Aglomeração produtiva de laticínios na região do Corede Vale do TaquariJulho/2015
Fundação de Economia e Estatística
Centro de Estudos Econômicos e Sociais (CEES)
Núcleo de Análise Setorial (NAS)
AGLOMERAÇÃO PRODUTIVA DE LATICÍNIOS
NA REGIÃO DO COREDE VALE DO TAQUARI
Pesquisadores: Rodrigo Daniel Feix
Maria Isabel Herz da Jornada
Bolsista: Eduardo de Gasperi (FAPERGS)
Porto Alegre, julho de 2015
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SECRETARIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser CONSELHO DE PLANEJAMENTO: Presidente: Igor Alexandre Clemente de Morais. Membros: André F. Nunes de Nunes, Angelino Gomes Soares Neto, André Luis Vieira Campos, Fernando Ferrari Filho, Ricardo Franzói e Carlos Augusto Schlabitz. CONSELHO CURADOR: Luciano Feltrin, Olavo Cesar Dias Monteiro e Gerson Péricles Tavares Doyll. DIRETORIA
PRESIDENTE: IGOR ALEXANDRE CLEMENTE DE MORAIS DIRETOR TÉCNICO: MARTINHO ROBERTO LAZZARI DIRETOR ADMINISTRATIVO: NÓRA ANGELA GUNDLACH KRAEMER
CENTROS ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS: Vanclei Zanin PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: Rafael Bassegio Caumo INFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS: Juarez Meneghetti INFORMÁTICA: Valter Helmuth Goldberg Junior COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO: Susana Kerschner RECURSOS: Grazziela Brandini de Castro
Esta pesquisa, financiada pela Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento
(AGDI), da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, foi desenvolvida pelo
Núcleo de Análise Setorial, do Centro de Estudos Econômicos e Sociais da Fundação de Economia e
Estatística Siegfried Emanuel Heuser, Secretaria do Planejamento, Mobilidade e Desenvolvimento
Regional do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
Como referenciar este trabalho:
FEIX, R. D.; JORNADA, M. I. H. Aglomeração produtiva de laticínios na região do Corede Vale do
Taquari. Porto Alegre: FEE, 2015. Relatório do Projeto Estudo de Aglomerações Industriais e
Agroindustriais no Rio Grande do Sul. Disponível em:< http://www.fee.rs.gov.br/publicacoes/relatorios/>.
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Sumário
Introdução ................................................................................................................................................. 04
1 Localização e área de abrangência regional da Aglomeração .......................................................... 05
2 Breve histórico da produção de laticínios no Brasil, no Rio Grande do Sul e no Vale do
Taquari ....................................................................................................................................................
07
2.1 A produção de lácteos no Brasil: mudanças nos ambientes econômico e institucional ....................... 07
2.2 A produção de laticínios no Rio Grande do Sul ................................................................................... 15
2.3 Antecedentes históricos da AP Laticínios do Vale do Taquari ............................................................. 22
3 Caracterização socioeconômica e produtiva do Corede Vale do Taquari ....................................... 27
3.1 Indicadores econômicos, sociais e demográficos ................................................................................. 27
3.2 Estrutura produtiva ................................................................................................................................ 30
3.3 Indicadores do mercado de trabalho: breve caracterização do emprego formal .................................. 33
4 Rede de formação de mão de obra e estrutura de P&D ..................................................................... 36
5 AP de Laticínios no Vale do Taquari: caracterização e importância .............................................. 39
5.1 As atividades da Aglomeração ............................................................................................................ 39
5.2 A produção de leite nas propriedades rurais ........................................................................................ 41
5.3 A indústria de laticínios ......................................................................................................................... 45
6 A aglomeração produtiva de laticínios do Vale do Taquari como APL ............................................ 53
6.1 Governança .......................................................................................................................................... 54
6.2 Cooperação .......................................................................................................................................... 58
6.2.1 Cosuel — Dália Alimentos ............................................................................................................ 59
6.2.2 Cooperativa Languiru ................................................................................................................... 60
6.2.3 BRF ............................................................................................................................................... 61
6.2.4 LBR ............................................................................................................................................... 62
6.3 Aprendizado e inovação ....................................................................................................................... 63
Considerações finais ............................................................................................................................. 66
Referências ............................................................................................................................................... 67
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Introdução
A geração de renda no Vale do Taquari está assentada nas produções primária e industrial de
alimentos. A estrutura fundiária da região se caracteriza pelo predomínio de pequenas propriedades,
administradas por agricultores familiares, que se ocupam principalmente da produção diversificada de grãos,
leite, aves e suínos.
Por sua importância para a dinâmica econômica regional, a produção de leite e derivados tem
ocupado papel de destaque na agenda de desenvolvimento da região do Conselho Regional de
Desenvolvimento (Corede) Vale do Taquari. Essa região destaca-se como uma das principais bacias
leiteiras gaúchas, respondendo por 8% da quantidade de leite in natura produzida no Estado (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2014). Em seu território, também está situado
aproximadamente um quarto do emprego industrial gaúcho nas atividades de preparação do leite e de
fabricação de laticínios e de outros derivados (BRASIL, 2014). Por esses e outros critérios, o Vale do
Taquari é reconhecido por abrigar uma das aglomerações produtivas agroindustriais da atividade de
fabricação de laticínios1 do Rio Grande do Sul.
Na literatura econômica especializada, a recente revalorização do espaço local como elemento
definidor do desenvolvimento ampliou o interesse pelo estudo e pelo incentivo de Arranjos Produtivos Locais
(APLs). No Vale do Taquari, a possibilidade de aumentar as vantagens decorrentes da aglomeração de
produtores de leite e empresas especializadas na produção de laticínios contribuiu para uma maior
mobilização dos atores institucionais dessa cadeia. Exemplos disso são a criação do APL das Agroindústrias
Familiares e a busca pelo reconhecimento do APL da Proteína Animal.
Ainda nesse contexto, nos últimos anos, com vistas a superar os desafios contemporâneos às
produções agropecuárias familiar e agroindustrial, atores locais do Vale do Taquari também passaram a
avaliar estrategicamente as alternativas de desenvolvimento regional. Dentre as iniciativas destacáveis,
estão os programas Repensando o Agro no Vale do Taquari e Leite no Vale do Taquari, ambos coordenados
pela Universidade do Vale do Taquari (Univates). Embora tenham iniciado seus trabalhos isoladamente, com
o tempo, os participantes desses programas passaram a se articular e, de modo coordenado, assumiram a
responsabilidade de aglutinar as forças vivas do agronegócio da região e planejar estratégias para o setor.
Apesar da conhecida concentração das produções primária e agroindustrial leiteira na região e das
iniciativas coletivas voltadas ao desenvolvimento local a partir dessa base produtiva, são raros os estudos
voltados à análise da aderência do conceito de APL à Aglomeração Produtiva de Laticínios do Vale do
Taquari (AP Laticínios do Vale do Taquari). Com vistas a contribuir para o preenchimento dessa lacuna e
cumprir outros objetivos específicos, essa aglomeração foi selecionada para estudo no âmbito do projeto
Estudo de Aglomerações Industriais e Agroindustriais no Rio Grande do Sul, desenvolvido pela Fundação de
Economia e Estatística (FEE), com o apoio financeiro da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção
do Investimento (AGDI). O projeto propõe a análise de um conjunto de aglomerações produtivas gaúchas a
1 Segundo a publicação Aglomerações industriais do Rio Grande do Sul: identificação e seleção (ZANIN; COSTA; FEIX, 2013),
essa mesma atividade também está concentrada na região do Corede Fronteira Noroeste.
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partir do mesmo referencial teórico e analítico sobre APLs, e seu principal objetivo é analisar o potencial de
aglomerações produtivas locais para promover o desenvolvimento sustentável no Estado. O pressuposto
balizador da pesquisa é o de que as aglomerações de empresas especializadas em determinada atividade
produtiva, especialmente aquelas que se qualificam como APLs, geram uma série de sinergias, mediante o
surgimento de relações técnicas, econômicas, sociais e políticas na região, o que contribui para melhorar a
competitividade das firmas no mercado e para promover o desenvolvimento econômico no território.
O relatório que segue é a primeira etapa da análise sobre a AP Laticínios do Vale do Taquari e se
destina a caracterizar preliminarmente a Aglomeração em termos socioeconômicos e produtivos. Seu
conteúdo será utilizado para instrumentalizar os estudos de campo previstos em uma segunda etapa da
pesquisa. Nesse primeiro relatório, será analisada a presença, na região, dos dois principais segmentos da
cadeia produtiva do leite: (a) produção primária do leite nas propriedades rurais; (b) processamento e
industrialização da matéria-prima (Indústria de Laticínios2). A presença e o papel dos outros segmentos, tais
como de fornecedores de insumos, máquinas e equipamentos, distribuidores e consumidores dos produtos
lácteos, serão oportunamente avaliados no estudo de campo.
O relatório está organizado em sete seções, contadas a partir desta Introdução. A primeira seção
delimita a área de abrangência da Aglomeração. Em seguida, é traçado um breve histórico da produção de
laticínios no Brasil, no Rio Grande do Sul e na região do Vale do Taquari. Na seção 3, são descritas as
principais características socioeconômicas e da estrutura produtiva da região. A seção 4 é dedicada à
análise da rede local de formação de mão de obra e estrutura institucional de Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D). Na sequência, a AP Laticínios do Vale do Taquari é caracterizada a partir de dados secundários,
destacando-se sua importância para a região e para a economia gaúcha. Na seção 6, são avaliadas
preliminarmente as condições de governança, cooperação, aprendizado e inovação na aglomeração, a partir
de informações secundárias disponíveis. Finalmente, na última seção, são apresentadas algumas
considerações finais relacionadas ao conteúdo do relatório e às próximas etapas da pesquisa.
1 Localização e área de abrangência regional da Aglomeração
A AP Laticínios do Vale do Taquari está localizada na região central do Rio Grande do Sul, a cerca
de 100 km da capital, às margens do rio Taquari e de seus afluentes. Sua área de abrangência é a do
Corede Vale do Taquari, que ocupa aproximadamente 2% do território do Estado (4.821,1 km²) e é
composto por 36 municípios.
Segundo informações da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) para o ano de 2013, em 15 municípios da região é observada a presença de atividades da
Indústria de Laticínios: Anta Gorda, Arroio do Meio, Bom Retiro do Sul, Doutor Ricardo, Encantado, Estrela,
Fazenda Vilanova, Imigrante, Lajeado, Marques de Souza, Muçum, Paverama, Putinga, Roca Sales e
2 Neste trabalho, convencionou-se chamar de Indústria de Laticínios o conjunto das atividades industriais de Preparação do Leite
(código 10.51-1 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) 2.0), de Fabricação de Laticínios (código 10.52-0 da CNAE 2.0) e de Fabricação de Sorvetes e Outros Gelados Comestíveis (código 10.53-8 da CNAE 2.0). A produção e o resfriamento da matéria-prima nas propriedades rurais são denominados produção primária ou, simplesmente, produção de leite.
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Teutônia. Nesses municípios, está presente pelo menos um estabelecimento produtivo que se
autoclassificou como sendo especializado nas atividades industriais de preparação do leite, fabricação de
laticínios ou fabricação de sorvetes e outros gelados comestíveis.
Diferentemente da indústria de laticínios, que está presente em apenas alguns municípios da região,
a produção de leite ocorre em todos os municípios do Corede. Na Figura 1, é possível perceber a área de
abrangência da aglomeração estudada, diferenciando-se os municípios que ofertam apenas a matéria-prima
in natura daqueles que se ocupam do processamento do leite e da produção de derivados lácteos.
Figura 1
Delimitação territorial, produção de leite e presença de indústrias no Arranjo Produtivo (AP) Laticínios do Vale do Taquari — 2012
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Brasil (2014). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2013).
Em termos espaciais, parece haver dois núcleos principais de produção de matéria-prima na região.
O principal deles congrega os três municípios com maior produção de leite (Estrela, Teutônia e Arroio do
Meio) e municípios adjacentes e coincide com a parte do território colonizada por imigrantes de origem
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alemã. O segundo, situado ao norte da região, abastece-se principalmente da produção de Anta Gorda,
Vespasiano Corrêa e Putinga, municípios onde a colonização italiana predominou.
Conforme será descrito mais adiante, a produção local de leite no Vale do Taquari não é suficiente
para atender as necessidades da indústria de laticínios da região, que se abastece também da produção do
seu entorno e de outras regiões. O Vale do Taquari faz fronteira com outros cinco Coredes (Alto da Serra do
Botucaraí, Vale do Rio Pardo, Metropolitano Delta do Jacuí, Vale do Caí e Serra), que, em conjunto,
respondem por aproximadamente 15% da produção leiteira estadual. Embora, para fins de delimitação, os
municípios dessas regiões não componham a aglomeração estudada, sua contribuição em termos de oferta
de matéria-prima é de fundamental importância para a indústria de laticínios do Vale do Taquari.
2 Breve histórico da produção de laticínios no Brasil, no Rio
Grande do Sul e no Vale do Taquari
A produção de leite e a consequente instalação de empresas de laticínios no Vale do Taquari estão
ligadas a condições pré-existentes na região, resultantes do processo de colonização. A influência dos
imigrantes alemães e italianos foi decisiva para a formação cultural e a constituição da base produtiva local.
Um traço distintivo da região é o seu perfil cooperativo, que pode ser parcialmente creditado à presença
desses imigrantes. A existência de cooperativas e associações de produtores é perceptível em vários
segmentos, notadamente no leiteiro, em que algumas das maiores empresas foram constituídas como
cooperativas de leite.
Em grande medida, o desenvolvimento da indústria de laticínios no Vale do Taquari foi condicionado
pelos ambientes econômicos e institucionais brasileiro e gaúcho. Por isso, optou-se por relatar, sob uma
perspectiva histórica, as principais mudanças institucionais e econômicas que afetaram a produção laticinista
do Brasil, do Rio Grande do Sul e do Vale do Taquari.3
2.1 A produção de lácteos no Brasil: mudanças nos ambientes
econômico e institucional
No Brasil, o final da década de 80 e o início da década seguinte são frequentemente referenciados
pelos economistas como um período de reestruturação produtiva industrial e abertura comercial. Essas
mudanças, ocorridas num contexto de globalização e desregulamentação econômica, alteraram
profundamente as condições de funcionamento de diversas cadeias agroindustriais.
As empresas laticinistas precisaram redefinir suas estratégias de mercado, seja pela maior
concorrência com produtos importados, seja pelo fim do tabelamento dos preços dos produtos lácteos.
Depois de quase 45 anos de controle governamental, em 1991, estabeleceu-se um novo ambiente
3 O projeto Estudo de Aglomerações Industriais e Agroindustriais no Rio Grande do Sul, além da AP Laticínios do Vale do Taquari,
também está analisando a AP Laticínios da Fronteira Noroeste e Celeiro (FAUTH; FEIX, 2015). Assim, a descrição que segue, a respeito do histórico da produção de leite e derivados lácteos no Brasil e no Rio Grande do Sul, é parcialmente compartilhada por esses trabalhos.
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institucional no qual a negociação de preços passava a ser feita livremente entre os agentes dos diferentes
segmentos da cadeia. Até então, os preços pagos ao produtor eram tabelados ao nível do consumidor,
enquanto o preço dos derivados era controlado pela Comissão Interministerial de Preços.
Em relação aos produtos importados, foram removidas as restrições tarifárias e quantitativas à
entrada de derivados lácteos no mercado brasileiro. Até o final da década de 80, a importação desses
produtos também era controlada pelo Governo e, com a abertura comercial, essas compras passaram a ser
exclusivamente determinadas pela iniciativa privada. Some-se a isso o fato de o Governo ter praticamente
se retirado do mercado interno como demandante — importantes programas sociais vinculados ao leite
foram extintos —, e percebe-se que não é exagero dizer que o quadro econômico-institucional brasileiro foi
radicalmente alterado em menos de uma década.
A implantação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), oficializada em 1991, é outro fator a
considerar nesse elenco de mudanças que afetaram o País e refletiram-se no setor. A indústria láctea
argentina, tanto quanto a uruguaia, ofertava produtos mais competitivos do que os produzidos no Brasil.
O advento do Mercosul causou grande impacto ao banir, em 1994, as tarifas de importação entre os
países do bloco e estipular uma Tarifa Externa Comum (TEC) entre esses países. Com a instituição do
Mercosul foi facilitada a importação de produtos lácteos de países como Argentina e Uruguai. Para se
ter idéia da importância do Mercosul para as importações de produtos lácteos, em 1994, 51% das
importações brasileiras advinham do Mercosul, em 1997 tal índice atingiu 71,6%. (FIGUEIRA; BELIK,
1999, p. 4).
Foi também na década de 90 que se verificou a propagação do consumo do leite tipo UHT (leite
longa vida) no País, o que transformou o mercado de leite fluído.4 O novo processo consiste na
ultrapasteurização do leite, combinada com o acondicionamento do produto em embalagem especial
cartonada, para protegê-lo do ambiente externo. Esse procedimento permite que o leite alcance uma
durabilidade de quatro meses sem necessitar de refrigeração para a sua conservação, o que reduz o custo
do transporte e da distribuição.5 Essa inovação possibilitou a transformação do leite fluído em commodity e
reduziu a importância da proximidade entre o produtor da matéria-prima e o mercado consumidor. A
abrangência do mercado do leite fluído, que até então era regional, passou a ser nacional. Com isso,
modificaram-se as condições de concorrência, já que o mercado do leite deixou de ser exclusivo do produtor
local e passou a ser disputado por empresas de abrangência nacional e internacional. As condições
anteriores de oferta limitavam o alcance das plantas industriais e favoreciam a existência de pequenos
estabelecimentos produtores de laticínios de caráter regional.
Ao aproximar produtores distantes de grandes varejistas, o leite esterilizado [na verdade, o longa vida]
acabou quebrando o equilíbrio das bacias leiteiras tradicionais que abasteciam mercados locais
pulverizados em milhares de pontos de venda. A consequência não podia ser outra: uma guerra de
preços sem precedentes, principalmente no grande varejo, que transformou o longa vida no produto
regulador do mercado do leite, substituindo o papel que era antes desempenhado pelo leite em pó
reidratado na entressafra. (JANK; GALAN, 1999, p. 210).
Jank e Galan (1999) chamam a atenção para as profundas mudanças estruturais pelas quais passou
o sistema agroindustrial do leite no Brasil, com o desenvolvimento de um novo ambiente competitivo —
4 Na realidade, a utilização da nova tecnologia de ultrapasteurização (processo UHT — Ultra High Temperature) por empresas
brasileiras deu-se a partir de 1972, dez anos após seu lançamento na Europa. Todavia, seu uso foi difundido apenas na década de 90. 5 Lembre-se de que o leite pasteurizado conhecido como “leite de saquinho” tem um prazo de validade de três a cinco dias e necessita
de refrigeração para sua conservação.
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caracterizado pela desregulamentação do mercado, pela abertura comercial e pela estabilização da
economia —, que tem desdobramentos ainda nos dias de hoje. O trecho que segue pode ser lido como uma
breve síntese da realidade do setor à época.
Liberalização e diferenciação de preços da matéria-prima, guerras de ofertas nas gôndolas dos
supermercados, entrada de produtos importados, aquisições e alianças estratégicas no meio
empresarial, ampliação do poder dos laticínios multinacionais e dos supermercados, ampliação da
coleta a granel, redução global do número de produtores, reestruturação geográfica da produção,
problemas de padronização do produto e a amplitude de um pujante mercado informal são itens que
formam o cotidiano do setor. (JANK; GALAN, 1999, p. 179).
Figueira e Belik (1999), fazendo um balanço da década de 90, destacam que as mudanças no
ambiente institucional intensificaram a concorrência no elo industrial da cadeia produtiva do leite e
impactaram as vantagens competitivas das empresas da indústria de laticínios, especialmente no caso das
cooperativas.
As cooperativas de produtores de leite, que possuíam grande importância na cadeia produtiva do leite
até o final da década de 80, deparam-se com problemas na década de 90 para se adequar a essa nova
realidade concorrencial perdendo espaço para as empresas privadas, principalmente as transnacionais.
(FIGUEIRA; BELIK, 1999, p.12).
O novo cenário econômico e as inovações no processo de produção e comercialização também
trouxeram consigo a tendência à concentração. Segundo Jank e Galan (1999), mais da metade dos grandes
laticínios atuantes em 1981 foi adquirida por outros grupos ou desenvolveu parcerias estratégicas.
Na verdade, as grandes multinacionais do leite prosperaram no período, valendo-se basicamente de
estratégias de crescimento por integração horizontal, por meio da aquisição de empresas dentro de um
escopo nacional de atuação. A Parmalat é o maior exemplo, ao adquirir cerca de duas dezenas de
empresas entre 1988 e 1997. (JANK; GALAN, 1999, p. 229).
Segundo Figueira e Belik (1999), além de grandes firmas de laticínios nacionais, pequenos
produtores privados e algumas cooperativas foram incorporados por empresas privadas transnacionais.
Referindo-se aos anos 90, os autores afirmam que “a tendência mais evidente de concentração da indústria
de laticínios é percebida principalmente pelo fato de as dez maiores empresas do setor controlarem 53% da
captação de leite sob inspeção federal e as três de maior porte exercerem controle sobre 31% desse leite”
(p. 8). As principais mudanças patrimoniais da indústria de laticínios, no período, foram decorrência das
investidas ousadas da Parmalat e da Nestlé. Esta última, até a chegada da Parmalat, dominava o mercado
brasileiro.
As fusões e aquisições, além de aumentarem o porte médio das empresas do setor, induziram
mudanças na relação entre o produtor rural e a indústria. A indústria estabeleceu exigências mínimas de
escala e qualidade de produção para manter seus contratos. Produtores com pequena escala e situados fora
das “linhas de coleta” foram descartados como fornecedores de algumas das grandes empresas privadas, e
investimentos nas propriedades rurais passaram a ser exigidos. Nas palavras de Carvalho (2002, p. 14), “[...]
verifica-se uma seleção natural com os produtores”. Para as empresas, a redução do número de
fornecedores e o aumento da produção média por produtor de leite permitiram a redução dos custos de
transação e, em alguns casos, o estabelecimento de contratos funcionou como um sistema de quase
integração.
[A] relação entre a indústria e o produtor primário do leite passou a ser regida sob as implicações de um
oligopsônio, ou em muitos casos, monopsônios, em que o ofertante do leite não beneficiado atua como
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tomador de preços, sendo a quantidade ofertada sua única decisão a ser tomada. Assim, apesar de ser
o agente que lida com os mais diversos riscos da atividade, o produtor de leite, não raro, internaliza
qualquer choque adverso de custo. (MAIA et al., 2013, p. 394).
De forma geral, esse conjunto de transformações a que foi submetida a cadeia produtiva do leite
impactou o volume de produção e produtividade média das propriedades rurais. Até então, o principal vetor
de crescimento da produção brasileira de leite era o tamanho do rebanho. A partir da década de 90, a
produção passa a ser mais determinada pelos ganhos de produtividade (Tabela 1).
Tabela 1
Taxas de crescimento da produção de leite, do rebanho e da produtividade no Brasil e no Rio Grande do Sul — 1974-2012 (%)
DISCRIMINAÇÃO 1974-90 1991-2000 2001-12 1974-2012
Rebanho
Brasil ......................................................................................... 75,97 -10,41 25,34 110,39
Rio Grande do Sul .................................................................... 42,81 -1,87 25,93 84,52
Produtividade
Brasil ........................................................................................ 15,91 46,33 25,67 116,22
Rio Grande do Sul .................................................................... 31,74 43,95 44,71 184,39
Produção
Brasil ......................................................................................... 103,97 31,09 57,51 354,91
Rio Grande do Sul .................................................................... 88,13 41,25 82,24 424,76 FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2013). NOTA: As variações no rebanho, na produção e na produtividade foram calculadas, respectivamente, com base no número de vacas ordenhadas, no número de litros de leite produzidos e na produção média por vaca ordenhada.
No Brasil, a produtividade média anual, medida em litros por animal ordenhado, saltou de 759,4 para
1.105,2 entre 1990 e 2001. A produtividade gaúcha seguiu a mesma tendência e continuou crescendo
sustentadamente no período seguinte, tendo alcançado 2.669 litros por animal em 2012, o que equivale a
1,88 vezes a média brasileira (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013).
Conforme observa Dürr (2004), apesar desse crescimento, no início dos anos 2000, o produtor de
leite típico no Brasil ainda trabalhava com uma escala reduzida e em condições muito aquém dos padrões
técnicos recomendados. A sinalização do mercado, porém, foi cristalina: permaneceria na atividade aquele
que se tornasse um profissional do leite. Tornou-se cada vez mais necessária a reorganização produtiva das
propriedades.
Além de escala mínima de produção, o atendimento a parâmetros de qualidade também passou a
ser exigido e valorizado. Foi a partir da percepção da necessidade de melhorar a qualidade do leite
produzido no País que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou, em 2002, a
Instrução Normativa nº 51 (IN 51) (BRASIL, 2002). A IN 51 aprovou os regulamentos técnicos de produção,
identidade e qualidade dos leites tipos A, B e C, do leite pasteurizado e do leite cru refrigerado, assim como
o regulamento técnico da coleta de leite cru refrigerado e de seu transporte a granel. Essa é considerada a
principal alteração de regulamentação que alcançou o setor na primeira década dos anos 2000. Contudo,
em razão das dificuldades enfrentadas por significativa parcela dos produtores de leite para fazer valer a IN
51, o MAPA foi compelido a rever o regulamento. A Instrução Normativa nº 62 (IN 62), publicada em
dezembro de 2011, estabeleceu um novo cronograma para a adaptação gradativa dos produtores e definiu
novos limites de Contagem Bacteriana Total (CBT) e Contagem de Células Somáticas (CCS). Criou-se um
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escalonamento de prazos e limites para a redução de CBT e CCS até 2016, tendo em vista a
heterogeneidade dos produtores brasileiros de leite.
