompasso socialmente existente, por vezes perigosamente
pronunciado, entre a definição formal de cidadania e sua prática efetivamente realizada”.
O autor destaca (2003, p.105-107), sistematicamente, “alguns desses obstáculos
sociais e contemporâneas à realização da cidadania em plenitude”, entre eles:
- as desigualdades sociais
- as concentrações de poder, e
- a existência de um espaço eletrônico, que não está submetido ainda a um conjunto
de legislações democráticas, seja nos seus lugares nacionais, seja nos seus ambientes
supranacionais.
Ismar de Oliveira Soares (2003, p.265) afirma que “o conceito de comunicação está
intimamente associado ao conceito de cidadania”, pois a partir das práticas comunicativas e
dos meios de comunicação os interesses dos cidadãos seriam “proclamados como legítimos
por alguma fonte universalmente aceita como guardiã da cidadania coletiva”.
Por outro lado, aponta o autor, os meios de comunicação sempre estiveram
próximos da educação. Ao falar sobre o surgimento do campo da Educomunicação, em
entrevista concedida a Ebenezer de Menezes, da Agência EducaBrasil6, Ismar Soares
destaca que
6 Matéria disponível no endereço http://www.educabrasil.com.br/eb/exe/texto.asp?id=447
44
Isso foi alcançado graças a um grande esforço produzido de forma alternativa até atingir a grande mídia, com a participação de comunicadores, educadores e de pessoas das mais diversas áreas, que se juntaram e passaram a trabalhar com referenciais teóricos e metodológicos de várias áreas das ciências humanas e acabaram constituindo um movimento social em torno da cidadania, da democracia e em torno da luta para quebrar a hegemonia dos sistemas estabelecidos.
Em relação ao campo da educomunicação, o autor cita (SOARES, 2003, p. 267) que
em uma pesquisa desenvolvida pela ANDI – Agência de Notícias pelos Direitos da Infância
– as principais hipóteses foram confirmadas sendo elas a constatação “que um novo campo
de intervenção social havia se formado, conquistado autonomia, encontrando-se no
momento em franco processo de consolidação” e por outro lado, possíveis materializações
do campo, cinco áreas concretas de intervenção social, sendo estas:
1. A área da educação para a comunicação – denominada por alguns como
leitura crítica da comunicação;
2. A área da mediação tecnológica na educação – que compreende os
procedimentos e reflexões em torno da presença e dos usos das tecnologias
da informação da educação;
3. A área da expressão comunicativa através das artes – que designa todo o
esforço de produção cultural, como meio de auto-expressão de pessoas e
grupos;
4. A área da gestão comunicativa – que designa toda ação voltada para o
planejamento, execução e avaliação de programas e projetos de intervenção
social no espaço da inter-relação comunicação/cultura/educação; e
5. A área da reflexão epistemológica sobre a inter-relação
Comunicação/Educação – que corresponde ao conjunto dos estudos sobre a
natureza do próprio fenômeno constituído pela inter-relação em apreço
(SOARES, 2003, p. 267-269).
Reforçamos a importância dos processos educomunicativos apresentando algumas
informações a respeito do projeto Educom (Projeto desenvolvido pelo NCE – Núcleo de
Educação e Comunicação da USP) que teve 200 horas para trabalhar dentro do Projeto
Geração Cidadã, parte do Projeto Primeiro Emprego (PPE) do Ministério do Trabalho, que
45
atua em diversos municípios do Brasil, por intermédio dos Consórcios Sociais da
Juventude.
O artigo 7 que utilizamos para ilustrar essa experiência de educomunicação é sobre o
projeto desenvolvido pelo NCE/USP em parceria com o Consórcio Social da Juventude no
município de Embu das Artes. A partir da relação entre educação e comunicação, está uma
alternativa para o fortalecimento da auto-estima dos jovens e para aproximá- los da
cidadania.
Cerca de 2000 jovens, entre 16 e 24 anos, foram inscritos para esse projeto – que vê
na comunicação, espaço de educação e cidadania - dos municípios de Embu das Artes,
Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra e Taboão da Serra. O
perfil dos jovens descritos pelas autoras, (GATTÁS; SOARES, 2006, p. 3), demonstrava uma
realidade complexa, em que, além dos problemas de moradia, situação econômica,
desemprego e alto índice de criminalidade, outros fatores se somavam no âmbito individual
tais como:
Jovens com retardo e outros problemas mentais, portadores de necessidades especiais, afros-descendentes e quilombolas, trabalhadores rurais, indígenas, egressos de unidades sócio-educativas, em conflito com a lei, envolvimento com drogas, desajustes sexuais e jovens mães. Este era o perfil dos jovens que formaram o público do Projeto Geração Cidadã em Embu das Artes.
As autoras ressaltam que a falta de oportunidade desses jovens colabora para a
“diminuição do sentimento de cidadania, de pertencimento e a marginalidade e
criminalidade surgem como vias de reconhecimento”. Seguem refletindo sobre o fato de
que não há apatia entre os jovens, “e sim falta de um canal adequado para participação na
sociedade” (GATTÁS; SOARES, 2006, p. 3). Esse canal seria pela união entre
comunicação, educação e cidadania.
A partir dos processos de produção comunicativa, os atores que interagem têm
espaço para se expressar, desenvolvem a necessidade do trabalho em grupo e entram em
7 GATTÁS, Carmen L. M.; SOARES, Maria S. P. Projeto Educom.GeraçãoCidadã: cidadania, comunicação e educação: educomunicação: a cidadania em ação. Trabalho apresentado no ENDECOM 2006, Escola de Comunicação e Artes, São Paulo, 11 a 13 de maio de 2006.
46
contato com as tecnologias – desenvolveram um blog e programas de rádio - das quais são
normalmente excluídos de participação.
A Educomunicação mostrou-se como um caminho viável para melhorar o perfil destes jovens e inserí-los no mercado de trabalho. Desenvolveu habilidades em diferentes linguagens e melhorou a capacidade de expressão, de relacionamento e de posicionamento deles. Aprenderam a organizarem-se em grupo. Muitos, ao sentirem-se reconhecidos, descobriram potencialidades adormecidas, alguns elaboraram propostas de intervenção para melhoria do meio onde vivem (GATTÁS; SOARES, 2006, p. 3).
Reconhecemos que os procedimentos que envolvem a prática popular comunicativa
refletem a conquista da cidadania por pessoas desacreditadas de si mesmas.
A comunicação popular, enfim, contribui para a democratização da sociedade e a conquista da cidadania. Que não significa só alguém poder votar naqueles que vão decidir por ele, mas também aprender a participar politicamente da leitura do bairro e da escola para os filhos, a apresentar sua canção e seu desejo de mudança, a denunciar condições indignas, a exigir seus direitos de usufruir da riqueza gerada por todos, por meio de melhores benefícios sociais e de salários mais justos, a organizar-se e a trabalhar coletivamente (PERUZZO, 2004, p. 158).
Além das funções de formação crítico-educativa e o desenvolvimento da auto-
estima e cidadania, apontamos a existência de uma terceira função, que seria a de
mobilização para a transformação social.
Mobilização para a transformação social
Ao acreditarmos no poder de transformação social da comunicação popular, mesmo
que em âmbitos locais e comunitários, ressaltamos a necessidade de que outras situações a
acompanhem, para que a transformação realmente aconteça. Dentre elas, apontamos a
necessidade de organizações sociais que impulsio nem a comunicação popular e a
estruturem. “A comunicação popular não faz tudo isso por si só, mas apenas se estiver
inserida na dinâmica dos movimentos, gerando-se a partir deles e, como conseqüência,
caminhando na mesma direção por eles apontada” (PERUZZO, 2004, p. 158).
47
Para que a comunicação popular-alternativa e comunitária cumpra suas funções de
socialização, desenvolvimento da cidadania, retomada da auto-estima, mobilização das
comunidades e transformação social, torna-se impossível não falarmos de participação.
Se pensarmos a origem da palavra participação, certamente encontraremos a palavra
“parte”. Juan Diaz Bordenave ao promover discussões sobre a participação, descreve que
participar é fazer parte, tomar parte e ter parte. Essas três expressões, no entanto, não
significam a mesma coisa, demonstrando diferentes níveis de participação. Apoiando-nos
em seus exemplos (BORDENAVE, 1983, P. 22), temos:
− “Bulhões faz parte de nosso grupo mas raramente toma parte das reuniões”
− “Fazemos parte da população do Brasil mas não tomamos parte nas decisões
importantes”
− “Edgar faz parte de nossa empresa mas não tem parte alguma no negócio”
Assim esclarece o autor:
Estas frases indicam que é possível fazer parte sem tomar parte e que a segunda expressão representa um nível mais intenso de participação. Eis a diferença entre a participação passiva e a participação ativa, a distância entre o cidadão inerte e o cidadão engajado (BORDENAVE, 1983, p. 22).
Existem várias maneiras de participação e dentre estas, graus e níveis diferenciados
do participar. Bordenave (1983, p.27-31) destaca dentre as várias maneiras:
− a participação de fato: acompanha o homem desde o começo da
humanidade, no seio da família nuclear ou no clã, nas tarefas de
subsistência, recreação e defesa contra os inimigos;
− participação espontânea: a que se dá através da formação de grupos sem
organização estável ou objetivos definidos, “a não ser o de satisfazer
necessidades psicológicas de pertencer, expressar-se, receber e dar afeto;
obter conhecimento e prestígio ” (BORDENAVE, 1983, p. 27).;
− participação imposta: a que as pessoas são obrigadas a participar de grupos
e atividades, podendo ser citado como exemplos o voto obrigatório e a
missa dominical para os católicos;
48
− participação voluntária: sindicatos, associações, cooperativas, partidos
políticos, que são formados pelos próprios participantes, voluntariamente;
− participação provocada: quando iniciativas que remetem à participação
voluntária são, na verdade, provocadas por agentes externos, e não
iniciativas dos próprios membros. Bordenave (1983, p. 29) exemplifica co m
a extensão rural, o serviço social, o desenvolvimento de comunidades, os
trabalhos de pastoral; e
− participação concedida: parte de poder concedido a subordinados e
legitimados por eles mesmos e por seus superiores. Ex: a participação dos
trabalhadores nos lucros de uma empresa.
Define-se ainda, além das várias maneiras de participação, os graus e níveis em que
esta pode ser dar. Para chegar a esses diversos níveis, Bordenave (1983, p. 30) identifica a
necessidade de se relacionar qual o grau de controle dos membros sobre as decisões e quão
importantes são as decisões de que se pode participar. Para ilustrar a relação entre essas
variáveis o autor propões o seguinte esquema.
De acordo com o quadro proposto pelo autor, o menor grau de participação dos
membros está em “informação”, ou seja, os membros são apenas informados das decisões
Consulta facultativa
Consulta obrigatória
Elaboração/ Recomenda-ção
Co-gestão
Delegação Auto-gestão Informação
DIRIGENTES
MEMBROS
Fonte: (BORDENAVE, 1983, p. 31)
49
tomadas pelos dirigentes. Em “consulta facultativa”, os dirigentes podem, quando
quiserem, consultar os membros pedindo sugestões, críticas, opiniões. Na “consulta
obrigatória” os subordinados devem ser consultados, mas a decisão final ainda pertence aos
dirigentes. Já no item “elaboração / recomendação”, nota-se um grau mais elevado de
participação, pois os subordinados elaboram propostas que os dirigentes aceitam ou
rejeitam, porém, essa decisão deve ser justificada. Um grau acima está a “co-gestão”, em
que a administração é compartilhada por meio de mecanismos de decisão com junta, como
os colegiados. Em “delegação”, os subordinados exercem influência direta em certos
campos ou jurisdições antes reservados aos dirigentes. Ao final da escala está o grau mais
alto de participação, a auto-gestão, em que não há mais a diferença entre membros e
dirigentes, sendo que o grupo determina seus objetivos, escolhe seus meios e estabelece os
controles pertinentes, sem referência a uma autoridade externa.
Além do grau de participação, o autor chama atenção ao fato de que é preciso
considerar qual o nível de importância das decisões que estão ao alcance dos membros. Não
basta poder tomar decisões, mas é necessário que essas decisões realmente garantam uma
participação ativa, que tenham o poder de transformar aquela realidade de acordo com suas
necessidades. Para facilitar a compreensão, ele enumera os níveis de importância das
decisões, do mais alto para o mais baixo. Quando a participação se dá no menor nível,
maior a interferência do sujeito nas decisões da instituição.
Assim define Bordenave (1983, p. 33-34):
Nível 1 – Formulação da doutrina e política da instituição.
Nível 2 – Determinação de objetivos e estabelecimento de estratégias.
Nível 3 – Elaboração de planos, programas e projetos.
Nível 4 – Alocação de recursos e administração de operações.
Nível 5 – Execuções das ações.
Nível 6 – Avaliação dos resultados.
Como propõe o mesmo autor, talvez seja mais fácil compreender a participação pela
falta desta, a marginalidade. “Marginalidade significa ficar de fora de alguma coisa, às
margens de um processo sem nele intervir” (BORDENAVE, 1983, p. 18). Estar à margem
50
do consumo, à margem da educação, cultura e apropriando-se de costumes “primitivos” é
também outra característica que se atribui à marginalidade. A estas características costuma-
se acrescentar o atraso dos setores populares, que devem ser integrados ao desenvolvimento
modernizador em que se insere a sociedade – que não está à margem.
“Onde está o erro deste enfoque?”, questiona o autor. “Está em que a
‘marginalidade’ de alguns grupos não é, de maneira alguma, conseqüência de ‘atrasos’, mas
resultado lógico e natural do desenvolvimento modernizador numa sociedade onde o acesso
aos benefícios está desigualmente repartido” (BORDENAVE, 1983, p. 19).
Nesse caso, fala-se então de marginalização e não de marginalidade. Nesse novo
contexto, participação indica a influência ativa da sociedade na tomada de decisões.
No novo contexto, a participação já não tem o caráter “consumista” atribuído pela teoria da marginalidade, mas o de processo coletivo transformador, às vezes contestatório, no qual os setores marginalizados se incorporam à vida social por direito próprio e não como convidados de pedra, conquistando uma presença ativa e decisória nos processos de produção, distribuição, consumo, via política e criação cultural ” (BORDENAVE, 1983, p. 20).
Na comunicação comunitária, a participação popular pode significar :
a) O simples participar das pessoas, em geral ocasionalmente, ao nível das
mensagens. Ou seja, participam dando entrevistas, avisos, depoimentos,
sugestões ou cantando, pedindo músicas, concorrendo em concursos etc;
b) Participar elaborando matérias (notícia, poesia, desenho etc);
c) Participar no processo de produção global do jornalzinho, do programa de rádio
etc;
d) Participar na definição da linha política, do conteúdo, do planejamento, da
edição, do manejo de equipamentos etc;
e) Participar do processo de gestão da instituição de comunicação como um todo
(PERUZZO, 1995, p.145).
É importante que se tenha claro que a participação coloca-se como um dos pontos
mais importantes da comunicação popular, pois é a partir dela que a expressão dos
interesses da comunidade é garantida.
51
Vale lembrar que qualquer tipo de participação deve certamente ser valorizado
dentro dessa dinâmica comunitária.
Assim, toda a práxis – teoria e prática – da comunicação popular no Brasil representa uma conquista muito expressiva para os setores que dela se servem, num amplo processo político-educativo de uma população sem tradição de participar, de forma igualitária, nas decisões que a afetam e, ainda por cima, impedida de se reunir, se expressar, denunciar, reivindicar e interferir durante mais de duas décadas de regime militar autoritário. Contudo, ela não se constitui numa força predominante nem hegemônica na sociedade civil, mas está cooperando para a democratização desta e da comunicação como um todo (PERUZZO, 2004, p. 158).
É, ainda, Cicilia Peruzzo que nos atenta ao fato de que “é preciso favorecer o
desenvolvimento de formas mais ousadas de participação popular ampliada nos meios de
comunicação” (PERUZZO, 1995, p.145), o que englobaria o processo de produção,
planejamento e gestão da comunicação comunitária.
Buscando compreender os processos participativos na comunicação desenvolvida
pelos jovens indígenas das aldeias de Dourados/MS, retomamos uma discussão acerca do
local em que esta é produzida: a comunidade. Faz-se, porém necessário revisarmos o termo
comunidade para situarmos a comunidade indígena.
2.2 Sobre os conceitos de comunidade e comunidade indígena
Comunidade é diferente de favela, lugar desorganizado, onde as pessoas sobrevivem. Comunidade é o espaço onde as pessoas se encontram dentro da cidade, lugar onde a gente se acha, acha nossas raízes. Viver em comunidade é apostar que é possível viver no encontro, na partilha, ao contrário do que nos remete a globalização, onde cada um vive no seu canto, em solidão (TAVARES, [s/d], p. 1).
Questionando a citação da autora, não é apenas dentro das cidades que se encontram
as comunidades. Buscamos identificar se as aldeias do Jaguapiru e Bororó caracterizam-se
como comunidades, sendo que, embora localizadas apenas a oito quilômetros da cidade de
Dourados, não fazem parte dela.
52
O termo que parece ser de fácil definição, tem sofrido alterações rápidas, constantes
e profundas devido às transformações decorrentes da sociedade pós-moderna.
É nas revoluções Industrial e Francesa e na independência dos Estados Unidos da
América do Norte que se dá a consolidação da sociedade capitalista, rompendo com as
instituições e paradigmas feudais. Pensadores como Ferdinand Tönnies, Emile Durkhein e
Max Weber colocaram em análise a partir de então os conceitos de comunidade.
Para discutirmos o termo comunidade, partimos da diferenciação clássica proposta
por Tönnies8 em que comunidade (Gemeinschaft) se opõe à sociedade (Gesellschaft), sendo
a primeira um local idealizado, puro, afetivo, com interação entre seus membros
constitutivos. Já a sociedade moderna para o autor se configurava como a corrupção desse
ambiente, com a ausência dos laços afetivos e da interação social. “Sua motivação [da
sociedade] era objetiva, era mecânica, observava relações supra- locais e complexas. As
normas e o controle davam-se através de convenção, lei e opinião pública. Seu círculo
abrangia metrópole, nação, Estado e Mundo” (RECUERO, 2001, p.2).
Opor comunidade à sociedade, dando à primeira um toque de idealismo, garantiu a
Tönnies críticas como a desenvolvida por Georg Lukács e Ralf Dahrendorf, exemplos de
pensadores que atribuíam ao sociólogo o rótulo de irracionalista romântico, segundo Perti
Töttö (1995, p. 47) e que
argumentavam em termos análogos que Tönnies era um antimodernista que criticava a dura e fria Gesellschaft do capitalismo, contrastando-a com a idílica Gemeinschaft agrária, contribuindo dessa forma para a ascensão do irracionalismo e a vitória dos nacional-socialistas (TÖTTÖ, 1995, p. 41).
Para o autor, atribuir à Gemeinschaft uma visão nostálgica das comunidades
agrárias, “de alguma antiga vida rústica” (TÖTTÖ, 1995, p.50) que existiu anteriormente à
sociedade, descrita como algo real, é uma interpretação totalmente equivocada dos
conceitos de Tönnies, que em sua obra original, deixa claro que os conceitos “não
pretendem ser descrições da realidade empírica, mas sim ‘freie und willkürliche
Gedankenprodukte’ (produtos livres e arbitrários do pensamento) [...] para os quais não há
qualquer equivalente empírico direto ” (TÖNNIES apud TÖTTÖ, 1995, p. 49-50).
8 Gemeinschaft und Gesellschaft. Nome da obra de Tönnies em alemão.
53
A discussão da dicotomia não se esgota em Tönnies e vem sendo delineada até os
dias atuais.
Em um de seus trabalhos, Marcos Palácios afirma que a Sociologia das
Comunidades e a Comunicação Comunitária têm sido trabalhadas em dois pontos de vista.
Por volta dos anos 1950 e 1960 foram colocadas “a serviço de uma espécie de engenharia
social que tinha por fim último justamente dinamizar as comunidades tradicionais, com o
intuito de modernizá- las e integrá-las à sociedade complexa (AMMANN apud PALÁCIOS,
1995, p.3)”.
A partir do final dos 60, segundo o autor, “superando esse momento modernizante”
a comunidade passa a ser vista como “aquela forma de organização que reúne as pessoas e
resgata a sociedade perdida (MARCONDES apud PALÁCIOS, 2995, p.3)”.
Importante delinearmos, portanto, a existência de uma nova realidade e com ela a
reconfiguração das características de comunidade. Nos tempos modernos, baseados em
PALÁCIOS (1995, p.12), seriam estas as características das comunidades:
a) O sentimento de pertencimento;
b) Uma territorialidade (geográfica e/ou simbólica) definida;
c) A permanência;
d) A ligação entre sentimento de comunidade, caráter cooperativo e emergência de
um projeto comum;
e) A existência de formas próprias de comunicação;
f) A tendência à institucionalização.
De acordo com Tötö (1995, p.49), Tönnies trabalhou com o conceito puro e
idealizado das comunidades antigas, pois inspirava-se no método galilaico. “O método
consistia em escolher somente um caso e livrá-lo das impurezas do mundo observável, a
fim de encontrar o princípio de acordo com o qual o caso em questão ‘funcionaria’ em
circuns tâncias ideais”. Porém o próprio autor dissera que não conhecia “nenhum estado de
cultura ou sociedade em que elementos de Gemeinschaft e de Gesellschaft não estejam
simultaneamente presentes, isto é, misturados” (TÖNNIES apud TÖTÖ, 1995, p. 50).
54
Martin Buber ao debater o socialismo utópico, retoma a decadência das
comunidades no contexto da sociedade capitalista, atribuindo, como Tönnies o fez, uma
aura idealizada à comunidade em detrimento da sociedade.
A sociedade, por sua própria natureza, não é constituída de indivíduos isolados, mas de unidades societárias e seus agrupamentos. Pela coação da economia e do Estado capitalista, essa essência foi se alterando progressivamente, de sorte que o moderno processo de individualização se efetuou em forma de desintegração. As antigas formas orgânicas continuaram a existir em seu aspecto exterior, mas perderam seu sentido e sua alma: converteram-se em tessitura decadente (BUBER, 1986, p. 25).
Mais adiante, o autor (1986, p. 25) fala sobre as novas organizações sociais, que
segundo ele se unem não de maneira natural, orgânica, mas de maneira interessada e para
compensar a perda das genuínas relações comunitárias.
Não só o que se chama as massas, mas toda a sociedade é amorfa, invertebrada, pobre de estrutura. Não é por meio das associações resultantes da união de interesses econômicos ou espirituais – das quais é o partido o mais forte – que esse mal poderá ser sanado. Se os homens se unem nessas associações não é mais por similitude de existência, e em todas elas se busca inutilmente a compensação para as formas de comunidades perdidas (BUBER, 1986, p. 25).
A dificuldade em se delimitar o conceito de comunidade, passa certamente pela
sensação de uma realidade distante e, talvez, até mesmo utópica. SILVERSTONE (2002, p.
183) diz:
Essa incerteza é o produto de um sentimento de perda, mas também de desconforto: porque o mundo em que agora vivemos, um mundo de experiência fraturada, cultura fragmentária e mobilidade social e geográfica, minou e continuará a minar nossa capacidade de sustentar uma vida social de maneira significativa, segura e, talvez, sobretudo moral – em outras palavras, sustentar uma vida social em algo que queremos chamar de comunidade.
Max Weber, em Conceitos Básicos de Sociologia (2002), contribui para a
construção do conceito de comunidade. “Chamamos de comunidade a uma relação social
na medida em que a orientação da ação social – seja no caso individual, na média ou no
55
tipo ideal – baseia-se em um sentido de solidariedade: o resultado de ligações emocionais
ou tradicionais dos participantes” (WEBER, 2002, p. 77).
Para retomarmos o contexto das comunidades em que surgem os veículos
comunitários, faz-se muito importante essas definições que enfocam a necessidade do
sentir-se parte e da ação por parte dos membros constitutivos da comunidade. O sentimento
de exclusão, de marginalidade, de abandono social não seria, portanto, segundo Weber,
suficiente para o sentimento comunitário, mas sim, sua ação e identificação com a
comunidade. Reitera Roger Silverstone (2002, p. 182-183)
A comunidade sempre implica uma reivindicação. Não é apenas uma questão de estrutura: de instituições que permitem a participação e a organização dos membros. É também uma questão de fé, de um conjunto de reivindicações de ser parte de algo partilhável e particular, um conjunto de reivindicações cuja eficácia é percebida precisamente e apenas em nossa aceitação delas.
Além do sentido de pertencimento, de ligação àquela comunidade e da ação
organizada, outras características são apontadas por Palácios como sendo um “modelo -
ideal”. “A permanência (em contraposição à efemeridade), a territorialidade (sejam tais
territórios reais ou simbólicos) e a existência de uma forma própria de comunicação entre
seus membros através de veículos específicos (murais, boletins, jornais, serviço de alto-
falantes, rádios, etc.)” (PALÁCIOS, 1995, p.4).
Dada a existência dos primeiros quesitos – permanência, ação organizada e
existência de um projeto comum – a comunidade teria a tendência a institucionalizar-se.,
segundo o autor, “tomando uma forma mais consolidada, com uma organização visível,
hierarquia formal, delegação de responsabilidades e poderes, personalidade jurídica etc”
(PALÁCIOS, 1995, p.4).
Essas características que se pressupõe necessárias para a existência de uma
comunidade, também serão verificadas nas comunidades indígenas estudadas neste
trabalho, pois o envolvimento dos indígenas com a comunicação popular-alternativa
produzida é preponderante para a caracterização e função social- transformadora desse tipo
de meio de comunicação.
56
Antes de pensarmos na convergência das características de comunidade definidas
por Marcos Palácios à comunidade indígena, passemos por algumas considerações
específicas.
De acordo com a lei 6.001, de 19/12/1973, denominada Estatuto do Índio,
comunidade indígena se define de uma maneira menos complexa. Considera-se pelo
Estatuto, a relação entre um conjunto de famílias de origem e ascendência pré-colombiana
pertencente a um grupo étnico cujas características se distinguem da sociedade nacional.
Assim reza o artigo 3º:
I – Índio ou Silvícola - é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana
que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características
culturais o distinguem da sociedade nacional;
II – Comunidade Indígena ou Grupo Tribal – É um conjunto de famílias ou
comunidades índias, quer vivendo em estado de completo isolamento em relação aos outros
setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou permanentes, sem,
contudo estarem neles integrados.
Para Manuela Carneiro da Cunha 9 (apud BARRETO, 2003, p.37) comunidades
indígenas são aquelas “que se consideram segmentos distintos da sociedade nacional em
virtude de uma consciência de sua continuidade histórica com sociedades pré-
colombianas”.
Essas definições “burocráticas” não consideram o termo comunidade como uma
relação de identificação, proximidade, interesses em comum e pertencimento, mas buscam
basicamente delimitar ante a sociedade os que estão integrados à nação, acompanhando o
estágio evolutivo, e os que estão em fase de integração ou completamente desintegrados à
sociedade.
Devido ao simplismo do conceito burocrático que designa uma comunidade
indígena, apoiaremo-nos nas considerações desenvolvidas sobre comunidade.
WEBER (2002, p. 79-80) destaca que não é verdadeiro que modos comuns de
comportamento implicam na existência de uma comunidade. E exemplifica:
9 Antropóloga fundadora do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da USP, é especialista em história indígena, etnociência e estudos de identidade étnica.
57
A posse de características biológicas comuns herdadas e adequadas ao estabelecimento de distinções raciais para certas pessoas não implica de qualquer maneira em uma comunidade entre elas. Por restrições sobre seu direito ao comércio ou casamento, tais pessoas podem encontrar-se na mesma situação, ou seja, isoladas do seu ambiente costumeiro que impõe tais restrições. Porém mesmo se todos reagirem da mesma maneira, isto não constitui uma comunidade criada por um “sentimento” meramente comum a respeito da situação e de suas conseqüências. É apenas quando este sentimento leva à orientação mútua de sua ação reciprocamente referida, que a comunidade surge entre eles (WEBER, 2002, p. 79-80).
Uma das ações organizadas entre os indígenas de Dourados é o desenvolvimento de
formas de comunicação popular-alternativas. Marcos Palácios retrata que além da ação
organizada, o fato de sentir-se parte é característica fundamental para diferenciar, por
exemplo, comunidades de grupos étnicos. “Esse sentimento de pertencer diferencia, por
exemplo, um grupo identificado por fator puramente étnico (a cor da pele) de um outro
constituído enquanto movimento negro organizado”. E prossegue: “A negritude seria o laço
de união, a característica básica comum, mas somente em havendo o sentido de ligação, de
pertencimento, poderíamos falar de uma Comunidade e não simplesmente de um grupo
étnico” (PALÁCIOS, 1995, p.4).
No caso dos indígenas de Dourados, embora haja em cada aldeia interesses em
comum, sentimento de pertencimento, permanência, mobilizações e cumplicidade, existe
nas aldeias do Jaguapiru e Bororó, disputas por liderança, por terras, por melhores
condições de vida. Dentre os problemas encontrados nas aldeias, Vanderléia Mussi (2006,
p. 276) contextualiza alguns que afetam principalmente os jovens indígenas. “Convém
considerar que tal conseqüência também é reflexo da incorporação destes novos elementos
culturais – como shampoo, cremes, calçados, e até bebida alcoólica - que muitas vezes não
estando ao alcance de todos acabam resultando em conflitos de ordem interna dentro da
própria comunidade”.
O que deve ficar claro, conqua nto, é que o termo comunidade também não nos deve
remeter a um local onde se vive em total e constante harmonia. Os conflitos existem como
parte da dinâmica comunitária .
Para Houaiss (apud LACERDA, 2003, p.9), comunidade “é o conjunto de
população que vive num dado lugar ou região, geralmente ligados por interesses comuns” e
nas aldeias, prossegue “é verificável quando reúnem a família em volta do tereré para falar
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de interesses comuns, quando vão as igrejas comungar com Deus, quando lutam pelas
demarcações de terras”. Para Tange; Delespesse (apud LACERDA, 2003, p.9) “a
comunidade também é aquela que contesta a sociedade moderna, impessoal e funcional,
famílias desintegradas ou fechadas sobre si mesma”.
No que toca a discussão sobre comunidade, Munier Lacerda chama a atenção a
questões referentes à perda do sentimento comunal, também já retratada por PALÁCIOS
(1995).
Mas no entanto assim como nós não-nativos estamos perdemos o sentido do comum e devido ao sistema político e econômico adotado ser uma proposta de competição nos moldes do neoliberalismo, os nativos também aos poucos estão se adaptando ao sistema; outros ainda estão confusos sem saber o que fazer, e uma grande quantidade esperando que se faça por eles, pois aceitaram as condições do antigo colon izador que o fez se acostumar com o assistencialismo, para manter a dominação. Assim, muitos dos problemas poderiam ser resolvidos enquanto comunidade, mas ficam na dependência da ação do Estado (LACERDA, 2003, p.9).
Discutiremos baseados nesses conceitos, como se configura a participação nos
produtos de comunicação desenvolvidos pela AJI. Considerando que estes meios de
comunicação são produzidos – e diretamente lidos – pelos jovens indígenas, buscamos
identificar como se dá a participação de outros grupos etários na produção e recepção do
jornal, blog, vídeos e fotografias, além de analisarmos como o grupo dos jovens como um
todo também participa, pois são poucos deles (cerca de 15 indígenas) que publicam suas
matérias no jornal e site e que participam das oficinas promovidas pela GAPK (Grupo de
Apoio aos Povos Kaiowá).
59
CAPÍTULO II – A realidade social vivida pelos indígenas em
Dourados/MS e sua abordagem pela mídia
Localiza-se na cidade de Dourados, Mato Grosso do Sul, a segunda maior aldeia
indígena urbana do país. Dividida em duas, Bororó e Jaguapiru, ambas localizadas a oito
quilômetros da cidade, a população indígena, cerca de 12000 índios, é composta por duas
etnias: Terena e Guarani sendo estes divididos em Guarani-Ñandeva e Guarani-Kaiowá.
Os índios Terena ocupam basicamente a aldeia do Jaguapiru, mais desenvolvida
sócio -economicamente devido à maior facilidade que seus moradores têm de arrumar
emprego, por investirem mais em educação e por terem se adaptado melhor à sociedade
urbana. A aldeia Bororó, que comporta os Guarani, registra situações de extrema pobreza e
marginalidade. Além dos problemas de exclusão sofridos pelos indígenas com relação aos
douradenses, Guarani e Terena rivalizam entre si pela liderança da terra, causando uma
situação complexa e desgastante de confrontos internos e externos.
Para entender estes conflitos que acometem as aldeias, faz-se necessário trilharmos
os caminhos por quais passaram os indígenas até sua fixação no Estado e formação das
aldeias de Dourados.
5. A fixação dos indígenas em Dourados: formação das aldeias do Jaguapiru e
Bororó
Para tratar da questão indígena em Dourados e da fixação dos Guarani, Kaiowá e
Terena nas aldeias do Jaguapiru e Bororó, poderíamos retomar historicamente todo o
processo colonizatório brasileiro, realizado pelo europeus por volta dos 1500. Optamos
porém, por desenvolver um recorte mais atual dessa história de dominação, já que nosso
objetivo não é o de oferecer um panorama geral histórico-antropológico e sim de
contextualizar da colonização sul-mato-grossensse e as disputas que a partir daí se deram
entre a população indígena e os não- índios.
60
Para isso, relatamos os fatos históricos que se deram no final do século XIX e
começo do século XX. “A expansão capitalista que ocorreu na passagem do século XIX
para o século XX foi um choque violento para as populações ameríndias que habitavam
certas regiões brasileiras. Surgiram intensos conflitos fundiários devido aos processos de
colonização não-indígena em diferentes partes do território” (TROQUEZ, 2006, p. 31).
Foi no começo do século XX que as terras da região do Mato Grosso do Sul
passaram a ser ocupadas por colonos brancos. De acordo com Rubem Ferreira Thomaz de
Almeida (2001), que realizou um estudo sobre os Guarani (Kaiowá e Ñandeva) no estado,
foi a partir da ocupação branca que os indígenas passaram a ser notados e tornaram-se alvos
de discussões com interesses político-econômicos, principalmente no que diz respeito a
propriedades de terras.
De acordo com Brand (2002, p. 2) os Kaiowá e Guarani, até algumas décadas atrás,
estavam dispersos por centenas de aldeias no Mato Grosso do Sul, situados entre o rio Apa
(Bela Vista), Serra de Maracaju, rio Brilhante, rio Ivinhema, rio Paraná e fronteira com o
Paraguai. O autor destaca que as primeiras interferências externas, referentes à ocupação do
estado por frentes não-indígenas ocorre durante a Guerra do Paraguai e, especialmente, a
partir de 1880, quando se instala na região a Cia Matte Laranjeiras. “Embora o trabalho de
exploração da erva, por parte da Cia Matte Laranjeiras, seja responsável pelo deslocamento
de inúmeras famílias indígenas, esta não questionou a posse da terra e, portanto, não fixou
colonos e não desalojou as comunidades definitivamente das suas terras” (BRAND, 2002,
p. 2-3).
Em 1910, porém, foi criado um aparelho do Estado, o SPI (Serviço de Proteção ao
Índio) que implantou Postos Indígenas (PIs), com o intuito de fixar os nativos em áreas
determinadas pelo governo. “Na política indigenista esboçada com a constituição do SPI, a
criação dos PIs em áreas reservadas pretendia acomodar os índios encontrados na região,
isto é, retirá- los de espaços tradicionalmente ocupados e assentá- los em áreas reservadas”.
(ALMEIDA, 2001, p. 21).
Retomando Brand, temos os dados de que entre 1915 e 1928, o Governo demarcou
para os índios Kaiowá e Guarani cerca de 18.124 ha, divididos em oito reservas de terra.
“Inicia-se, então, um processo compulsório de confinamento das diversas aldeias e grupos
61
macrofamiliares, localizados em todo este imenso território dentro dessas reservas de terras
demarcadas pelo Governo” (BRAND, 2002, p.3).
O fato de terem sido considerados nômades favoreceu a implantação de locais fixos
para os indígenas com a explicação de que necessitavam construir escolas para as crianças,
protegê- los do trabalho escravo e defendê- los da dizimação.
Sem realizar estudos e levantamentos acurados sobre a situação dos Guarani (suas informações segundo relatórios da época, provinham de regionais, principalmente indivíduos ligados à exploração do mate), a nova agência os classificava como ‘sem residência fixa’, reforçando o mito do nomadismo Guarani (MAGALHÃES, BARBOSA, apud ALMEIDA, 2001, p. 21), ainda presente nos dias de hoje e servindo, em muitos casos, como referência equivocada para pensá-los. [...] Com a implantação de uma nova ‘ordenação espacial’ sobre as populações indígenas, ampliava-se o controle federal sobre a região e liberavam-se terras (ALMEIDA, 2001, p. 21).
Para os indígenas, o tekoha10 apresenta-se como forte elemento aglutinador étnico,
sendo, além disso, o responsável pela sua sobrevivência. A partir do SPI e de acordo com
os interesses dos não- indígenas que habitavam o Mato Grosso do Sul, algumas reservas
foram designadas para o agrupamento indígena, buscando “aldear” os “desaldeados”.
Aglomerados em áreas reservadas e escolhidas por critérios não indígenas, os planejadores esperavam que os índios “evoluíssem” até uma “assimilação à civilização” para o “progresso comum”. Assim, para uma maior aproximação interétnica, os “aldeamentos” deveriam estar localizados de preferência nas proximidades de povoados, o que facilitaria a orientação dos índios no processo de integração entre as duas sociedades, com a decorrente assimilação dos costumes brancos (MAGALHÃES apud ALMEIDA, 2001, p. 22)
Dessa forma, as aldeias representavam não um local habitado por indígenas, mas
uma delimitação forçosa a partir de aparelhos do estado que “podia ou não coincidir com
uma ocupação indígena efetiva segundo seus próprios padrões tradicionais de ocupação
territorial” (ALMEIDA, 2001, p. 22).
10 Para os indígenas, tekoha significa a sua localidade, o espaço vital necessário para o desenvolvimento e sobrevivência da tribo. É este espaço que garante para a comunidade elementos e matérias-primas necessários para a alimentação, produção de artesanato típico e manutenção das tradições a partir da vida em comum. A terra é a garantia de sua identificação étnica.
62
Lacerda (2003, p. 4) ilustra a situação em que se encontram os índios devido à perda
de seu tekoha e ainda, os interesses externos que a endossam.
Hoje a situação do índio é complexa, pois perderam praticamente quase todas as suas terras, deixaram de ser escravos oficialmente, até porque os negros africanos os substituíram na época, mas continuaram na dependência de terceiros, do Estado como é o caso atual. Em Mato Grosso do Sul a média de espaço por pessoa não mais lhes permite sobreviver como outrora. Além disso, boa parte da terra está em discussão judicial para saber de quem, de direito, é a terra que outrora fora dos povos nativos. Nessa disputa estão os fazendeiros e agricultores que fazem parte da oligarquia e representam o velho capitalismo na sua essência (LACERDA, 2003, p.4).
A Reserva de Dourados (RD), que engloba as aldeias do Jaguapiru e Bororó,
também conhecida como Posto Indígena Francisco Horta, tem de acordo com MONTEIRO
(2003, p. 39) cerca de 3600 ha e está intitulada segundo o Decreto nº 404 de 03/09/191711.
Acompanhamos por meio de uma “Exposição de Motivos”12, encaminhada em 1966
pelo chefe da 5ª Inspetoria Regional, Walter Samarí Prado, responsável pelos 17 Postos
Indígenas da região sul do Mato Grosso, as características que compunham o PI Franscisco
Horta. De “a” a “f”, segue transcrição do documento, na íntegra (apud MONTEIRO, 2003,
p. 171-172):
a) Localização: Município de Dourados
b) Área total: 3600 has.
c) Vias de comunicação: O PI Francisco Horta fica localizado a 4 km da cidade de
Dourados, beneficiando portanto de todas as vias de comunicações que servem essa
cidade. Rádio transmissor e receptor.
d) Benfeitorias: área toda cercada, casa da sede do posto, um trator, uma serraria, uma
escola primária, um caminhão para transporte de toras, pequena lavoura e a criação
de 80 bovinos mestiços.
11 De acordo com o mesmo autor as terras estão registradas às folhas 82 do Livro nº 23, em 14/02/1965, no Cartório de Registros de Imóveis, na Delegacia Espacial de Terras e Colonização de Campo Grande em 26/11/1965, conforme despacho do Secretário de Agricultura do Estado de Mato Grosso de 23/11/1965. 12 Documento apresentado como anexo do livro de MONTEIRO (2003, p. 171-172).
63
e) Reservas Naturais: Grande reserva de madeira, principalmente peroba, ipê e outras,
é um posto bem servido de água, suas terras são ótimas para o cultivo de arroz,
feijão, milho, batata, mandioca, trigo etc., são as melhores terras para cultura da
região. Dado a sua localização, é um bom lugar para se desenvolver a criação de
pequenos e médios animais.
f) População: 200 famílias de índios pertencentes à tribo caiuá, que moram já em seu
respectivo lote de terra, conforme orientação dada pelo próprio SPI. Esses índios
dedicam-se à lavoura ou ao trabalho na cidade ou com fazendeiros vizinhos.Dado a
proximidades do Hospital das Missões Evangélicas Caiuá, qualquer caso de doenças
entre esses índios é prontamente atendido nesse hospital, com o qual o SPI [Serviço
de Proteção ao Índio] mantém convênio. Após concluir o curso primário na escola
do Posto, jovens índios seguem o curso ginasial em Dourados, sendo isso um posto
ideal para se estabelecer uma escola de aprendizagem agrícola. Vivem em pequenas
casas de madeira, cobertas de casa ou de capim, piso de terra batida.
