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Orientação bíblica para o entendimento da realidade
REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 1
A IMAGEM DE DEUS
A Escritura ensina (Gn 1.26-27; 5.1; 9.6; 1Co 11.7; Tg 3.9) que Deus fez o homem
e a mulher à sua própria imagem, imagem que não se vê em nenhuma outra criatura
terrena. A dignidade especial dos seres humanos está no fato de, como homens e
mulheres, poderem refletir e reproduzir — dentro de sua própria condição de criaturas
— os santos caminhos de Deus. Os seres humanos foram criados com esse propósito
e, por isso, num sentido, só serão verdadeiros seres humanos na medida em que
cumprirem esse propósito.
O objetivo da imagem de Deus na humanidade não está especificado em Gênesis
1.26-27, mas o contexto da passagem nos ajuda a defini-lo. O texto de Gênesis 1.1-25
descreve Deus como sendo pessoal, racional (dotado de inteligência e vontade) como
criador que governa o mundo que criou, e como ser moralmente admirável (pois tudo
o que criou é bom). Assim, a imagem de Deus reflete claramente estas qualidades. Os
versículos 28-30 mostram Deus abençoando os seres humanos que acabou de criar,
conferindo-lhes o poder de governar a criação, como seus representantes e delegados.
A capacidade humana para comunicar-se e para relacionar-se tanto com Deus como
com outros seres humanos aparece como outra faceta dessa imagem.
Por isso, a imagem de Deus na humanidade, que surgiu no ato criador de Deus,
consiste em: (a) existência do homem como uma "alma" ou "espírito" (Gn 2.7), isto é,
como ser pessoal e autoconsciente, com capacidade semelhante à de Deus para
conhecer, pensar e agir; (b) ser uma criatura moralmente elevada — qualidade perdida
na Queda, porém agora progressivamente restaurada em Cristo (Ef 4.24; Cl 3.10); (c)
domínio sobre o meio ambiente; (d) ser o corpo humano o meio através do qual
experimentamos a realidade, nos expressamos e exercemos domínio e (e) na
capacidade que Deus nos deu para usufruir a vida eterna.
A Queda deformou a imagem de Deus não só em Adão e Eva, mas em todos os
seus descendentes, ou seja, em toda a raça humana. Estruturalmente, conservamos
essa imagem no sentido de permanecermos seres humanos: funcionalmente, porém,
por sermos agora servos do pecado, somos incapazes de usar nossos poderes para
espelhar a santidade de Deus. A regeneração começa em nossa vida o processo de
restauração da imagem moral de Deus. Porém, enquanto não formos inteiramente
santificados e glorificados, não podemos refletir, de modo perfeito, a imagem de Deus
em nossos pensamentos e ações — como fomos criados para fazer e como o Filho de
Deus encarnado refletiu na sua humanidade (Jo 4.34; 5.30; 6.38; 8.29, 46).
Bíblia de Estudo de Genebra
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REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 2
ESQUETE SUGERIDA NA OPÇÃO 2 DE CONSIDERAÇÕES GERAIS Dois jovens cristãos se encontram e se cumprimentam alegremente.
HÉLIO: — Oi, César. Tudo bem?
CÉSAR: — Oi, Hélio. Como você está?
HÉLIO: — Tudo bom. Puxa, que bom encontrar você aqui na igreja; faz um tempão que
a gente não se vê na faculdade, hein? Mudou de horário?
CÉSAR (meio desanimado): — Bem, na verdade eu tranquei o curso.
HÉLIO (admirado): — O quê? Que chato... Está com problemas financeiros?
CÉSAR: — Na verdade, não. É que estou meio desmotivado a continuar fazendo Direito.
Não sei mais se quero seguir esta carreira.
HÉLIO (espantado): — Mas logo você, que sempre tira ótimas notas? Que tinha tanta
convicção de que ia ser advogado ou juiz. O que aconteceu?
CÉSAR (saudoso): — Bem, na verdade eu ainda amo o Direito e a advocacia, sabe? Mas
o meu problema é espiritual.
HÉLIO: — Como assim?
CÉSAR (mais animado): — É que participei de um acampamento dos jovens da minha
igreja e fiquei muito impactado pelo testemunho de um missionário que trabalha na China.
Saí de lá determinado a mudar minha vida. Quero viver para agradar a Deus e fazer sua
vontade!
HÉLIO: — Que legal, César! Que Deus abençoe muito este propósito no seu coração.
Mas o que isso tem a ver com abandonar a faculdade?
CÉSAR: — Como eu acabei de lhe dizer, decidi viver para Deus de verdade. Quero me
tornar um missionário, falar do amor de Deus a povos que ainda não o conhecem, essas
coisas. Quero ser um servo de Deus de verdade.
HÉLIO (mais espantado ainda): — Missionário? Mas você é péssimo com línguas!
CÉSAR (desanimado de novo): — Eu sei... E odeio mato também. Só ir nesse
acampamento já foi bem difícil... Já entendi, você está sugerindo que eu seja pastor mesmo,
né?
HÉLIO: — Na verdade, só estou pensando se é a decisão certa para você.
CÉSAR (meio irritado): — E como ser missionário pode não ser a decisão certa, cara?
Eu vou estar fazendo a vontade de Deus, evangelizando, pregando, etc.
HÉLIO: — Então você está me dizendo que Deus quer que todas as pessoas sejam
pastores e missionários? É isso que você acha?
CÉSAR (confuso): — Bem, acho que não. Seria estranho se todos os crentes fossem
pastores, né? Mas no meu caso é diferente: Deus falou ao meu coração e eu resolvi dedicar
a minha vida a ele! Você já fez as contas de quantas horas por semana passamos na igreja?
