Universidade do Estado do Pará
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde
Escola de Enfermagem Magalhães Barata
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem - Mestrado
Anderson Lineu Siqueira dos Santos
PERCEPÇÕES SOBRE AS REAÇÕES HANSÊNICAS:
o cuidado de si.
Belém – Par
Belém
2015
Anderson Lineu Siqueira dos Santos
PERCEPÇÕES SOBRE AS REAÇÕES HANSÊNICAS:
o cuidado de si.
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação Associado em Enfermagem da
Universidade do Estado do Pará (UEPA) e
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), como
requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em
Enfermagem.
Linha de pesquisa: Enfermagem em Saúde Pública e
Epidemiologia de doenças na Amazônia
Orientadora: Profa. Dr
a. Ivonete Vieira Pereira
Peixoto
Co-orientadora: Profa. Dr
a. Angela Maria Rodrigues
Ferreira
Belém
2015
Anderson Lineu Siqueira dos Santos
PERCEPÇÕES SOBRE AS REAÇÕES HANSÊNICAS:
o cuidado de si.
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação Associado em Enfermagem da
Universidade do Estado do Pará (UEPA) e
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), como
requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em
Enfermagem.
Linha de pesquisa: Enfermagem em Saúde Pública e
Epidemiologia de doenças na Amazônia
Orientadora: Profa. Dr
a. Ivonete Vieira Pereira
Peixoto
Co-orientadora: Profa. Dr
a. Angela Maria Rodrigues
Ferreira
Banca Examinadora:
_____________________________________________- Orientadora
Profa. Dr
a. Ivonete Vieira Pereira Peixoto
Doutora em Enfermagem - UFRJ
Universidade do Estado do Pará
_____________________________________________- Co-orientadora
Profa. Dr
a. Angela Maria Rodrigues Ferreira
Doutorado em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários- UFPA
Universidade do Estado do Pará
_____________________________________________- Examinadora Externa
Profa. Dr
a. Sandra Helena Isse Polaro
Doutora em Enfermagem - UFSC
Universidade Federal do Pará
_____________________________________________- Examinadora Externa
Profa. Dr
a. Jacira Nunes Carvalho
Doutora em Enfermagem - UFSC
Universidade Federal do Pará
_____________________________________________- Examinadora Interna
Profa. Dr
a. Ivaneide Leal Ataide Rodrigues
Doutora em Enfermagem - UFRJ
Universidade do Estado do Pará
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Biblioteca da UEPA/CCBS, Belém - PA
S237a Santos, Anderson Lineu Siqueira dos
Percepções sobre as reações hansênicas: o cuidado de si/ Anderson Lineu Siqueira dos
Santos; Orientadora Ivonete Vieira Pereira Peixoto, Co-Orientadora Angela Maria
Rodrigues Ferreira _ 2016.
87f.
Dissertação (Mestre em Enfermagem) – Universidade do Estado do Pará/ Universidade
Federal do Amazonas, 2016.
1. Hanseníase 2. Reações hansênicas 3. Cuidados I. Peixoto, Ivonete Vieira Pereira,
orient. II. Ferreira, Angela Maria Rodrigues, co-orient. III. Título.
CDD: 22. ed. 616.998
___________________________________________________________________________
DEDICATÓRIA
Dedico esta conquista ao meu Pai Oseas
Santos, e a minha avó Dulcinéia de Jesus (in
memoriam).
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os professores do mestrado que contribuíram para meu crescimento
acadêmico.
A minha orientadora Dra. Ivonete Vieira Pereira Peixoto, por tornar realidade esta
dissertação.
A Profª. Iací Palmeira, por ter contribuído imensamente com esta dissertação.
Agradeço aos meus colegas de sala de aula deste mestrado, pela amizade.
Agradeço ao meu irmão Emerson Santos, por grande contribuição para a produção
deste estudo.
Agradeço a minha namorada que foi minha conselheira nos momentos difíceis.
Plantemos sonhos. Se não houver frutos, valerá
pela beleza das flores; se não houver flores, valerá
pela sombra das folhas; se não houver folhas, valerá
pela intenção.
(Henfil)
RESUMO
SANTOS, A. L. S. PERCEPÇÕES SOBRE AS REAÇÕES HANSÊNICAS: o cuidado de
si. 2015. Dissertação (Mestrado em Enfermagem), Escola de Enfermagem Magalhães Barata,
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2015.
A hanseníase é uma das doenças mais antigas no mundo, e carrega consigo estigma e
discriminação, este contexto preconceituoso e tão exacerbado que a doença é conhecida desde
a antiguidade como a “morte antes da morte”. Para além do curso natural da infecção, a
hanseníase pode ser seguida de reações inflamatórias agudas desencadeadas pelo sistema
imunológico em resposta à presença do bacilo de Hansen ou seus antígenos. Uma porção
considerável de pacientes acometidos pela hanseníase sofre de reações hansênicas, ocorrendo
em qualquer tempo, seja antes durante ou após o tratamento poliquimiterápico. Por suas
características próprias e excludentes, a partir deste estudo buscou-se investigar as percepções
do portador de reações hansênicas, bem como suas práticas de cuidados de si adotadas em
relação e essas reações. De posse desses pontos, buscou-se discutir a relação entre tais
percepções e o cuidado de si como indicador para o cuidado. Para alcançar tais objetivos,
utilizou-se uma metodologia exploratória descritiva com abordagem qualitativa. Foram
entrevistados 11 participantes que estavam em tratamento para reação hansênica na Unidade
Básica de Saúde Demétrio Medrado. Para análise textual e lexical prévia do conteúdo das
entrevistas foram utilizados o software IRAMUTEQ, posteriormente, o conteúdo filtrado em
análise prévia foi submetido a análise por meio da técnica de Análise de Conteúdo. Como
resultados, emergiram quatro categorias temáticas: As reações hansênicas na percepção de
seus portadores; Consequências das reações; O cuidado de si frente às reações hansênicas; O
cuidado de si, indicativo para o cuidado. As percepções identificadas envolveram vários
aspectos da relação do indivíduo com as reações, como o significado destas e sua causa,
implicações físicas, sociais e familiares. Quanto às práticas de cuidado de si, estas foram
analisadas a partir da ótica de Foucault, onde os participantes demonstram preocupação
consigo, superando a falta de conhecimento em relação a esse ponto. A partir dos resultados
obtidos, identificou-se que o cuidado de si engloba ações individuais e coletivas, de auto-
conhecimento e de conhecimento do contexto, apreendendo valores e princípios sociais que
ajudam a superar os desafios das reações hansênicas.
Palavras-chave: Hanseníase. Reações Hansênicas. Cuidado de si.
ABSTRACT
SANTOS, A. L. S. PERCEPTIONS OF LEPROSY REACTIONS: the care of themselves.
2015. Dissertation (Master of Nursing), Nursing School Magalhães Barata, State University
of Pará, Belém, 2015.
Leprosy is one of the oldest diseases in the world and carries stigma and discrimination, this
biased context and so exacerbated the disease and known since antiquity as the "death before
death." In addition to the natural course of the infection, leprosy may be followed by acute
inflammatory reactions triggered by the immune system in response to the presence of Hansen
bacillus or their antigens. A considerable portion of patients affected by leprosy suffer from
leprosy reactions, occurring at any time, either before during or after poliquimiterápico
treatment. By his own exclusive features, from this study we sought to investigate the wearer's
perceptions of leprosy reactions and their care practices adopted in relation to each other and
these reactions. Armed with these points, it attempted to discuss the relationship between such
perceptions and self-care as an indicator for care. To achieve these objectives, we used a
descriptive exploratory methodology with a qualitative approach. Interviews were conducted
with 11 participants who were being treated for leprosy reaction in basic health unit
Demetrius Medrado. Prior to textual and lexical analysis of the content of the interview was
used IRAMUTEQ software later content filtered prior analysis was submitted to analysis by
the content analysis technique. As a result, four thematic categories emerged: Leprosy
reactions in the perception of their carriers; Consequences of reactions; The care itself in the
face of leprosy reactions; Self care, indications for care. Identified perceptions involved
various aspects of the individual's relationship with the reactions, such as the meaning of
these and their cause, physical implications, social and family. The care practices themselves,
these were analyzed from the perspective of Foucault, where participants express concern
you, overcoming the lack of knowledge in relation to that. From the results obtained, it was
identified that self care includes individual actions and collective, self-knowledge and
knowledge of the context, learning social values and principles that help overcome the
challenges of leprosy reactions.
Keywords: Leprosy. Leprosy Reactions. Care of themselves.
SUMÁRIO
1 CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO 9
1.1 Aproximações com o objeto de estudo 9
1.2 A problemática e os objetivos do estudo 10
1.3 Justificativa 12
2 CAPÍTULO 2 - REVISÃO DE LITERATURA 16
2.1 Panorama da Hanseníase 16
2.2 Reações Hansênicas 19
2.3 Sofrimento pelo corpo alterado 21
2.4 A Permanência do Estigma da Hanseníase 23
3 CAPÍTULO 3 - REFERENCIAL TEÓRICO-FILOSÓFICO 25
4 CAPÍTULO 4 - METODOLOGIA 30
4.1 Tipo de estudo 30
4.2 Cenário do Estudo 30
4.3 Participantes 31
4.4 Produção e análise de informações 32
4.4.1 Análise textual básica 34
4.4.2 Análise do conteúdo 36
4.5 Preceitos Éticos 38
5 CAPÍTULO 5 - RESULTADOS 39
5.1 Caracterizando os participantes 39
5.2 Análise textual básica 40
5.3 As Reações Hansênicas na Percepção de seus Portadores 46
5.3.1 O significado das Reações Hansênicas: 46
5.4 Consequências das Reações 50
5.4.1 Implicações físicas: 50
5.4.2 Implicações sociais e psicológicas: 51
5.4.3 Implicações familiares: 54
5.5 O Cuidado Si Frente às Reações Hansênicas 56
5.6 Indicativos para o Cuidado 59
6 CAPÍTULO 6 - POSSÍVEIS CONCLUSÕES 64
7 LIMITAÇÕES DO ESTUDO 66
9
1 CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO
1.1 Aproximações com o objeto de estudo
A hanseníase é uma das doenças mais antigas do mundo. Largamente relatada na
religião, literatura e arte, ela carrega consigo o estigma e a discriminação, principalmente
devido às deformidades físicas, gerando medo nas pessoas e levando ao isolamento devido ao
preconceito de suas famílias, grupo social e até mesmo dos profissionais de saúde. Esse
contexto preconceituoso é tão exacerbado que a hanseníase é conhecida desde os tempos
antigos como the death before death, a morte antes da morte (DOGRA; NARANG; KUMAR,
2013).
Diversos avanços em direção à eliminação da hanseníase ocorreram nos últimos 150
anos. Porém, somente em 1991, na Assembleia Mundial de Saúde, promovido pela
Organização mundial de saúde, foi estabelecido um compromisso de eliminação da
hanseníase como problema de saúde pública até o ano 2000, sendo preconizada a ocorrência
de menos de um caso para cada dez mil habitantes. Os avanços tecnológicos tais como a
poliquimioterapia, o tratamento ambulatorial, a cura e a mudança da nomenclatura de Lepra
para Hanseníase não foram suficientes para desconstruir o medo da mutilação, o estigma e o
preconceito, levando a não aceitação da doença e ao seu ocultamento, deixando à margem o
tratamento devido às percepções construídas em torno da “lepra” que ainda se ligam à
hanseníase (LUNA et al., 2010).
Assim, a história da hanseníase já inicia carregada de uma simbolização coletiva de
medo, de repugnância e de nojo da pessoa com a doença (BITTENCOURT et al., 2010;
ALMEIDA et al., 2013). O fato de a hanseníase ser uma doença crônica, de evolução lenta,
que produz sintomas e sinais dermatológicos e neurológicos significativos para a pessoa que a
possui e que se reflete no seu meio social, contribui para o simbolismo focado em suas
incapacidades e deformidades, gerando preconceito e discriminação (LUSTOSA et al., 2011;
ALMEIDA et al., 2013).
Esse cenário histórico da hanseníase pode ser justificado em parte devido às políticas
de saúde de outrora nas quais o isolamento compulsório representou a principal estratégia. Em
seguida, a internação compulsória de portadores de hanseníase surgiu como outra ação
governamental para a retirada dos portadores do convívio público. Nessa época, muitos dos
10
suspeitos de portarem a “lepra” eram denunciados por vizinhos, capturados em seus lares, e
tinham suas casas queimadas (CAVALIERE; COSTA, 2011).
Nesse passo, a manutenção da saúde da sociedade era uma sentença para aqueles que,
por meio da violência e do constrangimento da internação, eram isolados socialmente; o que
contribuiu ainda mais para fortalecer o estigma da doença, construindo um contexto social
que influenciava a forma como a doença e o portador eram vistos (CAVALIERE; COSTA,
2011).
A exteriorização da doença é resultado de deformações e incapacidades físicas
causadas pelas reações hansênicas. A hanseníase pode ser seguida por fenômenos
inflamatórios agudos que são reações do sistema imunológico à presença do bacilo de Hansen
e se traduzem por alterações corporais que comprometem a aparência e estão ligadas ao
diagnóstico tardio. Tais reações, quando não tratadas, são responsáveis pelas incapacidades
físicas na hanseníase, podendo ocorrer antes, durante ou após a instituição da
poliquimioterapia (BRASIL, 2010a). Uma proporção considerável de pacientes com
hanseníase sofre de reações hansênicas a qualquer momento no processo da doença; antes,
durante ou após o tratamento (MASTRANGELO et al., 2011).
As reações hansênicas tem maior probabilidade de ocorrer em pacientes classificados
como multibacilar (MB) (ANTUNES et al., 2013). Dessa forma, as reações hansênicas são
responsáveis por muitas das condições debilitantes como consequência da doença, sendo estas
as principais complicações da mesma (BALAGON et al., 2010; OLIVEIRA et al., 2013).
Sendo a hanseníase doença milenar que atravessa o tempo e suas tecnologias e, ainda
hoje, se liga à “lepra”, ao medo e ao preconceito (PALMEIRA, 2012), há necessidade de se
investir em estudos que apontem a compreensão do fenômeno a partir do indivíduo,
abordando a percepção do sujeito sobre o seu cotidiano e sua relação com o seu meio social,
com vistas a entender como tais percepção estão relacionadas com o cuidado de si.
1.2 A problemática e os objetivos do estudo
Abordar a hanseníase, no seu âmbito social, é uma trajetória que começa com minhas
inquietações desde os primeiros contatos que tive, em estágios e campos de práticas em
enfermagem, há 12 anos, que aguçaram o meu interesse levando-me a desenvolver o Trabalho
de Conclusão de Curso (TCC) sobre a hanseníase. Posteriormente, voltei ao campo de prática,
agora na condição de docente, acompanhando alunos que realizavam assistência de
enfermagem aos portadores de hanseníase com reação hansênicas. O que retomando meu
11
interesse pela temática; porém, com um olhar mais acurado que me possibilitaram abordagens
além do biológico.
Neste ponto, centram-se minhas inquietações no campo da hanseníase ao me deparar
com manifestações psicológicas expressivas como medo, ansiedade e preocupação dos
portadores dessa doença com reações hansênicas quanto às consequências das deformidades e
incapacidades físicas, bem como os danos psicossociais decorrentes desse processo.
Embora houvessem orientações pormenorizadas da equipe de saúde era perceptível a
dificuldade de tais portadores quanto à compreensão do que estava acontecendo consigo e
como administrar a situação que se impunha.
Assim, preocupava-me em entender como os usuários constroem esse universo de
significados sobre os efeitos das reações hansênicas em seus corpos e em suas vidas e como
lidam com o cuidado consigo mesmo. O medo é um sentimento comum entre os portadores da
hanseníase, constituindo sua marca mais profunda. Este não é o único estado psicológico
nocivo à qualidade de vida, a doença traz consigo uma avalanche de sofrimentos psicossociais
que se traduzem também em ansiedade, solidão e depressão, influenciando negativamente no
cuidado de si (PALMEIRA, 2012).
Diante do exposto, se assume como objeto deste estudo a percepção do acometido
das reações hansênicas sobre as manifestações. Desta forma, elaboraram-se as seguintes
questões norteadoras:
Quais as percepções dos portadores das reações hansênicas sobre estas manifestações?
Quais as práticas de cuidados de si adotadas pelos portadores das reações hansênicas?
Quais as relações entre tais percepções e o cuidado de si como indicador para o
cuidado?
Para responder a tais questionamentos se elaborou os seguintes objetivos:
Conhecer as percepções do portador das reações hansênicas sobre estas manifestações.
Analisar as práticas de cuidados de si adotadas pelos portadores das reações
hansênicas.
Discutir a relação entre tais percepções e o cuidado de si como indicador para o
cuidado.
12
1.3 Justificativa
Esta pesquisa justifica-se pela magnitude da hanseníase, pois esta ainda se constitui
um problema de saúde pública sendo demandadas ações programáticas para o seu controle,
tendo-se em vista o seu potencial incapacitante e elevado ônus para o indivíduo e para o
governo, por ser uma das uma das maiores causas de incapacidade permanente no mundo
(PALMEIRA; QUEIROZ; FERREIRA, 2013). Tal panorama pode ser modificado pelo
diagnóstico precoce e tratamento adequado das reações hansênicas, bastando para isso que os
profissionais de saúde estejam capacitados e motivados.
A pesar de haver um vasto referencial de estudos sobre a Hanseníase, poucos destes se
atém à subjetividade dos sujeitos que sofrem com a doença e suas consequências, limitando-
se somente aos aspectos biológicos, ocasionando uma lacuna nos conhecimentos científicos
referentes à percepções sobre as reações hansênicas por seus portadores. Esta conclusão
advém do resultado de busca nas principais bases de dados em saúde. Fato que também
referenda estudos sobre a temática e que abranjam os aspectos biopsicossociais. Nesse passo,
partiu-se para uma busca aprofundada sobre o tema objeto de estudo com o intuito de
conhecer as evidências na literatura e assim reiterar a importância desse estudo.
