AS RODAS DE CONVERSA COMO ESTRATÉGIA FAVORECEDORA DA LINGUAGEM
ORAL EM CRIANÇAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA.
Sâmia Magaly Lima de Medeiros Soares1 [email protected]
Ana Lucia Oliveira Aguiar2
RESUMO:
Através da Linguagem o ser humano interage e expressa seus pensamentos. O objetivo deste estudo é descrever um relato de experiência sobre a utilização da estratégia das rodas de conversas como instrumento favorecedor da linguagem oral em crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Para tanto, nosso objeto de estudo foi uma turma do último nível da educação infantil em escola da rede privada situada na cidade de Mossoró/RN. A pesquisa de caráter documental e descritivo buscou observar e mediar pedagogicamente as rodas de conversas no intuito de transformar a sala de aula em um ambiente acolhedor e estimulador da aprendizagem. A experiência incentivou a espontaneidade em sala de aula e se mostrou um instrumento eficaz para o estabelecimento de um espaço de interação e desenvolvimento da linguagem oral.
Palavras-chave: Autista. Estratégia. Linguagem.
I. INTRODUÇÃO
Para Geraldi (1995), “a linguagem é fundamental ao desenvolvimento de toda e
qualquer pessoa humana”. De acordo com o dicionário Aurélio, uma das definições da
palavra linguagem é “a expressão do pensamento”. Nessa perspectiva, buscamos através
do estudo incentivar os alunos com transtorno do espectro autista a expressarem seus
pensamentos nas rodas de conversa promovidas em sala de aula. Wing (1985) relata que
“as crianças autistas mostram uma certa dificuldade de programar e estruturar um discurso.
Essas crianças geralmente apresentam uma fala com vocabulário sem elementos coesivos,
tornando difícil o entendimento por parte do interlocutor, uma vez que os enunciados são
curtos e sem estrutura sintática”.
1 Graduada do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN.
2 Discente do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação, Campus Central, UERN.
De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI,
1998, pag.117) a aprendizagem da linguagem oral é importante, pois amplia as
possibilidades de inserção e de participação das crianças nas diversas práticas sociais. É
através da linguagem, que a criança interage com outras pessoas, constrói conhecimentos e
desenvolve o pensamento. Para o RCNEI, aprender uma língua não é somente aprender as
palavras, mas também seus significados culturais, e, com eles, os modos pelos quais as
pessoas do seu meio sociocultural entendem, interpretam e representam a realidade. Ao
promover experiências significativas de aprendizagem da linguagem oral, a escola se
constitui em um dos espaços de ampliação das capacidades de comunicação e expressão
para crianças da Educação Infantil com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1993, p.130), na Classificação
Internacional de Doenças, o autismo é uma síndrome presente desde o nascimento, que se
manifesta antes dos 30 meses, apresentando respostas anormais a estímulos visuais ou
auditivos, assim também como dificuldades nas interações comunicativas.
Partindo desta explanação, este trabalho levanta o seguinte questionamento: De
que maneira as rodas de conversa podem favorecer o desenvolvimento da linguagem oral
em crianças com TEA? Em busca de responder tal questionamento, esse trabalho observou
o avanço na linguagem e comunicação das crianças com TEA durante um período de 12
meses, a partir do momento que utilizamos as rodas de conversa rotineiramente e
interdisciplinarmente nas aulas da turma de educação infantil. Os resultados apontaram que
ao final da intervenção pedagógica mediada pelo professor, o aluno com TEA mostrou-se
mais participativo nas rodas de conversa, interagindo espontaneamente e apresentando
melhor fluência ao falar, desenvolvendo assim sua linguagem oral.
Conforme Freire (1996) as relações dialógicas são fundamentais na vida dos seres
humanos e é nesse sentido que as rodas de conversa se apresentam:
“A construção de relações dialógicas sob os fundamentos da ética universal dos seres humanos, enquanto prática especifica humana implica a conscientização dos seres humanos, para que possam de fato inserir-se no processo histórico como sujeitos fazedores de sua própria história”. (FREIRE, 1996, p10.)
