Faculdade Adventista de Teologia
Unasp-EC
Exegese da Homilía aos Hebreus:
O Cordeiro Sacrificado,
Assentado no Trono
Roberto Pereyra, Ph.D.
Uso exclusivo para o Mestrado em Teologia (Tradução: Débora Gómez)
Engenheiro Coelho, SP
2014
ii
Sumário
Unidade 1: Aspectos de Introdução a Hebreus ........................................................... 1
Introdução .................................................................................................... 1
Propósito da homilia ..................................................................................... 1
Estrutura da homilia ...................................................................................... 3
Natureza da homilia ...................................................................................... 6
Contribuições de Hebreus ............................................................................ 8
Valor do sermão de Hebreus ........................................................................ 10
Unidade 2: Posição Suprema e Autoridade do Filho (Hb 1:1-2:18) ............................ 12
Introdução .................................................................................................... 12
Deus tem falado suas últimas palavras através de seu Filho (Hb 1:1-4):
Aspectos estruturais ............................................................................ 12
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 13
Superioridade do Filho sobre os anjos (Hb 1:5-14): Aspectos
estruturais............................................................................................ 17
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 17
Primeira exortação: O perigo de ignorar a palavra revelada
pelo Filho (Hb 2:1-4): Aspectos estruturais .......................................... 25
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 25
A humilhação e glória do Filho (Hb 2:5-9): Aspectos estruturais ................... 27
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 27
Solidariedade do Filho com a família humana (Hb 2:10-18):
Aspectos estruturais ............................................................................ 29
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 29
Unidade 3: Caráter Sumo Sacerdotal do Filho (Hb 3:1-5:10) ...................................... 34
Introdução .................................................................................................... 34
Um sumo sacerdote digno de nossa fé, porque é o filho de Deus
quem foi fiel (Hb 3:1-6): Aspectos estruturais ...................................... 34
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 35
Segunda exortação: O perigo de rejeitar a palavra viva
de Deus (Hb 3:7-19): Aspectos estruturais ................................................... 38
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 38
O repouso como futura celebração sabática do povo
iii
de Deus (Hb 4:1-14): Aspectos estruturais .......................................... 43
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 43
Um sumo sacerdote digno de nossa fé porque é o Filho de Deus
que é compassivo (Hb 4:15-5:10): Aspectos estruturais ...................... 51
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 52
Unidade 4: Posição Exaltada do Filho como Sumo Sacerdote (Hb 5:11-8:13) .......... 61
Introdução .................................................................................................... 61
Terceira exortação: O perigo da imaturidade espiritual (Hb 5:11-6:20):
Aspectos estruturais ............................................................................ 61
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 61
Jesus, sacerdote para sempre segundo a ordem de
Melquisedeque (Hb 7:1-28): Aspectos estruturais ............................... 72
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 73
Santuário e aliança (Hb 8:1-13): Aspectos estruturais .................................. 85
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 86
Unidade 5: Ministério Sumo Sacerdotal do Filho (Hb 9:1-10:39) ................................ 92
Introdução .................................................................................................... 92
Necessidade de uma nova ação cúltica (Hb 9:1-10): Aspectos
estruturais............................................................................................ 92
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 92
Purificação por meio do sangue de Cristo (Hb 9:11-28):
Aspectos estruturais ............................................................................ 99
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 100
Caráter final do sacrifício pessoal e único de Cristo pelos
pecados (Hb 10:1-18): Aspectos estruturais ........................................ 104
Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 106
Quarta exortação: O perigo da deslealdade a Cristo (Hb 10:19-39):
Aspectos estruturais ............................................................................ 116
Comentário exegético geral .......................................................................... 117
Bibliografia .................................................................................................................... 119
Plano de ensino ............................................................................................................ 123
Esboço padrão sermões .............................................................................................. 126
1
UNIDADE I
ASPECTOS DE INTRODUÇÃO A HEBREUS
Introdução
Embora não exista um consenso crítico quanto a sua origem, autor e público alvo
original, Hebreus é uma epístola-homilia distinta do Novo Testamento. Mas que epístola, é
um sermão, uma “palavra de exortação” (13:22).
Como complemento da leitura do texto de Frederick Fyvie Bruce1 designado para
esta primeira unidade, se faz referência à continuação ao propósito, estrutura e valor de
Hebreus para os leitores cristãos do presente.
Propósito da homilia
A homilia alterna exposições teológicas com aplicações práticas ou exortações. O
modelo é como segue: exposição (1:1-14); exortação (2:1-4); exposição (2:5-3:6a);
exortação (3:6b-4:16); exposição (5:1-10); exortação (5:11-6:20); exposição (7:1-10:18);
exortação (10:19-13:25).
Ao examinarem-se as exortações do autor na homilia, advertem-se os perigos
espirituais contra os quais se admoesta e parece claro o problema (dos leitores) que
pretende resolver.
A primeira exortação especifica o problema que enfrentam pelo uso do verbo
pararrein (“cair”, “deslizar”, “extraviar”) e av,melein (“descuidar”, ”abandonar”). Obviamente, o
problema que se tem de evitar não parece ser uma queda gradual, mas sim uma ação
deliberada que separa finalmente a comunidade da fé.
A segunda exortação (3:6b-4:16) enfatiza e modifica esta idéia. Por um lado, o
escritor repetidamente admoesta contra o perigo do sklhru,nein (“endurecer”, “secar”) o
coração através da avpa,th (“engano”; “fraude”; “armadilha”) do pecado. Tal coração infiel pode
avposth/nai (“separar”; “apartar”; “desunir”; “desertar”; “renunciar”) da comunidade cristã, tal
como ocorreu com a antiga geração do deserto. Por outro lado, apresenta um tipo mais ativo
de perigo com os verbos gregos peiqein (“ desobedecer”; “descrever”) e parepi,krainein (“exasperar”; “amargar”; “rebelar”; “irar”). O perigo que ameaça a comunidade é a perda da
herança prometida por um coração desobediente incrédulo, rebelde.
A terceira exortação (5:11-6:20) mantém esta distinção. Censura os leitores por não
ter escutado e os lembra que as bênçãos de Deus se transformam em maldições se não se
produzirem os frutos esperados. Ao mesmo tempo, se apresenta um quadro de aberta
censura aos valores religiosos da comunidade: os que “enfraquecem”, “esmorecem”,
1Frederick Fyvie Bruce. The Epistle to the Hebrews (Grand Rapids, MI: W. B. Eerdmans,
1990).
2
“renegam” ou “apostatam” (parapi,ptein) e “crucificam” (avnastauro,w) o Filho de Deus e o
expõem ao menosprezo.
A mesma sorte de divisão se encontra na exortação final (10:19–13:25). Por um lado,
espreita o perigo da hesitação, do abandono da congregação, do esquecimento dos
primeiros dias da vida cristã, de perder a confiança, (avpoba,llein), da falta de perseveransa,
de retroceder (u`poste,llein). Por outro lado, existe a possibilidade de que se peque
voluntáriamente, deliberadamente (evkousi,wj) quando blasfemam contra o Filho de Deus,
profanam o sangue da aliança e afrontam o Espírito Santo (10:19-39).
Nos capítulos finais (12, 13) novamente pode-se discernir a diferença entre a
infidelidade “gradual” e “radical”. Assim, se espreita os perigos que os cristãos se “cansem”
(ka,mnein) ou “desfaleçam” (evkluesqai); que apostatem diante do trabalho da vida cristã; que
não manifestem hospitalidade ou que se esqueçam de seus irmãos; que caiam na idolatria,
na imoralidade, na avareza, ou nas armadilhas dos falsos ensinos. Ao mesmo tempo,
introduz o exemplo “profano”, “infiel” e “ímpio” (be,βhloj) de Esaú (ao ponto de não encontrar
nenhum caminho para rtecuperar sua herança ou patrimônio). Da mesma forma, o perigo de
repelir ou repudiar (paraite,isqai) a Deus sempre é um possibilidade terrível para os cristãos.
Da evidência fornecida por estas passagens de exortação, pode-se notar o perfil
espiritual dos que receberam a carta. Não enfrentam o problema de falsos mestres que
estão se introduzindo para desviá-los da fé, como na Galácia; nem é um ardente entusiasmo
devido as manifestações do Espírito Santo, como em Corinto. Não é uma questão de falta de
fé dos judeus para receber o evangelho, como em Romanos.
O problema é a fadiga e aborrecimento cristão. Os leitores parecem (1) vacilar na
esperança do retorno do Senhor; (2) sentir preguiça em relação a sua identidade cristã; (3)
questionar o valor e a importância de sua experiência cristã; (4) especular sobre o futuro.
O apóstolo Paulo implica em sua mensagem que tal vacilação espiritual é perigosa, o
que poderia resultar em lametáveis resultados: ser negligente com seus privilégios se
tomarem levianamente o que é de supremo valor; ser desafiante se rejeitaram a fé cristã,
integrando-se à maioria que não confessa Jesus como Salvador e Senhor.
As observações realizadas a partir da evidência literária fornecidas pelas passagens
de exortação, parecem se confirmar quando se examina as “soluções” que o autor sugere
nas mesmas passagens.
A grande necessidade é “dispor atenção”, “dar atenção”, “estar alerta” (prose,cein
[2:1]); é “afirmar”, “reter”, “conservar” (kate,cein [3:6, 14; 10:23]); é “segurar”, “agarrar
fortemente”; “capturar”, “guardar”, “conservar em poder” (krate,in [4:14; 6:18]); é mostrar
“apressuramento”, “prontidão”, “zelo”, “diligência”; “trabalho”, “desejo” (spoudh , [6:11; 4:11]); é
“considerar”, “observar”, “refletir”, “saber” (katanoe,in [3:1]); é “exortar” (parakale,in [3:13;
3
10:25; 11:19, 22); é “recordar”, “refrescar a memória”, “pensar em” (avnamimnh,|skein [10:32]); é
correr com “paciência”, com “persistência”, com “resistência” (upomonh, [10:36; 12:1]).
A expressão que sobressai, contudo, é “fé”, “fidelidade” (pi,stij). “Fidelidade” foi o que
caracterizou a vida de Jesus, como a de Moisés (3:2). A falta de fé foi o defeito que não
permitiu que a geração do deserto entrasse no repouso de Deus (3:19; 4:2). O capítulo 11 é
construido a partir deste idéia: “pela fé os heróis da antiguidade superaram todo obstáculo e
venceram toda a tentação”.
Assim os leitores da epístola poderiam alcançara a meta. Ao invés de serem
“negligentes”, “indolentes”, “lentos” (nwqroi, [6:12]), devem buscar ser “imitadores daqueles
que pela fé e paciência, herdam as promesas” (6:12).
O propósito de Hebreus, nesse caso, é despertar os cristãos cansados e vacilantes
para os gloriosos privilégios que pertencem à comunidade dos fiés para que possam
perseverar na fidelidade com o propósito de alcançar a herança prometida. O escritor
estrutura seu livro de tal maneira que possa alcançar o alvo proposto.
Estrutura da homilia
Como foi mencionado anteriromente, a estrutura de Hebreus em seu nível rudimentar
consiste de um movimento alternativo entre exposições telógicas e aplicações práticas.
Nesta seção se dá atenção a cada um destes elementos.
Exposições teológicas
Não é totalmente justo sugerir que Hebreus combina teologia com exortação. Por um
lado, se observa material exortatório nas seções teológicas do texto, e por outro lado,
material teológico nas seções de exortação. Contudo, quatro enfases características podem
ser notados no material teológico:
1. Cristologia Sumo Sacerdotal. Hebreus é o único entre os escritos do Novo
Testamento a por esta enfâse particular. Encontram-se evidências desta realidade em
passagens tais como Romanos 8:34; 1 João 2:2; Apocalipse 1,4 e 5. Em Hebreus, porém, a
idéia de Jesus como Sumo Sacerdote é central.
Embora a expressão “Sumo Sacerdote” apareça pela primeira vez em 2:17, o
argumento vai se construindo progressivmente. Devido Cristo ser totalmente Deus
(argumentado em 1:5-14) e totalmente homem (argumentado 2:5-17), pode chegar a ser
sumo sacerdote. Passagens posteriores desenvolvem as duas características especificadas
em 2:17: Sua fidelidade (em 3:1-6a) e misericórdia (em 5:1- 10). Hebreus 7 mostra como
qualifica Jesus para ser um sumo sacerdote, um sumo sacerdote superior araônico. Dessa
forma se chega até a cima sumo sacerdotal de 8:1,2: “Ora, o essencial das coisas que temos
dito é que possuimos tal sumo sacerdote, que se assentou a destra do trono de Majestade
nos céus, como ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, e não
o homem.”
4
2. Terminologia cúltica. Em Hebreus, particularmente na passagens que se
descrevem como “exposição”, se encontram repetidas referências a “tabernáculo”,
“sacrifícios”, “sacerdotes”, “sangue” e “purificação”. Na realidade, a mesma argumentação
teológica repousa sobre um contexto cúltico que não se pode entender independentemente
deste.
Como poderá ser observado mais adiante, o “problema” e a “solução” da seção são
notavelmente diferentes das apresentações que se encontram sob as seções de exortação.
Se enfatisa como problema a resolver o fenômeno da “contaminação” mais que o da
“infidelidade” dos crentes. A obra de Cristo provee a purificação necessária mais que,
simplesmente, mostrar um modelo para o esforço perseverante na experiência cristã.
3. Uma apresentação sistemática do argumento teológico. Parece evidente que o
escritor pensou o que havia de escrever antes de fazê-lo. Se introduz cada idéia em seu
lugar exato e logo a desenvolve com precisão. Cada conceito participa do argumento da
carta para produzir uma composição clara, lógica e convincente.
Além de seu poder espiritual, o livro é uma peça chave de ordem e sistematização
dos conceitos. Por exemplo, se notam as seguintes idéias: Purificação: introduzida em 1:3 e
desenvolvida em 9:1–10:18; Sumo sacerdote: introduzida em 2:17,18; expandida em 4:4-16
e 5:1-10 e totalmente explicada em 7:1-10:18; Anjos: introduzida em 1:4; desenvolvida 1:5-
14; e terminada em 2:16; Aliança: introduzida em 7:22; desenvolvida em 8:6-13; 9:18 e
10:16-18; Fé: introduzida em 2:17; expandida em 3:1-6 e totalmente desenvolvida em 11:1-
39.
4. Clímax do argumento. A idéia teológica de Hebreus alcança seu desenvolvimento
em 7:1-10:18, sendo 9:1-10:18 seu clímax.
Hebreus 7 apresenta o sumo sacerdócio de Cristo segundo a ordem de
Melquisedeque – uma ordem superior à levítica. E não é só uma ordem superior, mas Cristo
mesmo supera a ordem levítica em virtude de seu caráter moral, sua eternidade, o juramento
de sua missão, e seu ministério sacerdotal, de modo que o tema deste capítulo é “um
sacerdote melhor, superior”.
Em Hebreus 8 o escritor declara que chegou ao “ponto principal” de seu argumento:
Cristo é o sumo sacerdote sobre um melhor santuário, o celestial. Ao mesmo tempo é o
mediador da melhor aliança – a aliança já descrita por Jeremias. Este capítulo desenvolve o
conceito de “um melhor satuário e melhor aliança”.
Hebreus 7-8 prepara a base para apresentação da obra de Cristo. Já 7:27 propõe
que Cristo se ofereceu a si mesmo de uma para sempre, o que explica em Hebreus 9-10.
O conceito “havendo feito a purificação dos pecados” (1:3b) é um anúncio explícito do
argumento que será apresentado nos capítulo 9 e 10. Em uma maneira similar, a
apresentação em 2:5-18 (o sacerdote de Jesus enraizado em sua humanidade), 4:14-5:10 (o
sacerdócio de Jesus em virtude de seu sofrimento e chamado divino), e em 6:19-20 (o
5
sacerdócio de Jesus como precursor) aponta para a mais extensa exposição em 7:1-10:18.
Com 10:18 se alcança o clímax. O restante do livro se entende a luz da conjunção grega ou=n
(“assim pois”, “assim como se havia dito”, “conseqüentemente”, “portanto”) de 10:19. Segue
a exortação para imitar a fidelidade dos heróis da antiguidade (11) e a aproximar-se da
presença divina através do sangue de Cristo (12:18-29).
Depois de 10:18, surpreende a enfâse que se coloca sobre a idéia do “sangue” de
Cristo. De fato, o termo “sangue” não se usa em seu sentido cúltico antes do capítulo 9.
Depois de 10:18, porém, o conceito é usado sete vezes: duas com referência aos rituais do
santuário (11:28; 13:11) e cinco com alusão ao “sangue” de Cristo (10:19,29; 12:24; 13:12,
20).
Exortações (aplicações práticas)
Embora já se tenha feito referência às passagens de exortação, deve-se acrescentar
dois comentarios adicionais.
Primeiro, as exortações não revelam um argumento encadeiado teologicamente, nem
tão pouco perseguem uma mesma meta ou propósito. Contudo se percebe certa direção na
apresentação das mesmas. Em geral, avançam do tema da indiferença acerca dos
privilégios cristãos as exortações contra o aberta rejeição de Cristo. Eventualmente,
focalizam sobre a fé como a característica destacável mais necessitadas pelos leitores da
carta.
Segundo, as exortações procedem das discussôes teológica e as aludem. Por
exemplo: A primeira exortação (2:1-4) é construída sobre o conceito da superioridade de
Cristo sobre os anjos (1:5-14) para argumentar que existe maior pecado ao rejeitar as boas
novas que chegam através de Jesus que rejeitar a Torah dada por intermédio do anjo no
Sinai. Se interrompe a exposição sobre Cristo como sacerdote segundo a ordem de
Melquisedeque em 5:10, quando o autor desaprova os leitores pela falta de crescimento em
sua vida critã, e pela manifeta incapacidade de entender o ponto teológico que esta
apresentado (5:11-6:20).
Embora se observe no livro uma relação alternada entre exposições teológicas e
aplicações práticas, o conceito de “peregrinação” produz a unidade teológica da epístola.
Se apresenta aos cristãos de Hebreus como uma “comunidade religiosa em
movimento”. Tanto a figura da comunidade cúltica ou religiosa como a da em movimento ou
peregrina resulta vital para a visão holística do documento.
Como comunidade cúltica ou religiosa, se enfatiza de forma destacada o conceito de
“separação”. Caracterizam-se os cristãos com termos cúlticos, tais como “santos” (3:1;
13:24); “santificados” (2:11; 9:13; 10:10, 14,29, 13:12); “aperfeiçoados” (5:14; 7:19; 9:9; 10:1,
14; 11:40; 12:23;7:11; 12:02); e “purificados” (1:3; 9:14,22,23; 10:2). Estes já são povo de
Deus. Por certo, além de tal visão resulta imcompreensivel as admoestações de 6:4-6;
10:26-31 e 12:15-17. Devido ao que constitui a comunidade religiosa, já são “limpos”, elhes
6
têm acesso a Deus, têm suas conciencias limpas e a Jesus como Sumo sacerdote. O
contexto temporal é pretérito/futuro. A obra de Jesus sobre a cruz (evento passado) facilitou
uma total comunhão com Deus (realidade presente).
Como comunidade peregrina, os cristãos de Hebreus se dirigem em direção a uma
meta definida. Embora já separada e consagrada, buscam a mesma presença de Deus. Por
um lado, o conceito de contaminação/purificação implica a separação passada do mundo e
enfatiza seu status presente perante Deus como comunidade cristã. Por outro, a seqüência
infidelidade/fidelidade mostra o futuro, com particular advertência dos perigos no presente
que podem provocar a perda final do alvo.
Da mesma forma se pode ver claramente como Cristo é tanto avrciereu,j (“sumo
Sacerdote”, “pontífice máximo”) e avrchgo,j (“pioneiro”, “condutor”, “guia”), e porque razão o
argumento cúltico destaca o “já e agora”, enquanto as exortações chamam a atenção ao
“ainda não” da experiência cristã.
Assim, o reconhecimento da noção de peregrinação sugere uma interpretação
holística da epístola de Hebreus: uma exegese que harmoniza a metáfora de culto e
peregrinação.
Natureza da homilia
Faz-se necessário realizar alguns comentários relativos à natureza do livro. A maioria
das cartas de Paulo segue um modelo estrutural similar. Começa com uma introdução,
segue o corpo da carta e o fechamento ou conclusão da mesma.
Introdução
Geralmente, expande o modelo helênico: “Saudações de A a B” (Rm 1:1-7; Gl 1:1-5;
1Ts 1:1; Tt 1:1-4). Freqüentemente aparece o propósito específico da carta. Paulo dá
informações adicionais dos que enviam a carta (Rm 1:1-16; Gl 1:1-2; 1Tm 1:1; 2Tm 1:1; Tt
1:1-3) ou destinatários da mesma (1Co 1:2; 2Co 1:1; Fm 2). Descreve os remetentes e os
destinatários em termos de sua relação com Deus em Cristo. Paulo identifica-se a si mesmo
com títulos tais como “apóstolo” e “servo”, enquanto os destinatários chama de “santos”,
“amados” ou “a igreja de Deus que está em…”. A saudação helênica habitual cai,rein
(saudação) é substituída por ca,rij kai. eivrh,nh (“graça e paz”), o que é tanto uma afirmação
relativa à graça e paz de Deus que os que recebem a carta já participam, e uma oração para
que apreciem e experimentem esta bênção mais real e completamente.
Paulo segue na saudação uma oração. As cartas mais familiares do período helênico
começam com uma forma de gratidão aos deuses pelos benefícios pessoais recebidos.
Paulo adapta este modelo epístolar, usando freqüentemente a forma euvcariste,w (“dou
graças”) no começo de suas cartas para expressar gratidão a Deus, o Pai de Jesus Cristo,
pelo que tem realizado na vida de seus leitores gentios (Rm 1:8; 1Co 1:4; Fp 1:3; Cl 1:3; 1Ts
1:2; 2Ts 1:3; 1Tm 1:12; 2Tm 1:3; Fm 4).
7
Se observam dois tipos de estruturas nas expressões de gratidão de Paulo: A que
começa com o verbo euvcariste,w e termina com a conjunção preposicional i[na (“para que”, “a
fim de que”) ou seu equivalente, indicando o conteúdo da intercessão do apóstolo pelos
leitores (Fp 1:3-11; Cl 1:3-14; 1Ts 1:2-3:13; 2Ts 1:2-12; 2:13-14; Fm 4-7; cf. Ef 1:15-19). A
segunda é mais simples em forma. A que começa com euvcariste,w e termina com a
conjunção o[ti (“que”, porque”), enfatizando a razão pela expressão de gratidão (1Co 1:4-9;
cf. Rm 1:8-10).
Enquanto a estrutura da gratidão paulina é de influência helênica, o conteúdo, além
de seus elementos especificamente cristãos, mostram a influência do pensamento do Antigo
Testamento e do judaísmo.
As formas de gratidão nas introduções epístolares de Paulo, têm funções didáticas
como as seguintes: (1) introduzir e apresentar o tema principal das cartas; (2) incluir
assuntos teológicos de importância para o apóstolo (Cl 1:9-14); (3) dar evididêcia do
profundo interesse pastoral do apóstolo por seus leitores; (4) informar os motivos de gratidão
e pedidos apostólicos aos leitores das cartas.
Paulo introduz duas de suas cartas usando uma típica forma de oração do Antigo
Testamento, denotando louvores, ao usar a forma famíliar de bênção judaica Euvloghto.j o qeo.j (“bendito seja Deus” [2Co 1:3, Ef 1:3; cf. 1Pe 1:3-5]. Compare as conclusões
doxológicas em Salmos 41:13; 72:19-20, etc). Enquanto sua gratidão está focalizada na obra
de Deus na vida dos outros, louva a Deus pelas bênçãos nas que Paulo mesmo participa.
O corpo da carta
O corpo das cartas paulinas mostram considerável variedade, refletindo precisamente
as diferentes situações epístolares.
Aparentemente, Paulo se inclinava mais a seguir seu próprio esquema que estruturas
epístolares conhecidas ou preestabelecidas. Tem havido alguma dificuldade em determinar
onde começa ou termina o corpo da carta paulina (por exemplo, em 1 e 2Ts). Contudo,
certas formas características de transição parecem introduzir o corpo da mesma. Estas
incluem expressões tais como: “Os exorto” (1Co 1:10; 1Ts 4:1; 1Tm 1:3; 2:1; Fm 9); “Rogo-
vos”(2Ts 2:1); “Não queremos que ignoreis” (2Co 1:8); “Quero certificar-vos” (Fp 1:12); “por
esta causa”, “pelo qual” (Ef 1:15; Cl 1:9; 2Tm 1:6; Tt 1:5).
Por outro lado, formas similares introduzem novos temas dentro da carta ou marcam
a transição de um pensamento para outro (Rm 11:36-12:1; 1Co 7:1; 8:1; 10:1; 12:1; 15:1;
16:1; Ef 3:21-4:1; 1Ts 3:11-4:1). O fechamento do corpo pode ser percebido ocasionalmente
por conclusões escatológicas (Rm 11:25-36; 1Ts 3:11-13).
Fechamento da carta
Paulo usa as palavras típicas de despedida das cartas helênicas para unir as
congregações com seu próprio ministério itinerante (Rm 16:3-16, 21-23; 2Co 13:12-13; Cl
8
4:10-17). Contudo, não inclue os habituais desejos de saúde ou palavras gregas de
despedida. Em seu lugar, expressa um bênção (1Co 16:23; Gl 6:16, 18; Ef 6:23-24; 2Ts
3:16, 18) ou doxologia (Rm 16:25-27; Fp 4:20; cf. Hb 13:20-21).
A bênção final, que leva a carta a sua conclusão definitiva, freqüentemente expressa
um desejo praticular de Paulo (por exemplo, “que a graça do Senhor Jesus seja convosco”
1Co 16:23) e declara uma nota de confiança. Outra forma convencional que Paulo usa para
concluir suas cartas são referências autográficas (o que era um meio característico comum
de autenticação em cartas e documentos da antiguidade [1Co 16:21; Gl 6:11; Cl 4:18; 2Ts
3:17]), uso de secretário (Rm 16:22) e o ósculo santo (Rm 16:16).
A organização da estrutura de Hebreus, entretando, é diferente. Não se encontra
identificação do autor, não se menciona os destinatários, não tem saudação. O texto começa
diretamente com uma frase teológica: “Havendo Deus, outrora falado, muitas vezes e de
muitas maneiras(…)” (1:1). Enqunto não se observa o desenvolvimento de soluções e
problemas evidentes como se havia de supor em uma carta, o escritor segue
antecipadamente um argumento bem sistematizado.
O próprio autor da obra a concidera uma “palavra de exortação” (13:22). Embora
contenha teologia, Hebreus não é uma obra de teologia sistemática por si própria. Poderia
admitir-se que teologia e exortação se mesclam e harmonizam-se. O escritor antecipa
conceitos teológicos a serviço das exortações, enquanto estas se originam da teologia.
Hebreus, então, parece ser melhor descrito como um sermão. Ao contrário de uma
carta, que pode originar-se em uma profunda emoção e ser escrita em paz, o sermão é
planejado cuidadosamente. Não se escreve desconhecendo a realidade da vida. Tem em
mente os ouvintes e suas necessidades. Assim no sermão aos Hebreus, o raciocínio
teológico, por toda sua complexidade, serve para um propósito prático e específico na vida
de seus destinatários originais.
O tema do sermão é a grandeza do cristianismo, cujo Senhor é Jesus, o Cristo, nosso
Cordeiro e Sumo Sacerdote sentado no trono, que está preparando um lugar de repouso
eterno para os que vivem pela fé. É “ tão grande salvação” (2:3), absoluta confiança na
presença de Deus devido o acesso e purificação previstas por Jesus. Finalmente, eternidade
com ele.
Hebreus é abundante em superlativos. Sua palavra chave é “superior”. Lê-se de um
nome superior (1:4); uma esperança superior (7:19); uma aliança superior (7:22); de
promessas superiores (8:6); sacrifícios superiores (9:23); pátria superior (11:16); de
ressurreição superior (11:35); e de um sangue superior (12:24).
Contribuições de Hebreus
Muito da peculiar contribuição canônica de Hebreus se percebe em certas ênfases
distintivas do livro que motiva a atenção especial da erudição neotestamentária. Por
9
exemplo, a cristologia de Hebreus2. Por um lado, existe um vínculo evidente com João e
Paulo (especialmente no uso do conceito “Filho” e na distinta cristologia de Hebreus 1:1-3).
Por outro lado, a exposição a respeito da obra sacerdotal de Cristo, tanto em Seu ministério
terreno como celestial, é muito mais completa na epístola que em qualquer outra parte do
Novo Testamento. Além disso, Hebreus exibe interesse em um Jesus histórico.3
Tem-se dado uma considerável atenção ao que a epístola diz a respeito de
Melquisedeque em comparação com outras tradições judaicas a respeito do mesmo.4
Um fato que tem motivado muito interesse nos estudiosos é a dependência que
Hebreus revela ter do Antigo Testamento. Encontra-se cerca de 30 citações e mais 70
referências ao Antigo Testamento em Hebreus.5 No Novo Testamento, apenas Mateus se
compara a Hebreus em seu uso de textos veterotestamentários.
Vários temas têm cativado a permanente atenção, talvez por serem mais
desenvolvidos na carta que em qualquer outro livro do Novo Testamento, ou pelo tratamento
distinto do assunto na epístola. Por exemplo, especialmente, destaca-se o tema da
“perfeição”;6 do” repouso”; (Hb 4)7 e da fé (Hb 11).8
Hebreus enriquece grandemente a cristologia do Novo Testamento, particularmente
no que diz respeito ao propósito da encarnação de Cristo, a natureza de Sua origem, a
finalidade e importância de Seu auto-sacrifício expiatória pleno na cruz, Sua obra sacerdotal,
e Seu papel como avrchgo,j (“pioneiro”, “condutor”, “guia”).
2Ver Harold W. Attridge (The Epistle to the Hebrews, Hermeneia [Philadelphia: Fortress, 1989],
25, n. 197) e particularmente William R. G. Loader (Sohn und Hoberpriester: Eine traditionsgeschichtliche Untersuchung zur Christologie des Hebräerbriefes, WMANT 53 [Neukirchen-Vluyn: Neukirchener, 1981]).
3Ver especialmente a informação de Bertran L. Melbourne (“An Examination of the Historical-
Jesus Motif in the Epistle to the Hebrews,” Andrews University Seminary Studies 26 [1988]: 281-97).
4Ver, por exemplo, Fred L. Horton (The Melchizedek Tradicion: A Cristical Examination of the
Sources to the Fifth Century AD and in the Epistle to the Hebrews, SNTSMS 30 [Cambridge: Cambridge University Press, 1976]), y Paul J. Kobelski (Melchizedk and Melchireša´, CBQMS 10 [Washington, DC: Catholic Biblical Association, 1981]).
5Ver particularmente a Simon J. Kistemaker (The Psalm Citations in the Epistle to the Hebrews
[Amsterdan: Soest, 1961]), y a Friedrich Schröger (Der Verfasser des Hebräerbriefes als Schriftausleger, BU 4 [Regensburg: Pustet, 1968]).
6Ver David Peterson (Hebrews and Perfection: An Examination of the Concept of Perfection in
the "Epistle to the Hebrews," SNTSMS [Cambridge: Cambridge University Press, 1982]).
7Ver Otfried Hofius (Katapausis: Die Vorstellegung vom endzeitlichen Ruheort im Hebräerbrief,
WUNT 11 [Tbingen: Mohr, 1970)]; A. T. Lincoln ("Sabbath, Rest and Eschatology in the New Testament," in From Sabbath to Lord's Day: A Biblical, Historical, and Theological Investigation. Ed. D. A. Carson [Grand Rapids: Zondervan, 1982], 197-220).
8Ver Erich Grässer (Der Glaube im Hebräerbrief [Marburg: Elwert, 1965]).
10
Da mesma forma, pelo seu uso abundante de textos do Antigo Testamento, Hebreus
ajuda na exploração dos supostos hermenêuticos da igreja cristã primitiva e a ler
corretamente o Antigo Testamento.
O autor interpreta o Antigo Testamento com uma hermenêutica cristocêntrica. Ele diz
que Cristo é a chave do real significado do Antigo Testamento. Desse ponto de vista, todo o
Antigo Testamento aponta, direta ou indiretamente, para Cristo, que é por definição o alvo
dos propósitos de salvação de Deus.
Hebreus exemplifica (1) a natureza hermenêutica tipológica; (2) o entendimento da
profecia que é muito mais que uma mera predição verbal; e (3) a ação recíproca entre a
exegese específica dos textos e o chamado à história da salvação. Assim, então, a epístola
fornece muito dos elementos de trabalho necessários para o desenvolvimento de uma
teologia bíblica.
Hebreus se une a outros livros do Novo Testamento (Atos e Gálatas, por exemplo)
para fornecer um ponto de vista independente para entender a transferência dos privilégios
do povo de Israel (como centro do povo do concerto de Deus) a igreja (como comunidade
messiânica, convocada por Deus através da morte, ressurreição e mediação de Cristo
Jesus). Finalmente, Hebreus se vincula com outros livros do Novo Testamento (1Jo, para
citar algum) que se interessam pelo problema da perseverança dos cristãos e a natureza
perigosa da apostasia.
Pelo visto, Hebreus é relevante, altamente relevante, a todos os cristãos. Porém, para
os adventistas tem um significado especial.
Valor do sermão de Hebreus
Hebreus é de particular relevância aos adventistas porque:
1. Trata diretamente o problema da demora do retorno de Jesus. Exorta a não ser
“dos que retrocedem para a perdição; somos da fé, para a conservação da alma” (10:39).
Promete que "ainda dentro de um pouco mais de tempo, aquele que vem virá e não tardará”
(10:37). Baseia a esperança da segunda vinda de Cristo no fato de seu primeiro advento:
“assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de
muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que aguardam para a salvação” (9:28).
Estende uma ponte através dos anos, mostrando que Cristo ainda está atuando em favor do
pecador arrependido. Cristo ministra no santuário celestial os benefícios de seu auto-
sacrifício expiatório pleno e prontamente completará sua obra de mediação intercessora.
2. Fornece o fundamento bíblico para a doutrina do santuário celestial. A doutrina do
santuário é fundamentada em muitas fontes bíblicas. Contudo, quatro livros em particular
são básicos: Levítico-Hebreus e Daniel-Apocalipse. Considera-se que Hebreus é de vital
importância por suas afirmações específicas quanto o santuário celestial e o ministério sumo
sacerdotal de Cristo. Por outro lado, Hebreus é claro, pelos tipos do Antigo Testamento e os
símbolos do Novo Testamento (Apocalipse), que designa se a Cristo como sumo sacerdote.
11
3. Embora o livro de Hebreus não forneça uma exposição detalhada das cerimônias
israelitas (por seu interesse pastoral que o leva a outra direção), proporciona chaves
importantes para entender o significado do santuário. Por exemplo, Hebreus (1) indica que
existe uma relação de correspondência vertical entre o santuário terreno e o celestial.
Interpreta-se o terreno como a imagem do celestial e o designa “cópia” ou “sombra” da
realidade celestial; (2) descreve o santuário terreno com o termo grego παραβoλή
(“parábola”, figura” [9:9]). Como figura ou parábola, o santuário terreno serve para ilustrar
aspectos importantes do plano da salvação (4:1-2); (3) refere-se ao santuário terreno e suas
cerimônias com as expressões gregas τύπoς (“exemplo”, “cópia”, “figura”, “modelo”, “tipo”
[8:1-5]) e σκιά (“sombra” [10:1]). Uma “sombra”-“tipo” é uma espécie de anúncio profético
“das coisas por vir” (10:1). De modo que, segundo a interpretação tipológica de Hebreus, os
rituais do santuário terreno anunciam a morte e sacrifício expiatório de Cristo e seu ministério
sacerdotal no santuário celestial (8:1, 2; 9:11-14); (4) faz certas aplicações dos tipos do
santuário terreno para demonstrar a ineficácia do sangue dos animais e a incapacidade da
mediação humana para resolver o problema do pecado. Ao mesmo tempo, Hebreus procura
desviar a atenção de seus leitores do templo e de seus rituais como fins em si mesmo para
focalizar a atenção confiadamente na grande “Realidade” de todas as “sombras” – do tipo ao
antitipo – Jesus Cristo mesmo: em sua morte expiatória e ministério sacerdotal na mesma
presença de Deus (a favor dos mesmo leitores).
4. Exalta o calvário como a “consumação dos séculos” (9:26), o ponto decisivo na
história da salvação que apresenta a garantia necessária para a obra futura de purificação
por parte de Deus. Esta enfase é característica da proclamação adventista (que prega o
evangelho num contexto de “a hora” do juizo divino “é chegada” [Ap 1:7]).
5. Em Hebreus o evangelho vem como promessa. O povo de Deus, estrangeiro e
peregrino, caminha em direção da cidade celestial. De fato, suas bênçãos já são grandes e
numerosas, porém ainda não tem chegado ao objetivo. Por essa razão, em Hebreus como
em outros livros da Bíblia, palavras de ressonante segurança enfrentam admoestações de
rejeição. A proposta “uma vez salvos, para sempre salvos” não encontra base em suas
exortações.
O autor de Hebreus ainda fala, e se dirige especialmente aos adventistas. Como os
cristãos do primeiro século, assim a palavra deveria soar em seus ouvidos: “se ouvirdes a
sua voz, não endureçais o vosso coração” (3:7).
A mesma mensagem que o inspirado autor de Hebreus confiou a seus leitores do
primeiro século necessita-se novamente nos últimos dias da história da humanidade. Sua
mensagem ultrapassa sua própria situação histórica. Os cristãos do tempo do fim
perseguidos pela abundancia de um lado ou distraídos por inúmeros cuidados por outro,
estão em perigo de perder a fé enquanto esperam o retorno de seu Senhor. É necessário
“considerar” novamente “o Apóstolo e Sumo Sacerdote de nossa confissão, Cristo Jesus
(3:1) sentado “à destra do trono da Majestade nos céus, como ministro do Santuário e do
verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, e não o homem” (8:1-2).
12
UNIDADE II
POSIÇÃO SUPREMA E AUTORIDADE DO FILHO
(Hb 1:1-2:18)
Introdução
O assunto da primeira seção de Hebreus pode ser identificado como a revelação de
Deus através de seu Filho.
Paulo primeiro demonstra a relação do Filho com Deus, quem fala. A caracterização
de Deus como quem vem intervindo na história humana com suas palavras é o prelúdio a
introdução da caracterização do Filho através de quem Deus tem falado sua palavra final
(1:1-4). Isto expõe o perigo de ignorar a palavra de redenção dada pelo Filho (2:1-4).
Os textos veterotestamentários confirmam a transcendente dignidade do Filho (1:5-
14).
Paulo, então, exibe a solidariedade do Filho com estes a quem Deus fala (2:5-18).
Considera a humilhação e a glorificação do Filho (2:5-9) e afirma os elementos de sua
identificação com a humanidade oprimida pelo temor da morte (2:10-18).
A primeira divisão, então, serve como uma declaração inicial para o corpo do sermão
que segue o qual alcança seu clímax na exortação: “Tendes cuidado, não rejeiteis ao que
fala” (12:25).
Atentai ao fato da revelação de Deus através do Filho.
Deus tem falado suas últimas palavras através do Filho (Hb 1:1-4):
Aspectos estruturais
Hebreus 1:1-4 exibe o estilo de um erudito que se expressa em forma polida, com as
características de um orador que coloca tudo ao serviço da pregação. Parece seguir os
cânones da prosa retórica recomendada por Hipócrates.
Este inclui um sentido desenvolvido do ritmo, a variação de metro, e o cultivo dos
elementos de um etilo literário que chama a atenção do ouvido ao ler em voz alta. Aliteração
(cinco palavras que começam com a letra p [p], em 1:1: Polumerw/j, polutro,pwj, pa,lai,
patra,sin, profh,taij); variação da ordem de palavras (inserção do material entre o adjetivo e
substantivo, em 1:4: krei,ttwn geno,menoj tw/n avgge,lwn o[sw| diaforw,teron parV auvtou.j
keklhrono,mhken o;noma); paralelismo de som (1:3: th/j u`posta,sewj auvtou . . . th/j duna,mewj auvtou/); paralelismo de sentido (1:1: pa,lai o qeo.j lalh,saj toi/j patra,sin evn toi/j profh,taij ao qual corresponde evpV evsca,tou tw/n h`merw/n tou,twn evla,lhsen hmi/n evn ui`w /).
A estrutura literária da introdução mostra uma simetria concêntrica (ABC C‟B‟A‟); em
que a correspondência conceitual de 1:1 e 4 serve a estrutura de várias declarações
relativas ao Filho em 1:2 e 3. Veja o diagrama que segue:
13
A (1-2a) o qeo.j lalh,saj . . . evn toi/j profh,taij . . . evla,lhsen hmi/n evn uiw/ (“Deus,
havendo falado . . . através dos profetas . . . falou-nos pelo Filho”)
B (2b) o]n e;qhken klhrono,mon pa,ntwn (“A quem constituiu herdeiro de
tudo”)
C (2c) diV ou- kai. evpoi,hsen tou.j aivw/naj\ (“por quem também fez o
mundo”)
C‟ (3a-b) o]j w'n avpau,gasma . . . kai. carakth.r . . . fe,rwn te ta. pa,nta (“Quem, sendo o resplendor . . . e a exata representação . . .
sustenta todo”)
B‟ (3c) kaqarismo.n . . . poihsa,menoj evka,qisen evn dexia (“havendo feito a
purificação pelos pecados, se sentou a destra da Majestade nas
alturas”)
A‟ (4) tosou,tw| krei,ttwn geno,menoj tw/n avgge,lwn o[sw| diaforw,teron parV auvtou.j keklhrono,mhken o;noma (“chegando a ser superior aos anjos como
o nome que tem obtido o mais excelente que o deles”)
As declarações estruturais (AA‟) enunciam enfaticamente o tema da revelação
suprema através do Filho. O coração da introdução (BCC‟B‟) descreve Jesus magnífica e
admiravelmente. Introduz o tema da superioridade do Filho de Deus a todos os modelos
prévios da revelação. Sua revelação se contrasta com a dos homens e dos anjos. A
perspectiva de Paulo é teocêntrica. Enfrenta seus leitores com o Deus que interveio na
história humana com sua palavra soberana revelada a humanidade. Sua palavra final,
contudo, foi falada através de um que se distingue dos outros por sua particular relação com
Deus.
O coração do parágrafo, constituída por sete afirmações, explora o caráter do Filho
divino com termos dos Salmos 2 e 110. Como Filho e Sacerdote, participa dos atributos ou
características reais.
Análise exegética do texto em seu contexto
1:1 Havendo Deus, outrora falado. . . Esta afirmação inicial é vital para o argumento
da epístola.
Em realidade, Deus o tem feito “muitas vezes e de muitas maneiras” no passado e
através dos profetas (πolumerw/j kai. polutro,pwj). Se bem que a combinação alterativa das
palavras gregas πolu- era comum em introduções retóricas do tempo de Paulo, a frase
adverbial inicial em Hebreus é mais que uma convenção literária. Polumerw/j (“muitas vezes”)
expressa o caráter fragmentário das primeiras revelações. A revelação de Deus foi
14
essencialmente progressiva. Polutro,pwj (“muitas maneiras”) implica os diversos métodos de
revelação (sonhos, visões, etc).
Estas palavras compostas (com πolu) expressam a convicção do escritor
concernente ao alcance da revelação do AT. Investiga a revelação dada através dos profetas
em sua variedade e totalidade, e implica que até a vinda do Filho a revelação de Deus
permaneceu incompleta.
1:2 Nestes últimos dias. . . O contraste implicado pelas referencias ao passado em
1:1b (pa,lai) e ao presente em 1:2a, caracterizado pela expressão da palavra decisiva e
climática de Deus (evpV evsca,tou tw/n hmerw/n tou,twn, “no final destes dias”) expressa à
concepção cristã primitiva e judaica da sucessão das idades no curso da redenção humana.
A caracterização do tempo presente como “o fim” destes dias é qualitativa e indica a
orientação escatológica dominante no pensamento do apóstolo. Está convencido que certos
eventos decisivos já tenham ocorrido (marcando o cumprimento da promessa anunciada nas
escrituras do AT), e que outros acontecimentos ainda irão acontecer no futuro.
A expressão temporal evpV evsca,tou tw/n hmerw/n tou,twn (“neste últimos dias”), qualifica
a afirmação que Deus falou no passado. A idéia que Deus se relaciona com seu povo
através da palavra se desenvolve posteriormente como um conceito maior. Em 1:1, Paulo
concentra a atenção de seus leitores sobre a autoridade do Deus que fala. O resultado da
palavra falada foi a Sagrada Escritura. Paulo habitualmente introduz textos do AT como
mensagens diretas de Deus (1:5-13; 5:5-6; 7:17, 21).
A constante revelação de Deus encontra sua última expressão na revelação dada por
meio do Filho. A frase complementaria “Deus havendo falado” evn toi/j profh,taij . . . evn uiw
(“através dos profetas...pelo Filho”) estabelece que a revelação de Deus em Jesus Cristo
pode ser entendida somente no contexto da revelação de Deus a Israel. O testemunho do
AT realmente antecipa a revelação da palavra decisiva e climática de Deus. O caráter
variado e fragmentário da revelação de Deus no AT despertou nos pais uma expectativa que
Deus continuaria cultivando em seu povo. Da mesma maneira o compreende a Igreja cristã
primitiva, o que se implica claramente no texto em estudo. A igreja – herdeira dos privilégios
e expectativas dos pais – interpreta e entende que a palavra falada pelo Filho é continuação
e extensão da história específica, caracterizada pela revelação divina. O ministério dos
profetas marca a fase preparatória dessa história. Assim Deus se revelou em duas etapas:
(1) aos pais, e através dos profetas; (2) a seus herdeiros, por meio do Filho.
