1 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
Clulas-tronco embrionrias
Algumas ponderaes ticas
e cientficas
Editorial Neste ms de dezembro, o STF dever julgar a ao
direta de inconstitucionalidade que barra a pesquisa com
clulas-tronco embrionrias autorizada pela nova Lei de
Biossegurana. Uma discusso cientfica e tica est em
curso. Na busca incansvel pela cura de doenas
degenerativas e com o intuito de prolongar a vida
humana, membros da comunidade cientfica defendem o
uso de clulas-tronco embrionrias para pesquisas. Em
contrapartida, surge o questionamento: tico utilizar-
se de embries para tal atividade? Esse tema polmico
est em debate nas pginas da IHU On-Line desta
semana.
Para Llus Montoliu, pesquisador cientfico do
Departamento de Biologia Molecular e Celular do Centro
Nacional de Biotecnologia, com sede em Madrid, na
Espanha, o principal desafio tico dessas pesquisas,
consiste no debate sobre o status, a condio que se
atribui a um embrio em seus estgios pr-
implantatrios. No entanto, para o subprocurador geral
da Repblica Cludio Fonteles, a resposta
irretorquvel: a vida inviolvel. Fundamentado na
Constituio de 1988, Fonteles contrrio utilizao de
embries para pesquisa e afirma que o estado deve
garantir a dignidade da pessoa humana. Do mesmo
pensamento compartilha Francesco DAgostino,
professor de Filosofia do Direito e de Teoria Geral do
Direito, na Facolt di Giurisprudenza da Universidade de
Roma. Para ele, a humanidade precisa superar suas
diferenas extrnsecas e perceber que todos
compartilham dos mesmos princpios morais. Favorvel
aos avanos da cincia, ele contesta a utilizao de
embries nos estudos e comenta que nem todos os
mtodos que os cientistas usam so eticamente
aceitveis. J para Volnei Garrafa, professor da UnB, o
embrio no pode ser considerada como uma pessoa.
Segundo ele, a cincia tem se mostrado impotente para
definir sob o prisma acadmico quando se d o incio da
vida humana, quando um embrio passa a ser pessoa.
Jamais chegaremos a um consenso, seja biomdico, seja
religioso, seja moral.
Laurie Zoloth, pesquisadora e diretora do Centro de
Biotica, Cincia e Sociedade da Universidade
Northwestern, dos Estados Unidos, favorvel ao uso de
embries nas pesquisas, e argumenta que no deve haver
limites na cincia. A pesquisa com clulas-tronco
embrionrias humanas um grande avano para a
humanidade, porque destrava enigmas-chave sobre como
crescem as clulas jovens, considera. A idia de Zoloth
compartilhada pelo pesquisador Jos Garcia Abreu
Jnior, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Segundo ele, embora a reprogramao celular
avance, os estudos com embries ainda so
indispensveis como fonte comparativa de clulas-tronco
somticas. Nesse sentido, salienta, as pesquisas so
desenvolvidas com o objetivo final de preservar a vida ou
melhorar a qualidade dela. Consideraes parecidas so
feitas por James Edgar Till, Ph.D. em Biomedicina, pela
Universidade de Yale. O pesquisador defende que
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embries excedentes devem ser doados e utilizados
para pesquisas que poderiam conduzir s novas terapias
mdicas. Karen Lebacqz, ex-professora de tica
Teolgica, da Pacific School of Religion, em Berkeley,
Califrnia, afirma que possvel realizar pesquisas com
clulas-tronco embrionrias, de tal maneira que se
respeite o embrio. Ela argumenta que o destino do
embrio muda em pesquisa com clulas estaminais. Ele
no dar vida ao embrio como uma criana, mas ele
trar a possibilidade de uma vida estendida na forma de
uma linha de clulas estaminais.
Tatiana Midori, fsica, fala da possibilidade da
incorporao pelas clulas das nanopartculas de xidos
de ferro. Assim, com a injeo em seres vivos de
clulas-tronco marcadas com as nanopartculas,
possvel acompanhar o seu percurso de modo no-
invasivo.
Andr Dick comenta o livro Vira e mexe,
nacionalismo: paradoxos do nacionalismo literrio, de
Leyla Perrone-Moiss. Os poemas desta edio so do
professor Benno Dischinger. Parceiro do IHU, ele
tambm o destaque do IHU Reprter desta semana.
A todas e todos uma tima leitura e uma excelente
semana!
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Leia nesta edio PGINA 01 | Editorial
A. Tema de capa ENTREVISTAS
PGINA 04 | Llus Montoliu: Uma mudana radical no panorama das clulas-tronco
PGINA 07 | Cludio Fonteles: Embrio humano vida humana
PGINA 10 | Francesco DAgostino: Embries so seres humanos: eticamente indispensvel respeit-los
PGINA 13 | Laurie Zoloth: Cincia sem limites
PGINA 15 | Karen Lebacqz: O respeito pelo embrio compatvel com a pesquisa de clulas estaminais
PGINA 17 | Jos Garcia Abreu Jnior: Pesquisas em prol da vida?
PGINA 20 | Volnei Garrafa: O embrio no uma pessoa
PGINA 24 | James Edgar Till: Destruio embrionria x avano cientfico: uso de clulas-tronco esbarra na legislao
B. Destaques da semana Entrevista da Semana
PGINA 26 | Tatiana Midori: Sntese e caracterizao de nanopartculas para aplicaes biomdicas
Inveno
PGINA 28 | Poema de Benno Dischinger
Livro da Semana
PGINA 31 | Vira e mexe, nacionalismo, de Leyla Perrone-Moiss
Anlise de Conjuntura
PGINA 37 | Destaques On-Line
PGINA 39 | Frases da Semana
C. IHU em Revista PERFIL POPULAR
PGINA 40| Izaque Bauer
PGINA 43| Sala de Leitura
IHU REPORTER
PGINA 44| Benno Dischinger
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Uma mudana radical no panorama das clulas-tronco ENTREVISTA COM LLUS MONTOLIU
O Prof. Dr. Llus Montoliu pesquisador cientfico do Departamento de Biologia
Molecular e Celular do Centro Nacional de Biotecnologia, com sede em Madrid, na
Espanha. Licenciado e doutor em Cincias Biolgicas pela Universidad de
Barcelona, desde 1991 trabalha em diversos projetos no campo da transgnese
animal. Na entrevista que concedeu por e-mail, com exclusividade para a IHU On-
Line, Montoliu fala sobre as implicaes ticas do debate em torno das clulas-
tronco embrionrias e sobre os avanos das recentes descobertas na rea.
Confira.
IHU On-Line - Quais seriam os maiores avanos da
clonagem teraputica e da relao entre a clonagem e
as clulas-tronco humanas?
Llus Montoliu - Como sabemos, lamentavelmente, as
propostas de clonagem teraputica, descritas e
verificadas em ratos, no puderam se aplicar, todavia,
em clulas humanas. O trabalho do pesquisador sul-
coreano Woo Suk Hwang1, que supostamente descreveu a
obteno de clulas-tronco a partir de embries humanos
clonados, tem sido considerado uma fraude. Hoje, apesar
de haver equipes dispostas a prov-lo, no temos
constncia tcnica de que a clonagem teraputica em
seres humanos constitua uma alternativa vivel,
reprodutvel, para a medicina regenerativa ou
reparadora, ainda que o desenho terico seja
prometedor e a possibilidade de gerar clulas com a
identidade do paciente-receptor-doador continue sendo
muito atrativa. A vantagem principal das clulas-tronco
de origem embrionria, frente s clulas tronco de
origem adulta, somticas, radicava em sua plasticidade.
Hoje em dia, com o recente descobrimento das clulas-
1 Woo Suk Hwang: suposto pesquisador pioneiro na clonagem de
embries humanos para obter clulas-tronco. Tambm lidera uma
equipe de cientistas na Universidade de Seul, na Coria do Sul. (Nota
da IHU On-Line)
tronco pluripotentes2 induzidas, a partir de clulas da
pele (realizado, de forma independente, por duas
equipes lideradas por Yamanaka3 e Thomson4), o
panorama mudou radicalmente e pode ser que j no
seja to necessria a clonagem teraputica. Ao menos, o
que sim certo, que descobrimos novas alternativas
para obter clulas pluripotentes que se parecem muito s
clulas-tronco embrionrias.
IHU On-Line - Quais so as principais expectativas na
sociedade em relao aos avanos cientficos
relacionados clonagem teraputica? As clulas-tronco
embrionrias podem resolver todos os problemas da
medicina regenerativa? 2 Clulas-tronco pluripotentes: so capazes de gerar tecidos de
origem ectodrmica, endodrmica ou mesodrmica, mas no
conseguem se diferenciar em placenta e anexos embrionrios. Elas
surgem aproximadamente a partir do 5 dia ps-fecundao, quando o
embrio tem cerca de 32 a 64 clulas. (Nota da IHU On-Line) 3 Shinya Yamanaka: respeitado cientista japons, da Universidade de
Kyoto, no Japo, que tambm conseguiu clonar camundongos atravs
das clulas da pele. (Nota da IHU On-Line) 4 James Thomson: bilogo e cientista americano, da Universidade de
Winsconsin, nos Estados Unidos. um dos pioneiros na pesquisa com
clulas-tronco embrionrias. Atualmente, tambm co-diretor do
Instituto de Clulas-Tronco da Universidade de Harvard. (Nota da IHU
On-Line)
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Llus Montoliu - Em modelos animais, especificamente
em ratos, os nicos nos quais se tem podido avaliar, de
fato, a clonagem teraputica, a resposta que uma
alternativa muito prometedora para obter linhagens
celulares especficas com a identidade gentica do
paciente-receptor. Entendo que as expectativas da
sociedade frente a todas estas tcnicas so enormes,
logicamente, mas a partir dos mbitos cientficos
devemos responder com tranqilidade, sistematicidade e
prudncia, e continuar pesquisando o processo.
IHU On-Line - Como o senhor v a recente descoberta
da nova tcnica de produzir clulas-tronco a partir de
clulas adultas da pele? Elas agem como as clulas-
tronco embrionrias? Tm o mesmo potencial de
regenerao? Essa descoberta pode realmente
provocar mudanas na utilizao de embries?
Llus Montoliu Depois do nascimento de Dolly (1996)
e da obteno das primeiras clulas-tronco embrionrias
humanas (1998), este talvez seja o experimento mais
surpreendente, inesperado e prometedor neste campo.