Assim, partiu-se para o Estado da Arte com o intuito de buscar tais evidências nas
principais bases de dados em saúde por meio da biblioteca virtual em saúde (BIREME) e de
banco de teses e dissertações, tais como: MEDLINE, LILACS, Hansen, PAHO, WHOLIS,
MedCarib, BDENF - enfermagem (Brasil), Coleciona SUS (Brasil). Realizou-se uma busca
específica na National Library of Medicine National Institutes of Health (PubMed).
Ao buscar estudos atuais que abordem o tema hanseníase notou-se um rico número de
estudos sobre o tema. Utilizando o descritor “hanseníase” foram encontrados 8.072
resultados, quando o descritor utilizado foi “lepra” o número de referências encontradas
passou a ser 6.995, entre os anos de 2005-2015. Dos resultados aproximadamente 72%
encontram-se em inglês.
Tratando dos aspectos clínicos aproximadamente 23% abordavam sobre diagnóstico,
como Cruz; Furini; Roselino (2011) e Contin et al. (2011), que descrevem sobre métodos de
diagnóstico, 18,5% abordavam sobre o prognóstico, onde estudos como de Melão et al.
(2011) e Pereira et al.; (2011) descrevem o perfil epidemiológico, 17,1% eram sobre terapia,
como Valente; Vieira (2010) e Diniz; Souza (2010) abordam sobre os efeitos de determinados
fármacos sobre a doença, e 16% sobre etiologia, Teixeira; Silveira; França (2010) e Durães et
al. (2010) apresentam dados epidemiológicos.
13
Os estudos qualitativos buscam interpretar e descrever os fenômenos, os significados,
individuais ou coletivos, para a vida das pessoas. Quando aplicado à saúde, os estudos
qualitativos procuraram conhecer os fenômenos da doença e da vida. Os estudos que buscam
o reconhecimento do sujeito frente as suas percepções, seus entendimentos sobre a doença,
suas condições de saúde e sociais demonstram ser importantes para compreensão da doença
como fator influente na saúde pública para o Pará e Brasil.
Ao realizar uma associação entre o descritor “hanseníase” com o termo “percepção”
nas mesmas condições de pesquisa, foram encontrados apenas 53 estudos, dos quais podemos
encontrar Véras et al. (2012) e Collina; Viralloel; Tierra-Criollo (2011), apresentando a
fisiopatologia da percepção tátil do indivíduo, e Bittencourt et al. (2010) e Martins; Caponi
(2010), que discutem acerca da percepção social da doença sobre o ser humano.
Quando relacionados os descritores “reações hansênicas” e “percepção” obteve-se
somente um resultado, Monteiro et al. (2013), que traz a avaliação da percepção do paciente
sobre os sintomas após a realização da poliquimioterapia, o isolamento social, as limitações
físicas que implicavam no trabalho e na renda.
A associação dos termos “hanseníase” e “conhecimento” resultou em 56 estudos, onde
alguns estudos referem-se ao conhecimento dos profissionais sobre os cuidados para a
hanseníase, como Rodrigues et al. (2015), outros ao conhecimento da população acerca da
doença, como Cavaliere; Grynszpan (2008).
Em uma perspectiva do próprio portador também foram incluídos na busca
representações sociais; para encontrar os estudos foi utilizado o termo “representações sociais
and hanseníase”, o que resultou em 5 estudos, Palmeira (2011), Palmeira; Queiroz; Ferreira
(2013), Batista; Vieira; Paula (2014), Simpson et al. (2013), Lins (2010), todos apresentando
a visão de si sobre as mudanças causadas pela hanseníase, com temas que abordam o auto
preconceito, ações educativas, hospitais e o cuidado de si.
Na combinação “hanseníase” e “cuidado de si” pode-se observar a carência de estudos
que descrevam o assunto, pois, houve apenas 3 resultados, Palmeira; Queiroz; Palmeira
(2013), Palmeira; Ferreira (2012) e Palmeira (2011), e expõem a concepção gerada acerca das
alterações corporais causadas pela doença e a influência sobre a vida social.
A relação entre “hanseníase” e “alterações corporais” resultou somente em um estudo,
Palmeira; Ferreira (2012), que mostra a influência das alterações corporais, estéticas e
funcionais, em mulheres, sobre os aspectos sociais e de auto percepção.
Quando os termos utilizados foram “hanseníase” e “representações sociais”, o
resultado encontrado foi de 5 artigos. Tais artigos evidencias as representações que indivíduos
14
doentes, ou não, tem de si e suas implicações no cuidado e nas atividades sociais, resultando
em uma dificuldade em aderir ao autocuidado, Batista; Vieira; Paula (2014), e a relação entre
os conhecimentos biomédicos com o senso comum dos participantes, Lins (2010).
Na relação dos termos “hanseníase” e “visão do usuário” não houve nenhum resultado,
assim como não houve resultado quando os termos “reações hansênicas” que foram utilizados
para a pesquisa. Este resultado aponta uma lacuna no conhecimento, não oferece informação
da perspectiva do portador das reações hansênicas; o que influencia na forma do portador
pensar acerca da doença de suas reações.
Ao buscar por relações como “percepção e reações hansênicas”, “percepção” e
“cuidado de si” não se obteve resultado, portanto, observa-se que há dimensões ainda pouco
investigadas sobre a percepção do portador das reações hansênicas e o cuidado de si.
Mesmo tendo encontrado resultado para a busca dos termos “hanseníase”, “percepção”
e “enfermagem”, a produção do conhecimento que englobe este assunto ainda é pequena e
mostra-se ainda menor quando buscamos a percepção do paciente, sua visão sobre as
alterações corporais, o tratamento e a limitação social causada pelas reações hansênicas.
Desta maneira, os resultados da pesquisa reforçaram a necessidade deste estudo, uma
vez que não foram encontrados estudos que respondessem as questões desta pesquisa e que
comtemplem seus objetivos. Mesmo que existam diversos estudos sobre hanseníase, seus
efeitos patológicos e o tratamento medicamentoso, existe um hiato quanto a estudos que
abordem a percepção do portador de reações hansênicas sobre as suas reações e suas
implicações para o cuidado de si, que busquem a forma de compreensão da realidade vivida
por esse grupo.
A relevância de um estudo das percepções sobre as reações hansênicas servem como
fonte de estudos e conhecimentos para a formação de recursos humanos, capazes de
minimizar os efeitos mórbidos da doença (COELHO, 2008). A compreensão das diversas
dimensões do indivíduo portador de hanseníase favorece um cuidado cultural na medida em
que sejam incluídos no processo a religião, lazer e vínculos familiares como mecanismo de
ajuda da manutenção do bem-estar (COELHO, 2008; GUARNIERI, 2013).
Além do que, para uma maior difusão de medidas educativas por parte dos serviços de
saúde é necessário a compressão dos principais efeitos da hanseníase, considerando os
antecedentes socioculturais das pessoas afetadas, uma vez que elas mantêm crenças e atitudes
preconceituosas acerca da doença. A compreensão das mudanças físicas favorece ao
direcionamento das ações educativas para o alívio das tensões típicas da doença e
proporcionar o atendimento científico adequado para as consequências da doença,
15
contribuindo, assim, para sua aceitação. Desta forma os profissionais de saúde devem
entender que a hanseníase é uma doença que tem suas manifestações envolvendo aspectos
sociais, culturais, econômicos e físicos (COELHO, 2008).
16
2 CAPÍTULO 2 - REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Panorama da Hanseníase
Embora, como já mencionado, a hanseníase seja uma doença milenar, somente nos
últimos 150 anos ocorreram os maiores avanços em direção ao controle e erradicação da
hanseníase. A Organização Mundial de Saúde (OMS) desenvolveu uma estratégia global para
2011 a 2015 que visa reduzir a carga da hanseníase, e melhorar o tratamento e detecção
precoce de novos casos. Para a reabilitação, os pacientes precisam ser fornecidos com um
atendimento de alta qualidade para reduzir o número de deficiência, e para lidar com o
estigma associado à hanseníase socioeconômico (YAMAGUCHI; POUDEL; JIMBA, 2013).
A OMS estabeleceu como meta para eliminação da hanseníase a ocorrência de menos de 1
caso para cada dez mil habitantes.
O Brasil está em segundo lugar mundial em número de casos de hanseníase, perdendo
apenas para a Índia. Com isso, estabeleceu como meta a eliminação da hanseníase como
problema de saúde pública, na busca do patamar estabelecido pela OMS (PALMEIRA;
QUEIROZ; FERREIRA, 2013; BATISTA; VIEIRA; PAULA, 2014). O Pará em 2009 foi o
quinto estado brasileiro com o maior coeficiente de detecção (PALMEIRA; QUEIROZ;
FERREIRA, 2013).
Na conferência de 1991 firmaram o compromisso 122 países; até o ano 2000 ainda 15
países não haviam alcançado a meta global, então o prazo foi prorrogado até 2005. Em 2003,
restavam apenas 9 países nessas condições; em 2005, apenas 8 países não alcançaram a meta
de eliminação, entre eles o Brasil. Em 2009 a Índia alcança a meta, restando apenas 5. Em
2010 o Nepal anuncia a eliminação da hanseníase (USP, 2012). O Brasil, no ano de 2007,
apresentou um coeficiente de 2,1 casos para cada dez mil habitantes, reduzindo em 2010 esses
valores para 1,82 casos para cada dez mil habitantes (ANTUNES, 2012).
A OMS estima a existência de 1 milhão de portadores de hanseníase e atualmente
cerca de 2 a 3 milhões são portador de incapacidades físicas devido a doença. No ambiente
social são outros os agravos provocados pela hanseníase, porque mesmo com todos os
avanços de tratamento e do conhecimento da doença, ainda permanece o estigma socialmente
construído, a alienação e violência psicossocial contra o portador da hanseníase (USP, 2012).
Atualmente no Brasil a hanseníase é uma das principais causas de incapacidades
físicas, impondo elevado ônus social e econômico por comprometer a produtividade dos
indivíduos (COELHO, 2008; PALMEIRA; QUEIROZ; FERREIRA, 2013).
17
A hanseníase por ser uma das doenças mais antigas e mais temida do mundo,
largamente relatada na religião, literatura e arte; ela carrega consigo o estigma e o preconceito
principalmente devido às terríveis deformidades físicas. Soma-se a isso a segregação de suas
famílias, grupo social e até mesmo por profissionais de saúde (DOGRA; NARANG;
KUMAR, 2013).
A gravidade da hanseníase é medida pelo grau de incapacidade; essas incapacidades
relacionadas às deformidades físicas, em sua maioria, estão associadas aos episódios
reacionais. O potencial incapacitante afeta principalmente a população economicamente ativa,
causando perdas econômicas pelo desemprego e a incapacidade de manter o mesmo padrão de
vida anterior a doença, principalmente relacionado ao sustento familiar, provocando um
trauma psicológico (LUSTOSA et al., 2011).
As deformidades e incapacidades levam a formação de preconceitos e a
comportamentos discriminatórios contra a pessoa com hanseníase, culminando em exclusão
social. A hanseníase leva a uma desestruturação da vida pública e compromete o papel
familiar, independente de gênero, principalmente pela limitação funcional resultante de
deformidades ou pela dor. Papel social ameaçado leva a um sofrimento psicológico
(LUSTOSA et al., 2011; COSTA et al., 2012; ALMEIDA et al., 2013).
A hanseníase, causada pelo Mycobacterium leprae, é uma doença que afeta
principalmente a pele e células de Schwann de nervos periféricos, levando à perda sensorial,
motor e funções autônomas incluem episódios reacionais (COGEN et al., 2012; ANTUNES et
al., 2013; OLIVEIRA et al., 2013; YAMAGUCHI; POUDEL; JIMBA, 2013; BATISTA;
VIEIRA; PAULA, 2014), resultando em complicações secundárias, como deformidade,
deficiência, distúrbios psicológicos e exclusão social (ALMEIDA et al., 2013; OLIVEIRA et
al., 2013).
A classificação de Madri feita em 1953 divide a hanseníase de acordo com sua forma
clínica em indeterminada, estágio inicial da doença; tuberculoide, contenção da multiplicação
bacilar; dimorfos, forma de instabilidade imunológica; e virchowianos, quando ocorre maior
multiplicação e disseminação da doença (ALMEIDA et al., 2013).
A detecção de casos novos de hanseníase permanece elevada no mundo, com cerca de
250 mil casos novos registrados a cada ano. Em torno de 15 milhões de pessoas foram
tratadas com poliquimioterapia desde a sua implementação na década de 1980 até meados de
2010, e destas, aproximadamente 2 milhões estão desenvolvendo algum tipo de incapacidade,
principalmente na faixa etária economicamente ativa (RODRIGUES; LOCKWOOD, 2011).
18
Cerca de 20% das pessoas atingidas pela hanseníase podem sofrer de incapacidades ou
problemas psicossociais, com necessidade de algum tipo de apoio e/ou reabilitação
(MONTEIRO, 2012; DEEPAK, 2003).
O Brasil, com 33.955 casos novos detectados em 2013, é o segundo país com maior
número de casos de hanseníase no mundo, apresentando coeficiente de detecção de
17.65/100.000 habitantes (BRASIL, 2015). O país acompanha o declínio lento e gradual das
taxas de incidência mundial, com a redução de 939 casos entre os anos de 2012 e 2013, e
tendência de estabilização dos coeficientes de detecção (WHO, 2014). Em menores de 15
anos, foram detectados 2.420 casos, correspondendo ao coeficiente de detecção de
5,22/100.000 habitantes no ano de 2013, considerado muito alto segundo os parâmetros do
Ministério da Saúde (BRASIL, 2015).
Os dados epidemiológicos variam muito dentro do território brasileiro. As regiões Sul
e Sudeste conseguiram alcançar a meta proposta pela OMS, porém ainda se observa a alta
detecção de casos na região Norte, Centro-Oeste e Nordeste (BRASIL, 2015). Em 2007, essas
regiões concentraram 53,5% dos casos detectados em apenas 17,5% da população brasileira
(BRASIL, 2015). O Estado do Pará é hiperendêmico para hanseníase, apresentando 3926
casos novos na população geral e coeficiente de detecção de 51,1/100.000 habitantes em
2011, ocupando a quinta posição no cenário nacional. O coeficiente de detecção em menores
de 15 anos foi de 18,3/100.000 habitantes, sendo o quarto estado com maior número de casos
e classificado como hiperendêmico (BRASIL, 2015). As taxas de detecção anuais no estado
do Pará são muito maiores do que as médias brasileiras.
Por meio do Programa de Controle da Hanseníase o Ministério da Saúde, propõe ações
educativas em autocuidado, por meio de três manuais: "Autocuidado em hanseníase: face,
mãos e pés" para prevenir incapacidades para usuários, "Eu me cuido e vivo melhor", é um
caderno de monitoramento do autocuidado para usuários e "Guia de apoio para grupos de
autocuidado em hanseníase" direcionado a usuários capacitados para atuar como
coordenadores de grupos e demais profissionais de saúde. Para os usuários, é proposto uma
série de cuidados técnicos e exercícios direcionados a face, as mãos e os pés (BRASIL,
2010b; BATISTA; VIEIRA; PAULA, 2014), focalizando a dimensão física do corpo.
19
2.2 Reações Hansênicas
O curso clínico da hanseníase é muitas vezes interrompido por episódios agudos de
reações imunológicas que provocam processos inflamatórios em 10 a 50% dos casos, essas
manifestações imunológicas são denominadas de reações hansênicas (TEIXEIRA;
SILVEIRA; FRANÇA, 2010). Esses períodos de hipersensibilidade imunológica aguda
podem ocorrer antes do diagnóstico, durante e após o tratamento e causar danos nos nervos
(TEIXEIRA; SILVEIRA; FRANÇA, 2010; MOTTA et al., 2012; OLIVEIRA et al., 2013;
RAJU et al., 2014).
As reações hansênicas são um importante fator de risco para retratamento da
hanseníase, sendo a causa de abandono de tratamento e das incapacidades. Elas ocorrem,
principalmente, durante os primeiros meses do tratamento com o poliquimioterápico, podendo
acometer doentes tanto paucibacilares como os multibacilares (SOUZA, 2010), sendo mais
predominante em multibacilar (TEIXEIRA; SILVEIRA; FRANÇA, 2010).
As reações hansênicas ou episódios reacionais são classificadas em dois tipos: reação
hansênica Tipo 1 ou Reversa (RR), e reação hansênica Tipo 2 ou Eritema Nodoso Hansênico
(ENH), eritema polimorfo (EP) e eritema nodoso necrotizante (ENN), com participação mais
efetiva da imunidade humoral (TEIXEIRA; SILVEIRA; FRANÇA, 2010). Ambos os tipos de
reações são acompanhados por um aumento da libertação de marcadores inflamatórios, é
possível que estes episódios possam ser associados a processos infecciosos, tais como
infecções virais sistémicas, infecções do trato urinário e infecções orais (MOTTA et al.,
2012).
A reação do Tipo 1 pode ser causada por um aumento na resposta mediada por células
Th1 para Mycobacterium leprae (aumento da imunidade celular) (MOTTA et al., 2012),
ocorrem em formas clínicas dimorfas (tuberculoide-BT, dimorfo-BB, lepromatoso-BL)
(SOUZA, 2010). A reação tipo 1 inicia, geralmente, durante o tratamento ou após o primeiro
ano da alta e acometem entre 10 e 33% dos pacientes com hanseníase (TEIXEIRA;
SILVEIRA; FRANÇA, 2010).
Na RR o processo inflamatório atinge a pele e nervos periféricos, sendo que as
principais características são: Cutâneas: maior eritema, edema, intumescimento e infiltração
das lesões pré-existentes e as lesões em forma de manchas (máculas) ou placas infiltradas
tornam-se placas elevadas e os limites das lesões tornam-se mais definidos; surgimento de
novas lesões nas áreas adjacentes; lesões vésico-bolhosas; descamação seguida de ulcerações;
hiperestesia e parestesia; danos neurais: o espessamento de nervos periféricos pode ocorrer
20
dor e perda da função sensitivo-motora e, hiperestesia e parestesia mais raramente, febre,
déficit da função neural na ausência de sintomas (neuropatia silenciosa), acometendo
principalmente os nervos ulnar e tibial posterior (TEIXEIRA; SILVEIRA; FRANÇA, 2010).