Segundo Paulo Freire a educação é um ato que busca promover caminhos para que
o próprio aluno seja sujeito e construa sua autonomia através das relações dialógicas,
inserindo-se assim no processo histórico de sujeitos fazedores da sua própria história.
II. O PASSO A PASSO DAS RODAS DE CONVERSA
A pesquisa de caráter documental e descritivo, observou crianças entre 4 e 5 anos
de idade, que aprentavam características (não diagnosticadas clinicamente) do Transtorno
do Espectro Autista, recorrendo como fonte de pesquisa ao Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais, chamado DSM-5. Além disso, no primeiro dia de aula dos alunos
que apresentavam tais características, os pais conversaram abertamente com a professora
sobre as dificuldades de socialização dos seus filhos e enfatizando o motivo pelo qual
escolheram uma escola que apresentava em seu Projeto Político Pedagógico uma escola
sociointeracionista. Os alunos que apresentavam o transtorno, estavam cursando o ultimo
nível da educação infantil de escola da rede privada, situada no município de Mossoró/RN e
tinham como características principais: dificuldades de comunicação e uma fala com
vocabulário sem elementos coesivos, dificultando o entendimento do interlocutor. Como
estratégia, buscou-se intervir pedagogicamente para que elas pudessem desenvolver a
espontaneidade nas rodas de conversa e consequentemente a linguagem oral.
As rodas de conversa foram programadas impreterivelmente às segundas-feiras no
período matutino, para que as crianças pudessem contar como foi seu final de semana,
tendo como argumento a possibilidade de mensurar e avaliar a interação dessas crianças
fora do ambiente escolar. Ao inserir as rodas de conversa na rotina da turma, foi perceptível
a adaptação e aceitação de todos ao novo modelo de início de conversa, pois mesmo
quando a professora titular não estava presente no incío da aula, os próprios alunos
organizavam a sala de maneira que a roda conversa fosse inciada.
Observou-se a necessidade de conhecer um padrão geometrico, literalmente, porque
a distância entre o interloculocutor e os alunos foi uma variável no processo. Nesse sentido,
padronizamos a roda em semi-circulo com o professor ao centro, permitindo a visualização
de todos os alunos de maneira equidistante.
A estimulação era iniciada estratégicamente a partir do ponto em que todos os
alunos estivessem sentados, e o professor abria a discussão aleatoriamente, em seguida
realizava-se uma análise da interação das crianças nas conversas, subsidiando a avaliação
contínua, qualitativa e progressiva. No Artigo 31 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Infantil, ‟a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento,
sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental”. Os registros
sobre o desenvolvimento dos alunos eram entregues aos pais e a coordenação da escola
trimestralmente, e nesses documentos eram descritos fatos importantes principalmente no
eixo Linguagem Oral e Escrita onde era especificado o nível de escrita que a criança se
encontrava e seu desenvolvimento nas rodas de conversa. No início da observação, é
possível observar trechos ecolálicos produzidos pelo aluno com Transtorno do Espectista .
Episódio 1 – Junho de 2014 – 1° mês de observação
A professora(P), pergunta aos alunos com TEA (A):
(P): Olá Turma, Como foi o final de semana de vocês ?
(A): Não teve reação, ficou olhando para as ilustrações da parede da sala de aula e esperou
que a pergunta fosse dirigida a ele.
(P) : Passeou final de semana ?
(A) : Não passeou no final de semana.
(P) : Ficou em casa brincando com a família ?
(A) : Ficou em casa brincando com a família.
(P) : Brincou com o papai e a mamãe ?
(A) : Brincou com o papai e a mamãe.
(P) : Qual sua brincadeira preferida quando está em casa ?
(A) : Gosta de brincar no celular.