Os primeiros dados vieram da equipe de Yamanaka em
2006, em ratos. Estes mesmos experimentos foram
reproduzidos pelo laboratrio de Jaenisch5 em 2007, e,
finalmente, tambm este ano, a mesma equipe de
Yamanaka e a de Thomson, a que descobriu as clulas
embrionrias pluripotentes humanas, tem replicado os
experimentos em clulas humanas. Com efeito, a
modificao gentica de algumas clulas da pele
mediante a introduo de quatro genes induz que
aquelas se reprogramem e convertam em clulas-tronco
pluripotentes, praticamente indistinguveis das clulas-
tronco pluripotentes embrionrias. um descobrimento
formidvel. Pelo que sabemos, tem um potencial
5 Rudolf Jaenisch (1942): alemo especialista em Biologia Celular e
clonagem. pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachussetts e
do Instituto Whitehead para Pesquisas Biomdicas, nos Estados Unidos.
(Nota da IHU On-Line)
regenerador idntico ao das clulas embrionrias, ainda
que, todavia, seja preciso pesquisar muito antes de
passar este descobrimento s clnicas. A modificao
gentica das clulas no incua e pode causar
problemas secundrios, pois se usam vrus (retrovrus)
para vincular os genes clula, que, nestes momentos,
no poderia ser usada em aplicaes clnicas humanas,
pelo perigo potencial que acarretam. Porm, se
possvel reativar os mesmos genes que agora se tem
aportado externamente, ou seja, despertar os prprios
genes das clulas da pele, ento poderemos pensar numa
eventual passagem s aplicaes nas clnicas. E, com
efeito, estes estudos permitem prever uma diminuio
no uso de embries, posto que eles j no seriam
necessrios para obter clulas-tronco pluripotentes, que
tambm poderiam induzir-se a partir de clulas da pele,
ou de outros lugares do corpo.
IHU On-Line - O que o senhor apontaria como os
grandes desafios ticos que envolvem as pesquisas
sobre clulas-tronco embrionrias?
Llus Montoliu - O uso de embries humanos, apesar de
que seja para aplicaes potencialmente benficas,
sempre implica em controvrsia, pois no todas as
pessoas concedem ao embrio o mesmo status. O que
para uns um grupo de clulas com um potencial imenso
de desenvolvimento (sempre e quando se implante no
tero de uma mulher), para outros um projeto de vida
em si mesmo, que, levado o argumento ao extremo, se
reveste de quase os mesmos direitos que os de uma
pessoa humana. Este o principal desafio tico, o debate
sobre o status, a condio que se lhe atribui a um
embrio em seus estgios pr-implantatrios. um tema
sobre o qual todo o mundo tem uma opinio, mas nele se
mesclam dados tcnicos, cientficos, objetivos, crenas e
valores, subjetivos, que correspondem ao mbito pessoal
de cada um, sendo todos respeitveis.
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IHU On-Line - Em quais so tipos de tratamento as
clulas-tronco adultas ou somticas podem ser
utilizadas?
Llus Montoliu - Na teoria, nos mesmos procedimentos
para os quais estariam indicadas as clulas-tronco
pluripotentes embrionrias (ou, agora, induzidas). Em
todo tecido que requer ser reparado ou regenerado,
possvel induzir a diferenciao das clulas-tronco a esse
tecido destino. Sobre o papel, o potencial diferenciador,
a plasticidade das clulas embrionrias pluripotentes
parecia superior das clulas-tronco adultas, ainda que
os recentes experimentos com clulas-tronco
pluripotentes induzidas obrigam a repensar todo este
esquema e talvez, estas clulas, sejam suficientes para
obter qualquer tipo de clulas necessrias.
IHU On-Line - O senhor vislumbra a possibilidade de
controlar o processo de diferenciao e proliferao
das clulas-tronco embrionrias que, at ento,
considerado imprevisvel? O que podemos imaginar, do
ponto de vista cientfico, se esse controle fosse
possvel?
Llus Montoliu - Em alguns casos, em modelos animais
(em ratos) tem deixado de ser imprevisvel. O processo
diferenciador ocorre depois de uma cascata de
acontecimentos, de indues, causado pela expresso de
genes especficos, e/ou pela apario de sinais
provenientes de estmulos externos (por exemplo,
hormonais e fatores de crescimento). Hoje em dia,
possvel conduzir a diferenciao de clulas-tronco para
neurnios, ou clulas mais especializadas, ainda que no
conheamos, at o momento, todas as chaves do
processo. Ser necessrio realizar muito mais pesquisas
para que o processo seja robusto, reproduzvel e no
submetido ao acaso de circunstncias que escapam ao
controle do pesquisador. Estou certo de que, cedo ou
tarde, isto ser possvel. questo de tempo e de
recursos que se dediquem pesquisa neste campo.
IHU On-Line Qual a sua opinio sobre a posio da
Igreja em relao ao uso de embries para pesquisa
com clulas-tronco?
Llus Montoliu - Cada grupo social, cada associao,
livre para manifestar sua posio sobre este e outros
temas cientficos. Todas as opinies so respeitveis. O
dever do cientista pesquisar, aportar conhecimento e
desenhar estratgias que permitam melhorar a qualidade
de vida da sociedade. O dever dos governantes escutar
a todos os representantes sociais, dotar-se da melhor
informao tcnica possvel e, a partir de tudo isso,
legislar e permitir, ou no, determinados
desenvolvimentos cientficos, segundo os quais
considerem oportuno para a sociedade que representam.
IHU On-Line - Em que sentido podemos associar as
descobertas e os avanos em pesquisas sobre clulas-
tronco com a sede, o desejo do ser humano pela
imortalidade e pela juventude eterna?
Llus Montoliu - A busca da eterna juventude ou a luta
contra o envelhecimento so dois temas de
inquestionvel interesse, provavelmente mais social do
que cientfico. Em animais, se tem conseguido chegar a
estender de forma muito considervel os anos de vida de
muitas espcies. Com efeito, com os tericos possveis
benefcios da medicina regenerativa no um disparate
pensar que se poderia estender a vida e, sobretudo, a
qualidade de vida das pessoas alguns anos a mais.
Biomedicamente falando, parece que ns, seres
humanos, poderamos chegar a viver uns 150 anos. No
entanto, cabe perguntar-nos em que estado e em que
condies. Em minha opinio, muito mais importante que
viver 150 anos viver os que nos cabe viver, mas da
melhor maneira possvel, desfrutando dos momentos, de
todos os aspectos maravilhosos que a vida tem.
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Embrio humano vida humana ENTREVISTA COM CLAUDIO FONTELES
O subprocurador geral da Repblica Cludio Lemos Fonteles contra o uso de
embries humanos em pesquisas sobre clulas-tronco. Desde 2005, ele move no
Supremo Tribunal Federal uma ao direta de inconstitucionalidade contra o
dispositivo da Lei de Biossegurana que permite o uso de clulas-tronco retiradas de
embries humanos para fins de pesquisa e terapia. Em entrevista concedida por
telefone IHU On-Line, ele explica sua posio e enfatiza que sua argumentao no
tem nada de fundo religioso. assentada em dois princpios constitucionais: a
dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade da vida humana.
Claudio Fonteles graduou-se em Direito, pela Universidade de Braslia, onde tambm
concluiu o mestrado em Direito, com a dissertao A posio do Ministrio Pblico -
perspectiva processual penal. Fonteles exerceu o magistrio por quase 40 anos, tendo
lecionado Direito Penal e Processual Penal (1971-2002), na UnB, UniCeub e Escola
Superior de Magistratura. Ingressou no Ministrio Pblico Federal em 1973 e exerceu o
cargo de procurador-geral da Repblica, de 2003 a 2005. Atuou politicamente como
secundarista e universitrio, tendo sido membro da Ao Popular AP -, movimento
estudantil ligado esquerda catlica que comandou a UNE na dcada de 1960.
Catlico, Fonteles membro leigo da Ordem de So Francisco.
IHU On-Line - Quais so os motivos que o levaram a
solicitar o impedimento de pesquisas com clulas-
tronco embrionrias? Em que o senhor fundamenta sua
posio contrria utilizao de clulas-tronco
embrionrias para pesquisa?
Cludio Fonteles So dois fundamentos de ordem do
Direito Constitucional Brasileiro. Porque a nossa
Constituio marca, logo na abertura, os princpios
fundamentais que devem reger a convivncia entre
brasileiros e brasileiras. Ela destaca no Artigo 3, inciso I,
como princpio fundamental, a dignidade da pessoa
humana. um princpio aberto. A partir da, ela vai, em
todo seu contexto, pontuando como garantir a dignidade
da pessoa humana. E faz isso logo no Artigo 5, quando
fala dos direitos e garantias individuais. E, nesse artigo,
ela estabelece o princpio da inviolabilidade da vida
humana. Se a prpria constituio diz que a pessoa
humana, em nosso pas, digna e que o primeiro marco
para assentar a dignidade humana preservar, em toda
sua extenso, a vida, usando, portanto, a expresso a
vida inviolvel, h a necessidade de marcar quando
comea a vida humana. Eu questionei o tema para dar
efetividade a esses princpios perante a Suprema Corte, a
partir de uma lei infraconstitucional, que foi colocada
pelo parlamento brasileiro para regular a produo de
gneros alimentcios, que a chamada Lei de
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Biossegurana Alimentar6. O Artigo 5 dessa lei, que est
completamente fora de lugar, permite a pesquisa com
embries humanos. Eu digo que embrio humano vida
humana. E afirmo isso com base em posicionamentos de
cientistas, que marcam o incio da vida na fecundao.
IHU On-Line Ento, o senhor contra o uso de
embries congelados em clnicas de reproduo
assistida nas pesquisas com clulas-tronco?
Cludio Fonteles Claro que sou contra, porque
embries congelados so vida. No debate que aconteceu
no Supremo Tribunal Federal, em especial a professora
Alice Teixeira7, da USP, demonstrou que h casos de
embries congelados durante 13 anos que se tornaram
vida. No se pode eliminar a vida. No momento em que
h fecundao, surge o embrio, chamado zigoto, que
por ele mesmo comea a se auto-dinamizar, a se auto-
movimentar e a se bipartir por um mecanismo prprio. E,
nessa auto-diviso, ele vai se movimentando em direo
ao tero materno. O tero no definitivo para a vida
desse embrio. A vida j existe. O tero acolhe apenas.