Esse tipo de reação também é caracterizada pela presença de interferon-gama (IFN-γ)
e de fator de necrose tumoral alfa (TNF-a), que são importantes para a expressão da enzima
óxido nítrico sintase indutível (iNOS) e são responsáveis pela atividade eficiente de
macrófagos (ANTUNES et al., 2013). A reação tipo 1 pode ser ascendente, quando há
aumento da imunidade específica ou descendente quando há uma queda da imunidade e a
expressão clínica é semelhante (TEIXEIRA; SILVEIRA; FRANÇA, 2010).
A reação do Tipo 2 ou Eritema nodoso Hansênico (ENH), é uma reação de
hipersensibilidade sistémica e está associada à deposição de complexos imunes em tecidos,
com associação do aumento da pressão arterial e da permeabilidade vascular; esta reação é
caracterizada por infiltrações neutrofílicos intralesionais, é uma resposta de Th2 (MOTTA et
al., 2012). Ele está também relacionado com elevada níveis de TNF-a, infiltração de
neutrófilos, a ativação do sistema de complemento, no comprometimento de vários órgãos e
níveis elevados de IL-6, IL-8 e IL-10 mensageiro, expressão tecidual ácido ribonucleico, que
auxiliam a resposta imune das células T (exacerbação da imunidade humoral) (ANTUNES et
al., 2013).
O ENH é o principal sintoma de uma reação do Tipo 2, os indivíduos com este tipo de
reação desenvolvem pápulas ou nódulos dolorosos, eritematosos, precedidos muitas vezes por
febre, artralgias, mialgias, mal-estar geral, adenopatia dolorosa geralmente no rosto e
membros e nódulos eritematosos nas superfícies extensoras das extremidades. Podendo
também ocorrer conjuntivite, neurite, sinovite, nefrite, hepatoesplenomegalia, orquite e
linfadenopatia (MOTTA et al., 2012). Ocorrem em formas clínicas lepromatosas (LL), menos
frequentemente BL (SOUZA, 2010; MOTTA et al., 2012)
A maioria das pessoas desenvolvem múltiplos episódios de ENH, nos casos mais
graves requerem a utilização de imunossupressores potentes. ENH se limita a pacientes com
hanseníase classificados como multi-bacilar (MB). (TEIXEIRA; SILVEIRA; FRANÇA,
2010; VOOREND; POST, 2013). Dos dois tipos principais de reações hansênicas, ENH é a
mais comum e mais agressiva (TEIXEIRA; SILVEIRA; FRANÇA, 2010; MOTTA et al.,
2012).
Algumas condições têm sido mencionadas como fatores de risco para as reações
hansênicas, com a presença de infecções (bacterianas, fúngicas ou virais), uso de iodeto,
brometo, ofloxacina, rifampicina ou medicamentos, alterações hormonais, gravidez, pós-
21
parto, amamentação, uso de álcool, trauma, vacinação, procedimentos cirúrgicos e estresse
físico (GONÇALVES; SAMPAIO; ANTUNES, 2010; ANTUNES et al., 2013). As infecções
orais também são sugeridas como fatores de risco para a ocorrência de reações hansênicas
após o estabelecimento de um tratamento dentário (MOTTA et al., 2011).
As reações hansênicas requerem diagnóstico precoce e a identificação e o manejo dos
pacientes constituem um desafio, nessas reações, já que as sequelas são graves. Quando os
quadros reacionais são tardios, após a alta medicamentosa, aumenta a dificuldade em
diagnosticar devido à necessidade de diferenciação com os quadros de recidiva (TEIXEIRA;
SILVEIRA; FRANÇA, 2010). As reações hansênicas constituem para os doentes, evidências
dos limites das ações de saúde, pois podem ocorrer durante e após o tratamento (LINS, 2010).
Apesar da existência da poliquimioterapia altamente eficaz contra a hanseníase, ainda
há dificuldades no manejo clínico, tratamento e monitoramento de reações de hanseníase, o
que pode levar a incapacidades e sequelas irreversíveis (ALMEIDA et al., 2013; ANTUNES,
et al., 2013). As reações hansênicas são associadas com o desenvolvimento de deficiências
físicas. A identificação precoce combinada com o tratamento adequado das reações
hansênicas pode ser uma estratégia eficaz para prevenir as incapacidades e deficiências físicas
na hanseníase (OLIVEIRA et al., 2013). As incapacidades e comprometimento neurológico
imprimido pela hanseníase comprometem o desempenho do trabalho e a produtividade
(COELHO, 2008; PALMEIRA; QUEIROZ; FERREIRA, 2013).
2.3 Sofrimento pelo corpo alterado
O corpo humano não pode ser compreendido apenas sob seus aspectos biológicos, haja
vista que é socialmente construído e produto de uma representação psicológica e cultural.
Somados às alterações físicas a hanseníase desencadeia distúrbios sociais pela exposição das
consequências mórbidas visíveis nas partes públicas do corpo, como as deformidades que são
muito difíceis ocultar seus pares sociais (COELHO, 2008). Desta forma, inevitavelmente os
portadores de hanseníase carregam por muitos anos uma característica peculiar conhecida pela
maioria da população e imediatamente percebida por eles que são as deformidades físicas
aparentes (MARTINS; CAPONI, 2010).
Para se confrontar com esta realidade a sociedade possui mecanismos de
enfrentamento do que lhe causa estranheza, como a classificação e a categorização das
pessoas conforme seus atributos, sejam eles comuns ou diferenciados da população
(MARTINS; CAPONI, 2010).
22
O que pode ser percebido na sociedade capitalista e tecnocrata onde o corpo
deformado pela hanseníase torna-se intolerável, pois afasta-se dos atributos de produtividade,
do corpo como máquina, dos padrões de beleza e do prazer. Nesse contexto os portadores de
deformidades e incapacidades resultantes da hanseníase suscitam sentimento de tristeza,
revolta e não aceitação, de inadequação, não participação e além de promover a discriminação
pelo seu grupo social, discriminação social pelo corpo deformado (PALMEIRA; QUEIROZ;
FERREIRA, 2013; BATISTA; VIEIRA; PAULA, 2014). As incapacidades e deformidades
físicas influenciam diretamente na imagem corporal da pessoa portadora de hanseníase, por
trazer preconceitos, discriminações e exclusões sociais (ALMEIDA et al., 2013; BATISTA;
VIEIRA; PAULA, 2014).
Considerando a figura feminina, para a mulher a beleza está associada a um dever
sociocultural, é estar em conformidade com os padrões de beleza socialmente estabelecidos.
A mulher constrói a autoimagem a partir do julgamento do outro, assim, lhe é insatisfatório
viver em um corpo que foge aos padrões socialmente aceitos. As mulheres atribuíam a
felicidade a sua aparência física, logo, as deformidades imprimidas pela hanseníase são
sinônimos de infelicidade. O estigma na hanseníase está diretamente relacionado à imagem do
corpo, e é sobre ele que recai a maior parte das percepções. A imagem corporal é um dos
componentes fundamentais da identidade (BATISTA; VIEIRA; PAULA, 2014).
As mulheres com a imagem corporal alterada desenvolvem sentimentos negativos de
inferioridade, insegurança e complexos, por este motivo elas tentam esconder as deformidades
em seus corpos (PALMEIRA; QUEIROZ; FERREIRA, 2013; BATISTA; VIEIRA; PAULA,
2014).
As percepções sobre hanseníase são repletas de vergonha de expor seu corpo, o medo
diante dos preconceitos da sociedade e pela a preocupação em contagiar seus parentes mais
próximos. Esta situação provoca mudanças na autoestima e na relação que os doentes têm
com sua vida laboral e principalmente com sua família (COELHO, 2008; PALMEIRA;
QUEIROZ; FERREIRA, 2013). A hanseníase rouba das pessoas de uma possibilidade de um
cotidiano comum, pois ao surgirem marcas que são produzidas ou reforçadas pela sociedade,
que vão além do corpo, alcançando as relações com os outros que não possuem a doença
(COELHO, 2008).
A progressão da doença condiciona perda da sensibilidade cutânea e as deformidades
de pés e mãos representam um conflito entre as regiões e a consciência levando a uma
desestruturação da imagem corporal. As mãos representam o contato interpessoal, as defesas
do ego em relação ao ambiente. As deformidades de mãos podem levar a dificuldades no
23
contato social e adaptação socialmente, levando a insegurança na relação à interação com o
meio externo. Os pés representam a base, e quando desfigurados podem levar a uma
dificuldade em dominar o seu espaço em seu meio. Assim, deve ser pelos pés que talvez deva-
se começar os cuidados das pessoas com deformidades nessa região (BATISTA; VIEIRA;
PAULA, 2014).
A desfiguração das mãos e dos pés mostra que estas são regiões conflitantes e não se
integraram à consciência. Isto pode corroborar com a estigmatização da doença. A vivência
com as morbidades da doença é relacionar-se de modo conflitante com o social (COELHO,
2008; PALMEIRA; QUEIROZ; FERREIRA, 2013; BATISTA; VIEIRA; PAULA, 2014).
O medo da exclusão social pode ser percebido na ocultação das regiões do corpo com
deformidade que revelam a presença da hanseníase. A desestruturação da imagem corporal
pode levar a dificuldade de socialização porque existe uma relação de troca continua entre a
própria imagem e a dos outros. A imagem corporal representa o sentido das imagens corporais
que circulam na sociedade, em qualquer grupo social sempre existirá uma imagem social do
corpo, no qual se identificam ou rejeitam. Desta forma, o corpo o tem significados construídos
socialmente, determinado por condições históricas e socioculturais (COELHO, 2008;
BATISTA; VIEIRA; PAULA, 2014).
2.4 A Permanência do Estigma da Hanseníase
O estigma pode ser dividido em tipos de estigma: os referentes à aparência física
exemplificados pelas deformidades visíveis; os relacionados a as culpas de caráter individual,
o indivíduo se sente culpado por ser diferente dos demais; e os que envolve os grupos sociais,
os estigmas "tribais", estes podem ser socialmente compartilhados (MARTINS; CAPONI,
2010).
A estruturação social no contexto do portador da hanseníase é influenciada por estes
meios estigmatizantes e excludentes (COELHO, 2008; ROOSTA; BLACK; REA, 2013), que
isolam os componentes perturbadores. No decorrer do tempo estes mecanismos de segregação
e confinamento se cristalizaram em torno dos "leprosos" e ainda permanecem, de forma
velada, como opção de controle adotado pela sociedade ocidental (COELHO, 2008;
BATISTA; VIEIRA; PAULA, 2014).
Por meio da narrativa popular a ideia da doença é construída socialmente, criando uma
imagem estereotipada que causa medo generalizado e é responsável pelo isolamento e
segregação do portador da hanseníase. As deformidades apresentadas pela hanseníase têm
24
grande visibilidade social por se apresentarem caracteristicamente na face, pés e mãos,
reforçando socialmente a ideia dos mitos de origem apontados pela Bíblia relacionados à
sujeira, à exclusão social, entre outros (COELHO, 2008).
O estigma é percebido quando as alterações físicas são aparentes e é reafirmado
sempre que o outro olha para o indivíduo com deformidades. Este sente que estar entre as
pessoas normais/saudáveis o torna exposto. Atualmente, ainda há portadores de hanseníase
que procuram isolar-se de familiares, amigos e não conseguem se inserir no mercado de
trabalho (MARTINS; CAPONI, 2010).
O estigma da hanseníase traz sofrimento psíquico para a pessoa portadora levando a
modificações de sua vida pessoal, favorecendo ao isolamento social como estratégia
autoexcludente como forma de ocultamento do próprio corpo para esconder a doença e evitar
rejeição social (COELHO, 2008; ROOSTA; BLACK; REA, 2013; BATISTA; VIEIRA;
PAULA, 2014). Há situações em que a pessoa que sofre o estigma se torna agressiva ao se
aproximar das pessoas que não possuem a doença e pode provocar nos demais certo
desconforto, situações desnecessárias e desagradáveis. Esta situação pode tornar qualquer
encontro social um momento de angustia (MARTINS; CAPONI, 2010).
O estigma da doença causa impacto sobre a saúde, a qualidade de vida e o estado de
saúde mental dos indivíduos afetados. A autoestima, bem como bem-estar físico e emocional
de pacientes com hanseníase e suas famílias são susceptíveis de serem afetados. Também a
vida escolar dos filhos adolescentes cujos pais sofrem de hanseníase, também são afetados
(YAMAGUCHI; POUDEL; JIMBA, 2013).
Mesmo com uma origem milenar o estigma sofrido pelos portadores de hanseníase
ainda permanece mesmo com a descoberta da cura, pois sua imagem ainda está ligada a
deformidades físicas, levando a repulsa pelo medo, o que favorece a exclusão social
(COELHO, 2008; ROOSTA; BLACK; REA, 2013; BATISTA; VIEIRA; PAULA, 2014).
25
3 CAPÍTULO 3 - REFERENCIAL TEÓRICO-FILOSÓFICO
Este capítulo é uma apropriação conceitual do cuidado de si conforme ele aparece na
obra tardia de Michel Foucault. Assim, pretende-se desenvolver o conceito de cuidado de si a
partir da retomada da concepção socrático-platônica e cristã feita por Michel Foucault,
utilizando como principal referencial as obras Hermenêutica do sujeito e História da
Sexualidade: o cuidado de si - 3.
Foucault faz um retorno à moral greco-romana do cuidado de si para compreender o
conceito explorados pelos filósofos. Para o autor cuidado de si é ocupar-se consigo mesmo; o
termo grego utilizado é epiméleia heautoû, é o cuidado de si mesmo, o fato de ocupar-se
consigo, de preocupar-se consigo (Foucault, 2010). Para Foucault, “o termo epiméleia não
designa simplesmente uma preocupação, mas todo um conjunto de ocupações” (FOUCAULT,
1985, p.55), exercícios e práticas constantes para melhora-se ou transformar-se. O ocupar-se
consigo mesmo indica uma relação “singular, transcendente, do sujeito em relação ao que o
rodeia, aos objetos que dispõe, como também aos outros com os quais se relaciona, ao seu
próprio corpo e, enfim, a ele mesmo” (FOUCAULT, 2010, p. 50).
O desenvolvimento do conceito de cuidado de si ocorre em três momentos: o primeiro
foi o momento socrático-platônico e versa sobre o surgimento do cuidado de si como
concepção filosófica; o segundo é o momento da “idade de ouro” fazendo referência a cultura
helenística e romana; e terceiro é uma reflexão dos textos cristãos que pregam o autocontrole
estrito do corpo e do espírito, com caminho imprescindível em direção a Deus, à verdade ou à
virtude.
O cuidado de si tem uma noção plural, que agrega diversos cuidados consigo mesmo,
diversas práticas de si mesmo, diversas atividades do indivíduo sobre si mesmo. Foucault
(2010), afirma que o cuidado de si passa por uma evolução ao longo de sua trajetória. O autor
(1985), analisa o cuidado de si nos dois primeiros séculos, onde foram considerados com a
idade de ouro da cultura de si, sua reflexão utiliza uma perspectiva filosófica, por meio dos
textos de Sauros e Rufo de Éfeso, de Musonius, de Sênica, de Plutarco, de Epicteto, Marco
Aurélio, Platão. O que se torna mais evidentes nos textos dos dois primeiros séculos é o
cuidado que se deve dispensar consigo e a severa preocupação com todos os distúrbios do
corpo e da alma. Isso se configura em um estado relacional consigo o que o torna sujeito de
seus atos.
26
O mundo helenista1 e romano estava envolvido em um crescente individualismo, onde
os estoicos eram os mais preocupados com a humanidade, os concidadãos e a família. Neste
individualismo, se destacam três aspectos frequentemente abordados: a atitude individualista
que tem por característica o valor absoluto da singularidade do indivíduo e o grau de
independência em relação ao grupo ao qual pertence; a importância dada aos familiares e às
atividades domésticas, incluindo o campo dos interesses patrimoniais; e a necessidade de
tomar a si próprio como objeto de conhecimento, assim, promovendo ações de transformação
e de autocorreção para a purificação e salvação.
Este período caracterizou-se pelo desenvolvimento da cultura de si, que é a
valorização da relação de si para consigo; que tem como essência e fundamento a arte da
existência, onde é preciso ter cuidado consigo. Mais especificamente, nesse período, o
cuidado de si é ocupar-se consigo mesmo.
Foucault (1985) apresenta algumas ideias antigas da cultura grega, por meio das falas
de Xenofonte sobre Ciro, onde mostra que as realizações, as conquistas e vitórias não são a
totalidade da existência, mas o seu complemento é reservar uma porção da vida para ocupar-
se consigo, ter momentos de alegres com amigos; e, esta é considerada a felicidade que se
deve alcançar. Também utiliza os diálogos de Sócrates com Alcebíades para mostrar que o
fazer cotidiano da política e da guerra devem ficar em segundo plano, dando prioridade ao
cuidado de si. Sócrates se intitula como mestre do cuidado de si, pois por designação divina
foi enviado para lembrar aos homens que o cuidado não deve ser para suas riquezas ou honra,
mas de si mesmos e de suas almas. Este princípio socrático foi perdendo sua relação com a
filosofia e adquirindo progressivamente o status de cultura si. Assim, se ampliando em um
preceito mais geral, no qual o indivíduo deve ocupar-se consigo mesmo: “é preciso que te
ocupes contigo mesmo, que não te esqueças de ti mesmo, que tenhas cuidado contigo mesmo”
(FOUCAULT, 2010, p. 6).
Esta ideia difundida em diversas doutrinas, passou a orientar práticas para o bem
viver, influenciando comportamentos, atitudes, procedimentos, que eram refletidos e
ensinados. Assim, o cuidado de si tornou-se uma prática social, onde envolvia as inter-
relações entre os indivíduos em uma troca de constante de conhecimento, deste modo, o
cuidado de si constituiu-se um saber.