Segundo Silva (2012), na discussão que resultou na revisão dos parâmetros previstos na IN 51,
tornou-se evidente a necessidade de discutir questões cujas soluções se impõem como prioritárias para a
implantação definitiva dos regulamentos: assistência técnica, extensão rural, crédito e melhoria de
infraestrutura e logística (energia elétrica e estradas). Conforme ressalta a autora, esses pontos são básicos
para dar, democraticamente, condições para os produtores ofertarem leite de qualidade, pois não é intenção
do Governo excluir parte significativa dos produtores de leite da atividade, mas sim criar condições para que
se adaptem às novas necessidades do mercado.
A publicação da IN 51 coincidiu com um novo processo de reorganização estrutural no setor, com
arrefecimento temporário da tendência de concentração na indústria láctea brasileira.6 A expansão do
mercado interno e a perspectiva de maior inserção externa incentivaram a realização de investimentos e a
entrada de novos produtores de laticínios. Para Paiva, Rocha e Thomas, são dois os fundamentos do
crescimento das demandas interna e externa pelos produtos lácteos:
Em primeiro lugar encontra-se o processo de redistribuição de renda em curso no Brasil, que tem
garantido o ingresso de um segmento expressivo da população ao mercado de consumo de bens de
maior elasticidade-renda, no qual se incluem os produtos lácteos em geral e os derivados de leite em
particular (queijos, iogurtes, chocolate ao leite, achocolatados, etc.). Em segundo lugar está o
crescimento do mercado mundial de leite, que vem sendo puxado, em especial, pela China e pelo
sudeste asiático (PAIVA; ROCHA; THOMAS, 2014, p. 45-46).
De fato, o consumo aparente per capita de lácteos no Brasil cresceu a uma taxa média de 3,0% a. a.
entre 2001 e 2014 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LATICÍNIOS, 2015). Aproveitando-se do aumento da
demanda e das vantagens competitivas estruturais de algumas regiões brasileiras, tradicionais indústrias do
setor de carnes (Perdigão, Sadia, Aurora e Bertin) investiram na produção leiteira. Grandes grupos
internacionais também passaram a investir mais intensamente na captação, no processamento e na
transformação da matéria-prima. Em 2003, uma parceria entre a Nestlé e a neozelandesa Fonterra, para
atuação na América Latina, deu origem à Dairy Partners Americas (DPA). Na prática, foram criadas duas
joint ventures, uma responsável pela captação de leite fresco e pela produção de leite em pó, e outra, pela
produção, pelo marketing, pelas vendas e pela distribuição de produtos refrigerados e líquidos envasados
em UHT (creme de leite e achocolatados). Fundos de investimentos também foram atraídos para a indústria
de laticínios. Exemplo desse terceiro tipo de movimento foram a aquisição pela Latin America Equity
Partners (LAEP) da Parmalat Brasil, em 2006, e a— compra da Laticínios Morrinhos detentora da marca
Leitbom — pela GP Investimentos (Monticiano Participações), em 2008.
Para Gomes (2008), na Região Sul, passou a ocorrer uma verdadeira corrida em busca do “ouro
branco”. No final da primeira década dos anos 2000, estavam sendo implantadas pelo menos 15 indústrias
com grande capacidade de captação e processamento. Esses investimentos, somados às reformas e às
ampliações de plantas já existentes, mais do que dobraram a capacidade instalada da Região, acirrando
ainda mais a concorrência pelo leite captado junto aos produtores (Figura 2).
6 A partir de 2002, passa a ser notada uma redução na participação de mercado das quatro maiores empresas: Nestlé, Itambé, Elegê e
Parmalat (FERNANDES; AGUIAR, 2007).
12
Figura 2
Principais investimentos em agroindústrias de laticínios na Região Sul do Brasil
FONTE: Gomes (2008).
Os principais investimentos na Região Sul ocorreram no sudoeste do Paraná, no oeste de Santa
Catarina e no noroeste do Rio Grande do Sul. Essas mesorregiões respondem por mais da metade da
produção de leite da Região e compartilham características atrativas ao desenvolvimento da cadeia
produtiva leiteira, tais como clima temperado, disponibilidade de água, estrutura fundiária dominada por
pequenas propriedades, mão de obra familiar, acesso dos produtores a crédito subsidiado (Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar — Pronaf) e, no caso do Rio Grande do Sul, falta de
alternativas mais rentáveis, estáveis e permanentes.7
7 Apesar de não estar situado na Mesorregião Fronteira Noroeste Rio-Grandense, o Vale do Taquari também é dotado dessas
características.
13
Mais recentemente, novos investimentos, fusões e aquisições envolvendo os maiores grupos
empresariais contribuíram para o retorno da tendência de concentração produtiva no setor. Destacou-se, em
2011, a fusão entre a empresa goiana LeitBom e a gaúcha Bom Gosto. A operação, apoiada pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), deu origem à maior empresa de capital
nacional especializada em lácteos, tendo capacidade de produção de dois bilhões de litros de leite por ano.
A nova empresa, chamada LBR Lácteos Brasil, juntou-se à DPA e à BRF8 na liderança, na captação e no
processamento de leite no Brasil. Porém o gigantismo da LBR rapidamente se transformou em fonte de
problemas financeiros, dada a concentração do faturamento em produtos de baixo valor agregado (leite em
pó e leite longa vida) e à complexidade da operação, que envolvia fábricas dispersas no território nacional e
um número elevado de marcas próprias concorrendo entre si. Em 2013, após acumular prejuízos e desativar
algumas de suas fábricas, a LBR entrou com pedido de recuperação judicial, aprovado por seus credores,
numa tentativa de viabilizar as transformações necessárias para o aumento da eficiência e da
sustentabilidade de seus negócios. Como parte do plano, em 2014, a empresa desfez-se de significativa
parcela de seus ativos, localizados em diferentes regiões do País.9
Seja em razão de dificuldades financeiras enfrentadas pelas empresas, seja por decisões
estratégicas de seus grupos controladores, 2014 se destacou como um ano de mudanças significativas na
cadeia produtiva do leite:
(a) no mês de maio, Nestlé e Fonterra anunciaram a revisão da parceria iniciada em 2003. Pelo novo
acordo, as fábricas de leite em pó operadas pela joint venture DPA no Brasil — duas das quais
situadas no Rio Grande do Sul, em Carazinho e em Palmeira das Missões — voltaram ao comando
da Nestlé. A DPA passou a restringir-se ao setor de refrigerados lácteos, tendo participação
acionária majoritária da Fonterra. No Rio Grande do Sul, na prática, a Nestlé assumiu a maior parte
da captação do leite, já que os negócios de leite em pó são os maiores demandantes da matéria-
-prima;
(b) em setembro, insatisfeita com as baixas margens da sua divisão de lácteos, a BRF anunciou sua
retirada do mercado, vendendo suas unidades industriais e cedendo as tradicionais marcas Elegê e
Batavo para a Parmalat S.p.A., empresa pertencente ao grupo francês Lactalis. O negócio envolveu
a venda de 11 unidades, cinco das quais situadas no Rio Grande do Sul: Ijuí (queijo), Três de Maio I
(queijo), Três de Maio II (leite em pó), Santa Rosa (doce de leite, requeijão, leite pasteurizado) e
Teutônia (leite condensado, manteiga, aromatizados, leite em pó, UHT e especiais). A Lactalis é a
maior empresa do setor de leite e derivados do mundo e, antes da aquisição da divisão de laticínios
da BRF, havia comprado quatro fábricas da LBR, além do direito de usar a marca Parmalat no Brasil
(esse direito era da empresa de investimentos Laep e havia sido repassado à LBR). Projeta-se que
os investimentos da Lactalis devem concentrar-se nos produtos de maior valor agregado, como
queijos de alta qualidade e iogurtes. Segundo matéria publicada pela Revista Exame em setembro
8 A Brasil Foods (BRF) foi criada a partir da fusão entre as empresas do setor de alimentos Perdigão e Sadia, em 2009.
9 A LBR vendeu 14 unidades produtivas isoladas para seis empresas diferentes: a francesa Lactalis, a ARC Medical Logística, a
Colorado, a Laticínios Bela Vista, a Cooperativa do Vale do Rio Doce e a Agricoop.
14
de 2014 (BAUTZER, 2014), entre as principais apostas da empresa no Brasil, além do leite
Parmalat, estão o requeijão da marca Poços de Caldas, comprada da LBR, e os iogurtes Batavo,
que pertenciam à BRF. No momento do anúncio dos investimentos da Lactalis, persistia a incerteza
quanto ao tipo de relação a ser estabelecida entre a empresa e os produtores de leite. Para o diretor
da Associação Gaúcha de Laticínios e Laticinistas (AGL), Osmar Redin, no Estado, a tendência é
que a Lactalis se aproxime do sistema da Nestlé, ou seja, atue preferencialmente com produtores de
maior volume e diferencial de qualidade, enquanto os menores se acomodam em cooperativas
locais (CIGANA, 2014).
No Quadro 1, estão listadas as 12 maiores empresas que atuam no setor lácteo brasileiro, segundo
números de 2013.
Quadro 1
Ranking das maiores empresas de laticínios do Brasil — 2013
CLASSIFICAÇÃO EMPRESAS RECEPÇÃO
DE LEITE (1.000 LITROS)
ORIGEM DO CAPITAL
ESTRATÉGIA DE
PRODUÇÃO (4)
LOCALIZAÇÃO DAS PLANTAS INDUSTRIAIS
1º DPA (1) 2.033.000 Estrangeiro Diversificada RS, SP, MG, RJ, GO,
BA, ES
2º BRF 1.377.264 Nacional Diversificada PE, PR, MG, SC, MS e
RS
3º ITAMBÉ 1.056.264 Nacional Especializada MG e GO
4º LATICÍNIOS BELA VISTA 828.630 Nacional Especializada GO e SC
5º CASTROLANDA E BATAVO (2) 548.674 Nacional Diversificada PR
6º EMBARÉ 527.721 Nacional Especializada MG
7º DANONE 448.716 Estrangeiro Especializada MG
8º CONFEPAR 411.037 Nacional Especializada PR
9º JUSSARA 330.380 Nacional Especializada SP e MG
10º VIGOR 280.061 Nacional Diversificada SP e MG
11º CENTROLEITE 246.301 Nacional Especializada GO
12º FRIMESA 219.604 Nacional Diversificada PR e SC
- LBR (3) 1.576.800 Nacional Especializada RS, SC, PR, MS, SP, RJ,
MG, GO, PA e PE
- ITALAC (3) 936.901 Nacional Especializada RS, GO, RO, MG, PA
FONTE: Leite Brasil (2015).
(1) Números referentes à compra de leite realizada pela DPA Manufacturing Brasil em nome da Nestlé, da Fonterra, da DPA Nordeste e da Nestlé
Waters. (2) As duas cooperativas exercem operação conjunta no segmento de lácteos. (3) As empresas LBR e Italac, que estavam presentes,
respectivamente, no 2º e no 4º lugares do ranking de 2012, não apresentaram dados no ranking de 2013. Para essas empresas, os números de
recepção de leite contidos no quadro referem-se a 2012. (4) As empresas consideradas especializadas são aquelas que produzem exclusivamente
produtos derivados do leite.
É nítido o predomínio de grandes grupos empresariais, nacionais e multinacionais, diversificados e
especializados. Se consideradas em conjunto, as 12 empresas ranqueadas responderam, em 2013, por
aproximadamente 35% do total de leite inspecionado adquirido no Brasil. Dentre as empresas listadas acima
que operavam no Rio Grande do Sul, apenas a BRF e a LBR possuíam unidades produtivas situadas no
Vale do Taquari.10
10
Na verdade, conforme será melhor detalhado na sequência, as unidades produtivas da BRF e da LBR situadas na região foram recentemente adquiridas pelo grupo Lactalis. Em outubro de 2014, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) aprovou a compra dos ativos da LBR pela Lactalis. Em abril de 2015, a negociação envolvendo a empresa francesa e a BRF também foi
aprovada.
15
2.2 A produção de laticínios no Rio Grande do Sul
Pode-se considerar que a produção de leite e derivados é uma atividade presente no Rio Grande do
Sul, desde os tempos da ocupação do território. Contudo foi só com a chegada dos imigrantes no século XIX
e o povoamento mais denso do Estado que o leite tornou-se um importante componente do consumo da
população. A partir desse momento, nas regiões coloniais, o leite passou a ser consumido em maior
quantidade tanto in natura quanto na forma de derivados de fabricação caseira (nata, queijo, manteiga,
cremes, etc.), mas “ainda com característica de atividade pouco especializada, conjugada a uma dinâmica
de produção para subsistência e consumo local” (TRENNEPOHL, 2010, p. 129).
O crescimento dos centros urbanos estimulou a exploração intensiva do gado leiteiro, principalmente
nas proximidades de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, em razão da configuração de um mercado
consumidor com grande potencial. Nessa circunstância, os próprios produtores transportavam o leite — sem
qualquer beneficiamento — dos locais de produção aos consumidores residenciais. As dificuldades de
conservação decorrentes do percurso dessas distâncias fizeram com que surgissem, nas primeiras décadas
do século XX, pequenas unidades de processamento para a produção de derivados menos perecíveis, em
especial manteiga e queijo.
Foi no início século XX que surgiram as primeiras indústrias laticinistas gaúchas formalmente
constituídas. Em Ijuí, no ano de 1908, foi fundada a firma Carlos Franke S. A. (Cafrasa), e, em 1912, foi
constituída a Cooperativa de Laticínios União Colonial, formada por pequenos agricultores da região de
Santa Clara, na época, 4º Distrito de Montenegro e, atualmente, pertencente a Carlos Barbosa. Dados do
Censo Industrial de 1920, citados por Carvalho (2002), acusam a existência de 24 laticínios no Rio Grande
do Sul, de um total de 78 no Brasil. O Estado só ficava atrás de Minas Gerais, que contava com 32
estabelecimentos voltados para a fabricação de laticínios. Curiosamente, esses dois estados mantiveram a
liderança na produção leiteira nacional. Porém, de acordo com os dados da RAIS-MTE para o ano de 2013,
o Rio Grande do Sul foi ultrapassado pelo Paraná e por São Paulo no ranking das unidades federativas com
maior número de estabelecimentos laticinistas (BRASIL, 2014).
A ampliação do consumo de leite pasteurizado pela população da capital foi possível a partir de
1937, quando a Sociedade Anônima Beneficiadora de Leite (Sabel) arrendou uma usina de beneficiamento
de leite que funcionava em um prédio construído pelo Governo do Estado, o que, segundo Trennepohl
(2010, p. 129), “[...] teve reflexos imediatos no incremento do volume de produção e consumo do produto”. A
Sabel instalou postos de coleta em vários municípios próximos à Região Metropolitana de Porto Alegre e
uma rede de desnatadeiras, com o objetivo de aproveitar a produção dos municípios um pouco mais
distantes da capital. A partir de meados da década de 40, o objetivo passou a ser atingir todo o Estado,
quando novos postos de coleta e resfriamento foram instalados. Em 1946, o Governo do Estado encampou
a Sabel e formou a Sociedade de Economia Mista “Entreposto do Leite S/A” (ELSA). Dois anos depois, em
1948, o Governo assumiu o ativo e o passivo da ELSA, transformando-a em autarquia estadual, com o nome
16
Departamento Estadual de Abastecimento de Leite (DEAL), vinculado à então Secretaria de Agricultura, para
atuar na área de laticínios em todo o Estado.
Na década de 60, ocorreram sensíveis transformações na indústria de laticínios no Rio Grande do
Sul, com o surgimento de novas empresas de caráter tanto local quanto regional e a modernização e a
ampliação de plantas industriais. A citação abaixo sinaliza o sentido dessas mudanças:
A conquista de novos fornecedores levou as empresas a uma fase de grande competição mútua, “fato
inusitado nas bacias leiteiras do Estado”. Assim, a partir da década de 1960, presenciou-se uma notável
alteração no relacionamento das indústrias com os produtores. Estas, que se mantinham praticamente
indiferentes aos produtores, aliaram-se a eles. Temendo um colapso no setor de produção, as indústrias
tomaram a iniciativa de sugerir aumentos de preço para o produto ao que, anteriormente, faziam
oposição sistemática. A necessidade de obter produções condizentes com a capacidade de
beneficiamento de suas empresas, ora ampliadas, foi o fator fundamental que justifica essa mudança de
posicionamento (CEDIC, 1974, p. 56 apud TRENNEPOHL, 2010, p.129).
Porém foi na década de 70 que ocorreram dois fatos que se mostraram decisivos para o
desenvolvimento da cadeia produtiva gaúcha do leite no período pré-liberalização do mercado: (a) em 1970,
o DEAL foi transformado em sociedade de economia mista, dando origem à Companhia Riograndense de
Laticínios e Correlatos (Corlac), e (b) em 1976, foi estruturada a Cooperativa Central Gaúcha de Leite Ltda
(CCGL).
Com a transformação de uma autarquia (DEAL) em sociedade de economia mista (Corlac), foram
viabilizados os planos de expansão e modernização das instalações, diversificação da produção e ampliação
da área de atuação da empresa no interior gaúcho. O início da operação da Corlac é referenciado como um
marco na história da indústria de laticínios gaúcha, embora tenha enfrentado ampla oposição da iniciativa
privada à época. Em 1993, as unidades produtivas da Corlac foram privatizadas. Conforme previsto em lei,
suas atividades foram assumidas por ex-funcionários e produtores de leite sob a forma de cooperativação.11
Segundo Carvalho (2002), a desativação desse sistema levou a uma desarticulação setorial, com prejuízo
aos produtores e desestímulo à produção, sobretudo nas áreas de maior atuação da antiga empresa —
regiões Metropolitana, nordeste e central.
Em se tratando da CCGL, vale destacar que, até a venda do seu controle acionário em 1997, a
empresa foi uma das maiores do setor, chegando a deter mais de 60% da produção gaúcha de leite e a
reunir 21 cooperativas, com mais de 52.000 cooperados.12
A sua importância é tal que, segundo Carvalho
11
No projeto de lei enviado pelo poder executivo à Assembleia Legislativa, foi definido que a privatização ocorreria dessa forma, ou seja, pela constituição de uma cooperativa central, formada por pequenos produtores e ex-funcionários da Corlac. Assim, em 1994, foi criada a Cooperativa Riograndense de Laticínios e Correlatos (Coorlac), que passou a produzir os alimentos da marca Corlac. Esse processo tem origem na organização e na luta dos movimentos sociais ligados à agricultura familiar, especialmente da região do Alto Uruguai. O objetivo inicial da cooperativa era atuar ao longo da cadeia produtiva do leite e, dessa forma, possibilitar que o valor agregado pudesse ser compartilhado por todos os associados (SOUZA, 2007). Em 2008, o Grupo Bom Gosto incorporou as operações industriais da Coorlac em Erechim e adquiriu os direitos de uso da marca Corlac. A partir de então, a Coorlac restringiu sua atuação à oferta de assistência técnica e comercialização conjunta do leite captado junto aos seus associados. 12
Nos anos 90, após a sua aquisição pela Avipal (1996), a empresa passou a denominar-se Elegê Alimentos, marca comercial da antiga cooperativa, transformando-se em empresa privada. Essa operação, que modificou a natureza da sua gestão, teve um primeiro efeito desorganizador sobre os elos da cadeia do leite em todo o Estado. Em 2007, a Avipal vendeu a companhia para a Perdigão. Cabe observar que, na transação com a Avipal, a CCGL vendeu as suas unidades de beneficiamento de leite e se comprometeu a não operar no mercado de laticínios por um período de 10 anos. Passado esse período, a cooperativa voltou a atuar, conservando a marca CCGL, mas com um novo significado (Cooperativa Central Gaúcha Ltda). Segundo o site institucional da empresa, atualmente, estão associadas à CCGL as principais cooperativas agropecuárias gaúchas, o que representa um universo de 171.000 produtores rurais, em mais de 350 municípios do Rio Grande do Sul. A CCGL conta com três unidades de negócios: CCGL LOG (logística de grãos), CCGL TEC (tecnologia agropecuária) e CCGL LAC (laticínios). A CCGL LAC, sediada em Cruz Alta, anunciou, recentemente, o início das
17
(2002, p. 6), “[...] a história da atividade no Rio Grande do Sul confunde-se com a história da CCGL
sobretudo em face do aspecto concentrador que exerce”. Até a década de 70, a comercialização do leite
dependia do desempenho dos chamados caminhoneiros compradores, que recolhiam o leite nas “colônias”,
para depois fazer um leilão junto à indústria. A CCGL, por sua vez, surgiu para atuar na industrialização e na
comercialização centralizada do leite produzido por associados de um grupo de cooperativas agropecuárias.
Seu principal objetivo era viabilizar aos agricultores familiares alternativas de maior rentabilidade por área
em relação à produção de grãos (soja e milho).
Desde o início, a cooperativa comprometeu-se a receber toda a produção junto às cooperativas
associadas. Para tanto, foram construídos postos de recepção e resfriamento nas bacias leiteiras em
formação. Após a abertura da primeira unidade industrial, no Município de Ijuí, em 1978, e da encampação
de indústrias particulares que enfrentavam dificuldades financeiras, a cooperativa inaugurou unidades
industriais em Passo Fundo, Uruguaiana, Santa Rosa, Três de Maio, São Lourenço e Teutônia (SLUSZZ et
al., 2006). No período de criação da CCGL, predominavam práticas rudimentares na atividade leiteira,
situação que levou a cooperativa a ofertar um amplo e pioneiro programa de assistência técnica e de
extensão rural. A condição dos pequenos produtores de leite foi radicalmente melhorada por meio de ações
que envolviam alimentação animal, cuidados de higiene e resfriamento, práticas de manejo do rebanho e
ordenha, melhoria genética do rebanho, etc.
Com o novo ambiente institucional estabelecido na década de 90, deixaram de operar as duas
principais empresas laticinistas gaúchas. No caso da CCGL, o que mais contribuiu para a sua venda foi a
grave crise financeira das cooperativas tritícolas gaúchas, que recaiu também sobre a estrutura produtiva do
leite. Já a privatização da Corlac reflete um contexto de crise financeira do Estado, em um momento de
grande questionamento das suas atribuições.
Com a redução da intervenção governamental no setor e o afluxo de investimentos externos, a
industrialização e a distribuição do leite gaúcho passaram a ser dominadas pelo capital privado. Depois da
fase pré-liberalização, quando a indústria era formada por pequenas e médias unidades empresariais, com
forte presença de cooperativas e empresas estatais, foi inaugurado um novo momento, caracterizado pela
concentração da indústria e das redes de supermercados. A partir dos anos 90, ocorre a
[...] eliminação do setor estatal e as cooperativas passam a ter um papel periférico, praticamente de
intermediárias no fornecimento de matéria-prima ou de pequenas unidades industriais de porte regional.
Nesse período, o mercado relevante de bens e serviços passou a ser dominado por empresas globais
(SILVEIRA; PEDRAZZI, 2004, p. 2).
Exemplos desse movimento são a Elegê Alimentos (Avipal) e a Parmalat. Segundo Bitencourt et al.
(2002) apud Carvalho (2002), essas empresas respondiam por mais de três quartos da produção do leite
fluído no Rio Grande do Sul, em 1999. O restante da produção era industrializada, preponderantemente por
cooperativas de médio porte, dentre as quais, destacavam-se as seguintes: Sul-Riograndense de Laticínios
(Consulati), Santa Clara, de Suinocultores de Encantado (Cosuel), Tritícola Getúlio Vargas, Agropecuária
Petrópolis (Piá), Agrícola Mista Aceguá (Camal) e Coorlac.
obras de ampliação de sua unidade industrial, cuja capacidade de processamento de leite deve ser duplicada (de 1 milhão de litros para 2,2 milhões de litros por dia).
18
O ingresso da Parmalat no Rio Grande do Sul fez parte de uma estratégia agressiva de crescimento
da empresa no Brasil via aquisições.13
Em 1993, a multinacional italiana adquiriu as plantas industriais da
Lacesa, segunda maior empresa do mercado de leite gaúcho. O avanço da Parmalat resultou em um forte
revés à cadeia do leite do Vale do Taquari, pois a multinacional atribuiu papel secundário à bacia leiteira da
região Lajeado-Estrela. A Parmalat induziu e se beneficiou do processo de espraiamento da produção de
leite em direção ao noroeste do Rio Grande do Sul. Em 2012, a Mesorregião Noroeste já respondia por dois
terços da produção do Estado, tendo quadriplicado sua produção e ganhado participação sobre todas as
demais regiões desde o início da década de 90 (Figura 3). Atenta a esse movimento da produção, em 1995,
a empresa instalou sua maior fábrica no Brasil, no Município de Carazinho. A partir de 2007, a Parmalat
voltou a enfrentar dificuldades financeiras, agravadas pela crise econômica internacional, e optou por se
desfazer de vários ativos, dentre os quais, a unidade industrial de Carazinho, que foi adquirida pela Nestlé
em novembro de 2009.
Figura 3
Produção de leite nas mesorregiões geográficas do Rio Grande do Sul — 1990-2012
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2013).
NOTA: Em 1.000 litros.
A produção leiteira gaúcha cresceu em todas as regiões, aproveitando-se, principalmente, de
ganhos de produtividade. Na Região Noroeste, a esses ganhos se somou, ainda, o efeito do aumento do
rebanho — que dobrou entre 1990 e 2012 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
2013) —, enquanto, nas demais regiões, a tendência foi de estabilidade ou redução do número de vacas
ordenhadas. Na Mesorregião Centro Oriental, onde se situa o Vale do Taquari, tanto a produtividade quanto
o número de vacas ordenhadas cresceram abaixo da média do Rio Grande do Sul.