No o ninho que d vida ao passarinho, no ? Dentro
dos conceitos de auto-dinamizao e auto-
movimentao, demonstramos que no momento da
fecundao j h vida prpria, independente do pai e da
me. E chamamos essa vida de nica e irrepetvel.
IHU On-Line E se esses embries das clnicas de
fertilizao morrerem por ficarem tempo demais
congelados, considerando que poderiam ter sido
6 Lei de Biossegurana: aprovada em maro de 2005, estabelece
normas de segurana e mecanismos de fiscalizao de atividades que
envolvam organismos geneticamente modificados (OGM) e seus
derivados. (Nota da IHU On-Line) 7 Alice Teixeira: graduada em Medicina pela Universidade Federal
de So Paulo e atua como professora associada da Universidade Federal
de So Paulo. Atualmente, ela vice-presidente da Sociedade Brasileira
de Biofsica e Coordenadora do Ncleo Interdisciplinar de Biotica da
UNIFESP. (Nota da IHU On-Line)
usados para pesquisas capazes de salvar muitas vidas?
Como o senhor v essa questo?
Cludio Fonteles A minha ao significa impedir uma
nica linha de pesquisa nas doenas degenerativas, que
relativa ao uso de embrio humano, porque esse vida.
Depois da minha ao, proposta h alguns anos, a
medicina evoluiu tanto que est mostrando outros
caminhos possveis. Descobriu-se que o lquido amnitico
da mulher tem as mesmas propriedades que o embrio
humano no processo de gerar clulas totipotentes8.
Depois, vemos o processo de regenerao at das clulas
adultas se transformarem em clulas com as mesmas
propriedades de totipotncia. Agora, recentemente, a
imprensa toda mostrou que a pele de um adulto tem
chances de criar clulas totipotentes. Minha ao no
paralisa em praticamente nada a pesquisa mdica para
propiciar a terapia nas doenas degenerativas. Eu e
minha famlia toda autorizamos a doao de rgos em
caso de morte. Os seres humanos que no doam - e um
direito que eles tm de no doarem - estariam tambm
contribuindo para que a cincia no se desenvolvesse?
No. uma deciso pessoal. Ainda no temos resultados
concretos e positivos com clulas-tronco embrionrias e
temos a medicina nos provando que h outros campos
com a mesma possibilidade de desenvolver com sucesso a
pesquisa com clulas totipotentes que no as
embrionrias. Isso muito importante.
IHU On-Line - Existe diferena moral entre a
realizao de pesquisas com embries criados em
laboratrios, como o caso dos embries gerados
atravs do processo de fertilizao in vitro, ou
embries gerados a partir do modo natural?
8 Clulas Totipotentes: so aquelas capazes de se diferenciar em
todos os 216 tecidos que formam o corpo humano, incluindo a placenta
e anexos embrionrios. As clulas totipotentes so encontradas nos
embries nas primeiras fases de diviso, isto , quando o embrio
corresponde a 3 ou 4 dias de vida. (Nota da IHU On-Line)
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Cludio Fonteles Sou favorvel fertilizao in vitro
para os casais que so estreis, para que possam ter essa
chance. Inclusive, hoje, a medicina permite um controle
muito grande em relao a esses embries, no sendo
mais preciso produzir em larga escala para poder
fecundar a mulher. Tudo se faz em defesa da vida, mas
com parmetros, disciplina e com o valor tico de
preserv-la.
IHU On-Line - Qual deve ser o papel e o poder de
deciso do Estado, uma vez que os valores morais so,
em muitos casos, distintos na sociedade,
principalmente entre grupos religiosos?
Cludio Fonteles O papel e o poder de deciso do
Estado deve se dar nos parmetros jurdicos. Na nossa
conversa, eu estou mostrando que minha argumentao
no tem nada de fundo religioso. Ela assentada em dois
princpios constitucionais: a dignidade da pessoa humana
e inviolabilidade da vida da pessoa humana e, a partir
da, esses princpios refletem uma opo tica do estado
brasileiro porque o estado precisa ser tico, mas no
religioso. Dentro da viso tica e universal, o
fundamental para ns, homens e mulheres, que seja
respeitada a vida da mulher e do homem, desde seu
primeiro momento, quando se chama embrio, depois
feto, at nascer. Depois, vai se chamar criana, jovem,
adulto e velho. E o estado h de defender a mulher e o
homem em todos os estgios da vida.
IHU On-Line - A maioria dos cientistas unnime ao
afirmar que o potencial das clulas-tronco
embrionrias bem maior do que o das clulas-tronco
adultas (somticas). Como o senhor se posiciona em
relao ao futuro da cincia mdica no Brasil, caso no
se possa usar embries humanos para pesquisas? O
Brasil corre risco de ser ultrapassado nas pesquisas?
Pode ficar para trs e estar margem do acesso aos
remdios e tratamentos fornecidos pelos outros
pases?
Cludio Fonteles Essa uma viso equivocada. H
resultados na pesquisa com clulas-tronco adultas, a
partir da medula ssea. No vamos ficar atrasados coisa
nenhuma. As recentes concluses da medicina vo no
sentido contrrio do que dizem esses cientistas, que
esto pesquisando com clulas-tronco embrionrias.
Esses cientistas deviam utilizar sua inteligncia e seus
esforos, que so magnficos, para essas reas da
medicina internacional. Caso contrrio, ficaremos a
reboque da pesquisa japonesa e americana, que j est
partindo para pesquisar em outros setores. Veja essa
bem recente, que nem v praticamente mais razo de
pesquisar com embrio. Ento, por que ficam batendo
nessa tecla dos embries, que no tem nada de real,
apenas possibilidades e idias abstratas. De concreto,
temos apenas resultados com clulas-tronco adultas. Me
agradaria muito se um dia viesse um cientista ou uma
cientista brasileira e dissesse: Pronto. Depois de anos de
pesquisa, temos aqui a demonstrao clara de que no
precisamos mais matar seres humanos (embries) e
podemos conseguir a mesma propriedade de totipotncia
nesse tipo de pesquisa.
IHU On-Line - Que informaes precisam ser
esclarecidas para que a sociedade entenda
efetivamente o que os cientistas vm pesquisando
nessa rea?
Cludio Fonteles importante que as universidades
se envolvam, a mdia d um tratamento srio da matria,
permitindo que as pessoas exponham amplamente seus
pontos de vista, seu raciocnio e motivao, seja contra
ou a favor, e isso seja levado do Amazonas ao Rio Grande
do Sul. preciso mostrar ao pas que temos que debater
grandes questes. assim que cresce uma sociedade em
forma de civilizao, na medida em que as pessoas
debatam, sem nacionalismos, com suas razes, para que
todos possam tirar suas concluses. Eu sou catlico e
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claro que minha f catlica bateu a nessa questo. Mas,
como eu j mostrei em minhas outras respostas, a
questo muito mais de compreenso jurdica do que de
argumentao teolgica. Resvalar para o lado emocional,
como tem feito a grande mdia, no leva a nada.
Embries so seres humanos: eticamente indispensvel
respeit-los ENTREVISTA COM ENTREVISTA COM FRANCESCO DAGOSTINO
Precisamos superar as diferenas extrnsecas e chegar ao corao de cada
sistema moral particular. Quando isso acontecer, facilmente as pessoas percebero
que a humanidade uma s e compartilha dos mesmos princpios morais de fundo,
alertou o professor de Filosofia do Direito e de Teoria Geral do Direito, na Facolt di
Giurisprudenza da Universidade de Roma, Francesco DAgostino, em entrevista por e-
mail, concedida IHU On-Line. Relembrando os experimentos feitos pelos nazistas, o
pesquisador salientou que nem todos os mtodos que os cientistas usam na pesquisa
so eticamente aceitveis. Ao criticar os estudos com clulas-tronco embrionrias,
ele reitera que o objetivo no limitar a cincia, mas, sim, os mtodos que ela
adota. Para ele, futuramente a prpria cincia abandonar como improdutiva
aquela pesquisa que, levando destruio de embries, cria problemas ticos
insuperveis.
Francesco D'Agostino, nascido em Roma, em 1946, professor de Filosofia do
Direito na Faculdade de Jurisprudncia da Universidade de Roma "Tor Vergata",
onde dirige atualmente o Departamento de Histria e Teoria do Direito. professor
visitante em vrias universidades do exterior (Paris II - Panthon-Assas, Madri
Complutense, Buenos Aires, Granada, Navarra, Atenas). Dirige a Revista internacional
de Filosofia do Direito. presidente, desde 2002, da Unio italiana de juristas
catlicos e vice-presidente do Pontifcio Conselho para a Famlia, e membro do
Comit Nacional para a Biotica, do qual foi de 1995 a 1998 e de 2002 a 2006;
atualmente, seu presidente honorrio. autor de vrios livros, entre os quais,
publicado em portugus, citamos, Biotica - Segundo o enfoque da filosofia do direito
(So Leopoldo: Unisinos, 2006).
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IHU On-Line - O que as pesquisas com clulas-tronco
somticas e embrionrias representam para a cincia?
Como o senhor avalia o desenvolvimento das pesquisas
do ponto de vista tico? Elas podem ser consideradas
um atentado humanidade?
Francesco DAgostino - No a pesquisa com clulas
estaminais9 enquanto tal que cria problemas ticos, mas
aquela pesquisa que, para obter clulas estaminais, mata
embries humanos. Estando convicto de que os embries
so seres humanos a ttulo pleno, na primarssima fase de
seu desenvolvimento, acredito ser eticamente
indispensvel respeit-los.
IHU On-Line - Como proceder com a tica teolgica e
racional no campo cientfico? Elas podem ser
consideradas uma premissa vlida para reger os
padres da biotica?
Francesco DAgostino - A biotica no tem um
fundamento nem bblico nem teolgico: uma anlise
interdisciplinar de tipo estritamente filosfico. A nica
filosofia til para construir a biotica a metafsica, no
no sentido tradicional de ontologia, mas naquele mais
genrico, de uma perspectiva que no se firma em
considerar a realidade emprica. De fato, somente com a
hiptese de que a vida humana tenha um valor absoluto
(isto , meta-fsico) possvel pretender sempre e em
geral sua defesa. A metafsica racional. Irracional ,
antes, o utilitarismo que, reduzindo a tica a um clculo
diferencial entre til e prejudicial, no consegue
justificar a relevncia moral da vida humana.