1 Designa-se por período helenístico (do grego, hellenizein – "falar grego", "viver como os gregos") o período da
história da Grécia de parte do Oriente Médio compreendido entre a morte de Alexandre o Grande em 323 a.C. e
a anexação da península grega e ilhas por Roma em 146 a.C.. Caracterizou-se pela difusão da civilização grega
numa vasta área que se estendia do mar Mediterrâneo oriental à Ásia Central. De modo geral, o helenismo foi a
concretização de um ideal de Alexandre: o de levar e difundir a cultura grega aos territórios que conquistava
(CHAUI, 2010).
27
Foucault (1985), mostra que os epicuristas tinham com princípio que a filosofia é um
constante exercício de cuidado de si. Bem como, Sêneca, que acredita que o cuidado com o
corpo e com a alma é o caminho para a construção da felicidade, assim, não se deve medir
esforços para alcançar este fim. Ainda, cita Plutarco, referindo-se ao cuidado de si como uma
prática constante com uma finalidade de salvação.
O autor refere-se a Marcos Aurélio como o mais radial sobre o cuidado de si, pois
entende que esse cuidado precede a dedicação à leitura e a escrita; de modo que apresenta
como imperativo parar de esperar e apressar-se em cuidar de si. Porém, a mais elaborada ideia
filosófica sobre o cuidado de si encontra-se em Epicteto, quando diz que o ser o humano é
definido como o ser a quem foi confiado o cuidado de si; isso o difere da natureza, dos outros
seres vivos que encontram tudo pronto para viverem, mas, o ser humano tem que dar conta de
si, da sua vida, não por ser incompleto frente a natureza, mas pela possibilidade de decidir
sobre si próprio. Deste modo, há uma liberdade para ocupar-se consigo, quando e como se
queira, servindo-se, para isto, de todas as suas faculdades. Isso possibilita tomar a si mesmo
como objeto de estudo, de conhecer o que se ignora em si e se apropriar de si.
Para Epicteto, o cuidar de si é um privilégio divino, por que o ser humano foi o
escolhido para fazer uso de si próprio, e por este modo o dotou de razão. Assim, o cuidado de
si é um privilégio e um dever, sendo livre e racional. Esta ideia não se restringe aqueles que se
envolvem com a filosofia, e nem a um período da vida, mas para todos em todo tempo. Na
filosofia grega, o cuidado de si era uma prática sustentada pela razão (FOUCAULT, 1985).
Sêneca diz que a existência é um exercício permanente, deve-se começar cedo, ainda
jovem e nunca relaxar (FOUCAULT, 1985). O princípio de ocupar-se consigo (obrigação de
epimélesthai heautoû) poderá ser repetido em toda parte e para todos, mesmo que “a meta da
prática de si é o eu. Somente alguns são capazes de si, muito embora a prática de si seja um
princípio dirigido a todos” (FOUCAULT, 2010, p. 114).
O termo em grego, utilizado é epiméleia, que significa, entre outros cuidados, aquele
que se deve dispensar a um doente ou feridos, indicando um esforço necessário para a sua
execução, em busca da saúde do corpo e da alma. Este exercício envolve algumas práticas de
cuidado como uma autoavaliação, colocando a vida diante de si, presente e passado, para uma
análise do transcurso da vida. O próprio sujeito torna-se o tema de investigação dedicando-se
a estudar como melhor cuidar de si, para desenvolver uma conduta racional sobre si mesmo.
Na filosofia greco-romano, uma conduta racional para ocupar-se consigo mesmo é
povoado de um arcabouço de práticas e exercícios diversos: cuidado com o corpo, os regimes
de saúde, os exercícios físicos, a satisfação dos desejos, meditações, leituras, a análise do que
28
se lê ou das conversas que se ouve. São práticas de ocupar-se consigo para ativação de
princípios que auxiliam na postura frente a situações de conflitos, como não se irritar com os
outros, ou com as coisas. Os relacionamentos interpessoais também são práticas desse
cuidado: conversas com os amigos ou aqueles que servem de confidentes; ouvir aqueles que
podem orientar, como um guia especializado a aconselhar sobre o cuidado si, algo que
poderia ser feito pelos próprios guias para a renovação do cuidado consigo.
Um dos princípios mais importantes é que o cuidado de si não se deve exercer
sozinho, mas é uma prática social que poderia assumir uma configuração institucionalizada,
onde os mais experientes ensinavam os mais leigos, individualmente ou coletivamente.
Porém, existiam os exercícios de domínio comum que permitiam que uma pessoa pudesse
ajudar a outra na prática de cuidado de si. Segundo Foucault (1985), o texto de Galeno
aconselha que quem quiser ter cuidado consigo procure a ajuda de um outro. E, Epicteto diz
que as práticas de cuidado de si são atividades solidárias. Existia uma pedagogia do cuidado
de si, desde as estruturas institucionalizada até atingir o cidadão comum, todos na busca de
aprimorar-se. Havia até a figura de um consultor existencial, que trabalhava com as famílias
ou grupos auxiliando com conselhos e encorajamentos nas demandas da vida.
Este autor diz que na cultura grega, o cuidado de si está ligado diretamente ao
pensamento e a prática médica. Tanto a filosofia quanto a medicina lidam com o páthos, que
remete à paixão da alma e às doenças físicas. O páthos revela a estreita correlação entre alma
e corpo: “para o corpo, toma a forma de uma afecção que perturba o equilíbrio de seus
humores ou de suas qualidades e que, para a alma, toma a forma de um movimento capaz de
arrebatá-la apesar dela própria” (FOUCAULT, 1985, p. 59-60).
O aumento do cuidado médico refletiu na forma de cuidado com o corpo. O autor
afirma que pode haver um intercâmbio entre os males do corpo e da alma, onde as doenças da
alma podem levar a alterações físicas, e que as alterações corporais podem impingir distúrbios
da alma.
O ponto no qual se presta atenção nessas práticas de si é aquele em que os
males do corpo e da alma podem comunicar-se entre si e intercambiar seus
mal-estares: lá onde os maus hábitos da alma podem levar a misérias físicas
enquanto que os excessos do corpo manifestam e sustentam as falhas da
alma (FOUCAULT, 1985, p. 62).
Desta forma, o cuidado deve ser dispensado à ambos, pela passividade de uma
interferência cruzada. Essa forma de cuidar envolve as ideias médicas e a moral. Assim, ao
cuidar-se o sujeito se coloca diante de si não como alguém imperfeito, simplistamente, mas
29
alguém ciente de seus males e que pode cuidar-se ou que pode buscar quem seja competente
para fazê-lo.
O conhecimento de si é uma condição necessária para o cuidado de si. E para isso,
foram desenvolvidos práticas e exercícios específicos para este fim. O primeiro ou o princípio
era o “procedimento de provação”, com a finalidade de avançar na aquisição de uma virtude e
a verificação de que ponto se chegou. Essa provação era a busca por abster-se do supérfluo,
ganhar independência de tudo que não é essencial, voltando-se às necessidades elementares
ou básicas. Posteriormente, segue o exame da consciência, que consistia em avaliar todas as
tarefas do dia e reexamina-las no final dele, assim, se apropriando de sua própria vida. O
exame de si mesmo não é para encontrar culpabilidade, mas para reconhecer os fracassos e
encontrar racionalmente a melhor conduta frente a vida. O cuidado de si aparece como
controle ou processo admirativo da vida tanto pessoal como social, numa espécie de filtro
para as coisas do cotidiano, não aceitando tudo sem examinar, como forma de poder e
liberdade.
30
4 CAPÍTULO 4 - METODOLOGIA
4.1 Tipo de estudo
Considerando a complexidade dos multifatores mencionados anteriormente,
desenvolvemos este estudo em uma abordagem qualitativa do tipo exploratória, por pretender
conhecer os aspectos de fórum individual, subjetivo e intrínseco dos informantes
(GOLDENBERG, 2009).
Trata-se de uma modalidade de investigação na qual a compreensão dos fenômenos
sociais através da interpretação do seu sentido, na experiência humana, é o eixo central do seu
desenvolvimento. O investigador não dá realce a constatar fatos, a testar ou a experimentar
teorias, a levantar e a quantificar dados visando testar hipóteses, enfim, não busca,
prioritariamente, estabelecer relações entre causa e efeito. A pesquisa com abordagens
qualitativas apresenta características próprias; existe um trabalho em conjunto de construção
do conhecimento, onde tanto o pesquisador quando o sujeito da pesquisa é igualmente
importante (MARCONI; LAKATOS, 2013).
Os investigadores usam as abordagens qualitativas para explorar o comportamento, as
perspectivas e as experiências das pessoas que eles estudam. A base da investigação
qualitativa reside na abordagem interpretativa da realidade social. Dessa forma, se observam
as pessoas e as interações entre elas, participando de atividades, entrevistando pessoas
relevantes para a pesquisa, conduzindo histórias de vida ou estudos de casos e/ou analisando
documentos já existentes (MARCONI; LAKATOS, 2013). Estas são, na sua maior parte,
voltadas para a descoberta, a identificação, a descrição aprofundada e a geração de
explicações. Buscam o significado e a intencionalidade das ações, das relações sociais e das
estruturas sociais (GOLDENBERG, 2009).
4.2 Cenário do Estudo
O local escolhido para o estudo foi a Unidade de Referência Especializada (URE) -
Demétrio Medrado, localizada na Avenida Doutor Freitas, número 235 no Bairro da
Sacramenta em Belém – Pará. Esta unidade é referência para o tratamento de hanseníase e
possui demanda de usuários referenciados com a doença vindos dos vários municípios do
estado (CALIXTO et al., 2010; BRASIL, 2014)
A unidade é do tipo clínica/centro de especialidade, tendo como tipo de atendimento o
ambulatorial, sob administração Estadual. Conta com 13 médicos e 66 outros profissionais.
31
Também presta serviços de: atenção domiciliar, atenção psicossocial, farmácia, fisioterapia,
órteses, próteses e materiais especiais em reabilitação e serviço de reabilitação (BRASIL,
2014).
Figura 1 – Mapa da Cidade de Belém-Pará.
Fonte: Recurso da Web Google Maps. 2015.
4.3 Participantes
Os participantes do estudo foram onze usuários dos serviços da saúde da URE, que
apresentavam reações hansênicas. Este quantitativo é uma amostra de um total de 40 pessoas
que no período que foram realizadas as entrevista tinham reação hansênicas, porém somente
os 11 usuários compareceram para consulta e receber medicamento. A falta de medicação na
para ofertar aos usuários fez com que houvesse pouca presença dos mesmos. Ao longo do
processo de produção das informações, percebeu-se que as fala nas entrevistas começaram a
se repetir indicando que era momento de parar as entrevistas pois o conteúdo das falas atingiu
a sua saturação. A inclusão destes participantes teve como critério, ser matriculado na URE
Demétrio Medrado, o que garantiu o acesso aos prontuários e captação de informações
contributivas para o estudo; outro critério utilizado foi que os participantes estivessem em
tratamento para reação hansênica independente se receberam alta curada ou não. Os
portadores de comorbidades associadas e usuários incapazes de responder aos
32
questionamentos foram excluídos da pesquisa. As comorbidades poderiam ser um fator de
confusão, ou seja, os participantes poderiam associar os efeitos de outra morbidade aos das
reações hansênicas desviando-se do objeto do estudo.
4.4 Produção e análise de informações
Para iniciar as atividades de campo foi solicitado autorização à direção do 1º Centro
Regional de Saúde para a realização da pesquisa na URE Demétrio Medrado. Sendo que, a
diretora do 1º Centro Regional de Saúde emitiu uma declaração que autorizou a execução da
pesquisa após parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos
do curso de graduação em enfermagem da UEPA – CEP/CAMPUS IV/UEPA (Ver declaração
em anexo - ANEXO A).
Após a autorização do 1º Centro Regional de Saúde, foi solicitado à direção da URE
Demétrio Medrado a autorização para acesso aos prontuários dos portadores de hanseníase
(APÊNDICE A), com a finalidade de coletar apenas informações específicas da doença e de
suas reações, garantindo que tais documentos não seriam utilizados para convocação e/ou
visita em seus domicílios, uma vez que seria aguardado o comparecimento do portador à
unidade de saúde de acordo com os aprazamentos feitos pela unidade.
De posse de todos as autorizações necessárias, foram realizadas visitas com a
finalidade de ambientação e apresentação aos funcionários e setores da URE o projeto de
pesquisa, bem como os objetivos, metodologia, roteiro de entrevistas, riscos e benefícios para
os usuários do serviço e para a unidade, bem como a solicitação de encaminhamentos de
usuários que correspondessem aos critérios de inclusão previstos para os participantes deste
estudo. Os portadores de hanseníase que estavam com reações hansênicas e que compareciam
a consulta com a enfermeira ou com o médico, eram encaminhados, para uma sala dentro da
URE, para conversar com o pesquisador responsável por este estudo.
A seleção da amostra ocorreu por meio de demanda espontânea. Para tal, foi realizado
um levantamento prévio dos agendamentos de usuários portadores de reações hansênicas,
estando ou não de alta curada, os mesmos, após a indicação já citada, foram abordados e
convidados para participarem do estudo, sendo-lhes informados sobre a pesquisa, seus
objetivos, riscos e benefícios, bem como a garantia do anonimato e a possibilidade de retirada
do consentimento de participação em qualquer momento da pesquisa.
33
Após a abordagem inicial dos participantes, era solicitado que os mesmos lessem e
assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE B). Não
houve participantes menores de 18 anos.
Para a coleta dos dados foi utilizado um instrumento contendo duas partes (Apêndice
C): uma, referente à identificação e perfil socioeconômico, e outra (com oito questões),
referentes às percepções, entendimento e explicação das reações hansênicas em seus corpos e
em suas vidas.
Para tal, foi feita uma entrevista semiestruturada. Optou-se por essa técnica por
proporcionar uma prospecção da subjetividade dos entrevistados, pois, para Triviños (2009),
na entrevista o participante não relata somente a sua vida, ele reflete sobre a mesma enquanto
a conta. As informações foram gravadas após consentimento dos participantes. Foram
agendados horários em aquiescência com a disponibilidade dos participantes. A direção
concedeu um espaço adequado para realização das entrevistas. Estas aconteceram em sala
fechada, previamente destinada exclusivamente para este fim, para que não houvesse
interferência externa. A sala era ambiente confortável, com cadeiras para o pesquisador e
participantes. Antes do início, o participante foi informado novamente sobre os riscos e
benefícios e a possibilidade de retirar o consentimento.
A entrevista semiestruturada enriqueceu a investigação por, ao mesmo tempo,
valorizar a presença do investigador e, também, por oferecer as perspectivas possíveis para
que o informante atingisse a espontaneidade necessária para responder às questões propostas
na pesquisa (TRIVIÑOS, 2009). Dessa forma, buscou-se as impressões detalhadas dos
participantes sobre as reações hansênicas, que permitissem compreender de maneira fiel a
realidade que é desvelada nas falas dos entrevistados.
As entrevistas foram encerradas ao atingir a saturação das informações, pois percebeu-
se que as falas estavam se repetindo, de forma que, as entrevistas finalizaram no 11º
participante. Segundo Bardin (2009), quando houver repetição das informações prestadas
pelas participantes, no intuito de garantir o máximo de diversificação e abrangência para a
reconstituição do objeto desse estudo. A semelhança das respostas, na descrição dos sinais e
sintomas, condições sociais, familiar e de cuidados referentes às reações hansênicas
contribuiu para a saturação do conteúdo das falas.
34
4.4.1 Análise textual básica
Com a intenção de garantir maior especificidade na análise das informações coletadas
utilizou-se um software IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles
de Textes et de Questionnaires) para análise textual pelo seu grande poder de análise lexical
(CAMARGO; JUSTO, 2013), assim, além de corroborar com a análise qualitativa os
resultados da análise quantitativa podem sugerir categorias e temas relevantes o que facilita a
posterior abordagem qualitativa da análise de conteúdo.
A análise léxica permite abordagens exploratórias extremamente poderosas, incluindo
o estabelecimento de classificações de forma natural, e possibilita a estatística descritiva no
campo dos dados qualitativos. É uma superação da tradicional separação entre abordagens
quantitativas e qualitativas (CAMARGO; JUSTO, 2013).
O programa é um software de análise multidimensional de texto e questionários que se
ancora no software estatístico R e na linguagem Python; com fonte aberta, totalmente gratuito
e que usa os mesmos algoritmos como ALCESTE (Analyse Lexicale par Context d’un
Ensemble de Segments de Texte), porém, em relação a este o IRAMUTEQ é um software de
análises textuais tão ou mais sofisticadas que o ALCESTE (CAMARGO; JUSTO, 2013), pois
incorpora alguns novos recursos de grande relevância para a análise textual que não foram
incluídos no Alceste (LAHLOU, 2012; RATINAUD; MARCHAND, 2012; RATINAUD,
2009, RATINAUD; DÉJEAN, 2009), além de permitir um alcance maior de usuários por ser
um software ser Open-Source e gratuito. Foi desenvolvido pelo professor Pierre Ratinaud no
laboratório de investigação LIRASS, da universidade de Toulouse (LAHLOU, 2012).
O objetivo do programa é quantificar um texto para extrair as estruturas mais
significativas. Para isso, o IRAMUTEQ incorpora as seguintes análises (CAMARGO;
JUSTO, 2013):
Estatísticas textuais clássicas e a lexicografia básica (cálculo de frequência de
palavras);
Pesquisa de especificidades por grupos, a partir da segmentação dos textos separando
por variável (análise de contraste de modalidades de variáveis);
Classificação Hierárquica Descendente (CHD) que é uma análise multivariada
conforme o método descrito por Reinert (2008; 1990; 1987);
Análise CHD por matrizes de distância sobre tabelas indivíduos/palavras: CHD
conforme algoritmo proposto por Reinert (1987);
35
Nuvem de palavras (distribuição gráfica do vocabulário analisado de forma
compreensível e visualmente clara);
Análise de similitude de palavras presentes no texto (por exemplo, palavras resultantes
de evocações livres);
Testes usando o χ 2.
As entrevistas foram organizadas para serem submetidos ao software IRAMUTEQ.