13
A expansão da Parmalat no mercado brasileiro se deu por meio da aquisição de diversas empresas, além de investimentos vultuosos e de um processo audacioso na construção da marca, com campanhas criativas e de grande visibilidade. No final dos anos 90, a Parmalat estava entre as maiores empresas de alimentos do Brasil, era a segunda maior em captação de leite e tinha presença firmada em todas as regiões (CHAMPI JUNIOR, 2004).
19
Apesar do menor crescimento da produção na Mesorregião Centro Oriental, algumas fontes
importantes de vantagens competitivas para a atividade leiteira continuam presentes naquele território, tais
como a estrutura fundiária e um conjunto restrito de atividades alternativas com maior rentabilidade. Mais
intensamente do que ocorre no Brasil e no restante do Rio Grande do Sul, essa região é dominada por
minifúndios administrados por agricultores familiares, para os quais os gastos com mão de obra são muito
menores em relação à produção capitalista tradicional (PAIVA; ROCHA; THOMAS, 2014). Segundo os
dados do último Censo Agropecuário (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2009),
apenas 4% da produção leiteira da Mesorregião eram provenientes de propriedades com área de pastagem
superior a 20 hectares, ao passo que, no Rio Grande do Sul, eram 11% (Tabela 2).14
Tabela 2
Distribuição da produção de leite de vaca nos estabelecimentos agropecuários, segundo grupos de área de pastagem, no Brasil, no Rio Grande do Sul e nas Mesorregiões do Rio Grande do Sul — 2006
(%)
GRUPOS DE ÁREA DE PASTAGEM
BRASIL
RIO GRANDE DO SUL
Total Noroeste Nordeste Centro
Ocidental Centro Oriental
Região Metropolitana
de Porto Alegre Sudoeste Sudeste
Maior que 0 e menor que 1 ha 1,4 5,0 5,0 3,9 2,2 9,6 7,1 1,3 1,8
De 1 a menos de 2 ha ............ 3,2 11,2 12,2 9,0 4,4 15,9 12,4 1,3 4,8
De 2 a menos de 5 ha ............ 10,3 29,8 33,9 25,2 16,1 31,8 23,5 4,2 15,8
De 5 a menos de 10 ha .......... 10,4 20,3 21,5 21,5 20,7 19,3 12,8 8,8 18,1
De 10 a menos de 20 ha ........ 12,2 11,0 9,4 13,9 18,1 7,8 10,8 19,8 20,8
De 20 a menos de 50 ha ........ 18,3 6,3 4,4 6,8 14,6 3,0 9,7 23,3 16,6
De 50 a menos de 100 ha ...... 13,1 1,9 0,9 2,5 8,2 0,4 4,0 8,7 5,7
De 100 a menos de 200 ha .... 10,2 1,3 0,5 2,0 3,9 0,1 2,4 9,8 3,9
De 200 a menos de 500 ha .... 8,8 0,8 0,1 1,7 3,3 0,1 0,6 7,2 3,8
De 500 e mais ha ................... 5,3 0,7 0,1 0,6 3,2 0,3 0,6 6,8 3,5
Produtor sem área de pasta-
gem ........................................ 6,8 11,6 12,0 12,8 5,4 11,7 16,3 8,8 5,2
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2009).
A empresa gaúcha de maior crescimento e destaque nacional até 2013 também atuava nessa
região. A Laticínios Bom Gosto iniciou suas atividades em 1993, no Município de Tapejara (Corede
Nordeste), industrializando o leite de produtores integrados. A partir de 2000, a Bom Gosto ampliou sua
linha de produtos, com a instalação de uma nova planta industrial para a fabricação de leite longa vida
(UHT), leite condensado e concentrado, creme de leite e achocolatado. Em 2011, quando se fundiu com a
Leitbom, dando origem à LBR, além de Tapejara, a empresa possuía unidades laticinistas situadas nos
Municípios de Fazenda Vilanova (Vale do Taquari), Crissiumal (Celeiro), Gaurama e Erechim15
(Norte), além
de diversos postos de captação distribuídos em municípios da Metade Norte do Estado. Em 2014, como
parte do plano de recuperação judicial da empresa, a LBR desfez-se a LBR desfez-se das suas principais
unidades industriais no Rio Grande do Sul.
14
Pesquisa realizada a partir dos dados do Censo Agropecuário — 2006 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2009a) aponta que, no Rio Grande do Sul, aproximadamente 85% da produção de leite é proveniente da agricultura familiar (conforme definição estabelecida na Lei nº 11.326/2006). 15
A fábrica de laticínios de Erechim, adquirida pelo Grupo Bom Gosto da cooperativa COORLAC, foi desativada pela LBR em 2011.
20
Atualmente, as principais empresas de laticínios que operam no Estado são as que estão listadas no Quadro 2.
Quadro 2
Principais empresas laticinistas com plantas industriais ativas no Rio Grande do Sul
EMPRESA MUNICÍPIO PRODUTOS MARCAS
Lactalis
Ijuí Queijos
Batavo e Elegê
Três de Maio Queijos e leite em pó
Santa Rosa Doce de leite, requeijão e leite pasteurizado
Teutônia Leite condensado, manteiga, aromatizados, leite em pó, UHT e especiais.
Lactalis Fazenda Vilanova Leite UHT e leite em pó Parmalat
ARC Medical Logística Tapejara Leite UHT, leite em pó, creme de leite e leite condensado
Agricoorp Gaurama Queijos
ARC Medical Logística Crissiumal Queijos
PIÁ - Cooperativa Agropecuária Petrópolis
Nova Petrópolis Leite condensado, requeijões, bebidas lácteas, creme de leite, doces de leite, iogurte, leites e queijos
PIÁ e Plenna
Cooperativa Santa Clara Carlos Barbosa
Leite UHT, leites pasteurizados (tipos B, C e light), leite em pó, queijos, bebida láctea, creme de leite, doce de leite, leite condensado e requeijão
Santa Clara
Getúlio Vargas Queijos
DPA-Nestlé Carazinho
Leites UHT premium, creme de leite, achocolatados e leite condensado
Ninho, Molico, Leite Moça e Nescau
Palmeira das Missões
Leite em pó Nestlé
Consulati - Cooperativa Sul-Riograndense de Laticínios
Capão do Leão Leite em pó, leite pasteurizado, leite UHT, queijos, manteiga, bebida láctea, doce de leite e requeijão
Danby Consulati
CCGL Cruz Alta Leite UHT, leite em pó, achocolatado, creme de leite CCGL
Cooperativa Languiru Teutônia Leite pasteurizado, leite UHT, queijos, doces de leite, requeijões, bebidas lácteas, natas, leite em pó, achocolatados
Mimi, Languiru, Fruitness, Efetive, Chocolan
Vonpar Viamão Doce de leite Mu-Mu
Cosuel - Cooperativa dos Suinocultores de Encantado Ltda
Arroio do Meio Creme de leite, leite UHT, leite em pó, bebida láctea. Dália
Cootall - Cooperativa Taquarense de Laticínios
Taquara Leite em pó, leite pasteurizado, creme de leite, iogurte e bebida láctea
Cootall e Mega Milk
Parmíssimo Viamão Queijos, doce de leite Parmíssimo
Frizzo Planalto Queijos, requeijão, bebida láctea, nata Frizzo
Laticínios Pinhalense Pinhal Queijos Frizzo
Cotrilac Anta Gorda Queijos, ricota, nata e bebidas lácteas Latsul e Bella Estância
Kunzler Porto Alegre Queijos Kunzler
Hollmann Imigrante Queijos, bebida láctea, creme de leite, leite UHT Hollmann
Laticínios Princesul Casca Queijos Princesul
Serro Azul Laticínios Cerro Largo Queijos, requeijão, bebidas lácteas , leite pasteurizado tipo C, nata e doce de leite
Mais Milk, Alvorecer
RAR Vacaria Queijos Gran Formaggio e Campos de Vacaria
Tangará Foods Estrela Compostos lácteos, leite condensado e creme de leite Purelac, Nutricional e Lativale
Italac Passo Fundo Leite UHT, creme de leite, achocolatados Italac
Relat - Laticínios Renner Estação Soro de leite em pó Relat
(continua)
21
Quadro 2
Principais empresas laticinistas com plantas industriais ativas no Rio Grande do Sul
EMPRESA MUNICÍPIO PRODUTOS MARCAS
Laticínios Roesler São Pedro da Serra Queijos, creme de leite, leite pasteurizado, bebida láctea e doce de leite
Granja, Milk Fresh e Campestre
Quinta do Vale Doutor Ricardo Queijos Quinta do Vale
Cabanha da Maya Bagé Queijos Cabanha da Maya
Laticínio Deale Almirante Tamandaré do Sul
Queijos, manteiga, requeijão, bebida láctea Deale
Laticínio Stefanello Rodeio Bonito Queijos, ricota, requeijão, manteiga Stefanello
Laticínios Bela Vista Nova Ramada Leite fluído resfriado Piracanjuba
Coopar - Cooperativa Mista dos Pequenos Agricultores da Região Sul
São Lourenço do Sul
Queijos, creme de leite, doce de leite e bebida láctea Pomerano
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado do Rio Grande do Sul (2015). Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (2014).
NOTA: Também foram consultados os sites das empresas na Internet.
As empresas de laticínios atuantes no Rio Grande do Sul são responsáveis pela produção de um
amplo mix de produtos (Figura 4). É evidente a concentração da indústria gaúcha em produtos de menor
valor agregado, para os quais a competitividade está muito associada à escala de produção.
Figura 4
Distribuição percentual do mix de produtos da indústria de laticínios do Rio Grande do Sul — jan.-dez./12
8,7
2,5
2,4
3,0
5,8
29,3
48,4
Outros
Leite Pasteurizado
Leite Condensado
Queijo Prato
Queijo Mussarela
Leite em Pó
Leite UHT
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Conseleite-RS (2014).
22
Na região de abrangência deste estudo (Vale do Taquari), as empresas mais atuantes no
recebimento do leite junto aos produtores são a BRF (Teutônia), a Cooperativa Languiru (Teutônia), a
Cosuel (Arroio do Meio) e a LBR16
(Fazenda Vilanova).
Por fim, vale relatar uma recente mudança institucional que pode refletir-se em ganhos futuros para
a cadeia produtiva do leite em território gaúcho. Trata-se da instituição do Fundo de Desenvolvimento da
Cadeia Produtiva do Leite do Rio Grande do Sul (Fundoleite-RS), vinculado à Secretaria da Agricultura e
Pecuária, que foi criado em dezembro de 2013, a partir da aprovação de projeto de lei estadual. Os recursos
do Fundo serão formados principalmente a partir da cobrança de uma taxa incidente sobre a quantidade
produzida de leite e serão utilizados com vistas a atender cinco objetivos principais: (a) melhorar as
condições de coordenação da cadeia produtiva do leite bovino e dos seus produtos lácteos; (b) promover o
fortalecimento das relações entre os setores públicos e privados da cadeia produtiva do leite e dos seus
produtos lácteos no Rio Grande do Sul; (c) melhorar a renda dos agricultores familiares inseridos na
produção de leite e de produtos lácteos, como resultado da melhoria de competitividade da cadeia produtiva
do leite; (d) promover o aumento da produtividade e da qualidade na produção do leite e dos produtos
lácteos; e (e) promover a ampliação dos mercados consumidores de leite e de produtos lácteos.
Em decorrência da criação do Fundoleite-RS, surgiu a necessidade de formar uma entidade
beneficiária dos recursos, representativa dos produtores de leite e da indústria de leite e de produtos lácteos.
Assim, em fevereiro de 2014, fundou-se o Instituto Gaúcho do Leite (IGL). A exemplo do que já ocorria na
vitivinicultura, na orizicultura e na produção de erva-mate, a cadeia do leite também passa a equilibrar-se no
tripé composto por programas, fundos e institutos. Porém, importantes entidades, como o Sindicato da
Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado do Rio Grande do Sul (Sindilat-RS) e a Federação da
Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), não aderiram ao IGL, o que gerou questionamentos
quanto à sua legalidade e à sua legitimidade, escancarando a dificuldade de entendimento entre os atores
representativos da cadeia produtiva do leite e desses com o Governo. Com os recursos das contribuições
ordinárias das taxas recolhidas pela indústria e pelo Governo do Estado, o IGL contará com
aproximadamente R$ 2,7 milhões por ano para investir em projetos de interesse da cadeia produtiva do leite
no Rio Grande do Sul.
2.3 Antecedentes históricos da AP Laticínios do Vale do Taquari
A evolução da atividade leiteira no Vale do Taquari pode ser explicada a partir de condicionantes
históricos que representaram limites e oportunidades para o desenvolvimento das atividades primárias e
agroindustriais na região. O breve retrospecto que segue procura, em largos termos, fazer uma
contextualização histórica do surgimento e do desenvolvimento da atividade leiteira na região.
16
Conforme relatado anteriormente, das quatro unidades produtivas da LBR no Rio Grande do Sul, apenas a situada em Crissiumal permanece sob o comando da empresa. O direito de uso da marca Parmalat no Brasil também não pertence mais à LBR, tendo sido adquirido pela Lactalis.
23
O início da colonização do Vale do Taquari data do século XVIII, com a chegada dos açorianos,
mas foram os imigrantes alemães e italianos, estabelecidos, respectivamente, a partir de 1853 e 1878, que
garantiram a ocupação e o povoamento efetivo da região:
O estabelecimento de colonos, como pequenos proprietários na região — primeiro de alemães ou filhos
de colonos dessa origem, desde 1853, e, depois, de italianos, no início dos anos [18]80 — veio
modificar profundamente seu panorama demográfico, determinando, com isso, a ocupação de sua parte
norte, até então habitada por posseiros e índios. As propriedades coloniais na região dedicaram-se à
produção de subsistência (lavoura e criação), mas desde cedo geraram excedentes, face à necessidade
de pagar dívidas com a compra de terras (AHLERT; GEDOZ, 2001, p. 2).
A Lei de Terras, de 1850, modificou as circunstâncias do processo de colonização, abrindo caminho,
no Rio Grande do Sul, para um tipo de desenvolvimento diferente daquele baseado no latifúndio
agroexportador escravista.
Os negócios imobiliários de compra e venda de terras tornaram-se bastante significativos, a partir dessa
década até o final do século, com a atuação de negociantes empreendedores (colonizadores privados),
cujas propriedades abrangiam territórios dos municípios atuais de Bom Retiro do Sul a Encantado, além
de áreas adjacentes ao nordeste e norte deste último, chegando pelo menos até Guaporé. (AHLERT;
GEDOZ, 2001, p. 66).
A forma peculiar da colonização no Vale do Taquari, caracterizada pelo estabelecimento de
pequenas propriedades rurais, resultou, no final do século XIX, em um desenvolvimento econômico
diferenciado no Estado em relação a outras regiões do País, particularmente São Paulo, onde o dinamismo
econômico vinculou-se à agroexportação para o mercado mundial. Nessa época, no Rio Grande do Sul,
coexistiam dois “subsistemas” de produção: o latifúndio da pecuária sulina (que, no entanto, não era voltado
ao mercado internacional) e a agropecuária colonial, dedicada à produção de subsistência (lavoura e
criação) e à produção de excedentes, comercializados no mercado interno, formando, assim, um setor
complementar no contexto da economia nacional.17
Segundo Barden et al. (2001), nessa região, com a agropecuária colonial, o sistema capitalista
surgiu antes do aparecimento do modo industrial de produção. Considerando que muitos dos colonos
imigrantes da região eram artesãos e mestres em diversos ofícios na sua terra natal, estabeleceu-se uma
capacidade de diversificação das atividades econômicas. Na busca da ampliação do mercado, desenvolveu-
-se o transporte fluvial, integrando o comércio do Vale do Taquari com a capital, preparando-se o terreno
para a formação e acumulação de capital comercial que, posteriormente, seria investido na indústria local.
A indústria que se desenvolveu no Vale do Taquari estava essencialmente voltada ao atendimento
das necessidades dos mercados local e estadual por produtos derivados de matérias-primas existentes na
região. Segundo Pellanda (1925) apud Ahlert e Gedoz (2001), entre 1900 e 1916, em Estrela, existiam
alambiques, curtumes, cervejarias, destilarias, refinarias de banha, serrarias, moinhos, engenhos de arroz e
produção de azeite, salsichas, refrigerantes, sabão, arame, vassouras, etc. No estudo de Ferri (1986) apud
ibidem, consta a presença, em Encantado, em 1922, de fábricas de queijo, salames, álcool, cervejas,
conservas, refrigerantes, erva-mate, além de carpintarias, ferrarias, sapatarias, serrarias, alambiques,
curtumes e olarias.
17
Sobre esse aspecto, ver Ahlert e Gedoz (2001) e Herrlein Junior (2000).
24
Na década de 20, já tendo conquistado a posição de celeiro nacional da produção de grãos, o Rio
Grande do Sul passou por um processo de estabilização econômica. Com isso, o êxodo rural se acelerou.
Adicionalmente, no Vale do Taquari, do início do século XX até a década de 40, o esgotamento da fronteira
agrícola incentivou a emigração. O fracionamento das propriedades rurais atingira o seu limite, provocando
deslocamentos populacionais em direção ao noroeste do Rio Grande do Sul (SOUZA; AGUIAR; BEROLDT,
2009).
De acordo com Barden et al. (2001), naquela época, o ainda incipiente desenvolvimento industrial do
Estado não permitia a absorção de toda a mão de obra sem especialização que ingressava no mercado de
trabalho. Nas regiões de colonizações alemã e italiana, a exemplo do Vale do Taquari, onde predominavam
as unidades artesanais de produção, principalmente de alimentos e bebidas, foram gerados novos
empregos. Tais unidades operavam com o trabalho manual dos membros da família, auxiliados por vizinhos,
às vezes classificados como "empregados". Assim, é possível delinear o tipo específico de indústria que
caracterizava o Rio Grande do Sul no período 1920-40 e que ainda se mantém presente: a do
beneficiamento de produtos oriundos da agropecuária colonial ou da pecuária tradicional. Essa característica
se acentua na região do Vale do Taquari, onde predominavam as chamadas "indústrias naturais", ou seja,
aquelas que utilizavam matéria-prima local e viviam em situação que se completava com o setor agrário.
Foi justamente nesse período que se sedimentou, na região, a indústria leiteira, com a introdução de
pequenas fábricas de laticínios, principalmente no Município de Estrela. Segundo Barden e Ahlert (2003),
como alternativa à retração no cultivo do milho e da mandioca e na suinocultura, os agricultores
encontraram, na produção de leite, uma alternativa econômica. Houve um substancial incremento na
quantidade de leite por unidade de produção, fenômeno não observado na média do Estado. Segundo os
autores, com o crescimento da atividade leiteira, também a fabricação de queijo foi expandida. O incremento
da atividade leiteira compensou, em parte, o impacto econômico da redução de outras práticas e minimizou
substancialmente a migração da população rural do Vale do Taquari após a década de 50.
A suinocultura, mesmo em crise, era responsável por um dos principais produtos da região: a banha.
A comercialização de porcos para a produção de banha era dominada, desde o início do século XX, por um
cartel de empresas frigoríficas localizadas fora da região. Embora já existissem pequenas cooperativas de
produtores no Vale do Taquari, não havia nenhuma estrutura de organização dos suinocultores. Premidos
pela necessidade de buscar melhores preços nos mercados, em 1947, cerca de 50 produtores do Município
de Encantado fundaram a Cosuel. Durante a década de 50, o Município se destacou devido à grande
quantidade de banha produzida e exportada para Porto Alegre por via fluvial (SOUZA; AGUIAR; BEROLDT,
2009).
Segundo os mesmos autores, na década de 60, a construção da rodovia BR-386 foi um fator externo
que alterou sobremaneira os rumos do desenvolvimento da região. Por ligar Porto Alegre a Passo Fundo,
município situado na “região da produção” do Planalto Norte, a rodovia ficou conhecida como “Estrada da
Produção”. Mais do que viabilizar o escoamento da produção agrícola, a BR 386 iria alavancar o
desenvolvimento urbano dos municípios que cruzou. Na mesma década, em razão do baixo rendimento do
trigo na região, a cultura da aveia ganhou destaque nas rotações hibernais. Com o aumento da produção de
25
forragens verdes, as famílias chegaram a dobrar seus plantéis de bovinos e sua produção leiteira. A partir de
1965, a coleta de leite fluído também passou a ser realizada pela Cosuel, graças à abertura de uma usina de
beneficiamento no Município de Arroio do Meio (SOUZA; AGUIAR; BEROLDT, 2009).18
Além da Cosuel, a
expansão da atividade leiteira em Estrela, Encantado e municípios adjacentes induziu a entrada da
Cooperativa Languiru nesse segmento agroindustrial. Fundada por agricultores da região no Município de
Teutônia, em 1955, o principal objetivo da Cooperativa era a comercialização dos excedentes agrícolas
locais. A indústria de laticínios da Cooperativa começou suas atividades em 1964, sendo a primeira empresa
no Brasil a envasar o leite em saquinho plástico. Na ocasião, também iniciou a divulgação da marca Mimi,
que se tornaria famosa principalmente na Grande Porto Alegre.
Nas décadas de 70 e 80, a produção agropecuária na região foi transformada. A Associação Sulina
de Crédito e Assistência Rural (ASCAR) passou a atuar como agente de distribuição do crédito agrícola
subsidiado e do pacote tecnológico a ele associado. Com a chegada das primeiras colheitadeiras de grãos
na região, durante os anos 70, uma parcela dos agricultores abandonou a semeadura de soja em
associação, passando às rotações de milho e soja em monocultivo. Isso contribuiu para ganhos de
produtividade na cadeia leiteira.
A mecanização e o acesso a sementes de milho híbrido (para silagem, especialmente) também
permitiram a elevação do desempenho do rebanho leiteiro. Como o milho para silagem tem um ciclo
mais curto (3-4 meses) do que o milho para grão, tornava-se possível a realização de duas colheitas por
ano (enquanto também era semeada a aveia). Na situação anterior, em que o milho era plantado em
associação com a soja, um hectare de milho permitia prover as necessidades de 0,6 vaca e sua cria.
Em contrapartida, um hectare, cultivado de forma mecanizada, plantado com milho para silagem (duas
colheitas) seguido, no segundo ano, por uma colheita de milho em grão, em monocultivo, possibilitava
prover as necessidades de uma vaca e sua cria, representando um aumento de produtividade de mais
de 32%. Aliada a esta facilidade, o aumento da produção de leite por vaca também era alavancado pela
introdução de raças especializadas (Holandesa e Jersey). (SOUZA; AGUIAR; BEROLDT, 2009, p. 16).
Assim, a partir dos anos da revolução agrícola, o rebanho bovino e a produção leiteira aumentaram
(Figura 5). Segundo os dados da pesquisa Produção da Pecuária Municipal (INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2014), a produtividade média na região saltou de pouco mais de 1.000 litros
por animal ao ano, em 1974, para mais de 1.700 litros em 1980.
Entre 1975 e 1985, o preço da carne de frango sofreu uma evolução considerável, dado o aumento
da demanda por carnes brancas em países da Europa e do Oriente Médio. Alguns grandes grupos
industriais perceberam as vantagens de investir na atividade, aproveitando-se da ainda abundante mão de
obra existente nas áreas rurais do Vale do Taquari.19
A instalação de aviários foi fomentada e foi adotado o
sistema de integração (SOUZA; AGUIAR; BEROLDT, 2009). Segundo Filgueiras (2013), nesse sistema, o
produtor rural independente é transformado em um empregado — sem vínculos — da “integradora”, o que
reduz substancialmente os custos com mão de obra.
18
Conforme pode ser observado no Quadro 2, a Cosuel mantém sua unidade industrial de laticínios em Arroio do Meio, de onde saem os produtos com a marca Dália. 19
É importante destacar que, embora tenha ocorrido êxodo rural na zona de encosta do Vale do Taquari, a densidade populacional da agricultura familiar manteve-se expressiva, quando comparada com a de outras regiões do Rio Grande do Sul.
26
Figura 5
Produção de leite e número de vacas ordenhadas no Vale do Taquari — 1974-2013
106.738
359.414
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
350.000
400.000
1974 1977 1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007 2010 2013
Número de vacas ordenhadas Produção de leite (mil litros)
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2014).
Na década de 80, com o desenvolvimento da avicultura e da suinocultura, o Porto Fluvial de Estrela
ganhou relevância. Grande parte do milho utilizado na fabricação de rações também era importada através
da hidrovia. Entre 1960 e 1985, além do impacto dos investimentos em infraestrutura na economia regional,
cabe ressaltar o “descolamento” da dinâmica da agropecuária regional em relação à nacional. No Vale do
Taquari, assim como no restante do País, verificaram-se a introdução da soja e a modernização produtiva.
Entretanto, diferentemente do ocorrido em âmbito nacional, o cultivo da soja não se consolidou (tendo, ao
contrário, recuado a partir da década de 80), e a modernização ocorreu principalmente nas atividades
criatórias e não tanto no cultivo de grãos. Enquanto em boa parte do Brasil o cultivo de grãos e de outros
produtos exportáveis avançava aceleradamente, no Vale do Taquari, ampliava-se a produção de suínos,
aves e leite, aliada à geração de outros itens de consumo doméstico. Igualmente, num contexto em que
médias e grandes propriedades se beneficiavam da política de modernização e ganhavam peso na produção
nacional, a agricultura familiar desenvolvida em pequenos estratos de área se consolidava como a forma
social de produção mais importante do Vale do Taquari (SOUZA; AGUIAR; BEROLDT, 2009).
Outro fato relevante para a cadeia leiteira local nesse período foi a associação, em 1982, da
Languiru à CCGL. Tal ação induziu a desativação da indústria própria de laticínios da Languiru, cujos
associados passaram a entregar a produção de leite para processamento na planta industrial da CCGL,
construída em 1981, na cidade de Teutônia.20
Somente em 2003, após implementar reformas estruturais
20
Após a aquisição da CCGL pela Avipal, em 1996, essa indústria passou ao comando da Elegê Alimentos. Mais tarde, com a venda da Elegê Alimentos para a Perdigão (2007) e a posterior fusão entre a Sadia e a Perdigão (2009), a planta industrial passou a pertencer ao grupo BRF.