Essa imagem, porém não é a que temos acesso atualmente ao visitarmos a Reserva
de Dourados. As casas se assemelham muito às encontradas em favelas: às vezes feitas de
lona, às vezes de madeira e de maneira mais escassa, principalmente na aldeia do
Jaguapiru, em que vivem na maioria índios Terena, são de alvenaria. Os indígenas
reclamam também da dificuldade de plantio devido às características da terra e grande
escassez de água. Além disso, o Posto Indígena que era composto por 200 tribos Kaiowá,
segundo o documento, tem hoje cerca de 12 mil indígenas Guarani-Ñandeva, Guarani-
Kaiowá e Terena. Aumentando o número de indígenas no mesmo terreno delimitado há
mais de 80 anos, tornam-se mais escassos os recursos naturais e a possibilidades de
sobrevivência harmoniosa.
Além das diferenças étnicas que permeiam essas tribos residentes em Dourados,
existe a disputa por terra e por liderança.
6. Conflitos internos:
6.1. As diferenças étnicas e disputas por lideranças entre os indígenas
64
Em 1999, durante suas pesquisas na Reserva de Dourados, Maria de Lourdes Beldi
de Alcântara (2007) destaca as tensões entre os Terena e Guarani, impulsionadas pela
composição espacial que colocou lado-a-lado etnias diferentes que passaram a rivalizar
entre si, devido tanto a diferenças étnicas quanto a disputas políticas por liderança e
território.
Nesse período, estava começando uma disputa entre os Guarani e a hegemonia política dos Terena, na figura de Ramão Machado, identificado pelo intenso uso da força contra os Guarani. Apoiado pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Ramão Machado tinha livre acesso aos benefícios destinados à população indígena da RD, ou seja, ao uso privado de bens públicos, conseqüências das mazelas do Estado e suas instituições. Transforma-se no grande latifundiário e testa-de-ferro de arrendatários não-índios, em uma Reserva que é considerada a mais populosa do país, com aproximadamente 15 mil habitantes por 3500 ha. Ramão Machado mantinha o poder econômico e político num lugar em que sua etnia era e é minoria (ALCÂNTARA, 2007, p. 39-40).
Resultou da disputa política um fortalecimento da cultura Guarani, que de alguma
forma precisava se organizar para posicionar-se e eleger uma liderança. Somente após
apoio da Funasa (Fundação Nacional da Saúde) que, preocupada com os altos índices de
suicídio Guarani constatado pela perda da tradição cultural resolveu atuar, os Guarani
garantiram representatividade.
Getúlio, Kaiowá, já tinha certa aceitação; o líder religioso passa a ser apoiado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) como o “depositário da tradição”, visto que todos os estudos considerados “científ icos” apontavam que o alto índice de suicídio era conseqüência da “perda da tradição”. Assim, a Funasa e a prefeitura de Dourados investem na “recuperação” da cultura Kaiowá e Ñandeva. Elegem os líderes que consideram os representantes da comunidade, constroem casas de rezas para que os rituais sejam retomados e promovem cursos sobre a cultura indígena Guarani. Nesse momento, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) passa a atuar na formação de professores indígenas, ensinando a “tradição e a cultura Guarani”, resquícios da Teologia da Libertação (ALCÂNTARA, 2007, p. 40).
As disputas entre os Guarani e Terena não se inicia certamente nessa fase, julho de
1999, mas desde a chegada dos Terena, que de certa forma, ao chegarem depois dos
Guarani, foram vistos como invasores, como ameaça aos primeiros. “Tanto os Guarani
65
quanto os Terena não era originários da região em que foi legalizada a RD. Esse local fazia
parte de um território de passagem Guarani, e não de permanência. Isso foi uma criação
artificial imposta pelo Estado brasileiro” (ALCÂNTARA, 2007, p. 41). De certa forma,
essa imposição colocou lado-a-lado povos com características diferentes.
Segundo algumas obras, os Terena foram transferidos na década de 20 para fazer a
ponte entre os Guarani e os não-índios. “Deveriam ensiná- los a trabalhar na agricultura e
tornarem-se mão-de-obra na região” (ALCÂNTARA, 2007, p. 41).
Essa ponte, porém, não pode ser efetivada a partir do momento em que os próprios
indígenas começaram a se desentender.
Os Kaiowá são considerados pela população indígena Ñandeva e Terena como os mais arredios, aqueles que não falam bem o português e que mais mantêm a “tradição”, se comparados com os Ñandeva. Eles são maioria na RD, aproximadamente seis mil, e habitam uma das áreas mais pobres, sem água e com terras pouco agricultáveis, o Bororó (ALCÂNTARA, 2007, p.40-41).
Vale aqui ressaltar algumas contradições na bibliografia estudada, pois enquanto
OLIVEIRA (1976) e ALCÂNTARA (2007) acreditam que os Terena foram trazidos à
Reserva de Dourados após a fixação dos Guarani, MONTEIRO (2003) e TROQUEZ
(2006) afirmam que estes já habitavam a região. “Nessa época [1910], os Kaiwá estavam
localizados em sua maioria, em pequenos grupos espalhados na zona ervateira ao sul do
Estado. Encontravam-se misturados com índios Terena e Guarani pelos municípios de
Dourados, Ponta Porã, União” (MONTEIRO, 2003, p. 32, grifo nosso). Um Terena, 26
anos, confirma o destaque que oferecemos. Ele discorda que os Terena tenham chegado
depois na Reserva de Dourados com o objetivo de ensinar os que aqui habitavam as
técnicas do cultivo. Segundo ele, muitos foram os relatos de seus antepassados contando o
quanto sofreram na Guerra do Paraguai, lutando ao lado de outros indígenas pelo Brasil.
“Meus bisavô contou pros meus avô que eles chegaram aqui não tinha nada, tudo fechado e
morreu muitos Terena [na Guerra do Paraguai], só que a briga começou na divisão de
subgrupo e a Funai questionou na época que os índio veio para ajudar os Guarani a
desenvolver mas começaram a tomar a terra . Isso causa conflito, das três etnias juntos né?”
Apesar da discussão, o comportamento diferenciado entre as etnias já era descrito
por Roberto Cardoso de Oliveira em 1976:
66
Mas se fôssemos comparar a população Terêna com a Kaiwá, em Francisco Horta, esta última deixaria muito a desejar , em termos de desenvolvimento econômico. Realmente é muito grande a diferença: enquanto as famílias Terêna apresentam um razoável nível de vida, tendo por base bons roçados e regular comércio com Dourados, além de casas muito bem construídas, à semelhança de moradias brasileiras da região, os Kaiwá são muitíssimos mais pobres, maltrapilhos e com uma produção agrícola que mal chega para seu próprio consumo, obrigando-os a se empregar na indústria de erva-mate ou a realizar qualquer trabalho nas fazendas da região (OLIVEIRA, 1976, p. 87-88).
Discussões e conflitos de idéias acerca das características históricas e sociais da
realidade indígena em Dourados persistem. E, atualmente, interferem na dinâmica das
aldeias.
A partir das observações, reforçamos que a discriminação tão denunciada
atualmente pelos indígenas acontece em dois níveis: no nível interno (indígenas de etnias
diferentes brigando entre si) e no nível externo (sociedade douradense e não- índia
discriminando os indígenas).
Buscamos a partir de entrevistas com um indígena de cada etnia, ter uma noção ao
menos superficial da forma como um enxerga o outro. Ressalta-se que os entrevistados
desenvolvem trabalhos na AJI envolvendo as três etnias.
6.2. Entreolhares
Um Guarani-Ñandeva, 22 anos, universitário de Serviço Social e membro ativo da
AJI há quatro anos, quando questionado13 sobre como classifica ou define os Kaiowá diz
que “de uma forma geral, o Kaiowá está mais ligado à cultura. Isso implica um pouco o
relacionamento dele com a cidade. Seja em questão de estudo, seja em questão de trabalho.
Então eles são os que mais vão pras usinas também”. O Ñandeva acredita ainda que, dentre
outros fatores, os suicídios devem acontecer devido a baixa auto-estima e pelo sentimento
de inferioridade que eles têm de si mesmo. “Mas eu não vejo assim, eu vejo eles como
irmãos mesmo, não superior ou inferior”.
13 Em entrevista concedida à autora no dia 09 de agosto de 2007.
67
Essa relação de irmandade que o indígena vê entre as três etnias, não era como ele
enxergava antes de participar da Ação dos Jovens Indígenas. “Antes de participar da AJI eu
pensava só em mim, em mim, na minha família. Eu pensava vou estudar, vou dar um jeito
de ir embora da Reserva que aqui é muito violento e tal, mas eu fico olhando assim: graças
a Deus a minha família não precisa de cesta básica, não precisa de Funai né, pra viver. Mas
com tantos irmãos seus que precisa né? Será que eu vou me ausentar disso? Será que eu
vou ver uma criança chorando de fome e vou virar minhas costas, né? Eu aprendi muito
isso na AJI. Na AJI você aprende muito solidariedade e eu acho isso legal”.
Outro jovem14, 26, Kaiowá, também nos conta como enxerga as outras etnias. Mais
que isso, ele acaba descrevendo como acha que são enxergados e como deveria ser.
Eu vejo assim que a diferença é a etniação mesmo, mas eu vejo, nós sabemos que é todos iguais né? Os pensamento também são diferente. A gente vê que uma parte que, eles falam da gente que no geral os Kaiowá são mais lentos. Mas eu não vejo que as pessoas são completamente diferentes. Eu ve jo que não há diferença. Eu enxergo eles de maneira igual. Tudo o que sofrem os Guarani, Kaiowá sofrem e os Terena sofrem, a gente sofre junto.
Segundo o indígena, antes de entrar na AJI ele tinha dúvidas com relação aos
motivos que os Ñandeva e Terena falavam deles, sendo que eles também “pensam, curtem,
jogam bola”. O jovem garante que depois que entrou na AJI, a dúvida que ele tinha com
relação aos outros, ele perdeu.
O sentimento de raiva, tristeza ou chateação que o indígena pode ter nomeado de
“dúvida” ainda se mantêm conforme afirma, por parte dos Kaiowá, principalmente com
relação aos Terena. “Agora eu vejo que alguns Kaiowá têm raiva dos Terena, até um ano
atrás eles queriam que os Terena fossem embora daqui. Aí eu pensei, porque expulsar os
Terena? Eles são gente, não são animais, até os bichos a gente gosta né? Aí eu fiquei
pensando por que fazer isso? Eu participei de quatro reuniões que falavam pra expulsar os
Terena daqui”.
Por fim, falamos com um Terena 15, 26 anos, que também cursa Serviço Social.
Questionado sobre sua visão com relação aos Guarani (Kaiowá e Ñandeva), o indígena
14 Em entrevista concedida à autora no dia 09 de agosto de 2007. 15 Em entrevista concedida à autora no dia 09 de agosto de 2007.
68
fixa-se primeiramente no fato de os Guarani manterem de maneira mais fiel suas tradições,
e vê nisso uma dificuldade no que diz respeito à sobrevivência nos dias de hoje. “Eu vejo
que eles não são piores nem melhores, mas são meios que não conseguem chegar a uma
direção certa, não conseguem ter uma definição do que vão seguir, do que é melhor pra
eles”.
Essa afirmação não está relacionada com a questão da inteligência. “Quanto à
inteligência dos Guarani, pro Kaiowá, pro Terena, eu acho que não tem diferença, de
inteligência, o sofrimento pra cada um é diferente”.
Pensando no fato de os Guarani manterem a tradição e os Terena não, o indígena
afirma que
Os Terena não ligam pra terra, só como moradia. Sabem que pra produção não dá mais. Então os Terena hoje estão tentando acompanhar o mundo atual, a tecnologia. Então precisamos acompanhar pra entrar nesse mundo também. O fato dos Guarani manterem a tradição é negativo. Na minha opinião, se eles continuarem nessa de manter a cultura ainda, eu acho que vai ser um atraso, cada vez mais atrasados, mais atrasados. Porque a cultura tem que ficar como, considerada já como simbólico já [há o respeito pela tradição, mas não a segue mais]”.
O movimento dos jovens indígenas desenvolve seu trabalho partindo do princípio
primário. Que não deve haver divisão entre eles. Acreditam que todas as etnias precisam se
unir para buscar soluções para seus problemas políticos, econômicos, sociais. Talvez
começar pelos jovens seja uma esperança de maior mobilização num futuro ainda próximo.
Eu acho que nós na aldeia aqui tanto os Terena, como os Kaiowá e os Ñandeva, eu já falei, nós deveria ser unidos. Isso é importante pra nós. Porque se não a gente viver desunido, daqui mais pra frente o que nossos filhos vão fazer, né? Aí vai piorar as coisas, vai continuar na violência ou muito pior até, né? Então eu acho que a gente deveria parar e pensar, né? Vamos viver na união a união que leva o povo a melhorar, né? Se nós não viver a união, não tem como nós melhorar16.
Continuando a trilhar o nosso caminho pelos problemas internos enfrentados na
aldeia, observamos que muitos pesquisadores são atraídos à Reserva de Dourados, devido a
16 Kaiowá, 26 anos, em entrevista concedida à autora no dia 09 de agosto de 2007.
69
fatores explorados constantemente pela grande mídia: o suicídio juvenil e as mortes por
desnutrição infantil. Deteremo-nos um pouco mais na questão do suicídio e problemas
enfrentados pelos jovens indígenas, por serem justamente estes os protagonistas de nossa
pesquisa, os produtores do jornal alternativo AJIndo (Ação de Jovens Indígenas de
Dourados).
A partir da contextualização das dificuldades por que passam, garantimos maior
fundamentação teórica para analisar as temáticas e formas de tratamento que compõem as
edições que se colocam como corpus da pesquisa.
6.3. Alcoolismo, uso de entorpecentes, violência e suicídio juvenil
Cada dia é mais difícil ser jovem entre tantos riscos e prazeres expostos na
atualidade. Ser jovem indígena Guarani ou Kaiowá na Reserva de Dourados é suficiente
para tornar a realidade ainda mais complexa.
A utilização de álcool e drogas aliada à violência, discriminação social, desemprego,
falta de expectativa de vida e a rejeição por seus familiares e parceiros, faz com que o dia-
a-dia dos jovens seja uma luta constante contra a morte. Que quando não provocada pelos
conflitos internos apresenta-se em forma de suicídio.
Dados fornecidos pela Comissão Pró-Índio de SP, Procuradoria Geral da República
da 3ª Região, a Silze Nara Giraldelli, que estudou “Apectos psicossociais do suicídio
praticado pelos índios Guarani/Kaiowá na Reserva Indígena de Dourados”, registram
números capazes de ilustrar essa realidade.
TABELA 1
Quadro de suicídios praticados por índios Guarani/Kaiowá no Mato Grosso do Sul
Ano 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 Total
Casos 05 08 01 07 34 23 21 26 24 56 26 29 29 16 305
Fonte: Comissão Pró-Índio de SP (apud GIRALDELLI, 2004, p. 61).
No levantamento de 13 anos, pôde-se constatar 305 mortes por suicídios no estado
entre os Guarani/Kaiowá, sendo o ano de 1995 o mais alarmante até então, destacando 56
suicídios.
70
Quando trazemos esses dados para a cidade de Dourados, os números não são mais
otimistas. Em sete anos, de 1992 a 1999, foram registrados 81 suicídios, sendo 52 de
indígenas do sexo masculino e 29 do sexo feminino. Pode-se ainda destacar que os menores
de 25 anos são os que mais sofrem com esse tipo de patologia social.
Refletindo o quadro do Estado, nota-se no ano de 95 um aumento significativo dos
suicídios: 21 casos são registrados. “O método mais usualmente empregado é a asfixia
mecânica ou enforcamento, havendo também vários casos de envenenamento”
(GIRALDELLI, 2004, p. 63).
TABELA 2
Quadro de suicídios praticados por índios Guarani/Kaiowá em Dourados / MS, entre
1992 e 1999, por gênero e idade
Área 92 93 94 95 96 97 98 99 Total M F Até 25 anos
Mais de 25 anos
Dourados 11 14 09 21 05 08 07 06 81 52 29 45 36
Fonte: Comissão Pró-Índio de SP (apud GIRALDELLI, 2004, p. 62).
Após esses dados colhidos pela Comissão Pró-Índio de São Paulo, o Conselho
Indígena Missionário (CIMI) atualizou as pesquisas, apresentando um relatório sobre todos
os aspectos que envolvem violência contra os indígenas do Brasil, de 2003 a 2005.
Quanto aos suicídios, de acordo com o documento (CONSELHO, 2005, p. 137-
140), os maiores índices apontados estão no Mato Grosso do Sul. No ano de 2003, quando
se iniciam as análises, foram registrados entre os indígenas de todo o país 24 suicídios,
sendo 22 deles no MS e sete na cidade de Dourados. Dentre os sete, todas as vítimas eram
da etnia Guarani-Kaiowá e seis mortes foram registradas na aldeia Bororó, apenas uma,
entre as sete, na Jaguapiru.
No ano de 2004, foi registrada uma queda no número de suicídios: 18 casos em todo
o Brasil. O que chama a atenção, porém,é que todos os casos ocorreram no Mato Grosso do
Sul, cinco, em Dourados. Todas as vítimas eram da etnia Guarani-Kaiowá. (CONSELHO,
2005, p. 140-141).
71
Já em 2005, houve novamente um aumento no número de suicídios: 31 no país todo,
sendo 28 no Mato Grosso do Sul e sete em Dourados (CONSELHO, 2005, p. 141-145).
Para facilitar a visualização dos dados, confira a tabela desenvolvida de acordo com o
relatório.
TABELA 3
Quadro de suicídios no Brasil, MS e Dourados entre os anos de 2003 e 2005
Ano Suicídios no Brasil MS Dourados
2003 24 22 7
2004 18 18 5
2005 31 28 7
Fonte: Conselho Indígena Missionário (2005, p. 138-145).
Enfatizando que todos os suicídios foram registrados entre os Guarani-Kaiowá,
diversos estudos vêm sendo desenvolvidos com o objetivo de explicar esse aspecto ao
mesmo tempo desolador e intrigante, que parece fazer parte da cultura desse povo. A
utilização do álcool e entorpecentes inseridos entre os indígenas, principalmente devido à
proximidade com a cidade (cerca de oito quilômetros da aldeia), é uma das explicações.
O relatório do CIMI aponta, no ano de 2003, que duas das sete vítimas da cidade de
Dourados estavam sob o efeito de álcool no momento do suicídio. Seis dos casos foram por
enforcamento e um deles, envenenamento, através da ingestão de defensivo agrícola
(CONSELHO, 2005, p. 138-140). Em 2004, foram cinco enforcamentos por motivos
diversos. Um dos casos foi cometido pelo filho do cacique Valério Gonçalves, um jovem de
16 anos. Foi o terceiro filho do líder, que se suicidou.
Em 2005, das sete mortes registradas em Dourados, cinco foram por enforcamento e
duas por ingestão de veneno: para ratos e para a lavoura. Dentre os casos, em um, houve o
relato de ingestão de bebida alcoólica pelos familiares. Em outros dois, a ingestão não foi
informada, porém houve o relato de que haviam saído de festas.
Dentre os pesquisadores que buscam as causas para as mortes está Maria de Lourdes
Beldi de Alcântara, que envolveu-se com a Reserva de Dourados primeiramente com o
objetivo de estudar o suicídio juvenil. “A maneira como realizavam, assim como a idade
72
dos jovens que o cometiam, eram e são assustadores. Sabia que minha permanência na RD
necessitava ser longa e que, por meio da confiança, eu poderia entender o que estava
acontecendo” (ALCÂNTARA, 2007a, p. 42).
Durante suas pesquisas, que resultaram no livro então estudado17, a pesquisadora
entra em contato com diversos fatores que de certa forma estimulavam os suicídios na RD.
Todos, porém, resultavam da não-existência de lugares de pertencimento por parte dos
jovens indígenas: eles não se encontram dentro de sua própria comunidade. “Os jovens
indígenas têm uma intensa circulação entre a Reserva e a cidade. Marcados, por um lado,
pela discriminação dos não- índios e, por outro, por uma convivênc ia intensa com a cidade,
esses jovens negociam, o tempo todo, suas identidades” (ALCÂNTARA, 2007a, p. 72-73).
Em outro momento a autora chama a atenção para uma alteração nas interações
sociais, que dizem respeito ao casamento, que vêm sendo averiguadas atualmente.
Habitando uma reserva que abriga duas etnias, Aruák e Guarani, esses jovens têm como principais características o casamento entre si, carregando consigo toda a história de conflito entre as duas etnias que marca essa reserva. Além disso, há o fato de estarem se casando mais velhos, o que cria uma categoria social não existente: a de jovens solteiros. Tentando negociar um lugar, esses jovens entram em conflito com os mais velhos e passam a ser culpados por tudo de ruim que acontece. Tornam-se o bode expiatório de todos os males e os responsáveis pelo “final dos tempos”, segundo os anciãos (ALCÂNTARA, 2007a, p. 77).
A não existência de um núcleo familiar sólido e que garanta apoio aos jovens
indígenas, passa a ser um outro motivo para os suicídios. “Diante dessa truncada
comunicação entre as relações sociais, os jovens indígenas sofrem profundas desilusões
emocionais, chegando, em vários casos, a cometer suicídio, pois sentem-se alheios a
qualquer vínculo familiar” (ALCÂNTARA, 2007a, p.84).
Um fato relevante, apontado por Giraldelli (2004, p. 65), diz respeito a maior
incidência de suicídios entre os Kaiowá. Assim afirma:
17 ALCÂNTARA, Maria de Lourdes Beldi de. Jovens indígenas e lugares de pertencimento: análise dos jovens indígenas da Reserva de Dourados/MS. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Laboratório de Estudos do Imaginário, 2007.
73
No que diz respeito à problemática Guarani/Kaiowá o que chama a atenção é o fato dos suicídios ocorrerem predominantemente entre os Kaiowá do Mato Grosso do Sul e do Paraguai. Em menor proporção, a auto-agressão ocorre também entre os Ñhandeva, não havendo registros entre os M´byá. Diversas hipóteses foram levantadas na tentativa de esclarecer o fenômeno (disputa entre grupos familiares, frustração no desempenho de papéis sociais, impossibilidade de consumir, alto consumo de bebidas alcoólicas, proselitismo cristão, escassez de terras, confinamento nas aldeias), entretanto nenhuma delas parece responder adequadamente à questão, já que os Guaranis enfrentam essas dificuldades há muito tempo e que índios de outras etnias sofrem com os mesmos problemas e nem por isso recorrer ao suicídio para escapar aos problemas ou pressionar o governo.
O fato de que em muitos casos de suicídio os jovens estavam bêbados, levou Maria
de Lourdes Beldi de Alcântara a tentar entender o porquê da grande ingestão de bebidas
alcoólicas pelos jovens. Relatando diálogos com os indígenas ela nos mostra que ao
consumirem o álcool eles se sentem num outro mundo onde não sentem dor.
O “não sentir dor” está associado à tristeza, estado que descrevem como doentio, já que está associada ao feitiço. Isso, na maioria das vezes, pode levar ao suicídio. Esse tipo de doença é esquecido a partir do momento em que bebem – “não tenho medo e passo a enfrentar qualquer um”. O estado de embriaguez, segundo o relato dos jovens, faz com que se perca a consciência. Com isso o corpo é abandonado, deixando-os expostos à entrada de qualquer espírito; nesse caso, ao anã , espírito do mal, assumindo, assim, outra identidade que, ao mesmo tempo em que é temida, é desejada, porque o transforma em uma pessoa diferente – “sem dor e corajosa”. Em muitos casos de suicídios, os jovens estavam bêbados. Segundo eles: “é necessário beber para que tenhamos coragem de nos matar” (ALCÂNTARA, 2007a, p.87-88).
Em um outro momento, a autora também relata o fato de que os mais velhos vêem
na educação uma chance de os filhos terem mais acesso ao mundo dos não- índios, e querem
que eles permaneçam na aldeia, estudando ao invés de trabalhar. Relata porém
(ALCÂNTARA, 2007a, p. 81) que sem trabalho os jovens não conquistam sua
independência financeira e vêem o estudo como atraso de vida.
O sair da RD para trabalhar como se fosse um lugar de passagem [para tornarem-se adultos] não é reconhecido pelos mais velhos causando uma grande tensão entre os familiares e os mais jovens. Isso resulta em alguns suicídios. O último foi o do filho de um cacique, que falsificou sua carteira de identidade para trabalhar na
74
usina. Seu pai o proibiu de ir. Na manhã seguinte, o jovem foi encontrado enforcado na casa de reza do pai. (ALCÂNTARA, 2007a, p.81-82).
Transcrevemos aqui um texto postado por uma Kaiowá de 17 anos, com o título
“Por que os indígenas se suicidam??????????” no blog da AJI18. No texto ela fala sobre os
suicídios, aponta as possíveis causas dos altos índices entre os jovens e fala ainda sobre a
utilização de álcool e entorpecentes.
Isso é um dos assuntos muito delicados da aldeia, muitas vezes não temos uma resposta exata. Esse é o motivo que muitos historiadores, antropólogos vem estudar na aldeia, a pergunta é'' por que os indígenas se suícidam?'' Eu como índigena vivo com isso no meu dia-dia, e muitas vezes os índigenas se suícidam por problemas familiares, ou quando terminam um relacionamento. algums suícidios tem sido consequência da bebida alcóolica e das drogas, pois na aldeia no fim de semana os índigenas tem comprado bebidas com muita facilidade, pois na própia aldeia há pessoas que comercializam drogas e bebidas, essas pessoas trazem bebidas das cidades vizinhas para comercializarem na aldeia, muitas vezes viajam até o ''Paraguai '' para comercializarem drogas. Há pontos em que há pessoas brancas que vem de noite e descarrega bebidas alcoólicas para serem comercializadas, e os própios índios comerciantes tem um lugar secreto onde guardam as bebidas. Isso é alguma das causas do suícidio onde as pessoas bebem e ficam lembrando de muitas coisas ruim que já aconteceu em sua vida, ou está acontecendo e se suícida. Outra causa que sempre está em debate é, por falta de oportunidades onde não tem trabalho e as pessoas se envolvem com tráficos de drogas, ou qualquer outra coisa que possa dar dinheiro a essa pessoa. Onde mais adiante sofrem as consequências e se suíc idam. Muitas vezes o feitiço a macumba é alvo dos suícidios, pois na aldeia está em alto o numero de pessoas que acreditam em feitiço, muitas vezes os(as) indios(as) quando não conseguem o amor da sua vida vão até os feiticeiros e mandam fazer o feitiço para a pessoa se suicidar ou seja muitas pessoas frequentam e acreditam no poder do feitiço e da macumba. A questão da disputa pelas terras tanbém é uma das causas do suicídio. E isso na maioria das vezes são as causas suficientes para o não índio dizer que o indio é sujo, bêbado, vagabundo, eles não procuram nos entender e nos condena nos massacra dizem que somos selvagens. Há muitas coisas que deveriam ser melhoradas mas não temos oportunidades. Mas ainda há esperança pois temos pessoas que lutam para ter um futuro melhor, uma vida digna, pois está mais que na hora de virar esta pagina!!!!!!!!! (POR QUE, 2007, p.1)
18 http://www.ajindo.blogspot.com/
75
Não bastassem os suicídios, que mantêm relação muito próxima com o uso de
álcool, a violência nas aldeias também é motivo de preocupação. São verificadas mortes
entre os indígenas com várias justificativas (roubo de dinheiro, da bicicleta etc), agressões
físicas sem motivo, brigas entre jovens devido a fofocas entre outros.
As drogas também foram percebidas pela autora como grande parte do problema
relacionado à violência. Uma indígena chamada apenas de Claudete, pela pesquisadora, dá
seu depoimento, em que afirma que “as drogas são um grande problema vivido pela
comunidade indígena”. Ela ilustra a afirmação, relatando o caso de um jovem usuário de
drogas, cuja irmã procurou ajuda na casa de Claudete:
Uns dias atrás, a irmã dele veio até minha casa e disse que já não estava agüentando mais aquela situação. Seu irmão havia se drogado muito e ficou totalmente descontrolado, agressivo; começou a chutar tudo, não escutava ninguém pois estava muito dopado. Ele pegou a bicicleta dela, começou a chutar e a jogar no chão. Ela trouxe a bicicleta até a bicicletaria de meu pai para consertar e disse que, uma hora ou outra, ele vai acabar machucando alguém e que teme por seus filhos, pois tem um bebê e uma menina pequena. Nem seus pais têm controle sobre ele (CLAUDETE apud ALCÂNTARA, 2007, 89).
Relatos como esse se tornam cada vez mais comuns na aldeia, sendo incorporados
como parte de seu dia-a-dia. Recentemente (julho de 2007), seis membros da AJI
(Associação de Jovens Indígenas) participaram de um livro de fotografia organizado por
Maria de Lourdes Beldi de Alcântara, contando com o apoio da IWGIA (International
Work Group of Indigenous Affairs19), do LABI (Laboratório de Estudos do Imaginário) e
NIME (Núcleo Interdisciplinar do Imaginário e Memória) da USP e Ministério da Cultura.
Na publicação os indígenas foram convidados, a partir de uma oficina oferecida pelo
fotógrafo italiano Andréa Ruggeri, a apresentarem a aldeia segundo seus pontos de vista.
Sob o título “Nossos olhares”, entre paisagens, caracterização do povo, de seus saberes, das
casas da aldeia, festas e trabalhos lá realizados, deparamo-nos com a presença já banalizada
do álcool e das drogas entre os indígenas.
19 Grupo Internacional de Trabalhos sobre Assuntos Indígenas
76
Ernesto Raulio Gonçalves, 18 anos, Kaiowá, explica a escolha das fotos,
apresentando-as da seguinte forma:
Olhar de formiga. Eu faço assim. Sabe por que eu quero tirar fotos assim, com olhar de formiga? Porque quero ser uma pequena pessoa para dar um passeio pela terra inteira. Também gosto de tirar umas fotos de modelo, porque gosto de ver as meninas na moda.Gosto de tirar fotos das meninas mais lindas do palco, por isso tirei fotos de modelo e das minhas amigas, da minha irmã e da revista, porque tinha uma foto de moda. Também por isso tirei dos bêbados, pois é importante para mim. Lá na aldeia os homens não param de tomar pinga. Das moradias, tirei fotos porque quero escrever um texto para o jornal da AJI e mostrar que algumas pessoas ganharam casa e outras não ganharam casa. Tirei fotos minhas, mesmo, porque também queria sair nas fotos (GONÇALVES apud ALCÂNTARA, 2007b, p. 20, grifo nosso).
Seguem as fotos tiradas por Ernesto Raulio Gonçalves:
Indígena consumindo bebida alcoólica e fotografado por jovem da aldeia (ALCÂNTARA, 2007b, p. 30)
77
Durante o dia, jovem indígena flagra dois homens alcoolizados (ALCÂNTARA, 2007b, p.46-47)
Se por um lado alguns indígenas acham importante mostrar a realidade da aldeia,
e gostam de fotografá- la, como Ernesto Gonçalves afirma ser importante pra ele, outros,
talvez pela visão negativa que a cidade tem da aldeia, já não gostam tanto.
Cleberson Ferreira, 16 anos, Kaiowá, postou no blog da AJI: “Na minha opinião
achei o livro mais ou menos, eu não gostei muito da figura dos dois índios bêbados
brigando e uma garrafa de bebida alcoólica no meio deles. Já sabem que na aldeia existem
muitos índios alcoólatras. Na minha opinião é isso. As outras fotos eu adorei, gostei muito
desse livro”.
78
É certo que a presença de álcool e drogas na RD é favorecida pela curta distância
que separa as aldeias da cidade (cerca de oito quilômetros), porém existem processos que
facilitam a entrada desses produtos na reserva. Em entrevistas realizadas por uma das
jovens da AJI, relatada por ALCÂNTARA (2007a, p. 88), as drogas (geralmente maconha
misturada com pasta de cocaína) vêm da cidade ou são deixadas na fronteira da Reserva. A
partir daí, os jovens indígenas tornam-se ‘mulas’, responsáveis pelo repasse. A fiscalização
por falta de policiamento é outro problema apontado para a RD. “A venda e consumo de
álcool e drogas estão presentes na Aldeia Bororó (MS), como foi relatado em 2004. Não há
posto policial no local e a PM alega falta de estrutura para implantação” (CONSELHO,
2005, p. 147).
Diante desse problema foi implantado no Mato Grosso do Sul em 2004, a
Operação Sucuri, que de acordo com o relatório “visava combater a entrada de álcool,
drogas e armas nas comunidades” (2005, p. 180). Jovens indígenas que decidimos manter
em sigilo por questões de segurança pessoal, nos disseram em entrevista que a Operação
Sucuri poderia até ser positiva, mas é muito falha. A começar que são quatro seguranças
para 12 mil índios, o que equivaleria a três mil homens pra cada segurança tomar conta.
Além disso, os jovens destacam que as “pingas” recolhidas na aldeia ficam lá na Funai,
expostas, porém, cerveja e vinho, que também são recolhidos, desapareçam. Os jovens
revelaram que com o tempo, os seguranças tornaram-se amigos de alguns indígenas e
organizam festas nos finais de semana, sendo que ficam encarregados de levar cerveja e
vinho. Os jovens acreditam que as bebidas recolhidas, de uma forma ou outra voltam para a
RD.
Além de relacionar-se com os casos de suicídio, o consumo de álcool e
entorpecentes tem sido impulso para o aumento da violência doméstica nas aldeias,
atingindo principalmente mulheres e crianças. Faz-se necessário, portanto, maior controle e
fiscalização com relação à banalização e consumo desses produtos na RD.
6.4. Mortes por desnutrição
A inserção da temática da desnutrição em “Conflitos internos” se dá pois este é
um problema que acomete a RD assim como os suicídios e as disputas étnicas e por
79
liderança. Porém, vale salientar, que muito desse problema é ocasionado por fatores
externos, que serão retratados durante o tópico e também abordados em “Conflitos
externos”, no que diz respeito ao abandono do governo e da sociedade para com os
indígenas.
Se a violência, os suicídios, drogas e alcoolismo afetam principalmente jove ns e
adultos na Reserva de Dourados (embora indiretamente atinja a toda a sociedade), a
desnutrição é a grande vilã das crianças. Além de ser um dos fatos que garante maior
repercussão na mídia, as mortes por desnutrição revelam que os problemas das aldeia s não
são referentes apenas à suposta perda da tradição indígena (como no caso dos suicídios e
uso de drogas) mas também aos problemas estruturais que assolam a Jaguapiru e Bororó.
No Mato Grosso do Sul, a falta de alimentação é um fator bastante presente, tanto que as crianças alimentam-se até de melancia verde. Em 2003, o índice de desnutrição infantil chegou a 17% entre as crianças de até dois anos, mesmo com a administração da multimistura, segundo a coordenadora do Programa de Vigilância Nutricional para Comunidades Indígenas, em declarações dadas à imprensa local (CONSELHO, 2005, p. 173).
Como aparece nos outros índices, os maiores casos de desnutrição infantil também
se dão na Bororó, atingindo principalmente os Kaiowá.
Os dados do Conselho Indígena Missionário de 2003-2005 são alarmantes. No ano
de 2003 foram registradas 93 mortes por desnutrição de crianças indígenas com menos de
cinco anos de idade, entre os guarani-kaiowá no município de Dourados. Neste mesmo
período, 2085 crianças apresentavam o quadro de desnutrição. Em 2004, 62 morreram por
desnutrição no Mato Grosso do Sul. Com relação àquelas que somente apresentavam o
quadro de desnutrição (portanto não entram nos dados de mortes por desnutrição), porém,
neste ano o CIMI só registrou os dados de Minas Gerais, Mato Grosso e Alagoas. Em 2005
foram detectados 31 casos de morte por desnutrição no Mato Grosso do Sul e mais de 659
vítimas de desnutrição (até julho) e mais comunidades de 24 municípios (CONSELHO,
2005, p. 168-175).
80
TABELA 4
Dados sobre a desnutrição do Mato Grosso do Sul
Ano Mortes por desnutrição / MS Apresentam o quadro de desnutrição / MS
2003 93 2085
2004 62 Sem registro20
200521 31 659 mais comunidades de 24 municípios
Fonte: (CONSELHO, 2005, p. 168-175)
De acordo com o Jornal Pimeira Hora, de 23/02/2005 (apud CONSELHO, 2005, p.
175) “segundo o coordenador Regional da Funasa, Gaspar Hickman, pelo menos 250
crianças sofrem de desnutrição. As aldeias estão numa reserva de 3 mil hectare onde vivem
confinados 11 mil índios, sem espaço para plantar para sua subsistência, gerando assim a
fome entre os indígenas”.
O estado de mendicância em que vivem principalmente os Kaiowá, da aldeia
Bororó, está relacionado à falta de terra para as plantações, falta de equipamentos para o
plantio e colheita, falta de água potável e abundante tanto para consumo quanto para a
agricultura, desemprego, entre tantos outros problemas.
Em 2004 e 2005 esta situação de mendicância também foi relatada entre os Guarani do Mato Grosso do Sul, principa lmente quanto a crianças que passam as noites perambulando pelas ruas de Dourados pedindo esmolas e, por vezes, cometendo pequenos delitos. Elas ficam abandonadas em situação de extrema miséria, sem nenhuma higiene ou cuidado com a saúde. No primeiro semestre do 2005, o Conselho Tutelar recolheu 12 crianças indígenas entre 8 e 16 anos. [...] A potabilidade da água é outro problema. No Mato Grosso do Sul, exames laboratoriais constataram índices elevados de coliformes fecais acima do suportável, gerando, além de doenças várias, condições para a desnutrição (CONSELHO, 2005, p. 146-147).
20 Neste ano o CIMI só registrou os dados de Minas Gerais, Mato Grosso e Alagoas 21 Os dados levantados correspondem até o mês de julho de 2005.
81
Diante desta situação, os indígenas colocam-se numa posição de quase total
dependência dos órgãos responsáveis por eles (como Funai e Funasa) e do governo em
todas as suas instâncias: municipal, estadual e federal.
Confirma essa dependência o fato de necessitarem de cestas básicas oferecidas pelo
governo estadual para sobreviverem. No começo de 2007, devido à mudança do governo e
suspensão temporária das cestas, inúmeros casos de mortalidade por desnutrição voltaram a
ser registrados. Situação retratada num texto produzido pela Central de Movimentos Sociais
do Mato Grosso do Sul, de 07 de fevereiro de 2007:
Uma frente de sindicatos e entidades de defesa dos direitos humanos, reunidas na Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) regional Oeste 1, denunciam a grave situação por que passam os povos indígenas no Mato Grosso do Sul depois da decisão do governador André Puccineli de suspender a distribuição de 11 mil cestas básicas através do programa de Segurança Alimentar. [...] O corte de cestas básicas atingiu mais de 8 mil famílias Kaiowá Guarani provocando desespero e revolta em dezenas de comunidades do estado, já que nos últimos anos este povo tem enfrentado gravíssimo quadro de mortandade infantil por desnutrição – segundo dados do CIMI, somente em 2005, 31 crianças morreram por desnutrição no MS (CENTRAL, 2007, p. 1).
Além da falta de comida e de água, o relatório aponta outros fatores que agravam
diretamente a qualidade da alimentação das crianças. “Outro caso aflitivo para os Guarani
do Mato Grosso do Sul, especialmente da Aldeia Bororo, é a proximidade do lixão de
Dourados, onde adultos e crianças indígenas vão à procura de alimentos” (CONSELHO,
2005, p. 146).
Em visita à capital do MS, Campo Grande, em 31 de julho de 2007, o presidente
Luis Inácio Lula da Silva (apud CORRÊA, jul/2007, p.1) afirmou “que as crianças
indígenas das etnias Guaranis e caiuás ‘pararam de morrer’ de desnutrição porque ele
montou um ‘pelotão de choque com ministérios’ para ações nas aldeias. Ainda de acordo
com o jornalista, Lula cobrou que a imprensa "dê [essa] notícia", fazendo referência ao fato
de que a mídia em 2004 fez sérias denúncias com relação às mortes por desnutrição e que o
governo desde então está atuando, porém, ninguém noticia.
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Um dia após a visita do presidente, o mesmo jornalista, da Agência Folha em
Campo Grande, Hudson Corrêa, noticiou a morte de Francieli Souza, dois anos. Segundo
ele, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) informou que as principais causas da morte
foram pneumonia e insuficiência renal. “Segundo o órgão do governo federal, responsável
pelo atendimento médico à população indígena, a desnutrição também aparece no atestado
de óbito, mas como causa secundária” (CORRÊA, ago/2007, p. 1).
A disputa por audiência entre governo e imprensa não consegue, entretanto,
encobrir a problemática. Embora os números tenham reduzido, e qualquer melhora seja
positiva, os índices de morte por desnutrição ainda são altos.
Segundo a Funasa (apud CORRÊA, ago/2007, p. 1) “o índice de mortalidade
infantil nas aldeias de Dourados caiu de 71 por mil nascidos vivos, em novembro de 2004,
para 24 por mil nascidos vivos em 2006 --queda de 66%, 16 pontos percentuais menor do
que a divulgada por Lula. Nas demais aldeias Guaranis e caiuás, no sul do Estado, o índice
chega a 66,7 por mil nascidos vivos”.
7. Conflitos externos
7.1. Discriminação, abandono e marginalização
Se pararmos para analisar o histórico que representa a chegada dos portugueses no
Brasil, para assim entender a dizimação pela qual passaram os povos indígenas e os rumos
que tomaram desde então, nos depararemos com números que registram segundo
LACERDA (2003, p.2) na chegada dos portugueses “em torno de 3 milhões de índios e
hoje não passam de 300 mil”. Esse problema se agrava, se considerarmos, ainda segundo o
autor, que os indígenas sobreviventes têm à sua disposição “menos de 6% do território
brasileiro, somando-se os problemas de demarcação de terras, invasões e desmatamentos
pelos fazendeiros, em suas áreas”. Lacerda (2003, p.2) destaca que “hoje a porção de terras
que possuem para trabalhar e viver é de menos de 0,4 hectares por pessoa, quando o que
hoje chamamos de Brasil era tudo das populações nativas que aqui viviam”.
Diante dessa nova realidade, os indígenas não mais conseguem sobreviver da
maneira como tradicionalmente o faziam, quando tinham à disposição fauna e flora
preservadas, terra e água em abundância. Aqui talvez esteja o maior motivo de críticas que
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recebem dos não- índios: de que estão perdendo sua tradição, não valorizam sua cultura e
querem ser como eles.