9 Clulas estaminais: clulas primrias encontradas em todos os
organismos multicelulares que tm a habilidade de se renovar por meio
da diviso celular mittica, podendo haver uma diferenciao em
clulas especializadas. Ou seja, so clulas em que a sua funo
ainda no foi decidida, mas com o potencial de se diferenciarem numa
vasta gama de clulas. H duas possibilidades de extrao das clulas
estaminais. Podem ser adultas ou embrionrias. (Nota da IHU On-Line)
IHU On-Line - Quais so as emergncias ticas que
devem ser consideradas nas pesquisas com clulas-
tronco? Esta atividade necessita de uma
regulamentao jurdica?
Francesco DAgostino - Parece, aps as recentes
declaraes de Wilmut10, que a pesquisa com embries
para obter clulas estaminais tenha se tornado suprflua.
Ou seja, parece que a prpria cincia abandonar como
improdutiva aquela pesquisa que, levando destruio
dos embries, criava problemas ticos insuperveis.
IHU On-Line - Em seu livro Biotica na perspectiva
da filosofia do direito (So Leopoldo: Editora Unisinos,
2006)11, o senhor se refere idia de um acordo,
sugerido por Engelhardt. Em seguida, sugere um
encontro dialgico ontolgico entre as pessoas para
garantir uma estrutura moral. possvel a realizao
deste dilogo entre seres humanos com crenas e
concepes ticas e morais diversas?
Francesco DAgostino - Engelhardt12 fala de
estrangeiros morais com referncia queles homens e
quelas culturas que tm valores e costumes diversos. Na
realidade, o processo de globalizao no d razo a
Engelhardt: os valores morais so universais. Se nos
parecem diversos e irredutveis, somente por causa de
sua diversa encarnao nos sistemas sociais particulares.
Quando, no entanto, se consegue superar estas
diferenas extrnsecas e chegar ao corao de cada
sistema moral particular, pode-se ver facilmente que a 10 Ian Wilmut: cientista escocs, lder da equipe que produziu a
ovelha Dolly, em 1996. Sobre Wilmut, confira as Notcias do Dia do
site do IHU, em 15-11-2007, Clonagem teraputica. Suas possibilidades,
e em 19-11-2007, Ian Wilmut desiste do clone teraputico. (Nota da
IHU On-Line) 11 A edio original est intitulada como Bioetica nella prospecttiva
della filosofia del diritto (Torino: Giappichelli Editore, 1998). (Nota
da IHU On-Line) 12 Hugo Tristram Engelhardt Jr.: filsofo americano, doutor em
Filosofia e Medicina, professor da Universidade de Rice, em Houston,
Texas. (Nota da IHU On-Line)
12 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
humanidade uma s e compartilha dos mesmos
princpios morais de fundo.
IHU On-Line - Nesta mesma obra, o senhor afirma
que a liberdade das investigaes cientficas devem
constantemente ser afirmada e garantida, j que, no
saber e conhecer, nada pode ser considerado ilcito.
Mas, ao mesmo tempo, chama ateno para a
necessidade de impor limites e rigorosos controles
ticos nessas pesquisas. Como possvel estabelecer
relaes entre estas duas perspectivas?
Francesco DAgostino - Conhecer sempre um bem,
permanecer na ignorncia sempre um mal. Mas nem
todos os modos de adquirir um conhecimento so lcitos:
por exemplo, no posso obter uma confisso com a
tortura. Analogamente, nem todos os mtodos que os
cientistas usam na pesquisa so eticamente aceitveis:
basta recordar os experimentos feitos pelos nazistas nos
campos de concentrao. Ningum quer limitar a
cincia, mas em alguns casos somente os mtodos que
ela adota.
IHU On-Line - Ao cogitar a possibilidade de
transformar a natureza humana, o homem no pe em
risco sua dignidade e os direitos humanos? Como
proteg-los, tendo em vista os progressos e avanos da
gentica?
Francesco DAgostino - No cria problemas o fato de
que a natureza seja transformada pelo homem: isto em
qualquer medida sempre ocorreu (pensemos na
inatural domesticao dos animais selvagens). Criam
problemas as razes pelas quais se quer transformar a
natureza: se so razes no orientadas pelo bem de
todos, mas somente de alguns, sero decididamente
condenadas. Assim, por exemplo, manipular o genoma
humano por razes teraputicas no s legtimo, mas
tambm louvvel. Manipul-lo para criar pretensos
super-homens aberrante.
IHU On-Line - As manipulaes genticas e as
avanadas transformaes da biomedicina influem na
concepo e na defesa da identidade do indivduo?
Francesco DAgostino - Certamente sim, mas no
isto que cria problemas ticos. Como eu acabo de dizer,
os problemas nascem das intenes que movem os
cientistas na manipulao da natureza (e no s da
humana).
IHU On-Line - Quais so as razes que levam o senhor
a afirmar que a biotica laica, antidogmtica e anti-
metafsica?
Francesco DAgostino - Os problemas bioticos so
problemas comuns a todos os homens, porque vida e
sade so bens que todos os homens percebem e
compartilham. Por isso, a biotica laica: porque no
tem limites confessionais (isto , no vale para os
membros de uma comunidade religiosa particular).
antidogmica porque deve sempre articular
racionalmente as prprias doutrinas. No direi, todavia,
que ela seja em absoluto anti-metafsica, se por
metafsica se entende como eu gosto de entender um
pensamento que no se limita a registrar os eventos que
se do no mundo, mas procura individuar as razes
ltimas.
IHU On-Line - Com a utilizao das clulas-tronco
embrionrias para fins de pesquisa, como ficam as
questes que se referem aos direitos do nascituro e
construo de sua identidade?
Francesco DAgostino - Vale a resposta que dei
terceira questo: no h futuro para a pesquisa com
clulas estaminais embrionrias.
13 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
Cincia sem limites ENTREVISTA COM LAURIE ZOLOTH
Defensora do uso de embries humanos para pesquisas com clulas-tronco, a
pesquisadora judia Laurie Zoloth afirma, em entrevista por e-mail IHU On-Line, que,
se as doenas no tm nenhum limite, as curas tambm no devem ter. Diretora do
Centro de Biotica, Cincia e Sociedade da Universidade Northwestern, dos Estados
Unidos, Laurie Zoloth professora de tica Medicinal, Humanidades, e Religio. Em
2001, foi presidente da American Society for Bioethics and Humanities. Confira a
entrevista:
IHU On-Line - Como a biotica e a tradio judaica
vem a pesquisa com clulas-tronco embrionrias
humanas?
Laurie Zoloth - A biotica judaica focalizada na
grande urgncia para a cura do sofrimento. Assim,
pesquisar o que pode curar as doenas de profundo
interesse. A lei e a tradio judaicas no reconhecem
vida nem a equivalncia moral de um ser humano num
embrio com menos de quatro dias. Os embries que so
feitos em laboratrio, e que nunca estaro em um tero
materno, podem ser usados para a pesquisa, que visa a
conservar a vida humana. A pesquisa com clulas-tronco
embrionrias humanas um grande avano para a
humanidade, porque destrava enigmas-chave sobre como
crescem as clulas jovens. Considerando que este
crescimento e diferenciao seja a base para as doenas
humanas, compreender este enigma ajudar a explicar
como ns ficamos doentes, e como podemos encontrar
curas. A pesquisa com clulas-tronco fundamental para
o avano da medicina.
IHU On-Line - Quais so os limites morais e ticos que
devem existir nos avanos cientficos relacionados
pesquisa com clulas-tronco? Como saber at onde
podemos ir e qual deve ser a hora de parar?
Laurie Zoloth - Ns no podemos obrigar as mulheres a
doar seus vulos para a pesquisa nem criar tecnologias
injustas que ficaro somente disponveis aos ricos. Ns
devemos respeitar as opinies dos povos que no
permitem a pesquisa devido a suas objees religiosas e
encontrar uma maneira de prosseguir com a cincia at
quando ns mesmos, s vezes, discordamos. Os limites
no esto no que queremos saber, e sim em para o que
ns podemos usar nosso conhecimento.
IHU On-Line - Para a cultura e a biotica judaica,
onde comea a vida humana?
Laurie Zoloth - A vida humana se desvela lentamente,
uma clula de cada vez, e o embrio cresce e se torna
uma criana que nasce em nosso mundo. Assim como a
chegada do inverno, ou a chegada da noite, os limites
biolgicos no so os legais - ns impomos nossas linhas
legais sobre deles. Uma criana humana entra em nosso
mundo como um ser humano quando ela pode viver fora
do corpo da sua me, portanto no dia do seu nascimento.
IHU On-Line - Em que sentido essa concepo implica
nas pesquisas utilizando embries humanos?
Laurie Zoloth - Isto significa que os embries que
nunca estaro dentro do corpo de uma mulher tm um
status diferente daqueles em uma gestao normal. A
14 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
pesquisa permitida utilizando embries jovens.
IHU On-Line - Qual a contribuio das pesquisas
sobre clulas-tronco para o debate em torno da
questo do aborto?
Laurie Zoloth - Ns no devemos misturar esses
assuntos. O aborto um debate sobre a interrupo de
uma gravidez, sobre quem tem o dever moral para
decidir isto, e em que ponto o Estado tem algo a dizer. A
pesquisa em relao s clulas-tronco sobre os
embries jovens, sendo que 90% deles so expelidos
normalmente pelo corpo humano nesse estgio inicial, se
estiverem no corpo de uma mulher. Nenhuns destes
jovens embries sero usados para uma gravidez, mas
simplesmente congelados at morte se no forem
usados na pesquisa.
IHU On-Line - Qual sua opinio sobre o uso da
clonagem para a reproduo humana?
Laurie Zoloth - Isto deve nunca ser feito.
IHU On-Line - A pesquisa cientfica com clulas-
tronco promove a justia social?
Laurie Zoloth - Sim, porque, ao contrrio dos
transplantes de rgos com elevado aparato tcnico,
estar a ponto de criar facilmente tecidos de clulas-
tronco e diretamente dos pacientes permitiria que as
terapias de cura estivessem extensamente disponveis.
IHU On-Line - Existe democracia na tomada de
decises durante os experimentos?
Laurie Zoloth - Sim, porque cada pas est sendo
incitado pela comunidade cientfica internacional para
criar comits pblicos, para rever e supervisionar o
trabalho.