Cada entrevista passou a ser chamada de “texto” e o conjunto de textos é denominada de
corpus. Primeiramente foram feitas a transcrição literal das entrevistas, mantendo todas as
expressões e estrutura da linguagem específica da cultura local. Posteriormente, seguindo as
exigências do programa, foram suprimidas as perguntas e as falas do entrevistador para não
entrarem em análise e foi feito ajustes das expressões e estrutura da linguagem sem perder a
essência semântica das falas. Cada texto que corresponde a fala de um participante foi separa
por linhas de comando identificando o código dos participantes e as variáveis.
Outras modificações feitas são: texto não justificado, sem palavras em negrito, nem
itálico ou outro recurso semelhante; usou-se uniformidade em relação às siglas, os hífens
foram substituídos por underline (Exemplo: “terça-feira” fica “terça_feira”), todos os verbos
que utilizavam pronomes foram modificados para a de próclise, pois o dicionário do programa
não prevê as flexões verbo-pronominais (Exemplo: “tornei-me”, fica “me tornei”); os
números foram mantidos em sua forma algarísmica (Exemplo: “2015”, no lugar de “dois mil e
quinze”); foram suprimidos caracteres: aspas ("), apóstrofo ('), hífen (-), cifrão ($),
percentagem (%) e asterisco (*), este último foi usado somente nas linhas que antecedem cada
texto (linhas de comando). O arquivo com o corpus foi preparado no software OpenOffice.
Para este estudo foram feitas com o IRAMUTEQ as seguintes análises: estatísticas
textuais clássicas, lexicografia básica, pesquisa de especificidades por grupos, nuvem de
palavras e a Classificação Hierárquica Descendente (CHD).
Para as análises textuais clássicas, o programa identifica e reformata as unidades de
texto, modificando Unidades de Contexto Iniciais (UCI), que corresponde as falas dos
participantes, para Unidades de Contexto Elementares (UCE), que são os segmentos de textos
que comportam o contexto do vocábulo. Por motivos de propriedade intelectual, o
vocabulário do método Reinert foi substituído; o que era unidade de contexto inicial (UCI) no
ALCESTE, passou se chamar “texto” e o que era unidades de contexto elementar (UCE)
passou a ser “segmento de texto”.
Na lexicografia básica o programa identifica estatisticamente a quantidade de
palavras, frequência média e número de hapax (palavras com frequência um); pesquisa e
36
reduz as palavras com base em suas raízes: os verbos são modificados para o infinitivo,
nomes para o singular e os adjetivos para o masculino, ou seja, elimina gênero, número, e
conjugação das palavras (este processo é chamado de lematização, e cada unidade resultante é
denominada de lema); após a redução das palavra é criado um dicionário de formas reduzidas
e identifica formas ativas e suplementares.
4.4.2 Análise do conteúdo
O conteúdo das entrevistas foi analisado por meio da técnica de Análise de Conteúdo
seguindo os passos sugeridos por Bardin (2009). Para Laurence Bardin, escolhida neste
estudo como referência para este tipo de análise devido à ampla utilização desta autora nas
pesquisas de Enfermagem; a Análise de Conteúdo é um conjunto de instrumentos
metodológicos da comunicação que tem sua ênfase no conteúdo da linguagem e no contexto
social no qual se usa essa linguagem, na expressão do sujeito, onde o pesquisador que analisa
busca categorizar as unidades de texto que se repetem, construindo uma expressão que as
representem (BARDIN, 2009).
Análise de Conteúdo é frequentemente feita através do método de dedução frequencial
ou análise por categorias temáticas. No método de análise por categorias temáticas,
constroem-se as categorias conforme os temas que emergem do texto. Para classificar os
elementos em categorias é preciso identificar o que eles têm em comum, permitindo seu
agrupamento (CAREGNATO; MUTTI, 2006).
Bardin (2009) aponta três grandes etapas para o desenvolvimento desta técnica: a pré-
analise, a exploração do material, o tratamento dos resultados e a interpretação.
1) Fase de pré-analise: é uma fase de organização, para isto pode-se usar vários
procedimentos: leitura flutuante, hipóteses, objetivos e elaboração de indicadores que
fundamentem a interpretação. O corpus foi formado pelos dados sociodemográficos, que
originarão o perfil sociodemográfico (grupo de pertença dos participantes do estudo), bem
como das entrevistas, que forem transcritas obedecendo as regras da exaustividade; da
representatividade, ou seja, representar o universo; da homogeneidade na qual todos os dados
deverão referir-se ao mesmo tema e serem obtidos pelas mesmas técnicas e colhidos por
indivíduos semelhantes; da pertinência onde os documentos precisam adaptar-se ao conteúdo
e ao objetivo da pesquisa; e da exclusividade que esclarece que um elemento não deve ser
classificado em mais de uma categoria.
37
2) Exploração do Material: nesta etapa, o corpus foi submetido a um estudo
aprofundado de seus conteúdos de modo a identificar as percepções sobre as reações
hansênicas no teor das falas dos participantes. A partir de então, os dados foram tratados, ou
seja, codificados, classificados e categorizados. A codificação obedeceu três regras: o recorte
(escolha das unidades), a enumeração (escolha das regras de contagem e classificação) e a
agregação (escolha das categorias).
3) Tratamento dos Resultados e Interpretação: é o momento em que é feita a
atribuição de significados aos resultados, de modo a revelar a subjetividade de suas falas, ou
seja, o que querem dizer, em profundidade certas afirmações aparentemente superficiais.
Assim, se realizou inferências sobre as percepções dos portadores das reações hansênicas e
avaliou se tais percepções interferem em suas condutas com relação ao cuidado de si e, a
partir de então, buscar fundamentos para o cuidado.
As entrevistas foram transcritas e analisadas buscando identificar e agrupar os
conteúdos semelhantes, enumerando-se a ocorrência de um mesmo signo linguístico (palavras
e expressões) que se repete com frequência, para a construção das categorias ou classes de
equivalências definidas por julgamento do pesquisador, a partir das significações que
emergiram das falas.
4.4.2.1 A formação das categorias
O conjunto de análises quali-quatitativas mediadas pela estatística lexical e a
construção das classes pelo método de Reinert feitas pelo IRAMUTEQ resultou em
indicativos para o surgimento das categorias para discussão no estudo. Assim, implementou-
se aos resultados do programa a técnica de análise proposta por Bardin, na qual após uma pré-
analise qualitativa, os dados foram codificados, classificados e categorizados, como se
observa no quadro abaixo o cruzamento dos dois métodos:
Categorias temáticas Classes pelo IRAMUTEQ
As reações hansênicas na percepção de seus portadores Classe 1; Classe 2; Classe 4
Consequências das reações Classe 3; Classe 5; Classe 6
O cuidado si frente às reações hansênicas Classe 2; Classe 4
Indicativos para o cuidado Classe 1; Classe 2; Classe 3; Classe 4; Classe 5;
Classe 6.
Quadro 2: Categorias utilizadas no estudo resultantes das técnicas de análise empregados ao conteúdo das
entrevistas.
Este quadro mostra a relação entre as categorias resultantes da aplicação do método de
conteúdo e as Classes criadas pelo IRAMUTEQ que traçou uma relação semântica das
38
palavras com base na sua frequência e na correlação que cada uma tem com as adjacentes
dentro do corpus do texto.
4.5 Preceitos Éticos
O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética da Universidade do Estado
do Pará e aprovado (Anexo A). Considerando o respeito pela dignidade humana e pela
especial proteção devida aos participantes deste estudo, asseguram-se todos direitos dos
participantes previstos na Resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012, e deveres dos
pesquisadores para com aquele. Foi garantida a assistência imediata, (é aquela emergencial e
sem ônus de qualquer espécie ao participante da pesquisa); assistência integral (é aquela
prestada para atender complicações e danos decorrentes, direta ou indiretamente, da pesquisa)
e benefícios da pesquisa.
Foi realizada a apresentação de forma simples e objetiva esclarecendo a natureza da
pesquisa, os objetivos propostos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o
incômodo que esta possa lhes acarretar, na medida de sua compreensão e respeitados em suas
singularidades; além de elucidar dúvidas inerentes a todo o processo de produção das
informações e sobre a possibilidade de retirada do consentimento a qualquer tempo do
decorrer da pesquisa antes ou após a assinatura do TCLE.
Os riscos que poderiam acontecer são relacionados ao desconforto emocional
envolvido no tema abordado e à quebra de anonimato. Porém, para preservar a integridade
emocional dos participantes, foram previstos os cuidados necessários, tais como o apoio do
serviço psicossocial existente na URE. Com relação à garantia do anonimato, foi utilizado
código alfanumérico para identificação dos participantes com vistas à proteção dos dados
coletados. Exemplo: P1 (Participante 1), P2 (Participante 2).
Os benefícios relativos à pesquisa foram obtidos de forma indireta pelos participantes,
sendo que entender as percepções sobre as reações hansênicas de seus portadores pode
contribuir para uma assistência em saúde mais humanizada, tendo-se em vista tal estudo
almejar analisar as relações entre tais percepções e o cuidado consigo mesmo subsidiando
reflexões acerca de ações educativas mais adequadas suas reais necessidades.
39
5 CAPÍTULO 5 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1 Caracterizando os participantes
Os participantes deste estudo foram majoritariamente do sexo masculino (82%). Este
dado se torna relevante para as possíveis estratégias de abordagem deste grupo especifico. O
sexo masculino ainda detém a forçaa de trabalho e as reações hansênicas com as
deformidades e incapacidades física podem comprometer a vida laboral, o que pode ser
percebido neste estudo quando 100% dos participantes estão afastados do trabalho. Mudanças
na autoestima pelas deformidades podem alterar a vida laboral (COELHO, 2008;
PALMEIRA; QUEIROZ; FERREIRA, 2013).
Quanto a religião, 82% dos participantes eram católicos, 9% de outra religião e 9%
alegaram não ter religião. As religiões são instituições de suporte físico, social, emocional e
espiritual, que tem grande importância no enfrentamento da doença, seja por suas orientações
sobre estratégia de enfrentamento, seja por promover a resiliência por meio da esperança e da
fé (MELLAGI; MONTEIRO, 2009), e por fim as religiões criam regras de conduta que
direcionam comportamentos. Este é outro fator importante quanto ao combate da hanseníase,
pois as possíveis parcerias com estas instituições podem favorecer o cuidado dos portadores
das reações hansênicas.
O fator econômico é importante para a manutenção da saúde, haja vista que embora o
Estado ofereça condições para a cuidado, uma baixa renda pode prejudicar a subsistência do
portador das reações hansênicas e sua família, implicando no cuidado de si (PALMEIRA,
2011). Sobre a renda mensal familiar, 73% tem renda até um salario mínimo, 9% tem renda
até dois salários e 9% tem renda igual ou superior a três salários mínimos. Estes dados
revelam que os participantes são todos de camadas sociais menos favorecidas. A infecção
pelo Mycobacterium leprae acomete prioritariamente indivíduos que vivem em condições
socioeconômicas desfavoráveis (MONTENEGRO et al., 2011).
Relativo a escolaridade 73% tem o ensino fundamental incompleto, 9% tem o médio
incompleto, 9% tem o ensino médio completo e 9% não são escolarizados. Alguns estudos
mostram que é comum a baixa escolaridade em portadores de hanseníase, como o trabalho de
Ribeiro Júnior, Vieira, Caldeira (2012), Santos, Castro, Falqueto (2008); Duarte, Ayres,
Simonetti (2007). O conhecimento sobre os aspectos de cuidado de si não perpassa pelo
conhecimento escolar, de forma que não interfere diretamente na percepção do portador de
40
reações hansênicas sobre as suas próprias reações. Pode influenciar no entendimento da
terapêutica ensinada pelos profissionais, indicando uma adequação didática quanto ao
processo de orientação. Também pode interferir na compreensão do curso da doença e a
diferenciação entre a hanseníase e as reações hansênicas.
Quanto a vida social, 55% responderam que mantem atividade sociais, no entanto,
45% não tem nenhuma atividade social. O mais expressivo é quanto as atividades de lazer,
100% dos participantes não realizam atividade de lazer. A vida social e de lazer são
importantes para o cuidado de si, segundo Foucault (2010).
A maioria (73%) dos participantes tinham reações hansênicas do tipo 2, que segundo
Souza (2010), é o tipo mais frequente e o que provoca maior deformidade corporal, como
alterações de pele em forma de nódulos que podem evoluir para necrose, também está
relacionada ao acometimento ocular, hepático, esplênico, de linfonodos, peritônio, testículos,
articulações, tendões, músculos, ossos e rins. Pode haver febre, leucocitose e, geralmente
apresentam-se em múltiplos episódios (TEIXEIRA; SILVEIRA; FRANÇA, 2010).
Em relação ao tempo que apresenta as reações hansênicas, 37% está entre 1 a menor
que 2 anos, 9% de 2 a menor que 3 anos, 18% entre 3 a menor que 4 anos e 36% de 5 anos em
diante. A amplitude em relação ao tempo de acometimentos das reações hansênicas possibilita
estudar as percepções desse grupo tanto daqueles que estão nos primeiros contatos com tais
reações, com aqueles que, pelo tempo e experiência, tem práticas e condutas mais
consubstanciadas.
5.2 Análise textual básica
Na estatística lexical clássica e lexicografia básica foi feita uma análise estatística
simples do corpus, com o quantitativo efetivo das formas, ativas, suplementares e lista de
hápax. O resultado é apresentado abaixo:
41
Figura 2: Apresentação dos resultados da análise estatística textuais.
Foram 11 textos, correspondendo ao número de participantes da pesquisa; o número
total de palavras do corpus foi 7453; o número de formas (unidade lexical) presentes no
corpus foi de 790; o número de palavras que aparecem apenas uma vez em todo o corpus foi
de 320. A média de formas por texto foi de 677,55.
Na análise de especificidades, é possível associar os textos às variáveis descritoras dos
produtores ou participantes de onde vieram os textos. Trata-se de uma análise de contrastes,
na qual o corpus é dividido em função de uma variável escolhida pelo pesquisador.
Código utilizado no IRAMUTEQ Nome da Variável
sex_ Sexo
relig_ Religião
Ecivil_ Estado Civil
Escol_ Escolaridade
Trab_ Trabalho
Rfamil_ Renda Familiar
Mora_ Moradia
ASoc_ Atividade Social
Alaz_ Atividade de Lazer
FClin_ Forma Clínica
Opera_ Classificação Operacional
Tip_ Tipo de reação hansênica
Temp_ Tempo que está com as reações
Quadro 1: codificação das variáveis do corpus submetido ao IRAMUTEQ.
Utilizou-se a variável tempo com as reações:
42
Figura 3: Apresentação dos resultados da análise de especificidades em função do tempo de reação dos
participantes.
A nuvem de palavras agrupa as palavras e as organiza graficamente em função da sua
frequência. É uma análise lexical mais simples, porém graficamente mais clara. Utilizou-se
como tema central a forma: reação, corpo, dor e doença.
43
Figura 4: Apresentação dos resultados do IRAMUTEQ em nuvem de palavras estipulando como palavra de
intercessão: reação, corpo, dor e doença.
A Classificação Hierárquica Descendente é o método utilizado pelo ALCESTE. É uma
classificação hierárquica em ordem descendente de acordo com o método descrito por Reinert
(2008; 1990; 1987). Esse método faz sucessivas divisões do texto em segmento de texto. Ele
identifica a raiz semântica das palavras em um determinado contexto e, em seguida, extrai as
classes de enunciados representativos, apresentando o resultado em forma de dendograma.
O IRAMUTEQ utiliza o qui-quadrado (χ2) como teste estatístico para determinar a
força associação entre os vocábulos. As classes são formadas pelo conjunto de vocábulos que
tem sua associação estatisticamente significante.
44
Este método é definido por classes lexicais, cada um representando um tema e pode
ser descrito como o vocabulário que os define.
Figura 5: Dendograma para CHD com o seu conteúdo lexcal.
Lê-se o dendograma de cima para baixo. Na figura 5, num primeiro momento, o
corpus (o conjunto das falas dos participantes), foi dividido (1ª partição) em dois sub-corpus,
originando de um lado, a classes 1. Num segundo momento o outro sub-corpus foi dividido
em dois (2ª partição), assim obteve-se a classe 2 de um lado e um sub-corpus do outro. E um
terceiro momento, há mais partições, originando de um lado, a classe 6 e um sub-corpus do
outro. Sem seguida, novas partições, originando de um lado, a classe 5 e um sub-corpus do
outro. E por fim, na última partição, obtiveram-se as classes 3 e 4.
A CHD parou aqui, pois as 6 classes mostraram-se estáveis, ou seja, compostas de
unidades de segmentos de texto com vocabulário semelhante. Além do dendograma, essa
interface de resultados também possibilita que se identifique o conteúdo lexical de cada uma
das classes.
45
Classe 1 e 2:
Figura 6: Apresentação dos resultados do IRAMUTEQ para as classes 1 e 2.
Classe 3 e 4:
Figura 7: Apresentação dos resultados do IRAMUTEQ para as classes 3 e 4.
46
Classe 5 e 6:
Figura 8: Apresentação dos resultados do IRAMUTEQ para as classes 5 e 6.
5.3 As Reações Hansênicas na Percepção de seus Portadores
5.3.1 O significado das Reações Hansênicas:
Na tentativa de investigar o conceito que os portadores das reações hansênicas têm
sobre tais reações, percebeu-se que há uma incompreensão e uma dificuldade de diferençar a
hanseníase das reações hansênicas. Segundo Souza (2010) esse estado pode ser justificado
pela carga de sofrimento produzido por esta morbidade e que reflete diretamente na forma
como estes portadores compreendem seu estado.
As reações hansênicas são fenômeno de hipersensibilidade aguda diante dos antígenos
do Mycobacterium leprae, podendo surgir antes ou, mais frequentemente, durante ou após o
tratamento (TEIXEIRA et al., 2010). Assim, há diferença entre doença e as manifestações das
reações. Porém, ao analisar o entendimento dos portadores, alguns ainda não conseguiam
compreender tais diferenças, que mesmo considerados curados, ainda poderiam apresentar
reações de pele e ouros órgãos até mesmo após muito tempo de receberem alta por cura. Esta
compreensão errónea é bem clara na fala destes participantes:
47
Acho que vou morrer com isso, porque na época e peguei a doença, anos
atrás, aí recebi alta, aí depois recebi novamente, depois veio isso e começou
isso e não parou mais, recebi alta da doença e a reação ficou (P6).
