Jung, as Terapias e o Novo Milnio 1.0 Vol. 1
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Jung, as Terapias e o Novo Milnio 1.0 Vol. 1
Jung, as Terapias e o Novo Milnio 1.0 Vol. 1
Jung, as Terapias e o Novo Milnio 1.0 Vol. 1
CIP Catalogao na publicao
Elaborada por Gabriela Faray (CRB7-6643)
J95 Jung, as terapias e o Novo Milnio! [livro eletrnico] / Andr
Rodrigues (org.). - Piracicaba : Nous Caminhos do Saber,
2015.
2v. : il. col. ; pdf.
ISBN 978-85-69979-00-5
ISBN 978-85-69979-01-2
Transcries das palestras do 1 Congresso Online: Jung,
as terapias e o Novo Milnio.
Jung, as Terapias e o Novo Milnio 1.0 Vol. 1
Nada podemos mudar se no o aceitamos. Condenao no liberta, oprime... se um mdico quer
tratar um ser humano, precisa aceit-lo como . E s pode fazer isso quando j viu a si mesmo
e se aceitou. Isso pode parecer simples, mas o simples sempre o mais difcil. Na vida real
preciso muita arte para ser simples, por isso a aceitao de si mesmo a essncia do problema
moral e a prova real da concepo da vida de uma pessoa.
Que eu d comida a um mendigo, que perdoe uma ofensa, que ame meu inimigo em nome de
Cristo - tudo isso so sem dvida, grandes virtudes. O que eu fizer ao mais nfimo de meus
semelhantes estarei fazendo a Cristo.
Mas e se eu descobrir que o mais nfimo de meus semelhantes, o mais pobre dos mendigos, o mais
atrevido de todos os ofensores, o prprio demnio esto todos dentro de mim, e que eu mesmo
preciso das esmolas da minha bondade, que eu mesmo sou o inimigo que precisa ser amado - que
acontecer comigo? Fosse o prprio Deus que se tivesse chegado a ns nessa forma desprezvel,
ns o teramos renegado mil vezes antes que um nico galo cantasse.
Carl Gustav Jung
Jung, as Terapias e o Novo Milnio 1.0 Vol. 1
APRESENTAO
Esse livro resultado de um maravilhoso trabalho que aconteceu em julho de 2015 e
que foi um marco na Psicologia Analtica no Brasil, o 1 Congresso Brasileiro Online Jung,
as Terapias e o Novo Milnio (www.congressojungterapias.com.br). Esse evento, sendo
inteiramente online e Gratuito, conseguiu reunir alguns dos maiores especialistas em
Psicologia Analtica do Brasil e pde difundir o fantstico conhecimento deixado por Carl
Gustav Jung para um grande nmero de pessoas. Foram cerca de 11.000 inscritos e uma
mdia de 1.500 pessoas vendo cada uma das palestras. Recebemos cerca de 4.000 emails e
a grande maioria foi agradecendo a oportunidade em participar do congresso.
No livro voc encontrar as transcries de todas as palestras exibidas no congresso, as
quais foram divididas em dois volumes. Neste Volume 1 concentram-se as bases tericas
da teria Junguiana e no Volume 2, as entrevistas que abordam terapias com base junguiana
e tambm a relao da teoria com aspectos da atualidade.
Sinto-me profundamente grato pela participao desses grandes especialistas e todos
foram sempre muito generosos, contribuindo para elaborar o evento que tornou-se um
marco para a Psicologia Junguiana no Brasil.
Gostaria por fim de demonstrar minha gratido a minha equipe, Bianca e Brbara que
realizaram um trabalho primoroso na elaborao deste grande projeto. Tambm a meu
filho, grande motivador da minha vida.
Andr Rodrigues
Jung, as Terapias e o Novo Milnio 1.0 Vol. 1
SUMRIO
Jorge Miklos
A vida de Jung e O Nascimento da Psicologia Analtica.........................................................09
Guilherme Scandiucci
O Inconsciente e os Arqutipos. Saiba como Esses Potenciais so fundamentais para a
Vida ................................................................................................................................................35
Joel Sales Giglio
Os Complexos e o Ego: Entenda Como estes conceitos Funcionam e Como Ampliar
seus Limites ...................................................................................................................................51
Malena Segura Contrera
A Energia Psquica e os Smbolos Portais para a Transformao .....................................82
Carlos Byington
Compreenda a Si Mesmo e aos Outros Atravs dos Conceitos de Sombra e Persona
........................................................................................................................................................107
Edna G. Levy
Anima e Animus Atravs do Sandplay Jogo de Areia ...................................................127
Joo Rafael Torres
Sincronicidade: Esteja Aberto para Perceber e Captar as Mensagens do Inconsciente
atravs dos Acontecimentos Dirios .......................................................................................149
Jung, as Terapias e o Novo Milnio 1.0 Vol. 1
Cludia Rabelo
Tipos e Funes Psicolgicas As Vrias Maneiras de Perceber o Mundo e a Si
Mesmo ..........................................................................................................................................164
Walter Boechat
O Self e o Processo de Individuao... Compreenda o Processo de Realizar a Si
Mesmo ..........................................................................................................................................176
Renata Whitaker
Alquimia - A Arte que busca trazer a Essncia, o Ouro de Cada Ser Humano
Tona ..............................................................................................................................................192
Reinalda Melo da Matta
Entenda Como Funciona o Processo de Anlise ..................................................................217
Irene Gaeta
Tcnicas Expressivas Coligadas ao Trabalho Corporal ........................................................231
Henrique de Carvalho Pereira
Sonhos: Entenda a sua Importncia e Saiba como Us-los no Dia-a-Dia ........................251
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Jorge Miklos
A Vida de Jung e o Nascimento da Psicologia Analtica
Andr: Ol, pessoal! Eu sou Andr Rodrigues, estou aqui em So Paulo com o meu amigo Jorge
Miklos.
Jorge: Ol, pessoal!
Andr: Ele historiador e tem toda uma titulao doutor, etc., alm de analista junguiano. E ele vai
falar hoje para gente, sobre a vida e obra de Jung. Isso para gente comear esse congresso com vocs tendo
fresca a teoria dele e tambm como ele chegou a desenvolver o pensamento dele, acerca da psicologia analtica.
Ento eu gostaria que voc se apresentasse, Jorge. Tudo bem?
Jorge: Tudo bem. Bom dia, Andr, estou muito honrado com esse convite e, ao mesmo
tempo, com essa responsabilidade de apresentar a vida e a obra do Jung. Espero que
consiga faz-lo de uma maneira a honrar o prprio pensamento do Jung e os junguianos
que por ventura estiverem nos escutando. No sei se vou trazer coisas to originais, mas,
pelo menos, vou trazer aquilo que mais me tocou, mais me marcou.