Em carta escrita pela Guarani-Ñandeva Graciela P. Santos (apud ALCÂNTARA,
2007, p. 45), 15 anos, lemos:
Algumas pessoas até dizem que nós deveríamos viver como antigamente, mas como, se acabaram com as matas e os rios estão poluídos? Ouço dizer que estamos tentando ser iguais aos brancos, mas não é exatamente isso que acontece. O fato é que, se não podemos mais viver como antigamente, de um jeito ou de outro temos de nos adequar à realidade. Não é por causa disso que deixaremos de ser índios – mesmo porque é impossível, pois a nossa cultura está no sangue. O que queremos, na verdade, é compreender os brancos e suas atitudes, bem como aprender a respeitá-los e a entender nossos direitos.
Rótulos por parte da imprensa e da sociedade de que os indígenas são preguiçosos
(não caçam, não pescam, não plantam), alcoólatras, violentos, criminosos, sem levar em
conta a realidade do ambiente em que estão vivendo, são o principal motivo da
discriminação sofrida por eles. Grande parte dos douradenses, população não- índia que está
mais próxima da Reserva, à primeira vista não conhece a aldeia, os problemas e limitações
a que estes estão vulneráveis. Acreditando no fim da rejeição que sofrem, Graciela não
pensa em apenas compreender os brancos, mas também, em ser compreendida.
Para obter essa troca de informação entre índios e os brancos, necessitamos da compreensão e da ajuda de pessoas capazes de quebrar a barreira do egoísmo, da discriminação e do egocentrismo para ver se, juntos, construímos um espaço em que nós índios não sejamos tão massacrados pela sociedade banalizadora do conceito indianista e para mostrar que temos o direito de opinar e que merecemos respeito (apud ALCÂNTARA, 2007, p. 45-46).
Já quanto ao abandono a que estão submetidos, ainda apoiados na carta de Graciela,
os indígenas buscam culpados e soluções. E aqui podemos nos remeter novamente à
questão das mortes por desnutrição, que conforme esclarecemos no tópico anterior insere-se
em conflitos internos, porém, é ocasionada também por fatores externos. Além da
população não- índia com quem se relacionam de maneira direta, vêem no governo motivo
do descaso.
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Atualmente em minha aldeia, nossa realidade não é boa. Aos poucos está sendo largada ao abandono. Por outro lado, essa falta de estrutura e abandono se dá pela falta, pelo menos um pouco, de iniciativa por parte do governo. Sempre ouço dizer que o governo quer um país igualitário, em que todos têm direitos iguais, mas me pergunto: onde está tudo isso, se para meu povo o que resta é a indignação, o desrespeito, a desigualdade e a discriminação? (apud ALCÂNTARA, 2007, p. 45, grifo nosso).
Atuando como minorias, a exemplo do que acontece nos centros periféricos das
grandes cidades, os indígenas se empenham em movimentos sociais, às vezes pouco, às
vezes muito organizados, buscando a partir da união com os que dividem os mesmos
problemas sociais, conseguir mais voz e benefícios às suas comunidades.
Apropriando-nos mais uma vez do Relatório “A violência contra os povos indígenas
no Brasil” temos o registro de um manifesto que os indígenas participaram. Assim diz: “Em
2004, moradores das aldeias Caarapó, Juti, Douradina, Bororó e Jaguapiru, também do
Mato Grosso Sul, ocuparam a sede da Funai em Dourados para reivindicar condições de
sobrevivência nas aldeias, por conta da escassez de recursos e de equipamentos para o
cultivo de lavoura” (CONSELHO, 2005 p. 184).
O abandono se dá desde o nível básico, que caracterizamos como assistencialista,
visto que as ajudas governamentais essenciais para a sobrevivência desses povos – como as
cestas básicas - às vezes atrasam, trazendo mais transtornos à RD. “No ano de 2003 houve
um caso, publicado por jornal do Mato Grosso do Sul, que aponta atraso na entrega das
sementes destinadas ao cultivo pelo povo Terena, nas aldeias de Miranda e Aquidauana. Os
indígenas também cobraram R$ 1,6 milhão em recursos que não foram repassados pelo
Fundo de Investimento Social (FIS)” (CONSELHO, 2005 p. 184).
A exemplo também do que acontece nas periferias, os indígenas sofrem processos
diversificados de exclusão e discriminação: nas escolas, festas, no centro urbano de
Dourados, na busca por emprego , no simples fato de caminhar pelas ruas. Os traços
característicos da ascendência indígena já lhes garante, por si só, os rótulos de sujos,
vagabundos, preguiçosos, bandidos, arredios, selvagens. Juridicamente falando, “no
período de janeiro de 2003 a agosto de 2005, foram localizadas 62 ocorrências de
discriminação contra indígenas no Brasil, das quais 60% referem-se a casos de racismo. Do
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total de ocorrências, 30,76% foram comunicadas ao Ministério Público Federal, mas apenas
10,76% delas foram objeto de medida judicial” (CONSELHO, 2005, p. 115).
Muitas vezes acostumados com essa situação discriminatória e enfraquecidos pela
baixa auto-estima e pela sensação de abandono com relação ao país, os indígenas não se
garantem o direito de reivindicar um tratamento mais adequado, ou ainda, sentem-se
acuados diante dessa realidade.
Em locais em que o contato com indígenas é mais próximo, a discriminação
certamente aumenta. É comum ouvir, em Dourados, pessoas recriminando as ações em
favor dos indígenas, ou diminuindo as capacidades e qualidades destes povos. Ao contar,
por exemplo, a uma recém-formada em Direito22, que mora em Dourados, que naquela
semana eu visitaria a aldeia pela primeira vez, ela disse: “Espero que você consiga sair de
lá viva”. A frase foi proferida fazendo referência a três policiais e estudantes de Direito que
entraram uma noite na RD, sem identificação e a paisana, e foram assassinados23. Mesmo
entendendo que a advogada compartilhava de uma imensa revolta com o caso, por ser
amiga de uma das vítimas, registra-se a conclusão de sua fala: “se todos esses índios
morressem não me faria falta nenhuma, pelo contrário”.
Além dos xingamentos e comentários, porém, foram apresentadas no Relatório
situações mais complexas de discriminação. No ano de 2003, a CIMI aponta um caso
divulgado no jornal Diário do Pantanal, em que há uma denúncia devido ao fato de que os
indígenas que trabalham nas usinas de álcool do estado estariam recebendo um pagamento
menor em relação aos não- índios. “Os indígenas estão sendo explorados devido à situação
de miséria em que se encontram” (CONSELHO, 2005, p.116).
No ano de 2004, uma outra denúncia foi apurada na cidade de Dourados. Divulgado
no Jornal O Estado, no dia 14/08/04, “alguns comerciantes de Dourados estariam
explorando os indígenas, vendendo para eles os produtos com um preço elevado. Policiais
Civis e Militares estão investigando o caso, como parte da Operação Sucuri” (CONSELHO,
2005, p.118).
22 Optei por não divulgar o nome da entrevistada, para não colocar em risco sua segurança. 23 Como este fato chocou a cidade e foi apresentado totalmente contrário aos indígenas, que não tiveram espaço adequado para se pronunciar, trataremos do episódio no capítulo III, ao falarmos sobre os documentários produzidos pelos indígenas, já que, buscando espaço para se explicarem quanto às denúncias, eles produziram um documentário em que demonstram sua versão do ocorrido.
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Em 2005, segundo o Relatório não houve registro formal de racismo e
discriminação contra indígenas do Mato Grosso do Sul, mas destaca-se o discurso de um
político que vitimiza todos os índios do Brasil.
Em almoço com empresários paraenses, o Presidente da Câmara Federal dos Deputados, Severino Cavalcante afirmou que “as terras devem ser dadas para quem trabalha e não para os índios, que não pensam em trabalhar porque não aprenderam a trabalhar”. Tal afirmação demonstra a total ignorância de um líder de uma da Casas do poder Legislativo Federal em relação a Constituição Federal, e o prescrito no art. 231 da mesma. A afirmação ainda carrega o preconceito histórico de inverter o papel da posse territorial e a importância da participação do índio na formação da sociedade brasileira, colocando maliciosamente os povos indígenas como privilegiados e preguiçosos (CONSELHO, 2005, p.121).
Coletar casos, frases e julgamentos como estes, explicita-se, não é um achado de
nossa pesquisa. Em qualquer roda de conversa de Dourados ou de cidades que mantêm
contato direto com indígenas é possível extrair comentários desse tipo: com forte teor
discriminatório, etnocêntrico e generalista.
7.2. Representação dos indígenas na grande mídia
Além dos problemas pessoais que resultam da interação da população de uma
cidade relativamente pequena, com quase 200 mil habitantes, existe a preponderância de
temáticas negativas com relação aos indígenas na mídia local e regional.
Dificilmente vê-se no jornal fatos que enalteçam ou valorizem a cultura indígena.
Os fatos mais explorados são de delitos cometidos pelos indígenas, violência nas aldeias,
suicídios, mortes por desnutrição, e assim por diante. “A discriminação racial é estimulada
por políticos e pelos meios de comunicação que publicam informações distorcidas,
preconceituosas e fantasiosas, com o intuito de confundir os cidadãos sobre os direitos
indígenas e passam uma imagem dos índios como privilegiados, preguiçosos e selvagens ”,
destaca o Relatório do Conselho Indígena Missionário (2005, p.115).
Essa retratação pela grande mídia também não é especificidade de Dourados. O
mesmo relatório traz como exemplo um artigo publicado pelo Jornal Meio Norte (Piauí),
em que um membro da Academia Piauiense de Letras, Heitor Castelo Branco Filho, produz
um artigo intitulado “Índios – você quer ser um deles?”. “No artigo ele alega que ‘índio
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pode tudo’, e que os caciques ‘de quando em vez, pra variar, estupram uma cristã’. Afirma
ainda que os índios ‘são ladrões natos, contraba ndistas, criminosos e perversos’”
(CONSELHO, 2005, p.115).
Em 2003, Rita de Cássia Aparecida Limberti desenvolveu sua tese de doutorado 24
em Letras pela USP, analisando justamente os discursos e representações dos índios, a
partir de análises semióticas do jornal “O Progresso”, de Dourados, num período que
corresponde de 1950 a 2000; comparando-o com a Carta de Pero Vaz de Caminha.
Conforme consta no resumo da autora, “a análise identifica os procedimentos discursivos
pelos quais a imagem do índio é produzida e reproduzida, enfatizando as questões
enunciativas”. Ao comparar o jornal com a carta de Caminha, ela afirma que na carta “o
índio é mostrado como um ser inferior e incapaz. O jornal faz o mesmo, evidenciando um
processo de reprodução contínua e perene” (LIMBERTI, 2003).
A representação dos indígenas distorcida pelas instituições midiáticas, não é
particularidade de Dourados.
A jornalista apache Mary Kim Titla, responsável pelo desenvolvimento de uma
revista eletrônica voltada a jovens indígenas nos Estados Unidos, foi questionada em
entrevista ao Terra Magazine, publicada no Observatório do direito à comunicação25 sobre
a relação entre movimentos indígenas e a mídia. Diante disso ela destaca:
As tribos norte-americanas são muito críticas com relação à forma como a grande mídia cobre suas comunidades. Eles crêem que as reportagens não os retratam de maneira favorável. Eles também acham que a mídia é mais rápida para cobrir assuntos controversos ou negativos do que para fazer reportagens positivas, porque "é isso que vende". Eu desafiei indígenas a serem pró-ativos e tomarem a iniciativa de construir uma relação com a grande imprensa. Eles podem iniciar o diálogo e fazer sugestões sobre assuntos que eles gostariam de ver publicados.
Uma pesquisa desenvolvida no Rio Grande do Sul, analisando a representação dos
kaingángs na RBS TV, oferece a partir da perspectiva da imagem e tempo de fala, uma
noção do tratamento dado aos indígenas na região.
24 LIMBERT, Rita de Cássia Aparecida. A imagem do índio: discursos e representações. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2003. 25http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/content.php?option=com_content&task=view&id=363&Itemid=368
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Com relação ao tempo de fala, os dados resultantes da pesquisa (KLEIN, 2006,
p.10) dizem que na totalidade das reportagens analisadas “se destaca o protagonismo da
instituição midiática, que ocupa 79,5% do tempo, seguida pelos indígenas que falam 14,1%
do tempo e das outras instituições, cujas vozes ocupam 6,4%”.
A leitura dos dados, feita pelo autor, traduz uma situação de representação
desfavorável dos indígenas, quanto ao tratamento e temáticas abordadas.
No conjunto das reportagens, os indígenas têm poucas possibilidades de fala, porém, quando a reportagem é do tipo agonal o percentual de fala dos indígenas é, paradoxalmente, ainda menor e em contrapartida o percentual de fala da instituição midiática é a maior de todas. Quando os indígenas são mostrados como protagonistas, os seus argumentos são semantizados pela instituição midiática que lhes atribui um sentido negativo, ou seja, de perturbadores da ordem social (KLEIN, 2006, p.10).
Quanto ao tempo de veiculação das imagens. Há uma inversão nos números. Com
relação à TV, os indígenas passam a ser mais mostrados, porém continuam sendo menos
ouvidos.
Os indígenas aparecem mais nas imagens do que a própria instituição midiática através de seus agentes. A imagem dos indígenas é veiculada em 48,5% do tempo das reportagens, os agentes midiáticos aparecem em segundo lugar com 43,3% e os outros agentes possuem 8,2% do tempo de imagem. Porém, é a instituição midiática que fala, a maior parte do tempo, enquanto os indígenas aparecem (KLEIN, 2006, p.10).
Micheli Albina Bortolanza (2007), graduanda em Comunicação Social pelo Centro
Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN), analisou em sua monografia de conclusão
de curso a representação da mídia impressa douradense a partir da análise do discurso. Para
embasamento de seu trabalho, também foram realizadas entrevistas com responsáveis pelos
dois jornais diários da cidade, com a editora do O Progresso, Maria Lúcia Tolouel, e o
chefe de redação do Diário MS, Hélio Ramires de Freitas.
Segundo a autora (BORTOLANZA, 2007, p. 42-43), para O Progresso, a
mulher indígena é notícia quando:
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... existe um fato trágico, porque fatos positivos são raros. Então, ela é notícia quando ela perdeu um filho, ela é notícia quando ela suicidou-se, ela é notícia quando for morta por alguém ou espancada ou assaltada na estrada, tanto ela quanto ele.
Para o Diário MS, a mulher é notícia:
... só em caso de violência, estupro, assassinato, suicídios. A forma como os índios convivem nos remete muito a isso, não tem uma mulher líder indígena. Não tem nenhuma mulher na liderança das aldeias, elas não assumem, não estão nesses postos. Então o trabalho acaba sendo voltado para os homens (BORTOLANZA, 2007, p. 43).
Ainda na entrevista realizada com Hélio Freitas, tem-se um reconhecimento da
mudança dos critérios jornalísticos relacionados aos indígenas em Dourados. “O critério de
notícia sobre índio mudou no jornal devido a valorização que a mídia nacional e as
organizações internacionais dão aos assuntos indígenas” (BORTOLANZA, 2007, p. 43).
Conforme ressalta o entrevistado na monografia,
Eu acho que isso nos despertou, se a gente está aqui perto, alguma coisa está errado, porque que eles valorizam e a gente não, porque eles vêem importância de noticiar isso e a gente não, não com a mesma intensidade. Então alguma coisa está errado. Eu acho que nós que estamos errados, nós temos que divulgar, porque se a gente acha que não tem importância como deveria ter é porque a gente não divulga como deveria... (BORTOLANZA, 2007, p. 43)
Foi certamente a visibilidade nacional e internacional que possibilitou a inclusão de
temáticas relacionadas aos indígenas nos jornais, mesmo que, ainda, essas temáticas sejam
na maioria das vezes negativas, desfavoráveis a eles.
Já nas considerações finais, após analisar as edições de um a 31 de dezembro de
2006, Micheli Bortolanza afirma: “Diante disso, notamos que os jornais em questão
priorizam uma abordagem sensacionalista dessa personagem [mulher indígena],
privilegiando aspectos factuais que chamam atenção em razão de seu conteúdo imediatista
trágico e/ou depreciativo, algo que foi confirmado pelo próprio editor e chefe de
reportagem quando entrevistados”. Quanto à análise do discur so, a autora destaca:
90
Por essa razão, os jornais estudados ou silenciam quanto a essa mulher, expondo o quanto ela não tem prioridade nos critérios de noticiabilidade seguidos pelas empresas, ou, quando a abordam, o fazem de maneira tão depreciativa que acabam se tornando um ingrediente poderoso na construção de uma imagem negativa dessa mulher, contribuindo para sua posição marginalizada (BORTOLANZA, 2007, p. 57-58).
Embora o estudo da autora esteja pautado na temática feminina, que sofre com o
preconceito de ser mulher, pobre e indígena, a partir dos outros materiais colhidos
entendemos que o tratamento depreciativo e descompromissado socialmente com os
indígenas não escolhe o sexo, mas se dá de maneira geral.
Diante dessa situação, conscientes do pouco espaço reservado aos indígenas na
grande mídia e também da importância da comunicação mediada nos dias de hoje,
Jaqueline, Kaiowá, escreveu no blog da AJI26, justificando a iniciativa da comunicação
alternativa produzida pelos jovens indígenas:
Hoje em dia vivemos rodeados pelo mundo da mídia. Como hoje o capitalismo está em alta é o mundo dos ricos que está em alta. Hoje na intenet, jornais , tv e rádio as principais notícias são dos famosos e dos ricos, mas nós da AJI também publicamos nossas notícias através do jornal AJIndo, blog, fotolog e clipping.Publicamos notícias da aldeia ou a grande parte do que acontece na aldeia. Isso é um compromisso que temos com a comunidade, é um meio de nós anunciarmos o nosso povo. Um dos pontos negativos é que não temos o mesmo privilégio dos ricos e dos famosos, mas não deixamos isso nos vencer, afinal não há ninguém melhor que nós para falar da nossa comunidade.
Entender, porém essa dinâmica alternativa de comunicação, exige que nos
debrucemos sobre as formas tradic ionais de comunicação, que fazem parte do dia-a-dia dos
Terena e Guarani (Kaiowá / Ñandeva) das aldeias do Jaguapiru e Bororó. Para isso nos
apoiaremos basicamente em entrevistas, garantindo que a especificidade da comunicação
de suas comunidades seja retratada segundo suas visões de mundo.
26 Texto postado no dia 12 de junho de 2007, pela Kaiowá identificada como Jaqueline, sob o título “A mídia e suas diferenças”.
91
8. A comunicação nas aldeias e o papel dos jovens indígenas na velha e nova ordem
Entender a comunicação nas aldeias do Jaguapiru e Bororó foge um pouco dos
padrões clássicos de pesquisa quanto a organização social e comunicativa dos indígenas,
justamente pela descaracterização tradicional das tribos ali residentes, que se dá
basicamente pela proximidade da cidade.
Tentamos, portanto, nos pautar em relatos de indígenas que nos retratam a realidade
dessas comunidades, quando o que encontramos em bibliografias não nos parece suficiente.
De modo geral, os indígenas retratam que não existe uma forma de comunicação
fixada nas aldeias. Reuniões, assembléias e encontros com periodicidades definidas ou uma
ordem comunicativa já definida.
Sabe-se, porém, que a forma de comunicar dos indígenas sempre esteve pautada na
tradição oral, portanto através da interação face-a- face. Além disso, tem-se que os saberes,
cultura, tradições e crenças religiosas sempre foram detidos pelos mais velhos, sempre
valorizados pela experiência de vida e pela sabedoria que esta lhes possibilitou. Dessa
forma, os saberes são transmitidos dos mais velhos aos mais jovens.
Nas entrevistas com os jovens indígenas, porém, uma situação advinda da
atualidade foi citada. Antigamente, os jovens casavam-se com 13, 14 anos e a partir daí
podiam participar das discussões colocadas em pauta. Atualmente, com as dificuldades de
sobrevivência nas aldeias e com a necessidade de os jovens estudarem ou trabalhar, criou-
se uma categoria não-existente na tradição: a de jovens solteiros. Essa nova categoria, que
não é mais formada por crianças de até 14 anos, nem de adultos, porque eles não se
casaram, e ainda, é formada por jovens que no contato com a cidade concluíram seus
estudos, muitos deles inclusive com nível universitário, reside uma estrutura complexa,
resultante da modernidade.
A essa nova estrutura Alcântara (2007a, p. 101-102) chama de passagem, estar “no
entre”, e para explicar a expressão, elenca os in between:
1. Velha/Nova estrutura social: passagem do contexto da família extensa para a família
nuclear, ou seja, passagem do conceito de pessoa para o indivíduo. Os nomes em
guarani são cada vez menos freqüentes, apontando para uma diminuição do ritual de
batismo.
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2. Velha/Nova classificação social:criação de um novo termo que reivindica um novo
lugar dentro da estrutura social guarani – os jovens. Lugar daqueles que deveriam se
casar e não se casaram e que permanecem num não- lugar dentro da aldeia, para os mais
velhos.
3. Velhos/Novos saberes: novos lugares de saberes estão sendo criados: agentes de saúde;
professoras e estudantes universitários que passam a ter um lugar de prestígio dentro da
Reserva de Dourados, questionando os antigos saberes.
4. Velhos/Novos papéis sociais: mudança do papel feminino. Elas passam a adquirir maior
prestígio dentro da RD e atuam em profissões remuneradas, como professoras e agentes
de saúde. Consequentemente surge uma liderança feminina com um novo papel social,
que passa a vivenciar muito mais os problemas da Reserva de Dourados do que os
homens. Nesse momento o poder masculino passa a ser questionado.
Os jovens solteiros geralmente dominam o português oral e desenvolveram o ato da
escrita e leitura dos não-índios. Além disso, têm uma visão de mundo, política, econômica e
social, ampliada e diferenciada da indígena, devido ao maior grau de instrução oferecido
pelas instituições de ensino tradicionais das redes de educação formal dos estados e
municípios. Sentem-se capazes de se posicionar e inclusive transmitir o conhecimento que
vêm adquirindo fora da RD, mas não têm esse lugar de pertencimento dentro da
organização indígena tradicional. Eles criticam a falta de comunicação interna e vêem nela,
uma possibilidade de organização e mobilização social. “Essa ruptura de pertencimento
parece ser de importância ímpar para esses jovens. Por quê? Com vivências diferentes das
dos pais, passam a colocar em questão os saberes e as experiências dos mais velhos.
Começam a questionar a pobreza em que vivem, a falta de trabalho e o preconceito; tentam
arrumar formas de ter ‘uma vida melhor’” (ALCÂNTARA, 2007a, p. 85).
Dominando, portanto a escrita, leitura, tendo acesso à internet e acreditando na
capacidade que têm de contribuir para a aldeia e no poder da comunicação, esses jovens
criaram a AJI (Ação dos Jovens Indígenas) com o objetivo de se posicionarem de maneira
mais participativa dentro de suas tribos. Questionados sobre as formas de comunicação na
aldeia, antes e depois das iniciativas produzidas pela AJI (jornal, blog, documentários e
fotografias) eles afirmam que não havia uma estrutura comunicativa definida entre os
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indígenas. Um Ñandeva 27 relata: “Você sabe que a aldeia está muito descaracterizada e
confinada. [Antes do jornal] não tinha uma comunicação, era muito limitada. Você não
sentava pra discutir. Eu vejo pelos meus pais, eles não sentavam pra discutir problemas de
aldeia, nem passar informação... é bem... não tinha!”.
O Kaiowá28 também afirmou que não existe comunicação na aldeia e não têm
reuniões, assembléias. Em cada área tem um cacique (são 46 no total e um capitão,
responsável por fazer a comunicação entre índios e não-índios), mas eles não passam as
informações. Então o modo de comunicação é geralmente a interação face-a-face, em que
um amigo informa o outro o que está acontecendo.
O Terena 29 também destaca que não existem assembléias marcadas, porém quando
uma informação precisa ser transmitida, se espalha rapidamente, entre os indígenas pela
fala. A reclamação dele, no entanto, ao questionar a comunicação na aldeia, se dá não
apenas no nível informativo, de como as pessoas sabem das coisas, como se mobilizam,
como se organizam socialmente. Ele vê na falta de comunicação do dia-a-dia, interpessoal,
um dos grandes problemas da aldeia, com relação à baixa auto-estima da população.
Recorda que antes as famílias eram extensas, o que dificultava os suicídios pelo fato de não
permanecerem tão solitários ou isolados de pessoas que se unem pelo afeto familiar. Havia
o contato dos parentes, amigos. Com a existência de famílias nucleares, existe uma
facilitação para esse tipo de crime, já que se o marido e filhos saem para procurar emprego,
por exemplo, a mulher fica em casa, sozinha, angustiando-se pela miséria em que vivem,
pela fome que passam, ou pelo preconceito de que vitimam os indígenas . Além disso,
reclama que as pessoas, principalmente da Bororó não se cumprimentam, não dão um boa
tarde, ou um abraço. “Um abraço muda uma pessoa. Você pode estar em péssima condição,
mas um abraço muda”.
A existência de reuniões que eles reconhecem, porém, existir, se dá pela ação de
agentes externos, promovidas pelos conselhos de saúde, Funai, Funasa. O guarani-ñandeva
destaca, conquanto que, “o povo já está meio desacreditado então o povo já não vai”.
Internamente, o indígena afirma que “existem reuniões dos jovens agora, antes não tinha”.
27 Em entrevista concedida à autora no dia 09 de agosto de 2007 28 Em entrevista concedida à autora no dia 09 de agosto de 2007 29 Em entrevista concedida á autora no dia 09 de agosto de 2007.
94
As que o capitão tenta promover, cita o indígena como exemplo, reúne cerca de 30 pessoas,
por causa de aceitação do capitão e outros problemas da RD.
De acordo com dados colhidos com os entrevistados, relatos em que preferimos
omitir os nomes dos respondentes, por motivos de segurança deles, uma liderança de dentro
da aldeia tem um carro-de-som que passa avisando quando tem alguma reunião importante.
Às vezes, para reunir os ind ígenas em causas de seu interesse, ele anuncia que é pra discutir
sobre as cestas básicas. Certamente chama a atenção de todos, afirmam os jovens. Quando
questionados se esse carro-de-som pode ser usado pela AJI ou pelos indígenas que
precisarem, eles afirmam que não: “principalmente se o pedido vier da AJI, entidade a qual
ele se demonstra contrário”. Segundo os jovens, o fato de ser contra se dá, pois estes vêm se
tornando lideranças, e a tendência natural, que seria a dos filhos dos caciques e capitão
tornarem-se os sucessores está em risco. “Tudo interesse político”, afirmam. Afinal, “a
política é a forma que eles têm de se manter”.
No meio desta relação complexa entre o posicionamento das lideranças tradicionais
e o surgimento de novos atores importantes dentro da RD, destacamos o próprio conflito
nas palavras de uma kaiowá30:
Agora as coisas estão mudando porque, querendo ou não querendo a AJI tem uma força. Querendo ou não querendo a AJI tem pessoas que falam, que podem, por exemplo, chegar. Pra falar a verdade, as lideranças, as pessoas mais velhas só falam abobrinha, só querem falar de cesta básica, só pedindo. E eles começaram a ver que não é bem isso, né!
Com suas tradições e identidades totalmente fragmentadas, os indígenas de
Dourados incorporam outras formas de comunicação, e dentre estas, a comunicação
alternativa desponta como caminho de transformação.
30 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
95
CAPÍTULO III - Apropriação da comunicação dos brancos pelos Indígenas de Dourados: rádio, fotografia, cinema e internet
Que os meios de comunicação de massa não surgiram como invenção e
necessidade dos povos indígenas, já nos é conhecido, até porque, a organização social, de
proximidade, permitia a comunicação a partir da interação face-a- face, sem a necessidade
de alcançar um público ilimitado e disperso em grandes territórios. A inserção e o contato
com estes meios (televisão, rádio, jornal, internet) porém, tem sido altamente facilitado,
principalmente em reservas indígenas que se localizam a distâncias tão ínfimas dos centros
urbanos.
Este é o caso do Posto Indígena Francisco Horta, onde estão as aldeias do
Jaguapiru e Bororó, mantendo relação constante com a cidade de Dourados, as tecnologias
de comunicação de massa e seus veículos regionais.
Diante de tamanha inserção desses instrumentos de comunicação nas aldeias, e de
ser objetivo de nosso trabalho estudar os produtos de comunicação desenvolvidos pelo
indígenas que se utilizam de formas não-tradicionais de sua comunicação, que nos
detivemos nesse capítulo a estudar essas experiências que envolvem: uma rádio
comunitária; curtas e documentários produzidos pelos indígenas; fotografias, que inclusive
resultaram numa publicação; e, ainda, a criação e manutenção de um blog da Ação dos
Jovens Indígenas. O Jornal AJIndo, que é o objeto principal da análise de conteúdo, será
apresentado e analisado no capítulo IV, a parte.
Exceto a rádio comunitária que, apesar de já extinta, fora desenvolvida no interior
da aldeia Bororó, as outras experiências vêm sendo impulsionadas a partir de oficinas
promovidas pela ONG GAPK (Grupo de Apoio aos Povos Kaiowá), que lhes oferecem
Oficina de cinema, fotografia, redação e informática.
Pretendemos conhecer essas iniciativas para tentar entender como, a partir delas, a
comunicação entre os indígenas foi alterada, não apontando como descaracterizações da
96
cultura indígena, mas como uma transformação cultural influenciada pela proximidade com
a cidade e atuação nessa nova realidade geográfico-cultural.
1. A rádio comunitária da Bororó: experiência extinta
Embora a rádio comunitária da Bororó se configure como uma experiência já
extinta de comunicação entre os indígenas, buscamos apresentá- la por ser esta uma
iniciativa de comunicação popular que se utiliza de formas não-tradicionais da
comunicação indígena para garantir espaço de interlocução para a comunidade.
A rádio FM 107,1 Awaete Mbarete, que de acordo com Silva (2004, p.1) vem do
guarani “Índio nato tem poder”, funcionou de setembro de 2002 a agosto de 2004. Surgiu
como instrumento emergencial para a prevenção de doenças e valorização da cultura
indígena na região e extinguiu-se devido as mesmas burocracias que acometem a
legalização das rádios comunitárias em todo o país.
Retomando a curta duração da rádio, que como iniciativa popular também reflete
a efemeridade das experiências populares de comunicação, na década de 1990, Dourados
foi considerada a área indígena mais problemática do país. Esse fator se deu, segundo Silva
(2004, p. 4-5)
devido ao registro de muitos casos de suicídio de jovens kaiowá, fenômeno cujas origens ainda são estudadas. A tuberculose ainda é um problema de saúde na região, principalmente entre crianças desnutridas, mas o que mais chamou a atenção das autoridades nos últimos tempos foi a incidência de casos de AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis na área.
Diante da existência dessa problemática cuja solução advém da prevenção, entre
outras iniciativas, foi proposto um projeto de comunicação que desse conta do complexo
contexto local.
Numa comunidade onde a religião e instituições como o casamento não são barreiras à liberdade sexual os argumentos morais não servem em campanhas de conscientização contra a disseminação de doenças. A Divisão DST-AIDS do Ministério da Saúde havia solicitado à Faculdade
97
de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de Goiás31 a elaboração de um projeto de rádios para o universo indígena que, em princípio, contemplaria grupos tikuna, ianomâmi e caiapó. [...] Numa reunião em Brasília, no entanto, a equipe da Divisão DST-AIDS informou ao grupo que elaborara a proposta que possuía pouco dinheiro para a ação e queria investi-lo em rádios para a área do PI de Dourados e da reserva terena de Campo Grande 32, devido à forte incidência de DSTs nessas regiões (SILVA, 2004, p. 5).
O grupo, segundo a mesma autora, aceitou o desafio e foi firmado um convênio
entre a UFG, a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e a UNESCO/ Divisão DST-
AIDS – Ministério da Saúde.
Em agosto de 2002, na escola indígena Tengatuí Marangatu, houve um grande
evento para a implantação da rádio comunitária, sendo que, neste mesmo mês, de acordo
com Silva (2005, p.32) “foram mobilizados diversos grupos para as várias atividades de
artes e comunicação que o evento promoveu”. Dentre as oficinas destacamos o curso de
Formação em Comunicação Comunitária, que para Silva (2005, p. 27), uma das monitoras
das atividades, “teve como objetivo capacitar um grupo para operação do equipamento de
rádio e mobilizar a comunidade para o uso da nova ferramenta de comunicação”.
No jornal VOZ do ÍN DIO produzido pela oficina de jornal impresso também
ministrada nesse período, indígenas falaram sobre a Awaete Mbarete.
A rádio Comunitária instalada na reserva indígena de Dourados tem o objetivo de transmitir mensagens sobre as questões indígenas vividas na região, como por exemplo, a situação da saúde, da educação, da cultura e para diminuir problemas como a violência, o alcoolismo, drogas e exploração de crianças.[...] O estúdio da Rádio Awaete Mbarete 107,1 FM (que quer dizer ‘índio nato tem força’) estará concluído em meados do mês de novembro na aldeia Bororó. A rádio já está em funcionamento e por enquanto ela está localizada na escola Tengatuí Marangatu na aldeia Jaguapirú. O alcance da onda da rádio chega a um raio de 20 km de distância, isso significa que não só os moradores da reserva estarão ouvindo, mas também moradores de distritos vizinhos como Itaum, Panambi, São Pedro, Picadinha e outros (Oliveira; Cabreira; Veron; Franco apud SILVA, 2005, p. 32-33).
31 Essa solicitação, feita por intermédio de Arlete Silveira da Silva, se direcionava especificamente ao Núcleo de Integração com a Sociedade, mais conhecido como Núcleo de Comunicação Comunitária, da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de Goiás, então coordenado pelo professor Nilton José dos Reis Rocha. 32 Neste trabalho não trato do processo de construção da emissora de rádio na aldeia de Campo Grande, que aconteceu concomitantemente à construção em Dourados. Me restrinjo aqui ao estudo dessa segunda experiência.
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Desde o início da implantação da rádio, havia, segundo a autora uma promessa da
prefeitura de construção de uma sede para a rádio, dentro da própria aldeia. Feito jamais
realizado.
Após seu nascimento na Tengatuí Marangatu, a Awaete Mbarete 107,1 foi alojada
no “Clube das mães”, um local criado em 1992 com auxílio da prefeitura para oferecer
oficinas em que as mulheres aprendem alternativas para a geração de rendas. De acordo
com Silva (2005, p.33-34), uma senhora guarani, D. Valmira, que sempre foi a responsável
pela sede do clube, morava nos fundos com uma filha, uma sobrinha e um casal de netos
gêmeos.
D. Valmira contou que, depois do curso na Escola Tengatui Marangatu, S. Sebastião conversou com ela a respeito de colocar a rádio num espaço desocupado do Clube. Desde o início, ela não teria visto problema nisso. Na sala da frente da sede montaram os equipamentos. Ela conta que a nova vizinha não a incomodou durante sua estada por lá. “Fazia gosto ver aquele monte de gente interessada, participando”, conta a senhora. Com o movimento na casa, ela pediu que o caseiro do espaço construísse um cercado no seu quintal para que as pessoas pudessem guardar com segurança suas bicicletas enquanto faziam programas.
A guarani contou também para a autora como o movimento lá começava cedo.
Destacou senhor Ambrósio 33, “que chegava todo dia 5h da manhã para fazer o primeiro
programa, o cacique kaiowá Getúlio, que chegava de trator, e o terena Wilson Matos34”
(SILVA, 2005, p.34).
Foi este último que começou a pressionar o senhor Sebastião para levar a rádio
para a sede da Funai, pois o Clube das mães localizava-se bem na entrada da Bororó, perto
da Jaguapiru, e teria sido por medo de um saque noturno ao Clube das Mães que Sebastião
decidiu retirar a rádio daquele espaço. Em sua monografia, porém, Marília Silva destaca
que outros motivos foram levantados durante as entrevistas, entre eles o incômodo da falta
33 Na bibliografia em que nos embasamos, a autora chama o indígena por S. Ambrósio (ou Seu Ambrósio). Optamos por tratá-lo como senhor, exceto quando a citação é direta. 34 Wilson Matos é um Terena mestiço, bacharel em Direito. Foi por muitos anos radialista em rádios comerciais das cidades de Dourados e Itaporã, vizinhas da área indígena, e se declara um amante de rádio. Foi Coordenador do Núcleo da Funai em Dourados, e é muito mal visto pelos Kaiowa e Ñandeva, bem como por agentes que trabalham na área, por usar o conhecimento que tem para se beneficiar em detrimento dos outros grupos indígenas (SILVA, 2005, p.34).
99
de privacidade a que dona Valmira estava submetida e brigas pessoais entre Sebastião e
seus familiares contra dona Valmira (SILVA, 2005, p.34).
O fato é que a mudança de sede precisava ser feita. Foi neste momento que
Sebastião solicitou a Fábio que acolhesse a rádio, por morar sozinho. A situação de certa
forma se alterou no período em que a rádio esteve lá e alguns problemas relacionados às
responsabilidade para com a rádio, como energia e segurança, decepcionaram o novo
“guardião da sede”.
Durante a entrevista, [Fábio] se mostrou bem indisposto a conversar. Não demonstrava interesse em falar sobre a rádio e, no pouco que falou, tinha um ar decepcionado. Contou, com certo rancor, de dificuldades com o S. Sebastião, que além de chegar sempre bêbado em sua casa, deixara para ele pagar uma conta de energia com os gastos dos dois meses em que a rádio ficou por lá. Essa questão dos gastos com energia foi problemática em todos os lugares por onde passou a emissora. O jovem conta que há uma rádio em Buriti, numa aldeia terena, que funciona melhor, é bem organizada, mas não vê perspectivas para a Awaete Mbarete funcionar bem (SILVA, 2005, p.35).
Entrevistando outros indígenas sobre o episódio, a autora tomou ciência de um
episódio ocorrido na rádio que não fora relatado por Fábio.
Enquanto a rádio estava em sua casa, a mesa de som, parte do equipamento, foi roubada. Depois disso, o pessoal da Associação teria ido até lá, e levado os equipamentos para a casa de Sebastião. Algumas pessoas suspeitam de Wilson Matos, pelas ameaças que disseram que vinham dele a respeito de tomar a rádio da Associação, mas o caso não foi solucionado. Depois desse episódio, outras pessoas da Associação Beneficente passaram a acompanhar mais de perto o trabalho da rádio, para que ela ficasse mais protegida. S. Ambrósio, mais tarde, teria conseguido uma mesa de som emprestada, que depois foi doada para a Awaete . Assim, partiu-se em busca de uma nova casa para colocá-la no ar novamente (SILVA, 2005, p.36).
A alteração de sede ainda passaria por outras três casas, a de Pedrina Machado,
Waldemar Fernandes e Epitácio de Souza.
Conta Silva (2005, p.36-37) que foi na casa de Pedrina que a rádio permaneceu por
mais tempo: de setembro de 2002 a agosto de 2003. Acompanhemos dados de um
depoimento retirado de sua monografia:
100
Pedrina conta que nessa época a programação começava às 4h da manhã e parava 9h da noite, todos os dias, e era dividida em programas de 2h cada. As pessoas da comunidade iam até o estúdio sempre que tinham um aviso pra dar ou quando queriam se informar sobre algo que souberam que ia acontecer. A casa era freqüentada por gente de toda idade, homens e mulheres. Havia programas bem ouvidos, outros não, e ela conta que isso dependia de serem em horários em que a maioria das pessoas está trabalhando ou em casa. O primeiro programa era do terena Celso Machado, que tocava só música sertaneja e era bastante ouvido. Tinha um grupo de adolescentes terena de Jaguapiru que ficava lá o dia inteiro, até sem almoçar, mas só selecionavam músicas e passavam vinhetas, quase não usavam o microfone. Havia quem fizesse locução nas línguas kaiowá e guarani e usassem músicas tradicionais, mas a maioria era só em português. O programa que Tainá fazia, com sua irmã e seu irmão, era “de rock, mesmo”, mas tocava qualquer música que não fosse sertaneja, como Paralamas, Five, Red Hot Chili Peppers. Sua mãe conta que o programa era bastante ouvido, que ela recebia até cartinhas de ouvintes.
A indígena conta ainda que a comunidade passou a questionar o fato de que sem
sede própria a rádio poderia ser tirada do ar, e ainda, as más condições de armazenamento
dos equipamentos, de ventilação etc, que faziam com que a CPU do computador
necessitasse constantemente de conserto. Quando estragou em agosto de 2003 e foi levada à
prefeitura para os reparos necessários, já não voltou.
Segundo Nivaldo, da Associação, a rádio foi tirada da casa de Pedrina porque o grupo não estava conseguindo coordenar o trabalho ali. Pedrina conta que Sebastião queria que apenas pessoas autorizadas por ele participassem da rádio, e que ele chegou a expulsar pessoas do estúdio. Uma pessoa contou que, quando o pessoal da associação levou embora a rádio de Pedrina, ela e Wilson chamaram a Polícia acusando o grupo de roubo, mas depois de um depoimento, o pessoal da Associação foi liberado. Quando levou os equipamentos de lá, S. Sebastião disse que e emissora não iria mais funcionar até que tivesse uma sede. Dali a um tempo, uma nova casa a recebia, marcando a volta da rádio para Bororó (SILVA, 2005, p. 38).
E foi à casa de Waldemar Fernandes que a rádio voltou, dada a difícil situação da
falta de sede para o veículo. Evangélico porém, Waldemar não aceitava bebidas alcoólicas
e afirmou que as pessoas bebiam enquanto usavam a rádio. Não esclarecido explicitamente
101
o fato de mudar a rádio de casa, destaca-se que o último lugar a abrigar a rádio antes de sua
extinção foi a casa de Epitácio de Souza , cunhado do senhor Sebastião.