IHU On-Line - Podemos esperar que haja igualdade de
direitos no acesso a futuros benefcios que essas
descobertas podem trazer?
Laurie Zoloth - Sim, porque quanto mais estivermos
envolvidos nos debates, como as entrevistas mostram,
mais o pblico sente uma parte do esforo da pesquisa.
As doenas no conhecem nenhum limite, e as curas
tampouco devem conhecer.
15 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
O respeito pelo embrio compatvel com a pesquisa de
clulas estaminais POR KAREN LEBACQZ
Com base nas questes propostas pela equipe da IHU On-Line, a pesquisadora
Karen Lebacqz, ex-professora de tica Teolgica da Pacific School of Religion, em
Berkeley, Califrnia, produziu o seguinte artigo, enviado com exclusividade,
revista. Favorvel s pesquisas com clulas-tronco embrionrias, a pesquisadora
afirma que possvel realizar tais pesquisas com respeito ao embrio. Se
respeito significa valorar a vida e existncia de uma entidade em si mesma e no
simplesmente por seu uso instrumental para meus fins, ento certamente um
embrio pode realmente ser respeitado. Eu entendo o respeito neste sentido mais
amplo e creio que ele se aplica aos embries e no simplesmente aos seres
autnomos. Confira mais detalhes no artigo a seguir:
Eu defendo que todas as entidades vivas merecem ser
tratadas com valor e isso inclui o embrio. No entanto,
eu apoio a pesquisa com clulas embrionrias estaminais
e creio que ela pode ser conduzida de um modo que
respeite o embrio.
O que significa respeitar algo? Freqentemente,
respeito entendido num sentido kantiano. Neste
sentido, respeito significa honrar a autonomia e a
capacidade de deciso de uma pessoa. Se este o
sentido bsico do respeito, ento o respeito no se
aplicaria a um embrio, que no autnomo e no pode
tomar decises. Por isso, alguns pensam que no h
problema referente ao respeito com o embrio: ele no
uma entidade qual se aplica respeito.
No entanto, possvel um significado mais amplo de
respeito. Se respeito significa valorar a vida e existncia
de uma entidade em si mesma e no simplesmente por
seu uso instrumental para meus fins, ento certamente
um embrio pode realmente ser respeitado. Eu entendo
o respeito neste sentido mais amplo e creio que ele se
aplica aos embries e no simplesmente aos seres
autnomos.
Mas, ento, o que requer o respeito? Em primeiro
lugar, significa tratar algo enquanto isso tem valor em si
mesmo, e no simplesmente um valor instrumental para
mim. Isso significa que os embries no podem
simplesmente ser usados na pesquisa, sem considerar o
valor fundamental do embrio. Este o primeiro sentido
do respeito, e ele impe limites no uso de embries em
pesquisas. Em segundo lugar, respeito significa honrar
moralmente caractersticas relevantes de entidades ou
formas de vida. Quando se desenvolvem, os seres
humanos adquirem caractersticas moralmente
relevantes. Isto importante quando se trata de
determinar o que pode ser feito com embries em
pesquisas.
Por exemplo: a maioria dos adultos autnomo e suas
prprias decises sobre cuidados mdicos ou participao
em pesquisas deveria ser respeitada, mesmo quando
pensamos que eles esto enganados. Um adulto pode
escolher participar em pesquisa de risco, e o respeito
requer que ns honremos esta escolha, mesmo quando
dela discordamos. As crianas, de outra parte, no so
autnomas, e os adultos devem decidir por elas,
16 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
no que se refere aos cuidados mdicos ou participao
em pesquisas. Respeitar um adulto significa honrar suas
decises pessoais. Respeitar uma criana, no entanto,
significa tomar decises por ela baseada nos melhores
interesses de longo termo da mesma. Respeito no
significa honrar a capacidade de deciso das crianas, j
que as crianas ainda no so autnomas. Isto tambm se
aplicaria como verdade aos embries.
Embora as crianas no sejam autnomas, elas, no
entanto, so capazes de sentir dor. A capacidade de
sofrer moralmente relevante. Por isso, as crianas
devem ser preservadas do sofrimento dentro do possvel.
s vezes, no entanto, devemos sujeitar crianas a um
sofrimento a fim de servir seus melhores interesses por
exemplo, com tratamentos mdicos penosos. Mas, j que
uma entidade em desenvolvimento tem a capacidade de
sofrer, o respeito requer que o sofrimento seja prevenido
ou minimizado. Isto tambm se aplica pesquisa com
animais: j que eles so capazes de sentir dor, o respeito
pelos animais requer que a dor seja prevenida ou
minimizada.
Um embrio precoce, como o embrio envolvido em
clulas estaminais no estgio de blastcitos, no tem a
capacidade de sofrer. Nenhuma interveno causar dor
a uma entidade que ainda no possui o substrato neural
para sentir dor, e por isso a desagregao deste embrio
no vai causar dor. Conseqentemente, o respeito no
requer proteo do sofrimento (ou da desagregao que
acompanha a pesquisa com clulas estaminais).
Se no h autonomia nem capacidade de sofrer, ento
o respeito no pode, certamente, ser aplicado nestes
sentidos. Porm, como fica o valor da vida em si mesma?
O respeito requer que o embrio seja mantido vivo
porque sua vida valiosa? A maioria das objees
pesquisa com clulas estaminais envolve objees
referentes morte do embrio. A destruio da vida
parece ser uma clara violao do respeito.
Mas ser mesmo? Aqui, importante relembrar o
contexto: a maioria dos embries usados na pesquisa com
clulas estaminais derivada de um processo de
fertilizao in vitro e no h inteno de implant-los.
Eles so considerados embries excessivos, e eles ou
sero destrudos imediatamente, ou congelados por um
perodo de anos, at que eles deteriorem at o ponto em
que no poderiam ser implantados; e, ento, eles sero
destrudos. Em ambos os casos, o destino do embrio
a morte. Usando-se o embrio em pesquisa com clulas
estaminais, muda este destino. Ele no dar vida ao
embrio como uma criana, mas ele trar a possibilidade
de uma vida estendida na forma de uma linha de clulas
estaminais. Isso preserva o embrio de uma simples
morte e lhe d nova forma de vida. Se respeito por
uma entidade requer valorar sua verdadeira existncia,
parece-me que o respeito por um blastcito pode
resultar no esforo de mant-lo vivo atravs da criao
de uma linha de clulas estaminais. Dada a escolha entre
implantar o embrio num tero para gerar uma criana
ou criar uma linha de clulas estaminais, eu escolheria a
implantao, porque eu creio que isto uma forma mais
plena de vida. Mas, dada a escolha entre a morte e a
vida na forma de uma linha de clulas estaminais, eu
defendo que o respeito pode requerer o esforo de
preservar a vida criando uma linha de clulas estaminais.
Em sntese, a pesquisa com clulas estaminais no
desrespeita o blastcito13. Ela no viola a autonomia, no
causa sofrimento, e preserva e protege a vida em
formao, enquanto, de outra forma, haveria morte. Por
todas estas razes, eu creio que a pesquisa com clulas
estaminais compatvel com o respeito pelo embrio
precoce.
13 Blastcito: aps a fecundao, o ovo comea a se dividir formando
o zigoto, que se divide em duas clulas, e depois em quatro, originando
o blastcito. O blastcito vai se implantar na parede do tero e dar
origem ao embrio. (Nota da IHU On-Line)
17 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
Pesquisas em prol da vida? ENTREVISTA COM JOS GARCIA ABREU JNIOR
Com a reprogramao celular, possvel gerar outros tipos de clulas e tecidos que
viabilizam a cura de algumas doenas. Esses experimentos, explica o professor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jos Garcia Abreu Jnior, ainda tm
baixa reprodutibilidade, mas so muito promissores. Questionado sobre a
necessidade de utilizar clulas-tronco embrionrias para a elaborao de pesquisas, o
professor argumentou que esse tipo de estudo ainda indispensvel, pois atua como
fonte comparativa nos experimentos de reprogramao de clulas-tronco somticas.
Estes estudos demonstraro at que ponto uma clula reprogramada assemelha-se a
uma clula-tronco embrionria, disse o pesquisador, em entrevista concedida por e-
mail IHU On-Line. Sobre as discusses ticas que permeiam o debate das clulas-
tronco embrionrias, ele salientou que os estudos esto sendo desenvolvidos com o
objetivo final de preservar a vida ou melhorar a qualidade dela.
Jos Garcia Abreu Junior graduado e mestre em Cincias Biolgicas e doutor em
Neurobiologia do Desenvolvimento, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Ps-doutor em Biologia do Desenvolvimento na UCLA como Latin Amercian PEW
Fellow, atualmente atua como docente do Instituto de Cincias Biomdicas, na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
IHU On-Line - Qual o potencial biotecnolgico das
clulas-tronco embrinrias?
Jos Garcia Abreu Jnior - Como as clulas-tronco
embrionrias podem, em condies controladas, dar
origem a tipos celulares distintos de todos os rgos do
corpo, possvel que elas se tornem uma boa fonte para
a repovoao de tecidos afetados ou degenerados.
Entretanto, as condies para originar de forma
controlada estes diferentes tipos celulares ainda so
desconhecidas. preciso, no entanto, estimular
pesquisas com estas clulas, para que, no futuro,
possamos deter a tecnologia necessria para desenvolver
novas terapias que sero importantes para nosso
desenvolvimento.
IHU On-Line - Um dos maiores debates, no que se
refere s clulas-tronco embrionrias, est
diretamente relacionado com o questionamento:
quando comea a vida? Como o senhor percebe esse
debate?
Jos Garcia Abreu Jnior Sob o meu ponto de vista,
a vida comea quando o espermatozide fecunda o
vulo. A unio dos gametas potencialmente capaz de
originar um novo indivduo. Entretanto, aspectos
funcionais sobre a vida devem ser levados em conta. Por
exemplo, o vulo fecundado no ser vivel se no
houver condies de implantao e tambm se no
houver condies nutricionais. Portanto, no se deve
perguntar quando a vida comea e sim quando ela se
torna vivel. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem
18 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
dever de encontrar uma soluo legal para este
problema. Mas leis rigorosas de proteo ao comrcio,
manipulao e estocagem de embries devem ser
consideradas antes de viabilizar o uso indiscriminado das
clulas-tronco embrionrias.
