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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
LUCIENE MANTOVANI SILVA ANDRADE
A ENFERMAGEM ENQUANTO PROFISSÃO: REFLEXÕES SOBRE
AS CONCEPÇÕES DOS ACADÊMICOS QUANTO AO TRABALHO E
SUA PRECARIZAÇÃO.
CUIABÁ – MT
2013
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LUCIENE MANTOVANI SILVA ANDRADE
A ENFERMAGEM ENQUANTO PROFISSÃO: REFLEXÕES SOBRE AS
CONCEPÇÕES DOS ACADÊMICOS QUANTO AO TRABALHO E SUA
PRECRIZAÇÃO.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Educação, na linha de
pesquisa Movimento Social, Política e Cultura
Popular, Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho
e Educação.
Orientador: Prof. Dr. Edson Caetano
CUIABÁ – MT
2013
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DEDICATÓRIA
Este trabalho dedico especialmente a minha família:
Aos meus pais e irmão (Lúcio, Sara e Leandro),
Pelo carinho, compreensão e principalmente pela paciência que tiveram durante todos estes anos
bem como no momento da elaboração deste trabalho. Vocês são essenciais em minha vida, nada
disso faria sentido sem vocês. Amo muito vocês.
As minhas tias (Marly, Maria, Neide, Neca, Vilma) e primos (Felipe, Fábio, Ilana, Jaqueline,
Camila, Thiago e agregrados),
Sempre presentes em todos os momentos de minha vida, compartilhando as angústias e alegrias.
Quero que saibam o quanto são especiais em minha vida e o quanto aprendi com cada um de
vocês. Sei que poderei contar com cada um.
Aos meus amores, Natália e Manuela,
Pelo amor incondicional, cumplicidade, companheirismo em todos os dias, pela compreensão das
ausências, por fazerem parte de minha vida e estar tão presente nos momentos felizes e tristes.
Mamãe ama de mais vocês.
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AGRADECIMENTOS
Ao longo da vida nossas vidas se cruzam com a de outras pessoas e o que as tornam diferentes
de todo o mundo são como as encontramos e o que sentimos ao encontrá-las.
Prof. Dr. Edson Caetano,
Por ter me aceitado como orientanda e auxiliado nos meus momentos de angústia, dúvida, no
desenvolvimento deste trabalho e pela paciência. Sou eternamente grata por seus esforços.
Profa. Dra. Giana Silveira Lima, Prof. Dr. Silas Borges Monteiro e Profa. Dra. Elizabeth
Figueiredo de Sá
Sinto-me honrada por aceitarem serem membros e suplente, respectivamente, na banca
examinadora na defesa deste trabalho.
Suellen, Cézar, Sônia e Heloísa,
Pela amizade, respeito, companheirismo. Muito obrigada por estarem presente em minha vida
nesse momento tão especial. Vocês fazem parte de minha história. Guardarei cada uma em
minha memória, minha família postiça.
Gelson, Moacir e Cláudia Barros,
Pelo incentivo, pelo ouvido aberto, e pelo ombro amigo.
Josi Rohden, Micnéias e Neide,
Meu muito obrigada pelo apoio, e por compartilhar experiências desta aventura que foi este
mestrado.
Camila Emanuela, Lirian, Eloísa e Mariana,
Companheiras gepeteanas, que possibilitaram minha inserção e aconchego neste novo mundo
da educação, sempre com delicadeza e amizade despretensiosa. Vocês foram muito
importantes.
As minhas babás, Juliana, Andréia, Ariadne e todos os outros,
Por todas as vezes que puderam ser por mim, e para mim, presença as minhas pequenas,
obrigada.
A coordenação do Instituto de Ciências da Saúde, e de Enfermagem da UFMT/Sinop,
Por todas as aberturas e compreensões em ausências, além da torcida pela finalização deste
trabalho.
A CAPES,
Pelo apoio financeiro que possibilitou a concretização deste sonho.
Aos alunos da UFMT/Sinop,
Sem o consentimento de vocês não seria possível o desenvolvimento deste trabalho. Minha
eterna gratidão pela confiança depositada.
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O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção. [...]
Vinícius de Moraes
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RESUMO
ANDRADE, L. M. S. A enfermagem enquanto profissão: reflexões sobre as concepções
dos acadêmicos quanto ao trabalho e a sua precarização. 2013. 176 f. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Instituto de Educação, Universidade Federal do Mato Grosso,
Cuiabá, 2013.
A enfermagem desde seu início carrega concepção de ajuda, doação e vocação junto ao seu
significado, porém este modo de pensar idealizado contrapõe-se as dificuldades efetivas do
trabalhador enfermeiro, que vende sua força de trabalho e se sujeita ao modo capitalista de
exploração garantindo assim a sua subsistência. Em qualquer momento histórico, o trabalho
assume diferentes formas dependendo dos modos de produção, e somente o ser humano é
capaz de criar e recriá-lo. Assim o objetivo desta dissertação foi analisar as concepções que
discentes de graduação em enfermagem tem sobre a profissão no início e ao término do curso
e relacionar estas concepções com a precarização do trabalho na enfermagem. Para alcançar
os objetivos utilizamos a metodologia da pesquisa de campo, com abordagem qualitativa,
realizamos entrevistas semi-estruturada com discentes ingressantes no curso de graduação
enfermagem em 2012/1 de uma Instituição de Ensino Superior Federal (IES), e também em
discentes concluintes 2012/1 desta mesma IES. Estes responderam o seguinte
questionamento: o que significa ser enfermeiro, e porque estão fazendo este curso? A coleta
de dados teve início após apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital
Universitário Júlio Müller, Cuiabá – MT, sob protocolo 161/CEP- HUJM/2011. As
entrevistas ocorreram nos meses de março e abril de 2012, com um total de 9 entrevistados,
sendo 4 discentes ingressantes e 5 discentes concluintes. Utilizamos o método materialista
dialético histórico, como referencial a ser adotado, pois através de uma interpretação histórica
e social da realidade procedemos a correlação destas concepções. Como resultados finais
desta pesquisa pode-se afirmar que os alunos ingressantes atribuíram à enfermagem um
caráter de valorização do contato humano, de ajuda, como uma forma de satisfazer o outro,
pode-se ainda observar que uma parte desses discentes indicou uma escolha pela profissão,
como sendo rentável e estável. Em contra partida os discentes concluintes não demonstraram
a mesma concepção em relação aos anteriores, sendo inversa, tendo um caráter profissional,
como as formas de trabalho na enfermagem e na saúde, voltados para a realização de
procedimentos, prevenção e orientação de pacientes, e dando ênfase maior a parte
administrativa da profissão. Assim observamos que a enfermagem deixa de ter um caráter de
caridade ou ajuda, voltando-se a uma manifestação de atividade profissional. Em uma
reflexão podemos fundamentar estas diferenças aos momentos históricos da enfermagem,
alicerçados na atual concepção da enfermagem, na década de 80, indicativa do início de uma
mudança, e entendimento da enfermagem enquanto trabalho, baseado na reestruturação
produtiva decorrente deste período. Consideramos assim que o fato da enfermagem ter como
concepção o cunho vocacional e de ajuda, tem impedido novas formas de organizar seus
trabalhadores, lutar por novas formas de condições de trabalho, livre de riscos, com condições
apropriadas de execução e segurança, bem como por jornadas justas e menos penosas, além
9
de estreitar a relação percebida do modo de produção capitalista têm e refletem nas formas de
precarização do trabalho na saúde. Novos estudos devem indicar a necessidade de
aprofundamento do tema e assim possibilitar a superação dos limites característicos dessa
profissão.
Palavras-chaves: enfermagem, educação, trabalho, precarização, profissão e acadêmicos.
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ABSTRACT
ANDRADE, L. M. S. Nursing as a profession: reflections on the concepts of academic
and work and its precariousness. 2013. 176 f. Dissertation (Master of Education) - Institute
of Education, Federal University of Mato Grosso, Cuiabá, 2013.
Nursing since its inception carries design help, donations and vocation with its meaning, but
this way of thinking idealized contrasts with the difficulties of effective worker nurse, who
sells his labor power and is subject to the capitalist mode of exploitation thus ensuring their
livelihoods. At any moment in history, the work takes different forms depending on the
modes of production, and only human beings are able to create and recreate it. Thus the aim
of this thesis was to analyze the conceptions that undergraduate nursing students have about
the profession at the beginning and end of the course and relate these concepts to the
precariousness of work in nursing. To achieve the objectives we use the methodology of field
research, qualitative approach, we conducted semi-structured interviews with students
entering undergraduate degree in nursing in 2012/1 of a Higher Education Institution Federal
(HEIF), and also students graduating in 2012 / 1 of that HEIF. They answered the question:
what it means to be a nurse, and why they are doing this course? Data collection began after
consideration of the Ethics Committee in Research of the University Hospital Júlio Müller,
Cuiaba - MT, protocol 161/CEP- HUJM/2011. The interviews took place in March and April
2012, with a total of 9 respondents, 4 entering students and 5 ending students of graduating.
The method was dialectical materialist history, as a reference to be adopted, because through
a historical interpretation of social reality and the correlation of these conceptions proceed. As
final results of this research can be stated that the freshman students assigned to nursing a
character valuation of human contact, help, as a way to meet each other, we can still observe
that some of these students indicated a choice of profession as being cost-effective and stable.
In return the students graduating have not shown the same design over previous, and reverse,
having a professional character, as forms of work in nursing and health, focusing on the
performance of procedures, prevention and patient guidance and giving greater emphasis on
the administrative part of the profession. Thus we see that nursing ceases to have a character
of charity or help, turning to a demonstration of professional activity. In a preliminary
analysis, we can substantiate these differences to the historical moments of nursing, grounded
in current conception of nursing in the 80's, indicating the beginning of a change, and
understanding of nursing as a job, based on the restructuring of production arising from this
period. We consider how the fact of nursing have the design the stamp and vocational help,
has prevented new ways to organize their employees, strive for new ways of working
conditions, risk free, with appropriate conditions of application and security, as well as
Journeys fair and less painful, besides strengthening the relationship of perceived capitalist
mode of production and is reflected in the forms of precarious employment on health. Further
studies should indicate the need for further development of the subject and thus enable
overcoming the limitations characteristic of his profession.
Keywords: nursing, education, labor, precariousness, profession and academics.
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LISTA DE SIGLAS
ABEN Associação Brasileira de Enfermagem
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CNE Conselho Nacional de Educação
CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNS Conselho Nacional de Saúde
COFEN Conselho Federal de Enfermagem
COREN Conselho Regional de Enfermagem
CUS Campus Universitário de Sinop
DC Discente Concluínte
DI Discente Iniciante
ECS Estágio Curricular Supervisionado
ESF Estratégia de Saúde da Família
EUA Estados Unidos da América
HNA Hospital Nacional dos Alienados
HPII Hospício de Pedro II
HUJM Hospital Universitário Júlio Müller
IES Instituição de Ensino Superior
LER Lesão por Esforço Repetitivo
MEC Ministério da Educação Cultura
MS Ministério da Saúde
OIT Organização Internacional do Trabalho
PPC Projeto Pedagógico do Curso
PSF Programa de Saúde da Família
SAE Sistematização da Assistência de Enfermagem
SUS Sistema Único de Saúde
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFMT Universidade Federal do Mato Grosso
UTI Unidade de Tratamento Intensivo
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SUMÁRIO
INTRODUÇAO 13
CAPÍTULO 1 – ENFERMAGEM, CUIDADO E SAÚDE: HISTÓRIA DA
PROFISSÃO
26
1.1 A Idade Média – enfermagem, cuidado e saúde. 26
1.1.1 O contexto religioso na Idade Média e o cuidado. 28
1.1.2 Cuidado, saúde pública e os hospitais. 29
1.2 A Idade Moderna – enfermagem, cuidado e saúde. 34
1.2.1 Os problemas de saúde na Idade Moderna. 35
1.2.2 A enfermagem e o cuidado na Idade Moderna. 38
1.3 A idade contemporânea – enfermagem, cuidado e saúde. 40
1.3.1 Saúde e enfermagem no Brasil do século XIX. 43
1.3.2 As damas da Enfermagem. 45
1.3.2.1 A dama da Lâmpada, Miss Nightingale. 45
1.3.2.2 “Mãe dos brasileiros”, Anna Nery. 50
1.3.3 A idade contemporânea e a enfermagem (1889 – 1930). 51
1.3.4 A idade contemporânea e a enfermagem (1930 – 1960). 53
1.3.5 A idade contemporânea e a enfermagem (1960 – 1990). 54
1.3.6 A idade contemporânea e a enfermagem (1990 – atualidade). 56
CAPÍTULO 2 – O MUNDO DO TRABALHO 58
2.1 O trabalho em sua dimensão ontológica. 58
2.1.1 O trabalho e suas transformações. 61
2.1.1.1 O trabalho e suas transformações com a industrialização. 64
2.1.1.2 Taylorismo e Fordismo. 66
2.1.1.3 O modelo de desenvolvimento hegemônico e sua crise. 68
2.2 Reestruturação Produtiva. 71
2.2.1 Reestruturação produtiva em saúde. 73
2.3 Precarização do Trabalho na saúde. 75
2.4 Trabalho em saúde. 76
2.5 Processo de Trabalho em Saúde. 80
2.6 Divisão técnica do trabalho em saúde. 82
2.7 O modelo hegemônico médico na saúde. 85
CAPÍTULO 3 – O CUIDAR EM ENFERMAGEM: CONCEPÇÕES NO INÍCIO DA
GRADUAÇÃO
89
3.1 “EU SEMPRE GOSTEI DE AJUDAR OS OUTROS” – o cuidado como objeto de 91
13
trabalho da enfermagem.
3.2 “NÃO É ELE (ENFERMEIRO) QUE REALMENTE FICA CUIDANDO, CUIDANDO, É
O TÉCNICO” - divisão técnica do trabalho em saúde e na enfermagem.
94
3.2.1 Divisão técnica do trabalho na enfermagem: suas representações nas falas dos discentes
ingressantes.
97
3.2.2 Divisão do trabalho na saúde e na enfermagem: sobre a hegemonia médica. 101
3.3 “VOCÊ TEM QUE SER UMA PESSOA QUE SABE LIDAR COM O IMPROVISO” –
improviso ou precarização do trabalho na enfermagem?
105
3.3.1 O conformismo sobre a forma precária como se dá o cuidado. 106
3.3.2 O conformismo pelos baixos salários e as condições de trabalho, afinal ele escolheu
ajudar.
111
CAPÍTULO 4 – O CUIDAR EM ENFERMAGEM: CONCEPÇÕES AO FINAL DA
GRADUAÇÃO
116
4.1 “EU GOSTO MUITO DE AJUDAR, SEMPRE GOSTEI MUITO ASSIM” - o cuidado
como objeto de trabalho da enfermagem, ao final da graduação.
118
4.1.1 A opção pela enfermagem apoiado na influência familiar e no fator econômico. 120
4.2 “VOCÊ VAI MOLDANDO DENTRO DE VOCÊ A CONCEPÇÃO DE UM
ENFERMEIRO” – o que é ser enfermeiro agora com a inserção na prática profissional.
127
4.3 “ QUANDO VOCÊ TÁ DENTRO DA SALA, É TUDO MUITO BONITO” – a
enfermagem ideal confrontada com a prática real.
130
4.3.1 Além do ideal e o real está o trabalho no setor público e no setor privado –
considerações quanto a precarização.
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS 145
REFERÊNCIAS 149
APÊNDICE 1 – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS DISCENTES
INGRESSANTES
158
APÊNDICE 2 – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS DISCENTES
CONCLUÍNTES
159
APÊNDICE 3 – TERMO DE CONSCENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 160
APÊNDICE 4 – ENTREVISTAS DOS DISCENTES INICIANTES 161
APÊNDICE 5 – ENTREVISTAS DOS DISCENTES CONCLUÍNTES 168
ANEXO 1 – FOLHA DE APROVAÇÃO COMITÊ DE ÉTICA CEP/HUJM 176
14
INTRODUÇÃO
A enfermagem desde seu início carrega concepção de ajuda, doação e vocação junto
ao seu significado, porém este modo de pensar contrapõe-se às dificuldades efetivas do
trabalhador enfermeiro, que vende sua força de trabalho e se sujeita ao modo capitalista de
exploração garantindo assim a sua subsistência. Em qualquer momento histórico, o trabalho
assume diferentes formas dependendo dos modos de produção, o que pode ser estendido às
profissões da área da saúde, e onde o cunho vocacional persiste como na enfermagem.
Resgatar a história da enfermagem permite dar início a tentativa de reflexão desse
caráter de não trabalho assumido pela enfermagem, discutindo uma possível mudança de
concepção ocorrida na década de 80, quando passa a suscitar novas concepções da
enfermagem enquanto prática social e como trabalho. Situamos então a enfermagem, durante
e depois da Idade Média e compreendemos seu caráter vocacional, posteriormente à tentativa
de mudança de definição.
Rodrigues (2001), em seus estudos tentou colocar a história da enfermagem como
ponto de partida para desvelar em que momento o modelo vocacional/religioso da profissão se
iniciou, bem como identificou através das falas de graduandos do Curso de Enfermagem as
manifestações desta concepção, e por fim percebeu a necessidade de mudanças na atividade
docente, para instituir o caráter de enfermagem enquanto trabalho.
Ao encarar a enfermagem enquanto prática não profissional, mas também de ajuda ou
vocação, suprimimos dela a parte importante que lhe cabe no serviço de saúde em geral, o
cuidado ao cliente/paciente, que em um mercado de trabalho totalmente capitalista, é o
trabalho realizado com qualidade, produtividade e que como em toda a profissão traz as
dificuldades relacionadas a venda de sua força de trabalho.
O trabalho humano pensado por Marx, é que nos permite ser diferentes dos animais,
pois é uma condição necessária ao ser humano, em qualquer momento histórico, e este
trabalho assume diferentes formas dependendo dos modos de produção, o ser humano é capaz
de criar e recriar. É um processo pertencente ao homem e a natureza, este é capaz de através
de sua ação, modificar, regular e recriar, a natureza, e fazendo isso através do uso de seus
braços, pernas, mãos, apropria-se da matéria natural e utiliza-se dela de uma forma útil para
sua vida, assim ao modificá-la ele também se modifica (MARX, 1982).
15
O trabalho então não se reduz ao emprego, mas tem uma dimensão muito maior, ou
seja, ele responde à produção de elementos necessários para vida, e responde também às
necessidades intelectuais, culturais, sociais, lúdicas, afetivas, tratando-se então de uma
necessidade, que assume diferentes configurações conforme a história na qual está inserido
(FRIGOTTO, 2006).
Para então entendermos o trabalho, no nosso enfoque, o da saúde, é preciso entender
que o objeto de trabalho, o ser humano a ser cuidado, recebe o trabalho realizado pela ação
intencional do trabalhador, e através dele, utiliza-se de ferramentas, de seus meios de
trabalhar e do modo que organiza seu uso. Na saúde as ferramentas de trabalho são traduzidas
em imagens de valises tecnológicas, com suas ferramentas-máquinas (o seu saber-fazer
clínico), e suas relações com os demais, que participam da produção e consumo do trabalho,
sendo este o processo de trabalho, combinação do trabalho ato e consumo dos produtos feitos
em trabalhos anteriores (MERHY; FRANCO, 2006).
O trabalho feito é o que se chama “trabalho vivo em ato”, e o trabalho feito antes que
só chega à forma de produto, como exemplo o aço para fabricação de estruturas, é chamado
“trabalho morto”, o primeiro remete ao fato de estar ligado ao trabalhador que o faz e todo o
processo que utilizou para realizá-lo, bem como com o produto e seu consumo por outros
trabalhadores. Na saúde o trabalho realiza-se sobre tudo por meio do “trabalho vivo em ato”,
o trabalho humano no exato momento em que é executado e que determina a produção do
cuidado, mas este interage todo o tempo com instrumentos, normas, máquinas, formando
assim um processo de trabalho, com diferentes tecnologias. O cuidado então é produzido
através de interações, semelhante ao trabalho em educação (MERHY; FRANCO, 2006).
A relação trabalho e educação diz respeito segundo Ciavatta (2006) à formação do
homem, em seu caráter formativo com desenvolvimento de suas potencialidades. Levando em
consideração o sistema capitalista, e o trabalho como reprodutor da vida material, e que este é
vendido a preço de um salário que não expressa o excedente do trabalho do homem, visto que
este passa a pertencer ao detentor do capital para acumulação, tornando-se alienante e
desumanizador. Para esta autora o trabalho como principio educativo depende de vários
fatores que consideram as condições para realiza-lo, os fins, e quem se apropria do mesmo, e
do conhecimento a ser gerado por ele. Que no caso da sociedade capitalista o trabalho tem um
tom desapropriador da classe trabalhadora no que diz respeito à riqueza social e saberes que
cria, pois este trabalho é mercadoria para ser trocado na forma de um valor de troca pelos
meios de produção.
16
A educação e a saúde, direitos dos seres humanos, sob o modo de produção capitalista
são mercadoria, assim a educação profissional reduziu-se a formação e treinamento para o
trabalho simples da classe trabalhadora. Da mesma forma que para a formação dos
profissionais da saúde, a dimensão do conhecimento tornou-se científica e tecnológica,
visando atender as exigências do mercado (CIAVATTA, 2006).
Para Merhy e Franco (2006), podemos exemplificar o trabalho em saúde utilizando o
médico com três valises, seu arsenal tecnológico. A primeira tem instrumentos, tecnologias
duras, a segunda saber técnico estruturado, tecnologias leves-duras, e a terceira relações entre
sujeitos, tecnologia leve. Assim o trabalhador da saúde é um ser coletivo, pois ele não se basta
sozinho, precisa da interação entre técnicos, auxiliares, enfermeiros, nutricionistas, todos com
ferramentas diferentes para complementar o outro, sendo necessária a pactuação das ações,
porém este tipo de interação ainda esbarra no modelo de imperialismo médico.
Quando situamos a enfermagem antes, durante e depois da Idade Média é que
compreendemos o caráter não profissional da enfermagem. Segundo Rodrigues (2001), nas
sociedades primitivas antes do período medieval, a enfermagem era desenvolvida por
mulheres, escravos, sacerdotes e também por mulheres na Sociedade Grega, isso demonstrava
também as concepções do processo de saúde/doença, onde estava ligado ao sobrenatural,
entendido pela ação de espíritos, e posteriormente a alterações de humores, pelos gregos.
Os escravos realizavam o cuidado dos doentes, como forma de trabalho doméstico
naquele contexto, o que sofreu algumas alterações no início da era Cristã, onde a enfermagem
sofre transformações. A concepção de saúde/doença, nesta era pensada enquanto castigo
divino, e a recuperação da mesma através do cuidado, como uma aproximação de um Deus
misericordioso, modifica a concepção da enfermagem, e o caráter religioso se impregna, as
pessoas que a realizavam tinham um espírito de caridade, e esse caráter mantém até os dias
atuais arraigados no fazer da enfermagem (RODRIGUES, 2001).
Com o capitalismo, o modelo religioso é substituído pelo vocacional, tendo início na
Inglaterra, a concepção do hospital enquanto local aonde as pessoas iriam para esperar a
morte, foi modificada pela ascensão da classe burguesa como classe dominante, e este local
passa então a ser território de cura. Nesse novo modelo a enfermagem passa a ser exercida por
pessoas leigas, e não somente por religiosos. Dando início à enfermagem moderna no século
XIX, com Florence Nightingale, com preceitos como hierarquia, disciplina no trabalho,
organização religiosa e militar, com relações de subordinação e dominação. No Brasil a
enfermagem moderna tem início com Ana Neri, colocando como ideologia da enfermagem a
abnegação, obediência e dedicação (RODRIGUES, 2001).
17
As transformações que o capitalismo trouxe, deram ao corpo humano novos
significados, passando este a ser visto como fonte de lucro, tanto para quem cuidava, quanto
para quem era cuidado, e se constituiu então como força de trabalho. A saúde então uma
forma de produzir mercadorias, precisa de controle desta força de trabalho (LUCENA et al,
2006).
Atualmente a enfermagem vocacional/religiosa apesar de estar presente no discurso de
muitos profissionais, afasta-se do modo em que vivemos, onde enfrentamos dificuldades de
ordem profissional, como longas jornadas de trabalho, baixos salários comparados a outros
profissionais, falta de autonomia, e precarização do cuidado na saúde. Não há espaço para o
ser humano, este é apenas uma peça nesta engrenagem, como é demonstrado no mercado de
trabalho.
O corpo humano é visto então como uma máquina, onde suas peças quando em mau
funcionamento (doença), precisam ser consertadas, e a atenção à saúde passa ser centrada na
doença e não mais na saúde, iniciando as especializações (LUCENA et al, 2006). Como nas
linhas de montagem concebidas por Henry Ford, em meados do século XX, trabalhadores
organizados em série, desempenhando papéis independentes, parcelados, cada trabalhador
executa uma parte da produção, como o que acontece com os usuários de saúde, passando por
uma série de ações, procedimentos e protocolos, e cada profissional o faz em um tempo
diferente, tentando ser concebidas como cuidado em saúde (VIEIRA; SILVEIRA; SANTOS,
2011).
Cabe aqui ressaltar que o trabalho profissional, é o trabalho exercido de forma
especializada, socialmente reconhecida como necessário para uma atividade. Profissão então
se origina conceitualmente do trabalho artesanal, na Idade Média exercida pelas guildas ou
corporações de artífices, onde além da produção de produtos, havia a capacitação para o
ofício. No contexto capitalista dos modos de produção, o trabalho parcelado e a gerência
científica das profissões sofrem influências da economia. Neste sentido “profissão”, quer
dizer a qualificação de um grupo de trabalhadores, em uma determinada atividade, que
dominam seus conhecimentos e que fundamentam a sua realização, estabelecem regras para
exercício de uma profissão, partilham leis, organizam-se em sociedades legitimadas, a fim de
garantir respeito às regras, aprimoramento destes profissionais e desenvolvimento de medidas
que defendam o grupo de trabalhadores (PIRES, 2009).
Pires (2009), afirma ainda que a enfermagem como profissão possui pontos
vulneráveis, como a autonomia do profissional e o seu reconhecimento como utilidade social,
e enfatiza ainda a não existência de um corpo próprio de conhecimentos.
18
A reestruturação produtiva trazida pela crise do capitalismo no final do século e início
deste forçou tanto as mais variadas empresas, bem como os serviços de saúde, a tornarem-se
competitivos e acumularem capital, fazendo isso através da complexidade tecnológica e
redução da força de trabalho, hierarquização, e incorporação da terceirização como novas
formas de articulações, produzindo assim uma diminuição e quase finitude da prestação
individual de serviços, sustentando a compra e venda desta força de trabalho, assim obrigando
os profissionais a submeterem-se as mais diversas formas de precarização do trabalho
(KUNZER, 2004).
Conforme Pires (2006), a precarização do trabalho está registrada na literatura como
formas diversas de relações contratuais, o que dificulta a atuação das diversas representações
sindicais, deixando os trabalhadores em geral desprotegidos e vulneráveis às exigências do
mercado, esse processo vem ocorrendo de forma intensa em setores da indústria, e na saúde
de forma mais particular. No Brasil esta forma de precarização na saúde, é demonstrada pelo
aumento do número de contratos temporários, com horários especiais como os plantonistas
em hospitais, e na saúde pública com contratação de agentes comunitários temporários.
Para Gomez e Costa (1999), as conveniências e conjunturas locais, são responsáveis
por estabelecer novos modos de contratação, permitindo o surgimento de empregos chamados
atípicos – terceirizados, temporários, em tempo parcial, por tarefas – e assim produzindo
variação entre emprego e não emprego, contribuindo em diversos níveis para a precarização
do trabalho.
Ainda segundo Pires (2006), a terceirização deste setor cresce constantemente, e está
empregada no setor público, a fim de diminuir custos, e como forma de fugir das conquistas
salariais e direitos trabalhistas conquistados. Essas novas formas de contratação, podem ser
encaradas como novas formas de flexibilização das formas de contrato, porém não é o caso do
Brasil, que tem o contexto de tentar reduzir custos com a saúde pública.
Em outros países a flexibilização não tem um cunho de precarização, mas sim de
direitos adquiridos pelos trabalhadores de trabalhar através de contratos que atendam melhor,
suas necessidades e não somente dos empregadores. O conceito de precarização remete a um
sentido de perdas, e é usado extensamente para designar o que é precário, neste caso as
formas de trabalho na saúde (PIRES, 2006).
O Ministério da Saúde (MS) está trabalhando na tentativa de mudar este quadro de
precarização, através da criação de programas que visam desprecarizar o trabalho no Sistema
Único de Saúde (SUS), e garantir os direitos adquiridos por lei dos trabalhadores,
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manifestados por vezes não somente pela quebra desses direitos, mas também pela ausência
de concursos públicos com cargos permanentes (PIRES, 2006).
Cabe ressaltar ainda que conforme Gomez e Costa (1999), é preciso relembrar que
estas novas formas de contratos adotados pelo SUS, produzem subnotificações de acidentes
de trabalho, não somente físicos, coloca em outro patamar os contratos de trabalhadores
temporários, suprimindo deles doenças ocupacionais como as lesões por esforço repetitivo
(LER), omitindo as empresas terceirizadas a seguridade desses trabalhadores, e permitindo
uma política que evita custos.
Ao olhar este panorama, onde direitos do trabalhador, aqui no caso os da saúde, e
deveres do empregador, são suprimidos, questionamos o precisa ser mudado a fim de alterar
este quadro?
Parto deste ponto para indagar enquanto docente de um Curso de Graduação em
Enfermagem, e como ex-aluna, quais as concepções que discentes de graduação em
enfermagem tem sobre a profissão no início e ao término do curso e relacionar estas
concepções com a precarização do trabalho de enfermagem. Pois acredito que da mesma
maneira que ao escolher pela minha profissão levei como um dos pontos principais de minha
escolha, a vocação/religião, isto ainda acontece entre os ingressantes, e suponho que se
modifique ao final da graduação. Desta maneira o salário, as condições de trabalho estiveram
em segundo plano, o que agora como profissional e atuante tanto na área de docência como na
área hospitalar pude perceber o quão romântica foi esta escolha.
Esta pesquisa justifica-se ao direcionar a prática de enfermagem enquanto trabalho, e o
processo histórico pelo qual perpassa, dando novos significados a este processo de trabalho,
permitindo refletir sobre a realidade concreta dos meios de produção, para entender o
fenômeno, e firmar novas possibilidades, de vislumbrar uma nova forma de cuidar e mudar a
realidade, visando atender o ser humano, em suas necessidades sociais, promovendo a saúde,
e prevenindo as doenças, bem como recuperando o indivíduo para sua vida.
Ao refletirmos sobre as questões enunciadas acima, não somente observamos o
contexto da enfermagem, mas o caminhar de uma profissão que está ainda por consolidar-se,
e outras questões ainda podem surgir, tais como a saúde do trabalhador enfermeiro, que como
resultado desta precarização de seu trabalho, passa a sofrer não somente fisicamente, mas
também mentalmente.
O enfermeiro não vê sua profissão como trabalho, torna-se então, incapaz de
reivindicar melhores condições de trabalho, e torna-se um profissional a margem do serviço
20
de saúde, pois a raiz de muitos conflitos dentro da própria equipe de saúde tem origem pela
submissão passional, da equipe de enfermagem a outros trabalhadores do serviço de saúde.
Ao nos colocarmos como parte de uma equipe que constrói o cuidado a um
paciente/cliente, percebemos que é essencial o papel profissional do enfermeiro, como
organizador, cuidador, diretor, organizador desta equipe, e que possui um conhecimento
próprio, cientificamente firmado, e que desta maneira é capaz de lutar por seu espaço de
igualdade, como trabalho muito bem definido.
Segundo Kunzer (2004), os professores assim como os enfermeiros, estão sob uma
tensão relacionada a seu trabalho, visto que este possui uma natureza não-material, onde não
há separação entre produto e produtor, é um processo subjetivo, porém possui as
características de um trabalho, tem de ser qualificador, transformador e prazeroso, e frente a
este mercado capitalista também é mercadoria comprada para valorizar o capital. Ainda deste
modo, o cuidador (enfermeiro), ao vender seu trabalho como mercadoria, coloca-o sob
algumas limitações, que são definidas através de contratos de trabalhos, a cada dia mais
rígidos e específicos, e deste modo não é pleno e satisfatório, levando ao sofrimento e não
realização pessoal.
Isso explica um pouco, o que acontece nos serviços de saúde atualmente, e está
demonstrada na mídia diariamente, a tendência ao não envolvimento do profissional de saúde,
uma maneira de evitar o sofrimento visto que este profissional não consegue ver seu produto
final, e não se satisfaz, pois está amarrado a um contrato de trabalho, a uma jornada de
trabalho limitada, programada, normatizada, que tem como fachada a tentativa de organização
do serviço, e melhora na qualidade do atendimento, mas que de modo geral visa à alta
produtividade e lucratividade.
Enfermagem enquanto trabalho ou ajuda/vocação/doação? Enquanto esta dúvida
perdurar, o enfermeiro, assim como outras profissões na área da saúde, estará submetido a
qualquer tipo de precarização desta profissão, e consequentemente ao sofrimento profissional.
Mas a grande questão está no resultado, o paciente/cliente encontrara sempre a
desumanização do seu cuidado, justamente ele, que está em uma situação de fragilidade, visto
que busca a recuperação de sua saúde.
A partir dos pontos apresentados para introduzir este estudo, emergiram os pontos
importantes a serem discutidos no corpo do trabalho, sendo que no primeiro capítulo
apresentaremos a profissão enfermagem, com um resgate histórico de sua raiz, vocacional,
mística, e por fim profissional, bem como os processos políticos e históricos perpassados
pelas concepções saúde e doença, da antiguidade até a atualidade.
21
No segundo capítulo caracterizamos o trabalho, sob o contexto dos modos de
produção, culminando com o capitalismo, ainda colocamos pontos conceituais do trabalho na
saúde, a fim de dar suporte para uma discussão a partir da prática de enfermagem sob o modo
de produção capitalista.
O terceiro capítulo trata das concepções dos discentes ingressantes do curso de
graduação em enfermagem, em relação à escolha da profissão, do forte caráter vocacional
apresentado por esses discentes, fazendo um contraponto com a precarização do cuidado,
voltando-se com um caráter de submissão e apatia frente às formas de exploração do trabalho
de enfermagem.
Por fim o quarto capítulo trata das concepções dos discentes concluintes do curso de
graduação em enfermagem, destacando uma visão real da profissão, confrontando-a com o
ideal apresentado em sala de aula, também apresenta a visão sobre as práticas precárias em
que ocorre o processo de produção do cuidado, enfatizando as diferenças percebidas entre
ganhos salariais, jornadas de trabalho, e descaracterização do ato de cuidar no setor público e
privado, que acaba por culminar na produção do cuidado desqualificado.
Objetivos
Como objetivo geral deste estudo buscou-se desvelar as concepções que discentes
iniciantes e concluintes do curso de graduação em enfermagem têm sobre o que é a profissão
e tecer considerações entre estas concepções e a precarização do trabalho na saúde e na
enfermagem. E como objetivos específicos:
a) Identificar as concepções dos acadêmicos de enfermagem no primeiro semestre
de graduação quanto a sua escolha profissional;
b) Identificar as concepções dos acadêmicos de enfermagem no último semestre
de graduação quanto à enfermagem enquanto trabalho;
c) Correlacionar essas concepções com a precarização do trabalho na saúde e na
enfermagem;
d) Identificar as relações entre trabalho e educação presentes na criação da
concepção da enfermagem, enquanto profissão.
22
Aspectos Metodológicos
Trata-se de um estudo qualitativo, uma vez que a identificação das concepções dos
discentes de graduação em enfermagem quanto à enfermagem enquanto profissão interage
com o universo dos significados, motivações, crenças e valores, que não pode ser quantificado
segundo Minayo (1996). E de caráter exploratório, que de acordo com Gil (1999, p.43) “é
desenvolvida com o objetivo de proporcionar uma visão geral, de tipo aproximativo, acerca de
determinado fato, esse tipo de pesquisa é realizada quando o tema escolhido é pouco
estudado”.
Utilizaremos a literatura para fundamentar nossa análise quanto aos momentos
históricos da enfermagem, e assim encontrar alicerce da atual concepção da enfermagem,
sendo que a década de 80 indica o início de mudança na compreensão da enfermagem
enquanto trabalho, isso se justifica pelas mudanças ocorridas na percepção do processo de
trabalho da enfermagem anteriormente a década de 80, e a reestruturação sofrida pela saúde,
decorrida a fatos marcantes com a implantação do SUS, através da Lei Orgânica da Saúde,
Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990, (BRASIL, 1990), e juntamente a isso na enfermagem as
mudanças que ocorreram no sentido da regulamentação e aprovação da Lei do exercício
profissional – Lei 7498 e o Decreto 94.406 de 1987 (BRASIL, 1986; 1987), que podem ter
repercutido na percepção de trabalho na saúde, e a sua precarização conforme os objetivos
expostos acima.
Foram realizadas entrevistas individuais, onde através de questões norteadoras a ambos
os grupos de discentes (concluintes e iniciantes), conforme Apêndices I e II foi possível captar
as concepções relacionadas ao trabalho em enfermagem presentes nas falas destes
graduandos.
Para que os resultados fossem fidedignos as entrevistas foram gravadas em um aparelho
celular (Iphone 4 – Apple) e posteriormente transcritas na íntegra, após a devida autorização
do discente. O local das entrevistas se deu em ambiente fechado, na própria instituição de
ensino com horário marcado conforme acordo estabelecido entre a pesquisadora e o
voluntário na pesquisa, a fim de preservá-lo e evitar constrangimentos.
O método materialista dialético histórico foi adotado como referencial, pois através de
uma interpretação histórica e social da realidade procedeu-se à correlação destas concepções,
durante a discussão dos resultados. O método dialético baseado no pensamento de Marx foi
23
utilizado neste estudo, na tentativa da superar a separação que ocorre entre sujeitos e objeto,
presente em diversos métodos.
A dialética referida é diferente da concebida na Grécia antiga, como a arte do diálogo,
como aquela ocorrida entre iguais, na concordância de um pensamento, uma identidade. Com
Heráclito, grego 530 a 428 a.C., ocorre uma mudança da forma de pensar a dialética, para este
o diálogo só existe quando há divergências, conflito de idéias (PIRES, 1997). A dialética que
aqui se trata, passa a assumir com o passar do tempo um lugar importante e objeto de estudo
da filosofia, com Hegel, filósofo alemão (1770-1831), elaborando a dialética como método,
com o princípio da contradição, ou seja, algo é e não é ao mesmo tempo, e sob um mesmo
aspecto, indicando uma totalidade e historicidade (PIRES, 1997).