Nas conversas que a autora teve com seu Epitácio (Silva, 2005, p.39), ele lhe
mostrou duas fotos de sua filha: uma em seu aniversário de 16 anos e outra em seu velório
poucos dias após a última transmissão da rádio, a causa da morte foi suicídio. O indígena
conta que a menina apresentava o programa que abria a transmissão todas as manhãs com
ele e que “aprendera muitas coisas na emissora”.
Ele não sabe se foi por causa da rádio que ela se matou, mas agora anda muito triste, pensando sobre essas coisas. Outras pessoas chegaram a dizer que a rádio não teria voltado ao ar por causa dessa morte. Sebastião conta que quando tirou a rádio do ar, a garota foi até ele dizer que estava muito triste, porque gostava muito da rádio e que se suicidou dois dias depois disso. D. Cassiana, sua esposa, diz que ela trabalhava muito bem e que não foi só ela a ficar triste (SILVA, 2005, p. 38).
Trilhar o caminho da rádio, mesmo que a partir de revisões bibliográficas, deixa
claro uma trajetória de desilusões, tristeza, desentendimentos, mas ao mesmo tempo de ter
movimentado a esperança e proporcionado uma experimentação de deterem o poder de
informar, de se expressar, de serem ouvidos. A complexidade da organização político-
estrutural de onde o veículo estava inserido, além de muito peculiar, demonstra a
importância da rádio pra essa comunidade e, ao mesmo tempo, a necessidade de um melhor
preparo das lideranças e da população para a manutenção de uma atividade como essa.
Logo que surgiu, a rádio veio representando esperança para as entidades que lutam
por direitos humanos e democratização da comunicação. Entre elas, citamos a União Cristã
Brasileira de Comunicação Social (UCBC): “A Rádio Awaete Mbarete, uma das primeiras
rádios comunitárias indígenas do país, leva à concretização as idéias de democratizar a
comunicação, tão fundamentais para o desenvolvimento social por todo país” (DUARTE,
[s/d], p.1). As circunstâncias em que o surgimento e o fechamento da rádio inscrevem, que
de toda forma já havia sido ameaçada pela ANATEL por supostamente atrapalhar o
funcionamento do aeroporto de Dourados, devem portanto representar a importância de que
este veículo faça parte do dia-a-dia da aldeia, a favor do desenvolvimento social e do direito
à comunicação para os povos indígenas.
102
Garantir a concessão à rádio, a construção da sede apropriada, como prometido pela
prefeitura, e uma capacitação mais efetiva da comunidade para que entenda quais os
objetivos e como se dá o funcionamento de uma rádio comunitária, são passos
fundamentais para que a experiência seja positiva e realmente desenvolva ações
transformadoras dos sujeitos e da comunidade envolvida no processo.
2. Oficinas de cinema
Após a apresentação de uma experiência desenvolvida na aldeia indígena,
começamos a nos deter nas atividades de comunicação que se dão na GAPK, com os
membros da AJI. A primeira oficina que destacamos é a que atualmente tem estado em
evidência na entidade: as oficinas de cinema, que resultaram em vídeos-denúncia e numa
ficção, Ore Reko – Nossas vidas -, que foi apresentada no II Seminário Latino Americano
de Comunicadores Indígenas, no México, organizado pela IWGIA (International Work
Group for Indigenous Affairs) , UNAM (Universidad Nacional Autónoma de México) e
SERVINDI (Servicio de Información Indígena) de 29 a 31 de outubro de 2007.
Ministrada pelo uruguaio Alejandro Ferrari, a oficina de cinema surgiu de um
encontro entre a responsável pela GAPK, Maria de Lourdes Beldi de Alcântara, e o
cineasta, na Argentina, sendo que, desde o princípio ela o teria convidado para desenvolver
o projeto lá.
Sempre foi intenção da GAPK e da AJI trabalhar com cinema. Segundo
Alcântara35 os jovens diziam “Lou vamos mostrar quem somos, e eu falava, como a gente
vai mostrar? Por que a gente não tinha dinhe iro pra fazer filmes. A minha idéia de filmes
era desde o começo”. Em 2006, a ONG conseguiu promover a primeira oficina, que
resultou na produção de três vídeos-denúncia, curtas em formato de documentários. Maior
destaque teve o curta-metragem “Que país é este?”, que participou inclusive da 17ª edição
do Kinoforum em São Paulo. Sobre a experiência, uma kaiowá que atuou na entidade desde
o princípio, relata em depoimento no blog da AJI:
O vídeo “QUE PAÌS È ESTE” feito pelos jovens indígenas da AJI - Ação dos Jovens Indígenas que denuncia a injustiça que aconteceu com os
35 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
103
índios da aldeia Porto Cambira no caso dos policiais que morreram depois de entrarem na aldeia á paisana, concorreu no 17º Festival Internacional de curtas metragens de São Paulo. O festival foi realizado entre os dias 24 de agosto e 02 de setembro, com o tema Kinoforum Formação do Olhar, o encontro promoveu debates sobre a inserção dos jovens que participam de projetos e oficina no mercado de trabalho, também teve uma palestra com Hermano Vianna sobre produção Colaborativa do conhecimento na internet, Hermano é um dos idealizadores do site Overmundo. O encontro foi muito bom para a AJI que mostrou seu primeiro trabalho de imagens (MACHADO, M., 2006a, p. 9-10).
Nesta primeira etapa, e por meio do cinema, os indígenas puderam refletir a partir
do processo produtivo dos audiovisuais, sobre importância que a comunicação tem como
ferramenta de expressão. A partir dos vídeos-denúncia conseguiram se posicionar com
relação a fatos que vinham sendo noticiados pela mídia douradense e que não ofereciam
espaço para a versão dos indígenas. A produção dos curtas foi, portanto, impulso
importante para a reflexão crítica a respeito da comunicação e das possibilidades que ela
lhes garante, como o fato de serem ouvidos.
Juntos conseguimos montar três vídeo denunciando a desnutrição e a falta de terra, e um vídeo denúncia sobre os casos dos policiais que invadiram as terras indígenas de Passo Pirajú sem autorização e à paisana, onde dois policiais foram mortos e um saiu ferido. Esse caso repercutiu de uma maneira em que a mídia Douradense e Sulmatogrossense desenharam a imagem de nós índios como selvagens e truculentos, mas apesar de tudo isso nós jovens conseguimos mostrar o outro lado da história. A importância da comunicação para os povos indígenas, é se fazer ouvir, buscar soluções para os problemas, conhecer caminhos para as reivindicações e lutas, e assim fortalecer a comunidade e nos preparar para combater juntos, independente de etnia, pelos nossos ideais. O que nós queremos é usar a tecnologia como uma ajuda para o nosso povo, sem deixar de lado nossa cultura (MACHADO, M., 2006b, p.8).
Apesar do trabalho desenvolvido na entidade, problemas internos com o responsável
pela oficina, que tomou os materiais como seus sem dar crédito aos indígenas, segundo
contam os jovens, encerraram este primeiro ciclo de oficinas.
104
Em 2007, porém, a idéia que sempre fez parte dos planos da ONG foi retomada, a
partir da atuação do cineasta uruguaio Alejandro Ferrari, convidado por Maria de Lourdes
Beldi de Alcântara a reativar a oficina durante um encontro na Argentina. Conta Ferrari36
Conheci a Lou37 num encontro na Argentina. Ela dizia: olha você tem que me ajudar. Eu dizia que não sabia fazer isso. É a primeira vez que dou uma oficina de cinema. Eles tiveram uma oficina de cinema anteriormente com um italiano, mas que deu problema. Ele levou gravações, apresentou os filmes como se fossem seus e tal. Quando eu cheguei, a primeira coisa que me perguntaram era se eu era italiano. A Lou não falou muito o que ela queria. Ela achou que cheirava bem o que eu podia fazer. Eu falei o que eu podia fazer, o que eu pretendia com a oficina. Primeiro uma coisa mais técnica que eles conseguissem utilizar as ferramentas audiovisuais de maneira mais normal, prática. Começassem a mexer em câmera, no som, começar a fazer a montagem, pensar roteiro. Então como eles já tinham começado a fazer documentários como o “Que país é este”, coisas pequenas, de dois ou três minutos, eu pensei em contar uma historia com um filme, com ficção.
Na verdade, segundo o cineasta, ao vir pra cá as idéias eram outras, porém, diante
do contato com os jovens e do interesse demonstrado, surge a idéia de se trabalhar uma
ficção. Decorre daí o fato de poder explorar novas linguagens e formatos estéticos que os
jovens desconheciam, já que tinham até então trabalhado com o estilo reportagem nos
documentários. O objetivo de Ferrari foi então que, desde o começo, os jovens
conseguissem fazer do cinema uma nova forma de expressão, “que pudessem contar
histórias de suas vidas, da vida da aldeia, com o cinema, com um vídeo”.
Com estes objetivos, cerca de 15 jovens indígenas produziram o Ore Reko, que em
português significa “Nossa vida”. Dentre as temáticas abordadas na ficção, estão presentes
questões que retratam a realidade dos jovens na aldeia como a falta de emprego e a falta de
segurança dentro da aldeia. “Este vídeo é só um pouco do que se passa com os jovens na
aldeia, é uma forma de mostrar para o mundo a nossa realidade, ele será apresentado no II
SEMINARIO LATINO AMERICANO DE COMUNICADORES INDIGENAS no
México, organizado pela IWGIA , UNAM e SERVINDI nos dias 29 a 31 de outubro”
(ANHANDUÁ, 2007, p.17-18).
36 Em entrevista concedida à autora no dia 25 de outubro de 2007 37 Forma como ele se refere a Maria de Lourdes Beldi de Alcântara, antropóloga e responsável pela ONG GAPK.
105
Para garantir que o processo de criação e produção não sofresse interferências do
professor, de forma a alterar a concepção de que eles contassem sobre eles mesmos, o
cineasta buscou garantir- lhes a maior autonomia possível desde a escolha da história, a
produção do roteiro, a atuação, som, iluminação e montagem. Ao todo, ce rca de 15 jovens
participaram da produção, cada um atuando em uma área. Destaca Ferrari
Se eu fosse contar uma história contaria diferente, mas não quis me envolver assim. Então cada um foi se envolvendo numa área específica. Eles produziram a idéia e o roteiro, eu ajudei a marcar a estrutura dramática, depois fiz com eles a decupagem e eles fizeram comigo também a composição da equipe de filmar, atuaram, trabalharam no som, como assistente de direção. Eu trabalhei com a câmera. Pedi a eles que me ajudasse. Mas pra que ficasse bom eu precisava mostrar. A única coisa que eles sabiam era que pra reportagem, documentário, tinha que ter um cara no meio da tela e eu disse: no meio da tela jamais! Tem que ir para outros lados! Aí eles diziam: tem que ter o enquadramento perfeito. E não é! Eu queria mostrar. Então fiz as imagens. Um indígena me ajudou na montagem, que jamais havia mexido. As transcrições das falas também.
Em uma matéria publicada no blog da entidade, uma guarani-ñandeva conta sobre a
experiência de ter trabalhado no Ore Reko
Nos últimos dias estivemos realizando uma nova forma de fazer filme, pela primeira vez a AJI começou a trabalhar com a ficção, ainda não terminamos, mas está ficando muito bacana. Sempre trabalhamos com o documentário, mas decidimos fazer diferente, o cineasta uruguaiano Alejandro Ferrari trouxe esta idéia de cinema mais próximo da gente. O roteiro do filme fomos nós mesmos que produzimos, e se trata do que é ser jovenm na aldeia de Dourados, de início pensamos em um documéntario, pois ele além de contar como é realmente, retrata de uma forma mais abrangente a questão, mas notamos que o documentário iria ficar muito longo, monótono, queríamos sair da mesmice. Então optamos pela ficção, além de ser uma forma diferente a ser trabalhada pela gente, conta a realidade com mais vontade de assistir, pois são os próprios jovens indígenas que atuam no filme, e como o filme não conta todas as questões dos jovens, decidimos fazer um BACKSTAGE do filme, onde colhemos depoimentos, ensaios e gafes. Pensamos em todo o corpo da equipe desde o diretor até o claquete, pensamos em como encaixaríamos todo o pessoal nas posições, uns queriam fazer tudo ao mesmo tempo, mas acabou que no final até os atores fizeram o som e câmera, foi uma loucura, mas esta ficando muito legal.O mais bacana é a convivência que adquirimos com esta experiência, o espírito de grupo.
106
Aprendemos tudo de uma forma divertida e gostosa de se fazer, pois havia interesse de cada um que participou das gravações. O filme irá se chamar " ORE REKO", que em português significa NOSSA VIDA, além de estar na língua guarani-kaiowá, também será na língua terena. O filme será de vidas opostas, ou seja dois lados que existem na aldeia, o das drogas, da marginalidade e o lado do trabalho e da dignidade. Show de bola vai ficar este filme!!!!!!!! (SOUZA, G., 2007a, p.13-14)
Da forma como o trabalho vem sendo desenvolvido, o professor acredita ter
alcançado muitos pontos positivos e avanços tanto quanto ao domínio das ferramentas e
técnicas de produção audiovisual quanto minimizando processos internalizados pelos
indígenas de inferioridade e exclusão.
A primeira coisa que eles conseguiram ganhar é ficar contentes com si próprio. Eles têm feito uma coisa que nem pensavam em fazer. Você fala com eles estão sempre com auto-estima e auto-estima é importante para o índio. O índio tem esse problema, um dos problemas é esse, se sente mais diminuído perante os brancos, a cidade. E eu falei sério com ele s, porque também é verdade: olha tem um monte de gente na cidade que jamais fez um filme. Vocês fizeram.
Outro fator positivo no desenvolvimento do filme, conforme destaca Alejandro
Ferrari, foi a necessidade surgida e a capacidade comprovada de que eles podem e devem
trabalhar em grupo. Afinal, o professor deixa claro que não tem como produzir cinema sem
se trabalhar em conjunto, pois de uma união de partes é que se tem o todo. “O grupo
também foi uma coisa muito positiva. Eles reconheceram que a produção do filme foi o
primeiro trabalho realmente em grupo que a AJI fez. Envolvendo várias etnias e também
caras mais velhos e mais novos”.
Ao falar dos pontos positivos durante a entrevista38, o cineasta demonstra
entusiasmo.
Mais duas coisas importantes eles aprenderam com isso: começaram a utilizar essa nova linguagem. Nós temos que contar com o filme alguma coisa dos jovens da aldeia. E eles pensaram: nós vamos colocar isso, falta isso. E uma última coisa é que eles começaram um diálogo também com outro pessoal da aldeia. Diziam: Se colocarmos isso, vão falar aquilo, então já foram pensando o que tinham que responder. Principalmente com relação aos mais velhos
38 Entrevista concedida à autora no dia 25 de outubro de 2007
107
A preocupação com o que vão pensar a respeito dos jovens, figura como fator
comumente citado pelos indígenas quando se fala nos conflitos internos. Afinal, o
surgimento recente da categoria dos jovens solteiros e as responsabilidades que eles vêm
assumindo pra si, principalmente a partir do domínio da educação e comunicação, causam
conflitos com relação aos mais velhos, que antes eram considerados os sábios, as lideranças
da aldeia. Pelo que percebemos, ocorre, principalmente dentro da AJI, uma
supervalorização do jovem que já não acredita tanto na capacidade de liderança e na
sabedoria dos mais antigos. Tem havido, de certa forma, na prática, uma inversão do
processo comunicativo tradicional indígena. Além disso, a partir da utilização de novas
ferramentas de comunicação, a tradição que antes era exclusivamente oral e não
possibilitava uma documentação, como registro histórico, também veio alterando a tradição
dos mais antigos.
A produção de audiovisuais, a partir do momento em que permite o registro,
também trouxe transformações impulsionadas pelo contato tão próximo com a cidade e
com o não-indígena.
Eles passam por muitas dificuldades na aldeia e nesse ponto, o contato com a cidade apresenta algumas vantagens na área de comunicação. Primeiro porque eles conseguem expressar coisas, segundo porque, no caso do vídeo, que essa coisa permanece. É contar a cultura deles, mas que isso fique. Não é como um passarinho que vai embora. Eu não sei até quanto isso pode chegar, porque é uma ferramenta poderosa você poder comunicar coisas. Sabe que é uma coisa muito nova na aldeia eles mexerem com essas coisas. Os caras da AJI são incentivados. Os caras da AJI são especiais, tem fotografia. Que menino de 18 anos no mundo tem um livro de fotografias feito? Aos poucos eu acredito que essas coisas terão uma influência na Reserva, na comunidade indígena , muito forte porque a gente vai ter uma referência daqui a cinco anos. Olha, se você quer saber sobre isso tem em tal livro, sobre isso tem tal vídeo. Ainda estamos no começo, mas acho que vamos conseguir.
Viver em meio a este conflito, o que a antropóloga Maria de Lourdes Beldi de
Alcântara chama de “in between” 39 , neste caso entre seguir as novas concepções da
sociedade não- índia que está em seu entorno ou manter as tradições dos mais antigos, é
responsável por várias crises internas, o que também houve durante o desenvolvimento do
filme.
39 Conferir definição do conceito na página 89-90
108
Houve um momento de crise no processo de produção do vídeo em que os jovens começaram a se questionar quanto ao que os mais velhos diriam. Essa crise foi muito importante para os jovens. Eu não esperava essa crise. É um momento em que você tava contente com seu trabalho mas tinha medo. Refletimos sobre porque não contar, porque cortar alguns trechos. Eu dizia: vocês contam o que vocês quiserem. Fizemos todo esse processo de ouvir , de reflexão, de repercussão. E em uma reunião todos entraram num consenso e mantiveram o que queriam.
De certa forma, Alejandro acredita que assim como acontece na sociedade não-
índia, em que a partir da participação em produtos comunicacionais as pessoas alcançam
prestígio, os indígenas também passarão a aceitar melhor a causa dos jovens, incluindo-os
ainda mais nas discussões e dando- lhes mais importância.
Acho que com o filme atingimos mobilização interna, reflexão crítica, desenvolvimento da auto-estima e o desenvolvimento do cinema como processo educativo.Acho que por enquanto tem já alguma coisa, mas ainda vai ter mais. A idéia é com esse filme mobilizar a aldeia. Fazer com que o pessoal possa assistir, fazer rodas de conversa, reuniões, bate-papos.
Avaliando e sendo avaliado pelos indígenas, o trabalho desenvolvido pelo cineasta
na oficina foi aprovado. Dessa forma, pensar nos planos pra oficina em 2008 tem sido
inevitável. Dentre os projetos está o de que cada um produza um vídeo de um minuto sobre
um mito guarani, sendo que cada jovem será o diretor de seu curta e cada um de seus
amigos desempenhará um outro papel na produção. Ao final, todos os jovens terão passado
por todas as funções: de diretor ao claquete e, com isso, favorecerá o processo educativo
relacionado à produção audiovisual. Uma outra idéia do cineasta, que ainda será posta em
discussão, seria a de transformar a AJI numa produtora.
Tenho a idéia de aproveitar que a AJI tem uma certa estrutura, que o pessoal vem todo dia, tem equipamento, para fazer talvez uma produção, um centro de produção para outros lugares, também pra cidade, imagina, os indígenas do Panambizinho querem fazer um vídeo por exemplo, contratam a AJI, como se fosse uma produtora para algumas coisas, pq também tem um problema, eles têm horários muito reduzidos pra trabalhar. 16h30, 17h eles têm que ir embora pq cai a noite e eles não saem da aldeia. Montagem por exemplo, geralmente se faz à noite, isso é um problema. Eles têm menos horas do dia pra trabalhar e outro problema é que não tem computador em casa, então eles têm três ou quatro horas por dia compartilhando um computador e um professor. E normalmente o pessoal aprende muito mexendo, provando.
109
Pensando em sua realização pessoal, Alejandro apresenta como projeto futuro a
produção de uma ficção de sua autoria cujo título será “O menino e sua bicicleta”, gravada
na aldeia de Dourados.
Os jovens também fazem planos quanto ao cinema e tratar fatos atuais por meio do
audiovisual já parece ter virado um projeto constante. Mesmo sem a presença do cineasta
em Dourados no mês de novembro de 2007, foi postado no blog da AJI um texto que
relacionava a polêmica atual - da necessidade do RG civil e desvalorização do RG Indígena
-, com a produção de um novo documentário.
Os jovens da AJI estão produzindo um documentário na qual este documentário estaraá falando sobre o RG civil , pois hoje a identidade indígena já não está servindo para quase nada , pois para viajar , fazer conta em loja , necessitam do RG civil , e há um porém , o povo diz que um indígena ao tirar o rg civil ele deixa de ser indio e passa a ter seus direito e deveres todos de brancos eu discordo pois isso é impossivel , e hoje o indío é tratado de uma forma diferenciada , mas não há outra saida, temos que tirar o nosso rg civil Este documentário está sendo produzido pelos jovens da AJI com apoio da GAPK, e neste documentário há depoimentos de pessoas que tentaram tirar o rg civil e não conseguiram , outros que desistiram de tirar e também há depoimento de quem já fez o rg civil (INTEGRANTE da AJI, 2007, p.3).
Verificamos que o conhecimento adquirido tem sido visto como uma alternativa
comunicacional, um caminho por onde podem dar a sua versão dos fatos, criticar,
denunciar, mobilizar uma comunidade que pode ser atingida de maneira massiva, a partir
da utilização do cinema como instrumento de comunicação. Neste mesmo sentido,
acontecem na entidade as oficinas de fotografia, experiência a ser retratada.
3. Oficinas de fotografias
Um dos maiores troféus apresentados pelos jovens da AJI tem sido o livro Nossos
olhares, um ensaio fotográfico produzido por seis indígenas, três guarani-ñandeva, dois
guarani-kaiowá e um terena, cujo objetivo descrito na introdução é o de “apresentar como
os jovens da Reserva de Dourados, tida como a mais populosa do Brasil, se relacionam com
seu lugar e, ao mesmo tempo, constroem um diálogo cultural pleno de tensão com a cidade
de Dourados, a segunda maior cidade do Mato Grosso do Sul”.
110
Orientados em uma oficina de fotografia pelo fotógrafo italiano Andréa Ruggeri,
abordaram temáticas como “paisagem”, “nosso povo”, “adquirindo saberes”, “casa da
aldeia”, “meu olhar” e “festas e trabalhos”, e, dessa forma, retrataram uma realidade pouco
vista até então, que vai do interior de casas e quartos até flagrantes como o de um cavalo
arredio empinando uma carroça que levava uma família, incluindo três crianças.
O trabalho com a fotografia também era meta da ONG, representada por Maria de
Lourdes Beldi de Alcântara. Ela conta40 que quando chegou em Dourados em 1999,
carregava uma máquina Polaroid41 e na tentativa de manter contato com os indígenas e
ganhar a confiança deles, tirava fotos deles e da aldeia e os entregava.
Eu tirava fotografias e dava pra eles. Eles nunca tiveram fotografias de volta, as pessoas tiravam e nunca voltavam, então eles começaram a pegar as fotografias e guardar, então a gente fez um varal de fotografias na casa da Zélia. Teve uma menina que era muito pequena, e eu não posso falar o nome, que uma vez olhou a foto e falou assim, Lou eu não sou tão feia assim né? Eles não se enxergavam, então foi a hora que eu percebi: a imagem traz auto-estima na hora. Foi pura sorte, não tinha teoria nenhuma. Daí que eu descobri que sem a imagem a gente não ia conseguir chegar a lugar nenhum, que a imagem trouxe pra eles uma “puta” auto-estima, porque não adianta dar coisa escrita, não adianta de nada. [É preciso] Eles se verem, eles fazerem a própria imagem.
Trabalhar com imagem era então, a partir dessa experiência ocasional, uma
alternativa viável pra devolver a auto -estima aos jovens não só no fato de se verem
representados, mas de garantir- lhes a possibilidade de mostrar como eles enxergam o seu
entorno, como eles se enxergam, como enxergam o outro. Sem a tecnologia da máquina
digital, porém, os custos eram altíssimos e inviabilizavam investimentos maiores.
Demos o primeiro curso de fotografia com máquina Kodak. E pra revelar? E o custo que teve tudo isso? E pra devolver no mesmo dia teve que fazer um acordo. Então teve toda uma logística que era então. Na verdade, eu desde o começo queria trabalhar com imagem mas era muito caro. O filme da Polaroid era caríssimo e eu gastava uns 50 a 100 quando vinha pra aldeia então eu ficava falida, entendeu. Eu comprei umas cinco máquinas e deixava eles tirando de Polaroid.
40 Em entrevista concedida a autora no dia 19 de janeiro de 2008 41 Que possibilitava a revelação instantânea da foto
111
Findada a primeira oficina com o professor Ruggeri, os depoimentos dos jovens
publicados no ensaio fotográfico registram, desta vez com palavras, como foi a experiência
de ser fotógrafo. Ana Cláudia de Souza, guarani-ñandeva, 20 anos, assim descreve:
Os jovens da AJI que estavam participando da oficina de fotografia estão hoje finalizando o curso. Eu gostei muito. No começo, achei um pouco complicado, porque a câmera fotográfica é muito delicada e exige muito cuidado. Mas aos poucos fui aprendendo, então ficou mais fácil. Tirei muitas fotos sobre o tema que escolhi, “Paisagem”, porque gosto muito de apreciar as maravilhas da natureza. Tenho como objetivo divulgar e mostrar as partes mais lindas da aldeia para o mundo todo. Na nossa aldeia tem tudo – violência, morte, doenças -, e por isso as pessoas nos julgam. Eles nem sequer se interessam em ver a realidade. Quero fazê-los se interessar para que venham ver a realidade da nossa aldeia. Espero participar de outras oficinas que a AJI oferecer (SOUZA, A., 2007, p. 10).
Antes de apresentarem as suas fotos, cada jovem registrou sua experiência e seus
objetivos ao ligarem a câmera fotográfica. Em seus relatos, explicitaram, inclusive,
problemas com os quais lidam no dia-a-dia, alcoolismo, miséria, violência. Cada um
demonstrando o que mais lhe afligia, o que mais lhe parecia importante trazer à sociedade
não-indígena. No caso de Ernesto Raulio Gonçalves, 18 anos, kaiowá, o ensaio que
apresentou algumas moradias da aldeia também se vestiu de cunho político, criticando a
ação do governo em que nem todos da aldeia ganharam casa de alvenaria.
Olhar de formiga. Eu faço assim. Sabe porque eu quero tirar fotos assim, com olhar de formiga? Porque quero ser uma pequena pessoa para dar um passeio pela terra inteira. Também gosto de tirar umas fotos de modelo porque gosto de ver as meninas na moda. Gosto de tirar as fotos das meninas mais lindas do palco, por isso tirei foto de modelo e das minhas amigas, da minha irmã e da revista, porque tinha uma foto de moda. Também por isso tirei dos bêbados, pois é importante para mim. Lá na aldeia os homens não param de tomar pinga. Das moradias, tirei fotos porque quero escrever um texto para o jornal da AJI e mostrar que algumas pessoas ganharam casa e outras não ganharam casa (GONÇALVES, E., 2007, p.20).
Outro ponto a se destacar é a necessidade de representação que os próprios
fotógrafos sentem, sendo também fotografados pelos colegas como forma de se sentirem
112
parte da aldeia. “Tirei fotos minhas, mesmo, porque eu queria sair nas fotos”, explica o
kaiowá.
O fato de serem eles os contadores da própria aldeia e de seu povo pela fotografia
ficou registrado pela ñandeva Graciela de Souza, 21 anos.
Em se tratando de pesquisa antropológica e trabalho de campo e outras formas que utilizam para definir o meu povo posso dizer que é uma tática relevante uma vez que esta seja utilizada para fins úteis a causa do povo indígena. Como seria vista essa situação se esse povo fosse os analisadores e pesquisadores dessa questão, é o que a AJI – Ação dos Jovens Indígenas está fazendo com a oficina de fotografia, proporcionando novos olhares (SOUZA, G., 2007b, p.48).
Dentre os pontos positivos da oficina, que segundo a indígena começou com noções
básicas de como utilizar a máquina digital, depois se aprofundou um pouco mais sobre
algumas técnicas e dicas de como obter uma boa imagem, algo importante na experiência
foi a troca entre professor e alunos, pois, “ao mesmo tempo em que se aprende, se ensina
noções de convivência, onde o outro já não é desconhecido (2007, p.48).
Graciela que em suas fotos chama a atenção para detalhes, explorando
principalmente os closes no rosto de idosos e crianças, explica ter enxergado, devido a
fotografia, a riqueza de seu povo e cultura.
A partir do primeiro retrato que fiz pude perceber a tamanha riqueza que abriga minha cultura. Não pelo valor material, mas pela emoção e vida que cada retrato trazia consigo, é como se cada rosto contasse uma história, umas felizes e outras tristes. [...] Tantas coisas interessantes pude notar que existe na aldeia, coisas que julgava sem nexo passou a ter um valor muito especial pra mim, como um sorriso de uma criança ou a expressão triste e cansada de um idoso, percebi que são essas pequenas coisas que fazem a riqueza de um retrato (SOUZA, G., 2007b, p.48-49).
O contato com a ferramenta também possibilitou novas relações de aprendizagem
tanto técnica quanto cultural, além da fixação e reconhecimento de identidades em comum.
“A máquina fotográfica me proporcionou um olhar que até então desconhecia, uma visão
mais aprofundada do meu povo. Passei a olhar aqueles que a grande “massa” os denomina
de “exóticos” com mais admiração e paixão, pois tenho orgulho de fazer parte deste povo”,
escreve.
113
A relação com os colegas de grupo e com os fotografados também trouxe novas
lições aos jovens, que se questionaram quanto ao fato de usar esses novos conhecimentos
de forma a devolver a seu povo algum benefício ou melhoria.
O legal da cultura indígena é que quando se trabalha em [grupos] cria-se um vínculo afetivo muito forte de amizade, o compartilhamento e a solidariedade se tornam mútuas e foi o que aconteceu com o grupo que participou da oficina, pois a fotografia também é uma forma de se conhecer e aproximar pessoas. O conhecimento para alguns dos que participaram da oficina, trouxe um pouco de curiosidade e vontade de aprender mais, se sentiam felizes em aprender algo novo, adquirindo novos saberes ao mesmo tempo pensavam em como utilizar este recurso em favor do povo indígena. [...] Mas enfim, eu particularmente amei a oficina de fotografia, pude adquirir um conhecimento a mais, além de usar este atrativo para dar mais vazão à nossa causa (SOUZA, G., 2007b, p.49).
O espaço destinado a cada um no livro ainda serviu, como no caso de Graciela, para
tentar deixar claro que os indígenas, principalmente os jovens, não se vislumbram com a
tecnologia atual como seus antepassados fizeram com os espelhinhos, segundo a história da
chegada dos portugueses ao Brasil. “Ao contrário que muitos pensam, o índio já não é
aquele vislumbrado e ignorante com tudo que vê. Para nós isto não é uma coisa do outro
mundo, já sabíamos de sua existência, mas não tínhamos a oportunidade de ter um recurso
como este em mãos” (SOUZA, G., 7007b, p.49).
Para o terena Nilcimar Morales, 26, o objetivo era com as fotos reivindicar direitos
previstos pela Constituição.
Quero mostrar onde a população briga por seu direito social garantido na Constituição Federal e com isso fazer sermos vistos, não como um faz de conta de que somos donos do Brasil. Quero mostrar, por meio destas fotos, que só queremos o direito de ser dignos de receber o que foi tirado de nós. Não queremos tudo de volta, só o necessário para suprir as nossas necessidades e vivermos sem o alto índice de morte de crianças e de violência física (MORALES, 2007, p.90).
Pensando nos direitos do homem, o indígena que cursa o 4º ano de serviço social,
retratou também os cortadores de cana, indígenas que trabalham nas usinas de álcool e que
geralmente são indígenas. A crítica passa pela não viabilidade de se sustentarem dentro da
114
reserva. “O meu interesse pelos grupos de trabalhadores que cortam cana-de-açúcar e
vivem em condições sub-humanas foi de mostrar como nós, índios, temos de buscar uma
alternativa econômica fora da reserva e do município de Dourados para sobreviver”,
escreve.
Encerrando sua participação na introdução do ensaio, Morales faz uma reflexão
filosófica sobre a fotografia
O principal objetivo é mostrar que um olhar um momento presente de retratos, vale, mostrando a existência dos direitos, o que nós somos e o que construímos. Apenas em um retrato percebe-se que a mais linda atividade é a de colocar sobre o presente o passado, que pode servir e ser usado para o futuro dos indígenas. Queremos mais dignidade, queremos nossos direitos e tenho certeza de que, se continuarmos nesse caminho, chegaremos a ser escutados e vistos, e não obliterados (MORALES, 2007, p.90).
No ano de 2007, as oficinas de fotografia continuaram a acontecer, trazendo
novidades aos jovens como a produção de máquinas Pinhole42 e a revelação dessas fotos
pelos próprios indígenas.
Além do cinema e fotografia, o transitar pela comunicação também passa pela
Internet, pro meio de um blog e por um jornal impresso, o jornal AJIndo. Quanto ao blog,
analisamos agora. O jornal será enfocado no capítulo IV por ser o principal objeto de nossa
análise.
4. Blog e Fotolog: AJI on-line
Acompanhando as tendências comunicacionais e necessidades sentidas dentro das
organizações, a AJI também utiliza de ferramentas virtuais para atingir a sociedade, na
busca por conscientização quanto à causa indígena no Mato Grosso do Sul, mais
especificamente em Dourados.
Desde 17 de maio de 2006, está no ar o blog http://ajindo.blogspot.com, espaço que
os jovens utilizam para postar notícias, comentários, críticas, mitos e lendas que contam um
pouco mais de sua cultura e realidade na Reserva de Dourados. Também em 2006, um
42 Uma câmera Pinhole é uma máquina fotográfica artesanal cuja designação tem por base o inglês, pin-hole, "buraco de alfinete". Monta-se a partir de uma caixa ou lata, uma máquina fotográfica que leva papel fotográfico e tem um pequeno orifício por onde entra a luz
115
pouco mais tarde, 26 de outubro, colocam no ar o fotolog www.fotolog.net/ajidourados em
que divulgam as fotos produzidas por eles mesmos nas atividades em que realizam, entre
elas: viagens, oficinas, palestras, seminários etc.
Estes espaços virtuais que muitas vezes têm sido utilizados por adolescentes e jovens
de todo o mundo como uma espécie de diário, na entidade é revestido de cunho mais
político, até porque não representa um jovem, mas uma Ação de Jovens Indígenas.
Além do desenvolvimento desses produtos, os indígenas mantêm relação direta com o
site www.indiosonline.org.br, uma rede de comunicação que busca mobilizar os povos
indígenas e assim se apresenta:
ÍNDIOS ON LINE é um canal de dialogo, encontro e troca. Um portal de diálogo intercultural, que valoriza a diversidade, facilitando a informação e a comunicação para sete nações indígenas: Kiriri, Tupinambá, Pataxó-Hãhãhãe, Tumbalalá na Bahia, Xucuru-Kariri, Kariri-Xocó em Alagoas e os Pankararu em Pernambuco e para a sociedade em forma geral.Os mesmos índios se conectam a internet em suas próprias aldeias, realizando uma aliança de estudo e trabalho em beneficio de suas comunidades e o mundo. Nossos objetivos são: Facilitar o acesso à informação e comunicação para diferentes nações indígenas, estimular o diálogo intercultural. Promover aos próprios índios pesquisarem e estudarem as culturas indígenas. Resgatar, preservar, atualizar, valorizar e projetar as culturas indígenas. Promover o respeito pelas diferenças. Conhecer e refletir sobre o índio de hoje. Salvaguardar os bens imateriais mais antigos desta terra Brasil. Disponibilizar na internet arquivos (textos, fotos, vídeos) sobre os índios nordestinos para Brasil e o Mundo. Complementar e enriquecer os processos de educação escolar diferenciada multicultural indígena. Qualificar índios de diferentes etnias para garantir melhor seus direitos (QUEM somos, 2005, p.1).
O site, que envolve indígenas de Alagoas, Bahia e Pernambuco, tem atualmente na
AJI, a única entidade indígena representativa do Mato Grosso do Sul. Vários textos
postados no blog e/ou jornal dos jovens que foram encaminhados para o Índios On- line,
foram publicados, o último deles43, foi uma denúncia quanto ao vandalismo no posto de
saúde da aldeia Bororó.
43 Até a data de 21/01/2008
116
A relação com o site tem sido importante para os indígenas da Reserva de
Dourados, não só para a divulgação de informações de sua aldeia, mas também pelo
intercâmbio por meio dos chats . Uma kaiowá de 17 anos assim define sua experiência 44
Trabalhamos com Internet porque a minha idéia é passar para o mundo, pras cidades vizinhas. No Índios on- line a gente tem um contato muito grande com eles. Hoje, por exemplo, a gente postou um na primeira página e isso é uma forma de os indígenas se mobilizarem, é uma forma de intercâmbio. Às vezes eu entro no chat e pergunto sobre a aldeia deles como é, e cada um fala que as aldeias deles têm matas, tem pesca, aí eles perguntam sobre a minha aldeia, aí eu falo a real. Nossa, eles falam, isso é aldeia? Você ainda chama isso aí de aldeia? Aí eu respondo, infelizmente.
Voltando nossos olhares ao blog, que segundo a responsável pela GAPK, Maria de
Lourdes Beldi de Alcântara, tem tido de 2500 a 3000 acessos diários, propusemo -nos a
realizar uma Análise de Conteúdo utilizando as mesmas categorias trabalhadas na AC do
Jornal AJIndo, para dessa forma, conseguirmos posteriormente apresentar uma comparação
entre os dois veículos.
Confiramos os gráficos produzidos a partir da análise de todos os textos postados
nos anos de 2006 e 2007.
44 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
117
GRÁFICO 1
Assuntos principais abordados no ajindo.blogspot.com - 17/05/2006- 29/11/2007
2 2 5 2 1 1 1 412 12
0 2 0
32
76
01020304050607080
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Em
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Hor
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Out
ros
Tota
l
Ao analisarmos os assuntos principais abordados pelos jovens indígenas nos textos
de 2006 e 2007, que resultam em 76 postagens, pudemos classificar as temáticas de acordo
com o gráfico acima. Como seguimos a categorização do jornal para o site, identificamos o
maior número de textos em “Outros”, totalizando 32 textos. Se nosso intuito não fosse
comparar, num segundo momento, a atuação dos dois veículos, tentando entender as
semelhanças de objetivos ou diferenças, certamente detectaríamos em nossa pré-análise
outros assuntos que pudessem se tornar classificatórios dentro de “Outros”, assuntos que
inclusive tiveram mais textos sobre, do que as categorias utilizadas no jornal.
Devido a isso e buscando apresentar de maneira mais detalhada os assuntos
presentes em “outros”, desenvolvemos um novo gráfico categorizando as temáticas que
mais apareceram dentro desta generalização, considerando apenas as que tiveram mais de
um texto como classificação.
118
GRÁFICO 2
Novos assuntos que se formaram da generalização "Outros", no ajindo.blogspot.com -
17/05/2006- 29/11/2007
2 2 2 2
7
2 3 2
22
0
5
10
15
20
25
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Míd
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Tot
al
Seguindo este novo gráfico, 22 textos dentro da temática “outros” puderam ser
classificados dentro de novos assuntos. Dessa forma, tiveram mais destaque no blog:
eventos promovidos pela AJI e participação em eventos externos, com doze textos cada,
cultura, com sete textos, educação, com cinco textos, violência, com quatro textos, Jovem
na aldeia, com três textos e com o mesmo número de textos, dois, os assuntos Audiência
pública, Protestos, Concursos públicos, Julgamentos, Agricultura, Descaso, Preconceito,
Saúde, Emprego e Mídia.
O blog explorou portanto temáticas que valorizassem as atividades desenvolvidas
pela entidade (quanto a participação em eventos externos e eventos promovidos pela
AJI/mobilização interna), porém, nesta valorização da AJI e das atividades que participam,
está claro o foco principal não na entidade Ação dos Jovens Indígenas, mas no jovem
indígena por si só, pois ao mesmo tempo que valorizam a entidade, eles se valorizam. Além
disso, dedicou um espaço considerável à questão cultural, retomando alguns contos e lendas
da tradição indígena. Isso talvez justifique o trabalho que vem sendo desenvolvido pela
ONG GAPK, em que entender o locus cultural ao qual pertencem estes jovens tem sido
119
uma constante. No entanto, eles se localizam entre a cultura indígena tradicional e a cultura
não-indígena, que lhes é tão próxima e tão atrativa. Dentre os textos relacionados à cultura,
menções à religiosidade indígena e a religião dos brancos, que já faz parte da aldeia, são
muito freqüentes. Educação, violência e a realidade do jovem na aldeia, assuntos totalmente
ligados com o cotidiano da AJI também têm destaque. Matérias com enfoque político e
legal, retomam a questão dos direitos dos povos indígenas e da busca por justiça.
Além dos assuntos abordados, detivemo -nos a classificar os aspectos centrais
trabalhados em cada texto. Encontramos o seguinte gráfico:
GRÁFICO 3
Aspectos centrais abordados no ajindo.blogspot.com - 17/05/2006- 29/11/2007
5 4
23
1 3 5 0 313
2
17
76
01020304050607080
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Tot
al
Destacamos que entre os aspectos principais enfocados em cada texto, a
importância/atuação da AJI diz respeito a 23 das 76 matérias, o que corresponde a cerca de
30% das matérias. Falar das atividades em que a AJI atuou ou de sua importância, é, acima
de tudo, valorizar o trabalho de cada jovem indígena que a compõe, a partir do
reconhecimento da entidade e da valorização de seus indivíduos.
Em segundo lugar, a generalização “outros” corresponde a 17 textos. Categorizamos
em 14 aspectos, sendo eles, contendo apenas um texto: Conselho tutelar, Parabenização,
Apresentação de membros, Definição de preconceito, Religião, RG Civil, Garantia de
120
espaço, Desabafo, Júri simulado, Opinião sobre, Críticas a AJI, Contestação do conceito.
Contendo três textos, aparece ainda, a Valorização da tradição oral e, com dois textos,
como aspecto central, o Suicídio.