IHU On-Line Que outros impasses dificultam as
pesquisas na rea?
Jos Garcia Abreu Jnior - Como no h uma
definio sobre o uso e as fontes de clulas-tronco
embrionrias, pesquisadores que ainda precisam
conhecer este modelo experimental convivem com forte
atraso em suas pesquisas. Isso muito grave, pois, para
uma pesquisa, o tempo um fator fundamental.
IHU On-Line - Em que consiste a reprogramao
celular? De que maneira as clulas-tronco
embrionrias podem ser utilizadas como fonte de
estudo para essa reprogramao?
Jos Garcia Abreu Jnior - A reprogramao celular
um fenmeno biolgico no qual uma clula
comprometida, ou seja, diferenciada, pode retroceder
no seu destino e voltar a ser pluripotente, isto , capaz
de diferenciar-se em outro tipo, ou mesmo de manter-se
indiferenciada. medida que uma dada clula se
diferencia (adquire um destino final, por exemplo,
muscular, sseo, neuronal etc.), ela desliga os genes
que, em princpio, garantiriam a ela capacidades comuns
s clulas pluripotentes, como auto-renovao e
probabilidade de gerar outros tipos celulares. Diversos
estudos tm demonstrado que essa possibilidade de
reprogramar o genoma reside em molculas
citoplasmticas encontradas principalmente em clulas
embrionrias e no vulo. Tambm se evidenciou que
estas molculas desaparecem nas fases mais tardias do
desenvolvimento. Mais recentemente, foram descritas
algumas destas molculas de forma que se elas so
introduzidas em clulas diferenciadas podem program-
las e torna-las pluripotentes, novamente. Estes
experimentos ainda tm baixa reprodutibilidade, mas so
muito promissores. Muitas so as fontes de fatores de
reprogramao, e possvel que haja muitos fatores
ainda no descobertos. As clulas-tronco embrionrias
podem ser usadas como fonte para descoberta destes
fatores e como fonte comparativa nos experimentos de
reprogramao, por exemplo. Estes estudos
demonstraro at que ponto uma clula reprogramada
assemelha-se a uma clula-tronco embrionria.
IHU On-Line Mas se as clulas-tronco reprogramadas
j demonstram resultados, por que insistir em estudos
com clulas-tronco embrionrias? Seria mais tico
investir em pesquisas com clulas-tronco somticas,
preservando assim a vida?
Jos Garcia Abreu Jnior O grande problema
envolvido nestes estudos que embora se possam
produzir todos os tipos celulares a partir de clulas-
tronco embrionrias e mesmo reprogramar clulas
somticas, os mecanismos que governam este processo
so bastante desconhecidos. Portanto, sem pesquisas
com clulas-tronco embrionrias no avanaremos e no
entenderemos o mecanismo que ocorre naturalmente.
Conhecer bem estes mecanismos fundamental, porque
a pretenso teraputica que este tema traz pode ser um
grande risco caso no sejam conhecidos estes
mecanismos. Todas as pesquisas que conheo em clulas-
tronco embrionrias so feitas de forma tica. E as
pesquisas esto sendo desenvolvidas com o objetivo final
de preservar a vida ou melhorar a qualidade dela. Alm
disso, a lei de Biossegurana ainda garante o uso de
embries que em principio sero inviveis/descartados
pelas clnicas.
IHU On-Line O senhor tem percebido evolues nas
pesquisas com reprogramao de clulas? Para que
direo caminha os novos estudos?
19 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
Jos Garcia Abreu Jnior Sim. A reprogramao j
foi considerada idia insana e ainda existem grupos que
no acreditam que isso possvel. Entretanto, h um
crescente avano, sobretudo, nas diversas formas de se
reprogramar, seja por fuso nuclear ou por molculas
citoplasmticas encontradas no vulo ou embries
precoces. Mais recentemente, pelo menos quatro fatores
(molculas de carter protico) j foram descobertos, e
seu potencial reprogramador j foi demonstrado. A
direo atual dos estudos est centralizada na
descoberta de novos fatores responsveis pelo fenmeno
de reprogramao, de formas de realizar reprogramao
sem alterar o nmero de cromossomos e tambm de
produzir clulas reprogramadas em larga escala.
IHU On-Line Se forem viabilizados tratamentos de
doenas como Parkinson, com uso de clulas-tronco,
este estar disponvel pelo Sistema nico de Sade
(SUS) ou ser um tratamento bastante elitizado?
Jos Garcia Abreu Jnior muito difcil de prever,
porque mesmo em pases mais avanados ainda no se
pode definir tal aplicao, porque um dos problemas da
reprogramao celular a realizao destes
experimentos em alta escala. H muitos tratamentos j
bem caracterizados que ainda no so disponibilizados
pelo SUS.
IHU On-Line - Como a reprogramao das clulas, em
diferentes tecidos humanos, pode auxiliar no combate
a doenas degenerativas?
Jos Garcia Abreu Jnior - H um grande potencial
nestas descobertas, mas isso ainda apenas um campo
promissor que avana rapidamente. A grande vantagem
que, uma vez estabelecida esta tcnica em clulas
nervosas, ser possvel, por exemplo, retirar celular da
pele de uma pessoa com Alzheimer, program-la para o
fentipo neural e utiliz-la para repovoar uma rea
neurodegenerada. Mas isso ainda fico cientfica.
IHU On-Line - Um dos principais objetivos do seu
ncleo de pesquisa reprogramar clulas nervosas
com extrato de vulos para identificar nesse extrato,
molculas que sero testadas separadamente para
verificar a possvel presena de embries. Correto?
Qual ser o passo seguinte?
Jos Garcia Abreu Jnior - Correto, mas nossa
capacidade de identificar molculas nestes extratos tem
sido limitada por razes tcnicas. Mas nossos resultados
apontam que extratos citoplasmticos de vulos de
anfbio so capazes de reprogramar astrcitos, uma
populao celular do sistema nervoso. A reprogramao
de astrcitos com estes extratos produz corpos
embrionrios com aspectos semelhantes queles
formados por clulas-tronco embrionrias e eles
expressam marcadores de pluripotncia. Estamos
ensaiando agora se estes agregados podem se diferenciar
em outros tipos celulares para provarmos
definitivamente que foram reprogramados. Pretendemos
entender o mecanismo de reprogramao e que vias de
sinalizao e molculas esto envolvidas.
20 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
O embrio no uma pessoa ENTREVISTA COM VOLNEI GARRAFA
O professor titular e coordenador da Ctedra Unesco de Biotica da Universidade de
Braslia (UnB) Volnei Garrafa est entre aquelas pessoas que no considera o embrio
como uma pessoa. Em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line, ele explica
sua posio: Por mais argumentos que cada um dos lados favorvel ou contrrio
interpretao de que um embrio de alguns dias seja j uma pessoa -, acredito que
jamais chegaremos a um consenso a respeito, por absoluta falta de elementos factuais
capazes de provar de modo irrefutvel uma ou outra teoria. Doutor em Cincias e
ps-doutor em Biotica, Volnei Garrafa editor da Revista Brasileira de Biotica, e
presidente do Conselho Diretor da Rede Latino-Americana e do Caribe de Biotica da
Unesco (Redbiotica).
IHU On-Line - Como o senhor define a comunidade
cientfica brasileira em relao s pesquisas sobre
clulas-tronco? H preparo tcnico?
Volnei Garrafa - A resposta a essa pergunta
complexa. H, sem dvida, cientistas preparados no pas
para enfrentar esse tipo de desafio. Mas, por outro lado,
h cientistas excessivamente apressados acelerando o
processo investigativo, em alguns momentos, alm dos
limites confiveis da biossegurana. O mundo todo est
surpreendido com o fato de o Brasil, por meio de um
grande projeto de pesquisa, ter iniciado um estudo com
a utilizao de clulas-tronco adultas em amostra de
1200 pacientes, em fase 3, sem que as fases 1 e 2
estivessem suficientemente esgotadas para dar a
tranqilidade indispensvel quanto a possveis reaes
adversas a curto, mdio e longo prazos desse novo tipo
de tratamento que a terapia celular. Uma questo que
no pode deixar de ser comentada neste contexto e
constatada em todo mundo a do aodamento, a pressa
estimulada pelo mercado (sempre ele...) em
transformar cincia em tecnologia, uma descoberta em
aplicao prtica, de um dia para o outro. H algumas
dcadas atrs, demoravam muitos anos para um
conhecimento para ser utilizado na prtica. Agora, pela
presso econmica crescente dos fabricantes, das
empresas, das indstrias de medicamentos e dos prprios
pacientes, muitas vezes desesperados busca de cura,
entre outras, a tecnologia passa a ser disponvel em
meses e at em dias. No est sendo dado o tempo
indispensvel, portanto, para a verificao dos possveis
problemas que uma nova tcnica, um novo medicamento
ou um novo instrumental biomdico, possam trazer a
mdio e longo prazos. E os pacientes portadores de
doenas ainda incurveis certamente vulnerveis em
suas decises muitas vezes se entregam
desesperadamente s pesquisas, em busca de curas
milagrosas e imediatas.
IHU On-Line - A postura dos pesquisadores e dos
brasileiros em geral pode ser vista como avanada ou
conservadora em relao a esse tema?
Volnei Garrafa - Apesar das posies moralmente
afirmativas da maioria dos cientistas com relao s
pesquisas no campo da gentica e da reproduo
assistida, por exemplo, considero o Brasil um pas
bastante conservador. Confundimos a liberdade e o uso
21 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
de minsculos biqunis que a moda de Ipanema nos
prope, por exemplo, com a absoluta incapacidade do
Congresso Nacional em abrir uma discusso responsvel e
verdadeiramente madura sobre temas moralmente
espinhosos como aborto, eutansia, utilizao de clulas
tronco-embrionrias. Na Itlia, pas catlico por
excelncia, o aborto foi aprovado em um referendo
nacional por nada menos que 69% da populao no j
distante ano de 1979. Portugal, recentemente, foi o
ltimo pas da Europa ocidental a aprovar legislao
neste sentido. No Brasil, as iniciativas legislativas nos
campos que envolvem questes morais so
invariavelmente encaminhadas no Congresso Nacional por
partidrios ferrenhamente contra, ou a ferrenhamente a
favor, de determinado assunto, o aborto, por exemplo. O
primeiro beb de proveta brasileiro nasceu em 1984. At
hoje, pelas razes acima apontadas, todos projetos de lei
que tramitaram no Congresso foram engavetados, no
prosperaram. Por absoluta intolerncia e falta de dilogo
entre as partes. Chamo a isso de vazios legislativos
criminosos, pois existem clnicas reprodutivas humanas
fazendo absurdos nas grandes cidades brasileiras,
adotando tcnicas utilizadas apenas excepcionalmente,
como rotina, unicamente com o objetivo escuso de
aumentar os ndices de sucesso, sem o devido controle e
com a legislao absolutamente omissa. Isso mostra a
necessidade absoluta de criao do Conselho Nacional de
Biotica, nos moldes do excelente Projeto de Lei 6032
encaminhado pelo Presidente Lula ao Congresso Nacional
em 5 de outubro de 2005. O referido PL encontra-se, at
hoje, parado nas gavetas do Congresso. A Frana tem seu
Comit Nacional desde 1982, criado pelo saudoso
presidente Franois Mitterrand. Exemplos como esse
que me permitem afirmar que o Brasil ainda um pas
conservador.