No episódio 1 o aluno faz uso de repetições da pergunta, sem considerar o contexto
social ou o valor das palavras por ele pronunciadas. Entretanto, a professora interagiu com a
criança durante seus enunciados ainda que estes fossem ecolálicos, tomando tais
enunciados, nesse momento, como a forma do aluno interagir verbalmente. Para Oliveira
(2001), a ecolalia tem grande valor na aquisição da linguagem, pois embora essas falas
pareçam impertinentes e descontextualizadas, elas podem ter significado para a criança.
III. INSTITUINDO UM PADRÃO GEOMÉTRICO
A pesquisa realizada constatou que os alunos que apresentavam Transtorno do
Espectro Autista, chegavam agitados após o fim de semana e não ouvia o relato dos
colegas, mostrando-se dispersos em sala de aula (Gráfico 1). Sentavam na cadeira olhando
para o teto ou parede, ficavam na ponta dos pés batendo as mãos, conversavam sozinhos,
contavam na hora da roda de conversa.
Gráfico 1: Características de interação da turma.3
Foi através dessa observação que se buscou uma estratégia de fazer com que as
crianças com Transtorno do Espectro Autista pudessem interagir espontaneamente em sala
de aula. Dessa forma, utilizamos as rodas de conversa como estratégia metodológica no
plano de aula semanal, enquadrando-a como rotina em dia da semana específico. Antes das
rodas de conversa, as aulas da segunda-feira eram iniciadas com jogos educativos para
esperar todos os colegas chegarem e em seguida as crianças juntavam-se em grupos para
ouvir sobre o tema da aula e iniciar uma atividade lúdica. Ao instituirmos a roda de conversa
como elemento chave na rotina dos alunos, percebemos que os momentos de interação se
tornaram mais atrativos, pois os próprios alunos traziam de casa objetos que caracterizavam
seu final de semana como conchas de praia, tiket de entrada no cinema, fotos, dentre outros
materiais ilustrativos que chamavam a atenção de todos.
A escolha da segunda-feira como dia preferencial para desenvolvimento das rodas
de conversa, deve-se ao fato de entender que fora do ambiente escolar, as crianças
socializam com seus amigos e familiares de maneira prazerosa e espontânea, tornando-se,
portanto, um eficiente meio de iniciar uma conversa.
Conforme os Referenciais Curriculares Nacionais:
“A roda de conversa é o momento privilegiado de diálogo e intercâmbio de ideias. Por meio desse exercício cotidiano as crianças podem ampliar suas capacidades comunicativas, como a fluência para falar, perguntar, expor suas ideias, dúvidas e descobertas, ampliar seu vocabulário e aprender a valorizar o grupo como
3 Gráfico 1 - Formatado por Sâmia Magaly Lima de Medeiros Soares.
instância de troca e aprendizagem. A participação na roda permite que as crianças aprendam a olhar e a ouvir os amigos, trocando experiências”. (RCNEI, 1998, p. 138).
Nessa perspectiva, o RCNEI (1998, p.32) afirma que o âmbito social oferece,
portanto, ocasiões únicas para elaborar estratégias de pensamento e de ação, possibilitando
a ampliação das hipóteses infantis. Nesse sentido, as instituições de educação infantil
devem favorecer um ambiente de socialização onde as crianças se sintam acolhidas, e ao
mesmo tempo seguras para vencer desafios. Quanto mais desafiador for o ambiente
escolar, mais ele possibilitará aos alunos a ampliação de conhecimentos acerca de si
mesmos, dos outros e do meio em que vivem. Cabe ao professor a tarefa de distinguir as
situações de aprendizagens ofertada às crianças, considerando suas capacidades afetivas,
emocionais, sociais e cognitivas assim como os conhecimentos que possuem dos mais
diversos assuntos e suas origens socioculturais variadas.