Como aspecto central, em 13 textos, tem-se “um alerta sobre a temática abordada”,
que está diretamente relacionada ao assunto principal. Refletimos, conquanto, sobre a
recepção desses materiais. Poucos indígenas têm acesso ao conteúdo disponibilizado no
blog, então, quando se busca alertar sobre o tema, acreditamos que a produção desse tipo de
texto funciona mais de maneira didático-educativa do que para atingir os receptores.
Certamente, ao discutirem na entidade algumas temáticas sobre a necessidade de se estudar,
por exemplo, para se ter um bom emprego - como o que vimos no texto “O desemprego”,
da indígena Cunha Anhanduá - eles transferem ao texto um alerta que lhes foi dado, de
forma a atingirem a si mesmos no momento da produção.
Em terceiro lugar, com cinco textos sobre cada aspecto, temos “crítica ao governo”
e “crítica ao não- indígena e sua organização social”. Com quatro textos, percebe-se uma
tentativa de “valorização da cultura indígena”, a partir da divulgação de contos e mitos.
Com três textos aparecem “crítica à grande mídia” e “comparação entre índios e não- índios
(karaís45)”.
A partir destes dados, vemos um conteúdo crítico-reflexivo - sobretudo em relação
aos karaís e sua organização social, além de criticarem o governo que deveria garantir- lhes
direitos constitucionais -, na tentativa de valorização da própria cultura como uma forma de
se defenderem desta realidade da qual também fazem parte: a sociedade dos brancos que
muitas vezes os trata com descaso e preconceito.
Em apenas dois textos eles se utilizam da reivindicação como aspecto central, o que
reflete, de certa forma, as discussões promovidas pela GAPK no intuito de incentivar os
indígenas a não ficarem apenas reclamando e pedindo coisas, mas a pensarem nos seus
motivos e nas possíveis soluções.
Encerrando as discussões sobre o aspecto central abordado nos textos, definimos,
como uma terceira categoria a ser analisada em nossa AC, sobre quem se fala. Para
classificarmos, oferecemos como opção: Indígena, Não-indígena ou Ambos.
45 Na língua guarani, os não-indígenas são chamados de karaís. Este termo é comumente utilizado nos diálogos com os indígenas e também está presente em seus veículos de comunicação
121
Chegamos ao seguinte gráfico:
GRÁFICO 4
Sobre quem se fala no ajindo.blogspot.com - 17/05/2006- 29/11/2007
32
0
44
76
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Indígena Não-indígena Ambos Total
Dos 76 textos que foram analisados, em 42% (32 textos) o indígena aparece como
ator principal. Em 58% dos textos (44), se fala sobre o não- índio e o branco
simultaneamente.
Pensar nestes dados com relação à realidade em que vivem os indígenas quanto à
grande mídia, por exemplo, é perceber que, se nos outros meios de comunicação eles não
têm visibilidade, e quando a tem é majoritariamente em temáticas que lhes são
desfavoráveis, no blog que publicam são personagens principais. O número expressivo de
textos em que os indígenas dividem espaço com os karaí é justificado pelo número de
críticas aos não-indígenas e sua organização social, além de comparações entre eles.
Em nossa quarta categoria, gêneros utilizados nos textos, os classificamos em
informativo, opinativo e entretenimento. Buscamos seguir como base a classificação
proposta por José Marques de Melo (2003, p.65-67) em que
Os gêneros que correspondem ao universo da informação se estruturam a partir de um referencial exterior à instituição jornalística: sua expressão depende diretamente da eclosão e evolução dos acontecimentos e da
122
relação que os mediadores profissionais (jornalistas) estabelecem em relação aos seus protagonistas (personalidades ou organizações). Já no caso dos gêneros que se agrupam na área da opinião, a estrutura da mensagem é co-determinada por várias variáveis controladas pela instituição jornalística e que assumem duas feições: autoria (quem emite a opinião) e angulagem (perspectiva temporal ou espacial que dá sentido à opinião) (MARQUES DE MELO, 2003, p.65)
Devido à não-existência de jornalistas nem capacitação quanto aos gêneros
jornalísticos nessa experiência de comunicação entre os indígenas, consideramos como
gênero informativo a tentativa de noticiar um fato de maneira distanciada e objetivando
informar os receptores, mesmo que em alguns momentos, apesar do lead bem delimitado e
da estrutura informativa basicamente factual, aconteça algum deslize a partir da utilização
da 1ª pessoa ou opinião. De toda a forma, até nos textos que se pretendem informativos, os
indígenas não se emitiram de opinar, mesmo que de maneira discreta e isso foi considerado
posteriormente nas análises.
GRÁFICO 5
Gêneros utilizados no ajindo.blogspot.com - 17/05/2006- 29/11/2007
22
48
6
76
01020304050607080
Jorn
alis
mo
info
rmat
ivo
Jorn
alis
mo
opin
ativ
o
Ent
rete
nim
ento
Tot
al
Dentre os gêneros jornalísticos analisados, encontramos 22 textos caracterizados
como jornalismo informativo, o que corresponde a cerca de 29% e 48 textos caracterizados
como jornalismo opinativo, 63% do total . Seis dos 76 textos, aproximadamente 8%, não se
123
enquadram como jornalismo, sendo, portanto, considerados dentro da categoria
Entretenimento.
A necessidade de usarem este espaço para emitirem opinião, para fazerem seus
comentários a respeito das temáticas que lhes são comuns, é claramente percebida pelo
gráfico acima. Afinal, o blog sendo utilizado como uma forma alternativa de comunicação
pelos indígenas, cumpre o papel de dar voz aos que não têm, e isso, de forma meramente
informativa, não lhes seria suficiente, pois, muitas vezes eles demonstram a frustração em
quererem evidenciar as suas versões sobre os fatos e não terem essa oportunidade na grande
mídia. A representatividade e identificação, a partir do momento em que chamam o texto
para o “eu” ou o “nós”, de certa forma, também lhes são garantidas.
Definimos ainda, em cada classificação - informativa, opinativa e entretenimento,
qual o formato de texto que estava presente. Neste ponto, vale parar para refletir, por
exemplo, na quantidade de distorções dos gêneros informativos, tais quais os conhecemos e
identificamos nos conceitos de José Marques de Melo (2003, p.65-67). Um exemplo que
podemos citar é o caso de, em textos tipicamente noticiosos, como uma nota, verificarmos a
utilização da primeira pessoa, do singular ou plural, seguida de uma opinião, como
complemento. Vejamos o exemplo de um texto retirado do blog, do dia 27 de novembro de
2007, sem assinatura:
A AJI esteve marcando presença na reunião realizada na aldeia onde vieram vários órgãos para ouvir o que os indígenas tinham a dizer sobre a violência , de manhã teve debates entre a comunidade indígena e de tarde a comunidade se dividiu em quatro grupos onde foram elaboradas muitas propostas para a melhora da nossa aldeia , os jovens da AJI também elaboraram as suas propostas , no final da reunião todas as propostas foram lidas na plenária e em seguida foi feito um documento. Espero que as nossas propostas não fiquem só no papel e que comecem agir logo pois é um caso de emergência (MELHORA, 2007, p.1)
Em textos como este, consideramos na análise o formato predominante, no caso
uma nota (informativa), porém, deixamos aqui a observação de que apesar de apresentar 22
textos no gênero informativo, a maioria deles pressupõe este caráter híbrido. Ao refletirmos
sobre esta característica, presente em quase todos os noticiosos, ressaltamos mais uma vez a
necessidade que sentem de opinar, de terem voz, de deixarem claras as suas posturas
ideológicas e da não possibilidade de exigir o engessamento de seus textos em formatos
124
ocidentais, já que o processo de produção de suas notícias é feito a partir de suas
particularidades, por si só, híbridas.
Passemos a apresentar, dentro de cada gênero, os formatos encontrados.
Em jornalismo informativo e apoiados na classificação de Marques de Melo, como
foi citado, compreende-se os formatos: nota, notícia, reportagem e entrevista. Por nota,
consideramos os textos que se pretendiam noticiosos e objetivos, sem aprofundamento nem
contextualização do factual, sendo geralmente trabalhado em um ou dois parágrafos. Por
notícia consideramos um relato mais aprofundado do fato, com dados mais apurados e que
nos possibilitam uma melhor visualização do assunto exposto. Reportagem seria, segundo o
autor (2003, p. 66) “o relato ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo
social e produziu alterações que são percebidas pela instituição jornalística”. A entrevista,
ainda apoiando-nos no mesmo autor “é um relato que privilegia um ou mais protagonistas
do acontecer, possibilitando-lhes um contato direto com a coletividade” (MARQUES DE
MELO, 2003, p.66).
Dos 22 textos que se enquadraram no gênero informativo, encontramos que sete
deles são notas e 15 notícias. Não registramos reportagens no blog, talvez porque a própria
estrutura da mídia on-line inviabiliza o formato. Entrevistas também não aparecem.
Dentro do gênero opinativo, consideramos editorial, comentário, artigo, resenha,
coluna, crônica, caricatura e carta, totalizando 48 textos. Por editorial, o autor (2003, p. 66)
considera um texto que “não tem autoria, divulgando-se como espaço de opinião
institucional”. No caso do blog e do Jornal AJIndo, porém, o item “não-autoria” não pôde
ser considerado, haja vista que todos os textos que inclusive divulgava a opinião
institucional (da Ação dos Jovens Indígenas) estavam assinados buscando a valorização do
autor. A classificação se deu, portanto, a partir da própria visão que o indígenas têm de seus
textos, pois no Jornal AJIndo, análise que veremos no próximo capítulo, eles definem um
selo “Editorial” e o utilizam nos textos que consideram sê- lo. No blog, porém, não
encontramos este tipo de delimitação.
Por comentário, consideramos os textos totalmente pessoais, produzidos em
primeira pessoa e que buscam avaliar ou analisar um fato ocorrido. Geralmente as opiniões
estão localizadas mais no nível do “achismo” do que embasamento cultural ou
conhecimento do assunto, como é definido por José Marques de Melo (2003, p.112-113).
125
“O comentarista é geralmente um jornalista com grande experiência e tirocínio, que
acompanha os fatos não apenas na sua aparência, mas possui dados sempre disponíveis ao
cidadão comum. Trata-se de um observador privilegiado, que tem condições para descobrir
certas tramas que envolvem os acontecimentos e oferecê- las à compreensão do público”.
O artigo, que é um texto opinativo geralmente trabalhado no jornalismo impresso,
tem um caráter de domínio do autor sobre a temática. Em nossa análise porém,
consideramos como artigo um texto mais aprofundado com relação ao assunto abordado,
sendo que, a profundidade das discussões e dos dados sobre o tema o diferenciaram do
comentário. De toda a forma, não nos pareceu tão importante para se alcançar os resultados
da pesquisa, a delimitação precisa dos formatos utilizados, mas sim sua classificação em
informativo, opinativo ou entretenimento. O importante era saber qual o tipo de matérias
mais trabalhadas e como se dava a narrativa: informativo-objetiva ou meramente opinativa,
e isso de maneira mais geral, já alcançamos. Mesmo assim, continuamos a demonstrar
como consideramos a análise.
Por resenha, mantivemos a classificação de MARQUES DE MELO (2003, p, 129).
“O gênero jornalístico que se convencionou chamar de resenha corresponde a uma
apreciação das obras-de-arte ou dos produtos culturais, com a finalidade de orientar a ação
dos fruidores ou consumidores”.
Como coluna, consideramos o que o autor chama de tendência geral. “Há uma
tendência geral para chamar de coluna toda seção fixa. Assim sendo, a coluna abrange,
segundo essa noção, o comentário, a crônica e até mesmo a resenha”. No blog não
registramos essa iniciativa, apenas no Jornal AJIndo.
A crônica, considerada por alguns estudiosos um gênero tipicamente brasileiro,
“designa uma composição breve, relacionada com a atualidade, publicada em jornal ou
revista. De tal forma esse significado está generalizado que só mesmo os especialistas em
historiografia se lembram de outro, bem mais antigo, o de narração histórica por ordem
cronológica”. (RÓNAI apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 148).
Composta por imagens, a caricatura tem função opinativa. “[...] é a encarregada de
assinalar qualquer excesso social ou político suspeito de licenciosidade corruptora”
(COLUMBA apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 163).
126
Por fim, consideramos como carta, já que não houve no blog nem no jornal uma
sessão de cartas do leitor, um texto em específico que aparece no blog que tem a estrutura
próxima de uma carta convencional, uma homenagem a um amigo que se suicidou.
As definições totalmente elaboradas a partir de experiências de comunicação
ocidentais, são tidas, como observamos, como parâmetros para a análise, porém não se
encaixam a uma realidade tão diversa, a uma experiência popular, indígena, alternativa e
tão complexa de comunicação.
Dentro da catego ria “Jornalismo opinativo”, comentários compõem 38 textos ou
79% dos formatos presentes, o que vem a confirmar a necessidade que eles têm de
apresentar suas versões e opinarem sobre os fatos que os rodeiam. Artigos são oito e
resenhas e cartas aparecem ape nas uma vez.
Fora da classificação como Jornalismo, consideramos a classe Entretenimento, a
partir de nossa pré-análise como que composta por quadrinhos, contos e coluna social. Seis
textos fizeram parte do blog. Os contos, que aparecem em cinco textos, foram utilizados
para retratar lendas e mitos indígenas, e a coluna social, apenas uma vez, para registrar
momentos importantes da caminhada dos jovens e da entidade.
Por fim, a categorização a respeito das ilustrações presentes nos textos nos trouxe
grande estranhamento. O fato se dá porque eles desenvolvem oficinas de fotografia e têm
na imagem, um forte fator de identificação e fortalecimento da auto-estima. Os dados
colhidos porém nos apresentam uma má-utilização do recurso fotografia, ainda mais num
meio em que espaço não é sinônimo de mais custos, como nas mídias impressas. Vejamos:
127
GRÁFICO 6
Ilustrações utilizadas nos textos do ajindo.blogspot.com - 17/05/2006- 29/11/2007
08
0
6876
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Desenho Foto Infográfico Nenhuma Total
Em apenas oito postagens o recurso da fotografia foi explorado, sendo 68 textos, o
que corresponde a 89,5%, sem a utilização de nenhuma forma de ilustração. Questionada
sobre a observação feita quanto a pouca utilização de imagens na pré-análise, a responsável
pela ONG, Maria de Lourdes Beldi de Alcântara, apontou como fator responsável pela má
exploração do recurso, dificuldades técnicas relacionadas ao tratamento das fotografias,
dificuldades com os softwares relativos à imagem e poucos computadores à disposição dos
jovens.
Encerrada a Análise de Conteúdo, de acordo com as categorias propostas, detivemo-
nos, ainda, a tabular os jovens que mais postaram no blog, no intuito de identificar o sexo e
etnia de seus autores.
Antes de apresentarmos os gráficos que conseguimos compor, cabe a apresentação
da tabela com os participantes para facilitar o entendimento dos gráficos posteriores.
Destaca-se de antemão que dos 76 textos, 66 foram assinados, enquanto dez não possuem
identificação.
Consideramos portanto que o número de vezes que a pessoa aparece não
corresponde obrigatoriamente ao número de textos que ela produziu, pois, alguns textos são
128
assinados por ma is de um autor. Dos 66 textos assinados, catalogamos nos anos de 2006 e
2007 a participação de 19 jovens, que devido a co-autoria aparecem por 72 vezes. Os textos
não-assinados não compõem os gráficos que serão apresentados em seguida.
TABELA 5
Assinaturas de cada jovem em textos individuais ou em co -autoria no
ajindo.blogspot.com
Autores Sexo Idade Etnia Assinaturas
1.Jaqueline Gonçalves Porto F 16 Kaiowá 15
2.Micheli Alves Machado F 19 Kaiowá 11
3.Ana Cláudia de Souza F 17-18 Guarani 8
4.Graciela Pereira dos Santos F 18-21 Guarani 7
5.Diana Davilã da Silva F - Terena 6
6.Indianara Ramires Machado F 15-16 Kaiowá 5
7.Cunha Anhanduá F 17 - 4
8.Cunha Poty Rory F 20-21 Guarani 2
9.Ernesto Ráulio Gonçalves M 16-18 Guarani 2
10.Rosivânia Espíndola F 14 Guarani 2
11.Tatiane Ráulio F 14 Kaiowá 2
12.Alcir Rodrigues Medina M 21 Guarani 1
13.Cléberson Ferreira M 16 Kaiowá 1
14.Diéferson Batista Gimenes M 16 Guarani 1
15.Eder Felipe Valério M 17 Terena 1
16.Emerson Machado M - - 1
17.Josimara Ramires Machado F 18-19 Kaiowá 1
18.Júlio dos Santos Echeverria M 19 Terena 1 19.Kátia M. R. Gonçalves F 13 Guarani 1
A partir da apresentação desta tabela, e pensando não mais num total de 76 textos
mas de 19 jovens, vamos aos gráficos.
Quanto ao sexo, encontramos a participação das mulheres, em destaque.
129
GRÁFICO 7
Classificação, por sexo, dos jovens participantes do ajindo.blogspot.com - 17/05/2006- 29/11/2007
12
7
19
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
Mulheres Homens Total
Em 63% das assinaturas as mulheres aparecem como as que mais escreveram dentre
o total de 19 jovens diferentes, identificados como emissores da informação. Se fôssemos
avaliar por textos e não por assinatura (ou seja, se desconsiderássemos os textos com co-
autoria), as mulheres certamente teriam uma participação muito mais expressiva, mas como
nosso objetivo é o de demonstrar quantos jovens participaram diretamente do blog e se
viram representados, decidimos por não classificar quantos textos foram escritos por
homens e quantos por mulheres, mas analisarmos quantitativamente, a participação de
homens e mulheres de maneira direta, ou seja, com sua assinatura.
A classificação por etnia também foi feita dessa forma, conforme indica o Gráfico 8:
130
GRÁFICO 8
Classificação, por etnia, dos jovens participantes do ajindo.blogspot.com - 17/05/2006- 29/11/2007
8
6
32
19
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
Guarani Kaiowá Terena Não-identificados
Total
Dentre os 19 jovens que participaram diretamente do blog, oito são guarani-
ñandeva, seis guarani-kaiowá e três terena. Dois jovens não identificaram suas etnias,
provavelmente por esquecimento não- intencional. Os guarani (kaiowá e ñandeva) são,
dentre as três etnias, os que mais sofrem com o descaso, preconceito e discriminação. São
também os que apresentam os maiores índices de suicídio e mortalidade infantil por
desnutrição. Talvez isso explique a maior participação deles no blog. Afinal, são os que
mais sentem a necessidade de clamar por transformações e expor suas opiniões sobre a
realidade que os afeta.
Uma das indígenas conta46 sua experiência com o blog, destacando ser este o
trabalho que mais lhe agrada na AJI.
Sabe que eu me sinto muito feliz por estar aqui trabalhando com o blog. Você não tem idéia do quanto eu adoro escrever. Porque em primeiro lugar o mundo não conhece a realidade indígena, o mundo não conhece a realidade que os indígenas passam, então,
46 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
131
pensando nisso, os textos que eu coloco, não sei se você já percebeu, eu penso assim, o mundo tem que conhecer a nossa realidade, o que a gente passa. E é baseado nisso que eu escrevo os textos.
O trabalho desenvolvido por esta indígena com relação ao blog, surge, segundo ela
do incentivo de uma professora quanto à produção de textos. Acreditando ser uma boa
escritora, a indígena se coloca à disposição da causa, e se sente muito realizada ao
perceber-se útil à comunidade indígena.
Como eu escrevia bem eu tinha que colocar isso em prática e devolver isso pra comunidade. Nossa, hoje eu fiquei tão feliz quando eu mostrei a reportagem pra agente de saúde da Bororó, Maria de Fátima. Eu mostrei pra ela e ela disse, leia pra mim, eu quero que você leia. Aí ela falou, estou emocionada, não sei se eu choro. Daí eu falei, por que? Daí ela falou, nossa, você faz uma coisa que ninguém ia fazer pela gente. Aí sabe, ela me agradeceu e eu falei, não precisa me agradecer, eu gosto de fazer isso. Quando alguém diz que viu um texto meu, eu não me sinto importante, mas fico feliz por saber que as pessoas estão reconhecendo meu trabalho. Não fico me achando, mas é mais uma questão de ser útil que ser importante.
O fato de se colocar como sujeito do processo comunicativo, como enunciadora, faz
com que a kaiowá sinta-se motivada a trabalhar por sua comunidade. E a recompensa vem
em forma de agradecimentos e elogios, o que pela própria dinâmica social lhe garante uma
melhoria de sua auto-estima.
Encerradas, portanto, as análises dos gráficos desenvolvidos a partir dos 76 textos
do blog, nos anos de 2006 e 2007, e consideradas as entrevistas pertinentes à questão, vale
ressaltar ainda que o formato disponibilizado a um blog oferece a possibilidade de
participação dos espectadores. Neste sentido, os espectadores que entram em contato com
as temáticas trabalhadas pelos indígenas diariamente oferecem a possibilidade de feedback
do receptor, que num processo dialógico tem a sua disposição ferramentas que o
possibilitam tornar-se emissor, favorecendo a discussão e a reflexão crítica das temáticas
que os são tão particulares e ao mesmo tempo, públicas.
132
CAPÍTULO IV – Jornal AJIndo: uma alternativa comunicacional?
Para pensarmos no Jornal AJIndo (Ação dos Jovens Indígenas de Dourados) como
um meio alternativo de comunicação, é preciso que entendamos um pouco mais sobre os
objetivos que tinham a GAPK (Grupo de Apoio aos Povos Kaiowá) - ONG que apóia os
jovens da Reserva de Dourados (RD) - e a AJI (Ação de Jovens Indígenas), a partir do
momento em que percebemos que todas as suas iniciativas passam pela comunicação, como
as atividades citadas no capítulo anterior - oficinas de fotografia, cinema, redação e o
incentivo ao desenvolvimento do blog e fotolog.
As dificuldades descritas no decorrer deste trabalho de pesquisa colocam-nos a par
da conturbada realidade que envolve os indígenas da Reserva, e, principalmente, devido a
sua não- localização social, os jovens indígenas. Portanto, coube-nos investigar por meio do
Jornal AJIndo e das outras atividades desenvolvidas pela AJI, quais têm sido os objetivos
do intenso trabalho deles, englobando a produção de textos e imagens, buscando de certa
forma enxergar quais os resultados que vêm sendo obtidos, se vão “de” ou “ao” encontro do
que se esperava.
Quanto a entender o por que de um trabalho em que a comunicação tem sido
suporte, a responsável pela GAPK, Maria de Lourdes Beldi de Alcântara, destaca47
Eu não tinha um objetivo principal, sabe aquela coisa de, ah, eu quero... não! Eu nunca tive objetivo principal, nunca, nunca. O que eu tinha na minha cabeça é que eles tinham que aparecer de qualquer maneira. Se tivesse um objetivo era esse. Eles tinham que aparecer de qualquer maneira, eles tinham que aparecer pra ver o quanto eles eram capazes, o quanto eles eram importantes. Se você falar de um objetivo é esse. O jornal, quer dizer, não é que tinha um objetivo. Quanto mais eles se expressassem sobre eles, melhor seria.
Primeiramente, vale retomar o surgimento do jorna l AJIndo. É normal que cause
algum estranhamento, a princípio, a existência de um jornal impresso desenvolvido em
47 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
133
meio a uma comunidade indígena, até porque, sabe-se que a comunicação indígena
tradicional se dá de maneira oral e direta, face-a-face. Além disso, existe uma problemática
mais complexa dentro da RD, que é o caso de co-existirem num mesmo espaço três etnias,
com costumes, língua, crenças e histórias diferentes.
Unir tanta diversidade em torno de um jornal, se considerarmos o alto- índice de
analfabetismo e desconhecimento da língua portuguesa na aldeia, parece um tanto quanto
ilusório e paradoxal.
Devido a isso, abordamos no capítulo III a existência de uma rádio comunitária RD,
para tentarmos entender porque a AJI, juntamente com a GAPK, não havia se arriscado a
divulgar informações por meio do rádio, que por sinal, seria um dos veículos mais
próximos da tradição oral indígena.
O fato é que, os problemas que envolveram a tentativa de implantação de uma rádio
comunitária na aldeia Bororó, além da necessidade de delimitação de uma sede, de uma
equipe que comande a rádio e da capacitação para sua utilização de maneira positiva para a
comunidade, nunca fizeram da AJI e ONG suas apoiadoras. Maria de Lourdes Beldi de
Alcântara acredita que com tantos conflitos internos e disputas étnicas, as dificuldades de
viabilização da rádio não valeriam tanto a pena.
Além disso, a idealização do Jornal AJIndo partiu dos próprios indígenas, que viram
na comunicação impressa uma alternativa para solucionarem alguns problemas até então
emergenciais. Dentre as problemáticas apontadas pelos indígenas, estava o fato de a grande
mídia entrar na aldeia pra falar deles, e muitas vezes não conseguir transmitir de maneira
verídica os fatos, tais como ocorreram. Decorre daí, a grande incidência de matérias nos
jornais da cidade criticadas pelos indígenas como repletas de inverdades.
Uma kaiowá de 17 anos, afirma querer, por meio do jornal, fazer com que a
sociedade não- índia conheça a realidade dos indígenas. Questionada quanto a esse papel já
estar sendo cumprido pela grande mídia de Dourados e região, ela reage: “Eles escrevem
totalmente o contrário, colocam a versão deles”.
Sem saber denominar a atividade que desenvolve, a mesma indígena, recorta desde
2006 todas as matérias que são divulgadas no jornal que a ONG assina, O Progresso,
desenvolvendo um clipping a respeito do que se fala sobre os indígenas. O mesmo trabalho
é feito com as matérias que acha sobre os indígenas de Dourados na Internet. Quando estão
134
com a pasta na mão, eles se mostram muito críticos com relação aos fatos apresentados e
temáticas abordadas. Desenvolvem em suas discussões, uma leitura crítica da mídia
douradense e se posicionam de acordo com suas reflexões.
Mas não foi buscando apenas dar uma resposta à sociedade não- indígena que se
posicionaram. O fato de não se encontrarem dentre as categorias aceitas pela comunidade
indígena, afinal, não são mais crianças, mas também não se tornaram adultos pelo
casamento, os jovens solteiros sentiram a necessidade de lutar por um espaço e por
emitirem opiniões a respeito do que também lhes dizem respeito, pois são indígenas não
aceitos pelos indígenas e convivem com os brancos que também não lhes aceitam por
serem indígenas. “Eles perceberam que precisavam se juntar”, destaca Maria de Lourdes
Alcântara. A pesquisadora ainda comenta que, na época, o jornal veio deles mesmo. “Eles
diziam: Lou, vamos mostrar quem somos. E eu falava: como a gente vai mostrar?”.
1 Jornal AJIndo
O surgimento, contam, se deu num sábado de manhã, em fevereiro de 2004, numa
sala de aula em que estavam discutindo um senso que haviam feito na aldeia. Uma das
fundadoras da AJI, kaiowá, hoje com 21 anos, relata48 a experiência de terem pensado neste
dia a iniciativa do jornal.
A comunicação é importante primeiro pra poder expressar tudo isso. Expressar o que a gente acha, o que a gente pensa, deixa de achar. Tem o objetivo de termos voz, mas também de sermos reconhecidos, sermos escutados. De ter um espaço dentro da aldeia, o que é mais importante. A idéia de começar a jornal veio de todo mundo junto. Quando a AJI começou a gente sonhava muito, a gente queria fazer tudo, tudo, tudo ao mesmo tempo. A gente queria ter jornal, a gente queria ter teatro, a gente queria ter tudo. Mas o jornal foi mais pra gente poder escrever, poder colocar o que a gente achava.
Como apoio à iniciativa de organizar um jornal, a ONG GAPK (Grupo de Apoio
aos Povos Kaiowá) passa a desenvolver com os jovens indígenas das três etnias, oficinas de
redação e de discussão. Baseados nestas oficinas, os jovens que quisessem participar do
informativo produziam seus textos, fotos e ilustrações, e os colocavam à disposição. Ao
48 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
135
atingirem uma quantidade suficiente de texto, condições para diagramação e impressão, os
textos era escolhidos em grupo, e um boneco montado em cartolinas, para que todos
pudessem visualizar como ficaria o informativo. A primeira turma de jovens, que saiu da
AJI em 2006 por terem passado nos primeiros lugares de concursos públicos e não terem
mais como se envolver com a entidade tão diretamente, eram cerca de 15.
De fevereiro de 2004 até dezembro de 2006, foram publicadas oito edições, a
primeira denominada edição número um e posteriormente uma edição especial nº1. A partir
daí, os jornais foram chamados de Edição Especial nº 2, 3, 4, 5, 6 e 7, a última produzida
em 2006, e a última que analisamos. Nosso objetivo era encerrar a análise englobando
todos os jornais de 2007, porém, por dificuldades internas não saiu nenhum exemplar neste
ano.
De acordo com os jovens e com a antropóloga responsável pela ONG, dentre as
dificuldades de publicação em 2007 estavam a falta de comprometimento da professora da
Oficina de redação, que era responsável por incentivar a produção dos materiais e
encaminhá- los até a gráfica, após seleção e diagramação pelos indígenas, e, ainda, a
renovação do grupo, que a partir de 2007 tinha 30 novos responsáveis pelo jornal.
Alcântara destaca que a professora conseguiu extrair bons materiais dos jovens,
porém, não articulou a publicação dos jornais. Uma kaiowá de 17 anos critica: “O jornal
não rodou por falta de eficiência da equipe de apoio. Montamos os bonecos todos juntos no
papel. Também não foi por falta de dinheiro que não saiu, mas por falta de vergonha”.
Assim como fizemos no blog, classificamos de acordo com as assinaturas no Jornal
os jovens que participaram, a fim de tentarmos mapear essa participação.
Antes de apresentarmos os gráficos que conseguimos compor dos dados colhidos,
optamos por apresentar a tabela com os participantes para facilitar o entendimento dos
gráficos posteriores. Destaca-se de antemão que dos 96 textos, 81 foram assinados,
enquanto 15 não possuem identificação.
Consideramos, portanto que o número de vezes que a pessoa aparece não
corresponde obrigatoriamente ao número de textos que ela produziu, pois, alguns textos são
assinados por mais de um autor. Dos 81 textos assinados, catalogamos em todas as edições
- de fevereiro de 2004 a dezembro de 2006 - a participação de 60 jovens, de 11 a 24 anos,
136
que devido a co-autoria assinam por 154 vezes. Os textos não assinados não compõem os
gráficos que serão apresentados em seguida.
TABELA 6
Assinaturas de cada jovem em textos individuais ou em co-autoria no Jornal AJIndo
Fevereiro/2004 – Dezembro/2006
Autores Sexo Idade Etnia Assinaturas
Graciela Pereira dos Santos F 18-20 Guarani 15 (25%) Indianara Ramires Machado F 15 Kaiowá 13 (21,6%) Ana Cláudia de Souza F 18-19 Guarani 11 (18,3)
Rosidária Ramires Machado F 16 Kaiowá 10 (16%) Alcir Rodrigues Medina M 20-21 Guarani 7 (11,6%)
Ariane Ramires Machado F 18 Kaiowá 6 (10%) Josimara Ramires Machado F 18-20 Kaiowá 6 (10%) Micheli Alves Machado F 20 Kaiowá 5 (8,3%)
Antônio João Rodrigues M 17 Guarani 4 (6,6%) Jéssica Ramires F 15 Kaiowá 4 (6,6%)
Thiago Gonçalves Porto M - - 4 (6,6%) Ana Kátia F 13 - 2 Beatriz F 16 Guarani 2
Beatriz Rodrigues F 16 Terena 2 Bruno Aquino M - - 2
Cléberson M - - 2 Constâncio M 16 - 2 Cristiane Romero F 14 Kaiowá 2
Elivelton Gonçalves M 15 Kaiowá 2 Ernesto Ráulio Gonçalves M 16 Kaiowá 2 Genessi M - - 2
Janete Souza F - - 2 Jaqueline Gonçalves Porto F 15 Kaiowá 2
Júlio dos santos Echeverria M 20 Terena 2 Kátia M. R. Gonçalves F 12 Guarani 2 Kenedy Morais M 24 Guarani 2
Neilda Freitas F - - 2 Nilcimar M - Terena 2
Rosivânia Espíndula F 13-14 Guarani 2 Tânia Porto Benites F 16 Guarani 2 Bianca Machado F 11 Terena 1
Cláudia Amarília Pires F - - 1 Dênia F - - 1 Edimar M - - 1
137
Elionel M - - 1 Erika F - - 1 Gilza F - - 1
Jaílson M - - 1 Joel Ramires M - - 1 Jonatan M - - 1 Josiela Benites (Bob) F - - 1 Keli Benite F 13 Kaiowá 1 Keyt F - - 1 Kuña Mbo´y Poty Rendy´i F - - 1 Nilson Morales M 24 Terena 1 Rafael M - - 1 Regiane Martins F - Terena 1 Roberto M 13 Guarani 1 Rodolfinho M 16 Terena 1 Rógena F - - 1 Romildo M - - 1 Solange F 21 - 1 Soyane F - - 1 Tatiane Ráulio F 14 Kaiowá 1 Tayane Alves F 16 Kaiowá 1 Tervinha Espíndula Fernandes F 13 Guarani 1
Theddy M - - 1 Tuane Benites Daniel F 15 Guarani 1 Vanessa F - - 1
Yara Souza Rodrigues F - - 1
A partir deste total de 60 jovens, classificamos a participação de homens e
mulheres, o que pode ser verificado no gráfico abaixo.
138
GRÁFICO 9
Classificação, por sexo, dos jovens participantes do Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006
37
23
60
0
10
20
30
40
50
60
70
Mulheres Homens Total
Seguindo a mesma situação encontrada na participação de homens e mulheres no
blog, as mulheres representam a maioria, com uma participação de aproximadamente 61%.
Assim como aconteceu no blog, muitos textos publicados pelos homens são feitos em co-
autoria, reunindo dois ou três homens, o que certa mente eleva as estatísticas para os
homens e diminui a diferença.
Desde a primeira turma da AJI que participou do jornal, 15 pessoas, a entidade
sentia a necessidade de mais homens participando, até mesmo por questões estruturais que
perpassavam diferenças culturais. Conta uma indígena49 que participou do processo:
[Na época do senso] Eram 12 pessoas, poucos homens, mais mulheres. Teve uma época que nós precisávamos de homem porque a Lou não podia levá-los sozinha de carro por ser mulher, branca. Ela era antropóloga, ela era tudo de ruim pra eles e precisava de um homem pra levar [os três homens que participavam da AJI para os lugares], e na época não tinha meninos que fizessem isso.
49 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
139
Ao ser questionado sobre o porque da pouca participação dos homens no jo rnal e
blog, um dos indígenas, homem, que atua na entidade revela 50 que “[Eles] Preferem
participar de atividades esportivas. Não gostam de participar de coisas de pensar, de
escrever. Eu gosto de participar aqui pra adquirir conhecimento. Enxergo as atividades
daqui como um processo de educação, de aprender”.
Percebemos durante a análise, que apesar de o jornal acolher jovens com idade entre
11 e 24 anos, a forma de participação deles era diferenciada. Importante esclarecer que nem
todos os jovens identificaram suas idades no jornal, o que nos garante apenas uma análise
superficial dos dados. Dos 60 participantes, apenas 41 disponibilizaram este dado, mesmo
assim, propusemo-nos a analisar os tipos de produções de cada um, a fim de detectar como
as faixas etárias se organizam para terem espaço no jornal. O Gráfico 13 apresenta os
resultados.
GRÁFICO 10
Classificação, por idade, dos materiais produzidos pelos jovens participantes do Jornal AJIndo que se identificaram
- Fevereiro/2004 - Dezembro/2006
6 7
1
27
0
5
10
15
20
25
30
11-13 anos 14-24 anos
Desenhos / Versos /Recados / Traduções
Textos
50 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
140
Interessante foi perceber que os jovens de 11 a 13 anos que identificaram suas
idades totalizaram sete. E destes, seis participaram diretamente do jornal com desenhos,
versinhos, traduções de música ou recadinhos.
Os dados reafirmam a necessidade que eles têm de se verem representados, e ainda,
o esforço do grupo, que funciona como um conselho editorial ao selecionar os textos que
serão publicados, de também garantirem espaço aos mais novos, incluindo, às vezes,
temáticas que pouco colaboram para a luta dos jovens.
Para exemplificar, transcrevo um versinho intitulado “Dança de Rebelde”, escrito
por uma Guarani de 13 anos, e publicado na Edição Especial nº 6, página 3:
Eu gosto de dançar na música do Rebelde.
Pra sempre, eu gosto de cantar a música do Rebelde.
Todos os dias eu gosto de dançar na música do Rebelde.
Eu queria aprender as músicas do Rebelde.
Posteriormente a análise, durante a entrevista com Maria de Lourdes de Alcântara51,
a pesquisadora cita o cuidado que a AJI tem tido no intuito de não excluir os que querem
participar das publicações, garantindo espaço a todos, independente das limitações
lingüísticas, educacionais ou de idade. Isso fica bem claro em textos em que o português se
apresenta mal articulado chegando a dificultar a compreensão. Como exemplo, apontamos
a editoria “Últimas notícias”52 em que, a partir da denominação a editoria (que geralmente é
utilizado para anunciar fatos que acabaram de ocorrer), e dos erros de português que
remetem a ação a um tempo passado, temos dificuldade de compreender a informação que
se pretendia transmitir. Vejamos:
"Os jovens da AJI participaram do II Simpósio sobre Religiões, Religiosidade e
culturas, promovido pela UFGD que acontecera entre os dias 23 e 26 de Abril de 2006, no
Espaço Cultural Cine Ouro Branco” (ÚLTIMAS, 2006, p.6).
51 Realizada no dia 18 de janeiro de 2008 52 Publicada na Edição especial nº 5, página 6,
141
E ainda:
“Dia 29 de Abril acontecera o 1º Torneio de Voleibol Misto da AJI. Estão abertas as
inscrições (R$5,00)!!!!!!!! Ariane na Bororó e Ada no Jaguapirú” (ÚLTIMAS, 2006, p.6).
Como verificamos nas duas notas apresentadas, o tempo verbal em que os textos
foram escritos nos remete ao passado – “acontecera”, “participaram”, e “acontecera”
novamente. Estes indicativos nos dão a entender que os fatos aconteceram e estão sendo
anunciados em forma de nota.
O box trata, no entanto, de uma agenda, o que posteriormente fica claro devido a
data em que o jornal é publicado (janeiro a março de 2006) e o anúncio de que estão abertas
as inscrições para o Torneio de Voleibol.
Se o nível de conhecimento da língua portuguesa fosse fator excludente do jornal,
certamente os que produziram essas notas não teriam participação. Porém, não é o que
acontece, mesmo quando a informação está sendo prejudicada. Além de ser justificado pelo
fato de não pretender excluir ninguém, os erros podem ter sido um deslize dos jovens, que
realmente não identificaram falhas em momento algum.
É importante ressaltarmos que antigamente eles tinham uma pessoa responsável
pela correção gramatical. Explica, porém a kaiowá, 21 anos, que participa do jornal desde
sua fundação “Tem o jornal nosso que antes a gente corrigia os textos, aí a gente decidiu
não corrigir mais pra manter o formato do texto e isso é bem antropológico”. O fato de não
corrigirem os textos é, portanto, uma decisão do grupo, que acredita desta forma, manter a
identidade do texto e do autor que o produziu.
Para além da produção dos materiais, é relevante pensarmos na forma de
distribuição dos jornais. Com uma tiragem não definida, nem padronizada, do primeiro ao
último jornal, a distribuição tem sido feita nas escolas da aldeia, nas universidades, nos
postos de saúde, na FUNASA (Fundação Nacional de Saúde), tentando, dessa forma,
atingir tanto os indígenas quanto os karaí.
Importante sabermos que como a maioria dos indígenas da Reserva são analfabetos,
ou, no caso dos guarani, falam a língua indígena, durante as reuniões realizadas com as
lideranças das aldeias os jovens levam o jornal e lêem para os mais velhos, analfabetos, ou
142
traduzem para o guarani, para os que não falam o português. Dessa forma, embora seja
mais difícil o acesso ao Jornal pelos mais velhos, os jovens se organizam de forma que
todos consigam entrar em contato com o conteúdo trabalhado e discutido nos textos.
Destacando que na primeira edição não consta a tiragem, os gráficos resultantes da
análise das tiragens nos apresentam os seguintes dados:
GRÁFICO 11
Tiragem por edição do Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006
0
1000
1500 1500 1500 1500
500 500
0200400600800
1000120014001600
Edi
ção
1
Edi
ção
espe
cial
1
Edi
ção
espe
cial
2
Edi
ção
espe
cial
3
Edi
ção
espe
cial
4
Edi
ção
espe
cial
5
Edi
ção
espe
cial
6
Edi
ção
espe
cial
7
A Edição especial nº 5 foi a primeira em que a AJI publicou um jornal com 8
páginas, até então havia publicado um jornal com duas páginas (Edição especial nº 1) e
quatro jornais com quatro páginas (Edição 1, Edição especial nº 2, Edição especial nº 3 e
Edição especial nº 4). Logo após a publicação do quinto jornal, com um número maio r de
páginas, houve uma redução brusca da tiragem apresentada no expediente dos jornais.
Certamente o custo destas páginas a mais, o que afinal representava o dobro de custo, foi
responsável pela redução no número de exemplares publicados.
O fato de o quinto jornal, já maior, não ter tido sua tiragem diminuída, pode ter se
dado tanto como forma de experiência quanto devido a importância da temática abordada
143
neste exemplar, que foi lançado logo após o conflito entre policiais e índios em Porto
Cambira, o que resultou na morte de dois policiais e sujou a imagem dos indígenas na
grande mídia da cidade. Este jornal apresenta textos que buscam contar a versão dos
indígenas para o fato, inclusive, é o único exemplar que contém um encarte, que se chama
“Manifesto dos jovens indígenas – O outro lado da história”, o que poderia ser considerado
uma nona página.