27
internas, a Languiru retornou ao mercado do leite, relançando a marca Mimi. O sucesso das vendas
viabilizou a construção de uma moderna indústria de laticínios em Teutônia, inaugurada em 2005.21
A produtividade média do rebanho leiteiro regional manteve trajetória de alta em praticamente todo o
período desde meados da década de 80. Porém foi a partir do início do século XXI que ocorreu o maior
salto, passando de 2.300 litros de leite por animal em 2000 para 3.400 litros em 2013 (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2014). Essa evolução pode ser explicada a partir da
melhora na genética e na alimentação dos animais, tendo ainda contribuído a disseminação do uso da
ordenha mecânica e do resfriamento da matéria-prima nas propriedades. Principalmente na segunda metade
da década de 2000, o aumento da demanda interna por produtos lácteos favoreceu a manutenção dos
preços pagos aos produtores em patamares elevados, o que atuou como importante incentivo à produção.
Em estudo voltado à análise do arranjo produtivo leiteiro da região, Schimitt e Alievi (2013)
identificaram que aproximadamente metade das empresas em atividade pesquisadas foram fundadas no
século XXI. Segundo os autores, a maioria das empresas está instalada na região em função da origem dos
seus fundadores, que não raro eram produtores de leite e investiram na indústria como meio de apropriarem-
-se de uma fatia maior da renda gerada na cadeia.
3 Caracterização socioeconômica e produtiva do Corede Vale
do Taquari
3.1 Indicadores econômicos, sociais e demográficos
O Corede Vale do Taquari contava, em 2012, com 332.249 habitantes (3,1% do total do Estado),
concentrados principalmente em seis municípios que abrigavam em torno de 60% da população residente —
Lajeado (22,0%), Estrela (9,3%), Teutônia (8,5%), Taquari (7,9%), Encantado (6,3%) e Arroio do Meio
(5,7%) (Tabela 3).
A distribuição da população do Corede por situação do domicílio evidencia que a região é
majoritariamente urbana, conservando, em 2010, 73,8% de seus habitantes nessa porção do território. No
entanto, na maior parte dos municípios (25), ainda predomina a população rural, com destaque para
Coqueiro Baixo, Forquetinha, Canudos do Vale e Sério, que possuem mais de três quartos dos seus
moradores vivendo no meio rural. Nos 11 municípios restantes, predominantemente urbanos, os destaques
são Lajeado, com quase a totalidade das pessoas residindo no meio urbano, Encantado (87,2%), Estrela
(84,6%) e Muçum (84,4%). Esses quatro municípios concentram quase a metade (45,0%) da população
urbana do Corede e apenas 9,7% dos moradores rurais. Portanto, verifica-se uma tendência natural de os
municípios menos populosos manterem uma maior parte de seus residentes no meio rural.
21
Em novembro de 2011, após realização de pesquisa de mercado, os laticínios produzidos pela Cooperativa passaram a ser rotulados com a marca Languiru. Apenas o leite UHT em saquinho preservou a marca Mimi.
28
Em termos de dinâmica populacional, tem-se que, entre os anos censitários de 2000 e 2010, a
população total do Vale do Taquari experimentou um aumento de 9,28%, taxa superior à média gaúcha no
período (5,0%). Essa região configura-se, assim, como uma área de atração de moradores. Porém o
aumento do número de habitantes não é regra na região, visto que, em 16 municípios, foi registrada perda
de residentes. Os recuos mais significativos ocorreram em Putinga, Sério, Pouso Novo e Vespasiano
Correa, com taxas negativas entre 10 e 15 por cento. Dentre os 20 municípios com aumento no número de
indivíduos no período, Lajeado e Teutônia despontam com as maiores taxas (19,5% e 29,0%
respectivamente) e também com as maiores variações absolutas. Acima da média de crescimento
populacional do Corede, também se destacaram Estrela, Encantado, Arroio do Meio e Roca Sales.
Tabela 3
População, Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Índice de Desenvolvimento Econômico e Social (Idese) dos municípios do Vale do Taquari e do RS — 2012
DISCRIMINAÇÃO POPULAÇÃO PIB PER CAPITA IDESE
Educação Saúde Renda Total
Vale do Taquari .......................... 332.249 28.669,24 0,765 0,857 0,755 0,792
Anta Gorda ............................. 6.038 23.466,03 0,745 0,843 0,695 0,761
Arroio do Meio ........................ 18.994 38.020,14 0,787 0,861 0,783 0,810
Arvorezinha ............................ 10.267 15.935,31 0,657 0,878 0,595 0,710
Bom Retiro do Sul .................. 11.616 15.983,69 0,753 0,825 0,613 0,730
Canudos do Vale ................... 1.797 27.076,40 0,754 0,842 0,729 0,775
Capitão ................................... 2.694 29.675,14 0,736 0,888 0,698 0,774
Colinas ................................... 2.456 22.463,10 0,767 0,919 0,743 0,810
Coqueiro Baixo ...................... 1.536 40.139,92 0,756 0,921 0,715 0,798
Cruzeiro do Sul ...................... 12.459 20.877,70 0,751 0,844 0,702 0,766
Dois Lajeados ........................ 3.282 28.880,22 0,738 0,901 0,743 0,794
Doutor Ricardo ....................... 2.042 22.400,65 0,743 0,912 0,722 0,792
Encantado .............................. 20.792 27.472,86 0,775 0,872 0,757 0,801
Estrela .................................... 31.005 37.240,19 0,755 0,849 0,829 0,811
Fazenda Vilanova .................. 3.877 34.451,43 0,592 0,831 0,708 0,710
Forquetinha ............................ 2.486 15.881,66 0,671 0,885 0,658 0,738
Ilópolis .................................... 4.087 19.786,65 0,700 0,901 0,678 0,760
Imigrante ................................ 3.038 44.494,26 0,757 0,833 0,788 0,793
Lajeado .................................. 73.176 35.669,82 0,784 0,875 0,832 0,830
Marques de Souza ................. 4.080 22.320,27 0,636 0,847 0,709 0,731
Muçum ................................... 4.854 30.887,08 0,732 0,847 0,763 0,781
Nova Bréscia .......................... 3.220 43.527,17 0,779 0,868 0,894 0,847
Paverama ............................... 8.103 20.339,90 0,628 0,822 0,607 0,686
Poço das Antas ...................... 2.042 23.782,08 0,723 0,895 0,675 0,764
Pouso Novo ........................... 1.821 36.179,30 0,715 0,892 0,813 0,807
Progresso .............................. 6.124 18.999,93 0,707 0,859 0,633 0,733
Putinga .................................. 4.075 19.469,53 0,737 0,880 0,643 0,753
Relvado ................................. 2.138 27.466,49 0,681 0,900 0,756 0,779
Roca Sales ............................. 10.430 21.195,36 0,712 0,829 0,691 0,744
Santa Clara do Sul ................ 5.823 18.597,71 0,727 0,867 0,659 0,751
Sério ...................................... 2.226 19.659,32 0,609 0,855 0,607 0,690
Tabaí ...................................... 4.227 17.499,11 0,736 0,881 0,543 0,720
Taquari ................................... 26.199 17.945,63 0,729 0,770 0,649 0,716
Teutônia ................................. 28.144 29.298,51 0,791 0,869 0,757 0,806
Travesseiro ............................ 2.337 28.178,31 0,764 0,874 0,753 0,797
Vespasiano Correa ................ 1.950 30.661,66 0,681 0,864 0,724 0,757
Westfalia ................................ 2.814 54.996,71 0,760 0,827 0,928 0,839
Rio Grande do Sul .................... 10.788.181 25.779,21 0,685 0,804 0,745 0,744
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Fundação de Economia e Estatística (2014, 2014a, 2014b).
29
Uma característica demográfica local com desdobramentos importantes para o futuro da AP
Laticínios do Vale do Taquari é a dificuldade de sucessão nas propriedades rurais de administração familiar.
Ahlert (2005) identificou que 32,5% dos proprietários rurais da região, com filhos, não sabiam se alguém
ficaria na propriedade quando não pudessem mais trabalhar nela. Segundo a pesquisa, o “apego e o amor à
terra” são os principais fatores de atratividade da vida no campo, porém, o “salário constante”, o “trabalho
menos penoso” e o maior tempo livre são enxergados como vantagens do meio urbano. Pesa em favor do
desenvolvimento da Aglomeração o fato de a atividade leiteira ser percebida como a preferencial entre os
filhos de agricultores interessados em manter as atividades ligadas à propriedade rural em que residem.
Os resultados do Idese, calculados pela Fundação de Economia e Estatística (2014b), são
reveladores das condições econômico-sociais em que vive a população local e do estágio de
desenvolvimento da região.22
Segundo os dados atualizados para o ano de 2012, o Vale do Taquari figura
na segunda posição no ranking dos Coredes com maior Idese no Rio Grande do Sul. Com um indicador de
0,792, acima da média do Estado (0,744), a região é considerada de médio desenvolvimento. Em todos os
blocos que compõem o Índice, o Vale do Taquari dispõe de média superior à do Estado.
Contudo o Vale do Taquari convive com realidades contrastantes no interior do seu território. Apenas
13 municípios se colocam acima da média do Idese geral do Vale do Taquari, sendo que Nova Bréscia,
Westfalia e Lajeado figuram, respectivamente, na 4ª, 9ª e 13ª posições no ranking estadual dos municípios
com maior Idese. Dos restantes, 11 situam-se abaixo da média estadual, verificando- -se que os dois últimos
no ranking da região — Sério e Paverama — encontram-se em 325º e 338º lugares dentre as 496
municipalidades do Rio Grande do Sul. Em se tratando dos blocos que compõem o Idese, pode-se observar
que os municípios melhor posicionados são: Teutônia, Arroio do Meio e Lajeado, no bloco Educação;
Westfália, Nova Bréscia e Lajeado, no bloco Renda; e Coqueiro Baixo, Colinas e Doutor Ricardo, no bloco
Saúde.
Apesar de estar bem posicionada em termos de nível de desenvolvimento, a região não está entre
as que mais contribuem para a formação da renda gaúcha. Em 2012, o Vale do Taquari respondeu por 3,4%
do PIB, figurando na oitava posição no ranking dos Coredes. Observa-se que, ao longo do período 2001-12,
essa participação avançou marginalmente (0,4 ponto percentual), tendo o Corede, portanto, preservado
importância para a formação da renda gaúcha (FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA, 2014a).
Em 2012, o PIB per capita do Vale do Taquari foi de R$ 28.669,24 — 11,2% superior à média
gaúcha. Na região, 14 municípios exibiam renda média por pessoa superior à média do Corede. Os
destaques foram Westfalia, Imigrante e Nova Bréscia. Lajeado, Estrela, Fazenda Vilanova, Arroio do Meio e
Teutônia, que se destacam pela produção laticinista regional, também estão nesse grupo. No extremo
oposto, encontram-se Forquetinha, Arvorezinha e Bom Retiro do Sul, com renda per capita inferior a
R$ 16.000 em 2012.
22
O Idese é um índice sintético, inspirado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que abrange um conjunto amplo de indicadores sociais e econômicos, classificados em três blocos temáticos: Educação, Renda e Saúde. Visa mensurar e acompanhar o nível de desenvolvimento do Estado, de seus municípios e dos Coredes. O Idese varia de zero a um e permite que se classifique o Estado, os municípios ou os Coredes em três níveis de desenvolvimento: baixo (índices até 0,499), médio (entre 0,500 e 0,799) e alto (maiores ou iguais a 0,800).
30
3.2 Estrutura produtiva
Dado que o objeto de pesquisa deste trabalho é a Aglomeração Produtiva de Laticínios do Vale do
Taquari, é conveniente avaliar mais detidamente a estrutura produtiva da região, especialmente a sua
indústria de transformação. Em largos termos, o que se pretende nesta subseção é mostrar quão
diversificada é a atividade econômica local e avaliar sua dependência da indústria de laticínios. Essas
informações são importantes para analisar até que ponto o desenvolvimento regional é determinado pela
dinâmica da Aglomeração Produtiva em estudo.
A geração de renda no Vale do Taquari depende, sobretudo, das atividades de serviços e da
indústria, responsáveis por 51% e 31% do Valor Adicionado Bruto (VAB) regional respectivamente (Tabela
4). Ainda assim, a participação da agropecuária não é desprezível (18%), sendo significativamente superior
à média do Rio Grande do Sul (8%). Os municípios cujo Valor Adicionado é mais dependente da indústria
são justamente aqueles em que a produção de laticínios está concentrada. Os destaques são Arroio do
Meio, Muçum, Estrela e Teutônia. Em termos absolutos, em 2012, as municipalidades com maior VAB
industrial eram Lajeado, Arroio do Meio, Teutônia, Encantado e Taquari (FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E
ESTATÍSTICA, 2014a). Por outro lado, a agropecuária foi a atividade que mais contribuiu para o Valor
Adicionado em 15 municípios, dentre os quais apenas Marques de Souza possui unidades laticinistas em
seu território.
Lajeado apresentava a maior participação da atividade de serviços na composição do VAB. Sozinho,
o município, que abriga a principal aglomeração urbana do Vale do Taquari, respondia por aproximadamente
um terço do VAB regional da atividade de serviços (FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA, 2014a).
O Município se destaca pela oferta de serviços educacionais, hospitalares, de comércio e de transporte.
Conforme antecipado na descrição do histórico regional, a principal fonte de dinamismo da economia
do Vale do Taquari é a industrialização dos produtos agropecuários produzidos no seu território e nas
regiões do entorno. Segundo os dados da Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO
SUL, 2011), em 2010, a fabricação de produtos alimentícios foi responsável por 61,2% do valor das saídas
fiscais da indústria de transformação e extrativa (Tabela 5).23
Nessa divisão industrial, destacam-se, na região, em ordem de importância, as atividades
econômicas de abate de suínos, aves e outros pequenos animais, de fabricação de laticínios e de fabricação
de alimentos para animais. Em conjunto, essas atividades respondem por 41,9% do valor das saídas do
Corede. A atividade de preparação do leite alcança apenas 1,8% do valor das saídas da indústria, o que
reflete o fato de a região industrializar praticamente todo o leite que produz. A participação das três
atividades da indústria de laticínios no valor das saídas industriais do Vale do Taquari é de 15,8%.
23
O valor das saídas pode ser interpretado como variável proxy para o Valor Bruto da Produção (VBP) da indústria extrativa e de transformação. Os dados informados no texto referem-se a 2010 e foram disponibilizados pela Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul (Sefaz-RS).
31
Tabela 4
Estrutura do Valor Adicionado Bruto das atividades econômicas dos municípios do Conselho Regional de Desenvolvimento (Corede) Vale do Taquari — 2012
(%)
DISCRIMINAÇÃO INDÚSTRIA AGROPECUÁRIA SERVIÇOS
Vale do Taquari ..................... 30,74 17,90 51,36 Anta Gorda ........................ 9,36 41,56 49,08 Arroio do Meio ................... 50,35 8,89 40,76 Arvorezinha ....................... 10,13 34,48 55,38 Bom Retiro do Sul ............. 31,49 12,11 56,40 Canudos do Vale ............... 3,58 60,35 36,07 Capitão .............................. 4,20 63,78 32,02 Colinas .............................. 10,83 49,80 39,36 Coqueiro Baixo .................. 2,17 70,19 27,64 Cruzeiro do Sul .................. 24,03 23,98 51,98 Dois Lajeados .................... 10,44 48,64 40,91 Doutor Ricardo .................. 17,67 40,64 41,69 Encantado ......................... 33,61 11,21 55,18 Estrela ............................... 40,20 8,89 50,91 Fazenda Vilanova .............. 34,37 32,40 33,23 Forquetinha ....................... 8,36 44,23 47,41 Ilópolis ............................... 8,06 45,85 46,09 Imigrante ........................... 34,50 28,91 36,59 Lajeado ............................. 34,46 1,38 64,16 Marques de Souza ............ 7,78 46,73 45,49 Muçum .............................. 45,68 8,00 46,32 Nova Bréscia .................... 4,86 65,10 30,04 Paverama .......................... 20,76 37,30 41,94 Poço das Antas ................ 17,69 42,54 39,77 Pouso Novo ....................... 3,61 61,87 34,52 Progresso .......................... 7,35 48,22 44,43 Putinga .............................. 12,35 43,00 44,65 Relvado ............................. 3,99 57,42 38,59 Roca Sales ........................ 26,08 28,28 45,64 Santa Clara do Sul ............ 26,80 20,90 52,30 Sério .................................. 3,54 57,32 39,15 Tabaí ................................. 5,20 46,98 47,83 Taquari .............................. 31,80 11,17 57,03 Teutônia ............................ 38,91 10,28 50,81 Travesseiro ........................ 14,86 50,37 34,76 Vespasiano Correa ............ 5,89 56,04 38,07 Westfalia ............................ 24,92 48,91 26,16 Rio Grande do Sul ............... 25,21 8,44 66,35
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Fundação de Economia e Estatística (2014a).
Fora da divisão de fabricação de alimentos, destacam-se, por sua importância regional, as
atividades do complexo coureiro-calçadista, responsáveis por aproximadamente 16% do valor das saídas da
indústria da região. Desse modo, em torno de 77,0% do valor das saídas da indústria extrativa e de
transformação do Vale do Taquari provêm de apenas dois complexos industriais (alimentos e couro-
-calçados). Convém registrar, ainda, a participação das divisões de fabricação de produtos de metal, exceto
máquinas e equipamentos, e de fabricação de produtos de madeira, que contribuem, respectivamente, com
4,0% e 2,7% do valor das saídas da indústria do Corede.
Dentre as atividades agroindustriais presentes na região, a fabricação de laticínios é a que mais
contribui para o total da atividade no Rio Grande do Sul (42,9%). Outras atividades industriais concentradas
na região, mas com menor importância para a indústria local, são a metalurgia dos metais preciosos
(78,9%), a fabricação de explosivos (73,5%), a manutenção e a reparação de embarcações (62,8%) e a
fabricação de sabões e detergentes sintéticos (56,1%).
32
Em suma, pela ótica do valor das saídas, a indústria do Vale do Taquari pode ser considerada
especializada, assentada na produção de alimentos e, secundariamente, na de couros e calçados. A seguir,
verificar-se-á que, na perspectiva do emprego formal, a indústria da região também é especializada e está
ancorada nessas mesmas atividades.
Tabela 5
Estrutura da indústria extrativa e de transformação da região do Conselho Regional de Desenvolvimento (Corede) Vale do Taquari, segundo o valor das saídas — 2010
(%)
DIVISÕES E CLASSES DE ATIVIDADE
PARTICIPAÇÃO NO VALOR DAS
SAÍDAS DO ESTADO
PARTICIPAÇÃO NO VALOR DAS SAÍDAS
DO COREDE
PARTICIPAÇÃO NO VALOR DAS SAÍDAS DA ATIVIDADE
08 - Extração de minerais não metálicos .............. 0,1 1,6 -
08.10-0 - Extração de pedra, areia e argila .............. 0,1 1,6 20,3 10 - Fabricação de produtos alimentícios ............ 2,4 61,2 - 10.11-2 - Abate de reses, exceto suínos .................. 0,1 1,4 3,1 10.12-1 - Abate de suínos, aves e outros pequenos animais ..................................................................... 0,8 19,2 23,3 10.13-9 - Fabricação de produtos de carne ............. 0,1 3,1 19,2 10.41-4 - Fabricação de óleos vegetais em bruto, exceto óleo de milho ................................................. 0,2 4,0 4,3 10.51-1 - Preparação do leite ................................... 0,1 1,8 10,0 10.52-0 - Fabricação de laticínios ............................. 0,5 13,8 42,9 10.66-0 - Fabricação de alimentos para animais ...... 0,3 8,9 23,0 10.69-4 - Moagem e fabricação de produtos de origem vegetal não especificados anteriormente ..... 0,1 2,3 13,8 10.93-7 - Fabricação de produtos derivados do ca- cau, de chocolates e confeitos ................................. 0,1 1,8 35,8 10.99-6 - Fabricação de produtos alimentícios não especificados anteriormente .................................... 0,1 3,6 24,5 11 - Fabricação de bebidas ................................... 0,1 1,3 - 11.22-4 - Fabricação de refrigerantes e de outras bebidas não alcoólicas ............................................. 0,0 1,1 3,8
15 - Preparação de couros e fabricação de arte- fatos de couro, artigos para viagem e calçados... 0,6 16,0 -
15.10-6 - Curtimento e outras preparações de couro 0,2 6,1 16,1
15.31-9 - Fabricação de calçados de couro .............. 0,2 5,2 6,1
15.33-5 - Fabricação de calçados de material sintético ..................................................................... 0,1 3,7 22,6
16 - Fabricação de produtos de madeira .............. 0,1 2,7 -
16.21-8 - Fabricação de madeira laminada e de chapas de madeira compensada, prensada e aglo- merada ...................................................................... 0,1 1,6 17,2
25 - Fabricação de produtos de metal, exceto máquinas e equipamentos ..................................... 0,2 4,0 -
25.91-8 - Fabricação de embalagens metálicas ....... 0,1 1,7 24,3
25.92-6 - Fabricação de produtos de trefilados de metal ......................................................................... 0,1 1,6 19,7
29 - Fabricação de veículos automotores, rebo-ques e carrocerias .................................................. 0,1 1,4 -
29.30-1 - Fabricação de cabines, carrocerias e reboques para veículos automotores ...................... 0,1 1,4 2,6
31 - Fabricação de móveis ..................................... 0,1 1,3 -
31.01-2 - Fabricação de móveis com predominância de madeira ................................................................ 0,0 1,2 2,9
32 - Fabricação de produtos diversos .................. 0,1 2,3 -
32.99-0 - Fabricação de produtos diversos não especificados anteriormente ..................................... 0,1 2,2 23,0
Outros ...................................................................... 0,3 8,3 -
FONTE: Rio Grande do Sul (2011). NOTA: Os códigos referem-se aos usados na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) 2.0.
33
3.3 Indicadores do mercado de trabalho: breve caracterização do
emprego formal
Segundo os dados da RAIS-MTE para o ano de 2013 (BRASIL, 2014), o contingente de
trabalhadores inseridos no mercado de trabalho formal do Corede Vale do Taquari era de 106.715
indivíduos, o que representava 3,5% do total do emprego formal do Estado.24
Do total de empregados no
Vale do Taquari, 52,3% eram homens, o que acusa um quadro mais equilibrado em relação ao Rio Grande
do Sul (54,5%). A presença feminina era preponderante na administração pública (67,1%) e em serviços
(50,5%), situação similar à do Estado.
O Município de Lajeado (33,0%) liderava o ranking do emprego, seguido por Estrela e Teutônia
(10,7%), Encantado (7,2%) e Arroio do Meio (6,4%); na outra ponta, os Municípios de Coqueiro Baixo,
Canudos do Vale, Sério, Relvado, Pouso Novo, Vespasiano Corrêa e Forquetinha, com as menores
participações relativas, não alcançavam 0,4% do total do emprego formal da região. A maior parte dos
empregos formais do Vale do Taquari estava na indústria de transformação (42,2%), que, em importância,
era seguida pelos setores serviços (22,5%) e comércio (18,4%). A agropecuária, a extração vegetal, a caça
e a pesca representavam apenas 1,7% dos empregos formais, mas sua importância é expressiva em razão
do contingente de agricultores familiares.
Quanto à escolaridade da população empregada no Corede, observa-se que 23,4% dos
empregados não completaram o ensino fundamental. A maior concentração por faixa de escolaridade se
encontrava no ensino médio completo (36,6% do total). Os empregados com ensino superior completo
representavam 9,2% do total, dentre os quais, 0,5% detinham titulação de mestre ou doutor (492 pessoas).
Na indústria de transformação, a maior concentração também ocorreu na faixa de indivíduos com ensino
médio completo (31,0%), porém, 61,7% dos assalariados não atingiram essa escolaridade. Apenas 3,1%
dos trabalhadores da indústria de transformação da região possuíam formação superior completa, dentre os
quais, um era doutor, e dezenove eram mestres. Essa baixa representatividade é indício da limitada
capacidade de inovação de produto das empresas da região, pelo menos no que se refere à pesquisa e
desenvolvimento internalizados. Reflete, ainda, a predominância de setores industriais tradicionais, cujos
principais atributos de competitividade são a disponibilidade de mão de obra e matéria-prima a baixo custo.
Apenas duas divisões industriais respondiam por mais de dois terços do emprego total da indústria
de transformação da região em 2013 (44.249 empregados). Na divisão de fabricação de produtos
alimentícios, estavam empregados 17.405 indivíduos, ocupados principalmente nas atividades de abate de
suínos, aves e outros pequenos animais (51,2%) e fabricação de laticínios (9,8%). Na segunda posição, a
divisão de preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos para viagem e calçados contava
24
Precisa-se considerar, com respeito a esses dados, que não se está tratando da totalidade do mercado de trabalho, mas de uma fatia dele que é regulamentada por lei, ou seja, o emprego com contrato de trabalho ou carteira assinada. Com isso, perde-se a dimensão da ocupação informal, que é especialmente significativa nas atividades agropecuárias.
34
com 12.580 empregados, ocupados principalmente nas atividades de fabricação de calçados de couro
(43,3%) e de material sintético (32,3%) (Tabela 6).25
Tabela 6
Empregos nas principais divisões e classes de atividade industriais na região do Conselho Regional de Desenvolvimento (Corede)
Vale do Taquari — 2013
DIVISÕES E CLASSES DE ATIVIDADE NÚMERO DE EMPREGOS
PARTICIPAÇÃO NO EMPREGO INDUSTRIAL
(%)
10 - Fabricação de produtos alimentícios .............................................................................. 17.405 39,3 1012-1 Abate de suínos, aves e outros pequenos animais ..................................................... 8.914 20,1 1052-0 Fabricação de laticínios ............................................................................................... 1.704 3,9 1099-6 Fabricação de produtos alimentícios não especificados anteriormente ...................... 1.578 3,6 1093-7 Fabricação de produtos derivados do cacau, de chocolates e confeitos .................... 1.546 3,5 11 - Fabricação de bebidas ...................................................................................................... 541 1,2 13 - Fabricação de produtos têxteis ........................................................................................ 242 0,5 14 - Confecção de artigos do vestuário e acessórios ........................................................... 1.333 3,0 1412-6 Confecção de peças do vestuário, exceto roupas íntimas .......................................... 1.057 2,4 15 - Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos para viagem e calçados .....................................................................................................................................