O método dialético então permite compreender o mundo da forma que ele o é, visto
que se movimenta e é contraditório, desta forma o modo formal de pensar engessa esse tipo de
raciocínio, diferente do proposto por Marx, sendo que sua dialética é material e histórica,
material, pois os homens se organizam produzindo e reproduzindo a vida, e histórica, pois
eles organizam-se na história através dos tempos. Marx não faz uma explanação detalhada do
método em sua obra, porém mostra suas aplicações, principalmente em sua obra mais
importante O capital (PIRES, 1997).
A análise então partindo do materialismo histórico dialético permite refletir as questões
referentes à produção da vida material dos seres humanos considerando os diferentes
momentos históricos, e na análise em questão centrada no mundo do trabalho, é fundamental
na medida em que permite visualizar o concreto através do trabalho, como ocorre para este
profissional.
O cenário da pesquisa é uma Instituição de Ensino Superior Federal (IES), a
Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), no campus de Sinop - Mato Grosso,
instituição essa que abriga um curso de graduação em enfermagem desde o primeiro semestre
de 2007, com uma entrada anual de 60 alunos, divididos em 30 alunos por semestre.
Os sujeitos da pesquisa são os discentes ingressantes no curso de graduação
enfermagem em 2012/1 da IES, UFMT do Campus Sinop, do Curso de Graduação em
Enfermagem e também em discentes concluintes 2012/1 desta mesma IES. Justificando esta
escolha por adequar-se ao período para realização do estudo, e o fato da instituição ter entrada
e saída de alunos a cada semestre.
Em relação à análise e coleta dos dados, os dados foram coletados em março de 2012,
através da entrevista semi-estruturada, conforme os apêndices apresentados nesta dissertação
e as questões abertas, ao discente houve a liberdade de aprofundar-se nas questões, sendo que
24
a interferência da pesquisadora ocorreu de forma a complementar os relatos a fim de chegar
aos objetivos do estudo.
Os dados coletados nas entrevistas foram tratados através da técnica de análise de
conteúdo baseada em Bardin (1977) e organizados de acordo com os princípios da análise
qualitativa (Minayo, 2007).
Bardin (1977) revela que a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas, que possui
diferentes maneiras para se analisar, como: análise de avaliação ou representacional; análise
de expressão; análise de enunciação e análise temática.
Neste estudo, a análise de dados foi feita através da análise temática. Assim para fazer
uma análise de conteúdo temática é necessário descobrir os núcleos de sentido que compõem
a comunicação, cuja presença ou frequência possua algum significado para o objeto analítico
visado (BARDIN, 1977; MINAYO, 2007).
A análise dividiu-se em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento
dos resultados, inferência e interpretação.
A fase de pré-análise consistiu em organizar as ideias iniciais de modo sistemático, a
fim de conduzir um esquema preciso de desenvolvimento da pesquisa (BARDIN, 1977). As
hipóteses e os objetivos do estudo foram retomados, e foram elaborados indicadores para
orientação da interpretação final (MINAYO, 2007).
Esta fase compõe três tarefas: leitura flutuante que consiste no contato exaustivo com
o material para conhecer o conteúdo; constituição do corpus que refere a forma de organizar o
material respondendo algumas normas com exaustividade, representatividade,
homogeneidade, pertinência e exclusividade; reformulação de hipóteses e objetivos
compreende a unidade de registro e contexto, a forma de categorização, a modalidade de
decodificação e os conceitos gerais que orientaram a análise (MINAYO, 2007).
A exploração do material foi feita na fase em que se deve analisar o texto
sistematicamente em função das categorias anteriormente formadas (BARDIN, 1977;
MINAYO, 2007).
Bardin (1977, p. 117) considera a categorização como “ [...] uma operação de
classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente,
por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com critérios previamente definidos”. A
terceira e última fase consiste no tratamento dos resultados, inferência e interpretação, aqui as
categorias que foram utilizadas como unidades de análise que permitiram ressaltar as
informações obtidas. Logo após foram feitas inferências e interpretações dialogando as
categorizações emergidas com os objetivos e pressupostos da pesquisa (MINAYO, 2007).
25
Ainda para utilização dos relatos lançou-se mão de pseudônimos afim de não
identificar os sujeitos da pesquisa, e sim somente a identificação do grupo ao qual pertencia o
relato, ou seja, Discente Iniciante (D.I) e Discente Concluinte (D.C) seguidos da numeração
de identificação do sujeito de 01 a 05.
Todos os discentes matriculados no primeiro semestre do Curso de Graduação em
Enfermagem da UFMT/Campus Sinop no semestre de 2012-1, foram convidados a participar
da pesquisa, através de contato pessoal da pesquisadora no primeiro dia do semestre letivo,
nesta ocasião foram explicitados os objetivos do estudo, e a importância de uma participação
voluntária destes discentes iniciantes, sendo assim cinco discentes aceitaram os termos
apresentados no TCLE, e a gravação das entrevistas, porém ao final deste estudo conforme
previsto pela Resolução CNS 196/96, um dos sujeitos solicitou a exclusão de seus relatos
deste estudo, sendo então retirado como parte da amostra de discentes iniciantes, totalizando
quatro entrevistas dos ingressantes.
Da mesma forma os alunos concluintes no semestre de 2012-1 foram abordados em
sala de aula pela pesquisadora, e submetidos ao mesmo esclarecimento e pedido de
participação na pesquisa, findando-se com uma amostra de cinco discentes concluintes que
participaram voluntariamente do estudo.
Respeitando os aspectos éticos da pesquisa em saúde os discentes que aceitaram
participar do estudo através do contato direto, antes da concessão da entrevista realizou-se
uma breve apresentação dos objetivos do estudo, solicitou-se a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e as entrevistas ocorreram conforme a
disponibilidade dos sujeitos, seguindo o roteiro semi-estruturado, sendo que o projeto de
pesquisa previamente a coleta de dados, foi submetido a apreciação ética, pelo Comitê de
Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller – UFMT e devidamente aprovado e
registrado sob protocolo n° 161/CEP-HUJM/2011 em 05 de março de 2012, atendendo a
Resolução Conselho Nacional de Saúde (CNS) 196/96, que dispõe sobre a pesquisa com seres
humanos.
26
27
CAPÍTULO 1 – ENFERMAGEM, CUIADADO E SAÚDE: HISTÓRIA DA
PROFISSÃO
1.1 A Idade Média – enfermagem, cuidado e saúde.
Ao longo da história a saúde e o trabalho humano têm se conformado de acordo com
as necessidades, as adversidades, os anseios e objetivos do homem. Desta forma o contexto
histórico-cultural de cada época influenciou de forma diversa a evolução do homem, do
trabalho e da saúde. Juntamente com a saúde, a doença caminhou inerentemente a existência
humana, e as diversas formas de trata-la, preveni-la e reestabelecer a saúde surgiram, pela
ação humana através do cuidado, de homens para e no homem.
Ao tratar da saúde, do cuidado e da enfermagem segundo as eras históricas é preciso
destacar alguns pontos, pois a história das profissões permite saber a forma como ocorreu a
construção dos saberes práticos, teóricos além do modus operandi pelo qual a profissão
passou e assim conhecer e compreender o presente, e traçar seu futuro (PADILHA;
BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).
As profissões ao longo do tempo, mais precisamente a enfermagem, têm passado por
uma construção, e reconstrução constante de seus conhecimentos e conceitos, construindo sua
história, na tentativa de desfazer-se de amarras de paradigmas, preconceitos, estereótipos
presentes em sua realidade. Nesse sentido é pertinente à abordagem da historicidade desta
profissão, e a produção literária atual tem permitido a docentes, pesquisadores e pessoas com
interesses comuns, manterem atualizados os conhecimentos clássicos e novos sobre esta
profissão, seja no âmbito nacional ou internacional. Também é possível observar a criação e
inserção da discussão histórica da profissão nos cursos de enfermagem, permitindo aos
estudantes discutir e ter novos apontamentos a fazer quanto a profissão (PADILHA;
BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).
Desta forma a História como uma ciência permite olhar o presente, mas de forma
pretérita entender a construção dos fatos, sendo que o ser humano a seu tempo e de diversas
maneiras, aprendeu e construiu formas de relacionar-se com o corpo, e a combater os males
que padeciam, baseados então na experiência.
28
Segundo Le Goff1(1991 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.40), a
enfermagem apresenta uma relação muito próxima ao cuidado dado pelas mães e que vem
evoluindo ao longo dos tempos e dessa forma tem coexistido com este a todo momento, sendo
uma ciência ligada a arte de cuidar, assim como a mãe que atende seu bebê enfermo e cuida a
fim de cura-lo, sendo que esta pode ser sugerida como a primeira enfermeira da humanidade.
Este capítulo trata da enfermagem, do cuidado e da saúde de modo geral, no período
da idade média até a atualidade, baseando-se no contexto em que estão inseridos, tanto
política quanto social e culturalmente. Na era medieval é possível afirmar que em todo o
mundo duas grandes vertentes dirigiam a enfermagem: o exército e a Igreja. E também que
esta História da Enfermagem concentrou-se na Europa e no Ocidente, sendo escassos os
dados de outros continentes segundo Goodnow2 (1953 apud PADILHA; BOREINSTEIN;
SANTOS, 2011, p.84).
O contexto social, econômico, político e cultural da Idade Média foram considerados
um período obscuro na história, perdurando desde a metade do século V até a primeira metade
do século XV, dividindo-se ainda em Alta e Baixa Idade Média, sendo a primeira carregada
de caos e torpor entre os séculos V a IX, e a seguinte, séculos X a XV, indicando certa
estabilidade (OGUISSO, 2007).
A queda do Império Romano no ano de 476 e o início das formações bárbaras,
indicaram um período onde os bárbaros destruíram patrimônios, devastaram a cultura,
tesouros e materiais de grandes populações, sendo este período conhecido, como uma época
negra para a humanidade. Estas invasões permitiram, apesar de muito danosas a vários
grupos e povos, o inicio de transição entre o modo de organização econômica baseado no
trabalho escravo, para o modo de produção feudal3. Este novo modo de produção permitiu a
formação de três classes, sendo elas o clero, a nobreza e os citadinos (homens livres ou
dependentes com funções como artesões, mercadores e camponeses) (PADILHA;
BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).
O modo de produção feudal consolidou-se durante a Alta Idade Média, e assim um
sistema de formação econômica pré-capitalista iniciou-se na Baixa Idade Média. Este novo
1 LE GOFF, J. As doenças têm história. Trad. De Laurina Bom. Lisboa: Terra-mar, 1991.
2 GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953.
3 Modo de produção feudal baseava-se em relações de troca de produtos e toda produção era destinada ao
sustento local, as relações de trabalho davam-se entre o senhor feudal e o servo ou camponês, que trabalhava na
propriedade do senhor feudal e pagava um induto pelo seu uso, além disso o servo tinha que trabalhar três dias
da semana de graça para o seu senhor, o trabalho não era assalariado e resultava em dependência social entre o
senhor feudal e seu servo, o feudalismo como era chamada, teve seu início por volta do século XIII até o início
do século XV, quando atingiu seu auge de desenvolvimento, e a partir daí seu declínio iniciou (FRANCO JR,
1987).
29
contexto sócio-economico permitiu ainda o início das cidades, dos centros de artesanato e
comércio, o desenvolvimento da indústria têxtil e produção de ferro, a fim de atender as
necessidades desta nova divisão do trabalho, a Europa nos séculos medievais apresentou
notável crescimento. Neste período ainda nota-se o início das universidades, aprimoramento
do trabalho com o vidro, da maquinaria de relógios, grandes embarcações, instrumentos como
bússola e astrolábio foi desenvolvido, para permitir a navegação. A família era o núcleo mais
importante deste período, pois baseado nela davam-se as relações sejam elas de trabalho,
afetivas ou relacionamentos, pois necessitavam vislumbrar o bem comum para a família
(PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).
1.1.1 O contexto religioso na Idade Média e o cuidado.
Como dito anteriormente a Igreja dominou circunstancialmente este período, sendo
responsável pela dominação cultural e até mesmo intelectual, assim as produções nesses
campos visavam atender a conceitos de salvação divina, nas pinturas e na arte os santos e
anjos são destaques, bem como as formas de penitencia e peregrinação também eram vistas
com bons olhos, pois traziam o indivíduo mais perto de Deus pelo seu sofrimento.
Neste período marcado pela degradação do Império Romano, devido às invasões
bárbaras, o caos instaurado levou a um estado de barbárie, onde a população encontrava-se
analfabeta, sem instrução e saúde, emergindo daí a figura dos monges, representantes da
Igreja, em seus monastérios surgindo como ponto de apoio e instituição da ordem geral,
ficando responsáveis pelo ensino da religião, enfermagem, educação e medicina, afirmando-se
a Igreja como a única instituição organizada, totalmente instituída, capaz de conceder o apoio
a ideologia do novo modo de produção que se configurava, o feudalismo, emergindo sobre o
caos e a degradação que aquele tempo passava, segundo Goodnow4 (1953 apud PADILHA;
BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.88).
A moral, o direito, a disciplina e o culto à Igreja foram decisivos para o fortalecimento
dessa unidade, e manter os homens daquele tempo novamente sujeitos aos códigos de ética e
moral que haviam sido destruídos. Como forma de obtenção da redenção divina as boas almas
deveriam realizar boas ações em hospitais, esses bons homens e mulheres eram pessoas
4 GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953.
30
importantes que tinham como forma de penitência e caridade o serviço nestas instituições,
construindo a imagem de bondade baseado na obediência a igreja.
O estilo gótico das igrejas da Idade Média, além do grande número destas, dava a
dimensão do domínio e impregnação pela população da religião. As Cruzadas5 empreendidas
na recuperação da Terra Santa mobilizaram milhares de homens e mulheres para a retomada
de Jerusalém, a guerra gerou feridos, e a necessidade de cuidados, sendo estes assumidos
pelas mulheres que também lutavam em nome da Igreja. Neste momento então também a
Igreja ocupou-se na construção de hospitais e recrutamento de voluntários, surgindo então
ordens de militares que tinham como tarefa diminuir doenças e a pobreza através da atenção
prestada nestes hospitais, utilizando-se dos seus ideais militares.
Juntamente com a ordem citada, outras insurgentes e derivadas manifestaram-se,
dentre elas ainda podemos citar, Ordem dos Cavaleiros de São Lázaro, voltados aos cuidados
dos leprosos, Ordem dos Cavaleiros Hospitalares Teutónicos, vistos com bons olhos pela
monarquia alemã, além de seguidores com o passar do tempo e várias denominações como os
Templários, Cavaleiros de Malta e Cavaleiros de Rodas. Assim reafirmando o domínio
europeu decorrente das cruzadas, relações comerciais foram estabelecidas, e atividades
comerciais também, permitindo o crescimento do comércio, de forma sussurrar o início da
visão do lucro, da racionalidade, ou seja de uma estrutura que pode ser chamada de pré-
capitalista PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).
1.1.2 Cuidado, saúde pública e os hospitais.
Durante a Idade Média, os conceitos sobre o corpo, o cuidado e as doenças evoluiu de
forma menos científica, e mais empírica e mística. Como relatado anteriormente o acesso a
Deus era controlado pela Igreja, de forma que as epidemias, grandes vilãs daquela época,
devastavam e matavam milhares, eram consideradas formas de punição a população, que se
encontrava sem rumo, ou ordem ética e moral.
5 Cruzadas para recuperação da Terra Santa, aconteceram como um movimento militar mas primeiramente
religioso que visava possibilitar o retorno de acesso e liberdade dos cristãos a Jerusalém, que encontrava-se
dominada pelos turcos, dessa forma tropas ocidentais empreenderam uma luta que perdurou entre os séculos XI a
XV, na Palestina. Liderados por Godofredo de Bulhão em 15 de julho de 1099, após matar e massacrar os turcos,
possibilitou o livre acesso dos cristãos peregrinos a Jerusalém (ARRUDA, 1981).
31
Aliado as epidemias outros fatores contribuíam de forma negativa com a saúde da
população em geral, entre eles a nutrição, que era por vezes precária, pela escassez e o cultivo
de frutas e vegetais, tudo isso juntamente com o trabalho árduo e extenuante dessas
populações visto as dificuldades geográficas e espaciais das cidades naquele tempo. Assim
não havia contexto suficientemente propício para que todas as formas de vegetais fossem
cultivadas, e até mesmo que o gado sobrevivesse, assim também era a expectativa de vida da
população, que perecia como a terra que pela seca era massacrada, e as crianças, que pela
mortalidade infantil elevada eram ceifadas, conforme Goodnow6 (1953 apud PADILHA;
BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.91).
As doenças mais relevantes daquele período eram a lepra e a peste bubônica, que
encontravam campo fértil para a proliferação e perpetuação, haja vista a imensidão dos
aglomerados humanos, da situação de higiene de animais e seres humanos, compartilhando
espaços comuns, após o período das cruzadas. Essas populações iniciaram seus movimentos,
e a falta de saberes sobre como se dava a cura dessas enfermidades. A lepra com destaque era
contida através do isolamento dos indivíduos, baseados na forma de contagio descrita no
Velho Testamento, assim iniciando um período com crescimento de leprosários pela Europa,
sendo que na França por exemplo, o número de casas para esse fim elevaram-se, chegando a
19 mil em todo o continente. Novamente o pecado ou punição de Deus, eram utilizados para
segregar e excluir os leprosos, pois essa doença era decorrente de pecados de ordem sexual,
segundo a crença, assim esses homens e mulheres eram considerados como mortos para a
sociedade, e para Deus, seu sofrimento físico na terra era recompensado pela salvação de suas
almas (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).
A peste bubônica castigou a população da Idade Média, tanto quanto a lepra, e esta se
estendeu desde os primórdios, com registros no Egito por volta de 540, onde dizimou um
quarto da população, e por volta de 1300 chegou a Europa. O controle da transmissão da
doença, esta cercado de misticismo, e em relatos bíblicos, onde se acreditava que a quarentena
era eficaz, pois no último dia era possível separar as formas agudas das crônicas, assim os
navios permaneciam no mar até que todos atingissem o quadragésimo dia. A instituição de
medidas como a transferência dos doentes para o campo, para evitar contaminação das
populações na cidade ocorriam, porém esses doentes eram deixados à sorte, para
recuperarem-se ou morrerem. É sabido que a situação da população em relação à higiene era
precária, o corpo e sua manipulação eram considerados pecado e perigo moral, o banho
6 GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953.
32
também poderia ser considerado uma forma de heresia segundo Siles7 (1999 apud PADILHA;
BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.93).
O cuidado com o corpo, mas principalmente os conceitos de equilíbrio da saúde, eram
regados de magia, religião, rituais pagãos e cristãos, e assim, a oração, a penitencia ou mesmo
o culto a santos eram usados como formas de aliviar e curar doenças. Quatro humores
regulavam a saúde, sendo eles o sangue, a fleugma ou ptuita, bile amarela e bile negra, e a
falta de harmonia entre esses humores era considerada a genes da doença. Por esse motivo, o
tratamento dava-se através de uma forma de equilibrar esses humores, com o uso de sangrias,
purgantes, ou substâncias que provocassem o vômito, baseados em conceitos hipocráticos, na
tentativa de retirar conteúdos nocivos.
A retirada de dentes, e realização de sangrias, o uso de ventosas era realizado por
barbeiros-cirurgiões, um misto de magia, astrologia e escritos antigos que os orientavam sobre
quando e como realizar tais procedimentos. Consideravam que pedras ou pó de pedras de
certos locais considerados sagrados também curavam as pessoas, por isso túmulos de santos e
o que deles era composto era utilizado em forma de pó, e dado como remédio, para cura de
algumas doenças. Apesar de este período ser marcado pela presença da Igreja com a
Inquisição, a bruxaria consolidou-se como uma prática comum entre os pobres, estas atuavam
em partos, realizavam rituais com sacrifício, e ainda as mulheres que tinham longevidade
também corriam o risco de serem vistas como bruxas, segundo Goodnow8 (1953 apud
PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.95).
Ao contrário do que se acredita os primeiros cuidadores na enfermagem, eram
homens, e esses foram responsáveis pela fundação das primeiras ordens para esse fim, como
os Irmãos de Santo Antônio e os Irmãos do Espírito Santo. O corpo do homem não poderia
ser manipulado por mulheres, a não ser que de um parente próximo. Porém o cuidado que elas
implementavam permanecia ocorrendo paralelamente, e com o passar dos anos esse cuidado
passou a ser indispensável. Por influência católica, o clero ordenava mulheres para a
realização das visitas aos doentes e do cuidado, essas eram tanto solteiras como casadas,
possuíam casa, e bens herdados, cuidavam da população cristã como um todo9.
Cuidar era um ato simples, baseado em ações de alívio e conforto, sem fundamento
teórico e científico, mas sim carregados de caridade e piedade aos pobres e enfermos.
Reafirmando a influencia católica sobre o cuidado, pode-se afirmar que monges, monjas
7 SILES, J. História de la enfermeira. Alicante (Espanha): Aguaclara; 1999.
8 GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953.
9 Ibid., p. 96.
33
iniciaram o saber em enfermagem pré-clínico, dentro dos mosteiros. Estes copiavam, liam e
traduziam os escritos de Hipócrates10
, instituindo ações de alívio e conforto como aplicar água
de rosas na fronte do doente para baixar a febre, colocar os pés em vinagre e sal para aliviar o
cansaço, cobrir os doentes, assim essas ações simples eram baseadas também na experiência
vivida e influenciados pela espiritualidade e caridade, sendo que virgens e as monjas foram
responsáveis pela criação de ordens de mulheres que trabalhavam para a Igreja com esse fim
(OGUISSO, 2007).
Na Europa, mais precisamente em Roma, diáconos e diaconisas repassavam seus
conhecimentos sobre o cuidado ao povo, baseados sua experiência, foram ordens criadas para
o auxílio aos pobres, e trabalhavam juntamente com os bispos e presbíteros. Várias ordens
surgiram com esse intuito na Ásia, Itália, Espanha, Irlanda e Síria. Entre as ordens podemos
destacar a Ordem das Irmãs Agostinas, que trabalhavam também sob o controle do clero, e
realizavam funções de enfermagem, além de administrar o Hôtel-Dieu de Paris, mesmo que
rudimentar esse hospital oferecia uma forma de cuidado de enfermagem, que ia desde o
auxílio em partos, e realizavam o cuidado com homens, que não era permitido para mulheres,
porém como estavam sob a alcunha da Igreja, por essas mulheres poderia ser feito, conforme
Goodnow11
(1953 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.96).
Destaca-se a Ordem das Beguinas, no final do século XIII, na França como sendo uma
ordem não religiosa, porém fundada por um clérigo, Lambert Begh. Mulheres viúvas que
realizavam ações de caridade, porém com disciplina em suas relações, cuidavam de doentes,
velhos e pobres, e assim mais tarde foram chamadas de Ordens Seculares de Enfermagem,
ficaram amplamente conhecidas pela população, porém a Igreja as perseguiu, já essas
promoveram à população inovações e conhecimento, e por serem independentes do poder da
Igreja, segundo Siles12
(1999 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.97).
O parto neste período era complicado para a maioria das mulheres, e as parteiras
tinham atuação decisiva, já que os médicos da era medieval, eram chamados somente nos
casos em que uma cesárea seria necessário, geralmente por morte fetal ou da parturiente, visto
que o procedimento era agressivo e brutal. O aleitamento materno não ocorria entre a
população mais rica, pois o leite era considerado impuro, e somente Amas de leite acabavam
por amamentar (OGUISSO, 2007).
10
Hipócrates considerado pai da medicina iniciou os primeiros estudos nesta área. 11
GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953. 12
SILES, J. História de la enfermeira. Alicante (Espanha): Aguaclara; 1999.
34
A introdução da instrução e cientificidades da profissões na Idade Média, foi difícil
visto a restrição dos conhecimentos produzidos pelo ocidente estarem unicamente em latim,
saber ler e escrever também era restrito a monges, bispos e padres, sendo que o conhecimento
tornou-se um bem da Igreja. Assim o público somente teve acesso a esses escritos a partir de
Carlos Magno (768 – 814), esse imperador francês foi quem primeiro incentivou a formação
profissional junto aos monastérios, da mesma forma a medicina e as outras ciências da saúde
ocuparam-se de superar desafios de ordem religiosa, para enfim serem reconhecidas em sua
cientificidade, a medicina era conhecida como um trabalho mecânico, e o estudo da anatomia
do corpo um ato pagão, pois violava o que era sagrado aos olhos de Deus (OGUISSO, 2007).
Na Itália em Salermo por volta do século XI, é que a primeira escola que bordasse o
conhecimento médico foi instituída, os estudantes eram jovens ansiosos em aprender, e com
alguns mestres como São Francisco e São Domingos foram os primeiros a ensinar. A Escola
de Salermo teve seu auge no século XIII, pois a partir dela os médicos eram requeridos com
formação e estágio para trabalharem, empregando o início do saber científico para o exercício
da medicina. Com as novas ideias, os médicos na Idade Média eram reconhecidos por terem
realizado estudos e grau conferido pela universidade, sendo que assim diferenciavam-se de
barbeiros-cirurgiões, magos e curandeiros (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).
Os hospitais medievais surgiram a partir dos monastérios que tinham o caráter
religioso da caridade, e perdurou durante todo período medieval. Sendo os primeiros hospitais
Hôtel-Dieu (542) em Sião, e em Paris o Hotel-Dieu (651), São Pedro e São Leonardo na
Inglaterra (936), sendo que estes monastérios tornaram-se com a denominação de “hospital”
por uma determinação do Concílio de Aachen (816 d.C). O caráter religioso afastou-se da
assistência médica somente no século XII, depois de uma determinação, que somente médicos
poderiam realizados se fossem capacitados para isso, a partir do Concílio de Viena em 1312,
porém o clero não afastou-se totalmente, ficando a seu cargo os cuidados de enfermagem, e a
administração desses locais. A medicina dissociou-se do seu caráter vocacional pois os
hospitais não eram atrativos para o trabalho, pelas condições, e deram inicio a venda de seu
trabalho (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).
Assim, é possível visualizar através da Idade Média o quão enrraigada o cuidado, a
enfermagem e a saúde estavam ao cristianismo, a caridade e a salvação. Os primórdios a
divisão do trabalho em categorias de cuidados, e de gêneros também é observada, e assim
vislumbrar através da história o contexto pelo qual as profissões perpassaram e como os
conceitos de saúde-doença evoluíram até a ideia atual. A enfermagem e sua história no
35
contexto geral permite entender e desvelar as práticas, a fim de permitir à compreensão da
história da profissão.
1.2 A Idade Moderna – enfermagem, cuidado e saúde.
O período compreendido como Idade Moderna, estende-se do século XV ao XVIII,
para a enfermagem, cuidado e saúde, além de todos os campos econômicos, políticos, um
período de transição entre a Idade Média e a Moderna, mas marcado principalmente pela
introdução do modo capitalista de produção, com a valorização do comércio, em substituição
ao modo feudal de produção, abordados mais adiante no próximo capitulo deste trabalho.
Importante ainda destacar que este período foi marcado por renascimento da arte, cultura, e
ciência, bem como os grandes descobrimentos, e nesse contexto a descoberta e desbravação
do novo mundo, ou seja, América do Sul e Central (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS,
2011).
A organização religiosa na Europa também sofreu mudanças, advindas da Reforma
Protestante, esta reforma assumiu diferentes denominações e diferentes líderes nos locais em
que se deu, mas seu ícone maior é sem dúvida Martinho Lutero, na Alemanha, dando origem
ao luteranismo, sua crítica recaia principalmente sobre o teologismo com que a economia, a
sociedade, a política e a cultura estavam imersas, pela ideologia da Igreja Católica Romana.
Lutero foi autor de 95 livros que criticavam e instigavam a população a repensar a forma
como se dava na Igreja Católica o pagamento de indulgencias, condenava também o
paganismo e a avareza, propondo assim um debate teológico, com força crítica. Essa reforma
apoiada no saber científico e nas questões que superavam o catolicismo, ultrapassou fronteiras
e originou também na Inglaterra com Henrique VIII o anglicanismo e na Suíça, com João
Calvino o calvinismo, segundo Cotrim13
(1999 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS,
2011, p. 114).
Assim essas mudanças decorrentes do movimento de reforma acabaram por estender-
se a enfermagem, ao cuidado e a saúde da população, nos locais em que ocorreram, a forma
de conceber os fenômenos a partir da reforma trouxe para enfermagem, principalmente com a
saída da dominação do clero nos hospitais, deixando para trás um buraco, no que diz respeito
13
COTRIM, G. História Global: Brasil e Geral. 5 ed. São Paulo: 1999.
36
a pessoas qualificadas para o cuidado. Posterior a reforma, a Igreja Católica tomou medidas
para tentar conter a expansão do protestantismo, em um movimento denominado
Contrarreforma, outorgado pelo Concílio de Trento, com a missão catequizar o povo das
terras recém-descobertas, e instituir novamente a Inquisição, além de limitar a atuação das
mulheres e, por conseguinte prejudicar as ações de enfermagem por elas instituídas
(GEOVANINI et al., 2005).
A Ordem dos Jesuítas ou Companhia de Jesus em 1549 foram os primeiros soldados
da Igreja a adentrarem a terra nova, atuando com a catequese da população ameríndia, e as
práticas de enfermagem estavam também ligadas a esta ordem no início pela forma que
possuíam influência, pela falta de estrutura, e carência de assistência a saúde adequadas. Os
primeiros jesuítas foram Padre Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e Antônio Vieira, sendo
que estes fundaram escolas como a de São Paulo de Piratininga, e estendiam suas práticas de
saúde nos hospitais, como a Santa Casa de Misericórdia e nas Igrejas, outras ordens surgiram
posteriores a esta como os Franciscanos e Beneditinos que possuíam ideologias semelhantes
(PIRES, 1989).
1.2.1 Os problemas de saúde na Idade Moderna.
Como abordado anteriormente a peste negra, foi uma das epidemias mais devastadoras
da Idade Média, refletindo através dos tempos até o período do Renascimento, visto as grande
perdas humanas, e o estado de saúde geral da população sobrevivente. O conhecimento sobre
o processo-saúde doença, modificou-se na Europa com as mudanças trazidas na compreensão
dos fenômenos, porém isso não refletiu diretamente na melhora na qualidade de vida da
população, visto que o aumento fulminante das cidades europeias, da população, e o
desenvolvimento da manufatura, possibilitou que a população ficasse agora susceptível a
doenças contagiosas como a tuberculose, e outras doenças de ordem nutricional e higiene
também aumentassem como a desnutrição. Sem deixar de lembrar que para o avanço deste
mercado crianças e mulheres entraram como mão de obra no trabalho, e as classes operárias
começaram adoecer devido a acidentes de trabalho, intoxicação alimentar, culminando
também com um aumento na mortalidade infantil e materna (GEOVANINI et al., 2005).
Adoecer era um empecilho à força produtiva, o que poderia acarretar em dificuldades
econômicas, políticas e sociais, surgiram então leis que tentaram proteger os trabalhadores
37
desses males dos quais podiam padecer advindos do trabalho, porém o interesse do Estado
estava na necessidade de manter a produtividade do indivíduo, e assim não prejudicar o ganho
e reprodução do capital. Dessa forma a legislação tinha como pretensão proteger a saúde do
trabalhador, e as profissões na área da saúde também absorveram estas determinações
(PIRES, 1989).
O número de pobres e miseráveis que haviam sofrido com as epidemias do final da
Idade Média havia aumentado muito, a caridade e as esmolas passaram como práticas
comuns, e incentivadas pela Igreja Católica e esta incentivou a criação de entidades civis que
realizassem o trabalho de atender as misérias humanas, sob o controle do clero e assim
poderiam aumentar o poder eclesiástico (THOMPSON, 1987).
Tendo ainda um caráter caridoso, as práticas do cuidado eram realizadas baseadas em
experiências das religiosas nos contextos hospitalares, como haviam ainda muitas ordens
formadas com este intuito, no período da Contrarreforma, como por exemplo, a Companhia
das Irmãs de Caridade na França, fundada por Vicente Paulo14
e Luiza de Marillac em 1633,
ela filha de uma família com posses, era aluna de Vicente de Paulo na Ordem das Filhas de
Caridade, nesta ordem religiosa as mulheres poderiam sair sem o uso obrigatório do hábito
enquanto trabalhavam nos hospitais, tinham como objetivo alimentar os pobres, cuidar dos
doentes nos hospitais, e realizar os trabalhos junto às paróquias. Luiza escreveu a pedido do
padre Vicente de Paulo as regras desta ordem e foi sua primeira superiora, também nesta
ordem ocorreram às primeiras associações em realizar o cuidado de enfermagem em
domicílio, organizaram os hospitais, implantaram medidas de higiene e individualização dos
leitos, administrando todos os cuidados desenvolvidos no hospital (PADILHA, 1997).
Essas ordens de caridade encontravam problemas em realizar suas atividades juntos
aos pobres daquele período, visto que as mulheres casadas eram vistas com maus olhos por
seus maridos ao terem que fazer caridade aos pobres na rua, e também temendo pela saúde
das esposas. Assim essas ordens precisavam recrutar moças que não eram boas para o
casamento, mas que dispusessem de tempo e dedicação em cuidar e fazer caridade, sendo
estas recrutas do campo. Como ocorrido na França, outros países incentivaram a criação das
irmandades como é o caso da Itália, Espanha e Portugal, por fim estas irmandades
atravessaram mares, e no Brasil surgiram a Irmandade da Nossa Senhora Mãe de Deus,
Virgem Maria de Misericórdia, com sede em Lisboa, foi inaugurada na Praça da Sé em São
Paulo, na Capela de Nossa Senhora da Piedade a Irmandade Nossa Senhora Mãe de Deus, que
14
Padre Vicente de Paulo foi ordenado aos vinte anos, na Ordem de São Francisco de Assis, sempre procupou-se
com os franceses pobres desde o início de sua vida eclesiástica (PADILHA, 1997).
38
promovia auxílio espiritual, material aos carentes, estes dispensados por homens e mulheres
leigas, que realizavam um trabalho de filantropia15
dentro e fora dos hospitais (PADILHA,
1997).
Diferentemente da medicina, que se desligou dos mosteiros por volta do século XIII,
sendo levada para o ensino dentro de universidades, a enfermagem apesar do avanço trazido
pela Renascença não fortaleceu-se em bases científicas sólidas, esta permaneceu fechada e
apagada, empírica e desarticulada, dentro de hospitais religiosos, bem como por fatores já
citados, passou por perdas ainda mais profundas do seu desligamento com a Contrarreforma.
A medicina ao desvincular-se da caridade e assumir seu papel de ciência, juntamente com as
leis que reforçavam seu exercício consolidou-se, e os hospitais não tiveram melhoria nas
condições de trabalho no período da Idade Moderna, continuaram precários, e as doenças
infectocontagiosas só espalharam-se mais e mais (GEOVANINI et al., 2005).
No século XVII, aliados a interesses políticos, o Estado tendo em vista a manutenção
da força de trabalho produtiva, e aliado aos avanços da medicina, mudaram o foco da atenção
dentro dos hospitais, estes que ainda tinha o caráter de abrigo de pobres e indigentes, precisou
adaptar-se a necessidade de manutenção da saúde do trabalhador, nesse caminho a medicina
firmou-se após a legislação que regulamentava sua profissão instituir-se, e passou a organizar
e disciplinar os espaços hospitalares, a enfermagem então nesta reordenação encontrou o
principio de sua disciplinarização. Essa disciplinarização tinha como objetivo maximizar a
utilização dos espaços hospitalares, controle das ações, vigilância vitalícia e constante e
distribuição ordenada dos indivíduos nestes espaços, os hospitais militares foram os primeiros
a adequarem-se a esta nova ordem de organização (GEOVANINI et al., 2005).
Em todo este contexto o Brasil encontrava-se sendo descoberto, repovoado, e abalado
por doenças nunca dantes presentes entre as populações indígenas nativas desta terra, a
colonização das novas terras advindas como resultado do período das grandes navegações
produziu uma população mestiça, cabocla e mameluca. O povo europeu que aqui chegava,
após passar dias e até mesmo meses em alto mar, encontrava-se mal cheirosos, com doenças
parasitárias, e assim as doenças eram facilmente transmitidas principalmente pela ignorância,
em relação aos modos de transmissão. Os indígenas que por sua vez mantinham hábitos de
higiene como banhos diários e alimentação melhor regulada gozavam de boa saúde, porém
sofreram e morreram pelo contato com os novos agentes de doenças trazidos, outras doenças
15
A filantropia tem origem em Portugal com esta denominação visto que se originou nos albergues, no século
XVI, e a palavra “hospital” era empregada como sinônimo para albergue pois abrigava doentes e pobres
(PADILHA, 1997).
39
endêmicas fizeram parte deste contexto, bem como doenças venéreas que os brancos
trouxeram, entre elas tuberculose, febre amarela, varíola, lepra, malária (PADILHA;
BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).
Os primeiros profissionais médicos chegaram ao Brasil no século XVI, trazendo
alguns conhecimentos advindos da Europa, como as sangrias e um arsenal de medicamentos,
nem todos os profissionais eram diplomados, e faziam uso da flora medicinal nativa também
como recurso terapêutico. Brás Cubas, em 1543 ergueu a primeira Santa Casa de Misericórdia
em Santos - SP, a segunda foi erguida no Rio de Janeiro, segundo alguns historiadores pelo
padre José de Anchieta, ambos tinham como missão a manutenção de um local para pobres,
doentes e indigentes. Os padres jesuítas no Brasil colonial foram fundamentais tanto na
educação, quanto na saúde, pois cuidavam sem distinção, de raça, cor ou posição social,
também foram capazes de aglutinar conhecimentos prévios, com alguns observados na
medicina indígena, fizeram diversos papéis, haviam médicos, cirurgiões, físicos, enfermeiros,
e influenciaram ainda as práticas preventivas como os exercícios físicos, mas também foram
os primeiros a fazerem registros de nascimentos e de óbitos, assim os jesuítas permaneceram
por longo período amenizando os males que a população da colônia sofria, com o passar dos
anos foram substituídos por profissionais médicos com formação, porém permaneceram com
o cuidado de enfermagem dentro dos hospitais (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS,
2011).