Agora eu não sei nem explicar direito, eu penso assim que a gente continua
doente, continua sim, porque eu ouço as pessoas falar que tem cura, mas
geralmente as pessoas acham que nunca fica bom, sempre fica dando reação
porque a pessoa está doente ainda” (P8).
No entendimento popular a cura é a eliminação de todos os sinais e sintomas de uma
enfermidade, logo fica contraditório, no pensamento do portador, receber alta e continuar com
manifestações, que muitas vezes são extremamente espoliantes, gerando mais sofrimento,
mantendo um estado psíquico desequilibrado. Neste sentido, mesmo tendo alta por cura, ainda
não atingiu a saúde, por esta não se limitar à ausência da doença.
Nessa fala de (P6, P8) se percebe a incompreensão do participante quanto à
possibilidade de cura da doença por continuar apresentando as morbidades impressas pelas
reações hansênicas. E, isso pode se tornar um grande problema no curso de tratamento destas
reações (SOUZA, 2010).
Na fala a seguir, a confusão entre o que é a doença e as reações faz o portador perder a
confiança nos profissionais do sistema de saúde institucionalizado e até mesmo na eficácia do
tratamento proposto por eles:
Aí eu fico imaginando, o médico só fica enganando a gente, levando a gente,
como eu estou falando, a gente toma tanto remédio e nunca fica bom, só
melhora, aí quando pensa que não piora de novo. Aí eu imagino que é uma
coisa que não tem mais cura, é só uma coisa controlada (P9).
Para Luna (2010) na maioria dos países, em que a concepção de hanseníase era
atrelada ao medo quase constante, embora hoje percebido como uma doença esquecida,
contudo trás implicações que podem ser limitantes, principalmente para a promoção da saúde
ou adesão aos programas de eliminação da hanseníase. O combate à estas morbidades, parte
de uma coparticipação do portador; e para que isso seja possível, o ponto de partida é a
compreensão do fenômeno que o cerca.
A dúvida sobre o tratamento ou sobre os profissionais de saúde pode se tornar fatores
que podem levar ao abandono do tratamento, busca tardia do diagnóstico ou do tratamento.
Sem a devida compreensão do contexto da doença o portador das reações pode apresentar
resistência aos programas de controle e eliminação da hanseníase (LUNA, 2010; SOUZA,
2010). Essa fragilidade na veracidade do tratamento como ferramenta para a obtenção da cura
da doença, indicam a necessidade de maior atenção por parte dos serviços em saúde, para
48
trabalhar a orientação dos portadores, despertando neles a consciência de que a adesão ao
tratamento de forma objetiva e continuada trará a obtenção da cura da doença, mas que há a
possibilidade de apresentarem reações que não são mais da doença em si, mas pela presença
de antígenos (LUNA, 2010).
Para os participantes, as reações hansênicas significam modificações físicas intensas,
que são representadas principalmente por caroços que surgem por todo o corpo, dolorosos e
que limitam as atividades cotidianas:
Eu penso assim que a reação é assim, que dá as crises na gente, dá caroço,
muito caroço, incha, fica inchado, a cara da gente fica inchado, o rosto, a
perna, o braço, tudo incha da gente. É uma doença que ataca muito assim,
para inchar para poder espocar a ferida. Muito caroço, caroço no braço da
gente, no meu rosto, saia muito caroço dos meus peitos, muito caroço,
aqueles caroços envermelhado, fica vermelho e vai depois fica preto e fica
ressecado a pele, se a gente fizer assim, fica tipo uma poeira, tem que passar
um creme uma coisa para tirar a reação, tipo uma pele muito seca (P5).
Fiquei sem condições de deitar duas semanas, sem poder tocar o corpo em
canto nenhum para deitar (P3).
Eu passei muito mal com vários tipos de ração, fiquei também deprimido
(P1).
Sei que é uma coisa muito ruim, péssima, muito ruim (P6).
A hanseníase rouba das pessoas de uma possibilidade de um cotidiano comum, pois ao
surgirem marcas que são produzidas ou reforçadas pela sociedade, que vão além do corpo
(COELHO, 2008).
A percepção sobre o que é a doença não é apenas objetiva, relacionando os sinais
perceptíveis das reações hansênicas, envolve também um lado subjetivo que implica em
sofrimento psicológico podendo levar a estados depressivos, de ansiedade e medo. Segundo
Baialardi (2007) os sentimentos relacionados a hanseníase como o medo, a vergonha, a culpa,
a exclusão social, a rejeição e a raiva fazem parte do seu cotidiano.
4.1.2. Origem das reações hansênicas:
Outro elemento que surgiu na fala dos participantes é a causa das reações hansênicas.
Alguns portadores compreendem que tais reações fazem parte do contexto da doença, mas o
que causa as reações é bastante controverso, podem assumir várias origens:
49
Essa reação, eu acho que devido eu estar sem o remédio, sem o medicamento
(P3).
Esta é uma fala que ilustra esta situação, o portador acredita que a manifestação dos
sinais e sintomas das reações hansênicas está ligada ao processo terapêutico, pois ele entende
que na ausência de remédio, é que causa tais reações. Soma-se a isso outra dúvida, ligada
principalmente ao fator cultural, recai sobre a alimentação:
comida remosa que eu comi, né? Então eu acho que deve ter efeito sobre
esse impacto de ter dado essa reação tão forte (P11).
No cultura popular amazônico, comidas remosas2 é um tipo de comida forte que
ingerida quando a pessoa está doente pode agravar consideravelmente a doença, até mesmo
levar à morte; este alimentos são derivados de carne de porco; mariscos, como caranguejo e
camarão; peixes de pele e cascudos, como tamuatá; aves, como patos; e algumas caças, como
paca e capivara (BRITO JUNIOR; ESTÁCIO, 2013).
O portador que mantem esse entendimento também cria uma limitação alimentar, que
pode levar a ansiedade pelo medo de ocorrer as reações hansênicas. A culpa também pode
estar associada a falta de compreensão sobre o que causa tais reações.
A alimentação, as coisas que eu quero comer eles proibiram, que eu não
posso comer, por causa do problema, senão vai prejudicar o tratamento [...]
eles proibiram, eu não posso comer nada que é remoso, camarão, porco,
essas coisas, eu perdi muito peso, agora que eu estou me recuperando,
alimentação foi diferente, está sendo diferente ainda (P1).
A orientação de profissional sobre a relação dos alimentos e as manifestações da
hanseníase pode auxiliar na melhoria do acompanhamento a portadores de hanseníase
(MONTENEGRO et al., 2011).
Outra possível causa apontada pelos participantes foi a possibilidade de surgir sem
precedente:
ela causa do nada, depois que você está com a doença sai uma borbulha, um
nó, de nada, por qualquer coisa, é uma doença perigosa (P5).
2 Remoso, no vocabulário popular amazonense, se refere a um grupo de alimentos que interferem no processo
saúde/doença (SANTOS et al., 2014).
50
A imagem da doença, foi construída durante séculos, carregou a doença de perigo
físico além do que realmente pode ocorrer. Este participante mostra que em seu entendimento
as manifestações podem surgir sem precedente.
As várias incompreensões do portador das reações hansênicas estão relacionadas ao
processo de educação sobre a hanseníase e como aquele recebe e significa este conhecimento.
A comunicação é o veículo que permite a articulação das ações e interação entre o paciente e
os membros da equipe de saúde. Para isso é necessário compreensão e o reconhecimento
mútuo (SOUZA; FELICIANO; MENDES, 2015).
5.4 Consequências das Reações
5.4.1 Implicações físicas:
O que mais marca o portador das reações hansênicas é a dor e as modificações físicas
na aparência e na condição de mobilidade. Tais reações podem causar grande prejuízo para a
vida diária e as relações interpessoais, provocando sofrimento que ultrapassa a dor e o mal-
estar estritamente vinculados ao prejuízo físico, com grande impacto social e psicológico; esse
prejuízo na qualidade de vida está ligado as reações hansênica e as alterações causadas por
elas (MARTINS; TORRES; OLIVEIRA, 2008). As falas são carregadas de sofrimento físico:
quando eu comecei a tomar medicação eu passei muito mal e vários tipos de
reação: diarreia, dor de cabeça, não conseguia dormir direito, fiquei também
deprimido (P1).
Porque infeccionou tudinho, ficou tudo saindo secreção, ficou todo ferido o
corpo, não teve condições de deitar mais, duas semanas eu fiquei sem
condições de me deitar [...] dá aquelas bolhas no corpo todinho, de ficar
aparecendo aquelas bolhas cheias d‟agua, cheia de secreção, mas não de
chegar ao ponto de ferir e de dar febre direto, todos os dias. (P3).
É assim, por exemplo, nó, uns caroços que sai, ferida nos pés, nas mãos,
dormente na mão, um embaçamento no olho, ela ataca todos os nervos do
corpo do ser humano, tudo quanto é órgão do nervo ela ataca, ela quer saber
de destruir a gente [...] a gente vai acabar morrendo porque as dores são
muitas, dores que você não suporta, dor na junta, dor na pele, você não sabe
nem onde dói (P5).
Parece que a gente vai morrer (P1).
51
As manifestações físicas levam a um sofrimento bio-psico-social, provocando uma
sensação de morte iminente. Apesar de curável, a hanseníase tem como sua maior morbidade
as associada as reações, podendo causar incapacidades físicas permanentes que comprometem
significativamente a qualidade de vida dos pacientes, com autoestigmatização e vergonha
(MARTINS; TORRES; OLIVEIRA, 2008).
A sintomatologia dolorosa está entre as mais incapacitantes da hanseníase (PUCCI et
al., 2011). Alguns pacientes com hanseníase podem sofrer de dor crônica ou dor neuropática,
seguindo o sucesso do tratamento. A dor neuropática está associada a uma degradação da
qualidade de vida dos pacientes e envolve agravamento psicológico dos pacientes com a
doença. O tratamento de pacientes com dor neuropática pode exigir dos serviços de saúde
uma atenção para esta particularização (RAMOS; BELINCHÓN; REYES, 2014). Além do
físico, o emocional é bastante evidenciado nas falas dos participantes, como o medo, a
vergonha e a culpa (BAIALARDI, 2007):
Desde quando eu tive esta doença, já sofri muito, apesar de que tem muitas
doenças que é mais grave [...] É triste cara, eu não gosto de lembrar desde o
começo da minha doença (P1).
A soma dos sintomas ligados à hanseníase crônica, na existência da dor, pode
desencadear complicações como depressão, alterações no sono, no apetite, irritabilidade,
agressividade, ansiedade, diminuição da capacidade de concentração, atenção, memória e
isolamento social (TAVARES et. al., 2012).
5.4.2 Implicações sociais e psicológicas:
Problemas emocionais graves como a insegurança, o medo, perda da autoestima e a
solidão, que não são causados pela doença ativa, mas por suas complicações, como neurites e
reações, estão presentes na vida do portador de hanseníase, porém, os serviços de cuidados
primários de saúde nem sempre prestam assistência de forma satisfatórias para cuidar desses
problemas. Isso leva às pessoas afetadas a escolherem o isolamento (ALENCAR et al., 2013).
Quando falamos das reações hansênicas e seu contexto, a fala dos participantes nos
levam a fazer uma associação à “lepra” dos tempos remotos, ao contexto social daquela
época, que era de estigmas, preconceitos e exclusão.
52
A implicação social ao portador de reações hansênicas envolve o grupo de trabalho e
amigos e foi observado na fala dos participantes que uma ruptura como todos estes grupos, no
entanto há quem relate situações de fortalecimento em relação ao ambiente social:
Em primeiro lugar, onde você senta dentro do ônibus, de um coletivo, numa
mesa, com os amigos, de família ou em uma praia, seja conversando com um
amigo ou com uma namorada, a única coisa que as pessoas veem logo é a
mão da gente, a unha da gente (P8).
Não há um local físico em que se configure um ambiente de isolamento social, em
qualquer lugar que um olhar afaste ou julgue o portador de reações hansênicas, ali se
configura o ambiente social preconceituoso e discriminatório.
Até agora as pessoas não sabem lidar com isso, as pessoas criam nojo, não
sabe se pega ou não pega, a pessoa não procura nem sabe, vê logo que ela
começa a te olhar de outro jeito, acha que vai transmitir, vai pegar (P6).
Nesta fala, o participante antecipa psicologicamente o preconceito, traduzindo o
comportamento do outro como uma atitude discriminatória. Quando ele antecipa esse
momento, acaba buscando proteção no autoisolamento, no comportamento antisocial.
Desde a antiguidade o simbolismo em torno da pessoa acometida por hanseníase era
de nojo, repugnância e que ela carrega em si a praga; deveria ser considerado imundo, tanto a
pessoa quando suas roupas e utensílios (VIEIRA, 2009). A discriminação começa com a falta
de conhecimento. O medo da sociedade é construído pela falta de informação sobre a doenças
e seu mecanismo de transmissão. Quando a sociedade não consegue compreender as
deformidades impressas pelas reações hansênicas, a alterações de olhos, pés e mãos, as
mudanças de coloração e textura da pele, ela afasta e isola (FIGUEREDO, 2011).
A memória histórica da doença, de segregação e isolamento compulsório, ainda
permanece viva na sociedade. Este isolamento é evidente na fala dos participantes, no entanto,
na contramão disso está o autoisolamento; após sofrimentos psicológicos de ser afastado pela
sociedade, como um mecanismo de defesa, para fugir desses sentimentos e da discriminação,
o portador das reações hansênicas começa a se isolar, antes da sociedade manifestar ele já
busca este conforto psicológico. Até mesmo passa a acreditar que é uma decisão dele e não
uma repressão social.
Eu me acho com vergonha de procurar outros amigos para ficar convivendo,
para estar saindo, não é nem da parte deles, é da minha cabeça (P3).
53
Até mesmo a vergonha pelas deformidades das reações hansênicas, leva a um
afastamento para uma autoproteção, um cuidado consigo, isso modifica suas práticas e
condutas sociais. A exibição de deformidades e alterações na aparência, ainda agride a
sociedade que logo associa ao medo de transmissão da doença e pelo preconceito,
remanescente da história da hanseníase. O portador de tais reações, por sua vez, para proteger
a si e acreditar poupar a sociedade deste constrangimento, não se expõe, esconde, ou
simplesmente não participa da vida social (CAVALIERE; COSTA, 2011). A maioria dos
participantes deste estudo relataram não ter nenhuma atividade de lazer e que houve redução
nas atividades sociais
Ai o pessoal „bora para uma praia, bora sair‟ e eu ficar com vergonha de tirar
a camisa, meu corpo todo cheio de marcas, de caroços, eu fico com
vergonha, aí eu evito. Eu prefiro ficar mais tempo afastado de família, de
amigos, eu ficar mais na minha casa, eu saio, eu vou lá para o rio, matar
tempo (P10).
Embora o reforço positivo de alguns amigos, os participantes apresentam um
sentimento de vergonha pelas alterações corporais. Esta autoimagem prejudicada modifica o
comportamento social e como mecanismo de proteção para não expor seu corpo que agora é
percebido como um objeto de vergonha, há um afastamento das pessoas, dos momentos
sociais e de sua identidade como participantes do ambiente social. Cria-se assim uma
trajetória do isolamento: o corpo alterado leva a uma autoimagem alterada, esta à vergonha e
pôr fim ao autoisolamento.
As alterações causadas pela hanseníase levam a formação de preconceitos e a
comportamentos discriminatórios contra a pessoa com a doença, culminando em exclusão
social. Levando a uma desestruturação da vida pública e comprometendo o papel familiar,
independente de gênero, como pessoa provedora ou executora das tarefas domésticas,
principalmente pela limitação funcional resultante de deformidades ou pela dor. Com o papel
social ameaçado isso leva a um sofrimento psicológico (LUSTOSA et al., 2011; COSTA et
al., 2012; ALMEIDA et al., 2013).
A promoção de ajuda recíproca mediada socialmente, proteção social próxima ou
primária têm revelado redes de cuidados desenvolvidas no ambiente social que interferem no
cotidiano dos portadores de hanseníase com o intuito de diminuir a discriminação social e do
isolamento. Essa rede de cuidados faz com que as pessoas doentes interajam e formam
relações interpessoais concretas que vinculam uns indivíduos aos outros criando vínculos no
54
cotidiano das pessoas com hanseníase. Assim, constroem práticas de ajuda social que
ressignificam a doença e a vivência da doença (CAVALIERE; COSTA, 2011).
Uma maneira eficiente de atenção em saúde a este grupo de pessoas é uma abordagem
integrada, incluindo cuidados físicos e psicológicos, além, a inclusão em grupos de
autoatendimento visando o apoio emocional e para melhorar a autoconfiança. Também auxilia
as pessoas portadoras da hanseníase para lidar de forma eficaz com as reações hansênicas
(ALENCAR et al., 2013).
5.4.3 Implicações familiares:
Em meados de 1940, famílias de portadores de hanseníase, costumavam construir
pequenas casas ou quartos separados e distantes, onde se colocavam o doente e neste lugar
davam a ele alimentos, roupas, medicamentos para que não saísse desse espaço e colocasse a
família em risco (BORESTEIN et. al., 2008).
As alterações emocionais estão intimamente ligadas à autoestima, no controle do
próprio corpo e nas relações interpessoais. A perda do apoio familiar, implica em
autoisolamento. A família é o primeiro refúgio que o ser humano tem, nele se aprende valores
e princípios, e é o principal grupo social do indivíduo, a ruptura da confiança, aceitação e
convivência com este grupo afeta psicológica e socialmente o portador das reações
hansênicas. É frequente nos relatos dos participantes o isolamento dentro da família:
a gente fica com vergonha de ficar no meio das pessoas assim, as vezes a
gente é rejeitado até por alguém da família da gente, como acontece comigo,
tem gente da minha família mesmo que até se eu pegar uma toalha, um
guardanapo, a pessoa já está separando aquilo, eu vejo, se eu pegar esse
guardanapo aqui e eu sair a pessoa já está separando pra botar na quiboa, ou
pra jogar fora, ou pra queimar, pensando que a pessoa vai ser transmitido
pensando naquela situação da doença (P3).