Eu sinto que só ser membro da igreja é muito pouco.
HÉLIO: — Acho que estou entendendo seu dilema, agora. Você acha que servir a Deus é
algo que acontece quando a gente está na igreja, né? E sente que a carreira profissional, a
família e o lazer não são coisas espirituais, e não têm nada a ver com a vontade de Deus? E
por isso pensa que só os pregadores ouviram o chamado de Deus?
CÉSAR (olhando para a plateia): — Lógico! E não é assim?
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Apoio didático – Lição 3
Assista ao vídeo O que acontece com as pessoas que nunca ouviram o
evangelho?, que trata detalhadamente desta questão à luz de Romanos 1.18-21,
disponível em http://migre.me/inhHE ou em nosso canal no YouTube
(www.youtube.com/revistapalavraviva).
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Orientação bíblica para o entendimento da realidade
REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 3
CONHECIMENTO E CULPA Romanos 1.19
Todos os povos são naturalmente propensos a alguma forma de religião;
contudo, deixam de cultuar seu Criador, cuja revelação geral o torna universalmente
conhecido. O pecado do egoísmo e a aversão às reivindicações do nosso Criador têm
levado a humanidade à idolatria, ao erro de prestar culto e homenagem a qualquer outro
poder ou objeto, ao invés de cultuar a Deus (Is 44.9-20; Rm 1.21-23; Cl 3.5). Em sua
idolatria, os humanos apóstatas "suprimem a verdade" e têm "mudado a glória de Deus
incorruptível em imagem de homem corruptível — de aves, quadrúpedes e répteis"
(Rm 1.18, 23). Eles asfixiam e extinguem, tanto quanto podem, o conhecimento que a
revelação geral oferece do Juiz e Criador transcendente, transferindo o inerradicável
senso de divindade para objetos indignos. Isto, em consequência, conduz a um drástico
declínio moral e à desgraça, como primeira manifestação do juízo de Deus contra a
apostasia (Rm 1.18, 24-32).
Deus não permite que os seres humanos suprimam inteiramente o conhecimento
dele e de seu juízo. Alguma consciência do certo e do errado, bem como de
responsabilidade para com Deus, sempre permanece. Mesmo no mundo caído, cada um
é dotado de uma consciência que fala nestes termos, e fala com a voz de Deus.
Em certo sentido, a humanidade caída não conhece a Deus, uma vez que aquilo
que os povos acreditam a respeito dos objetos que cultuam, falsifica e distorce a
verdade a respeito de Deus. Noutro sentido, todos os seres humanos conhecem a Deus,
porém com culpa, com desconfortáveis premonições do juízo que não podem evitar.
Somente o Evangelho de Cristo pode falar de paz a este aspecto da condição humana.
Bíblia de Estudo de Genebra
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REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 5
CIÊNCIA E FÉ: NÃO PODEMOS SER AMIGOS?
Abraham Kuyper, primeiro-ministro holandês nos primeiros cinco anos deste
século, foi também um líder nas artes e nas ciências. “Há escondido no Calvinismo”,
declarou na sua famosa palestra da Universidade de Princeton, “um impulso, uma
inclinação, um incentivo à investigação científica. É um fato que a ciência foi
incentivada por ele e o seu princípio exige o espírito científico.” Kuyper oferece muitas
ilustrações desse fato na história da sua própria nação.1 A pergunta, “Por que a ciência
floresceu nas terras protestantes e não nas católicas romanas?” há muito chama a
atenção de historiadores. Sejam quais forem os outros fatores de natureza econômica,
social, filosófica e mecânica que sem dúvida exerceram influência no florescimento da
ciência moderna, não há dúvida de que a teologia da Reforma, ou seja, evangélica e
protestante, exerceu um papel decisivo.
Mas primeiro, vamos retroceder um pouco e examinar como a ciência moderna
nasceu em terras cristãs em vez de em outras. Numa tese que ele explorou
profundamente nas palestras em Oxford, Columbia e outros lugares, o filósofo da
ciência, Stanley L. Jaki argumentou que há uma explicação razoável para o fato de que
a ciência, como nós a conhecemos, sempre natimorta nas grandes sociedades do mundo
antigo e do império muçulmano, nasceu e cresceu à maturidade na “cristandade”. A
crença de que Jesus Cristo é o único filho gerado de Deus, Jaki argumenta, tornou-se
não apenas a afirmativa central da convicção cristã, mas criou um ninho cultural
propício para “chocar” esse ovo frágil que costuma ser abortivo. O monoteísmo cristão
(a fé num só Deus em três pessoas) não apenas explicava os fatos científicos (ordem,
unidade, diversidade, etc.) como também oferecia a única base racional para seguir atrás
desses fatos.2
Um argumento semelhante foi proposto por um dos mais eminentes cientistas da
Grã-Bretanha, John Polkinghorne, presidente da Queen’s College, Cambridge, e ex-
professor de física matemática na Universidade de Cambridge.3 Polkinghorne insiste em
que a teologia e a ciência são fundadas sobre as mesmas pressuposições quanto ao
mundo: tanto na fé como na ciência, diz ele, temos de buscar oferecer explicações da
realidade – as coisas como elas realmente são. Em vez de fé cega, devemos reconhecer
a harmonia entre a revelação natural e a especial, rejeitando qualquer teoria que diga
que tenhamos que desprezar os fatos. Foi precisamente por essa razão que a ciência
surgiu no Ocidente cristão em geral, florescendo de modo especial nas terras
protestantes: havia um compromisso de buscar os particulares (fosse pela observação
dos efeitos das leis físicas ou pelo exame de uma doutrina bíblica) não obstante o
resultado (ou seja, mesmo se ele contradissesse a perspectiva “universal” ou “maior”
pressuposta pela igreja). Os cientistas protestantes acreditavam que havia dois “livros de
Deus” – o livro da natureza e o livro da Escritura – e que cada um fornecia informação
que não se encontrava no outro. No entanto, eles não eram contraditórios nos seus
relatos. Embora a Escritura não falasse a respeito das mesmas questões que a ciência, a
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Escritura era vista como em harmonia com a ciência e, no nível mais geral, explanatória
dos fatos que passavam sob os olhos da investigação científica.