O desenvolvimento da oralidade é, portanto, muito importante na vida das crianças,
no que diz respeito aos aspectos cognitivo, afetivo e social. Conforme Oliveira (2008):
As diferentes linguagens presentes nas atividades realizadas nas creches e pré-escolas possibilitam às crianças trocar observações, ideias e planos. Como sistemas de representação, essas linguagens estabelecem novos recursos de aprendizagem, pois se integram às funções psicológicas superiores e as transformam. Com isso ocorre uma reorganização radical nos interesses e exigências infantis, modificando a relação existente entre a ação e o pensamento infantil. (OLIVEIRA, 2008, p. 227)
Tendo sempre o “final de semana” como tema principal, os alunos poderiam contar
suas histórias de maneira espontânea, compartilhando assim com os colegas da turma.
Neste sentido, o professor consegue mediar a conversa e conhecer a preferência dos seus
alunos conforme os relatos eram realizados. Nilsson (2004, p.57), fala que temos de pensar
no que poderia interessante para o aluno de forma que os conteúdos do dia sejam um
acordo entre as coisas que julgamos que ele precisa fazer e coisas que ele prefere fazer.
Conforme RCNEI (1998, pag.149) para criar um clima favorável ao diálogo em sala
de aula, é necessário um trabalho intencional e sistemático do professor para organizar as
situações de interação considerando a heterogeneidade dos conhecimentos e experiências
das crianças. Dessa forma, as rodas de conversa também favorecem o trabalho dos
conteúdos de maneira interdisciplinar, pois a medida que o professor conhece o que o aluno
prefere fazer, ele consegue planejar estratégias que favoreçam o aprendizado em diferentes
disciplinas. Para tanto, realizamos três tentativas no que se refere à disposição da turma nas
rodas de conversa até chegarmos a um melhor meio de desenvolver nossas aulas.
Primeiramente dispomos a turma em Círculo (com o professor entre os alunos -
Figura 1. Arranjo1), em seguida, dispomos a turma em círculo (com o professor ao centro –
Figura 1- Arranjo 2) e finalmente dispomos em semicírculo com o professor frente aos
alunos (Figura 2).
Figura 1 – Espaço Físico – Sala de aula4
Ao dispor a turma em “círculo fechado” com o professor entre os alunos, duas
crianças sentiam-se favorecidas por sentar ao lado do mediador, causando um momento de
desconforto em sala de aula (Figura 1 – Arranjo 1). Ao dispor a turma em “círculo”, com o
professor de pé ao centro, observou-se que mesmo tendo a visão completa de todos os
alunos, em alguns momentos, a mediadora dava as costas para alguns no decorrer da
conversa (Figura 1 – Arranjo 2). Estabeleceu-se, portanto, o “semicírculo” com o professor a
frente dos alunos, pois observou-se que o ponto central onde o mediador sentava, permitia
uma visualização igualitária e equidistante, criando assim, um ambiente propício ao diálogo
em sala de aula (Figura 2).
Figura 2 – Espaço-Físico Sala de aula (Semicírculo com interlocutor eqüidistante)5.
4 Figura 1 – Formatada por Sâmia Magaly Lima de Medeiros Soares.
5 Figura 2 – Formatada por Sâmia Magaly Lima de Medeiros Soares.
Os resultados apontaram que ao final da intervenção pedagógica mediada pelo
professor, os alunos com TEA mostraram-se mais participativos nas rodas de conversa,
interagindo espontaneamente e apresentando melhor fluência ao falar, desenvolvendo
assim sua linguagem oral (Gráfico 2).
Gráfico 2 – Avanços da linguagem oral nas rodas de conversa6
Dessa forma, o incentivo ao diálogo e a espontaneidade nas rodas de conversa é
de grande importância no desenvolvimento das crianças com TEA e o professor
apresenta um papel primordial como mediador desse processo, contribuindo assim, com o
desenvolvimento da linguagem oral.
Episódio 2 – Junho de 2015 – 12° mês de observação
A professora (P) organiza a sala de aula em semi-círculo e antes de perguntar aos
como alunos como foi o final de semana, o aluno com TEA (A) fala espontaneamente:
(A): Ganhou um cachorro!
(P): Você ganhou um cachorro?
(A) : Sim.
(P) : Você já colocou o nome no seu cachorrinho ?
(A) : Sim
(P) : E como é o nome dele?
(A) : Totó.