Dita continuidade se faz evidente na clausula o` qeo.j lalh,saj toi/j patra,sin . . . evla,lhsen hmi/n (“Deus, havendo falado de muitas maneiras aos pais... falou-nos”). A pré
existência eterna do Filho o qualificou para ser instrumento através do qual Deus revelou sua
palavra final ao mundo. Paulo usa o aoristo particípio lalh,saj para indicar antecedente
temporal, o que implica uma ação prévia a ação principal do verbo evla,lhsen, aoristo
indicativo. É dizer, “depois de haver falado” (lalh,saj) “falou” (evla,lhsen).
15
A antítese, nas fases da revelação, encontra se a diferença entre os profetas que
foram homens, e o Filho, que goza de uma relação única com Deus. Em 7:28 implica uma
distinção similar entre o sumo sacerdote de origem levitica e o Filho, “perfeito para sempre”.
O que Deus disse através do Filho tornou clara a intenção da palavra falada aos pais.
Desta perspectiva, a revelação do Filho é total, completa (ainda que a expressão grega
πλθρόω, “completar”, “acabar”) não seja usada em Hebreus.
A história da revelação divina é uma história de progresso. O progresso vai da
promessa ao cumprimento: “dos profetas ao Filho”.
1:2b-4 Paulo expõe sete fatos acerca da natureza do Filho de Deus. Estes revelam
sua grandeza e expõe a razão pela qual sua revelação é incomparavelmente superior.
Primeiro, Deus o constituiu “herdeiro de todas as coisas” (2b: o]n e;qhken klhrono,mon
pa,ntwnA expressão contem uma evidente referencia ao Salmo 2:8, onde se assegura ao
Filho do Rei que o Senhor lhe dará as nações como herança.
Dita herança não se limita a terra, extensão prometida a Abraão (11:9-10, 14-16).
Engloba o universo e o mundo vindouro (2:5-9).
Segundo, é o agente por quem Deus “também fez o mundo” (2c diV ou- kai. evpoi,hsen tou.j aivw/naj). A conjunção kai. une à segunda clausula relativa à primeira, possivelmente em
um sentido adversativo: o Filho foi constituído herdeiro, mesmo sendo o agente através do
qual Deus fez o mundo. Que o Filho fosse o agente por meio do qual Deus criara o mundo
harmoniza com as afirmações de João (Jo 1:3) e o mesmo Paulo (1Co 8:6; Cl 1:16).
Terceiro, o Filho é o resplendor da glória de Deus (3 a: o]j w'n avpau,gasma th/j do,xhj).
Em 1:3-4 se desenvolvem três afirmações introduzidas no final da primeira unidade (1:2): (1)
a revelação através do Filho (1:2a); (2) seu status como herdeiro (1:2b); e, (3) sua função
como agente da criação (1:2c). A ordem que estes elementos ocupam é o lógico do Filho
(1:3a), criação (1:3b), e herança (1:4).
O sujeito de 1:3-4 é “o Filho”, o que se indica pelo pronome relativo nominativo o]j (“o
qual”, “quem”). O termo “resplendor” (avpau,gasmaque se utiliza na epístola denota o
significado ativo que implica a idéia de emitir brilho, luz. A linguagem descreve o homem que
havia vivido e morreu e que, contudo, era o Filho eterno e a revelação suprema de Deus. A
combinação dos membros da clausula final num paralelo de sinônimos da primeira
declaração (1:3 a-b) parece ser intencional. Significam o mesmo.
Quarto, o Filho é a mesma imagem da essência de Deus, a reprodução exata de seu
Ser (3 a-b: o]j w'n avpau,gasma th/j do,xhj kai. carakth.r th/j uposta,sewj auvtou /). O termo
carakth.r, do verbo χαράςςω no sentido de “imprimir”, “estampar”, se usa especialmente na
impressão de selos e no processo de cunhar moedas. Assim como a imagem de uma
moeda corresponde exatamente ao padrão de sua matriz, assim o Filho de Deus é “a
16
imagem do que Deus é”. A palavra carakth.r (que aparece esta vez no NT) expressa ainda
mais enfaticamente este conceito de que o vocábulo eivkώn (“imagem”, “figura”, “retrato”,
“semelhança”, “representação”) denotam no NT (2Cr 4:4; Cl 1:15).
Assim como a glória está no resplendor, assim a essência de Deus está realmente
em Cristo, que é sua impressão e sua representação exata. O que Deus essencialmente é
se faz manifestar em Cristo. Não só Cristo é como o Pai, mas também o Pai é como Cristo.
Quinto, o Filho “sustenta todas as coisas pela palavra de seu poder” (3 b: fe,rwn te ta. pa,nta tw/| r`h,mati th/j duna,mewj auvtou/). Depois de descrever a pré-existência eterna do Filho,
Paulo refere a sua relação com o que foi criado. A construção da frase possivelmente seja
uma instancia do genitivo adjetivo hebreu: “a palavra de seu poder” pode significar “sua
palavra poderosa” ou “sua palavra capacitadora”. A voz criadora que fez o mundo existir
requer como complemento essa voz sustentadora por meio da qual “todas as coisas”
mantêm sua existência. Paulo escreve aos colossenses que Cristo “é antes de todas as
coisas. Nele tudo subsiste” (1:17).
Sexto, o Filho tem “feito a purificação dos pecados” (3c: kaqarismo.n tw/n a`martiw/n poihsa,menoj). O uso da voz media no aoristo particípio poihsa,menoj sugere o pensamento que
o Filho, em si mesmo, fez a purificação dos pecados.
Por um lado, a ação descrita pelo aoristo indica que a purificação foi um ato histórico
definido, realizado pelo Filho no passado. Por esse único ato, se fez a expiação ou
purificação para sempre. Assim o genitivo tw/n a`martiw/n poihsa,menoj se interpreta como
genitivo objetivo, implicando que os pecados foram retirados pela morte do Filho. Por outro,
o particípio temporal expressa uma ação realizada antes do verbo principal da sentença
evka,qisen É dizer, antes de sentar-se “a destra da Majestade nas alturas”, o Filho fez a
limpeza dos pecados. Depois de haver realizado seu sacrifício na terra, o Filho entra no
santuário celestial (10:12; 8:1-2). Ali, ministra os benefícios de seu sacrifício expiatório por
seu povo, em relação com a obra do sacerdote terreno no lugar Santo do santuário terreno
(2:17-18; 7:25).
É altamente significativo que se descreva o ministério do Filho desde o mesmo
começo com claras e específicas categorias cúlticas veterotetamentarias. Esta referencia
antecipa a discussão de seu sacerdócio e sacrifício que se desenvolverá em Hebreus 9-10.
O resultado da morte de Cristo é a purificação (kaqarismόn) da contaminação dos
pecados. Esta interpretação/aplicação tem seus antecedentes na LXX, onde κακαρίηειn se
relaciona com a eliminação da contaminação do pecado no altar (Êx 29:37; 30:10; Lv 16:19)
e no povo (Lv 16:30).
A impureza do povo de Israel se reconhece no altar diante da presença do Senhor, e
desta contaminação haveriam de ser purificados pelo sangue do sacrifício de um animal. O
sangue do animal encobriria e cancelaria os pecados sobre o altar (cf. Êx 30:10: kaqarismόj).
17
Similarmente, a purificação do povo se obteria pelo sangue de um animal em um ato de
expiação (cf. Lv 16:30).
Paulo pareceu implicar que a pureza é a condição essencial para participar nos
serviços do santuário. A contaminação do pecado trouxe uma separação na relação entre o
homem e Deus. O pecado, portanto, deve ser removido ou eliminado o que é somente
possível através da morte do Filho. Ao nos purificar do pecado, o Filho de Deus tem feito o
que nenhum outro poderia fazer. Esta realização tem como conseqüência o sétimo feito que
revela a grandeza inigualável do Filho de Deus: “assentou-se a destra da Majestade, nas
alturas”. Estes conceitos se expandem e se desenvolvem nos capítulos 8-10 de Hebreus,
onde as idéias de contaminação e pureza são centrais na argumentação. É significante que
Paulo utilize o verbo κακαρίηειn e seus paralelos, seis vezes neste capítulo (9:13, 14, 22, 13,
10:2, 22).
Embora em 1:3 não se designa “sacerdote” ao Filho, implica se que o Filho único de
Deus também é sacerdote.
Sétimo, o Filho “assentou-se a destra da Majestade nas alturas” (3c: evka,qisen evn
dexia/| th/j megalwsu,nhj evn uyhloi/j). Sintaticamente, cada um dos particípios de 1:3 (w'n,
fe,rwn, poihsa,menoj) depende do verbo principal da oração, evka,qisen, o que fornece
gramaticalmente a afirmação principal de 1:3-4. Isto é particularmente significativo no caso
das sentenças prévias, porque estabelece que os aspectos de purificação e de assentar-se
seguem uma seqüência temporal: “depois de haver feito a purificação, se assentou”. Por
outro lado, Paulo alude implicitamente outra seqüência relativa ao Filho: Sua preexistência,
encarnação e exaltação (vss. 2-3).
Estas afirmações antecipam os temas mais significativos da cristologia de Paulo em
Hebreus: sacrifício e exaltação. Denotam a exaltação e supremacia do Filho. Nenhuma outra
declaração nos parágrafos introdutórios recebera especial atenção, desenvolvimento e
argumentação posterior (cf. Ef 4:10; Fp 2:9).
Portanto a grandeza e superioridade do Filho se expressa claramente por sete feitos
que enfatizem as qualidades para ser o mediador entre Deus e os homens. È o profeta
através de quem Deus havia falado sua palavra final; é o sacerdote que ministra a
purificação dos pecados de seu povo com perfeição; é o Rei que se assenta no trono, ao
lado da Majestade nas alturas.
A mesma exaltação à destra de Deus o apresenta como superior aos anjos, uma
superioridade que se faz clara, além, do último título que ostenta.
18
A superioridade do Filho sobre os anjos (Hb 1:5-14):
Aspectos estruturais
A seqüência de passagens do AT demonstra a superioridade do filho sobre os anjos.
Desenvolve a declaração proposta em 1:4. Como resultado de sua exaltação, o Filho é
declarado superior aos anjos. Cada texto citado mostra uma referência cristológica.
As sete citações se encaixam em três grupos: O primeiro grupo (1:5-6) consiste de
três citações. As duas primeiras apontam para a evidência da filiação divina de Jesus (Sl 2:7;
2Sm 7:14), e a terceira (Dt 32:43) declara a superioridade de sua supremacia sobre os anjos.
Com o segundo grupo (1:7-12), Paulo passa da afirmação ao argumento. Cita um texto
relativo aos anjos (Sl 104:4) e dois para referir-se ao Filho (Sl 45:6-7; 102:25-27) como
superior aos mesmos. O grupo final consiste de uma citação do Salmo 110:1 (o texto aludido
em 1:3 para as reflexões sobre a exaltação do Filho) e um comentário exegético sobre o
status inferior dos anjos. E, põe o fundamento da solene exortação que se registra em 2:1-4.
Análise exegética do texto em seu contexto
1:5 A primeira citação (1:5) é de Salmo 2:7: “Tu és meu Filho, hoje eu te gerei”. O
texto se vincula com os parágrafos introdutórios pela expressão conectiva γάρ e a repetição
tw/n avgge,lwn de 1:4.
A pergunta retórica requer uma resposta negativa. As palavras do Salmo 2 se
cumprem solenemente no Filho que entrou em sua glória pela via do sacrifício. Nada igual se
pode afirmar dos anjos. Depois de declarar em 1:4 que o Filho exaltado recebeu o mais
excelente nome entre os anjos, Paulo identifica o nome como ui`o,j mou (“meu Filho”),
palavras que nunca foram dirigidas a nenhum anjo por parte de Deus. Paulo usa o Salmo 2:7
duas vezes mais no NT (5:5; At 13:33).
O Salmo 2 indica que as nações que rodeavam Israel (Síria ao Norte, Egito ao Sul e
os que estão além do Jordão, ao leste) conspiravam contra o ungido de Jeová. O Ungido de
Jeová é o rei. Provavelmente, Davi ou Salomão, em um período quando o rei era poderoso e
subjugava as nações vizinhas, quem queria libertar-se do tributo e influência do rei de Israel.
O que poderiam fazer estas nações? Salmo 2:4-6 mostra que Deus ri deles, pois foi Ele que
estabeleceu o rei sobre seu trono, “sobre Sião meu monte santo”. Nos versos 7-9, o Senhor
fala ao rei a fim de reanimá-lo: Quero te falar do meu decreto, o que eu fiz: “Tu és meu filho,
eu, hoje, te gerei. Pede-me e Eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra
por tua possessão. Com vara de ferro as regerá e as despedaçarás como um vaso de
oleiro.” Nos versos 10-12 Jeová diz aos reis que sejam prudentes; que não se rebelem
contra o filho de Deus, o ungido de Jeová; que sirvam a Jeová e honrem o Filho. Felizes são
os que se refugiam no Senhor.
A pergunta é: Por que Deus diz ao rei “tu és meu filho, eu, hoje te gerei”? Duas
respostas judaicas: Salomão Frechof, em seu comentário sobre o Salmo 2, sugere: Não
significa que o rei nascera nesse dia. Nesse dia ele estava sendo colocado como rei. Era o
19
dia da coroação e o rei estando no trono passava a ser filho de Deus. Não se tratava de uma
monarquia, mas sim uma teocracia onde o rei era o representante de Deus. Ele não podia
governar como os déspotas orientais, já que era o representante de Deus. Segundo Abrahan
Cohen, em seu livro The Psalms, 3-4, a expressão “eu te gerei hoje” deve ser entendida em
um sentido figurado. “O dia em que era coroado, o rei era engrandecido como servo de Deus
para guiar o destino de seu povo”.
A expressão é uma expansão de 2 Samuel 7:14: “Eu lhe serei por pai, e ele me será
por filho”. Os judeus cristãos usaram a frase no NT com este mesmo sentido. Entendem que
o Salmo 2 se aplica ao rei e que a expressão “eu te gerei hoje” se refere a sua entronização.
Paulo, que é o único que a usa no NT, a faz também no seu sentido judeu. Em sua formação
rabínica, cita a passagem com o significado que Cristo tem sido entronizado. Por isso, em
sentido figurado, foi gerado por Deus.
Se a expressão não se aplica a sua origem, quando se pode dizer de Cristo “te gerei
hoje”? Quando Cristo foi entronizado? Deve haver certo dia, já que a passagem diz “hoje”.
Existem diferentes opiniões entre os teólogos quanto a sua aplicação na vida de Jesus
Cristo: Em sua ressurreição e ascensão; em sua segunda vinda e em sua entronização (At
2:33).
Em Hebreus 5:5 se aplica a Cristo quando foi estabelecido como sumo sacerdote.
Atos 13:33 refere-se a uma profecia messiânica que alude a entronização do rei judeu,
porem, tem cumprimento em Jesus Cristo.
A segunda citação (1: 5) procede da revelação do profeta Natã ao rei Davi (2Sm 7:1-
19; 1Cr 17:1-27; Sl 89) registrada em 2 Samuel 7:14 (“eu lhe serei por pai, e ele me será por
filho”).
O oráculo de Natan a Davi foi considerado “a raiz da esperança messiânica”,9 “a base
do messianismo real”;10 a “carta magna da expectação messiânica”;11 “o oráculo de 2
Samuel 7 é a carta magna do messianismo real”;12 um dos “elementos chave da história
9John L. McKenzie, "Royal Messianism," Catholic Biblical Quarterly 19 [1957]: 27.
10Roland E. Murphy, “Notes on Old Testament Messianism and Apologetics,” Catholic Biblical
Quarterly 19 [1957]: 6.
11McKenzie, 31.
12Murphy, 7.
20
deuteronômica”;13 a “matriz das expectações messiânicas tardias”;14 “crucial nos estudos
pactuais”.15
Enfatizam-se quatro elementos no pacto Dravídico: (1) Jeová edificará uma casa para
Davi (2Sm 7:11, 27); (2) quando os dias de Davi chegassem ao fim, Jeová manteria sua
descendência, (3) A misericórdia de Deus não se afastará da descendência de Davi (7:15);
Deus manterá a dinastia e o reino de Davi. Seu trono será estável perpetuamente (7:12-13,
16, 25-26, 29).
É evidente que Davi não veria o cumprimento desta promessa em seus dias (7:12).
Embora a promessa de Deus tenha sido cumprida parcialmente através de Salomão (1Cr
28:3-7), Davi sabia que seu cumprimento final seria alcançado no futuro (7:19; 1Cr 17:17).
O pacto de Deus com Davi recebeu considerável atenção nas Escrituras (Am 9:7-11;
Os 3:4-5; Mq 5:1-2; Is 7:1-17; 9:2-7;16 11:1-16;17 55:3-6; Jr 23:5-6:8;18 30:9; 33:15-17; Ez
34:23-24; 37:15-28).
Os seguintes são elementos do pacto que enfatizam a parte religiosa do mesmo: A
promessa de um reino e dinastia eternos; um descendente de Davi cumpriria a promessa de
uma reunião salvadora programada por Jeová, o pastor, resultando no povo do concerto; um
descendente de Davi seria o mediador da relação pactual entre Deus e o homem; tal
descendente governaria Israel e as nações em paz, justiça e retidão; seu reino teria
prosperidade e proteção dos inimigos externos, o reino se estenderia até abranger o mundo
inteiro.
Na interpretação neotestamentária – o entendimento cristão das promessas
veterotestametárias, se reconhece a Jesus Cristo como o “Filho de Davi”, em quem as
promessas feitas ao rei Davi encontram completo cumprimento. O pacto dravídico é central
na história do nascimento de Jesus (Lc 1:27-35; 2:4, 9-11; Mt 1:20-23). A descendência
davídica é claramente admitida por Matheus e Lucas em suas genealogias (Mt 1:1, 6, 17; Lc
13
Dennis J. McCarthy, "II Samuel 7 and the Structure of the Deuteronomic History," Journal of
Biblical Literature 84 [1965]: 134.
14Arnold A. Anderson, 2 Samuel, Word Biblical Commentary, 11 (Dallas, TX: Word Books,
1989), 112, 123. 15
Lyle Eslinger, House of God or House of David: The Rhetoric of 2 Samuel 7 (Sheffield, England: JSOT Press, 1994), 1.
16Isaías esteve bem informado sobre a promessa de Deus a Davi de uma eterna dinastia e da
teologia dos Salmos reais-- nos quais o rei davídico tem a proteção de Jeová e participa do poder poderoso de Jeová (Sl 2, 18, 20, 21, 45, 72, 89, 101, 110, 132, 144).
17Ver, o estudo de Gerhard F. Hasel, The Remnant: The History and Theology of the Remnant
Idea from Genesis to Isaiah (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1972), 396-403.
18Jeová levantaria um rei similar ao indicado em Is 11:1-9, quem: Seria da família de David
(23:5); teria a mão de Jeová sobre si (23:5); governaria sabiamente, com justiça e retidão (23:5); livraria o povo (23:6); daria segurança durante seu governo (23:6); seria chamado “Jeová, justiça nossa”.
21
3:23, 32). João Batista anunciou a chegada do reino de Deus (Mt 3:2). O próprio Jesus – não
só previu a chegada do reino de Deus (Mt 4:23; Mr. 1:14-14; Lc. 4:43; 10:10), mas também
identificou se como filho de Davi e o reino de Deus (Mt 12:22-30; Lc 11:20; 17:20-21). Jesus
foi chamado “Filho de Davi” (Mt 9:27;15:22). João confirma uma disputa no templo sobre a
origem do Messias: Vem da casa e do Povo de Davi (Jo 7:40-44). Jesus foi recebido com
saudações davídicas na entrada triunfal em Jerusalém (Mt 21:9-15). Os fariseus e escribas,
no ultimo debate de Jesus com Jerusalém, entenderam que o Messias é Filho de Davi (Mt
22:41-46).19
Pelo visto, o testemunho geral do NT mostra uma justificativa suficiente de 2 Samuel
7:14.
1:6 A terceira citação (1:6) consiste de palavras contidas somente na LXX (Dt 32:43):
“Adorai-o todos os anjos de Deus”. O mais significativo em Deuteronômio 32:43 é o fato de
que a quem se adora é ao Senhor, ou Yahweh (Jeová: o nome próprio, pessoal de Deus,
consistindo das consoantes YHWH). E, em Hebreus 1:6, Paulo identifica o Filho com
Yahweh do AT. A citação de Deuteronômio foi usada originalmente para se referir à
adoração dos anjos. Contudo, se a palavra dita a Yahweh, agora se referem ao Filho, então
implica sua divindade, e obviamente, sua superioridade sobre os anjos.
A forma introdutória da citação (“e novamente ao introduzir o Primogênito no
mundo”) requer algumas considerações exegéticas. A solução de certa ambigüidade
depende do significado que se atribui (1) ao advérbio πάλιn (“outra vez”, “de novo”, “de
novo”, “novamente”); (2) ao aoristo subjuntivo na frase o[tan de. pa,lin eivsaga,gh |e, (3) ao
substantivo oivkoume,nhn (“mundo”) em sua referencia imediata.
Certos tradutores conectam pa,lin com o verbo eivsaga,gh para implicar “outra”, ou uma
“segunda” entrada do Filho no oivkoume,nh, o mundo. É dizer, que a expressão se referiria a
sua segunda vinda. Porém, um fator mais decisivo sugere considerar o advérbio pa,lin como
uma simples partícula conectiva. Paulo cita vários textos veterotestamentários, introduzindo-
os com a formula pa,lin (1:5; 2:13a, b; 4:5; 10:30). Parece preferível, então, traduzir o
advérbio pa,lin como uma expressão conectiva. Neste caso, deveria ler-se: “E (Deus)
novamente, diz”, ou, adversativamente, “porém (Deus) disse”.
O significado do aoristo subjuntivo (“introduzir”, “conduzir”, “fazer vir”) não se pode
resolver somente sobre bases gramaticais ou sintáticas. É claro que a introdução do Filho no
oivkoume,nh (“mundo”) ocorre antes que se ordene os anjos a adorá-Lo. A referência temporal,
contudo é ambígua. O aoristo subjuntivo poderia indicar um evento no futuro ou no presente.
Ainda que a decisão de ler o advérbio pa,lin com le,gei (“ele disse”) em 1:6 mostra que o
aspecto temporal do verbo eivsaga,gh se refira ao presente, considerações de contexto
19
Outros autores do NT interpretam que Jesus é o Messias, o filho de David: Pedro (At 2:29-32); Tiago (At 15:16-18); Paulo (Hb 1:5 || 2Sm 7:14). Para João, Jesus é o príncipe dos reis da terra (Ap 1:5); quem tem a chave de Davi (3:7) como governador da sua casa. Ele é o “Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi” (5:5; 22:16).
22
somente podem lançar luz sobre o elemento temporal envolvido nesta frase. A expressão
chave para a determinação de seu significado se encontra nos termos prwto,tokoj
(primogênito) e oivkoume,nh.
Prwto,tokoj, o que significa “primogênito”, parece que foi sugerido pela dupla
referência a uio,j nos textos prévios. Recupera o pensamento da introdução sobre a
designação de Cristo como herdeiro (1:2 b). O autor pode ter aludido ao Salmo 89:27, onde
Deus disse a Davi: “Fá-lo-ei, por isso, meu primogênito, o mais elevado entre os reis da
terra”(LXX, 88:28). Neste contexto, “primogênito” é um titulo de honra que expressa
prioridade em categoria, hierarquia ou nível. A referência a designação pactual (Sl 89:27-28)
e o estabelecimento de um trono que inclui os céus (Sl 89:29) serviu para associar o Salmo
89 com o Salmo 2 e 2 Samuel 7, já citados em 1:5. Entretanto, não se necessita encontrar
uma alusão ao Salmo 89:27 em 1:6. Existe quem encontre uma similaridade verbal entre 1:6
e Deuteronômio 6:10; 11:29, onde se refere a entrada de Israel na terra prometida. Sugere-
se que a substituição do pronome ςε (“tu”) em Deuteronômio por πρωτότoκoσ (“primogênito”)
em Hebreus simplesmente reflete a tradução que Israel é o Filho primogênito de Jeová (Êx
4:22; cf. Nm 11:12; Os 2:1; 11:1, 3-4; Jr 31: 9).
Se a forma introdutora de 1:6 se lê no contexto destes antecedentes deuteronômicos,
Paulo deseja sugerir que como Deus introduz Israel na terra prometida de Canaã, da mesma
maneira introduz seu Filho primogênito no oivkoume,nh (“mundo”). De todas as maneiras,
qualquer que fosse o significado, o título πρωτότoκoσ é apropriado ao contexto que
desenvolve o conceito de Filho e herdeiro. Expressa muito bem a supremacia de Jesus
sobre os anjos.
O significado de oivkoume,nh também se põe em questão. Na LXX habitualmente
significa terra habitável, em contraste ao deserto árido e inabitado (Êx 16:35). Em um sentido
derivado significa o mundo habitado pelo homem. Conseqüentemente, a maioria dos
tradutores identifica a introdução do Filho dentro da oivkoume,nh com sua encarnação. O
contexto literário, contudo indica outra direção. Faz referência ao sacrifício do Filho seguido
por sua exaltação (1:3-4). 0ivkoume,nh, então, não aludiria nem a encarnação nem a sua
segunda vinda ou parusia, mas sim a entrada de Cristo ao “mundo” celestial depois da sua
morte expiatória. A entrada no mundo (eivj to.n ko,smon, 10:5) em sua encarnação implicou a
humilhação de ser feito “um pouco menor que os anjos” (2:7,9), porém, sua introdução a oivkoume,nh (1:6) significou sua entronização e exaltação sobre os anjos (1:3-6). Portanto, o
contexto requer que oivkoume,nh seja interpretado como “o mundo celestial” da salvação
escatológica o qual o Filho foi introduzido em sua ascensão. Tal interpretação se confirma
com 2:5, onde se define oivkoume,nh como “o mundo por vir” (th.n oivkoume,nhn th.n me,llousan),
texto que também se refere a sujeição por parte dos anjos ao Filho. Além disso, a frase peri. h-j lalou/men (“sobre o qual estamos falando”) em 2:5, une estas passagens com 1:6.
Concluindo então, a forma introdutória de 1:6 identifica a ocasião quando os anjos
receberam a ordem de render homenagens ao filho em sua exaltação, depois de haver se
oferecido como sacrifício expiatório pleno na cruz. Em seu contexto original (Dt 32:43, LXX)
23
o texto se refere adoração ou homenagem devidas a Deus. Contudo, Paulo interpreta o texto
como uma profecia relativa ao Filho em sua exaltação. Devido sua grandeza e superioridade,
os anjos recebem a ordem de adorá-lo e exaltá-lo.
1:7 A quarta referência, Salmo 104:4, se relaciona com o lugar dos anjos na
administração divina do universo, a fim de mostrar que, apesar da altura de sua situação,
esta é bastante inferior a posição de supremacia dada ao Filho.
A nova fórmula de introdução inicia a segunda série de declarações contrastantes
concernentes aos anjos e ao Filho. Esta se constrói por meio da frase “ainda, quanto aos
anjos, diz... mas acerca do Filho...” (1:7-8).
Do primeiro contraste distingue sua extensão (1:7-12) e pelas citações referentes ao
Filho. As duas linhas de citações que descrevem o status dos anjos lhe seguem treze
descritivas relativas ao Filho eterno. servem para enfatizar o caráter imutável e eterno do
Filho.
O texto usado é a Septuaginta e expressa uma ênfase diferente da intenção do texto
hebreu: “O que faz seus anjos espíritos, e a seus ministros chama de fogo”. No texto hebreu
os elementos naturais (vento e fogo) cumprem as comissões de Deus. O vento sopra em
suas direções e o fogo presta serviços (cf. Sl 148:8). Aqui, todavia, o significado é distinto.
Apresenta-se os anjos como executores dos mandados divinos com a rapidez do vento e a
força do fogo. Implica-se a natureza instável dos anjos que recebem de Deus a forma
devida, a hierarquia e a tarefa: “o que faz a seus anjos espíritos (ventos), e a seus ministros
chama de fogo”. Como pertencem a categoria das coisas criadas, os anjos estão sujeitos a
atividade criadora de Deus e podem ser transformados em força incipientes de vento e fogo.
Desta maneira Paulo compara a evanescência e mutabilidade dos anjos com a
eternidade e imutabilidade do Filho, os quais se enfatizam nas duas citações a seguir.
1:8-9 A quinta citação, Salmo 45:6-7, se encontra em contraste com a quarta. A
expressão adversativa δέ na introdução da primeira referencia sugere que Paulo busca
contrastar o Filho, cujo trono é eterno, com a existência efêmera dos anjos.
De forma evidente, o conceito do reino eterno no Salmo 45 se vincula a 2 Samuel
7:13, 16. È interessante a declaração inicial de 45:6 e 2 Samuel 7:13, 16. A aplicação do
Salmo 45:6-7 ao Filho é consistente com a indicação de que o Filho recebe homenagens dos
anjos em 1:6. Paulo não tem duvida em aplicar a Cristo, como o legítimo objeto de adoração,
uma passagem em que se o considera Deus. Porém, o interesse primário de Paulo em citar
o Salmo 45 não é enfatizar a deidade do Filho, mas sim a natureza eterna do mesmo. A
implicação que o Filho seja Deus enfatiza a referencia a seu governo eterno e imutável. Esta
ênfase sobre a eternidade do Filho é a primeira indicação de que a eternidade é para Paulo
uma categoria cristológica que alcançará sua importância posteriormente (cf. 5:6; 6:20; 7:3,
17, 21, 24, 28).
24
O ponto que Paulo quer destacar com a citação do Salmo 45:6-7, possivelmente,
aparece nas palavras finais do versículo: para. tou.j meto,couj (“como nenhum dos teus
companheiros”). A preposição παρά, traduzida no sentido comparativo (“como nenhum”,
“mais que”) reforça o contraste argumentado entre Cristo e os anjos.
Embora os anjos participem na instrumentação da vontade divina (1:7-14), e nesse
sentido sejam talvez (“participantes”, “cúmplices”, “companheiros”, “colegas” do Filho), Deus
lhes atribuiu ao Filho um ofício superior. O Filho governa, a função dos anjos é servir. Eles
mudam, o Filho é imutável. O governo do Filho reflete o compromisso com a justiça (cf. Is
9:7; 11:5; 32:1; Jr 23:5), o que explica por que Deus o coroou com alegria (cf. 12:2).
Portanto, ambos os versos expressam o contraste fundamental entre o Filho de Deus
e os anjos.
1:10-12 A sexta citação foi extraída de Salmo 102:25-27. A vinculação da segunda
referencia à primeira com a conjunção conclusiva καί (“e”) parece ser simplesmente um
recurso literário para unir dois textos do AT. Este verso, contudo, foi organizado
expressamente para começar e terminar enfatizando a eternidade do Filho: “O teu trono, ó
Deus é para todo sempre. Tu, porém, és o mesmo e teus anos jamais terão fim” (1:8-12).
Ambas as citações caem sobre a mesma expressão introdutória: “Porém do Filho (Deus)
disse” (1:8).
Até 1:5-9, as referências veterotestametarias têm fundamentado a confissão da igreja
que Jesus é o Filho de Deus, designado herdeiro de todas as coisas (1:2b). Agora, com a
citação do Salmo 102:25-27 se especifica a relação do Filho exaltado com a criação. A
passagem desenvolve a afirmação que o Filho é o agente criador (1:2c) e sustentador da
criação (1:3b). Introduz-se o argumento para sustentar a distinção entre a transitoriedade e
mutabilidade da criação e a natureza eterna e imutável do Filho de Deus. O argumento
fortalece o que já foi iniciado em 1:7-8.
1:13 Com a sétima referência, Salmo 110:1, Paulo volta ao recurso literário que
introduz a série de citações, a pergunta retórica concernente aos anjos (1:5).
A brevidade da terceira unidade de citações, uma referência e comentário exegético,
refletem a sensibilidade do apóstolo para balancear a composição literária. A expressão
de,vincula esta terceira unidade com o argumento precedente. O verso do Salmo 110:1
recapitula todos os argumentos prévios. O Filho é superior aos anjos. Estes nunca poderão
participar da sua posição de glória.
O NT interpreta o Salmo 110 como messiânico, e o aplica a Jesus. Jesus aplica a si
mesmo as palavras deste Salmo durante o juízo (Mc 14:62). Esta declaração, condenada
como blasfêmia pelo Sinédrio, foi sustentada, porém, pela pregação apostólica (cf. At 7:55-
56; Rm 8:34; Ef 1:20; Cl 3:1; 1Pe 3:22 e Ap 3:21).
25
Para Paulo no contexto de Hebreus, a aplicação do Salmo a Jesus teve implicações
maiores. Além de que ao tomar a declaração divina “Assenta-te a mina direita” (110:1),
também tomou a firmação divina do versículo 4: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a
ordem de Melquisedeque” (cf. 5:6, 10; 6:20; 7:1-3; 10:12-13).
A pergunta retórica de 1:14 comenta exegeticamente o Salmo 104: 4 citado em 1:7.
Chama os leitores a uma decisão. Com certeza, demanda uma resposta afirmativa. Devem
reconhecer que em contraste ao Filho, quem é o Deus eterno, os anjos são enviados como
servidores de quem se encontram a procura da salvação em meio de um mundo hostil.
O conjunto de citações veterotestametárias em 1:5-13, supostamente familiares aos
leitores da tradição, desenvolve a afirmação em 1:4 em virtude de sua exaltação, o Filho é
superior aos anjos. As sete citações se apresentam como uma sucessão de palavras ditas
por Deus, ao Filho, que fundamentam sua transcendente dignidade.
A preeminência do Filho sobre os anjos tem sido assegurada e confirmada pela
evidência e testemunho de AT. Algumas das passagens do AT que citam e aludem,
particularmente os Salmos 2 e 110, já se haviam estabelecido firmemente na igreja como
testemunhos messiânicos e haviam sido reconhecidos como cumpridos em Cristo. Na
Escritura Deus se dirige a Jesus em termos que vão além dos tributados aos anjos e
arcanjos poderosos, que são chamados a tributar homenagens como reconhecimento de sua
autoridade soberana sobre eles. E a autoridade do evangelho, que os leitores desta carta
haviam aceitado era a autoridade de Jesus, o Filho de Deus, exaltado supremamente por
seu Pai.
Primeira exortação: O perigo de ignorar a palavra revelada
pelo Filho (Hb 2:1-4): Aspectos estruturais
O escritor descreve sua obra como uma homilia prática, uma palavra de exortação
que deve ser recebida pela sua audiência (13:22). Esta seção é a primeira em uma
seqüência que confirmam esta descrição de Hebreus como um todo (cf. 3:6b-4: 16; 5:11-
6:20; 10:19-13:25).
Estruturalmente, esta primeira exortação consiste de uma declaração direta (2:1), a
que segue uma sentença explicadora expressando uma condição (2:2-4).
Análise exegética do texto em seu contexto
2:1 A expressão tou/to dei/ (“por tanto, é necessário”) expressa um imperativo lógico
(2:1). A razão essencial pela qual se tem enfatizado particularmente a superioridade do Filho
sobre os anjos começa a ser evidente. A revelação sinaítica foi comunicada por meio de
anjos, porém a revelação final de Deus vem através do Filho, e, portanto, demanda uma
correspondente e responsável atenção.
Paulo insiste que a aceitação da tradição cristã é o único que é necessário. No
contexto, a frase perissote,rwj prose,cein (“dar atenção com mais diligencia”, com extremo
26
cuidado) parece corresponder equivalentemente ao verbo κατζχειn (“segurar”, “agarrar
fortemente”, “agarrar”, “reter”, “conservar sob poder”) em 3:6,14,10:23, onde se exorta aos
leitores a reter com firmeza sua confissão de fé, sem a qual não se pode alcançar a
salvação. A linguagem sugere que a comunidade era vacilante em seu compromisso com
Cristo e duvidava da mensagem cristã.
Parece clara a conexão temática entre 1:1-4 e 2:1-4. No período final da história
Deus “nos” (hmi/n) tem falado sua última palavra através do Filho (1:2a), portanto, “nós” (hma/j)
devemos “dar atenção com mais diligencia “as coisas que tem sido ouvidas” (2:1).
O perigo que ameaça os ouvintes é o de pararrein (“cair”, “deslizar”, “extraviar”).
Usava-se este verbo para descrever um rio que corria fora de seu leito, talvez, ao lado de um
canal normal, no sentido de escapar do mesmo. Algumas vezes foi usado para referir ao
deslizamento do anel do dedo deslocamento ou de uma migalha por caminhos errados. A
voz passiva do aoristo subjuntivo denota o encontrar-se um mesmo em um estado de
deslocamento da causa normal em referencia a um objeto que requer diligente atenção.
2:2-4 Estes versos desenvolvem uma comparação designada a reforçar a
necessidade de unir-se definitivamente ao cristianismo.
Se esquecerem da lei mosaica foi castigado apropriadamente, a indiferença pelo
evangelho poderia levar a ser catastrófica (2:2). A característica mais marcante deste texto é
a acumulação de expressões jurídicas (“a palavra... foi valida” [firme], “toda transgressão e
desobediência”, “justa retribuição”), o que poderia sugerir que “a palavra dita por meio dos
anjos‟‟ aponta para a lei dada no Sinai. Embora não se registre a mediação angelical no
contexto de Êxodo 19-20 (o que mais se aproxima é a declaração de Dt 33:2), por um lado,
Estevão acusa a nação de Judá de haver recusado a lei apesar de haver recebido-a “por
meio dos anjos” (At 7:53); e, por outro lado, Paulo argumenta que a lei foi “promulgada por
meio de anjos” (Gl 3:19) para provar a inferioridade da lei diante da promessa feita por Deus
a Abraão sem mediador.
Em Hebreus, Paulo não conecta a discussão da lei (como no contexto aos Gálatas
[Gl 3:19]) com a tensão entre os anjos e a ordem de seu mundo por um lado, e Cristo e sua
salvação por outro lado. Em Hebreus, a lei não se opõe a graça manifestada na obra
redentora de Cristo. Mais bem, a lei é um esquema antecipador típico de sua obra salvadora.
A preocupação em Hebreus é pelo culto sacrifical, a lei cerimonial como meio de acesso a
Deus.
A urgente exortação em “dar atenção com mais diligencia” ao que tem sido escutado
(2:1), antecipa a advertência de que a mensagem da salvação ignorada poderia acarretar
catastróficas conseqüências.
A falta de interesse pela palavra de Deus expressada pelo verbo avμελειn (“descuidar”,
“abandonar”) traz “justa retribuição”. A experiência de Israel neste sentido (3:7-4:11) mostra
o modelo para os que se comportam de forma apática, descuidada e irresponsável diante da
27
revelação de Deus através de Seu Filho. O privilégio mais importante desfrutado pelo povo
de Deus, que encontra clara expressão na frase “tão grande salvação”, é enfrentar a maior
responsabilidade e o maior perigo. Paulo volta a este conceito novamente em 10:28-31 e
12:25. Conseqüentemente, a pergunta retórica registrada em 2:3 afirma que não haverá
nenhum escape possível.
O testemunho dos informantes do evangelho foi confirmado por sinais e maravilhas
que seguiam a proclamação da mensagem. Eram obras poderosas concedidas por Deus
para testemunhar a verdade que se proclamava (cf. At 2:22, 43; 5:12; Gl 3:5).
Sintetizando, então, Paulo se dirige da proclamação a exortação em 2:1-4. Relaciona
o significado inicial da homilia, com a situação imediata de seus leitores. O propósito da
argumentação da superioridade do Filho sobre os anjos, os mediadores celestiais da lei, foi
enfatizar a nova palavra revelada pelo Filho. A hipótese principal do argumento é que o
caráter do mensageiro fornece a evidência da importância e finalidade da sua mensagem. A
transcendente dignidade do Filho demonstra que a mensagem da salvação que se havia
alcançado pela proclamação, e confirmação dos que ouviram, merece a mais absoluta e
cuidadosa atenção.
A humilhação e glória do Filho (Hb 2:5-9): Aspectos estruturais
A introdução de um novo parágrafo é indicada pela troca do gênero. Da exortação
(2:1-4), Paulo volta à exposição (2:5-9). A exposição retorna a comparação entre o Filho e os
anjos, com o propósito de indicar que a humilhação do Filho ao ser feito “um pouco menor
que os anjos” (2:9) não afeta sua superioridade sobre os mesmos.
A exposição segue a forma de um midrash homilético, em que as frases chaves se
explicam e expõem aos leitores. O que domina no parágrafo é a citação e explicação de
Salmo 8.
Análise exegética do texto em seu contexto
2:5 A frase explicativa peri. h-j lalou/men (“sobre o que estamos falando”), destaca a
continuidade do pensamento entre 1:5-14 e o retorno a exposição neste ponto (2:5). Paulo
procura examinar outras passagens do AT que também descrevem o caráter e a dignidade
de Jesus.
Pois não foi aos anjos que sujeitou... Com a referência aos anjos, Paulo volta ao
argumento de 1:13-14. Embora Deus houvesse confiado a administração do mundo terreno
aos anjos, suas prerrogativas não se estenderam ao mundo celestial do por vir. De maneira
que aparece outra razão para enfatizar a superioridade de Cristo sobre os anjos. Aos anjos
foi confiado administrar o mundo presente, porém não o por vir.
. . . o mundo do por vir (th.n oivkoume,nhn th.n me,llousan). Paulo já havia identificado a
entrada do Filho em th.n oivkoume,nhn, a realidade do mundo celeste, em sua exaltação como
o momento em que os anjos de Deus receberam a ordem de adorá-lo (1:6). Agora retorna ao
28
pensamento e designa a nova criação inaugurada pela entronização do Filho na oivkoume,nhn
th.n me,llousan.
Esta distintiva designação, que encontra seus equivalentes em 6:5 e 13:14, reflete
uma classe de afirmações dos Salmos (93:1; 96:10) que proclama o estabelecimento do
reino escatológico de Deus. A explícita alusão a “um reino inabalável” em Hebreus 12:28,
poderia indicar que estas passagens haviam estado na mente de Paulo ao escrever 2:5.
Amplifica a frase “o mundo do por vir” como uma designação do reino escatológico da
salvação.
O verso 5 se une aos da serie das citações do AT. A primeira (1:5-13) desenvolve a
superioridade do Filho sobre os anjos em sua exaltação. A segunda (2:6-16) contesta as
objeções que poderiam levantar sobre a base da assumida humilhação do Filho (2:9).
2:6-8a Alguém, em certo lugar. . . Pelo fato de que Deus é o que fala no AT, a
identidade da pessoa que expressou as palavras não é importante. Uma vaga alusão é
suficiente. Desta maneira, Paulo introduz o Salmo 8:4-6 de acordo com a Septuaginta.
O salmista se surpreende ao pensar na glória e honra que Deus tem concedido a
humanidade, ao fazê-la um pouco menor que Ele mesmo e ao dar-lhe domínio sobre toda a
criação. A linguagem do Salmo se baseia em Gênesis 1:26. Paulo, entretanto, não aplica as
palavras a Adão, mas sim ao Filho, o segundo Adão, cabeça da nova criação e governador
do mundo por vir.
Paulo menciona sempre o Salmo 8 em associação com o Salmo 110:1 (1Co 15:25-
27; Ef 1:20-22; cf. Fp 3:21 [cf. 1Pe 3:22]), o que sugere uma tradição exegética comum. Em
Hebreus a citação do Salmo 8:4-6 é precedida pela citação do Salmo 110:1 (1:13), sem
nenhuma forma de citação. A citação é da Septuaginta, com a omissão da cláusula “deste-
lhe domínio sobre as obras da tua mão” (Sl 8:6a). Paulo encontra na segunda linha do verso
a referencia a Jesus como Filho do Homem ou o Segundo Adão, o que o motivou a
considerar o Salmo 8 em um sentido explicitamente cristológico.
Como representante verdadeiro da humanidade se vê a Cristo cumprido a linguagem
da passagem de Salmos e o propósito do Criador ao criar o homem. Como verdadeiro
representante da humanidade, deve compartilhar as condições do homem. Portanto, o que
havia sido representado como “superior aos anjos” teve que se fazer “um pouco menor que
os anjos”, por razões que Paulo passa a indicar.
Sob seus pés tudo puseste. As palavras do Salmista faziam referencia ao terrenal
concernente a Adão, porém o domínio de Cristo não conhece limitação alguma. Contudo,
“ainda não vemos que todas as coisas lhes sejam sujeitas”, expressão que constitui uma
cruz interpertum para os intérpretes tradutores. O advérbio temporal (“todavia”, “até”) indica
que Paulo encontrou na citação uma profecia que oportunamente alcançará cumprimento.
Paulo interpreta o Salmo 8:6b como um decreto legal, cumprimento ainda diferido. O
reconhecimento de assuntos não cumpridos o prepara para ver que a sujeição prometida
29
não é para humanidade em geral (2:8), mas sim a Jesus (2:9), a quem Deus designou
“herdeiro de tudo” (1:2).
Esta explicação se faz explicita em 2:9, onde é evidente que Paulo interpreta as duas
linhas de raciocínio do Salmo 8:5 sem referência aos paralelos sinônimos do texto hebreu.
Desde a perspectiva do salmista, ser feito “um pouco menor” que os anjos é ser “coroado de
glória e majestade”. Porém para Paulo os dois membros paralelos expressam duas fases
diferentes na vida do Senhor. A primeira tem a ver com sua humilhação temporal, enquanto
a segunda se refere a sua exaltação e glorificação.