Outro filósofo da ciência recente que tem causado uma reavaliação séria dos
fundamentos intelectuais do empreendimento científico é Tomas Kuhn. Na sua obra-
prima, The Structure of Scientific Revolutions (A estrutura das revoluções científicas),
Kuhn argumenta que todo grande avanço científico é devido a uma mudança de
paradigma. No início do seu surgimento, a ciência procedeu sob a convicção de que
fatos particulares levariam aos universais. Em vez de começar com a conclusão e tentar
obter o seu apoio por dedução, dever-se-ia iniciar pelos efeitos – as peças menores do
quebra-cabeça – e trabalhar com cuidado para encaixá-las onde elas já se encaixam, em
vez de forçá-las para dentro do lugar preconcebido por nós. Porém, a maioria desses
primeiros cientistas era cristã, e eles insistiam explicitamente na humildade na
interpretação dos caminhos de Deus na natureza. Mesmo quando empregavam o método
indutivo (movendo-se dos particulares para os universais, e dos efeitos para as causas,
em vez de vice-versa), eles sabiam que eram homens e mulheres finitos e caídos,
carentes da revelação especial (Escritura) para que pudessem obter “o grande quadro”
que daria sentido a todo o empreendimento.
Intoxicado pelas possibilidades empíricas e racionais, o Iluminismo tendia a
eliminar a necessidade dessa revelação especial, e em vez disso decidiu que a ciência
era em si mesma competente para chegar às respostas de todas as perguntas importantes.
Enquanto os cientistas anteriores sabiam distinguir entre as esferas da ciência e a da
religião, da revelação geral e da revelação especial, da graça comum e da graça
salvadora, o Iluminismo produziu uma visão do mundo fundamentalmente diferente.
Agora, os cientistas eram os novos sumo sacerdotes do conhecimento humano,
possuidores não só da chave à verdade sobre as “coisas da terra” como também a chave
das “coisas de cima”. Portanto, a ciência reivindicou para si mesma também a esfera
religiosa. Na nossa época, o naturalismo, embora seja uma pressuposição não-provada,
é o compromisso religioso que a pesquisa científica adota – de modo muito semelhante
aos cientistas mais antigos que pressupunham ordem e racionalidade com base no fato
de o universo ter sido criado por Deus. Ironicamente, a ciência hoje muitas vezes opera
sobre a pressuposição filosófica de que o universo seja produto do acaso; no entanto,
todo o empreendimento científico tem que funcionar com base na pressuposição prática
de que existe ordem e projeto até mesmo para justificar um dia de oito horas no
laboratório.
O naturalismo e a teoria do acaso não podem fornecer uma base racional para a
investigação científica; não pode haver teorias estáveis, nem “leis” físicas ou naturais,
nem previsibilidade, a não ser com a pressuposição de ordem e plano. E não se pode
pressupor ordem e plano sem levar a algum tipo de crença em como essa ordem e esse
plano vieram (e vêm) a existir num universo contingente. Contudo, muitos cientistas (e
especialmente filósofos, que não se envolvem com a investigação científica em si e,
portanto, se dão ao luxo de criar teorias sem uma base concreta) veem a sua missão
como não sendo em termos de investigar dos particulares como expressões de divina
ordem, beleza e plano no universo, mas em termos de explicar o significado da vida. Em
essência, a ciência não só retirou a Escritura como a explicação do quadro maior das
peças do quebra-cabeça, mas agora procura ser, ela mesma, reveladora. Stephen
Hawking, o renomado cientista de Cambridge, é um dos muitos cientistas e filósofos
contemporâneos convictos de que a ciência finalmente abrirá o segredo das Câmaras
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Orientação bíblica para o entendimento da realidade
Celestes e penetrará a mente divina. Finalmente, “conheceremos a mente de Deus”,
promete Hawking.
Sem humildade, a ciência nunca teria nascido. É por essa razão que somente os
cientistas que creem, em vez dos muitos especialistas científicos da religião
contemporâneos, poderiam ter iniciado com sucesso o empreendimento científico. É
necessário constantemente revisar as teorias e hipóteses à luz dos fatos. A humildade
cristã levou muitos desses cientistas mais antigos a crer que eles não sabiam tudo, mas
que seria perfeitamente possível, devido tanto à sua finitude quanto à natureza caída da
mente e dos poderes humanos, errar naquilo que já acreditavam ser verdadeiro. Porém,
os secularistas provaram ser tão rígidos e dogmáticos nas suas pressuposições religiosas
quanto a igreja que recusou ouvir Galileu porque as suas pesquisas iam contra as
amadas pressuposições filosóficas da igreja oficial. Não só a ciência nunca descobrirá o
sentido último da vida e das coisas celestiais como também pode estar errada a respeito
dos detalhes da suas descobertas particulares e das coisas terrenas. Sem humildade, não
pode haver verdadeiro avanço científico.