1.2.2 A enfermagem e o cuidado na Idade Moderna.
A questão de gênero sempre fez parte da história da enfermagem, o que se sabe
efetivamente é que a mulher, por possuir afinidade e ser mãe, sempre foi uma cuidadora,
porém dependendo do tempo histórico não podemos generalizar, como ocorreu durante os
séculos XIV a XIX, na Europa, com a perseguição das mulheres que realizavam partos ou
cuidados, tidas como bruxas pela Inquisição. O parto antes mesmo, de a enfermagem
institucionalizar-se e assumir o papel de profissão era inerente às mulheres, que
primeiramente assumiram-no como instinto materno, e somente mais tarde como um ofício,
com cursos preparatórios, as viúvas e virgens nesse período também assumiram este papel
caritativo de cuidado a doentes e pobres.
40
Porém a enfermagem teve seu declínio no período da Reforma Protestante, com a
saída das religiosas dos mosteiros, e o fechamento de diversos hospitais. O cuidado então
antes realizado por pessoas com perfil de caridade, e por motivos religiosos, foi deixado de
lado, para ser assumido por pessoas despreparadas, mulheres recrutadas em prisões, nas ruas,
não possuidoras de nenhum tipo de formação, na sua maioria analfabetas e de caráter
duvidoso, assim na Idade Moderna a enfermagem tinha essa representação de pessoal, e foi
desacreditada. Como era de caráter religioso o recrutamento de mulheres para prática da
enfermagem, com a saída da Igreja, esta ficou perdida, e a qualidade da assistência prestada
declinou imensamente (GEOVANINI et al., 2005).
Para as mulheres das classes abastadas, atuar no cuidado de enfermagem, tornou-se
quase que imoral devido ao distanciamento da Igreja, e da moralidade que esta havia
assumido, como resultado do perfil das pessoas que a praticavam. Esta fase de decadência da
enfermagem perdurou entre os séculos XVI a XVII. Fase conhecida como “a fase da
decadência” da enfermagem foi resultado, da reforma religiosa, que deixou profundas marcas
na história da profissão, a política preponderante da época também influenciou esta fase, o
sofrimento humano era indiferente, os hospitais continuaram em condições sub-humanas e os
médicos da época acreditavam que os doentes não deveriam estar expostos ao ar livre, mas
sim deixados dentro desses locais, com condições insalubres, contribuindo assim também
com a proliferação das doenças, esta fase da profissão perdurou até o início da revolução
capitalista (GEOVANINI et al., 2005).
A enfermagem praticada no Brasil no século XVI era de cunho experimental, ou seja,
quase que uma prática doméstica, sem preparo de pessoal adequado, uma mistura de instinto,
sem fundamentação científica, sendo praticada por escravos, e voluntários, como uma ação
caritativa nas visitas em domicilio dos doentes, e nas santas casas. Com a vinda dos
imigrantes e a falta de políticas específicas para a área da saúde, estes passaram a ser a
maioria entre os cuidadores. Há registro de uma única bibliografia que fosse especializado na
época, o livro Luz da medicina ou prática racional metódica, utilizado como guia de
enfermagem, foi escrito por Francisco Morato em 1783, em Portugal (PIRES, 1989).
A primeira enfermeira do Brasil, historiadores registram como Francisca de Sande,
esta viúva baiana, foi uma das precursoras do trabalho profissional de enfermagem, prestava
serviços a pobres e necessitados, cuidou de doentes assolados pelas epidemias da população
do nordeste entre 1680 a 1694, e montou em sua própria casa um hospital, com doentes,
escravos que recolhia na rua, além de providenciar medicamentos e alimenta-los, pagava
41
médicos para auxiliar no tratamento a esses doentes, morreu em 1702 em Salvador (PIRES,
1989; PADILHA, 1997).
O caráter assumido pela profissão de enfermagem, como caritativo e de baixa
qualidade, como demonstrado na história do mundo e dessa profissão, principalmente após a
reforma religiosa, perdurou por anos, atravessou os mares no período do Brasil colonial, e não
apresentou exatamente o que aconteceu na Europa, mas certamente influenciou negativa ou
positivamente a profissão, que até hoje sofre pelo preconceito e pela falta de reconhecimento
salarial, como apontado mais adiante.
1.3 A idade contemporânea – enfermagem, cuidado e saúde.
Do final do século XVIII até a atualidade, é que se compreende como Idade
Contemporânea, sendo que esta se destaca por uma mudança de filosofia existencial para o ser
humano, desenvolvimento do capitalismo e do progresso de um mundo em constante
transformação. Um período marcado por revoluções, na Europa e nos Estados Unidos, mais
precisamente, que influenciaram sobremaneira a organização da sociedade e dos modos de
produção. Essas mudanças influenciaram ainda as concepções de saúde-doença, bem como
trouxeram a medicina e a enfermagem a cientificidade de que precisavam para sustentarem-
se. O avanço no campo das ciências refletiu na saúde da população, a prática médica deixou
de ser religiosa e mística, e em meio a todos esses acontecimentos ocorre o nascimento da
enfermagem moderna, e suas implicações para o cuidado ficaram evidentes. Desta forma o
contexto social, político e econômico é necessariamente um fator importante para explicar a
enfermagem no mundo e no Brasil.
A Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra, bem como outros dois movimentos
importantes, a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos, assinalaram a
transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea, As mudanças decorrentes destes
movimentos repercutiram na demografia, na economia, na política, na religião, e alteraram o
estilo de vida das pessoas, as cidades, as maneira como cuidar da saúde. A Revolução
Industrial determinou a passagem do capitalismo comercial para o capitalismo industrial,
significou a substituição da manufatura pela máquina, o artesanato utilizado como forma de
produção na Idade Média, e posterior a ele na Idade Moderna a manufatura, são substituídos e
suprimidos pela introdução das maquinarias na organização da industrialização e do
42
capitalismo. O ser humano passa a ser substituído pela máquina, e ele passa a valer pelo que
produz e não pelo que propriamente o é, assim culminando com a submissão do trabalhador a
longas jornadas e péssimas condições de vida e trabalho, Bresciani16
(1994 apud PADILHA;
BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p. 150).
A Revolução Francesa fortalecida por ideais iluministas foi reflexo da revolta da
burguesia em relação aos privilégios da nobreza e da corte, com ideário de “Liberdade,
igualdade e fraternidade”, assentiu a ascensão da burguesia a dominação política, realizando
os desejos dos trabalhadores, camponeses, criando o chamado Terceiro Estado francês. Esta
revolução atravessou mares e oceanos, incentivando idealistas a fomentarem nossa
independência política. A independência das treze colônias inglesas na América do Norte,
também se considerou uma revolução burguesa, e a primeira a instituir-se como efetiva e com
sucesso17
.
Ressalta-se que todas essas mudanças ocorridas na Europa em meados do século XIX,
sombrearam as cidades burguesas que cresciam sob o aspecto de grande aglomerados,
imensas populações, e a baixa condição de saúde advinda dos novos modos de produção
implantados, culminando ao trabalhador em desgaste da sua saúde, devido às longas jornadas
de trabalho, que deterioravam seu corpo físico e sua saúde. Esses trabalhadores eram a face
das cidades burguesas, pois demostravam claramente a dicotomia entre os donos, ou seja, os
burgueses, e o trabalhador miserável, e é neste cenário que o capitalismo consolida-se.
Contribuindo negativamente com a saúde da população as cidades não comportavam
condições sanitárias e estruturais para receber o trabalhador que saía do campo para a cidade,
bem como as condições não eram ideais para a introdução das mulheres, e muito menos de
crianças, que passaram a integrar o trabalho nas fábricas, sendo assim fez-se necessária a
intervenção do Estado, com a introdução de Leis que abordassem a saúde do trabalhador, e a
medicina do trabalho.
No mundo do século XIX, os homens da sociedade inglesa viviam para o trabalho,
porém dissociados e inferiorizados em relação à política, e como resultado da sociedade
industrial, surgiam o trabalhador pobre, mal alimentado, sem condições de moradia,
segurança e saúde. Na Inglaterra como berço desta industrialização, é que surge a Saúde
Publica, como forma de amenizar, organizar e melhorar as condições de saúde da força de
trabalho. O corpo do trabalhador virou objeto a serviço do capital, pois a força produtiva só
16
BRESCIANI, M. S. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. 8 ed. São Paulo: Brasiliense,
1994. 17
Ibid., p 151
43
seria produtiva através de um corpo saudável. Assim as doenças advindas destas condições
podem citar a tuberculose, sífilis, a difteria, málária e febre puerperal, além do surto de cólera
que assolou Paris em 1832, deixou claro as condições em que cada classe vivia, segundo
Rozen18
(1890 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p. 158).
Na Alemanha surge então a Policia Médica, utilizada para contabilizar a morbidade
das epidemias e endemias, além de educar os médicos, esta polícia não se restringiu somente
aos alemães, mas dissipou-se pela Europa, no final do século passou a chamar-se Saúde
Pública e a ocupar-se das questões de higiene, comida e bebida, destino dos mortos, ocupação
das cidades, provisão de água e saneamento, com a instituição na Inglaterra da Lei da Saúde
Pública em 184819
.
Na idade contemporânea os médicos ainda não possuíam o prestigio atual, seu
trabalho era mal remunerado, não havia hegemonia sobre as ações de diagnóstico e tratamento
dos doentes, apesar da diplomação que estes estavam adquirindo pelo ingresso nas
universidades, somente em 1892 foi decretada a legislação na França, que garantia e ordenava
as práticas médicas, criando assim a profissão, a eles foram garantidos a independência,
liberdade de ação entre médico e paciente, bem como a liberdade de escolha do paciente em
relação ao médico que gostaria que o atendesse. Partindo deste momento, saúde tornou-se
parte do setor terciário, sendo que instituições particulares e públicas, e assim a medicina
urbana do final do século XVII, deu origem a medicina cientifica do século XIX (PIRES,
1989).
Os hospitais ainda assumiam um papel de albergues, e trabalhavam de forma
filantrópica com algumas exceções, a medicina e a enfermagem eram precários, como foi o
caso na França do Hospital de La Bicêtre e o Hospital de La Salpêtrière. Algumas reformas
ocorreram nos hospitais posteriormente e algumas áreas específicas da medicina obtiveram
avanços marcantes, devido ao início da cientificidade, foi o caso da psiquiatria, com Philippe
Pinel (1745-1826), que promoveu a aceitação da doença mental, como sendo necessária a
instituição de tratamentos específicos para este tipo de paciente, e deu origem a criação dos
hospícios. Também podemos citar as mudanças ocorridas na Obstetrícia decorrentes da
descoberta da transmissão de patógenos como causadores da febre puerperal por Ignaz
Philipp Semmelweis20
(PIRES, 1989).
18
ROSEN, G. Da polícia médica a medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1980. 19
Ibid., p 159 20
Ignaz Philipp Semmelweis em 1847 foi o primeiro a perceber que a febre puerperal, que acometia as mulheres
no pós-parto, e era fatal, estava ligada a higienização das mãos, como forma de prevenção da transmissão de
patógenos. Este médico era assistente da clínica obstétrica em Budapeste, e notou uma grande disparidade na
44
1.3.1 Saúde e enfermagem no Brasil do século XIX.
Com a fuga da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808, o país que ainda mantinha
muitas características coloniais, passou por transformações políticas e econômicas, essas
mudanças modificaram a saúde e a medicina mais particularmente, com a instituição das
políticas médicas que visavam a melhoria da saúde e bem estar do povo brasileiro. Alguns
médicos da comitiva real como José Corréa Picanço e Manoel Vieira da Silva, foram os
primeiros profissionais que ao chegarem ao Brasil, junto com a corte receberam privilégios, e
poder para fiscalizar os atos médicos no território, e criar o regimento sanitário que
vislumbrasse a saúde publica e a prevenção das doenças infectocontagiosas. A permanência
da família Real no Rio de Janeiro, permitiu que as faculdades de medicina fossem
estabelecidas naquela cidade, à Irmandade de Misericórdia, que por ter prestigio junto ao
governo, era amparada, e recebia doações para empreender seus atendimentos. Escolas de
medicina foram fundadas no ano de 1808, sendo a primeira a Escola de Anatomia e Cirurgia
da Bahia, e no Rio de Janeiro a Escola de Anatomia, Cirurgia e Medicina, anexa ao Hospital
Real Militar, sendo então a saúde o novo objeto do poder real. Importante acrescentar que os
internados na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, eram utilizados para o ensino, e
como na sua maioria tratavam-se de indigentes, quando morriam passavam a compor as salas
de autópsia para o ensino da anatomia (PADILHA, 1998).
Em 1829, houve a criação da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, que
controlou o saber médico, também tornou-se mantenedora da Saúde Publica no Brasil, e
implantou a medicina social. Para o governo então era essencial manter a população saudável
e assim permitir boas relações de comércio com os países europeus, sendo necessária a
implantação da polícia médica que controlasse portos, e mantivesse as epidemias sob
vigilância e controle. Em 1831 a Sociedade de Medicina elaborou um relatório, a fim de
descrever e propor soluções as condições da Santa Casa de Misericórdia, uma verdadeira
revolução deu início a uma serie de mudanças estruturais e organizacionais nesta instituição, e
mortalidade das mulheres ao comparar a assistência prestada por médicos estudantes cerca de 11,4% , com o
grupo assistido por parteiras, que tinha um índice de 2,7%. Observando os grupos concluiu que as mãos de
médicos estudantes vindos das salas de autópsia continham detritos dos cadáveres que eram levados até as
mulheres, constituindo um fator de risco à doença. A partir daí instituiu medidas profiláticas como a
higienização das mãos, limpeza de unhas e uso de água clorada, reduzindo drasticamente as taxas de mortalidade
por infecção (FERNANDES, 2000).
45
em 1840 foi lançado pelo Imperador Dom Pedro II a pedra fundamental para o Novo Hospital
da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro e em 1941 houve o lançamento para a
criação do Hospício de Pedro II anexo a Santa Casa (PADILHA, 1998).
Partindo deste marco configuraram-se os episódios que culminaram na criação da
primeira escola para o ensino de enfermagem no Brasil. Segue então a este fato que, a
construção destes hospitais levou onze anos para se concretizarem, e as atividades de
enfermagem, supervisão, lavanderia, cozinha, costura e almoxarifado, ficaram a cargo das
Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo, vindas da França em 1852, para serem
enfermeiras nestas instituições. Porém o espaço do Hospício de Pedro II (HPII) tinha
demasiada importância para o governo, pois permitia a guarda de loucos, indigentes e
mendigos, para fora das ruas, e assim melhorar a imagem da cidade, bem como era local
estudos relacionado às doenças psiquiátricas, e a sua relação os subsídios trazidos por doações
a Irmandade eram interessantes. O HPII tornou-se palco de embate entre médicos laicos e as
irmãs durante 38 anos, em 1890 após muitos conflitos entre médicos e as irmãs, o HPII passa
a chamar-se Hospital Nacional dos Alienados (HNA), e é desvinculado da Santa Casa, e
entregue a recém-criada Assistência Médica e Legal de Alienados, assim o pessoal de
enfermagem que atuava nesta instituição passou a não serem mais subordinadas as Irmãs de
Caridade, e sim aos médicos que lá atuavam (PADILHA, 1998).
As Irmãs de Caridade passaram então por uma não oficialização de seus serviços na
Santa Casa, e suas rígidas ações, e regimentos, iam contra a nova direção do HNA, estas então
se viram rebaixadas a auxiliares, e enfermeiras subordinadas, esse fato agravado pela falta de
institucionalização da enfermagem no Brasil, culminou com a saída definitiva das Irmãs de
Caridade e suas ajudantes do HNA, causando uma crise administrativa e assistencial nestes
locais, sendo assim necessária a instituição imediata de um novo pessoal qualificado que
atendesse as demandas. Através do Decreto 791 de 27 de setembro de 1890, é criada a Escola
Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras no Rio de Janeiro, e posteriormente as outras
escolas de enfermagem no Brasil. Durante todo este período abordado a enfermagem
tradicional no mundo passou a enfermagem moderna, e moldadas no conceito nightingaliano,
no século XX, surge a Escola de Enfermagem Anna Nery no Rio de Janeiro (PADILHA,
1998).
É inegável os avanços científicos ocorridos no século XIX, sendo estes fundamentais
no tratamento das doenças, entre elas as descobertas de Pasteur, a anestesia, o controle das
infecções hospitalares, as vacinas e a descoberta da penicilina iniciando a terapia
antimicrobiana. Também descobertas na área da ciência e da tecnologia ocorreram, dentre
46
elas na Física, as leis da termodinâmica, do eletromagnetismo, o surgimento da Química
Orgânica, e na biologia a detecção dos núcleos das células para a compreensão da vida.
Figuras e personagens então se tornaram históricos e marcos na evolução da história durante a
Idade Moderna, sendo que algumas descobertas fundamentais para a evolução da saúde no
mundo, sendo essencial dispô-los para conclusão das ideias desta sessão, e finda-la com as
personagens que fizeram parte da história desta profissão no Brasil e no Mundo.
1.3.2 As damas da Enfermagem.
Nesta seção é conveniente esta denominação ligada ao gênero na profissão, afinal
como demonstrado até aqui esta questão apresenta-se fortemente ligada à história da
enfermagem, mas, sobretudo essa denominação dada à grandeza das personagens aqui
apresentadas, como precursoras de mudanças para as mulheres de seu tempo, pois quebraram
a barreira do claustro de seus lares, e foram contra a sociedade paternalista e machista em que
estavam imersas.
Miss Nightingale em todo seu tempo de vida dedicou-se a mudar a situação de saúde
da população europeia, fez isso por meio da abnegação de uma vida a uma causa que
considerava ser sua vocação, findando a inauguração do convencionou-se chamar as bases
modernas da enfermagem. Acompanhando-a enfermeira brasileira que representou outra
grande mudança no contexto em que vivia, também se dedicando a enfermagem.
1.3.2.1 A dama da Lâmpada, Miss Nightingale.
Do final do século XIX a o início do século XX, se estendeu a vida de Florence
Nightingale, que viveu seus noventa anos de vida, atuando e percebendo as mudanças
políticas, sociais, culturais, tecnológicas e científicas ocorridas Europa, e ainda ocupou-se de
dar forma e assim tornar-se um ícone para o mundo ao moldar a enfermagem moderna.
Florence Nightingale (1820 – 1910), era integrante de uma família rica e aristocrática
inglesa, sendo a segunda filha do casal Frances Smith e Willian Edward Nightingale, nasceu
na Itália, em 12 de maio de 1820, na cidade de Florença. O que tem-se na literatura sobre esta
47
personagem histórica, é por vezes contraditório considerando algumas questões, que dizem
respeito ao fato desta ser feminista ou não, e ainda quanto a sua personalidade, por vezes tida
como doce, e com candura, e por outros relatada como ácida, intolerante e rígida, assim
interpreta-la desta forma não é uma intensão, mas sim demonstrar como alguém que possuía
muitos recursos e que não tinha motivos, exceto os de verdadeira vontade, de modificar as
condições da vida da população, o fez utilizando de seu prestígio pessoal, e influência política
e financeira.
Miss Nightingale por unanimidade pode ser considerada idealista, visionária,
determinada, contestadora e questionadora, adjetivos estes que permitiram que ela fosse
significativa dentro da história da enfermagem moderna. Como um dos principais escritos
dela, pode-se citar o livro Notas sobre a enfermagem: o que é e o que não é21
, foi a publicação
ícone de seu trabalho na enfermagem moderna (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS,
2011).
Florence recebeu toda sua instrução em casa, e esta instrução e conhecimento não era
comum nem mesmo aos homens da época, seus pais além de permitirem as filhas estes
estudos, as incentivaram ao senso de responsabilidade social e sensibilidade as mazelas do
mundo, assim permitindo que se interessassem em lutar por melhores condições de vida da
população. Miss Nightingale, interessava-se por questões políticas, mas também por questões
de caridade, e a religião foi com certeza importante em sua vida, seus pais as educaram dentro
da Igreja Luterana na Inglaterra, apesar de serem da religião unitária22
(OGUISSO, 2007).
Demonstrou desde sua adolescência duas qualidades, ser observadora e interessada em
ajudar as pessoas enfermas, tinha a certeza que havia recebido um chamado divino, natural
para os padrões religiosos no qual foi criada. Em 1837, mudou-se com os pais para Gênova na
Itália, onde pode observar mais de perto como viviam e trabalhavam as pessoas mais
desafortunadas, mostrou sempre o interesse em fazer anotações em diários, e especialmente
gostava da estatística. A família Nightingale, esteve em várias cidades, dentre elas Florença,
Genebra e Paris, lá Florence pode entrar em contato direto com a literatura e seus autores,
além de conhecer políticos influentes. Foi lá também que teve o primeiro contato com as
Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo, percebeu que tinha necessidade de organizar o
cuidado dos doentes aos moldes daquela congregação dentro dos hospitais, porém a forma
21
Traduzido do original em inglês Notes of nursing:what it is and what it is not (NIGHTINGALE, 1989). 22
Unitarianos foram uma congregação de cunho filosófico religioso do século XII, que teve como principal
ícone Joseph Priestley, acreditavam que as mazelas da sociedade eram frutos da ação do homen e não de castigos
divinos, por isso essas deveriam ser remediadas segundo a ação destes homens (PADILHA; BOREINSTEIN;
SANTOS, 2011).
48
como estes eram dispostos na Inglaterra daquela época, foram um empecilho as suas
pretensões, pois naqueles locais as moças de família não deveriam entrar, o caráter das
mulheres que lá trabalhavam era de prostitutas e presidiárias (OGUISSO, 2007).
Por anos Florence tentou ultrapassar as barreiras impostas pelos pais a sua necessidade
de aprender a enfermagem, por vezes apresentou um estado quase depressivo devido a suas
frustações, e quando isto ocorria viaja com o consenso da família ao exterior, para curar-se.
Nestas viagens conseguia alguma aproximação com o que queria, pois assim podia ver de
perto a ação das congregações de caridade, e em uma de suas viagens conheceu na Alemanha,
na cidade de Kaiserswerth, conheceu um Instituto que formava diaconisas, onde enfim
poderia receber a instrução que considerava ser adequada para poder prestar o cuidado. Com
31 anos, somente, foi quando recebeu a autorização de sua família para ingressar neste
instituto e instruir-se para o cuidado no ano de 1851. Não satisfeita após ter perpassado três
meses de treinamento, foi a França, onde obteve autorização oficial para completar seu
estudos com as Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo, no Hótel-Dieu de Paris, onde
conviveu sob uma doutrina rigorosa, e acredita-se tenha influenciado a construção de sue
modelo de enfermagem (PADILHA, 1998).
Quando retornou a Inglaterra em 1853, negociou seu ingresso como superintendente
de um pequeno hospital em Londres, uma unidade privada, chamada Estabelecimento para
Damas de Companhia durante a Enfermidade, destinado a pessoas com poucos recursos que
precisavam de todo tipo de caridade, Miss Nightingale, viu este trabalho como uma grande
oportunidade, para futuras pretensões, e seu pai contribuiu com seus objetivos, dando-lhe uma
pensão gorda, para que pudesse dedicar-se voluntariamente a este trabalho. Apesar do
modesto cargo de superintendente esta viu uma oportunidade de praticar suas teorias de como
administrar um hospital, porém educar pessoas para o cuidado, era algo que ela não poderia
fazer naquele local, foi mais tarde a compor e treinar pessoas pelo diretor do King´s College
Hospital, no qual nunca assumiu pois algo maior aconteceria em sua trajetória (PADILHA,
1998).
A Guerra da Criméia (1853-1856), foi marcante para Miss Nightingale, mas
principalmente para a enfermagem mundial, esta guerra ocorreu com o objetivo Russo de
expandir seu território, sobre a integridade imperialista britânica. Os soldados ingleses que
participavam desta guerra e eram feridos, não tinham assistência adequada comparada aos
soldados russos e franceses, eles não possuíam pessoal adequado que realizasse o cuidado, e
os hospitais ingleses viviam um caos, não deixando de destacar que a Inglaterra quase perdeu
49
esta Guerra pela doença, desorganização e frio, além da cólera que reduziu o quantitativo de
soldados (GEOVANINI et al, 2005).
Os jornais britânicos denunciavam a tragédia e questionavam as boas condições que
franceses cuidavam de seus soldados. As notícias chegavam duramente e Miss Nightingale,
considerou que seria o tempo de atender o seu chamado, e servir na guerra seja qual fosse o
cargo, escreveu então uma carta ao seu antigo amigo Herbert Sidney que assumira o cargo de
ministro da Guerra, o quão foi diferente, no mesmo momento, ele escrevia a ela um pedido
que se dirigisse ao Oriente e levasse consigo enfermeiras para trabalhar nos hospitais
militares, e ele não hesitou em reforçar que não conseguia conceber na Inglaterra, uma pessoa
menos capaz para dirigir e organizar as ações no fronte. No mesmo momento em que recebeu
a carta pedido, ela não hesitou em aceitar, e assim assumiu o serviço nacional. Recrutou 38
candidatas, e duas damas de companhia, em 21 de outubro de 1854 foi nomeada
superintendente do Famele Nursing Estabilisment of the English General Hospital of
Turquey23
, e partiu para servir seu país, em uma posição que outrora nenhuma mulher havia
atingido na Inglaterra (GEOVANINI et al, 2005).
Houveram dificuldade para o grupo em chegar e hospedar-se adequadamente, mas isso
não era nada comparado a situação em que os soldados encontravam-se, a princípio foram
bem recebidas pelos soldados, porém nem todos os médicos ficaram satisfeitos com a
presença de enfermeiras. Faltava de tudo nas enfermarias, os lugares estavam imundos, e
infestados de parasitas. Não havia colchões, armações de camas, pratos, talheres, e Florence
acabou por descobrir que o sofrimento dos soldados tinha início muito antes de chegarem a
Scutari, pois primeiro esses feridos tinham que atravessar o Mar Negro, e só depois de quase
oito dias de viagem de barco, efetivamente chegavam ao hospital, e lá eram largados, onde
quem conseguisse por meios próprios alimentar-se, sobreviver a cólera, e as amputações, faria
parte de uma pequena minoria, visto que a mortalidade neste trajeto chegava a 75%
(OGUISSO, 2007).
Iniciou seu trabalho logo em seguida a sua chegada, ordenou que suas enfermeiras
confeccionassem colchões de palha, iniciou a limpeza das enfermarias, saqueava o armazém
provedor, atrás de escovões, pratos, bandejas, chinelos, escovas e tudo mais que achava
pertinente. Escreveu uma carta ao embaixador britânico relatando a situação e solicitando
inúmeros itens faltantes, providenciou uma cozinha auxiliar para o preparo adequado dos
alimentos, e de uma dieta que considerava nutritiva para os pacientes graves, conseguiu
23
Superintendente do estabelecimento de enfermagem feminina nos Hospitais Gerais Militares Ingleses na
Turquia.
50
através de fundos próprios alugar um local próximo ao hospital para instalar uma lavanderia,
também arrecadou um fundo de reserva de 7 mil libras, para suprir muitas coisas foras as de
enfermagem. Todos esses problemas e afazeres não afastou-a de trabalhar diretamente do
cuidado dos soldados, e por isso os homens a adoravam, foi por sua ronda noturna quando
todos já haviam se recolhido, ele empunhava sua lâmpada para clarear o caminho, e observar
os pacientes, e a lâmpada assim tornou-se o símbolo da enfermagem no mundo (OGUISSO,
2007).
Suas ações no hospital obtiveram verdadeira mudança, após a inspeção feita pelo
ministério da Guerra em 1855, que promoveu drásticas reformas na estrutura, e Miss
Nightingale, opniou sobre todos os quesitos que julgou necessários para manter a higiene nos
hospitais, assim após seis meses a mortalidade dos soldados no hospital reduziu para 2%. Em
8 de maio de 1855, junto com duas enfermeiras, e dois médicos foi à vila Balaclava na
península da Criméia, onde os obstáculos que havia passado até ali pareceram menores,
comparado a situação encontrada. Soldados amontoados sofriam pela má alimentação,
abandono e congelamento, além das doenças e os ferimentos de guerra, ela porém em
momento nenhum deixou-se sossegar até não reverter as condições em que estes guerreiros
estavam expostos. Porém em maio de 1855, Florence adoeceu, provavelmente de tifo, e
permaneceu em estado crítico por um período, foi removida a Scutari quando mais estável, e
lá permaneceu até que em agosto de 1855 voltou as suas atividades, mesmo ainda não
totalmente recuperada(OGUISSO, 2007).
Seus feitos espalharam-se pela Inglaterra, foi tida como heroína do povo, e adorada, e
a partir daí em 29 de novembro, foi inaugurado o Fundo Nightingale, com uma soma
considerável de 44 mil libras, graças a doações de grandes amigos, até mesmo de soldados,
assim ela fundou a primeira Escola de Enfermagem do Hospital St. Thomas em Londres em
08 de julho de 1860. Miss Nightingale, queria quebrar preconceitos, e transformar a visão da
sociedade em relação a enfermagem, não queria apenas uma ocupação para as mulheres, mas
sim estabelecer uma carreira como a medicina ou o direito para as mulheres. Ela porém não
assumiu o seu plano de treinamento, as sequelas de sua doença impediram-na, porém o
treinamento da enfermeiras seria dado sob sua total tutela e debaixo dos seus olhos, por isso
escolheu minuciosamente a instituição que colaboraria para isso, juntamente com uma pessoa
que julgasse ter os mesmos princípios que acreditava, no caso a Superiora do Hospital St.
Thomas, senhora Wardroper, além do médico chefe interno deste mesmo hospital senhor
Whitfield, simpatizar com a causa e a organização a que propunha. Em 9 de julho de 1860,
51
quinze candidatas matricularam-se na Escola Nightingale, data de nascimento da enfermagem
moderna (MALAGUTTI; MIRANDA, 2010).
O hospital dava oportunidades práticas as alunas, e o fundo Nightingale mantinham
salários para que estas pudessem trabalhar e manter-se, Miss Nightingale acreditava deveria
estimular suas alunas em desenvolver habilidades e fazer com que elas utilizassem recursos
próprios intelectuais, e não apenas servir os profissionais, mas sim os pacientes, e a
enfermeira deveria saber adaptar suas habilidades ao trabalho da equipe. Ainda vale resaltar
que havia duas classes de enfermeiras, as lady nurses, alunas de classe social mais alta que
eram treinadas para realizar funções intelectuais, supervisão, direção e organização do
trabalho, e as nurses, de nível econômico inferior provenientes de aldeias preparadas para o
trabalho manual, o cuidado direto, obediência e submissão (PADILHA, 1998).
Para Florence existia a arte do cuidar, ou seja a enfermagem, ela entendia que isso
consistia em cuidar tanto dos seres humanos sadios, quanto dos doentes, e acreditava na tríade
cuidar-educar-pesquisar, também que os cuidados de enfermagem diferenciavam-se do
cuidado médico, pois a enfermagem estava centrada no ser humano e não na doença. E assim
pelo contexto em que a mulher estava inserida naquela época, Miss Nightingale juntamente
com a senhora Wardroper, redigiram normas, rigorosas e por vezes consideradas rudes, pois
ela não desejava que suas enfermeiras fossem motivos de criticas de qualquer tipo, assim os
métodos descritos em seus livros atendem o modelo da época, tinham um tom dogmático, de
moral e obediência, deu um novo significado ao silêncio daqueles que prestavam o cuidado de
enfermagem, e não sabiam o valor destes rituais, que indicavam a prática profissional
(PADILHA, 1998).
A enfermagem superou somente seu período critico, pois Miss Nightingale, pois
proporcionou um serviço eficaz, sem caráter religioso, elevou o status da profissão como algo
digno, melhorou a qualidade da assistência e foi fundadora da educação moderna de
enfermagem (OGUISSO, 2007).
1.3.2.2 “Mãe dos brasileiros”, Anna Nery24
.
24
O nome Anna Nery aqui adotado, não é a única forma de grafia (Ana Néri, Anna Nery, Ana Néry e outros)
presente nos estudos que a abordam a história da enfermagem brasileira, porém convencionou-se utilizar esta
grafia, devido ser esta a forma como está a atual Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, a primeira escola de enfermagem do Brasil.
52
Anna Justina Ferreira, nasceu em Salvador na Bahia em 1814, de uma família de
posses, em 1838 casou com Isidoro Antônio Néri, porém tornou-se viúva em 1844, tornando-
se um ícone da enfermagem brasileira, ao embarcar para o campo de batalha da Guerra do
Paraguai, dispondo de recursos próprios, advindos de sua herança pessoal para amenizar e
melhorar as condições em que os soldados estavam expostos (GEOVANINI et al., 2005).
Aprendeu a enfermagem tomando lições com as Irmãs de Caridade de São Vicente de
Paulo no Rio Grande do Sul, montou no fronte de guerra, na cidade de Assunção uma
verdadeira enfermaria-modelo, e pelos seus serviços prestados na guerra recebeu o título pelos
soldados de “Mãe dos brasileiros”, além de outras condecorações (GEOVANINI et al., 2005).
Importante colocar que esta mulher, apesar de alguns estudos demonstrarem que suas
intenções pessoais de ficar pertos dos filhos foi o motivo o qual a levou para o campo de
batalha, ela o fez voluntariamente, mas principalmente assumiu um papel incomum a
sociedade de sua época, visto que a mulher era vista com o único intuito de servir o homem, e
educar os filhos para a vida. Em 1880 morreu no Rio de Janeiro, e seu nome foi utilizado para
batizar a primeira escola de enfermagem moderna do Brasil em 1922.
1.3.3 A idade contemporânea e a enfermagem (1889 – 1930).
Sistematizar o ensino de enfermagem no Brasil, foi primeiramente uma iniciativa de
readequar as demandas no contexto do Governo Provisório, sendo que, como já abordado
anteriormente, a primeira Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras em 1890, do
Hospício Nacional de Alienados. No período da primeira República registraram-se três
reinaugurações desta escola. Na capital federal também houve a instalação de uma escola para
a profissionalização da enfermagem, inaugurada em 1916, pela Sociedade da Cruz Vermelha
Brasileira, demonstrando o reconhecimento da necessidade desta profissionalização, a Escola
Prática de Enfermeiras, tinha o objetivo de ministrar conhecimento teórico-prático de
enfermagem as mulheres, esta escola bem como outras duas também criadas não adotaram o
modelo da enfermagem moderna de Miss Nightingale, é importante ressaltar que eram
subordinadas ao Ministério da Guerra (OGUISSO, 2007).
O contexto econômico decorrente da Primeira Guerra Mundial, trouxe um quadro de
crise, com elevação dos custos de vida e redução dos salários, além da chegada da gripe
espanhola, através dos portos do Brasil. Esta doença dizimou cerca de 13 mil pessoas, e teve
53
seu apogeu na cidade do Rio de Janeiro. Em 1916, um relatório da situação de saúde no norte
da Bahia, sul de Pernambuco, Piaui, e Goias, impressionou profundamente os sanitaristas
brasileiros, que decidiram por iniciar um movimento em prol de uma reforma sanitária no
Brasil, culminando em 1920, com a instituição de um Departamento Nacional de Saúde
Pública (DNSP), iniciando a reforma liderada por Carlos Chagas, esta reforma ocorreu entre
1920 e 1924, redefinindo a questão sanitária no país, e deu início ao um programa de
cooperação entre a Fundação Rockefeller, passando do conceito de polícia sanitária para o de
educação sanitária (GIOVANINI et al., 2005).
Como parte deste projeto estava a implantação de escolas de enfermagem nos modelos
das mais modernas, decorrendo de um atendimento eficiente das enfermeiras como ocorria
nos Estados Unidos. Esta missão de cooperação foi engendrada por Carlos Chagas em uma
visita a Fundação nos Estados Unidos da América (EUA), e no Brasil chegou a enfermeira
chefe da missão Ethel Parsons, em janeiro de 1921. Esta decidiu que treinaria as visitadoras
em caráter de emergência para suprir as demandas da Saúde Pública, trouxe suas enfermeiras
diplomadas dos EUA para assumirem as ações, e propôs em um relatório que reivindicava a
exclusividade da arte do curar, assim sua missão foi criar uma base solida para que as futuras
enfermeiras formadas por elas, tivessem prestigio e pudessem atuar livremente nos serviços
de enfermagem (GIOVANINI et al., 2005).
No Brasil porém, não havia entendimento suficiente do real significado da escola de
enfermagem, ocorriam assim muitas críticas as ações da Missão de Enfermeiras da Fundação
Rockefeller, e de Ethel Parsons, os argumentos eram diversos, mas tratavam do quão
impróprio eram as visitas de mulheres desacompanhadas a casa de estranhos, esta era uma
iniciativa norte americana, que incomodava a sociedade, a discriminação racial, o regime de
trabalho considerado rígido, e visto como exploração das jovens brasileiras, e por fim o luxo
da residências das alunas, era tido como descabido. Estas porém não impediram a criação da
Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1922, sendo seu
campo de atuação foi o Hospital São Francisco de Assis, e logo depois foi também usado pela
Faculdade Nacional de Medicina (GIOVANINI et al., 2005).
Por ser a primeira escola de enfermeiras, chefiada por enfermeiras, e com o ensino
instituído quase que na totalidade por enfermeiras, isso interferiria com o poder médico.
Havia neste período um apelo patriótico nas chamadas a escola, como “O Brasil precisa de
enfermeiras”. O curso era estruturado no modelo de Curriculo Norte Americano, de 1917 e o
curso tinha duração total de dois anos e oito meses, sendo distribuídos em 48 horas de
atividades práticas semanais, excluídas as horas de instrução teórica. A atmosfera era como a
54
dos melhores colégios de moças da época, as alunos estavam garantidos moradia, benéficos
de alimentação, vestuário e remuneração mensal. As enfermeiras norte-americanas primavam
pela obediência a hierarquia e à disciplina, avaliadas fortemente em suas alunas. E em 1926
esta escola passou a chamar-se Escola de Enfermeiras Dona Anna Nery. Em agosto de 1926,
as alunas diplomadas deram início as reuniões do que seria hoje a Associação Brasileira de
Enfermagem (ABEn).
Da missão Parsons ficou evidente a quebra de barreiras para as mulheres de seu
tempo, pois a natureza de seu serviço de visitação familiar, a criação do modelo de hospital
escola, a implantação de uma escola feminina, e implantação do modelo de enfermagem
nightingaliano, a rígida disciplina, e a instituição da primeira sociedade brasileira da classe.
Assim assegurou-se a autonomia no ensino de qualidade profissional, e a inserção da
enfermagem no mercado de trabalho, elevando a profissão moralmente, contribuindo para
valorização da mulher no contexto brasileiro, sendo esta a categoria que primeiramente foi
essencialmente feminina no espaço de saúde brasileiro (OGUISSO, 2007).
1.3.4 A idade contemporânea e a enfermagem (1930 – 1960).
Os avanços decorrentes da década de 30, estão em parte ligados a mudanças ocorridas
no uso de medicamentos, e descobertas de novas substâncias químicas e de moléculas
facilitaram a fabricação de medicamentos em países com essa capacidade, estas mudanças e
inovações relacionadas aos medicamentos a partir da Segunda Guerra Mundial influenciaram
demasiadamente a prática médica, e também o impacto sobre a saúde dos indivíduos foi forte,
sendo essenciais para a humanidade no controle e tratamento de muitas enfermidades.