Ainda pensando na questão da recepção e distribuição dos jornais, a pesquisadora
Maria de Lourdes de Alcântara enfatiza que “o foco está na produção, mas produção sem
distribuição também não tem porquê. E uma produção que eles sentissem a troca, porque só
você produzir e não ter a troca. [Então] você vai depender da distribuição. A troca é o
reconhecimento dos outros”.
Discutidas algumas questões relevantes para a contextualização e reconhecimento
de detalhes do funcionamento do Jornal, passemos para a análise dos gráficos que refletem
as edições de fevereiro de 2004 a dezembro de 2006, baseados nos Assuntos principais,
Aspectos centrais, Sobre quem se fala, Gêneros jornalísticos e Tipos de ilustração utilizados
nos textos, as mesmas categorias em que analisamos os 76 textos do blog
ajindo.blogspot.com.
2 Exploração e análise do conteúdo do Jornal AJIndo
Durante nossa pré-análise, definimos cinco categorias para analisar: Assunto
Principal, Aspecto Central, De quem se fala, Gêneros utilizados e Ilustrações dos textos.
Para cada categoria, apresentamos os resultados em forma de gráficos, objetivando facilitar
a análise e visualização do Jornal como um todo.
Dos 95 textos analisados nas oito edições do Jornal AJIndo, detivemo-nos a
classificar os textos agrupados em 13 temáticas, além da categoria “Outros” que agrega
temáticas não-contempladas entre as 13, por não terem mais de um texto sobre o mesmo
tema.
144
2.1. Quanto ao Assunto Principal
No gráfico a seguir, temos a visão geral dos assuntos principais abordados nas oito
edições.
GRÁFICO 12
Assuntos principais publicados no Jornal AJIndo - Fevereiro/2004-Dezembro/2006
512
3 2 5 2 2 3
21 21
2 2 312
95
0102030405060708090
100
Des
caso
Pre
conc
eito
Edu
caçã
o
Saú
de
Laze
r
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ntos
AJI
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exte
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Ter
ra
Em
preg
o
Hor
ta
Out
ros
Tot
al
Representados por 21 textos cada, “Eventos promovidos pela AJI / Mobilização
interna” da entidade e “Participação em eventos externos” correspondem a 22% das
temáticas tratadas, juntos, 44%.
O retrato que se tem destes dados reflete a importância que a entidade dá para a
participação e promoção de eventos, palestras, seminários, oficinas, workshops, buscando,
dessa forma, desenvolver capacidades, enriquecer os conhecimentos gerais dos jovens
indígenas e apresentar-lhes novas realidades e situações, em que são discutidos não só
sobre eles, mas também a partir deles, questões que dizem respeito a suas realidades, por
meio da política, antropologia, ou até mesmo em atividades lúdicas.
145
O objetivo de se participar de tantos encontros externamente é explicitado por Maria
de Lourdes Alcântara53:
Uma coisa que eu sempre falava pra eles: por que eu levo eles nos encontros? É mostrar que essa não é a realidade só deles. Eu quero que eles vejam que não são só eles que sofrem, todo mundo sofre. Entendeu? O mundo. Os indígenas sofrem. Então isso é importante, você relativizar. É só comigo que acontece isso? É só comigo que minha família bate em mim? É só comigo que eu não tenho dinheiro? É só comigo? Não é só comigo. É a realidade dos indígenas no mundo. Por isso que eles vão nos encontros internacionais, porque eu quero que eles relativizem o sofrimento deles depois. Eu acho que eles vêm muito mudados.
Ao percebermos, porém, a importância que é dada a assuntos que demonstram como
a entidade se organiza e quais as ações que desenvolve, chegamos a refletir se o jornal é
utilizado como um objeto de assessoria de imprensa, buscando exclusivamente divulgar a
imagem da entidade.
Com base nas análises, entendemos que o AJIndo, mais do que cumprir um papel de
divulgação da entidade, representa a valorização do jovem participante da AJI - dentro e
fora da aldeia-, que é, na verdade, quem está por trás de todas as ações. Como conseqüência
da valorização do jovem indígena e das atividades das quais participa, o jornal acaba por
chamar a atenção para a própria entidade, que se apresenta dinâmica tanto em Dourados e
região, como no exterior.
Dentro ainda da temática “Eventos promovidos pela AJI / Mobilização interna”,
destacamos o teor político presente nos textos. Em um deles 54, que trata do Hip Hop,
entendemos que se encaixa como “mobilização interna” – e não como “lazer” ou “atividade
cultural”-, pois as meninas dizem ser esta atividade, a representação do “processo de
exclusão das minorias” e, ainda, dizem ser o Hip Hop, uma forma de “retratar a realidade
dos adolescentes da aldeia”.
Citamos ainda, como exemplo, o texto escrito por Graciela Pereira Santos55
53 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008 54 Entrevista publicada na Edição Especial 1, p. 1 55 Edição Especial nº1, p.1
146
O AJI se reúne quase todos os fins de semana para fazer reuniões interativas com atividades destinadas aos jovens. Mas além dos jovens o AJI procura envolver a comunidade como o todo, pois defende a comunidade contra qualquer tipo de injustiça, também é uma das prioridades do AJI. [...] De agora em diante o AJI estará a par de tudo que incluir a questão indígenas, tanto na saúde, lazer, educação e outros. Estaremos acompanhando para mostrar que jovem indígena tem voz e também o direito de opinar. Estamos de olho!!!” (SANTOS, 2004a, p.1).
No texto desenvolvido por Ana Claudia de Souza e Edimar56, também se percebe
claramente o teor político com que os jovens registram sua mobilização interna. “O nosso
objetivo é fazer com que jovens se unam, para que eles cresçam sabendo de todos os
problemas da aldeia, e quando eles estiverem prontos ocuparem um lugar no qual eles
possam ajudar a melhorar a nossa aldeia”.
O conteúdo político, porém, não é exclusivo à temática “Mobilização interna”.
Embora não tenha uma temática denominada política, em todas as classificações,
encontramos esse assunto presente.
O texto “Povo Indígena”57 por exemplo, escrito por Graciela Pereira dos Santos, foi
classificado na AC como referente à temática “Descaso”. Porém, ao nos apropriarmos de
um pequeno trecho, identificamos uma abordagem política, que se destaca.
Apesar de serem expulsos de suas terras, de sobreviverem a tantos massacres, será que ainda continuarão sendo desrespeitados, discriminados e expulsos pela sociedade banalizadora do conceito indigenista? Mas para deixar bem claro uma coisa, é importante falar que apesar tudo, o indígena não culpa a sociedade pela situação em que vive, e nem a si mesmo. Um dos maiores culpados é a política desse país, que beneficia poucos enquanto a maioria vive em condições precárias (SANTOS, 2004b, p.1).
Outro trecho do mesmo texto, mantém a abordagem:
São tantas as coisas que poderiam ser melhoradas, mas ao invés disso só tem piorado.
56 Edição Especial nº4, p.1 57 Edição nº1, p.1
147
As questões mais urgentes a serem atendidas e melhoradas pelos políticos engajados na questão indígenas, não esta sendo cumprido como deveria ser. Já não basta a exclusão da sociedade que existe em relação ao indígena, ainda assim existem políticos infelizes que tiram o direito desse povo de ter uma educação de qualidade, de ter oportunidade de expressão, de sonhar com um futuro melhor, onde irão ser respeitados e considerados profissionais competentes (SANTOS, 2004b, p.1).
Se num texto identificado como “Descaso” a política esteve presente, em outro, cuja
classificação o delimita como “Segurança”, o mesmo teor também é encontrado.
Hoje, na aldeia, todos já estão com medo de sair a noite, até mesmo para ir ao hospital. Além de ser muito perigoso, não tem mais segurança. A FUNAI não se importa com os povos indígenas, há muitas mortes, roubo e violência. Muitos reclamam da segurança nas aldeias mas ninguém responde nada, não fazem nada. Bom, queremos segurança na aldeia! Já está muito perigoso (BENITE, 2006, p.6).
O teor político que se coloca como reflexo de uma postura crítica dos jovens,
também deve ser entendido como uma necessidade de se posicionarem social e
politicamente, principalmente dentro da aldeia. O fato de as categorias “Eventos
promovidos pela AJI / Mobilização interna” e “Participação em eve ntos externos” terem
alcançado tanto destaque, também busca demonstrar a dinâmica constante de atualização
dos jovens quanto às discussões mais recentes, com diversas comunidades, e assim,
garante- lhes prestígio e credibilidade. Afinal, os jovens têm discutido com pesquisadores
(inclusive de outros países), com lideranças de diversas comunidades indígenas e não são
aceitos dentro de sua própria comunidade quando querem ter voz numa reunião?
Em terceiro lugar, a categoria que obteve mais citações nos jornais, de fevereiro de
2004 a dezembro de 2006, foi “Preconceito” empatando com “Outros”, com doze textos
cada um. Em “Outros” temos as temáticas que não alcançaram mais de um texto. São elas:
Cultura, Direito do consumidor, Ser jovem, Desmatamento, Manifesto, Mobilização da
comunidade como um todo, Agenda, Funai, Não- índios na aldeia, Crítica a Antropólogos,
Chefe do Posto Indígena e Moradia.
Considerando os 12 textos sobre “Preconceito” mais cinco sobre “Descaso”,
observa-se que os jovens abordam temas demonst rando que se sentem colocados à margem
148
da sociedade, isso sem pensar apenas na discriminação sofrida pelo jovem, mas pelo
indígena como um todo. Em “Preconceito”, são abordadas várias formas de discriminação:
da mídia e dos não-indígenas para com os indígenas. Exemplifiquemos.
Quanto à mídia, trouxemos dois textos ilustrativos. Um, produzido por quatro
indígenas, de 16 e 17 anos. Num texto que fala sobre as drogas e a violência, a crítica à
mídia, parcial e preconceituosa, é explícita:
Tudo que ocorre na aldeia, acontece em Dourados, mas o pior é que os jornalistas, a TV, nunca mostram isso. Por isso que nós os índios somos mais comentados que os brancos pois eles só publicam os nossos erros, e nunca fazem [falam] o que eles fazem de errado. Está certo que eles mostram mas como um raio, bem rápido, já os índios são muito analisados, mais comentados. Na nossa opinião eles têm que se olhar ou seja prestar mais atenção neles! (AS DROGAS, 2004b, p.3)
O outro texto mantém a mesma linha crítica, falando sobre a generalização que a
grande mídia faz: “Sabemos que, um crime praticado contra a vida, será sempre um crime
grave, e os culpados devem ser responsabilizados pelos seus atos, o que não admitimos é,
que as manchetes de jornais, os programas de TV, e pior ainda, nossos políticos,
generalizem tudo” (MACHADO, I., RODRIGUES; MEDINA; SANTOS, 2006, p.4).
Quanto ao preconceito entre não-indígenas e indígenas, retiramos da Edição
Especial nº1, p. 1, um texto de Micheli Machado, que faz uma forte crítica aos karaí e ao
preconceito que vem deles, desde pequeno. Revolta e vingança fazem parte de sua
abordagem.
Hoje ouvi uma coisa absurda, ouvi um menino dizer que índio não é gente, que índio é ladrão e preguiçoso. Mesmo a sociedade fechando os olhos para não ver e os ouvidos para não ouvir, índio é gente sim. Só porque temos cultura e modos diferentes, não quer dizer que somos bichos. A sociedade que, então, é “gente”, por que não vai visitar um dia, uma aldeia indígena, e perceber que, se vivemos como bicho, é porque essa própria sociedade de “gente” nos impôs essas condições: miséria, doenças, etc. Não temos recursos nem para nos tornarmos gente como essas “gentes”.
149
O menino ainda disse mais, disse que seu pai nunca ia permitir que ele ou qualquer pessoa de sua família chegasse perto de um índio, muito menos casar com uma índia, porque elas são sujas. Exteriormente podemos até ser sujos, mas levamos dentro de nós a vontade de vencer e quem sabe um dia lavar todo sangue que essa sociedade derramou do nosso povo” (MACHADO, M., 2004, p. 1, grifos nossos).
Em outro texto 58, Ariane Ramires Machado, 18 anos, kaiowá, destaca a necessidade
de comunicação entre karaí e indígenas para diminuir o preconceito que existe. Assim
escreve:
A comunicação hoje em dia está sendo muito difícil, principalmente, entre a comunidade da cidade e da aldeia, pois ambas não se comunicam de forma concreta e clara e às vezes se agridem uma com outra, através de gestos, palavrões, ofendendo as duas partes. Isso se dá por falta de comunicação, procurar ouvir e principalmente pelo preconceito das duas partes. Pensa-se que isso não ocorreria se houvesse mais diálogo, mais compreensão entre as pessoas e menos preconceito, pois um está muito ligado ao outro e a comunicação entre elas precisa, e muito. Seria muito bom se houvesse bons diálogos entre as comunidades para a comunicação ser melhor e feliz e seria uma das formas de diminuir o preconceito (MACHADO, A., 2006, p.1).
A temática “Descaso”, que aparece com cinco textos empatada com “Lazer”, nos
faz considerar que dentre as dificuldades que os jovens indígenas passam, o divertimento a
partir do encontro com outros jovens, têm sido uma saída positiva. Tanto que eles se
motivam a escrever sobre isso.
Horta, Educação e Violência aparecem com três textos cada. Hortas demonstram o
trabalho que a entidade tem desenvolvido para buscar soluções para a falta de alimentos e
para incentivar o ensino do plantio. Muitos indígenas mais antigos criticam a perda da
prática do cultivo pelos jovens, que estão acostumados com a compra de alimentos.
Educação é uma temática diretamente ligada aos jovens, e que, inclusive, fora pouco
explorada. Tantas são as críticas deles por melhor qualidade na educação, dos professores,
de transporte escolar, materiais didáticos, e ainda, quanto à necessidade de uma educação
de qualidade para uma boa colocação no mercado de trabalho, e apenas três textos tiveram
o tema como assunto principal. 58 “Mais comunicação, menos preconceito”, publicado na Edição especial 7, p. 1
150
“Violência”, pelo contato próximo dos jovens com as drogas e com a cidade,
também se tornou uma temática importante abordada no Jornal. Junto com “Segurança”
(dois textos) e com a temática “Drogas” (dois textos), compõem sete textos diretamente
relacionados. Envolvem a falta de segurança na aldeia, assaltos, mortes e entrada de drogas
e álcool, que geram, por fim, atos de violência.
Por fim, contendo apenas dois textos em cada temática, aparecem Saúde, Terra e
Emprego. A importância dada aos temas pelos jovens indígenas - fora do jornal - não é tão
pouco expressiva como demonstrou o gráfico, porém, Terra e Saúde, são assuntos que não
afetam tanto os jovens como o preconceito, as drogas, violência etc. Certamente, o fato de
as matérias serem selecionadas por todos em reuniões gerais, não os permitiu pensar sobre
a representatividade que cada área que lhes dizia respeito tinha no jornal. Após uma
apresentação dos gráficos aos jovens, é bem provável que haja um remanejamento de
ênfase para as temáticas que tem sido pouco abordadas e que lhes são importantes.
2.1.1. Palavras mais usadas
Buscando detalhar a classificação do Assunto Principal de maneira mais acertada,
optamos por quantificar, em cada temática, as palavras que mais aparecem nos textos.
Durante a análise, foram contabilizadas todas as palavras que apareceram por duas ou mais
vezes em textos agrupados de acordo com a temática. Para facilitar a demonstração dessas
palavras, porém, optamos por apresentar em forma de gráfico as que mais se repetiram, e
dentro do pequeno espaço disponível, decidimos por demonstrar as primeiras nove palavras
mais citadas em cada tema, por ordem decrescente. Com esta técnica de contabilizar as
palavras mais usadas, pudemos identificar quais os substantivos, adjetivos ou verbos que
estão mais relacionados à temática, buscando melhor delimitar a abordagem dos jovens.
Para iniciarmos nossas análises, nos atentemos ao Gráfico 13, que apresenta as
palavras mais utilizadas sobre a temática “Descaso”, composta por cinco textos, de
fevereiro de 2004 a dezembro de 2006.
151
GRÁFICO 13
Palavras mais usadas quanto à temática Descaso
28
24
16 15 1412 11
11 10
0
5
10
15
20
25
30
Des
caso
/di
scrim
inaç
ão/ e
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Índi
o / P
ovo
indí
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Pol
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ição
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bási
cas
Edu
caçã
o
Fam
ília
Em
preg
o
Confirmando a escolha do assunto abordado nos textos, as palavras descaso,
discriminação e / ou exclusão aparecem 28 vezes. Seguida a elas, índio, indígena e / ou
povo indígena aparecem 24 vezes. Os indígenas, portanto, estão totalmente relacionados
nos textos com o descaso e a discriminação, sendo que, em terceiro lugar, destaca-se
política e / ou governo. Com 15 citações aparece em quarto lugar a palavra aldeia, e
posterior a ela, fome e desnutrição, com 14 citações e cestas básicas, com 12. Os altos
índices de mortalidade por desnutrição infantil, e o destaque que este fato tem na mídia
nacional, são citados pelos indígenas como fator de descaso, abandono, exclusão. Educação
e família, com 11 citações, e “emprego” com dez, completam a lista das palavras mais
usadas nesta classificação.
É interessante percebermos, após a análise, que este levantamento de palavras mais
usadas contribui de maneira muito positiva para a melhor classificação dos textos. Da
maneira como apresentamos, temos uma visão mais ampla e ao mesmo tempo detalhada do
que os indígenas buscaram ressaltar ao falarem sobre o descaso.
A partir dos dois textos sobre o assunto “Drogas”, reconhecemos no gráfico 14 as
palavras mais exploradas.
152
GRÁFICO 14
Palavras mais usadas quanto à temática Drogas
13 1311
8 87 7
32
02468
101214
Cid
ade
/ bai
rro
Dro
gas
Jorn
al /T
V /
publ
icar
Índi
o
Álc
ool /
bar
es /
bêba
do Bra
nco
Ald
eia
Vio
lênc
ia
Mac
onha
A maior crítica dos jovens nos textos que têm como assunto principal as drogas, se
dá pela existência das substâncias alucinógenas também fora da aldeia. “Bairros” e
“cidade” aparecem como palavras mais citadas ao lado de drogas, 13 vezes. Reforçando a
crítica contra a grande mídia, “jornal”, “TV” e / ou “publicar” são citadas 11 vezes. Por oito
vezes presentes nos textos, índio, álcool, bêbado e bares dividem a estatística. Branco e
aldeia, sete vezes, violência três e maconha, dois.
Se considerarmos o contexto da Reserva indígena e sua relação com a cidade de
Dourados, encontramos como o tipo de droga que mais aparece, palavras relacionadas ao
álcool. O alcoolismo é, atualmente, um dos maiores vícios dentro da Reserva, responsável
na maioria das vezes por fatos de violência, suicídios, crimes familiares (como
espancamento da esposa e filhos) e assassinatos.
O que os jovens argumentam, porém, é que na cidade também existe o uso abusivo
de álcool e há violência decorrente do mesmo, porém, a mídia local / nacional só se propõe
153
a divulgar de maneira enfática, os casos ocorridos dentro da aldeia. Daí a incidência tão
grande de citações com relação à mídia.
Outros tipos de drogas também fazem parte do cotidiano da Reserva de Dourados,
mas são tratados com mais timidez, talvez ainda encarados como tabus, por exemplo, a
palavra maconha é citada apenas por duas vezes nos textos.
No Gráfico 15, nos debruçamos sobre as palavras resultantes da temática Educação,
que foi tratada em três textos.
GRÁFICO 15
Palavras mais usadas quanto à temática Educação
12
109 9
76
54 4
0
2
4
6
8
10
12
14
Esc
ola
Alu
no
Índi
o /
indí
gena
Cid
ade
/D
oura
dos
Ald
eia
Difi
culd
ade
Est
udam
/ap
rend
em
Dife
renç
a
Fal
ta /
carê
ncia
De modo geral, os textos que versaram sobre educação diziam respeito às
dificuldades que os alunos indígenas têm enfrentado para alcançar um ensino de qualidade.
Uma das críticas é quanto ao fato de precisarem sair da aldeia para estudar na cidade onde
sentem diferenças com relação ao ensino, ao tratamento dos professores, à socialização com
os colegas e dificuldades materiais, de transporte, livros etc.
Familiarizados com o contexto da educação entre os indígenas, identificamos
facilmente o que os dados do gráfico refletem. Escola, aluno, índio, cidade e aldeia,
retratam o estado em que os jovens vivem, buscando educação entre a cidade e a aldeia. As
154
palavras “dificuldades”, “estudam / aprendem”, “diferenças” e “falta / carência”
demonstram em que condições essa relação de ensino, dentro e fora da aldeia, se dá.
Dificuldade, falta / carência e diferença chamam bastante atenção no intuito de qualificar o
processo educacional.
Totalmente relacionado com educação, temos no gráfico abaixo a análise das
palavras utilizadas na temática “Emprego”, que contém dois textos.
GRÁFICO 16
Palavras mais usadas quanto à temática Emprego
12
7
43 3 3 3 3 3
02468
101214
Em
preg
o / t
raba
lho
Indí
gena
/ ín
dio
Cid
ade
Jove
m
Difí
cil /
Pre
cária
Opo
rtuni
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Pre
conc
eito
Com
érci
o
Est
udar
/pro
fissi
onal
iza
r
É interessante apontarmos que existe uma similaridade muito grande quanto às
palavras utilizadas em “educação” e “emprego”. Afinal, nos dois temas os jovens
dependem diretamente da cidade para se organizarem. Dificuldades, precariedade,
oportunidade e preconceito demonstram quão perturbada é essa relação em que o jovem
indígena solteiro precisa ajudar a família ou procurar uma renda para se manter dignamente
e encontra tantas barreiras. Estudar e profissionalizar-se também aparece entre as nove
palavras mais citadas, indicando a consciência que os jovens adquiriram quanto à
necessidade de alcançarem uma formação educacional melhor e especialização profissional.
Esta “conscientização” está totalmente relacionada, cabe lembrar, com o surgimento da
155
nova categoria de “jovens solteiros”, que ao invés de se casarem e tornarem-se adultos,
preferem investir em educação, acreditando num futuro melhor.
Vale ainda lembrar que o surgimento dessa nova categoria dentro da aldeia é
também grande responsável pelo surgimento da AJI. Considerando as “Atividades
promovidas pela AJI / Mobilização interna”, temática que agrupou a maior quantidade de
textos, 22, vejamos no gráfico abaixo quais as palavras que foram mais utilizadas.
GRÁFICO 17
Palavras mais usadas quanto à temática Eventos Promovidos pela AJI / Mobilização interna
86
5443
29 25 24 221619
0102030405060708090
100
AJI
/as
soci
ação
Jove
m /
adol
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Ofic
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Ald
eia
/ RD
Bom
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Esp
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Com
ida
/al
moç
oP
rom
over
/or
gani
zar /
orie
ntar
Gru
po
Dentre as palavras mais citadas, AJI e / ou Associação aparecem por 86 vezes. Em
segundo lugar, também de maneira expressiva, são citadas as palavras jovem e / ou
adolescente, 54 vezes. Nestas duas primeiras classes de palavras, entendemos a valorização
e representatividade que tanto a AJI como o jovem tem nos textos. Em terceiro lugar, a
palavra oficina é citada 43 vezes, demonstrando o interesse da entidade em promover esse
tipo de atividade, que ensina e desenvolve novas habilidades. A característica de eventos
internos, ou seja, promovidos pela AJI, é reforçada pela quantidade de vezes que aparece a
palavra aldeia e / ou Reserva de Dourados. Além disso, é de se destacar a avaliação que os
jovens fazem em todos os textos desta temática, sobre os eventos que a entidade promove
156
ou pelas atividades em que mobiliza os jove ns. Bom, divertido, legal, demais são citadas
pro 25 vezes. Esporte e lazer vêm em seguida, com 24 citações. 22 palavras são
equivalentes a comida e almoço, demonstrando a importância que os jovens dão aos
eventos que oferecem alguma forma de alimentação. Geralmente nestes momentos a
comida é diferente da que consomem no dia-a-dia e é farta. Para jovens que vivem muitas
vezes em situação de pobreza, este fator é relevante.
Promover, organizar, orientar são palavras citadas por 19 vezes e colocam os jovens
no controle da situação, pois, é no momento em que a AJI está realizando os eventos, que
eles são os responsáveis, eles fazem, eles agem, eles promovem, e isso é muito positivo se
pensarmos na necessidade de garantir aos jovens indígenas a oportunidade de atuarem
como sujeitos do processo.
Como a nona palavra mais citada, apontamos “grupo”, demonstrando ainda, a
necessidade e ao mesmo tempo importância de trabalharem unidos para alcançarem êxito
em seus projetos. A AJI é o jovem indígena, mas mais que isso, é uma Ação de Jovens
Indígenas, e o grupo é preponderante para a viabilização de todas as atividades.
No Gráfico abaixo, apontamos as palavras mais citadas quanto à Participação em
eventos externos.
GRÁFICO 18
Palavras mais usadas quanto à temática Eventos Externos
39 37
2825 25 23
191616
05
1015202530354045
Jove
ns
Índi
o / P
ovo
indí
gena
Par
ticip
ar
Exp
ress
ar /
disc
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tere
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cont
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Con
hece
r
Aty
Gua
su
Ofic
ina
/w
orks
hop
157
Participar em eventos externos é uma atividade importante para os jovens indígenas
da AJI. E isto está claro a partir das duas palavras que mais aparecem sobre a temática:
jovens, por 39 vezes e índio e / ou povo indígena, 37.
Participar é o verbo mais utilizado nesta temática, seguido de expressar e discutir.
Aqui também está marcante o fato de eles serem os responsáveis pelas ações, que geram
reflexões críticas e que demonstram a importância que eles vêem no fato de terem espaço
para falar, pra pessoas que realmente querem ouvir, ou ao menos se permitem ouvir. São
nestas palavras que o jovem indígena sai do status de “nova categoria”, em que não pode
opinar nas reuniões e assembléias, e passa a ter voz, passa a participar. Por 53 vezes esta
conquista de espaço aparece em forma de verbos.
Mais uma vez avaliando as atividades, como em eventos internos, aparecem
interessante, legal, divertido, palavras citadas por 25 vezes.
Simpósio, eventos e encontros são algumas das atividades que os jovens participam
fora da AJI. Conhecer é a sétima palavra mais citada, 19 vezes, e demonstra a importância
dessas participações pra eles, que estão entrando em contato, conhecendo, novas realidades,
novas pessoas, novos contextos.
O Aty Guasu, uma grande assembléia tradicional indígena aparece como a oitava
palavra do gráfico. Citada por 16 vezes, divide espaço com oficinas e workshops. O
importante da participação no Aty Guasu, é a possibilidade de os jovens se expressarem em
espaços tradicionais da comunidade indígena, onde nunca tinham voz. O fato de estarem
alcançando estes novos espaços é muito valorizado por eles. Oficinas e workshops são, por
sua vez, espaço tradicionalmente ocidentais, a começar pela língua em que a palavra é
utilizada (inglês), e mesmo assim, também aparecem por 16 vezes. Mais uma vez,
apontamos a cultura tradicional e a ocidental caminhando lado-a-lado. Aty Guasu e
workshops.
158
GRÁFICO 19
Palavras mais usadas quanto à temática Horta
30
23
1310 8 7 7
6 5
05
101520253035
Hor
taliç
as /
vege
tais
Can
teiro
s/ho
rtas
Mud
as/s
emen
tes
AJI
Pla
ntas
Faze
r
Cas
a
Jove
ns
Gru
po
Dentro da temática “Horta”, as palavras mais usadas são mais específicas e não
permitem tanta interpretação. Importante considerar porém, que em um contexto de
pobreza e em que muitas crianças e adultos passam fome, as hortas têm sido implementadas
como objetivo de se tornarem uma alternativa para as famílias e, ainda, para apoiarem as
atividades promovidas pela AJI, pois na maioria delas, a entidade oferece refeições. Além
disso, as hortas devem ser enxergadas como um novo conhecimento adquirido, já que os
jovens indígenas não trazem consigo a tradição do plantio, como advinha de seus
antepassados.
Além das palavras referentes às hortas, como hortaliças / vegetais, canteiros / hortas,
mudas / sementes e plantas, AJI aparece por dez vezes e jovens, por seis, demonstrando o
envolvimento da entidade com a promoção destas hortas; o verbo fazer, que demonstra a
ação desenvolvida pelos jovens nesta atividade aparece sete vezes e grupo, cinco vezes,
explicitando ainda a necessidade de se trabalhar em conjunto pra que o plantio tenha êxito.
Vale destacar que o nome de várias verduras e legumes foram consideradas dentro
da classe de palavras “hortaliças / vegetais”, por representarem um vocabulário muito
específico e que não alteraria a interpretação.
159
GRÁFICO 20
Palavras mais usadas quanto à temática Lazer
16
13
7 76
54 4 4
02468
1012141618
Boa
/ le
gal /
dive
rtid
o
Dan
ça /
core
ogra
fia AJI
Foto
Gru
pos
Sho
w /
cant
ar
Ens
inar
/ap
rend
er
Aju
da /
Aju
dar
Bon
ito
A temática Lazer, que está totalmente relacionada com o cotidiano dos jovens,
agregou cinco textos. Dentre as palavras mais utilizadas quanto a este assunto, a
qualificação positiva de como foi a atividade é a que mais se destaca. Boa, legal, divertido,
demais, foram palavras citadas 16 vezes.
Em segundo lugar aparece dança e coreografia. Palavras que especificam qual a
forma de lazer que os jovens mais comentam e possivelmente, se identificam. AJI aparece
sete vezes, empatada com a palavra foto. A importância da imagem como registro das
participações dos jovens mais uma vez se faz presente. A importância de atuarem em
conjunto, também está presente no número expressivo das palavras AJI e grupo.
Show e cantar, especificam mais uma vez os tipos de atividade desenvolvidas.
Ensinar / aprender e ajudar foram citadas quatro vezes, demonstrando ações referentes ao
Lazer, destacando que muito mais do que diversão, atividades lúdicas contribuem para o
aprendizado e no sentido de se sentirem úteis, ajudando e sendo ajudados. Também com
quatro palavras aparece a cidade de Bonito, instância turística do Estado onde os alunos
participaram de diversas atividades. A experiência, avaliada sempre como positiva ganhou
destaque no Jornal.
160
GRÁFICO 21
Palavras mais usadas quanto à temática Preconceito
51
33
2115 14 13 13 13 11
0
10
20
30
40
50
60
Índi
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indí
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Not
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V /
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o
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eito
/D
iscr
imin
ação
Bai
rro
/ cid
ade
/ Dou
rado
s
Pol
icia
is
Pro
blem
a
Dos 12 textos agrupados na temática “Preconceito”, contabilizamos as palavras
mais citadas buscando aprofundar um pouco mais, qual o destaque que se dá quando o
assunto é tratado.
Índios / indígenas / povo indígenas são as palavras que mais aparecem, com 51
citações. Enfatizando a relação de preconceito entre aldeia e cidade, indígenas e karaí, os
brancos aparecem em segundo lugar, por 33 vezes. Mais uma vez detalhando as formas de
preconceito mais criticadas pelos indígenas, notícias / jornal / TV / rádio são citadas 21
vezes. Aqui o destaque se dá para o preconceito dos meios de comunicação, que favorece a
discriminação sofrida pelos indígenas e distorce fatos, segundo os textos.
Curiosamente, balada / festa / diversão aparece por 15 vezes. Diz respeito ao jovem
este tipo de atividade, e até mesmo durante estes momentos de descontração, o preconceito
aparece. Aldeia é citada 14 vezes enquanto Dourados / cidade / bairros aparecem 13. Mais
uma vez vemos refletida no gráfico a relação entre a Reserva (índios) e a cidade (brancos).
Entre aldeia e cidade, localiza-se no gráfico as palavras preconceito / discriminação, talvez
161
funcionando como elo entre elas, com 13 menções. Policiais / polícia também aparecem por
13 vezes e problema, 11.
Justifica-se a incidência tão grande de citações quanto a policiais, devido ao caso de
Porto Cambira, em que indígenas foram acusados de matar injusta e propositalmente dois
policiais dentro da aldeia, deixando um terceiro, totalmente ferido. A repercussão do caso,
porém, segundo o Jornal, é totalmente parcial aos policiais e prejudicial aos indígenas, que
como os próprios jovens citaram, ficaram de bandidos enquanto os policiais, de heróis.
O preconceito da sociedade e da mídia ao definir culpados e inocentes, distorcendo
fatos e não ouvindo várias versões, conforme criticam nos jornais, é o que une os textos.
GRÁFICO 22
Palavras mais usadas quanto à temática Saúde
5 5
4 4
3 3 3
2 2
0
1
2
3
4
5
6
Saú
de
Indí
gena
FU
NA
SA
Cria
nça
Mor
talid
ade
infa
ntil A
JI
Par
ticip
ar
Nas
cer
Dr.
Zel
ik
O assunto “Saúde” engloba apenas dois textos, o que justifica o número reduzido de
palavras repetidas. Há, a nosso ver, uma subutilização do Jornal para tratar esse tema, até
porque o fato de mais jovens escreverem sobre saúde, prevenção, campanhas etc, significa
mais jovens, formadores de opinião dentro de suas casas falando sobre a questão.
162
Nos textos abordados, permeou um teor mais político com relação à FUNASA
(Fundação Nacional de Saúde). Um texto, discutindo a permanência do Dr. Zelik, que
aparece por duas vezes, e outro, apresentando alguns dados do Pólo de Saúde de Dourados,
apontando uma melhora nos dados, principalmente com relação à diminuição da
mortalidade infantil, que, segundo o autor do texto, aconteceu devido a pressões e
denúncias do movimento indígenas e “participação efetiva dos jovens”.
Dentro deste contexto, saúde e indígena aparecem por cinco vezes, FUNASA e
criança, quatro, mortalidade infantil, AJI e participar, três vezes e, nascer e Dr. Zelik, duas
vezes.
GRÁFICO 23
Palavras mais usadas quanto à temática Segurança
7 7
54
3 3
22 2
0
12
34
5
678
Ald
eia
Dro
gas
/Á
lcoo
l /B
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iolê
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Ope
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onsu
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ores
Seg
uran
ça
Com
unid
ade
Fra
cass
o
Per
igos
o
Quando se fala em segurança, dois textos representam a temática. As palavras mais
utilizadas nos dois textos nos oferecem uma noção de quais os maiores problemas que
afetam a segurança indígena ou são causados pela falta dela. Com sete citações, fica
representada a presença ou entrada de drogas, álcool e bebidas na aldeia. Além disso, falta
de segurança e entrada de drogas, estão completamente relacionadas com violência / crimes
hediondos, palavras que aparecem por cinco vezes.
163
Operação Sucuri, quatro vezes citada, é o nome de uma tentativa de organizar a
segurança na aldeia. A idéia que começou aplaudida pelos jovens não foi muito bem
avaliada posteriormente. Venda / consumo / consumidores (de drogas) e a palavra fracasso
demonstram isso no gráfico. Perigoso também empata com fracasso, demonstrando a
opinião dos jovens sobre a tentativa de se organizar a segurança na aldeia.
No gráfico 24, o assunto abordado é Terra. Vejamos as palavras:
GRÁFICO 24
Palavras mais usadas quanto à temática Terra
12
64 4
3 3 32 2
02468
101214
Ter
ra /
Tek
oha
Loca
l / e
spaç
o
Sig
nific
a
Det
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inar
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itar
Indí
gena
Ret
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Viv
er /
vida
Ant
epas
sado
s /
avós
Impo
rtant
e /
impo
rtân
cia
Terra / Tekoha59 e local / espaço aparecem como as mais citadas, 18 vezes se
somarmos as duas categorias. A palavra “significa” aparece em terceiro lugar, com quatro
citações, ao lado de determinar / limitar. A utilização dessas palavras se deu, devido ao fato
de os dois textos buscarem conceituar terra para os indígenas.
Dando seqüência a estas primeiras palavras, curiosamente as outras formam:
indígena, retomar/recuperar, viver/vida, antepassados/avós e importante/importância. O
reflexo do que os jovens buscarem transmitir quanto a questão da terra, materializa-se no
59 Espaço vital necessário para o desenvolvimento e sobrevivência da tribo
164
gráfico: é o momento de os indígenas retomarem as suas terras, voltando a viver como seus
antepassados. Tradicionalmente falando, isso é importante para eles.
GRÁFICO 25
Palavras mais usadas quanto à temática Violência
19
1311 11 11
9 86 6
02468
101214161820
Pol
icia
is
Índi
os /
Indí
gena
s
Vio
lênc
ia
Mul
her
Ald
eia
Atir
ar /
tiro
Luta
/ ag
redi
r / a
tingi
r
Am
eaça
r/ in
timid
ar /
ofen
der Jo
vem
Três matérias tiveram como assunto principal a temática violência buscando melhor
detalhar essa situação dentro da aldeia. A partir das palavras mais usadas buscaremos
identificar sobre qual violência os jovens indígenas falam.
Em primeiro lugar aparece a palavra policiais, com 19 citações. Esses dados são
referentes ao caso de Porto Cambira em que os indígenas denunciam a violência que
aconteceu tanto dos indígenas para com os policiais, como dos policiais para os indígenas,
criticam ainda o fato de a mídia ter ouvido apenas um lado da história, o que os índios são
culpados.Nesta relação entre policiais e indígenas encontramos a segunda palavra mais
utilizada, índio / indígenas, com 13 citações.
Quando denunciam a violência, palavra que aparece por 11 vezes nos textos,
também está explícita uma denúncia da violência contra a mulher com a mesma quantidade
de menções e outros tipos de violência, sempre dentro da aldeia.
Interagindo com a violência, os jovens dividem espaço com verbos que retratam a
violência: atirar, lutar / agredir / atingir, ameaçar / intimidar / ofender.
165
GRÁFICO 26
Palavras mais usadas na classificação "Outros"
24
19
1210 9 9
766
0
5
10
15
20
25
30
Ald
eia
/ RD
Can
dida
to /
chef
e de
post
o / l
íder
Jove
ns
Álc
ool /
Dro
gas
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ício
Com
unid
ade
Índi
os /
indí
gena
sA
ntro
pólo
gos
/E
spec
ialis
taM
elho
rar /
mud
ar
Dire
ito
Dentro da generalização outros, que agrupou 12 textos, também utilizamo-nos da
técnica de contar as palavras mais usadas na tentativa de identificar as temáticas ali
presentes, e ainda termos uma visão geral de quais palavras foram utilizadas em todas as
categorias.
As palavras que alcançaram no texto maior destaque são: aldeia / RD, candidato/
chefe de posto / líder, jovens, álcool / drogas / vício, comunidade, índios / indígenas,
antropólogos / especialistas, melhorar / mudar e direito.
Das questões políticas aos problemas da Reserva, todas as palavras estão
diretamente relacionadas com a luta dos jovens.
2.2. Quanto ao Aspecto Central
Para identificarmos o aspecto central abordado em cada texto, nos apoiaremos no
Gráfico 27, que registra:
166
GRÁFICO 27
Aspectos centrais dos textos do Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006
5 7
41
7 5 815
2 5
95
0102030405060708090
100
Crit
icas
gove
rno
Val
oriz
ação
cultu
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díge
na
Impo
rtân
cia
AJI
Crit
icas
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Com
para
ção
índi
os/k
araí
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Ale
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obre
tem
a
Rei
vind
icaç
ões
Out
ros
Tota
l
Quarenta e um por cento do total dos textos do Jornal AJIndo, de fevereiro de 2004
a dezembro de 2006, destacam a “Importância / Atuação da AJI” como aspecto central.
Interpretar este dado passa sobretudo pelo entendimento do papel do jovem indígena
que está por trás da entidade, lutando por valorização e por um local dentro da aldeia e da
sociedade não- índia. Mais do que valorizar a entidade, é este jovem que pretende
demonstrar o que tem feito, como tem atuado, como tem sido importante para a
comunidade indígena em geral, e para a classe de jovens solteiros, surgida recentemente
entre os guarani. Afinal, “os jovens estão in between. Eles estão num não-lugar que era pra
ser de passagem e passa a ser permanente”, enfatiza constantemente a antropóloga e
responsável pela GAPK Maria de Lourdes Beldi de Alcântara60.
Vindo ao encontro do que interpretamos com relação à importância / atuação da AJI
enquanto jovens indígenas que lutam por um espaço e não da AJI como entidade, Alcântara
concorda
60 Concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
167
Não é uma valorização da instituição AJI, mas uma valorização do jovem indígena. A AJI é eles, não uma instituição, porque se fosse a importância da AJI [instituição] não seria da AJI seria da GAPK e GAPK não aparece nenhuma vez. Meu nome não aparece nenhuma vez, não é bacana? Porque é a expressão deles.
Em segundo lugar no gráfico, aparece “Alerta sobre a temática” demonstrando, com
15 textos, a importância que o jornal tem dado à conscientização dos receptores sobre
temáticas que, certamente, são discutidas por eles dentro e fora da AJI, nas participações
em eventos. Além de buscarem alertar o outro, acreditamos que a maneira de escrever
chamando a atenção para o assunto é, de certa forma, uma maneira de eles mesmos se
convencerem da importância do tema, e reafirmarem o que durantes as discussões apareceu
como “prestem atenção nisso”, “fiquem de olho” ou ainda, “vocês precisam se posicionar
sobre aquilo”; reiterando o que aprendem / refletem nas oficinas.