O cristão e a cultura, Michael Horton, Editora Cultura Cristã
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Orientação bíblica para o entendimento da realidade
REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 6
ALGUMAS QUESTÕES PRÁTICAS SOBRE O TRABALHO
(1) Todos os cristãos devem tentar descobrir um papel na sociedade no qual eles
possam ajudar a aumentar os recursos da comunidade. Eles não precisam depender de
outros, se podem ajudar. Eles querem servir a Deus servindo o homem. Esse é o motivo
cristão principal para qualquer tipo de trabalho – seja na agricultura, nos negócios,
como dona de casa ou operário. Precisamos nos perguntar qual é a nossa atitude em
relação a nossos empregos atuais ou futuros (At 20.34, 35). O serviço, e não o lucro, é o
principal motivo do cristão. Reverter essa ordem é justamente seguir o caminho do
mundo.
(2) Para os cristãos, não importa se ele tem um emprego remunerado ou não.
Aqueles que não têm nenhuma responsabilidade em casa, e aqueles que não têm
nenhum emprego remunerado em vista, podem procurar maneiras de ser úteis em uma
posição não remunerada. Isso certamente é uma verdade tanto para aqueles cristãos que
são aposentados como para os desempregados. Servir à nossa própria família é uma
grande prioridade do Novo Testamento. Biblicamente, isso inclui o velho como também
as crianças, como em 1 Timóteo 5.8. Em seguida vem a família da igreja, e então todos
ao nosso redor aos quais possamos ajudar. Há sempre alguém ao nosso redor que
podemos ajudar (Gl 6.10).
(3) Não devemos permitir que nosso desejo de melhorar nosso padrão de vida
acima do que necessitamos venha a distorcer nossos alvos e prioridades cristãs.
Precisamos sempre questionar os nossos motivos quando estamos procurando aumentar
nossos ganhos (1Tm 6.6-10).
(4) Devemos ser capazes de fazer qualquer trabalho com entusiasmo. Se o
emprego para o qual fomos treinados, e temos buscado, não está disponível, vamos
aprender a buscar outra coisa para fazer de boa vontade. Muitas pessoas que deveriam
agradecer por ter um emprego remunerado, gastam seu tempo reclamando que aquele
não é o emprego desejado. Os escravos não tinham escolha; e durante séculos muitos
trabalhadores comuns não tiveram escolha para o que faziam. Para um não cristão que
está desempregado, tal atitude deve ser difícil de ser mantida. Mas o cristão que acredita
na soberania de Deus, e vê as tarefas mais humildes como um serviço ao Senhor,
encontrará satisfação e alegria em seu serviço. Ele fará o seu trabalho o melhor que
puder, mesmo que almeje alguma coisa mais condizente com suas habilidades. Essa
parece ter sido a lição específica para os escravos em 1 Coríntios 7.21. O escravo deve
fazer o trabalho como escravo de Cristo, ao mesmo tempo em que, se lhe for dada a
oportunidade de ser livre, ele a aproveita.
(5) Devemos nos esforçar para fazer bem o nosso trabalho, e não apenas, ou
principalmente, porque ele pode nos trazer uma promoção, dinheiro e uma boa
reputação. Cremos que Deus se preocupa em que todos os recursos do mundo cada vez
mais sejam bem utilizados. A maioria dos empregos contribui para isso, e, de acordo
com nossa habilidade, devemos aproveitar a oportunidade de servir de todo o coração.
Se estivermos envolvidos no ministério cristão ou em outras formas de testemunho
cristão direto, ou se nosso testemunho cristão for visto quando realizamos nosso
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trabalho secular, é uma questão de dom de Deus. Ser um ministro ou missionário não é
mais espiritual do que ser um operário. É apenas uma questão de quais habilidades Deus
tem nos dado, e o que ele nos chamou para fazer. Honestamente, podem existir algumas
ocupações que são difíceis; mas não existe razão para o cristão fugir delas, ou sentir que
é mais espiritual aceitar um emprego que seja mais fácil.
(6) Essa visão geral positiva do nosso emprego como um serviço a Deus, por
meio de servir a comunidade, é muito necessária. Precisamos tê-la em mente em cada
atividade e ajudar uns aos outros. Nunca devemos nos envergonhar do trabalho que
fazemos, desde que ele seja feito com boa consciência, da maneira como foi discutida.
O desempregado deve ser capaz de levantar suas mãos e dizer que, no momento, ele não
tem um emprego remunerado, embora esteja procurando por um; mas que encontrou um
trabalho para ser feito enquanto isso no qual sente alegria e satisfação em servir ao
Senhor e seus companheiros. Nesse ínterim, devemos sempre buscar servir aos outros
durante todo o tempo. Sim, há sempre muita coisa para ser feita! Em Eclesiastes 9.10
temos: “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças”.
Mente Cristã, Oliver Barclay, Editora Cultura Cristã
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REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 7
Diagrama do ciclo do consumo: o dom, seu produto direto e os produtos indiretos
Dom de
cozinhar
Dom de
_______
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REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 10
A VIRTUDE DO SEXO E A GLÓRIA DE DEUS
Bem Patterson É arriscado falar sobre as virtudes do sexo hoje em dia, porque nossa época se caracteriza
pela hipérbole sexual. Nunca antes na história a deusa do sexo se ofereceu tanto com tão
pouco para dar. Nunca antes o prazer sexual foi buscado com tanta determinação. Nunca
antes tantas mercadorias foram empurradas com a promessa implícita de tornar as pessoas
mais sensuais ou de conseguir que as pessoas façam mais sexo. Se o setor de propaganda é
indicativo deste fato, a ameaça da AIDS e de outras DST’s, ao invés de diminuir ou
disciplinar essa compulsão sexual, simplesmente tornou-a mais audaciosa e mais excitante.