IHU On-Line - Como o senhor v a pesquisa que
descobriu a possibilidade de criao de clulas-tronco
a partir da pele, possivelmente descartando o uso de
clulas tronco embrionrias?
Volnei Garrafa - Interpreto a descoberta como um fato
extraordinrio, que poder proporcionar avanos
significativos no sentido de controle de diversas doenas
na rea biomdica, sem conflitos ticos ou morais, sem a
necessidade de utilizao de clulas tronco-embrionrias
provenientes de embries humanos congelados.
Tecnicamente, parece que isso se tornar realmente
possvel a partir das descobertas de um grupo japons
chefiado pelo prof. Shinya Yamanaka, da Universidade de
Kioto, e publicada na revista Cell, e outro estadunidense,
comandado por James Thomson, da Universidade de
Wisconsin-Madison - casualmente a mesma instituio
que abrigou o inventor da Biotica, Van Ressenlaer
Potter , e publicada concomitantemente na Science. As
clulas no caso, fibroblastos adultos, retirados da pele
de ratos - foram induzidas a transformar-se em clulas
tronco a partir da introduo nas mesmas de genes
reguladores, tendo um retrovrus como indutor. O nico
problema moral possvel de ser levantado nestes casos
seria aquele de fundo alarmista e j conhecido dos
cientistas: o homem, outra vez, est brincando de
Deus. Frases deste tipo, vindos de setores
fundamentalistas religiosos, que demonizam a cincia e
seus avanos em inmeras situaes, j foram ouvidos
quando nasceu Louise Brown, o primeiro beb obtido por
fecundao assistida em 1978 na Inglaterra, ou quando
foi anunciado o nascimento da ovelha Dolly, em 1997,
entre incontveis outras situaes.
IHU On-Line - O que muda em relao clonagem
teraputica e ao transplante de rgos caso seja
realmente possvel obter clulas tronco com alto poder
de diversificao a partir da pele humana?
Volnei Garrafa - O que muda que, com maior
liberdade, os cientistas e a cincia podero avanar mais
celeremente nas suas pesquisas com clulas tronco-
22 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
embrionrias, que so mais adequadas que as adultas ou
mesmo que aquelas do cordo umbilical, mais lbeis e
mais facilmente manipulveis sob o ponto de vista
tcnico-operacional da pesquisa. O caminho aberto pela
utilizao de clulas-tronco adultas, que j nos permite a
renovao de algumas clulas e tecidos, isoladamente
(por exemplo, musculatura cardaca), ser
generosamente ampliado com a possibilidade de
utilizao de clulas tronco-embrionrias produzidas por
clonagem teraputica, objetivando a obteno de rgos
completos a partir de tcnicas laboratoriais, os quais so
compostos por diferentes variedades de tecidos. A
possibilidade de construir um novo pncreas a partir da
utilizao dessa tcnica, por exemplo, nos daria a
possibilidade de chegarmos muito prximo de termos
uma doena to difundida e que tanto sofrimento gera,
como o diabetes, controlada. Isso, no entanto, no deve
ser visto como algo que ser alcanado nos prximos
anos; levaremos mais algum tempo, talvez dcadas, para
chegar a to avanado estgio de desenvolvimento
biotecnocientfico.
IHU On-Line - Quais so os maiores desafios do ponto
de vista tico e moral que esto envolvidos no debate
em torno das clulas tronco?
Volnei Garrafa - O maior desafio, sem dvida, vencer
o conflito, a polarizao, o maniquesmo, sobre a
utilizao de clulas-tronco provenientes de embries
humanos, pelas razes de todos conhecidas.
Pessoalmente, penso que, mesmo daqui a um milnio, se
o Planeta Terra e a espcie humana ainda aqui existirem,
esses conflitos no estaro solucionados. A cincia tem
se mostrado impotente para definir sob o prisma
acadmico quando se d o incio da vida humana, quando
um embrio passa a ser pessoa. Jamais chegaremos a um
consenso, seja biomdico, seja religioso, seja moral.
Segundo HT Engelhardt Jr., temos um mundo
irreversivelmente pluralista sob o ponto de vista de
moralidades. Entre amigos morais, no h conflito, mas,
entre estranhos morais, a nica forma de convvio
pacfico, sem que uns matem os outros por diferenas de
modo de pensar, por meio da frgil virtude da
tolerncia. De aprendermos a conviver pacificamente
entre estranhos morais, uns respeitando a moralidade
dos outros. Neste sentido, nas democracias pluralistas
modernas, prefervel que as leis sejam declinadas
afirmativamente, positivamente, deixando aos cidados
e cidads adultos e informados de acordo com sua
moralidade e religiosidade a deciso autnoma sobre os
problemas que os afligem, sem uma deciso prvia,
proibitiva e paternalista ditada pelo Estado.
IHU On-Line - Como o senhor defende sua posio em
relao ao uso de embries humanos para utilizao de
clulas-tronco? Quais so os seus argumentos ao
afirmar que embrio no pessoa?
Volnei Garrafa - Estou entre aquelas pessoas que no
interpreta o embrio como uma pessoa. E isso me
ensinou meu querido professor e amigo Giovanni
Berlinguer14, um dos mais completos sanitaristas e
bioeticistas do mundo e pessoa que procura em todas
suas aes ser o mais generosa e justa possvel: quando
te deparas, ao mesmo tempo, com um conflito moral e 14 Giovanni Berlinguer (1924): Italiano que est entre os mais
respeitados sanitaristas e bioeticistas do mundo. Iniciou sua carreira
acadmica como professor de Medicina Social da Universidade de
Sassari, atividade que desenvolveu at 1974, quando assumiu a ctedra
de Sade do Trabalho na Universidade La Sapienza, em Roma, onde
permaneceu at os 75 anos de idade. Atualmente, Presidente de
Honra do Comit Nacional Italiano de Biotica e membro titular do
Comit Internacional de Biotica da UNESCO (Organizao das Naes
Unidas para a Educao, a Cultura e a Cincia). Anteriormente, j havia
ocupado a cadeira de deputado por trs legislaturas (1972-1983) e
senador em outras duas (1983-1992), sempre pelo seu velho e amado
PCI (Partido Comunista Italiano). Sua vasta produo cientfica
ultrapassa o nmero de 45 obras, uma dzia delas traduzidas para o
portugus, entre as quais Medicina e poltica (1978), A sade nas
fbricas (1983) e Reforma sanitria Itlia e Brasil (1988). (Nota da
IHU On-Line)
23 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
um problema prtico que necessita ser resolvido, os
problemas prticos devem receber prioridade diante dos
conflitos morais. Como disse acima, por mais argumentos
que cada um dos lados favorvel ou contrrio
interpretao de que um embrio de alguns dias, um
blastmero, por exemplo, seja j uma pessoa -, acredito
que jamais chegaremos a um consenso a respeito, por
absoluta falta de elementos factuais capazes de provar
de modo irrefutvel uma ou outra teoria. Temos, ento,
que nos apegar a outros referenciais. No meu caso,
utilizo o referencial utilitarista e conseqencialista, mas
sempre solidrio, abrindo possibilidades de discusso
para situaes isoladas a serem analisadas em cada
contexto (social, econmico, cultural...) onde as mesmas
se do.
IHU On-Line - O senhor gostaria de acrescentar mais
algum comentrio que julgue importante e as
perguntas no cobriram?
Volnei Garrafa - Uma ltima observao que gostaria
de registrar que, na mesma linha de Hans Jonas15,
defendo que a cincia seja LIVRE, desde que seja
desenvolvida dentro de referenciais ticos e em busca de
objetivos construtivos. E, ao contrrio, defendo que a
aplicao das descobertas, a tecnologia, seja
CONTROLADA. E esse controle no pode ficar
unilateralmente nas mos de cientistas; o controle
precisa ser social, por meio de comits pluralistas e
multidisciplinares. A tica, assim como a cincia,
glacial. Ou ou no ; no se pode ser 70% tico, por
exemplo. Igualmente, a tica deve ser diferenciada da
pura cincia e da pura tcnica. Isso no significa que ela
15 Hans Jonas (1902-1993): filsofo alemo, naturalizado norte-
americano, um dos primeiros pensadores a refletir sobre as novas
abordagens ticas do progresso tecnocientfico. A sua obra principal
intitula-se Das Prinzip Verantwortung. Versuch einer Ethik fr die
technologische Zivilisation (1979), publicada em portugus como O
princpio responsabilidade (Rio de Janeiro: Contraponto, 2006). (Nota
da IHU On-Line)
tenha uma posio superior, anterior ou mais importante
que a cincia e a tecnologia. Trata-se, simplesmente, de
uma posio diferenciada. A tica sobrevive sem a
cincia e a tcnica; essas, no entanto, sem a tica, so
fadadas ao descrdito ou ao fracasso.
24 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
Destruio embrionria x avano cientfico: uso de clulas-
tronco esbarra na legislao ENTREVISTA COM JAMES EDGAR TILL
Eu concordo com a idia de que os embries excedentes, que foram criados para fertilizao in vitro,
poderiam ser doados, com consentimento, e ser usados para a pesquisa que poderia conduzir s novas
terapias mdicas. A declarao de James Edgar Till, Ph.D. em Biomedicina, pela Universidade de
Yale, em entrevista concedida por e-mail IHU On-Line. Ele fala tambm sobre os princpios das
diretrizes que regem as pesquisas com clulas-tronco no Canad e sobre a importncia das pesquisas
encontrarem maneiras de ajudar as pessoas que esto doentes, e no "controlar a natureza humana".