Andr: Voc pode falar um pouquinho da sua formao? S para o pessoal te conhecer rapidinho?
Jorge: Claro! Eu posso dizer que tenho uma formao mestia, minha primeira
formao se deu na rea da Histria, eu fiz um curso superior de Histria e, logo depois
que terminei, eu namorei com a Antropologia. Namoro que dura at hoje na verdade. E a
essa Antropologia acabou me empurrando para o mestrado na PUC em Cincias da
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Religio. Ento eu sou mestre em Cincias da Religio, estudei durante 4 anos e meio os
fenmenos religiosos a partir de vrias perspectivas.
A partir da eu continuei na minha carreira na rea das Cincias Sociais e me doutorei
em Comunicao Social. Pode at achar estranho o que tem a ver Cincias da Religio,
Histria e Comunicao Social. Mas eu me Doutorei dentro de uma famlia epistemolgica
que entende a comunicao no apenas como um suporte tcnico, mas fundamentalmente
como um elemento imprescindvel para relaes interpessoais e para as relaes humanas.
Que a isso chamada escola de So Paulo, o CISC Centro Interdisciplinar de Semitica da
Cultura e da Mdia, que aqui em So Paulo est na figura do professor Norval Baitello
Junior como seu fundador. uma rvore frondosa, que gerou muitos frutos e eu sou uma
frutinha desta rvore, mas que pensa a comunicao.
Nesse sentido eu aproveitei a minha bagagem, meu percurso na rea de religio, e estudei
dentro da comunicao a cibercultura (cultura digital), essa cultura que emerge no mundo
contemporneo a partir do uso massivo das mdias digitais e, eu estudei a transposio a
migrao das experincias religiosas contemporneas para o mundo digital.
Hoje o mundo digital praticamente abarcou, se tornou totalizante e tambm totalitrio.
Ele abarcou a educao, abarcou a vida cotidiana, as relaes, o mercado, a economia, o
comrcio e tambm as religies, as experincias religiosas. As igrejas perceberam na internet
um meio de divulgar, de fazer seus proselitismos. E muitas pessoas, muitas igrejas, muitas
associaes religiosas, comearam a utilizar a internet para experimentar novas relaes,
dentro dessa esfera chamada de ciberespao que um depositrio dos bens simblicos
contemporneos, ento eu fui analisar isso. Eu criei uma expresso que eu chamo de Ciber-
religio as experincias religiosas no ciberespao. Ento eu caminho por a.
Mas, como eu estudava Jung desde 85, eu me encontrei com Jung em 1985, eu decidi
fazer uma formao em Psicologia Junguiana. Que o Jung desde a poca que eu fazia
Histria estava presente nas minhas reflexes, na minha vida. Difcil eu olhar para alguma
coisa, ouvir alguma coisa e o Jung no se manifestar. muito difcil, s vezes uma questo
que aparentemente no tem nada a ver, o Jung parece que ele convocado ali.
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Ento eu tinha um estudo quase que individual, quase que como um autodidata da obra
do Jung. Mas, eu senti necessidade de formalizar, de ter uma orientao desses estudos, um
aprofundamento e principalmente uma maturidade maior, principalmente nos conceitos
junguianos que no so to fceis assim, como a gente imagina: sincronicidade, energia
psquica, complexo, arqutipo. Voc tambm foi meu colega sabe disso, que aparentemente
no to simples assim.
Ento eu acabei junto com voc, me inscrevendo l na FACIS (Faculdade de Cincias
da Sade de So Paulo). Fomos procurar o IJEP e o IJEP durante dois anos deu essa
formao. E na verdade quando termina a formao a gente se sente um pouco mais seguro
para poder organizar o pensamento, poder falar. Mas, ao mesmo tempo, a gente fecha uma
porta e abre mais 50 mil, porque ali a gente se sente mais seguro para comear a estudar
melhor pensamento de Jung. Ento a minha presena no Jung estava a.
Tanto que no prprio doutorado, embora seja sobre ciber-religio, cibercultura, ela nasce
a partir do desenvolvimento de uma obliquidade tecnolgica. O prprio doutorado, eu abro
ele com uma epgrafe, e na epgrafe o Jung est l presente. "Conhea todas as teorias
domine todas as tcnicas, mas diante de uma alma humana seja to somente outra alma
humana." Essa foi a mensagem que eu quis comear e quis terminar dentro desse universo.
Ento isso, assim rapidamente.
Andr: Muito bom Jorge, muito bom! Ento, agora que o pessoal j te conhece, vamos comear a nossa
conversa e acho que a primeira coisa : Quem foi o Jung? Eu acho que a gente pode localizar ele em tempo
e espao.
Jorge: Perfeito. Vamos localizar ele no tempo e no espao. Jung nasceu no Canto, num
vilarejo na Sua; Jung era suo. Interessante isso, no ? A Sua uma regio na Europa
muito particular, ser suo algo assim, muito interessante, de certa forma isso marcou
tambm o pensamento do Jung (ser suo). Ele nasceu na segunda metade do sculo XIX,
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mais precisamente em 1875. Ento ele era um pensador da passagem do sculo XIX e ele
vai ter uma vida longeva. Ele vai vir a falecer em 1961, tambm na Sua.
Ele viajou muito, conheceu os EUA, inclusive com Freud, visitou a frica, visitou a
ndia. Mas, ele era um homem da Sua, ele era um campons universal, pode-se dizer
assim. Ele era um homem da terra, ele era um campons, mas era um campons do mundo,
ele j era um cosmopolita.
Ele estava muito antenado com as foras do mundo, no s acho que deste mundo, mas
dos outros mundos tambm. (Risos). Mas, era ali na Sua, no silncio, na tranquilidade, na
serenidade, nos lagos suos, nas montanhas e que ele conseguia auscultar a alma humana,
auscultar a alma do mundo. Ento, o Jung era uma personalidade central ao meu ver para
entender o ser humano, tanto do ponto de vista diacrnico quanto do ponto de vista
sincrnico, ou seja, tanto do ponto de vista do seu tempo, quanto do ponto de vista de
todos os tempos.
E muito interessante localizar o Jung nessa poca, n Andr? Porque eu comeo
dizendo isso, eu acho que todo junguiano sabe essa passagem, mas sempre bom repetir.
No Memrias, Sonhos e Reflexes quando ele abre o livro ele diz: A minha vida a
histria de um inconsciente que se realizou. Tudo que nele repousa, aspira a tornar-se
acontecimento e a personalidade ao seu lado quer evoluir a partir de suas condies
inconscientes e experimentar-se como totalidade, a fim de descrever esse desenvolvimento
tal como se processou em mim, no posso servir-me da linguagem cientfica, no posso me
experimentar como um problema cientfico.