Aumentaram os riscos e subiram as apostas, por assim dizer.
Nos anos 1960, uma pichação famosa apareceu em Berkeley, Califórnia. Em uma paródia
do slogan nazista “Arbeit macht frei”, ou “O trabalho vos libertará”, alguém pintou em uma
parede: “O sexo vos libertará”. Alguns anos depois, um amigo viu uma versão mais erudita
do mesmo pensamento rabiscada em um vestiário no prédio de faculdade de Filosofia da
Universidade da Califórnia do Sul. Era uma paródia da famosa formulação do filósofo René
Descartes, “Cogito, ergo sum”, ou “Penso, logo existo”. Era “Copulo, ergo sum”, ou, “transo,
logo existo”.
Com toda essa obsessão sexual, as pessoas se sentem tentados a minimizar a importância
dos prazeres e o bem-estar do sexo – ou sejam estes são superestimados. Mas isso podia
servir à vontade do demônio tanto quanto à obsessão em si. O prazer é uma ideia de Deus, e
Deus é inimigo do diabo. O diabo, na verdade, odeia o prazer, porque ele odeia o Deus do
prazer.
No livro de C.S. Lewis, The Screwtape Letters, o demônio Screwtape tenta explicar a seu
sobrinho Wormwood o que ele considera mais terrível ou falso em Deus: Deus realmente quer
que as pessoas sejam felizes, e que mesmo as partes severas de seu projeto, as disciplinas
espirituais, são, na verdade, artifícios, truques inteligentes para torná-los mais felizes. “Ele é
um hedonista de coração”, assopra Screwtape. “Todos esses jejuns, vigílias, castigos e cruzes
são apenas uma fachada, ou como espuma na praia. Em alto mar, há prazer e prazer e mais
prazer. Ele não faz segredo disso; á sua destra estão ‘prazeres para sempre’... Ele é vulgar,
Wormwood. Ele tem uma mente burguesa. Ele encheu o mundo de prazeres”.
A grande estratégia do demônio contra o prazer consiste em distorcê-lo, em conseguir que
façamos mau uso dele. “Nunca se esqueça que quando estamos lidando com qualquer prazer
em sua forma saudável, normal e satisfatória, estamos, em certo sentido, no território do
inimigo [Deus]. Sei que ganhamos muitas almas por intermédio do prazer. Da mesma forma,
é invenção ele, não nossa. Ele fez todos os prazeres: toda nossa busca até aqui não nos
permitiu produzir um prazer sequer. Tudo que podemos fazer é encorajar os humanos a
aceitar os prazeres que nosso inimigo produziu, em tempos, ou de formas, ou em níveis que
ele proibiu. Por isso sempre tentamos fugir da condição natural de qualquer prazer que seja
menos natural, menos memorável de seu criador, e menos prazerosa. A fórmula é um desejo
crescente por um prazer decrescente”4.
Acho que essa fórmula é exatamente o que está acontecendo em nossa cultura – um desejo
crescente por um prazer decrescente. Olhe para as revistas no estande de seu mercado. Há
4 Ibid., 49, ênfase do autor.
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uma certa fraqueza nelas, uma fofoca monótona em torno dessa técnica, esse ou aquele ponto
de prazer.
A descrição de G.K. Chesterton sobre o gozo do mundo se aplica: reduzem-se meramente
a “propagandinha”, comparados ao segredo gigante do gozo cristão5. O grande segredo dos
prazeres do sexo é: o sexo é bom porque o Deus que criou o sexo é bom. E Deus é bastante
glorificado quando recebemos essa dádiva com ação de graças – por que essa dádiva nos leva
de volta ao Deus que a concedeu – e usufruímos dela da forma que ele concebeu que fosse
usufruída.
E como sabemos que isso é verdadeiro? Sabemos que isso é verdadeiro por causa de seu
lugar na Bíblia. “A Bíblia é um livro sobre casamentos”. É desse jeito que David Hubbard se
expressou em seu comentário sobre os Cânticos de Salomão 6. Dizer que a Bíblia é um livro
sobre casamentos é também dizer que é um livro sobre sexo e sobre o significado do sexo.
Porque o casamento é a única condição natural para prazer no sexo.
A Bíblia é um livro sobre casamento e sexo
Há cinco maneiras de demonstrar essa verdade:
1. Bem no início da Bíblia há um casamento (Gn 2.23-25);
2. No finalzinho da Bíblia, há um casamento (Ap 19.6-7,9; 21.2);
3. Os temas centrais da Bíblia são sublinhados com metáforas sobre o casamento. (cf.
Is 62.4-5; Mt 9.15; 25.1-13; Jo 3.30; Ef 5.21-33).
4. Na Bíblia, o sexo é a arena principal da ruptura do pecado e, portanto, ocupa um
lugar importante entre as coisas que Cristo veio redimir (cf. 3.16; Rm 1.21-24).
5. Alegremente encaixado na Bíblia, entre a Lei e os Profetas, há um pequeno livro
chamado Cantares de Salomão; é um conjunto de canções de amor e bodas. Não apresenta
liturgia ou mandamentos, não há hinos, visões ou profecias – apenas canções de amor,
Cantares (Ct 1.1), “a melhor de todas as canções de amor”.