A concepção no Brasil da saúde na década de 30, era que esta pertencia a esfera
privada, a assistência médica andava neste rumo, e somente o trabalhador do mercado formal
que contribuía com um percentual de seu salário, através dos Institutos de Aposentadorias e
Pensões, tinha acesso a saúde. Em 1937 com a criação do Ministério da Educação e da Saúde
(MES), novos rumos foram instituídos para a saúde pública, com implantação de delegacias
Federais de Saúde, afim de supervisionar os serviços locais de saúde pública e assistencia
médico-social. Na década de 40 ocorriam ações isoladas de combate a doenças endêmicas
como malária e a tuberculose, bem como um plano nacional de combate a lepra, bem como
planos que visavam o atendimento das populações amazônicas no combate a malária, e em
55
1948 o Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz foi instalado para iniciar os primeiros
estudos sobre a doença de Chagas (MALAGUTTI; MIRANDA, 2010).
Na década de 1950 desenvolveu-se a previdência social e a organização dos programas
de assistência a saúde, nesse período o doente passou a ser institucionalizado, visto a
necessidade de atenção médica ao trabalhador, assim grandes e vários hospitais foram
edificados, além dos investimentos nos equipamentos lá colocados. Houveram ainda neste
período mudanças de denominações no ministérios por meio de legislações específicas, mas o
que ficava claro era a necessidade promoção da saúde e de proteção contra algumas doenças
específicas, visto que estas doenças não eram pertinentes a expansão pela qual o país estava,
estas ações isoladas permaneceram até a década de 1960, sendo uma opção política do
momento a redução dos gastos com a saúde pública (MALAGUTTI; MIRANDA, 2010).
Para a enfermagem a década de 1930, foi importante principalmente pela
regulamentação do ensino de enfermagem no Brasil e o reconhecimento da Escola Anna Nery
como padrão a ser seguido em âmbito nacional, neste período ainda haviam a categorização
das enfermeiras de cunho religioso, sem formação formal, e poucas eram as diplomadas. Em
1938, algumas enfermeiras foram incorporadas ao Departamento Nacional de Saúde Pública,
para atuarem na organização de serviços estaduais de saúde pública, implantar ainda cursos
para visitadoras de saúde pública, dar acessória técnica e supervisionar a ação nos
departamentos de saúde pública. O governo tinha a enfermagem principalmente para atender
o processo de desenvolvimento e modernização dos hospitais, e isso intensificou-se mais
(OGUISSO, 2007).
Pode-se dizer que a década de 1950 houve a necessidade mundial de intelectualizar a
enfermagem, no Brasil, ocorreram discussões sobre a formação de enfermagem, e divisão
técnica do processo de trabalho, assim dividindo o fazer do saber, sabidamente esta
fragmentação dificulta o reconhecimento profissional na sociedade, e a sua visibilidade.
Outros autores afirmam que estas categorias foram estabelecidas para organizar a assistência
da enfermagem e melhorar a qualidade do ensino nas escolas (OGUISSO, 2007).
Para o ensino da enfermagem a instituição da Lei nº775, de 06 de agosto de 1949, foi
um ganho ao determinar no currículo o ensino de física e biológicas e ciências
profissionalizantes, também determinando o curso de 36 meses o enfermeiro, e 18 meses para
o auxiliar de enfermagem. E com a Lei nº27426 de 14 de novembro de 1949, alterou-se o
tempo para quatro anos, com exigência de conclusão do chamado colegial, adaptando-se aos
moldes dos currículos norte americano (OGUISSO, 2007).
56
Atrás de um aperfeiçoamento intelectual, para assim construir a enfermagem
enquanto um corpo de conhecimentos específicos, o trabalho passou a ser dividido entre as
ações de supervisão, administração, com o ensino superior, e deixando-se para o cuidado
direto a auxiliar ou atendente. No momento desta divisão e ingresso da enfermagem enquanto
carreira universitária, é que se deu a introdução dos conhecimentos de pedagogia,
administração, reforçando o enfermeiro enquanto líder de sua equipe. Em 1956 já existiam no
Brasil 33 escolas de Enfermagem, em todas as regiões do país. Entendendo o contexto
político e econômico vivido, pode-se dizer qu as práticas de saúde sofreram um processo de
privatização e a saúde transformada em mercadoria, podendo-se afirmar que nessas três
décadas a enfermagem promoveu ações de unificação e regulamentação de seu exercício.
1.3.5 A idade contemporânea e a enfermagem (1960 – 1990).
De 1960 a 1990 as mudanças tanto no panorama mundial quanto do Brasil, eram de
transformações políticas, econômicas e sociais. O início de uma ditadura Militar no Brasil de
1964, posterior a isso no final dos anos 70 a redemocratização da política, e a promulgação de
uma nova Constituição Federal em 1988, decretando que a saúde era um bem inegável ao ser
humano, e, portanto um direito de todos e o dever do Estado, dá uma ideia da repercussão que
este período teve para a história tanto da enfermagem, como da população em geral.
A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), com os princípios de igualdade,
universalidade, equidade, integralidade, controle social e descentralização, foi um marco de
grande ganho da população, e dos serviços de saúde, visto que primariamente o modelo de
saúde neste período era marcado pelo assistencialismo médico privativista, havendo
dicotomia entre cura e prevenção dissociando a população do cuidado. Os benefícios
ocorridos na enfermagem devido as novas tecnologias e a ciência incorporando a profissão,
levaram uma ocupação quase que incipiente a um processo de desenvolvimento profissional,
com expansão do mercado de trabalho, atualização das leis quer geriam a profissão, mudanças
também na forma em que o cuidado era implementado ao paciente, como a criação do
processo de enfermagem, o desenvolvimento advindo também das instituições de ensino
superior com os cursos e incentivo aos programas de pós-graduação (PADILHA;
BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).
57
Podemos ainda dizer que a cientificidade fascinou de tal forma a enfermagem, que a
formação proposta pelos currículos de graduação, generalista e integral, foi de certa forma
deixada de lado, ao institucionalizar a enfermagem nos hospitais, trazendo uma possível crise
de identidade na profissão. Seguindo ainda a educação na enfermagem a partir da legislação
de Diretrizes e Bases da Reforma Universitária em 1968, foi uma evolução, com a
implantação do doutorado e a inserção definitiva da enfermagem como prática de pesquisa,
fortalecida com outros avanços na área cientifica e a criação das agências de fomento como a
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (OGUISSO, 2007).
Assim este período, mostrou que as modificações na enfermagem alcançaram todos os
universos dentro da profissão, exigindo maior complexidade de conhecimentos, o cuidado
modificou-se sendo integral, multidisciplinar, planejando as ações de uma equipe, e tendo um
papel decisivo, porém deixando claro o déficit de pessoal ainda sofrido, as instituições
cobrando a posição de administrador do enfermeiro, mas permitiu que a visão idealizada, da
vocação, da abnegação ao cuidado, fosse deixada de lado, e o profissional, do trabalho
coletivo e social pudesse contribuir para a ação de saúde qualificada neste novo mercado.
1.3.6 A idade contemporânea e a enfermagem (1990 – atualidade).
O período que mais gerou avanços e transformações nos setores políticos, econômico
e social, e na saúde, pode destacar as décadas de 1990 a 2000, com um colapso do socialismo
a nível mundial, o fim da Guerra Fria e uma nova ordem mundial instituída, marcada pelo
avanço cada vez maior do capitalismo e de um sistema de neoliberalismo econômico, não
havendo fronteiras para a globalização. No Brasil, o processo democrático consolidou-se na
política, com as eleições presidenciais em 1990, e um presidente eleito pelo povo, além de
planos que tentassem controlar a inflação descontrolada (PIRES, 2006).
A situação da saúde, em outra linha tornou-se direito de todos e dever do estado, com
a implantação do SUS, idealizado pela Constituição de 1988. Esse sistema de saúde passa
então por uma reorientação, desvinculando e tentando separar-se da medicina curativa, e
centrada nos hospitais. Ou seja, era hora de prevenir a doença, voltar a saúde a
responsabilidade da família, e assim educar e promove-la nos meios onde era necessário.
Neste processo a enfermagem envolveu-se, colaborando, implementando, avaliando e
58
participando de todos os processos sociais pelos quais perpasse ainda este sistema, apoiando
assim esta nova forma de praticar a saúde (MALAGUTTI; MIRANDA, 2010).
O advento dos avanços científicos como a tecnologia impulsionada pela era da
informática e internet, além da biotecnologia, e da nanotecnologia mais atualmente, com a
ampliação das pesquisas na área da genética, o Projeto Genoma em destaque, o uso de células
tronco, a clonagem e a reprodução in vitro, e as técnicas de doação de órgãos, salvando a vida
de muitos nas filas dos hospitais. Essas são somente ínfimas citações dos avanços nesta área,
a enfermagem enfim participou e participa intensamente dessas transformações,
principalmente beneficiando a prática do cuidado, através do ensino e da pesquisa, esta vem
firmando-se como ciência, criando métodos próprios de investigação, a interlocução com
outras áreas de conhecimento, e assim assistimos um boom da ampliação dos programas de
Pós-Graduação. A graduação também sofreu mudanças em seus currículos, tornado o
enfermeiro um profissional reflexivo, criativo, crítico, argumentativo e capaz de enfrentar e
solucionar problemas complexos, na sociedade e na saúde.
Vislumbrar o que vem pela frente é visualizar um profissional que se aprimora
baseado em preceitos científicos, e fundamenta assim sua prática, de um modo geral muitas
foram os desafios e as inovações, mas para os anos vindouros, a promoção e implementação
das ações que realmente modifiquem o cuidado de enfermagem, interagindo com um mundo
que agora precisa tornar-se sustentável.
59
CAPÍTULO 2 – O MUNDO DO TRABALHO
2.1 O trabalho em sua dimensão ontológica.
Elaborar ideias profundas sobre o trabalho, reflexões que ultrapassem a barreira do
senso comum, é tarefa demasiadamente intensa, principalmente partindo de uma discussão
que supera a observação de como em uma foto, da realidade do trabalho. Se como em uma
foto observarmos o suor escorrendo do rosto do trabalhador, que sob o sol trabalha a terra,
parece algo quase divino, pois a esta concepção está ligada a maioria das concepções advindas
de uma sociedade que o explora, mas que na verdade não o quer que desta forma ele apareça.
Afinal como é possível que algo tão intrínseco a natureza humana, seja penoso?
Principalmente se o trabalho for entendido somente como emprego, o que pode ser o caso da
maioria dos trabalhadores, que acreditam ser o emprego o sinônimo de trabalho, concepções
estas forjadas pelo modo capitalista de produção. Esses apontamentos iniciam e instigam
alguns questionamentos, tais como o que é o trabalho então? Como se conforma na história?
E o capitalismo, o que traz em relação às mudanças no mundo do trabalho? E o trabalho em
saúde, como se dá?
Pretende-se aqui iniciar algumas colocações e reflexões, porém visto a natureza desta
pesquisadora, ainda iniciante no processo de pensamento aprofundado destas questões, tentar
abordar o trabalho, sem deixar de destacar aspectos fundamentais de seus conceitos, sua
historicidade, e sua alocação no âmbito do trabalho na saúde, escritos sob forma direta, sem
muito poetizar, mas que traduzem talvez algo que é intrínseco da formação na área da saúde,
uma justeza positivista.
Neste capítulo, então o conceito de trabalho e as categorias que permitem sua análise
bem como temas que decorrem delas de modo geral e mais especificamente na saúde, tem
como fundamento as percepções de Marx (1982, 1987, 1998, 2003, 2004, 2007) e de outros
autores marxistas como Saviani (2007), Frigotto (2009, 2001, 1989, 2006), Antunes (1999,
2004), Cattani (1997, 2002, 2009), Braverman (2001), Merhy (2002, 1997), Pires (2006,
1989, 2008), entre outros.
Ontológica, eis umas das dimensões do trabalho de forma conceitual, daqui partiram
sob a alcunha de Marx (1982), este como sendo um processo entre o homem e a natureza, um
processo em que o homem, ele mesmo se confronto com natureza, a matéria. O homem põe
60
em movimento as forças naturais pertencentes a sua própria corporeidade, a fim apropriar-se
dela em forma útil para sua vida, visto que ele mesmo é natural, é natureza ao modifica-la, ele
modifica-se.
Pensando no trabalho como essência do homem, e que atuar sobre a natureza e
transforma-la para adequar-se a suas necessidades é o trabalho, este não ocorre separadamente
do homem, mas no homem, fundamenta-se em algo intrínseco que é natural, brota de si, ou
seja sua essência não é divina, e sim um feito de si. Neste ponto o homem diferencia-se do
animal assim pelo trabalho, que ele desenvolve, de forma profunda, complexa e o mais
importante, ao longo de um processo histórico. A práxis que possibilita criar e recriar não
apenas meios de vida imediatos e imperativos, o mundo da arte e da cultura, da linguem, dos
símbolos o mundo humano em resposta às suas múltiplas e históricas necessidades.
Desta forma o trabalho só não existiria se como exemplifica Frigotto (2006, p. 260),
“[...] afirmar que a vida humana desapareceu da face da Terra ou que todos os seres humanos
se metamorfosearam em anjos e já não precisarão mais mover-se e buscar seus meios de
vida.”. Nesta mesma concepção ontocriativa de trabalho, precisa-se observar que o homem
tem intrínseco a seu trabalho a propriedade sobre ele, que para Marx (1985) acontece na
relação do homem com a natureza, ao determinar um uso do resultado de seu trabalho sobre a
natureza, ele apropria-se dela, e constitui um aspecto de seu trabalho, ou seja, relacionar-se
com as condições objetivas do seu trabalho, no sentido natural do homem e sua relação com a
materialidade do mesmo.
Em um sentido ontológico, propriedade é segundo Frigoto (2006, p. 259) “[...] é o
direito do ser humano, em relação e acordo solidário com outros seres humanos, de apropriar-
se, transformar, criar e recriar pelo trabalho – mediado pelo conhecimento, ciência e
tecnologia – a natureza para produzir e reproduzir sua existência [...]”. Sob essa concepção
ontológica é necessário suportar que o conceito de trabalho ultrapassa o conceito do emprego,
ou atividade laboral. Este assume um papel amplo no sentido de satisfazer necessidades
próprias, mas principalmente como constitui-se através do tempo, por um processo histórico
perpassa modificando-se e atendendo a diferentes necessidades, no tempo e no espaço.
Ao partimos das elaborações de Marx (1982), o trabalho humano a forma como se
realiza, o modo de produzir e reproduzir a vida social e material, a construção do
conhecimento, dos valores das regras de convivência, tudo nesta forma, é uma produção
humana, resultado de relações sociais. E as discussões que permeiam o mundo do trabalho,
não podem estar desvinculadas do entendimento da história da humanidade e das relações
sociais, entendendo que o comportamento individual é resultado da ação de classes sociais,
61
coletividades de luta, luta irreconciliável de classes antagônicas, e desta forma a sociedade a
qual vivemos a capitalista, se sustenta e organiza-se.
Ainda abordando o trabalho na sua dimensão ontológica, e integrando alguns aspectos
abordados anteriormente, da mesma forma que o trabalho é algo humano, pode-se afirmar que
ele possui um princípio educativo, ou seja por somente o homem ser capaz de realizar o
trabalho como descrito e baseado nos fatos anteriores e ele também o é capaz de educar. Se
assim nos voltarmos para a o momento em que o homem como ser natural produz a sua
própria vida pela ação intencional sobre a natureza e a ajusta as suas necessidades, assim
também ele necessita aprender a ser homem, na produção de sua própria existência, a
educação desta forma origina-se coincidentemente com a origem do homem (SAVIANI,
2007).
A natureza não é então capaz de suprir por si as necessidades do homem, e este por
sua intervenção e ação nela, produz o que a ele é útil, essa relação como dito anteriormente
por não ser intrínseca, precisa ser aprendida, ou seja, o homem aprende a modificar a
natureza, modificando-se, e ao realiza-lo desta forma aprende. Portanto aprendendo então a
ser homem através de seu trabalho é possível, perceber a relação do homem com o processo
educativo, e assim perceber que este coincide com a própria origem do homem (SAVIANI,
2007).
O trabalho como princípio educativo não é somente uma prática didática, visto que é
fundamental ao homem, é um princípio político e ético. Este se constitui de um dever e um
direito, como sendo um dever, pois todos precisam colaborar na produção da vida humana,
através dos bens sejam materiais ou culturais, e como direito visto que afinal o ser natural e
humano precisa estabelecer seus vínculos com a natureza e transforma-la em bens para
produzir e reproduzir sua vida (FRIGOTO, 2006).
Partindo do exposto anteriormente nesta breve visita a conceituação do trabalho,
segundo a lógica marxista, podemos perceber que o trabalho difere-se de emprego formal, que
possui uma conotação mais aprofundada, ou seja intrínseca do ser, mas que principalmente é
algo único ao ser humano, e por ser único, o pertence. Percebemos que o trabalho não é
somente as formas que assumiu durante os períodos históricos, como trabalho escravo, servil
ou assalariado, sua essência não alterou-se mas sim os momentos históricos pelo qual
perpassou, mas principalmente o que abordaremos a seguir, o trabalho como propriedade,
porém na ótica capitalista de propriedade privada, não sob a forma do direito que possuímos
sobre um objeto, carro, terra, casa, etc, mas a forma como o capital apropriasse do
trabalhador, e do seu trabalho, para produzir mais capital. O julgo do trabalho pela
62
acumulação de lucro que é resultado da compra e venda do trabalho. Mas mais precisamente
da apropriação pelo capital do tempo de trabalho, porém numa relação de desigualdade, onde
quem detém os meios de produção e os instrumentos de trabalho (o capital) e quem detém
apenas sua força de trabalho para vender, tornando-se este então uma mercadoria, sendo estes
gerenciados, comprados, e pagos em um valor de mercado, e ainda produzindo um valor
excedente, a mais-valia.
2.1.1 O trabalho e suas transformações.
Tratando-se do trabalho ainda na perspectiva de marxista, e em uma tentativa de dar
corpo a uma análise das transformações no mundo do trabalho, é fundamental entender as
bases a concepção e análise deste autor. O homem como animal social, ou os homens que ao
realizar o trabalho, o fazem recriando a natureza, e a transformando de forma consciente, para
satisfazer suas necessidades, que tem sobre ela a propriedade sobre as condições objetivas de
seu trabalho, e por essa ser uma propriedade natural, este como ser social, desenvolve tanto
cooperando como especializando, através da divisão social do trabalho, permite satisfazer as
suas necessidades, mas também da comunidade, ou unidade onde está inserido, passa a
produzir de um excedente de produtos do seu trabalho para além do necessário para manter
um individuo e a comunidade. Desta divisão social do trabalho e da existência de uma
produção extra sobre o seu trabalho, surge à possibilidade de troca (MARX, 1985).
Assim pode-se dizer que o homem percebe que este não necessita realizar o consumo
imediato de seu trabalho, mas que é possível armazena-lo, principalmente partindo do fato
que pode garantir a sua existência e da comunidade. Através do excedente de seu trabalho,
este também poderia guarda-lo, e utiliza-lo somente quando necessário, desta forma iniciou o
que poderíamos dizer a acumulação do excedente. Por que então não acumular estas
mercadorias? E por que não utilizar-se da apropriação dos meios de produzir estas
mercadorias? Alguns homens podem ter levantado estes questionamentos, desta forma
organizaram o trabalho na forma de reservas, armazenar e acumular estes excedentes,
mercadorias, outros se utilizaram da terra, apropriada e do trabalho de homens, culminando
historicamente nos modos de produção.
Deste ponto vale a elaboração de Marx (1985), ao formular a sua teoria de crítica ao
capitalismo, não para explicar como ele o é, mas para determinar o porquê de sua existência,
63
este desenvolve o seguinte argumento, que da dupla relação entre trabalho-propriedade, que
se rompe ao que o homem afasta-se de sua relação primitiva com a natureza, a relação então
rompida de forma progressiva, separa o trabalho livre e as condições objetivas de realiza-lo –
separação entre objeto de trabalho e meios de trabalho – o homem sai de seu laboratório
natural, que é a terra, e sua total separação ocorre com o advento do capitalismo. Com o
capitalismo, resultante desta separação do homem e da natureza, este é agora, nada menos que
força de trabalho, e a propriedade simplesmente o controle dos meios de produção.
Deste divórcio entre homem e natureza, ocorre também a perda da dimensão do uso do
que é produzido, e o será valorizado a troca e a acumulação como objetivo direto da
produção. Chegamos aqui ao que é fundamental entender na critica marxista, ou seja, a
mercadoria25
, esta primeiramente como um “valor de uso26
”, que torna o objeto externo para
satisfação de determinadas necessidades, independente da origem, e em segundo lugar, um
“valor de troca27
”, uma forma quantitativa de pressupor uma substância comum, que pode
manifestar-se sob a forma de dinheiro e se chama preço. Marx ainda fala de uma realidade de
dupla face, ou duplo caráter do trabalho, o trabalho concreto manifestado no valor de uso e o
trabalho abstrato manifestado no valor de troca.
Cabe então referir alguns conceitos relacionados ao trabalho concreto e o trabalho
abstrato. O intercambio de mercadorias se desenvolve e juntamente com ele a produção,
inclusive a força humana do trabalho reduzindo-se a uma mercadoria, e sobre esta tem-se um
valor, ou seja, o valor expressa o trabalho abstrato. Segundo Marx (1982), quando desaparece
o caráter útil do trabalho, também os trabalhos anteriores corporificados nele de forma útil
desaparecem, desvanecem-se, as diferentes formas de trabalho concreto, presentes não mais
se distinguem umas das outras, reduzem-se a uma única forma, o trabalho abstrato. O valor da
mercadoria é então o trabalho abstrato, sendo este o trabalho alienado burguês, essa alienação
se dá pelo caráter do trabalhador assalariado, que é despossuído do controle de seu trabalho e
dos produtos resultantes dele. O capital, nas formas de meios de produção, funcionando como
capital que se utilizam do trabalhador, força de trabalho explorando-o na forma do trabalho
25
Segundo Marx (1982), é essencial a análise da mercadoria para prosseguir com a crítica ao Capital, esta pode
ser entendida como o objeto que ao invés de ser consumido por quem o produz, fica destinado à troca e à venda,
algo que por suas propriedades satisfaz necessidades humanas, de forma que independente da origem dessas
necessidades, sejam elas da fantasia ou mesmo do estomago, é o objeto que entregue pelo produtor possa ser útil
aquela pessoa, e aquém quer usa-lo em troca de outro objeto, convertendo-se em mercadoria. 26
Ainda em Marx op.cit. o valor de uso é a utilidade de um produto, resultante do trabalho, e que só realiza-se
com sua utilização ou consumo. 27
Valor de troca no exemplo de Marx op.cit. temos o trigo e o ferro, que qualquer que seja a proporção em que
se troquem, é sempre possível expressa-la na quantidade em que se troca.
64
assalariado. Esta relação social, onde os meios de acumular trabalho morto, através do
trabalho vivo, é o capital.
O duplo caráter do trabalho então completa-se ao exemplificarmos através da
mercadoria força de trabalho, o trabalhador alienado é o valor de uso, é o trabalho concreto,
por ele realizado para valorizar o capital. Este trabalho possui um valor de troca, ou seja o
preço do trabalho, que pode ser denominado salário. Esta engenhosa formula, permite ao
capital mistificar sua relação de apropriação do trabalho, dando um falso caráter de um preço
pago por uma cerca quantidade de trabalho realizado por esta força de trabalho, isso decorre
do fato que a força de trabalho que recebe este salário, é incapaz de perceber que realizou um
trabalho que adquire novo valor, que provavelmente é superior e em maior quantidade do que
o preço pago pela força de trabalho na forma de salário. Por este novo valor de uso que esta
força de trabalho produziu, e a diferença entre valor pago por esta força de trabalho, e os
valores por ela produzidos, constitui-se a mais-valia, ou seja, um acréscimo de valor não pago
pelo capital, sendo fundamental para o entendimento desta modo de produção (MARX, 1982).
Assim Marx (1985) demonstra através da periodização histórica que as relações de
produção ou forças produtivas materiais não podem ser separadas das relações sociais de
produção.
Somente com a divisão do trabalho e o surgimento da manufatura independentes que
possibilitaram um comercio exterior, entre cidades, um mercado interno, que o capitalismo
desenvolve-se definitivamente, sendo que a manufatura o principal ponto de desenvolvimento
entre o trabalhador e capitalista.
No período anterior ao capitalismo, era possível vislumbrar que existia ramos ou áreas
especializadas de produção, onde a organização do trabalho era estruturada, no período
feudal. Porém o capitalismo introduziu algo diferente e único até aquele momento, na maneira
de produzir e dividir o trabalho, o uso da especialidade produtiva em múltiplas operações
(PIRES, 2008). Numerosas operações são executadas por múltiplos trabalhadores, reunidos
em um mesmo local, porém com a perda do controle do seu processo de trabalho.
As diversas estruturas da organização do trabalho, as transformações do trabalho com
a industrialização, marcada no século XVIII pela utilização de máquinas no processo de
produção, em substituição a força humana, tem como propósito a acumulação de capital,
tornando o trabalhador dependente da venda de sua força de trabalho para sobreviver. Na
manufatura as mudanças ocorridas foram em relação a força empregada no trabalho, porém na
indústria moderna quem ditava o ritmo eram as máquinas, ou seja a revolução ocorre no
instrumento de trabalho (MARX, 1982).
65
A máquina era capaz de utilizar os instrumentos antes empregados pela homem de
forma manual, todos em um só, ou seja, tanto na manufatura como dentro da grande indústria
o fim era o mesmo, o acúmulo da produção. Retirando do trabalhador o controle do processo,
e impugnando a ele a necessidade de venda da sua força de trabalho para sobreviver (MARX,
1982).
Assim Marx (1985, p.80) em um trecho vislumbra a forma como o capitalismo se dá.
[...] A antiga concepção segundo a qual o homem sempre aparece (por mais
estreitamente religiosa, nacional ou política que seja a apreciação) como o objetivo
da produção parece muito mais elevada que a do mundo moderno, na qual a
produção é o objetivo do homem, e a riqueza, o objetivo da produção. Na verdade,
entretanto, quando despida de sua estreita forma burguesa, o que é a riqueza senão a
totalidade das necessidades, capacidades, prazeres, forças produtivas, etc., dos
indivíduos, adquirida no intercambio universal? O que é, senão o completo
desenvolvimento do domínio humano sobre as forças naturais – tanto as suas
próprias quanto as da chamada “natureza”? O que é, senão a plena elaboração de
suas faculdades criadoras, sem quaisquer precondições além da evolução histórica
precedente que transforma num fim em si, a totalidade desta evolução – isto é, a
evolução de todas as forças humanas, como tais, não medidas por nenhum critério
previamente estabelecido? E o que é isto, senão uma situação em que o homem não
se reproduz a si mesmo numa forma determinada, limitada, mas produz sua
totalidade, se desvencilhando do passado e se integrando no continuo movimento em
busca do dever? Na economia política burguesa – e na forma de produção
correspondente – este completo desenvolvimento das potencialidades humanas
aparece como uma total alienação, e a destruição de todos os objetivos fixos e
unilaterais, como o sacrifício do fim em si mesmo, em proveito de forças que lhe
são estranhas.
Por fim, podemos constatar que a critica ao capital, engendrada através das
concepções de Marx (1982) permeiam tendências sobre o modo de produção capitalista, mas
principalmente a qual nível de interferências tem sobre o trabalho. Ou seja alterações dos
modos de produção diversos, e a divisão social do trabalho, juntamente com o conceito de
propriedade, alteraram-se em um processo que percorreu a história, e permitiu chegar ao
modo capitalista de produção, caracterizado pela separação da ação consciente do trabalho,
intrínseca ao ser humano, para uma lógica de acumulação de mercadorias, que visam a mais-
valia e a alienação do trabalhador.
2.1.1.1 O trabalho e suas transformações com a industrialização.
O modo capitalista de produção é inovador se comparado aos momentos anteriores ao
verificarmos que apesar de nesta sociedade já existirem as formas de divisão do trabalho em
66
áreas de conhecimento, ou ramos da economia, e a forma como o trabalho organizava-se,
visto que com este modo de produzir além da divisão entre os homens, ocorre a divisão de
operações, de uma especialidade produtiva. Ou seja, como brevemente abordado
anteriormente, o que modifica-se na indústria moderna é o instrumental utilizado no trabalho,
comparado as alterações na força de trabalho ocorrida com a manufatura (MARX, 1982).
Mas ainda que estas alterações tenham ocorrido, é imprescindível salientar o papel da
burguesia, que exerceu poder econômico, e lançou-se sobre a classe trabalhadora política e
hegemonicamente. Com uma ideologia de liberdade, e suportada pela economia, a burguesia
pregava a liberdade advinda da venda livre da força de trabalho pelo trabalhador, por uma
concorrência livre, onde as classes não existiriam (MARX, 2004).
Ora sim, segundo Marx (2004) o trabalhador passa então a ter que concorrer pela
possibilidade de trabalhar através dos meios de produção que não o pertencem, desta forma
cada vez mais alienado, separado do seu trabalho e estranhando-o, deixado a miséria caso esta
relação de concorrência lhe fosse desfavorável, o sentido do trabalho modica-se baseado nesta
lógica, é externo a ele, não mais lhe pertence, mas sim pertence a quem tem os meios de
produção, e desta forma o explora.
Podemos inferir sem dúvidas que este avanço empreendido pelo capital, ou seja das
forças produtivas, trouxe um cenário de exploração, com a dominação do trabalho pelo
capital, com reprodução constante do lucro somente. Assim Marx (2004), afirma que o
trabalhador transfigurando-se em uma mercadoria, sendo esta consideração do trabalhador
enquanto miserável, faz-se de uma inversão entre a grandeza da produção e a concorrência
que é necessária na acumulação do capital, nas mãos de poucos.
Ainda conforme exposto por Marx (2004, p. 27), a forma como o trabalhador
encontra-se neste contexto está exemplificada pelo trecho a seguir,
[...] O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto
mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna
mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com valorização do
mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em produção direta a desvalorização do
mundo dos homens (Menschenwelt). O trabalho não produz somente mercadorias;
ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em
que produz, de fato, mercadorias em geral.
Este fato nada mais exprime, senão o objeto (Gegenstand) que o trabalho produz, o
seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um poder independente do
produtor. O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, faz-se coisal
(sachlich), é a objetivação (Vergegenstandlichung) do trabalho. A efetivação
(Verwirklichung) do trabalho é a sua objetivação. Esta efetivação do trabalho
aparece ao estado nacional-econômico como desefetivação (Entwirklinchung) do
trabalhador, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação
como estranhamento (Entfremdung), como alienação (Entausserung).
67
As máquinas introduzidas como forma de aumento da produção neste contexto,
visando somente o lucro capitalista, como moldes a divisão do trabalho, perde-se a
individualidade do trabalho, com a lógica invertida, conforme exemplifica Marx (1998),
conforme o trabalhador mais aumenta sua produção, e as mercadorias aumentam seus preços,
de forma contraria o salário diminui.
Assim este trabalhador agora como mercadoria, vendendo sua força de trabalho, sob
uma concepção que este é livre, independente, pois se codifica no pagamento do salário, o
impede de vislumbrar a torturante realidade da exploração capitalista.
Juntamente com os pontos apresentados acima, algumas alternativas foram
empreendidas, pelo capital para tentar aumentar ainda mais o lucro, principalmente em
momentos de crise, sendo não somente a introdução da tecnologia e maquinaria, mas também
com formas de organizar o processo de produção, para cada vez mais afastar o trabalhador do
domínio do seu processo de produção, estas alternativas tem uma extensa gama de interesses
políticos, econômicos, que através do momento histórico vivido alteram-se, visando o
aumento da produtividade, sendo que alguns pontos são apresentados a seguir.
2.1.1.2 Taylorismo e Fordismo
A gerência já conhecida anteriormente da manufatura, nas mãos do capital assume um
papel interventor do processo de trabalho, expropria a concepção do trabalho dos
trabalhadores, assumindo um papel amplo no sentido garantir a produtividade e melhora na
maneira do trabalhador trabalhar. Sendo Taylor28
o nome importante e orientador destas
mudanças.
O artesão perde seu espaço nesta conjuntura de maquinaria presente nas fábricas,
sendo que a produção concentra-se nestas, ele então perde o controle que tinha do processo de
produção, este agora passa a ser do capital. Medidas são então empreendidas para controlar o
ritmo de trabalho, a extensão das jornadas de trabalho.
O modo de produção capitalista desde o início encontrava dificuldades advindas da
autonomia do trabalhador sobre o seu processo de trabalho, este planejava e executava bem
28
Frederick Winslow Taylor (1856 – 1915), engenheiro norte americano que cria o termo gerência científica,
baseado no positivismo, racionalidade metódica, nos Estados Unidos no final do século XIX.
68
como definia as formas e as sequencias que seu trabalho direto ocorreria, porém visto pelo
capitalista, era quase um processo anárquico, gerando formas diferentes e inúmeras de
produzir. Assim no decorrer do século XIX, a tentativa de minimizar a autonomia do
trabalhador sobre seu fazer ocorreram, sendo que os estudos implementados por Taylor a
respeito dos tempos e movimentos do trabalho, com a utilização rigorosa de um método,
baseado em planilhas e cronômetros, sendo então possível parcelar, especializar e decompor o
trabalho, levando a um trabalho que pudesse ser executado no menor tempo possível de forma
eficiente (CATTANI, 1997).
Ou seja, ocorre a separação das funções tanto de concepção e planejamento, das
funções de execução, fragmentação e no controle de tempos e movimentos, além da
implementação da remuneração pelo desempenho. O taylorismo visava a eliminação dos
tempos ociosos e da autonomia dos produtores para então garantir o aumento na
produtividade (CATTANI, 1997). Para Taylor, “os trabalhadores não são pagos para pensar,
mas para executar”, deixando claro tamanha a expropriação do processo de trabalho do
trabalhador.
Pela alcunha do patrão ou do gerente, era garantido que as medidas para controlar o
ritmo de trabalho, o valor do produto, e da jornada de trabalho, com a forma de separar o
produto do produtor, ou seja, apropriar-se do saber fazer. Assim alguns movimentos entre os
trabalhadores acontecem a fim de tentar resgatar sua capacidade de gerir seu trabalho, mas
também de resistir ao que estava sendo imposto a ele. A quebra das máquinas, foi um desses
movimentos, que iniciou-se na revolução industrial, os trabalhadores resistindo fortemente ao
sistemas de fábricas, mas seu caráter de resistência não era somente uma rejeição do
progresso da tecnologia, mas sim uma razão específica, como a quebra de máquinas que
serviam na produção da fábrica, não as que prestavam ao trabalho doméstico. A revolta dos
artesãos dava-se principalmente contra as consequências que estes processos de mecanização
provocaram na forma e nos costumes do seu modo de produção (THOMPSON, 1989).
Diversas formas de lutas foram desenvolvidas por esses trabalhadores, como lutas
empreendidas por direitos trabalhistas, por associações de classe. Este antagonismo entre
trabalhadores e o capital, na tentativa de controlar o processo de trabalho, permite que a
aplicação de uma ou outra forma de obter uma maior produtividade no trabalho.
Assim é importante ressaltar que o que de mais fundamental existia em Taylor era o
controle do trabalho, alienando a força de trabalho comprada, este controle dava-se pela
definição das tarefas, das jornadas de trabalho e de maneira que visava diminuir espaços de
tempos mortos, ou improdutivos, assim o ritmo de trabalho e o como fazer para executar a
69
tarefa era controlado. A gerência cabia garantir que esta cisão acontecesse, expropriando a
concepção da execução do trabalho da força de trabalho (PIRES, 2008).
O fordismo29
juntamente com o taylorismo, são estratégias de gestão do processo de
trabalho, assim referindo-se ao processo de trabalho na perspectiva do fordismo este
caracteriza uma separação radical entre prática (execução) e concepção, pautando-se em um
trabalho fragmentado e simplificado, com ciclos de operação curtos, não sendo necessário ao
trabalhador períodos extensos para treinamento e formação, fundamentando-se principalmente
em uma linha de montagem ligada a uma esteira rolante, assim o trabalho vai ao trabalhador e
não há necessidade que ele desloque-se, sob um fluxo contínuo que a máquina determina, e
peças por peças são colocadas cada uma a seu tempo, com intuito de reduzir drasticamente os
tempos mortos. Porém nestas condições o trabalho ganha uma monotonia e repetição intensa,
parcelado. Para Ford ainda esta linha de montagem, apesar dos fatores negativos colocados
aqui, para o operário deveria ser recompensada por um salário elevado (LARANGEIRA,
1997).
A fábrica e com ela, relações sociais complexas estabelecem-se e ultrapassam o
conceito simples de organização do trabalho, ele acaba por designar um novo padrão de
organização de uma sociedade, no caso a americana, e por fim constitui-se como hegemônico,
ganhando asas e expandindo-se globalmente, ao que aqui é importante salientar, sob formas
que podem ser mais ou menos iguais a americana, mas o importante é que emprega um
intenso dinamismo na economia e no capital no Pós-Segunda Guerra (PIRES, 1998).
2.1.1.3 O modelo de desenvolvimento hegemônico e sua crise.
Tendo como base alguns pontos apresentados anteriormente de forma conceitual,
podemos observar que este modelo de desenvolvimento hegemônico fordista, ou
taylorista/fordista, que utiliza-se de um padrão industrial, financeiro e tecnológico tem como
características segundo Pires (1998, p. 35)
[...] a) rápido e prolongado crescimento internacional da produção e da
produtividade; b)liderança do setor industrial, sendo que, neste, lidera a produção
em massa de bens de consumo duráveis (automóveis e eletrodomésticos), a
produção de bens de capital e a indústria química, em particular e petroquímica; c)
internacionalização da produção – grandes empresas oligopólicas com subsistema de
29
Fordismo foi um termo gerado para caracterizar o sistema de produção e gestão utilizado por Henry Ford em
sua fábrica, Ford Motor Co. em Detroit, 1913.
70
filiais; d) ritmo do comércio internacional mais intenso que o ritmo do crescimento
da produção industrial; e) apesar do aumento do comércio internacional, o grande
responsável pelo crescimento econômico, dos principais países capitalistas, é o
mercado interno; f) crescimento da participação do emprego industrial, e também,
do emprego nos serviços (agora sob a lógica industrial), ao mesmo tempo que
diminui a participação do emprego agrícola nos mercados de trabalho nacionais; g)
utilização do petróleo como principal fonte energética, substituindo,
progressivamente, o carvão, o que foi facilitado pelo preço do petróleo, em queda no
período.