Uns ficam não querendo se aproximar da gente, porque acham que vão
pegar, inclusive até a própria minha mãe (P1).
Ninguém da minha família me visitar ou eu visitar ninguém da minha
família, por causa dos dois problemas de saúde que eu tenho (P5).
O medo da transmissão leva pessoas do próprio convívio familiar a discriminar e
isolar o portador de hanseníase, principalmente quando são aparentes as alterações corporais.
Segundo Baialardi (2007) a falta de informações sobre o modo de transmissão, controle e cura
55
da doença, bem como o medo da exclusão social, contribuíram para que a hanseníase se
tornasse uma doença temida nas populações medievais. No entanto, ainda hoje podemos
perceber esse medo e consequentemente a exclusão social, um pouco disfarçada ou velada,
mas sentido por quem é discriminado.
Eu tenho um neto de onze meses, minha filha chegou ao ponto de falar para
mim de não estar pegando a criança porque „ah papai não fique pegando
muito ele, porque ele pode pegar‟, então, essa é a minha tristeza. Ela disse
para evitar de ter contato, de estar pegando nele, „seu problema da sua mão
estar largando a pele, tudo, ficar pegando nele‟ então a gente se sente uma
pessoa... sei lá... acaba a autoestima da gente, acaba... (P3)
Nesta fala percebe-se a falta de orientação para aqueles que estão ao redor do portador
das reações hansênicas. Uma vez que a própria doença é agressiva e incapacitante, corrobora
com esse estado a discriminação dos entes próximos em casa, pois pelo afastamento do
trabalho que é comum nesse caso, o portador de tais reações fica mais tempo em casa, onde
poderia receber apoio e conforto, mas acontece o oposto. Uma agravante para esta condição é
que todos os participantes estão afastados do trabalho. Para Freud (1929), o trabalho é um
importante fator na manutenção do equilíbrio psíquico e que o mesmo somado ao amor
formam os pilares que sustentam a civilização humana.
Minha mãe está sempre comigo, ela me ajuda em tudo, se adoeço ela está lá,
ela é meu anjo. Quando fiquei doente ela veio morar comigo. Não posso
reclamar de nada dela (P10).
No entanto não é possível generalizar, alguns participantes encontravam apoio
familiar, demonstrando um estado psíquico fortalecido e resiliente. A valorização da interação
da família equilibra as perdas naturais pelas morbidades da hanseníase, reduzindo o
sofrimento do portador das reações hansênicas.
Segundo Cid et al., (2012), enfatiza a importância das ações de educação em saúde,
que devem ser estendidas à família, pois esta é uma importante fonte de apoio no tratamento
da hanseníase, por ser uma doença estigmatizada. Porque a família é a principal componente
de apoio aos portadores. O autor ainda sugere que os serviços de saúde devem envolver os
familiares no controle e tratamento.
As percepções vivenciadas pelo portador de hanseníase em seu cotidiano familiar
também conduz para maior compreensão de sua condição de saúde e o apoio familiar
contribui para o enfrentamento do preconceito e do isolamento (CID et al., 2012).
56
As ações educativas do autocuidado podem contribuir para a adesão do portador de
hanseníase ao cuidado de seu próprio corpo, com suas peculiaridades, tendo como finalidade
um processo de consciência corporal e o empoderamento da ressignificação de sua imagem
corporal, para adquirir identidade corporal (BATISTA; VIEIRA; PAULA, 2014).
Outras ações podem ser desenvolvidas, como ações educativas abrangentes,
executadas pela enfermagem, focalizando as reais necessidades das pessoas que convivem
com portadoras de hanseníase, buscando compreender suas subjetividades o planejamento de
ações capazes de promover a saúde e prevenir as incapacidades físicas. Estas ações podem
compreender orientações individuais sobre a doença, seu modo de transmissão, terapêuticas
de controle e cura e a possibilidade de surgirem reações hansênicas antes, durante e após o
tratamento, com ênfase à prática de autocuidado (PALMEIRA; QUEIROZ; FERREIRA,
2013).
5.5 O Cuidado de Si Frente às Reações Hansênicas
O conceito de cuidado de si proposto por Foucault (2010), retorna à moral grego-
romana apoiada na relação do cuidado de si e o corpo. Segundo o autor, para a essa
civilização antiga, o cuidado de si é fundamentado no ocupar-se consigo mesmo, sendo este
um privilégio ou uma estatuária de poder. Havia diversas estratégias ou como sugere o autor,
técnicas para este cuidado de si na moral antiga. Eram práticas de proteção e promoção de um
corpo saudável, de responsabilidade consigo para o bem viver na sociedade vigente. Embora a
moral seja antiga, seus princípios permanecem ainda vigentes.
Foucault faz referência às técnicas específicas das quais os homens utilizam para
compreenderem aquilo que são (SILVA, 2009). No momento em que se utilizam medidas
para o cuidado de si, está se adotando um comportamento ético pela vida, desenvolvendo a
responsabilidade e a preocupação com o viver. O sentido desse cuidado Foucault apresenta
como: “é preciso que te ocupes contigo mesmo, que não te esqueças de ti mesmo, que tenhas
cuidado contigo mesmo” (FOUCAULT, 2010, p. 6). Utilizando o tempo para dedicar-se a si,
refletindo sobre sua condição, problematizando o contexto que se apresenta para desenvolver
práticas para o cuidado de si, em uma dimensão individual e coletiva, sendo uma cultura de si
(GRABOIS, 2011). Esta ideia está na fala de um dos participantes deste estudo.
57
Agora eu me preocupo mais comigo, eu não ando mais sem camisa, nem na
frente de casa, agora é mais camisa de manga comprida que eu uso (P3).
Eu me cuido bem, procuro fazer o que o médico manda (P6).
Como as reações hansênicas se exteriorizam pelas alterações físicas, foi comum a
preocupação do cuidado consigo ser direcionado ao corpo, fazendo referencias principalmente
à pele.
Eu me cuido tomando esse remédio, aí o doutor passou para mim um creme
ai eu me passo na minha pele, no corpo todo (P5).
Eu cuido assim, como eles falaram, não ando muito no sol, eu uso muito
protetor, creme para amaciar a pele, porque a pele da gente fica muito
ressecada, aí, para lavar o rosto, tem que lavar com bastante agua, cuidar
muito bem, toda hora estar lavando a mão (P8).
Para Foucault (2010), são as técnicas de si que permitem aos indivíduos realizem
sozinhos ou com ajuda dos outros, que podem ser amigos ou familiares, determinadas ações
sobre seus corpos, envolvendo seus pensamentos, condutas, formas de ser e de interagir com o
mundo, a fim de alcançarem um bem-estar. Assim, o cuidado de si é uma relação única e
transcendente, do indivíduo em relação ao que o rodeia, sejam objetos ou pessoas, podendo
ser ele próprio.
Deste ponto de vista, é aceitável que haja a participação de outras pessoas de seu
convívio, uma vez que as orientações e incentivos à determinadas práticas de saúde levem o
portador das reações hansênicas a preocupar-se consigo. Foucault (2010), mostra uma
pedagogia para um bem-estar consigo e com os outros por meio do cuidado de si, que pode ter
uma coparticipação. Neste caso o cuidado de si é mediado, não apenas pelos profissionais de
saúde, como figuras institucionalizadas, mas também por amigos e familiares. Esta ideia pode
ser evidenciada pela fala de um dos participantes:
[...] até a minha filha „pai, se o senhor trabalhar com uma bermuda hoje não
repita aquela roupa, o senhor tem que está mudando‟. [...] Sobre
alimentação, sobre o negócio de comida, algumas pessoas da minha família
me falam (P3).
A falta de conhecimento individual ou em coletividade, é um ponto importante, que
precisa ser superado quanto ao cuidado de si. Foucault desenvolve em um primeiro momento,
na Hermenêutica do Sujeito, suas ideias sobre o cuidado de si em uma perspectiva filosófica
58
socrático-platônica, onde suas técnicas estão voltadas, sobretudo, para o cuidado de si com a
intenção de superar a ignorância e também da ignorância do que se ignora (FOUCAULT,
2010).
Alguns participantes tinham dificuldade de separar as reações hansênica da doença,
pois é frequente a manifestação das reações mesmo quando há alta por cura. A compreensão
de si com as reações hansênicas é necessária para as práticas do cuidado de si.
Agora eu não sei nem explicar direito, eu penso assim que a gente continua
doente, continua sim, porque eu ouço as pessoas falar que tem cura, mas
geralmente as pessoas acham que nunca fica bom, sempre fica dando reação
porque a pessoa está doente ainda (P8).
Doença encravada que quando entra na gente não quer mais sair, toma tanto
remédio nunca fica bom, só melhorar e piora (P9).
O cuidado de si no cristianismo, na análise de Foucault, é apresentado como sendo o
cuidado com a espiritualidade, em busca da pureza da alma, assim podendo alcançar a
verdade. A auto-observação para uma avaliação de valores para a vida privada é a essência
desta técnica e aparece em algumas falas como:
Antes eu ficava muito triste, agora sei que tenho que enfrentar de cabeça
erguida, porque foi muito difícil para mim, no começo foi muito difícil, mas
tudo vai dar certo, se Deus quiser (P11).
Coloquei tudo nas mãos de Deus, e sigo em frente, meus amigos e minha
família sempre me dão força (P8).
Era terrível, eu chorava muito, mas o pastor me ajudou muito, sei que é uma
provação, e pela graça de Deus eu vou vencer. Essa última reação, que teve
uma agora, eu pensava que ia morrer, porque desmaiei dentro do banheiro,
eu bati minha cabeça, sorte que eu não bati muito forte no vaso, se não. Mas,
eu fui muito forte (P1).
Quando as pessoas descobrem tem pessoas que ficam, não querem se
aproximar da gente, mas para mim eu me sinto normal (P2).
A descoberta da resiliência somado a espiritualidade como apoio a superação fazem
parte do cotidiano de enfrentamento da doença; é comum o despertar de uma espiritualidade
frente a adversidade. Foucault entende esse momento como a descoberta dos movimentos da
alma, porque para o autor existe uma unidade corpo-alma, que precisa ser compreendido de
um modo integral, pois um elemento está inteiramente conectado com o outro. Os valores se
59
modificam à medida que as manifestações corporais das reações hansênicas força o seu
portador a adotar novas prática e condutas para se adequar ao novo contexto.
Como eles falaram, não ando muito no sol, eu uso muito protetor, creme
para amaciar a pele, porque a pele da gente fica muito ressecada, aí, pra lavar
o rosto, tem que lavar com bastante agua, nariz, cuidar muito bem, toda hora
estar lavando a mão, porque eu tenho o habito de lavar muito a mão, nunca
pegar com a mão suja em nada, comer a assim, tem que estar sempre lima, a
roupa a casa (P8).
O cuidado de si, para Foucault, culmina em um imperativo, “é um princípio válido
para todos, todo o tempo e durante toda a vida” (FOUCAULT, 1985, p.53). Para o autor, não
era noção fundamental apenas para os filósofos da sociedade helenística, mas constituía-se um
fenômeno cultural daquela sociedade da época. De forma que, o cuidado de si se torna parte
da formação do sujeito. Assim, para os portadores das reações hansênicas cuidar de si deve
fazer parte da própria vida, um aprendizado contínuo, não, entendendo isso como uma prática
isolada, mas que se desenvolve em uma dimensão social, porque para isso há uma troca de
cuidado, com aquele que o cercam, sejam profissionais, amigos ou familiares. Deixando de
ser uma prática coercitiva para ser uma construção com coparticipação.
5.6 Indicativos para o Cuidado
O cuidado de si na fala dos participantes, conjuga o cuidado profissional, o cuidado
familiar e as práticas que julgam serem efetivas para sua saúde. As práticas de cuidado
predominante para os portadores de reações hansênicas não são necessariamente aquelas
aprendidas nas consultas com os profissionais de saúde, mas uma ressignificação do que é
transmitido, somado a todo um conjunto de orientações familiar e sócio-cultural.
Para os participantes houve orientações multiprofissional, e o que se observa é que
esta orientação aborda temas como: as reações; a transmissão, como na fala a seguir:
Eu fiz um rodízio, psicólogo, no geral, orientaram sobre a reação, que eu ia
ter, que eu tinha que estar preparado [...] o Doutor falou que a mancha pode
demorar até três anos para sumir, mais foi mulher, só um homem acho que
era Enfermeiro (P1).
Eu passei pela psicóloga, pelo médico, fui bem orientado, passei pela
assistente social pela do negócio da comida, passei pela uma outra senhora
60
que eu nem sei, uma doutora [...] Teve um médico, uma enfermeira, ai eu
conversando com o doutor e ele fala „não, essa doença só passa enquanto tu
tá te tratando, depois que tu começou a tomar a primeira dose acabou, não
pega mais‟ (P5).
Diziam que essa doença tinha tratamento, que eu ficar bom, que eu foi ficar,
com fé em Deus, era isso que me orientava (P10).
Embora tenham recebido assistência de diversos profissionais, não conseguem
identificar todos, utilizando a figura do médico para representar aqueles que não lembrava.
Cada profissional orienta a partir de sua formação, no entanto, percebe-se nas falas que
poucas orientações são retidas pelos portadores das reações hansênicas. Ficar curado e não
transmitir a doença que tem, é sempre lembrado nas falas dos participantes, isso indica um
cuidado consigo e com a comunidade que o cerca, o que caracteriza o cuidado de si, um
cuidado ético com a vida, proposto por Foucault (FOUCAULT, 2010). Esta preocupação
deve ser valorizada, como uma forma de promoção do cuidado de si, despertando uma
apreciação pelo cuidado consigo em harmonia com seus pares (SILVA et al., 2009).
Algumas outras orientações são mencionadas quando inqueridos sobre suas práticas de
cuidado, revelando um grupo de práticas de cuidado que contemplava principalmente o
cuidado com o corpo: alimentação, pele:
Sempre diziam para eu ter cuidado, sempre andar calçado, nunca criar
ferimento, sempre lavar as mãos e hidratar. Diziam que era para eu ter
paciência (P6).
Passei a psicóloga, com a enfermagem, com a nutricionista, com o médico.
A nutrição orientou sobre as alimentações, tinha que me alimentar com
bastante verdura, bastante fruta, não comer tanta coisa gordurosa, muita
coisa remosa, a nutricionista, a psicologia fez o básico, perguntou meu
nome, perguntou como eu estava (P8).
As reações hansênicas se exteriorizam pela imagem corporal, o que justifica a maioria
das orientações retidas sobre o cuidado direcionar-se para o corpo. O corpo é um referencial
para a identidade pessoal e subjetiva. As imagens e representações mentais influenciam o
inter-relacionamento pessoal, aproximando ou afastando as pessoas dela (PALMEIRA;
FERREIRA, 2012).
Outro ponto que se destacou, na fala dos participantes, foi a falta de orientação pelos
profissionais de saúde. Como todos os participantes receberam assistência na mesma unidade
de saúde, deveriam receber a mesma atenção em saúde.
61
Nunca me deram orientação, que eu saiba não (P3).
Porque, a gente que não tem uma orientação do médico (P5)
Aqui mesmo as minhas consultas foi mais o doutor e ele passava mais os
remédios mesmo (P8).
As orientações dos profissionais de saúde podem promover a participação do usuário
no processo de discussão, diminuindo as barreiras de conhecimento sobre a hanseníase
(MOREIRA, 2014).
Para Silva e Paz (2010), as ações de educação em saúde requerem dos profissionais o
desenvolvimento de uma consciência crítico-reflexiva, o que necessita usar uma pedagogia
que favoreça o grupo orientado que atribua significado a seus problemas, articulando o que é
de sua realidade com o que é já conhecido para pessoa que recebe a orientação, então
permitindo que este, decida sobre o cuidar de si, de sua família e da coletividade,
transcendendo à atitude passiva baseada na ideia de que o conhecimento se dá unilateralmente
e sem conflitos.
A educação efetiva é uma necessidade na prática cotidiana do profissional de saúde
(MORENO et al., 2008). O combate a hanseníase e suas morbidades, incluindo sua memória
histórica de preconceito e discriminação precisa ser apoiado por todos os profissionais de
saúde quanto a educação e orientação do portador de reações hansênicas.
O preconceito pode receber reforço de profissionais com pouco preparo para lidar com
situações delicadas como é o cotidiano do portador de hanseníase e das reações hansênicas.
Em uma das falas observou-se a situação:
Tem uma assistente social lá que me disse: „se alguém perguntar para o
senhor está doente de que? Só dizer que está doente do reumatismo, você
não pode dizer estou doente de hanseníase, que a pessoa que não entende já
via querer lhe excluir, aí você só diz para mim que sou uma profissional,
para outras pessoas que são profissionais‟ (P5).
Esta atitude não é indicada, pois reforça a discriminação e a imagens preconceituosa
construída sobre a hanseníase. Esconder a doença é mostrar que não houve avanço de cura e
tratamento, em todos esses anos, é não entender o modo de transmissão e a efetividade da
poliquimioterapia, é concordar com o isolamento, é contribuir para a manutenção de uma
sociedade que exclui o portador de hanseníase. Contar que é portador da hanseníase somente
62
para profissionais de saúde, exclui a família e quem mora e convive como o portador; para
Carrijo e Silva (2014), o paciente deve comunicar à família que está com hanseníase para que
todos os membros do mesmo domicílio, familiares e quem mora conjunto, possam fazer os
exames para confirmação ou não de transmissão do bacilo.
Cada portador das reações hansênicas, deve ser orientado em todos os aspectos, de
forma que se torna um multiplicador de informação, principalmente aquele que estão perto
dele. A informação diminui o preconceito e a discriminação, assim diminuindo o sofrimento
psicológico de quem porta a doença.