Quais são os fundamentos teológicos para essa celebração do sexo – e o que isso tem a ver
com a glória de Deus? O grande segredo do gozo do sexo é este: o sexo é bom porque o Deus
que criou o sexo é bom. E Deus se glorifica imensamente quando recebemos esse dom com
graças – e desfrutamos dele da maneira como ele planejou que fosse desfrutado. A razão pela
qual gostamos tanto de sexo é porque ele é um pouco como o Deus que o criou. Portanto,
quanto mais desfrutamos do sexo em maneiras que agradam a seu Criador, melhor é o sexo
para todos os envolvidos – para a glória de Deus e para nossa santificação e gozo. O patriarca
da igreja Irineu praticamente reduziu isso a uma fórmula, quando disse: “A glória de Deus é o
homem completamente vivo, e a vida do homem é a visão de Deus”7. A visão de Deus. É aí
que entram os fundamentos teológicos. Acho que são cinco.
Fundamentos teológicos
1 – A bondade da criação. Deus o criou, então tem que ser bom. Assim ele disse. Ele o
fez bom porque o fez ex nihil, a partir do nada. Falar que Deus fez tudo a partir do nada
significa dizer que ele o criou sem limitações externas, porque quando se faz alguma coisa a
partir do nada, as únicas limitações são aquelas que estão dentro de sua mente. Ninguém
trouxe a Deus a matéria prima da criação, pôs em seu colo e disse: “Agora veja o que você
pode fazer com esse material”.
5 G. K. Chesterton, Orthodoxy (London: William Cloves & Sons, 1932), 296. 6 David Hubbard, Ecclesiastes, Song of Salomon, The Communicator's Commentary (Waco, Tex.: Word, 1991), 267. 7 Ireneu, Contra as Heresias, 4.20.7
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Ele não foi um escultor contido pelas limitações do mármore ou do gesso, nem um pintor
restrito pelas cores da aquarela. O que vemos nesse mundo agradável não é o melhor que
Deus pôde fazer com algum material inferior. Foi feito com o melhor dos “materiais” – os
pensamentos e desejos de um Deus de amor e de sabedoria. Suas únicas limitações eram as de
sua própria mente.
Não foi assim nas estórias de criação dos pagãos, antigos ou modernos. Não importa que
existissem deuses, eles foram forçados a trabalhar com algum material preexistente,
normalmente de qualidade inferior.
No mito da criação da Babilônia, Marduque, deus da Babilônia, formou o mundo a partir
de uma violenta luta com a grande serpente marinha Tiamat. De acordo com o mito, o mundo
como o conhecemos foi formado a partir da violência e da morte, a partir do cadáver da
grande serpente. A mensagem do mito é a de que existe dor, maldade, doença e injustiça no
mundo porque o material que os deuses tinham para trabalhar tinha defeitos, desde o início.
Mas, de acordo com a Bíblia, não é assim com Deus ou com seu mundo ou com nossos
corpos. Ele criou os céus e a terra graciosa e livremente, utilizando os melhores dos materiais
– o que estava em sua sabedoria, em seu amor e em seu sagrado coração. Paulo diz que Deus
é para o corpo (1Co 6.13). Deveria ser: ele o criou.
Então ele fez alguma coisa surpreendente com o que criara: tornou-nos responsável por
ele, como guardiões. O que é um guardião? Um guardião é alguém encarregado do
gerenciamento da propriedade de um terceiro, e encarregado de gerenciar essa propriedade no
melhor interesse do proprietário. O interesse de Deus é sua glória.
O casamento e a sexualidade estão sob nossa guarda. Tenho que devolver minha esposa
melhor do que a recebi. E tenho que devolver o mundo que repartimos a Deus melhor do que
o recebemos. O casamento é uma outra arena em que devemos viver nossa vocação de servir
a Cristo. Dietrich Bonhoeffer uma vez disse a um casal apaixonado em uma homilia de
casamento: “Em seu amor, vocês veem apenas o paraíso de sua própria felicidade, mas no
casamento, vocês são colocados em uma posição de responsabilidade para com o mundo e a
humanidade” 8. Nada do que fazemos nessa vida é apenas para nós mesmos. Mesmo um
casamento feliz (ou sexo espetacular) não é apenas para a felicidade dos esposos, esposas e
filhos; é para a glória de Deus.
2 – A realidade da encarnação. O Deus que criou a carne humana garantiu que esse era
um meio adequado para o filho de Deus “acampar” entre nós (Jo 1.14). Para nos lembrar dele
e de sua morte temos que comer o pão e beber o vinho. Como signo e símbolo da purificação
do um novo nascimento, devemos usar água. Qualquer que seja o ponto de vista de cada um a
respeito da comunhão, é muito significativo que ele nos tenha dito para comer e beber algo a
fim de nos lembrarmos dele, de seu corpo e de sua alma. Ele nos disse para lavar com água
para expressar o perdão e o novo nascimento. Essas não são simplesmente questões
psicológicas, são atos físicos. O meio físico é adequado para comunhão com Deus e para um
marido com sua mulher. Quando Adão conheceu sua mulher (Gn 4:1) o que aconteceu? Ele
buscou informações? Não. Ela engravidou! “Essa é uma ironia picante”, escreveu Thomas
Howard. “Aqui estamos, com nossos altos conceitos de nós mesmos como sendo seres
intelectuais e espirituais, e a forma mais profunda de conhecimento para nós é um negócio
simples de pele contra pele. É humilhante. Quando dois seres da espécie humana,
semelhantes a Deus, se aproximam da comunhão entre si, o que fazem? Pensam? Especulam?