Aqui j tem nesse primeiro pargrafo, ele j diz muita coisa. O que ele quer dizer com
isso? Que voc no pode separar, para entender o Jung, voc no pode separar a vida da
obra dele, em primeiro lugar. A obra dele se constituiu e se construiu a partir da experincia.
No por acaso, o Jung a todo momento, ele na obra, faz sempre questo de frisar: Sou
um emprico, um experimento comum, sou um emprico.
Claro que ele no est usando a expresso emprico no sentido que a Filosofia v o
empirismo, no sculo XVII e XVIII, de Hume e Locke. Ele disse emprico no sentido de
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experincia, ele se experimenta. Na verdade a Psicologia Junguiana nasce a partir da prpria
experincia do Jung, que ele teve com ele mesmo, com a sua vida externa, com sua vida
interna principalmente, a histria de um inconsciente que se realizou, com o mundo, com
as pessoas, com seus amigos, com sua famlia, com seus pacientes, com suas amantes, com
todas as pessoas que cercaram a vida dele.
O que significa isso? Quer dizer, essa passagem do sculo XIX para o sculo XX, os
paradigmas da cincia comearam a desmoronar. E qual paradigma que vai desmoronar?
Quando eu falo desmoronar, embora ele ainda esteja muito presente at nos cursos de
Psicologia, at nos cursos que se dizem cientficos, mas existe um paradigma que se
construiu na modernidade do sculo XVI, XVII, XVIII e XIX, principalmente, que a
cincia se ergue a partir da separao entre o sujeito e o objeto. Ento o sujeito est aqui o
objeto est aqui. Aqui est o psiclogo, aqui est o paciente.
Ontem mesmo eu escutei de um aluno da psicologia, ele falou assim: No! Ns temos
que ser neutros, ns somos imparciais quando estamos diante dos nossos clientes, dos
nossos pacientes.. E eu falei: Voc acredita nisso? Voc acredita nesse mito da
imparcialidade?. Interessante como ele sobrevive. Mas, a partir do Jung a partir de outros
pensadores que o Jung vai tambm dialogar, voc comea a ter uma conscincia.
Emerge-se uma conscincia de que esse paradigma cartesiano moderno ele foi
importante num determinado momento para a cincia, mas ele no d conta da
complexidade, da diversidade e da indeterminao, que a condio humana. Ento, na
obra do Jung, o sujeito e o objeto, no existe essa separao.
A obra do Jung nasce a partir do momento que ele se experimenta como realidade
psquica, enquanto fenmeno psquico. A obra do Jung marcadamente uma obra que
nasce a partir da sua vivncia interior da coragem de descer as profundezas do inconsciente
e da coragem que ele teve de romper esses paradigmas cartesianos, de que separa e, que vai
colocar essa clivagem entre sujeito e objeto. Como ele diz: Eu no posso me experimentar
como problema cientfico., o que ele quer dizer que no pode se colocar, como algo fora
dele mesmo.
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Ento assim, eu no sei se quem est nos ouvindo j conhece a obra do Jung ou vai ainda
conhecer, mas muito importante que, ao adentrar o pensamento junguiano, se tenha
clareza disso. preciso desmontar, desconstruir esse paradigma cientifico do sculo XIX,
esse paradigma positivista que vai se erguer em torno do mito da neutralidade da cincia,
da ideia de que o cientista e o fenmeno observado, seja ele qual for, devem estar
absolutamente separados e, deve se ter claro, que no caso do Jung isso no acontece.
Pode-se dizer que a obra do Jung, os 18 livros que esto publicados, a obra completa,
mais as cartas de Freud, mais O Homem e Seus Smbolos, mais O Livro Vermelho e
o prprio Memrias, Sonhos e Reflexes, tudo autobiogrfico. Costuma-se dizer assim,
Memrias Sonhos e Reflexes uma obra autobiogrfica. E eu tenho a ousadia de dizer
aqui para vocs que toda a obra de Jung autobiogrfica.
Ele fez, ele deixou, ele ordenou que Memorias Sonhos e Reflexes no entrasse nas
obras completas, nas obras cientficas, que fosse publicada como uma obra parte, mas
pode se dizer que toda a obra do Jung autobiogrfica. uma obra que nasce a partir de
uma experincia pessoal.
Ele um homem do sculo XIX, campons, que viveu na Sua, como ns j dissemos.
Ele era filho de um pastor protestante, Luterano e de uma me que tinha experincias
msticas e relaes com o numinoso, isso marcou muito a vida do Jung; pode-se dizer assim.
E nisso eu no vejo um demrito, como muitos poderiam ver, Jung era um mstico, um
gnstico; medida que ele experimentava para alm de uma realidade superficial.
Quando ele descobre o inconsciente coletivo, ele est descobrindo um aspecto da
existncia humana, que vai para alm daquilo que o nosso mundo ousa perceber. Como diz
a msica do Milton Nascimento: Alma vai alm de tudo o que o nosso mundo ousa
perceber.
Ento, ele era um mstico gnstico. Gnoses, o gnosticismo uma corrente que est
presente em todas as religies praticamente, e ela entende que o caminho da redeno o
autoconhecimento. preciso adquirir conscincia de si mesmo, para adquirir conscincia
do Deus que vive em voc, porque s assim possvel fazer o resgate, ento o gnosticismo
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uma... O Jung era um gnstico nesse sentido, um mstico nesse sentido, porque ele levava
em considerao, para compreender a existncia humana e para compreender os tormentos
humanos, justamente a dimenso espiritual da existncia.
claro que isso num ambiente positivista muito mal compreendido. Outro dia eu
escrevi, terminei de escrever um livro e no ltimo pargrafo, eu escrevi a palavra ALMA e
a revisora mandou para mim dizendo, assim, que essa palavra era muito piegas, usando
essa expresso: Isso muito piegas para um livro cientfico.. Ento por a voc j percebe
que ns ainda temos um resqucio muito forte dessa viso.
Ele nasce e, portanto, filho de um pastor luterano, isso marcou profundamente a vida
dele. Eu acredito que, se voc fosse perguntar, assim, quando que o Jung comea a
constituir a sua obra: a partir do momento que ele tem os primeiros sonhos, a partir do
momento que ele tem os primeiros insights, a partir do momento que a conscincia dele
comea a desabrochar. A obra do Jung comea a nascer nesse momento.
Momento em que ele nasce, momento em que ele comea a ter conscincia, as primeiras
lembranas dele, em Memrias, Sonhos e Reflexes ele deixa claro que as primeiras
lembranas dele so quando ele tem trs, quatro anos de idade, ali ele j comea a se
alimentar como psique, viva. Ali comeam a surgir as primeiras, essas primeiras
experincias que vo ser marcantes na vida dele.