O sucesso desse novo padrão hegemônico garantiu um período pós Segunda Guerra,
em que o modo capitalista de produção obteve uma prosperidade longa, decorridos não da
determinação da economia, mas sim resultante de uma luta dinâmica entre classes sociais30
,
exigindo uma mudança na forma de gestão da economia, no papel do Estado, nos salários e no
consumo. O papel do Estado capitalista nesta conjuntura se dá através de algo inédito,
conciliou os interesses dos meios de produção privada com uma gestão democrática da
economia, além de uma elevação no padrão de vida (MATTOSO; OLIVEIRA, 1990).
Estes fatos decorrem também das mudanças ocorridas nos sindicatos, atuando
fortalecidos e participativos da politica em geral, assim também tem-se os trabalhadores que
permitiram algumas concessões no que diz respeito as críticas ao capitalismo e sua
organização. A renda produzida passou por uma maior socialização neste período, com
salários mais altos, políticas voltadas para o pleno emprego, com diretos sindicais e políticos
que influenciavam políticas nacionais pra determinar os salários, ou seja um sistema de
welfare. Tanto empresários quanto industriais aceitavam as organizações sindicais e os
trabalhadores com um grau de influencia, juntamente com o Estado nacional, este participava
na economia não apenas como regulador, mas administrando as demandas e proporcionando
políticas que proporcionassem uma rede que visava diminuir as desigualdades e o
desemprego, utilizando-se de uma rede de serviços – o chamado Estado de Bem-Estar Social
(Welfare state) (MATTOSO; OLIVEIRA, 1990).
Segundo Pires (1998, p.38) a função do welfare state keynesiano
30
A utilização do termo classes sociais, explica o sentido de diferenças de interesses e de movimento, as
relações que estabelecem-se entre as pessoas no sentido que melhor exprime Thompson (1989), que o termo
classe é demasiado superior a uma simples descrição, de um amontoado de acontecimentos esparsos, vividos por
alguns trabalhadores, ele o trata como fenômeno histórico, bem como insiste em deixar claro que é histórico pois
reúne diversos acontecimentos aparentemente dispersos, que estão unidos por um fenômeno em comum, e a
formação de uma classe acontece ao que homens como resultado de suas experiências comuns reúnem-se, por
interesses, identidade, sentimentos, e articulam-se geralmente contra outros homens que possuem interesses
diferentes dos seus, e que geralmente esses interesses são opostos. A classe, porém não deve ser entendida como
uma coisa e sim como uma relação, não deve ser entendida como entidades separadas que se olham se encontram
e começam a caminhar, ao contrário, as pessoas experimentam a exploração, identificam-se pelos pontos de
interesses, e pelos seus antagonismos contra outros interesses e começam a lutar por questões que ao final do
processo acabam por reconhecerem-se como classe, assim a classe e a sua consciência são as últimas a se
identificarem, pois se definem a medida em que a sua própria história é vivida pelos homens.
71
[...] corresponde a uma aliança entre política econômica keynesiana e welfare state,
é, de um lado, cobrir os riscos e incertezas a que estão submetidos os trabalhadores
assalariados e suas famílias numa sociedade capitalista e, de outro, através de uma
política econômica ativa, regularizar o crescimento econômico, garantindo demanda
para consumo e estímulo ao crescimento. Os operários devem considerar a
lucratividade do capital como forma de garantir o futuro emprego e o nível de renda
e os capitalistas deem considerar as despesas com o welfare state porque ele
garantirá uma demanda efetiva e uma classe operária com seus problemas de saúde
atendidos, bem treinada, com moradia razoável e satisfeita.
Nos países capitalistas do pós Segunda Guerra o sistema de welfare state foi
denominado “welfare state institucional redistributivista” ou “social-democrata”,
diferenciando-se das políticas de welfare state que não atendiam de modo geral todas as
parcelas da população em suas necessidades, que ocorreram em alguns outros países com a
denominação de welfare state do tipo “residual ou liberal”, no primeiro o papel do Estado é
garantir a todos os cidadãos os serviços mínimos e acesso a bens, intervindo no planejamento
econômico, distribuindo através de alguns engendramentos bens e serviços tanto públicos
quanto privados (PIRES, 1998).
No início dos anos 60 apesar da redistribuição de renda ocorrida, do consumo de
novos produtos a favor dos assalariados, que permitiu que a economia capitalista crescesse,
com os salários aumentando na medida proporcional que a produtividade, esta distribuição
neste período ocorreu via Estado e sua intervenção gerando um aumento com os gastos
públicos, principalmente educação, saúde e previdência social. A demanda estava resolvida
porém outros problemas surgiram, entre eles a elevação da dívida pública pelas constantes e
crescentes em relação ao orçamento do Estado, seja pelos benefícios sociais, ou pelos
capitalistas que queriam diminuição de juros e mais proteção da economia, culminando com
medidas do Estado de cortes aos programas de bem-estar social (MATTOSO; OLIVEIRA,
1990).
Os sinais da crise que haviam iniciado na segunda metade dos anos 60, mostram-se
por fim estruturais, e tem por explicação a multicausalidade, sob diversos aspectos, sendo
alguns assinalados como: a) diminuição dos ganhos com a produtividade do trabalho nos
países industrializados, somada a insatisfação pelos operários as condições de trabalho, pela
repetição das tarefas de forma maçante do trabalho taylorista/fordista além da não
democratização dos locais de trabalho, uma reação centrada na separação entre concepção e
execução do paradigma taylorista/fordista; b) os questionamentos ao paradigma
taylorista/fordista ocorrem pelo mundo e engajam intelectuais, estudantes e trabalhadores, que
72
reagem ao autoritarismo e falta de liberdade do modelo vigente, principalmente em países
como França, Itália e Estados Unidos, surgindo novos movimentos sociais; c) saturação e
esgotamento dinâmico da industrialização nos mercados internacionais e d) crescimento
econômico na Europa e Japão com enfraquecimento da hegemonia norte-americana, esses
países ainda aumentam sua participação em mercados internacionais com filiais e capital
internacionalizado, possibilitando o crescimento dos países do terceiro mundo (PIRES, 1998).
Enfim esta crise difere-se da ocorrida nos anos 30, pois naquela a saída foi arranjada e
articulada pela hegemonia dos Estados Unidos, que consolidou-se no pós Segunda Guerra.
Neste segundo momento de crise não havia apenas um bloco, mas sim além dos Estados
Unidos, países como Alemanha e Japão sem consolidação de nenhuma hegemonia
possibilitando a concorrência internacional, com aumento de produtividade, e por não
consolidar nenhum novo padrão de desenvolvimento, resulta em incertezas e desestruração
(MATTOSO; OLIVEIRA, 1990).
2.2 Reestruturação Produtiva.
Como apresentado na sessão anterior, as medidas de garantia de benefícios sociais
pelo Estado, na vigência de um modelo econômico voltado para a produção de mercadorias
em massa, no amago dos países capitalistas, construiu um desenvolvimento econômico
permeado de estabilidade social. Porém esta estabilidade teve seus alicerces atingidos por uma
diminuição de lucratividade do capital e de ganhos de produtividade, assim ao final dos anos
70, a percepção de que nem os governos nem as empresas eram capazes de realizar uma
estabilização das economias nacionais, verificou-se um processo de reação à crise, com uma
reestruturação do capital, com ajustes e transformações no modelo de produção industrial,
com o uso de inovações de tecnologia, equipamentos, materiais e novas formas de organizar o
trabalho (MATTOSO; OLIVEIRA, 1990).
Esta conformação do modelo de produção industrial evidencia-se nos anos 80, nos
países desenvolvidos e capitalistas, voltando-se sobremaneira ao setor eletrônico, uso de
tecnologias digitais como base na estrutura da indústria e nos processos de química fina, como
novos materiais, biotecnologia, engenharia genética. Assim procede a reestruturação
produtiva e industrial, um processo que consiste em mudanças institucionais e organizacionais
tanto no que tange a produção quanto a organização de relações de trabalho, visando grande
73
lucratividade, mas principalmente redesenhado sob a introdução da tecnologia informatizada
(CORRÊA, 1997).
Assim no que diz respeito as relações de trabalho este período busca alternativas ao
paradigma fordista/taylorista de acumulação, de forma a manter ou elevar as taxas de
lucratividade, deste modo dois eixos principais ocorrem, o primeiro através da introdução da
tecnologia microeletrônica, e a transformações na organização do processo de trabalho. Os
dois na tentativa de atender a exigências dos modos de produção agora instáveis e
competitivos. Assim a flexibilização da produção através da microeletrônica faz parte deste
contexto, já que estas tecnologias mostraram-se frente a seus aspectos de capacidade de
adaptação às estruturas de produção de modo eficiente (CORRÊA, 1997).
Considera-se inovador em relação à produção fordista, a inovação tecnológica (uso
de equipamentos microeletrônicos que atendem e dinamizam rapidamente as flutuações de
demanda do mercado), o volume de produção (ocorre diferentemente da produção
massificada fordista, a produção de produtos diversificados seja em grandes ou pequenos lotes
conforme a demanda de encomendas), a estrutura e o tamanho das empresas (as atividades
que antes eram executadas no seio da indústria, tornam-se exteriores a ela, seja pela
terceirização ou pela uso dos setores de serviços de forma intersetorial, formando redes de
empresas envolvidas na confecção de um produto), a visão sobre o cliente (laços estreitos
ocorrem ajustando a produção da demanda) segundo Pires (1998).
Neste contínuo de transformações o processo de trabalho também acompanha algumas
alterações em relação ao modelo taylorista/fordista, sendo que pode-se como algumas
características o trabalho em equipe, com múltiplas atividades sendo exercidas por
trabalhadores intervindo de formas diversas em várias fases do processo de produção,
inclusive tentando identificar erros e corrigir-los. Esta força de trabalho precisa então de uma
formação de alto nível na escola e na técnica. Já em relação às condições de trabalho pode-se
verificar que as relações de trabalho incluem estabilidade em alguns casos, visto que este
sistema precisa de intervenções do trabalhador para resolver problemas, existe uma facilidade
patronal em despedir e utilizar de trabalhadores eventuais, sendo heterogenia e a favor do
capital. Os salários diferenciam-se minimamente e os postos de trabalho são menos rígidos, há
aumento da precarização do trabalho, com diminuição da força dos sindicatos, com
desestruturação nas formas de contratação coletiva (MATTOSO; OLIVEIRA, 1990). Apesar
de inovações neste processo de trabalho, surge uma imensidão de desempregados, com
desigualdade e pobreza aumentando, e mantendo a concentração de renda.
74
2.2.1 Reestruturação produtiva em saúde.
A partir deste ponto concentramos nossos esforços em elaborar conceitos que integrem
as questões relativas ao mundo do trabalho, voltadas para o setor da saúde, tendo em vista que
estes são imprescindível para condução de posteriores discussões. Utilizaremos de autores que
abordam o tema trabalho sob o enfoque marxista, integrando-o as terminologias e conceitos
voltados a saúde. Dentre os autores podemos citar Merhy (2002, 1997), Pires (2006, 1989,
1998), Gonçalves (1992), Franco (1999, 2003) entre outros.
Partimos então do significado trazido pela reestruturação produtiva em saúde, sob a
concepção de Merhy e Franco (2006, p.348), como sendo:
[...] a resultante de mudanças no modo de produzir o cuidado, geradas a partir de
inovações nos sistemas produtivos da saúde, que impactam o modo de fabricar os
produtos da saúde, e na sua forma de assistir e cuidar das pessoas e dos coletivos
populacionais.
Na existência de vários sujeitos que realizam as atividades de cuidado, pode-se inferir
que a introdução de uma nova forma de organização do processo de trabalho resulte em
realmente a mudança na forma de produzir o cuidado, vários determinantes, dentre os quais
distintamente podem ser ditados por interesses burocráticos, coorporativos, políticos e de
mercado, porém em uma equipe de saúde diversos são os atores e seus interesses, bem como
suas formas e atitudes frente ao usuário, buscando formas diferentes e únicas de produzir a
saúde.
Falamos assim, produzir o cuidado é multifatorial, multidisciplinar e ao mesmo tempo
interdisciplinar, mas principalmente que produzi-lo, não se basta ou altera-se somente com a
introdução de uma máquina ou tecnologia em meio ao processo de produção do mesmo. Uma
mudança fundamentada somente na introdução de uma tecnologia dura, não necessariamente
altera a lógica de produção na saúde, alterando a lógica de um trabalho morto em detrimento
do trabalho vivo, mas numa inversão do uso de tecnologias centradas na produção de
vínculos, acolhimento, atos de fala. Assim os estudos de Pires (1998) percebe-se que na
descrição da incorporação de tecnologias na produção do cuidado, em um hospital, é uma das
formas de reestruturação produtiva, ao que muda o modo de trabalhar das pessoas. Mas seu
núcleo onde os produtos do trabalho, o cuidado é produzido, não altera-se.
Merhy e Franco (2006, p.349) assim exemplifica a reestruturação produtiva em saúde.
75
[...]. Em relação ao Programa Saúde da Família, pode-se assistir ao mesmo
fenômeno conservador, quando este não consegue alterar os processos de trabalho
centrados na produção de procedimentos médicos, estruturados a partir dos seus atos
prescritivos – buscando como finalidade mais a produção do procedimento do que
qualquer outra coisa e comandando as ações dos outros trabalhadores. Desse modo,
ele muda a forma de produzir saúde a partir dos grupos familiares e da referência no
território, mas o núcleo tecnológico onde se processa o cuidado continua centrado
em um grande predomínio do trabalho morto, que opera basicamente a construção
de um modo de cuidar, focado na produção dos procedimentos em si.
Assim processos que modificam desde a subjetividade de quem cuida em saúde, até na
incorporação de tecnologias novas de cuidar, alterações nos processos produtivos, novas
formas de organizar o processo de produção do cuidado, como a mudanças de atitude em
relação ao sujeito que é cuidado, determinam uma certa reestruturação produtiva em saúde,
condicionado a uma alteração no modo de produzir o cuidado.
É possível observar que muito além de máquinas e conhecimentos técnicos e
tecnológicos o trabalho em saúde configura-se, mas as relações e as formas de agir dos
sujeitos e entre ele é algo singular. Assim segundo Merhy (2002), o entendimento que o
espaço de saúde vai além da produção da mesma, mas trata-se de um lugar onde os desejos e a
subjetividade dos sujeitos ocorre, e estruturam a ação do trabalhador, usuário, seja individual
ou coletivo. De modo que a forma como entendem e compreendem o outro modifica sua
maneira ou modos tecnológicos de construção do cuidado.
Assim condicionada a ideia que a reestruturação produtiva em saúde, se efetiva com
uma mudança na produção do cuidado, e que esta só ocorre com a alteração do núcleo do
cuidado, inventando e criando novos produtos, esta ocorre com a chamada “transição
tecnológica”, aqui explicada por Merhy e Franco (2006), como cuidado centrado em
tecnologias que organizam o modo de produção do cuidado, focado no usuário, como
determinados pelos sujeitos. O que ocorreu com a medicina no século XX, quando houve esta
transição tecnológica para as especialidades, com a lógica centrada em benefício do usuário;
esta transição traz o sentido de mudança na produção do cuidado.
Assim Merhy e Franco (2006, p. 352, grifo do autor) chamam a atenção.
[...] é interessante olhar com atenção o conjunto desses processos de reestruturação
produtiva e de transição tecnológica, pois os grupos do capital financeiro vêm-se
utilizando intensamente de dispositivos muito semelhantes aos do modelo em defesa
da vida para provocar uma ‘reestruturação produtiva’, na qual são acrescentados
processos de subjetivação, que buscam um modo de agir no mundo do trabalho em
saúde – também com predomínio do trabalho vivo em ato e das tecnologias leves no
processo produtivo de cuidar e na gestão das linhas de cuidado – voltando-se,
entretanto, para a produção de capital e não de mais vida.
76
A intencionalidade está não está no usuário, mas em um mercado, em modo de
produção do cuidado que atende ao capital, porém fazendo parecer que ocorre a defesa da
produção da saúde, porém com o lucro como objeto central, considerando o sujeito como um
consumidor de um produto genérico, que não a sua saúde.
2.3 Precarização do Trabalho na saúde.
O termo precarização tem como principal significado as perdas de direitos trabalhistas,
decorrentes das transformações no mundo do trabalho, assim genericamente é uma variedade
de mudanças em relação ao mercado de trabalho, nas condições de trabalho, nas formas de
qualificação do trabalhador e nos direitos trabalhistas, sob a forma de emergência de um novo
padrão de produção (MATTOSO; OLIVEIRA, 1990).
Segundo a literatura existem registros de que precarização são também múltiplas
relações de contrato, para impedir as relações de contrato e impor dificuldades nas
representações de classe, como os sindicato, impelindo ainda mais a uma desproteção dos
trabalhadores, e vulnerabilidade às exigências dos patrões (PIRES, 1998). Além disso este
processo tem relevância e intensidade com a indústria, e setores da economia são afetados de
forma diferente, sendo que na saúde é singular.
No âmbito nacional, existe um aumento decorrente do número de trabalhadores sem
seus direitos garantidos, comparados aos que os possuem nas instituições. Essa situação
ocorre aqueles com contratos temporários, trabalhadores para realizar atividades especiais
como plantões, formas flexíveis de contratação dos agentes de saúde e das equipes do
Programa de Saúde da Família, todos com caráter de flexibilização mas que deixam claro seu
caráter expropriador de direitos do trabalhador (PIRES, 2006)
Assim Pires (2006, p. 319) denomina como ocorre esta precarização
[...] Como nos demais setores da produção, a terceirização também cresce na saúde e
tem sido utilizada pelos empregadores tanto do setor público quanto do privado,
para diminuir os custos com a remuneração da força de trabalho e para fugir das
conquistas salariais e direitos trabalhistas dos trabalhadores efetivos da empresa-mãe
(instituição-original).
77
Em outros países a precarização tem real cunho de flexibilização, como direitos
adquiridos pelos trabalhadores de trabalhar através de contratos que atendam melhor, suas
necessidades e não somente dos empregadores. Assim o conceito de precarização remete a um
sentido de perdas, e é usado extensamente para designar o que é precário, neste caso as
formas de trabalho na saúde (PIRES, 2006).
Se olharmos a sob a ótica dos sindicatos, os trabalhadores que atuam no Sistema
Único de Saúde (SUS) tem ausência de concurso público, ou processos seletivos públicos que
lhe permitam permanecer no emprego, sendo também uma forma de precarização do trabalho.
No Brasil as Secretarias de Gestão do Trabalho e de Educação em Saúde, tem dado vistas a
um Programa Nacional de Desprecarização do Trabalho no SUS, com intuito de definir
formas de reverter este quadro, por ser o termo precarização um tanto quanto amplo, este une-
se ao colocarmos um sentido de perdas, como nos vínculos precários relacionados aos
trabalhadores do SUS.
2.4 Trabalho em saúde.
Ao olhar e refletir o termo trabalho em saúde, é necessário como abordado
anteriormente o resgate histórico, visto que os movimentos implementados pelo homem,
contra ou a favor de sua contemporaneidade influenciam direta e indiretamente a
compreensão dos termos os quais empregamos na descrição da saúde, e do trabalho.
A saúde do homem, sua recuperação ou manutenção, envolvem um processo diverso,
que não a obtenção da saúde, mas para o trabalhador da saúde, a produção do cuidado.
Tangendo esta convicção, a definição de trabalho com enfoque na saúde, ou o trabalho na
saúde supera a intencionalidade, ou a busca da produção de coisas (bens/produtos) na
satisfação de necessidades, mas que na saúde ele realiza-se através do “trabalho vivo em ato”,
assim sendo, o trabalho humano no exato momento em que acontece ou é executado,
determinando a produção do cuidado (MERHY, 2006).
Na busca conceitual do tema, alguns autores trabalharam esta definição, e a forma
como o autor Emérson Elias Merhy (1997, 2002), trata o tema, ao aplicar a teoria marxista ao
campo do trabalho na saúde, através de uma recuperação das concepções de Marx sobre
trabalho vivo e trabalho morto, a fim de atribuir uma dimensão do trabalho vivo em ato na
saúde, e suas características.
78
Assim este autor ressalta e defende o trabalho em saúde, para uma realidade brasileira,
onde a saúde é um direito garantido, assim como em algumas outras sociedades, mas no caso
brasileiro promulgado pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei Orgânica da Saúde, Lei
8.080 de 19 de setembro de 1990 (BRASIL, 1990), deve estar pautada pelo ato de cuidar da
vida, em geral, e do outro, sendo este a essência da produção da saúde, o objeto central deste
trabalho sendo a necessidade de saúde dos usuários sejam coletivos ou individuais,
manifestados por ações de cuidado, e em último caso encarar as práticas de saúde como
produção e reprodução social da vida e a defesa da mesma.
Pode-se afirmar que nenhum trabalho é como outro, visto que a ação intencional do
trabalhador, de acordo com sua pretensão de produzir algo útil, difere nas formas de fazê-lo,
assim na saúde algumas técnicas são distintas, formas específicas de organização de seu
trabalho, a forma como os próprios trabalhadores da saúde organiza-se se difere, visto que seu
objeto é a produção de cuidado, não havendo aqui de forma nenhuma afirmar que o trabalho
na saúde não é comparável a outras formas de trabalhar, porém alguns conceitos devem ser
entendidos para posteriormente construirmos ao que pretendemos algumas considerações, a
respeito deste trabalho em particular.
O trabalho vivo em ato, é constituído de partes que encontram-se em momentos
diferentes e podem ser expressos ao relacionarmos alguns pontos do ato produtivo da saúde,
mas que pode ser exemplificado como na produção de um objeto, produzido por exemplo por
um sapateiro. As etapas perpassadas durante o ato de produzir um sapato, ou seja a
concretização intencional do trabalho do sapateiro, pode ser descrita por encontros, encontros
entre o trabalho vivo e trabalho morto.
O encontro do trabalhador sapateiro com algumas matérias primas, como por exemplo,
o couro, o prego, a borracha. Essas matérias primas são em sua forma mais genérica
resultados de trabalhos humanos já concretizados, visto que não se apresentam nestas
conformidades na natureza, e mesmo que brotassem em árvores, estariam passivas ao
movimento de colheita realizada pelo homem, ou seja, essas matérias primas agora dispostas
para a produção de um novo produto são resultado de um trabalho anterior, que era vivo,
porém quando apresentada como matéria-prima constitui um trabalho morto. Da mesma
forma podem-se considerar as ferramentas utilizadas pelo sapateiro, como um martelo, um
pincel, presentes no momento da fabricação do sapato, porém como resultado de trabalhos
anteriores, ou trabalho morto, não estará em ato (MERHY, 2002).
O saber do trabalhador, sua organização na forma de realizar seu trabalho, a produção
imaterial em sua mente do produto final, é algo complexo, e que se encontra com as matérias
79
primas e as ferramentas para a produção do sapato, ou seja, na organização do processo de
produção. Assim tendo a dimensão que saber e organização comportam-se diferentemente as
matérias primas e ferramentas, pois o trabalhador que realiza esta junção tem sua importância
neste processo, sua inteligência, sua capacidade de inventar, mediar, e intervir, é necessário
lembrar que há a junção dos trabalhos mortos executados anteriormente com o trabalho vivo
que se dá na execução do trabalho, o sapateiro realmente influencia atuando e pondo a seu
modo o saber e a organização, sendo representativo do trabalho vivo em ato (MERHY, 2002).
Na perspectiva a qual se pretende atingir é possível dizer que o trabalho no momento
que ocorre expressa de modo muito exclusivo o trabalho vivo em ato. Neste momento o
trabalhador age em seu ato produtivo com liberdade, e as relações entre trabalho vivo e
trabalho morto neste ato pode ser diferentes nos mais diversos processos de trabalho. Se
utilizarmos o exemplo de uma maquina produzindo em uma metalúrgica existe uma
manifestação muito maior do trabalho morto, comparado ao trabalho vivo empregado naquele
ato de conduzir a execução do trabalho, ou mesmo como quando um trabalho vivo, como na
produção de um ato de cuidar em saúde, supera a quantidade de trabalho morto empregado
para tal. Assim onde os trabalhadores produzem existe esta sobreposição de trabalho,
indiferente ao que se pretende produzir, seja na sociedade em geral, ou nos setores primário,
secundário e terciário de produção.
Segundo Merhy (2002), alguns pontos são chaves para o entendimento do trabalho em
saúde, dentre eles a compreensão da tecnologia em saúde utilizada na produção do cuidado.
Dessa forma o trabalho exemplificado pela ação do sapateiro antes de sua realização,
concretização em um ato produtivo, era produto já em sua mente, sabia exatamente aonde
queria chegar, intencionalmente utiliza-se de instrumentos para sua ação, o uso de um objeto
para produzir bens, dessa forma também é capaz de perceber a qual valor de uso quer chegar a
produzir, ou seja, esta intensão está carregada de uma intensão anterior à produção do objeto,
o trabalho vivo em ato atua, e os instrumentos e formas de organização deste processo como
trabalho morto.
Apesar de existirem outros processos produtivos onde o trabalho vivo em ato pode ser
enquadrado, o trabalho em saúde como o trabalho na educação centraliza-se permanentemente
neste tipo de trabalho. Pensando que o objeto do trabalho em saúde não configura-se como
duramente estruturado, ou mesmo as tecnologias ou saberes tecnológicos também, visto que a
cada encontro entre o trabalhador e seu objeto o homem que vai em busca do cuidado,
configuram-se encontros de subjetividades, as tecnologias utilizadas baseiam-se em relações,
80
que ultrapassam os saberes estruturados, existe uma liberdade na escolha do modo de fazer
esta produção, que grandemente significativo.
Dessa forma, para Merhy (2002), existe uma forma particular de classificar ou indicar
as tecnologias utilizadas no trabalho em saúde, e estas são assim denominadas leves, quando
as tecnologias abrangem as relações, ou algum tipo de produção de vinculo, acolhimento e até
mesmo a gestão como maneiras de governar os processos de trabalho. Existe ainda o uso de
tecnologias leve-duras, ou seja os saberes que estruturados operam os processos de trabalho
em saúde, como é o caso da clínica médica, a clínica psicanalítica, a epidemiologia, e por fim,
as tecnologias duras que tratam do uso de equipamentos tecnológicos, máquinas, normas, ou
estruturas organizacionais.
Observa-se então uma efetiva compreensão que de no trabalho em saúde, as
tecnologias leves, deveriam sobrepor-se as duras, ou leve-duras, porem os modelos
tecnológicos assistenciais da saúde, atuam numa tentativa de produção de bens/produtos,
imperando o trabalho morto frente ao trabalho vivo em ato, assim constituem-se alguns
modelos de atenção, que visam a produção do cuidado.
O trabalho vivo em ato na saúde para Merhy (2002) ocorre com a efetivação das
tecnologias leves, ao passo compreende o uso de relações “interseçoras”31
, sendo essas
relações o ponto chave final no encontro com o usuário, a necessidade de saúde como sua
intencionalidade, e que através dela pode arrecadar diferentes agentes em cena, no trabalho
em saúde para atingir seu interesse. Portanto neste encontro entre o usuário final e o trabalho
vivo em ato que as relações, ou tecnologias leves se expressam, moldando conforme a
intencionalidade a que se pretende o uso de práticas como o acolhimento e o vínculo, dentro
outros.
Dados os pontos relacionados e apresentados sobre o trabalho em saúde, ao momento
em que o trabalhador da saúde encontra-se com o usuário em processo de trabalho, que vise a
produção do ato de cuidar, existe a criação de um espaço, onde as relações “interseçoras”
sempre ocorreção, e existirá um espaço que sempre se firmará durante seus encontros, porém
só nos seus encontros e em ato. Diferentemente então de um trabalho fabril, que se relaciona
com o consumidor ao intermédio de um produto que este usará, sendo uma relação que pode-
se dizer ocorre entre a necessidade e a satisfação pelo objeto/produto.
31
Merhy utilizando-se de um sentido semelhante ao Deleuze no livro Conversações construiu um conceito para
designar as relações entre sujeitos, no espaço das suas interseções, pois acredita que é um produto que existe
para os dois em ato, e que não existe se o processo de relação no ocorre no momento dos encontros dos sujeitos,
assim ocorre a busca de novos processos, mesmo que um em relação ao outro, sendo esta grafia utilizada pelo
autor, e no texto colocada entre aspas (MERHY, 1997).
81
2.5 Processo de Trabalho em Saúde.
Partindo da aplicação da teoria marxista sobre o trabalho, com o devido enfoque na
saúde, partimos de seus conceitos para então resgatar a historicidade do termo processo de
trabalho na saúde, e a apresentação dos autores que neste campo são colaboradores para o
devido enfoque a que se pretende e assim demonstrar algumas particularidades para a
aplicação que conceito permite.
O conceito processo de trabalho partindo da análise de Marx (1986) pode ser
representado pela imagem que ele utiliza e é clássica e conhecida “ [...] o que distingue o pior
arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transforma-la em
realidade.” (MARX, 1986, p. 202). Ou seja, partindo do pressuposto que o trabalho é um
processo entre homem e natureza, no qual o homem atua sobre a natureza transformando-a a
um fim determinado, ele também transforma-se, e utiliza-se de suas forças para imprimir
sobre a matéria na qual trabalha uma forma, um ideal, algo que projetou anteriormente ao seu
trabalho sobre a natureza, ele assim atribui significações a seu trabalho, e isso o difere do
animal, no caso da abelha, por essa ser incapaz de faze-lo nesta configuração, e para ela
sendo um ato instintivo e sem planejamento prévio.
Continuando, Marx (1986) a este processo de trabalho, atribui três aspectos
fundamentais e que permitem a análise e construção de categorias que podem permitir
abstrações teóricas, que auxiliam a compreender a realidade sob alguns aspectos, no caso as
práticas em saúde. Primeiramente que no processo de trabalho, a atividade adequada para um
fim existe, é portanto o trabalho propriamente dito, segundo que seu objeto de trabalho, é o
material, a matéria na qual emprega sua intensão, e por fim compõe o processo de trabalho os
instrumentos ou meios para faze-lo.
Buscando a gênese do conceito processo de trabalho em saúde, temos como precursor
os estudos elaborados por Maria Cecília Ferro Donnangelo, com início na década de 1960,
abordando a profissão médica, o mercado de trabalho em saúde, utilizando-se de referenciais
sociológicos, permitindo uma visão das relações entre médicos, usuários e demais
profissionais como um conjunto que não separa da vida social, seus estudos enfocando o
Sistema Único de Saúde (SUS), permitiu que esta elaborasse ainda conceitos como força de
trabalho em saúde e processo de trabalho em saúde. Estes estudos foram aprofundados por
Ricardo Bruno Mendes Gonçalves, que utiliza-se tanto da influencia de Donnangelo, como
82
dos estudos de Marx para analisar o processo de trabalho médico mais precisamente
(PEDUZZI; SCHRAIBER, 2006).
Segundo Gonçalves (1992), os componentes do processo de trabalho em saúde por ele
analisados, o objeto do trabalho, os instrumentos, a finalidade e os agentes, não devem ser
examinados nunca de forma separada, mas articulando-se, pois possuem relação, e esta
relação é entremeada de aspectos deste processo de trabalho específico da saúde, visto que o
objeto passa a ser não a matéria em seu estado natural, mais as necessidades humanas de
saúde, e é neste objeto que o trabalhador da saúde atua, dessa forma também contém também
o produto resultante do trabalho, porém a visão da finalidade do trabalho só se constitui a
partir do trabalho que o sujeito delimita. E ainda que os instrumentos de trabalho para este
autor são materiais e não-materiais, considerando os primeiros materiais de consumo,
medicamentos entre outros, e o segundo como os saberes, que a arranjados e articulados estão
entre os sujeitos do processo, sendo a inteligência um aspecto primordial deste trabalho. Por
fim acredita que existe uma dinâmica no processo de trabalho em saúde, onde o objeto, o
trabalho e a atividade articulam-se indissociavelmente.
Conceituar então processo de trabalho em saúde, é precisamente levar em
consideração as práticas do cotidiano dos trabalhadores e profissionais deste setor que estão
presentes na produção e consumo dos serviços de saúde. É possível ainda observar que a
construção deste conceito partiu do estudo sobre o modelo médico, porém permitiram o
avanço deste conceito por outros autores de áreas da saúde distintamente, onde consideramos
como grande ícone na área da enfermagem as construções a cerca destes conceitos por Maria
Cecília Puntel de Almeida, a partir de sua tese de doutoramento em 1984 (MISHIMA et al,
2009), com estudos e contribuições para esta abordagem.
As contribuições dos autores acima citados para a construção deste conceito recebem
ainda a análise de Emerson Elias Merhy (2002), que conforme abordado na construção do
conceito de trabalho em saúde citado na seção anterior deste trabalho, este autor partindo das
contribuições de Gonçalves, e dos estudos sobre o trabalho vivo em ato, e os conceitos de
trabalho vivo e morto de Marx, porém suas contribuições sobre o processo de trabalho em
saúde permeiam a utilização do que ele chama jogo de necessidades, e a intersecção entre as
tecnologias empregadas, por ele caracterizadas como leves, leve-duras, e pesadas, abordada
na seção anterior deste trabalho.
Segundo Merhy (2002), a exemplificação do processo de trabalho em saúde se dá com
o encontro entre o agente que produz o cuidado, com as ferramentas (sendo as tecnologias
sejam leves, leve-duras ou duras) e o agente consumidor do cuidado, porém este faz parte do
83
objeto de ação do produtor do cuidado, sem deixar de ser um agente, em ato, que coloca as
intencionalidades, representações, como o modo de elaborar e sentir as suas necessidades em
saúde, para o momento em que se executa o trabalho em saúde, ou seja o ato cuidador.
Este autor entende que a busca pela realização do ato de cuidar é a finalidade do
processo do trabalho em saúde, por tanto a saúde constitui-se um valor de uso para o usuário,
visto que através dela e pode viver, e aproveitar e elaborar seu mundo conforme suas
representações, não sendo este um processo distinto entre os envolvidos no cuidado, e mais
que estas manifestações do processo só ocorrem durante o efetivo encontro entre os agentes
deste trabalho (MERHY, 2002).
Segundo Peduzzi e Schraiber (2006), o conceito aplicado a atualidade de processo de
trabalho em saúde, representa uma importante abordagem teórica e conceitual, no sentido das
contribuições acerca de questões sobre recursos humanos em saúde, visto questões novas
estabelecidas a partir de novas formas de trabalho flexível e/ou informal partindo da década
de 90, onde o estado utiliza-se de mecanismos institucionais para gerir o trabalho em saúde, e
questões sobre a integralidade e autonomia dos sujeitos, sendo o cuidado o foco central de
novas discussões do processo de trabalho.
As questões mais atuais sobre processo de trabalho em saúde partem de abordagens
das mudanças ocorridas no mundo do trabalho a partir da reestruturação produtiva, e as
repercussões no setor da saúde, com utilização cada vez mais massificada de tecnologias,
desemprego estrutural e precarização do trabalho, que ocorrem tanto no setor da saúde, como
mundo do trabalho em geral.
2.6 Divisão técnica do trabalho em saúde.
Para a construção deste trabalho é imprescindível a abordagem da divisão técnica do
trabalho em saúde, a fim de permitir reflexões acerca do modelo hegemônico do trabalho em
saúde, partindo então da discussão da origem desta categoria com uma abordagem marxista,
para então entender a organização do trabalho em saúde, visto a luz de análises sociológicas e
assim permitir tecer diferenças ou semelhanças entre o trabalho profissional, seja na produção
artesanal, ou na divisão do trabalho do modo de produção capitalista.
A divisão do trabalho precisa ser entendida como uma característica da organização
utilizada no trabalho, e que desta forma assim como o próprio trabalho sofreu e sofre
84
influencias dos inúmeros momentos históricos, a conformação da divisão do trabalho está em
continuo movimento de mudança segundo o modo de produção típico de cada sociedade,
assim os homens definem socialmente as formas como fazem sua relação de produzir e
reproduzir a vida social através da natureza.
Aqui partimos do termo divisão social do trabalho para enfim adequarmos o mesmo a
divisão que ocorre no setor da saúde, partindo da alcunha de Marx (1982), e as contribuições
de Braverman (1981). Esta divisão é necessária para que a vida possa ser reproduzida através
do trabalho, sendo uma divisão de atividades produtivas ou ramos de atividades.
Para Marx e Engels (1986) e Braverman (1981) desde que o homem começa a buscar
seu alimento e sua vida social desenvolve-se, a divisão ocorre ocasionalmente na sociedade
comunal, posteriormente especializa-se em atividades e forma ofícios na sociedade feudal e
por fim no modo de produção capitalista divide-se em parcelar ou pormenorizada. Sendo
imprescindível destacar que a partir do capitalismo industrial e financeiro, esta lógica de
organizar o trabalho adentra os escritórios, o comércio, os setores de serviço, entre eles a
saúde, dando asas ao desenvolvimento da gerencia, como forma de coordenar o
desenvolvimento deste trabalho coletivo.
O termo divisão técnica do trabalho em saúde, remete as características da divisão
social do trabalho, porém que ocorre na organização do processo para a produção do cuidado,
e que pode ser prestado por diversos profissionais, que tem nessa forma de organização do
trabalho coletivo na saúde a fragmentação do cuidado, onde ocorre a separação da execução e
da concepção, a utilização de padrões duros de tarefas atribuídas e governadas, onde o
cuidador cumpre tarefas, e não mais entende o processo de trabalho nem tem o seu controle,
ressaltando a existência de hierarquização das atividades do cuidado, principalmente no que
refere-se a remuneração destes trabalhadores (PIRES, 2006).
Ainda segundo Pires (1998) existem tensões nesta divisão técnica do trabalho em
saúde, ditadas principalmente por uma hierarquia de trabalhos e saberes, que adicionalmente
manifestam-se em relação as diferenças entre o custo da força de trabalho na saúde,
manifestando-se ainda através de conflitos implícitos ou explícitos no cuidado em saúde.
Apesar da existência de normas institucionais que estabelecem os papéis que cada grupo
profissional desenvolve e a coordenação deste trabalho coletivo, os médicos permanecem
protagonistas nas relações. Pode-se então afirmar na prática profissional que apesar dos
sujeitos terem certa autonomia na execução e julgamento da tomada de decisão diante do
usuário em saúde, certa separação entre as ações de saúde ocorre, e perde-se o controle da
totalidade do processo de cuidar.