Composto por oito textos, a “Comparação entre indígenas e não- indígenas” aparece
em destaque. Isso porque o fato de se enxergarem por meio do outro os fazem relativizar a
realidade em que convivem com os seus e a realidade em que jovens como eles vivem na
cidade. Fatores negativos são os principais causadores de comparação. Citamos como
exemplo o texto “A realidade dos brancos”, escrito por Thiago Gonçalves Porto61, em que
compara negativamente moradia, educação, pobreza, problemas de saúde pública, uso de
drogas pelos jovens, violência e desemprego; que ocorrem tanto na aldeia como na cidade,
tanto entre indígenas como entre os karaí:
Creio que na aldeia tem casas de sapês, mais também tem muitas casas de alvenaria, e os índios tem terras para plantarem pelo menos para ajudar na alimentação, enquanto nos bairros da cidade, as pessoas que tem terras não tem coragem para limpar e plantar e deixa nascer matos e criar insetos, zoonoses e muitos outros tipos de bichos. Na cidade de Dourados há muitos bairros pobres com séries problemas e conseqüência, seja na saúde, na educação, ou na moradia, alguns até morrem por não conseguir marcar uma consulta num posto de saúde, ou num hospital, devido a falta de dinheiro para pagar um médico. São vários jovens brancos da cidade que roubam por não ter um emprego devido a falta de educação. Eles também são drogados, a maioria ingere bebidas alcoólicas entre outras. Se eu for colocar todos os problemas dos jovens da cidade, vou gastar muito tempo, por isso antes de os brancos falarem que índio é “coisa e tal”, eles devem primeiro olharem para si mesmos (PORTO, 2004, p. 2).
61 Edição nº 1, p.2
168
Com sete textos em cada temática, aparecem em terceiro lugar “Críticas à grande
mídia” e “Valorização da cultura indígena”.
A valorização da cultura tem sido um trabalho intenso desenvolvido entre os jovens
indígenas de todo o país, na busca pela manutenção ou apenas conhecimento de algumas
tradições. A AJI também tem atuado neste sentido e, em alguns textos, os jovens deixam
claro a satisfação em aprender um pouco mais sobre suas culturas.
É o que temos no comentário de Jéssica Ramires62, ao descrever uma viagem ao Rio
Grande do Sul. “Foi a minha primeira experiência num encontro grande. Nós jovens nunca
devemos dar um fim na nossa cultura e sim levar adiante. Os jovens devem estar sempre
junto com a comunidade, sempre unidos”.
Também Alcir Rodrigues Medina63 destaca que “A viagem ao Rio Grande do Sul,
na minha opinião, foi muito boa. Porque eu, fazendo as filmagens e participando das
reuniões, pude aprender mais sobre a minha etnia, e pude perceber o quanto é importante a
participação dos jovens na Assembléia ou em qualquer encontro”.
Quanto às críticas à grande míd ia, se pensamos num jornal que pretende ser uma
alternativa comunicacional ao grupo dos jovens indígenas, esperamos certamente encontrar
esse tipo de abordagem, que se faz presente tanto ao falarem sobre o preconceito da mídia,
quanto ao descaso desta para com eles.
Tânia Benites, analisando um dos jornais da cidade, o adjetiva como mentiroso e
escreve 64:
O Jornal O Progresso diz que as mães na aldeia gostam mais de um do que do outro filho. Isso é mentira, porque na minha aldeia eu tenho certeza que não existe este tipo de mãe, porque se a mãe gosta de um tem que gostar de todos e não só de um filho, só existe essas mães que não gosta do filho, que não tem coração porque eu já vi várias mães que deixa de comer pra dá pros filhos comerem. O que eles colocam no jornal está tudo errado, eu acho e tenho certeza que pode existir o filho que for, tanto filho que puder mais mesmo assim as mães amam os filhos, não deixa passar fome, elas cuida o máximo que puder para que os filhos não passam fome, eu acho que todo mundo que ler esse texto irá concordar comigo (BENITES, 2005, p.1).
62 Publicado no Jornal Especial nº 5, p. 7 63 Publicado no Jornal Especial nº 5, p. 7 64 As mães indígenas amam seus filhos, publicado na Edição Especial nº 3, p. 1
169
Os dois tipos de abordagem - de valorização do indígena por um lado e crítica aos
meios de comunicação não-indígenas, por outro -, ganham destaque e eram totalmente
esperados se considerarmos as conversas informais tidas com os jovens da AJI
anteriormente à análise.
Mais uma vez, o teor político dos textos dos jovens se faz presente. Neste caso,
diretamente relacionado com algum tipo de governo (federal, estadual ou municipal) que é
crit icado. Cinco textos são classificados tendo como aspecto central “críticas ao governo”,
relacionadas às políticas públicas, desamparo governamental, falta de assistência social,
falta de incentivo à educação, criticas ao projeto da prefeitura de Dourados quanto a
moradia entre outros etc.
Também sob críticas aparece, com cinco textos, o não-indígena e / ou sua
organização social. Como forma de ilustrar essa classificação, apropriamo-nos de um
exemplo que identificamos durante as análises, em que a crítica se dá com relação às
posturas não-índias de preconceito contra os indígenas65. Neste caso, o assunto principal é o
“preconceito” e o aspecto central, “crítica ao não- indígena e / ou sua organização social”:
FONTE: Jornal AJIndo. Edição Especial 1, 2004, p.2
Em “outros”, também com cinco textos, temos os seguintes temas: “Desabafo”, do
assunto principal “Ser jovem na aldeia”; “Definição do conceito”, do assunto principal
65 Quadrinho produzido por Graciela P. Santos.
170
“terra”; “Relação com os jovens”, do assunto principal “Violência”; “Conflitos internos”,
do assunto principal “Chefe do Posto Indígena”; e “positivo quanto ao não- indígena e sua
organização social”, do assunto principal “não-índios na aldeia”. Embora tenham sido
pouco exploradas, as temáticas aparecem como discussões relevantes para os jovens,
principalmente relacionadas com questões políticas ou sócio -culturais.
Dois textos foram classificados como reivindicativos, seguindo a tendência da ONG
de incitar os jovens a buscarem soluções e refletirem criticamente, não apenas
reivindicando melhorias.
2.3. Sobre quem se fala
Buscando um retrato dos atores principais dos 95 textos analisados, questionamo-
nos: sobre quem se fala nos textos? O Gráfico 28 orienta nossa análise.
GRÁFICO 28
Sobre quem se fala no Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006
54
1
95
40
01020304050607080
90100
Indígena Não-indígena Ambos Total
Aparecer na grande mídia para os não-indígenas é comum, para os indígenas não, a
não ser que o tema seja negativo, conforme afirmam. O AJIndo, como veículo alternativo, é
171
um espaço em que eles têm a representatividade garantida. Mais uma vez, assim como
aconteceu no blog dos jovens, a quantidade de textos que falam sobre o indígena é muito
expressiva. Em 99% dos textos o indígena aparece, tendo exclusividade em 57% dos casos.
Em 42% dos 95 textos, indígenas e karaí dividem espaço. Apenas cerca de 1% dos textos o
indígena é citado de maneira única como ator, justamente apresentando-os de maneira
negativa, e mesmo assim, deixando implícita uma comparação. No caso, foram
entrevistados moradores de rua e catadores de lixo, sendo que o texto se propõe a
apresentar a realidade deles, não- indígenas, destacando que ali tem desemprego, fome,
miséria e discriminação também.
Notamos novamente o constante conflito interno em que vivem os jovens in
between, os jovens que mantém esse diálogo cultural. Como afirma Maria de Lourdes
Alcântara, este diálogo cultural que se dá entre indígenas e dos indígenas com os karaí “é
um diálogo pleno, o que significa pleno também de conflitos e tensões”. As relações,
conflitos e tensões são demonstrados o tempo todo nas produções, ora comparando-os (oito
vezes), ora criticando-os ( cinco vezes), ora buscando valorizar suas culturas (sete vezes) e
valorizar a importância do jovem indígena que está por trás da AJI (41 vezes).
2.4. Gêneros utilizados
Acreditamos ser importante também analisar quais os tipos de texto que os jovens
mais produziram. Diante disso, num primeiro momento (Gráfico 29) demonstramos a
divisão por gêneros (jornalismo informativo, jornalismo opinativo e entretenimento) e
posteriormente (do gráfico 30 até o gráfico 32) quais os formatos explorados em cada
gênero.
172
GRÁFICO 29
Gêneros utilizados no Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006
21
64
10
95
0102030405060708090
100
Jorn
alis
mo
info
rmat
ivo
Jorn
alis
mo
opin
ativ
o
Ent
rete
nim
ento
Tot
al
Se no blog a quantidade de textos opinativos chegava a 63%, no jornal a
porcentagem é ainda maior: 67% dos 95 textos são opinativos e 22% informativos. Cabe
ainda aqui a menção de que a maioria dos textos considerados informativos não o são
genuinamente, contém pequenos comentários no final, ou se utilizam de primeira pessoa, o
que será discutido a partir do Gráfico 30.
Certamente, quanto a adequação de formatos, era de se esperar que o blog acolhesse
mais textos que buscavam emitir opinião, até porque, muitas vezes caracterizado como um
diário virtual, seria o mais adequado.
Acontece que, por ser impresso, o Jornal AJIndo tem maior influência dentro da
comunidade indígena e é nele que os jovens pretendem mostrar suas opiniões. A
demonstração de maior importância que assume o jornal, fica, inclusive, claramente
demonstrada em uma entrevista66 com uma Kaiowá de 17 anos, que expõe sua frustração
pelo jornal não ter sido rodado e como a comunidade reagiu. “O principal problema é que a
comunidade indígena ligava aqui pra pedir reportagem. A gente fazia a nossa parte. A gente
ia fazia a matéria, foto e depois o jornal não saiu. A gente ficou como? A gente prometeu
66 Entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
173
mas a gente não cumpriu. Como não teve jornal colocamos no site, mas eles querem no
jornal, não no site” (Grifo nosso).
Devido a importância que o jornal tem na comunidade, se compararmos com o site,
o jovem sente que está nele a oportunidade de ser ouvido, de expressar seu ponto de vista,
apontar o que lhe aflige, criticar, reivindicar, desabafar. Certamente por isso, a inversão de
exploração dos formatos de maneira adequada, se pensarmos na cultura não- índia como
padrão, se dá.
Por fim, 10,5% dos textos analisados são dedicados ao entretenimento. Para análise
do entretenimento, consideramos textos e / ou fotos que possibilitaram a identificação do
assunto principal e aspecto central. Diante disso, foram analisados os conteúdos de contos,
coluna social e quadrinhos. Outros itens como: música, agenda, sessão de piadas,
cruzadinhas, desenhos avulsos, poesias, homenagens, agradecimentos e publicidades serão
apontados num balanço geral dos jornais, sendo, portanto contemplados no trabalho,
embora não analisados quanto ao assunto principal, aspecto central, atores, gênero e
ilustrações.
GRÁFICO 30
Formatos jornalísticos encontrados em "Jornalismo informativo" no Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006
811
02
21
0
5
10
15
20
25
Not
a
Not
ícia
Rep
orta
gem
Ent
revi
sta
Tota
l
174
O Gráfico 30 detalha o tipo de texto encontrado em Jornalismo Informativo.
Destacamos como Jornalismo informativo 21 textos, fazendo a ressalva de que os formatos
se misturam. Entre notas e notícias, entendemos o esforço feito pelos jovens de passar as
informações da maneira mais imparcial possível, buscando transmitir o fatídico, porém esse
objetivo não é atingido. Nas oficinas de redação, por algumas vezes, eles tiveram
orientações sobre gêneros jornalísticos, incluindo informativos e opinativos. Porém, o
jovem indígena que publica no AJIndo tem um interesse muito além do que passar
informações a um receptor, que é o fato de ver-se representado e ouvido. Bem mais do que
nas reuniões na aldeia, bem mais do que no Aty Guasu67. Ali, o sujeito emissor é ele. Maria
de Lo urdes Alcântara68, ao ser questionada quanto ao público receptor, que deveria ser por
nós conhecido para o entendimento das temáticas, gêneros, ilustrações etc, garante que “Na
verdade ele não pensa num público, ele pensa nele. Esqueça o público!”, enfatiza.
Voltando à discussão dos formatos jornalísticos que se confundem, para
entendermos como se dá a mistura estilística dos textos, exemplifiquemos.
O lead do texto intitulado II Simpósio Internacional69 apresenta a seguinte estrutura:
“Nos dias 25, 26, 27 e 28 de abril aconteceu em Dourados o II Simpósio Internacional
sobre Religiões, Religiosidades e Cultura, realizado no Espaço Cultural Cine Ouro Branco,
promovido pela UFGD / UFMS”.
Já no último parágrafo do texto, que tem quatro, a autora diz: “Eu fiquei muito
nervosa, mas comecei a me dar bem nas perguntas. Tudo foi muito rápido, quando vimos já
estávamos no fim. Foi ai que percebi que nem tudo era tão difícil assim, tudo foi muito
legal”.
Para ela, não basta passar a informação de que houve um evento e a AJI participou.
O mais importante dessa história, para ela, foi o fato de que o nervosismo foi se
transformando em segurança e deu tudo certo. Ela venceu. “Se deu bem nas perguntas” e
“nem tudo era tão difícil assim”. Esse comentário que consideramos como um
complemento do texto, é totalmente opinativo, porém devido ao esforço inicial de trabalhar
67 Em guarani, significa “grande assembléia”, que reúne indígenas de toda a reunião para discussões sobre problemas, projetos futuros, ações sociais e políticas 68 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008 69 Escrito por Ana Cláudia de Souza, Guarani, foi publicado na Edição Especial nº 6, p. 2.
175
os outros três parágrafos com a estrutura informativa, assim o consideramos, deixando clara
a ressalva de que os textos que se encaixam como informativo, não o são plenamente.
Em outro texto 70 fica mais clara a necessidade de se sentirem parte do grupo, de
serem parte do grupo. Esse desejo faz a exploração da primeira pessoa (do singular ou
plural) se sobrepor ao desejo de produzir uma nota / notícia.
No dia 24 de julho de 2004, o grupo AJI viajou para Bonito, onde estava acontecendo o V Festival de Inverno. Se apresentaram vários grupos, um deles foi o de dança de rua cujo o nome é FUNK-SE. Eles dançaram todos os tipos de música, mas, numa só coreografia. Foi muito legal ver eles dançando. Algumas pessoas do AJI tiraram fotos, inclusive eu; junto com o grupo Funk-se (GONÇALVES, T., 2004, p. 2, grifo nosso).
Ainda refletindo sobre isso, nos questionamos sobre o fato de ser importante ou não
que eles aprendam os gêneros jornalísticos e passem a utilizá- los, já que se trata de um
jornal que, inclusive, não demonstra ter a intenção de ser reflexo dos grandes veículos
impressos de comunicação. O fato é que o jornal tem um público heterogêneo, cheio de
complexidades e pe rmeado por hibridismos de todas as formas. Se o texto noticioso não
contiver os comentários de quem discutiu com outras pessoas o tema, talvez não tenha tanta
importância, nem traga tanta contribuição para a comunidade indígena como um todo. Até
então, esta sente a necessidade de que o autor diga o que pensa porque também quer saber
quais seriam as possibilidades pra se pensar sobre o fato, ou seja, as opiniões de outros,
com mais acesso à informação.
Dentro de “Jornalismo Opinativo”, o desrespeito aos formatos jornalísticos
ocidentais também é explícito.
70 Oficina da AJI – Dança de rua, escrito por Thiago Gonçalves. Edição Especial nº2, p. 2
176
GRÁFICO 31
Formatos jornalísticos encontrados em "Jornalismo opinativo" no Jornal AJIndo -
Fevereiro/2004 - Dezembro/2006
110 0 0 2
64
43
44
010203040506070
Edi
toria
l
Com
entá
rio
Art
igo
Res
enha
Col
una
Crô
nica
Car
icat
ura
Car
ta
Tot
al
Dentre os formatos mais explorados no gênero opinativo, o “Comentário”
representa quase 69% dos 64 textos. Em segundo lugar, ganham destaque os artigos, com
pouco mais de 17%. Após estes, colunas atingem 6,25%, e os editoriais, com três textos,
representam 4,7%. Cartas, com dois textos, apenas 3%.
O número tão expressivo de comentários e artigos vem mais uma vez ao encontro
do entendimento de que os indígenas utilizam o jornal para exporem seus pontos de vista. É
mais uma vez a demonstração da necessidade de terem voz, mas para além disso, reflete o
desejo de reconhecimento dentro da própria Reserva de Dourados.
Quanto às colunas, entendemos que houve uma tentativa de fixá- las por duas vezes:
uma intitulada “O que é a AJI” e outra “Quem somos”, porém, só apareceram por duas
vezes cada. Ao nosso ver, esse tipo de texto seria classificado como Editorial, mas este
formato é um caso a parte, pois o próprio jornal classificou como editorial, os que assim
acredita serem. Em nossa análise, portanto, respeitamos a classificação proposta por eles.
Na edição especial nº 2, por exemplo, aparece na mesma página o “Quem somos” e
um texto abaixo, sob o selo editorial. Vale ainda ressaltar que, mesmo os editoriais sendo
assim denominados por eles, o formato apresenta algumas inadequações; por exemplo,
177
texto assinado e a utilização com exagero da 1ª pessoa do singular. Dessa forma, o editorial
parece ter, para eles, uma outra concepção. Quanto ao fato de serem todos assinados,
entendemos ser a explicação, a necessidade de dar os créditos aos que se esforçaram na
produção de um texto e querem se ver representados no jornal. Maria de Lourdes Alcântara
reitera que “todos os textos precisam ser assinados justamente para valorizar o jovem e
deixar clara a sua opinião. A assinatura funciona como fator de identificação”.
Posterior a essa análise, sigamos para a classificação do Entretenimento. O Gráfico
32 nos auxilia, quanto aos dados.
GRÁFICO 32
Entretenimento analisado no Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006
12
7
10
0
2
4
6
8
10
12
Qua
drin
hos
Con
to
Col
una
Soc
ial
Tot
al
Em entretenimento, encontramos um número expressivo de colunismo social.
Dentro de um jornal que se pretende alternativo, nos questionamos a respeito do mau-uso
do espaço, porém, após todos os dados em mãos, entendemos a importância que é dada à
imagem pelos jovens, e a partir daí, passamos a fazer uma outra leitura dos materiais. Em
quase todas as edições, as colunas sociais demonstram os jovens em eventos,
desenvolvendo atividades de lazer e de aprendizado. O fato de se verem nas publicações é
muito positivo para a melhora da auto-estima. É a partir dessa representação que eles se
178
vêem com prestígio e também são vistos por seus amigos e familiares, alcançando
visibilidade na comunidade indígena.
Como já ressaltamos anteriormente, a análise do entretenimento engloba apenas
textos e / ou fotos que possibilitaram a identificação do assunto principal e aspecto central.
Desta forma, analisamos os conteúdos de contos, coluna social e quadrinhos. Música,
agenda, sessão de piadas, cruzadinhas, desenhos avulsos, poesias, homenagens,
agradecimentos e publicidades, a partir de agora, serão apontadas especificamente de
acordo com cada edição do Jornal.
A começar pela Edição 1, destacamos o fato de não haver nenhuma manifestação de
entretenimento, até porque a edição, por ser a primeira, certamente foi pensada de forma a
aproveitar o máximo possível o espaço.
Já na Edição Especial nº 1, além do entretenimento analisado, o Jornal apresenta
uma agenda e um quadro de recados, denominado Coluna social que só traz, porém,
lembretes de aniversários e outras atividades.
Na Edição Especial nº 2 , identificamos apenas uma galeria de desenhos. Há na
página dois uma nota intitulada “Agenda”, que fora considerada como texto em nossa
Análise de Conteúdo por possibilitar a classificação do assunto principal, aspecto central,
atores envolvidos e gênero jornalístico.
A Edição Especial nº 3 traz uma foto com título, Agenda e uma música produzida
sobre a AJI, sem identificação de autoria. Além disso, esta edição traz como novidade a
inserção de um box contendo três propagandas no estilo “apoio cultural”, todas dividindo
um mesmo retângulo. São anunciados a gráfica Akatsuka, que faz parcerias com a entidade
reduzindo os custos da impressão ao saírem anunciados, o Supermercado Santo Antônio,
que apóia os eventos doando alimentos e o Espaço Cultural Ouro Branco, outro parceiro da
AJI.
Na Edição Especial nº 4, o Jornal apresenta uma agenda e o mesmo box contendo as
propagandas no estilo “apoio cultural”. Além disso, traz uma galeria de desenhos,
contemplando a produção artística de dois indígenas, uma de 11 e outro de 13 anos.
A Edição Especial nº 5 busca entreter com um canto indígena assinado pela guarani
Graciela Pereira de Souza, 20 anos, sessão de piadas, recadinhos, agenda (intitulada
“últimas notícias”), uma agenda voltada a mostras de cinema indígena e duas homenagens a
179
indígenas mortos - uma referente “a uns mano que morreu”, e outra, denominada “O
suicídio (In Memoriam)”, é destinada a um kaiowá de 12 anos, Nelinho. Este jornal traz
ainda uma particularidade. Devido ao caso de Porto Cambira em que três policiais foram
violentados dentro da aldeia, dois mortos e um ferido, e devido ainda a grande repercussão
de notícias negativas com relação aos indígenas na grande mídia, esta edição veio encartada
com um manifesto, em que os jovens indígenas se propõem a oferecer “O Outro Lado da
História” explicitando sua versão quanto ao caso e pedindo melhor apuração da imprensa e
menos generalizações.
A Edição Especial nº 6 apresenta um versinho chamado “Dança de rebelde”, uma
poesia em que não foi possível identificar assunto principal, aspecto central denominada
“Sou a poeta desconhecida”, a tradução de uma música do Rebeldes (Solo quédate em
silencio ) para o português, sessão de piadas, um desenho feito por Ernesto (kaiowá) da
colega Indianara (kaiowá), cruzadinhas, recados e agradecimentos a colaboradores do
evento “AJItando os jovens”. Quanto às propagandas, contém duas propagandas (Gráfica
Akatsuka e Espaço Cultural Ouro Branco) na página três. Vale ressaltar que, nesta edição,
aparecem delimitadas em espaços separados, diferentemente dos jornais 3 e 4, deixando de
lado, ainda, o estilo “apoio cultural” e começando a divulgar telefones e endereços.
Por fim, na Edição Especial nº 7 encontramos uma sessão de piadas, cruzadinha,
desenhos e recadinhos. Contém três propagandas assim distribuídas: Gráfica Akatsuka na
página quatro, com telefone e endereço; Espaço Cultural Ouro Branco, página cinco,
telefone e endereço e a Escola de idiomas FISK, somente o logo, na página sete. Como os
indígenas têm participado de eventos por toda a América Latina, a AJI tem uma parceria
com a escola FISK em que alguns dos jovens estão aprendendo espanhol. Como parte da
parceria, a FISK aparece no Jornal AJIndo.
Percebe-se que a partir do Jornal de número 5, os jovens começaram a dar mais
especo para entretenimentos como piadas, cruzadinhas, recadinhos. Foi também a partir
deste jornal que houve um aumento do número de páginas, o que pode justificar o
incremento das atividades lúdicas, que sempre atraem a atenção de leitores.
Finalizando os gráficos que produzimos a partir da Análise de Conteúdo,
verifiquemos os tipos e quantidades de ilustrações que foram publicados de fevereiro de
2004 a dezembro de 2006.
180
2.5. Quanto às ilustrações
Como última parte de nossa análise, a partir da tabela com que realizamos a análise
de conteúdo, temos a quantidade e tipo de ilustrações. Podemos conferi- las no gráfico
abaixo.
GRÁFICO 33
Ilustrações utilizadas nos textos do Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006
1
39
1
54
95
0102030405060708090
100
Des
enho
Foto
Info
gráf
ico
Nen
hum
a
Tot
al
Assim como aconteceu no blog, mas em proporções menores, o número de textos
sem nenhum tipo de ilustração é alto, neste caso corresponde a 57%. Em 41% dos 95
textos, as fotografias aparecem como responsáveis pelo registro dos fatos visualmente.
Infográficos e desenhos foram trabalhados em apenas um texto cada.
Diante do fato de que os jovens têm grande afinidade e paixão pela fotografia, a
considerar pelas produções que realizam nas Oficinas, e ainda, diante da importância que
eles atribuem a elas, principalmente por se verem representados, acreditamos que deveria
haver uma melhor utilização do recurso. Dificuldades técnicas relacionadas ao tratamento
das fotografias, dificuldades com os softwares relativos à imagem e poucos computadores à
disposição dos jovens, são considerados ainda, os responsáveis por uma utilização tímida
do recurso. O binômio espaço versus custos certamente, também influencia.
181
Apresentados os gráficos referentes à Análise de Conteúdo, decidimos fazer um
levantamento das capas dos jornais, com o objetivo de mapear especificamente o “Assunto
principal” de cada texto, que ganha destaque na primeira página.
3 Análise das capas – Fevereiro/2004 –Dezembro/2006
Antes de apresentarmos o Gráfico 34, referente às capas dos Jornais de fevereiro de
2004 a dezembro de 2006, destacamos que durante a diagramação do jornal, ou
“montagem”, como eles dizem, os jovens decidem juntos o que vai sair em cada página. O
boneco, que é montado artesanalmente, em papelão, é uma forma de visualizarem os textos
que serão publicados e em que lugar serão dispostos.
Um dos indígenas que participa da nova turma responsável pelo jornal, destaca a
importância do fatídico como matéria de capa. “A matéria de capa tem que mostrar logo a
realidade, o que é mais importante. Geralmente os grandes acontecimentos da aldeia ”,
garante.
GRÁFICO 34
Assuntos principais publicados nas matérias de capa do Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006
3 20 0 0 0 1 0
8 7
0 0 0 1
22
0
5
10
15
20
25
Des
caso
Pre
conc
eito
Edu
caçã
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Saú
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r
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AJI
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a
Em
preg
o
Hor
ta
Out
ros
Tota
l
182
A partir dos resultados então obtidos, comparamos o gráfico acima com o Gráfico
12, que oferece uma visão geral de todas as matérias publicadas no Jornal. Nosso objetivo
era identificar se as matérias de capa refletiam a importância das temáticas abordadas em
todo o Jornal.
Após a comparação dos gráficos, comprovamos que as matérias de capa são muito
similares quanto aos assuntos mais importantes para eles, e também quanto ao gênero mais
utilizado em todo o jornal. Temos no panorama geral (Gráfico 12), com 21 textos, “Eventos
promovidos pela AJI / Mobilização interna” e “Participação em eventos externos”. Com 12
textos “Preconceito” e com cinco, descaso. Aqui a ordem se repete de maneira muito
próxima, estando em destaque eventos promovidos pela AJI, com oito textos e participação
em eventos externos, com sete. Nas capas, portanto, as atividades promovidas pela AJI são
as mais abordadas, tanto interna quanto externamente.
Descaso e preconceito, também aparecem como segundo e terceiro mais citados,
respectivamente. Mais do que demonstrar as formas de preconceito que têm sido uma
constante na vida dos jovens, retratar o descaso com que a sociedade e governos não-
indígenas têm agido quanto a eles, faz-se importante.
Destaca-se ainda que as capas não apresentam conteúdo apelativo buscando atrair
leitores. Apenas buscam valorizar as temáticas que lhes são importantes, de maneira crítica
e muito pessoal (opinativa), já que dos 22 textos, existem apenas três notícias (que apesar
de se pretenderem informativas utilizam-se, por diversas vezes, da primeira pessoa) e uma
entrevista. Vale, portanto, ressaltar a importância da opinião para eles nas capas (86%), que
inclusive, supera a análise geral (Gráfico 12), em que o gênero opinativo representa 67%
dos textos.
4 Características da comunicação popular-alternativa presentes no jornal
Se por meio dos gráficos e Análise de Conteúdo buscamos oferecer uma visão, ao
mesmo tempo, geral e detalhada do Jornal AJIndo, a partir de agora voltamos a apoiar-nos
na teoria sobre a comunicação popular-alternativa no intuito de cruzar os dados retirados da
prática, com o conhecimento produzido academicamente.
Se no primeiro capítulo nos detivemos a apontar, além de outras questões, as
limitações dos meios alternativos, que inclusive facilitam sua identificação, neste momento
183
da pesquisa transitaremos entre as características positivas e limitações, buscando
identificar quais delas estão presentes no Jornal.
Cicilia Peruzzo (2004, p. 155-157) nos oferece os parâmetros necessários para a
comparação entre a teoria e prática da comunicação popular-alternativa.
A começar pela apropriação de meios e técnicas em que esta comunicação atua,
citamos o meio “jornal” como uma das formas de apropriação pelos jovens indígenas, que
tradicionalmente não se utilizam deste tipo de comunicação. Em nossa fundamentação
teórica, porém, a autora cita o fato de que a comunicação popular se apropria não só da
tecnologia, mas também da linguagem (PERUZZO, 2004, p.155).
No caso da comunicação produzida pelos indígenas, existe a utilização da
tecnologia, e a intenção, num primeiro momento, de se apropriar de formatos e linguagens,
o que percebemos pela tentativa de definir editorias - como as colunas “Quem somos” ou
“O que é a AJI e o editorial – e, a tentativa de se apropriarem das construções jornalísticas,
como a utilização do lead. A intenção, porém, não garante o êxito na apropriação. Até
porque, se de certa forma eles demonstram uma tentativa de reprodução dos padrões
jornalísticos da grande mídia, não- indígena, por outro lado eles se propõe a manter a
característica e identidade deles, não permitindo mais as correções da língua portuguesa,
publicando textos completamente híbridos e majoritariamente opinativos e ainda, aceitando
a inserção de palavras indígenas durante o texto, se isso de alguma forma facilitar o
entendimento dos outros.
É interessante percebermos que, em todas as instâncias de nossa análise, fica claro o
diálogo cultural a que estão submetidos estes jovens. Sempre se colocando “por um lado”
na busca pela valorização cultural e, “por outro”, confusos pela inserção na sociedade não-
indígena e utilização de seus modelos de comunicação ou socialização.
A presença de um conteúdo crítico, como também define a autora (PERUZZO,
2004, p. 156), é perceptível. Ela destaca que
A comunicação popular tem, em geral, um conteúdo essencialmente crítico. Ou seja, julga-se a realidade concreta, local ou mais abrangente, tanto em nível de denúncia descritiva quanto de interpretação ou opinião, levantando reivindicações, apelando à organização e à mobilização popular, apontando para a necessidade de mudanças.
184
Quanto à criticidade, utilização para reivindicações e mobilização popular a partir
do conteúdo, citamos os aspectos centrais que analisamos, e com os quais obtivemos
números expressivos: em 17 textos está presente a crítica, ou ao governo, ou à grande
mídia, ou ao não-indígena e/ou sua organização social. Em outros 15 textos é feito um
alerta aos indígenas sobre a temática, o que nos remete à mobilização. Dois textos
objetivam reivindicação, um número que apesar de pouco expressivo, é justificado pelo
trabalho que a ONG GAPK vem fazendo com os jovens na tentativa de que eles peçam
menos e se organizem mais, político-cultural-socialmente.
Ao citarmos a GAPK como incentivadora das atividades que se relacionam com o
jornal (Ex: oficinas de fotografia e oficinas de redação), o AJIndo não tem autonomia
institucional, até porque os próprios custos do jornal são cobertos pela ONG. Não se pode
falar, portanto de uma autogestão da comunicação. Quanto ao tema, Peruzzo (2004, p. 156)
destaca que “mesmo quando alguém custeia os [veículos de comunicação] mais onerosos,
há todo um esforço para se fugir da tutela ou de interferências em sua linha política”. Este
esforço tem sido demonstrado pelos jovens indígenas que, apesar de dependerem das
maquinas fotográficas, computadores e do custeio do jornal, buscam formas de resguardar
sua política editorial a partir da escolha entre eles dos textos que comporão o jornal, e,
ainda, de não passarem o informativo por membros da ONG para dizer se o jornal tem ou
não o aval para sair. “Assim que está pronto, eles mandam pra gráfica e a gráfica roda”,
afirma Maria de Lourdes Beldi de Alcântara, responsável pela ONG.
O que se percebe a partir dos relatos dos indígenas, é que a GAPK se configura
realmente como uma entidade de apoio, que, inclusive, nunca foi citada no jornal. Talvez aí
se configure uma atividade de caráter político-pedagógica, como descreve MOTTA (1987,
p. 43).
Eliminando de nossas considerações as instituições meramente manipuladoras, pode-se afirmar que as instituições de apoio querem, em geral, ampliar a capacidade de percepção localista dos movimentos populares para visões mais universalistas, apoiar sua organização ou proporcionar-lhes maior organicidade. O trabalho delas tem, portanto, um nítido caráter político-pedagógico. Seus membros [...] são profissionais provenientes dos setores intermediários da sociedade, são atores diferentes dos grupos populares e com eles não se confundem.
185
O que parece claro é que com essas atividades “impulsionadoras” da organização
dos jovens, eles têm alcançado muitos avanços principalmente quanto ao desenvolvimento
de suas habilidades de argumentação, escrita, auto -confiança e criticidade.
A articulação da cultura, também apontada por Peruzzo (2004, p. 156-157) como
aspecto positivo da comunicação popular, tem, neste caso, papel importante, juntamente
com a característica de formação das identidades. Apesar de poucos textos enfatizando uma
valor ização da cultura indígena, sete, o fato de desenvolverem oficinas de artesanatos,
participarem do Aty Guasu, utilizarem palavras e expressões indígenas, apresentarem suas
poesias, contos e mitos, cantos indígenas, exporem fotografias de seus grupos, ensinarem
sobre a importância e o cuidado com hortas e principalmente valorizarem o jovem indígena,
é muito positivo.
Se dentro da cidade, nos grandes meios, eles não têm espaço para mostrar quem são
e o que fazem os jovens indígenas da Reserva de Dourados, no AJIndo eles o podem.
No que diz respeito à comunicação popular como um serviço de interesse público
(PERUZZO, 2004, p.157), entendemos que as temáticas e abordagens condizem com este
elemento. Embora a maioria dos textos reflita a opinião pessoal do autor, as lutas e
objetivos caminham para uma mesma direção. O desejo de um é desejo do grupo, a crítica
de um é crítica do grupo, ou ao menos entendida pelo grupo, e isso é verificável pelo fato
de os jovens escolherem os textos que melhor representam seus anseios e prioridades
momentâneas.
Se utilizarmos como exemplo o caso mais polêmico da atualidade envolvendo os
indígenas, que é a morte de dois policiais, por indígenas, em Porto Cambira, veremos vários
textos tecendo críticas e reivindicando imparcialidade da mídia, menos generalizações,
menos preconceito entre outras coisas, desejos estes que representam as opiniões e
necessidades de todos os indígenas naquele momento, pois viram no fato mais um motivo
para serem discriminados e maltratados, sem que ouvis sem suas versões e sem que
houvesse uma apuração justa dos fatos.
Além disso, o aspecto central “alerta sobre a temática”, que aparece em 15 textos,
também reflete de certa maneira a mentalidade de serviço, em que os jovens pedem para
que fiquem atentos quanto aos novos documentos que precisam ser tirados, quanto às ondas
de violência, índices de mortalidade infantil, etc.
186
Outro aspecto importante destacado por Peruzzo (2004, p.157) - ainda mais quando
se trata de comunidades indígenas em que a comunicação era basicamente oral e não
permitia registro dos fatos -, é a característica de preservação da memória.
Assim diz a autora: “A comunicação popular ao documentar decisões, programas e
fatos relacionados com os processos de organização e de lutas dos movimentos, concorre
para registrar a história dos segmentos subalternos”. A importância desta preservação para
os indígenas é certamente potencializado pelo fato de que estes jornais (vídeos, fotografias,
blog) são os primeiros registros desenvolvidos sobre os indígenas de Dourados, pelos
próprios indígenas de Dourados. Outros registros já vinham sendo feitos mas a partir do
outro, e não deles mesmos.
Retomamos aqui o que disse o cineasta Alejandro Ferrari71
Aos poucos eu acredito que essas coisas terão uma influência na Reserva, na comunidade indígena, muito forte porque a gente vai ter uma referência daqui há cinco anos. Olha, se você quer saber sobre isso tem em tal livro, sobre isso tem tal vídeo. Ainda estamos no começo, mas acho que vamos conseguir.
Outro aspecto importante que advém da comunicação popular é a democratização
dos meios. É o que garante Peruzzo (2004, p.157-158) ao afirmar que “A comunicação
popular, à medida que se for ampliando o número de rádios, televisões e outros veículos a
serviço da comunidade, estará servindo cada vez mais à democratização dos meios e do
poder de comunicar”.
A democratização promovida pelo AJIndo, se não atinge parcelas variadas da
sociedade em geral, atinge ao menos três etnias que, historicamente, rivalizam entre si.
Além de ser um canal a mais dentre os que representam vozes que não têm espaço na
grande mídia, vem contribuindo, ao menos entre os jovens, para uma nova consciência do
outro e da diversidade dentro e fora da Reserva. A partir das experiências da AJI, as três
etnias encontraram, apesar das diferenças, lutas e objetivos em comum, que além de
dizerem respeito ao indígena, dizem respeito ao jovem indígena, a nova categoria que surge
para ampliar o horizonte comunicacional da aldeia de Dourados.
71 Em entrevista concedida a autora no dia 25 de outubro de 2007
187
Por fim, apropriando-nos da classificação proposta pela autora, existe o aspecto que
se vê como principal no trabalho dos jovens, a conquista da cidadania.
A comunicação popular, enfim, contribui para a democratização da sociedade e a conquista da cidadania. Que não significa só alguém poder votar a cada cinco anos naqueles que vão decidir por ele, mas também, aprender a participar politicamente da leitura do bairro e da escola para os filhos, a apresentar sua canção e seu desejo de mudança, a denunciar condições indignas, a exigir seus direitos de usufruir da riqueza gerada por todos, por meio de melhores benefícios sociais e salários mais justos, a organizar-se e a trabalhar coletivamente. [...] Assim, toda a práxis – teoria e prática – da comunicação popular no Brasil representa uma conquista muito expressiva para os setores que dela se servem, num amplo processo político-educativo de uma população sem tradição de participar, de forma igualitária, nas decisões que a afetam [...] (PERUZZO, 2004, p. 158).
A conquista da cidadania por parte dos indígenas, que além de discriminados pela
etnia, são vítimas de preconceito por serem pobres, por terem baixo nível educacional e se
sentem inferiorizados ante os não- indígenas, é um dos aspectos mais relevantes para os
jovens. Inclusive consta em nossa pesquisa, o objetivo de responder se uma das funções do
Jornal para eles é o desenvolvimento da cidadania.
Ao se pretender classificar um meio como alternativo, mais do que os aspectos
positivos que foram neste tópico elencados, apoiamo-nos nas limitações da comunicação
popular-alternativa, não no intuito de diminuir a importância dessas experiências, mas
proporcionar uma visão menos utópica sobre o popoular-alternativo.
5 Limitações da comunicação popular-alternativa presentes no AJIndo
A classificação e o reconhecimento de um jornal popular-alternativo se dá muitas
vezes mais facilmente por meio dos problemas que o veículo apresenta, do que por suas
características positivas, que devem ser melhor analisadas. Desde a leitura superficial do
Jornal AJIndo, somos capazes de identificar alguns pontos característicos do alternativo,
que são encarados como limitações condizentes a este tipo de mídia.
188
A falta de uma formatação básica, classificação de editorias, desrespeito aos
gêneros jornalísticos, hibridismo temático num mesmo texto, erros de português e a não-
periodicidade são algumas destas limitações.
A partir de uma análise mais aprofundada do veículo e apoiando-nos na
classificação das limitações proposta por Cicilia Peruzzo (2004, p. 149-154), devemos
contribuir para a experiência buscando abandonar uma visão utópica deste tipo de
comunicação e apontando os problemas que lhe atingem, não com o objetivo de que sejam
solucionados, mas que sejam reconhecidos e justificados por se tratar de uma mídia
popular-alternativa.
O primeiro ponto que elencamos, a partir da teorização proposta por Peruzzo, é a
abrangência reduzida. Dentro da aldeia, essa abrangência é ainda mais dificultada devido às
diferenças étnicas, e portanto lingüísticas, pe lo não-domínio da língua portuguesa por todos
os indígenas - nem ao nível falado, quem dirá no escrito - , e pela tiragem do jornal que,
variando de 500 a 1500 exemplares, não atinge satisfatoriamente os 12 mil índios que
vivem na Reserva de Dourados.
Por outro lado, buscando superar essa dificuldade, os jovens que produzem o jornal
e, portanto, conseguem ler o português, se encarregam de levar as publicações para casa,
mostrar para os mais próximos e, ainda, lê-las nas reuniões, para que os mais antigos que
não sabem ler, muito menos em português, tenham contato com o AJIndo.
Acreditamos que alguns jovens tenham a consciência de que a linguagem é
fundamental para prender o seu leitor, como afirmou uma indígena 72: “Eu procuro também
escrever numa linguagem simples, sabe, uma linguagem simples porque isso é pra
comunidade, melhor do que utilizar uma linguagem mais moderna, se não entendem vão
procurar o que é isso, aí acho que perdem a vontade de ler e vão começar a criticar”.
Questionamos ainda se alguém havia dito aquilo para ela. “Não, eu pensei sozinha”.
Outros, no entanto, não agem tão conscientes da importância da linguagem, mas fazem dela
um instrumento para conseguirem expor suas opiniões. Daí emergem os problemas de
coesão e coerência dos textos, vocabulário restrito, ortografia etc. Mais importante do que
atingir o outro, é atingir a necessidade de opinarem, de terem voz.
72 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
189
Ainda pensando na linguagem, a mesma indígena fala sobre os cuidados que tem
com as palavras ao formular os textos
A gente escreve um texto sobre a aldeia, a comunidade, e como a gente enfrenta um monte de preconceito lá dentro, então eu tenho super cuidado com a palavra que eu vou usar. Quando eu escrevo um texto que eu vou criticar, e eu gosto muito de criticar nos meus textos, nossa eu adoro criticar, aí quando eu geralmente vou elaborar o texto, aí eu penso no bem estar da comunidade, como eu gostaria de dar opinião, isso geralmente é em texto político, tipo o do Geraldo Rezende.
De toda forma, alguns os jovens que tomaram consciência sobre a importância da
linguagem, tentam amenizar o problema da abrangência reduzida, buscando falar de uma
maneira mais simples possível, para chegarem a mais receptores.