6 Gráfico 2- Formatado por Sâmia Magaly Lima de Medeiros Soares.
(A) : Também encontrou o colega no shopping, ontem.
(P) : Então seu final de semana foi bem divertido ! Ganhou um cachorro e encontrou o
colega da escola no shopping.
Ao final dos 12 meses de intervenção, observa-se que a criança interage
espontaneamente nas rodas de conversa pois não foi necessário a professora dirigir a
pergunta para ele. Espontaneamente, o aluno com TEA iniciou a conversa e conseguiu
interagir com a turma de maneira prazerosa. Observa-se que apesar de dirigir-se a si
mesmo em terceira pessoa e dialogar com palavras monossílabas, apresentou uma
progressão no quesito espontaneidade e era esse o objetivo de propor as rodas de
conversas como rotina na sala de aula. Dessa forma, a roda da conversa deve acontecer
como uma rotina diária, pois se trata de um elemento fundamental da educação infantil que
pode proporcionar o desenvolvimento geral da criança.
IV. O CÍRCULO DE BAKHTIN
Para fundamentar nosso relato de experiência, tomamos como base o “círculo de
Bakhtin”, pois no pensamento desse filósofo a linguagem ocupa lugar central. Utiliza-se a
expressão porque, para além do pensador Mikhail Bakhtin (1895-1975), as formulações e as
obras são produto de reflexão de um grupo que tinha a participação de diversos outros
intelectuais.
Como lembram Brait & Campos:
A questão das assinaturas e da composição do Círculo tem variado do extremo da negação intelectual de V. N. Volochínov (1895-1936), P. Medvedev (1892-1938), I. Kanaev (1893-1983), M. Kagan (1889-1934), L. Pumpianskii (1891-1940), M. Yudina (1899-1970), K. Vaguinov (1899-1934), I. Sollertinski (1902-1944), B. Zubakin (1894-1937) às dúvidas em torno da autenticidade de determinadas ideias e conceitos considerados genuinamente bakhitinianos (BRAIT & CAMPOS, 2009, p.17).
O Círculo de Bakhtin toma a comunicação como realização concreta da interação
verbal porque entende que toda palavra procede de alguém e se dirige para alguém; toda
palavra "serve de expressão a um em relação ao outro" (2009, p.117).
Ao iniciar a roda de conversa sobre o sinal de semana, a professora dirige a palavra
aos alunos e espera o retorno espontâneo com respostas que favorecerão o processo de
interação em sala de aula, caracterizando assim o círculo de Bakhtin que apresenta a
linguagem como forma de expressão.
No processo de interação entre interlocutores é que a linguagem se estabelece, quer
dizer, nossas palavras não são neutras, não são isoladas. É exatamente, nessa interação
que se dá, a partir de então, a constituição do indivíduo, pois, ao se constituir se modifica, se
altera e isso se solidifica nas relações sociais, por meio da linguagem. Bakhtin (1999)
valoriza a fala e a enunciação, afirmando sua natureza social e não individual: a palavra “é o
fenômeno ideológico por excelência. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação
social” (p.36).
A teoria dialógica do discurso tem-se mostrado rica no desenvolvimento de várias
noções que se referem ao estudo da linguagem e essa orientação pode ser observada nas
rodas de conversa sobre o final de semana. A fala do professor em sala de aula é
constituída por palavras que sugerem, transmitem ideologia ou interagem numa relação
dialética de fala e escuta entre interlocutores.
É possível encontrar e aplicar a teoria de Bakhtin em diversas linhas de pesquisas
relacionadas à linguagem, pois ela nos deixou grandes contribuições, ajudando a entender e
interpretar alguns aspectos relacionados à comunicação verbal. A pesquisa buscou analisar
de que maneira as rodas de conversa poderiam favorecer o desenvolvimento da linguagem
oral em crianças com TEA e foi através do diálogo em sala de aula que se verificou
progressão na comunicação e interação entre as crianças.