85
Dentro das diversas formas que o ato de assistência em saúde pode ocorrer, este pode
se dar de uma forma direta entre profissional da saúde e cliente, como um trabalho
profissional, ou seja um trabalho especializado, reconhecido de forma social, para atender
alguma necessidade, que podemos dizer aproxima-se de alguma forma do trabalho artesanal
da Idade Média, na Europa, ou seja, desenvolvido por um trabalhador que tinha o controle de
seu processo de trabalho, pois utilizava seus instrumentos, e controlava o ritmo e produção de
um produto fruto do seu trabalho (MARX, 1982). Porém o fato de existirem atos de saúde
distribuidos em diversos campos, e com diversas complexidades, tanto em instituições
públicas, ou privadas e em espaços institucionalizados como o hospital ou não, permite
observar características de um trabalho que é coletivo, e dessa forma apresenta uma divisão
técnica ou parcelar de seu trabalho.
A forma com os profissionais da saúde executam esta divisão do trabalho, neste
sentido é semelhante à divisão social do trabalho, ou seja, os profissionais através de grupos
de trabalhadores especializados, desenvolvem ações que visam a produção do cuidado, estes
possuem um saber e/ou técnicas que são próprias, e prestam o cuidado a um indivíduo ou
mesmo a uma população a fim de promover a saúde ou buscar a recuperação, ou mesmo
prevenir o aparecimento da doença, assim executam tarefas que partem desde da investigação,
prevenção, cuidado, conforto, reabilitação ou cura. A equipe de saúde trabalhando como
trabalho coletivo em saúde, estreita-se a divisão técnica do trabalho, quando o domínio do
processo de trabalho como um todo não mais pertence a cada profissional, ou seja, o objeto de
trabalho passar a estar distante, bem como a finalidade do seu trabalho perde-se, e estes
subordinam-se a ações e decisões gerenciais, ao perder o controle do processo de trabalho de
produção do cuidado, mais ocorre a divisão social do trabalho, logo a divisão técnica se
aproxima (PIRES, 2006).
Na enfermagem, e outras profissões da área da saúde, que aqui podemos citar a
fisioterapia, a nutrição, algumas atividades da odontologia, existe ainda trabalhadores que se
diferem por grau de escolaridade. O profissional que possui nível superior concebe o trabalho
e o coordena, parcelando e delegando as atividades ao grupo. Pode-se ainda identificar na
enfermagem como exemplo, que a divisão técnica do trabalho, ou mesmo conhecida como
‘organização científica do trabalho’, como uma fragmentação taylorista, onde evidencia-se em
maior ou menor grau, quando o foco do trabalho é a realização de tarefas pormenorizadas,
distanciando o cuidador do controle do seu processo de trabalho, diminuindo a autonomia, e
proporcionando poucos espaços para atividades criativas, e tomada de decisão sobre o
cuidado. Sendo o enfermeiro, o gerenciador desta assistência, ele concebe e gerencia o
86
processo de cuidar, delegando aos demais trabalhadores, técnicos de enfermagem, ou
auxiliares de enfermagem, assim denominados a execução de tarefas (PIRES; GELBCKE;
MATOS, 2004).
Por fim pode-se ressaltar que este modelo taylorista não é o único empregado, o
‘modelo dos cuidados integrais’, através da prescrição de enfermagem, e médica os
trabalhadores da equipe de enfermagem, podem prestar assistência, incluindo diversos
cuidados ao sujeito, ocorrendo uma aproximação do trabalhador novamente com seu processo
de trabalho, e assim permitindo que este relacione-se criativamente e de forma mais
humanizada com o usuário que está necessitando de assistência, melhorando a forma com que
o profissional enxerga e relaciona-se diretamente, permitindo observar as reações individuais
do seu objeto de trabalho (PIRES, 1998).
Tendo em vista que o papel gerenciador do enfermeiro na equipe de saúde continua,
podemos inferir que este segundo modelo de gerenciamento do processo de trabalho, afasta-se
da divisão técnica do trabalho permitindo novamente a visão do objeto de trabalho desde a
concepção do ato do cuidado, até o momento do restabelecimento da saúde do indivíduo.
Para Braverman (1981) o conceito chave da gerencia é o controle, que se dá sobre as
atividades dos trabalhadores, que necessitam cumprir e atingir os objetivos impostos pela
empresa. Dessa forma a saúde também organiza-se dentro dos serviços na sociedade
capitalista, sob os princípios de gerência científica, onde em um mesmo espaço institucional,
seja ele o hospital, ou serviços de ambulatório, várias especializações decorrentes do número
de profissionais, e a divisão pormenorizada do trabalho acontece, ou seja o ato de cuidar da
saúde parcela-se, e é disputado por diversos profissionais, que são controlados pela poder de
decisão de um único trabalhador, que determina a terapêutica e o processo de trabalho, ou seja
o médico.
2.7 O modelo hegemônico médico na saúde.
Abordar o modelo médico na saúde permite em certo grau tecer algumas reflexões,
na forma que os protagonistas da saúde organizam-se e produzem o cuidado, e como este
processo vem construindo e reconstruindo o trabalho na saúde. Forças produtivas sempre
influenciaram o modo de produzir a saúde, estas forças poderosas engendram-se em uma luta
ou pode-se dizer um jogo, que por vezes pode tornar-se tenso dentro cena da saúde, fato este
87
que não exclui o campo de ação do cuidado como cenário social, com muitas possibilidades
de encontros, entre usuários e serviços, onde o saber, o fazer, e o cotidiano do cuidado
ocorrem, permitindo sua riqueza e potência, vislumbrada através da abordagem do tema
saúde, com um enfoque econômico.
O termo hegemônico, ligado ao modelo médico tecnoassitencial, está empregado no
sentido trabalhado por Gramsci (1991), onde este tem um sentido de dominação, que não é
único existente, porém como está ligado a um poder político e ideológico, de uma classe
dominante, esta o emprega como verdade única, e o dissemina á totalidade de classes e grupos
sociais, ou seja é passada pelos grupos que estão no poder. Assim esta definição atrelada ao
modelo tecnoassistencial médico centrado, se constitui e consolida-se no decorrer do século
XX, por uma série de fatos apresentados a seguir, e decorrentes da divisão dos saberes e do
trabalho em saúde.
O modelo de clínica centrado no corpo anátomo-fisiológico, que reorientou a
educação médica sob a centralidade de pesquisas biológicas, deu-se a partir de um relatório
avaliativo das escolas de medicina nos Estados Unidos, feito pelo médico Abrahan Flexner,
em 1910. Este relatório tornou-se uma forte referencia tanto para o ensino da medicina nos
Estados Unidos, bem como para o mundo o que deveria ser o processo de trabalho na saúde,
ou seja o cuidado ao corpo deveria estar rigidamente restrito a intervenção competente do
mesmo, e a ideia de excelência passou a estar atrelada ao mito de um profissional auto-
suficiente (PIRES, 1989).
O trabalho médico então à partir deste relatório, sumarizou-se no olhar restrito ao
corpo doente, a prescrição de soluções, e esta forma de ensino desenvolveu-se no início do
século XX. Para Pires (1989), que abordou o tema da hegemonia médica na saúde, sob uma
realidade brasileira, sem deixar de destacar a historicidade da saúde pelo mundo, o que
realmente mudou em relação à assistência em saúde durante o século XIX, foi a
institucionalização da medicina e seu reconhecimento enquanto profissão ocorrida a partir da
chegada da corte portuguesa ao país, e que trouxe diversas transformações, como apresentado
no capítulo anterior.
O saber médico passa de uma concepção hegemônica metafísica, para o cunho
positivista que é introduzido no país, com ênfase na pesquisa experimental, porém ressalta
que o fato do pensamento positivista centrado na ideologia da neutralidade científica, trouxe
consigo o autoritarismo de um saber hegemônico médico centrado. Ainda segundo Pires
(1989) a racionalidade imposta, permitiu ganhos ao capital através da divisão social do
trabalho, conferindo mais produção e mais lucro ao capital. No Brasil a medicina assim como
88
outras profissões institucionaliza-se a partir do século XIX, ou seja as práticas de saúde
exercidas naquele período foram absorvidas e incorporadas pelas instituições governamentais
de ensino, ou por aquelas que definiam as práticas de saúde.
No Brasil do século XIX, os trabalhadores da saúde devidamente reconhecidos
socialmente eram os cirurgiões e físicos, que atuavam de modo independente, estes foram
absorvidos e integrados pelo Estado, que somente reconhecia sua legitimidade se atrelada a
uma legalidade, ou licenças especiais concedidas por ele, assim a medicina torna-se
hegemônica ao institucionalizar-se com a alcunha do Estado, e à população coube a
imposição de seu saber e sua prática, sendo que somente aos médicos formados era
reconhecido o poder de curar (PIRES, 1989).
Desta forma este saber hegemônico, adentra os vários setores sociais, define
estratégias de saúde, persegue e proíbe práticas consideradas não reconhecidas, e como
charlatões quem as pratica, a medicina legal ganha seu peso, os processos criminais passam a
necessitar de médicos que atestassem ou não a presença de um crime, tudo isso sacramentado
pela legislação.
Para Pires (1989) a medicina aqui implantada tem como principais características a
absorção das práticas de saúde e a identificação dos médicos como classe dominante em
diversos momentos históricos, que ocorreram pela produção de um discurso de saber,
tecnologia e status quo mantido pela ordem social estabelecida.
Segundo Merhy (1997), os efeitos que decorrem da hegemonia médica, ligados ao
relatório de Flexner, apresentam raízes mais profundas, atrelados à reforma do ensino,
fundamentando-se principalmente pela expansão do ensino da clínica, em especial dentro dos
hospitais, enfatizando a pesquisa biológica, ocorrendo um estimulo a especialização, bem
como o incremento e avanço no período pós-guerra das tecnologias e equipamentos, que de
certa forma apareceram para o usuário e trabalhador da saúde, como essenciais e fascinantes.
Quanto as tecnologias pode-se afirmar que apesar de trazerem um avanço como a
rapidez e precisão de diagnósticos, desencadeou a ilusão de que, sua presença maciça
significa qualidade de serviços, o que remete a uma exacerbação do uso e culto a presença
delas nos serviços de saúde, invertendo o foco do processo de trabalho, que para Merhy
(2002), a produção do cuidado com o trabalho vivo em ato, e o uso de tecnologias leves sendo
substituídas por tecnologias duras, como já detalhado anteriormente. Sendo que pode-se citar
três efeitos em relação ao processo de trabalho na saúde, primeiramente as tecnologias duras
passam a ser o centro do cuidado, segundo ocorre uma redução na eficácia e resolutividade
das questões de saúde, devido à simplificação dos problemas e por fim os altos custos
89
relacionados aos recursos utilizados, importante destacar ainda que as medicações colocadas
pela indústria farmacêutica, tornam-se verdadeiros itens salvadores da saúde da população.
Todos os fatores apontados acima corroboram com a lógica de acumulação
capitalista, essa se dá com a o alto consumo de tecnologia, ou seja, centra-se na produção de
exames, consultas e medicalização, dando ao usuário a falsa impressão de qualidade da
assistência prestada. Porém cabe colocar que com a crise estrutural sofrida pelo capitalismo
na década de 70, os países que haviam assumido a saúde como responsabilidade estatal,
devido à recessão advinda da crise, teve como resposta imediata a inclusão dos serviços de
saúde nas políticas de austeridade e redução de gastos, onde o prejudicado final é o usuário
(PIRES, 1989).
No Brasil as medidas de redução de gastos, utilizaram-se da epidemiologia e da
territorialização como forma de reduzir os custos, o processo de trabalho seja público ou
privado na saúde, cada setor opera sua parcela de trabalho na linha de produção do cuidado.
As operadoras de saúde, tem como ponto chave a atenção gerenciada, a fim de promover uma
reorganização do processo de trabalho, com controle de atos clínicos do médico, operando
segundo o custo/efetividade, e deixando de lado a preocupação com a produção do cuidado.
Permanecendo então a lógica capitalista de acordo com o mercado e seus interesses e o
critério administrativo sobrepõe-se ao cuidado ao usuário (MERHY, 2002).
A hegemonia do médico no processo de trabalho na saúde, pode estar alicerçada seja
na sociedade brasileira ou mundialmente, por algo que supera a história dessa profissão, e a
coloca em um contexto de interesse de classes dominantes, sobre uma múltipla determinação,
a apropriação do saber de diversos profissionais do cuidado pela medicina, atrelado a atos
administrativos e legislativos em cada época colaboraram para o modelo que percebe-se hoje
e como visto anteriormente, falho no que tange a produção do ato de cuidar de um indivíduo
multidisciplinar, multifatorial e ao mesmo tempo integral, porém este poder hegemônico
exercido por esta categoria molda-se aos interesses econômicos hegemônicos, e assim a
manutenção desta hegemonia médica é mantida pelo Estado.
90
CAPÍTULO 3 – O CUIDAR EM ENFERMAGEM: CONCEPÇÕES NO ÍNICIO DA
GRADUAÇÃO
No intuito de tecer relações entre as concepções do significado do trabalho na
enfermagem, mas não somente no que diz respeito ao significado do trabalho em si, e sim
através da congregação entre o que é trabalhar na saúde, e a forma como esta concepção pode
refletir-se no fazer e no ser enfermeiro, foi que optamos por uma abordagem quanto ao
significado que a escolha por um curso universitário, na área da saúde tem. Suas dimensões
enquanto profissão perpassam por etapas constituídas desde uma concepção socialmente
construída, que atravessa a história, e que se modifica como abordada no primeiro capítulo
deste trabalho.
As alterações ocorridas na enfermagem como profissão, apesar de serem marcantes
ainda estão presentes nas falas dos discentes que optaram pelo curso, no que diz respeito ao
cuidado com caráter caritativo/vocacional como tentaremos demonstrar através dos relatos de
nossos atores.
A enfermagem tem como seu objeto de trabalho o cuidado, este carrega uma gama de
significados, que tem suas origens desde que o homem, em sua gênese se constitui, é então
delineado pela história, pela sociedade, mas principalmente pela forma que se pretende
chegar, ou seja, a recuperação da saúde, através do cuidado, seja ele sob a forma de uma
intervenção, uma terapêutica, ou de ações promoção e prevenção de agravos que o façam ser
alcançado.
Para Pinheiro (2006), o cuidado ocorre na vida cotidiana como um modo de fazer, ou
seja, caracteriza-se por ‘atenção’, ‘responsabilidade’, ‘zelo’ e ‘desvelo’, que se tem por
pessoas ou mesmo coisas, nos diferentes contextos históricos e locais onde ocorre a sua
realização. A produção do cuidado por tanto exerce efeitos tem repercussões na vida do
individuo e transforma a sua experiência enquanto ser humano.
O ato de cuidar é a essência dos serviços de saúde, sendo assim para Merhy (2007, p.
117): “[...] no campo da saúde objeto não é a cura, ou a promoção e proteção da saúde, mas a
produção do cuidado, por meio do qual se crê que se poderá atingir a cura e a saúde, que são
de fato os objetivos a que se quer chegar.” Porém na vida real os serviços de saúde
dependendo do modelo de atenção que é utilizado, nem sempre produzem cuidado, seja ele
coletivo ou individual para o usuário dos serviços de saúde, o que produz são ações curativas
91
que nem sempre culminam com a produção do cuidado e alcance da cura, como podemos
dizer que nas experiências advindas da profissão é possível visualizar este paradigma
cotidianamente.
Desta forma para estes discentes ingressantes as concepções que carregam para a
escolha deste curso universitário, são tanto quanto contraditórias a realidade imposta, e que
em alguma medida permanecem até o momento em que estes se confrontam com a realidade
do sistema de saúde, durante as aulas práticas e os estágios de conclusão do curso. Ao ponto
que a desconstrução desta concepção é dura e ceifadora do ideal primário que os incutiu a
decidir por esta profissão, da mesma forma como as demais profissões, sob a égide capitalista
de acumulação de mercadorias, no caso da saúde de atos cuidadores.
Portanto observamos que os discentes iniciantes deste curso, são jovens com idades
entre 18 anos recém-completos, tendo somente uma ingressante com idade superior a trinta
anos, a maioria do sexo feminino, solteiros e sem filhos, sendo que de uma forma distante, e
entendendo que esses dados não trazem o perfil destes alunos, é possível perceber que
encontram-se dentro do que a literatura apresenta, como no estudo de Spindola, Martins e
Francisco (2008), sobre o perfil dos estudantes que optam pelo curso de enfermagem, em uma
instituição pública e uma privada. Neste estudo constatou-se que os estudantes da instituição
pública e privada eram em sua maioria jovens, do sexo feminino e sem filhos.
Porém outro dado deste estudo ainda que de caráter quantitativo possa ser discutido e
colocado de forma semelhante a este trabalho no que diz respeito a um fato interessante.
Quando comparados os alunos da instituição particular e da instituição pública algo que é
contraditório foram os motivos apontados para a escolha do curso, o mercado em expansão, a
oportunidade de uma remuneração melhor são os principais atrativos para o aluno da
instituição particular, que juntamente a isso são os que trabalham durante a graduação, na
instituição pública percebeu-se que não existe um conhecimento prévio dos alunos quanto ao
trabalho, ao campo de atuação do enfermeiro, sendo que estes ainda associaram sua escolha
principalmente a uma imagem do profissional que ajuda as pessoas, mais próximos de uma
visão de solicitude e assistencialismo (SPINDOLA; MARTINS; FRANCISCO, 2008).
Assim por esta realidade imposta pelo modo de produção capitalista, a qualificação
para o trabalho não é uma opção, e sim um modo de subsistência, visto a adequação
necessária à lógica de mercado, alta qualificação, escassos empregos bem remunerados e alta
competitividade. Estes apontamentos iniciam esta seção, sobre as concepções dos alunos
ingressantes do curso de graduação em enfermagem, tecendo considerações acerca do cuidado
92
como objeto da enfermagem, suas conexões com o passado desta profissão e logo, seu reflexo
na atual conjuntura do trabalho na saúde.
3.1 “EU SEMPRE GOSTEI DE AJUDAR OS OUTROS” – o cuidado como objeto de
trabalho da enfermagem.
Iniciamos essa sessão assim intitulada, visto a semelhança percebida pelos discentes
iniciantes do curso de graduação em enfermagem, com a ideia de ajuda como sinônimo de
cuidado. E o cuidado como objeto do trabalho da enfermagem de muitas formas está distante
de uma concepção de ajuda, porém evidenciada nas falas destes discentes, sendo assim é
preciso abordar de uma forma mais profunda a origem dessas concepções, no que diz respeito
à história da produção do cuidado e como esse, objeto do trabalho dessa profissão é
organizado no modo capitalista de produção, sendo necessário aqui tecer uma discussão que
englobe a enfermagem como profissão submetida a este sistema, de consumo e produção de
mercadorias.
Quando então indagamos os discentes que acabaram de ingressar no curso
universitário, sobre o porquê de sua escolha, observamos que este a remete a uma afinidade,
ou apreço, ou mesmo vocação pelo cuidado ao outro. Como observado nos seguintes relatos:
Hum a Enfermagem, por que... a enfermagem pra mim é assim desde quando eu me
conheço eu gosto de tá assim mexendo com gente com doente, assim, sempre com
pessoas com problemas de saúde, é assim que [...] sem entender né, mas assim
sempre no que eu podia ajudar, tipo tá levando, trazendo, cuidando[...] D.I. 01
Ah, eu acho com a enfermagem, ah, eu sempre fui apaixonado pela área da saúde,
eu sempre, porque é uma coisa muito, ah, como é que eu vou falar, que as pessoas
tem que se dar, se dar muito pra fazer, você vai tá cuidando de pessoas, vai tá
lidando com vidas e eu sempre achei isso muito bonito, e sempre me chamou
atenção[...] D.I. 02
É possível visualizar através dos relatos dos alunos ingressantes, uma tendência a
evidenciar o cunho caritativo, e até mesmo vocacional pela escolha da profissão, onde o
ajudar é tido como sinônimo de cuidar, assim como afirma Rodrigues (2001), em seu estudo
sobre o modelo vocacional/religioso da profissão enfermagem, este evidenciou através de
entrevistas com discentes ingressantes na graduação em enfermagem, que a maioria dos
entrevistados caracteriza sua escolha profissional como um ato de ajuda, como forma de
93
satisfação de uma necessidade pessoal em satisfazer o outro. Desta forma os relatos acima
apresentados tem manifestação similar ao trabalho deste autor.
Se observarmos a história da humanidade, a construção da enfermagem, e do cuidado
como seu objeto de trabalho, situamos a história da enfermagem em períodos antes, durante e
após a Idade Média, onde a principio o ato de cuidar era entendido como função doméstica, e
que somente as pessoas com mais posses eram cuidadas, e este cuidado era realizado por
escravos. Porém com o cristianismo e o Poder da Igreja sobre a sociedade a concepção de
saúde e doença modificou-se, tendo um caráter religioso, a mística deste período estava em
cuidar como sendo ato de salvação, transcendendo a existência terrestre, e a doença como
castigo divino, sendo assim neste período os religiosos é que executavam este trabalho de
cuidar.
O poder da Igreja assim cumpria seu papel contribuindo com o modo de produção da
época, ou seja, os detentores dos meios de produção não tinham interesses divergentes visto
que contribuíam para a subsistência desta mesma Igreja, sustentada pela classe trabalhadora.
Sofrer através de um trabalho árduo era divino, porém não era questionável o alto clero,
mesmo com uma população faminta e doente.
As marcas deste período estão impregnadas na humanidade, e não diferentemente na
enfermagem, e estas marcas ainda perduram, na concepção de enfermeiros e dos alunos,
porém não tão evidentemente de ação pela salvação da alma, mas pelos preceitos de crença ao
cristianismo, percebemos também como este se confunde com caridade, como
exemplificamos a seguir:
[...] o pouco que agente ouve falar, e fui gostando, sabe, comecei a achar uma
profissão muito bonita, que lida com o cuidado, sabe, você tá sempre ali com o
paciente, toda a atenção [...] E eu gosto disso, sabe, de tá me preocupando com as
pessoas, de tá assim esse apego sabe, e daí eu, peguei e decidi, não eu agora, como
decidi que eu quero fazer enfermagem, resolvi fazer [...] D.I. 04
Ainda para este discente reforça em seu depoimento como entende o cuidado e a sua
escolha profissional na fala a seguir:
[...] algo assim, unir a cura, assim, o cuidado com a evangelização, né. [...] que eu
quero fazer enfermagem, acho uma profissão muito bonita, e eu quero tá ali sempre
cuidando e evangelizando os meus pacientes [...] D.I. 04
Partimos para uma reflexão, das falas até aqui apresentadas sobre o porquê da escolha
por esta profissão, e podemos observar que o que é concebido como sendo a profissão é
94
diferente da realidade do sistema que esta profissão está inserida, mas principalmente é
possível perceber que a raiz da construção histórica desta profissão ainda está próxima do era
concebida desde os primórdios da humanidade. Se levarmos em conta que os discentes que
apresentaram as falas acima, reproduzem o que é socialmente instituído como sendo a
enfermagem, e que ela não está desvencilhada do cunho caritativo ou mesmo vocacional, aos
olhos da sociedade.
O modelo religioso sofreu alterações na transição entre Feudalismo e Capitalismo, esta
mudança se deu principalmente no que diz respeito ao hospital como lugar de produção do
cuidado, e não somente de espera pela morte, tornando-se este um lugar de cura, atendendo a
este novo modo de produção. No capitalismo então este modelo religioso é substituído pelo
vocacional, com a introdução de pessoas leigas, no cuidado, então a partir desse ponto a
enfermagem se organiza como enfermagem moderna com Florence Nightingale, como
apontado no primeiro capítulo desta dissertação (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS,
2011).
Mas o que aqui é imprescindível discutirmos é como esta forma de perceber o
momento da enfermagem atual, por esses discentes, é distante do que o trabalhador
enfermeiro está submetido na atualidade, ou seja, este precisa vender seu trabalho como
mercadoria.
Segundo Cunha (1994), que procurou discutir em sua tese de doutoramento o contexto
e a motivação de enfermeiros sobre seu trabalho, percebeu em suas falas que estes estavam
carregados de valorização do cuidado como ajuda, da necessidade de dedicação, corroborando
com os estudos de Rodrigues (2001), porém esta autora reflete de forma pontual valores e as
motivações do processo de trabalho. Assim para Cunha (1994) o mercado capitalista como
realidade determinada, se contrapõe aos relatos de motivação baseados em sentimentos
idealizados da profissão de enfermagem. Pois considera difícil manter esta motivação quando
o paciente a ser ajudado, precisa de uma assistência integral, e ao mesmo tempo o enfermeiro
precisa sentir-se útil, valorizado e recompensado, não cabendo estes valores frente às
condições de trabalho desumanas, onde a prioridade são as finalidades que não estão imbuídas
de ajuda, ou solidariedade, mas sim para atenção das necessidades de mercado.
Assim ainda para Merhy (2007), os modos de produção influenciam diretamente os
modelos de saúde presentes, onde o ato cuidador fica a margem da obtenção do lucro através
das atividades de saúde, atendendo a uma lógica de mercado, com a produção de mercadorias,
entendidas como os atos de saúde, simplificando os problemas de saúde do indivíduo, a uma
95
doença quase que isolada de um contexto, assim o usuário desprotegido e pouco atendido
encontra-se neste universo de acumulação capitalista.
Podemos perceber mais traços destas concepções do cuidado na seguinte fala:
[...] Bom assim, gostar realmente de ajudar as pessoas, sempre gostei, sentia bem
quando eu fazia isso né, tanto em casa quanto fora, ajudar em todos os sentidos, na
hora de cuidar da saúde, na hora de dá uma opinião, na hora de dá uma ajuda
qualquer, né, sempre gostei, no meio da rua, em casa, com os meus vizinhos, todo
mundo, na igreja, e tipo assim e na saúde também, em casa as pessoas as vezes,
tinham medo né [...] D.I. 03
No decorrer da história da enfermagem e pensando nas protagonistas desta profissão,
utilizarei da reflexão de Nelson (2011, p. 223):
No século XIX, milhares de mulheres, na Europa, sentiram-se chamadas por Deus a
cuidar dos enfermos. Nas ordens de irmandades de enfermagem que proliferaram
naquela época, as mulheres realizaram coisas notáveis em nome de Deus: viajaram
pelo mundo e estabeleceram comunidades compostas por mulheres imigrantes e
locais, construíram e administraram grandes hospitais – até redes de hospitais – e
construíram escolas, orfanatos e outras importantes instituições sociais para os
pobres. Algumas vezes estas mulheres funcionaram com grande autonomia,
distantes dos bispos ou outras autoridades da Igreja. Outras vezes, elas entravam em
conflito direto com os homens da Igreja e com as irmãs, que tentava seguir aquilo
que acreditavam ser a sua missão na terra. Estas mulheres não eram simples
enfermeiras mansas e humildes devotas a Deus, mas construtoras dinâmicas que
criaram instituições sociais e de saúde, em alianças com governos municipais,
estaduais ou federais. Muitas vezes firmaram parcerias que não agradavam a Igreja
Católica, trabalhando com líderes das comunidades Judaicas ou Protestantes para
poder construir hospitais e prover cuidados para os pobres. Ao mesmo tempo,
administraram hospitais privados muito bons para que pudessem ganhar o dinheiro
necessário para sustentar seu trabalho com os pobres. Em outras palavras, eram
mulheres formidáveis e capazes, que transformaram suas comunidades – mas apesar
das suas conquistas, permaneceram invisíveis aos outros à sua volta, com suas
realizações pouco reconhecidas hoje em dia[...].
Através desta autora, é possível ainda pensar sob outros aspectos o caráter feminino
desta profissão, mas principalmente o porquê do silêncio histórico quanto às práticas
profissionais da enfermagem, enfatizando o caráter de caridade, devoção e altruísmo ainda
presentes em relatos tão atuais. Para moldar a enfermagem enquanto profissão,
suficientemente respeitável para a moral da época de Florence Nightingale por exemplo, estas
mulheres não poderiam representar ameaça a autoridade dos médicos, sendo subjulgadas a
depreciar suas habilidades intelectuais e sobrepor a virtude e a ética.
Para Nelson (2011), os atuais desafios referentes a profissão estão no que nós
profissionais enfermeiros criamos, pois ao falar do trabalho, do cuidado e de nossas relações,
não abordamos os mesmos com teor técnico, científico como uma forma de competência da
96
enfermagem. Mas sim em discussões centradas na imagem da enfermeira como trabalho de
apoio, caridosa e querida ao paciente, deixando o caráter técnico e profissional altamente
qualificado, depreciados por nós mesmos. Ela chama este evento de “Roteiro da Virtude”,
onde as enfermeiras se colocam como seres angelicais, para então o público reagir de forma
positiva a elas, e assim este reforço de sentimentos positivos é responsável pela enfermagem
continuar a tratar-se e retratar-se de forma infantil e não profissional.
Para Stacciarini et al (1999, p.1) a enfermagem é uma profissão que se alimenta
devido aos seus encontros e desencontros históricos consigo mesma, pela ambiguidade ela
assim as descreve “[...] dando a impressão de que fizemos a nossa história perseguindo
opostos: anjo branco/prostituta, mãe/amante, rica/pobre, branca/negra, moça de boa
família/moça de família duvidosa, enfermagem não tem sexo/personagem de filme
pornográfico, docente/assistencial, vestida de uniformes/seminua de langerie preta [...]”.
Exemplificamos esta dualidade presente também nas concepções dos alunos
entrevistados quando questionamos o que estes acreditam significar ser enfermeiro:
[...] Bom, eu acho que é assim.. eu acho que é cuidar, eu acho que é você ter, uma,
como eu posso dizer, acho que você tem que ter uma, uma,. personalidade
característica, bem, bem forte, e ao mesmo tempo humana, pra você saber lidar, né
com, não ser assim, eu acho que mais ou menos isso, e dentro do hospital .que eu to
dizendo assim, e agora fora eu já vi assim, várias enfermeiras que não atuam
exatamente dentro do hospital, e aí eu acho que é mais ou menos assim,não sei
(risos)[...] D.I. 03
Olha eu tenho uma visão muito diferente do que o povo ai fora pensa, porque todo
mundo pensa que o enfermeiro vai te aplicar injeção, coloca o soro no hospital, pra
mim é uma forma totalmente diferente, eu penso mais na cientificidade da profissão
no lidar com pessoas na questão psicológica, na questão familiar, porque vai tá
cuidando de uma pessoa que tem sentimento, você não vai poder chegar e aplicar
uma técnica nela que você aprendeu na graduação sem primeiro conhecer,
conversar, saber o estado da pessoa, então eu, eu tenho essa visão, não aquela
visão de que o enfermeiro vem aplica injeção e a pessoa te dá o remédio no hospital
e só isso não. Pra mim é outra coisa, é muito mais além disso [...]”D.I. 02
Apresentados os relatos acima, e confrontando com o modo capitalista de produção,
percebemos que os alunos ingressantes possuem uma visão vaga e idealizada do trabalho, sob
uma dimensão humanitária, acompanhado de ideias de doação para o cuidado, e de
abnegação, distantes da realidade de sua prática, percebemos ainda que a ambiguidade
expressa entre uma vocação para cuidar e a necessidade de conhecimentos técnicos como
aliada está presente. As concepções aqui demonstram um conceito a ser construído, sobre o
cuidado, sobre o trabalho propriamente dito do enfermeiro, não sendo este errado, ou
equivocado, mas sim pré-moldado à luz da visão social. Caberia então uma aproximação entre
97
a realidade e a discussão do trabalhar na enfermagem para construir uma base reflexiva,
discutindo, identificando sobre tradições que se perpetuam na enfermagem, para supera-los, a
fim de colaborar com o reconhecimento, aceitação desta profissão, advindos também sob a
forma de condições de trabalho menos precárias.
Para Renovato et al (2009) em sua reflexão sobre o currículo do ensino de
enfermagem, e as mudanças ocorridas desde sua institucionalização até a atualidade, relata
que estas sempre estiveram ligadas ao mundo do trabalho, passando por tendências do ensino
da enfermagem, que este coloca como como pedagogia da escola tradicional, da escola
tecnicista e pedagogia da escola crítica, e que atualmente as Diretrizes de Graduação em
Enfermagem de 2001, tem ênfase na escola crítica, objetivando firmar e contribuir com a
construção do SUS, porém ainda em um momento de transição, possuindo disputas,
heterogeneidades e descontinuidade.
As vantagens trazidas pela forma crítica que os currículos de graduação de
enfermagem tem se sustentado, ainda que iniciais ou superficiais, permitiriam uma discussão
não apenas de forma superficial sobre o objeto do trabalho da enfermagem, o cuidado, mas
possibilitaria uma compreensão sobre as alterações e/ou limitações impostas pelo capitalismo
ao cuidado, seja na enfermagem, ou mesmo na saúde de forma geral, mobilizando reflexão
crítica a este discente ingressante sobre os movimentos que partam do interior da classe
trabalhadora, da categoria profissional da enfermagem para superação, e busca de uma nova
realidade para o cuidado.
3.2 “NÃO É ELE (ENFERMEIRO) QUE REALMENTE FICA CUIDANDO,
CUIDANDO, É O TÉCNICO” - divisão técnica do trabalho em saúde e na enfermagem.
O enfermeiro atua no processo de trabalho principalmente em uma posição de
controle, baseado no modelo assistencial32
onde está inserido, este modelo no final do século
XVIII surge juntamente ao capitalismo, sendo ele o modelo clínico, tomando o hospital
enquanto locais de cura, juntamente com as transformações sociais advindas do capitalismo,
32
Modelo assistencial é construído histórico, política e socialmente, organizando-se um contexto dinâmico a fim
de atender os interesses de grupos sociais, sendo uma forma de organização da sociedade civil, do Estado, das
instituições de saúde e empresas que atuam nos setores de serviços de saúde, podem ainda ser colocados como
uma forma de combinar tecnologias sejam materiais e não materiais, visando o enfrentamento de problemas, em
um determinado local e em determinadas populações (LUCENA et al., 2006).
98
alteraram também a visão sobre o corpo, como objeto e fonte de lucro, para quem realizava o
cuidado, e para quem o recebia. Assim o controle desta força de trabalho, que age sobre o
corpo, os profissionais da saúde, passam a visar algo maior, a produção, e a enfermagem
inserida neste contexto produz o cuidado. As peças dessa máquina, o corpo, podem então
estar em mau funcionamento, resultando no processo mórbido da doença, e assim o conserto
precisa ser realizado (LUCENA et al, 2006).
Esta construção do corpo como maquina permite então a divisão do corpo, em
partes que são consertadas através de trabalhos distintos, por especialistas, culminando em
uma visão reducionista dos problemas de saúde, e que certamente não atendem por completo
o indivíduo a ser cuidado. Juntamente com estes ideais capitalistas de acumulação de
mercadorias, como resultante de transformações sociais nesta época surge Florence
Nightingale, que buscou organizar o trabalho de enfermagem a fim de melhorar os cuidados
prestados, mas também de dar novo corpo a esta profissão, como abordado no capítulo
primeiro deste trabalho (LUCENA et al, 2006).
No intuito de trazer a tona concepção dos sujeitos de nossa pesquisa, elaboramos o
questionamento, sobre o que estes conheciam do trabalho do enfermeiro observamos o caráter
inquestionável da divisão do trabalho na saúde. Não somente a divisão técnica do trabalho em
saúde, entre auxiliares, técnicos e enfermeiros, mas também relacionado aos profissionais
médicos, demonstrando claramente seu poder hegemônico na produção do cuidado,
fortemente apresentado nas falas destes discentes.
3.2.1 Divisão técnica do trabalho na enfermagem: suas representações nas falas dos
discentes ingressantes.
Para falarmos de divisão do trabalho, seja de forma geral ou na saúde, e mais
especificamente na enfermagem, segundo Pires (1989, p. 14):
[...] entendendo que o saber é parte dos meios de trabalho, isto é, como parte do
instrumental que os profissionais de saúde utilizam para atuar sobre o seu objeto de
trabalho. Portanto, o saber de saúde será apreendido pela análise dos conhecimentos
que subsidiam as ações práticas de saúde, e o saber de cada profissão será
apreendido pela caracterização dos conhecimentos que subsidiam as atividades
especializadas, típicas de cada uma dessas profissões.
99
Levando em consideração a abordagem através da teoria marxista sobre o processo de
trabalho, e este sendo uma ação do homem para um determinado fim, onde ele atua por meio
de um instrumento de trabalho sobre o objeto de trabalho, este se constituindo ao final um
produto, que possui um valor-de-uso, ou seja, a matéria transformada que foi adaptada para o
atendimento de uma necessidade humana (MARX, 1982), na saúde este objeto é o cuidado
sobre o individuo, que procura a recuperação de sua saúde, através de instrumentos que são de
nível técnico de conhecimento, o saber em saúde, e tem como produto final a ação cuidadora.
Fundamentalmente é necessária a abordagem da divisão do trabalho, como sendo
característica da organização do trabalho, visto que esta segundo Marx e Engles (1986), se
expressa a partir de um movimento de divisão do trabalho intelectual e material, ao passo que
o individuo ao conseguir expressar sua prática emancipa-se do mundo real e assim pode
formular teorias em contradição com as forças produtivas, através das relações sociais. Ainda
segundo esses autores o momento em que a divisão do trabalho em material e do trabalho
intelectual acontece, pode ser expresso como se produzir e consumir, satisfação e trabalho,
pudesse existir de forma separada dentro de um mesmo ser, gerando um conflito, que só
findar-se-ia se esta divisão também terminasse.
A expressão através das entrevistas dessa divisão do trabalho, entre o trabalho do
enfermeiro e o trabalho do profissional de nível técnico, permite refletir o aspectos do
capitalismo que perpassa por todos os setores da economia, e que tem suas raízes históricas,
onde primeiramente o artesão não vendia o seu trabalho, mas sim o produto do seu trabalho, e
o permitia um domínio tanto prático e intelectual sobre seu trabalho.
Porém as mudanças do processo de trabalho, advindas da manufatura coletiva, com o
capitalista comprando a força produtiva, parcelando suas atividades na oficina. Ou seja, na
produção artesanal o trabalhador entendia e produzia seu trabalho como um todo, na
manufatura o produto do trabalho passa a existir de trabalho coletivo, e na produção
empresarial o trabalhador é a máquina que se especializa para a produção de um produto,
permitindo então sua substituição, apesar de atuar autonomamente para fazer a máquina
funcionar.