Diante destes problemas apontados, questionamo-nos se existe aqui uma segunda
limitação da comunicação popular, a inadequação dos meios, quanto ao público
(PERUZZO, 2004). Se a maioria da população é analfabeta ou não se comunica por meio
da língua portuguesa, porque produzir um jornal impresso em português? O Jornal surgiu,
como já vimos, da vontade dos próprios indígenas que tiveram contato com os jornais da
cidade e se revoltaram com muitas coisas que haviam sido ditas sobre eles. Pensaram,
portanto, em tentar esclarecer as falhas dos jornais de grande circulação, da mesma forma,
com outra publicação. Além disso, a não delimitação de um público-alvo, dificulta entender
a inadequação, pois os jornais também são distribuídos nas universidades de Dourados, no
semáforo e outros lugares fora da aldeia, em que o não- indígena é o público receptor. De
toda a forma, eles acreditam superar os problemas de “inadequação” dentro da aldeia, a
partir das práticas apontadas acima, e acreditam que o veículo está adequado, se pensarmos
nos leitores de fora da aldeia.
Também devido a esta mistura de receptores, os indígenas não se dispuseram ainda
a colocar no Jornal, textos na língua guarani ou terena. Até porque, muitos deles,
produtores, já perderam a língua indígena e não conseguem escrever os textos no idioma.
Às vezes até se comunicam verbalmente, mas sentem a dificuldade no registro da língua
cuja tradição é a oralidade. Mais uma vez, encontramos os jovens entre a cidade e a aldeia,
entre o português e a língua materna, entre o público-alvo indígena e o não- indígena. Difícil
seria adequar estes meios a uma realidade tão híbrida, tão complexa.
190
O “uso restrito dos veículos” (PERUZZO, 2004, p.150), que se dá pela adoção de
veículos mais cômodos e menos onerosos, se dá em parte. Afinal, um jornal impresso não é
tão cômodo assim, a produção de vídeos, fotografias e sites também não. Porém, apesar de
o interesse da comunidade indígena como um todo, os jovens da AJI ainda não lutaram pela
concessão de uma rádio comunitária, por exemplo, nem demonstram interesse, devido aos
problemas que a Reserva já teve com a tentativa de instalação da FM 107,1 Awaete
Mbarete. E pensando nas características de uma rádio, a começar pela questão da oralidade,
alcance, penetração e possibilidade de se falar nas três línguas, ela talvez se adequaria
melhor a realidade dos indígenas em geral. Dentre os motivos de a Ação dos Jovens
Indígenas não querer se envolver neste projeto estão: as dificuldades de um relacionamento
pacífico entre lideranças das três etnias, grupos querendo “ser donos” da rádio, falta de uma
sede apropriada e o medo/possibilidade de que a rádio gere mais conflitos do que ajude.
Quanto a pouca variedade de veículos, não se verifica, pois a AJI está se valendo de
um número expressivo de maneiras para ter voz: publicam um jornal, produzem vídeo,
fotografias (inclusive com a publicação de um livro), mantém um blog e um fotolog.
Quanto a falta de competência técnica (PERUZZO, 2004, 150), embora sempre
envoltos em oficinas e cursos de capacitação, os jovens da AJI ainda demonstram algumas
dificuldades quanto à produção de textos coesos e com a grafia correta, quanto à
diagramação, mistura de gêneros, revisão dos textos, averiguação do padrão (por exemplo,
todos os textos estão assinados e acompanhados da idade e etnia dos jovens?), existe um
número reduzido de fotografias no blog devido a dificuldades técnicas quanto aos softwares
de imagem, etc.
Além dos problemas quanto à técnica, a autora aponta como uma limitação o
conteúdo mal explorado (2004, p. 151). Talvez o fato de os textos não serem produzidos
com objetivos bem determinados, mas serem escolhidos depois de produzidos, colabore
com a má-utilização do veículo, valorizando algumas temáticas em detrimento de outras
que também são importantes mas não são percebidas e/ou abordadas de maneira a colaborar
com a causa dos jovens.
Uma outra limitação apontada por Peruzzo (2004, p.153) é a carência de recursos
financeiros, que segundo a autora, é um dos grandes problemas das organizações populares.
Neste caso, como a Ação dos Jovens Indígenas tem o apoio total da ONG Grupo de Apoio
191
aos Povos Kaiowá (GAPK), dinheiro deixa de ser problema. Um exemplo disso é o fato de
o jornal não ter saído em 2007 e, quando questionamos quanto aos motivos, uma kaiowá
disse que “o jornal não rodou por falta eficiência da equipe de apoio [monitora da oficina
de redação]. Montamos os bonecos todos juntos no papel. Não foi por falta de dinheiro que
não saiu, mas por falta de vergonha”, destaca.
Neste caso, mais do que a limitação por falta de verbas, o problema foi de
organização interna e de periodicidade, que nunca foi fixa no jornal, e que em 2007,
segundo os jovens, se deu por falha da monitora responsável por enviar os textos para a
gráfica, após os textos produzidos e o jornal montado por eles.
Uma kaiowá demonstra a frustração que sente pelo fato de o jornal não ter saído,
por um ano todo, justamente quando a nova turma assumiu o AJIndo como responsável. “O
principal problema é que a comunidade indígena ligava aqui pra pedir reportagem. A gente
fazia a nossa parte. A gente ia fazia a matéria, foto e depois o jornal não saiu. A gente ficou
como? A gente prometeu mas a gente não cumpriu”, disse.
Quanto à participação desigual, consta mais uma vez no livro da autora que “Apesar
de não dispormos de dados de pesquisas, podemos afirmar com segurança que, na maioria
das práticas brasileiras de comunicação popular, a produção de mensagens, o planejamento
e a gestão dos meios se centralizam em poucas mãos” (PERUZZO, 2004, p. 154).
No caso do AJIndo, a centralização se dá mais pelas causas técnicas e estruturais,
como dificuldades relacionadas à língua, dificuldade de locomoção da aldeia à cidade,
necessidade de os jovens trabalharem ou cuidarem da casa, dificuldades de socialização, do
que especificamente reproduzirem os padrões da grande mídia, de concentração do poder
comunicacional. É importante verificarmos também que até mesmo pela emergência de
lideranças espontâneas, a participação não se dá da mesma forma.
A desigualdade participativa é muito perceptível, se retomarmos os dados retirados
a partir da análise do blog, em que um número reduzido de jovens (19) publicaram textos
num período de dois anos.
No Jornal, como já foi dito, existe uma tentativa de incluir um maior número de
jovens, até porque, a forma de mandarem textos é facilitada por poderem entregar em mãos,
no papel, para passar por seleção. No site, geralmente vão pro ar os textos que o próprio
192
autor escreve e publica. Como poucos têm o domínio das ferramentas de
informática/Internet, a desigualdade de participação é ainda mais visível.
Além das características, aspectos positivos e limitações desse tipo de experiência
comunicacional, importante para se pensar na existência de um meio popular-alternativo de
comunicação é entender como se dá a participação e a relação do grupo que a desenvolve.
Por isso, a partir de agora, discutiremos os conceitos de “participação” dos jovens no
AJIndo e de “comunidade indígena” na Reserva de Dourados.
6 Análise da participação no Jornal AJIndo
“Participação”, “participar”, “participaram”, “participamos” foram palavras que
apareceram por 37 vezes em todos os textos do Jornal AJIndo, analisados de fevereiro/2004
– dezembro/2006. A palavra, que demonstra um sentimento importante para os jovens -
geralmente à margem dos processos político-histórico-culturais -, também tem importância
fundamental para a comunicação popular-alternativa, no intuito de alcançar
desenvolvimento da cidadania, retomada da auto-estima, mobilização e transformação
social.
E como já foi teorizado, participação nos remete a faze r parte. Questionamo-nos
então, até que ponto os jovens da AJI, em particular, e jovens indígenas de Dourados, em
geral, fazem parte do Jornal AJIndo.
Para isso, embasamo-nos nos estudos de Bordenave (1983) sobre participação.
Existe, para o autor, várias maneiras de se participar, além de graus e níveis de
participação. Pensando com relação aos jovens indígenas que freqüentam a sede da AJI73,
tentamos classificar essa maneira de “tomar parte”. Acreditamos primeiramente, que
embora a entidade tenha nascido de uma necessidade sentida a partir dos jovens, de
maneira voluntária, a AJI surge a partir de uma participação provocada. Esta classificação
não se dá pejorativamente, mas indica que a GAPK teve papel preponderante ao incentivar
reflexões, discussões e in strumentalizar o surgimento da Ação, atuando como uma entidade
73 Atualmente a AJI tem como sede a GAPK, já que não possui recursos para se manter. Existe uma proposta de ocuparem em 2008 o Núcleo de Atividades Múltiplas (NAM) da Aldeia Jaguapiru, projeto de extensão do Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran), mas que ainda não foi efetivada
193
de apoio que oferece oficinas, cursos, equipamentos (como máquinas fotográficas e
computadores) e a própria sede da AJI.
O grau com que participam os membros da Ação dos Jovens Indígenas seria
considerado, de acordo com Bordenave, como co-gestão, “em que a administração é
compartilhada por meio de mecanismos de decisão conjunta, como os colegiados” (1983,
p.31).
Além disso, a participação se daria no Nível 1, em que os membros têm o maior
poder de interferência, que, segundo o autor, se dá no nível da “formulação da doutrina e
política da instituição”. É complexo, porém, tentar enquadrar a atuação da AJI nos padrões
definidos teoricamente, até porque, nossa análise não busca identificar a participação dos
jovens com relação à entidade, mas ao Jornal. Dessa forma, enxergar o Jornal como uma
empresa em que existem dirigentes e subordinados, também se torna inviável, já que o meio
de comunicação é construído de maneira coletiva, a partir das produções dos jovens. Se
pensarmos com relação à organização da AJI, existe um colegiado composto por seis
jovens, dois de cada etnia, que representam os outros nas decisões mais institucionais. Esta
hierarquização, porém, não se faz presente no Jornal, pois não existem funções definidas
(editor, repórter, fotógrafo etc) mas todos podem participar desde que seu trabalho seja
aprovado pelo grupo.
Quanto à participação dos jovens indígenas da Reserva de Dourados no AJIndo, os
níveis e graus são certamente diferentes. Primeiramente, vale lembrar que não existe uma
restrição quanto à participação na AJI. Todos os jovens que se sentirem motivados a se
unirem com os outros jovens, podem participar. O número de jovens que atua diretamente
com a AJI e GAPK é, porém, reduzido. Isso se dá devido a não-permissão dos pais,
dificuldades de socialização, locomoção (já que a sede da entidade é na cidade), e, às vezes,
por terem que trabalhar ou cuidar da casa. De toda a forma, estes jovens entram em contato
com o Jornal nas escolas indígenas em que estudam, por meio da distribuição realizada
dentro da própria aldeia, ou ainda por seus pais terem ouvido falar sobre ele nas reuniões.
Na primeira turma que desenvolvia o Jornal, eram contados como participantes da
AJI, 15 jovens, porém, catalogamos exatamente 60 jovens com textos publicados nos
jornais de fevereiro/2004 a dezembro/2006. Buscando entender o desencontro entre os
dados fornecidos pela ONG e os que identificamos na análise, parece-nos que alguns jovens
194
atuaram apenas esporadicamente no Jornal. Dentre os 60 identificados, 30 deles (50%),
publicaram apenas um texto, desenho ou verso e 18 deles (30%), participaram com dois
textos. Isso significa que 80% dos jovens que participaram destas edições, não tiveram
quantidade expressiva de publicação no Jornal AJIndo. Talvez, devido a isso, não sejam
considerados da “primeira turma do Jornal”74.
Os jovens da aldeia (os que não vão a AJI por opção ou dificuldade estrutural)
participam, portanto, como receptores e/ou em forma de consulta facultativa, em que “os
dirigentes podem, quando quiserem, consultar os membros pedindo sugestões, críticas,
opiniões” (BORDENAVE, 1983, p.31). Mais uma vez, destacamos a não existência de uma
relação entre dirigentes e subordinados, mais entre jovens que participam com os que não
participam da AJI / Jornal AJIndo. De acordo com uma indígena kaiowá, pouco-a-pouco as
pessoas estão procurando a AJI pra sugerir pauta, pedindo matérias e fotos. “Ainda não são
muitas ligações da comunidade, mas já começou a aparecer. A gente fala que se eles
tiverem precisando pra chamar a gente que a gente faz a reportagem completa”, destaca.
Esta forma de participação, embora pequena, deve ser considerada como muito
positiva numa sociedade em que a forma mais aceita de comunicação é a face-a- face, pela
oralidade.
Embora já tenhamos abordado a questão da participação na comunicação popular,
retratada por Cicilia Peruzzo (1995, p.145), cabe aqui retomar a classificação buscando
facilitar a relação entre a classificação definida pela autora e nossa análise prática.
Significação, para ela, pode então significar:
a) O simples participar das pessoas, dando entrevistas, avisos, depoimentos [...] etc;
b) Participar elaborando matérias (notícia, poesia, desenho etc);
c) Participar no processo de produção global do jornalzinho, do programa de rádio etc;
d) Participar na definição da linha política, do conteúdo, do planejamento, da edição,
do manejo de equipamentos etc;
e) Participar do processo de gestão da instituição de comunicação como um todo
(PERUZZO, 1995, p.145).
74 É com esta expressão que a responsável pela ONG e uma indígena que atuou no Jornal desde o começo fazem referência ao grupo de 15 jovens, que constam nos dados, em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
195
Quanto a esta reflexão, podemos considerar que os jovens da AJI atuam da maneira
descrita nos itens “a”, “b”, “c” e “d”, enquanto os indígenas da aldeia em geral atuam
especificamente como no item “a” e, esporadicamente, podem atuar como o descrito no
item “b”. Não houve classificação quanto ao item “e” (participar do processo de gestão da
instituição de comunicação como um todo), pois acreditamos que, a partir do momento que
os jovens dependem de recursos externos e equipamentos para produzirem e veicularem o
Jornal, eles não desenvolvem o processo de gestão total.
Cabe ainda, neste tópico sobre participação, uma última observação sobre a
utilização expressiva da palavra “comunidade”, 49 vezes, nos textos do Jornal AJIndo
(Fevereiro/2004-Dezembro/2006). Consideramos que, apesar de a comunicação alternativa
ser desenvolvida por grupos ou associações, a AJI busca representar não apenas os
interesses dos jovens indígenas, mas de toda a população indígena de Dourados, a que
denominam por tantas vezes como comunidade. Dessa forma, acreditam que a luta que os
motiva não é uma luta isolada, de poucos, mas uma luta de todos os indígenas que, apesar
de envoltos em conflitos internos, em guerras de etnias e disputas por lideranças e terras,
estão unidos por alguns objetivos, podendo ser exemplificados: luta contra o preconceito,
luta por voz, luta por melhores condições de educação, saúde, moradia, melhores condições
de emprego, a luta contra a mortalidade infantil e contra o suicídio, problemas que dizem
respeito a cada um e a todos, simultaneamente.
7 Funções da comunicação popular-alternativa para os jovens da AJI
Para pensarmos nas funções de uma comunicação popular-alternativa,
desenvolvemos em nossa fundamentação teórica uma discussão, em que definimos três
grandes áreas em que este tipo de mídia pode atuar. Cumpriria, portanto, as funções de
formação crítico-educativa, desenvolvimento da auto-estima e cidadania e/ou mobilização
para a transformação social.
Buscamos durante todo o trabalho de pesquisa, baseados na Análise de Conteúdo do
Jornal AJIndo, captar qual a maior função que o veículo tem para estes jovens. Detivemo-
nos a conhecer as outras formas de comunicação desenvolvidas na aldeia, inclusive a rádio
comunitária, que não fora desenvolvida pela AJI, e as desenvolvidas, como fotografias,
vídeos e publicações on-line (blog e fotolog).
196
A partir de nossa observação detalhada e cuidadosa que se deu da definição prévia
de cinco categorias: Assunto Principal, Aspecto Central, De quem se fala, Gê neros
utilizados e Ilustrações dos textos, detivemos-nos a tentar identificar qual a função que o
Jornal AJIndo, mais especificamente, tem para eles.
Baseados nos dados obtidos e demonstrados durante este capítulo, acreditamos que
dentre as funções teorizadas, a que mais vem ao encontro das temáticas e outras pistas
deixadas pelos jovens no Jornal, é que o veículo tem para eles a função de desenvolvimento
da auto-estima e cidadania, mesmo que este não seja seu principal objetivo, além de ter
também as funções de formação crítico-educativa e/ou mobilização para a transformação
social,. O que eles almejavam, na verdade, era que a partir deste espaço, pudessem cavar
um local em que fossem aceitos, já que estando in between, não fazem parte da sociedade
indígena, tampouco da não- indígena.
Com o intuito de encontrarem reconhecimento e valorização como jovens e
indígenas, tinham o desejo de criar um Jornal a partir do qual pudessem mobilizar os jovens
indígenas em torno desta causa. As temáticas abordadas no Jornal, porém, mais do que
mobilizar, demonstram a importância que os jovens atribuem a experiência de serem
emissores da informação, de serem sujeitos do processo comunicativo. A partir da
classificação dos gêneros e dos altos índices de opinião emitida (em 67% dos textos), de
verificarmos no aspecto central o fortalecimento da imagem da AJI, sua importância e
atuação (em 43% dos textos) e de identificarmos a expressiva utilização do Jornal para
apresentação dos eventos produzidos, internos e externamente pela entidade (44%),
justificamos como função do Jornal para eles o desenvolvimento da auto-estima e
cidadania.
Esta função se justifica, ainda, a partir das entrevistas que realizamos com jovens da
AJI que relataram a experiência de atuarem no Jornal. Esta kaio wá de 21 anos, que
participou da primeira turma do jornal e agora não está mais na entidade, ao ser questionada
sobre o que mudou para ela antes e após participar do Jornal, enfatiza “Ah, mudou
bastante! Eu me sentia... Ah, pode falar? Importante! Eu me sentia útil, porque primeiro eu
gostava do que estava fazendo, eu sabia o que eu estava fazendo. Isso melhorou a minha
auto-estima, me fazia bem, me fazia útil”.
197
Ainda refletindo sobre sua atuação na AJI, já que foi uma das fundadoras da Ação, a
indígena se emociona e prossegue
Na AJI eu aprendi tudo o que eu sou. Eu aprendi a falar, aprendi a me expressar, aprendi a lutar pelas coisas que eu quero, aprendi a valorizar as coisas que eu tenho, aprendi muita coisa aqui. Se você me conhecesse cinco anos atrás, você ia falar, meu Deus essa não é você nunca. Eu ia falar eu chorava, eu não conseguia falar.
Maria de Lourdes Beldi de Alcântara, que além de responsável pela GAPK pesquisa
os jovens indígenas há seis anos pelo LABI/NIME (Laboratório de Estudos do Imaginário –
Núcleo Interdisciplinar do Imaginário e Memória) da Universidade de São Paulo, avalia a
experiência que os jovens desenvolveram por meio da comunicação e arrisca um
diagnóstico. “Auto-estima, basicamente isso. Eles passaram a acreditar neles, que eles
podiam ter um lugar e que eles só iriam ter um lugar se eles gritassem, aparecessem. Daí
eles conquistaram o lugar deles que demorou bastante”.
Embora não tenhamos considerado como a principal função do Jornal, não podemos
ignorar o papel que a entidade teve e tem na ativação de um processo de mobilização para
transformação social. Afinal, tem realizado um amplo trabalho de reflexão sobre o valor
dos jovens indígenas, apoiando-os na luta por localização social. Este objetivo da entidade,
que se percebe de maneira muito clara, não é porém tão bem explorado no Jornal. A
maioria dos textos, ao invés de buscar reunir a juventude indígena em torno das causas que
acreditam ser importante, chamando-os para o trabalho, se detém a relatar fatos e opinarem
sobre eles. É mais uma forma de demonstrarem o que cada jovem pensa, sem, porém,
organizá-los em torno de objetivos comuns.
Destacamos ainda que todo este processo de desenvolvimento da cidadania e de
mobilização para transformação social, reconhecidas ao menos em parte no Jornal AJIndo,
vem acompanhado de uma formação crítico-educativa, pois os jovens se submeteram a um
processo de educação informal e a partir do contato com tantas práticas de comunicação
como emissores da informação, passaram a refletir melhor sobre a grande mídia,
motivando-se para uma leitura crítica da comunicação.
Além do próprio exercício de aprendizagem que é produzir textos, fotos, vídeos,
houve um incentivo à reflexão crítica quanto aos mesmos materiais produzidos
198
externamente, o que também permitiu- lhes um crescimento pessoal a partir de um
alargamento de seus horizontes. Uma guarani-kaiowá, confirma esta transformação pessoal
ao analisar sua passagem pela AJI e pelo trabalho com comunicação. “Melhorou meu modo
de falar, meu jeito de escrever. [...] Mudou minhas visões sobre filme. Que filme não era só
um filme, que jornal não era só um jornal”.
Maria de Lourdes de Alcântara75 faz uma observação quanto ao processo educativo
em que o Jornal lhes inseriu. “O processo educativo presente no jornal não é um processo
educativo do jornal, mas da AJI. É o processo deles. É como eles foram se fazendo. Nas
discussões que a gente tem”.
Diante de tantas funções da comunicação popular-alternativa para os jovens nota-se
que houve uma interferência nas práticas comunicativas tradicionalmente hierarquizadas
pelos indígenas, em que o mais velho detinha o poder e ao mais jovem cabia ouvir.
Interferir nesta hierarquia, porém, parece ser justamente o objetivo deles. Os jovens que
formaram uma nova categoria dentro da aldeia, a categoria do jovem solteiro, buscam de
certa forma um espaço em que consigam sentir-se parte. Para isso, apropriam-se de
elementos da cultura não- indígena, como a língua, o saber científico das universidades e os
seus meios de comunicação para se fazerem ouvir. Como seres totalmente híbridos,
divididos entre a cultura não- indígena que é atrativa e a cultura indígena, que vem sendo
desvalorizada, utilizam-se destas novas formas de comunicação para instaurarem um novo
tempo dentro da comunidade indígena, um tempo em que suas reflexões e conhecimentos
adquiridos fora da aldeia devem ser utilizados e valorizados para ajudarem a comunidade
nos problemas mais latentes, como a violência, drogas, desemprego, desnutrição. Uma
kaiowá de 14 anos, assim sintetiza a relação com a cidade: “O índio, em geral, parece ter
um espaço depois de ‘sociedade branca’, sem esquecer quem ele é, sem esquecer seus
costumes, sem se esquecer de trazer para dentro da aldeia tudo que for bom e de fora”
(MACHADO, I., 2007, p. 74).
E buscando ser parte do mundo indígena, a partir do que se apropriaram dos não-
indígenas, atuam em seus veículos de comunicação, principalmente no AJIndo, na busca
por fortalecer a classe dos Jovens Indígenas, representada todo o tempo pela AJI.
Acreditamos que os resultados que apontam a uma supervalorização da entidade,
75 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
199
apresentando sua importância e atuação em eventos externos e internos, são na verdade
uma supervalorização da figura do jovem, que deve ser reconhecido, que deve ter direito a
se pronunciar nas reuniões com as lideranças, que deve ser considerado também liderança,
afinal, detém o poder comunicacional neste novo tempo.
De certa forma, a partir do momento que estes jovens passam a interferir
diretamente na circulação de informação dentro da aldeia, alterando o processo
comunicacional historicamente instituído, há que se falar numa ressemantização cultural.
Pois, o mundo, dentro e fora, da aldeia passa a ser lido por jovens que mantém contato
direto com a sociedade não-indígena e que aprenderam a interpretá-lo de maneira híbrida,
assim como também o são.
8 Onde estão localizados os jovens hoje?
Se a comunicação popular-alternativa realmente conseguiu cumprir com essas
funções – desenvolvimento da auto-estima e cidadania, mobilização pra transformação
social e formação crítico-educativa, algo deve ter se alterado na vida dos jovens.
Se o principal objetivo deles era o de serem realmente reconhecidos dentro da
sociedade indígena e/ou dentre os karaí, acreditamos ser necessário responder: onde estão
localizados os jovens hoje?
O “espaço” que buscam ocupar está sempre muito presente em suas falas. O fato de
encontrá-lo por meio da comunicação, também. Assim explica uma indígena 76: “A
comunicação é importante primeiro pra poder expressar tudo isso. Expressar o que a gente
acha, o que a gente pensa, deixa de achar. Tem o objetivo de termos voz, mas também de
sermos reconhecidos, sermos escutados. De ter um espaço dentro da aldeia, o que é mais
importante”.
Maria de Lourdes Alcântara relembra 77 do começo da ONG e do reconhecimento da
realidade dos jovens a partir do contato com uma kaiowá, a primeira com quem começou a
conviver. “Quando eu a conheci eu pensava: os jovens estão num não- lugar que era pra ser
de passagem e passa a ser permanente. E ela foi me mostrando quantos jovens eram iguais
76 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008 77 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008
200
a ela”. Será que ainda hoje eles continuam neste não-lugar dito pela pesquisadora?
Continuam in between?
Em reuniões realizadas na aldeia, como o Aty Guasu do NAM (Núcleo de
Atividades Múltiplas) da aldeia Jaguapiru, que aconteceu no dia 17 de janeiro de 2008, com
o objetivo de trazer as lideranças para uma discussão visando a melhor utilização do espaço
do NAM, o que se viu foi um grupo expressivo de jovens em destaque.
Com suas camisetas rosa, em que consta gravado o nome das três etnias, eles se
fizeram ouvir e conhecer. Convidados pela própria comunidade indígena, a AJI levou cerca
de 20 representantes, e foi chamada a pronunciar-se sobre as questões levantadas também
como as lideranças o fizeram. A maior autoridade indígena da Jaguapiru78, que esteve
presente no encontro e, até então, não demonstrava simpatia pelo grupo, destacou em seus
discursos a importância dos jovens para o futuro da aldeia.
A participação dos jovens tomou tamanha proporção, que todos tiveram espaço para
dizerem, individualmente, em que atuam, o que já produziram, quais seus objetivos. Como
o NAM busca ser um espaço de lazer e capacitação para crianças, mães e jovens,
principalmente, eles tiveram participação privilegiada em todas as discussões, inclusive nos
trabalhos desenvolvidos no período da tarde, com a formação de grupos de discussão.
É certo que este tipo de participação e espaço que tiveram, não se faz tão expressivo
em encontros que não são focados com tanta ênfase ao jovem, porém os não- indígenas que
participaram do evento e nunca haviam ouvido falar da AJI ou desta nova categoria de
jovens solteiros, saiu com a impressão de que realmente eles eram considerados lideranças
dentro da comunidade.
Analisando a participação e atuação dos jovens no encontro, Alcântara destaca que
“Esses jovens sofreram muito e ainda sofrem, e ninguém chega neles. Ninguém pergunta o
que eles estão passando. Agora a situação esta mudando porque eles precisam dos jovens
para apoio político”.
Melhor do que relatarmos o que visualizamos por meio da observação decidimos
dar espaço para que os próprios jovens analisassem como estão posicionados socialmente
dentro da comunidade indígena.
78 Decidimos por não apresentar os nomes dos indígenas para evitar constrangimentos ou qualquer outro tipo de dificuldade para eles
201
Quando a gente começou a gente não tinha voz pra falar, a gente falava de bicão, porque a gente tinha que entrar e dar as caras e fazer amizade pra falar, senão a gente não falava. O Rubinho era o antropólogo da FUNAI. Na época da minha mãe, da minha vó nunca existia jovem mesmo, mas começou existir. Começou existir grupo de mulheres, um monte de coisa, e a gente começou também. Mas por necessidade de falar, até de se defender, mas necessidade de se defender mesmo. Na época quando a Lou veio pa cá era a época onde tinha muito suicídio na aldeia e muitas vezes a gente até se pergunta se era suicídio mesmo, e a maioria dos que morriam eram jovens, 14, 16, 13... daí, quando a Lou veio pra cá nem eu entendia mesmo das coisas, mas eu falava. Lou, não fala pra ninguém que você é antropóloga, e ela não falava de jeito nenhum. A gente chegava nos lugares e ela não falava. [...] Eles tinham resistência de tudo novo e o grupo que estava começando era um grupo novo.
Devido a este grupo novo, a kaiowa conta fatos em que se recorda da resistência não
só por parte dos indígenas, mas também de antropólogos que se dedicam a estudar os
guarani-kaiowá.
Teve uma discussão sobre álcool, usina de álcool, dependência química. E eu fui como representante da AJI. [...]Daí eu levantei, falei da AJI. Daí o Rubinho79 veio e me puxou do lado e falou assim pra mim. Por que você ta falando? Você deveria estar casando. Você não deveria estar falando nada. Aí ele pegou e falou assim, você não sabe de nada, eu trabalho há 30 anos com os Guarani-Kaiowá e não existe jovem, você sabe que não existe! Nossa, desmonte i naquela hora. [...] Daí falei, quer saber, vou lá e vou falar. Daí ele falou assim, que o jovem só existia ou por causa da igreja (grupo de jovens) ou porque é ligado à Lou, ou é ligado à igreja ou é ligado à Lou. Ele falou desse jeito. Aí depois que passou isso, aí eu peguei e voltei e falei que não. Falei, aconteceu isso, o Rubinho falou isso pra mim, em público, no meio de todo mundo. Aí eu falei assim, Rubinho, você trabalha há 30 anos com Guarani-Kaiowá e eu sou Kaiowá há 19 anos!
A partir deste fato, a indígena se defende80:
E jovens indígenas existem sim, pode até não ter existido há trinta anos atrás, mas surgiram pela necessidade de lutar por aquilo que acham certo, e toda comunidade tem o direito de se organizar da forma que achar melhor, os jovens de hoje não aceitam mais idéias obsoletas impostas por
79 Maneira como ela chama o antropólogo Rubem Thomaz de Almeida, considerado um dos maiores conhecedores da cultura guarani-kaiowá no Mato Grosso do Sul 80 Não haverá maior identificação do dado colhido para resguardar a identidade da entrevistada
202
este antropólogo que se diz especialista em nossa cultura. Precisamos nós de especialistas? Precisamos de pessoas que nos ensinem a ser quem somos?
Apesar dos contratempos com relação ao grupo, externa e internamente, os jovens e
a ONG acreditam numa mudança de posição com relação ao posicionamento dos jovens na
sociedade. Porém, essa mudança aparece sempre relacionada, em seus discursos, com a
questão política dentro da aldeia, pois, de toda a forma, os jovens tem um rápido poder de
mobilização e por isso se fazem importante. “Agora as coisas já mudaram. Foi uma
mudança muito rápida, você não tem idéia. Já tem uma categoria social. Por que? Porque
teve força, teve representatividade”, explica Maria de Lourdes Alcântara.
O mesmo se ouve de uma das jovens. “Agora as coisas estão mudando porque,
querendo ou não querendo a AJI tem uma força. Querendo ou não querendo a AJI tem
pessoas que falam”. Quanto a questão da mobilização que possibilitavam, a mesma
indígena conta que
Ligavam de madrugada e diziam: a gente vai sair às 4h da madrugada, avisa todos os jovens que a gente vai fechar a FUNASA de Campo Grande. Aí ia nós de madrugada de casa em casa chamar os jovens. Até mesmo pra fazer volume, fazer protesto, cartaz, fechar a estrada, correr atrás de ônibus, de comida, de tudo. Então a gente virava um pirulito.
“Eles se viravam. Eles faziam, corriam, se mobilizavam. Então era um importante
ponto de apoio”, completa Maria de Lourdes Beldi de Alcântara. Segundo ela, eles
conseguiram espaço na época porque apareceram num momento que a Funai e os agentes
de saúde precisavam deles. “Eles eram super ágeis e tiveram o poder de mobilização muito
grande.As pessoas perceberam que sem o apoio da AJI eles não iam conseguir mobilização,
então a AJI se tornou um ponto de apoio pra eles”.
Deve-se destacar que embora os avanços sejam notados quanto à participação dos
jovens entre os indígenas, eles ainda não são considerados totalmente aceitos pela
comunidade, até porque , apesar de tantos esforços comunicacionais para se fazerem
ouvidos, nem toda aldeia tem conhecimento dos objetivos e produções da entidade. Porém,
se atualmente os jovens encontram-se num lugar não completamente consolidado, mas
203
menos indiferente como o que estavam há pouco tempo, destaca-se o papel da formação da
AJI e a utilização de formas de comunicação popular-alternativa.
Eu aprendi que não devemos desistir, temos que lutar pelo que nós queremos, pois se não lutarmos ninguém vai lutar por nós, pois a nossa aldeia está praticamente largada . Já estamos fartos de escutar o povo falando de nós, a maioria nos conhece através da mídia, já estamos cansado de só as lideranças falarem por nós, pois eles falam o que eles acham e nós temos que falar também, pois somos nós que estamos vivenciando tudo isso. Vamos virar a página e recomeçar tudo de novo, vamos tentar quantas vezes for possível!!!!!!!!! (GONÇALVES, J., 2007, p.1)
Esta nova realidade mudou não só o olhar dos outros sobre eles, mas também a
própr ia forma como eles passaram a se enxergar.
204
Conclusões
Concluída a análise e interpretação dos dados colhidos em nossa pesquisa, ficam
algumas observações importantes de se destacar.
Retomando primeiramente os objetivos a que nos propusemos seguir, quanto ao
impacto da utilização de meios tecnológicos de comunicação nas aldeias do Jaguapiru e
Bororó, levando em conta interferências nas formas tradicionais de hierarquia e
comunicação dentre os indígenas e a função social da comunicação popular-alternativa e
comunitária como agente de mobilização e transformação social, acreditamos que o
impacto sobre os jovens é positivo, porque eles demonstram ter ganhado muito com estas
experiências no que diz respeito à maior influência, tanto interna quanto externamente às
aldeias. Já para os mais velhos, a utilização pelos jovens destas novas formas de
comunicação também não é vista como de todo negativa, já que eles também se apropriam
de ingredientes da cultura ocidental que lhes são convenientes, por exemplo, a escolha do
capitão (maior representante de cada aldeia) é feita por voto democrático e com a utilização
de cédulas, há ainda o fato de que os próprios líderes se utilizaram e solicitam a instalação
de uma rádio comunitária e possuem carros de som.
Em entrevista81 com um dos líderes ele afirma que com a transformação da
realidade em que viviam, eles tiveram que se adequar a estes elementos que era, de
exclusividade dos brancos. Cita o fato de não haver mais a separação de pequenos gr upos
dispostos em grandes territórios, sendo que antigamente cada grupo tinha um líder que era
respeitado. Atualmente, diz, vivem todos aglomerados num pouco espaço, os caciques não
conseguem mais reunir os grupos que estão mais extensos e que já não respeitam seu poder
de liderança natural.
“Para conseguirmos atingir todo mundo precisamos então de outras coisas como
uma rádio comunitária ou carro-de-som”, destaca o líder guarani, de 56 anos.
81 Em 30 de janeiro de 2008
205
Continuando a discutir os resultados, quanto à mobilização dos jovens da AJI
promovida pelo jornal e blog, entendemos que acontece, mas não como a principal função
dos veículos. Acreditamos porém que, a partir desses meios de comunicação, os jovens
criaram um espaço identitário de pertencimento, já que não eram aceitos dentro das aldeias,
tampouco na cidade.
Importante também destacar que, não identificamos diferenças quanto à prática
alternativa do não-índio e do índio, já que constatamos que os indígenas trazem consigo
características dos desfavorecidos socialmente e destituídos do poder de emissão
informacional, que vêem na comunicação alternativa, a exemplo de tantas vítimas da
marginalização urbana, oportunidade de serem ouvidos e de lutarem por um espaço social.
A partir do momento que estes jovens passam a deter o poder da comunicação,
ressemantizam suas culturas e tradições pois é a partir do olhar dos mais jovens que elas
passam a ser contadas, e de mais jovens que estão também transitando pela sociedade dos
brancos, fazendo faculdade ou desenvolvendo alguma outra atividade na cidade.
Buscamos durante todo o trabalho, baseados na Análise de Conteúdo do Jornal
AJIndo, entender qual a principal função que o veículo tem para estes jovens. Para isso,
além da AC nos propusemos a conhecer outras formas de comunicação desenvolvidas na
aldeia, inclusive a rádio comunitária, que além de já extinta, não fora desenvolvida pela
AJI.
Conforme explicitado no quarto capítulo, detivemo-nos a retomar alguns pontos.
Acreditamos que, dentre as funções teorizadas, a que mais vem ao encontro das temáticas e
outras pistas deixadas pelos jovens no Jornal, é que o veículo tem para eles a função de
desenvolvimento da auto -estima e cidadania. Tem também as funções de formação crítico-
educativa e/ou mobilização para a transformação social, como já fora dito. O que eles
almejavam, na verdade, era que a partir deste espaço, pudessem cavar um local em que
fossem aceitos, já que estando in between, não faziam parte da sociedade indígena,
tampouco da não- indígena.
Com o intuito de encontrarem reconhecimento e valorização como jovens indígenas
e solteiros - tendo em vista que os jovens indígenas solteiros ocupam um não- lugar na
Reserva, pois não pertencem à organização tradicional indígena, tampouco estão inseridos
entre os brancos -, almejaram criar um Jornal a partir do qual pudessem se mobilizar. As
206
temáticas abordadas, porém, mais do que mobilizar, demonstram a importância que os
jovens atribuem à experiência de serem emissores da informação, de serem sujeitos do
processo comunicativo. Retomando alguns dados, a partir da classificação dos gêneros
jornalísticos utilizados nos textos que refletem altos índices de opinião emitida (em 67%
dos textos), de verificarmos no aspecto central o fortalecimento da imagem da AJI, sua
importância e atuação (em 43% dos textos) e de identificarmos dentre os assuntos
principais a expressiva utilização do Jornal para apresentação dos eventos produzidos,
internos e externamente pela entidade (44%), justificamos como função do Jornal para eles
o desenvolvimento da auto-estima e cidadania. Esta função se justifica, ainda, a partir das
entrevistas que realizamos com jovens da AJI que relataram a experiência de atuarem no
Jornal. Todos apontam a participação da AJI e dos meios de comunicação como um divisor
de águas em suas vidas, citando como importante além da auto-estima, o aprendizado que
tiveram tanto técnico, de escrita e fala, quanto à criticidade e reflexão sobre o mundo, o que
denominamos formação crítico-educativa.
Importante abordar ainda que no jornal e blog, se falamos de participação,
encontramos duas situações: existe uma participação efetiva pequena, se pensarmos nos
jovens de toda a aldeia, mas atuante se considerarmos os jovens que fazem parte da AJI. De
toda forma, a entidade mostra-se aberta para acolher os que quiserem se envolver com a
Ação dos Jovens Indígenas.
Por fim, acreditando que toda ação gera a transformação do contexto em que está
atuando, refletimos sobre as mudanças que a inserção destas novas formas de comunicação
possibilitaram às aldeias. O caminho percorrido nos levou a importantes descobertas
principalmente com relação às potencialidades deste tipo de comunicação num contexto tão
conturbado e similar às favelas dos grandes centros urbanos. Mais do que jovens indígenas
não reconhecidos como parte da sociedade dos brancos ou dos próprios índios, eles se
colocam como desfavorecidos socialmente e destituídos do poder de emissão
informacional, e vêem na comunicação alternativa, a exemplo de tantas vítimas da
marginalidade urbana, oportunidade de serem ouvidos e de lutarem por um espaço social, o
que automaticamente nos remete à retomada da auto-estima e cidadania, desenvolvimento
de uma atitude crítico-educativa e mobilização para a transformação social. A partir daí, a
realidade vem se alterando.
207
Ficou claro, por meio das entrevistas e de uma experiência pessoal em encontros na
aldeia, que os jovens começaram a cavar o seu lugar dentro das tribos a que pertencem.
Além disso, começam a se impor nas esferas em que participam também na cidade, estando
em destaque nos cursos universitários, mestrados e pós-graduação em geral, e, inclusive, já
como professores do Ensino Superior.
Demonstraram que a partir do domínio da língua e da escrita dos brancos, e ainda,
de suas formas de comunicação - mesmo que apresentem nos textos e na estrutura do Jornal
AJIndo limitações e falhas, que são comuns a todas as experiências alternativas de
comunicação -, podem ser peças fundamentais para a causa indígena em Dourados/MS.
Esse reconhecimento vem também, pelo que se percebe, por parte dos mais velhos que não
menosprezam mais a introdução dos veículos de comunicação ocidentais na aldeia, nem a
iniciativa de posicionamento pelos jovens que ainda não se casaram, desde que a utilização
do Jornal e blog seja em prol de todos os indígenas, e que se mantenha o respeito aos mais
velhos e tradições ainda possíveis de serem mantidas.
Apesar de trilharmos um caminho sinuoso, que se deu desde o entendimento do
modo de viver da população que estudamos e que nos era tão distante e novo, acreditamos
ter avançado no reconhecimento da comunicação alternativa produzida pelos jovens
indígenas, e ainda, a partir do esforço da pesquisa, chegamos a conclusões importantes que
nos permitem posteriormente analisar outros contextos de comunicação indígena, talvez até
na tentativa de sistematizar formulações a respeito de suas características, limitações e
funções, que muito se assemelham da comunicação produzida nos bairros periféricos dos
centros urbanos, mas também guardam algumas peculiaridades, como a dificuldade de se
expressar, por exemplo, numa língua muitas vezes de compreensão e formulação restritas
tanto para o emissor como para o receptor. A leitura dos textos nas assembléias tradicionais
(Aty Guasu), muitas vezes na língua guarani, também pode ser apontada como
peculiaridade dessas experiências de comunicação alternativa indígena.
De todas as observações levantadas, fica enfatizada a importância que estes meios
de comunicação têm para os jovens, particularmente, e para o futuro das tribos que
começam a se transformar de maneira profunda quanto às tradições e organização social, no
geral. Eles são atualmente um dos primeiros registros importantes do contexto dos povos
indígenas de Dourados e região produzidos por eles mesmos. Assim como esta dissertação
208
de mestrado, pretendem-se documentos de uma comunidade que vivia fundamentada sobre
as bases solúveis da oralidade e que, a partir de agora, passam a registrar pela escrita
textual, audiovisual cinematográfica, virtual e iconográfica, a realidade dos jovens
indígenas de Dourados/MS, que antes desprezados pelos seus e pelos brancos,
mobilizaram-se para escrever a história de seu povo e encontrar aceitação.
209
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