Nesse livro ele deixa muito claro que o que mais marcou a vida dele so as experincias
internas, no as experincias externas. Tanto que no Memrias, Sonhos e Reflexes ele
deixou muito claro, ele diz isso: Em ltima anlise, s me parece indignos de ser narrados
os acontecimentos da minha vida, atravs dos quais o mundo eterno irrompeu no mundo
efmero..
Andr: Poxa vida! Fantstico!
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Jorge: Por isso falo principalmente das experincias interiores, entre elas figuram meus
sonhos e fantasias, que constituram matria original do meu trabalho cientfico. Foram
como que uma lava ardente e lquida a partir da qual se cristalizou a rocha que eu devia
talhar. Diante dos acontecimentos interiores., diz o Jung, as outras lembranas
empalidecem, as viagens, as relaes humanas, os ambientes. Muitos conheceram a Histria
do nosso tempo e sobre ela escreveram, ser melhor buscar em seus escritos ou ento ouvir
em seu relato. A lembrana dos fatos exteriores da minha vida, em sua maior parte
esfumou-se em meu espirito ou ento desapareceram. Mas, os encontros com a outra
realidade, o embate com o inconsciente se impregnara de maneira indelvel na minha
memria. (JUNG, Memrias, Sonhos e Reflexes p.20, 1963)
Ento parece assim, que a constituio de toda obra do Jung, a matria-prima para a
constituio do pensamento junguiano essa abertura para o numinoso. Essa abertura para
a transcendncia, que no est para alm, somente de si mesmo, mas esse alm de si mesmo
que est dentro de si. Ele fala que esse mundo eterno irrompeu no mundo efmero.
Ento, quando que comea a obra do Jung? Quando ele nasce, quando ele comea a ter
os primeiros sonhos, quando ele tem os primeiros lampejos de conscincia, quando ele
descobre que ele tem duas personalidades, que existe um menino inseguro e medroso
dentro dele, mas tambm o velho sbio dentro dele e que ele vai conviver com essas duas
personalidades na vida toda dele.
nesses momentos que aparecem, a infncia dele muito marcada por essas relaes,
com as relaes com o pai, relaes com a me. Ento isso a matria-prima fundamental
para entender o pensamento dele.
Andr: Ele at observa isso na me, tambm. A me hora reage de uma forma, hora age de outra.
Jorge: Exatamente. Isso marca muito ele. Enfim, ele acaba, ele tem um momento que
ele tem uma inclinao muito forte pela Filosofia, pela Teologia, pelas chamadas cincias
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humanas puras e uma inclinao tambm pelas cincias naturais. E muito interessante
perceber no Memrias, Sonhos e Reflexes que ele estava oscilante entre uma formao
e outra formao e ele opta pela medicina.
Pensando em qual foi a deciso fundamental, foi o elemento que o levou a decidir, foi
um sonho que ele teve. Ento, Jung sempre se pautou, a vida dele era pautada pela realidade
interna, realidade interior. E, ele vai como mdico, descobrir mais tarde, que boa parte das
doenas psquicas e fsicas que a humanidade carrega, justamente por conta dessa
dissociao que a maior parte das pessoas carrega entre o mundo externo e o mundo
interno, elas no ouvem a voz interior.
A maior parte das pessoas, principalmente aqui no ocidente, principalmente depois da
modernidade, do desencantamento do mundo, a maior parte das pessoas procuram
respostas nas imagens exteriores, as respostas esto aqui no mundo de fora, e elas ignoram
ou desconhecem completamente sua realidade interior. Ento, ele vai inclusive constatar
como mdico que, a maior parte dos males esto ali. Esto nessa dissociao, e que
portanto, o processo de cura comea a partir do momento em que voc se reconecta
com o Si Mesmo com o Self.
Nesse sentido o Jung vai deixar claro. A turma tem uma frase, eu me lembro do Magaldi
repetir essa frase vrias vezes, ele dizia que o Jung falava que os homens abandonaram os
deuses e os deuses voltaram e se transformaram em doenas, em outras palavras, dizer
que aquilo que voc abandona, isso exige e replica e requer ateno. E essa ateno vem
muito por a.
Andr: Jorge, uma dvida que talvez o pessoal, que principalmente no conhece o Jung tenha, qual
a relao dele com o Freud?
Jorge: Perfeito. Ento, eu vou entrar nesse ponto. Ele vai cursar medicina. Ele termina
o curso de medicina no ano de 1900. bem interessante porque o termino do Jung, o Jung
Jung, as Terapias e o Novo Milnio 1.0 Vol. 1
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se forma mdico no ano de 1900 que justamente o mesmo ano que o Freud publica a
interpretao dos sonhos.
Interessante essa virada, justamente na virada do sculo, o Jung est l na Sua
terminando o curso de medicina e ele faz a opo pela psiquiatria e no por outras reas,
considerando que a psiquiatria no era nesse momento uma rea que pudesse trazer grande
fama ou dinheiro. Mas, mesmo assim ele ouve um chamado interior e ele teimosamente,
eu digo que teimosamente, o Jung parece que ele nunca obedeceu muito s vozes exteriores,
ele ouvia a voz interior.
Ento, ele era muito teimoso em relao aos apelos externos e muito obediente aos
apelos internos. Ento, ele vai para a psiquiatria e ele casa com a Emma Jung em 1903, esse
casamento a ele foi fundamental, porque alm de dar estabilidade econmica para ele
Emma , na vida dele, essa estabilidade, a rocha, o pilar da vida dele, era casa, era a
famlia, era aquilo que no deixava se cotizar.
Porque o Jung comea a trabalhar, Andr, j no hospital psiquitrico com algumas
experincias nos seus pacientes com um mtodo que ele inventa, que o mtodo da livre
associao; e dali que vai nascer o conceito de complexo. Ou seja, ali ele trazia os pacientes
e ele pedia para os pacientes responderem a partir de um grupo de palavras que eram dicas.
Ento ele falava casa e a pessoa tinha que dizer o que lhe vinha em mente a partir da
palavra casa. Dizia casamento, a pessoa tinha que dizer uma outra palavra. E, a partir desse
processo de livre associao o Jung conseguia distinguir onde estava aquilo que ele vai
chamar de complexo.
Justamente porque a excitao, taquicardia, determinados sintomas e as reaes fsicas e
mesmo o tempo de resposta para a fala, que dava evidncia para o Jung que ali que estava
o n. Ali que estava alguma coisa. Era uma maneira que o Jung encontrou de fazer, se
comunicar com o inconsciente que ele ainda no conhecia. A que est a questo, a partir
da ele vai ler o Freud vai conhecer a obra do Freud e vai se interessar muito. O Jung, nesse
processo da livre associao, vai encontrar na obra do Freud talvez aquilo que a gente
chama: Aonde esto esses complexos? Onde eles reinam? Onde eles esto? E o Freud deu
Jung, as Terapias e o Novo Milnio 1.0 Vol. 1
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a resposta. O encontro com Freud foi fundamental. Ento, alm da infncia que a
experincia dele, o nascimento da obra do Jung est no encontro com Freud.