Nos relatos é possível verificar estes aspectos de trabalho intelectual e material como
apresentados a seguir:
[...] assim o que eu tenho conhecimento e o que muita gente fala, que tem técnico e
tem enfermeiro, que uma amiga minha, no caso, eu penso né, tem enfermeiro que ele
no caso ele mais, pega lá uma, um departamento, e manda os técnicos, mas tem
uns, que também coloca a mão na massa, também né, então daí, parte pra várias
100
áreas, eu acho assim, tem vários departamentos, mas o enfermeiro ele, tá pra lavar,
colocar uma sonda, limpar, eu acho que tem que tá pronto pra tudo[...] D.I. 01
[...] não perguntei ainda pra nenhum enfermeiro, não fui em nenhum hospital
perguntar, que não é ele que realmente fica cuidando, cuidando. é o técnico, então
assim [...] D.I. 03
A organização da enfermagem tem a divisão de suas tarefas desde o bojo em que foi
concebida como profissão, assim ao enfermeiro caberia à supervisão e os outros trabalhadores
da enfermagem a atuação direta e manual. Segundo Pires (1989, p. 138), no Brasil assim
ocorreu:
[...] enfermeiras formadas pela Escola Ana Neri, logo após sua absorção pelo
Serviço do Departamento Nacional, são também absorvidas nos Estados e para o
ensino nas escolas de formação de enfermeiros e auxiliares de enfermagem. Logo
após a formatura das primeiras turmas, as enfermeiras diplomadas começam a
formar pessoal auxiliar para executar os cuidados e tarefas delegadas, de cunho
manual, sob sua supervisão. Atendem assim a necessidade dos donos de hospitais de
gastar menos com a remuneração do trabalho, e pra isso empregam pessoal de
enfermagem do tipo auxiliar, gerenciado pelo trabalho de um enfermeiro.
De forma bem representativa as considerações desta autora, no que diz respeito à
remuneração, ou seja, os gastos do capital na compra da força de trabalho como determinante
para a divisão técnica do trabalho na saúde. Em números, segundo dados do Conselho Federal
de Enfermagem (COFEN) de 2011, órgão responsável pela fiscalização da classe de
profissionais de Enfermagem no Brasil, compõem as categorias profissionais inscritas,
seguida de sua porcentagem de um total de 1.856.683 inscritos em 2011, sendo elas
enfermeiros: 346.968 (18,69%), técnico de enfermagem: 750.205 (40,41%), auxiliares de
enfermagem: 744.924 (40,12%), atendente de enfermagem: 14.291 (0,77%) e parteiras: 2
(0,0001%).
Seguindo esta concepção entende-se no campo da enfermagem, que os objetos de
trabalho compreendidos como o cuidado de enfermagem e o gerenciamento do cuidado,
percebendo o cuidado como um conjunto de ações de acompanhamento contínuo a
população/indivíduo durante um período onde ocorre a doença ou mesmo no transcorrer de
sue processo sócio-vital, visando a prevenção, promoção e recuperação da saúde (PEDUZZI;
ANSELMI, 2002). Podemos ainda caracterizar esta divisão entre o cuidado como sendo um
trabalho técnico, e a gerencia do mesmo, um trabalho do enfermeiro, presentes também nos
relatos de nossos alunos, com a conotação principal de este cuidado onde o enfermeiro é
necessário para acontecer, só existe em uma eminencia de exaustão de atividades dentro das
instituições de saúde, como representado nas falas a seguir:
101
[...] a prática mesmo, no caso pegar pesado, eu descobri que é mais, assim, mais
voltado pros técnicos, né, ai, quando tiver, vamos supor, uma saturação de ter
muitos pacientes, ou poucos técnicos daí é onde o enfermeiro, também vai auxiliar
no banho de leito, essas coisas mais [...] D.I. 04
O discurso de divisão técnica entre o trabalho manual e o gerencial fica muito evidente
ainda na fala a seguir, onde o discente comenta que apesar de ter conhecimento que o
enfermeiro não realiza o cuidado manual, e sim o intelectual, ele como enfermeiro precisa ter
conhecimentos da técnica ser executada, fundamentados principalmente pelo conhecimento
intelectual. Assim comenta:
[...] eu não coloquei isso na minha cabeça de uma vez pra pensar que, eu to fazendo
enfermagem, que não preciso aprender porque eu não sou eu que vou cuidar, é
técnico, eu não coloquei isso na minha cabeça, eu acho que ele tem que saber fazer
tudo, que aí ele tá se formando é pra isso, de verdade, pra saber lidar com os
problemas sociais da pessoa, com os problemas físico, com não somente, com o
exterior dele, com o problema físico que ele tá passando, saber olhar e enxergar,
não como o psicólogo, mas de tudo um pouquinho, disso, você aprende a lidar, um
pouquinho.. com o que a pessoa tá sentindo, com o que ela tá passando[...] D.I. 03
Percebe-se que a especialização típica da divisão técnica do trabalho, esta impressa nas
falas destes discentes que tem seus conceitos ainda em construção, e ainda como esta
concepção é típica da organização empresarial capitalista, visto a divisão parcelar do trabalho,
assim com a institucionalização da enfermagem pelo ensino formal, pela legislação
regulatória do exercício desta profissão (BRASIL, 1986), dando as diretrizes para a formação
de um enfermeiro como administrador da assistência, como responsável pelo ensino e
produção de conhecimentos de enfermagem, e ao profissional de nível técnico, a
responsabilidade pela assistência direta ao paciente, desenvolvendo atividades sob o controle
e delegação do enfermeiro (PIRES, 1989).
Na reflexão em relação a estes discursos é importante salientar como a implantação do
modo capitalista de produção, consolida-se em diversos setores e na vida social, organizando
o trabalho na saúde, estruturando-o a seus moldes, verificando uma divisão e especialização
nesta área, e culminando com uma especialização de conhecimentos estruturados, verificada
internamente na profissão. Tendo como repercussão principal a cisão entre os momentos de
concepção e execução do cuidado, essa divisão rígida permite e legitima as desigualdades
expressas nas experiências concretas onde os trabalhadores da enfermagem possuem posições
de superioridade ou inferioridade sobre os sujeitos sociais, que na prática mostra-se nas
102
desigualdades salariais, e falta de força política característicos dessa profissão, essas
desigualdades então afetam o andar da profissão.
Colaborando com os pontos apresentados acima podemos citar Braverman (1981, p.
59)
[...] fundamental para o capitalista que o controle sobre o processo de trabalho passe
das mãos do trabalhador para suas próprias. Esta transição apresenta-se na história
como a alienação progressiva dos processos de produção do trabalhador; para o
capitalista, apresenta-se como o problema de gerência.
O trecho apresentado acima reforça a ideia de alienação do trabalhador, e perda do
controle de seu processo, resultando em divisão do trabalho, contribuindo para uma cegueira
dos danos causados ao cuidado, assim a graduação deve permitir reflexões acerca desta força
de trabalho enquanto única, ou seja, a enfermagem, para permitir a busca de direitos e
melhorias nas condições de execução do trabalho de enfermagem, e assim ao profissional não
seria necessário submeter-se as precárias formas de contratações, com jornadas extensas, a um
salário subumano, culminando com a desqualificação do cuidado prestado.
3.2.2 Divisão do trabalho na saúde e na enfermagem: sobre a hegemonia médica.
A enfermagem e a medicina dentro de sua historicidade e sua inserção tem sua história
inter-relacionando-se com fatos comuns. Utilizando-se desse pressuposto torna-se demasiado
penoso, tentar discuti-las de formas distintas, o que se sabe da história da profissão médica é
contada de formas diversas, demonstrando como esta se forjou enquanto hegemônica sobre a
saúde, principalmente ligada ao conhecimento dominante, apoiado e legalizado firmando seu
reconhecimento social (PIRES, 1989).
A alienação do trabalhador sobre o controle do seu processo de trabalho implica em
uma relação conflitante e competitiva dentro das relações de trabalho na saúde, para alterar
esse quadro, deve partir de uma mudança que considere a satisfação pelo trabalho e a
recuperação da criatividade dos indivíduos sobre seu trabalho, superando interesses
corporativos e da organização da lógica capitalista, e então devolver ao trabalhador da saúde
sua integridade.
Para Pires (1989, p. 145), sobre a hegemonia médica na saúde:
103
[...] verificada na sociedade brasileira e mundial, é um fenômeno resultante de um
processo de apropriação pelos médicos do saber de saúde dos povos, transformando-
o em saber médico. Foi construída num processo de múltipla determinação, que
envolveu a relação orgânica dos médicos aos interesses das classes dominantes, nos
diversos momentos históricos, o controle que este grupo exerceu sobre o processo de
profissionalização dos demais exercentes das ações da saúde, sobre a formação e a
emissão das normas disciplinadoras do exercício profissional e pala apropriação dos
cargos administrativos gerenciais das instituições de saúde a serviço dos interesses
econômicos hegemônicos e da manutenção do status quo, bem como pela
intervenção, enquanto categoria, no próprio aparelho de Estado.
Assim tecendo considerações entre as falas apresentadas pelos nossos atores, é quase
que determinante uma concepção que se contraponha aos fatos históricos dessas duas
profissões. A enfermagem como demonstrado nos estudos de Pires (1989), tem no Brasil
desde sua institucionalização e normatização por agentes da classe médica. E essa expressão
de submissão encontra-se presente na atualidade como demonstrado na seguinte fala sobre o
papel do enfermeiro:
[...] ele é orientado pelo médico, e as satisfações ele tem que dar pra o médico,
acompanha o médico na verdade, mas eu escuto as pessoas falarem [...] D.I. 03
A sistematização do saber da saúde em parcelas foi responsável pela geração de uma
gama de profissionais e grupos específicos de trabalhadores, que assim executam o cuidado
de forma parcelar, entre essas profissões podemos citar farmácia, odontologia, enfermagem,
serviço social, nutrição e psicologia. Todas normatizadas através das suas especificas
legislações profissionais, emergindo com categorias organizadas. Essas formas de
organização em categorias têm múltiplas determinações que levam em conta os momentos
históricos específicos, como as políticas econômicas instituídas, pela estruturação das
instituições assistenciais de saúde, ainda as relações de poder entre homens-mulheres,
ideologias, valores culturais, e o modo de produzir em que estão inseridos (PIRES, 1989).
Os discentes ingressantes ainda colocam sua concepção sobre esta vertente, de que o
médico é quem manda, e o enfermeiro é quem obedece não distinguindo a diferença entre
esses dois saberes, tratando-o como uma forma de divisão do trabalho em intelectual e
manual. Assim representado na fala a seguir:
[...] de acordo com o que o médico fala, é como se fosse cuidar de um bebe, é você
vai tá ali o tempo todo com ele, ele vai tá dependendo de você como se fosse uma
criança [...] D.I. 04
104
Analisando as falas podemos dizer que a dominação médica vem expor, uma
preocupação que deve existir em reorganizar a enfermagem, e a libertação deste poder, que
não possui efetivamente uma razão de existir. O cuidado de forma humanizada, é a essência
da Enfermagem, e este é o enfoque a ser dado na prática diária.
Segundo Santos e Luchesi (2002), o fato da população não ter acesso a informações,
de forma ampla, não permite a estes visualizar que a enfermagem perpassou e superou seus
períodos negros através da história, e que seus estereótipos possuem raízes profundas na
profissão, dessa forma persistindo através do tempo. Corroborando a esta ideia Andrade
(2007), em seu ensaio sobre a enfermagem como profissão submissa, alega que o estudo sobre
a história da profissão possibilita conhecer o passado e compreender então o presente,
principalmente entender porque os próprios enfermeiros, e outras categorias acreditam na
submissão da enfermagem à medicina.
Ainda para Andrade (2007) muitas vezes no momento em que a enfermagem
relaciona-se com o paciente, utiliza-se de uma linguagem não-científica, para acessar a
intimidade deste paciente, porém é evidente ressaltar que além da técnica existe uma prática
baseada em conhecimento científico, tanto quanto na medicina, e as mediações realizadas
durante um ato de cuidar, sendo ela a forma da fala também é uma ação de enfermagem, um
cuidado ainda que pareça simples, não deve ser depreciado ou comparado a uma prescrição
médica. Adoecer sob a perspectiva do enfermo é sentir-se invadido, e exposto quanto a sua
intimidade física, mental e emocional.
O exercício do enfermeiro de forma a transparecer para a sociedade como ele
realmente o, é um desafio a se vencer, podemos ainda indicar que a modelagem da imagem do
enfermeiro deve superar estas formas de pensar a profissão como a demonstrada na seguinte
fala, onde o discente atribui como fator negativo uma não obediência do enfermeiro ao
médico em um exemplo que apresenta:
[...] meu sobrinho tava na UTI, [...] e a chefe de lá, do setor da UTI, porque o
menino ia na parte da tarde pra enfermaria, não queria usar o remédio que era
muito caro, antibiótico. Isso é uma coisa de uma enfermeira? Tem amor a
profissão? Sendo que o médico tinha mandado colocar, como se dái saísse da UTI
aquele remédio, na época eu não entendia muito, aquele medicamento era da UTI,
tipo ele não iria tomar lá na enfermaria, então tipo ele era muito específico dali [...]
D.I. 01
Discutindo a fala acima apresentada, utilizando de Andrade (2007) este disserta que na
época perpassada por Florence Nightingale, era centrada em uma observação minuciosa e
105
precisa, a ser descrita ao médico, e o que muda na atualidade é a habilidade técnica em
acessar o conhecimento em saúde, que são patrimônios da cientificidade da profissão de
enfermagem, para então planejar, prescrever e executar o cuidado, de forma a atender o
indivíduo em sua totalidade, e com qualidade.
Considerando o cuidado como essência da enfermagem, e que os responsáveis pela
construção histórica da profissão são os enfermeiro, estes profissionais precisam identificar e
refletir que sobre os pré juízos que a perpetuação destas tradições na enfermagem, tem com o
cuidado, a fim de superá-los.
O poder da enfermagem enquanto prática humanística, torna-se independente do saber
médico ao propiciar ações próprias do enfermeiro, que levam a uma mudança de atitude dos
pacientes, na utilização dos componentes do cuidado, na forma de reorganizar, orientar nas
situações de risco.
Para Zagonel (1996) o enfermeiro utilizando do cuidado consegue perceber o outro,
atuar sobre a compreensão da vivencia das experiências dos pacientes, e fazendo
principalmente que este cuidado se de através da valorização do ser humano. A busca pela
complexidade do cuidado enquanto fenômeno apreendido pela profissão de enfermagem, é
uma meta que deve ser perseguida, e colocada a frente do contexto de empoderamento médico
diante da enfermagem, não permitindo que a cientificidade ou a tecnologia justifiquem um
consumismo por atos cuidadores, dissipando a visão do ser humano.
Para Merhy (2007, p. 125) pode-se dizer que o modelo assistencial atual é:
[...] centralmente organizado a partir dos problemas específicos, dentro da ótica
hegemônica do modelo médico neoliberal, e que subordina claramente a dimensão
cuidadora a um papel irrelevante e complementar. Além disso, podemos também
afirmar que neste modelo assistencial a ação dos outros profissionais de uma equipe
de saúde são subjugadas a esta lógica dominante, tendo seus núcleos específicos e
profissionais subsumidos à lógica médica, com o seu núcleo cuidador também
empobrecido. Com isso devemos entender que são forças sociais que tem interesses
e os disputam com as outras forças, que estão definindo as conformações
tecnológicas. Isto é, estes processos de definição do “para que” se organizam certos
modos tecnológicos de atuar em saúde, são sempre implicados social e
politicamente, por agrupamentos de forças que têm interesses colocados no que se
está produzindo no setor saúde, impondo suas finalidades nestes processos de
produção. Deste modo o modelo médico hegemônico expressa um grupo de
interesses sociais que desenham certo modo tecnológico de operar a produção do ato
em saúde, que empobrece uma certa dimensão deste ato em prol de outro, que
expressaria melhor os interesses impostos para este setor de produção de serviços,
na sociedade concreta onde o mesmo está se realizando.
106
Todos os atores na cena do cuidado sob o modo de produção capitalista submetem-se a
produção dos atos cuidadores, ou seja, mercadorias, visando lucro, assim a submissão da
enfermagem, bem como de outras áreas da saúde à hegemonia médica, atende muito bem ao
interesse do capital.
Transpor as questões de hegemonia nas instituições engloba muito mais do que
competência da técnica e da prática, mas principalmente pela forma de relacionar-se, entre
enfermeiro e paciente, enfermeiro e médico, considerando todos membros de uma mesma
equipe, atores para a transformação do cuidado em um ato que resulte na produção da saúde
ao individuo, na tentativa de ultrapassar os interesses do capital e vislumbrar a real
necessidade do usuário.
3.3 “VOCÊ TEM QUE SER UMA PESSOA QUE SABE LIDAR COM O IMPROVISO” –
improviso ou precarização do trabalho na enfermagem?
Denominamos a presente seção, com esta frase representativa, como expressão das
impressões desta autora sobre uma realidade sobre a precarização do trabalho tanto no campo
da saúde, mas de forma geral tanto em na realidade brasileira como mundial. O trabalho
precário, e os conceitos relacionados a este termo possuem uma miscelânea de significados.
Assim quando buscamos o significado de precário no Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa (HOUAISS; VILAR, 2004), este é colocado como: o que tem pouca ou nenhuma
estabilidade. Ainda neste sentido o trabalho precário segundo Antunes (2003), apesar de
muitos autores tratarem o conceito de trabalho flexível33
, formal e precário de forma próxima,
porém carregados de contradições entre eles, as reflexões sobre o mundo do trabalho,
principalmente reflexões dos indivíduos que vivem do trabalho, observa-se a expressão e o
aumento do mercado informal, em conjunto com uma maior, menor ou ausência de proteção
ao trabalhador, e também no que diz respeito a aspectos econômicos os baixos salários, baixa
33
O “trabalho flexível” abordado segundo Baraldi (2005) e instituído a partir de seus estudos, observou a gama
de reflexões quanto a esta terminologia, mas percebeu principalmente que os sentidos deste termo estão
relacionado à posição teórica-política, pois para alguns apresenta um aspecto positivo, pois refere-se ao trabalho
que pode ser diversificado e não monótono, incluindo trabalho part time, ou free lance, onde tornan-se não
monótonos, podendo ser moldado de acordo com o trabalhador poderia trabalhar. Porém para outros autores
elencados por esta autora, esse termo tem um caráter negativo, pois se refere verdadeiramente, a uma facilidade
do capital em poder contratar e demitir trabalhadores sem quaisquer garantias junto a uma flexibilidade jurídico-
política.
107
produtividade, riscos sociais e incertezas e legais, com obediência ou não as legislações
trabalhistas.
De fato é importante destacar que alguns autores tratam o tema das mudanças nas
formas de contratos de trabalho como sendo uma flexibilização dessas relações, porém pode-
se admitir que as formas flexíveis de contrato nem sempre são precárias, porém o trabalho que
se torna precário advém de contratos flexíveis. Para Antunes (2001, p.38) o mundo do
trabalho em um contexto de flexibilização se expressa assim:
[...] Duas manifestações são mais virulentas e graves: a destruição e/ou precarização,
sem paralelos em toda era moderna, da força humana que trabalha e a degradação
crescente, na relação metabólica entre homem e natureza, conduzida pela lógica
voltada prioritariamente para a produção de mercadorias que destroem o meio
ambiente. Trata-se, portanto, de uma aguda destrutividade, que no fundo é a
expressão mais profunda da crise estrutural que assola a (des)sociabilização
contemporânea: destrói-se força humana quem trabalha; destroçam-se os direitos
sociais; brutalizam-se enormes contingentes de homens e mulheres que vivem do
trabalho; torna-se predatória a relação produção/natureza, criando-se uma
monumental “sociedade do descartável”, que joga fora tudo que serviu como
“embalagem” para as mercadorias e o seu sistema, mantendo-se, entretanto, o
circuito reprodutivo do capital.
Sob esta ótica dura das transformações que o mundo do trabalho sofre a partir da
reestruturação produtiva, conforme abordado no segundo capítulo deste trabalho, é pertinente
apontarmos em que medida, as representações nas concepções dos discentes de graduação em
enfermagem tem, no que diz respeito a sua profissão como sendo inegavelmente submetida ao
trabalho precário, culminando em uma conformidade das práticas diárias a que este
profissional está exposto, que possui uma repercussão direta sobre o seu objeto de trabalho,
ou seja, o cuidado de enfermagem. Porém mais preocupante ainda é perceber como esta
conformidade com a precariedade das práticas de enfermagem é ensinada na graduação, como
sendo normal, uma forma de destruição da possibilidade de luta por melhores condições de
trabalho, e de direitos a esta profissão já tão distante de uma prática ideal.
3.3.1 O conformismo sobre a forma precária como se dá o cuidado.
Como parte fundamental desta análise, é necessário delimitar as limitações do estudo
deste objeto, visto que ao que se pretende apontar com relação à precarização do trabalho na
enfermagem, na visão desses discentes ingressantes, os apontamentos a que podemos tecer
108
apontam para a ideia de que este aluno não conhece o significado completo da precarização, a
atribui principalmente a uma condição precária de material disponível para a realização de um
procedimento. Porém outro apontamento importante a ser discutido é que esse coloca o amor,
apreço ou afinidade a escolha profissional como algo que é o esperado a essa profissão,
colocando-se em uma posição de conformismo e percebendo a situação de falta de material, e
de condições para realizar seu trabalho como pré-determinada e não passível de mudança,
como representado na fala que se segue:
Eu acho assim que, tem que ter muito amor pela profissão [...] o enfermeiro vai ter
que pegar e não poder ajudar, com o coração porque não vai poder ajudar em nada
ninguém, né, a falta, tipo ele vai ter que se virar com o que tem pela falta que eu
vejo e assisto muito a necessidade de ele ter na mão pra pegar e passar pra um
paciente, então é isso que é sufrido, então, é pra mim eu penso que quando eu tiver
lá, é eu vô ter que saber conviver com isso é uma coisa que eu sei que eu vou ter
que trabalhar, porque saber que se você chega lá, necessidade de um medicamento,
e eu vo lá olhar não tem [...] D.I. 01
Ao que podemos ainda acrescentar a esta reflexão que o desconhecimento do que é a
profissão do enfermeiro, é um fator contribuinte para que esta concepção esteja presente no
início do curso, porém o que chama a atenção como a expressão “ele vai ter que se virar”,
aparece como impressa na profissão do enfermeiro e está presente não somente nesse relato
acima, mas também no apresentado a seguir:
[...] não é tudo perfeitinho, falta muita coisa, você tem que ser uma pessoa que sabe
lidar com o improviso né, nem sempre você vai ter todo os aparelhos que você
precisa, fazer um determinado procedimento, e se você se limitar a que você só
consegue fazer o procedimento com 10 aparelhos, por exemplo, você não vai
conseguir ser bem sucedido, vai ter que improvisar e conseguir fazer com bem
menos [...] D.I. 03
Tanto nacional como internacionalmente o trabalho seja sob formas flexíveis de
contratação, mas principalmente levando em consideração a existência de um conceito quanto
ao trabalho executado respeitando-se os direitos da classe trabalhadora, é pautado em alguns
aspectos como apontado em Brasil (2006, p.06) como trabalho decente34
:
34
O termo trabalho decente instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi formalizado pela
OIT em 1999, sintetizando a missão desta instituição em promover e oportunizar a homens e mulheres um
trabalho de qualidade e produtivo, com condições de liberdade, equidade, segurança, dignos do ser humano.
Tendo como pontos principais de convergência o respeito aos direitos no trabalho, a promoção de melhores e
mais empregos, a proteção social extensa com o uso do diálogo social fortalecido. A OIT ainda coloca como
fundamental a necessidade de superação da pobreza, e das desigualdades sociais, para então garantir um governo
democrático e com desenvolvimento sustentável (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO,
2008).
109
O Trabalho Decente é uma condição fundamental para a superação da pobreza, a
redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o
desenvolvimento sustentável. Entende-se por Trabalho Decente um trabalho
adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, eqüidade e
segurança, capaz de garantir uma vida digna. Para a Organização Internacional do
Trabalho (OIT), a noção de trabalho decente se apóia em quatro pilares estratégicos:
a) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e
direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do
direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado;
abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação
em matéria de emprego e ocupação); b) promoção do emprego de qualidade; c)
extensão da proteção social; d) diálogo social.
Sob essa vertente do trabalho decente, podemos destacar o quão distante da concepção
de precarização está à concepção desses alunos no que diz respeito ao conceito do que é
trabalho da enfermagem, sendo útil a discussão do conceito trabalho decente, para refletirmos
sob que condições mínimas e comuns os trabalhadores de forma geral necessitam. Se
observarmos ainda quanto ao apontado como promoção do emprego de qualidade, tem como
estratégia para seu alcance a possibilidade alargar diálogos quanto a direitos e melhores
condições para o trabalho, como apontado em Brasil (2006), da Agenda Nacional de Trabalho
Decente.
Ainda pensando no diálogo como estratégia para melhora da qualidade do trabalho,
lembramos que as formas flexíveis de trabalho como já expresso anteriormente podem tornar-
se precárias, mas para o trabalhador, escolher entre ter um trabalho precário e não ter trabalho
algum, este se submete a diversas formas de exploração, sejam os baixos salários, as jornadas
extensas, ao subemprego. Assim na saúde, o cominho não é diferente em relação às formas de
contratação utilizadas na atualidade, que consolidam-se sob a égide de trabalho flexível, visto
que o Sistema Único de Saúde (SUS), tem sua base segundo a lógica de mercado onde a
proposta política visa ajustar a instabilidade de emprego no âmbito do governo (BARALDI,
2005).
Utilizando-se então de um conceito apresentado por esta autora no que diz respeito ao
que a mesma formulou como sendo trabalho precário, baseado em estudos utilizados em sua
tese de doutoramento, acredito que pode ser usado de modo singular para corroborar com os
apontamentos presentes nos discursos de nossos graduandos, sendo que apresentado a seguir
o que Baraldi (2005, p. 18, grifo nosso) conceitua
[...] portanto considero que um trabalho precário seria aquele que não:
110
respeita os enunciados da Consolidação das Leis do trabalho no tocante à proteção
social;
conceda direito a aposentadoria;
conceda licença maternidade;
efetue remuneração com os níveis salariais adequados [...]
preze pelo direito à saúde (plano ou serviço público estruturado e universal);
possibilite ao trabalhador o reconhecimento do sentido do seu trabalho no tocante as
atividades desempenhadas;
promova possibilidades de crescimento /desenvolvimento profissional e pessoal; [...]
Consideramos desta forma, que a descaracterização do trabalho no que diz respeito a
recursos disponíveis para a realização do cuidado, baseado em procedimentos que são de
competência do trabalhador enfermeiro, compõe como apontado pela autora uma forma de
trabalho precário, na medida em que o trabalhador não pode reconhecer seu trabalho em seu
amplo sentido, de satisfação, de instrumentos necessários para sua execução, afetando
diretamente na qualidade do cuidado prestado. É preciso então confessar que este
conformismo nos deixa preocupado visto à forma como os docentes enfermeiros descrevem a
profissão a estes alunos ingressantes, fortalecendo assim o trabalho precário com prejuízo do
cuidado como improviso, característico da profissão, como se pode perceber na seguinte fala
[...] eu ouvi falar, que no hospital assim, as condições são muito precárias, as vezes
falta alguns instrumentos, daí agente vai lidar, muito com o improviso, né muitas
coisas vai ter que acabar improvisando, as vezes falta, por exemplo, quando você
vai dar um banho de leito, tem aquele tampão que você coloca em volta do paciente,
né, as vezes não tem vai ter isso, que é o próprio as vezes vai ter que pegar um
negócio de soro, pegar uns lençóis, tudo a base do improviso, né, então acho que
ainda, em relação a isso, que pro enfermeiro conseguir fazer seu trabalho, ainda
falta algum, algumas coisas, na estrutura, só que aí vai da, vontade do enfermeiro,
de, sei lá, de tentar ser criativo, né [...] D.I. 04
Imbricado a esta concepção de aceitação da condição da realização do cuidado em
enfermagem sob qualquer condição, mas a forma como é colocado ao enfermeiro à
responsabilidade de aceitar tal condição, e da necessidade desses através de seus meios
próprios serem criativo e adequar-se, não presenciamos nos relatos o ímpeto de discordância
com tal situação de falta material para a realização do cuidado, mas sim como uma tentativa
de aceitação da situação.
Se levarmos em consideração as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de
Graduação em Enfermagem (BRASIL, 2001, p. 02) conforme seu Art.5, tem como
competências e habilidades para o enfermeiro a ser formado:
[...] IV – desenvolver formação técnico-científica que confira qualidade ao exercício
profissional; [...] VIII – ser capaz de diagnosticar e solucionar problemas de saúde,
111
de comunicar-se, de tomar decisões, de intervir no processo de trabalho, de trabalhar
em equipe e de enfrentar situações em constante mudança; [...] XIII – intervir no
processo de saúde-doença, responsabilizando-se pela qualidade da
assistência/cuidado de enfermagem em seus diferentes níveis de atenção à saúde,
com ações de promoção, prevenção, proteção e reabilitação à saúde, na perspectiva
da integralidade da assistência; [...] XXIX – utilizar os instrumentos que garantam a
qualidade do cuidado de enfermagem e da assistência à saúde; [...] XXXII - cuidar
da própria saúde física e mental e buscar seu bem-estar como cidadão e como
enfermeiro; [...]
Assim destacamos somente alguns pontos para enfatizar que estas habilidades e
competências aqui colocadas, quando trabalhadas de forma crítica e reflexiva durante o início
da graduação em enfermagem, podem permitir ao discente engendrar críticas ao sistema
imposto, pensando na atenção integral a saúde do indivíduo que está assistindo, e
reconhecendo que o sistema capitalista visa lucro, e o conformismo o impulsiona a perpetuar
a precariedade dos serviços de saúde em benefício do capital.
Se utilizarmos a ótica de Antunes (2001, p. 44), identificamos como as estratégias
empregadas pelo capital podem ser quase ilícitas
É preciso que se diga de forma clara: desregulamentação, flexibilização,
terceirização, bem como todo esse receituário que se esparrama pelo “mundo
empresarial”, são expressões de uma lógica societal onde o capital vale e a força
humana de trabalho só conta enquanto parcela imprescindível para a reprodução
deste mesmo capital. Isso porque o capital é incapaz de realizar sua autovalorização
sem utilizar-se do trabalho humano. Pode diminuir o trabalho vivo, mas não eliminá-
lo. Pode precarizá-lo e desempregar parcelas imensas, mas não pode extinguí-lo.
O enfermeiro então ao estar em um ambiente imerso de instabilidade, onde vive
cotidianamente sua impotência, diversas formas de angústias e sofrimentos culminando em
tensões como a possibilidade de desemprego, fim de sua fonte de renda, não deixando de
enfatizar o que traz consigo como seus afetos ao serviço, e desperdício de energia, do
processo de trabalho coletivo na saúde. A este tipo de precarização estão submetidos os
trabalhadores da saúde, assim como outros, e são apontados nos estudos de Faria e Dalbello-
Araujo, (2011), em relação a unidade do Programa de Saúde da Família (PSF), onde os
trabalhadores são submetidos as formas flexíveis de contratação. Anteriormente a este estudo
em torno do PSF, o processo de trabalho em sua dimensão da produção do cuidado foi
estudado por Franco e Merhy (2006), ajustando-se a desvalorização do trabalho na saúde,
baseado em nas formas de contratos existentes.
112
3.3.2 O conformismo pelos baixos salários e as condições de trabalho, afinal ele escolheu
ajudar.
Iniciamos esta seção com a reflexão que Marziale (2001) traz a respeito de dados
internacionais da insatisfação do profissional enfermeiro em prestar um cuidado de baixa
qualidade, decorrente como os dados apontam, das condições de trabalho da enfermagem.
Assim esta coloca que o real papel do profissional enfermeiro é executar uma assistência de
qualidade, e sendo o cuidado o objeto do trabalho da enfermagem, este não é passível de
aceitar as situações a qual está submisso na atualidade.
Os hospitais há muito tempo tem sido apontado como locais que devido a sua
especificidade são insalubres nas atividades executadas, promovendo para o profissional
enfermeiro um desgaste físico, e emocional, atrelado a um baixo prestigio social, baixa
remuneração. Com direta consequência sobre o cuidado, diminuindo sua qualidade e
efetividade, sendo esse fator apontado ao abandono da profissão e assim consequente escassez
de profissionais (MARZIALE, 2001).
Apesar dos apontamentos acima e voltando ao que presenciamos nos relatos dos
discentes ingressantes, é possível perceber novamente o cunho caritativo desta profissão,
colocado para justificar a aceitação das condições para a realização do cuidado, justificando
inclusive a baixa remuneração a que os enfermeiros estão submetidos, como apresentado nos
relatos abaixo:
[...] eu acho que as pessoas normalmente não trabalham sem pensar também no
financeiro, né, porque todo mundo tem que ter dinheiro, pra poder se manter né.
Mas se a pessoa se focar só que ela precisa do dinheiro, ela não vai conseguir, ser
uma pessoa que atende as necessidades das outras na área da enfermagem, né, que
vê com amor o que ela tá fazendo, não consegue se dedicado, eu acho que não dá
certo[...] D.I. 03
Ainda apontamos que a luta por direitos para melhorias no trabalho da enfermagem
conforme, a concepção deste discente, não pode superar o caráter de ajuda que a profissão
possui, conforme demonstrado a seguir:
[...] não é porque você tá lá pra ajudar as pessoas que você não vai pensar... em
lutar pelos seus direitos, mas eu acho que não é o principal, você tem que estar
disposto, realmente poder ajudar pessoas que estão precisando, ali, atender com
vontade, gostar daquilo que você tá fazendo, independente de que profissão seja
[...] D.I. 02
113
A que ponto as lutas por melhores salários, ou mesmo pelo trabalho decente, deve ser
engendrada por esta classe de trabalhadores? A que ponto a precarização do reconhecimento
do processo de produção do cuidado pode ser deixado de lado? As lutas por um trabalho
dignamente remunerado, dignamente apoiado em direitos trabalhistas, e que culminem com
um cuidado prestado de forma integral e com qualidade, podem então ficar subjugado a um
comodismo, que se reveste de caridade ou vocação?
Não acreditamos que somente as falas apresentadas neste trabalho possam ser
utilizadas para expressar tamanha responsabilidade sobre as questões acima apresentadas, mas
colocam claramente como a enfermagem tem comportado-se historicamente como submissa,
sob diversos olhares, como apontado por Spindola e Santos (2005, p.160):
[...] O perfil da enfermeira como pessoa devotada, abnegada, observadora, fiel e de
sentimentos delicados, conforme definido na segunda metade do século XIX por
Florence Nightingale, persiste entre as profissionais ainda hoje, embora reconheçam
as limitações do sistema de saúde vigente e a complexidade do assistir [...].
No contexto da enfermagem americana, algo diferente aconteceu, apontando para uma
preocupação dos enfermeiros dos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Inglaterra e Escócia,
quanto à deterioração dos cuidados de enfermagem nos hospitais, sendo apontados a falta de
pessoal, a insatisfação pelo trabalho, o desgaste emocional como fatores determinantes no
processo de produção do cuidado e de sua precarização. Nos Estados Unidos mais fortemente
ocorreu uma evasão de profissionais enfermeiros na década de 80 e 90, pois estes fortemente
recusaram a situação salarial, e de déficit de condições para a realização do cuidado, partindo
então para outras profissões ainda que dentro da área da saúde. O reflexo encontra-se na idade
média atual desses profissionais em serviço, que em sua maioria encontra-se em processo de
aposentadoria, sendo que a reposição por novos profissionais é difícil de ocorrer, a previsão
em relação às novas características desta força de trabalho era que em 2010 a idade média
fosse de 45 anos (MARZIALE, 2001).
No Brasil, um silêncio persiste na enfermagem, no que diz respeito a esta precarização
de cuidados, contratos de trabalho, condições de trabalho, um silêncio sem dimensão e sem
explicação se colocar em foco a forma como toda a saúde está estruturada no país, e evidente
em todos os meios de comunicação. Estes dados permitem perceber o quanto o quadro aqui
demonstrado das concepções dos discentes de graduação em enfermagem podem acarretar em
um comodismo, e não luta pelos direitos de um trabalho decente, inclusive no âmbito salarial.
114
Existe uma compreensão do trabalho da enfermagem ligada à baixa remuneração como
apresentado a seguir
[...] No geral eu vejo muito condições precárias de trabalho, vejo bastante
reclamação do trabalho, é no hospital, com condições bem precárias pra trabalhar,
não só pro enfermeiro, mas pra todos os profissionais que tão lá. Salário baixo, é o
que o pessoal mais reclama, é o que eu vejo[...] D.I. 04
Como futuro profissional esses discentes necessitam utilizar de subsídios que
permitam discussões acerca do trabalho e da profissão de enfermagem, como uma ciência que
estuda o cuidado, e que materializa-se através de seu trabalho, essas discussões permitirão,
quando embasadas na historicidade desta profissão e abordando os cenários político-
institucionais e os paradigma hegemônico instituem os processos de trabalho na saúde, para
permitir a aproximação a temas como as condições de trabalho, o trabalho decente que
permitam a este profissional executar a ato de produção do cuidado abordando a
individualidade, complexidade e possibilidades do ser humano.
Tendo o docente um papel fundamental na formação deste futuro profissional crítico,
no que refere-se ao trabalho em saúde, dessa forma para Pires (2009, p. 744) a enfermagem
como campo de trabalho na saúde
[...] precisa construir e defender um modelo de organização do trabalho que
considere o direito à saúde para o conjunto da população e o provimento de ações
tecnicamente competentes e protetoras dos direitos dos usuários, assim como
possibilite, a seus exercentes, a expressão da subjetividade e do prazer criativo no
trabalho. É preciso considerar, ainda, os múltiplos sujeitos envolvidos no trabalho
coletivo em saúde, os diferentes profissionais e as diferenças individuais e culturais
que se apresentam nas múltiplas e desafiantes situações cotidianas de trabalho.
As discussões que podem iniciar durante a graduação em enfermagem, fortalecendo as
entidades que representem na sociedade esta profissão como o conselho de classe,
reformulando regras e parâmetros legais e éticos, no exercício da profissão. E ainda que essas
discussões permeiem pontos como a organização do trabalho e as formas seguras das práticas
do cuidado, onde o docente do ensino superior que é um enfermeiro legitime estas discussões,
ainda na formação deste profissional que pode tornar-se agente de mudança na enfermagem.
Cabe aqui destacar que algumas lutas estão sendo realizadas, em busca do trabalho
decente, para permitir que não ocorram prejuízos no ato de cuidar, como a busca de uma
jornada de 30 horas semanais, afim de garantir a segurança da assistência de enfermagem e da
sua qualidade. Afinal a enfermagem convive com a dor, com situações de sofrimento,
115
doenças, turnos intensos e ininterruptos, em finais de semana, feriados, onde possui imensa
responsabilidade sobre os setores em que atua, e pouca valorização, fato que como
demostrado anteriormente, é motivo de adoecimento e evasão dos profissionais, com altas
taxas de absenteísmo no trabalho e adoecimento (PIRES et al., 2010).