Meditam? Não. Eles tiram as roupas. Eles querem juntar seus cérebros? Não. É a mais
8 Dietrich Bonhoeffer, Letters and Papers from Prison (New York: Macmillan, 1971), 43.
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apavorante das ironias: a busca da união leva-os literalmente na direção oposta a de seus
cérebros”.9
Nunca vou me esquecer da vista pastoral que fiz a uma mulher cujo marido tinha morrido
pela manhã. Ela tinha cuidado dele em casa durante uma prolongada e dolorosa batalha contra
o câncer. Quando entrei em sua sala de estar, seu corpo ainda estava na cama hospitalar que
ele tinha empurrado até próximo à lareira. Fiquei de um lado da cama. E ela do outro, e orei
por ela. Antes que terminasse, abri meus olhos e vi que ela estava massageando os pés de seu
marido, acariciando suas bochechas e esfregando suas pernas e mãos como deve ter feito
inúmeras vezes durante o casamento. Fiquei profundamente comovido com o que via, ao
dirigir de volta para casa e pensava: afinal, isso é o que é o sexo: um homem e uma mulher até
o fim, amando e cuidando do corpo de cada um, com seus corpos.
3 – Deus nos fez criaturas sexuais. E você diz: “Então o que há de novo?” Isso não quer
dizer, em primeiro lugar, que temos desejos e compulsões sexuais. Não serei menos macho
quando meus hormônios se acabarem. Minha masculinidade não se reafirmará se for morto
por um jovem marido ciumento quando tiver 100 anos de idade, como meu pai uma vez
brincou. Os hormônios são parte da vida masculina, mas são periféricos ao que é central,
assim somos diferenciados como homem e mulher. Sem essa diferenciação básica, não
podemos ser compreendidos como seres humanos. As palavras de Jesus são: “Não tendes lido
que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher?”(Mt 19:4). Essa é uma visão
radicalmente diferente de nossa sexualidade, comparada ao mito grego da androginia: no
princípio havia um andrógino assexuado que depois foi dividido em macho e fêmea. A
diferenciação sexual foi vista como um tipo de “queda”, sendo nossa atração um pelo outro
um desejo de nos tornarmos um só, no sentido de voltar a nossa origem. O objetivo é
transcender a diferenciação sexual, e, em última análise, a carne na qual estamos aprisionados,
e tornarmo-nos puro espírito, sem sexo e sem corpo.
Isso não é o que a Bíblia diz de nossa masculinidade e feminilidade. Dizer que somos
criaturas sexuais é dizer que não podemos ser compreendidos a não ser como macho e fêmea,
e menos como macho ou fêmea. Como macho e fêmea, fazemos toda a humanidade. Como
macho ou fêmea fazemos os dois pólos dessa humanidade, nossos corpos sendo as expressões
concretas desses pólos.
4 – Fomos feitos para ficarmos juntos. Deus disse de nós que não é bom estarmos
sozinhos (Gn 2.18). Ao nos colocar juntos, Deus nos deu um poder divino sobre o outro.
Como o “poema de amor” de Adão para Eva expressou, ela era carne de sua carne, osso de
seus ossos (2.21-23). Também é verdade que minha mulher se tornará o tédio de meu tédio,
temor do meu temor e amor do meu amor. Ela tem o mesmo impacto sobre mim. Nós nos
tornamos o que os outros são para nós; e os outros se tornam o que somos para eles.
Frequentemente, tenho considerado a evidência empírica dessa verdade quando constato o
número de casais idosos que realmente se parecem um com outro.
Tornar-se “uma só carne” é uma das características verdadeiramente exclusivas de uma
compreensão cristã do casamento. Os homens e as mulheres são tão diferentes uns dos outros.
Isso pode ser causa de frustração e causa de excitação e crescimento. É uma aventura para
toda a vida amar e compreender essa mulher com quem eu vivo – tão diferente de mim e,
ainda assim, somos um. Temos uma sexualidade tão diferente como homem e mulher, nós
que somos um e ainda temos que nos tornar só um! Temos tanto que aprender um com o
outro que pode levar uma vida! Sempre que encontro um casal para aconselhamento pré-
matrimonial, eu os intimo a levarem seu senso de humor na lua-de-mel, porque poucos e
9 Thomas Howard, Hallowed Be This House (San Francisco: Ignatius, 1979), 115-116.
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abençoados são os casais que atingem o ápice da comunhão sexual durante a lua-de-mel. A
maioria de nós tem muito que aprender, e isso é bom – isto nos faz sair de nosso ego.
5 – Nos encontramos à medida que nos entregamos. Quando Eva é entregue a Adão,
existe uma enorme graça. Ela é entregue enquanto ele dorme. Mas é uma graça custosa; ela é
formada a partir de seu próprio corpo. O grande mistério de um se tornar dois prenuncia o
mistério maior de dois tornarem-se um. A matemática de Deus enuncia que um e um não são
dois, mas um (Gn 2.24). E o corpo único é maior do que os dois que o antecederam. No
casamento, assim como no evangelho, encontramo-nos à medida que nos entregamos (Lc
9.23-24).
Aí está a tragédia e o paradoxo das ideias modernas de se “experimentar” o casamento.
Não é possível “experimentar” o casamento mais do que experimentar a morte ou o
nascimento. Para o casamento ser casamento, tem que ser tudo ou nada. Às vezes aconselho
meus alunos, que estão fascinados com esse descabimento de “experimentar”, a
“experimentar” o casamento da seguinte maneira: não comecem a viver juntos após um jantar
à luz de velas, espere até que um dos dois tenha uma indigestão – aí então durmam juntos. A
minha sugestão é, obviamente, uma ironia, e ajuda a estabelecer o ponto importante sobre o
bem do sexo e do casamento: que a qualidade de vida não consiste no número de experiências
que se tem, mas na profundidade dos comprometimentos. O sexo ilícito pode ser divertido e
excitante, como mergulhar do trampolim mais alto. Mas são os nadadores que se fortalecem.