Andr: O Freud estudou o inconsciente tambm?
Jorge: Estudou sim. Na verdade, ele nasceu com Freud.
Andr: Depois, o Jung, ele...
Jorge: , o encontro com Freud foi decisivo. Para que o Jung pudesse compreender.
Andr: Tem at uma histria que eles ficaram muito tempo conversando.
Jorge: Exatamente. Eu marquei aqui. Ento, na verdade essa relao com Freud, vai
acontecer entre 1906 a 1913. E, so quase 7 anos de amizade. Uma amizade em que eles
trocaram nesse meio tempo 359 cartas. Eu imagino se a gente trocaria tantos e-mails assim
entre ns hoje, 359 cartas... O primeiro encontro deles se deu em 1907 e, eles conversaram
durante 13 horas ininterruptas.
Andr: Em 1906 ou em 1907?
Jorge: Em 1907. O primeiro contato por cartas se deu em 1906 e em 1907 o Jung foi a
Viena encontrar-se com Freud. E a eles conversaram durante 13 horas, e ali nasceu uma
amizade fantstica, em que eles trocavam sonhos, trocavam ideias, angstias, dvidas, casos
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de pacientes, trocavam muita coisa, era uma amizade mesmo muito forte, muito grande e
com muita sinergia.
O Freud tinha uma admirao imensa pelo Jung. Freud chegou a acreditar que o Jung
seria o prncipe da psicanlise, no sentido em que ele era o pai e o Jung era o filho. Porque
o Freud achava que as pessoas que o cercavam elas eram muito interessantes, tudo, mas as
julgava medocres, do ponto de vista intelectual. E, interessante porque essa mediocridade
se manifesta a partir do momento em que eles eram muito obedientes ao que o Freud dizia.
E era uma obedincia que tambm o Freud cobrava muito deles. Obedincia, obedincia,
obedincia. Isso normal dentro dos crculos acadmicos.
E o Jung, ele no era to obediente assim, Jung tinha suas ideias prprias, o Jung trazia
as suas angstias e os seus contrapontos com as ideias do Freud e isso ao mesmo tempo
que criava conflitos, criava admirao, era um sentimento de ambiguidade. O Freud ficava
contrariado, ao mesmo tempo, mas tambm admirava Jung porque ele era um sujeito
brilhante do ponto de vista intelectual e tinha suas prprias ideias.
E qual era o principal ponto de discordncia entre eles, apesar da grande amizade e da
admirao recproca? A origem dos conflitos estava na represso da libido. E o Jung
considerava que tambm estava ali, mas, existiam outras questes na espiritualidade. E o
Freud no admitia isso, achava que se essa questo fosse colocada na psicanlise, a
psicanlise no seria levada a srio.
Ela j enfrentava muito preconceito, o crculo psicanaltico j enfrentava muito
preconceito, porque at hoje voc ouve isso nas escolas de psicologia... Ah, o inconsciente
no pode ser provado cientificamente. Hoje ns estamos no sculo XXI, hoje voc fala
o inconsciente no pode ser provado cientificamente, e a a gente pergunta: De qual
cincia voc est falando? Tudo bem, mas qual cincia voc fala?. Ento Freud tinha muito
receio de que trazendo essas coisas, para dentro da psicanlise, a psicanlise fosse
considerada... A sim os inimigos teriam mais armas pra questionar.
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Andr: Existe alguma ideia de que, e at se procurar na internet voc acha, em muitos lugares,
especificamente dizendo que Jung era discpulo de Freud. Isso correto?
Jorge: Eu no sei, Andr. Eu realmente no... Eu acho que essa pergunta... No sei se
ela vai ser respondida. Eu vou dizer o meu ponto de vista. Eu sou muito franco em dizer,
e sei que muita gente pode no concordar comigo. At o momento em que eu comecei a
estudar a Psicologia Junguiana do ponto de vista mais formal, isso para mim estava meio
que naturalizado, Jung foi um discpulo de Freud, ponto. Depois que eu estudei de forma
mais rigorosa, de forma mais assertiva a Psicologia Junguiana, eu comecei a duvidar disso.
claro que o inconsciente algo que os une, do ponto de vista terico, no h dvida.
E claro que o encontro com Freud decisivo para o Jung em vrios aspectos, em muitos
aspectos, tericos e existenciais e no clivagem ou separao entre eles. Mas eu no vejo,
hoje, a Psicologia Junguiana como uma espcie de desdobramento da psicanlise como foi
Lacan, como foram outros ramos da psicanlise, Melanie Klein. Eu acredito que a
Psicologia Junguiana ela tem uma autonomia epistemolgica.
O que no significa que o Freud no tenha sido decisivo. O prprio Jung reconhece, isso
aqui um captulo inteiro dedicado a Freud na Psicologia do Inconsciente, existe um
captulo dedicado a Freud, existe um livro do Jung: Freud e a Psicanlise que no significa
isso, mas, at ento dizer que a Psicologia Junguiana um ramo da psicanlise, eu no sei.
Eu acho que isso seria tema de um encontro entre psicanalistas e tal. O que eu escuto de
alguns psicanalistas, eles rechaam Jung, pelo menos o que eu percebo. Nos meios
psicanalticos eles no gostam nem de falar do Jung, alguns ou no. Isso a no tem nada a
ver com a gente. J nos meios junguianos falam com naturalidade dessa relao com
Freud... Que eu circulo, pelos cursos de psicologia, dou palestras, dou aulas, dou cursos e
isso para mim fica evidente.
Quando voc pergunta para um psicanalista sobre Jung ele diz no tem nada a ver, um
discpulo rebelde um Lutero, rompeu daqui. Voc pergunta para os junguianos eles falam
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com muita naturalidade e at com gratido ao Freud. Ningum tem um encontro e troca
359 cartas e depois mesmo com o rompimento da amizade Jung nunca deixou de expressar
sua admirao. isso, n, Andr? O pai e o filho.
Andr: O Jung j era diretor no instituto de psicanlise, antes mesmo de se encontrar com Freud, ele
j tinha um caminhar, n?
Jorge: Sim! Exatamente. E esse caminhar era um caminhar muito forte e um caminho
muito promissor. E esse encontro foi decisivo, assim como outros encontros, o pai e o
filho. E a o filho carrega a herana do pai, mas segue. Isso na histria muito comum.