Esta leitura cristológica do texto também explica a omissão da primeira parte do
seguinte paralelismo (Sl 8:7a). As três linhas de raciocínio produzidas por Paulo se
combinam para formar uma confissão de fé que celebra os três momentos sucessivos na
história da redenção: a encarnação (evento pertencente ao passado), a exaltação (evento
pertencente ao presente), e a vitória final de Jesus (eventos pertencentes ao futuro).
Solidariedade do Filho com a família humana (Hb 2:10-18):
Aspectos estruturais
Com esta seção Paulo conclui o primeiro segmento maior de sua apresentação e
prepara a nova unidade de pensamento que é desenvolvido em 3:1-5:10. A conexão com
2:5-9 se estabelece por uma série de correspondências entre os versos 9 e 10.
A expressão “a graça de Deus” em 2:9, corresponde a sentença “porque convinha
que aquele, por cuja causa e por quem todas as coisas existem” (2:10). A generalização
“todos” em 2:9 se faz mais precisa na frase “muitos filhos” (2:10). A frase “coroado de glória
e honra” (2:9) foi, possivelmente, sugerida pela referencia a “glória” no Salmo 8:6b.
Finalmente a menção “sofrimento e morte” (2:9) e “provasse a morte” (2:9) se repetem sob
outra forma de expressão “aperfeiçoasse, por meio de sofrimentos” (2:10).
Estas correspondências lingüísticas e conceituais antecipam que no parágrafo
seguinte Paulo tenta retomar e desenvolver os comentários sobre o Salmo 8. Como nas
declarações prévias, 2:10-18 segue a forma de um midrash homilético. A expressão volta à
citação e desenvolve os três textos veterotestamentários.
Análise exegética do texto em seu contexto
2:10 A expressão introdutora e;prepen ga.r auvtw /, “porque convinha (“apropriado”,
“oportuno”, “provável”) que aquele”, comenta o último argumento do verso 9, particularmente
a frase “pela graça de Deus” (2:9). É dizer, indica se que o sofrimento e a morte de Jesus
não foram acidentais, mas sim fazem parte do plano de Deus.
Tais procedimentos são consistentes com a intenção original celebrada no Salmo 8,
em que o Filho se identificaria com a condição humana e resgataria a humanidade através
de sua própria humilhação e morte. Os sofrimentos de Jesus foram convenientes (e;prepen para a meta a ser alcançada e foram experimentados em harmonia com a vontade e
30
propósitos de Deus. O circunlóquio para Deus como o que “por quem todas as coisas
existem” não se encontra no texto grego da Bíblia, porém é apropriado ao contexto. Deus,
que criou e preserva todas as coisas, é quem atua de tal maneira que os planos e propósitos
para o ser humano podem ser alcançados.
O propósito estabelecido expressa se de forma clara. É pollou.j uiou.j eivj do,xan avgago,nta (“levar muitos filhos a glória”). O uso de πoλλoί (“muitos”) é inclusivo. O adjetivo
alcança todos a quem a obra de Jesus se aplica. A expressão determina o alcance de upe.r panto.j (“por todos”) em 2:9. A glorificação futura de “muitos filhos” de Deus assegura se na
presente glorificação que o Filho goza em sua exaltação. O particípio avgago,nta (“levando”.,
“conduzindo”, “guiando”) pode se referir a Cristo, quem guia todos os filhos à glória, ou
podem se referir ao sujeito infinitivo teleiw/sai, Deus o Pai, que conduz seus filhos à glória.
Contudo, considerando que o particípio harmoniza com o seguinte substantivo (to.n avrchgo.n
[“o pioneiro”, “o campeão”, “o líder”]) no caso, gênero e número, é atribuída a Cristo a ação
de “levar muitos filhos a glória”.
A indicação de Jesus como to.n avrchgo.n th/j swthri,aj auvtw/n (“o autor da sua
salvação”) (cf. 12:2; Atos 3:15; 5:31) é intrigante e desperta curiosidade por seu uso e
significado. No grego secular, o vocábulo avrchgόσ, indica um herói, quem havia fundado uma
cidade, lhe havia dado seu nome e era seu guardião defensor; implicava a idéia de quem era
“cabeça” de uma família, ou “fundador” de uma escola filosófica; tinha uma particular
conotação militar, referindo-se ao comandante de um exército que ia adiante de seus
homens e lhes apontava o caminho.
Em Hebreus, a idéia que se expressa com o termo parece ser de um líder que faz
acessível um novo caminho.
dia. paqhma,twn teleiw/sai (“aperfeiçoasse, por meio do sofrimento”). A declaração
que Jesus foi “aperfeiçoado por meio do sofrimento” poderia ter seu antecedente numa
especial conotação do verbo teleiόw na Septuaginta.
Usa-se o verbo em textos cerimoniais do Pentateuco para demonstrar o ato de
consagrar um sacerdote para seu ofício como tal (Êx 29:9, 29, 33, 35; Lv 4:5; 8:33; 16:32;
21:10; Nm 3:3). A expressão idiomática normalmente implica “encher as mãos”, e em Êx
29:33 se explica esta expressão pelo verbo avγιάηειn, “consagrar, habilitar uma pessoa para o
serviço sacerdotal”. Que esta expressão idiomática semítica pode ter sido traduzida por
teleiόw se pode demonstrar pelo uso deste verbo em Lv 21:10, onde se registra que o
“sacerdote... foi consagrado para vestir veste sagradas”. Este sentindo cúltico do verbo deixa
claro o significado de teleiw/sai em 2:10 e explica a associação das idéias de perfeição e
consagração em 2:10, 11.
Gramaticalmente, o aoristo infinitivo teleiw/sai tem como objeto este avrchgόσ. É dizer,
este avrchgόσ foi treinado, aperfeiçoado e habilitado em sua missão de acessibilidade por
meio do paqhma,twn (“tudo o que se experimenta ou sente”, “prova”, “experiência”,
31
“sofrimento”, “desgraça”, “infortúnio”). Assim, a expressão “aperfeiçoasse, por meio do
sofrimento” antecipa o desenvolvimento completo do parágrafo que se baseia no conceito de
“líder” de 2: 10-16 a apresentação de Jesus como “sumo sacerdote” em 2:17-18.
2:11 Pois, tanto o que santifica como os que são santificados. O caráter cúltico de
teleiw/saiem 2:10 se confirma pela referência ao conceito santificação/consagração deste
versículo.
O vocabulário parece ser usado no significado veterotestamentário para indicar que
Israel era santificado ou consagrado a Deus e a seu serviço para ser admitido em sua
presença. A designação agia,zwn (“ele que santifica”) parece refletir o conceito de Deus no
Pentateuco, onde se indica a si mesmo com a forma “Eu sou o Senhor, que vos santifica”
(Êx 31:13; Lv 20:8; 21:15; 22:9, 16, 32; cf. Ez 20:12; 37:28). O texto de Hebreus, contudo, se
refere a Jesus que se descreve claramente como o que santifica “o povo pelo seu próprio
sangue” (13:12) ou por seu sacrifício (10:14).
A purificação da contaminação é o corolário necessário para o conceito de
santificação como consagração, e em Hebreus as referências à santificação se conectam
regularmente a uma declaração sobre a oferta de sangue de Jesus (cf. 9:13; 10:10, 14, 29;
13:12).
. . .todos vêm de um só. De “uma fonte”, a qual pode estar se referindo a Deus. O
santificador e o santificado têm a mesma origem. O que santifica é Cristo por meio de seu
sacrifício e os santificados são os filhos de Deus. Por essa razão, o Filho de Deus não se
envergonha em reconhecê-los como “irmãos”.
2:12-13 introduz três citações onde demonstram a solidariedade do Filho com seu
povo. A primeira delas (2:12) é extraído de Salmos 22:22, considerando um testemunho da
crucificação de Cristo. Seguindo a Septuaginta, Paulo utilizou a palavra evkklhsi,a para
traduzir o hebraico qã/hál: “assembléia”, “congregação". O uso desta palavra em paralelismo
com “irmãos” no contexto cristão sugere que aqueles a quem o Filho chama irmãos são
membros da Igreja. A declaração vem da parte do Salmos onde os lamentos se trocam por
uma expressão de gozoso agradecimento, o que é apropriado a uma experiência de
vindicação e exaltação depois do sofrimento e aflição. Paulo, então, refere aqui ao exaltado
Senhor quem encontra na reunião do povo de Deus (possivelmente na ocasião da Segunda
vinda de Cristo) uma circunstância propícia para a proclamação do nome de Deus.
A segunda citação (2:13 a) utiliza Isaías 8:17 e serve para enfatizar que Jesus confia
e depende de Deus no contexto de sua aflição e desamparo. O fato que a confiança de
Jesus fosse vindicada após suas aflições e sofrimento assegura aos leitores da carta que
eles também deveriam confiar em Deus em momentos de dificuldades.
A terceira (2:13 a) é extraída de Isaias 8:18 para afirmar a solidariedade de Cristo
com seus “irmãos” (2:11-12), a quem descreve como “filhos”. Jesus é a cabeça
32
representativa de uma nova humanidade que encaminha a glória de Deus através do
sofrimento (cf. Isa. 53:10).
2:14-15 As implicações da solidariedade afirmada em 2:11-13 se desenvolvem, em
2:14-15.
A expressão está vinculada a sua base bíblica pela repetição da expressão ta. paidi,a
(“os filhos”) presente na citação prévia. Desde que os “filhos” participaram de uma natureza
humana comum (ai[matoj kai. sarko,j, “sangue e carne”), foi necessário para o Filho
identificar-se com eles para tomar a mesma humanidade. Esta sentença alude a
encarnação, circunstancia em que o Filho aceita por decisão própria o modo de existência
comum a toda a humanidade. O propósito pelo qual o pré-existente Filho de Deus se
encarna na condição humana é indicada por uma estendida cláusula de propósito (i[na . . .
katargh,sh| kai. . . . avpalla,xh |, “para...destruir e . . . livrar”).
O propósito primário da encarnação foi a morte do Filho através da qual destruiu o
poder do inimigo para escravizar os Filhos de Deus, pelo temor da morte. A morte de Cristo
foi a conseqüência lógica de sua determinação ao se identificar tão completamente com
seus irmãos que não haveria aspectos de sua existência que ele não participaria. Sua morte,
contudo, não foi resultado de seu pecado e rebelião. Foi uma expressão de entrega e
consagração para fazer a vontade de Deus (10:5-7), o que produz a vitoria sobre satanás e
seu poder. A encarnação, então, foi o meio necessário e apropriado para libertar o povo de
Deus da tirania satânica e do temor da morte (cf. Is 49:24-26; Lc 11:21-22).
2:16 O Filho se fez homem para ajudar os homens, não os anjos (2:16).
Transformou-se em auxiliador e libertador de todos os filhos de Abraão, a família da fé, o que
se harmoniza com outra declaração paulina: “os da fé é que são filhos de Abraão” (Gl 3:7).
Em outras palavras, estes são os “muitos filhos” (2:10) a quem Deus conduz a glória através
do Filho. O fato de que o Cristo tenha deixado de lado os anjos para que os que sejam de
Abraão possam salvar-se, sugere outra razão do porque Paulo enfatiza tanto a inferioridade
dos anjos no primeiro capítulo. Os anjos estão a serviço dos que herdam a salvação.
2:17 Depois de haver enfatizado a solidariedade do Filho com seu irmãos, Paulo
introduz o aspecto particular da solidariedade do Filho que se interessa em expor: seu
ministério sumo sacerdotal em favor dos remidos.
A partícula inferencial o[qen (“por esta razão”, “pelo qual”) se refere ao argumento
desenvolvido em 2:10-16. Antes de anunciar o tema de 3:1-5:10, Paulo resume seu
argumento em uma sentença compacta: “devia ser em tudo semelhante a seus irmãos”. A
referência a “irmãos” recebe a expressão chave de 2:11-12, onde a solidariedade de Jesus
com a evkklhsi,a se expressa em termos de uma relação entre irmãos. Embora, em 2:17 esta
obrigação se põe sobre o Filho encarnado, para chegar a ser em tudo semelhante a seus
irmãos, se enfatiza mais a expressão “em tudo”. Neste contexto, então, a frase se refere
primeiramente a sua humilhação em sofrimento e morte (2:18), porém, também se estende a
33
cada experiência humana vivida por Jesus, o que demonstra que Ele participou de uma total
e verdadeira existência humana (2:14).
Para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus. Somente
por participar com outros em sua natureza, o Filho pode ser habilitado para intervir na vida
da evkklhsi,a como seu misericordioso e fiel sacerdote, o que é explicado na exposição que
segue (3:1-5:10). Esta é a primeira vez que se aplica o título de sumo sacerdote ao Filho na
homilia. Que seu ministério foi sacerdotal em natureza e caráter já foi demonstrado em 1:3 e
expandido em 2:9-11. De modo que, com a descrição de Jesus como sumo sacerdote, o que
já havia sido demonstrado chega a ser explícito em 2:17.
O propósito secundário da encarnação é uma extensão do primário. É através de sua
morte que o Filho pode “fazer a expiação dos pecados do povo”. Ê dizer, fazer realidade
efetiva o que o ritual sacrifical do AT só anunciava.
A descrição de quem recebe seu ministério como “povo”, tem antecedência na
Septuaginta. Ali a frase o` λαo.j tou/ κεou/ é uma expressão técnica para se referir a Israel em
seu caráter de nação escolhida, chamada e separada por Deus. Paulo não tem dúvida ao
transferir este titulo para a comunidade cristã, já que todo o AT é uma antecipação da futura
comunidade messiânica convocada e congregada por Deus em Cristo Jesus. Ainda que o
termo “povo” corresponda a “descendência de Abraão” em 2:16, a declaração geral que
Jesus intercede em favor do povo de Deus encontra uma medida maior de precisão na
referência à ação sumo sacerdotal de fazer a expiação pelos pecados.
2:18 A declaração final mostra as implicações do tema desenvolvido em 2:10-17 para
a evkklhsi,a. O sumo sacerdote é capaz de fortalecer a comunidade de fé, os “muitos filhos”
(2:10) em suas tentações e conflitos.
A encarnação expôs o Filho aos conflitos e tensões mais severas da vida humana, o
que culminou no sofrimento de sua morte como ato final de obediência a vontade de Deus
(cf. 4:15; 5:2,7-8). Foi neste ponto que sua fidelidade a Deus foi provada ao extremo, e deu
evidência de ser um fiel sumo sacerdote. Por não ter se isolado, mas sim enfrentou
confiadamente a experiência humana de conflitos e luta agonizante, agora é capaz de ajudar
a os que se encontram na mesma situação. Assim deu também evidência de ser compassivo
sumo sacerdote.
Deste modo, então, Paulo termina sua primeira grande seção expositiva-exortatória
da homilia com uma nota de incentivo e ânimo pastoral a sua audiência hebraica.
34
UNIDADE III
O CARÁTER SUMO SACERDOTAL DO FILHO
(Hb 3:1-5:10)
Introdução
A segunda grande divisão de Hebreus se estende de 3:1-5:10. O interesse específico
de Paulo é a ampliação do tema acerca do caráter sacerdotal do Filho, assunto que já foi
antecipado formalmente em 2:17. O apóstolo descreve em forma inversa os dois termos
chaves da passagem: “misericordioso e fiel” sumo sacerdote. Primeiramente se refere à
fidelidade de Jesus (3:1-6) e a necessidade urgente de que os leitores também sejam fiéis
(3:6b-4:14). Finalmente considera a compaixão de Jesus como misericordioso sumo
sacerdote ao serviço de Deus (4:15-5:10).
Embora esta nova seção comece com um verbo no imperativo (3:1), o parágrafo
inicial consiste de uma exposição teológica (3:1-6). Um câmbio repentino de gênero, de
exposição e exortação, serve para dividir a primeira seção e introduzir a admoestação aos
leitores em permanecer fiéis (3:6b-4:14). A segunda seção é indicada pelo retorno a
exposição (4:15-5:10).
Um sumo sacerdote digno de nossa fé, porque é o Filho de Deus
quem foi fiel (Hb 3:1-6): Aspectos estruturais
Hebreus 3:1-6 é uma unidade expositiva que encontra seu ponto de partida na
fidelidade de Jesus como sumo sacerdote ao serviço de Deus (2:17). O que marca o começo
da nova unidade é um câmbio no estilo literário. Em 2:5-18 o estilo é o apropriado de um
midrash homilético. Citam-se textos bíblicos e se estabelecem suas implicações através da
interpretação. Porém, em 3:1-2 a, Paulo emprega um discurso direto e uma oratória
imperativa para focalizar a atenção de seus leitores sobre seu tema: “Por isso, santos irmãos
. . . considerai atentamente que . . . Jesus . . . é fiel àquele que o constituiu”.
Embora a base bíblica seja importante, Paulo não a cita, mas sim, alude ao texto
veterotestamentário. Faz referência ao oráculo de Eli (1Sm 2:35) e ao de Natan (1Cr 17:14)
como a Números 12:7, textos que participam em comum as palavras “fiel” e “casa”. Paulo
edifica sobre o termo “casa”, um recurso literário para demonstrar que Jesus é superior a
Moisés.
É importante notar que o apóstolo coloca a comparação de Jesus com Moisés
estrategicamente dentro da homilia. A partícula {Oqen (“por esta razão”, “pelo qual”) em 3:1
dirige a atenção ao que foi dito em 1:1-2:18 sobre a transcendente dignidade e superioridade
do Filho, instrumento da palavra final de Deus. A argumentada superioridade do Filho sugere
a comparação com a autoridade única de Moisés, o homem com quem Deus falou mais
intima e diretamente que qualquer outro profeta na história da revelação (Nm 12:6-8). A
alusão a Números 12:7 em Hebreus 3:2, 5 sugere que a superioridade de Cristo sobre
Moisés já antecipa a sentença inicial da homilia.
35
Não se exagera a importância de Moisés no judaísmo heleno-palestino e a veneração
com a qual o consideravam. A tradição judaica testifica que Números 12:7 era usada para
provar que Moisés havia sido elevado a um grau superior aos anjos. De acordo com
Eusébio, citando textos do Judaísmo heleno,20 mostra Moisés em sonho quando Deus o
coloca em um trono celestial e lhe confere uma coroa e um cetro, símbolos de sua particular
autoridade.21 Embora se nomeie Moisés como sacerdote uma só vez no AT (Sl 99:6), sua
linhagem levítica (Êx 2:1-10), seu ministério da palavra e privilegiada visão de Deus (Êx
33:12-34:35; Nm 12:7-8), e seu serviço no altar (Êx 24:4-8), o associam a funções
sacerdotais.
Filo de Alexandria (20 AC-50 DC) pensador e exegeta judeu, não teve dúvidas ao
descrevê-lo como sumo sacerdote.22
Se estas interpretações podem ser pressupostas entre as comunidades judaicas da
Diáspora como na Palestina, deixa clara a estrutura de Hebreus onde o Filho é comparado
primeiro com os anjos (1:1-2:16) e então com Moisés (3:1-6). Paulo demonstra que tanto
Moisés como Jesus foram “fiéis”. Contudo, Jesus é superior a Moisés como Filho em
contraste ao status de Moisés como servo.
Análise exegética do texto em seu contexto
3:1-2a Paulo não se identifica a si mesmo com sua audiência como tem feito em 2:1-
4, mas sim, pela primeira vez, lhes dirige a palavra diretamente.
A conexão com a seção anterior é produzida pela partícula {Oqen (“por esta razão”,
“pela qual”) e pela nomeação avdelfoi. a[gioi (“irmãos santos”). Os irmãos são santos por que
tem sido consagrados ao serviço de Deus por Jesus em seu papel sacerdotal como
santificador do povo de Deus (2:11). O plural me,tocoi aparece em 3:14 (“participantes de
Cristo”) e em 6:4 (“participante do Espírito Santo”) como um termo técnico para os que têm
dado respostas ao chamado de Deus para a salvação. A comunidade cristã é descrita como
os chamados que gozam o privilégio de ter acesso a presença de Deus (3:1). Este
privilegiado status não se deve a Moisés nem a Arão, mas sim a Jesus como grande sumo
sacerdote da comunidade.
O imperativo καταvoέω (“considerar”, “observar”, “refletir”), expressa atenção,
permanente observação e consideração ao fato de que “Jesus foi fiel” como to.n avpo,stolon
kai. avrciere,a th/j o`mologi,ajhmw/n (“o apostolo e sumo sacerdote de nossa confissão”). Com
esta frase Paulo resume o que já havia dito sobre Jesus como Filho e o relaciona ao
compromisso expressado pelos seus leitores. O termo omologi,aj (“confissão”, “aprovação”,
20
O Êxodo de Ezequiel, o trágico.
21Eusébio, Preparation for the Gospel, 9.29.
22Life of Moses, 2, 66-186; Who Is the Heir? 182; On Rewards and Punishments 53, 56.
36
“pacto”, “acordo”) denota uma expressão consensuada de obrigação e compromisso, a
reposta de fé a ação de Deus.
Que Jesus seja fiel sumo sacerdote já se havia demonstrado em 2:5-18. A repetição
do tema aqui prepara para a comparação entre Jesus e Moisés, já que ambos foram fiéis a
Deus em seus respectivos ministérios.
3:2b w`j kai. Mwu?sh/j (“como também o era Moisés”). Se esta referência se
interpretasse como parêntesis, a ênfase do verso 2 cairia apropriadamente sobre o fato de
que Jesus “foi fiel ao que o constituiu”. Assim, este oráculo cristológico prove a base
estrutural da exposição (o testemunho de Moisés se encontra dentro do mesmo).
Implica uma alusão a Números 12:7 que permanece suspensa até o verso 5. A
intenção de Paulo é justapor dois textos que são quase idênticos em fraseologia: o oráculo
citado sobre a base de 1 Crônicas 17:14, 1 Samuel 2:35, com relação a Jesus, e o
testemunho de Moisés em Números 12:7, o que permite começar a comparação das
semelhanças (não tanto das diferenças) entre ambos. Ambos foram fiéis a Deus. De
passagem, se interpreta mal este ponto quando se considera o termo “fiel” como a base da
demonstração que Jesus é superior a Moisés.
3:3-4 Havendo enfatizado a continuidade entre Jesus e Moisés sobre o ponto da
fidelidade, Paulo declara a descontinuidade e a superioridade de Jesus sobre Moisés. A
base da comparação é a glória (não a fidelidade).
Embora Moisés tenha sido fiel “em toda a cada de Deus” (Israel), Jesus é superior
porque foi considerado digno de mais glória (3:3). A glória de Moisés é o tributo que recebeu
de Deus em Números 12:7. A glória de Jesus é o oráculo cristológico relativo à fidelidade do
sacerdote que encontra cumprimento em quem foi entronizado com glória, honra e
exaltação.
3:5-6a A função de 3:5-6 a é de estender a declaração (por analogia) da
superioridade de Jesus sobre Moisés do verso 3 e explicá-la sobre a base
veterotestametária. Moisés cumpriu o papel de servo na casa de Deus; Jesus foi apontado
para presidir como Filho sobre a sua casa. Assim, o argumento se edifica sobre a distinção
entre o termo qera,pwn (“servo”, “ministro”) e uiόσ (“filho”); e as preposições evn (“na” casa) evpί (“sobre” a casa).
A alusão a Números 12:7 em 3:5 prove um claro testemunho do caráter único da
autoridade profética de Moisés. A formulação é importante pela similaridade verbal com o
oráculo do sacerdócio citado em 3:2. Não só se repetem as palavras “fiel” e “casa”, mas sim
o significado dos termos que parecem ser similares. A palavra chave pistόσ denotaria o
significado duplo de “assinalado /fiel”. Moisés foi designado e foi fiel em seu ofício sem par
como profeta na casa de Deus. O título oficial qera,pwn (“servo”) que se usa somente aqui no
NT, é derivado da Septuaginta onde é utilizado para se referir a Moisés (Êx 4:10; 14:31; Nm
37
11:11; Dt 3:24; Js 1:2; 8:31, 33; 1Cr 16:40). No contexto enfatiza se a dignidade e honra.
Descreve uma relação de íntima confiança entre Moisés e Jeová.
Havendo confirmado a fidelidade de Moisés sobre base bíblica, Paulo determina o
grau de autoridade concedido a Moisés por declarar que seu serviço foi testificar sobre as
revelações do por vir (3:5b) o que reflete o ponto de vista da escatologia da igreja primitiva.
O particípio passivo futuro tw/n lalhqhsome,nwn (“haviam de ser anunciadas”) indica que a
função de Moisés era testificar de uma revelação superior no futuro. A profecia de Moisés
anteciparia a salvação que começaria a encontrar expressão na pregação de Jesus (2:3). Na
vindicação de Moisés, Deus assinalou que “boca a boca falo com ele” (Núm. 12:8). Ao
diferenciar Moisés desta maneira, Paulo indica que o status de Moisés como servo da
revelação corresponde a dos anjos, os quais são servos em favor dos herdeiros da salvação
(1:14).
Como já se havia sugerido, a superioridade de Jesus é indicada pela expressão uiόσ (“filho”) e a designação para exercer seu governo evpί (“sobre”) a casa de Deus. O que Paulo
entende por Filho foi explicado em 1:3-6, onde se refere a sua exaltação e dignidade em
termos de entronização, aclamação e adoração angelical. O mesmo status de exaltação se
aplica aqui com expressões contrastantes, como o servo na casa e o Filho quem preside
sobre sua administração. Moisés foi servo na casa, exaltado em virtude de sua notável
fidelidade e função de administrador principal na casa de Deus. Porém, Cristo é o Filho de
Deus, através do qual se fez o universo, é o fundador e herdeiro da casa. A confirmação da
dignidade do Filho em 3:6a antecipa a aclamação “e tendo grande sacerdote sobre a casa
de Deus” (10:21), o que se refere ao santuário celestial onde Jesus ministra sua posição
sacerdotal a destra da Majestade (7:26; 8:1-2; 9:11, 24; 10:19-21).
A audiência hebréia de Paulo, então, já não deveria considerar Moisés como
supremo exemplo de perfeição em seu serviço a Deus pelo louvor recebido (Núm. 12:7-8),
senão que Jesus, o Filho exaltado cuja glória é superior a da Moises, é digno de séria
considerarão.
Se a casa de Deus na qual Moisés havia servido fielmente foi o povo de Israel, a
casa de Deus hoje, sobre a qual governa o Filho exaltado, o constituem os “concidadãos dos
santos, e sois da família de Deus” (Ef 2:19).
Esta demonstração exegética e teológica da superioridade do Filho exaltado sobre o
servo Moisés constitui, possivelmente, uma resposta pastoral e apologética a uma
congregação vacilante. É o começo de um sustentado esforço para persuadir os leitores
hebreus a permanecerem fiéis a Cristo diante das pressões que os motivariam a abandonar
a fé cristã. Conseqüentemente, Hebreus 3:1-6 prove um veio importante para investigar um
dos principais propósitos da homilia.
38
Segunda exortação: O perigo de rejeitar a palavra viva de
Deus (Hb 3:7-19): Aspectos estruturais
Uma mudança em estilo, forma e gênero anuncia a introdução da unidade seguinte
de pensamento na homilia. Em 3:1-6 Paulo aludiu a textos veterotestamentários como base
para sua exposição a respeito da superioridade de Jesus sobre Moisés. Em 3:7-11 cita a
direção e extensão do AT no modelo de um midrash homilético. É dizer, cita, explica, repete
e aplica a situação específica a seus ouvintes.
Toda a unidade é um comentário do Salmo 95:7-11, no qual Paulo pressupõe uma
correspondência entre as gerações sucessivas do povo de Israel e a conduta consistente de
Deus. Seu interesse básico é que os destinatários mantenham sua integridade e continuem
sua experiência (cristã) no contexto das promessas divinas. As lembranças da incredulidade
de Israel, fundamentadas por o Salmo 95, provêem a base para a exortação aos que
rejeitam ouvir e obedecer a Deus. Isto afetaria tragicamente suas esperanças de herdar o
repouso prometido. Paulo introduz palavras e pensamentos importantes do texto e os
relaciona com a situação dos destinatários.
Paulo interpreta o texto sob a influência de Números 14.23 De acordo com Números
13-14, Israel havia acampado em Cades Barnéia no deserto de Param, limite com Canaã.
Entrar na terra prometida era o objetivo do Êxodo e o cumprimento das promessas. Contudo,
quando os espias voltaram com a informação pessimista, os israelitas se negaram a entrar.
Rejeitaram a promessa por incredulidade. O Salmo 95 lembra que esta decisão do povo
provocou a ira de Deus. Não lhes permitiu entrar por causa de sua rebelião. Os destinatários
da homilia poderiam encontrar-se em uma situação similar diante do cumprimento das
promessas de Deus. A lembrança da resposta divina à geração do deserto serviria para
exortar a comunidade cristã a não repetir a incredulidade de Israel em Cades Barnéia.
Análise exegética do texto em seu contexto
3:7a Paulo estabelece uma conexão intrínseca entre 3:6 e a exortação do Salmo 95.
A conjunção διό (“pela qual”, “por tanto”, “daqui que”) leva adiante o pensamento
expressado condicionalmente em 6b e o relaciona a exortação “não endureçais vosso
coração” (3:8). O tempo presente do verbo λζγει (“disse”) é importante. Através da citação
veterotestamentária o Espírito esta falando agora. (Conseqüentemente, se traz o testemunho
das escrituras do passado para a experiência dos leitores do presente).
3:7b-11 Paulo cita o Salmo 95:7-11. Textos dos Salmos foram usados liturgicamente
como preâmbulos aos serviços vespertinos de sexta feira e os matinais de sábado na
23Cf. Ellen G. de White, Patriarcas e Profetas (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira,
1960), 406-413.
39
sinagoga. É provável que o Salmo 95 tenha sido muito conhecido pelos destinatários da
homilia.
Na primeira metade do salmo se convida a adorar e louvar a Deus (95:2,6). Na
segunda, se exorta a não imitar a rebelião do deserto em Meribá e Massá. Meribá
(“desordem”) é o nome do lugar em Refidim onde os israelitas murmuraram por falta de água
(Êx 17:1-7). Também se chamou Massá (“prova”) porque tentaram a Jeová. Meribá é o nome
dado a Cades Barnéia (Dt 32:51), onde os Israelitas murmuraram por falta de água (Nm
20:1-13). Nesta vez, Moisés e Arão se incluíram na rebeldia do povo. A memória deste
desafio catastrófico deixou uma marca indestrutível no registro bíblico (cf. Nm 32:7-13; Dt
1:19-35; Ne 9:15-17; Sl 106:24-27).
Cades chega a ser um símbolo da desobediência de Israel, o lugar onde a redenção
prometida por Deus foi esquecida e onde a promessa divina não motivou a obediência.
O aoristo subjuntivo ativo avkou,shte (“se ouvires”) é usado em um artigo condicional,
em resposta ao cargo divino de que “não obedeceram minha voz” (Nm 14:22), acusação que
se implica a posteriores referencias ao episódio de Cades (Dt 9:23b; Sl 106:25b). O estranho
termo parapikrasmw / traduz o nome hebreu Meribá que significa “rebelião” em Números
14:35. O “dia de prova no deserto” tem clara referencia a Números 14:11b, 21-22, onde os
Israelitas desafiaram a Deus em uma ofensa particular, embora houvessem experimentado a
milagrosa intervenção de Deus no Egito e no deserto.
A observação de que seus corações “não conheceram meus caminhos” (3:10b)
corresponde a Números 14:22b (“não obedecem a minha voz”). Indica que a ira de Deus não
se manifestou pelo fato de um simples incidente, mas sim por uma tendência persistente em
rejeitar suas orientações. Finalmente, o solene juramento (3:11) resume Números 14:21-23,
28-30, o que é uma recompensa justa e adequada ao trágico desafio de Israel.
3:12-13 A aplicação do Salmo 95 aos destinatários exibe um método exegético que
se denomina midrash pesher, onde o autor seleciona certas palavras e pensamentos da
citação que considera apropriada a seus leitores e as trabalha em sua instrução pastoral.
O primeiro imperativo presente ble,pete (“vede”), seguido pela partícula negativa
mh,pote (“que não”, “que nunca”) e o indicativo (“haja”) expressa uma exortação relativa a uma
realidade presente inevitável e indica que a admoestação deveria ser considerada
seriamente. Paulo teme que os destinatários vacilem em suas respostas a promessa de
Deus. Reconhecendo que são os indivíduos que se expõem ao perigo da apostasia, o
interesse do apostolo se estende a cada membro da congregação (cf. 3:13; 4:1, 11; 6:12;
12:15).
A referencia a “um coração mal e incrédulo” interpreta a expressão “sempre erram no
coração, eles também não conhecem os meus caminhos” (3:10), o que na linguagem do AT
é “separar-se do Deus vivo”. Foi “um coração mal e incrédulo” o que impediu a geração do
deserto, testemunhas do êxodo, gozar do repouso de Canaã.
40
Tem particular importância o termo avpisti,aj (“incredulidade”, “desobediência”,
“desconfiança”), um genitivo de qualidade indicando que “incredulidade” caracteriza o
coração como ponhrά (“difícil, “defeituoso”, “enfermo”, “mal”, “perverso”, “perigoso”).
Conceito que parece ser um reflexo de Números 14:27, 35. As referencias a Números 14 são
significantes porque indicam que a incredulidade não é uma carência de fé ou verdade. É a
disposição deliberada a não crer em Deus. É a condição rebelde de um coração difícil,
enfermo, e, perigoso.
Esta situação inevitável conduz à avposth/nai (“afastar”, “separar”, “apartar”, “destituir”,
“desertar”, “renunciar”, “apostatar”) do Deus vivo, o que é um ato deliberado de rebelião e
rejeição. O infinitivo avposth/nai com a preposição genitiva avpό (“de”) pareceria ser usada aqui
epexegéticamente indicando o conteúdo de um “coração mal”.
O imperativo pastoral em 3:12 toma a suplica de Josué e Calebe em Números 14:19:
“não sejais rebelde contra Jeová” (cf. Dt 1:28).
Evitar a apostasia não demanda simplesmente da vigilância individual, mas sim o
cuidado diário (diariamente) de cada um dos destinatários pelos outros (3:13). O pronome
reflexivo e`autou,σ (“vocês mesmos”), com o segundo imperativo presente parakalei/te (“exortai-vos”), se usa deliberadamente em lugar do pronome recíproco avllh,louj (“cada um”)
com o propósito de enfatizar a união dos destinatários na responsabilidade mutua de uns
pelos outros. A urgência pela exortação é que os destinatários se deixem endurecer pelo
engano do pecado, enquanto ainda haja oportunidade. A voz passiva sklhrunqh/| (“ser
endurecido”) indica que se concebe ao pecado como um agente que engana e conduz a
uma posição desesperançada. Neste contexto a`marti,a (“pecado”) é o pecado de rejeitar
obedecer a Deus e não atuar de acordo com suas promessas (Nm 14:19, 34).
A segurança de que os destinatários gozem de uma relação madura com Cristo é de
crucial importância em 3:12-15. È uma das declarações centrais na homilia que prevê uma
forte motivação quando esta requer que os leitores dêem evidência de fé genuína e
perseverante (cf. 3:6;4:14).
Os termos me,tocoi (geralmente levam o significado de “sócio”, “companheiro”,
“participador”), e bebai,an (“certeza”, “firmeza”, “estabilidade”) refletem uma terminologia
comercial de uso metafórico. Assim, é concebida a relação entre Cristo e a comunidade que
recebe a homilia em termos de uma relação ou sociedade comercial. Os recebedores podem
confiar na fidelidade de Cristo (cf. 3:1-2), porém também devem mostrar “boa fé”.
O cláusula condicional introduzida por eva,nper (“suponde que se”), recupera o eva,nper
de 3:6 e enfatiza o caráter provisório da relação. A exortação a “afirmar‟, “reter”, “conservar”
(kate,cein “até o fim” a “confiança que desde o princípio (3:14) tivemos” é uma antítese o
verbo avposth/nai do verso 12.
41
Possivelmente, a força emocional desta exortação se derive da decisão de Israel de
eleger um novo líder e voltar para o Egito (Nm 14:3-4), antes de atuar em harmonia com a
promessa de Deus. A palavra u`posta,ςισ que enfatiza o conceito de “base” ou “fundamento”,
significa “confiança”, “segurança”, “convicção” e se refere à realidade, essência, ou natureza
de alguma coisa, ou base da esperança. Dita esta expressão, Paulo parece relembrar os
leitores “participantes de Cristo” que se requer perseverança na “segurança e convicção” até
a realização da promessa no repouso escatológico preparado para o povo de Deus.
3:15 A nova citação do Salmo 95:7-8 em 3:15 não marca uma nova cena no
conteúdo, mas sim parece ser um sumário do argumento apresentado até aqui. O
pensamento desenvolvido em 3:12-15 se faz claro.
Paulo quis demonstrar a seus destinatários que o que havia sido escrito em Salmos
teria aplicação direta em suas vidas. Cada palavra e pensamento chave interpretado em
3:12-13 tem relevância imediata para eles. A resposta da geração do deserto em Cades
Barnéia pode esquecer-se enquanto ouçam a exortação do Espírito a responder a voz de
Deus sem obstinada rebelião.
3:16-18 O fato da rebelião e seus resultados catastróficos se apresentam em 3:16-18
em forma de questões retóricas. Colocam-se três questões paralelas, e a resposta as duas
primeiras se apresentam em forma interrogativa, e na terceira, na forma de uma cláusula
incorporada dentro da mesma questão. Tomam-se os termos do Salmo 95 nos versos 16a,
17a e 18a, enquanto as respostas se formulam sobre a base do relato de Israel em Cades
Barnéia em Número 14. O curso do argumento poderia ser esquematizado da seguinte
maneira:
Verso 16a (Sl 95:7-8) Verso 16b (Nm 41:13,19,22)
Verso 17a (Sl 95:10) Verso 17b (Nm 14:10,29,32)
Verso 18a (Sl 95:11) Verso 18b (Nm 14:30,33,43)
Enfatiza-se a resposta de Israel de uma maneira que exibe o clima de desafio e
incredulidade: o povo se rebelou (3:16); pecou (3:17) e desobedeceu a Deus (3:18). A ira de
Deus foi à resposta correta a essa incredulidade e rebelião.
Em 3:16 o verbo parepi,kranan (“azedar”, “exasperar”, “amargar”, “provocar”) implica
o pensamento de rebelião expressado pelo substantivo parepi,krasmo,j (“amargura”, “ira”) de
3:15, o que poderia se referir a numerosas provocações do povo em sua peregrinação no
deserto. O contexto, contudo, mostra a rebelião em Cades Barnéias. A resposta em 3:16b se
associa a Moisés, cuja fidelidade em sua liderança dos que participaram do êxodo foi
reconhecida em 3:2, 5. Enfatiza-se o fato de que “todos” os que saíram do Egito e ouviram a
voz de Deus se rebelaram.
A formulação de 3:17a reflete a pontuação do Salmo 95:10 do Texto Massorético e
da Septuaginta, porém se encontra em tensão com a citação registrada em 3:9-10.
42
Na citação, os “quarenta anos” se associam com a graça e bênçãos de Deus
manifestadas no juízo; em 17a, os “quarenta anos” são anos de ira. Tem-se proposto que
Paulo considera dois diferentes períodos de tempo. A diferenciação entre os dois períodos é
sugerida no AT. Por um lado, existem certos textos que fazem referencia aos quarenta anos
durante os quais Israel experimentou a provisão misericordiosa e graciosa de Deus (Êx
16:25; Dt 2:7; Ne 9:21). Por outro lado, existem passagens que se referem explicitamente
aos quarenta anos de ira (Nm 14:33-34; 32:13).
Parece que Paulo incorpora os dois significados da tradição em sua interpretação do
Salmo 95. Em 3:9 considera os quarenta anos como um tempo de salvação, enquanto que
em 3:17 fala de u tempo de perdição. Este câmbio de perspectiva serve para aplicar o Salmo
à experiência dos destinatários da homilia. Os quarenta anos de bondade e misericórdia
intensifica a culpabilidade do que apostataram, o que coloca a ira de Deus e seu juramento
dentro de sua própria perspectiva (3:17b). A conseqüência, de rejeitar reconhecer a
presença de Deus e o cumprimento de sua promessa, foi à radical disciplina da morte no
deserto.24
A questão retórica final (3:18) associa ao juramento de rejeição com o pecado da
desobediência. A formulação em 3:18b (“aqueles que desobedeceram”) reflete Números
14:43 da Septuaginta, onde se registra que Moisés disse “vos separaste de Jeová em
desobediência”. Um pouco antes foi descrito da geração do deserto como os que “me
puseram a prova dez vezes e não obedeceram a minha voz” (Nm 14:22, com referencia à Êx
5:21; 14:11; 15:24; 16:2; 17:2, 3; 32:1; Nm 11:1, 4; 12:1; 14:2). A conseqüência da
incredulidade foi o desafio aberto a Deus que culminou com o juramento “não entrarão em
meu descanso.
A conclusão de que a conseqüência da incredulidade foi à exclusão do repouso
prometido de Deus resulta naturalmente deste argumento. Ainda que não haja referência à
incredulidade em Salmo 95:7-11, se implica no uso do termo avpisti,a em Nm 14:11 e
complementa a referência ao mesmo vocábulo em 3:12. O novo elemento em 3:19 é a
alusão à conseqüência da decisão de desafiar a Deus em Cades. Exclui-se “a causa da sua
incredulidade”. Quando os Israelitas descobriram sua necessidade, buscaram o
arrependimento. Em sua presunção decidiram, apesar do juramento divino, entrar de todas
as maneiras em Canaã. Sua missão foi em vão. Foram vencidos (Nm 14:39-45; Dt 1:41-44).
O juramento de Deus foi final e decisivo. 3:19 introduz o conceito da impossibilidade do
segundo arrependimento depois da apostasia, uma antecipação do que mais adiante será
tratado com detalhes (6:4-8; 10:26-31; 12:16-17). Desta forma, os recebedores da homilia
poderiam ter ficado com a impressão de que incredulidade os exporia à mesma situação que
Israel em Cades Barnéia.
Paulo cita o Salmo 95 para apresentar a sua audiência um sério apelo a perseverar
no discipulado cristão. É imperativo que os participantes de Cristo sejam afirmados em sua
24A comunidade cristã, que também havia experimentado a graça divina, não deveria
perpetuar o pecado de Israel.
43
confissão batismal. A demanda de fidelidade e perseverança apóia-se na promessa do
repouso que ainda permanece para o povo de Deus.
Paulo compara a geração do deserto aos cristãos que receberiam a homilia em sua
própria situação a partir de uma legitima exegese tipológica. A hermenêutica tipológica não
se baseia em situações imaginárias, mas sim consiste na ação divina dentro do contexto
estabelecido pela revelação. Reconhece a realidade dos fatos do passado e pressupõe uma
genuína correspondência entre a atividade salvadora de Deus no passado e no presente.
Em Hb 3:7-19 a exegese tipológica perpetua a memória histórica para nutrir e formar a fé da
comunidade cristã. As alternativas contrárias de bênção e maldição experimentadas por
Israel em Cades Barnéia resultaram da fé (que aceita), ou da incredulidade (que rejeita) a
promessa. Em 3:7-19 se exorta ao publico paulino a reconhecer o perigo da incredulidade. A
condição para o cumprimento da promessa divina é permanecer com uma fé ativa,
expressada através da obediência em harmonia com a confissão cristã.
O repouso como futura celebração sabática do povo de
Deus (Hb 4:1-14): Aspectos estruturais
Nesta nova seção Paulo segue com sua interpretação do Salmo 95 na forma de um
midrash homilético. O interpreta através de Gênesis 2:2, com o propósito de deixar clara a
natureza do repouso do qual tem sido excluída a geração do deserto.
A idéia central que é enfatizada em 3:12-19 é a exclusão da geração do deserto
(incrédula e rebelde) da experiência do repouso prometido por Deus. Em 4:1-11 a ênfase de
Paulo é colocada sobre a comunidade cristã como herdeira da promessa de entrar no dito
repouso. Paulo apresenta claramente as alternativas do repouso e os perigos que enfrentaria
o novo povo de Deus.
Análise exegética do texto em seu contexto
4:1 Quando um escritor desejava motivar seus leitores a uma mudança de atitude ou
vida, usava habitualmente o subjuntivo exortatório. O uso enfático do aoristo subjuntivo
fobhqw/men (“temamos”) no começo do parágrafo demonstra que a atitude dos recebedores
diante da palavra de Deus (na Escritura) não era aceitável. A exortação, por uma atitude
mais sensível a revelação de Deus, é motivada pelo interesse pastoral de que cada um dos
membros da comunidade cristã experimente o repouso prometido (cf. 3:12, 13; 4:11). O fato
de que a promessa de entrar no repouso de Deus ainda permaneça aberta explica a
urgência expressada na exortação.
A palavra evpaggeli,a (“promessa”) é um termo significativo no vocabulário paulino.
Aparece aqui pela primeira vez na homilia. O apostolo entende que os cristãos possuíssem
as realidades as quais Deus tem antecipado em forma de promessa. Considera a
comunidade cristã como herdeira das promessas divinas (1:14; 6:12, 17; 9:15). Argumenta
que o que Deus tem prometido aos pais se repete no povo da nova aliança. Portanto, tal
44
povo da aliança deve encontrar no serviço sacerdotal de Jesus a garantia do cumprimento
final da promessa de Deus (cf. 8:6; 10:26; 11:39-40).