12.580
28,4
1531-9 Fabricação de calçados de couro ................................................................................ 5.448 12,3 1533-5 Fabricação de calçados de material sintético .............................................................. 4.067 9,2 1510-6 Curtimento e outras preparações de couro ................................................................. 1.374 3,1 16 - Fabricação de produtos de madeira ................................................................................ 1.535 3,5 17 - Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ....................................................... 330 0,7 18 - Impressão e reprodução de gravações ........................................................................... 291 0,7 20 - Fabricação de produtos químicos ................................................................................... 1.352 3,1 22 - Fabricação de produtos de borracha e de material plástico ......................................... 515 1,2 23 - Fabricação de produtos de minerais não metálicos ...................................................... 1.374 3,1 24 - Metalurgia ........................................................................................................................... 184 0,4 25 - Fabricação de produtos de metal, exceto máquinas e equipamentos ......................... 2.147 4,9 26 - Fabricação de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos ........... 70 0,2 27 - Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................ 120 0,3 28 - Fabricação de máquinas e equipamentos ...................................................................... 1.032 2,3 29 - fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias ...................................... 711 1,6 30 - Fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores ... 22 0,0 31 - Fabricação de móveis ....................................................................................................... 1.830 4,1 3101-2 Fabricação de móveis com predominância de madeira .............................................. 1.537 3,5
32 - Fabricação de produtos diversos .................................................................................... 425 1,0
33 - Manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos ............................ 210 0,5 TOTAL ........................................................................................................................................ 44.249 100,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Brasil (2015). NOTA: Os códigos referem-se aos usados na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) 2.0.
Outras divisões com importância para o emprego industrial local são a fabricação de produtos de
metal (2.147 trabalhadores) e fabricação de móveis (1.830 trabalhadores), que, juntas, respondem por 9,0%
dos empregos formais registrados em 2013.
O parque industrial do Vale do Taquari contava com 2.025 estabelecimentos com vínculos ativos em
2013, dos quais 96,6% enquadram-se no porte de micro ou pequenas empresas; 2,7%, no de médias; e
25
Na região, o segmento produtor de calçados apareceu cronologicamente mais tarde e adquiriu relevo na economia da região ao longo do tempo, figurando como o primeiro em importância, em termos de geração de emprego formal, no final do século XX. Na primeira década dos anos 2000, perdeu essa condição, já que o setor mais importante para o emprego formal voltou a ser a indústria de alimentos. Todavia, cabe observar que a indústria de calçados não tem raiz na região, diferentemente de outras atividades que, embora tenham uma repercussão menor no tecido produtivo, têm registro histórico no Vale do Taquari, como é o caso das indústrias de couro, peles e similares, do mobiliário, de bebidas e de perfumaria, sabões e velas.
35
apenas 0,7%, no de grandes (14 estabelecimentos).26
Porém é nas grandes firmas que está ocupada a
maior parcela dos empregos formais das principais atividades industriais da região. Nas atividades de
fabricação de calçados de couro e de material sintético, os seis estabelecimentos de grande porte, com 500
ou mais funcionários, respondem por mais da metade dos empregos formais (4.973 trabalhadores). Na
atividade de abate de suínos, aves e outros pequenos animais, que conta com cinco grandes
estabelecimentos na região, essa participação é ainda maior (7.877 empregos: 88,4% do total). Conforme
será mais bem explorado na próxima seção, na indústria de laticínios, as grandes empresas respondem por
uma parcela menor do emprego.
Se os empregos industriais do Vale do Taquari estão concentrados em termos setoriais, o mesmo se
pode dizer em termos geográficos. Mais de dois terços dos empregos formais da indústria de transformação
local situam-se em apenas cinco municípios: Lajeado (26,2%), Teutônia (13,5%), Estrela (9,2%), Arroio do
Meio (8,5%) e Encantado (7,4%). Individualmente, nenhum dos demais municípios alcançou 5% de
participação no emprego industrial, sendo que vários deles ficavam abaixo de 1%.
Em se tratando da renda do trabalho, os dados da RAIS-MTE apontam para uma situação de
desvantagem da região frente ao Estado. Em dezembro de 2013, o rendimento médio no mercado de
trabalho formal do Corede era de 2,3 salários mínimos27
(SM), enquanto, no RS, esse era bem mais alto (3,1
SM). O setor de serviços industriais de utilidade pública era o que praticava o melhor salário médio na região
(4,7 SM), seguido pela indústria extrativa mineral (3,3 SM) e pela administração pública. O salário médio da
indústria de transformação da região era equivalente a 2,1 SM, e os menores rendimentos médios eram
observados na agropecuária (1,7 SM). Nas quatro principais atividades econômicas da indústria de
transformação do Vale do Taquari, praticavam-se os seguintes salários médios: 2,2 SM (abate de suínos,
aves e outros pequenos animais); 1,7 SM (fabricação de calçados de couro); 1,7 SM (fabricação de calçados
de material sintético); e 2,7 SM (fabricação de laticínios). Observa-se, assim, que a indústria de fabricação
de produtos alimentícios praticava salários médios superiores aos da indústria de calçados. Não se pode
deixar de notar que, de maneira geral, o menor salário médio da indústria de transformação local — quase
30% inferior à média estadual — é reflexo da baixa intensidade tecnológica das principais atividades
empregadoras. As atividades industriais com melhor remuneração na região — mas que são pouco
representativas — eram a fabricação de motores e turbinas (5,7 SM), a fabricação de defensivos agrícolas
(5,0 SM), a fabricação de produtos de trefilados de metal (4,8 SM) e a fabricação de equipamentos de
informática (4,6 SM).
Nos últimos anos, entre 2006 e 2013, a dinâmica do emprego regional foi muito similar à nacional. O
número de empregos formais avançou mais de 30%, tendo sido impulsionado pela construção civil (110,5%),
pelos serviços (66,3%) e pelo comércio (52,1%), que cresceram acima da média. O crescimento do emprego
na indústria de transformação foi menor (9,0%), tendo esse setor contribuído com aproximadamente 15% da
variação total do emprego regional no período (Figura 6).
26
O porte dos estabelecimentos foi determinado segundo os critérios de classificação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae): micro e pequenas empresas (0 a 99 empregos); médias empresas (100 a 499 empregos); grandes empresas (500 ou mais empregos). A análise tomou por base as informações da RAIS-MTE para o ano de 2013. 27
O salário mínimo, em dezembro de 2013, era de R$ 678,00.
36
Figura 6
Evolução do emprego setorial no Vale do Taquari — 2006-13
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
40.000
45.000
50.000
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Extrativa mineral
Indústria de transformação
Servicos industriais de utilidadepública
Construção Civil
Comércio
Serviços
Administração Pública
Agropecuária, extração vegetal, caçae pesca
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Brasil (2014).
4 Rede de formação de mão de obra e estrutura de P&D
Na região do Vale do Taquari, está localizado um conjunto de organizações voltadas para a
educação e o treinamento da mão de obra. Essas instituições são as principais fontes locais de acesso ao
conhecimento codificado, ou seja, de saberes transacionados e acessíveis no mercado. Dentre os cursos
técnicos e de ensino superior que formam profissionais com habilidades para atuar em segmentos
específicos do agronegócio, podem-se destacar os citados no Quadro 3.
Na oferta de cursos profissionalizantes, de níveis técnico e superior, a principal instituição da região
é a Univates. Sediado em Lajeado, esse centro universitário já formou mais de 9.000 estudantes do ensino
superior, 2.000 em nível de pós-graduação e 2.000 nos cursos técnicos. Atualmente, oferece 44 cursos de
graduação (bacharelado, licenciatura e superiores de tecnologia), 1 sequencial, 13 técnicos, 24 de pós-
-graduação, além de diversos cursos de extensão. É possível perceber que alguns dos cursos oferecidos
pela instituição estão ajustados às necessidades da região, refletindo a sua estrutura produtiva. Os cursos
de Tecnologia de Alimentos, Engenharia de Alimentos, Negócios Agroindustriais e Gestão de Cooperativas,
por exemplo, refletem a vocação local para a produção agroindustrial.
37
Quadro 3
Cursos oferecidos nos municípios do Corede Vale do Taquari relacionados às atividades do agronegócio
MUNICÍPIOS INSTITUIÇÃO E CURSOS NÍVEL
Lajeado
Ensino Escola Profissional
Administração Técnico
Senac Lajeado
Administração Técnico
Administração de Micro e Pequena Empresa Técnico
UNIVATES
Mestrado em Biotecnologia Pós-Graduação
Gestão de Cooperativas Pós-Graduação
Tecnologia de Alimentos Pós-Graduação
Administração de Empresas Superior
Engenharia de Alimentos Superior
Engenharia de Produção Superior
Gestão de Micro e Pequenas Empresas Superior
Negócios Agroindustriais Superior
Intelectum
Administração Técnico
Taquari Instituto Estadual de Educação Pereira Coruja
Meio Ambiente Técnico
Teutônia
Colégio Teutônia
Agropecuária Técnico
Administração Técnico
Meio Ambiente Técnico
Instituto de Educação Cenecista General Canabarro
Administração Técnico
Encantado
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Tecnologia em Agroindústria Superior
Bacharelado em Ciência e Tecnologia de Alimentos Superior
LUME – Centro de Ensino e Qualificação Profissional
Cooperativismo Técnico
Estrela Faculdade La Salle Administração Superior
Tecnologia em Agronegócio Superior Colégio Martin Luther Alimentos Técnico
FONTE: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2011). NOTA: Também foram consultados os sites das instituições na Internet.
A Univates também é a principal responsável pela implantação do Parque Científico e Tecnológico
do Vale do Taquari (Tecnovates). Inaugurado em 2014, o Tecnovates é uma iniciativa que conta com o
apoio de entidades públicas e privadas da região para oferecer a pessoas empreendedoras espaço físico,
laboratorial e capacitados recursos humanos para P&D, na busca de inovação em produtos alimentícios,
tecnologias de proteção ao meio ambiente e energias renováveis. Segundo seus idealizadores, o Vale do
Taquari é um dos principais polos de produção e exportação de alimentos do Rio Grande do Sul, e seu
sucesso passa pelo empreendedorismo de sua gente e pelos modelos de gestão e produção avançados que
adota. Contudo a região produz, principalmente, commodities, ou seja, produtos padronizados, com
tecnologias difundidas. Visando mudar esse cenário, oportunizando o desenvolvimento de tecnologias
pioneiras na produção de alimentos, nos cuidados com o meio ambiente e energias renováveis, com base
em processos biotecnológicos e nanotecnológicos, foi criado o Tecnovates, com uma estrutura física,
laboratorial e de pessoal capaz de receber as unidades de P&D de empresas locais, nacionais e
internacionais, interessadas em criar novos produtos e serviços de alto valor nutricional, saudáveis,
ambientalmente amigáveis e de grande aceitação pelo mercado. Os cinco laboratórios de P&D no
38
Tecnovates envolvem as áreas de Microbiologia de Alimentos, Química de Alimentos, Biotecnologia de
Alimentos, Gerenciamento de Resíduos na Área de Alimentos e uma Micro Usina de Leite e Derivados. Já
na área dos laboratórios de análises vinculados ao Unianálises, são realizadas análises físico-químicas,
microbiológicas, de nutrição animal e por meio da tecnologia de Espectrometria de Infravermelho Próximo
(NIR). Além disso, o local ainda conta com o Laboratório do Leite, onde são realizadas análises em amostras
de leite cru oriundo de propriedades rurais e de indústrias de laticínios (UNIVATES, 2015). Em janeiro de
2013, o laboratório foi credenciado pelo MAPA para a realização das análises de qualidade do leite
produzido no Vale do Taquari, o que representa um passo importante para a profissionalização e a
qualificação da cadeia do leite.
Os cursos superiores ofertados pela UERGS de Encantado também parecem estar alinhados às
vocações produtivas tradicionais da região. Outra referência local de ensino superior é a Faculdade La Salle.
Inaugurada em 2009, no Município de Estrela, essa instituição conta com sete cursos de graduação (um
deles em Tecnologia em Agronegócio), três cursos de pós-graduação, especialização e MBA e três cursos
de extensão. No Município de Lajeado, há ainda polos de ensino superior à distância (EAD) da Ulbra, da
Unopar e da Uninter.
Algumas escolas técnicas locais também contribuem para a formação profissional, capacitando seus
estudantes para assumir posições em áreas relacionadas ao agronegócio. Nesse quesito, destacam-se os
cursos técnicos em Agropecuária e Alimentos, oferecidos, respectivamente, pelos colégios Teutônia e Martin
Luther (Estrela). Essas escolas foram fundadas pelas comunidades locais de confissão luterana para suprir
a necessidade de educação dos descendentes de imigrantes alemães. Atualmente, constituem-se em
referências no ensino básico e profissionalizante. Ainda na qualificação técnico-profissionalizante, vale referir
a presença de uma unidade do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) em Lajeado, que
atende a região do Vale do Taquari. O Senai desenvolve cursos nas seguintes áreas: marcenaria,
metalmecânica, eletroeletrônica, automação industrial, informática, gestão, custos, segurança do trabalho,
indústria automotiva e alimentos. Além disso, oferta serviços técnicos e tecnológicos nas áreas de gestão,
custos, logística e implantação do Programa Alimentos Seguros.
Em termos da qualificação dos agricultores familiares, a Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural (Emater) é a principal referência. Segundo Bühler e Manteze (2015), o trabalho da extensão
rural no Rio Grande do Sul, capitaneado pela Emater, é um processo de educação não formal, direcionado
para os públicos que vivem e atuam em atividades agropecuárias. Os extensionistas rurais são profissionais
das mais diferentes áreas, capacitados no uso de diversas metodologias, que atuam como agentes de
desenvolvimento rural, levando às famílias rurais tecnologias mais produtivas, com menores custos e mais
adequadas ambientalmente, que possibilitem a essas famílias continuar vivendo no meio rural, produzindo
com rentabilidade e com maior qualidade de vida.
A Emater é responsável pelo Programa de Qualificação Profissional de Agricultores, que é
desenvolvido em dois cenários: nas comunidades e nos Centros de Formação. Nas comunidades, são
utilizadas metodologias de caráter mais abrangente para divulgar ao público técnicas adequadas e mostrar
os bons resultados obtidos, por meio do trabalho individualizado nas propriedades. Para as ações de
39
capacitação que requerem conhecimentos mais aprofundados em temas específicos, a extensão rural utiliza
a capacitação profissional por intermédio de cursos em oito centros de formação, distribuídos no território
gaúcho. Os cursos são coordenados por instrutores qualificados e têm carga horária amplificada e intensiva.
O processo de aprendizagem consiste em referencial teórico (reflexão) e prático (ação).
A prática é o principal processo de aprendizado nos Centros de Formação, onde aplica-se a
metodologia do “aprender a fazer fazendo”, exercitando junto com o grupo e com o apoio e
monitoramento constante dos instrutores. A continuidade de atendimento ao agricultor, quando do seu
retorno do curso, é feito através da assistência técnica prestada pelo extensionista municipal, que
poderá ajudá-lo na aplicação dos conhecimentos na sua propriedade e na evolução de suas atividades.
(ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE EMPREENDIMENTOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E
EXTENSÃO RURAL, 2015).
No Vale do Taquari, a Emater coordena o Centro de Formação de Agricultores de Teutônia (Certa),
situado no Colégio Teutônia, e conta com a parceria da Cooperativa Regional de Eletrificação Teutônia
(Certel), do Sistema de Crédito Cooperativo (Sicredi) e da Cooperativa Languiru. No Certa, estão instaladas
quatro unidades didáticas, onde são ministrados os cursos de Bovinocultura de Leite, Qualidade do Leite,
Dieta para Vacas Leiteiras e Gerenciamento da Propriedade Rural. O escritório regional da Emater para os
vales do Taquari e Caí está situado no Município de Lajeado.
As atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas pelas instituições acima referidas
devem ser reforçadas pela atuação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-
-Grandense (IFSul), que será implantando em Lajeado e ofertará cursos técnicos em Administração,
Alimentos e Automação Industrial.
Nessa etapa da pesquisa, não será possível avaliar os saberes tácitos existentes na região da
aglomeração estudada. Esses conhecimentos, manifestados nas rotinas organizacionais e na experiência
coletiva de diferentes grupos, somente poderão ser adequadamente avaliados após a realização do estudo
de campo, próxima etapa da pesquisa.
5 AP de Laticínios no Vale do Taquari: caracterização e
importância
5.1 As atividades da Aglomeração
A classe de atividade que deu origem à identificação e à escolha para estudo da AP de Laticínios no
Vale do Taquari foi a Fabricação de Laticínios (código 10.52-0 da CNAE 2.0).28
Conforme relatado
anteriormente, além da atividade de fabricação de laticínios, optou-se ainda por considerar, neste estudo, as
atividades industriais a ela mais diretamente associadas (preparação do leite e fabricação de sorvetes e
outros gelados comestíveis), constituindo-se um grupo de atividades que se convencionou chamar de
indústria de laticínios.
Segundo a Comissão Nacional de Classificação (2013), a fabricação de laticínios compreende: (a) a
fabricação de creme de leite, manteiga, coalhada, iogurte, etc.; (b) a fabricação de bebidas à base de leite;
28
Para mais detalhes sobre os critérios de identificação e seleção das aglomerações, ver Zanin, Costa e Feix (2013) e Feix (2013).
40
(c) a fabricação de leite em pó, dietético, concentrado, maltado, aromatizado, etc.; (d) a fabricação de
queijos, inclusive inacabados; (e) a fabricação de farinhas e sobremesas lácteas; (f) a fabricação de doce de
leite; e (g) a obtenção de subprodutos do leite: caseína, lactose, soro e outros.
Já a atividade de Preparação do Leite (código 10.51-1) compreende: (a) a fabricação de leite
resfriado, filtrado, esterilizado, pasteurizado, UHT, homogeneizado ou beneficiado de outro modo; e (b) o
envasamento de leite, associado ao beneficiamento. Obviamente, trata-se de atividade correlata à de
fabricação de laticínios, podendo os produtos de ambas ser ofertados por uma mesma planta produtiva.
Por sua vez, a atividade de Fabricação de Sorvetes e Outros Gelados Comestíveis (código 10.53-8)
foi incorporada na análise em razão de a produção de sorvetes concorrer pela mesma matéria-prima
utilizada na produção dos demais produtos laticínios (o leite).29
A análise conjunta dessas três atividades industriais contribui para o entendimento da dinâmica
setorial e regional da fabricação de laticínios. Porém, por razões óbvias, precisa ser complementada pela
avaliação da produção de leite nas propriedades rurais. Na verdade, a concentração da produção primária
costuma ser o principal determinante para o surgimento de aglomerações de empresas especializadas na
sua transformação. Existe, portanto, uma direta vinculação econômica e territorial entre a produção primária
e a industrialização do leite.
Embora o trabalho centre sua análise na produção do leite e na sua industrialização, a presença dos
demais elos da cadeia produtiva na região da Aglomeração também será avaliada (Figura 7).
Figura 7
Estrutura da cadeia produtiva do leite
NOTA: Adaptado de Oliveira e Michels (2003) e de Figueiredo Neto et al. (2007).
Por meio do trabalho de campo, será possível, por exemplo, levantar a origem dos insumos
empregados na produção primária e os principais destinos dessa produção. A priori, por meio do
levantamento das empresas associadas ao Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas
29
Além da fabricação de sorvetes, também compreendem essa classe de atividade a fabricação de picolés, bolos e tortas gelados e a fabricação de bases líquidas ou pastosas para a elaboração de sorvetes.
41
do Rio Grande do Sul (Simers), é possível observar, na área de abrangência da Aglomeração, a presença
de um conjunto de empresas fornecedoras de máquinas e equipamentos destinados ao sistema
agroindustrial leiteiro (Quadro 4).
Quadro 4
Empresas situadas na região que atuam na oferta de máquinas e equipamentos para o sistema
agroindustrial do leite
EMPRESA MUNICÍPIO PRODUTOS
Agroway Teutônia Ordenhadeiras e seus componentes
Friomax Lajeado Resfriadores, tanques rodoviários, etc.
Ordemax Lajeado Tanques resfriadores e ordenhadeiras
Dalmonte Refrigeração Dois Lajeados Resfriadores de leite e ordenhadeiras canalizadas FONTE: Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas do Rio Grande do Sul (2015). NOTA: Também foram consultados os sites das empresas na Internet.
Recentemente, foram identificados, na região, problemas graves nas etapas de transporte e
industrialização do leite, decorrentes, sobretudo, de contaminação do produto. Isso será mais explorado na
sequência do trabalho.
5.2 A produção de leite nas propriedades rurais
Em 2013, nas propriedades rurais da região do Corede Vale do Taquari, foram produzidos 359,41
milhões de litros de leite (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2014). A evolução
da produção de matéria-prima na região seguiu tendência similar à observada no Estado, tendo crescido a
uma média de 4,3% a. a. entre 1990 e 2013. Desde o início da abertura comercial e da desregulamentação
do setor, a participação do Vale do Taquari na produção estadual de leite manteve-se oscilando entre 7,4%
e 9,4%.
Apesar de estar presente em todos os municípios do Vale do Taquari, a produção de leite é
concentrada. Em 2013, oito dos 36 municípios participaram com mais da metade da produção da região. O
principal município produtor é Estrela, seguido de Teutônia e Arroio do Meio (Tabela 7). O número de vacas
ordenhadas na região é superior a 100.000, o que equivale a 6,9% do rebanho gaúcho. Como seria de se
esperar, a produtividade média nos principais municípios produtores de leite supera a média estadual (2.900
litros/vaca/ano) e local (3.400 litros/vaca/ano).30
30
Exceção deve ser feita aos Municípios de Arroio do Meio e Anta Gorda, que apresentam produtividade média ligeiramente inferior à da região do Vale do Taquari.
42
Tabela 7
Produção de leite, número de vacas ordenhadas e produtividade no Rio Grande do Sul e nos Municípios do Vale do Taquari — 2013
UNIDADE TERRITORIAL
PRODUÇÃO (1.000 LITROS)
VACAS ORDENHADAS (EM CABEÇAS)
PRODUTIVIDADE (1.000 LITROS POR
VACA)
PARTICIPAÇÃO NA PRODUÇÃO
(%)
Rio Grande do Sul ....... 4.508.518 1.554.909 2,9 -
Corede Vale do Taquari 359.414 106.738 3,4 100,0
Estrela ....................... 39.475 8.100 4,9 11,0
Teutônia .................... 36.620 8.135 4,5 10,2
Arroio do Meio ........... 26.300 8.000 3,3 7,3
Anta Gorda ................ 20.400 6.810 3,0 5,7
Vespasiano Correa .... 18.130 4.415 4,1 5,0
Westfalia .................... 16.580 3.425 4,8 4,6
Cruzeiro do Sul .......... 14.640 4.700 3,1 4,1
Putinga ...................... 14.400 4.685 3,1 4,0
Progresso .................. 10.190 3.200 3,2 2,8
Marques de Souza .... 10.000 3.600 2,8 2,8
Travesseiro ................ 9.560 2.700 3,5 2,7
Dois Lajeados ............ 9.188 3.100 3,0 2,6
Bom Retiro do Sul ..... 9.000 4.000 2,3 2,5
Pouso Novo ............... 8.526 2.030 4,2 2,4
Forquetinha ............... 8.320 2.300 3,6 2,3
Imigrante ................... 8.130 2.500 3,3 2,3
Roca Sales ................ 8.000 3.300 2,4 2,2
Santa Clara do Sul .... 8.000 2.900 2,8 2,2
Colinas ...................... 7.720 2.010 3,8 2,1
Arvorezinha ............... 7.185 2.930 2,5 2,0
Relvado ..................... 7.050 2.830 2,5 2,0
Nova Bréscia ............. 7.000 1.900 3,7 1,9
Paverama .................. 6.500 2.000 3,3 1,8
Coqueiro Baixo .......... 6.190 2.100 2,9 1,7
Fazenda Vilanova ...... 6.000 1.500 4,0 1,7
Outros ........................ 36.310 13.568 2,7 10,1
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2014).
Os dados do Censo Agropecuário — 2006 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 2009), apesar de defasados, permitem aprofundar a análise da origem da produção de leite
e de suas principais características no Vale do Taquari. Nessa região, em 2006, 54,6% dos
estabelecimentos agropecuários existentes produziam leite de vaca. Dentre as 14.037 propriedades que se
dedicavam a essa atividade, mais de 90% reuniam características compatíveis com a definição legal de
agricultura familiar.31
Naquele ano, a agricultura familiar contribuía com 93,1% da produção de leite de vaca
da região (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2009a).
Ainda segundo o Censo Agropecuário — 2006, no Vale do Taquari, o número médio de vacas
ordenhadas por estabelecimento (5,2 cabeças), a produtividade por estabelecimento (16.000
litros/estabelecimento/ano) e a produtividade por animal (3.100 litros/vaca/ano) eram ligeiramente superiores
à média estadual. Os dados da Pesquisa da Pecuária Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e
31
No Brasil, segundo definição estabelecida em lei federal (nº 11.326/2006 e alterações), o agricultor familiar ou empreendedor rural familiar é aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: não detenha, a qualquer título, área maior do que quatro módulos fiscais; utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; tenha renda familiar originada principalmente de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; e dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. No Vale do Taquari, a área do módulo fiscal varia entre 18 e 20 hectares.