Jesus era judeu Lutero era catlico, as extenses, elas so muito comuns ao longo da
histria. No verdade?
Andr: Eu me lembrei agora de uma fala do Jung. Eu no me lembro se est anotado no Memrias,
Sonhos e Reflexes ou em algum outro livro Natureza da Psique. Mas que ele fala que mantinha
uma reserva mental aos conceitos do Freud.
Jorge: Exatamente, porque o Freud era absolutamente assim incisivo e rigoroso. Na
medida que ele vai dizer que a origem dos conflitos a origem das neuroses estava na
represso de um contedo de natureza sexual. E o Jung vai dizer que no. Tambm est
na natureza sexual, mas existe outras questes da psique humana.
Ento eu vejo na verdade, assim, o Jung com uma grande admirao ao Freud, o Freud
tambm, e o rompimento da amizade entre eles foi muito duro, tanto pra um quanto para
o outro. Eles sofreram muito. Mas h momentos que no d para fazer omeletes sem
quebrar os ovos.
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Andr: E o que que aconteceu para haver esse rompimento?
Jorge: O que aconteceu que chegou um momento em que essa reserva mental comea
a ficar cada vez maior. Ou seja, ela comea se tornar insustentvel para o Jung ele ia
esconder ou disfarar, ou fazer de conta que isso no pertencia a ele, ou seja, ele teria que
se sacrificar. Para manter a amizade e a parceria intelectual com o Freud ele teria que
sacrificar a ele mesmo. E h um momento que ele no suporta isso e, portanto, expe
publicamente as suas divergncias com Freud.
Expe, publicamente, no circuito cientfico que a raiz dos conflitos no so apenas
sexuais e o Freud no admite. No posso admitir algum no meu grupo que pense dessa
maneira como voc pensa. A o rompimento inevitvel, a eles rompem. Esse rompimento
foi muito duro para ambos.
Porque o que que acontece depois, n Andr? O Freud vive na ustria vem a primeira
guerra mundial o imprio Austro-hngaro se esfacela, a Alemanha punida pelo tratado
de Versalhes. Vem a dcada de 20 uma crise econmica sem precedentes em toda a Europa
e o nazismo. O antissemitismo cresce durante os anos 20. Freud era judeu, e a o Freud
acaba caindo em desgraa, vai ser expulso de Viena, por conta da sua origem semita e por
conta da anexao da ustria, e junto com ele, os livros dele foram queimados, em praa
pblica.
E j o Jung, eles rompem, portanto em 1913. E o Jung entra num processo de depresso
profunda, um desmoronamento. poca que o Jung chama de desmoronamento, e vai
sucumbir, ele vai passar todo o perodo da primeira guerra mundial num enclausuramento,
numa depresso que ele no conseguia sair de casa, no conseguia atender, no conseguia
clinicar. E, o que ele chama de confronto com o inconsciente. A outro momento
decisivo, voc j v que o terceiro momento.
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Aps o rompimento com o Freud essa amargura, essa angustia toda vem tona, mas, ao
mesmo tempo, vem esse confronto com o inconsciente quando ele vai criar o conceito de
Imaginao Ativa. Que quando vai nascer depois.
Andr: Mostra para a turma.
Jorge: O Livro Vermelho, que o resultado dessa experincia que ele tem com ele
mesmo, aps o encontro com suas imagens interiores. Ento, as imagens que vo brotar
do inconsciente, a maneira que ele encontrou para no sucumbir, foi ilustrar essa relao.
Ele vai dizer que as imagens jorravam. E, era preciso dar uma expresso a essas imagens.
E, a partir da, o Jung vai conseguir sair desses processos mais forte, mais altivo e, a partir
da ele vai seguir o caminho e vai construir o pensamento dele.
O pensamento prprio, j no mais ligado ao Freud, j no mais amparado pelo Freud.
Porm sem, nunca, bom isso ser repetido: sem nunca desconsiderar o pensamento do
Freud. Ou seja, o Jung vai estruturar que existe um inconsciente, mas existe o inconsciente
coletivo. E, esse inconsciente coletivo no implica negar a existncia do inconsciente
pessoal, mas existe o inconsciente coletivo que alm das questes sexuais, da libido, fora
da libido, existe uma energia psquica.
Essa energia psquica ela mais complexa, ela mais diversa e totalmente determinada
e, nesse sentido, o pensamento dele vai ganhar. E a o Jung vai escrever os tipos
psicolgicos, um livro que vai colocar ele numa cena cientifica muito interessante. Um livro
que vai ser lido apropriado para muitos at hoje, at pelo povo da administrao de
empresas, o pessoal que trabalha com RH, muitos se apropriam disso.
E, ele vai ter um caminho, vai estudar alquimia, vai estudar religies, vai estudar gnose,
ele vai ter dilogos com o circuito da fsica quntica, que ele vai elaborar o conceito de
sincronicidade. Ele vai mergulhar no universo da pintura, universo dos sonhos, vai criar
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um grupo em torno dele que, eram os pacientes. interessante isso, quem foram os
junguianos?
Andr: Da primeira fase.
Jorge: , os junguianos eram todos pacientes dele. Que foram l procura-lo, ter a
psicoterapia com ele e o prprio processo da psicoterapia. S se torna um analista
junguiano aquele que foi capaz de enfrentar a si mesmo; Jung dizia, para alm de questes
e fronteiras corporativistas e institucionais que as vezes fundamentam regulamentam nossa
atividade no mundo social.
Jung dizia: bom o que eu preciso fazer para ser um analista junguiano, um processo de
anlise junguiano. S se torna um analista junguiano aquele que passar por um processo de
anlise junguiana. Isso est claro e isso volta ao primeiro ponto de nossa fala. Ou seja, voc
precisa experimentar a si mesmo, voc precisa viver. A vida que viver, a vida que
brotada, a vida que jorrada e preciso que voc permita que isso acontea. Ento, Jung
vai ter um caminho com um dilogo com a alquimia, com as religies, com a histria das
religies, com os mitos, com a astrologia.
Andr: Inclusive ele viaja para frica.
Jorge: Viaja para frica, para o Oriente. E tomando contato com essas culturas arcaicas
e com sonhos, smbolos, comea perceber a existncia da recorrncia desses smbolos, do
simblico em vrios. Ento, Jung teve assim um dilogo enorme com muitos setores da
sociedade. Ele no tinha preconceitos epistemolgicos. Ele estudou os mitos, estudou as
religies, estudou o simblico.
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O simblico era para ele a recorrncia desses smbolos, das mandalas aqui, na frica, na
sia, nas catedrais gticas medievais a prova da presena dos arqutipos, do inconsciente
coletivo. Estudou alquimia, estudou dilogos com Linus Pauling com a fsica quntica, o
desenvolvimento da sincronicidade, o desenvolvimento de toda uma teoria que no se
engalinhava, no ficava restrita a si prpria, no ficava querendo provar para os outros, no
ficava se autorreferencializando.