Que a promessa de entrar no repouso de Deus ainda permaneça valida é uma
dedução lógica das palavras introdutórias da citação, que diz: “se hoje ouvires a sua voz,
não endureçais o vosso coração” (Sl 95:7-8). No contexto do juramento de excluir os
rebeldes do repouso de Deus (Sl 95:11), o salmista implicou a possibilidade permanente
deste repouso para o que permaneceria fiel a palavra da promessa. A narrativa em Números
14, que influi na interpretação do Salmo 95:7-11 em 3:12-19, pareceria dar a Paulo a base
para interpretar que a promessa não havia sido revogada ainda. A proposta de 4:1 se
fundamenta em Números 14:31, onde a promessa rejeitada pelos pais se estende a seus
filhos. Deus lhes dará entrada e gozarão da terra. Assim, Números 14 parece prover a Paulo
o fundamento bíblico para o conceito da promessa renovada.
A noção de kata,pausiσ (“repouso”) no contexto da promessa à geração do Êxodo
teve a conotação local de entrar a Canaã, onde Israel experimentaria a liberação total de
seus inimigos (cf. Dt 12:9-10). Contudo, ao cabo de tempo um novo conceito escatológico do
repouso foi desenvolvido, possivelmente, pela influencia da sinagoga. Os rabinos judeus do
segundo século anterior a Cristo, discutiam sobre a base de Números 14:35 e Salmos 95:11,
se o juramento de Deus de excluir os pais do deserto da entrada a seu repouso implicava
sua definitiva exclusão da participação no século por vir na consumação ou redenção. Em
4:1 se pressupõe uma compreensão escatológica da expressão “meu repouso” em Salmo
95:11, o que é fundamental para a exortação de ser diligente para entrar no repouso de
Deus em 4:1-11. É possível que os ouvintes conhecessem estes conceitos por sua passada
associação com as sinagogas judaicas da diáspora. O principio de que a incredulidade foi à
causa da exclusão do repouso (3:19) permanece válido no presente e, tal compreensão é de
fundamental importância ao interpretar a permanência do repouso em sentido escatológico.
4:2 A conjunção ga,r (“porque”) estabelece a conexão com o material precedente.
Todavia existe o perigo da exclusão do repouso.
A afirmação kai. ga,r evsmen euvhggelisme,noi (“porque também a nós foram anunciadas
[as boas novas]”) reflete a formulação de 2:3-4, onde Paulo se identifica com seus ouvintes,
como os que haviam chegado à fé através da pregação das testemunhas que escutaram ao
Senhor e cujas mensagens foram confirmadas por manifestações carismáticas.
euvhggelisme,noi é um particípio perfeito passivo. Usa-se para construir o perfeito perifrástico
do indicativo. O perfeito enfatiza que a evangelização tem sido completa, total, sem deixar
possibilidade de alguma desculpa ou observação de que a evangelização tenha sido
inadequada ou deficiente. A mensagem de boas novas escutada pelas gerações do Êxodo
foi o anuncio de Josué e Calebe relativo à prosperidade da terra e suas posições (Nm 13:26-
29, 31-14:4,10). A alusão a Josué e Calebe prepara o contraste no verso 2b entre a resposta
negativa dos desesperançados e incrédulos (cf. Nm 13:26-29, 31-14:4, 10) e a resposta
positiva da fé em Cades Barnéia.
45
A geração passada recebeu a promessa em vão porque não creu na palavra ouvida
(Nm 14:11; cf. 3:12, 19). Não participaram da fé de Josué e Calebe os quais escutaram a
promessa de Deus e a consideraram como certa. Pi,stij (“fé”), em seu primeiro uso em
Hebreus, pareceria definir-se como “espera segura e expectante quanto ao futuro” (cf. 6:12;
10:38-39; 11:1). É uma resposta que se apropria da promessa divina e reconhece a
confiabilidade de Deus. Em 4:2, pi,stij é relacionada com o` lo,goj th/j avkoh/j (“ouvir a
palavra”) uma expressão que antecipa o uso de o lo,goj no verso 12 como a palavra
revelada a Deus.
A geração do deserto não confiou na palavra que havia ouvido, o que lhe
impossibilitou gozar o que se havia prometido. Para os ouvintes de Paulo, os que foram
chamados à fé sobre a base da palavra final de Deus dita através do Senhor (1:1-2 a; 2:3),
pi,stij é claramente uma fé escatológica, uma compreensão e aceitação presente de uma
realidade futura. Ouvir a mensagem de boas novas não é garantia de receber o que foi
prometido. A construção genitiva o` lo,goj th/j avkoh/j enfatiza que a palavra ou mensagem se
associa com o ouvir, o que aponta que a mensagem satisfaz uma necessidade do ouvinte e
que seu conteúdo deve ser proclamado. Somente a fé, atitude de espera segura e com
expectativa sobre o futuro que é antecipado por essa mensagem, pode assegurar a
realidade prometida.
4:3-5 Paulo demonstra exegeticamente em 4:3-5 que ainda permanece um repouso
para o presente povo de Deus. Define o termo kata,pausij na expressão “meu repouso” (Sal.
95:11) de tal maneira que fundamenta seu argumento principal. Paulo sustenta que a
exclusão da geração do Êxodo não anula a realidade e acessibilidade do repouso prometido.
Paulo pareceria seguir o principio exegético rabínico que considerava a presença de
um vocabulário semelhante em duas passagens das Escrituras como mutuamente
relacionados em seu significado. Sobre a base deste principio, então, a presença do aoristo
kate,pausen (“repousou”) em Gên.2:2 faria referencia ao repouso de Deus em Salmo 95:11.
Gênesis 2:2 indica que o repouso prometido por Deus já havia sido preparado desde o Éden.
Embora Paulo continue interpretando o Salmo 95 e aplicando suas declarações à
situação de seus ouvintes, seu método revela um câmbio tático. A exortação não aparece
em primeiro plano, senão o detalhe da declaração provê a base da esperança e motivação.
A incredulidade excluiu a geração do Êxodo do repouso de Deus, contudo, em resposta a fé,
existe a possibilidade ainda de entrar no mesmo. A sentença do verso 3a fornece uma
antítese ao verso 2: o que perderam os incrédulos chega a ser posse dos que crêem em
Deus (cf. Nm 14:24 [Calebe]). Ainda que o presente indicativo da voz média eivserco,meqa (“entramos”) poderia ser usado como um presente futuro, é melhor tomá-lo como a
expressão de um fato presente. Assim, poderia se expressar a idéia “já estamos em
processo de entrar”. A descrição da comunidade como oi pisteu,santej (“os que haviam
crido”) reflete o que já foi declarado sobre pi,stij e o lo,goj th/j avkoh/j no verso 2. Os que
haviam crido são os que têm respondido à mensagem com convicção os quais vivem no
presente à luz da promessa relativa ao futuro. A fé traz ao presente a realidade do que será
46
o futuro, o não visto, o celestial. Por tal razão, se pode dizer dos que creram que já entraram
no repouso do Senhor.
Conseqüentemente, a afirmação εivserco,meqa ga.r eivj Îth.nÐ kata,pausin (“porque nós,
os que temos crido, entramos no repouso”) implica mais que um gozo antecipado do que
Deus tem prometido. Como já foi mencionado, o tempo presente do verbo deve ser
considerado como uma verdade presente e não simplesmente como uma referência ao
futuro. A promessa de Deus pedisse uma realidade e os crentes já podem gozar do repouso
citado em Salmo 95:11.
A sentença final do verso 3 é de caráter concessivo e prepara a citação de Gênesis
2:2 no verso 4. “Ainda que” (kai,toi, usado com o particípio genhqe,ntwn [“completado”,
“terminado”]) a geração do deserto foi excluída do repouso de Deus, o mencionado repouso
estava disponível desde que Deus completou suas obras na criação. Assim a noção de
repouso escatológico chega a ser uma das realidades preparadas por Deus desde a
fundação do mundo.25
Como assunto de fato, Paulo segue cuidadosamente Gênesis 2:1-3 ao diferenciar o
repouso de Deus de suas obras. O repouso de Deus consiste na terminação de suas obras,
e conseqüentemente, seu repouso existe desde a fundação do mundo. A declaração final
enfatiza que o repouso prometido não se refere em primeira instancia a alguma realidade
futura preparada para a humanidade, mas sim tem referencia ao próprio repouso de Deus,
que procede desde o Éden. Uma compreensão adequada da relação entre as obras da
criação e o repouso prometido prepara um paralelo entre Deus e os crentes em 4:10.
Na liturgia da sinagoga no começo do sábado, a leitura do Salmo 95:1-11 era seguida
por Gênesis 2:1-3. A conexão e a ordem dos textos neste serviço de oração na sexta-feira à
tarde, que na Diáspora havia sido conduzido em grego, poderia haver sugerido o
procedimento hermenêutico seguido no verso 4. Paulo interpreta a personalizada expressão
kata,pausi,n mou( (“meu repouso”) em Salmo 95:11 (versos 3, 5) desde um ponto de vista
conveniente a Gên. 2:2 onde aparece um termo semelhante kate,pausen ([Deus]
“descansou”). A semelhança verbal permitiu-lhe inferir que o repouso inicial de Deus,
informado em Gênesis 2:2, é o arquétipo de todas as experiências de repouso posteriores, e
assim tipifica o repouso prometido ao povo de Deus. A repetição do Salmo 95:11b em 4:5
vincula o repouso da criação com a promessa do repouso que era o alvo da redenção.
Desse modo, Paulo define a natureza da promessa estendida aos filhos dos excluídos no
deserto para motivar a seus ouvintes. Por esta razão, talvez, a referencia ao juramento de
Deus em Salmo 95:11 é abandonado quando se cita Salmo 95:11 pela segunda vez.
25
Conceito que tem abundantes paralelos na literatura apocalíptica e rabínica dos dias de
Paulo. Porém, esta noção não deveria ser introduzida na interpretação do verso 3c. Seria apropriado só do repouso de Deus, uma das obras da criação.
47
4:6 O argumento apresentado se resume em 4:6 e se infere exegeticamente algo
mais do mesmo (4:7-8). A promessa divina do repouso indica que Deus proveu um descanso
não só para Ele mesmo, mas sim a seu povo.
O juramento de exclusão foi pronunciado somente contra alguns dos que acamparam
em Cades, os avpei,qeian (os “não persuadidos”, os “desobedientes”). Isto mostra que alguns
“outros” (tina,j) entrarão no repouso de Deus. A identificação do primeiro grupo como a
geração do Êxodo contemplada em Salmos 95:8-11 (cf. Nm 13:26-14:9), os que foram
separados do repouso divino por causa de sua desobediência (4:6; cf. 14:11-12, 21-23),
recapitulam o argumento desenvolvido em 3:16-18 e 4:2. Contudo, a promessa de Deus
permanece válida e se dirige a atenção ao grupo que poderia entrar neste repouso ainda
disponível. Este grupo aparece em Salmos 95:7b-8a e se constitui de todos os que ouvem a
admoestação proveniente do Espírito Santo (Hb 3:7a) e respondem a voz de Deus com fé e
obediência.
4:7b-8a A mudança do foco do Salmo 95:11, que foi citado em 4:3, 5, ao Salmo
95:7b-8a em 4:6-8 introduz outro fator que deve ser considerado pelos destinatários. Paulo
interpreta o termo sh,meron (“hoje”) como tendo fundamental importância para entender
corretamente o conceito de repouso. A admoestação a uma revisão da rebelião de Israel no
Salmo 95:7b-8a foi um anuncio profético de que Deus estava determinando uma data
posterior para fazer disponível seu repouso. Aproximadamente quatro séculos depois da
exclusão da geração do deserto de seu repouso, Deus anuncia profeticamente através do
salmista um novo dia de oportunidade, “hoje”, quando sua voz seria ouvida e a promessa de
entrar em seu descanso seria atualizada.
O anúncio implicava que nenhum havia entrado ao completo repouso de Deus até o
tempo do salmista. Se o houvessem feito sob a liderança de Josué e Calebe, o assunto não
haveria sido revisado posteriormente (Sal. 95). De acordo com 4:3-9, significava mais que
um descanso físico. Josué introduz a nação ao repouso (Dt 3:18-20; Js 2:11,12; 10:6; 2Rs
17:9-20; Jr 7:30; Ez 3:7; etc.), mas, devido a sua rebelião e apostasia, o povo não encontrou
em nenhum período o repouso planejado por Deus (4:8-9).
O Salmo 95 é o que sugere uma compreensão escatológica de kata,pausij (“repouso”). A admoestação no Salmo 95:7b-8a é tanto um convite urgente ao povo de Deus
como um anuncio do tempo escatológico da salvação. Esse tempo já é chegado. É o período
final da história da redenção que começou com a última mensagem de Deus através do Filho
(1:1-2a). É o tempo presente da salvação para a comunidade cristã, para quem ainda existe
a possibilidade de entrar no repouso de Deus.
No Hexateuco o conteúdo da promessa se associa a conquista de Canaã (cf. Dt 3:20;
12:9; 25:19; Js 1:13). Sugere que depois da conquista a promessa do repouso se havia
cumprido (Js 21:44; 22:4). Em 4:8, Paulo pareceria referir se a tensão entre esta tradição e a
perspectiva diferente expressada no Salmo 95. A conquista de Canaã não marca o
cumprimento da promessa divina. Refere-se à outra realidade fundamental. Se Josué
houvesse alcançado a promessa do repouso, não teria havido necessidade para a
48
renovação da mesma no Salmo 95. Portanto, como o descanso de Deus depois da criação
foi um arquétipo da experiência do repouso em Canaã, este foi só um tipo do símbolo de
aquele completo repouso que Deus desejava para seu povo fiel (já pré-figurado em Gênesis
2:2).
4:9 A argumentação apresentada até aqui, se resume na conclusão a qual Paulo
chega em 4:9. A declaração se estrutura em forma paralela ao verso 6:
Verso 6a: avpolei,petai tina.j eivselqei/n eivj auvth,n (= th.n kata,pausin) (“resta que
alguns entrem nele”) (= “o repouso”).
Verso 9: avpolei,petai sabbatismo.j tw/| law/| tou/ qeou / (“Portanto, resta ainda um
repouso para o povo de Deus”).
Assim, Paulo repete a conclusão de 4:6 em 4:9, substituindo o termo kata,pausij por
sabbatismo,j. Esse paralelismo sugere que a substituição intenta definir mais precisamente o
caráter do futuro repouso prometido ao povo de Deus. Se a intenção de Paulo houvesse sido
dizer somente: “Portanto, resta um repouso para o povo de Deus” (como entenderam certas
versões em inglês [RSV, NEB, NIV]), poderia ter retido a palavra kata,pausij.
Em 4:4, Paulo conecta kata,pausij com o repouso de Deus no sétimo dia da criação,
o que sugere que o apostolo poderia ter conhecimento que esta palavra era a usada para o
repouso sabático na Septuaginta (Êx 35:2). A deliberada eleição do termo sabbatismo,j, que
encontra seu uso mais cedo na literatura grega existente, deve haver sido sugerida pelo fato
que esta implica um matiz de significado não existente em kata,pausij.
O termo sabbatismo,j parece originar-se do verbo sabbati,zein (“observar”/ “celebrar o
sábado”).
Em seu único uso na literatura não cristã significa “observância do sábado”.26 Em
quatro documentos do período patrístico independentes a Hebreus 4:9, o termo denota a
celebração e festividades do sábado.27 Ainda que se sugira que o término recebeu tal
significado na instrução sabática que se desenvolveu no judaísmo sobre a base do quarto
mandamento (Êx 20:8-10), onde se enfatiza que o repouso e o louvor vão juntos,
sabbatismo,j, enfatiza o aspecto especial da festividade e gozo, expressados na adoração e
louvores a Deus. De modo que em 4:9 este matiz pareceria definir a natureza do repouso
que espera ao povo de Deus.
4:10 A declaração em 4:10 permanece em uma relação causal com 4:9 e clarifica
porque razão no repouso escatológico será possível um sabbatismo,j. Qualquer que tenha
entrado no repouso experimentará o término de sua obra, como Deus fez depois da criação
26
Plutarco, Concernig Superstitions 3 (Moralia 166 A).
27Justino, Dialogue with Trypho 23.3; Epifanio, Against All Heresies 30.2.2; The Martyrdom of
Peter and Paul, capítulo 1; Apostolic Constitution 2.36.2 (apresentado por Hofius, Katapausis, 103-6).
49
da sua (4:3c-4), e se deleitará no repouso que é necessário para a festividade e louvor em
uma celebração sabática. Então, os versos 9-10 antecipariam o festival sabático do povo
sacerdotal de Deus no santuário celestial, celebrando na presença de Deus um eterno
sabbatismo, j com incessantes louvores e adoração.
4:11 O aoristo subjuntivo ςpouda,swmen (“apressar”, “aplicar-se a”, “ocupar-se
ativamente”, “atender devidamente”, “tratar de forma séria o assunto”) exorta a concentrar
todas as energias do ouvinte para alcançar o objetivo de entrar neste repouso, de modo que
ninguém experimente a semelhante destruição dos excluídos como conseqüência da
desobediência.
Esta exortação pressupõe o que foi dito em 4:3: Entram somente os que crêem.
Também leva em consideração a falha de Israel, sua incredulidade e desobediência (4:2, 6).
A dura admoestação em 11b recapitula o que foi dito sobre a geração dos que morreram no
deserto como conseqüência de sua desobediência (3:17-18; 4:6). O aspecto crucial da
admoestação de que algum membro da congregação destinatária não caia (i[na mh.| . . . tij . .
. pe,sh|, “para que ninguém caia”) se constrói em paralelo ao verso 1 e sugere o interesse de
Paulo por cada um dos membros dessa comunidade. A palavra u`podei,gmati (“exemplo”,
“modelo”) na construção i[na mh. evn tw/| auvtw/| tij upodei,gmati pe,sh | (para que ninguém caia no
mesmo exemplo”) não se refere a um modelo de desobediência, senão a um exemplo de
cair na destruição como resultado da desobediência.
Admoesta-se a comunidade a ser diligente e entrar no repouso de Deus através do
exercício da fé ao escutar a voz de Deus em sua última revelação, o Filho.
4:12-14 A unidade exortatória começada em 3:7 chega a uma breve e vigorosa
conclusão em 4:12-13, onde Paulo fornece a razão para a diligencia sugerida.
A palavra de Deus, cujas sansões foram impostas tão efetivamente sobre a geração
do Êxodo, é efetiva e confronta a comunidade cristã com a mesma alternativa de ira e
repouso. Aqueles que permanecem insensíveis a voz de Deus expressada nas Escrituras
poderiam descobrir que sua palavra também é um veneno mortal.
Quando a geração passada anulou a aliança por desobediência no processo da
conquista de Canaã, foram vencidos e caíram pela espada (ma,caira) dos amalequitas e
cananeus (Nm 14:35-45). A palavra de Deus julga de maneira mais penetrante que uma
espada de dois gumes porque expõe a intenção do coração e o rende indefeso diante do
olhar de Deus.
A concepção dinâmica da palavra de Deus é um corolário próprio da introdução dos
versos do Salmo 95:7b-11 em 3:7a como palavras “do Espírito Santo”. A descrição da
palavra de Deus como Zw/n ga.r o lo,goj tou/ qeou/ kai. evnergh.j (“porque a Palavra de Deus é
viva e eficaz” [“vivente e efetiva”]) significa que é ativa, e tem poder para produzir resultados,
o que é demonstrado com a referência à Salmo 95:7b-11 em 3:7-11. Os predicados
atribuídos a palavra de Deus com os termos knou,menoj . . . kai. kritikoj , (“penetrando...e
50
julgando”) introduz uma linguagem figurativa e popular que efetivamente implica a noção de
um poder extremo de penetração. A palavra de Deus é capaz de alcançar os aspectos mais
ocultos e inconfessáveis da personalidade humana (Sal. 95:10b). O discernimento ou juízo
dos pensamentos do coração e de suas intenções envolvem um processo de avaliação que
exibe a autoridade penetrante e revelador da palavra.
Em 4:13, as metáforas de total nudez e desamparo diante da presença de Deus
expressam vividamente a situação de todo o que crê que pode enganar seu Criador e Juiz.
No contexto, a passagem enfatiza que se expor a palavra de Deus é se expuser ao próprio
Deus.
Paulo equilibra a temerosa perspectiva do juízo apresentada aos ouvintes nos versos
11 e 12 com o verso 14, onde recorda do ministério sumo sacerdotal de Jesus no santuário
celestial. Com o termo me,gan, na descrição que se faz de Jesus como avrciere,a me,gan
(“grande Sumo Sacerdote”), se o qualifica em seu grão de excelência. Expressa se sua
grandeza em linguaje transcendente. O uso do tempo perfeito no particípio dielhluqo,ta
indica que Jesus transpassou o céu e que ainda permanece ali na presença de Deus (9:24).
A implicada referência ao santuário celestial fornece também outra dimensão à discussão do
repouso em 4:1-11. O ministério sumo sacerdotal de Jesus garante que o povo de Deus
finalmente celebrará o “sábado” (“repouso”) em Sua presença.
A motivação do ministério sumo sacerdotal de Jesus destaca a razão da exortação
para “reter” a “confissão” que se “professa” (4:14b). O uso do verbo kratei/n (“prender”,
“agarrar fortemente”, “capturar”, “reter”, “conservar em poder”) sugere a conclusão de que
o`mologi,a (“confissão”, “profissão”) tem referencia a formulação específica de fé que alguma
vez haviam sido aceitas e abertamente reconhecidas pelos membros da comunidade
destinatária da homilia. Neste contexto, a designação de Jesus como to.n uio.n tou/ qeou / (“o
Filho de Deus”) é quase certamente um eco da confissão. A designação de Jesus como avrciere,wj (“sumo sacerdote”) não se origina de uma mera confissão mas serve para
interpretá-lo (3:1). A exortação a reter a confissão tem a função de promover a fidelidade da
comunidade em tempos em que estava mostrando certa carência de interesse pela
integridade espiritual e perseverança (cf. 2:1; 3:6; 10:23).
Já em 3:12-19 uma interpretação tipológica do Salmo 95:7b-11 sugeriu que a
experiência de Israel em Cades Barnéia permanecia em relação com a comunidade cristã
como tipo a antítipo. O argumento em 4:1-11 parece seguir a mesma correspondência
tipológica.
A expressão “meu repouso” em Salmo 95:11 relembra o repouso original de Deus
anunciado em Gênesis 2:2. O estado de cumprimento, terminação e harmonia
experimentada por Deus depois de sua obra criativa é um arquétipo e alvo de toda
experiência posterior de repouso. O descanso planejado para o povo de Deus foi, então,
prefigurado no repouso sabático de Deus depois da criação. De modo que a teologia que
Paulo desenvolve em 4:1-11 considera o modelo arquétipo (descanso original de Deus,
51
verso 4), tipo (a conquista da terra sob comando de Josué, verso 8), e antítipo ( a celebração
sabática escatológica do povo de Deus, verso 9).
O anuncio profético de “outro dia” (em que a promessa de entrar no repouso de Deus
será renovada [Sal. 95:7b-8a]) (1) motivou a comunidade em sua situação; (2) confirmou a
interpretação escatológica do repouso de Deus; e, (3) antecipou a consumação quando a
terminação da obra e experiência do repouso proveria o contexto para a celebração sabática
marcada por festas e louvores (verso 9).
A responsabilidade da comunidade ouvinte da homilia é entrar nesse repouso através
da fé na promessa da palavra de Deus e por meio de uma resposta obediente a voz de Deus
nas Escrituras (versos 11-13). O ministério fiel e misericordioso de Jesus como sumo
sacerdote no santuário celestial garante que o povo celebrará o repouso em sua mesma
presença (verso 14).
Um sumo sacerdote digno de nossa fé porque é o Filho de Deus
que é compassivo (Hb 4:15-5:10): Aspectos estruturais
Como se recorda, Paulo anunciou que era necessário que Jesus fosse “como seus
irmãos” de modo que chegasse a ser misericordioso e fiel sumo sacerdote a serviço de Deus
(2:17). Em 3:1-4:14 Paulo desenvolve o segundo aspecto da sentença, o qual tem a ver com
a autoridade de Jesus como sumo sacerdote, sobre a base de sua fidelidade a Deus quem o
designou como tal. Em 4:15-5:10 Paulo apresenta o primeiro aspecto da declaração, Jesus
como “misericordioso” sumo sacerdote a serviço de Deus.
A estrutura literária de 4:15-5:10 fica clara quando se reconhece que 4:15-16 anuncia
o que se desenvolve em 5:10. Observa-se que uma simetria concêntrica governa toda a
exposição:
A. O antigo serviço do Sumo Sacerdote segundo a ordem levítica (5:1).
B. A solidariedade do sumo sacerdote levítico com o povo (5:2-3).
C. A humildade do sumo sacerdote levítico (5:4).
C‟. A humildade de Cristo (5:5-6).
B‟. A solidariedade de Cristo com o povo (5:7-8).
A‟. O novo serviço de sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque (5:9-10).
A estrutura literária mencionada permite a Paulo enfatizar a similaridade essencial de
Jesus ao sumo sacerdote levita, ainda que o apóstolo conheça as profundas diferenças que
separam o particular sacerdócio de Cristo do sacerdócio levítico.
Como unidade, 4:15-5:10 dispõe o fundamento para a grande exposição central do
sacerdócio de Jesus em 7:1-10:18, onde se enfatiza as diferenças com o sacerdócio levítico.
52
O propósito de 4:15-5:10, então, é demonstrar que as condições requeridas de todo
sumo sacerdote foram satisfeitas por Cristo. Apresentam-se duas condições básicas em 5:1-
4: Cristo (1) deve ser capaz de ter empatia com a fraqueza/debilidade dos que serve (5:1-3);
e, (2) deve ser chamado por Deus (5:14). No segundo parágrafo, baseado em textos
veterotestamentários e na tradição do evangelho, Paulo mostra que se cumpriram as
condições estabelecidas previamente. Cristo (1) foi chamado por Deus (5:5-6); e (2) depois
de haver sido exposto às condições humanas, foi nomeado sumo sacerdote segundo a
ordem de Melquisedeque (5:7-10). Assim o pensamento flui naturalmente desde Aarão até
Cristo.
Ainda que não se saiba a ciência certa se o esquema proposto representa a intenção
original de Paulo, parece preferível reconhecer que a rápida revisão do sacerdócio levítico
em 5:1-4 permanece relacionado ou em correspondência com o ministério sacerdotal de
Jesus em 4:15-16. A ênfase sobre 5:1-3, então, mostra que a descrição do sacerdócio
levítico tem se conformado a representação de Cristo em 4:15 (cf. 7:3). Neste caso, a
direção do pensamento não flui de Aarão à Cristo, mas sim de Cristo a Aarão e seus
sucessores. Toda a seção (4:15-5:10) desenvolve a declaração de que Jesus é um
sacerdote misericordioso ao serviço de Deus (2:17).
Análise exegética do texto em seu contexto
4:15 antecipa a possível objeção de que a exaltação de Cristo como sumo sacerdote
nos céus implicava seu afastamento e indiferença dos desgastes e fraquezas da igreja no
mundo hostil. Paulo apresenta uma dupla negação: “não temos sumo sacerdote que não
possa compadecer-se das nossas fraquezas”.
A enfática negação dupla ouv . . . mh , (“não...não”) enfatiza que Jesus se identifica a si
mesmo como quem se sente indefeso na situação. Além disso, o aoristo passivo infinitivo
sumpaqh/sai (“compadecer-ser”, “participar da experiência de alguém”, “simpatizar com
alguém”) não se entende em um sentido psicológico, mas sim existencial. O exaltado e sumo
sacerdote sofre junto com as debilidades dos tentados. A capacidade empática do sumo
sacerdote celestial é derivada de sua total participação com/na humanidade (cf. 2:17-18). O
exercício de seu ministério no santuário celestial se baseia na realização de seu ministério
terreno. Paulo não reconhece nenhuma divisão entre o ministério que Cristo realiza no
estado de sua exaltada glória do que realizou em seu estado de humilhação. A experiência
de sofrimento e provas sofridas durante sua encarnação o equipou com a empatia de modo
que é capaz de acompanhar e sustentar o povo da aliança em seus sofrimentos e tentações.
A declaração enfática que foi “tentado” kata. pa,nta kaqV o`moio,thta (“em todas as
coisas à nossa semelhança”) implica que era suscetível a toda tentação ligada com a
debilidade inerente à fragilidade humana. Isto necessariamente foi à condição para sua
completa preparação para o ministério sacerdotal de ajuda.
53
Debate se a analogia entre a prova de Cristo e a dos ouvintes, pela frase cwri.j a`marti,aj (“sem pecado”). A analogia não limita a semelhança da prova, mas sim a relaciona
exclusivamente a seu êxito, porem, sim o resultado do pecado no caso de Cristo.
Alguns desafiam esta conclusão. Argumentam que isso não significa que Jesus
jamais tenha cometido alguma falta moral em sua vida, nem que tenha sido sem pecado em
sua existência terrena antes de sua crucificação. Se sustem que o autor, ao apresentar a
Jesus como sumo sacerdote, pode ter implicado que sua morte na cruz foi uma oferta de
expiação por seus próprios pecados como os do povo. O que seria consistente, se
argumenta, com 5:3. Pergunta-se como Jesus pode salvar os pecadores se não participou
da sua condição humana, incluindo a experiência do pecado? Sobre a base de 5:8, se
sustenta o fato que Jesus teve que aprender a obediência por vencer a desobediência, um
processo que não foi completo até o momento de sua morte como sacrifício na cruz.
Contudo, tais argumentos parecem desconhecer a evidência interna da homilia. A
expressão kaqV o`moio,thta (“da mesma maneira”) no verso 15 envolve tanto a similaridade
como distinção, excluindo identidade. Paulo sugere que Jesus chegou a ser idêntico a
humanidade caída pára redimi-la. Ainda que a expressão o`moio,thσ (“semelhança”, “parecer”)
expresse exata correspondência, não implica identidade. De fato, em 7:27, Paulo nega que
Jesus tenha oferecido sacrifício primeiro por seus próprios pecados, e logo pelos pecados da
humanidade. Quando se ofereceu a si mesmo, o fez uma vez para sempre. Em 9:14, se
afirma que Jesus “a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus”. Surpreende o fato de que
quando Paulo se refere as condições de Jesus para seu ministério sacerdotal em 7:26-28,
agregue expressamente de que era “sem mácula”, o que é um comentário relativo a
fidelidade de Jesus ao que o designou (3:2) e uma descrição de suas tentações.
O fato de que fosse “sem pecado” indica por que sua misericordiosa provisão
sacerdotal é poderosa e eficaz.
4:16 O incentivo oferecido no verso 15 se complementa com uma exortação à oração
persistente no verso 16.
A ênfase do tempo presente do subjuntivo prosercw,meqa (“ir até”, “aproximar-se”,
“avançar”) é “acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono de graça”. É que o
privilégio sempre esta disponível. O modo subjuntivo é o apropriado para a exortação.
Evidentemente a fonte da terminologia no texto é cúltica e veterotestamentária.
Chama atenção o fato de que Paulo use o mesmo verbo que a Septuaginta utiliza
para indicar a aproximação do sacerdote a Deus em seu serviço sacerdotal. O “trono de
graça” é o lugar da presença de Deus, de onde a graça emana para o povo.
Nos tempos do AT, o sumo sacerdote era o único que era permitido se aproximar ao
altar no lugar Santíssimo do santuário terreno no dia da expiação. Se seu ministério fosse
aceito, o altar chegava a ser o lugar onde a misericórdia de Deus era concedida ao povo (Lc
16:2-34; Hb 9:5). Usando esta linguagem, Paulo convida seus ouvistes a reconhecer que
54
através do ministério sacerdotal de Jesus se alcançou o que Israel nunca alcançou, o acesso
imediato a Deus e a liberdade de aproximar-se definitivamente dEle (7:19, 25; 9:8-12, 14;
10:1, 22).
De modo que, os destinatários da homilia podem se aproximar de Deus através da
oração com confiança que serão recebidos compassivamente. A instrução de orar com o
termo parrhsi,aj (“dizendo todas as coisas”, “com franqueza”, “confiança”) implica que os
ouvintes devem se aproximar ao trono da graça com coragem e franqueza. O direito de
aproximar-se Deus com a disposição de dizer todas as coisas com franqueza lhes foi dado
mediante o sacrifício de Cristo. Agora dispõem de um sumo sacerdote que é empático para
com eles. A promessa que receberão e;leoj (“misericórdia”), acompanhado pelo sustento da
ca,rij (“graça”), se refere a uma experiência de aproximação e a aspectos essenciais do
amor de Deus.
A consideração da solidariedade empática do exaltado sumo sacerdote celestial com
os débeis, enfatizado em 4:15-16, antecipa adequadamente a exposição de 5:1-3.
5:1 A conexão ao novo parágrafo (5:1) com os versos anteriores é estabelecida pela
conjunção ga,r (“porque”). O interesse básico é com o que é verdade quanto à pa/j avrciereu.j (“todo sumo sacerdote”).
Por um efetivo uso das frases preposicionais Paulo persiste em falar sobre a
solidariedade do sumo sacerdote levítico com aqueles a que Ele representa. Seleciona se evx avnqrw,pwn (“entre os homens”), e se designou u`pe.r avnqrw,pwn (“a favor dos homens”), a
quem representa diante de Deus. O verbo (presente indicativo) kaqi,statai (“construir”,
“indicar”, “designar”) em sua voz passiva implica que o sumo sacerdote não se designa a si
mesmo. O tempo presente se refere ao que sempre é verdade. Sendo assim, sempre é
eleito, designado. Basicamente, pareceria que Paulo tem em mente o ministério do sumo
sacerdote no dia da expiação quando ofereceu os sacrifícios pela purificação dos pecados
no lugar Santíssimo.
Paulo declara que se o designa i[na prosfe,rh| dw/ra, te kai. qusi,aj upe.r a`martiw/n
(“para oferecer tanto dons como sacrifícios pelos pecados”). O termo cúltico prosfe,rein (dons) se usa com o matiz de “cumprir o sacrifício”. Ainda que seja natural fazer diferença
entre dw/ra (ofertas de paz) e qusi,aj (sacrifícios de sangue pela transgressão e pecado), em
declarações tardias veterotestamentárias todos os sacrifícios procuravam a expiação e
perdão do pecado (Ez 45:15-17). Os dois termos fazem a descrição geral das ofertas ou
sacrifícios do sistema cerimonial. Contudo, daria a impressão que Paulo apresenta em
primeiro plano os sacrifícios do dia da expiação na discussão do ministério de sacrifício do
sumo sacerdote levítico (cf. 7:27; 10:4, 12, 26).
5:2 O pensamento que se expressa no verso 2 não tem paralelos nas fontes do
Judaísmo contemporâneo. Destaca-se o pensamento que o sumo sacerdote deveria mostrar
paciência (moderação) e debilidade.
55
O verbo infinitivo metriopaqei/n (“ser moderado”) é uma expressão usada na tradição
filosófica aristotélica no sentido de moderar os sentimentos ou paixões para evitar excessos
de entusiasmo. Por um lado, a palavra indica que o sumo sacerdote terreno não deveria
escusar o pecado do confessor sem considerar todos os aspectos pertinentes ao caso. Por
outro lado, não deveria irar-se contra o pecador. Deveria manifestar sentimento de simpatia.
Portanto, se esperava que o sumo sacerdote moderasse seus sentimentos e assim tratasse
de forma gentil e considerável a quem servia.
Esta é uma condição positiva no sumo sacerdote. O conhecimento de sua própria
debilidade e pecado o obriga a moderar seu desagrado e ira diante dos pecados do povo.
Sua compaixão, entretanto, se estende só aos que pecam por ignorância (cf. 9:7; Lv 4:2, 13,
22, 27; 5:2-4). Os pecadores intencionais certamente seriam excluídos da congregação de
Israel (cf. Nm 15:30-31).
5:3 Paulo enfatiza a extraordinária dignidade do serviço do sumo sacerdote. Declara
que a unidade do sumo sacerdote com as debilidades e necessidades dos outros se
conserva viva pela sua obrigação permanente de fazer expiação por si mesmo como pelo
outros em Israel (cf. 7:27; 9:7). Esta é uma interpretação distintiva das provisões que
governavam o serviço sumo sacerdotal no AT.
Embora a vida do sumo sacerdote devesse ser moralmente sem culpa e as regras
que legislavam sua vida eram muito mais estritas e severas que as de qualquer outro
sacerdote (cf. Lv 21), ele era falível e foram feitas provisões para um eventual pecado de sua
parte. Devia oferecer sacrifícios apropriados a sua situação (Lv 4:3-12; 9:7). Era uma
obrigação moral em virtude de sua natureza humana e ministério sacerdotal.
No dia da expiação, por exemplo, oferecia sacrifícios por si, por sua família imediata e
pela congregação de Israel (Lv 16:6, 11, 15-17).
5:4 A designação divina de Aarão e o caráter hereditário de seu serviço enfatizado
em 5:4, se afirma claramente no Pentateuco (Êx 28:1; Nm 3:10; 18:1).
Ao enfatizar que o sumo sacerdote não recebe seu serviço da parte de homens, mas
sim de Deus como foi o caso de Aarão, Paulo é consistente com o ponto de vista
apresentado em 5:1-3.
Com sua declaração não expressa a dignidade associada com o serviço do sumo
sacerdote ou a grandeza de seu chamado divino, mas sim a humildade requerida do mesmo
o qual dependia da designação divina para o exercício de sua missão sacerdotal. A
humildade do sumo sacerdote é consistente com sua solidariedade com o povo em sua
debilidade.28
28Paulo pode ter tido em mente a as famílias líderes do sistema sacerdotal de seus dias em
Jerusalém, os quais não foram descendentes de Aarão, senão designados pelos mesmos ao serviço
56
5:5-6 Paulo passa a comparar o serviço sumo sacerdotal de Cristo com o sistema
levítico em 5:5-6.
Em 3:1-6, o ponto de partida na comparação entre Jesus e Moisés é a semelhança
entre eles. Ambos foram fiéis a aquém os designou (3:1-2). Entretanto Jesus foi superior a
Moisés (3:3-6a).
Um modelo similar é evidente na comparação entre Aarão e o Cristo. Enfatiza-se
inicialmente a semelhança entre Jesus e Aarão no sentido de que ambos não se elegeram
para o serviço de sumo sacerdote, mas sim foram designados por Deus.
O paralelo é estabelecido por meio de uma cláusula comparativa consecutiva:
kaqw,sper kai. VAarwn, ou[twj kai. o` Cristo.j (“exatamente como Aarão assim também
Cristo”), o qual ouvc e`auto.n evdo,xasen (“não se glorificou a si mesmo”) genhqh/nai (“para fazer-
se” [passivo, infinitivo]) sacerdote. O infinitivo genhqh/nai pode ser epexégetico explicando o
verbo principal evdo,xasen, de tal maneira que Paulo quisesse enfatizar a idéia de que Cristo
não havia tomado sobre si mesmo a honra de chegar a ser sumo sacerdote.
Paulo, então, afirma explicitamente a continuidade e superioridade de Cristo sobre
Aarão com a citação do Salmo 110:4, que difere sua interpretação a 7:1-25. O significativo
fato de que Paulo use o titulo oficial com o artigo o` cristo,j (“o Cristo”, “o ungido”; [cf. 9:28]),
já sugere o fato da designação divina. A primeira evidência de que Jesus mostrou a
humildade requerida de seu serviço e não tomou por si mesmo a honra de ser sumo
sacerdote o fornece a mesma Escritura. Paulo interpreta corretamente o Salmo 2:7 como
uma declaração de designação, não de parentesco. Com autoridade havia citado o mesmo
texto para demonstrar que o fator decisivo na entronização e exaltação do Filho foi o próprio
testemunho de Deus (1:5). A citação se refere à investidura do Filho com poder e autoridade
real. Em 5:5 a mesma citação enfatiza a declaração de Deus.
A mesma ênfase se faz evidente na citação do Salmo 110:4. Ambos os textos
declaram o decreto em relação com o qual Jesus foi colocado em seu serviço investido com
poder. Parece evidente o interesse de Paulo de associar os titulo de “Filho” e “sacerdote” ao
ligar ambos os Salmos nos versos 5-6. Na introdução do sermão já se havia implicado uma
correlação entre filiação de Jesus e o sacerdócio, quando a função sacerdotal de fazer a
“purificação dos pecados” se atribuiu ao Filho (1:3), porém o declara explicitamente.
Assim, então, “Filho” e “sacerdote” constituem os primeiros modelos para a cristologia
de Paulo em sua homilia. Em 1:1-4:14 é predominante a representação de Jesus como o
“Filho” de Deus. Agora, em 4:15-10:22 o foco principal é o título de “sacerdote” ou “sumo
sacerdote”.
sacerdotal ou por Herodes, o Grande. Tais homens, ainda que aprovados pelo estado, não foram aprovados por Deus.
57
A função primária da citação de Sal. 110:4 no verso 6 é provar que Jesus não se
atribui o sacerdócio a si mesmo, mas sim foi chamado diretamente a tal serviço por Deus.
Jesus manifestou a humildade requerida dos sacerdotes levitas. Embora, uma função
secundária da citação, é introduzir o Salmo na discussão como um testemunho sobre Jesus.
Em Hebreus existem mais referencias ao Salmo 110:4 que a outros textos bíblicos
(adicionalmente a três citações da passagem [5:6; 7:17, 21], há 8 alusões nos capítulos 5, 6,
7; cada uma das quais é distintiva em forma e função).
A razão primária para a ênfase de tal Salmo em Hebreus é que este prove as bases
bíblicas para a cristologia sacerdotal de Paulo. O texto se introduz repetidamente para
fundamentar o argumento de que Jesus é um sumo sacerdote celestial.
5:7-10 Se consideram as declarações dos versos 7-10 como de caráter confessional.
Sugere-se que são adaptações de um hino ou crença do cristianismo primitivo, relacionando
a humilhação e exaltação de Cristo com o tema de sua designação como sumo sacerdote.
Contudo, tais declarações são formalmente consistentes com outras expressões do mesmo
texto na homilia (2:2-34; 3:12-15; 4:12-13; 5:1-3; 7:26-28), o que sugere que Paulo seja
responsável dos mesmos.
Em 5:7 se descreve a paixão de Jesus em sua totalidade como oração sacerdotal,
sobre a base, provavelmente do conhecimento de Paulo tinha de certos incidentes da vida
de Jesus quando oferecia “com forte clamor e lágrimas, orações e suplicas a quem o podia
livrar da morte”.
A decisão de relacionar a cláusula concessiva kai,per w'n uio,j (“ainda que sendo o
Filho”) ao que segue tem significativa importância na interpretação do verso 8. Indica que a
discussão da obediência de Cristo se qualifica pela afirmação que Jesus é inerente e
intrinsecamente o Filho de Deus, cuja filiação essencial é o fato totalmente a parte de sua
experiência de sofrimento. É instrutivo contrastar a declaração do verso 8 com 12:5, onde se
declara que os “filhos” são disciplinados precisamente porque são filhos. No verso 8 todas as
funções dos “filhos” são colocadas a parte pela conjunção kai,per e o reconhecimento de que
ui`o,j se usa concessivamente. Ainda que Jesus fosse o eterno Filho de Deus, entrou numa
nova dimensão na experiência da filiação na virtude de sua encarnação e morte sacrifical.
A frase e;maqen avfV w-n e;paqen (“aprendeu do que sofreu”) tem uma longa historia na
literatura grega. As duas raízes verbais maq-paq, do simples fato de sua similaridade fonética,
deram origem a uma variedade de combinações para efeitos retóricos. O jogo de palavras é
relativamente comum em Filo de Alexandria, o qual o aplica ao jovem e ao tolo, os quais
devem aprender do que sofrem. Deste contexto, a aplicação de tais provérbios a Jesus é
surpreendente.
Contudo, os paralelos na literatura grega não deveriam ser fatores decisivos na
interpretação do texto. A consideração crucial é que em Hebreus o verbo pa,scein (“sofrer”,
“padecer”) é usado somente para se referir à paixão de Cristo e significa morrer (2:9, 10;
9:26; 13:12). No texto o aoristo e;paqen (“sofreu”) se refere ao único sofrimento redentor do
58
Filho no cumprimento de seu serviço sacerdotal. Por sofrer a direta aceitação da vontade
divina como sendo a sua própria, Jesus honra a Deus como soberano e se entrega a si
mesmo a Ele, confiando que Deus lhe daria seu serviço e dignidade.
O termo e;maqen (“aprendeu”) mostra um matiz desenvolvido na Septuaginta, onde o
processo de aprendizagem se dá na recepção das Escrituras como palavra de Deus. Da
Escritura, e particularmente dos Salmos, Jesus aprendeu que sua paixão se baseava na
vontade salvadora de Deus e que esta não separar-se do seu chamado e missão. Portanto,
a declaração que Jesus “aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu”, o termo th.n
u`pakoh,n (“a obediência”) tem um significado muito específico: “obediência” ao chamado para
sofrer a morte em harmonia com a vontade revelada por Deus. Jesus aceitou livremente o
sofrimento da morte porque a Escritura, e através desta Deus, o comissionaram ao
mencionado sacrifício por motivo de seu serviço sacerdotal.
O novo elemento na aplicação deste jogo de palavras a Jesus não é o processo de
aprendizagem da obediência, mas sim, sua natureza e maneira de obter como aparece
expressado pela frase avfV w-n e;paqen (“do que sofreu”). A expressão avfV w-n é equivalente a
avpo. tou/ton a; (“destas coisas que”). O assento no proverbial dito cai sobre o vocábulo e;paqen
(“sofreu”). Conseqüentemente, a expressão introdutora kai,per w'n ui`o,j (“mesmo sendo o
Filho”) se entende a luz do paradoxo que o Filho existente foi comissionado a sofrer. Não se
resiste ao privilegiado status que sua particular filiação implica, mas que o recebe do Pai
apenas depois que sofreu a humilhação da morte sobre a cruz (cf. 12:2).
Em síntese, Jesus aprendeu experimentalmente que a obediência através da paixão
conduz a salvação e que o capacita para chegar a ser eterno sumo sacerdote (2:10; 5:9-10).