Importantes atores sociais e de saúde que podem influenciar significativa no curso da
hanseníase e das reações hansênicas são os profissionais de saúde que prestam assistência ao
portador de tais reações. As informações com fundamentação técnica e científica esclarece
dúvidas e orienta quanto a comportamentos, além de combater o preconceito e a
discriminação, uma vez que estes, são, em parte, consequências da falta de informação para o
portador das reações e seus familiares (TOMALERI et al., 2013).
O medo e ansiedade, que são dois sentimentos comuns ao portador de hanseníase,
também pode ser combatido com a informação adequada. A diminuição do medo, facilita a
adesão ao tratamento e a interação portador e profissional. Assim, o possibilita o doente ser
coparticipante do seu tratamento e do processo de reabilitação ao seu cotidiano. O medo
dificulta o diagnóstico precoce dos contatos do portador das reações hansênicas, até a
participação familiar torna-se prejudicada, pois o preconceito pode começar dentro de casa.
Não poderia ficar de lado a família como cuidadora, aparecendo nas falas dos
participantes, a família surge com um grupo que influencia as práticas de cuidado.
Tenho mais orientação mais de gente da minha família, mais da minha filha
(P9).
A minha mãe, algumas pessoas da minha idade que me orienta as vezes (P5).
A família também participa do cuidado do portador de reações hansênicas, de forma
que, não pode ser a parte nos planejamentos de ações de combate a hanseníase e suas
morbidades. Esta que acolhe ou exclui, é o primeiro refúgio que se procura para o cuidado
(FIGUEREDO, 2011)
64
6 CAPÍTULO 6 - CONCLUSÕES
As percepções que puderam ser identificadas dos portadores das reações hansênicas
que participaram da pesquisa, envolveram vários aspectos de sua relação com tais reações,
como o significado das reações hansênicas e sua causa; as implicações físicas, sociais,
psicossociais e familiares.
Ficou notória uma dificuldade de diferenciar o que é a doença e as reações hansênicas,
o que interfere na forma de coparticipação para sua reabilitação, produzindo dúvidas e
sustentando medos e preconceitos históricos que a hanseníase carrega, mantidos e aprendidos
socialmente. Sem as devidas informações os aspectos da doença e das reações hansênicas são
percebidos deformados e assim como são entendidos são socializados. Isso dificulta o
combate às morbidades da hanseníase porque cria incertezas para o portador das reações
hansênicas, até mesmo desacreditando nas possibilidades de tratamento adequado e da cura,
levando ao abandono do tratamento e a busca tardia do sistema de saúde vigente, dificultando
o diagnóstico precoce e a identificação de casos entre seus contatos.
As manifestações físicas são percebidas como as reações hansênicas pela sua
frequência e que causam maior comprometimento, pela presença de nódulos dolorosos que
impossibilitam a vida cotidiana, alguns são tão intensos devido ao comprometimento neural,
que a experiência no período que as reações se manifestam é percebida como a sensação de
morte iminente. As alterações físicas são percebidas como as mais incapacitantes, tanto para o
trabalho como para o lazer, neste estudo observou-se que nenhum dos participantes
praticavam atividades de lazer.
Outra explicação sobre a causa da doença, ora ligada à ausência de medicação, ora
resultante da ingestão de comida remosa, pela influência cultural típica da região onde foi
feita a pesquisa. Todas estas percepções controversas, podem ser trabalhadas com educação
em saúde, pelos profissionais que prestam assistência à esse portadores de reações hansênicas
e melhor esclarecidas.
Existe uma relação entre as manifestações físicas e as alterações no campo psicológico
e social, pois as alterações físicas levam a um sofrimento nestas áreas. Um desequilíbrio bio-
psico-social interfere na qualidade de vida, com o prejuízo da autoimagem e pode levar a
autoestigmatização e ao autoisolamento. A dor é o sintoma mais referido e entendido como
incapacitante, interferindo no sono e na vida diária, segundo os participantes deste estudo.
65
O contexto social da hanseníase e sua principal morbidade, as reações hansênicas,
ainda têm muito da memória história, da idealização da doença dos templos bíblicos,
passando pelos momentos de isolamento compulsório e da segregação; essas relações
provocam medo de adquirir a doença, medo de preconceito e da discriminação. As
implicações sociais afetam o ambiente de trabalho e de amizade, o afastamento e
diferenciação por parte dos amigos e colegas de trabalho, isola o portador das reações
hansênicas de forma discriminatória, muitas vezes em função da falta de conhecimento sobre
a doença e a forma de transmissão, de acordo com os resultados encontrados neste estudo.
A família é percebida como instituição, ora de apoio, diminuindo o sofrimento
psíquico, ora também segregadora, separando roupas, alimentos, espaços, com medo da
transmissão da doença, fortalecendo a ideia do temor da doença e levando o doente ao
autoisolamento. No entanto, a inclusão da família como cuidadora e torná-la participante do
processo assistencial, permite uma maior adesão ao tratamento e sua continuidade, mesmo
com as reações hansênicas após a alta, dessa forma as ações educativas devem envolver o
portador de tais reações e sua família.
Em outra instância buscou-se analisar as práticas de cuidados de si adotadas pelos
portadores das reações hansênicas, e esta foram analisadas pela ótica de Michel Foucault; na
qual o cuidado de si é uma prática ética com o mundo que o cerca, cuidando e se preocupando
consigo e com os outros. Isto se consolida quando os participantes demonstram preocupação
consigo, por meio de uma auto-observação, e que não cuidam simplesmente porque o
profissional de saúde orientou. A falta de conhecimento e a superação dele é um dos pontos
observados em direção ao cuidado de si.
O cuidado de si também se revelou por meio do cuidado da família com alguns dos
participantes, em uma busca conjunta das estratégias de cuidado, em uma coparticipação,
principalmente na orientação quando aos cuidados, que Foucault chamou de pedagogia para o
bem-estar. Por fim quando o cuidado de si perpassa pela espiritualidade, por uma busca de
valores para o bem-viver, o combate ao sofrimento pelos efeitos mórbidos da hanseníase,
aprece com ideias de superação e confiança espiritual.
Pelos resultados desta análise sobre o cuidado de si entende-se que é uma ação
coletiva e individual, de auto-conhecimento e de conhecimento do contexto, apreendendo
valores e princípios sociais que ajudam a superar os desafios das reações hansênicas e da
própria vida.
Quando relacionado as percepções sobre as reações hansênicas e as práticas de
cuidado de si, se evidencia indicador para o cuidado. O cuidado de si, para os participantes,
66
envolve o cuidado profissional, familiar e as práticas que julga ser efetiva para sua saúde.
Nisto destaca-se a educação em saúde por parte dos profissionais de saúde sobre os processos
mórbidos das reações hansênicas, as práticas de cuidados nas alterações corporais, quando ao
sofrimento físico, psíquico e social, incluindo a família como elemento importante para
manutenção da qualidade de vida em todo o processo de tratamento e para amenizar tais
sofrimentos.
7 LIMITAÇÕES DO ESTUDO
Vários fatores influenciaram no desenvolvimento deste estudo, sendo o principal deles
a aceitação da realização da pesquisa no local pré-selecionado. No primeiro local idealizado
para estudo, por falta de estrutura da própria instituição, a realização da pesquisa não foi
autorizada pelas autoridades competentes. O que despendeu tempo e recursos humanos e
financeiros, já que esta instituição estava localizada em outro município, distante do
município de residência do pesquisador.
Por fim, a pesquisa foi direcionada a outro local que atendia as especificidades do
estudo, sendo necessário reiniciar todo o trâmite para obtenção de autorização para o
desenvolvimento da pesquisa.
Após autorizado a realização do estudo e aprovação em comitê de ética em pesquisa,
logo no início da coleta de dados, os trabalhos de campo andavam bem na URE Marcelo
Cândia, até que, por falta de medicação para os portadores de reações hansênicas, houve uma
diminuição no número destes pacientes, o que prolongou ainda mais o tempo da produção dos
dados.
67
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78
APÊNDICE A - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE ACESSO AOS PRONTUÁRIOS
(TAAP)
TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE ACESSO AOS PRONTUÁRIOS (TAAP)
Para a construção de minha dissertação do Curso de Mestrado em Enfermagem –
PPGENF/UEPA. Realizarei uma pesquisa intitulada: “PERCEPÇÕES SOBRE AS
REAÇÕES HANSÊNICAS: o cuidado de si.”, com o objetivo de identificar as percepções
dos portadores de reações hansênicas; analisar as práticas de cuidados de si adotadas pelos
usuários com estas reações; e discutir a relação entre tais percepções e o cuidado de si como
indicador para o cuidado. Informo que a realização desta pesquisa foi aprovada pela Unidade
de Referência Especializada Demétrio Medrado.
Assim, solicitamos autorização para acesso aos prontuários dos portadores de
hanseníase, com a finalidade de coletar apenas informações específicas da doença e de suas
reações, garantindo que tais documentos não serão utilizados para convocação e/ou visita em
seus domicílios, uma vez que será aguardado o comparecimento dos possíveis participantes à
unidade de saúde de acordo com os aprazamentos feitos pela unidade. Isto subsidiará o
projeto de dissertação, orientado pela Prof.ª Dr.ª Ivonete Vieira Pereira Peixoto.
Os riscos encontrados nesta pesquisa são relacionados ao desconforto emocional
envolvido no tema abordado e à quebra de anonimato. Porém, para preservar a integridade
emocional dos participantes e são previsto os cuidados necessários, tais como o apoio do
serviço psicossocial existente na URE. Com relação à garantia do anonimato, será utilizado
pseudônimo para identificação dos participantes com vistas à proteção dos dados coletados.
Exemplo: Exemplo: P1 (Participante 1), P2 (Participante 2). Considerando o respeito pela
dignidade humana e pela especial proteção devida aos participantes deste estudo, asseguram-
se todos direitos dos participantes previstos na Resolução Nº 466, de 12 de Dezembro de
2012, e deveres dos pesquisadores para com aquele.
Os benefícios relativos à pesquisa serão obtidos de forma indireta pelos
participantes, sendo uma contribuição para a qualificação da assistência de enfermagem
voltada ao cuidado de si mesmo; além da relevância para a comunidade científica, para
produção intelectual na área em questão, com resultados que direcionam a novas pesquisas
em saúde e estabelecimento de planos assistenciais diferenciados para os portadores de
reações hansênicas.
Os resultados obtidos serão descritos de forma geral e não individual e poderão
ser encontrados na Biblioteca do Campus IV da UEPA para que possa servir como fonte de
informação para os profissionais e estudantes interessados no tema, também esta pesquisa
poderá ser apresentada em eventos científicos e publicada em revista de Enfermagem.
Vale ressaltar que em casos de dúvidas, você poderá entrar em contato com o
pesquisador através do telefone informado abaixo ou com o Comitê de Ética em Pesquisa que
analisou o projeto, através do telefone 3249-4671 ou no seguinte endereço: Av. José
Bonifácio, Nº. 1298 – Guamá.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
ESCOLA DE ENFERMAGEM “MAGALHÃES BARATA”
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM – ASSOCIADO
UEPA/UFAM
79
TERMO DE AUTORIZAÇÃO AOS PRONTUÁRIOS, APÓS ESCLARECIMENTO.
Eu, _______________________________________, declaro que li as
informações sobre a pesquisa e que me sinto perfeitamente esclarecido sobre o conteúdo da
mesma. Declaro ainda que por minha livre vontade, fornecer os documentos para coleta de
informações da pesquisa que tem por título: “PERCEPÇÕES SOBRE AS REAÇÕES
HANSÊNICAS: o cuidado de si.”, com o objetivo de conhecer os saberes usuários sobre as
reações hansênicas e relacionar tais saberes o cuidado de sí.
Belém, ___, de ______________ de 2015.
_________________________________________ RG:_______________
Assinatura do responsável pelo arquivo
_________________________________________ RG: 3017377
Assinatura do Pesquisador responsável
Pesquisadora responsável: Anderson Lineu Siqueira dos Santos. Endereço: Rua São Miguel,
1263. Telefone: 88694878. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ivonete Vieira Pereira Peixoto. Endereço:
Governo do Estado do Pará, Universidade do Estado do Pará, Campus IV. Av José Bonifácio,
n 1289Guama66063-010 - Belém. Telefone: (91) 99912-4731. Comitê de Ética em Pesquisa.
Endereço: Av. José Bonifácio, 1289. CEP: 66063-010. Ramal: 208. Telefone: 32490236.
80
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Universidade do Estado do Pará
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde
Mestrado Associado à Enfermagem UEPA/UFAM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
ESCLARECIMENTO DA PESQUISA:
O Sr. (a) está sendo convidado (a) como voluntário (a) a participar da pesquisa:
“PERCEPÇÕES SOBRE AS REAÇÕES HANSÊNICAS: o cuidado de si.”, cujo objetivo é
identificar como você se vê com as reações hansênicas; como são suas práticas de cuidado
voltadas para você quando está com as reações e utilizar estas informações para auxiliar no
cuidado à você prestado. Para tanto, será realizada uma entrevista gravada, para sabermos
sobre as informações mencionadas anteriormente. Você tem liberdade para recusar responder
qualquer pergunta durante a entrevista, sendo garantido que a qualquer momento você poderá
retirar seu consentimento ou interromper a sua participação na pesquisa a retirada de sua
permissão. Informamos que esta pesquisa tem o risco de quebra do anonimato e para que isso
não aconteça em nenhum momento será divulgado o seu nome, você será identificado por
códigos. Os benefícios relativos à pesquisa serão obtidos de forma indireta pelos
participantes, sendo que o conhecimento das percepções sobre as reações hansênicas podem
contribuir para uma assistência em saúde mais humanizada, proporcionando ações
assistenciais mais adequadas às suas reais necessidades. Os resultados poderão ser
apresentados em eventos científicos ou outro meio de comunicação e publicação em revistas.
As informações aqui colhidas serão utilizadas somente nessa pesquisa e guardadas por cinco
anos, após este período serão destruídas. Não haverá nenhuma despesa pessoal durante a
pesquisa, assim como nenhuma forma de pagamento por participação. Se houver dúvidas e
desejar esclarecimentos sobre a pesquisa poderá fazer contato com o pesquisador responsável
Anderson Lineu (Fone: (91) 988694878) e a orientadora Prof.ª Dr.ª Ivonete Vieira Pereira
Peixoto (Fone: (91) 99912-4731). Você também poderá entrar em contato com o CEP
(Comitê de Ética e Pesquisa) da Universidade do Estado do Pará, End. Av. José Bonifácio,
1289; CEP: 66063-110; Fone: (091) 3249-0236; Fax. (091) 3249-4671 Ramal 208, email:
[email protected], se tiver qualquer dúvida com relação aos seus direitos. Vale
ressaltar que todas as folhas deste termo serão rubricadas pelo pesquisador e por você, sendo
que uma via deverá ser-lhe entregue.
81
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE, APÓS ESCLARECIMENTO.
Declaro que li e/ou ouvi o esclarecimento acima e compreendi as informações que me
foram explicadas sobre a pesquisa. Conversei com o pesquisador do projeto sobre minha
decisão em participar, autorizando a gravação da entrevista, ficando claro os objetivos da
pesquisa, a forma como vou participar, os riscos e benefícios e as garantias de anonimato.
Ficou claro também, que a minha participação não tem despesas nem receberei nenhum tipo
de pagamento, podendo retirar o meu consentimento a qualquer momento, sem penalidades
ou prejuízos. Concordo voluntáriamente participar desse estudo rubricando e assinando este
termo em duas vias e uma ficará comigo.
Belém,_____de____________________de 2015
_______________________________________ RG:__________
Assinatura do participante
_____________________________________ RG: 3017377
Assinatura do pesquisador
82
APÊNDICE C - INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
CÓDIGO:
DADOS SOCIOECONÔMICOS:
Sexo biológico: ( ) Masculino ( ) Feminino
Idade: Religião: Estado Civil:
Nível de escolaridade: Profissão:
Ocupação atual:
Modificou sua ocupação
com a doença?
Renda própria em salários
mínimos:
( ) Sim ( ) Não
( ) <1; ( ) 1; ( ) 2;
( ) 3; ( )4; ( )5; ( ) >6
Renda familiar em salários mínimos:
( ) <1; ( ) 1; ( ) 2; ( ) 3; ( )4; ( )5; ( )6; ( ) 7;
( ) 8; ( ) 9; ( ) 10; ( ) > 10
Possui plano de
saúde: ( ) Sim ( ) Não
Bairro/Município
onde mora:
Moradia: ( ) Casa própria; ( ) Alugada; ( ) Mora com parentes; ( ) Mora com amigos
PARTICIPAÇÃO SOCIAL E LAZER:
Participa de alguma
atividade social?
( ) Sim ( ) Não
Qual?
Quais?
Onde?
Pratica alguma
atividades de lazer?
( ) Sim ( ) Não
Qual?
Quais?
Onde?
CARACTERIZAÇÃO DA DOENÇA:
Forma Clínica da doença: ( ) Indeterminada
( ) Tuberculóide
( ) Dimorfa
( ) Virchowiana
Classificação
Operacional:
( ) Paucibacilar
( ) Multibacilar
Primeiros Sinais
e Sintomas:
Tempo do
diagnóstico:
83
Alterações físicas percebidas:
Grau de Incapacidade: ( ) Grau 0; ( ) Grau 1; ( )Grau 2
Tratamento atual na URE? ___________________________________________________
Reação Hansênica
Tipo:
Há quanto tempo?
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1. Você sabe o que é reações hansênicas?
2. Para você, o que são reações hansênicas?
(Explorar as percepções sobre as causas, sinais e sintomas)
3. Quando eu falo “reações hansênicas”, o que isso te faz pensar?
4. Como você se vê com as reações hansênicas?
(Explorar percepções sobre si e dos outros para consigo)
5. Como os outros veem você com as reações hansênicas?
6. Como é para você conviver com as reações hansênicas?
(Explorar as formas de relacionamento com o cônjuge, família e amigos)
7. Como você cuida de seu corpo?
(Explorar cuidados com as reações hansênicas e com as mudanças corporais causadas por
estas)
8. Nas consultas que você fez na Unidade de Referência, o que você teria a dizer sobre as
orientações relativas aos cuidados com as reações hansênicas?
(Explorar se houve orientações, por parte de quem? que tipo de orientações?)
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