Eu vejo a teoria junguiana como a teoria que sempre sai de si mesma, que se extrapola,
que no tem medo de se enfrentar e dialogar com outros pontos. E interessante porque
o Jung vai escrever, e vai produzir muito, muito, muito. Ele chega aos 80 anos onde est
escrevendo O Homem e Seus Smbolos, o prprio Memrias, Sonhos e Reflexes,
essas obras que depois se tornaram as grandes vanguardas, as grandes obras que vo
popularizar o pensamento do Jung, foram feitas j quando ele era um octogenrio.
O Homem e Seus Smbolos, Memrias Sonhos e Reflexes so obras produzidas
colaborativamente, quer dizer, hoje se fala muito na academia em construo do
conhecimento de uma maneira colaborativa. O Jung na dcada de 60, passados os anos 50,
j fazia isso com seu grupo. Quer dizer construo colaborativa do conhecimento
Memrias, Sonhos e Reflexes, O Homem Seus Smbolos, so obras colaborativas. O
Segredo da Flor de Ouro, com Richard Wilhelm que ele vai prefaciar, que na verdade
quase que metade do livro.
Ento, um pensamento dinmico, um pensamento que sempre me atraiu muito por
conta disso, porque nunca ficou restrito a um aspecto ou outro, nunca ficou preocupado
em se institucionalizar e se auto-referencializar como o nico pensamento como algo
totalizante. Porque tudo que procura ser um pensamento totalizante, ou seja, de querer dar
conta de toda realidade sempre acaba se tornando tambm totalitrio, na medida em que
se fecha, e renega todos os outros tipos de conhecimento.
Ento o Jung faz da sua vida e da sua obra, uma possibilidade de sair de si mesmo, dos
limites do prprio ego e de ir alm disso tudo e de aprofundar-se, nesse caldo que a
humanidade.
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Andr: Jorge, voc falou que o Jung mergulhou no inconsciente num determinado momento, aconteceram
isso mais duas vezes, no ? Ao longo da vida dele. Que ele fica um tempo grande.
Jorge: Acontece um tempo longo de recolhimento em que ele atende os chamados. Ele
vai buscar e ouvir aquilo que o mundo dos sonhos, aquilo que as imagens, as vises traziam
para ele e ele vai mergulhar. O livro, por exemplo, Resposta a J que o livro que ele
escreveu como uma espcie de cartarse que ele teve. Tambm foi um momento de
mergulho, momento de aprofundamento. Esse recolhimento, na verdade ele acontecia
justamente para poder ter esse espao maior com a dimenso do inconsciente, e permitir
que esse inconsciente se manifestasse nele e trouxesse para ele essa dinmica.
Ento, ele carregava essa caracterstica. Essa era uma caracterstica do Jung, era um cara
sorridente, s vezes bem-humorado, dizem que s vezes mal-humorado, que falava na lata
aquilo que ele estava pensando que ele estava dizendo, no era dado muito s hipocrisias
sociais. Mas, ele tinha sim um compromisso maior dele era com essa realidade interior.
Eu diria para voc, Andr que essa a grande diferena do Jung e de muitos dos
pensadores que a gente conhece. Que tambm so vlidos e que tem o seu valor. De jeito
nenhum a gente est tirando o valor, a importncia, a relevncia e a pertinncia que tem as
outras escolas de pensamento mesmo dentro da psicologia. Mas, o compromisso mais
importante da Psicologia Junguiana com a realidade interior. No existe nenhuma
possibilidade de voc avanar no caminho do autoconhecimento se voc no olhar para
dentro de voc. E, essa foi sempre uma caracterstica do Jung.
E, eu queria at aproveitar a tua fala, queria mostrar, e quem est nos escutado
pacientemente, uma imagem que me chamou muita ateno deste livro, que uma imagem,
pelo menos na minha leitura, ela ilustra isso que ns estamos querendo dizer, esse
compromisso com a realidade interior, sem, contudo, desmerecer e desprezar a realidade
exterior. Essa imagem aqui (mostra).
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Vou tentar colocar aqui de uma maneira que as pessoas consigam enxergar. Essa imagem
aqui, me parece uma imagem que para mim pelo menos sintetiza um pouco da prpria
psique humana, da prpria dimenso que a vida e a obra de Jung. O que voc v aqui,
a zona do inconsciente. Aqui voc tem a zona do inconsciente, essa zona do inconsciente
uma zona mais escura, mais sombria, que voc nunca vai conhecer na sua integralidade.
O inconsciente nunca vai se tornar totalmente consciente. Isso necessrio, ter essa
humildade de reconhecer. Nosso ego no pode achar que ele domina tudo, que ele controla
tudo. Aqui est o mundo dos arqutipos. Aqui que circula os arqutipos, e o ego no d
conta do arqutipo, eu diria que o ego dar conta do arqutipo seria a mesma coisa que
tentar colocar o oceano pacifico dentro de um copo dgua. No possvel. E aqui est o
barco que a nossa conscincia. E, no centro desse barco tem o ego.
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Ento, me parece que a vida do Jung foi uma vida que possibilitou a emergncia da sua
obra a partir do momento em que ele se d conta dessa realidade interior, ele permite que
essa realidade interior se manifeste. E, quando voc fala que ele se recolhia para permitir
que isso acontecesse, quer dizer, a vida do Jung no destruir o ego, no destruir o barco,
justamente o contrrio.
Para voc garantir a existncia desse ego, deste barco, preciso que este barco e este ego
estejam em sintonia com essa realidade interior, para que isso daqui no se transforme
numa tempestade que acabe naufragando e levando ao naufrgio dessa realidade
consciente. A realidade consciente, ela deve servir ao Self e no o Self estar a servio do
ego. A inverso disto que leva ao naufrgio. preciso colocar a o ego a servio.
Quando o Jung se recolhe, e ele diz bom, agora o momento que o meu Self, o meu
inconsciente quer se manifestar, ele se permite isso. Isso garante a sobrevivncia, garante
que voc no adoea, garante que voc no tenha distrbios, garante que o teu ego se
coloque a servio de uma realidade interior. Ento, esse movimento de recolhimento que
o Jung faz, so movimentos que inclusive as religies tradicionais elas estimulam seus
membros a fazerem.
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Veja, os mulumanos rezam 5 vezes por dia, eles esto l no meio de sua atividade, eles
param o que eles esto fazendo e eles durante 5 vezes por dia, durante 5 minutos eles se
voltam para Al. E o que voltar-se para Al? Voltar-se para Al voltar-se para Deus,
voltar-se para o Self, para o si mesmo, voltar-se para a Imago Dei para imagem de Deus
na alma humana. E essa imagem parece que bem emblemtica.