Em um estilo extremamente conciso, Paulo expressa o cumprimento da obra
redentora de Jesus e sua exaltação nos versos 9-10.
A cláusula temporal kai. teleiwqeίσ (“e tendo sido aperfeiçoado”) anunciava a
validação por Deus da obediência perfeita que Jesus rendeu como representante sacerdotal
do povo fiel. O particípio teleiwqeίσ poderia ser interpretado como temporal (“depois de haver
sido aperfeiçoado”) ou causal (“a causa de haver sido aperfeiçoado”). Sua perfeição
consistiu na retenção e confirmação de sua integridade. É dizer, o sofrimento foi o meio pelo
qual Jesus foi capacitado para a função sacerdotal conferida por Deus para Ele. Os
tradutores do Pentateuco na Septuaginta deram ao verbo teleio,w um especial sentido cúltico
de consagração ao serviço sacerdotal (cf. Êx 29:9 , 29, 33, 35; Lv 4:5; 8:33; 16:32; 21:10;
Nm 3:3). Esta concepção oficial parece permanecer atrás de teleiwqeίσ no verso 9, o que
significaria que Jesus tem sido totalmente equipado para apresentar-se diante de Deus em
sua ação sacerdotal. Através de seu sofrimento e o cumprimento de sua missão redentora,
Jesus tem sido aperfeiçoado por Deus como o sacerdote do seu povo e, logo, exaltado em
sua presença.
59
A aceitação do sacrifício de Jesus, declarado com o particípio eivsakousqeίσ (“foi
ouvido”) no verso 7, se implica novamente no verso 9 com o particípio teleiwqeίσ. Se
expressa o resultado desta ação com o verbo principal do verso 9. Jesus “chegou a
ser”evge,neto) fonte de vida eterna e salvação “para todos os que obedecem”. A descrição da
comunidade de fé como “todos os que obedecem” é apropriada na ênfase colocada sobre a
obediência radical de Jesus no verso 8. Como o que já experimentou o significado da
obediência no sofrimento da morte em resposta a vontade de Deus, Jesus reconhece a
obediência em seus seguidores a seu favor no ministério sumo sacerdotal que realiza pelos
obedientes. Esta afirmação repete o tema do “socorro oportuno” de 4:16 e o relaciona ao fato
do sacrifício realizado por Cristo. A salvação que prove é eterna não simplesmente porque a
estende mais além do tempo, mas sim porque este é um fato verdadeiro, celestial e não
humano.
A nomeação de Jesus por Deus como sumo sacerdote “segundo a ordem de
Melquisedeque” (5:10) pareceria ser simultânea com a aceitação de seu sacrifício. A
aclamação divina confirma as condições de Jesus para seu serviço sacerdotal. Assim, a
alusão primária ao Salmo 110:4 reafirma a nomeação divina de Jesus como sumo sacerdote
(versos 5-6), e serve para ligar o sacerdócio de Jesus como sua obra salvadora.
Paulo, então, em 4:15-5:10 desenvolve o conceito de que Jesus chegou a ser
misericordioso sumo sacerdote a serviço de Deus (2:17).
“Misericordioso” implica a capacidade de entender e ajudar aos que confiam em seu
ministério. Paulo relaciona isto com o cumprimento da obra redentora de Jesus em sua
encarnação. Enfatiza a humanidade e solidariedade de Jesus com aqueles expostos a
fraquezas, debilidades e tentações. Pelo fato de Jesus ter sido exposto à mesma prova que
eles enfrentam, sabe por experiência o que a humilhação significa.
A exposição paulina é sumamente prática. A solidariedade empática do sumo
sacerdote celestial com a comunidade fiel em suas debilidades prove uma forte motivação
para a oração. A exortação a aproximar-se a quem é familiar com a condição humana, quem
sofre suas próprias provas e quem é, além disso, qualificado para mediar renovada fortaleza
é um apelo a reconhecer a importância da oração na rotina da vida cristã. Paulo sabia que a
comunidade de fé que receberia a homilia poderia estar exposta as lembranças das
lealdades do passado e ao perigo de uma renovada contenda no contexto do proselitismo e
oposição judaica (cf. 10:32-34; 12:1-4). Para cumprir com sua vocação cristã, esta
comunidade necessitava cultivar sua confiança e segurança através da oração. A descrição
da oração como aproximação sacerdotal a presença de Deus sugere o conceito de que a
oração cria um santuário no tempo, quando não se encontra disponível no espaço. Assim,
expostos a prisão e paciência diante do conflito espiritual, a comunidade encontraria na
oração descanso que flui oportunamente da misericórdia invisível e da graça mantenedora
de Deus.
A intenção de Paulo (até esta seção de sua homilia em Hebreus) pareceria enfatizar
o fato de que a implicada ajuda oportuna é garantida e esta disponível pelo “misericordioso e
60
fiel sumo sacerdote”, o “poderoso para socorrer os que são tentados” (2:17-18), “o apostolo e
sumo sacerdote da nossa confissão” (3:1), o qual, em ultima instância, é “o Cristo” (5:5)
veterotestamentário.
61
UNIDADE IV
POSIÇÃO EXALTADA DO FILHO COMO SUMO SACERDOTE
(Hb 5:11-8:13)
Introdução
Na realidade, Paulo desenvolve o tema do serviço sumo sacerdotal de Cristo até
10:18, o que representa aproximadamente 2/5 do espaço da composição do sermão.
Paulo apresenta aspectos distintos do serviço sumo sacerdotal do Filho. Três
aspectos deste tema já foram anunciados tematicamente na descrição da exaltação de
Jesus em 5:9-10. O que foi antecipado na declaração que Jesus “se fez perfeito” ocupa o
lugar central na exposição e recebe o mais completo desenvolvimento (8:1-9:28). Este
desenvolvimento se encontra enquadrado entre todas as seções que expõe o significado da
nomeação de Jesus como “sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque” (7:1-28) e
como o “autor da eterna salvação” (10:1-18).
Paulo indica o começo de uma nova seção pela simples transição da exposição
(4:15-5:10) à terceira exortação (5:11-6:20).
Terceira exortação: O perigo da imaturidade espiritual
(Hb 5:11-6:20): Aspectos estruturais
Embora se tenha reconhecido que 5:11-6:20 formam uma unidade literária dentro das
estruturas de Hebreus, não tem havido acordo geral quanto a seu esquema lógico.
Existe quem considere esta seção como uma divagação parentética abrupta que
interrompe a exposição de Cristo como sumo sacerdote. Contudo parecia não ser assim.
5:9-10 introduzem o tema que será tratado na porção central do sermão. Portanto, é
preferível considerar esta unidade como uma exortação preliminar que prove um preâmbulo
apropriado a exposição central que segue em 7:1-10:18.
Análise exegética do texto em seu contexto
5:11 a esse respeito temos muitas coisas que dizer, e difíceis de explicar. Talvez com
o propósito de preparar os leitores para o desenvolvimento do tema anunciado nos versos 9-
10, Paulo declara formalmente sua intenção de considerá-lo num todo.
Na expressão peri. ou (“a respeito deste tema”) parecia preferível considerar o
pronome relativo ou- (“este”) como neutro, em referencia ao sacerdócio de Cristo em
totalidade, e não tanto como uma cláusula relativa masculina que tem por antecedente a
Melquisedeque no verso 10. Na realidade, se discute o tema do sacerdócio de Cristo, não
simplesmente ao de Melquisedeque.
O adjetivo dusermh,neutoj (“de difícil interpretação”) se usa somente aqui no texto
grego da Bíblia. Entre os escritores helênicos era habitual usá-lo para descrever dificuldades
62
intrínsecas e não intrínsecas ao material ou tema exposto. É dizer, dificuldades que se
derivam da complexidade do assunto mais que a carência de habilidade no escritor ou
publico, como poderia ser o caso dos sonhos, das cores da luz, dos sabores doces e
amargos, do curso das estrelas, da natureza da alma, da criação do mundo ou da
ressurreição. O importante e profundo, “de difícil interpretação”, é o tema anunciado nos
versos 9-10.
O “difícil de interpretar” é devido a os leitores quem chegarem a ser nwqroi. tai/j avkoai/j (“indolentes”, “negligente”, “lentos” para ouvir). O infinitivo le,gein (“dizer”) se usa
exegeticamente para explicar precisamente o adjetivo nwqro,j (“indolente”, “negligente”,
“lento”). Em outras palavras, “temos muito que dizer” a causa da “indolência”, “negligencia”
ou lentidão de vocês em ouvir. O perfeito ativo do indicativo gego,nate (“tem chegado a ser”)
sugere que eles não eram indolentes, negligentes ou lentos por natureza, mas sim que tem
chegado a ser por descuido ou negligencia. O uso do tempo perfeito sugere que o estado em
que se encontram os leitores não era a condição original dos mesmos.
É significativa a eleição dos termos no contexto do verso 9, onde nomeia a Jesus
“autor da eterna salvação para todos os que lhe obedecem”. A surdez ou passividade no
processo de receptividade é uma condição perigosa para os que têm sido chamados para
uma obediência radical. Enfatiza-se repetidamente no sermão a importância da diligencia e o
ouvir responsavelmente (2:1; 3:7-8, 15; 4:1-2, 7). O encargo de haver chegado à condição de
indolência espiritual no verso 11 resume o desafio já expressado nas seções exortatórias
previas e as faz mais explicitamente pessoal e relevante à comunidade destinatária. O que
implica é a carência de sensibilidade ao evangelho e uma rejeição a provar as implicações
mais profundas do compromisso cristão e a responder com fé e obediência (cf. 2:1-4; 4:1-2).
Se esta atitude apática não fosse observada, produziria finalmente uma inércia espiritual e
causaria erosão na fé e a esperança requerida dos ouvintes.
5:12-14 A chave da interpretação dos versos 12-14 é o reconhecimento do uso da
ironia. A reprovação do verso 12 pode se relacionar com a tendência de se retirar do contato
com outros e a perda da segurança que isto pressupõe.
Esta interpretação se baseia na declaração de que devem ser dida,skaloi (“mestres”),
o que implica especificamente a habilidade de comunicar a fé aos outros.
Com a sentença correlativa “ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais
são os princípios elementares das palavras de Deus” parece que Paulo desejava descrever
a condição atual dos recebedores.
A expressão “leite” e “alimento sólido” foram figuras usadas habitualmente para se
referir à assimilação da educação em contextos filosóficos helênicos populares. Era comum
referir-se aos que haviam alcançado um nível de educação elementar como crianças que
necessitam de leite comparado aos que haviam alcançado um nível avançado como adultos
que tem necessidades de alimentos sólidos.
63
A presença desta convenção retórica nos versos 12-14 tem sido interpretada como
um instrumento pedagógico com o que Paulo tenta convencer a seus leitores a alcançar
maiores progressos em entender a teologia bíblica a luz da realidade histórica de Cristo (cf.
1Co 3:1-2; Ef 4:14). Evidentemente Paulo usa termos do desenvolvimento humano para
descrever o desenvolvimento da fé dos leitores. Em contraste a expressão “criança” (verso
13), os “adultos” são os que estão preparados para o “alimento sólido” (verso 14). Neste
contexto, “alimento sólido” poderia fazer referencia a instrução sobre o serviço sumo
sacerdotal de Cristo que será exposto em 7:1-10:18.
A advertência expressada em 5:11-14 encontra uma continuação enfática em 6:1-12.
6:1 O significado da conjunção dio, (“portanto”, “pelo qual”, “pelo que”) em 6:1 implica
que Paulo não considera os membros da igreja recebedora como crianças necessitadas de
leite. Paulo sabia que podia motivá-los a ir “adiante, ao alvo da maturidade espiritual” já que
estavam preparados para receber alimento sólido, e para distinguir entre o que é bom e o
que não é.
O particípio avfe,ntej (“deixar”, “soltar”, “jogar fora”, “abandonar”) não sugere desprezar
ou abandonar as doutrinas elementares. Paulo parece enfatizar a idéia de que o começo não
é um lugar de parada estática, mas sim a porta do progresso para saltar, ir adiante com a
intenção de alcançar os objetivos.
Na expressão to.n . . . tou/ Cristou/ lo,gon (“a palavra de Cristo”), o genitivo “de Cristo”
poderia interpretar-se como genitivo objetivo (“a palavra inicial sobre Cristo”) ou como
genitivo subjuntivo (“a palavra inicial de Cristo”). No contexto a ênfase é dada pelo genitivo
objetivo. Paulo implica ir mais além do que já sabem sobre Cristo, até a maturidade (cf.
5:9,14).
Poderia existir alguma diferença entre “os elementos básicos da palavra de Deus” em
5:12 e “a palavra inicial” em 6:1. Por um lado, a instrução dada em 5:12 poderia fazer
referencia a um ensinamento veterotestametário preliminar insuficiente, sem específica
referencia a Cristo. Por outro lado, o ensinamento cristão inicial sobre Cristo em 6:1 se
descreve positivamente como um fundamento fixo da vida cristã. Tem-se observado esta
última sugestão sobre a base de que nenhum dos seis itens mencionados em 6:1-2 se refere
a alguma coisa especificamente cristã. Contudo cada um dos seis elementos se relaciona
com a cristologia sumo sacerdotal desenvolvida nos capítulos subseqüentes, o que torna
explicita a estrutura cristológica do ensinamento inicial. Por exemplo:
O chamado ao “arrependimento de obras mortas e fé em Deus” se revisa em 9:14 no
contexto do sacrifício expiatório pleno de Cristo na cruz, onde são definidas as “obras
mortas” como as regras externas associadas com o sacerdócio levítico no santuário terrestre
(9:10). A diferenciação entre lavamentos e purificações inúteis do Judaísmo por um lado e a
purificação pelo sangue de Cristo por outro (9:9-10, 19; 10:22), ou entre sacerdotes
nomeados por imposição de mãos de acordo com a lei, os que não podiam tornar o povo de
Deus perfeito por suas debilidade, e o sumo sacerdote escolhido pelo juramento de Deus e o
64
poder de uma vida indestrutível (8:1-6; 7:15-28) demonstra a relação entre o ensinamento
inicial e a instrução avançada fornecida em 7:1-10:18.
Evidentemente, a instrução relativa a vários rituais de purificação do Judaísmo, de
imposição de mãos, da ressurreição dos mortos e do juízo eterno se encontra em oposição
ao “fundamento” do arrependimento de obras mortas e fé em Deus. Isto significa que a
colocação do fundamento consistiu na provisão da palavra inicial sobre Cristo. Uma
implicação desta interpretação é que o arrependimento e a fé foram insinuadas, ao menos
em partes, na instrução que desenvolveu uma perspectiva particularmente cristã sobre os
artigos de fé relacionados no verso 2. Por tal razão, em 6:1-2 Paulo não pede a comunidade
para abandonar algum aspecto da instrução cristã por outro, senão a edificar sobre o
fundamento sólido já impostos pelos mesmos.
6:3 A declaração “isso faremos” (6:3) tem referencia especifica ao que foi indicado em
6:1. Ao mesmo tempo recapitula o anuncio feito em 5:11.
Paulo confia que os recebedores da mensagem de 5:11-6:12 reconheçam que sua
regressão e retirada é perigosa. A frase “se Deus o permitir” não é uma mera expressão de
piedade. O uso da partícula condicional enfatiza que a ação é apesar da oposição. É dizer,
“se apesar da oposição, Deus o permitir”; “se realmente...”; “se depois de tudo...”.
O desenvolvimento da estrutura cristológica dos artigos iniciais como o alcançar da
meta de maturidade espiritual coloca Paulo e a seu publico em dependência das benções de
Deus (6:1,7).
6:4-6 Chega a ser clara a resolução de Paulo registrada no verso 3. Com a conjunção
causal ga,r (“porque”, “pois”, “em efeito”), que segue a afirmação principal do verso 3, Paulo
conecta a reflexão dos versos 4-6.
A rica experiência dos recebedores fornece a base para que Paulo possa seguir
adiante com o desenvolvimento de sua exposição sobre o serviço sumo sacerdotal de Cristo.
Se lhes pode falar diretamente porque Deus já fez alguma coisa por eles. Com todo, o perigo
da apostasia não é meramente um assunto hipotético, mas sim uma evidente realidade. Isto
motiva a uma das mais severas advertências.
Paulo começa com uma lista de declarações positivas impressionantes. Coloca
enfaticamente no começo da sentença o vocábulo avdu,natoσ (“impossível”), o que se encontra
condicionado pelo evento e por feitos específicos. Uma forte e vital relação tem sido
estabelecida entre Deus e a comunidade recebedora. A relação dos feitos ocorridos com a
recepção do evangelho não descreve uma sucessão de eventos salvadores, mas sim o
evento da salvação que foi interpretado de diferentes aspectos e manifestações. Cada uma
das declarações positivas se encontram condicionadas pelo advérbio a[pax (“uma vez”, ”uma
só vez”), o que sugere a idéia de um acontecimento definido.
65
A experiência do poder do evangelho (cf. 2:3-4) resultou na iluminação salvadora de
suas mentes e corações (cf. 10:32). No NT o verbo fwti,zein (“iluminar”, “alumiar”, fig.
“infundir conhecimento sobrenatural”, “poder de manifestação”) é usado metaforicamente
para se referir à iluminação espiritual ou intelectual que remove a ignorância através da ação
de Deus ou da pregação do evangelho (cf. Jo 1:9; Cl 4:4; Ef 1:18; 2Tm 1:10; Ap 18:1). Paulo
não significa simplesmente instrução com salvação, mas sim a renovação na mente e a vida.
O que implica com a[pax fwtisqe,ntaj (“foram uma vez iluminados”) se descreve
claramente pela cláusula que segue. O verbo geu,εsqai (“provar”, “degustar”) se usa
apropriadamente para expressar uma experiência que é real e pessoal. As duas cláusulas
introduzidas com o repetido particípio geusame,nouj (“degustaram” [verso 4,5]) expõe aspectos
de uma conversão interna e externa. Os recebedores experimentaram o “dom celestial”,
frase que descreve a redenção como o dom gratuito de Deus, e a recepção do Espírito
Santo. As bondades da palavra de Deus e a dotação dos membros da comunidade com
dons carismáticos é o que ouviram e viram. As cláusulas juntas descrevem vividamente a
realidade da experiência pessoal da salvação experimentada pelos que receberam a homilia
de Paulo. O Espírito Santo não só havia originado a comunidade cristã destinatária, senão
que foi levando-a a um cumprimento escatológico. O tempo presente já estava permeado
pelo poder da era do por vir, que através de Cristo, havia feito um profundo impacto sobre a
comunidade.
Portanto, Paulo apresenta aos recebedores como evento visível da ação presente e
salvadora de Deus na história. São testemunhas inquestionáveis dessa realidade em suas
vidas.
Se os que gozarem de uma genuína e completa experiência cristã caírem, se faz
impossível “outra” renovação “para o arrependimento” (verso 6).
Estilisticamente, o aoristo ativo particípio parapeso,ntaj (“abjurar”, “apostatar”)
permanece em contraste aos quatro particípios prévios, que expressam o caráter positivo da
experiência da comunidade, como alguma coisa injustificada e trágica. O tempo do aoristo
indica um momento decisivo do compromisso com a apostasia. Parapi,ptw tem o sentido de
“ofender”, “cair”, “pecar” como na Septuaginta (cf. Ez 14:13; 15:8; 18:24; 20:27; 22:4).
Refere-se a uma atitude de total e deliberada renuncia de Deus (Ez 20:27; 22:4). Em vista da
familiaridade do autor da epístola com o uso da Septuaginta não é impossível que conheça a
correspondência entre o verbo hebraico mā/‟ál, “ser infiel” e parapi,ptw.
Em Hebreu é equivalente a expressão avposth/nai (“distanciar”, “separar”, “desertar”,
“renunciar”) que aparece em 3:12. Apostasia envolve rejeição decisiva dos dons de Deus,
similar a rejeição das promessas divinas por parte da geração do Êxodo em Cades Barnéia
(3:7-4:2).
Os termos característicos na epístola para o pecado que evidência desprezo diante
de Deus são expressões compostas que se constroem com a preposição para,, as quais se
usam somente nesta epístola: paradeigmati,zein, “infamar”, “expor a humilhação pública”
66
(6:6); parepi,krainein, “rebelar”, “provocar” (3:16); parapikrasmo,j, “acrimônia”, “amargura”,
“ira”, “rebelião” (3:8, 15); pararrein, “cair, “deslizar”, “extraviar”(2:1); parafe,rein, “levar”,
“mover até um lado”, “trocar”, “alterar” (13:9); pareime,noj, “cair”, “precipitar-se”, “estar
abatido”, “estar angustiado”(12:12).
O matiz do particípio parapeso,ntaj no verso 6 se manifesta em relação aos particípios
presentes avnastaurou/ntaj (“crucificando” novamente o Filho de Deus) e paradeigmati,zontaj (“o expondo a humilhação pública”), os quais expressam as conseqüências abomináveis da
decisão de menosprezar os dons de Deus. O particípio avnastaurou/ntaj (“crucificado”) é
causal e indica porque é impossível para tais indivíduos arrepender-se e conseguir um novo
começo em sua experiência cristã. Se os leitores retornaram novamente ao Judaísmo, não
haveria possibilidade para eles de começar uma nova vida espiritual. Isto requereria uma
recrucificação de Cristo expondo-o a vergonha pública. Por esta razão devem continuar até a
maturidade apesar das dificuldades, problemas e perseguições que encontrem no caminho.
Na perspectiva escatológica de Hebreus não existe outro arrependimento além do
provido por Deus através de Jesus Cristo. Não existe salvação além da purificação dos
pecados realizados pelo Filho no período final da atividade redentora de Deus (1:1-3). Assim
a expressão avdu,natoσ (“impossível”) no verso 4 expressa uma impossibilidade devido a
apostasia que rejeita a única base sobre a qual o arrependimento pode ser possível. Rejeitar
a Cristo é marchar em direção do “impossível”.
6:7-8 A presença do ga,r (“porque”, “pois”, “em efeito”), estabelece que os versos 7-8
são parte integral do argumento dos versos 4-6.
A força de ga,r pode ser causal ou explicativa. Se for causal, Paulo pode fazer a
declaração expressada nos versos 4-6 porque sabe que a terra, que foi bem umedecida pela
chuva freqüente e cultivada, enfrentará destruição se produzir somente espinhos e abrolhos
em lugar de sementes úteis. Se tivesse a função de uma explicação adicional, a ilustração
deixa clara a advertência dos versos 4-6. A lista de bênçãos experimentada pela
comunidade (versos 4-5) demonstra que têm recebido chuva freqüente e que são objetos do
cuidado de Deus (cf. Dt 11:11-12). Existe base firme para confiar que a comunidade
participara de bênçãos adicionais de Deus (Verso 7; cf. 13:7, 17). Porém se a comunidade
cristã chegar a apostasia seria como um campo úmido e cultivado produzindo somente
espinhos e abrolhos (verso 8).
Na metáfora o interesse se concentra na colheita, mais que nas etapas preliminares
do crescimento. O decisivo é o que se produz. O problema é utilidade ou inutilidade. As
bênçãos iniciais são as mesmas, contudo o resultado final é diferente.
A formulação do verso 8 faz clara alusão a Gênesis 3:17-18, onde o crescimento de
espinhos e abrolhos é a conseqüência da maldição invocada pela desobediência humana.
De acordo com o verso 8, a grave conseqüência da apostasia seria uma vida destinada a
produzir só espinhos e cardos, cujo fim é o fogo. A importância da ilustração é clara no
67
contexto de Hebreus, já que o fogo é associado com a severidade do juízo que consumirá os
adversários de Deus (10:27).
A idéia de bênção (verso7) e maldição (verso 8) colocada a discussão no contexto da
aliança. A obediência condiciona a promessa de bênção e a desobediência ou apostasia a
promessa de maldição (cf. Dt 11:26-28). É possível que nos versos 7-8 Paulo tivesse como
antecedente às cidades da campina do Jordão, as que eram “como o jardim do Senhor” (Gn
13:10), porém que foram posteriormente julgadas e destruídas por Deus (Gn 19:24). Estas
cidades foram destruídas para ilustrar ao povo o que espera a quem abandona a Deus e que
expressam menosprezo pela aliança (Dt 29:22-25). Os destinatários haviam experimentado
as bênçãos da salvação. Os que apostataram haveriam de receber a maldição sancionada
na aliança.
6:9 A visão otimista em relação a congregação expressada nos versos 1-3 se reitera
no verso 9. A base da confiança de Paulo é o fato de que Deus já esteve trabalhando em
eles. A severidade das advertências (versos 4-8) se suaviza quando Paulo se dirige aos
destinatários pela primeira e única vez como “amados”. Paulo esta seguro que “as coisas
que são melhores e pertencentes à salvação” já têm sido experimentadas pela congregação
destinatária.
A segurança de Paulo (verso 9) se baseia nas experiências da comunidade (verso
10; cf. 10:32-34). Quando o verso 10a é lido à luz de 10:32-34, a “obra” que Deus não pode
esquecer deve se referir aos sofrimentos provocados pela perseguição e ao serviço amante
em favor de diversos necessitados.
6:11-12 A admoestação dos versos 11-12 se dirige a cada pessoa (cf. 3:12, 13; 4:1,
11; 10:25; 12:15). Cada um deve mostrar o mesmo interesse até o fim. O verso 12 expressa
a motivação detrás de toda a exortação em 5:11-6:12: “para que não vos torneis indolentes,
mas imitadores” (cf. 5:11). Paulo não quer que continuem na condição descrita em 5:11. A
idéia de “imitar” aqueles que pela “fé e pela longanimidade herdam a promessa” prepara a
transição para 6:13-20.
6:13-15 Pela uma mudança no estilo se indicam a introdução de uma nova unidade
em 6:13. Paulo passa da exortação a uma exposição sobre a confiabilidade da promessa
divina estendida aos cristãos através do ministério sumo sacerdotal de Cristo. A transição é
produzida pela repetição de palavras introduzidas em 6:12. A sugestão de serem imitadores,
dos que tem alcançado as promessas de Deus através da fé e paciência em 6:12, se
desenvolve em 6:13-20 com referencia a Abraão, quem havia recebido a promessa e a
confirmação da aliança depois de haver triunfado na prova severa de sua fé (versos 13-15;
cf. Gn 22:1-18). Paulo apresenta nos versos 16-20 a relevância da fé, obediência e paciência
de Abraão para os que agora são herdeiros das promessas de Deus.
A referência a Abraão como protótipo de fidelidade em 13-15 dá conteúdo especifico
para a exortação apresentada no verso 12. A ocasião para a repetição e cumprimento da
promessa de Deus a Abraão (Gn 12:2-3; 15:5) foi à obediência do patriarca à aliança divina
68
de sacrificar seu filho Isaque (Gn 22:1-12). Em resposta Deus reafirmou seu compromisso de
abençoar Abraão por meio do juramento (Gn 22:16-17). A noção que Deus jura por si
mesmo (cf. Êx 32:13; Is 45:23; Jr 22:5) significa que Ele se compromete a cumprir sua
palavra. O juramento divino prove a garantia que exclui toda a dúvida e afirma a perpetuação
e validez da promessa.
Abraão recebeu a confirmação definitiva da promessa divina depois de haver sido
severamente provado na fé e paciência (verso 15; cf. Gn 22:1, 15-18). O cumprimento da
promessa dependia de Isaque (Gn 12:2; 15:5).
A confiança imutável na promessa da palavra de Deus que Abraão mostrava ao
oferecer Isaque (cf. 11:17-19) é precisamente o que os herdeiros atuais devem manifestar
diante da promessa divina.
Deste modo, Paulo fornece uma base bíblica para que o povo imite a fé e a
experiência de Abraão na segurança que receberá o que Deus tem prometido.
6:16 Paulo compara o juramento de Deus a Abraão com a prática humana de realizar
juramento para a confirmação final de uma aliança ou pacto.
Por definição, o juramento é uma confirmação definitiva da palavra dita e anula toda
contradição da declaração realizada. O AT prescreve que todo juramento devia ser feito em
nome de Jeová (Dt 6:13; 10:20). Mentir sob juramento era condenado como uma violação do
terceiro mandamento (Êx 20:7; Dt 5:11; Zc 5:3-4). Na prática, o juramento implicava a
invocação solene de Deus para ratificar a inequívoca exatidão do que se declarava ou
prometia. Paulo deve ter tido em mente o feito que Abraão mesmo jurou por Deus e
requereu que outros o fizeram também (Gn 14:22; 21:23-24; 24:3).
6:17 a declaração de que Deus “interpôs juramento” (verso 17) se refere a Gn 22:16-
17. Contudo o foco da exposição se traslada do patriarca aos cristãos, a quem se designa
“os que herdam a promessa” (cf. verso 12).
Os que têm herdado as promessas através de Cristo devem apreciar a relevância do
fundamento bíblico. O que está registrado na Escritura é para fortalecê-los na convicção de
que o propósito de Deus para com eles é inalterável. O propósito imutável de Deus deveria
prover uma poderosa razão para emular a experiência de Abraão.
A palavra avmeta,qetoσ (“imutável”, “não capaz de anular-se”, “inalterável”, “invariável”
pertence a terminologia legal da época em que Paulo escreve e significa sentença ou
decisão que é impossível mudar ou anular. Deste modo, Paulo indica a irrevogabilidade do
propósito de Deus expressado na promessa e confirmada pelo juramento.
6:18 Sobre “as duas coisas imutáveis” (verso 18) descansa a segurança de receber
as bênçãos que são o conteúdo da esperança cristã e que já estão preparadas para o povo
de Deus.
69
Ainda que não esteja especifico explicitamente no texto, os dois fatos certamente se
referem a promessa e ao juramento de Deus (versos 13,17). Considerando que Paulo tenha
trasladado o centro de atenção de Abraão à comunidade cristã nos versos 17-18, é sugerido
que seria apropriado interpretar a promessa dada a Abraão e confirmada com juramento
como tipo a da dada a comunidade da nova aliança em Cristo. Em seu estudo, B. Klappert
reconheceu o paralelo na formulação entre 6:13-20 e 7:19-21, o que indica que a promessa
de 6:16-20 é idêntica a esperança sumo sacerdotal introduzida com o juramento. É dizer,
Cristo mesmo é a palavra escatológica da promessa (1:2), e sua obra salvadora foi
confirmada com um juramento inalterável (Sl 110:4; cf. Hb 5:6, 10; 6:20; 7:17, 21, 28).
Destaca-se o conceito da irrevogabilidade da promessa e juramento de Deus pela
expressão “nas quais é impossível que Deus minta”. Ainda que não se derive de alguma
passagem específica, esta dedução se baseia no AT (cf. Nm 23:19; 1Sm 15:29; Sl 89:35; Is
31:2).
A qualificação da esperança como alguma coisa “posta diante de nós” define a
mesma como o dom objetivo que Deus estende a seu povo através de Cristo. Na carta, a
palavra esperança nunca descreve uma possessão objetiva (“nossa esperança”), senão que
sempre denota o conteúdo objetivo da esperança, a salvação presente e futura. Nos versos
18-20 se sugere que o povo considere a esperança como “promessa” e “realização” (cf.
verso 11), como “anuncio” e “cumprimento” (cf. 7:19). Paulo sugere que a esperança
redentora (escatológica) da comunidade cristã alcançou uma certeza dupla através da
promessa irrevogável de Deus e a realização de Cristo. Assim, então, Paulo oferece uma
poderosa razão para que os recebedores resistam toda tentação a perder sua confiança e
profissão inicial (6:11-12).
6:19-20 O uso literário da âncora (versos 19-20) como uma metáfora náutica foi
intensamente usada na antiguidade.
A fonte da metáfora foi a experiência comum do povoado marítimo do Mediterrâneo,
onde os firmes dentes da âncora sustinham um barco em segurança.
A metáfora se usava habitualmente na literatura grega para evocar a nação de
estabilidade provida pela aderência a virtude, e especialmente a esperança. A base da
comparação é a segurança que a ancoragem firme provia a embarcação.
Os sinônimos próximos avsfalh/ kai. bebai,an (“segura e firme”) se usavam para
descrever tudo o que tivesse suficiente estabilidade e firmeza (o estável) de modo que não
pudesse ser movido. Em Hebreus be,baioj (“sólido”, “firme”, “estável”) é um termo favorito
para se referir a idéias que tenham conotação com o conceito de segurança, firmeza,
veracidade, durabilidade e estabilidade (2:2; 3:6, 14; 6:19; 9:17). Os dois termos são
apropriados na metáfora e qualificam seu antecedente “esperança”. Como se sustem a
embarcação por meio da âncora firme, a vida do cristão se estabiliza e afirma pela
esperança que vincula esta vida a Cristo, quem entrou no santuário celestial.
70
A qualificação adicional da esperança como que “penetra além do véu” onde Cristo
entrou como sumo sacerdote dá ao conceito de esperança um matiz particularmente
escatológico. A proposta de que o particípio eivsercome,nhn (“penetra”) qualifica a “âncora”, de
modo que a âncora que penetra além do véu seja Jesus não parece ser a interpretação
correta.
Parece preferível reconhecer que o antecedente do verbo é o pronome relativo h]n
que se usa como complemento da palavra evlpi,doj (“esperança”) que lhe precede
imediatamente. Por tal razão, a esperança é o que penetra além do véu, interpretação que
se confirma quando Paulo refere posteriormente a “esperança superior, pela qual nos
chegamos a Deus” (7:19).
O conteúdo objetivo da esperança prometida é a segurança que com a redenção já
ocorrida a comunidade pode se aproximar a Deus em serviço sacerdotal. Na realidade, a
comunidade destinatária da homilia já foi motivada a aproximar-se através da oração (4:16).
Descreve-se a cortina com termos da Septuaginta, onde katape,tasma (“véu”) se usa
para descrever (1) o véu que separa o lugar santo do santíssimo, chamado parōket (Êx
26:31-35; 27:21; 30:6; 35:12; 37:3 [Mt 26:35]; 38:18; 39:4 [Mt 38:27]; 40:3, 21, 22, 26; Lv 4:6,
17; 16:2, 12, 15; 21:23; 24:3; Nm 4:5; 2Cr 3:14); (2) o véu na porta do santuário ao entrar no
lugar santo, chamado em hebraico māsāk (Êx 26:37; 37:5 [Mt 36:37]; 39:19 [Mt 39:40]; 40:5;
Nm 3:10), ou parōket (Lv 21:23; Nm 18:7); e (3) o véu da entrada ao pátio do tabernáculo (Êx
37:16 [Mt 38:18]; 39:19 [Mt 39:40]; Nm 3:26; 4:32).
Josefo emprega o vocábulo para o véu que dá ao pátio anterior (Ant VIII. 75.90; Bell
5.212) e para o lugar santo e santíssimo (Bell V.219; Ant VIII.75.90; XII.250). Filo usa o
termo para a cortina de entrada do lugar santo (Leg. I.171, 274) e ao santíssimo (Leg. I. 231;
Vis. Mos II.86). Com base nesta evidência filológica é irrelevante sugerir que katape,tasma
(“véu”) é uma palavra que só se refere ao véu que separa o lugar santo do santíssimo. A
evidência da Septuaginta e outros autores helenistas sugerem várias possibilidades.
O problema que se encontra no uso da expressão “dentro do katapeta,smatoj” em
6:19 não se dá necessariamente no uso atual da expressão, mas sim na interpretação
exclusiva feita do termo katapeta,smatoj como se referindo ao véu que separa o lugar santo
do santíssimo. Como o sacerdote adentrava o dito véu no dia da expiação (Lv 16:2), alguns
concluem que esse foi o véu transposto por Jesus imediatamente depois de sua assunção.
Contudo, a Septuaginta usa a palavra katape,tasma 42 vezes, das quais 34 se referem
a qualquer um dos três véus do santuário.
Em Números 18:7 se encontra a expressão “dentro do véu” com relação ao ministério
que deve ser realizado dentro de ambos os departamentos do tabernáculo terrestre (cf. um
exemplo similar em Lv 21:23). A Aarão e seus filhos estavam à responsabilidade do cuidado
do santuário (18:5), sendo a ultima declaração uma referencia aos dois departamentos
interiores do mesmo (18:7). Obviamente o AT mostra aqui uma perspectiva mais ampla, já
71
que usa a expressão véu para se referir ao ministério sacerdotal Aarônico, incluindo o
realizado dentro do segundo véu.
Hebreus apresenta uma evidência adicional, referida também ao ministério sacerdotal
total dentro do santuário. Hebreus 6:20 descreve que Jesus “como precursor, entrou por
nós”, declaração que se refere a totalidade de seu ministério no santuário celestial, no
“interior do véu” (6:19). Em outras palavras, Jesus penetrou além do véu, dentro dos lugares
santos do santuário celestial para dar começo a um ministério cuja missão específica era
“aniquilar o pecado, pelo sacrifício de si mesmo” (9:26). Dessa maneira, Jesus inaugurava
um “novo e vivo caminho” (10:20), pelo qual haveria de oficiar os benefícios de seu sacrifício
expiatório pleno ante o Pai, e que o crente haveria de seguir pela fé. De acordo com estas
passagens, então, sua entrada no santuário se referia ao começo de seu ministério e não a
sua fase final (cf. 9:23-28; Ap. 11:18-19). Contudo, as afirmações de Hebreus
(particularmente em 6:19-20; 9:23) não estabelecem o momento exato de cada fase de seu
ministério celestial. Simplesmente anuncia o serviço sacerdotal de Jesus como um todo
integral a ser realizado no santuário celestial.
De modo que o termo katapeta,smatoj não pode interpretar-se exclusivamente para
referir ao segundo véu que separava ambos os departamentos do santuário. Por tal razão,
Paulo identificam o segundo véu quando se refere ao do lugar santíssimo em 9:3.
Em 6:19, então, Paulo faz referência ao ministério que Jesus haveria de realizar
dentro do santuário, sem identificar alguma fase do mesmo.
A representação de Jesus como havendo entrado no santuário celestial “por nós” (lit.
“em nosso favor”, verso 20) pressupõe um antecedente veterotestametário. A expressão
u`pe.r h`mw/n (“em nosso favor”) introduz o conceito do auto-sacrifício expiatório do sumo
sacerdote Jesus como base da segurança (certeza) dos crentes: Jesus é o sumo sacerdote
eterno o qual tem possibilitado ao crente a “intrepidez para entrar no Santuário”, na real
presença de Deus (cf. 10:19-21). Sua presença detrás do véu é um firme sinal ao crente, o
qual agora poderá passar através do véu e entrar no santuário na presença de Deus (cf.
10:19, 22).
A palavra pro,dromoj (“um que corre adiante”, “corredor enviado adiante”, “precursor”)
é usada para se referir ao homem ou a tropa enviada para explorar o território antes do
avanço do exército. A designação de Jesus como tal é intrigante. A idéia que Paulo parecia
transmitir é a de “precedência” ou “antecedência”. Pro,dromoj é um vocábulo que implica
seqüência. Jesus é o Pro,dromoj do crente porque penetrou além do véu como seu
“precedente” ou “antecessor” em seu serviço sumo sacerdotal segundo a ordem de
Melquisedeque. De modo que, a segurança da promessa de Deus se confirma na vida,
morte, entrada e investidura sumo sacerdotal de Jesus.
De acordo com 5:7-10, Jesus foi confirmado em seu serviço sacerdotal depois de seu
período de ministério de sofrimento e obediência. É dizer, sua ascensão e sacerdócio vão
juntos. O mesmo se reflete em 6:20, o qual indica que Jesus entrou no santuário celestial
72
através de sua morte. Isto é o que assegura o crente à purificação que o capacita a
aproximar-se do trono de Deus “com sincero coração, em plena certeza de fé” (10:22). A
frase “sumo sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque” se liga à obra
salvadora de Jesus em 6:20, como em 5:10. Isto se surpreende precisamente porque no
capítulo 7 a frase se atribui ao serviço sacerdotal de Jesus porém não especificamente a sua
atividade redentora. Tal expressão retoma o tema de 5:10 e prepara o leitor para a
exposição do serviço sumo sacerdotal de Jesus em 7:1-28.
Em 6:13-20, Paulo apresenta Abraão como um paradigma de verdade e
perseverança. Contudo, sua intenção inclui algo mais. Desejava descrever a promessa de
Deus e apresenta a Abraão como tipo da maneira em que Deus atua com o crente.
A promessa de abençoar Abraão é uma pré-figuração da salvação que Deus deu aos
crentes através de Jesus. A experiência de Abraão com Deus foi, primeiro e sobretudo, uma
demonstração que Deus é fiel, que suas palavras são confiáveis, e que Ele garante o
cumprimento de suas promessas.
A prometida salvação assegurada através do ministério sumo sacerdotal de Jesus
também é segura e confiável porque Deus garante. O tempo presente é a ocasião para uma
esperança “segura e firme”, já que Jesus entrou na presença de Deus em favor do crente,
com o propósito de que cada um tenha “intrepidez para entrar no Santuário” (10:19), na
presença de Deus, “com sincero coração, em plena certeza de fé” (10:22).
Por esta razão, Paulo exortará a seu povo em manter “firme a confissão da
esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel” (10:23).
Jesus, sacerdote para sempre segundo a ordem de
Melquisedeque (Hb 7:1-28): Aspectos estruturais
Dentro da estrutura da homilia, 7:1-28 é definida claramente como uma unidade
literária. A referência ao “Filho de Deus” no verso 3 prepara a introdução e a conclusão do
verso 28 onde novamente aparece a expressão “Filho”. Todo o capítulo se interessa no Filho
como sumo sacerdote “segundo a ordem de Melquisedeque”, o qual é superior aos
sacerdotes levíticos. A apresentação de Jesus como sacerdote eterno segundo a ordem de
Melquisedeque, poderia dividir-se em duas seções.
Primeiro, Paulo apresenta Melquisedeque (7:1-10) através da forma de um Midrash
homiletico, em que a exposição da Escritura determina a estrutura do argumento. Esta
unidade exibe cinco características desta forma distintiva: o ponto de partida para a
interpretação é um texto do AT; a exposição é de caráter homilético; a análise dos detalhes
do texto é feita de forma cuidadosa; o texto do AT se faz relevante diante da situação
presente do povo através da interpretação; o ponto de interesse é o informe narrativo.
A base do midrash em 7:1-10 é o principio hermenêutico do gēzêrâ šāwâ. Isto é, se
duas passagens separadas da Escritura contem a mesma palavra, a analogia verbal prove
uma razão suficiente para explicar um texto à luz de outro (cf. 1:5; 3:7-4:11; 13:5-6). Gênesis
73
14:17-20 domina toda a exposição de 7:1-10, ainda que em todo o capítulo esta passagem
se subordina ao Salmo 110:4.
As palavras iniciais em 7:1 claramente se referem ao dito em 6:20 e serve para
introduzir a nova unidade. A estrutura do capítulo confirma o cuidadoso plano concebido por
Paulo: 7:1-10 interpreta Gênesis 14:17-20, e 7:11-28 dirige a atenção ao Salmo 110:4.
Segundo, Paulo apresenta em 7:11-28 o sacerdócio levítico como tipo do sacerdócio
de Cristo. A função de Melquisedeque em 7:1-10 parece ser essencialmente profética. De
maneira enigmática testifica da insuficiência do sacerdócio levita e antecipa a chegada de
um sacerdote eterno que seria como ele. Melquisedeque parece ilustrar a subordinação do
sacerdócio levita a um sacerdócio superior.
Contudo, em 7:11-28 Paulo introduz uma exegese tipológica do AT. Apresenta o
sacerdócio levítico como tipo do sacerdócio de Cristo. Em 7:11-28, interpretando Salmo
110:4, Paulo demonstra a incapacidade da instituição levitica para alcançar a meta da
perfeição e a correspondente aptidão de Cristo para alcançá-la. O fato que o Salmo 110:4
antecipe a designação de uma classe diferente do sacerdote implica a debilidade na ordem
existente. A troca projetada no sacerdócio também implica uma troca na lei que regulava a
dita instituição sacerdotal.
O contexto para a declaração categórica que o sistema levítico tem sido substituído
por uma melhor esperança é a demonstração que Cristo é um sacerdote de qualidade
superior, “segundo a ordem de Melquisedeque”, e que a exaltação inicia a inauguração do
melhor sacerdócio anunciado em Salmos (versos 16-19).
O argumento que a palavra do juramento veio posteriormente à promulgação da lei
(verso 28) preserva a perspectiva histórica da redenção, tão importante na exegese
tipológica.
Análise exegética do texto em seu contexto
7:1 O nome e títulos de Melquisedeque (7:1) são tomados diretamente de Gênesis
14:18. Muita discussão tem suscitado a identificação de Melquisedeque, o qual menciona
somente Gênesis 14:18, Salmo 110:4 e Hebreus (5:6; 6:20; 7:1, 10, 11, 15, 17, 21). Há os
que sustentam que foi Cristo; outros, o Espírito Santo; alguns, um ser sobrenatural. Na
tradição targumica o identificam como Sem, o filho de Noé.
Segundo a narrativa bíblica, Melquisedeque foi um contemporâneo de Abraão, “rei de
Salém . . . sacerdote do Deus Altíssimo” (Gên. 14:18). Interpreta-se o nome e os títulos na
mesma ordem que aparecem (7:1, 2). Diferentemente dos reis hebreus, Melquisedeque une
em sua pessoa as honras da realeza e sacerdócio. Na descrição de Gênesis 14:18, é
mencionado primeiro seu título como rei de Salém. Tradicionalmente se tem identificado
Salém como Jerusalém (Sl 76:2; Josefo, Ant. 1;180; 1QapGen XXII.13; Tg. Neof. Gênesis
14:18). A única ação sacerdotal registrada de Melquisedeque é sua bênção ao patriarca
Abraão em nome do Deus Altíssimo (Gn 14:19-20; Hb 7:1), o Deus de Abraão.