43
Estatística confirmam que o diferencial de produtividade por animal da região continua elevado, tendo-se
acentuado em relação ao Brasil (Figura 8).
Figura 8
Evolução da produtividade média anual na produção de leite no Brasil, no Rio Grande do Sul e no Vale do Taquari — 1990-2013
1,49
2,90
3,37
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
Brasil Rio Grande do Sul Vale do Taquari
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2014).
NOTA: Em 1.000 litros por vaca ordenhada.
Segundo o Censo Agropecuário — 2006, mais de 70% da produção de leite do Vale do Taquari
advinha de propriedades com no mínimo 10 e no máximo 49 vacas ordenhadas (Tabela 8). Essa distribuição
é similar à média do Rio Grande do Sul, onde, relativamente ao Brasil, predominavam propriedades leiteiras
de menor porte, administradas por agricultores familiares.32
Entre os principais municípios produtores, Estrela se diferencia pela dependência mais intensa do
leite oriundo de propriedades com maior número de animais — é a única localidade onde a contribuição das
propriedades com mais de 50 vacas ordenhadas supera 40% da produção. Por outro lado, entre os
municípios que não figuram entre os principais produtores regionais, há uma maior dependência das
propriedades com menor número de animais.
Entre 2002 e 2003, a Univates realizou uma pesquisa sobre a bacia leiteira do Vale do Taquari
(UNIVATES, 2003). Apesar da defasagem temporal e de a pesquisa não poder ser classificada como um
censo da atividade, suas informações continuam relevantes. O estudo colheu informações junto a 12.819
propriedades que produziam leite no ano de referência (2002), o que equivale a 91% dos estabelecimentos
identificados no Censo Agropecuário — 2006 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 2009).
32
Os dados do Censo Agropecuário — 2006 apontam que, no Rio Grande do Sul, aproximadamente 84,6% da produção de leite de vaca é proveniente da agricultura familiar. No Brasil, essa participação é de 57,6% (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2009a).
44
Tabela 8
Distribuição da produção de leite nos municípios do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul e no Brasil, segundo o número de vacas ordenhadas por propriedade — 2006
UNIDADE TERRITORIAL
TOTAL PARTICIPAÇÃO SEGUNDO NÚMERO DE CABEÇAS (%)
De 1 a 4 De 5 a 9 De 10 a 19 De 20 a 49 De 50 a 99 De 100 a 199 Outros
Vale do Taquari ........... 224.666 3,0 10,2 28,3 43,0 X X X Estrela ...................... 23.390 1,0 3,8 10,8 38,9 31,4 14,0 0,0 Arroio do Meio .......... 20.451 1,6 6,9 22,7 56,9 10,1 X X Teutônia .................... 19.251 1,4 5,7 24,1 50,5 14,1 3,7 0,5 Anta Gorda ............... 17.550 1,9 6,8 28,5 45,4 13,5 0,0 3,9 Westfalia ................... 11.541 1,1 8,4 26,4 55,0 8,6 X X Vespasiano Correa ... 9.507 1,4 4,0 21,4 51,3 17,5 X X Cruzeiro do Sul ......... 8.396 3,6 11,7 26,3 46,6 11,0 X X Putinga ..................... 7.670 3,2 10,0 39,6 45,1 2,1 0,0 0,0 Roca Sales ............... 6.762 3,4 16,8 37,0 34,1 6,1 X X Marques de Souza 6.544 3,0 8,6 34,2 48,7 5,4 0,0 0,1 Progresso ................. 6.374 7,3 19,0 36,1 34,0 3,5 X X Forquetinha .............. 6.282 2,2 10,6 30,3 46,2 10,6 0,0 0,0 Santa Clara do Sul ... 5.903 2,5 12,3 39,1 38,8 6,7 X X Travesseiro ............... 5.891 3,0 9,9 36,0 45,8 5,3 0,0 0,0 Imigrante ................... 5.834 3,4 13,0 41,2 39,3 X 0,0 3,0 Colinas ...................... 5.500 0,8 7,0 25,4 56,1 10,7 0,0 0,0 Dois Lajeados ........... 5.064 3,2 14,2 40,1 35,6 6,9 0,0 0,0 Outros ....................... 52.756 5,5 16,0 32,8 32,2 5,9 2,6 4,9 Rio Grande do Sul ..... 2.457.964 2,8 9,1 28,4 42,4 10,5 3,8 2,9 Brasil ........................... 20.567.500 1,3 3,6 10,8 26,1 18,8 16,1 23,4
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2009). NOTA: Os dados das unidades territoriais com menos de três informantes estão identificados com o caractere X.
Segundo a pesquisa, na região, predominavam estabelecimentos rurais próprios, com área mínima
de 0,1 e máxima de 350 hectares. O tamanho médio das propriedades produtoras de leite situadas na região
era de 14,4 hectares. Em 2002, em cada unidade de produção leiteira do Vale do Taquari, trabalhavam três
pessoas, em média. A faixa etária dominante entre esses trabalhadores era de adultos com mais de 41 anos
(três quintos do total). Em se tratando da escolaridade, mais da metade dos trabalhadores não havia
concluído o ensino fundamental. Apenas 10% dos produtores de leite possuíam escolaridade acima do
ensino fundamental completo, dentre os quais, 0,2% (62 pessoas) havia concluído o ensino superior.
Uma das principais vantagens do estudo da Univates é a possibilidade de avaliar as fontes de renda
das propriedades rurais. Nas unidades produtivas de leite, é comum a presença de pessoas cuja principal
fonte de renda é externa à propriedade. Em 31,3% das propriedades, havia pessoas que trabalhavam fora
de seus domínios. Outra fonte de rendimentos é a aposentadoria: aproximadamente 70% dos respondentes
indicaram a presença, nas unidades de produção, de pessoas que recebiam o benefício. Além do leite, as
propriedades se voltavam principalmente ao cultivo de lavouras temporárias e à criação de animais (aves e
suínos). Em termos da contribuição das diferentes atividades para a geração de renda nas propriedades que
produzem leite, foram destacados, em ordem de importância, as lavouras, o leite, os suínos e as aves.
O rebanho bovino leiteiro das propriedades do Vale do Taquari era predominantemente constituído
por vacas de raça Holandesa e Jersey. Animais de outras raças ou sem raça definida também eram
representativos na região. A inseminação artificial era o principal ou o único meio adotado para a reprodução
do rebanho, em 44,0% dos estabelecimentos pesquisados, seguido da monta natural (22,5%). O sistema de
instalação predominante nas unidades produtivas era o tradicional (estrebaria), identificado em 83,7% das
propriedades. Os sistemas semiconfinado e confinado (free-stall) foram encontrados em apenas 855
45
propriedades (6,7% do total). A principal origem da alimentação dos animais era o próprio estabelecimento
rural. Com esse fim, os produtores de leite do Vale do Taquari cultivavam áreas de pastagem, milho para
silagem e pasto de corte. Cerca de 66.228 hectares eram cultivados para fins de alimentação animal.
Aproximadamente um terço dos produtores utilizava ração animal comercial para a suplementação alimentar
do rebanho. Em se tratando do tipo de ordenha, ainda predominava a manual (60% dos respondentes). A
ordenha mecânica com sistema de balde em pé foi citada por 25,4% dos participantes. Geladeiras e imersão
em tarros ainda eram amplamente utilizadas como formas de refrigeração da matéria-prima. As
características de ordenha e de refrigeração denotam que existia uma defasagem tecnológica significativa
no sistema local de produção de leite. A idade dos produtores foi destacada como principal limitante ao
investimento em melhorias no processo produtivo (UNIVATES, 2003).
Ainda segundo o estudo da Univates, o principal destino da matéria-prima comercializada era a
agroindústria (98,0%), persistindo a comercialização direta com o consumidor (2,0%). Uma parcela
significativa dos produtores transformava parte da matéria-prima nas propriedades. Em 2002,
aproximadamente 57.000 litros de leite eram diariamente destinados à industrialização própria, volume
equivalente a 11,2% da produção diária dos participantes da pesquisa. O principal item derivado dessa
produção era o queijo, comercializado principalmente na região do Vale do Taquari.
5.3 A indústria de laticínios
Segundo os dados da RAIS-MTE referentes a 2013 (BRASIL, 2014), no Rio Grande do Sul, o
conjunto das três atividades da indústria de laticínios é responsável por 9.484 empregos diretos, o que
representa 1,3% do emprego industrial do Estado — tomando-se por base as indústrias extrativas e de
transformação — e 7,7% do emprego da indústria de laticínios no Brasil.
Conforme assinalado no histórico, o surgimento da Aglomeração Produtiva de Laticínios no Vale do
Taquari está diretamente vinculado ao avanço da produção de leite na região. Em 2013, havia 34
estabelecimentos cuja atividade principal fazia parte da indústria de laticínios. Esses estabelecimentos
empregavam formalmente 2.214 trabalhadores (Tabela 9). A fabricação de laticínios era responsável por
15,8% do valor das saídas fiscais da indústria do Vale do Taquari, o que reforça a percepção da sua
relevância econômica regional. Em termos setoriais, a concentração dessa indústria no território gaúcho
também é evidenciada pela alta participação do Vale do Taquari no valor das saídas das atividades de
fabricação de laticínios (42,9%), fabricação de sorvetes e outros gelados comestíveis (21,6%) e preparação
do leite (10,0%) (RIO GRANDE DO SUL, 2011).
Embora seja a terceira principal região produtora de leite do Estado (8,0% do total em 2013), o Vale
do Taquari abriga o maior número de empregos na indústria de laticínios (23,3% em 2013). Esse é um
indicativo de que a capacidade instalada da indústria de laticínios na região supera a oferta local de matéria-
-prima. De fato, conforme destacado por Schmitt e Alievi (2013, p. 216), “[...] a região sozinha não consegue
46
produzir leite suficiente para atender à demanda das empresas de laticínios instaladas na região [...]. Faz-se
necessário a coleta de aproximadamente 1.500.000 litros de leite por dia de outras regiões”.
Tabela 9
Número de empregos e de estabelecimentos na indústria de laticínios no Vale do Taquari — 2013
MUNICÍPIOS
PREPARAÇÃO DO LEITE
FABRICAÇÃO DE
LATICÍNIOS
FABRICAÇÃO DE SORVETES E OUTROS
GELADOS COMESTÍVEIS
TOTAL
Empregos Estabele-cimentos
Empregos
Estabele- cimentos
Empregos Estabele- cimentos
Empregos
Estabele- cimentos
Anta Gorda ................. 0 0 62 1 0 0 62 1
Arroio do Meio ............ 0 0 158 1 1 1 159 2
Bom Retiro do Sul ....... 0 0 0 0 0 1 0 1
Doutor Ricardo ............ 0 0 140 1 1 1 141 2
Encantado ................... 0 0 0 0 89 4 89 4
Estrela ......................... 355 2 0 0 16 3 371 5
Fazenda Vilanova ....... 0 0 177 2 0 0 177 2
Imigrante ..................... 0 0 56 1 0 0 56 1
Lajeado ....................... 0 0 0 0 43 4 43 4
Marques de Souza ...... 0 0 11 2 0 0 11 2
Muçum ........................ 0 0 0 0 1 1 1 1
Paverama ................... 0 0 106 1 0 0 106 1
Putinga ........................ 0 0 19 1 0 1 19 2
Roca Sales ................. 0 0 0 0 1 1 1 1
Teutônia ...................... 0 0 975 3 3 2 978 5
TOTAL ........................ 355 2 1.704 13 155 19 2.214 34
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Brasil (2014).
A maior parte dos empregos está concentrada na atividade de fabricação de laticínios (77,0%),
seguida pela da preparação do leite (16,0%). Os Municípios com maior participação são Teutônia e Estrela,
que, juntos, respondem por três quintos do emprego da indústria de derivados do leite do Vale do Taquari.
No período recente, o emprego formal da indústria de laticínios na região cresceu sustentadamente
até 2011 e menos intensamente desde então (Figura 9). Entre 2006 e 2013, o emprego cresceu em todas as
atividades, com destaque para a fabricação de laticínios (+585 empregos). Esse quadro está em
conformidade com o referido por Schmitt e Alievi (2013), que identificaram um expressivo crescimento da
capacidade produtiva das empresas nos segmentos de captação (340,3%), beneficiamento (233,0%) e
derivados do leite (493,4%) entre 2007 e 2011. Assim, percebe-se um duplo movimento em termos de
investimentos: (a) em resposta ao avanço da produção de leite da região e do seu entorno, as empresas
aportaram recursos para aumentar sua capacidade de captação e beneficiamento; (b) visando aumentar sua
participação em linhas de produtos de maior valor agregado — mirando maiores margens de
rentabilidade —, as empresas ampliaram seus investimentos para a produção de derivados lácteos.
47
Figura 9
Evolução do número de empregos nas atividades da indústria de laticínios do Vale do Taquari — 2006-13
355
1.704
155
2.214
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Preparação do leite Fabricação de laticínios Fabricação de sorvetes [...] Total
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Brasil (2014).
Entre 2006 e 2013, o número de estabelecimentos na indústria de laticínios da região manteve-se
praticamente o mesmo — passou de 33 para 34 —, porém, em se tratando do porte, o perfil foi
significativamente alterado. Os estabelecimentos de médio porte cresceram (de 3 para 7) e os de pequeno
porte diminuíram (de 29 para 26). De fato, o aumento do emprego em estabelecimentos de médio porte foi
expressivo, passando de 346 para 1.199. Esse aparente crescimento do porte das empresas possivelmente
esteja associado à maior quantidade de leite produzida nas propriedades rurais.
O porte dos estabelecimentos também variou de acordo com as atividades da indústria de laticínios.
Todos os dezenove estabelecimentos da atividade de fabricação de sorvetes e outros gelados comestíveis,
pelo critério do emprego, foram classificados na faixa das empresas de micro ou pequeno porte.
Aparentemente, as empresas dedicadas a essa atividade têm seu raio de ação restrito à região do Vale do
Taquari e seu entorno.
A fabricação de laticínios, por sua vez, é a atividade com os estabelecimentos de maior porte. No
Município de Teutônia, está situado o único estabelecimento de grande porte dessa atividade na região.
Trata-se da unidade da BRF, destinada à fabricação de leite condensado, manteiga, aromatizados, leite em
pó, leite UHT e outros. Cinco estabelecimentos da mesma atividade são de médio porte e estão situados nos
Municípios de Teutônia (Cooperativa Languiru), Paverama (Inovare-Pavlat), Fazenda Vilanova (LBR), Doutor
Ricardo (Quinta do Vale) e Arroio do Meio (Cosuel-Dália).33
Outros sete estabelecimentos da atividade na
região são de micro ou pequeno porte.
Já a preparação do leite foi declarada como atividade principal de dois estabelecimentos da região,
ambos de porte médio e situados no Município de Estrela. Provavelmente, essas informações correspondam
33
A identificação das empresas e de sua classificação segundo o porte é uma aproximação realizada a partir do cruzamento das informações do Sindilat-RS, da RAIS-MTE e do Cadastro Industrial do Rio Grande do Sul.
48
às unidades industriais das empresas VRS34
/Santa Rita Laticínios e Tangará Foods35
, que, embora possam
ter-se autoclassificado na atividade de preparação do leite, também produzem itens derivados da atividade
de fabricação de laticínios. A Promilk é outra empresa situada em Estrela que também poderia ser
classificada na atividade de preparação de leite. As principiais empresas da indústria de laticínios com
atuação na região são listadas no Quadro 5.
Quadro 5 Empresas da indústria de laticínios do Vale do Taquari
EMPRESA MUNICÍPIO PRODUTOS MARCA INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Bona Vita Progresso Queijos Bona Vita
BRF Teutônia Leite condensado, manteiga, aromatizados, leite em pó, UHT e especiais
Batavo e Elegê Adquirida pelo grupo Lactalis. Operação aprovada pelo CADE em abril de 2015.
Cooperativa Languiru
Teutônia
Leite pasteurizado, leite UHT, queijos, doces de leite, requeijões, bebidas lácteas, natas, leite em pó, achocolatados
Mimi, Languiru, Fruitness, Efetive, Chocolan
O reingresso da Languiru no setor de lácteos ocorreu em 2005.
Cosuel Arroio do Meio Creme de leite, leite UHT, leite em pó, bebida láctea
Dália
Cotrilac Anta Gorda Queijos, ricota, nata e bebidas lácteas Latsul e Bella Estância
Hollmann Imigrante Queijos, bebida láctea, creme de leite, leite UHT
Hollmann Envolvida na Operação Leite Compensado.
Inovare-Pavlat Paverama Creme de leite, leite UHT Pavlat
A Pavlat esteve envolvida na Operação Leite Compensado e, em março de 2015, teve pedido de autofalência aceito pela Justiça.
Lac Max Marques de Sousa Queijos, doce de leite, creme de leite e leite pasteurizado
Lacmax
Lativale/Tangará Foods
Estrela Compostos lácteos, leite condensado e creme de leite
Purelac, Nutricional e Lativale
Em 2011, a Tangará Foods comprou a Laticínios Vale do Taquari (Lativale). O principal objetivo da empresa foi verticalizar a produção.
LBR Fazenda Vilanova Leite UHT e leite em pó Parmalat, Bom Gosto
Em recuperação judicial. Ativo adquirido pela Lactalis.
Promilk Estrela Leite resfriado -
A empresa paralisou suas atividades em Estrela no mês de agosto de 2014 e está em processo de recuperação judicial. Em junho de 2016 anunciou a abertura de uma planta industrial de queijos no município de Rondinha.
Quinta do Vale Doutor Ricardo Queijos Quinta do Vale
Cooperativa de Laticínios Gloria (Coolag)
Fazenda Vilanova Laticínios -
VRS/Santa Rita Laticínios
Estrela Leite B, leite C, leite UHT, iogurte, bebida láctea, queijo, doce de leite, nata
Latvida
A VRS esteve envolvida na Operação Leite Compensado. A Santa Rita Laticínios assumiu a planta industrial em março de 2014, porém, um ano depois, decretou falência, alegando ter sido afetada pela crise do setor.
FONTE: Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado do Rio Grande do Sul (2015). Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (2014). Associação das Pequenas Indústrias de Laticínios do Rio Grande do Sul (2015). NOTA: Também foram consultados os sites das empresas na internet.
Observa-se que a maior parte dessas empresas dedica-se à transformação da matéria-prima em
produtos de maior valor agregado, não se restringindo ao beneficiamento do leite para consumo humano.
34
Em março de 2014, a VRS teve sua planta arrendada para a Santa Rita Laticínios. 35
Em 2011, a Tangará Foods comprou a Lativale.
49
Presume-se que tal situação derive, principalmente, das baixas margens de rentabilidade praticadas no leite
pasteurizado. Schmitt e Alievi (2013) realizaram constatação similar quando identificaram os queijos como a
principal linha de produtos das empresas da região, seguidos das bebidas lácteas e do leite UHT.
As empresas BRF e LBR eram as únicas com atuação no Vale do Taquari cujas marcas estavam
entre as cinco líderes em vendas no Brasil e na Região Sul, no ano de 2013, em diferentes segmentos de
laticínios. Segundo dados da Nielsen/Scantrack, publicados na Revista SuperHiper (LÍDERES..., 2014), a
LBR destacava-se nas vendas nacionais dos leites longa vida (integrais e magros) da marca Parmalat,
ocupando a primeira posição. A marca LBR também aparecia como vice-líder no segmento de cremes de
leite. Os leites longa vida dos segmentos magros e integrais da marca Elegê (BRF) eram, respectivamente,
segundo e quarto colocados em vendas no Brasil. A marca Elegê ainda posicionava-se em quinto lugar no
ranking de vendas de creme de leite no País.36
Em se tratando de estratégia de operação, as empresas listadas no Quadro 5 podem ser divididas
em dois grupos. O primeiro grupo, composto por BRF e LBR, conta com empresas de atuação nacional, que
ofertam um amplo mix de produtos derivados do leite. Suas plantas industriais na região cumprem um papel
específico e determinado nas suas divisões de negócios de laticínios, aproveitando-se da disponibilidade
regional de matéria-prima. As demais empresas, que compõem o segundo grupo, são de origem local e suas
unidades industriais estão predominantemente situadas na região.37
Além da especialização produtiva, algumas das empresas listadas acima compartilham a
experiência de terem passado recentemente — ou ainda estarem passando — por momentos de
instabilidade, o que contribuiu para as mudanças na propriedade de seus ativos. Essa característica decorre
de fatores estruturais do setor no País (exógenos às empresas), de estratégias de negócios equivocadas ou,
ainda, de comportamentos oportunistas de atores locais, que resultaram ser nocivos para a cadeia de
produção (endógenos à aglomeração).
Em estudo de Schnorrenberger et al. (2008), já havia sido constatada a baixa profissionalização na
gestão e no processo de tomada de decisão na maioria das agroindústrias pesquisadas na região. O
trabalho apontou a necessidade de maior investimento em conhecimento e qualificação dos gestores,
principalmente nas agroindústrias de menor porte, visando permitir uma análise mais adequada dos
cenários, das decisões a serem tomadas e dos investimentos financeiros a serem realizados. Os fatos
observados em 2013 e 2014, relatados a seguir, sugerem que, em maior ou menor grau, a situação vigente
à época do estudo ainda perdura.
Em setembro de 2014, insatisfeita com as baixas margens da sua divisão de lácteos, a BRF
anunciou a venda de suas unidades industriais de laticínios e a cessão das tradicionais marcas Elegê e
Batavo para a Parmalat S.p.A., empresa pertencente ao grupo francês Lactalis. As baixas margens de lucro
36
As informações divulgadas pela Revista SuperHiper (LÍDERES..., 2014) sobre a liderança em vendas nas grandes regiões brasileiras, evidenciam que as principais empresas laticinistas concorrem em âmbito nacional, não havendo reserva de mercado para as empresas locais em diversos segmentos. A presença das empresas locais (gaúchas, catarinenses e paranaenses) na Região Sul ocorre mais intensamente nos segmentos de leite longa vida e creme de leite. 37
Em 2011, devido à escassez de matéria-prima na região, a empresa Quinta do Vale decidiu investir na construção de uma nova planta no município catarinense de Itá, situado próximo à fronteira com o Rio Grande do Sul. A Tangará Foods, que recentemente adquiriu a planta industrial da Lativale (Estrela) tem origem em Minas Gerais.
50
são um traço conhecido desse setor e explicam parte do movimento de concentração industrial —
principalmente via fusões e aquisições —, em busca de ganhos de escala. No mesmo período em que a
BRF deixou o mercado, a LBR, como reflexo das dificuldades financeiras associadas ao seu modelo de
negócios e estratégia de crescimento, alienou diversos empreendimentos, dentre os quais, está a unidade
produtiva de Fazenda Vilanova. O empreendimento, produtor de leite em pó e UHT, também foi adquirido
pela Lactalis.
Para as demais empresas da região que recentemente enfrentaram dificuldades no mercado, as
principais fontes de instabilidade são de natureza institucional ou de gestão, por vezes associadas a um
presumido comportamento oportunista próprio e/ou de seus fornecedores de matéria-prima. A quinta fase da
Operação Leite Compensado, deflagrada em maio de 2014, identificou fraudes na cadeia produtiva de
laticínios em oito municípios da região. O Ministério Público denunciou a prática de adição de água e
substâncias químicas para mascarar a deterioração do leite originado ou industrializado em Arroio do Meio,
Cruzeiro do Sul, Encantado, Imigrante, Marques de Souza, Paverama, Teutônia e Travesseiro. As indústrias
Inovare-Pavlat (Paverama) e Hollmann (Imigrante) foram os principais alvos das investigações, que
apontaram, ainda, o envolvimento de empresas transportadoras na fraude. Em decorrência dos efeitos das
denúncias de adulteração do produto, a Inovare-Pavlat deixou o mercado de industrialização do leite. Os
prejuízos acumulados impossibilitaram a empresa de continuar operando e de honrar seus compromissos
com produtores de leite, fornecedores e funcionários. A opção de seus proprietários foi o arrendamento da
planta industrial para a empresa McGriff Foods em julho de 2014.
A VRS, de Estrela, teve destino similar. Na primeira fase da Operação Leite Compensado,
deflagrada em 2013, lotes do leite da marca Latvida, comercializados pela empresa, já haviam sido retirados
de circulação. No ano seguinte, após novas suspeitas de fraude, a fábrica sofreu intervenção e foi fechada.
A VRS entrou em processo de recuperação judicial e arrendou a fábrica em Estrela para a Santa Rita
Laticínios.38
Em outubro de 2014, em razão de dificuldades financeiras, a Promilk paralisou seus postos de
resfriamento em Estrela. A empresa atuava como elo intermediário na cadeia entre as empresas fabricantes
de laticínios e os produtores rurais. Segundo comunicado da empresa, ao longo daquele ano, seu principal
cliente (LBR) passou a atrasar pagamentos referentes ao volume de leite entregue. Como se não bastassem
as dificuldades de recebimentos de seus créditos, outros fatores negativos, como a Operação Leite
Compensado, restringiram o crédito bancário para empresas do setor lácteo. Como consequência desses
fatores, o fluxo de caixa da Promilk ficou a descoberto, e a empresa não conseguiu, assim, honrar seus
compromissos com fornecedores.
Como se observa, o atual momento para as empresas do setor na região é de dificuldades, o que
repercute nas suas relações com os produtores rurais. Parte das empresas de laticínios envolvidas na
Operação Leite Compensado, por exemplo, deixaram de operar ou arrendaram suas plantas industriais,
deixando passivos entre seus fornecedores. Mesmo as empresas que não foram alvo da operação sentiram
38
Em 2014, lotes de leite das marcas Líder e Parmalat, produzidos pela LBR, também foram retirados do mercado por suspeita de contaminação por formol. Contudo os produtos supostamente contaminados foram originados fora da região do Vale do Taquari.