Para Bakhtin, a linguagem perpassa os sujeitos e configura-se nas relações sociais,
ou seja, não é algo abstrato. A palavra origina-se da relação social e está diretamente
vinculada a todos os atos de compreensão e de interpretação. Se para Bakhtin (1986), a
consciência individual adquire forma e existência nos signos criados por um grupo
organizado no curso de suas relações sociais. A prática pedagógica é, nesse ponto de vista,
dialógica, pois resulta das relações entre professores e alunos, e deve-se com isso, pensar
na melhor estratégia metodológica com o objetivo de promover a socialização e desenvolver
a linguagem em sala de aula.
Sobre esse aspecto, nos diz Bakhtin (1952/53):
A língua é deduzida da necessidade do homem de auto expressar-se, de objetivar-se. A essência da linguagem nessa ou naquela forma, por esse ou aquele caminho se reduz à criação espiritual do indivíduo. [...] a linguagem é considerada do ponto de vista do falante, como que de um falante sem a relação necessária com outros participantes da comunicação discursiva. (BAKHTIN. 1952-53: p. 270).
Portanto, ao fundamentar nossa pesquisa no “Círculo de Bakhtin” compreendemos
que a comunicação dos alunos com TEA tornou-se algo espontâneo e favoreceu a
linguagem oral, dessa maneira as crianças puderam expressar-se oralmente, amplia seus
horizontes de comunicação, exercitando o pensar, socializando‐se, expondo suas ideias
comunicando-se com maior facilidade.
V. CONCLUSÃO
As rodas de conversa apresentam-se como estratégia favorecedora para o
desenvolvimento da linguagem oral, pois ao trocar experiências sobre o final de semana
com os colegas de sala, as crianças com Transtorno do espectro autista ampliam suas
possibilidades de inserção e de participação nas diversas práticas sociais. A introdução
dessa estratégia como rotina na sala de aula da educação infantil oportunizou as crianças
autistas a possibilidade de agir e interagir de forma espontânea com os colegas de turma,
através de assuntos do interesse de todos.
A partir dos conceitos de Bakhtin compreende-se que a linguagem é o produto e
processo da interação verbal, nesse sentido, buscou-se estimular a criança a interagir
espontaneamente nas rodas de conversa estabelecendo uma rotina com a turma de
educação infantil.
Estabelecer o “semicírculo” com o professor à frente dos alunos, foi a metodologia
encontrada para desenvolvimento da estratégia das rodas de conversa, pois observou-se
que o ponto central onde o mediador sentava, permitia uma visualização igualitária e
equidistante, criando assim, um ambiente propício ao diálogo em sala de aula. Os
resultados apontaram que ao final da intervenção pedagógica mediada pelo professor, os
alunos com TEA mostraram-se mais participativos nas rodas de conversa, interagindo
espontaneamente e apresentando melhor fluência ao falar, desenvolvendo assim sua
linguagem oral.
Entende-se que a estratégia das rodas de conversa promove o desenvolvimento da
linguagem oral e cria na escola um ambiente que respeita e acolhe diferença e a
diversidade, contribuindo assim, para a formação do sujeito participativo e crítico na
sociedade.
REFERÊNCIAS
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders (DSM-5). Proposedrevision, 2011. Disponível em:
<http://www.dsm5.org/ProposedRevisions/Pages/proposedrevision.aspx?rid=94#>. Acesso
em :16 nov. 2011
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BAKHTIN, M. Palavra própria e palavra outra na sintaxe da enunciação. A palavra na vida e na poesia: introdução ao problema da poética sociológica. Org. e equipe de trad. V. Miotello. São Carlos: Pedro & João Editores, 2011.
BRAIT, B. Uma perspectiva dialógica de teoria, método e análise. In: Gragoatá. Publicação de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense. Niteroi, n. 20, pp. 47-62. 1º sem, 2006. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, 1998. BRASIL. Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dez. 1996. Organização Mundial da Saúde. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10. Tradução de Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993.
_______ (1991) A Educação na Cidade, São Paulo: Cortez Editora.
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