74
7:2 Em reconhecimento a seu sacerdócio, Abraão lhe dá “o dízimo de tudo” (7:2).
Ofertar a décima parte do saqueado aos deuses era um hábito na antiguidade.
7:2b-3 Explica a identidade de Melquisedeque em termos das designações
mencionadas no verso 1.
A interpretação do nome hebreu e os títulos de Melquisedeque é natural e
corresponde a uma explicação similar realizada independentemente por Filo (Allegorical
Interpretación 3.79) e Josefo (Ant. 1:180). Ainda que Paulo possa haver reconhecido no
caráter de Melquisedeque, como “ rei de justiça” e “rei de paz”, uma prefiguração do Messias
prometido, nada aponta expressamente estes conceitos.
Paulo se concentra em seu sacerdócio, o qual interpreta no verso 3, cujo correto
entendimento é essencial para uma valorização da singularidade de Melquisedeque e do
sacerdote “como ele”.
Na realidade, não existe evidência de que Paulo tenha considerado Melquisedeque
em termos mitológicos, onde as afirmações “sem pai, sem mãe...” implique em uma “figura
divina”, um ser celestial que não faz parte da realidade terrena. O verso 3 é um exemplo de
referencia condensada. Paulo assegura o significado maximo com uma estrita economia na
expressão. Apresenta um sumario conciso de pontos que não tem que ser estabelecidos
nem explicados. A formulação é mais ilustrativa que argumentativa.
O propósito da declaração não é estabelecer um fato verdadeiro, senão, mostrar a
diferença existente entre o sacerdócio de Melquisedeque e a linha genealógica do
sacerdócio levítico. Neste contexto, o silêncio da narrativa de Gênesis relativo aos pais de
Melquisedeque ou genealogia sacerdotal é significativa no contraste com o sacerdócio
levítico, onde é requerido o registro genealógico para assumir a função sacerdotal (Êx 28:1;
Lv 21:13-15; Nm 3:10; 18:1; Ed 2:61-63; Ne 7:63-65).
Paulo apresenta a Melquisedeque, o sacerdote do Deus Altíssimo, como um
personagem histórico. A primeira cláusula do texto consiste em uma tríade alfa, cuja chave
para sua interpretação é fornecida pelo terceiro termo avgenealo,ghtoj (“sem genealogia”, “sem
registro de descendentes”), o qual amplifica seu significado das duas primeiras expressões e
indica que o verso 3a interessa a habilitação sacerdotal e não a uma origem milagrosa de
Melquisedeque. As palavras avpa,twr (“sem pai”) e avmh,twr (“sem mãe”) indicam que seu pai e
mãe eram desconhecidos. Tais expressões, na literatura rabínica, poderiam significar que o
pai e a mãe já haviam morrido e que a criança era órfã. O termo avgenealo,ghtoj (“sem
genealogia”, “sem registro de descendentes”) indica que sua genealogia era desconhecida, o
que o havia desqualificado para o sacerdócio levítico.
O silêncio da Escritura sobre os progenitores e a família de Melquisedeque amplia o
conceito da singularidade de seu sacerdócio, e não tanto como prova de sua particularidade.
Isto implica que o sacerdócio de Melquisedeque não foi estabelecido sob circunstancia de
nascimento e descendência. Este se estabelece sobre a base do chamado de Deus e não
75
sobre o principio da herança pela qual o sacerdócio levítico tinha seu sustento (cf. 5:5-6:14).
Sem um registro sacerdotal genealógico, Melquisedeque não poderia ter sido instalado na
função sacerdotal. Contudo, foi “sacerdote do Deus Altíssimo”, e Abraão reconheceu sua
dignidade.
Talvez, explorando o silencio do relato de Gênesis quanto seu nascimento e morte,
Paulo declara na segunda cláusula do texto que o sacerdócio de Melquisedeque não “tem
principio de dias, nem fim de vida”. Obviamente, sem origem sacerdotal, não teve tampouco
limitação escriturística a sua vida e obra. Não foi requerido antecedente nem sucessão
sacerdotal para autorizar seu particular e eterno sacerdócio, o que mostra a qualidade
ilimitada de sua vida. Este rápido aparecimento e desaparecimento de Melquisedeque no
registro humano evocam a noção de eternidade, que se prefigura em Melquisedeque, porém
que é real em Cristo. Na seqüência, Melquisedeque anuncia a Cristo neste aspecto
fundamental, que ao mesmo tempo, se diferencia do sacerdócio levítico.
A transição de pensamentos negativos em 3a,b às declarações positivas em 3c, d é
realizada pela partícula adversativa de, (“porém”).
A terceira cláusula do verso 3 (feito semelhante ao Filho de Deus) revela que Paulo lê
os eventos de Gênesis 14:17-20 da perspectiva da realidade escatológica que eles
prefiguraram. A formulação parece assumir a subordinação de Melquisedeque ao eterno
Filho de Deus.
A cláusula final (“permanece sacerdote para sempre”) transcende os testemunhos
dos textos de Gênesis ao atribuir a Melquisedeque um sacerdócio perpetuo. Em estrito
sentido, a conclusão que Melquisedeque “permanece sacerdote para sempre” é uma
dedução lógica da declaração em 3c (“feito semelhante ao Filho de Deus”). A formulação de
3d demonstra o impacto do Salmo 110:4 sobre a interpretação de Gênesis 14:18-20. A
expressão eivj to. dihneke,j (“continuamente sem interrupção”) é um refinamento da frase eivj ton aiw/na (“para sempre”) no Sal. 110:4. Isto indica quão precisamente Paulo entendeu o
atributo de eternidade do sacerdote “segundo a ordem de Melquisedeque”. A fonte para esta
noção de perpetuação do sacerdócio de Melquisedeque no verso 3 parece ser a confiança
do escritor no sacerdócio eterno de Cristo.
É dizer, Paulo descobre que o caráter eterno do sacerdócio “segundo
Melquisedeque” já foi apontado em Gênesis 14, onde Melquisedeque não recebe seu serviço
sacerdotal de um precedente e permanece em seu serviço sacerdotal sem sucessor. O
silencio do registro veterotestametário confere a Melquisedeque um sacerdócio
intransmissível e continuo que antecipa o caráter eterno e final do sacerdócio de Cristo.
Assim, a característica que diferencia o serviço sacerdotal de Melquisedeque é a natureza
eterna de seu sacerdócio. É um elemento sobre todos os outros que interessa a Paulo para
começar a apresentar a Cristo como o sumo sacerdote “segundo Melquisedeque”.
7:4-10 Paulo apresenta evidências da superioridade do sacerdócio de Melquisedeque
sobre os sacerdotes levíticos.
76
O ponto crucial do argumento é (1) a entrega dos dízimos por parte de Abraão a
Melquisedeque (cf. 2a; Gên. 14:20); e (2) sua bênção “ao que possuía a promessa” (versos
6-7), o que fornece evidência histórica da grandeza de Melquisedeque. No curso do
argumento, Paulo desenvolve dois contrastes entre Melquisedeque e o sacerdócio levítico
que fez efetivo o uso da descrição de Melquisedeque em 3a e b.
Nos versos 5-6a Paulo desenvolve o primeiro contraste, com base no verso 3a. O
primeiro contraste entre Melquisedeque e o sacerdócio levita é indicado pela construção me.n
. . . de. (“certamente . . . porém”, “por um lado . . . porém por outro lado”). Paulo enfatiza o
status exaltado dos sacerdotes levitas no verso 5. Contudo, na comparação do verso 6,
Melquisedeque é superior. A evidência é ele ter recebido os dízimos, o qual recebe a bênção
outorgada a Abraão. A comparação focaliza, então, sobre a identidade dos dois sacerdotes e
a autoridade pela qual recebiam os dízimos.
Os versos 6b-7 intensificam a superioridade de Melquisedeque sobre Abraão e,
conseqüentemente, sobre o sacerdócio levítico. Os textos amplificam a declaração do verso
1b, Melquisedeque abençoou Abraão por identificar o patriarca como o que “possuía as
promessas”. É apontado um contraste no contexto imediato entre Abraão, o que recebeu a
promessa (verso 6b), e os sacerdotes levitas, os que possuíam a lei (verso 5). Por um lado,
o termo evpaggeli,a (“promessa”) na homilia tem a conotação de eficácia e certeza: o que
Deus prometeu, Ele cumprirá (6:13-18; 10:23). Por outro lado, a expressão no,moj (“lei”) tem
matiz de ineficácia (7:19a, 28a). Deste modo, também é enfatizado o contraste entre
Melquisedeque e os sacerdotes levitas. Por um lado, os sacerdotes recolhiam os dízimos de
acordo com a lei. Por outro lado, Melquisedeque abençoou Abraão, que havia recebido a
promessa divina que Deus seguramente o abençoaria (6:13-14).
O significado do ato sacerdotal de abençoar Abraão é explicado parenteticamente no
verso 7. A frase adverbial cwri.j de. pa,shj avntilogi,aj (“agora, inquestionavelmente”, “sem
contradição”, “sem oposição”, “sem discussão”) é habitual nos papiros quando o escritor
deseja enfatizar a certeza do que esta dizendo. Aqui, a frase qualifica a sentença de que “o
menor é abençoado pelo maior”. Paulo parece assumir que o problema de grandeza relativa
à Melquisedeque e Abraão se decide em Gênesis 14:18-20 em favor do “sacerdote do Deus
Altíssimo”.
O segundo contraste entre Melquisedeque e o sacerdócio levita é apresentado no
verso 8, embasado no verso 3b. A ênfase, contudo, trocou de questão de qualificação
(versos 3a ,5-6) ao de duração relativa de seus respectivos ministros.
As duas metades do texto são colocadas em contraste com a construção kai. w-de me.n
. . . evkei/ de. (“e certamente . . . porém ali”, “neste caso . . . porém no outro”). O particípio
avpoqnh,|skontej (“morrer”) se usa como atributo e enfatiza o caráter mortal dos sacerdotes
levitas que receberam os dízimos. Designados ao serviço sacerdotal pela lei, estão sujeitos a
morte e a uma série de sucessores.
77
Contudo, há um o[ti zh (“que vive”) a Melquisedeque. Em sua construção, a
expressão parecia enfatizar que Melquisedeque é um a quem foi dado o testemunho que
vive. O particípio passivo marturou,menoj (“testemunho é dado”) possivelmente se refere à
Escritura (7:14; 10:15). Neste contexto a declaração deve se referir ao verso 3, texto que
Paulo considera interpretar-se exegeticamente sobre a base do Salmo 110:4 e Gênesis
14:18-20. A Escritura anuncia Melquisedeque somente em sua vida e na administração de
um sacerdócio que é livre de limitação temporal.
A base da superioridade de Melquisedeque sobre o sacerdócio levítico neste
segundo contraste é a “eternidade” de Melquisedeque antecipada em 3b, que tem em vista a
perpetuação de seu serviço sacerdotal. A importância deste aspecto do argumento chegará
a ser clara nos versos 15-16, onde se aplica ao sacerdócio messiânico. O que é verdade de
Melquisedeque em um sentido literal é absolutamente certo de Quem serve seu povo como
sumo sacerdote na presença de Deus.
Paulo chega ao clímax do argumento no verso 9, o que explica o verso 10. A
superioridade de Melquisedeque sobre Levi tem sua base na história. Levi foi representado
na ação de Abraão. Portanto, o status de Levi relativo a Melquisedeque foi afetado na
relação de Abraão com este.
Em síntese, Paulo apresente Melquisedeque em 7:1-10 através de uma hermenêutica
cristológica. Aparentemente, em forma independente, Melquisedeque não tem relevância na
homilia. Introduz-se somente pelo uso do termo Filho no verso 3c. Sua função não é
soteriológico, mas sim profética. Ainda que Melquisedeque se encontre fora da principal linha
da historia da salvação, ilustra as profecias do AT que apontavam a deficiência da velha
ordem e a superioridade e eficiência de outra por vir. Melquisedeque deriva seu significado
do Filho. É somente na perspectiva do Filho eterno que o caráter de Melquisedeque e seu
sacerdócio se faz evidente. Ainda que Melquisedeque testifique o caráter eterno do Filho, é o
Filho quem transcende. Portanto, o fator determinante na interpretação de Melquisedeque
em Hb 7:1-10 é cristológico e não especulativo.
7:11 o apóstolo retoma o pensamento interrompido em 6:20. Paulo retorna ao Salmo
110:4 e ao conceito de Jesus como sacerdote “segundo a ordem de Melquisedeque”
A pergunta retórica do texto se deduz do Salmo 110:4: o sacerdócio levítico não deve
ter sido suficiente porque se anuncia um novo sacerdote “segundo a ordem de
Melquisedeque” e não “segundo a ordem de Aarão”.
Com o propósito de indicar mais particularmente a ineficácia do sacerdócio levítico,
Paulo usa o termo telei,wsij (“perfeição”; “alcançar a meta”). O termo ocorre somente no
texto da homilia e conota o conceito de perfeição como aplicado ao povo de Deus. Paulo
intenta contrastar a incapacidade do sacerdócio levítico, em produzir “perfeição” ao povo de
Deus com a capacidade de Jesus em alcançá-lo.
78
Estas considerações indicam que o matiz mais usual seria o de alcançar a meta de
“cumprimento”, do “término”, da “consumação”, do “fim” de alguma coisa. È dizer, Paulo
implicaria que o sistema levita não pode alcançar o alvo do perdão, da consumação
escatológica, da santidade que Deus requer do coração.
O sistema não pôde alcançá-lo porque essa não era sua função. Esta somente era de
prefiguração e antecipação da realidade. A realidade, longe de se opor ao símbolo é seu
cumprimento, isto é perfeição. O conceito de telei,wsij é, então, escatológico: o
cumprimento das promessas de uma nova aliança no ministério sacerdotal de Cristo faz
possível o acesso a Deus, o que não era possível diante da velha aliança.
A declaração que “o povo recebeu a lei sob o sacerdócio levítico” parece básico ao
argumento. Estabelece um contexto para aludir ao Salmo 110:4 no verso 11c e antecipar a
premissa expressada no verso 12, que uma troca de sacerdócio implica necessariamente
uma mudança da lei. O contexto imediato mostra que Paulo se refere à lei da descendência
sacerdotal (verso 13,16). O novo sacerdote não recebe sua função sacerdotal pela
designação das ordenanças levíticas relativo à descendência física de Aarão, senão,
“levantaria” se em harmonia com o oráculo proclamado: “outro sacerdote” (e[teroσ, “diferente
em classe”, “diferente em natureza”, “de outra classe”, “de outra natureza”) “segundo a
ordem de Melquisedeque”.
7:12 A conjunção ga,r (“porque”) explica o verso 11. Paulo expande seu conteúdo
fazendo uso do tempo presente na declaração geral. Sua dedução é pertinente ao
argumento geral, o que é claro quando explica nos versos 13-14 em que sentido o novo
sacerdote é “diferente em classe” e não “segundo a ordem de Aarão”.
7:13-17 Paulo expressa como o novo sacerdote anunciado em Salmo 110:4 é
diferente dos sacerdotes arónicos. Primeiro, desenvolve o lado negativo do argumento,
explicando como ele não é “segundo a ordem de Aarão” (versos 13-14), e, logo destaca o
aspecto positivo, a qualidade superior do novo sacerdote ao explicar que é “segundo a
ordem de Melquisedeque”.
Aspecto negativo do argumento (verso 13-14). “Pertence à outra tribo, da qual
ninguém prestou serviço ao altar”. O perfeito mete,schken (“participar”, “ter parte em”, “ter
participação em”, “fazer parte de”, “estar entre”, “pertencer à outra tribo”) expressa uma
condição histórica como fato oficial. Mais além de toda duvida, Paulo parece enfatizar a
absoluta incompatibilidade do Senhor para o sacerdócio em termos das condições
estabelecidas pela legislação veterotestametária. Pelo nascimento, “faz parte” de uma tribo
diferente, “da qual ninguém prestou serviço no altar”. Ainda que Paulo comente as palavras
do Salmo 110:4 no verso 13, é claro que pense que a profecia se cumpriu historicamente em
Jesus.
O verso 14 confirma as duas declarações do verso 13 e identifica Jesus como sobre
quem se formula o oráculo registrado em Salmo 110:4. Com a expressão pro,dhlon gάρ, um
adjetivo intensificado que significa “porque é perfeitamente obvio”, Paulo pressupõe a
79
verificação histórica da declaração realizada no verso 13a. É dizer, não se pode traçar a
descendência sacerdotal do sacerdote indicado no Sal. 110:4.
É da “tribo de Judá”. A alusão a tradição que Jesus pertence à tribo de Judá (cf. Mt
1:2-3; 2:6; Lc 3:3; At 2:29-36; 12:23; Rm 1:3; 2Tm 2:8; Ap 5:5; 22:16) reforça o fato que não
era da tribo de Levi. Portanto, o sacerdócio de Jesus não depende da lei da descendência
física, mas sim de uma nova e radical ordem. O uso habitual do termo avnate,talken (“fazer
que saia [o sol]”, “fazer brotar”, “sair [os astros]”, “proceder [de alguém]”) para indicar que
Jesus foi descendente de Judá poderia implicar uma referência a natureza messiânica real
de Jesus.
Usa-se o vocábulo para se referir ao levantamento do sol, a lua e as estrelas.
Também se usa para descrever o broto e crescimento das plantas, o cabelo, e a
enfermidade. A expressão também foi usada metaforicamente, para descrever o
levantamento ou crescimento dos corpos celestes, estrelas ou planetas com o propósito de
simbolizar o levantamento de certos sujeitos a funções proeminentes ou prosperas, que
cresceriam em preeminência.
Por tais usos, se argumenta que a palavra foi aplicada facilmente a um rei ou messias
esperado.
O argumento da segunda cláusula desenvolve o pensamento do verso 13b. A tribo de
Judá não foi destinada ao serviço sacerdotal.
Aspectos positivos do argumento (versos 15-17). Constituído “a semelhança de
Melquisedeque”. A palavra o`moio,thj significa “semelhança”, “imagem”, “igualdade”,
“parecido”. É dizer, o oráculo faz referência a um sacerdote cuja qualidade seria semelhante
à Melquisedeque como descrito em Gênesis 14:18-20 e Salmo 110:4. A promessa foi
cumprida em Cristo, o qual é o que Melquisedeque foi simbolicamente; um sacerdote eterno
que exercita suas funções sacerdotais em um serviço universal e não legal.
Constituído “segundo o poder de uma vida indestrutível”. Esta descrição positiva
define a expressão correspondente no verso 11: “segundo a ordem de Melquisedeque”. Em
contraste a no,moj (“lei”), du,namij (“poder”) em Hebreus conotam efetividade. Expressa a
atividade de Deus e a irrupção da realidade escatológica sobre o presente. A caracterização
de “poder” pelo genitivo qualitativo zwh/j avkatalu,tou (“de vida indestrutível”) define o
significado da frase eivj ton aiw/na (“para sempre”) do Salmo 110:4. A qual é citada no verso
17 para designar a eternidade do novo sacerdote da perspectiva de sua existência após a
ressurreição.
O termo avkatalu,tou (“indestrutível”, “indissolúvel”) parece ter sido cuidadosamente
escolhido. Embora tenha sido bem conhecido que a vida humana de Jesus foi exposta a
kata,lujij (“destruição”), através da crucificação, sua vida não foi destruída pela morte
sofrida na cruz. A frase du,namin zwh/j avkatalu,tou (“o poder de uma vida indestrutível”)
descreve a nova qualidade de vida com a que Jesus foi dotado em virtude de sua
80
ressurreição e exaltação ao mundo celestial, onde foi instalado formalmente como sumo
sacerdote. Paulo parecia se referir a um evento objetivo no qual Cristo participou, mais que
uma qualidade que lhe pertenceu de forma inerente. O poder da vida que a ressurreição lhe
conferiu mostra que seu sacerdócio não se limita ao temporal e transitório do antigo sistema
sacerdotal, com base na descendência física e limitado pela mortalidade e corrupção. Seu
sacerdócio vai mais além de tais realidades terrenas.
A frase “porque se dá testemunho dele” introduz a citação de Salmo 110:4 como base
da declaração que Jesus possui vida indestrutível. Por enfatizar o fato de que “se dá
testemunho”, Paulo indica que lê o texto a luz do cumprimento escatológico. O texto prova
porque a vida de Jesus o habilita como sumo sacerdote. Mostra que existe um sacerdócio
autentico independente do sistema levítico e que é caracterizado por sua eternidade. No
contexto da frase eivj ton aiw/na (“para sempre”) do Salmo 110:4, tem a conotação de
“inacabável”, “sem fim”, “eterno”.
7:18-19 Paulo conclui o argumento começado no verso 11 nos versos 18-19. Na
realidade, o verso 18 define a troca da maneira que Deus se relaciona com seu povo.
O termo avqe,thsij (“abolição”, ”extinção”, “desaprovação”, “rejeição”) é usado em
certos papiros para cancelar ou anular promulgações legais. O uso deste termo legal parece
apropriado ao argumento do contexto, onde desenvolve conceitos que têm a ver com a lei da
sucessão sacerdotal. A expressão “mandamento anterior” se refere ao regulamento
mencionado no verso 16 e não é incidental no argumento. Anula-se a luz do cumprimento
escatológico.
Com a promulgação do Salmo 110:4, Deus anuncia sua intenção de pôr de lado o
sistema levítico pela sua debilidade e ineficácia em justificar o pecador diante de Deus.
A ineficiente lei foi substituída “por uma melhor esperança”. A esperança estendida
ao povo é “melhor” em virtude da sua efetividade, a qual é garantida pela fidelidade de Deus
(6:18; 10:23). Através desta esperança, o povo tem acesso a Deus na forma e maneira que
não foi possível diante da expressão levítica. O acesso mencionado resulta da absoluta
efetividade do sumo sacerdócio de Cristo no santuário celestial.
7:20-25 Paulo menciona as explicações pastorais da conclusão alcançada nos versos
18-19. A unidade demonstra a superioridade do sacerdócio de Cristo em comparação ao
sacerdócio levita.
Jesus chega a ser o sumo sacerdote “não sem prestar juramento” (verso 20-21).
Paulo declara categoricamente que o novo sacerdócio é uma instituição divina
incondicionalmente convalidada pelo solene juramento de Deus. O juramento divino garante
a confiabilidade absoluta do sacerdócio de Cristo, sobre o qual a esperança do crente se
assegura (6:18-20). Agora, Paulo demonstra que a promessa estendida à comunidade cristã
em 6:16-20 é idêntica ao sacerdócio escatológico introduzido com o juramento, segundo
Salmo 110:4.
81
Jesus “fiador de superior aliança” (verso 22). A palavra e;gguoj (“garante”, “fiador”) era
usada nos papiros e documentos legais para significar “garante” ou “um que permanece
firme”. Devido a que o juramento de Deus permanece detrás da designação do sacerdote
escatológico, Jesus pode garantir que as metas anunciadas nos termos da nova aliança
serão alcançadas. Através de sua morte, exaltação e instalação como sumo sacerdote
celestial, Jesus mesmo é a segurança de que a nova e superior aliança não será anulada.
Jesus “tem sacerdócio permanente” (verso 24). O texto enfatiza o caráter temporal de
muitos e a permanência de um único sacerdote imutável. A diferença do sacerdote levítico,
cujos sacerdotes eram muitos pela sua natureza mortal, Jesus foi investido com um
sacerdócio eterno e final, sem limitação temporal. A declaração de que “permanece para
sempre” aponta para a participação de Cristo na vida de Deus.
Jesus “pode salvar perpetuamente” (verso 25). A partícula inferencial o[qen (“e assim”,
“pelo qual”, “de onde”) indica que a conclusão alcançada é lógica dedução do argumento
apresentado nos versos 23-24. Paulo usa freqüentemente este advérbio para indicar as
implicações práticas de suas reflexões cristológicas para a comunidade (cf. 2:17; 3:1; 8:3;
9:18). Sua intenção é fortalecer aos vacilantes crentes.
O alcance do ministério sumo sacerdotal de Cristo é sugerido pelos verbos infinitivos
sw,|zein (“salvar”) e evntugca,nein (“interceder”). Ainda que em Hebreus se apresente a
salvação como uma herança escatológica futura (1:14; 5:9; 9:28), existe um sentido definido
de que a comunidade já começou a participar da salvação como resultado da obediência e
sacrifício de Cristo e sua posterior exaltação (cf. 2:3-4; 6:4-5, 9). O tempo presente do
infinitivo sw,|zein reflete a experiência atual da comunidade e sugere que o ministério de
Jesus esta disponível em cada momento critico.
A frase “vivendo sempre para interceder por eles” pode ser entendida de duas
maneiras: como causal, se dá uma razão adicional para a ação do novo sacerdote para
salvar completamente; também, poderia indicar a maneira em que é capaz de salvar, pela
“interseção incessante”.
É indicada a forma de seu ministério ininterrupto na expressão “interceder por eles”.
Jesus é intercessor permanente em favor de seu povo.
7:26-28 Paulo conclui sua exposição com uma declaração majestosa sobre o caráter,
benefícios e status de Jesus como sumo sacerdote.
Paulo aplica o que disse a seus ouvintes em seu próprio contexto da situação: “nos
convinha um sumo sacerdote” (verso 26). O demonstrativo toiou/toj (“tal”, “de tal classe”, “de
tal valor”) se refere ao que precede, indicando quem é eterno e absoluto em poder (7:11-25;
cf. 11:14; 12:3; 13:6).
Contudo, quando o demonstrativo segue um correlativo, toiou/toj se refere ao que
segue (como 8:1). Ao demonstrativo do verso 26a segue a cláusula relativa o]j (“quem”) no
82
verso 27, que tem funções correlativas. Assim, a referência primária de 26a, parece ser a
que se segue: o sumo sacerdote apropriado à comunidade é precisamente quem se
ofereceu a si mesmo. De acordo com esta compreensão, a expressão toiou/toj controla o
que segue nos versos 26-27.
Os três adjetivos que seguem, “santo, inocente e sem mácula”, descrevem o caráter
pessoal do sumo sacerdote. Embora seja dificultoso diferenciar o matiz particular de cada
um dos termos, todos provavelmente devem se entender diante de uma perspectiva cúltica e
sacerdotal, e for interpretados em relação com a Septuaginta. O vocábulo o[sioj (“santo”,
“devoto”, “piedoso”) aparece na homilia só aqui. Na Septuaginta, descreve o que está
relacionado com Deus e são fiéis a aliança (Sl 12:1; 32:6; 79:1-2; 132:9, 16; 149:1-2). O
termo resume o conceito da relação permanente de Jesus com seu Pai, demonstrada
através da experiência de sua vida terrena (5:7-8). Como quem foi consagrado ao serviço de
Deus (10:5-10), foi qualificado religiosamente para ser verdadeiro sumo sacerdote. A palavra
a;kakoj (“bondoso”, “inocente”, “sem mácula”) descreve a ausência de tudo o que é perverso
e censurável. Na Septuaginta se usa o termo predominante com um significado passivo e
moral. É uma expressão apropriada para denotar a classificação moral de Jesus para ser
sumo sacerdote. Não significa somente que Jesus tenha sido sem malicia em sua relação
com os demais, senão, que não tenha sido afetado pelo mal. O termo avmi,antoj (“sem
mácula”, “incontáminavel”, “puro”) não implica meramente pureza ritual, mas sim
descendência ética real.
Interpretados juntos, os três adjetivos descrevem a impecabilidade do sumo
sacerdote. Em contraste ao sacerdote levítico, a quem é requerido manter-se puro (Lv 21:11)
e integro corporalmente (21:17), o sumo sacerdote da comunidade cristã foi qualificado por
sua perfeição moral e espiritual.
As duas frases com os particípios que seguem: “separados dos pecadores e feito
mais alto que os céus”, estão também em aposição ao vocábulo avrciereφσ (“sumo
sacerdote”) do mesmo versículo. A expressão “separados dos pecadores” não deveria se
entender em relação aos adjetivos prévios, como que se apontasse ao sumo sacerdote
separado dos que pecam por ter uma natureza diferente a dos mesmos.
A evidência sugere que o particípio perfeito passivo kecwrisme,noj (“separar”,
“apartar”. No passivo “estar separado”, “afastar-se”, “separar-se”) com a preposição avpό
(”de”) denota separação local e que o tempo perfeito expressa o estado de ter sido
separado. Nesse casso, a sentença poderia afirmar que a vida terrenal de Jesus entre os
pecadores terminou a partir de sua ascensão. Deixando a esfera caracterizada pelo
sofrimento, a hostilidade e a maldade da humanidade, tem sido exaltado à esfera do divino.
Ainda que sua separação assuma a perfeição moral de tal sumo sacerdote, Paulo enfatiza
sua entrada diante da presença divina, onde Cristo cumpre seu ministério intercessor. A
frase descreve a majestade do sumo sacerdote e introduz a seguinte expressão do texto.
83
Como a expressão anterior, a frase “feito mais alto do que os céus” focaliza sobre o
ministério sumo sacerdotal de Jesus. A expressão uyhlo,teroj (“mais alto [elevado,
magnífico] que os céus” se refere de forma especifica ao lugar do trono de Deus. Se
encontrou tal uso espacial em certas fontes apocalípticas (Asc, Isa. 7-8) para se referir as
viagens através dos céus para alcançar a presença de Deus nos “céus acima dos céus”.
É possível que Paulo tenha usado uma metáfora espacial para denotar o grau mais
alto de exaltação outorgado ao sumo sacerdote do qual tem falado. A frase sintetiza o
conceito de que Jesus, como sumo sacerdote, passou através dos céus para ter acesso à
presença de Deus, onde cumpre seu ministério sumo sacerdotal em favor do povo. Embora
a exaltação de Jesus à “destra do trono da Majestade nos céus” o “separa” espacialmente
dos membros da sua igreja, de maneira nenhuma implica que é indiferente à seus irmãos.
Intercede por eles.
7:27 Paulo estende a descrição do caráter pessoal e da esfera exaltada do ministério
sumo sacerdotal de Cristo, enfatizando muitas conquistas. A conexão entre os dois textos é
dada pela frase “não tem necessidade . . . de oferecer todos os dias sacrifícios”, que se
refere ao pronome correlativo toiou/toj (“tal” sumo sacerdote”) do verso 26.
Tal sumo sacerdote é apropriado porque a oferta de si mesmo põe fim a todo sistema
levítico de sacrifícios. Foi capaz de fazer o sacrifício definitivo porque foi o sumo sacerdote
“santo, inocente, sem mácula” (verso 26).
Como parece evidente até aqui, a comparação entre o sumo sacerdote escatológico
e o sistema sacerdotal levítico apresentado implicitamente no verso 26, chega a ser explicita
no verso 27. A medida da superioridade do novo sumo sacerdote é que Ele se ofereceu a si
mesmo como sacrifício final. Em 7:11-25 a demonstração da superioridade do novo
sacerdote sobre o sacerdócio legalmente estabelecido se baseia no Salmo 110:4 e na
promessa “segundo a ordem de Melquisedeque”. A formulação do verso 27 sugere quão
longe chegou Paulo na série de seus argumentos, já que, Melquisedeque não tem conexão
com sacrifício algum.
Paulo considera a entrega da vida de Cristo com sentido sacrifical: eauto.n avnene,gkaj (“se ofereceu a si mesmo”). O verbo avnafe,rein (“oferecer em sacrifico”, “sacrificar”) na
Septuaginta é um termo que significa “oferecer um sacrifício”, “fazer um sacrifício”.
Deste modo, Paulo apresenta Cristo como realizando uma função essencialmente
sumo sacerdotal quando ofereceu sua vida a Deus. A perfeição de seu sacrifício se
assemelha a sua perfeição moral e espiritual. Ofereceu-se simultaneamente sem culpa (cf.
9:14). Desde que ofereceu um sacrifício perfeito se exclui a necessidade como a
possibilidade de perpetuar um ministério de sacrifício, como outros sacerdotes o fizeram. O
fez de uma vez por todas. Esta classe de realização é a que contrasta com os muitos
sacrifícios dos sacerdotes levíticos. O fato que Cristo se ofereceu a si mesmo “uma vez por
todas”, implica que seu sacrifício foi completo, total e definitivo. O sacrifício de Cristo adquire
um significado, ainda mais destacado e especifico quando o compara com a expressão
84
temporal “diariamente”, o que qualifica o ministério de sacrifico dos sumos sacerdotes
levíticos e conota algo incompleto e ineficaz.
A base da comparação entre Cristo e os sumos sacerdotes levíticos é a prescrição
para o sacrifício no dia da expiação. Somente nessa ocasião foi indicado que o sumo
sacerdote faria primeiro a expiação por seus próprios pecados e em seguida pelos do povo
(Lv 16:6-10).
Paulo parece ter observado o sacrifício duplo do dia da expiação como decisivo para
a correspondência tipológica que vem se desenvolvendo (cf. 9:7). Contudo, a especificação
“diariamente”, “cada dia”, é problemática, já que os sacrifícios aludidos não se ofereciam
“diariamente”, mas sim uma vez ao ano (Êx 20:30; Lv 16:1-33). Por outro lado, Paulo dá
evidência de conhecer a diferença fundamental entre o serviço anual oferecido pelo sumo
sacerdote no dia da expiação (9:7, 25; 10:1,3) e o diário oferecido pelos sacerdotes (10:11).
Uma variedade de proposta foram oferecidos para resolver a dificuldade. É possível
que se tenha generalizado os procedimentos do dia da exposição, de modo que Paulo tenha
interpretado os sacrifícios diários a luz do ritual anual. Paulo poderia haver tido em mente o
serviço diário do sumo sacerdote no ritual de sacrifício do Judaísmo. Se a referência fosse
às ofertas que o sacerdote deveria apresentar quando cometia um pecado por ignorância,
não intencional (Lv 4:2-18). Ou a alguma outra oferta em que o sumo sacerdote estivesse
envolvido (Lv 6:12-23), não haveria dificuldade ao interpretar os sacrifícios diários a luz do
dia da expiação. Não se haveria feito referencia a lei como sendo prescrita no Pentateuco,
mas sim a tradição que Aarão havia oferecido sacrifício diário por si mesmo e pelo povo.
De todas as formas, a intenção de Paulo é mostrar a ineficácia do sacerdócio levítico.
Este tinha a obrigação permanente de oferecer uma oferta de expiação por si mesmo e pelo
povo. Paulo enfatiza o fato de que foi alcançada uma expiação total e perfeita somente
através do sacrifício definitivo quando o Filho de Deus se ofereceu a si mesmo, sem mácula,
pelos pecados do povo (conceito que o apóstolo desenvolve completamente em 9:11-14;
10:1-15).
7:28 Paulo detalha as profundas diferenças, entre ambos os sistemas sacerdotais,
num contraste final que resume o argumento de todo o capítulo. Apresenta três antíteses
que sintetizam os argumentos desenvolvidos com anterioridade.
Primeira antítese, a base do sistema levítico foi “a lei”, porém o do novo sacerdócio
foi “a palavra do juramento”, promulgada “posterior à lei”. A lei não foi efetiva em estabelecer
um sacerdócio que poderia alcançar a meta determinada por Deus para o povo (versos 11-
19). Como resultado, Deus jura estabelecer um sacerdócio radicalmente diferente que
substitua o levítico (versos 20-22). O oráculo do Sl 110:4 se cumpre quando o prometido
sumo sacerdote aparece e indica seu status sumo sacerdotal superior sobre a base de um
sacrifico completo, perfeito e final.
Segunda antítese, o antigo sacerdócio consistiu de “homens”, porem o novo do
“Filho”. Os sacerdotes levíticos se sucediam continuamente por causa de sua natureza
85
temporal e mortal, o novo continua “para sempre”. A mortalidade dos antigos contrasta
definitivamente com a eternidade e finalidade escatológica do novo sacerdote (verso 23-25).
Terceira antítese, os antigos sacerdotes foram afetados por sua “debilidade”, porém o
novo sacerdote “foi feito perfeito”. A lei designava o serviço sumo sacerdotal aos homens
que estavam limitados a natureza humana, sujeito às imperfeições e ao pecado. Esta
realidade os obrigava a oferecer permanentes sacrifícios por seus próprios pecados (5:3,
7:27; 9:7). A perfeição do novo sumo sacerdote é exibida e cumprida totalmente na oferta de
si mesmo uma vez para sempre, como o sacrifício suficiente para as transgressões de seu
povo. Sua própria impecabilidade (4:15; 7:26) não requereu oferta pelo pecado e assegurou
a eficácia plena de sua morte expiatória.
Em sua sentença final, Paulo enfatiza que “a palavra de juramento, que foi posterior a
lei, constituiu o Filho, perfeito para sempre”. A formulação dirige a atenção à vocação de
Jesus e anuncia a realização total e completa dos objetivos de seu serviço sumo sacerdotal.
A perfeição de Cristo como Filho assegura (1) a perfeição de sua qualidade como mediador
e (2) seu compromisso com o mandato divino de ministrar eternamente a interseção em
favor dos crentes no santuário celestial. Jesus autenticou o caráter sumo sacerdotal de sua
missão através de uma serie de eventos que culminaram na oferta de si mesmo como um
sacrifício sem mácula. Sua exaltação posterior não lhe impediu ter acesso presença de Deus
Deus, o que é uma condição fundamental para o exercício de um sacerdócio perpétuo.
Santuário e aliança (8:1-13): Aspectos estruturais
8:1-2 indicam claramente um novo cenário na argumentação. Paulo havia focalizado
sobre a designação de Jesus como sumo sacerdote e suas qualificações para o exercício de
um ministério totalmente efetivo (5:6-10; 6:20; 7:11-28). Havia enfatizado certas deficiências
do sistema levítico.
Agora a atenção é dirigida a Jesus como ministro sumo sacerdotal no santuário
celestial e enfatiza este significado com o termo κefa,laion (“principal”, “capital”, que
pertence a “cabeça”) em 8:1, o que introduz uma clara exposição teológica que se estende
até 9:28 e constitui a seção central dentro da composição do sermão.
Paulo dirige a atenção ao ministério de Jesus em 8:1-13, em contraste com a ordem
levitica diante da antiga aliança. O argumento procede por comparação. Com base na
evidência bíblica destaca debilidades adicionais do sistema levítico: Introduz o contraste
entre o santuário terreno e o celestial para completar a distinção entre o novo e o antigo. Os
sacerdotes levitas servem somente como uma referencia imperfeita ao santuário celestial no
qual Cristo cumpre seu ministério; Deus considera a antiga aliança, sob o qual o sistema
levítico foi estabelecido, obsoleto. A mediação da nova aliança demonstra a superioridade
escatológica do ministério de Cristo e a intenção divina de substituir o antigo com o que é
escatologicamente novo.
86
Tal argumentação e apresentação de Jesus estabelecem o contexto para a discussão
da adoração cúltica (9:1-10) e a aliança (9:11-28) respectivamente. Desta perspectiva, 8:1-
13 é uma passagem de transição à exposição que segue. A unidade da seção é exibida no
seguinte esboço: Ministério sacerdotal de Cristo (8:1-5), um novo ministério (8:1-2), o qual se
encontra em oposição ao antigo (8:3-5); Cristo, mediador da nova aliança (8:6b-13), o novo
ministério se associa a uma aliança superior (8:6), o qual se encontra em oposição ao antigo
(8:7-13).
Análise exegética do texto em seu contexto29
8:1-2 Havendo estabelecido a superioridade escatológica do sumo sacerdócio de
Cristo, Paulo começa a relacionar seu sacerdócio com os temas do santuário e aliança.
A expressão κefa,laion (“principal”, “capital”, que pertence a “cabeça”) pode aludir à
soma dos números agregados de cima a baixo da coluna, onde se coloca o resultado.
Assim, o vocábulo poderia significar “sumário”, “sinopse”, o que se limita aos pontos
principais. A palavra, contudo, poderia também significar “o ponto principal”, “o ponto
importante”. Com tal expressão, Paulo chama a atenção ao seguinte argumento. A
exposição (8:1-9:28) acrescenta considerações importantes aos capítulos prévios, e
κefa,laion parece antecipar o pensamento que segue. A declaração de Paulo em 8:1-2 é o
clímax, o auge de sua argumentação. A afirmação “principal” não é simplesmente que o
cristão tem um sumo sacerdote que esta assentado “a destra da Majestade nos céus”
(verso1), mas sim que ele é o sacerdote que ministra o santuário celestial (verso 2).
A declaração “temos um sumo sacerdote” destaca o que já foi dito na expressão
paralela (7:26-27). Contudo, na construção toiou/toj . . . o]j (“tal . . . quem”), o pronome
relativo (o]j ,, “quem”) tem força correlativa. De modo que toiou/toj (“tal”) se refere
primariamente ao que segue. Os cristãos têm como seu sumo sacerdote um que está
sentado a destra de Deus nos céus.
A frase que “se assentou a destra do trono da Majestade nos céus”, relembra a
formulação de 1:3, onde Paulo alude ao Salmo 110:1 para declarar a exaltação do Filho
encarnado a uma posição de suprema honra. Paulo não se refere ao serviço sacerdotal de
Jesus a destra do trono da Majestade nos céus para enfatizar sua dignidade transcendente,
mas sim a implicação que resulta do fato que exercite seu sacerdócio celestial. Mais que o
lugar de seu ministério, enfatiza o cargo e a função. O ato de assentar-se a destra da
Majestade nos céus não significa que esteja estático, imóvel, mas sim hierarquia, poder e
missão. O fato de assentar-se a destra de Deus sugere o serviço de um ministério total de
Cristo que será completo na dimensão temporal quando “seus inimigos sejam postos por
estrado de seus pés” (10:13; cf. 1Co 15:25). A expressão “destra” designa o cargo e honra
de Jesus (cf. 2:9) e sua superioridade sobre todos os poderes no universo (cf. 1:1-14).
29
Leia cuidadosamente Richard M. Davidson, “Tipologia no Livro de Hebreus,” em Frank B.
Holbrook, ed. A luz de Hebreus (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2008), 117-180.
87
Paulo poderia estar aludindo primariamente ao Salmo 110:1. Contudo, pode ter em
mente também, como alusão secundária Zc 6:13, onde o sacerdote Josué é o tipo ou figura
do Messias por vir.
Que Jesus ministra no santuário celestial é uma consideração vital no argumento de
Paulo para provar a superioridade de tal sacerdócio sobre os levíticos. A formulação no
verso 1 prova que Paulo baseou sua convicção sobre o Salmo 110:1. No verso 4 Paulo
reconhece que aparte da seção celestial declarada no Salmo 110:1, Jesus não poderia ser
sacerdote no serviço terreno. O Salmo 110:1 é básico na comparação de ambos os
santuários em 8:1-5.
Paulo identifica o sumo sacerdote como tw/n agi,wn leitourgόσ (“ministro dos santos”
[santuário]). O vocábulo leitourgόσ (“ministro”, “servidor”, “auxiliador”) em seu contexto é
virtualmente um sinônimo avrciereu,j (“sumo sacerdote”). Contudo, enfatiza mais o aspecto
cúltico que o sacrifício de Cristo em seu ministério. Implica atividade (cf. 7:25), e não
meramente status. A expressão tw/n a`gi,wn (“os santos”) se usa freqüentemente na
Septuaginta para se referir a todo o santuário (cf. 9:1), sem nenhuma referência a distinção
entre os departamentos.
A descrição do santuário como kai. th/j skhnh/j th/j avlhqinh/j (“e o verdadeiro
tabernáculo”), o qual “o Senhor erigiu e não o homem” antecipa o contraste do verso 5, onde
Moisés e não Deus, é quem edificou o tabernáculo terrestre. Paulo usa o adjetivo avlhqinh
(“verdadeiro”) com o significado “do que é verdadeiro” ou “o que é eterno”. Implica o
“genuíno”, de valor efetivo. A expressão “o verdadeiro tabernáculo” não se usa em contraste
com o que é falso, mas sim com o que é simbólico e imperfeito.
O fato que o santuário, no qual Cristo realiza sua obra de mediação e salvação, se
encontra no céu vincula o lugar de seu ministério com uma ordem transcendente, que deriva
imediatamente de Deus, sem nenhuma classe de intermediários terrenos.
Paulo usa a terminologia do santuário celeste e o verdadeiro tabernáculo como
expressões especiais para seu ministério a destra de Deus, em contraste com o santuário
terrestre. Esta linguagem não expressa conceitos metafísicos de origem Alexandrino (Filo de
Alexandria), como foi sugerido, mas sim é a maneira de apresentar a correspondência
tipológica entre ambas as alianças: o ministério no santuário celestial é a realidade
escatológica do que o ministério no santuário terreno só prefigurava. A relação entre ambos
os santuários é temporal. Paulo enfatiza no verso 2 que já não existe possibilidade de ter
acesso a Deus através da ordem levítica e terrena, devido a sua insuficiência intrínseca. O
acesso é possível somente através do ministério do sacerdote que serve a destra de Deus
no santuário celestial.
8:3-4 O conceito de sacerdócio, logicamente sugere a idéia de sacrifício (verso 3-4),
o que já foi antecipado em 5:1.
88
Ainda que a expressão “pelos pecados” não pareça no verso 3, Paulo considera todo
sacrifício em termos de expiação e perdão dos pecados (cf. 5:1; 9:9; 10:11). É possível que
se repita aqui o pensamento de 5:1 para especificar a necessidade de “que também este
(Cristo) tenha algo a oferecer”.
Enquanto Paulo poderia estar pensando na apresentação de Jesus como oferta pelo
pecado (7:27), define a natureza de tal oferenda só em 9:14. Na realidade, pela lei do
sistema de sacrifícios levítico, Jesus estava excluído do serviço sacerdotal terreno. Paulo
declara de maneira enfática que o sacerdócio de Jesus não é terreno, mas sim celestial.