51
seus reflexos. A Santa Rita Laticínios e a McGriff Foods, que entraram no mercado em um ano de margens
excepcionalmente apertadas, enfrentaram dificuldades para remunerar pontualmente seus funcionários e
fornecedores de matéria-prima. Em janeiro de 2015, cerca de 50 funcionários da empresa Mcgriff Foods
entraram com pedido de demissão indireta na Justiça do Trabalho. No mês seguinte, a Santa Rita Laticínios
teve decretada sua falência.
A imagem do leite gaúcho foi abalada pela Operação Leite Compensado, resultando em queda no
consumo local e na venda para outros estados.39
Em 2014, a redução na relação consumo/oferta e a
fragilidade financeira de um número expressivo de empresas — dentre as quais, destaca-se a LBR —
contribuíram para o rebaixamento da remuneração aos produtores gaúchos de leite, que se defrontaram
ainda com elevações nos custos de produção. Segundo as estatísticas do Conselho Paritário do Leite do Rio
Grande do Sul (Conseleite-RS), entre junho e dezembro de 2014, o preço de referência pago pelo leite-
-padrão situou-se abaixo do praticado em 2013.40
A trajetória de queda se manteve até fevereiro, mês em
que o preço de referência atingiu R$ 0,74 e voltou a subir (Figura 10).
Figura 10
Preço de referência do leite-padrão ao produtor (R$/litro) — jan./13-abr./15
0,60
0,65
0,70
0,75
0,80
0,85
0,90
0,95
Jan
eiro
Fevere
iro
Març
o
Ab
ril
Maio
Jun
ho
Julh
o
Ag
osto
Se
tem
bro
Outu
bro
Novem
bro
Dezem
bro
2015 2014 2013
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Conseleite-RS (2015). NOTA: 1. Valor para o leite posto na plataforma do laticínio com Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (Funrural) incluso (preço bruto; o frete é custo do produtor). 2. Os preços efetivos para 2015 vão até março. A informação de abril é estimativa.
As investigações realizadas no âmbito da Operação Leite Compensado evidenciaram a necessidade
de maior fiscalização e transparência no controle de qualidade do produto. A continuidade da figura do
transportador autônomo, que opera adquirindo o leite in natura dos produtores para revender às indústrias,
passou a ser questionada, visto que a maior parte das fraudes ocorreram nessa etapa da cadeia. Foi
39
Segundo o Presidente do Sindilat-RS, Alexandre Guerra, aproximadamente 60% da produção gaúcha de laticínios são comercializados fora do Estado (SINDILAT..., 2015). Em 2014, o consumo nacional cresceu 2%, enquanto a produção avançou 5%. No Rio Grande do Sul, a produção aumentou ainda mais (7%), o que contribuiu para a queda nos preços. Vale destacar, ainda, que os preços internacionais dos principais produtos lácteos também seguiram trajetória de queda nesse período. 40
O Conseleite-RS reúne representantes da indústria láctea e produtores rurais, para estabelecer, mensalmente, o preço de referência pago ao produtor de leite, segundo o padrão de qualidade. Esse sistema de valoração do produto, baseado em estudo técnico da Universidade Federal de Passo Fundo (UPF), premia, com melhor remuneração, a qualidade oferecida pelos produtores, que recebem da indústria de 10% a 20% a mais no valor. O leite-padrão tem por base a Instrução Normativa Nº 51 do MAPA. O preço de referência está condicionado ao valor que a indústria obtém na negociação com o varejo para os seus produtos.
52
apresentado, inclusive, projeto de lei prevendo que o comércio de leite passe a ser feito diretamente entre
produtores e indústrias ou entre cooperativas e indústrias, cabendo a estas últimas a responsabilidade de
controlar a qualidade do produto recebido.
No entanto, na contramão das más notícias, foi anunciado, recentemente, um importante
investimento para a indústria láctea da região do Vale do Taquari. Em dezembro de 2014, o Grupo Vonpar,
líder estadual em importantes segmentos da indústria de alimentos e bebidas, anunciou a transferência para
o Município de Arroio do Meio das linhas de produção dos produtos da marca Mu-Mu. Atualmente, os
produtos da marca são produzidos na fábrica de Viamão, que deverá ser fechada com o início das
atividades em Arroio do Meio. Em Viamão, a Vonpar também industrializava o leite UTH da mesma marca,
cuja produção encerrou em fevereiro de 2014, após denúncias relativas à adulteração do produto por
fornecedores da matéria-prima (GRUPO..., 2014). Outro investimento anunciado recentemente, porém, de
menor monta, foi a instalação da agroindústria de lácteos Rancho Belo, no Município de Travesseiro. Os
empresários pretendem informar, no rótulo das embalagens de queijo, que a matéria-prima foi originada em
área livre de tuberculose e brucelose bovina (AGROINDÚSTRIA..., 2015).
Vale referir, ainda, que, além dos laticínios anteriormente citados, na região do Vale do Taquari,
também funcionam pelo menos mais nove agroindústrias familiares que se utilizam do leite produzido
localmente, principalmente para a produção de queijos (Quadro 6). Em 2014, algumas dessas agroindústrias
estavam cadastradas no Programa Estadual de Agroindústria Familiar (PEAF), coordenado e
operacionalizado pela Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo do Rio Grande do Sul
(SDR-RS). As demais fazem parte do APL Agroindústrias Familiares do Vale do Taquari.41
Quadro 6
Agroindústrias familiares especializadas na produção de laticínios no Vale do Taquari — 2013
EMPRESA MUNICÍPIO PRODUTOS
Primo Sole Encantado Queijos temperados Agroindústria Ouro Branco Encantado Queijos Estrelat Estrela Leite Hachmann Imigrante Derivados do leite Rancho Belo Travesseiro Leite, queijos IMF Nova Bréscia Laticínios Angelita F. de Oliveira Nova Bréscia Laticínios Fiori D'Late Pouso Novo Leite Deoclides José Batisti Progresso Queijos e leite Agriborba Taquari Leite Osmar Schneider Teutônia Queijos
NOTA: Elaborado a partir de Rio Grande do Sul (2013) e Arranjo Produtivo Local Agroindústrias Familiares do Vale do Taquari (2015).
Em resumo, pode-se afirmar que o atual perfil das agroindústrias do leite que operam no Vale do
Taquari não difere radicalmente daquele descrito por Schnorrenberger et al. (2008). Num primeiro grupo,
estão as empresas de maior porte, fabricantes de uma linha diversificada de produtos. Essas agroindústrias
compram o leite de milhares de produtores rurais — situados dentro e fora da região — e até mesmo de
41
No ano de 2013, essa foi uma das propostas selecionadas para participar do Programa de Fortalecimento das Cadeias e Arranjos Produtivos Locais, coordenado pela AGDI. A área de abrangência do potencial arranjo é formada pelos Municípios de Anta Gorda, Arvorezinha, Coqueiro Baixo, Dois Lajeados, Doutor Ricardo, Encantado, Ilópolis, Muçum, Nova Bréscia, Putinga, Relvado, Roca Sales e Vespasiano Corrêa. Fazem parte da proposta um total de 24 agroindústrias, responsáveis por diversos produtos derivados da agricultura familiar. A entidade gestora é a Fundação Alto Taquari de Educação Rural e Cooperativismo (Faterco).
53
outras empresas. A comercialização de sua produção ocorre, sobretudo, em nível nacional. Num segundo
grupo, estão empresas com instalações industriais de pequeno e médio portes, que compram o leite de
diversos produtores locais e ofertam linhas de produtos diversificadas ou especializadas (principalmente
queijos). O terceiro grupo é composto por agroindústrias familiares, que processam e industrializam o leite
produzido por pequenos agricultores. Suas especialidades são a produção de leite pasteurizado tipo “C” e
queijos. Outro traço marcante da indústria de laticínios do Vale do Taquari é a presença de duas
cooperativas (Cosuel e Languiru) entre os estabelecimentos de médio porte que atuam na captação e
industrialização do leite produzido por seus associados.
Por fim, destaca-se que a produção local de laticínios é quase exclusivamente destinada ao
mercado interno brasileiro. Segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior (BRASIL, 2015), entre 2009 e 2014, praticamente não houve registro de exportações de laticínios
com origem fiscal nos municípios do Vale do Taquari. As exportações gaúchas do período também são
inconstantes e de pouca significação econômica, o que reflete um quadro mais amplo de subordinação da
produção à demanda interna.42
Segundo publicação do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos
do Bradesco (BRADESCO, 2015), apenas 0,5% do leite fluído produzido no Brasil em 2013 foi utilizado
como matéria-prima para a produção de lácteos que foram direcionados ao exterior. Nos últimos meses,
esforços foram empreendidos para habilitar plantas industriais gaúchas à exportação de produtos lácteos
para a Rússia, cujo mercado tem potencial para absorver parte da produção doméstica. O MAPA e
entidades representativas da cadeia do leite no Brasil estão articulando-se, a fim de lançar um projeto
nacional de melhoria da competitividade do setor lácteo brasileiro. Além de incentivar o consumo interno
desses produtos, pretendem qualificar a produção e ampliar as vendas no mercado internacional.
6 A aglomeração produtiva de laticínios do Vale do Taquari
como APL
Nos primeiros anos do século XXI, com a revalorização do espaço local como fator determinante da
competitividade das empresas, o uso do termo APL vulgarizou-se no Brasil, tendo sido tratado em muitos
casos como sinônimo de aglomeração. Porém esse não é o procedimento adotado pelos autores deste
trabalho, que entendem que nem toda aglomeração espacial de empresas especializadas é um APL, mas
sim que todo APL é um tipo particular de aglomeração.
O projeto Estudo de Aglomerações Industriais e Agroindustriais do Rio Grande do Sul, do qual faz
parte este relatório, adota como referência o conceito de APL proposto pela Rede de Pesquisa em Sistemas
e Arranjos Produtivos e Inovativos Locais (Redesist), que embasa a formulação de políticas públicas no
Brasil. Segundo essa definição, os APLs são um tipo específico de aglomeração de empresas localizadas
em um mesmo território, que apresentam especialização produtiva e mantêm algum vínculo de articulação,
interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais, tais como Governo, associações
42
Em 2014, foi registrado o maior valor nas exportações de laticínios do Rio Grande do Sul: US$ 38,5 milhões (BRASIL, 2015).
54
empresariais e instituições de crédito, de ensino e de pesquisa (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS
MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, 2003).
Nessa abordagem, cada arranjo é reconhecido como único, porém, é possível perceber um conjunto
de características comuns a todos os APLs. Essas características, além da especialização setorial de
empresas em torno de uma atividade produtiva, dizem respeito a: fusão entre a atividade produtiva local e a
população do território, em caráter tanto econômico quanto social; ação coletiva promovendo a melhora
competitiva por meio de cooperação e de relações de governança entre os atores; e coexistência de
competição e cooperação em nível horizontal, ou seja, entre empresas que atuam em um mesmo segmento,
especialmente nas principais linhas de produtos da aglomeração.
Nesta seção, pretende-se recuperar algumas referências teóricas e observações empíricas que
podem ser úteis para avaliar preliminarmente a aderência do conceito de APL à AP Laticínios do Vale do
Taquari. Em outras palavras, o objetivo é levantar indícios da presença de características particulares ao
conceito de APL na aglomeração estudada. Trata-se de uma análise exploratória inicial, que deverá ser
complementada com a realização do estudo de campo.
6.1 Governança
Para os propósitos desta pesquisa, a governança pode ser entendida como a capacidade de
comando ou coordenação que certos agentes exercem sobre as inter-relações produtivas, comerciais e
tecnológicas, influenciando o desenvolvimento do APL. A questão da governança em APLs só se coloca
quando os agentes locais procuram ir além do aproveitamento das vantagens competitivas locais
decorrentes de economias externas de aglomeração e tentam tomar iniciativas coletivas ou desenvolver
ações conjuntas, estreitando suas interdependências no sentido de alcançar a eficiência coletiva. Quando
esse é o caso, é essencial que haja uma estrutura de governança local. Entretanto, sua existência e sua
forma assumida dependem de um complexo conjunto de fatores. Na sequência, avalia-se preliminarmente a
presença de elementos condicionantes da estrutura de governança, elencados por Suzigan, Garcia e
Furtado (2007), na AP Laticínios do Vale do Taquari.
a) Estruturas de produção em que predominam pequenas empresas costumam ser mais
favoráveis a iniciativas coletivas e ações conjuntas, ao passo que a presença de grandes
empresas ou empresas que dominem elos importantes da cadeia produtiva pode dificultar a
governança. Na AP Laticínios do Vale do Taquari, existe um claro domínio de grandes empresas no
recebimento da matéria-prima. Aparentemente, a estrutura de mercado é de oligopsônio, haja vista
que cinco empresas — BRF, LBR, Languiru, Cosuel e Tangará Foods — dominam o recebimento de
leite coletado junto às mais de 14.000 propriedades dedicadas à atividade na região. Essa é uma
característica que, a priori, limita o estabelecimento de uma governança do tipo de APL. De fato, não
foram registradas iniciativas coletivas ou ações conjuntas locais entre essas empresas. Ao que
parece, as maiores empresas do setor se articulam preferencialmente via sindicatos patronais e
associações de alcance estadual — Sindilat-RS, IGL, Sindicado e Organização das Cooperativas do
55
Estado do Rio Grande do Sul (OCERGS) — ou nacional — Associação Brasileira da Indústria de
Leite Longa Vida (ABLV), Viva Lácteos —, para definir e encaminhar suas pautas comuns de
reivindicação. Porém um traço interessante da aglomeração é a presença de cooperativas
agroindustriais de produtores rurais, criadas com vistas a permitir uma maior apropriação da renda
pelos seus associados. Em certa medida, a manutenção dessas cooperativas pelos produtores
rurais do Vale do Taquari pode ser entendida como ação empreendida no sentido de promover a
eficiência coletiva. Também são observadas ações coletivas entre a indústria e seus fornecedores
de matéria-prima, coordenadas pelas primeiras.
b) O tipo de produto ou atividade econômica local e a respectiva base tecnológica, dos quais
depende a possibilidade ou não de haver divisão de trabalho, interdependências entre as
empresas locais, formação de redes de fornecedores especializados, ou mesmo a
constituição de uma cadeia produtiva, influenciam a estrutura de governança. De modo geral,
a tecnologia utilizada na produção dos produtos laticinistas da aglomeração é amplamente difundida
e está acessível no mercado. A indústria de laticínios se assenta em uma base tecnológica madura,
o que favorece a cooperação em atividades estratégicas como P&D, pelo menos em etapas pré-
competitivas. Porém isso também não foi identificado na aglomeração. Possivelmente, contribui para
essa situação o fato de duas das maiores empresas do setor na região (BRF e LBR) não terem
origem local. Aparentemente, as ações de maior destaque voltadas à inovação ocorrem na etapa de
produção da matéria-prima e contam com a participação conjunta da indústria e dos produtores
rurais.
c) A forma como a produção local se organiza também pode ser um importante determinante
da forma de governança. Formas de organização em que predominam pequenas e médias
empresas autônomas, sem grandes assimetrias, são mais propícias a iniciativas coletivas
sob alguma forma de governança local. Os custos de transação têm extrema importância na
decisão das empresas laticinistas de integrar ou não segmentos da cadeia produtiva do leite. No
Vale do Taquari, parece haver uma divisão bem clara de tarefas entre os atores dos principais elos
da cadeia produtiva, cabendo aos produtores rurais o fornecimento da matéria-prima e à indústria a
transformação do produto. No caso das cooperativas laticinistas, também é realizada a oferta de
insumos e assistência técnica aos produtores. As governanças via mercado ou via contratos de
relação são os meios adotados pelas maiores empresas para garantir a oferta de matéria-prima
necessária para o adequado funcionamento de suas unidades industriais. As atuações locais da
BRF e da LBR, por exemplo, estão condicionadas à política estratégica das empresas, que é
definida externamente ao território. Já nas cooperativas, tradicionalmente prevalece a parceria entre
os produtores e a indústria, mediada por contratos orais, em que os produtores participam com a
terra, as instalações, os equipamentos de ordenha, as vacas leiteiras e a mão de obra, enquanto as
cooperativas fornecem insumos e assistência técnica especializada. Nesses casos, costuma haver
um compromisso bilateral entre as partes, ou seja, os produtores se comprometem a entregar toda a
sua produção para a cooperativa e essa se compromete a comprar todo o leite. Quanto aos
56
contratos orais, eles são possíveis porque a unidade industrial pertence a uma cooperativa, e os
produtores são seus associados. Além disso, o leite cru, in natura, é submetido a testes que avaliam
a sua qualidade e o seu teor de pureza, o que minimiza o comportamento oportunista e também as
assimetrias de informações nessas transações. A integração vertical é observada na etapa de
industrialização da matéria-prima. Conforme identificado por Tessaro, Da Costa e Rissato (2005), os
altos investimentos em máquinas, equipamentos e instalações que não possuem utilidade alternativa
(especificidade física), a necessidade de conhecimento dos técnicos de produção do laticínio
(especificidade humana) e o elevado grau de perecibilidade do leite (especificidade temporal) são
determinantes para essa tomada de decisão. Segundo os mesmos autores, as embalagens dos
produtos processados, por sua vez, normalmente são obtidas mediante contratação de terceiros,
pois a elevada especificidade da marca e de ativos dedicados compromete a sua aquisição via
mercado, e a frequência e o volume de produção dessa matéria-prima não justificam a produção
própria.
d) A forma como as empresas locais se inserem nos mercados tem implicações sobre a
forma de governança. As empresas atuantes na região ofertam produtos com marca própria, mas
que são pouco valorizados no mercado, especificamente por sua origem. O principal atributo de
competitividade das empresas parece ser o baixo custo de produção, estando a comercialização
subordinada a grandes redes varejistas nacionais e internacionais (supermercados). Para contrastar
com essa realidade, Turatti (2011) realizou um estudo com o objetivo de avaliar a aplicabilidade do
conceito de “terroir dos lácteos” para um conjunto de municípios do Vale do Taquari. O autor buscou
avaliar a possibilidade de seguir um modelo alternativo de produção, focado na diferenciação e
diversificação de produtos com menor escala de produção. Considerando-se que um terroir parte
dos pressupostos de solo, clima, cultura, ambiente e existência de um produto que possua
identidade própria, graças a um trabalho humano que lhe confere características específicas, Turatti
evidenciou existir certa especificidade nos lácteos produzidos na região. Esse tipo de constatação
pode ser útil para viabilizar novas formas de inserção da produção local no mercado, com
repercussões principalmente para as pequenas e as médias empresas e para os agricultores
familiares. Segundo o autor, deve-se pensar no estabelecimento de uma governança, no sentido de
estruturar um arranjo institucional, para consolidar e regrar as formas de organização da produção.
Também há a necessidade de fortalecimento das relações de confiança mútua existente entre os
diferentes atores sociais da atividade leiteira, que estão fragilizadas. De acordo com a pesquisa,
enquanto os produtores possuem uma forte relação com o produto e suas características
qualitativas, as empresas laticinistas valorizam, sobretudo, a escala de produção. A conclusão é de
que o modelo a ser buscado talvez seja o da construção de alianças estratégicas que privilegiem a
participação das agroindústrias cooperativas na iniciativa de formação do “Vale dos Lácteos”.
e) A presença de instituições locais com representatividade política, econômica e social,
interagindo com o setor produtivo também é importante para determinar a possibilidade e a
forma de governança. Existe, na região, um tecido institucional formado por atores econômicos,
57
políticos e sociais, sintonizados com as atividades do potencial arranjo produtivo. A Univates se
destaca como instituição a partir da qual emergem reflexões sobre o desenvolvimento local, em
geral, e sobre os meios disponíveis para fortalecer a cadeia produtiva leiteira, em particular.
Segundo Ahlert (2004), o programa Repensando o Agro no Vale do Taquari, iniciado em 2001, é
uma iniciativa da instituição, voltada para discutir o agronegócio local com as entidades ligadas ao
setor. O diagnóstico da produção leiteira da região, realizado pela Univates (2003), é parte desse
programa, que desenvolveu, ainda, alguns seminários e induziu a formação de grupos de estudo
sobre questões consideradas estratégicas. De acordo com Ahlert (2005), o programa sugeriu
diversas ações, dentre as quais, destacam-se, para a cadeia produtiva do leite, a realização de
fóruns de discussão permanentes com as indústrias de laticínios e a criação de programas de
qualidade dos produtos lácteos e de melhoramento genético do rebanho leiteiro. Além da Univates,
estiveram envolvidos, direta ou indiretamente, nesse programa, os representantes da Emater, da
Codevat, da Cosuel, da Languiru, do Sicredi, da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Rio
Grande do Sul (Fetag), do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e da UERGS. Atualmente,
o programa Repensando o Agro no Vale do Taquari está integrado ao Programa de
Desenvolvimento da Agropecuária do Vale do Taquari, que conta com a adesão das principais
agroindústrias de produtos lácteos da região, inclusive de cooperativas. No âmbito desse segundo
programa, foi viabilizado o convênio entre o Estado Autônomo da Galícia (Espanha) e o Conselho de
Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat), assinado em 2007, visando à transferência de
know-how de processos e de produtos, haja vista que a região espanhola ostenta padrões de
sanidade, qualidade, produção e produtividade comparáveis aos dos melhores níveis mundiais. O
convênio deu origem à Carta da Galícia, que foi assinada entre as partes em 2010 e cujo conteúdo
foi recuperado em documento de intenções firmado em 2012, entre representantes dos Estados do
Rio Grande do Sul e da Galícia. As propostas acordadas contemplam os temas de sanidade bovina,
genética, manejo, centro tecnológico, estrutura laboratorial, rastreabilidade e selos de qualidade.
Sobre este último aspecto, destaca-se a intenção de intercâmbio para viabilizar a implantação de
selo de indicação de procedência e denominação de origem dos produtos lácteos do Vale do
Taquari (“Vale dos Lácteos”). O Codevat também foi responsável pela elaboração do documento
intitulado Estratégias para o Desenvolvimento do Vale do Taquari, que elencou demandas e ações
para a região no período 2015-18. Dentre as ações previstas está a “[...] criação de Arranjos
Produtivos Locais — APLs e instalação de seus órgãos de gestão (APL da Proteína Animal, APL da
Floricultura, entre outros” (CONSELHO DE DESENVOLVIMENTO DO VALE DO TAQUARI, 2014, p.
16).
f) O contexto sociocultural e político local. Esse talvez seja o condicionante mais importante
da possibilidade e da forma de governança em APLs. A partir da análise das informações
secundárias disponíveis, depreende-se que a produção de leite e derivados lácteos é reconhecida
como uma das vocações produtivas locais. Conforme descrito no histórico, a atividade leiteira se
desenvolveu alicerçada na cooperação entre os produtores rurais e foi mediada por cooperativas
58
agroindustriais estruturadas com esse fim. A cultura da cooperação acompanhou todo o
desenvolvimento da região desde a chegada dos primeiros imigrantes e continua enraizada. Nas
palavras de Beroldt (2010, p. 85), "[...] o saber-fazer desses agricultores associado ao 'espírito de
cooperação' seriam ingredientes para a aliança entre a agroindústria e a agricultura familiar da
região e mesmo para o seu relativo sucesso econômico.” São muitas as evidências da presença de
laços de solidariedade e coesão social na aglomeração. Porém as iniciativas desse tipo parecem
dar-se de forma verticalizada entre atores de diferentes elos da cadeia produtiva, especialmente
entre os produtores e as cooperativas agroindustriais. A aglomeração de empresas e cooperativas
especializadas na agroindustrialização do leite contribuiu ainda para a formação de lideranças
conhecedoras das dificuldades do setor e comprometidas com seu desenvolvimento.43
As
instituições de ensino, pesquisa e extensão também contribuem para a articulação dos atores locais.
Mais recentemente, a confiança entre os produtores de leite e a indústria foi abalada pelos fatos
apurados no âmbito da Operação Leite Compensado. Ainda que a maior parte das denúncias tenha
recaído sobre os transportadores de leite, a indústria também teve sua imagem atingida. Contribuiu
para agravar o quadro de dificuldades a crise financeira enfrentada pela LBR e por outras empresas
menores, o que resultou em um número expressivo de produtores que deixaram de ser
adequadamente remunerados. O momento parece ser pouco propício à aglutinação das forças vivas
do território. Ações coletivas, como a constituição do “Vale dos Lácteos” e a concretização de
propostas previstas na “Carta da Galícia”, dificilmente terão êxito no curto prazo. Porém a
capacidade de propor soluções coletivas para superar dificuldades e a resiliência dos produtores de
leite são marcas do território, o que contribui para o adequado endereçamento de propostas desse
tipo.
6.2 Cooperação
Historicamente, o desenvolvimento regional foi conscientemente perseguido por atores institucionais
locais, que identificaram, no incentivo às atividades agroindustriais aglomeradas, um dos principais meios
para tanto. Podem ser citadas como exemplos recentes desse tipo de articulação local, a institucionalização
do APL das Agroindústrias Familiares e a assinatura dos convênios com o Governo do Estado da Galícia,
para a promoção da atividade leiteira local.
Em se tratando especificamente da AP Laticínios do Vale do Taquari, o tipo de cooperação
predominante é o vertical-bilateral. A cooperação entre as agroindústrias cooperativas e os produtores
rurais é a mais facilmente percebida e envolve, por exemplo, a oferta de assistência técnica gratuita, a
garantia de compra de toda a produção, o acesso a insumos a preços diferenciados e a transferência de
tecnologia. A distribuição dos ganhos econômicos anuais entre os associados também é praticada pelas
cooperativas. Maia et al. (2013) destacam o papel do cooperativismo para o equilíbrio na distribuição dos
43
Por exemplo, o Presidente da Cosuel, Gilberto Piccinini, que já presidia a Câmara Temática do Leite da OCERGS, foi eleito recentemente o primeiro Presidente do IGL. O Diretor-Executivo do IGL, Oreno Ardêmio Heineck, também é uma liderança local reconhecida por seu papel na articulação de ações para o desenvolvimento da aglomeração.