Considerado o pai das clulas-tronco, pois em 1963 descobriu que as clulas transplantadas da medula
ssea no bao de ratos se auto-replicavam, o cientista canadense James Till estudou cincias na
Universidade de Saskatchewan, terminando seu bacharelado em 1952 e seu mestrado em fsica em 1954.
IHU On-Line - Certa vez, John Rawls disse que no h
mundo social sem perda, ou seja, no h mundo social que
no exclua alguns modos de vida a fim de concretizar, de
determinadas maneiras, certos valores fundamentais.
Relacionando essa teoria com as pesquisas sobre clulas-
tronco, qual a sua percepo? Embries podem ser
destrudos para o avano da cincia?
James Edgar Till - A controvrsia se d, principalmente, em
relao a mtodos que esto disponveis para a criao e o uso
de clulas-tronco de embries humanos. Pesquisadores de
clulas-tronco precisam seguir as leis do pas no qual vivem e
trabalham. No Canad, as diretrizes para a Pesquisa de clulas-
tronco pluripotenciais so embasadas nas disposies do Tri-
Conselho de Estabelecimento de Polticas: Condutas ticas para
a Pesquisa Envolvendo Humanos.
IHU On-Line - Essas pesquisas representam um desrespeito
vida ou, pelo contrrio, so a favor dela?
James Edgar Till - Eu acho que este excerto da Wikipdia
resume a controvrsia muito bem: Alguns opositores da
pesquisa argumentam que esta prtica um declive
escorregadio em direo clonagem reprodutiva e
fundamentalmente desvaloriza o valor de um ser humano.
Contrariamente, pesquisadores mdicos na rea argumentam
que necessrio buscar a pesquisa em clulas-tronco porque as
tecnologias resultantes poderiam ter um potencial mdico
significativo e que embries excedentes criados para a
fertilizao in vitro poderiam ser doados consensualmente e
usados para a pesquisa. Isso, por sua vez, conflita com os
opositores do movimento pr-vida que advogam pela proteo
dos embries humanos. Tal debate levou autoridades ao redor
do mundo a criarem modelos regulatrios e realou o fato de
que a pesquisa em clulas-tronco embrionrias representa um
desafio social e tico.
IHU On-Line O senhor apresentou as controvrsias que
giram em torno do embate sobre clulas-tronco. Qual desses
argumentos o senhor defende?
James Edgar Till Eu concordo que esses embries
excedentes, que foram criados para fertilizao in vitro,
poderiam ser doados, com consentimento, e ser usados para a
pesquisa que poderia conduzir s novas terapias mdicas.
25 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
IHU On-Line - At que ponto os cientistas devem ter
autonomia em ensaios experimentais sobre a vida humana?
Qual deveria ser a conduta tica a permear essas atividades,
independente do pas em que as pesquisas so realizadas?
James Edgar Till Eu concordo que essa pesquisa, com seus
atuais desafios ticos e srias transformaes sociais, deve ser
regulada pelo governo de cada pas. Estes regulamentos no
necessitam ser os mesmos em todos os pases.
IHU On-Line - Alguns pesquisadores advertem que a
tecnocincia se transformou numa fonte de poder (produtivo
e estrutural). Que implicaes a interao entre cincia e
tecnologia trazem para a sociedade? A tecnocincia pretende
controlar a natureza humana?
James Edgar Till A finalidade de tal pesquisa deve ser
encontrar maneiras de ajudar as pessoas que esto doentes, no
controlar a natureza humana.
IHU On-Line - Como o senhor percebe o crescente
desempenho da medicina em relao s modificaes da
natureza humana?
James Edgar Till Se as novas maneiras encontradas forem
para ajudar as pessoas que esto doentes, os indivduos doentes
tero uma escolha. Podem consentir em ter o novo tratamento
(sim, eu quero ter o novo tratamento), ou no (No, eu no
quero ter o novo tratamento).
IHU On-Line - Que medidas e iniciativas deveriam compor
as polticas pblicas desenvolvidas pelos governos, no que se
refere aos estudos de clulas-tronco?
James Edgar Till - necessrio para as agncias que provm
suporte para a pesquisa com clulas-tronco ter diretrizes para os
pesquisadores que planejam fazer pesquisa em clulas-tronco.
As diretrizes devem estar de acordo com as leis do pas no qual
a agncia fomentadora est localizada.
IHU On-Line - Que julgamentos ticos e prticos devem
guiar o debate sobre clulas-tronco no mundo?
James Edgar Till - As diretrizes canadenses para
pesquisadores so baseadas em vrios princpios orientadores,
como:
Pesquisas realizadas devem ter benefcios de sade
potenciais para os canadenses;
Consentimento livre e informado, provido voluntariamente
e com total divulgao de toda informao relevante ao
consentimento;
Respeito pela privacidade e confidencialidade;
Nenhum pagamento direto ou indireto por tecidos
coletados para pesquisa com clulas-tronco e nenhum
incentivo financeiro;
Nenhuma criao de embries para fins de pesquisa;
Respeito individual e noes comunitrias de dignidade
humana e fsica e integridade espiritual e cultural.
IHU On-Line E como o senhor tem percebido essas aes?
Elas esto sendo consideradas no debate sobre as pesquisas
com clulas-tronco?
James Edgar Till Sim, estes so os princpios das diretrizes
em que os pesquisadores canadenses devem estar baseados. Se
os pesquisadores no concordarem com estes princpios, sua
pesquisa no ser suportada.
IHU On-Line - O senhor vislumbra tratamentos em doenas
como o cncer, utilizando-se de clulas- tronco?
James Edgar Till - Clulas-tronco transplantadas j so usadas
h vrios anos como parte do tratamento de cnceres
sangneos, como leucemia e linfoma. Pacientes que sofrem
destas doenas possuem clulas-tronco de formao sangnea
danificadas. Em alguns casos, um transplante pode ser capaz de
restaurar as funes normais das clulas sangneas. Como o
paciente tem clulas-tronco danificadas, necessrio encontrar
um doador compatvel antes de comear o tratamento.
26 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
Entrevista da Semana
Sntese e caracterizao de nanopartculas para aplicaes
biomdicas ENTREVISTA COM TATIANA MIDORI
As nanopartculas de xidos de ferro sintetizadas para marcao celular possuem dimetros da
ordem de 5-15 nm, o que possibilita sua incorporao pelas clulas. Alm disso, por possurem
propriedades magnticas, elas podem ser visualizadas em imagens de ressonncia magntica. Assim,
com a injeo em seres vivos de clulas-tronco marcadas com as nanopartculas, possvel
acompanhar o seu percurso de modo no-invasivo. A afirmao da fsica Tatiana Midori, autora
da dissertao Sntese e caracterizao de nanopartculas para aplicaes biomdicas, desenvolvida no
Instituto de Fsica Gleb Wataghin (IFGW) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Os
testes biomdicos deste trabalho foram realizados pelo mdico Li Li Min e pela doutora Llia de
Souza Li, da Faculdade de Cincias Mdicas (FCM), da Unicamp. Para Midori, a colaborao entre as
reas da fsica e da medicina tem gerado linhas de pesquisa cada vez mais interessantes e
inovadoras, e a nanotecnologia apenas uma delas.
O trabalho de Midori constitui a base de um projeto multidisciplinar ainda em andamento, liderado
pelo doutor Li Li Min. Minha parte foi sintetizar as partculas, caracteriz-las estrutura,
morfolgica e magneticamente, e repass-las ao Dr. Li para realizao dos testes com as clulas,
esclarece Midori na entrevista exclusiva a seguir, que concedeu por e-mail IHU On-Line. Na poca,
utilizamos clulas HeLa, uma linhagem celular muito utilizada em experimentos de laboratrio,
apenas para verificar a eficcia das nanopartculas na marcao celular. Ao terminar o projeto, a
fsica foi informada que os primeiros testes com clulas-tronco de cordo umbilical estavam sendo
planejados. Midori graduada em Fsica Mdica pela Universidade de So Paulo (USP).
Desde agosto deste ano, o Instituto Humanitas Unisinos IHU vem organizando o III Ciclo de Estudos
Desafios da Fsica para o Sculo XXI: o admirvel e o desafiador mundo das nanotecnologias. O evento
serve como preparao para o Simpsio Internacional Uma sociedade ps-humana - Possibilidades e
limites das nanotecnologias, que acontecer na Unisinos, de 26 a 29 de maio de 2008.
27 SO LEOPOLDO, 03 DE DEZEMBRO DE 2007 | EDIO 246
IHU On-Line - Como essas nanopartculas que voc
desenvolveu rastreiam o percurso das clulas-
tronco?
Tatiana Midori - As nanopartculas de xidos de ferro
sintetizadas para marcao celular possuem dimetros da
ordem de 5-15 nm, o que possibilita sua incorporao
pelas clulas. Alm disso, por possurem propriedades
magnticas, elas podem ser visualizadas em imagens de
ressonncia magntica. Assim, com a injeo em seres
vivos de clulas-tronco marcadas com as nanopartculas,
possvel acompanhar o seu percurso de modo no-
invasivo.
IHU On-Line - Que benefcios esse mapeamento de
percurso traz medicina?
Tatiana Midori - O rastreamento de clulas in-vivo,
com nanocristais e imagens de ressonncia magntica,
tem potencial para ser uma poderosa tcnica para se
determinar a histria e o destino das clulas e, assim,
entender e avaliar a eficcia das diferentes terapias
baseadas em clulas-tronco. No entanto, a utilizao
prtica desta tcnica ainda limitada e, para que se
atinja um rastreamento celular de sucesso, necessrio
desenvolver mtodos eficientes de marcao magntica
para aumentar o sinal e o contraste nos exames.
IHU On-Line - Que outros benefcios e aplicaes
ainda podem surgir com base nessa descoberta?
Tatiana Midori - Primeiramente, gostaria de esclarecer
que as nanopartculas de xidos de ferro para aplicaes
biomdicas vm sendo estudadas por vrias dcadas no
Brasil e no exterior, e por isso no se pode dizer que foi
uma descoberta do meu trabalho. Do mesmo modo, a
marcao de vrios tipos de clulas, incluindo as clulas-
tr
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