Embora tenha sido qualificado pela sua vocação para o serviço sacerdotal terrestre, seu
ministério sacerdotal de sacrifício e intercessão se associa com sua entrada no domínio
transcendente do celestial.
8:5 Os sacerdotes levíticos cumpriam seus deveres ministeriais no santuário que foi
ordenado por Deus, porém só de forma imperfeita e incompleta reproduziam o que Moisés
havia visto (verso 5).
Embora tenha sido mostrado a Moisés um “modelo” a ser seguido, o tabernáculo
terreno era inferior ao santuário onde Cristo haveria de cumprir seu ministério (cf. 9:1). A
frase descritiva u`podei,gmati kai. skia (“cópia”, “modelo”, “figura” e “sombra”) indica que o
tabernáculo era uma lembrança aproximada para sugerir a idéia original e ensinar o povo de
Deus a valorizar eventualmente a realidade celestial em si mesma. O fato de que fosse
somente uma cópia da realidade celestial define o santuário como mutável e transitório, com
validade limitada por sua função meramente temporal.
Paulo usa sua argumentação no verso 5 com a citação de Êxodo 25:40 (cf. At 7:44),
o que implica que Moisés recebeu a revelação de algum “modelo” que pode reproduzir na
terra.
Na Septuaginta os termos tu,poj (“tipo”, “modelo”, “figura”, “cópia”, “imagem”,
“exemplo”) traduz o vocábulo hebreu tab/nīt (“forma”, “modelo”, “figura”, “molde”, “edifício”,
“construção”) e conota alguma coisa mais objetiva que instrução oral. A citação deriva da
Septuaginta em dois aspectos: Paulo acrescenta a palavra pa,nta (“todas as coisas”) e altera
o verbo particípio perfeito dedeigme,no,n ao aoristo deicqe,nta (“mostrou”). Com a adição de
pa,nta (“todas as coisas”), Paulo adapta Êxodo 25:40 a seu principio exegético, de acordo
com o qual todos os elementos do santuário chagam a ser chaves na liturgia celestial
cumprida por Cristo. O contexto de Êxodo 25 contem instrução relativa à construção do
tabernáculo, seus móveis, e a consagração de seus sacerdotes (Êx 25-31). Assim, Paulo
poderia ter elegido Êxodo 25:40 por influência da palavra tu,poj, qual prova o caráter
figurativo do santuário terrestre e seus serviços.
De acordo com certos tradutores, a distinção entre o mundo terrestre e o celestial e o
contraste entre sombra e realidade poderia implicar que o autor tenha sido influenciado pelo
clássico dualismo de Platão, através de Filo ou algum outro alexandrino. Estudos recentes,
contudo, tem demonstrado que a influencia poderia ser meramente verbal.
89
A consideração crucial é que Paulo apresenta Jesus como um ser que viveu uma
autentica e completa vida humana e que entrou no santuário celeste depois de haver
completado sua obra na terra. Esta perspectiva introduz uma dimensão temporal e histórica
no contraste do desenvolvimento em 8:1-5 que se opõe a metafísica não historicista de
Platão. O contraste desenvolvido não é simplesmente entre uma cópia terrena e um
arquétipo celestial, mas sim entre uma situação histórica no passado e uma que aconteceu
no tempo. Os argumentos e as descrições de Paulo se estruturam em uma seqüência
temporal-histórica de movimento. Paulo considera como conhecida a realidade histórica das
pessoas, eventos e instituições mencionadas na homilia. O mesmo é verdade relacionada
com suas partes neotestamentarias.
Durante a primeira situação, marcada pelo ministério dos sacerdotes levíticos, não
houve entrada no mundo da realidade, a presença de Deus. Tal privilégio foi possível
somente através da vida e obra realizada por Jesus. O santuário celestial chega a ser o
estrado de um sacerdócio efetivo só a partir do momento da exaltação de Cristo. Para Paulo,
o contraste temporal é decisivo: o ministério dos sacerdotes levíticos no tabernáculo foi
prévio ao ministério no santuário celestial. Este prefigurou a obra sacrifical definitiva de
Cristo que foi realizada séculos depois, “nestes últimos dias” (1:2). Implica se claramente as
categorias de tempo e história no verso 5, o que é incompatível com os princípios éticos e
metafísicos Platônicos de eternidade.
Em Hebreus se tem uma relação tipológica e não alegórica. Em Filo, é o contrario:
alegórica e não tipológica. Assim, a diferença entre o “terreno” e o “celestial” em 8:1-5 é mais
escatológica que filosófica.
O tabernáculo terrestre e seu ministério sacerdotal foram válidos e reais só a causa
da realidade do celestial ao qual corresponderam, participaram e se referiam.
O tabernáculo terrestre é uma “figura” e “sombra” das coisas celestiais (8:5). A dupla
idéia de “figura e sombra” é significativa. Evidentemente, a analogia original- cópia é
amplificada em 8:5. O esquema original-cópia sugere que o santuário terrestre de dois
compartimentos reflete o santuário original de dois compartimentos no céu.
8:6 A expressão nuni. de. (“porém de fato”, “agora”) no verso 6 introduz uma
declaração oposta à condição contrária ao fato desenvolvido no verso 4 (“ora, se ele
estivesse na terra, nem mesmo sacerdote seria”; a partícula me,n [“por um lado]” no verso 4
antecipa a partícula de , [“por outro lado”] no verso 6).
O fato que Jesus participe de um sacerdócio diferente e superior mostra a
impossibilidade da hipótese que Jesus não seja sacerdote. A verdade é que o ministério
sacrifical dos sacerdotes levíticos prefigurou só superficialmente o ministério sacerdotal
definitivo de Cristo em sua morte e entrada na presença de Deus. Na declaração
diaforwte,raj te,tucen leitourgi,aj (“ele alcançou um ministério superior”), o tempo perfeito
afirma que Jesus obteve e tem permanentemente um ministério superior que o dos sumos
sacerdotes levíticos.
90
A medida de superioridade expressa se com uma comparação baseada na entrada
do santuário celestial como mediador de uma aliança superior. Em Hebreus, a significativa
palavra mesi,thj (“mediador”, “fiador”) sempre é associada com a nova aliança (8:6; 9:15;
12:24; cf. 7:22). Este requer um novo mediador. Por sua vida de perfeita obediência e morte,
Jesus ratifica os termos da nova aliança de Jr 31:31-34. Sua entrada no santuário celestial
garante que Deus aceitou seu sacrifício e as provisões de uma nova e superior aliança por
meio dele. A nova aliança é superior porque se baseia em promessas superiores. Este
aspecto significativo se destaca pela repetição do adjetivo “superior” (krei,ttono,j, krei,ttosin),
em posição enfática em cada frase.
Embora a promessa da nova aliança não se expresse em termos cúlticos e nada
refiram sobre um novo sacerdócio e sacrifício, o desenvolvimento que segue mostra em que
ponto essas promessas tem influenciado na teologia de Paulo. Em 10:15-18, o apóstolo liga
os temas do sacerdócio e a promessa da aliança, onde a oferta de Cristo pelo pecado
constitui a base do perdão prometido na nova aliança.
8:7-12 Os versos 7-8a, 13, versos introdutórios e concluintes à citação de Jr 31:31-
34, enfatizam o caráter imperfeito e temporal da “primeira” aliança estabelecida no Sinai.
Paulo dirige a atenção do povo à repreensão contida dentro do oráculo em si (versos
8-9) e difere o tratamento das implicações positivas sobre as “promessas superiores” (verso
6) associada com a nova aliança (verso 10:15-18).
Neste contexto, a citação de Jr 31:31-34 serve fundamentalmente ao propósito
negativo de expor o caráter defeituoso da antiga aliança. Somente no verso 7 se descreve a
nova aliança como deute,raj (“segundo”), em relação à descrição da aliança sinaítica como
prw,th (“o primeiro”). O imperfeito evzhtei/to (“buscar”) se usa na segunda parte de uma
cláusula condicional contrária ao fato. O tipo de raciocínio seguido no verso 7 esta em
paralelo ao argumento relativo à ineficácia do sistema levítico em 7:11-19.
O tratamento das duas alianças nos versos 7-8a dá evidência da visão escatológica
de Paulo. Em nível de eventos históricos, a aliança mediada por Moisés tinha falhas com
base nas promessas humanas e foi necessário trocá-la por outra superior. É dizer, sua
substituição não foi devido somente à infidelidade do povo às estipulações da aliança. A
substituição ocorreu porque tomava lugar um novo desenvolvimento no propósito de
redenção de Deus, o qual requer uma nova ação de sua parte. O fato que Deus toma a
iniciativa de anunciar sua intenção de estabelecer uma nova aliança com Israel (verso 8a)
indica que a primeira era provisória e temporal.
Paulo cita a palavra profética de censura e promessa encontrada em Jr 31:31-34 em
harmonia com o texto da Septuaginta (verso 8b-12). Existe, contudo, variações do texto
estabelecido criticamente. Tem-se argumentado que o desvio do texto teria significação
interpretativa e estilística.
91
Jeremias 31:31-34 é a única passagem do AT que promete o estabelecimento futuro
de uma relação definitiva com Deus através do termo qualitativo “novo”. A afirmação central
da nova aliança é a promessa da presença da lei nos corações dos crentes como dom de
Deus (verso 10). Não é mencionada tal dádiva divina em nenhum outro lugar do AT (cf. um
paralelo próximo em Jr 24:7). A “qualidade de novo” intrínseca a nova aliança consiste na
nova maneira de apresentar a lei de Deus e não na novidade de conteúdo. Deus introduziria
a lei no coração do crente. Enfatiza-se a promessa de que Deus trabalharia no interior do
coração humano, capacitando-o não só em seu querer, mas sim em fazer os requerimentos
pactuais.
Assim, a nova aliança leva a sua consumação a relação entre Deus e seu povo, o
qual é o coração de toda a manifestação pactual de Abraão em diante (cf. verso 10c). A
relação entre Deus e seu povo, que foi a intenção não alcançada da aliança sinaítica pelas
falhas das promessas humanas (verso 9), se restaura através do novo sobre a base das
promessas divinas. Deus é o que produziria tanto o “querer” como o “efetuar” sua boa
vontade. A graça divina alcança seu Zênite na completa e final realização desta promessa
através de Cristo. A inauguração da nova aliança, na entrada do sumo sacerdote
escatológico no santuário celestial (verso 6), indica o privilegiado status da comunidade
cristã. No contexto imediato, possivelmente, Paulo tenha aplicado de forma direta a Jesus
Cristo a promessa de que não seria necessário instruir alguém, dizendo: “conhece ao
Senhor”, verso 11 (cf. 2:3; 7:14; 13:20, onde o vocábulo “senhor” designa Jesus).
É claro que Jr 31-34 foi vital para o entendimento teológico de Paulo. Cita a mesma
passagem ao concluir a exposição central da obra de Cristo em 10:16-17.
8:13 No verso 13 Paulo não mostra interesse nas promessas da nova aliança, mas
sim focaliza toda a atenção sobre as implicações da palavra chave do texto citado kainh,n
(“novo”, cf. verso 8).
O argumento que por designar uma “nova” aliança Deus tenha declarado “antiga”,
“obsoleta”, “antiquada” ao sinaítico implica que Deus mesmo decretou sua invalidez. O
perfeito passivo pepalai,wken (“chegou a ser velho [obsoleto]”) usa uma expressão que
aparece em um papiro para indicar a necessidade de reparação das paredes de um templo
“antigo” e “obsoleto”. Assim, Paulo implica que a antiga aliança já não tem uso e função no
contexto dos propósitos salvadores de Deus. Conseqüentemente, desaparecerá. O principio
de um novo ato de Deus faz o antigo obsoleto (cf. 7:11-28) reflete uma visão escatológica
que percebe a lei cerimonial como cumprida no sacrifico expiatório de Cristo.
A mediação da nova aliança, em contraste com a antiga, tem provido acesso ao
“santuário celestial”, ao “verdadeiro tabernáculo”, e ao “ministério sacerdotal superior”. Os
adjetivos “celestial”, “verdadeiro” e “superior” falam da perfeição da salvação mediada
através de Cristo.
92
UNIDADE V
MINISTÉRIO SUMO SACERDOTAL DO FILHO
(Hb 9:1-10:39)
Introdução
O tema desta unidade é uma continuação do que foi iniciado em 5:11 e que finaliza
em 10:39, sobre o serviço sumo sacerdotal do Filho.
A seção divide-se em quatro partes: (1) Necessidade para a nova ação cúltica (9:1-
10); (2) perdão através do sangue de Cristo (11-28); (3) caráter último do sacrifício pessoal e
único de Cristo pelos pecados (10:1-18); (4) quarta exortação: o perigo de deslealdade a
Cristo (10:19-39).
Necessidade de uma nova ação cúltica (Hb 9:1-10): Aspectos estruturais
Em 9:1-10, Paulo se concentra sobre a disposição do tabernáculo e suas provisões
para a adoração.
A comparação de Jesus como ministro e mediador da nova aliança com o sistema
levítico sob os termos da aliança sinaítica em 8:1-13 estabeleceu um contexto para a
declaração que prw,th (denotando “a primeira” aliança) havia sido considerada por Deus
como obsoleto (8:13). Com a sentença introdutora em 9:1Paulo anuncia a exposição de dois
temas: (1) as dikaiw,mata latrei,aj (“regras” ou “ordenanças” de culto); e, (2) to, a[gion kosmiko,n (“santuário terreno”), que desenvolve em ordem inversa. Primeiro trata da ordem do
santuário (9:2-5), e logo as regras de culto (9:6-10). O ponto de transição entre ambas as
seções se encontra na declaração sumária do verso 5 (“destas coisas todavia, não falaremos
agora”), o que prepara o leitor para o que segue nos versos 6-10.
Como unidade, 9:1-10 dispõe o cenário para a apresentação do ministério sacerdotal
de Cristo no santuário celestial em 9:11-10:18.
Análise exegética do texto em seu contexto
9:1 A primeira sentença desta unidade enfatiza que a primeira aliança (prw,th) teve
suas próprias regras relativas ao culto e que estas se relacionaram com o que sucedia
dentro do tabernáculo terreno.
O significado da expressão dikaiw,mata latrei,aj (“regulamentos de culto”) fica claro
nos versos 6-10, onde Paulo repete o termo latrei,aj (“culto”, “serviço religioso”) no verso 6 e
o termo dikaiw,mata (“regulamentos” ou “ordenanças”) no verso 10.
Paulo parece enfatizar a frase to, te a[gion kosmiko,n (“o santuário terrestre”). No
contexto da homilia, a construção singular neutra to, a[gion refere ao santuário em sua
totalidade. O predicado kosmiko,n qualifica o santuário como pertencente a terra, distinto ao
93
santuário celestial no qual o sumo sacerdote escatológico agora ministra. Em outras
palavras, o santuário pertencente ao mundo, o terreno, o material.
A descrição relembra o contraste desenvolvido entre o santuário “que erigiu o Senhor
e não o homem” (8:2) e o santuário construído por Moisés de acordo com as instruções
divinas (8:5). A expressão antecipa o termo pejorativo ceiropoi,hta (“feito de mãos”) em 9:24.
Além disso, por kosmiko,n não se implica o conceito filônico de que o tabernáculo era uma
reflexão simbólica do mundo. Paulo vê o santuário do AT como construído sobre a base de
seu protótipo celestial, não da criação (8:5). Como santuário terrenal, o tabernáculo não só é
transitório, do mesmo modo participa da imperfeição do mundo presente.
9:2-5 Paulo descreve detalhadamente a disposição de ambos os departamentos do
santuário. Tal distinção é fundamental para a interpretação de 9:1-10.
Ainda que nos versos 2-3 Paulo use a designação {Agia (“Santo”) e {Agia ~Agi,wn
(“Santo dos Santos”), através de toda a seção distingue ambos os compartimentos
especialmente pela expressão numérica prw,thn skhnh.n (“primeira tenda”, verso 2, 6), e
deute,ra (“segundo”, verso 7).
O vocábulo a[giona[gia (“santo”, “santos”) refere ao santuário ou a uma parte deste
em dez passagens de Hebreus (8:2; 9:1, 2, 3, 8, 12, 24, 25; 10:19; 13:11). Em 8:2, segundo
a maioria dos exegetas, descreve a Cristo como ministro “do santuário” (tw/n agi,wn) e do
verdadeiro “tabernáculo” (th/j skhnh/j), ambos os termos se referem ao santuário celestial. O
consenso é majoritário quanto a que em 9:1, a única vez que o singular to, a[gion aparece em
Hebreus, se refere ao santuário terreno em sua totalidade. Em 9:2, o anartro a[gia (único na
homilia, exceto 9:24), se refere, como indica o contexto, ao Lugar Santo do santuário
terrestre. Quando se mencionam os lugares (“santo” e “santíssimo” [9:2,3]) se usa o anartro
plural. Paulo usa o artigo com o plural em todos os demais casos na homilia, possivelmente
com a intenção de contrastar o emprego anartroso do plural em 9:2, 3, indicando que se
refere ao santuário em sua totalidade. Em 9:3 o plural neutro {Agia ~Agi,wn alude ao Lugar
Santíssimo do santuário veterotestamentário.
Em 9:8, prw,thj skhnh/j refere ao santuário terrestre da antiga aliança em sua
totalidade. A expressão tw/n agi,wn é uma referência ao santuário celestial. Em 9:12, 24-25
ta. a[gia faz referência ao santuário celestial. O mesmo tem sido sugerido para 10:19 e 13:11.
A formulação não habitual de prw,thj skhnh/j (“primeira tenda”) nos versos 2, 6, 8 tem
levado a alguns tradutores a propor que tal expressão não aponta para dois compartimentos
de um só santuário edificado por Moisés, mas sim a duas tendas separadas, a primeira das
quais se refere à terra, e a segunda ao céu. Contudo, O. Hofius30 demonstrou que esta
30O. Hofius, “Das „erste‟ und das „zweite‟ Zelt. Ein Beitrag zur Auslegung von Heb. 9, 1-10,”
Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft 61 (1970): 271-277.
94
designação corresponde diretamente a Josefo, quem chamou todo o complexo do templo
como to. prw/ton iero,n31 e a segunda parte do templo to. deu,teron iero,n.32
Hofius conclui de forma convincente que o autor de Hebreus não fala de duas tendas
separadas por uma cortina, mas sim que tem em vista dois compartimentos de uma mesma
tenda.
Esta evidência filológica entra em contradição com a interpretação de que em 9:2-5 a
separação da “primeira tenda” e da “segunda tenda” implica uma separação do universo em
termos de terra (primeira tenda) e céu (a segunda tenda).
Do mobiliário do Lugar Santo, Paulo menciona o candelabro colocado ao sul do
recinto (Êx 26:35), e a mesa com os pães da preposição, localizada ao norte do
compartimento (Êx 25:23-30; 26:35; Lv 24:6).
Ao descrever o Lugar Santo, Paulo começa com uma enumeração dos móveis e
conclui com a qualificação de Santo (verso 2). Quando descreve o Lugar Santíssimo, nos
versos 3-5a, segue uma ordem inversa. Apresenta a qualificação de Santíssimo, e logo, se
refere aos móveis contidos. É dizer, segue uma disposição quiástica.
“Por traz do segundo véu”, a cortina interior que separava ambos os compartimentos
(Êx 26:31-33; Lv 16:2, 12; 21:23; 24:3), estava o {Agia ~Agi,wn (“Santo dos Santos”). A
expressão {Agia ~Agi,wn (“Santo dos Santos”) é superlativa e sugere a idéia de “o Lugar
mais Santo”. A designação “santíssimo” traduz a expressão alternativa to, a[gion tw/n agi,wn
(“o Santo dos Santos”, cf. Êx 26:33). A forma plural usada por Paulo no verso 3 também se
encontra na Septuaginta (1Rs 8:6; 2Cr 4:22; 5:7).
A localização do crusou/n. . . qumiath,rion (“incensário de ouro”) dentro do Lugar
Santíssimo é problemático porque este estava no Lugar Santo, justamente diante da cortina
(Êx 30:6; 40:26). O Códice B reconheceu a dificuldade e não menciona o incensário de ouro
no verso 4. A alteração foi claramente uma tentativa de remover a dificuldade relativa à
locação do altar de ouro no tabernáculo para que o texto se harmonizasse com o AT.33
Tem-se argumentado que a descrição do verso 4 corresponde a uma recessão do
Pentateuco Samaritano de Êxodo, no qual Êxodo 30:1-10 é inserido entre Êxodo 26:35 e 36,
o que foi usado como argumento para propor que o autor da homilia representava o
cristianismo samaritano.
A locação do altar de incenso no verso 4 deveria ser considerado como evidência de
uma variante textual disponível antes da normalização ou unificação do texto massorético.
31Bel, Jud., V. 195 (V. V. 2).
32Bel. Jud. V. 193, 194 (V. V. 2).
33Ver Bruce A. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament (New York: United Bible Societies, 1971), 666.
95
Ainda que não se tenha recuperado nenhum texto grego refletindo o primeiro texto
samaritano de Êxodo 26, é provável que Paulo tenha seguido a tradição textual.
A arca da aliança era o objeto mais importante localizado dentro do Lugar
Santíssimo. Era uma caixa feita de madeira de acácia coberta de ouro (cf. Êx 25:10-15; 37:1-
5). A tampa da caixa era o ponto central nos serviços do dia da expiação. Sobre ela se
aspergia o sangue da oferta (Lv 16:14-15). Desta tampa, chamada propiciatório, Deus
manifestava sua presença e se comunicava com seu povo (Êx 25:22). Estende-se a
descrição da arca ao mencionar uma urna de ouro que continha o maná (Êx 16:33); a vara
de Aarão que floresceu (Nm 17:8-10); e as tábuas da lei (Êx 25:16; Dt 10:3-5). Mencionam-
se os dois querubins de ouro sobre o propiciatório (Êx 25:18-20,22; 37:7-9).
Paulo termina abruptamente a discussão dos dois compartimentos e seus respectivos
móveis com a declaração: ”Dessas coisas, todavia, não falaremos, agora,
pormenorizadamente”. A declaração deixa claro que Paulo não tem interesse em considerar
o significado implicado nos compartimentos e nos móveis do santuário. Não faz nenhuma
exposição tipológica dos elementos de culto que brevemente enumerou.
Paulo trabalha somente com os aspectos do relato bíblico que importam a seu
propósito teológico. Nos versos 2-5 se concentra basicamente na divisão do santuário
mosaico em dois departamentos, o qual é enfatizado pela enumeração dos móveis. Também
se enfatiza tal divisão na aplicação que Paulo faz da disposição do santuário terrestre.
Distingue entre os sacerdotes, os que servem continuamente no Lugar Santo (verso 6), e o
sumo sacerdote, que entrava uma só vez ao ano no Lugar Santíssimo.
Em outras palavras, 9:2-5, discute os dois compartimentos do santuário terrestre com
a intenção de distinguir e expor o significado independente dos mesmos.
9:6-7 Havendo feito a distinção dos compartimentos, Paulo expõe o tema relativo às
ordenanças de culto antecipadas no verso 1.
A frase introdutória “Ora, depois de tudo isso” resume o dito nos versos 2-5, e
introduz uma série de contrastes entre as funções dos sacerdotes (verso 6) e do sumo
sacerdote (verso 7). Os sacerdotes entram “na primeira parte do tabernáculo”; o sumo
sacerdote na “segunda parte”. Os sacerdotes “entram continuamente para cumprir os
serviços de culto”. O sumo sacerdote entra “uma vez ao ano, não sem sangue, a qual
oferece por si mesmo e pelos pecados de ignorância do povo”.
Estes contrastes servem para enfatizar a distinção entre ambos os departamentos e
serviços sacerdotais. O serviço diário do sacerdote no Lugar Santo (verso 6), para (1) cuidar
do candelabro (Êx 27:20-21);(2) queimar incenso no altar de incenso (Êx 30:7-8); e (3) trocar
cada semana os pães da mesa da propiciação (Lv 24:9) se harmoniza com as instruções do
Pentateuco.
O mesmo ocorre com o ministério anual do sumo sacerdote dentro do Lugar
Santíssimo, o qual passava o véu no dia da expiação (Lv 16:32-33) levando o sangue por si
96
mesmo e pelo povo (Lv 16:2, 11, 15-17). A única condição que Paulo especifica é ouv cwri.j ai[matoj (“não sem sangue”), a qual o sumo sacerdote ofereceria por seus próprios pecados e
pelos pecados de ignorância do povo. Havia se indicado que o sumo sacerdote aspergia o
sangue de um bezerro sobre o propiciatório na arca da aliança por seus próprios pecados
(Lv 16:14) e que a mesma ação fosse repetida com o sangue de um bode pelos pecados do
povo (Lv 16:15-17). A declaração de Lv 16:16 é altamente significativa: “assim, fará expiação
pelo santuário por causa das impurezas dos filhos de Israel”. Em outras palavras, se
descreve o pecado como contaminação e especifica que o sangue pode atuar como
instrumento de purificação.
Os conceitos “contaminação” e “purificação” chegam a ser básicos no argumento
apresentado por Paulo em Hebreus 9-10. A referência a ai[ma (“sangue”), que Paulo usa pela
primeira vez com sentido sacrifical no verso 7, antecipa a menção repetida do vocábulo no
contexto cultural da homilia (9:12, 13, 14, 18, 20, 21, 22; 10:4, 19, 29; cf. 11:28; 12:24; 13:11,
12, 20). De acordo com o uso que Paulo faz do termo ai[ma (“sangue”) na homilia, fica claro
que quer enfatizar o fato transcendente de que o sangue é o meio de aproximação a Deus.
Fazendo referência a aplicação do sangue no Lugar Santíssimo no dia da expiação,
Paulo descreve a ação do sumo sacerdote com o verbo prosfe,rei (“oferecer”), o que implica
uma diferença com a linguagem da Septuaginta. Os tradutores da Septuaginta usaram o
verbo rαίvειn (“aspergir”, “borrifar”, “salpicar”) e evπιτικζnαι (“por ou colocar sobre”, “por em
cima”, “aplicar”) para denotar o ato da aspersão. Contudo, o uso posterior do verbo
prosfe,rei (“oferecer”) na homilia com referência a morte de Cristo (9:14, 25, 28; 10:12)
sugere que Paulo descreve o aspergimento anual sobre o propiciatório no Lugar Santíssimo
com tal verbo para que seu povo reconheça a correspondência tipológica entre o fato
importante do ritual da cerimônia de expiação sob a antiga aliança e o auto sacrifício
expiatório pleno de Cristo na cruz.
Esta inferência encontra apoio quando Paulo aplica o ritual do dia da expiação a
Cristo em 9:25-28. A entrada do sumo sacerdote no Lugar Santíssimo para a aspersão de
sangue encontra seu cumprimento escatológico na morte de Cristo (prosfora/j [“oferta”],
10:10, 14). De modo que o uso do mencionado verbo para descrever a cerimônia da
expiação no verso 7 indica que Paulo interpreta o ritual levítico através do evento de Cristo
ocorrido na cruz.
9:8-10 Paulo afirma que o Espírito Santo tem revelado o mais profundo significado
dos serviços do santuário revisados nos versos 6-7.
Começando com o verso 8, baseado em correspondências tipológicas, Paulo
relaciona o ministério do sacerdote celestial com a função do sumo sacerdotal de Cristo.
Ante tudo, deveria concentrar a atenção no termo prw,thj skhnh/j (“primeira tenda”,
“primeiro tabernáculo”). O vocábulo skhnh/j (“tenda”, “tabernáculo”) é usado pela primeira vez
em 8:2 com referência ao tabernáculo levantado pelo Senhor. É dizer, se trata do
“verdadeiro” e “celestial” (8:1). O tabernáculo terrestre é uma “figura e sombra” das coisas
97
celestiais (8:5). A idéia dupla de “figura e sombra” é muito significativa no contexto.
Evidentemente, Paulo aplica no texto a analogia original-cópia. Tal esquema sugere que o
santuário terrestre de dois compartimentos se refere ao santuário original de dois
compartimentos no céu. O termo skhnh/j (“tenda”, “tabernáculo”), então, alude ao santuário
com seus dois compartimentos.
Em 9:1-7 se encontra uma lingüística não habitual. É descrita a estrutura do to, a[gion kosmiko,n (“o santuário terrestre”, 9:1) como prw,thj skhnh/j (“primeira tenda”,”primeiro
tabernáculo”) com referência ao lugar santo (9:2, 6); e o deute,ran (“segunda tenda”,
“segundo tabernáculo”) fazendo relação ao Lugar Santíssimo (9:7). Cabe destacar que
Josefo faz uso da mesma linguagem (Jewish Wars V: 184, 186, 193, 194, 195), não assim a
Septuaginta. Portanto, a referência prw,th/deute,ra (“primeiro/segundo”) é espacial (espaço:
santo, santíssimo) sem referência análoga na Septuaginta.
Em 9:8 volta a usar-se a expressão prw,thj skhnh/j. A última vez que Paulo usa a
frase é no verso 6 para se referir ao lugar santo. O que poderia sugerir que no verso 8
conota a mesma referência. Contudo, não é este o caso. O contexto em 9:8 indica que Paulo
se transfere da antiga aliança com o santuário de dois compartimentos à nova aliança com
seu tw/n agi,wn (“os santos”, “o santuário”), ao qual agora tem acesso. Em outras palavras,
nos versos 1-7 Paulo descreve o primeiro santuário da aliança sobre a terra, onde a
expressão prw,th (“primeiro”) em 9:8 tem um sentido temporal (elemento de tempo) não
espacial (divisão em “santo” e “santíssimo”), contrastando a antiga aliança com a nova
aliança. A antiga aliança tem um “primeiro” (prw,th) tabernáculo (verso 8). A expressão
prw,th aqui é temporal e se refere ao tabernáculo completo com dois compartimentos.
Assim, a expressão prw,thj skhnh/j (“primeira tenda”, “primeiro tabernáculo”) em
sentido temporal em 9:8 é uma designação ao santuário mosaico de dois compartimentos,
integral, inteiro, da antiga aliança (8:5; 9:11,21 e 13:10). É dizer, prw,th neste texto tem um
sentido temporal, não espacial.
O contexto mediato e imediato do texto fornece a chave para identificar na expressão
prw,thj skhnh/j do verso 8 o santuário terrenal. Os capítulos 8-9 da homilia contrastam com a
primeira (antiga) aliança com a nova. Cada aliança tem seu santuário, seu sacerdócio e seus
serviços para beneficio do crente. A estrutura poderia ser indicada como segue:
Antiga aliança Nova aliança
Santuário terrenal
Ministério sacerdotal e sumo
sacerdotal
Santuário celestial
Ministério sacerdotal e sumo
sacerdotal
98
Acesso limitado
Sangue de bezerros e bodes
Repetição de sacrifícios
Purificação da carne
Acesso ilimitado
Sangue de Cristo
Sacrifício feito de uma vez por
todas
Purificação da consciência
Sintetizando, então, em 9:1-7 a divisão do santuário terrestre e seus serviços no
primeiro compartimento (prw,thj skhnh/j, “primeira tenda [verso 2,6]) e segundo
compartimento (deute,ran, “segundo [verso 7]) foi a divisão espacial em “santo” e
“santíssimo”. No verso 8 Paulo retoma o que foi dito do santuário da antiga aliança (verso 1)
e o emprega como tipologia (verso 9) das novas realidades da salvação da nova aliança.
O Espírito Santo havia revelado a Paulo que o acesso ao tw/n agi,wn (“os santos”)
celestial não estava historicamente disponível “enquanto” o prw,thj skhnh/j, o santuário
terrestre da antiga aliança em sua totalidade, “estivesse em pé” e conservasse seu status
sob a antiga aliança. Assim, a partícula temporal e;ti (“enquanto”, “ainda”, “todavia”) introduz
uma matiz temporal significativa.
Não é difícil concluir do contexto que a expressão prw,thj skhnh/j (“primeiro
tabernáculo”) no verso 8 se refere ao santuário terrestre com seus dois compartimentos e
que a frase articular no plural tw/n a`gi,wn (“os santos”) refere ao santuário celestial com seus
dois compartimentos, também chamado “o maior e mais perfeito tabernáculo” (verso 11).
Nos versos 9-10 Paulo faz alusão ao significado histórico do santuário terrestre (verso
8b).
O presente indicativo passivo prosfe,rontai (“oferecer”) mostra que os serviços
cerimoniais do templo estavam ainda em vigência. Contudo, as ofertas e sacrifícios
oferecidos em tal santuário eram incapazes de fazer perfeitos os que praticavam tais
serviços religiosos.
O uso do termo te,leioj (“completo”, “terminado”, “desenvolvido”, “perfeito”) é
importante no contexto. Em 7:11-19, é apresentado o pensamento central da perfeição dos
crentes em termos de uma relação pessoal com Deus. Agora, Paulo especifica que essa
relação não pode ser aperfeiçoada até que a consciência seja purificada da contaminação do
pecado. É dizer, perfeição implica purificação. O fato de que a mais importante e solene
cerimônia pactual do dia da expiação se repetia anualmente (9:7, 25; 10:1-4) enfatiza a
incapacidade do sistema cerimonial veterotestamentário para conseguir uma efetiva
purificação e “tirar os pecados”. Isto é possível somente através “do sangue de Cristo” (9:14).
99
A incapacidade das cerimônias levíticas justifica colocá-las ao nível do que governa a
vida do povo: trata se somente “em comidas, e bebidas, e diversas abluções”.
Tal descrição esta associada com “ordenanças da carne”, impostas no Sinai e sem
valor sob a nova aliança. A perfeição da relação com Deus veio através da purificação da
consciência (9:11-14) e livre acesso ao santuário celestial (10:19-20) através do ministério de
Cristo, o qual reforma as coisas e estabelece uma nova ordem. Em outras palavras, todo
sistema cerimonial veterotestamentário era somente uma provisão temporal e imperfeita dos
propósitos divinos, tendo validade “até o tempo oportuno da reforma” ou correção. Com a
irrupção desse tempo, terminaram as função e significado de todos os regulamentos e
provisões cúlticas da antiga aliança. O ato súbito de rasgar o véu do templo de Jerusalém
por ocasião da morte de Cristo (Mt 27:51; Mc 15;38; Lc 23:45),deixando o lugar santíssimo
descoberto, simbolizava que os serviços do santuário terrestre haviam terminados com sua
função de prefiguração.
Tendo justificado a necessidade de uma nova maneira de culto (9:1-10), Paulo
apresenta a purificação através do exclusivo sangue de Cristo (9:11-28).
Purificação através do sangue de Cristo (Hb 9:11-28): Aspectos estruturais
Em 9:1-10 Paulo apresenta duas limitações do sistema cerimonial da aliança
sinaítica: (1) o acesso restringido à Deus (através do sumo sacerdote no dia da expiação)
indicava que o sistema era temporal (versos 7-8); e, (2) a incapacidade de obter purificação
através das ofertas e sacrifícios oferecidos indicava que o sistema era imperfeito (versos 9-
10).
Esta situação temporal era “até o tempo da reforma” (verso 10). A expressão
adversativa de, (“porém”, “mas”) do verso 11 anuncia uma mudança no argumento e introduz
uma nova seção. Em contraste com o sistema cerimonial, Paulo apresenta a liturgia sumo
sacerdotal de Cristo, centrando a exposição no tema do sacrifício e santuário. Cristo não
ingressa no santuário ante da presença de Deus através do sacrifício de bodes e bezerros
(cf. 9:7, 12, 25), mas sim por seu próprio sangue (9:12, 14, 26, 28). Conseqüentemente,
Cristo foi capaz de alcançar uma purificação definitiva (9:14, 22, 28). Seu ministério não é
realizado no santuário terrenal (9:1, 7), mas sim no celestial (9:11-12, 24), com o qual
fornece um acesso ilimitado a presença de Deus (9:14; cf. 10:19-20).
Com base no que foi dito, Paulo estrutura toda a seção tendo como embasamento os
versos 11-12. Em outras palavras, os versos 13-28 desenvolvem um tema exposto nas
passagens mencionadas. Os versos 13-14 expõem sobre a frase “por seu próprio sangue”
do verso 12; os versos 15-22 desenvolvem a expressão “sumo sacerdotes dos bens futuros”
do verso 11; e os versos 23-28 deixam clara a frase “entrou uma vez no santuário” do verso
12.
100
Análise exegética do texto em seu contexto
9:11 A apresentação do sistema cerimonial em 9:1-10 se resume na sentença de que
esse antigo sistema consistia de “ordenanças . . . até o tempo da reforma” (verso 10). A
transição anunciada no verso 11, através da partícula adversativa de , (“porém, veio Cristo
como sumo sacerdote”), indica que o “tempo oportuno da reforma” começou (cf. verso 26).
Em outras palavras, com a transição de 9:1-10 como segue, Paulo realiza um contraste
temporal entre períodos sucessivos na historia da salvação e suas respectivas provisões
para a redenção.
Cristo aparece como sacerdote “dos bens que já tem chegado”.34 É dizer, o que tem
sido prefigurado pelo sistema cerimonial já começou a ser uma realidade (por esta mesma
razão Paulo prepara sua homilia). A expressão “bens” se refere precisamente aos aspectos
da redenção que o sistema cerimonial não fornecia; a purificação dos pecados e um acesso
direto a Deus. Estas bênçãos refletem o caráter escatológico da redenção em Cristo.
Embora Paulo tenha feito referência a entrada de Cristo no santuário celestial (6:19-
20; 8:1-2), agora, a frase dependente “porém, vindo Cristo, o sumo sacerdote [...] entrou [...]
no santuário” (eivj ta. a[gia) enfatiza o grau de continuidade e descontinuidade entre a ação
de Cristo e a do sumo sacerdote levítico.
Existe continuidade em que Cristo, como o sumo sacerdote entrou no Santuário por
meio do sangue para completar sua obra de expiação. Contudo, a descontinuidade se dá no
que seu ministério não se realiza no santuário terrestre (9:1), mas sim no “maior e mais
perfeito tabernáculo” (9:11), “nos céus” (8:1). Além disso, não entrou na presença de Deus
por meio do sangue de animais, mas sim “pelo seu próprio sangue” (9:12). Por último, o
resultado de seu serviço sacrifical não esteve limitado, nem foi recorrente (9:9), mas sim
tendo “obtido eterna redenção” (9:12).
9:12 Os exegetas, geralmente, interpretam que a menção de bodes e bezerros no
verso 12 se refere aos procedimentos do dia da expiação. Contudo, a Septuaginta não
emprega a mesma linguagem para ambos os sacrifícios em Levítico 16. No lugar de tra,goj
(“bode”) emprega o vocábulo cima,ra (cabrito) e nunca o termo tau/roj (“touro”). Das três
expressões, a Septuaginta usa somente mo,scoj (“bezerro”, “terneiro”). Esta realidade
filológica, poderia sugerir que o verso 12 não é uma alusão ao dia da expiação.
Por outro lado, a expressão “sangue de bodes e de bezerros” é usada na
inauguração do ministério do sumo sacerdócio araônico, no começo dos serviços do
santuário terrenal. Levítico 9:8, 15 e 22 registram que o sumo sacerdote sacrificava um
bezerro em oferenda pelo seu próprio pecado e um bode pelos pecados do povo.
De acordo com este antecedente veterotestamentário, alguns interpretam
corretamente que este fato é um tipo da inauguração antitípica de Cristo ao iniciar o
34Ver Metzger, Textual Commentary, 668.
101
ministério no santuário celestial. A proposta mencionada afirma que 9:12 toma o tema da
dedicação do santuário do AT e o aplica ao ministério de Cristo no santuário celestial. É
dizer, em vez de referir-se ao dia da expiação que vem no final do serviço litúrgico, 9:12
parece aludir a dedicação e inauguração do santuário que se deu no começo do ministério
de Cristo no santuário celestial.
Esta interpretação harmoniza com o tema da nova aliança nos capítulos 8-9 da
homilia. A nova aliança tem um santuário celestial que se dedica a seu ministério e é
inaugurado pelo sangue de Cristo (9:12). Isto é de fato “de uma vez por todas” por meio de
Cristo, em contraste com o santuário terrestre. Seu sacrifício é superior ao “sangue de bodes
e bezerros” (9:12) porque consiste na oferta de sua vida a Deus (9:14, 25, 26).
9:13-14 Paulo apresenta uma prova da eficácia do sacrifício de Cristo por médio de
um argumento a fortiori.
Paulo formula seu argumento em antítese aos versos 9-10, onde julga a oferta
indicada sob a antiga aliança como insuficiente para a purificação dos pecados. A
pressuposição é que o sangue é o instrumento ou meio de purificação.
A suposição de que o sangue purifica da contaminação sob a antiga aliança fornece a
base para o argumento rabínico po,sw| ma/llon (“quanto mais”) no verso 14.
Paulo contrasta retoricamente a eficácia limitada do “sangue de bezerros e bodes”
com a eficácia do “sangue de Cristo”.
A cláusula relativa “vendo que ele se ofereceu a si mesmo com um sacrifício sem
mácula a Deus”, o qual é usado em sentido causal (o uso do pronome relativo o]j num
sentido causal poderia significar “a causa que ele” ou “vendo que ele”, indica o que faz o
sacrifício de Cristo absoluto e final.
A palavra a;mwmon (“irrepreensível”, “sem defeito”) tem uma conotação sacrifical. Essa
expressão era usada para indicar a ausência de defeitos em um animal levado ao sacrifício
(cf. Nm 6:14; 19:2). Paulo usa o termo para enfatizar a perfeição do sacrifício de Cristo. O
sumo sacerdote sem pecado (4:15; 7:26) foi também uma vitima sem mácula. Seu auto-
sacrifício expiatório a Deus foi a culminação de uma vida de perfeita obediência (cf. 5:8-9;
10:5-10). A principal sentença do verso 14 resume os benefícios experimentados pelos
cristãos como resultado da oferta sumo sacerdotal de Cristo. Em contraste com a efetividade
limitada das cerimônias levíticas (verso 13), o sangue de Cristo purificará a consciência dos
atos que conduzem à morte.
9:15-22 O contexto para a discussão dos versos 15-22, que expõem a declaração
“sumo sacerdote dos bens já realizados” do verso 11, já foi colocado em 8:6-13, onde Paulo
apresenta a Cristo como mediador de uma aliança superior.
O sangue de Cristo alcança o que tem sido prometido em Jr 31:31-34 e demonstra
que Jesus é o “mediador de uma nova aliança”. A ênfase neste ponto, contudo, se transfere
102
aos benefícios conferidos pelo sangue de Cristo a morte de Cristo, a que foi requerida para a
ratificação da nova aliança.
A expressão introdutória kai. dia. tou/to (“e por esta razão”) estabelece uma relação
causal entre os versos 11-14 e o resultado declarado no verso 15. Em razão de que Jesus
se ofereceu a si mesmo em obediência a Deus, chega a ser mediador sacerdotal da nova
aliança (cf. 8:6). Sua entrada no santuário celestial confirma que Deus aceitou seu sacrifício
e a ratificação da aliança que media ou instrumenta. Seu serviço de mediação é
conseqüência da eficácia de sua morte em substituição de cada um dos crentes.
Em particular construção sintática, Paulo expressa o propósito pelo qual Cristo é
mediador sacerdotal da nova aliança e deixa claro o que se requer dele. O propósito é que
“os escolhidos recebem a promessa da herança eterna” (cf. 1:14; 3:1; 5:9; 10:36), o gozo
eterno da salvação.
Paulo introduz a longa unidade que segue (verso 16-22) para explicar a necessidade
da morte de Cristo, a quem foi feito referência no verso 15b. Esta seção esta vinculada aos
versos prévios pelo uso explicador de ga,r (“porque”) no verso 16 e pela partícula inferencial
o[qen (“pelo qual”, “de onde”, “isto é porque”) no verso 18. Ao fluir o argumento Paulo primeiro
enuncia um princípio geral baseado sobre o procedimento para a ratificação da aliança
(verso 16-17), e em seguida mostra que este proceder foi ilustrado no caso da aliança
sinaítica mediada por Moisés (versos 18-22).
9:23-28 Nos parágrafos finais, Paulo expande a declaração “entrou uma vez no
santuário” do verso 12.
A declaração que o protótipo celestial do tabernáculo terreno requereu purificação
“com sacrifícios melhores do que estes” (verso 23) implica claramente que o santuário
celestial também havia sido contaminado pelo pecado do povo.
O completo, perfeito e suficiente sacrifício de Cristo purificaram o santuário celestial
da contaminação resultante do pecado do povo. A frase krei,ttosin qusi,aij para. tau,taj (“com sacrifícios melhores do que estes”) tem referência a morte de Cristo na cruz. O plural
qusi,aij (“sacrifícios”) é explicado pela atração da forma plural do dativo instrumental tou,toij (“estas coisas”: o destacado desde 9:19-22) com o qual este se contrasta. O sangue
sacrifical com o qual a primeira aliança havia sido ratificada e com o qual o tabernáculo
terrestre havia sido dedicado era insuficiente para purificar “as próprias coisas celestiais”. O
sacrifício requerido foi obtido pela entrega de Cristo.
Paulo especifica a purificação “das coisas que estão no céu” por referência a
ascensão de Cristo e sua entrada na presença de Deus “nos céus”, para “comparecer,
agora, por nós” (verso 24).
O contraste desenvolvido nos versos 24-26 deixa clara a base do sacrifício superior
de Cristo pelo qual o santuário celestial foi purificado. Paulo estabelece dois contrastes.
103
Primeiro contraste, o santuário que Cristo entrou não foi o terreno, o que somente era
uma representação do modelo mostrado a Moisés sobre o Sinai, mas sim o que estava no
céu mesmo (verso 24). Torna-se seguro o contraste através da expressão (1) “feito de
mãos”, e, (2) a frase adjetival “figura do verdadeiro” [“do real”], a qual define o santuário
terrestre. Só o santuário celestial é o verdadeiro, genuíno e legitimo.