59
ganhos ao longo da cadeia produtiva do leite, principalmente no que se refere à remuneração percebida pelo
produtor de leite ao longo do ano. Segundo os autores, o cooperativismo pode exercer um poder
compensatório ao de mercado, exercido pelos monopsônios ou oligopsônios.
A ação conjunta de empresas concorrentes na produção de laticínios — cooperação horizontal — é
observada, sobretudo, quando orientada à qualificação de fornecedores (produtores de leite). Nas empresas
privadas da indústria de laticínios da região, parece prevalecer um alto grau de competição pela matéria-
-prima, havendo pouco espaço para a cooperação nesse elo da cadeia. Se, por um lado, essa característica,
a priori, limita as sinergias de um APL, por outro, pode contribuir para a vitalidade da aglomeração.
Conforme destacado por Porter (1998), a proximidade geográfica facilita a comparação do desempenho de
cada firma, pois, além de as atividades serem semelhantes, os custos da mão de obra e o acesso ao
mercado local, dentre outros fatores, não diferem radicalmente. A pressão competitiva, por sua vez, pode
induzir a um comportamento inovador das empresas, ao quererem diferenciar-se das rivais, favorecendo,
assim, o sucesso e a longevidade do cluster.
O estabelecimento de parcerias com o produtor de leite, independentemente de ser realizado por
cooperativas ou empresas, faz parte de uma estratégia comercial que visa garantir a oferta de matéria-prima
necessária à indústria de laticínios. Além do preço pago pelo produto, a decisão dos produtores de leite de
relacionarem-se com determinada empresa pode ser influenciada pelo conjunto de vantagens associadas,
sejam elas econômicas, sejam elas tecnológicas ou mesmo sociais. Abaixo, são listadas algumas atividades
coordenadas por empresas ou cooperativas atuantes na região, voltadas ao produtor de leite. É importante
esclarecer que os programas conduzidos pelas empresas BRF e LBR fazem parte de uma estratégia de
atuação nacional nem sempre customizada para a região.
6.2.1 Cosuel — Dália Alimentos
A Cooperativa é responsável pelo Programa Associativo de Produção Leiteira da Dália Alimentos.
Trata-se de um modelo difundido na Europa — especialmente na região da Galícia — e pioneiro no Brasil,
por meio do qual são reunidos produtores em empreendimentos de produção associativa, com o objetivo de
aumentar a produtividade e a renda dos participantes. Os produtores rurais que aderem ao programa
tornam-se sócios do empreendimento e responsabilizam-se pela oferta das vacas e pela sua alimentação. A
Cooperativa realiza o investimento necessário para adquirir os equipamentos, construir as instalações e
administrar o condomínio. A ordenha das vacas é automatizada, contando com a utilização de robôs (marca
DeLaval, de origem sueca). Aos funcionários do condomínio, cabe o trabalho de gerência, operação dos
robôs e fornecimento de alimentação ao rebanho confinado. O programa prevê a estruturação de
condomínios em quatro municípios: Nova Bréscia, Roca Sales, Arroio do Meio e Candelária.
Aproximadamente 260 animais são selecionados junto aos produtores rurais associados para alojamento em
cada condomínio. O projeto-piloto está sendo construído em Nova Bréscia, devendo entrar em operação no
mês de agosto de 2015. A opção pela ordenha robotizada foi motivada pela busca de uma solução para o
déficit de mão de obra na região. Segundo Igor Weingartner, Gerente da Divisão de Produção Agropecuária
60
da Cooperativa, as vantagens desse modelo estão na escala de produção, na melhoria técnica e no
profissionalismo da gestão do empreendimento. “Os produtores ao se unirem estarão reduzindo a
necessidade de mão de obra, diluindo os custos de produção e manutenção, além de ganharem mais pelo
leite, uma vez que, o volume entregue à cooperativa aumentará consideravelmente”. (DELAVAL, 2015).
A Cooperativa também promove o Programa Vale dos Lácteos da Dália Alimentos. Existente há
cinco anos, o Programa surgiu depois que a diretoria da Cosuel participou de viagens à região da Galícia, na
Espanha, a fim de conhecer o modelo de produção galego. O Programa objetiva aprimorar os índices
zootécnicos nas propriedades participantes e, para tanto, conta com a atuação de médicos veterinários que
se revezam no atendimento aos produtores, realizando orientações acerca do manejo reprodutivo, da
nutrição, da genética, do registro genealógico, do controle leiteiro, dentre outras questões ligadas à atividade
leiteira. Também são rotinas do Programa o monitoramento e a implantação de práticas preventivas no
controle de células somáticas e contagem bacteriana. A participação no Programa é espontânea, mas o
produtor precisa reunir algumas características que o habilitam para ingresso. Cabe ao participante do
Programa a realização de testes de brucelose e tuberculose, controle leiteiro oficial, registro do rebanho,
respeito ao calendário de vacinação e cumprimento da orientação nutricional da Dália Alimentos.
Outra iniciativa da Cosuel voltada aos produtores da região é o Projeto Escola do Leite. Por meio do
Projeto, são oferecidas aulas com conteúdos direcionados à melhoria da produção leiteira. Após definido o
cronograma do curso, um veículo equipado com sistema multimídia percorre propriedades de municípios
selecionados, oportunizando a participação gratuita dos produtores locais interessados. Essa metodologia
substitui o modelo tradicional de assistência técnica, que demanda a visita de técnico em agropecuária em
cada propriedade. Faz parte do conteúdo programático do Projeto os seguintes assuntos: gestão e
planejamento da atividade leiteira, qualidade do leite e manejo de ordenha, controle de mastites,
melhoramento genético, produção de alimentos, criação de terneiros e novilhas, conforto e bem-estar de
vacas leiteiras, manejo nutricional do rebanho, sanidade e reprodução de vacas leiteiras.
Alguns outros projetos e programas direcionados aos associados também são coordenados pela
Cooperativa. Dentre eles, destaca-se o Projeto Sucessão Familiar da Dália Alimentos, iniciado em 2012. O
Projeto oportuniza o diálogo entre os produtores rurais sobre a importância de preparar os filhos para
assumir os negócios das propriedades e também incentiva o empreendedorismo entre os jovens
agricultores. O esvaziamento do campo, sobretudo o decorrente do êxodo rural entre os jovens, é percebido
na região como uma das principais ameaças à agricultura familiar.
6.2.2 Cooperativa Languiru
A Languiru oferta aos seus associados um conjunto de programas com diferentes finalidades. O
programa Boas Práticas na Fazenda (BPF) orienta os produtores de leite associados a adotar
procedimentos e controles que contribuem para aumentar a qualidade e a segurança do produto. Trata-se
de um programa de certificação similar ao desenvolvido pela Nestlé desde 2005, que avalia a conformidade
61
da propriedade rural, com o propósito de garantir padrões mínimos aos fornecedores de leite cru da
cooperativa. Numa primeira etapa, a propriedade passa por um checklist que envolve um conjunto amplo de
itens relacionados à produção do leite. Depois disso, os avaliadores verificam se os pontos de controle estão
de acordo com os requisitos previstos no programa e as melhorias alcançadas. Posteriormente, classificam-
se as não conformidades encontradas, orientando o produtor para ações a serem tomadas em tempo
determinado. Uma vez aprovada, a propriedade rural será avaliada anualmente para manutenção da
certificação (selo de Boas Práticas de Fabricação (BPF)), que credencia o produtor a receber uma
bonificação de R$ 0,02 por litro de leite comercializado com a cooperativa.
O Aprendiz Cooperativo, desenvolvido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo
(Sescoop), é outro programa que conta com a parceria da Cooperativa Languiru, do Colégio Teutônia e de
outras cooperativas atuantes no Município de Teutônia (Certel, Certel Energia e Sicredi Ouro Branco). Por
meio desse programa técnico-profissional, jovens de 14 a 24 anos têm a oportunidade da primeira
experiência profissional, conciliando teoria em sala de aula na entidade formadora (Colégio Teutônia) e
prática nas cooperativas. A cooperativa também oferece formação gerencial gratuita aos jovens associados
e aos filhos de associados por meio do Programa de Sucessão Familiar Languiru. Dividido em módulos, o
conteúdo programático concilia teoria e prática, com encontros mensais e visitas técnicas a propriedades e
agroindústrias. São abordados temas como produção agropecuária e características de gestão, tecnologias
de informações gerenciais para a agropecuária, gestão patrimonial, gestão de custos, gestão de resultados,
gestão de projetos, gestão financeira, gestão de pessoas e da sucessão, associativismo, cooperativismo e
alianças estratégicas.
É evidente que os programas de sucessão rural da Languiru e da Cosuel partilham dos mesmos
objetivos. Ambas as cooperativas foram criadas para prover suporte aos produtores rurais associados e,
especialmente nas suas atividades industriais, dependem da oferta de matéria-prima local para garantir a
viabilidade de seus negócios. O fato de esses programas se valerem de consultores locais — em alguns
casos, dos mesmos consultores — sugere que o tema faz parte da agenda de interesses comuns da
Aglomeração.
6.2.3 BRF44
O Clube do Produtor é um dos pilares da originação do leite pela empresa. Trata-se de um programa
de relacionamento que visa ampliar a parceria entre a BRF e o produtor de leite, no qual a companhia
disponibiliza um conjunto de produtos e serviços, com o objetivo de incrementar a produtividade, melhorar a
qualidade do leite, reduzir os custos de produção e aumentar a rentabilidade do negócio, com reflexo
positivo na fidelização do produtor. A premissa do programa é que, negociando grandes volumes, a BRF tem
condições de disponibilizar aos produtores uma ampla gama de insumos a preços competitivos.
44
Dado que a operação de venda da divisão de laticínios da BRF para a Lactalis é recente, tendo sido aprovada no mesmo período em que este trabalho estava em fase final de redação, optou-se por descrever as ações de cooperação e coordenação mantidas pela BRF na região.
62
Outro desses pilares é o Pagamento por Qualidade (ProQuali), que objetiva investir e incentivar as
boas práticas na produção de leite, o desenvolvimento dos produtos da empresa no mercado e proporcionar
aos produtores participantes do Clube do Produtor um modelo de pagamento por qualidade da matéria-
-prima ofertada. O sistema de formação de preço da BRF considera o preço de referência, a origem de
captação do leite em relação ao centro distribuidor da empresa, o volume e a qualidade da matéria-prima.
Na determinação da qualidade, são avaliados os indicadores de gordura, proteína, CCS e CBT, de acordo
com os parâmetros estabelecidos na Instrução Normativa nº 62 do MAPA. Mensalmente, a BRF envia aos
seus fornecedores de leite o extrato de pagamento, com informações sobre resultados médios das análises,
pagamentos e descontos, volume entregue e produtos comprados.
Em 2011, as empresas BRF, DPA e Itambé se reuniram com o objetivo de estabelecer um protocolo
mínimo de boas práticas junto a seus fornecedores de leite e acelerar a melhoria da qualidade e da
segurança da matéria-prima. Coletivamente e com o apoio do Polo do Leite, ligado à Secretaria de Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais, as empresas estruturaram o programa Boas Práticas na
Fazenda — Produção de Leite Sustentável. Além do protocolo de boas práticas, o programa previu o
compartilhamento de experiências das empresas quanto ao incentivo à melhora da oferta de leite nas suas
regiões de atuação. Em 2012, a iniciativa contou com a adesão das empresas LBR e Embaré. Segundo a
BRF, nesse programa, 230 fazendas seriam avaliadas de acordo com os critérios estabelecidos no termo
assinado. Não há registros da implantação desse programa no Vale do Taquari, o que será objeto de
confirmação no estudo de campo.
6.2.4 LBR45
A empresa é responsável pelo Programa Desenvolve Produtor LBR, que consiste em apoiar e
estimular a comunidade produtora de leite a buscar melhorias de qualidade e produtividade. O Programa
está amparado em quatro pilares: tecnologia e conhecimento, remuneração, infraestrutura e comunicação. O
pilar "tecnologia e conhecimento" tem por base o Projeto 300, coordenado pela empresa, que objetiva elevar
a produção média dos produtores de leite fornecedores da companhia a patamares superiores a 300 litros
de leite por dia. O acompanhamento é feito por meio de visitas de técnicos, e o trabalho consiste na
transferência de tecnologias sobre pecuária intensiva de leite e utiliza a metodologia do Projeto Balde Cheio,
da Embrapa Pecuária Sudeste, cujos resultados alcançados demonstram as viabilidades técnica,
econômica, social e ambiental da atividade leiteira. A revista Produtor LBR provê informações sobre
tecnologias de produção de leite e fatos relevantes para a atividade, além de dias de campo, treinamentos e
materiais direcionados ao produtor. A remuneração do pecuarista é baseada na qualidade do leite e no
volume entregue à LBR. O objetivo desse modelo de pagamento é incentivar a melhoria da matéria-prima,
além de manter sempre um padrão de qualidade do leite. A empresa mantém o Sistema de Valorização da
Qualidade, divulgado como um novo modelo de formação do preço, que valoriza, principalmente, a
45
Apesar de a unidade industrial da LBR ter sido recentemente adquirida pela Lactalis, optou-se por relatar os programas da empresa voltados aos produtores locais de leite.
63
qualidade da matéria-prima. São analisados aspectos fundamentais para se obter um leite com boa
qualidade física, química e microbiológica, tais como CCS, CBT, gordura e proteína. Segundo a empresa,
por meio de uma parceria com fornecedores, os produtores de leite terão acesso a suporte especializado e
condições especiais de insumos, equipamentos e serviços, no pilar da "infraestrutura".
Por fim, uma ação coletiva de destaque que merece ser relatada, voltada à governança da atividade
leiteira regional, ocorreu na Comarca de Arroio do Meio46
. Essa foi a primeira região no Brasil a instituir o
saneamento da tuberculose e da brucelose bovinas por área geográfica municipal. Em 2008, um produtor de
leite de Arroio do Meio teve 60% de seu rebanho descartado por tuberculose. Presumivelmente, seus
animais teriam sido infectados por bovinos vizinhos. Indignado com a situação, o pecuarista buscou a
Promotoria de Justiça, que promoveu uma grande parceria público-privada envolvendo os produtores rurais,
o MAPA, a Seapa-RS, o Fundo Estadual de Sanidade Animal (Fundesa) e as prefeituras e os sindicatos de
trabalhadores rurais da região. Em 2009, foi lançado o projeto-piloto de certificação das propriedades rurais
situadas na Comarca de Arroio do Meio como livres de brucelose e tuberculose bovinas. A referência
adotada foi o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT),
coordenado pelo MAPA. Até então, o PNCEBT vinha fazendo a certificação oficial por propriedade,
dispondo-se, a partir do projeto-piloto, a experimentar a possibilidade de fazê-lo por região ou município,
abrindo a possibilidade de potencializar largamente o número de propriedades rurais com aquela condição
especial. Em razão desse status diferenciado, em 2013, oito laticínios que recolhem leite na região
assinaram um termo de cooperação, comprometendo-se com o pagamento do valor adicional de R$ 0,015
por litro de leite saneado.47
O pioneirismo da região serviu ainda de inspiração para o Programa Estadual de
Controle e Erradicação da Tuberculose e Brucelose Bovídea (Procetube). O Procetube também é uma
iniciativa inédita no País, que prevê o saneamento de toda a área geográfica dos municípios gaúchos quanto
à tuberculose e à brucelose bovídeas (bovinos e bubalinos), focando, inicialmente, as regiões produtoras de
leite. Segundo a Secretaria de Agricultura e Pecuária (RIO GRANDE DO SUL, 2014), apesar de a incidência
da tuberculose e da brucelose ser reduzida (abaixo de 1% do rebanho) e de não oferecer risco ao
consumidor de lácteos industrializados, o saneamento oficial atende a uma prerrogativa básica à expansão
do consumo de lácteos no mercado nacional e à efetiva entrada brasileira no mercado internacional.48
6.3 Aprendizado e inovação
No referencial analítico de APLs, ressalta-se a importância da dimensão local-institucional para o
aprofundamento de diferentes formas de aprendizado e para o reforço do potencial inovador e da
competitividade industrial. Enfatiza-se que os vínculos e as relações de interdependência entre os atores da
aglomeração produtiva especializada contribuem para um processo de aprendizagem que possibilita a
46
Além de Arroio do Meio, compõem essa comarca os Municípios de Capitão, Coqueiro Baixo, Nova Bréscia, Pouso Novo e Travesseiro — todos situados na área de abrangência do Vale do Taquari. 47
Assinaram o termo de cooperação as seguintes empresas: Agroindústria Rancho Belo, Cooperativa de Laticínios Glória, Cooperativa Languiru, Hollmann Laticínios, Promilk Laticínios, Quinta do Vale e Santa Rita Laticínios. 48
Em 2013, 11 municípios do Vale do Taquari aderiram ao Procetube: Anta Gorda, Arvorezinha, Colinas, Cruzeiro do Sul, Doutor Ricardo, Encantado, Ilópolis, Lajeado, Marques de Souza, Roca Sales e Westfália.
64
introdução de inovações de produtos, processos e formatos organizacionais, gerando maior competitividade
para as empresas integradas ao arranjo.
Um aspecto fundamental da dinâmica de operação desses arranjos diz respeito à consolidação de práticas cooperativas entre agentes, as quais resultam em processos conjuntos de capacitação e aprendizado, responsáveis pela intensificação do ritmo de introdução de inovações e pela geração de diversos tipos de ganhos (em termos do aumento da eficiência produtiva e da ampliação de mercados, por exemplo) que reforçam o desempenho competitivo das empresas integradas a tais arranjos. (BRITTO; STALLIVIERI, 2010, p. 317).
As informações secundárias disponíveis sinalizam que a predominância de competição entre as
empresas especializadas na produção de laticínios dificulta a cooperação horizontal na aglomeração. O
principal processo de capacitação e aprendizado induzido por essa concentração parece ser o que ocorre a
partir da ação das empresas e das cooperativas agroindustriais sobre os produtores rurais, articuladas com
as instituições locais de ensino e suporte, produtores rurais. A diferenciação de produto no setor lácteo, por
exemplo, está, em grande medida, condicionada pela qualidade da matéria-prima, o que torna necessário o
desenvolvimento de ações conjuntas, de interesse comum, entre os produtores rurais e as agroindústrias. O
papel desempenhado por essa articulação na melhoria da produtividade e da qualidade do leite ofertado
pela região merece ser melhor estudado.
O pagamento diferenciado aos produtores rurais segundo a qualidade e quantidade ofertada está
entre as principais práticas desenvolvidas pelas cooperativas locais para induzir a inovação e o
aperfeiçoamento técnico-produtivo nas propriedades rurais. A Figura 11 ilustra a política de originação
seguida por uma das cooperativas atuantes na industrialização do leite no Vale do Taquari. Segundo
reportagem de Colussi (2015), até 20% do preço recebido pelo produtor de leite pode vir de bonificações
referentes à qualidade do produto. A descoberta de adulterações do leite e de seus derivados incentivou
empresas do setor a ampliarem esse tipo de prática comercial e deixarem de receber leite de produtores
sem resfriadores a granel, uma das exigências da IN 62.
Além das divisões de pesquisa e desenvolvimento das cooperativas agroindustriais, há um conjunto
de instituições com relevância para o aprendizado tecnológico e o desenvolvimento de inovações na cadeia
produtiva de laticínios. Dentre elas, destacam-se a Univates, o Tecnovates, a UERGS, a Emater e o Colégio
Teutônia.
Não existem informações secundárias disponíveis a respeito das fontes das informações utilizadas
pelas empresas em seus processos de aprendizado. O mesmo se verifica em relação à intensidade dos
esforços tecnológicos realizados pelas firmas integradas à aglomeração e à sua performance inovativa. Esse
tipo de informação somente poderá ser obtido por meio de estudo de campo. Mesmo as informações sobre
as práticas cooperativas também precisarão ser aprofundadas, dado o seu papel para o aprendizado e a
inovação. O que se pode afirmar preliminarmente é que as atividades de pesquisa, desenvolvimento e
inovação da empresa BRF — e isso deve persistir com o ingresso da Lactalis — são externas à
Aglomeração.49
O mesmo possivelmente se verifique em relação à empresa LBR.
49
Segundo a página da empresa na Internet, as equipes de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) estão presentes em todas as etapas da cadeia produtiva da BRF, com unidades localizadas em Carambeí (PR), Curitiba (PR), Jundiaí (SP) e São Paulo (SP), no Brasil.
65
Figura 11
Política comercial diferenciada de uma das cooperativas do Vale do Taquari — 2015
FONTE: Colussi (2015).
Interessante notar que, no trabalho realizado por Schmitt e Alievi (2013), menos de um quinto das
empresas pesquisadas atribuiu alta importância à proximidade com universidades e centros de pesquisa
para a localização da empresa na região. A maior parte dos respondentes também atribuiu baixa importância
para a qualidade da mão de obra e a proximidade com produtores de equipamentos. Esse quadro pode
refletir menor dependência da atividade agroindustrial — pelo menos na forma como está organizada — em
relação à incorporação de novos conhecimentos e tecnologias na produção. A proximidade dos
fornecedores de insumos e matéria-prima, a proximidade com os clientes/consumidores e a infraestrutura
66
física (energia, transporte, comunicações) se destacaram como principais fatores de importância para a
localização das empresas na região.
Considerações finais
O presente estudo procedeu à caracterização preliminar da AP Laticínios do Vale do Taquari, sob os
pontos de vista econômico, social e produtivo. As informações levantadas serão utilizadas para
instrumentalizar o estudo de campo a ser realizado junto aos principais atores locais (empresas, instituições,
etc.), com vistas à caracterização e à análise da aglomeração segundo o recorte analítico baseado no
conceito de APL.
Em termos específicos, o estudo de campo tem como objetivos: (a) identificar os entraves à
competitividade das empresas que compõem a aglomeração; (b) avaliar as vantagens locacionais existentes
e o potencial de desenvolvimento engendrado no território, a partir da atividade leiteira e laticinista; (c)
analisar os vínculos de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre as empresas e os
produtores de leite aglomerados e destes com outros atores locais, tais como Governo, associações
empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa.
Nesta análise preliminar, tornou-se evidente a significativa importância da cadeia produtiva de
laticínios para a dinâmica econômica da região do Vale do Taquari, bem como sua relevância para o setor
no Estado. A Aglomeração pode ser classificada como um núcleo de desenvolvimento setorial-regional, e
sua origem vincula-se diretamente ao avanço da produção leiteira na região. Ao longo dos últimos 50 anos,
a cultura de produção do leite foi criada e se enraizou entre os pequenos produtores locais, o que atuou
como fator de atração da indústria de laticínios para a região.
A concentração da oferta de matéria-prima parece ter sido a principal razão para o estabelecimento
da indústria de alimentos no Vale do Taquari, especialmente a de laticínios. Porém essa oferta local não é
suficiente para explicar o avanço da atividade industrial de laticínios na região. Isto porque, conforme
observado, o processo de industrialização do leite evoluiu num ritmo mais intenso do que a própria
capacidade de produção nas propriedades rurais: o Vale do Taquari responde por apenas 8% da produção,
mas detém quase um quarto do emprego da indústria de laticínios do Rio Grande do Sul. As vantagens
iniciais de produção e a prosperidade econômica ensejada por ela parecem ter contribuído para o
enraizamento da atividade industrial, manifesto no aumento do número de empresas e de postos de trabalho
vinculados à atividade. Em certa medida, foram criados um mercado para fornecedores especializados e um
incentivo ao desenvolvimento de habilidades específicas à atividade local. Para tanto, à abundância de
matéria-prima parece ter-se somado a facilidade de distribuição da produção até os mercados
consumidores — por via fluvial e rodoviária — como elemento de fortalecimento das vantagens competitivas
locais.
A expansão da atividade principal também pode permitir o surgimento de ramos auxiliares, como os
de fornecedores de insumos, de bens de capital e de serviços especializados, bem como o incremento do
processo de aprendizado, do acúmulo e da difusão de conhecimentos por meio do desenvolvimento de
67
tecnologias e de instituições de apoio. Porém essas características são de difícil identificação à distância,
tornando-se necessário auscultar o local. O mesmo se aplica ao detalhamento das relações de cooperação
e às atividades desenvolvidas pelas empresas de menor porte. Disso decorre a importância do trabalho de
campo.
O atual momento para a cadeia produtiva do leite na região é de instabilidade, decorrente da queda
dos preços e da suspeição da qualidade do produto. Embora a Operação Leite Compensado tenha
identificado irregularidades em diversas regiões gaúchas, o Vale do Taquari parece ter sido a mais
prejudicada. À denúncia de envolvimento de indústrias da região na adulteração do leite somou-se a falência
de empresas de médio e de pequeno portes, o que criou um ambiente de instabilidade sem paralelos. As
cooperativas locais que atuam na industrialização do leite foram as menos atingidas por esse ambiente, o
que pode ser capitalizado em seu favor.
Por fim, vale destacar que, nesta análise preliminar, foi possível identificar indícios da existência de
vínculos pessoais, étnicos e culturais advindos da fusão entre a atividade leiteira e a população do território
da AP Laticínios do Vale do Taquari. Isso é especialmente importante, haja vista que a confiança entre os
atores, surgida pela interação contínua no âmbito do Arranjo, é frequentemente mencionada na literatura
sobre APLs como sendo uma das condições elementares para viabilizar a ação coletiva consciente. Em
meio ao atual quadro de instabilidade e de abalo da confiança entre os atores da cadeia do leite, parece ser
decisivo que as instituições recompensem adequadamente os comportamentos positivos e punam os
dissonantes, recuperando as bases em que se assenta a cooperação. Nesse sentido, é importante que os
fatos trazidos à tona a partir da Operação Leite Compensado contribuam para depurar o mercado e
recuperar a confiança entre os atores locais. O Codevat, a Univates e as cooperativas também podem
assumir um papel de protagonistas para a criação de consensos quanto aos caminhos a serem traçados
para o desenvolvimento da Aglomeração, o que em certa medida já ocorre.
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