Nós nos perdemos para nos encontrar. No mistério do amor, como Deus planejou,
“ninguém pode adivinhar quem está dando e quem está recebendo”, escreveu Thomas
Howard. Verdadeiros amantes “sabem que dar e receber constituem um paradoxo esplêndido
e engraçado, no qual dar se torna em receber, e receber se torna em dar até que, por mais que
se tente, não se saiba mais distinguir uma coisa da outra, e se fundem em alegria ou
adoração”.10
Obrigado
Há mais uma coisa que deve ser dita sobre o bem do sexo e a glória de Deus: Obrigado. O
sexo é bom, porque o Deus que criou o sexo é bom. E Deus é grandemente glorificado
quando recebemos esse dom em ação de graças e desfrutamos dele da forma que ele planejou
que fosse desfrutado.
A gratidão pode ser a maior das alegrias do sexo, e que traz a maior glória a Deus, porque
a alegria é o que você experimenta quando é grato pela graça que lhe foi dada. A língua grega
possui uma imagem que exemplifica isso: as palavras graça, gratidão e alegria têm a mesma
raiz, ‘char’, que é uma palavra ligada à saúde ou ao bem-estar. Graça é ‘charis’, gratidão é
‘eucharistia’ e alegria é ‘chara’. As três estão organicamente unidas, teologicamente e
espiritualmente. A visão de Karl Barth é clara: “como se pode pedir algo mais ou diferente de
um homem? A única resposta a ‘charis’ é a ‘eucharistia... A graça e a gratidão se pertencem
como o céu e a terra. A graça evoca a gratidão com a voz e o eco. A gratidão segue a graça
como o trovão ao relâmpago”11
.
Aqui, tenho que dar um testemunho pessoal. Alguns meses antes de me casar com a
mulher que tem sido minha esposa por todos esses anos, experimentei um medo terrível do
comprometimento. Achava que se dissesse sim para ela, estaria dizendo não para milhões de
outras mulheres. Sabia que não tinha acesso a milhões, mas, não importa quantas pudessem
ser, a porta estaria fechada após o casamento. O casamento parecia tão estreito. Mas descobri
10 Thomas Howard, “God Before Birth: The Imagery Matters”, December 17, 1976,12-13. 11 Karl Barth, The Doctrine of Reconciliation, vol. 4, part 1 of Church Dogmatics (Edinburgh: T & T Clark, 1980), 41.
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que essa estreiteza é a estreiteza do canal do nascimento. Tem havido um universo nessa
pessoa, esse mistério que conheço como Lauretta.
Agora, vamos avançar no tempo vários anos, e estamos gozando férias em família. Nós
seis tínhamos parado em Blythe, Califórnia, para utilizar os banheiros de uma lanchonete Mc
Donald’s. Blythe é uma cidade perto de Colorado na Califórnia. Imaginem-me de pé lá,
segurando minha filha, a alguns passos das portas dos banheiros, enquanto uma jovem
estonteante que passei a chamar de “a garota de Blythe” sai detrás daquelas portas. Vou evitar
tantos detalhes quanto conseguir, mas ela era sexy, morena, e vestida como, bem, como
mulheres jovens se vestem em climas desérticos. E ela olhou diretamente para mim, com um
sorriso quente! Minha mente cansada se concentrou de repente. Eu me empertiguei e sorri de
volta, ruborizado com o conceito adolescente de que mesmo sendo muito mais velho do que
ela, devo ainda ser um homem muito atraente. As garotas ainda reparam em mim! Nossos
sorrisos e olhares se encontraram mais tempo do que deveria acontecer num encontro
aleatório enquanto ela passava por mim. Foi então que percebi meu reflexo no espelho na
parede e vi para quem ela estava olhando. Era para mim, tudo bem, mas não era pro Ben
Patterson, o bonitão maduro. Era pro Ben Patterson, pai da Mary. Ele estava na meia-idade,
um pouco cheinho, e segurava uma menina preciosa. Foi isso que encantou a jovem. Minha
primeira reação foi de vergonha, com um pouquinho de decepção. Seu tolo! Você não é o que
pensou que fosse. Mas enquanto eu olhava no espelho, achei que gostava mais do que via no
espelho do que pensei que a garota tinha visto anteriormente. Gostava de ser o pai da Mary.
Gosto muito. O mesmo com relação a Dan, Joel e Andy. É melhor ser pai do que garanhão.
Meu esmorecimento deu lugar à euforia.
Se é ou não o que P.T. Forsyth quis dizer quando afirmou que “Deus é um oportunista
infinito”12
, é o que eu quis dizer. Ele conduziu minha luxúria e meu autoconceito a uma
percepção abençoada de minha própria glória e felicidade. Deus estava sorrindo para mim por
meio do sorriso da Garota de Blythe. Com um golpe certeiro, ele aproveitou o momento, me
deixou nu, e me vestiu de novo com misericórdia.
Quero agradecer a Deus pelo dom do sexo. Mas não do sexo em geral; do sexo em
particular. Veja, havia uma adolescente de Minneapolis que abandonou tudo que conhecia
para vir para a Califórnia viver comigo, em 27 de março de 1971. Ela mal me conhecia. E
nunca vou me esquecer do risco que ela correu quando trocou seu nome pelo meu. E um
homem teimoso, assustado e solitário tem entendido o evangelho melhor por causa dela – por
meio daquela que Deus fez ser ossos de meus ossos e carne da minha carne. Obrigado,
Lauretta. E somente a Deus seja toda a glória.
Sexo e a supremacia de Cristo, John Piper; Justin Taylor (org.) Editora Cultura Cristã
12 P. T. Forsyth, The Soul of Prayer (London: Independent Press, 1949), 84.
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