Tais frases descritivas mostram que a antiga aliança esta sendo avaliada em seu
sistema cerimonial e que se considera valiosa somente à luz da realidade escatológica
associada com o sacrifício e a exaltação de Cristo. Cristo entrou to.n ouvrano,n (“no céu”) na
presença dinâmica de Deus. Embora em Hebreus Paulo use habitualmente a forma plural
toi.j ouvranoi (“céus”), neste versículo faz uso do singular to.n ouvrano,n para denotar o mais
alto céu onde está o verdadeiro santuário de Deus. A mediação de Cristo diante de Deus
upe.r h`mw/n (“em nosso favor”) garante a segurança que sua ação salvadora possui validade
eterna e assegura ao povo acesso ilimitado a Deus.
Segundo contraste, a diferença da ação do sumo sacerdote terrestre que entrava ano
após ano no santuário com o sangue de animais e a oferta de Cristo feita de “uma vez por
todas” (verso 25-26). O contrate entre o sumo sacerdote terrestre e o sumo sacerdote
celestial se mostra na seqüência de ações projetada como em sua freqüência.
A entrada permanente no santuário terrestre, seguido pela manipulação de sangue
dentro do mesmo substitui-se pelo único, completo e exclusivo auto-sacrifício de Cristo na
cruz, seguida por sua entrada definitiva no santuário celestial. Esta ação sumo sacerdotal de
Cristo inaugurou a nova aliança e introduziu a nova era de cumprimento.
Paulo indica o propósito do sacrifício de Cristo na cruz através de uma metáfora legal:
se apresentou eivj avqe,thsin th/j a`marti,aj (“para anular o pecado”). No contexto, o
cancelamento do pecado tem referência à purificação das “coisas que estão no céu” (verso
23). Esta interpretação é consistente com a ênfase de Paulo sobre o cumprimento objetivo
do sacrifício de Cristo. Os benefícios subjetivos para o povo pareciam não estar em foco
aqui. Sobre a base desta interpretação, então, os versos 23-26 estão estreitamente
vinculados. O contraste desenvolvido nos versos 24-26 mostram que tanto a antiga como a
nova liturgia cerimonial permanecem sob o princípio articulado no verso 22, porém o
sacrifício superior de Cristo alcançou a meta que era impossível diante da antiga aliança.
Sobre a base da singularidade do sacrifício de Cristo como uma ação que não tem
repetição “uma vez por todas”, os versos 27-28 sugerem um argumento adicional.
O fato que na experiência humana a morte ocorre a[pax (“uma só vez”) provê uma
analogia para compreender o significado salvador da ação sacerdotal de Cristo. Ele foi
oferecido a[pax (“uma só vez”) para “levar os pecados de muitos”, com a conseqüência que
“aparecerá pela segunda vez . . . para salvar aqueles que o esperam”. A repetição do termo
a[pax (“uma só vez”) vincula os versos 27-28 ao verso 26b destacando a perfeição do
sacrifício de Cristo. Por sua única morte resolveu o problema do pecado e assegurou a
salvação final ao crente.
104
A parousia é um evento que não acrescentará nada ao ofício sacrifical que Cristo já
completou. O poder do pecado já foi debilitado e vencido através de sua morte. Portanto,
voltará cwri.j a`marti,aj (“sem pecado”). Seu retorno confirmará que seu sacrifício expiatório
pleno foi aceito e que garantiu a salvação aos que o esperam.
Concluindo, o tema dominante em 9:11-28 é o sangue como meio de purificação e
vida. Todo o argumento se constrói sobre a base do poder do sangue para a purificação. A
compreensão de Paulo sobre o sangue se expressa mais claramente quando contrasta ao
sangue sacrifical de animais com o sangue de Cristo.
A base da comparação é que o sangue de Cristo sobre a cruz é o sacrifício da nova
aliança correspondente aos sacrifícios de animais prescritos sob a antiga aliança.
O sangue sacrifical de animais purifica a carne e não facilita um livre e total acesso a
Deus. O sangue de Cristo é o meio supremo de purificação. Por seu auto-sacrifício expiatório
alcançou a purificação da consciência, pré-requisito para a verdadeira adoração a Deus
(9:13-14).
Conseqüentemente, o antigo modelo entre contaminação e purificação foi substituído
por outro novo e superior.
Caráter final do sacrifício pessoal e único de Cristo
pelos pecados (10:1-18): Considerações estruturais
É fundamental situar 10:1-18 em seu contexto dentro da homilia. Paulo dedica 7:1-
10:18 a uma exposição das características distintivas do ofício sumo sacerdotal do Filho.
Três aspectos deste tema foram anunciados tematicamente em 5:9-10, e cada um foi
desenvolvido. O interesse de 7:1-25 é deixar claro o porquê que Jesus foi nomeado como
sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque.
Em 8:1-10:18 Paulo desenvolve o aspecto sacrifical da obra de Cristo como sumo
sacerdote, onde se aclaram temas como a aliança, o sacrifício, e o ministério. A qualificação
essencial de Jesus como sumo sacerdote no santuário celestial é demonstrado em termos
de sua morte e exaltação (8:1-9:28).
Paulo, então, trata o significado da designação de Jesus como “Autor da salvação
eterna para todos os que lhe obedecem” (5:9b) em 10:1-18. Esta unidade final, a qual conclui
a exposição introduzida com a declaração de 8:1-2, fornece um clímax apropriado ao
argumento cristológico em Hebreus. A troca que ocorre de exposição à exortação em 10:19-
25 tem em conta a perspectiva desenvolvida em 8:1-10:18 e deixa claro sua relevância para
a fé e a vida da comunidade destinatária.
A relação existente entre 10:1-18 e 8:1-9:28 é estabelecida claramente quando certos
temas já considerados se recapitulam na seção final da exposição. Particularmente o tema
da exaltação “a destra de Deus”, que introduz 8:1, em alusão ao Salmo 110:1, é retirada em
10:12-13 quando Paulo apela ao mesmo Salmo referente à função presente como sumo
105
sacerdote do santuário celestial. Além disso, a citação completa de Jr 31:31-34 em 8:8-12 é
evocada em 10:16-17. De maneira que a discussão da eficácia do particular ministério sumo
sacerdotal de Cristo é estruturado por alusões ao Salmo 110:1 e as citações de Jr 31:31-34.
Existe também um grau de correspondência entre as idéias apresentadas em 9:1-28
e 10:1-18. Em correspondência a exposição das provisões de culto da aliança sinaítica em
9:1-10 se apresenta a ineficácia dos sacrifícios em 10:1-4. A superioridade de Cristo
apresentada em 9:11-14 é considerada em seus aspectos proféticos e históricos em 10:5-10.
A apresentação da morte de Cristo como o sacrifício inaugural da nova aliança encontra seu
complemento em 10:11-18.
Ainda que estas considerações deixem evidente a unidade literária e temática em
8:1-10:18, existe uma troca de perspectivas em 10:1-18. Em 9:11-28 Paulo considera os
benefícios objetivos da oferta sacrifical de Cristo. Focaliza a entrada de Cristo no santuário
celestial por meio da sua morte, em cumprimento do plano eterno da salvação. Porém em
10:1-18, Paulo apresenta os efeitos subjetivos da oferta sacrifical de Cristo para a
comunidade que goza das bênçãos da nova aliança. Considera-se a morte de Cristo desde a
primeira perspectiva de sua eficácia para os crentes.
Em termos de uma estrutura lógica, 9:15-28 deixa claro o caráter da salvação objetiva
resumida em 9:11-12. A função de 10:1-18 é deixar claro os benefícios subjetivos da
salvação revisados em 9:13-14, onde Paulo se refere especificamente à purificação da
consciência do adorador.
A referência de 9:28b a salvação provida pelo sumo sacerdote escatológico anuncia
o tema que irá se desenvolver em 10:1-18. Um simples contraste marca a transição para a
nova unidade. Paulo justapõe o sacrifício único de Cristo (9:28) ao continuo sacrifício
prescrito pela lei (10:1). Entre a declaração inicial em 10:1 e a final da seção em 10:18 existe
uma correspondência pela oposição: Sob a lei “os mesmos sacrifícios que continuamente se
oferecem cada ano” (verso 1); por contraste, como resultado do único sacrifício oferecido por
Cristo “não há mais oferta pelo pecado” (verso 18).
O argumento em 10:1-18 se desenvolve progressivamente em quatro parágrafos
arrumados em simetria concêntrica:
A A incapacidade das provisões da lei pela repetição dos sacrifícios (10:1-14).
B Os sacrifícios cerimoniais têm sido superados pelo sacrifício único de Cristo em
conformidade com a vontade de Deus (10:5-10).
B‟ Os sacerdotes levíticos foram superados por um sacerdote exaltado a destra de
Deus (10:11-14).
A‟ A capacidade das provisões da nova aliança, a qual apresenta um só Sacrifício pelos
pecados (10:15-18).
106
Análise exegética do texto em seu contexto
10:1 Paulo argumenta sobre a incapacidade dos sacrifícios cerimoniais para
promover acesso a Deus. Estes são oferecidos continuamente, ano após ano.
Pela expressão ga,r (“porque”) parece evidente que Paulo está recapitulando um
tema previamente apresentado (8:3-5; 9:23-26). O apostolo já havia caracterizado os
sacerdotes levitas como servindo um santuário que era upodei,gmati kai. skia (“cópia”,
“modelo”, “figura” e “sombra”) do santuário celestial (8:5).
Agora a lei é descrita como skia (“sombra”) “dos bens futuros”. O vocábulo skia se
refere ao contorno, perfil ou sombra arrojada pelo objeto que é real. O termo não se refere a
algo irreal, ilusório ou imaginário como o platonismo, senão a bem mais algo imperfeito ou
incompleto. Seu uso sugere que a função da lei era assinalar o que realmente era perfeito e
completo. O termo não reflete nenhum idealismo platônico, senão uma visão escatológica do
cristianismo primitivo. É implicado um contraste de caráter temporal e escatológico; a lei é
um testemunho passado de uma realidade futura. Ela meramente prefigurava a salvação que
antecipava.
O particípio tw/n mello,ntwn avgaqw/n (“os bens futuros”) expressa o contraste entre o
caráter preliminar e incompleto da lei e a salvação completa que foi antecipada por suas
provisões cerimoniais.
A construção da sentença requer uma clara distinção entre os vocábulos skia
(“sombra”) e eivkw,n (“imagem”, “a forma real” que arroja a sombra). A presença do pronome
auvtιn (“a mesma”) como determinação do termo eivkw,n (“imagem”) confiam esta
interpretação.
A lei prefigura, antecipa a realidade futura, porém ouvk auvth.n th.n eivko,na (“não a forma
atual”) destas realidades. Neste contraste, eivkw,n tem o significado de “personificação” ou
“presença atual” e tem como sua referência transcendente a realidade. A maneira mais
natural de ler a sentença é interpretar tw/n mello,ntwn avgaqw/n (“os bens futuros”) e tw/n pragma,twn (“as coisas”, “o objeto real”) como expressões equivalentes que se referem às
bênçãos da nova era, as quais são vistas aqui diante da perspectiva da lei. A formulação do
verso 1 recorda 9:11, onde se descreve a Cristo como “o sumo sacerdote dos bens futuros”.
A realidade, só prefigurada ou antecipada na lei, já é posição atual do povo de Deus através
da nova aliança.
A conclusão de que o sistema cerimonial sancionado pela lei era incapaz de alcançar
a purificação dos adoradores repetem o argumento em 7:11,19.
10:2-3 Paulo apela para a experiência com o propósito de esclarecer a implicação da
obrigação de repetir a mesma classe de sacrifícios ano após ano.
107
Debaixo da antiga aliança os adoradores nunca experimentaram uma limpeza
definitiva. A expressão a[pax (“uma vez”) modifica o particípio perfeito kekaqarisme,nouj (“tem
sido limpos”) para distinguir uma purificação final, terminal de uma experiência de purificação
que deveria ser repetida (cf. 9:13). Ainda depois das experiências associadas com o dia da
expiação, os adoradores permaneciam sob a “consciência do pecado”. Esta expressão
implica o sentido hebreu de um coração carregado e aflito, o qual chegava a ser mais
pronunciado no dia da expiação quando deveria enfrentar a santidade de Deus. Enquanto
este sentido de pecado e transgressão permanecesse, o serviço a Deus não seria efetivo.
Uma purificação efetiva da consciência era uma condição de acesso a Deus (10:22), e esta
foi alcançada somente através do sacrifício de Cristo (9:14).
O dia da expiação era um dia de jejum (Lv 23:26-32) e confissão dos pecados (Lv
16:20-22). A cerimônia tinha como objetivo enfatizar a consciência do pecado. A entrada do
sumo sacerdote no Lugar Santíssimo dramatizava o fato que o pecado separa a
congregação de Deus.
Desta perspectiva, o sacrifício realmente provia avna,mnhsij amartiw/n (“memória dos
pecados”), os quais traziam à consciência do adorador a realidade seus pecados como um
obstáculo para a comunhão com Deus. Esta evolução da função negativa do ritual do dia da
expiação permanece em claro contraste com uma antiga formulação judaica desde o tempo
dos Macabeus: “Está escrito e ordenado que ele mostre misericórdia a todo que se lembra
de suas culpas uma vez por ano” (Jub. 5:18). Possivelmente o que impressionou Paulo foi
que a memória dos pecados, o qual constituía uma barreira para adorar, era confirmado e
renovado katV evniauto,n (“cada ano”) pela cerimônia anual do dia da expiação.
10:4 Paulo apresenta a razão pela qual a lei é incapaz de promover a purificação a
quem se aproxima de Deus através dos sacrifícios cerimoniais (verso 1).
Os versos 1 e 4 se conectam pela cláusula explicativa avdu,naton ga,r (“porque é
impossível”) o que recupera o ouvde,pote du,nantai (“nunca pode”) do verso 1, e pela
expressão ai-ma tau,rwn kai. tra,gwn (“o sangue dos bodes e dos bezerros”) o que
corresponde à tai/j auvtai/j qusi,aij (“pelos mesmos sacrifícios”) do verso 1.
O argumento pressupõe o poder do sangue para garantir a purificação da
contaminação reconhecida em 9:22: o sangue de animais não pode realizar uma eliminação
definitiva do pecado. O problema não é se o sangue dos touros e dos bodes sacrificados
durante a observância anual do dia da expiação (Lv 16:3, 6, 11, 14-16, 18-19) tem algum
poder para efetuar a purificação, mas sim se tem a capacidade de produzir uma purificação
definitiva e concreta do crente. Estes sacrifícios poderiam promover somente uma limpeza
formal. A observância anual da solene cerimônia destacava a necessidade de uma remoção
final dos pecados como condição para uma santificação completa do povo de Deus. Esta
necessidade foi satisfeita através da eficácia do sacrifício pessoal de Cristo em cumprimento
da vocação humana declarada em Salmo 40:6-8.
108
O axioma do verso 4 repousa sobre a construção eiv ga.r . . . po,sw| ma/llon (“portanto
se . . . muito mais”) em 9:13-14.
Paulo enfatiza a capacidade do sangue de Cristo para efetuar a purificação efetiva da
consciência, fazendo possível a total adoração a Deus. Acentua-se a incapacidade do
sangue dos sacrifícios de animais para eliminar a contaminação dos pecados que constituem
uma barreira para a adoração.
10:5-10 O apóstolo argumenta que os sacrifícios ineficazes prescritos pela lei
cerimonial foram superados pelo eficiente sacrifício de Cristo. Ao se desenvolver este ponto,
Paulo faz uso do midrash homilético, citando o Salmo 40:6-8. Ele demonstra que foi
profetizado na Escritura que Deus daria um status superior ao corpo humano que
instrumentasse sua vontade segundo a oferta sacrifical prescrita pela lei. O texto da profecia
implicava a descontinuidade da antiga cerimônia por sobre a nova.
Paulo coloca as palavras do Salmo na boca de Cristo. A declaração VIdou. h[kw (“eis
aqui venho”, verso 7) estabelece a base para atribuir estes versos do salmo a Jesus no
momento de entrar no mundo. A expressão temporal eivserco,menoj eivj to.n ko,smon (“entrando
no mundo”, verso 5) é profética, descrevendo antecipadamente o pensamento de Cristo em
relação aos sacrifícios do AT e sua própria missão. A declaração é uma referência alusiva a
encarnação.
A frase “me preparaste um corpo” foi tomado diretamente da Septuaginta e é uma
paráfrase interpretativa do texto hebreu. O detalhe que Deus preparou um corpo para o que
fala, para o que entraria no mundo para fazer a vontade de Deus, explica a seleção que
Paulo faz desta citação. O texto não só indicava que a encarnação e a obediência ativa de
Cristo haviam sido profetizadas nas Escrituras, mas sim que este outorgava a base bíblica
para o argumento posterior, que a oferta do corpo de Jesus Cristo era qualitativamente
superior às ofertas prescritas pela lei (versos 8-10). Paulo se apodera do termo ςw/μα
(“corpo”) o qual é vital para sua interpretação do Salmo. Habitualmente usa a palavra sa,rx (“carne”) para fazer referência a humanidade de Jesus (2:14; 5:7). Contudo, o uso do
vocábulo equivalente ςw/μα (“corpo”) no verso 10 para designar o corpo humano de Jesus
parece ser uma alusão deliberada ao texto do Salmo citado no verso 5.
Paulo difere da formulação da Septuaginta na linha final da citação no verso 7d.35 Ele
omite o pronome pessoal mou (“meu”), troca de lugar o Qeo,j (“oh Deus”) e elimina o verbo
final evboulh,qhn (“eu quis”).
A frase resultante das trocas depende da expressão precedente ge,graptai (“está
escrito”, verso 7), e não tanto o verbo evboulh,qhn (“eu quis”) como na Septuaginta.
35LXX: tou/ poih/sai to. qe,lhma, sou o qeo,j mou evboulh,qhn (“Eu quis fazer a tua vontade, Oh
Deus meu!”). Verso 7d: tou/ poih/sai o` qeo.j to. qe,lhma, sou (“fazer a tua vontade, Oh Deus”).
109
O efeito destas modificações sintáticas é fazer o texto mais diretamente aplicado ao
Filho de Deus, que veio ao mundo em cumprimento das Escrituras proféticas para fazer a
vontade de Deus. Em outras palavras, as alterações parecem terem sido feitas por motivo de
ênfase. É provável que Paulo tenha sido o responsável da adaptação do texto à luz de sua
aplicação a Jesus.
A insatisfação de Deus com a oferta convencional de um povo desobediente é um
conceito recorrente nas Escrituras (cf. 1Sm 15:22; Sl 40:6; 50:8-10; 51:16-17; Is 1:10-13;
66:2-4; Jr 7:21-24; Os 6:6; Am 5:21-27). A oferta que Deus encontra aceitável representa a
devoção do coração.
Em 10:1-4 Paulo se referiu ao sacrifício de animais como um meio de purificação. A
citação do Salmo 40:6-8 nos versos 5-7 indica, contudo, que o foco do interesse mudou. O
ponto em discussão agora é o valor relativo dos sacrifícios prescritos como meio de
consagração ao serviço de Deus. A citação prova que os sacrifícios em si mesmos não têm
poder para agradar a Deus ou garantir uma relação própria entre Deus e seu povo. O Salmo
refere a Alguém que reconhece seu corpo como a dádiva que Deus preparou para ser o
meio pelo qual a vontade divina possa ser alcançada. Por trás desta referência, Paulo
reconhece a figura transcendente do Filho de Deus, que se tornou carne para cumprir o
propósito divino para a família humana (2:10, 14, 17). Assim, Paulo interpreta que a
passagem citada é uma palavra dirigida pelo Filho ao Pai na ocasião de sua encarnação, o
que o salmista, de alguma maneira, já havia antecipado.
A transição à explicação da citação se introduz pela expressão exegética comum
avnw,teron le,gwnto,te ei;rhken (“depois de dizer . . . então, disse”, verso 8-9).
A repetição de frases e cláusulas da citação indica os pontos que Paulo quer
enfatizar na leitura do texto bíblico. Com poderosa concentração divide suas observações
sobre a passagem em duas partes.
Em primeiro lugar destaca a rejeição divina dos sacrifícios convencionais. Por unir as
duas linhas paralelas da citação que refere aos vários tipos de ofertas, surge um contraste
enfático no lugar das duas implicações no Salmo. Esta importante modificação ajuda a Paulo
distinguir entre “o primeiro” e “o segundo” no verso 9b. A construção das quatro diferentes
palavras para sacrifício no verso 8 (“sacrifício, oferta, holocaustos e expiações”) e as duas
expressões verbais de desaprovação (“não quiseste, nem te agradaram”) intensificam a
impressão do desagrado divino pela provisões cerimoniais da antiga aliança. Os quatro
termos para sacrifício no Salmo parecem incluir os principais tipos de ofertas prescritas em
código cerimonial levítico do AT.
A modificação do singular na expressão Qusi,an kai. prosfoράn (“sacrifício e oferta”)
no verso 5 para a forma plural quando se alude ao texto do Salmo no verso 8 indica que não
se tem em vista todos os sacrifícios senão uma multiplicidade de sacrifícios legais. A
multiplicidade e repetição dos sacrifícios legais dão evidência de sua fundamental
incapacidade.
110
Além das duas trocas já indicadas, Paulo limita sua interpretação da passagem a
uma observação parentética: os sacrifícios rejeitados são precisamente os prescritos pela lei
(verso 8). Este comentário faz explicita a relação entre a repetição dos sacrifícios e a lei (cf.
verso 1) e separa os sacrifícios do cerimonial veterotestamentário ao período quando a
aliança de Deus com seu povo era regulada pela lei.
Paulo dirige a atenção para a parte final da citação no verso 7. Reduz o texto para
assegurar a formulação “eis aqui venho para fazer, ó Deus, a tua vontade” (verso 9). Este
declaração parece representar a expressão essencial do Salmo sobre Cristo. Une a missão
com a vontade de Deus e prepara para a significativa conclusão de que a oferta de Cristo é o
sacrifício que Deus desejava que fosse feito. A importância do anuncio de Cristo relativo a
historia da salvação se faz evidente na formulação do verso 9: “tira o primeiro, para
estabelecer o segundo”. Esta declaração afirma a criação de um novo fundamento para a
santificação dos crentes ao serviço de Deus.
O contraste entre a antiga e a nova ordem se enfatiza pela construção quiástica do
verso 9b:
Anairei/n to. prw/ton i[na to. deu,teron sth,sh|
A B B‟ A‟
O vocábulo anairei/n (“suprimir”, “abolir”, “anular”) e ivsta,nai (“estabelecer”, “confirmar
como válido”) dá a sentença um forte sentido judicial. Ainda que o verbo anairei/n seja usado
somente em Hebreus com os sentidos indicados, é amplamente documentado no grego
clássico e helênico, onde se usa como termo técnico em esfera jurídica, para se referir a
instituições públicas, regimes políticos, contratos comerciais, etc. Implica mudança de
estruturas.
O valor semântico de sth,sh| reflete o uso da Septuaginta, onde o verbo ivsta,nai implica um aspecto judicial característico. É a palavra preferida na Septuaginta para
expressar a atividade criadora de Deus no estabelecimento de uma aliança ou ao conceder
uma promessa incondicional (cf. Nm 30:5, 6, 8, 12, 15). Veja particularmente Números
30:12-13, onde os verbos paralelos ivsta,nai e periairei/n (“invalidar”, “anular”) oferece um
paralelo próximo a formulação de Hebreus 10:9b.
O conteúdo de to. prw/ton (“o primeiro”) é definido pela conexão estrutural entre a lei
e os sacrifícios cerimoniais estabelecidos no verso 8b. O cerimonial, e a lei sobre a qual se
baseava, foi descartado sobre o fundamento de um evento através do qual se encontrou
toda a eficácia de uma vida totalmente submetida à vontade de Deus: Cristo.
O conteúdo de to. deu,teron (“o segundo”), o que é posto em antítese a “o primeiro”,
define se pela vontade de Deus como realizado através de Jesus. O verso 10 especifica o
modo desta realização: “a oferta do corpo de Jesus Cristo feita uma vez por todas”.
111
De modo que, a segunda cláusula do verso 9b contém uma referência condensada
da eficácia total da ação salvadora de Cristo em conformidade com a vontade de Deus.
De acordo com esta leitura do texto, o que Deus rejeita são a continuidade dos
sacrifícios e a lei que os tem regidos. O que havia sido confirmado como válido é a vontade
da Deus e o sacrifício efetivo de Cristo. O cumprimento do Salmo 40:6-8 inaugura uma nova
ordem. A citação do Salmo e a presença real de Cristo confirmam que a antiga ordem
cerimonial foi abolida definitivamente. No plano de Deus, os dois sistemas são
irreconciliáveis. São mutuamente exclusivos. A supressão do primeiro acontece para que
(i[na) a validez do segundo possa confirmar-se (cf. 8:7,13). Jesus Cristo e a palavra da
Escritura são agentes de mudança que introduz uma situação radicalmente nova para a
comunidade do povo de Deus.
Em sua aplicação ao Salmo, Paulo enfatiza a experiência eclesial de santificação no
verso 10. Os sacrifícios cerimoniais foram deficientes porque não asseguravam o processo
de santificação do que os oferecia.
A mudança da terceira pessoa singular (verso 9) a primeira no plural (verso 10)
concede a formulação de verso 10 um sentido confessional. Paulo define o único meio e
fonte de santificação do crente. A base imediata da santificação é a “oferta do corpo de
Jesus Cristo” como ato inaugural da nova aliança. A fonte é a vontade de Deus.
Três expressões do verso 10, de forma evidente, provêem da citação do salmo: A
frase evn w-| qelh,mati (“na qual vontade”) interpreta a expressão tou/ poih/sai to. qe,lhma, sou
(“fazer a tua vontade”), citada nos versos 7 e 9a. A vontade de Deus que Cristo veio cumprir
é a vontade pela qual os crentes são transformados e santificados. O uso instrumental da
preposição evn (“em”, “por”) pode também ter sentido causal. A palavra prosfora/j (“oferta”) é
usada na Septuaginta (e em certos escritos influenciados pela mesma) com o sentido de
sacrifício. Evidentemente, seu emprego para se referir ao sacrifício de Cristo nos versos 10 e
14 reflete este desenvolvimento e fazem explicita a intenção do aoristo infinitivo poih/sai (“fazer”) no verso 7 e 9. Assim, a vontade de Deus implicava a “oferta” feita por Cristo. A
referência ao sw,matoj (“corpo”) de Jesus Cristo parece ser uma clara alusão a linguagem do
verso 5, “um corpo me formaste”. O corpo de Jesus foi o instrumento de sua solidariedade
com a raça humana (cf. 2:14). Entrou no mundo para fazer a vontade de Deus; nele, se
integram perfeitamente a intenção e o compromisso do corpo. O termo “corpo” mostra que o
contraste que Paulo deseja estabelecer não é entre o sacrifício de animais e o sacrifício de
obediência de Cristo, mas sim entre o sacrifício ineficaz de animais e a oferenda pessoal do
próprio corpo de Cristo como um sacrifício completo e efetivo.
Os termos restantes do verso 10 são expressões preferidas de Paulo. O verbo
perifrástico (“santificar”) denota uma santificação definitiva expressada objetivamente na
sincera de coração a Deus.
112
O particípio perifrástico h`giasme,noi evμζn (“estão sendo santificados”) enfatiza o
estado ou condição de santo dos crentes e antecipa a descrição do povo de Deus do verso
14 tou.j agiazome,nouj (“os santificados”, cf. 2:11).
O uso do vocábulo evfa,pax (“uma vez por todas”, “num tempo”), que qualifica a
referência da oferta do corpo de Cristo, evoca a crucificação como o clímax de uma vida de
ministério que perfeitamente mostrou submissão a vontade de Deus (cf. 7:27; 13:12). No
sacrifício de seu corpo sobre a cruz, Cristo faz sua própria, livre e totalmente a vontade de
Deus. Conseqüentemente este sacrifício não requer repetição. Esta classe de sacrifício
incluiu a totalidade da obediência e erradicou a desigualdade entre a obediência proposta no
Salmo 40:6-8. O auto- sacrifício expiatório pleno de Cristo cumpriu a vocação humana
anunciada no Salmo. Em virtude do que foi feito por Jesus Cristo em sua condição
autenticamente humana e em solidariedade com a família humana, o povo de Deus tem sido
radicalmente transformado e santificado a seu serviço.
Sintetizando, então, em sua interpretação do salmo, Paulo enfatiza dois aspectos
importantes: Primeiro, a multiplicidade de sacrifícios cerimoniais do AT são os prescritos por
lei; segundo, a oferta sacrifical de Cristo em sua morte faz explicito o conteúdo da vontade
de Deus.
São transcendentes as conexões paulinas entre os sacrifícios e a lei, e entre a oferta
de Cristo e a vontade de Deus. Isto define o caráter temporal da lei cerimonial e antecipa sua
anulação sobre a base de uma vida entregue incondicionalmente a vontade de Deus (10:9).
O princípio escatológico fundamental definido por Paulo no verso 9 não é um fenômeno
isolado na homilia. Sintetiza declarações anteriores nas quais enfatiza a natureza provisória
do sistema cerimonial veterotestamentário (cf. 8:5; 9:9; 10:1).
Paulo apresenta a importância desta interpretação no verso 10. Os fatores essenciais
na salvação cristã são revisados diante de uma perspectiva comunitária. A causa última da
salvação é a vontade de Deus. Seu evento determinante foi à oferta do corpo de Jesus
Cristo como sacrifício. O resultado foi à santificação definitiva da comunidade remida. A
oferta pessoal do corpo de Cristo sobre a cruz revela a natureza do sacrifício que ratificou a
nova aliança. O sacrifício suficiente, completo e expiatório de Cristo, em conformidade com a
vontade de Deus, facilitou uma nova situação para o crente: cada obstáculo que impossibilita
a comunhão com Deus foi removido efetivamente.
10:11 Paulo continua apresentando o contraste entre o sistema ineficaz do
sacerdócio levítico (verso 11) e o serviço sacerdotal eficaz de Cristo (versos 12-14), o que já
foi enfatizado previamente. O serviço diário do sacerdócio levítico é descrito de uma maneira
similar ao verso 1:
10:1 10:11
katV evniautόn kaqV h`me,ran
113
(“cada ano”) (“dia após dia”)
auvtai/j qusi,aij auvta.j κυςίασ
(“os mesmos sacrifícios”) (“os mesmos sacrifícios”)
ouvde,pote du,nantai ouvde,pote du,nantai
teleiw/sai perielei/n
(“nunca pode tornar perfeito”) (“nunca pode remover
pecados”)
A missão dos sacerdotes na realização de suas funções foi decretada por mandato
divino: os sacerdotes foram estabelecidos para administrar sacrifícios (Dt 18:5). Este fato é
enfatizado no verso 11: cada sacerdote permanece diligente em seus deveres sacerdotais
devido ao fato que sua obra nunca se completa. Administra “dia após dia”, cumprindo o ciclo
anual de sacrifícios diários. Oferece “os mesmos sacrifícios” repetidamente, os quais “nunca
podem remover pecados”. Estas frases parecem enfatizar a futilidade que caracteriza o
ministério do sacerdócio levítico. Apesar de todos os esforços e a quantidade de ofertas, o
velho sacerdote foi incapaz de “remover os pecados”.
10:12-14 Paulo apresenta um contraste preciso entre os sacerdotes levíticos do
santuário terrestre e o sacerdote do santuário celestial. Cristo ofereceu somente um
sacrifício pelos pecados (mi,an upe.r a`martiw/n κυςίαn).
Paulo contrasta a frase correspondente no verso 11: Os sacerdotes levíticos
oferecem muitas vezes os mesmos sacrifícios. Contudo, Cristo ofereceu “um único
sacrifício”. O tempo passado do verbo indica aqui que a ação é passada e completa. A
efetividade de seu único sacrifício se estende eivj to. dihnekζσ (“para sempre”). Todavia sua
exaltada posição declara uma diferença particular entre Cristo e os sacerdotes levíticos. O
particípio prosene,gkaj (“oferecer”) é temporal. Em outras palavras, “depois de ter feito a
purificação dos pecados assentou-se a destra da majestade” (1:3).
A alusão ao Salmo 110:1 retoma a tese de 8:1-2 e fortalece a imagem de Cristo como
exaltado sacerdote. O conceito da exaltação de Cristo como ministro à destra de Deus já foi
introduzido em 1:3, contudo, agora parece claro sua importância no argumento de Paulo.
Jesus se assenta a destra de Deus porque seu sacrifício não requer repetição. Seu serviço
celestial dá evidência que os benefícios de sua morte sacrifical permanecem “para sempre”.
Assim, a fase sacrifical de seu ministério foi completada.
O fato de que Jesus espere “até que seus inimigos sejam posto por estrado dos seus
pés” (verso 13) não quer dizer que se encontre inativo e imóvel. Anteriormente (7:25) Paulo
associava o serviço sacerdotal celestial de Cristo com seu ministério de intercessão a favor
dos que se aproximam de Deus. O serviço ministerial de Cristo a destra da majestade no céu
114
o coloca em uma posição na que pode fornecer assistência a seu povo sem ter que oferecer
mais sacrifícios. A alusão ao Salmo 110:1 nos versos 12-13 parece insistir no rol mediador de
Cristo no santuário celestial. Quanto ao futuro, somente espera pela completa sujeição de
todo poder que resiste os propósitos salvadores de Deus. Ainda que nenhum sacerdote da
linhagem araônica tenha se assentado a destra de Deus no santuário terrestre, Cristo o fez no
santuário celestial (8:1-2). Ante a mesma presença de Deus no céu, exerce o ministério da
nova aliança. Esta é à base de segurança que se estende aos crentes que possuem acesso
livre e completo a Deus (10:19-22).
O verso 14 enfatiza o caráter decisivo da obra completada por Cristo. A conjunção ga,r
(“porque”), em função explicativa, conecta a sentença do texto com o argumento precedente.
O meio pelo qual o crente tem experimentado a purificação de seus pecados é a morte
sacrifical de Cristo.
O dativo instrumental mia/| . . . prosfora (“por uma única oferta”) se refere a “oferta do
corpo de Jesus Cristo” no verso 10 e a “um único sacrifício pelos pecados” do verso 12.
A ênfase do verso 14, contudo, recai sobre a expressão “aperfeiçoou”, onde o tempo
perfeito do verbo tetelei,wken, em combinação com a expressão temporal eivj to. dihnekζσ
(“para sempre”), enfatiza o resultado permanente da oferta de Cristo.
Assim, Paulo coloca a purificação dos crentes no evento passado da cruz com respeito
a seu alcance e no presente quanto a sua realidade experimental. A perfeição dos crentes, a
qual não pode ser possível sob a base do sacerdócio levítico (7:11), a lei e seus sacrifícios
(7:19; 9:9; 10:1), anuncia se nos versos 12-14 como uma realidade através da oferta única de
Cristo.
Se o particípio presente tou.j agiazome,nouj (“os santificados”) fosse uma designação
eterna dos crentes, descreveria o resultado do sacrifício de Cristo, o qual confere a seu povo
uma santidade definitiva, sem a qual ninguém poderia ver ao Senhor. Conseqüentemente,
Cristo é o santificador (cf. 2:11) por excelência em virtude de sua morte expiatória.
Em síntese: a comparação entre o serviço sacerdotal levítico e o sacerdotal celestial
de Cristo enfatiza que a fase sacrifical de seu ministério foi completada. A ação salvadora de
Jesus, o Cristo, obviamente foi realizada na história. É um feito histórico que, contudo, possui
uma validade que transcende a história. Foi exaltado e entronizado na presença de Deus, o
que promove a segurança de que é capaz de exercer o ministério da nova aliança em favor
dos quais se aproximam agora a Deus.
10:15 Paulo encontra confirmação para sua argumentação no testemunho do Espírito
Santo, segundo está registrado nas Escrituras.
É significativo o tempo presente do verbo na formula de introdução marturei/ to. Pneu/ma to. {Agion (“nos dá testemunho também o Espírito Santo”). Isto indica que através da
115
citação bíblica o Espírito está falando no presente. O Espírito Santo traz o significado do texto
passado para o presente e o faz contemporâneo com a experiência do povo da homilia.
As promessas dadas no momento que Deus anunciou a intenção de estabelecer uma
nova aliança com seu povo têm relevância imediata para o povo crente.
A citação de Jeremias 31:31-34 em 8:7-12 serviu para situar o argumento cultual de
8:1-10:18 no contexto de uma discussão pactual. A perspectiva neste ponto era o tempo de
Jeremias: a referência a uma nova aliança implicava que a antiga era antiquada e logo
desapareceria (8:13). A perspectiva em 10:15-18 é diferente. O que era uma expectação
futura no tempo de Jeremias já havia chegado a ser realidade como resultado da morte de
Cristo na cruz. Conseqüentemente, Paulo tem em vista a comunidade cristã.
10:16-17 Ao dirigir a atenção de seu público mais uma vez ao anuncio profético da
nova aliança de forma abreviada nos versos 16-17, Paulo deixa claro que a discussão
precedente sobre o sacrifício e sacerdócio está relacionada à profecia da nova aliança.
Paulo interpreta o texto em termos sacerdotais e sacrificais porque considera a antiga
aliança nestes termos. Reconhece que a obra completada por Cristo no calvário foi à
realização atual da intenção divina que destacava a lei cerimonial e a profecia
veterotestamentária. O fato de que os sacrifícios levíticos haviam sido superados pela oferta
eficaz de Cristo implicava que a antiga aliança fosse “envelhecida” (8:13) e substituída pela
nova aliança prometida.
De Jeremias 31:33-34, Paulo selecionou só alguns pensamentos em harmonia com
seus propósitos imediatos. Em seu uso livre do oráculo, enfatiza duas bênçãos da nova
aliança: (1) Deus escreverá suas leis no coração e na mente de seu povo; e (2) nunca mais se
recordará dos seus pecados e transgressões. Estes versos desenvolvem o caráter profético
da “promessa” oferecida através da nova aliança, já enfatizada em 8:6.
A primeira promessa poderia sugerir o fato que o povo de Deus nunca mais seria
confrontado por uma lei exterior. Poderia também sugerir que a palavra de Deus nunca mais
seria levada em filactérios na testa e mãos (Êx 13:16; Dt 6:8; Mt 23:5) precisamente porque
deveria estar localizado no coração. A segunda promessa é a resposta misericordiosa de
Deus à condição de Israel sob a antiga aliança, quando a observância do dia da expiação
trazia a memória os pecados cometidos. A confiança de que Deus certamente não recordaria
os pecados e as transgressões de seu povo sob a nova aliança, pressupõe a provisão de uma
oferta definitiva pelos pecados.
10:18 A conclusão ao argumento iniciado em 9:1 expressa se através de um axioma:
não existe necessidade de ofertas pelos pecados que já foram perdoados.
À luz do argumento precedente, o cumprimento do oráculo de Jeremias vincula se
diretamente a nova situação introduzida pela morte sacrifical de Jesus. A base da discussão
sobre o perdão dos pecados é a eficácia do sacrifício oferecido por Cristo na cruz. Sob as
condições da nova aliança, os pecados nunca serão um obstáculo para a relação pactual
116
entre Deus e seu povo. O crente goza de um acesso livre a Deus em adoração (10:19-22). O
único sacrifício requerido dos crentes é o “sacrifício de louvor” (13:15).
Conclusão: Através do curso do argumento desenvolvido em 8:1-10:18, foram
integrados os temas da aliança, sacerdócio e sacrifício. Paulo interpretou a antiga aliança em
termos sacerdotais e sacrificais. Esta hermenêutica explica a maneira distinta em que
relaciona a exposição do sacrifício único de Cristo ao oráculo de Jeremias relativo à nova
aliança em 10:15-18. Embora a promessa da nova aliança não tenha sido expressada em
termos cerimoniais e não faz referência a um novo sacerdócio e sacrifício, a promessa que
Deus certamente não se lembrará dos pecados e transgressões, pressupõe uma remoção
definitiva dos pecados.
O fato de que Cristo tenha vindo ao mundo para fazer a vontade de Deus sugere que
Ele seja a pessoa em quem a intenção da nova aliança se realiza completamente. Sua
submissão a vontade de Deus, mesmo em sua morte, indica que Deus escreveu suas leis
sobre o coração humano.
A morte expiatória de Cristo forneceu o meio para o perdão definitivo pelos pecados, o
que é à base da nova aliança antecipada por Jeremias. Devido seu único sacrifício ter limpado
a consciência dos crentes, Cristo santificou a comunidade da nova aliança e facilitou uma
nova relação com Deus. A morte de Cristo foi à oferta efetiva pelo pecado, que removeu todo
obstáculo ao serviço de Deus.
É responsabilidade da comunidade messiânica e pactual apropriar-se desta verdade e
atuar em correspondência e obediência a vontade de Deus.
Quarta exortação: O perigo da deslealdade a Cristo (Hb 10:19-39):
Aspectos gerais
Uma avaliação do gênero indica claramente que 10:19-39 constitui um segmento
distinto dentro do formato estrutural de Hebreus. È anunciado o começo de uma nova seção
por dirigir-se diretamente ao público em 10:19 e pela transição da exposição (7:1-10:18) à
exortação (10:19-39). Paulo resume em 10:19-21 o argumento que desenvolveu em 8:1-10:18.
Logo fornece uma base cristológica para a série de admoestações que seguem a esta seção.
Com 11:1 troca o gênero. Não é uma exortação, mas sim uma exposição sobre as
características da fé.
Com 10:19-39 conclui a divisão central da homilia (5:11-10:39). Visto diante da
perspectiva da estrutura homilética e literária de Hebreus, esta exortação final é simétrica com
a exortação preliminar encontrada em 5:11-6:20.
A exortação presente joga uma lista central com as outras seções exortatórias em
Hebreus. Contem ecos facilmente reconhecíveis de unidades parentéticas prévias em sua
argumentação (cf. 2:1-4/10:28-31; 6:4-8/10:26-31) e na repetição de expressões
características (cf. 3:6b/10:23; 3:17/10:26).
117
Por outro lado, a tríade de qualidades cristãs ao qual Paulo alude em 10:22-25
antecipa o desenvolvimento do resto do sermão: A fé de 10:22 é expandida em 11:1-40; a
esperança de 10:23 expressa se através da perseverança em 12:1-3; o amor de 10:24-25
prove a chave para a conclusão do sermão em 12:14-13:21.
Assim, então, como sumário das seções exortatórias previas e do anuncio das que
seguem, 10:19-39 marca um ponto decisivo na estrutura do sermão. Parece ser o clímax das
seções parentéticas de toda a homilia.
Comentário exegético geral
Esta seção da homilia é uma mensagem sobressalente de Paulo a seus amigos
ouvintes. É uma passagem exortatória climática que resume a exposição de Cristo como
sacerdote e sacrifício, através do qual, o autor apela para que o público aplique diariamente as
bênçãos do ministério sacerdotal de Cristo em suas vidas.
Na realidade, a discussão prévia cristológica motiva este poderoso chamado à
confiança e estabilidade que deve caracterizar a presença cristã no mundo. Uma resposta leal
a Cristo é a correspondência lógica ao auto- sacrifício expiatório pleno feito por Ele.
A seção consiste em quatro parágrafos, cada um dos quais possui características
próprias.
O primeiro parágrafo (versos 19-25) é construído como se fosse uma sentença
conclusiva. Depois de definir as bases da exortação nos versos 19-21, a exortação é
organizada em torno de três imperativos: (1) “aproximemo-nos...” (verso 22); (2) “guardemos
firme...” (verso 23); e (3) “consideremo-nos também uns aos outros...” (verso 24). Cada um
destes verbos são modificados referentes às três virtudes cristãs: (1) “em plena certeza de fé”
(verso 22); (2) “a confissão de nossa esperança” (verso 23); e, (3) “estimularmos ao amor”
(verso 24). A possibilidade de um acesso livre a Deus no santuário celestial é derivado do
sacrifício de Cristo (10:19-20). O conhecimento que na pessoa de Cristo os cristãos possuem
um grande sumo sacerdote (10:21) demonstra a relação privilegiada que a comunidade da
nova aliança já goza com Deus. A advertência para ser fiel enquanto o dia do Senhor “se
aproxima” prove uma transição ao pensamento do parágrafo seguinte.
A elaboração da exortação explica a mudança severa na forma do segundo parágrafo
(versos 26-31). Os limites do parágrafo são indicados pela repetição verbal dos termos chave
fobera,/fobero,n no verso 27 e o 31, os quais modificam a expectativa do juízo pelos que
desprezam a nova aliança.
O retorno a tom pastoral caracteriza o terceiro parágrafo (verso 32-35), onde Paulo
recorda a fidelidade dos ouvintes. Esta lembrança promove um poderoso incentivo para que o
público renovasse sua aliança de fidelidade presente e futura.
118
O parágrafo final (versos 36-39) conclui a exortação ao introduzir os termos chave que
serão desenvolvidos na seção seguinte, a maior do sermão: “paciência” (verso 36) e “fé”
(verso 39).
Finalmente pode se observar certa semelhança na formulação da declaração inicial da
exortação (10:19-20) com a sentença final da exortação preliminar (6:19-20).
Embora o vocabulário e os conceitos sejam similares, existe um grau maior de
precisão cristológica em 10:19-20, o que reflete a essência da exposição em 8:1-10:18. A
observação que o conteúdo de 6:19-20 se reformula em 10:19-20 indica o propósito de Paulo
em 10:19-39. Reitera poderosamente seu apelo por ousadia, valor e arrojo cristão expressado
através da lealdade incondicional a Cristo e a assistência às reuniões da congregação.
119
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