O barco s sobrevive se estiver em sintonia com as guas. S os bons mareantes so
aqueles que conhecem as guas em que eles navegam. E, conhecendo as guas que eles
navegam, significa permitir-se banhar-se, permitir que ela te massageie, permitir que elas
existam.
Talvez o grande problema da incompreenso da teoria junguiana ela advenha no de um
preconceito contra o Jung, mas talvez seja uma intolerncia em relao a caracterstica que
da prpria da civilizao ocidental que muito centrada no ego, que muito centrada na
conscincia, muito centrada naquilo que a gente chama de critrio de cientificidade da
verdade. Que, desconsidera completamente aquilo que o numinoso.
Jung teve uma vida longa, uma vida prspera, uma vida boa. Ele morreu, a Emma Jung
faleceu antes dele, e ele morreu em paz. Quando se pergunta como foi a morte de Jung, ele
morreu em paz. Ele morreu em paz porque ele estava provavelmente muito consciente de
que a vida dele se colocou a servio de uma realidade que ia para alm dele mesmo.
Andr: Tem uma frase na lpide dele, voc lembra qual ?
Jorge: Bom. Tinha uma frase na porta da casa dele que dizia assim: Invocado ou no
invocado, Deus est presente.
Andr: Muito Bom! Jorge, a gente j est estourando o tempo, a gente poderia ficar conversando horas,
sobre isso.
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Jorge: Claro, claro. Mas, tem que ler o Jung, n?!
Andr: tem que ler o Jung. Mas eu queria aproveitar s para conversar rapidinho com voc sobre
uma questo que para muitos que esto assistindo a gente e no so psiclogos. E, muitos podem at
confundir o Jung ou o pensamento junguiano com um misticismo no cientfico. Ento, eu queria s
aproveitar para frisar essa questo, para que fique muito claro que esse autoconhecimento no um
autoconhecimento etreo, nesse sentido.
Jorge: No. Claro que no. Na verdade, o Jung confundido por isso, mas, se voc
acompanha as obras completas do Jung, so obras cientficas. Ele faz questo de dizer.
Tudo que est ali escrito partiu de uma experincia com os sonhos dos seus pacientes, as
experincias onricas de seus pacientes. Portanto, tudo aquilo est fundamentado, tudo
aquilo est declaradamente comprovado. S que de um ponto de vista de uma cincia que
no cartesiana.
A modernidade construiu uma cincia positivista, uma cincia cartesiana, cartsius de
Rene Descarte, estabelecia esse critrio de validao cientfica, esses critrios de validao
cientfica significam tomar o homem como ser racional, apenas, homo sapiens sapiens. E,
a descoberta da psicanlise e da Psicologia Junguiana diz olha ns somos sapiens mas
somos demiens.
Andr: Inclusive ele fala: Somos homos religiosos.
Jorge: Homo religiosos, homo artsticos. Isso historicamente est l, a partir do Jung
do Freud as prprias expresses artsticas, as vanguardas artsticas europeias elas vo
Jung, as Terapias e o Novo Milnio 1.0 Vol. 1
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sinalizar isso. Se voc pegar essas telas surrealistas, o impressionismo, o surrealismo, os
expressionistas, os cubistas. Elas comeam se a voltar para essa realidade interior.
Pega a obra artstica do Salvador Dali, a obra artstica do Duchamp, as obras artsticas
do Ren Magritte. Ali tem uma expresso, j so artistas que esto dando uma outra
expresso para o seu trabalho e, uma expresso que leva em considerao. Ento, da
mesma maneira voc poderia dizer isso no arte. Porque essa tela no representa a
realidade, tal qual a realidade se apresenta para os meus sentidos. Ento voc vai dizer isso
no arte. Ento o que que arte? Porque os surrealistas iam buscar na realidade onrica,
na realidade interior que anacrnica, no lgica, analgica, atemporal, aespacial. Outras
formas de representao.
Existe um ramo da psicologia, que pensa apenas a realidade exterior e, existe um campo
da psicologia que pensa as realidades que vo alm dos exteriores. Uma no melhor que
a outra, uma no pior que a outra, elas se complementam.
Andr: Jorge, para finalizar, se voc tiver alguma coisa que voc queira colocar, que voc ache que
importante e que a gente no falou, fique vontade se no a gente pode encerrar.
Jorge: A gente pode encerrar. Eu vou s encerrar agradecendo a pacincia. Espero que
eu tenha conseguido dar incio a uma conversa. Acho que isso aqui nunca o final de uma
conversa; o incio de uma conversa. Espero que vocs que esto nos ouvindo se
interessem em ler a obra do Jung. E possam depois at debater conosco sobre essas coisas
que foram aqui debatidas, algumas polmicas, por exemplo, essa relao com Freud. Que
eu acho que no est terminado ainda. Eu gostaria de terminar citando o prprio Jung, se
voc me permite?
Andr: Claro!
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Jorge: Uma frase que ele diz aqui no Memrias, Sonhos e Reflexes em que ele diz
assim: A vida sempre me afigurou uma planta que extrai sua vitalidade do rizoma. A vida,
propriamente dita, no visvel pois jaz no rizoma. O que se torna visvel sobre a terra
dura, um s vero depois fenece. Apario efmera. Quando se pensa no futuro e no
desaparecimento infinito da vida e das culturas, no podemos nos furtar a uma impresso
de total futilidade. Mas, nunca perdi o sentimento da perenidade da vida sobre a eterna
mudana. O que vemos a florao e ela desaparece, mas o rizoma persiste. .
Andr: Muito Obrigado Jorge!
Jorge: Isso, de certo modo. Obrigado voc! De certo modo o Jung ele faleceu, mas o
rizoma est vivo entre ns.
Andr: Certeza! Com certeza. Permanece vivo.
Jorge: Permanece em ns. E, alterando mudando. H outras escolas da Psicologia
Junguiana, psicologia arquetpica do James Hillman que tem criado uma escola tambm.
Ento, isso a vida: ela vai, as flores vo mudando de cor a partir do movimento do mundo.
Andr: Que bacana. Muito obrigado!
Jorge: Obrigado voc, Andr.
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Andr: Obrigado por tudo. Pela disponibilidade de tempo, inclusive, que eu sei que precioso.
Jorge: No, imagine. Tudo bem, muito prazeroso para mim. Eu acho que o encontro
com o Jung para mim foi gratuito, foi me dado gratuitamente. E aquilo que a gente recebe
de graa, a gente deve devolver ao mundo de graa.
Andr: Plenamente concordado. Obrigado
Jorge: Muito bom, querido.
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