No que diz respeito as Diretrizes Curriculares nacionais do curso de graduação em
enfermagem, dentre as competências e habilidades a serem desenvolvidas pelo egresso do
curso de graduação em enfermagem estão como apresentado (BRASIL, 2001, p. 03)
[...] interferir na dinâmica de trabalho institucional, reconhecendo-se como agente
desse processo; utilizar os instrumentos que garantam a qualidade do cuidado de
enfermagem e da assistência à saúde; participar da composição das estruturas
consultivas e deliberativas do sistema de saúde; reconhecer o papel social do
enfermeiro para atuar em atividades de política e planejamento em saúde.
Dessa forma pensando que devemos utilizar dessas prerrogativas como docentes, e
enfermeiros, e possibilitar que reconhecimento efetivo do papel social do enfermeiro como
protagonista de sua história. Quanto as orientações para a formulação dos projetos
pedagógicos dos cursos de graduação em enfermagem, o papel do professor é apresentado
como facilitador que o discente construa suas pontes em busca de transformação em sua
realidade, como segue (BRASIL, 2001, p. 05)
O Curso de Graduação em Enfermagem deverá ter um projeto pedagógico,
construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e
apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem.
A aprendizagem deve ser interpretada como um caminho que possibilita ao sujeito
social transformar-se e transformar seu contexto. Ela deve ser orientada pelo
princípio metodológico geral, que pode ser traduzido pela ação-reflexão-ação e que
aponta à resolução de situações-problema como uma das estratégias didáticas.
Para Renovato et al (2009) as várias reformas curriculares que resultaram nas
Diretrizes Curriculares de 2001, esbarram em dois atores: os discentes e os docentes, assim
todo a complexidade desta formação por competências tem no docente como agente do
processo educativo, compreendido de profissionais advindos de matrizes curriculares
diferentes das atuais, culminando em profissionais que em momentos de transição tem pouca
adesão as novas práticas reflexivas propostas. O discente por sua vez percebe um processo
lento de real avanço na incorporação dos conceitos de pedagogia crítica proposto pelas
diretrizes, mas é evidente o avanço com o uso da autonomia, emancipação e problematização
116
da realidade, porém com alguns entraves ainda de articulação de áreas de saber da
enfermagem.
Pretendemos então destacar a visível importância da formação do enfermeiro, com
repercussões sobre seu papel na sociedade, a fim de mostrar sua relevância apoiado não
somente em um mero empirismo filosófico e utópico, mas sim através de uma discussão
curricular, quanto à forma de abordagem ao passado desta profissão enquanto a sua história,
mas principalmente no que diz respeito a sua profissionalização, ao trabalho e a quebra de
estereótipos, permitindo ao discente sair da escuridão inicial em que se encontra, aprendendo,
descobrindo e reaprendendo a profissão no sentido de apoia-la sob bases sólidas, desgarrando-
se da apatia que toma os profissionais sob a forma do conformismo.
117
CAPÍTULO 4 - O CUIDAR EM ENFERMAGEM: CONCEPÇÕES NO FINAL DA
GRADUAÇÃO
Neste capítulo abordaremos a concepção dos alunos de graduação em enfermagem ao
fim do curso, após terem perpassado um rol de disciplinas imprescindíveis para a formação do
profissional enfermeiro, mas principalmente o contato com a prática deste profissional em sua
real dimensão, seja dentro da unidade hospitalar ou na unidade de saúde da família, onde a
saúde coletiva é o foco da atenção. Apoiado no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de
Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus
Universitário de Sinop (CUS), estruturado a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Graduação em Enfermagem (BRASIL, 2001). É possível visualizar em números a
carga horária prática a que estes discentes foram expostos até o momento de sua conclusão do
curso.
Como perfil do profissional a ser formado segundo as Diretrizes Curriculares
Nacionais (BRASIL, 2001, p. 1) temos:
Art. 3º O Curso de Graduação em Enfermagem tem como perfil do formando
egresso/profissional:
I - Enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva. Profissional
qualificado para o exercício de Enfermagem, com base no rigor científico e
intelectual e pautado em princípios éticos. Capaz de conhecer e intervir sobre os
problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico
nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões bio
psicossociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso de
responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde
integral do ser humano; e
II - Enfermeiro com Licenciatura em Enfermagem capacitado para atuar na
Educação Básica e na Educação Profissional em Enfermagem.
Segundo PPC (UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO, 2010), as
disciplinas curriculares, apresentam conteúdo teórico e prático, e estão dispostas para
integralização do curso a partir do quarto semestre, sendo que as horas do curso tem
concentração por áreas de conhecimento, a saber: área de fundamentos de enfermagem,
totalizando 400 horas, área de administração em enfermagem com 112 horas, e a partir do
oitavo e nono semestres, ao o aluno é oportunizado o Estágio Curricular Supervisionado
(ECS), perfazendo uma carga horária que não deve ser inferior a 20% da carga horária total
do curso, e em nosso caso perfaz 878 horas.
118
O ECS possui como foco, o ensino e o treinamento para a educação, e treinamento
para a técnica para a compreensão, do conteúdo estrito para a tomada de consciência crítica.
Sendo uma modalidade de ensino obrigatória no Curso de graduação em Enfermagem, que
tem como propósito propiciar aos acadêmicos, uma visão de sua profissão de forma ampla e
concreta (CUNNINGHAN et al, 2003).
Assim é uma oportunidade ímpar de inter-relacionamento entre a teoria e a
prática, estreitamento do vínculo da docência e do serviço, conhecimento da realidade
em que está inserido o profissional de enfermagem, e as características sociais,
econômicas, políticos e culturais (ANGELO, 1994).
Desta forma é uma proposta e supera em muitos aspectos a s anteriores no que diz
respeito à prática, pois tem como peculiaridade inserir o aluno dentro da realidade para que
ele possa vivenciar as atividades do profissional enfermeiro, com a tutoria do professor e
a supervisão do enfermeiro assistencial, levando o aluno à construção de conhecimentos,
habilidades e valores em articulação com a realidade e com a equipe de enfermagem e
de saúde, constituindo uma experiência “pré-profissional” (BACKES, 1999; AMANTÉA,
2004). Nesse contexto, o desenvolvimento de atividades de estágio, que foi regulamentado
pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) através da Lei nº 6.494/77 e do decreto nº
8.797/82, possibilita o contado direto de estudante com o usuário, conferindo uma
oportunidade singular de aplicar seus conhecimentos teóricos bem como de contribuir no
desenvolvimento de habilidade e destreza nas ações de enfermagem (FERREIRA, 2005).
O Conselho Nacional de Educação (CNE) salienta que na formação do Enfermeiro,
além de conteúdos teóricos e práticos desenvolvidos ao longo de sua formação, ficam os
cursos obrigados a incluir no currículo o estágio supervisionado em hospitais gerais e
especializados, ambulatórios, rede básica de serviço de saúde, nos dois últimos semestres do
curso de Graduação em Enfermagem, sendo que o processo de supervisão dos acadêmicos no
estágio deve ser realizado por professores supervisores enfermeiros, além da inclusão dos
profissionais que atuam nas instituições onde o estágio é desenvolvido (BRASIL, 2001).
Dessa forma colocadas às devidas considerações acerca desta experiência pré-
profissional ímpar, é possível observar nas falas de nossos atores tamanha a influência no que
diz respeito à concepção da profissão, que a partir deste ponto carrega um caráter profissional,
onde este é capaz de vislumbrar a real dimensão do cuidado, da responsabilidade, e das
consequências dos atos do futuro profissional enfermeiro. Mas principalmente é capaz de
apontar as consequências da precarização do seu ato cuidador, seja na carga horária excessiva,
nas duras jornadas de trabalho, com baixos salários, submetidos a um mercado de exploração
119
desde o seu fazer até o seu ser. Os apontamentos aqui apresentados tentarão demonstrar
tamanha a consciência da importância deste profissional, que submetido ao modo de produção
capitalista, tem em seu objeto de trabalho, o cuidado, as maiores consequências desta
expropriação do fazer, ou seja, uma descaracterização do ser enfermeiro.
4.1 “EU GOSTO MUITO DE AJUDAR, SEMPRE GOSTEI MUITO ASSIM” - o cuidado
como objeto de trabalho da enfermagem, ao final da graduação.
Ajudar, apreço, novamente palavras relacionadas à descrição pela escolha da
enfermagem, acreditamos ser estas expressões algo intrínseco ao discente, mas principalmente
algo arraigado social e historicamente. Assim conforme afirma Ojeda et al (2009, p.114, grifo
do autor) sobre o que chama de regimes de verdades presentes nos discursos.
Os discursos se formam em enunciados, em teorias, em instituições, na maneira
como se organizam determinadas práticas e como são transmitidas. A aceitação de
um discurso decorre da repetição e da dispersão dos enunciados. São inúmeras as
fontes de linguagens que constroem os enunciados e que podem ser visualizados em
diferentes discursos sociais a exemplo da mídia, no meio acadêmico e profissional.
Essas práticas vêm nos dizer das verdades, dos regimes de verdade que,
independentemente do que pregam as leis e o desejo das pessoas, de grupos, são
suficientemente fortes para, nas relações de poder, se instituir como inquestionáveis.
São naturalizáveis.
Partindo uma reflexão sobre o enunciado acima, é possível identificar que apesar da
prática e da visão real quanto à mesma, alguns discentes ainda revelaram o caráter caritativo
da profissão, com um grau de confundimento entre o cuidado e a ajuda. Não pretendemos
aqui realizar comparações entre os discentes iniciantes e concluintes, mas sim tecer
considerações a cerca das concepções apresentadas, no que diz respeito à escolha profissional,
a partir de um sistema que explora materialmente o trabalho. Percebemos então como
apresentado nas falas a seguir, que ao resgatarem o motivo da escolha ao início do curso, e
levando em consideração a possibilidade de um viés de memória, destes discentes
concluintes, a escolha profissional também por motivações como classicamente apresentado
na história desta profissão, com caráter caritativo, de ajuda. Assim seguem os relatos abaixo
Eu escolhi a enfermagem porque, porque eu gostava eu, sempre fui muito atencioso,
acho que isso envolve, um pouco a questão da enfermagem, eu estava um pouco em
dúvida, de que curso escolher, e eu optei pela enfermagem, porque é um curso, que
120
eu acho que eu pudesse me identificar, até pelo fato de ser um pouco, um pouco de
amor pelas pessoas, de ter cuidado. D.C. 03
Ao ingressar na universidade a escolha profissional remete a um significado de
autorrealização, seja econômico ou socialmente, como apresentado acima, os discentes
elaboraram ideias com cunho ideal. Podemos dizer ainda que estes conceitos e ideias a
respeito da escolha profissional são construídos no viver das pessoas, inclusive no que diz
respeito à hierarquia das profissões, como é o caso da medicina como hegemônica, desde a
escolha, visto que é considerada superior a outras profissões da saúde como no demonstra o
estudo de Ojeda et al (2004).
Os discursos sociais estão presentes tanto nas instituições acadêmicas quanto nas da
saúde, e esses se plastificam tanto nas relações sociais, na política e na economia. Outro ponto
é apontado discurso do discente a seguir, sendo a mídia também é capaz de imprimir
enunciados na imagem das profissões.
Por que é assim, eu gosto muito de ajudar, sempre gostei muito assim, de ah você,
ah num sei desde pequenininha eu sempre vi na televisão o trabalho do enfermeiro,
o trabalho do médico, o trabalho de saúde em geral, e sempre achei aquilo muito
bonito, sabe, primeiros socorros, assim, que daí fazia até reanimação, eu achava
aquilo, eu nossa [...] D.C. 05
Kemmer e Silva (2007) apontaram através de seus estudos a influência da mídia, na
formação de imagem das profissões, desta forma requerendo que as escolhas possam ter
embasamento de informações que tragam tanto visibilidade, como voz no âmbito da
sociedade. Assim é pertinente a partir do exposto compreender além do cenário de escolha de
uma profissão, os docente e pesquisadores que fazem parte da camada que pode suscitar
reflexões e tecer um olhar crítico do cenário social e das profissões da saúde, necessitam
fortalecer discussões durante a graduação destes discentes, para permitir uma escolha
consciente, não influenciada por uma mídia ou mesmo discursos pré-estabelecidos.
Assim o docente como já abordado anteriormente e descrito nas Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem (BRASIL, 2001, p. 05),
deve:
Art. 9º O Curso de Graduação em Enfermagem deve ter um projeto pedagógico,
construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e
apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem.
Este projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante
através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência.
121
A aprendizagem do aluno deve ser interpretada como um caminho, o docente então
permite que este possa transformar-se e transformar seu contexto, orientar este discente
através de uma metodologia que permite uma ação-reflexão-ação, apontando para a resolução
de situações problema, em uma estratégia didática. Assim apesar de estudos como os de
Renovato et al (2009), apontarem para uma dificuldade de implementação dessa didática
pelos docentes, é imperativo ao que aqui demonstramos, para uma mudança de realidade
frente ao modo de produção hegemônico que o mundo do trabalho está inserido, somente
esses profissionais formados de forma reflexiva e ativa poderão entrar em embates efetivos, a
fim de alterar a realidade da enfermagem, e passarmos para uma situação de não mais
conformismo com as precárias condições em que o cuidado se dá.
4.1.1 A opção pela enfermagem apoiado na influência familiar e no fator econômico.
Assim continuamos nossa análise por outro aspecto apresentado nas falas dos
discentes, ainda em relação ao porque da escolha pela enfermagem, porém agora podemos
perceber traços de influência familiar, onde o fator econômico, ou seja, a profissão, enquanto
suporte para a obtenção de ganhos salariais é apresentada.
[...] foi bem por exigência da minha mãe mesmo, pessoal fala não você escolhe
porque você quer, não é, influencia de casa sim, aí minha mãe, não, faz
enfermagem, que isso é bom, que não sei o que, não sei o que, tão tá, vamo fazer o
negócio que a mãe quer, acabei me inscrevendo pra enfermagem, Sinop eu decidi
em cima da hora, assim, foi na hora de preencher o catálogo, do vestibular, eu
coloquei, Sinop, e dai acabou meio que sendo isso[...] É que todo mundo fala assim,
que quando você trabalha na enfermagem, você nunca fica desempregado, o salário
é bom.. é isso e aquilo [...] D.C. 01
Primeiramente, fica evidente como a escolha profissional é difícil, principalmente no
que diz respeito a cobranças e expectativas, nesta fase trata-se de um adolescente que precisa
escolher um futuro profissional para si, ou seja, a mudança de adolescente para um jovem
adulto com alterações tanto intrínsecas, como extrínsecas. Assim Santos (2005, p. 58) aponta
como é importante a influencia familiar e de seus pares para a escolha profissional.
Muitos fatores influem na escolha de uma profissão, de características individuais a
convicções políticas e religiosas, valores e crenças, situação político-econômica do
país, a família e os pares. A literatura aponta a família como um dos principais
fatores que ajudam ou dificultam no momento da escolha e na decisão do jovem
122
como um dos fatores de transformação da própria família. O jovem pertence a uma
família, que tem uma história e características próprias. Por isso, é considerado
essencial para a escolha não somente o conhecimento que ele tem de si mesmo, mas
também o conhecimento do projeto dos pais, o processo de identificação e o
sentimento de pertencimento à família, o valor dado às profissões pelo grupo, assim
como a maneira como o jovem utiliza e elabora os dados familiares.
As crises advindas da escolha da profissão acabam por abordar tanto o quanto uma
profissão é rentável e segura, porém pode não satisfazer, bem como pode ser atraente no que
diz respeito à satisfação pessoal, porém não é financeiramente atrativa, assim além dos
conflitos próprios de escolha do curso pelos adolescentes, os pais também podem reviver seus
conflitos de adolescência. Perpassado algumas situações que se apresentaram durante os anos
que os discentes passaram na graduação, é possível também perceber que este consegue
visualizar com clareza que as suas escolhas profissionais, não se restringiram somente ao
quesito de satisfação pessoal, mas também a uma satisfação salarial, como na fala a seguir.
No começo eu levava mais pelas mesmas questões da minha mãe, eu pensava assim
eu terminando a faculdade de enfermagem, eu não vou ficar desempregado, vai ter
um emprego legal, e o salário é mais ou menos. Aí vai por essa, só que durante a
graduação, quatro, cinco anos, você muda de ideia, hoje em dia eu já penso assim,
eu sei que emprego não seria ruim, se você passasse em um concurso público, só
que eu não vejo a enfermagem como uma coisa que eu quero levar pro resto da
minha vida, porque é assim, dá pra você ter uma vida legal como enfermeiro, só que
é um trabalho judiado, e coisa, que no final do mês vai vir aquele teu salário, e só
[...] D.C. 01
O relato apresentado por este discente aborda ainda as condições como se dá o
trabalho da enfermagem como “judiado”, e que este não pretende permanecer nesta profissão
até o fim de sua vida. Desta forma as implicações da escolha profissional no caso a
enfermagem, parece corroborar com os estudos de Almeida e Pinho (2008, p.174) no que diz
respeito ainda à influência familiar.
Desde muito cedo o adolescente deve optar por uma profissão, uma escolha que lhe
parece definitiva, já que deve ser “para o resto da vida”. Isto, muitas vezes, sem nem
mesmo ter formado sua identidade. Considerando uma abordagem psicossocial do
desenvolvimento, na qual a identidade é formada também levando-se em conta o
contexto no qual o indivíduo está inserido, a família possui papel fundamental nesta
formação.O indivíduo, ao nascer, já carrega consigo uma série de expectativas da
família, que ele deverá (ou não) cumprir ao longo da vida Os pais depositam seus
sonhos nos projetos que fazem para o futuro do filho e este desenvolve-se dentro
desse contexto, muitas vezes ouvindo que deve seguir a profissão do pai e/ou do
avô, ou ouvindo que determinada profissão não é apropriada para o seu sexo.
Acreditando ainda que o relato do discente diz respeito a sua insatisfação em
permanecer durante toda sua vida nesta profissão, não estar ligado ao gênero, mas sim a
123
motivos como o desgaste físico e mental e como o mesmo mencionou dos valores salariais,
Batista et al (2005) em um estudo sobre a motivação que enfermeiros tem para permanecer na
enfermagem, destaca a faixa salarial deste profissional e a carga horária semanal dos mesmo,
fazendo então um paralelo quantitativo, pois coloca que o número de profissionais é reduzido,
a carga horária situa-se entre 30 e 40 horas semanais, e os níveis salariais variam de R$
500,00 à R$ 3.500,00, assim apontando como um dos principais motivos para a desmotivação
no trabalho, aliado a grande carga de responsabilidade do enfermeiro e falta de pessoal.
Em outro estudo realizado por Angerami, Gomes e Mendes (2005), relata que os
profissionais assim que formados são logo absorvidos pelo mercado de trabalho, porém o
tempo de permanência na profissão varia 11 a 18 anos. Porém os motivos apontados para a
não permanência no trabalho são principalmente as condições de trabalho e os baixos salários,
assim podemos considerar que estes fatores justificariam a fala do discente concluinte quanto
ao termo “judiado”, referindo-se a estes fatores, que provavelmente notou nos momentos de
sua prática ainda que como um aluno.
O enfermeiro assim como qualquer trabalhador na visão de Braverman (1981, p. 55)
submete-se a um contrato de trabalho pelas seguintes razões:
[...] as condições sociais não lhe dão outra alternativa para ganhar a vida. O
empregador por outro lado, é o possuidor de uma unidade de capital que ele se
esforça por ampliar e para isso converte parte dele em salários. Desse modo põe-se a
funcionar o processo de trabalho o qual embora seja em geral um processo para crir
valores úteis tornou-se agora especificamente um processo para a expansão do
capital, para a acumulação de lucro. [...]
Essas considerações inseridas no modo de produção capitalista, deixam claro como
este modo de exploração deixa o trabalhador sem alternativa, sem perspectiva de ter seu
trabalho, pois é preciso vende-lo, a qualquer preço para subsistir, assim como os trabalhadores
da área da saúde, e neste caso da enfermagem.
Ainda é interessante apresentar que somente o fato do aluno na oportunidade da
escolha profissional, não apresentar afinidade nas áreas de conhecimento da profissão, no
caso a área de ciências exatas como apresentado no discurso abaixo, aliado a influencia
familiar pode ter contribuído para a escolha deste curso.
Eu sempre quis alguma coisa na área da saúde, e daí como eu tava terminando o
terceiro ano, a cidade mais próxima que tinha esse, aporte, no caso, vestibular, e tal
universidade, era Sinop, aí tinha aberto as inscrições para enfermagem, era público
né, eu prestei, e na sorte, não foi nem por esforço, eu passei e minha mãe me
obrigou a fazer o curso. Eu não tinha nem idéia de como seria o curso, do conteúdo,
não tinha noção, mas assim, eu não gosto da parte de exatas, e eu queria algo na
124
área da saúde. Eu tenho uma tia que é técnica de enfermagem, e a minha mãe
sempre quis ser enfermeira [...] D.C. 02
A este tipo de escolha pela profissão, sem sequer um conhecimento do que seria o
curso, pode gerar alguns inconvenientes, ou mesmo dúvidas, durante a graduação como
apresentado a seguir no relato da mesma discente.
[...] ela (A MÃE) nunca cultivou nada relacionado a isso (A ESCOLHA
PROFISSIONAL), dentro, de casa, e como a minha mãe é professora, eu também
não queria seguir a profissão dela, ai eu optei pela enfermagem. [...] eu pensei em
desistir, porque eu comecei a me apavorar, mas hoje eu vejo que assim, o conceito
mudou completamente, o que eu pensava não tinha uma base assim concreta [...]
D.C. 02
Neste ponto reforçamos a participação do docente em trazer contribuições reais no que
diz respeito a profissão em diferentes fases da graduação, contribuindo com a crítica
construtiva, alicerçando o conhecimento do aluno e assim poder fundamentar mudanças.
A discente também expressa que a educação não seria uma área que gostaria de atuar
como sua mãe, sendo interessante este ponto, já que o caráter peculiar entre educação e saúde,
no que diz respeito ao produto de seu trabalho, e o fato de não ser possível a estes
trabalhadores dissociarem seu ato produtivo, do resultado deste ato, pois se trata de uma ação
sobre o ser humano que, como ser humano é capaz de interagir com o objeto de trabalho
destas profissões, e agir, não somente ser passivo e receber a educação ou o ato de ser
cuidado, sem produzir nenhuma ação neste processo de trabalho.
Segundo Kuenzer (2004), ao tratar do trabalho do enfermeiro, do professor e dos
montadores de automóveis que estão sob a reestruturação produtiva, a educação e a
enfermagem como colocado anteriormente por não existir a diferenciação entre produto e
produtor, no caso do cuidado e da educação, sob a égide da produção capitalista, e a
acumulação de capital, diferencia-se no que tange a necessidade do capital engendrar formas
de explorar, alienar e controlar, através da gerência, por exemplo, o processo de trabalho
desses profissionais. Afinal é preciso convencer este profissional a utilizar de sua capacidade
criativa e inventiva para explorar-se a serviço do capital, assim as discussões para uma
mudança real, com formas mais justas de trabalho, demanda tamanha compreensão do
processo de exploração por parte dos profissionais, para então aí produzir reflexões e
possíveis mudanças, também neste ponto o docente de graduação poderia implementar seu
papel mediando discussões.
125
Esta ainda exemplifica as diferenças entre o atender a uma pessoa doente por
solidariedade ou por venda individual do trabalho deste profissional, passa por uma
apropriação do capitalista do processo de trabalho, e gerando assim como explica o acúmulo
do capital, desta forma Kuenzer (2004, p. 243) coloca.
No primeiro caso, uma vez que não há produto material, o enfermeiro atua tal como
o artesão, como trabalhador autônomo e independente que vende um trabalho ou
serviço, decidindo quando, como fazer e qual o preço; nesta situação, o trabalho
tende a ser mais qualificado e mais prazeroso. No segundo caso, o enfermeiro vende
sua força de trabalho para uma instituição, que passa a determinar seu trabalho em
todas as dimensões, retribuindo-o por meio de um salário; nesta situação, o trabalho
tende a ser mais desqualificado, por intermédio da divisão de trabalho nos serviços
de saúde, mais intensificado, mais desgastante e, portanto, mais explorado, tendo em
vista acumular o capital dos proprietários ou associados, nos casos das cooperativas.
O apontamento supracitado permite visualizar como o enfermeiro, e o professor
inserido no modo capitalista de produção, podem sofrer ao realizar seu trabalho, visto que
como vendedor de sua força de trabalho e experimentando da mercantilização do seu trabalho,
fica cada vez mais presente a dificuldade de intervir criativa e independentemente nestas
áreas.
Tecidas as considerações quanto à influência familiar na escolha do curso, as falas
ainda apresentam as tendências da escolha pautada nos cursos técnicos, visto que como
abordado no capítulo segundo deste trabalho, a divisão técnica na área da saúde, mais
precisamente na enfermagem, é uma realidade histórica. A divisão técnica, nesta profissão
decorre de uma visão entre trabalho intelectual e trabalho manual desde sua essência enquanto
prática profissional. Desta forma apresentamos a seguir relatos que colocam que o curso de
técnico de enfermagem veio anterior à escolha pela graduação. Sabidamente, estes cursos por
estenderem-se em um período curto de tempo, ou seja, para a prática profissional em si e tem
um cunho empregatício para o jovem.
Seguem as impressões do discente concluinte em relação ao curso técnico como opção
anterior a graduação em enfermagem.
A minha mãe é técnica de enfermagem desde de que eu me entendo por gente ela
trabalha na área da saúde e eu sempre gostei, tanto que antes, quando eu tava no
terceiro ano, eu comecei a fazer o técnico, de enfermagem, ai eu fiz o técnico e
comecei a fazer vestibular para a enfermagem, mas não conseguia passar, ai eu já
tinha desistido, passei num concurso público, na minha cidade como técnico, passei
em primeiro lugar, aí comecei a trabalhar [...] D.C. 04
126
Para Medina e Takahashi (2003) a opção do técnico e do auxiliar de enfermagem pelo
curso de graduação, apresenta diversas motivações, destacando-se o curso como sendo menos
seletivo, como uma forma de ascensão profissional, para a melhoria do conhecimento
científico, e o fator do status dentro da equipe de saúde. É importante ainda destacar a atual
política de incentivo ao acesso ao ensino superior como motivador, principalmente em
instituições privadas para o profissional de nível médio que trabalha e estuda, principalmente
com bolsas de estudo, abertura de unidades periféricas, possibilita o acesso deste estudante ao
ensino superior.
Assim o como demonstrado no depoimento a seguir reforça a questão do acesso ao
ensino superior, porém neste caso percebe-se também que a falta de acesso ao curso de
graduação em enfermagem, no caso pela localização geográfica, tornou-se um fator para o
aluno ter primeiramente escolhido pelo curso técnico, como representado na fala a seguir.
[...] eu tive a oportunidade de fazer um curso técnico por que eu não sabia se eu ia
estudar fora, porque lá em Juína não tem, só tem contabilidade, administração,
essas coisas assim, você sabe. Não tinha nada, nada, nada na área da saúde, aí, eu
não gostava, aí esse negócio de trabalhar no escritório, fechada, vendo número,
fazendo cobrança e essas coisas eu não gosto, então assim teve a oportunidade de
fazer o técnico de enfermagem, eu não tinha nem terminado o ensino médio ainda, e
comecei a fazer[...] D.C. 05
A educação do profissional de nível técnico tem como principal dinâmica inserir o
indivíduo no mundo do trabalho, e abordando então o mercado de trabalho na enfermagem,
comparado a outras áreas da saúde, a escolha pela graduação em enfermagem tem como
fatores contribuintes a melhora do retorno financeiro e o reconhecimento social, quando
comparado à área técnica de enfermagem, satisfazendo o profissional, já que o egresso
procura a inserção na sociedade e enquanto profissional de saúde sua valorização
(BARBOSA; GOMES; REIS; LEITE, 2011).
Apesar de não ser gritante nos depoimentos acima uma escolha baseada restritamente
ao mercado de trabalho, este é considerado um profissional, pode-se inferir que esta escolha é
composta de um ato reflexivo, que mobiliza a história de deste indivíduo, sua ascendência,
suas experiências de vida, e fatores internos e externos, e o mercado de trabalho. A
identificação do curso requer a aceitação, integração de motivos individuais e sociais que
posteriormente podem refletir no trabalho de qualidade (BARBOSA; GOMES; REIS; LEITE,
2011).
Esta escolha traz também o contexto da satisfação, e este é um conceito multifacetado,
com aspectos pessoais, vocacionais e da realidade do trabalho, além da percepção do mercado
127
de trabalho como otimista é essencial na escolha profissional. Educar profissionalmente
demanda então uma orientação que leve em consideração os problemas relevantes
socialmente, inclusive na escolha dos conteúdos baseados nas necessidades em saúde, não
contrário a este fato, conteúdos que abordem a escolha da profissão, como as características
da profissão, a inserção no mercado de trabalho, atendendo de alguma forma a identificação
da percepção que o acadêmico tem, além de suas expectativas enquanto profissional.
4.2 “VOCÊ VAI MOLDANDO DENTRO DE VOCÊ A CONCEPÇÃO DE UM
ENFERMEIRO” – o que é ser enfermeiro agora com a inserção na prática profissional.
Abordaremos as concepções dos discentes concluintes apresentando o enfoque
profissional presente nas concepções dos alunos, visto que este teve a oportunidade de estar
inserido no seu real campo de prática, sendo o hospital ou a saúde pública. Observaremos as
reflexões trazidas por estes alunos sobre seus conceitos da prática profissional do enfermeiro,
com enfoque na prática ocorridas nos campos hospitalares e na saúde coletiva baseado na
visão do profissional atuando em campo, como apontado na frase escolhida para
representação deste ponto.
Assim iniciaremos com a reflexão do discente concluinte sobre sua compreensão no
inicio do curso e como esta se alterou com a inserção do aluno na prática profissional,
importante salientar que este ainda reflete sobre a hegemonia médica, e a percebe como parte
do processo de trabalho, porém é ainda capaz de identificar o papel do enfermeiro apesar da
divisão do trabalho existente.
[...] no começo você acha que enfermeiro é o topetudo, que você tá, primeiro todo
mundo fala que enfermeiro é auxiliar do médico, e isso já muda, porque no início da
faculdade você acha isso mesmo, que você tá ali, pra obedecer o que o médico
falou, e só, o medico fala faz isso, faz isso, tipo, agora já no final da faculdade, você
ve que não, você tem uma graduação, igual a do médico, você tá ali, o médico vai,
dá o diagnóstico, e coisa, passar a medicação, você vai ficar responsável pelo
cuidado, são duas situações diferentes, e você ve que o médico, tipo, eu vejo isso, o
médico não está preocupado com o cuidado em si, ele tá preocupado em estar aí,
dar o diagnóstico, e a medicação, se o paciente melhora ou não, ele não vai
intervir, no seu cuidado, na sua forma de cuidar, é você quem lidera sua equipe
para agir de tal forma, agora do começo da faculdade, o que eu pensava assim, eu
tinha uma ideia errada do negócio, achava que o enfermeiro obedecia o médico, e a
enfermagem seria o serviço do técnico mesmo. O que o técnico faz eu via como o
serviço do enfermeiro. E depois vai passando o tempo e você ve que é mais, o
128
enfermeiro tem que ver a equipe como um todo, tem que fazer a educação
continuada, tem muitas coisas fora do hospital que o enfermeiro tem que cuidar
também, então, a ideia sempre muda. D.C. 01
Interessante no relato apresentado ainda é observar a reflexão feita pelo discente de
situações que considera diferente, ou seja, o ato de cuidar e o ato médico, que este
caracterizou como a conduta terapêutica (instituição da medicação e o diagnóstico). Isso
corrobora com a visão prática que este aluno passa a ter da aplicação de uma assistência de
enfermagem sistematizada, baseada em autonomia deste profissional, como é imposto pela lei
do Exercício Profissional (BRASIL, 1986), em seu artigo 11: “ O enfermeiro exerce todas as
atividades de enfermagem, cabendo-lhe privativamente: c) planejamento, organização,
coordenação, execução e avaliação dos serviços de assistência de enfermagem [...]”, e
reforçado pela Resolução COFEN 272/2002 em seu artigo 2: “ A implementação da
Sistematização da Assistência de Enfermagem – SAE –
Deve ocorrer em toda instituição de saúde, pública e privada [...]”.
Esta forma de trabalhar utilizando-se de um método de trabalho, reconhecido, aceito e
aplicado em todo o mundo, vem reforçar a implementação do trabalho do enfermeiro, como
profissional autônomo, com conhecimento científico propriamente instituído, numa tentativa
de afastar-se da submissão histórica a medicina. Esse processo permite ao enfermeiro prestar
cuidados individualizados, baseado nas necessidades humanas básicas. Assim Andrade (2007,
p. 98) reforça o exposto.
A enfermagem moderna acredita ser obrigação de cada profissional de sua equipe
contribuir para o crescimento e a renovação dos conhecimentos de sua área. Em seu
agir, tem de observar e criticar a eficiência dos métodos e técnicas que utiliza. Um
corpo de conhecimentos e procedimentos teoricamente organizados, sistematizados
e sempre reformulados se constitui em base segura para a ação eficiente. Como
estratégia para a aplicabilidade de uma assistência de enfermagem a partir do
conhecimento científico e não somente originada da prescrição médica, temos a
sistematização da assistência de enfermagem como ponto essencial na cientificidade
de nossa prática e na evolução da profissão.
A compreensão da enfermagem baseada na prática profissional como apresentado a
seguir descreve o que os discentes apontaram como resultado que a prática em campo permite
uma visão real do trabalho, e este fator como contribuinte para a concepção que estes
começam a vislumbrar no final do oitavo e nono semestre.
Nas falas apresentadas o aluno coloca este fator, prática em campo, como essencial no
que diz respeito a sua permanência no curso, sendo o quarto semestre fundamental. Neste
semestre segundo PPC (UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO, 2010) a
129
Disciplina de Fundamentos do Processo de Cuidar em Enfermagem, perfazendo 208 horas
acontece. Esta disciplina é o primeiro passo, após um período de disciplinas específicas para a
construção do conhecimento baseado em bases sociológicas e biológicas como podemos citar
embriologia, anatomia, filosofia, antropologia e outras.
Na fala a seguir apresentamos o exposto acima no que diz respeito às aulas práticas
como fator de permanência.
[...] foi quando eu cheguei no quarto semestre, eu fiz práticas a primeira vez,
reprovei de práticas, reprovei na prática mesmo, ai eu pensei será que agora eu
desisto? Será que eu largo mão, desse trem. Ai eu conversei com a Profa Heloísa,
uma vez, daí ela falou não não desiste que você vai gostar, não sei o que, não sei o
que, ai eu pensei, vamo, ai fui de novo pra prática, fiz práticas, aí começou a gostar,
ai quando eu gostei de práticas mesmo, foi quando eu fiz urgência e emergência,
com a Suellen no quinto, que foi assim que eu me achei, que meio, agente é meio
tapadinho, ainda na época, mas, começou a gostar mesmo, daí, ai o trem deu uma
alinhada.D.C. 01
A desistência do curso é um problema apontado por Araújo, Silva e Silva (2008) como
um desafio no processo pedagógico da formação dos profissionais enfermeiros, visto que o
ensinar é baseado em planejamentos normativos, com abordagens pedagógicas tradicionais. E
durante o processo de formação do enfermeiro este apresenta um conflito na formação dos
sujeitos. A questão relacionada a formar sujeitos críticos, reflexivos e questionadores em
relação ao SUS, acaba também por ser prejudicada, na justa medida em que não atende por
completo as Diretrizes Curriculares dos cursos.
Acreditamos ser essencial experimentar novas tendências e estratégias para o ensino
da enfermagem, a fim de que desde o início da graduação este aluno possa vislumbrar a
profissão e refletir sobre ela, para então buscar as transformações na prática.
Como abordado anteriormente, podemos observar no relato apresentado a seguir, em
que medida a insuficiência de abordagem as questões da prática profissional podem acarretar
em sentimentos penosos aos alunos, no que diz respeito a não compreensão sua futura prática.
[...] na verdade eu entrei sem ter muita noção, eu sabia que o enfermeiro ficava ali
cuidando do paciente o dia inteiro, mas assim, não tinha uma concepção do era
aquilo. E conforme foram passando os semestres, inclusive no quarto semestre onde
começou mesmo, as disciplinas específicas do curso, eu pensei em desistir, porque
eu comecei a me apavorar, mas hoje eu vejo que assim, o conceito mudou
completamente, o que eu pensava não tinha uma base assim concreta, e hoje eu vejo
que na verdade tudo foi se encaixando, desde o primeiro semestre até agora, foi
sendo criado um profissional, uma pessoa que está apta, pelo menos teoricamente,
para quando sair daqui atuar no hospital, no PSF, independente do lugar. D.C. 02
130
Baseado na fala apresentada acima, o discente conseguiu observar concretamente a
formação do profissional enfermeiro, assim podemos ainda afirmar que os alunos de
graduação procuram nos cenários de práticas, e estágios, locais organizados e espaços de
aprendizagem, com vistas as habilidades práticas prioritárias, por eles consideradas parte
fundamental da atuação do enfermeiro, no que diz respeito a ética e ao humanismo
(BORGES; VANNUCHI; GONZÁLES; VANNUCHI, 2010).
A representação apontada acima, como sendo resultado da expectativa deste estudante
quanto à prática do enfermeiro esta representada no seguinte relato.
[...] conforme entrou no primeiro semestre, que você já vai criando uma noção, ai
já vai falando, tal, aí no estágio que agente vai ver o que ele faz mesmo, só que
assim principalmente administração, aprendi bastante o que ele faz e introdução a
enfermagem, que eu aprendi mais. Mas ai em cada matéria, você aprende o que ele
faz em cada setor, em pediatria você aprende a função dele, com criança, em
neonatal, em urgência e emergência você aprende a função dele na urgência, e em
cada estágio vai aprendendo um pouco mais o que ele faz. D.C. 05
Assim aprofundar a discussão a cerca das propostas pedagógicas, dos cursos de
graduação em enfermagem, quanto aos alunos que ingressam no curso, suas expectativas, suas
angústias, e a prática profissional em si, tentando intregar o currículo a busca do aprendizado
pelos estudantes poderia ser uma forma ativa de possibilitar uma formação mais crítica e
reflexiva.
O relato a seguir expressa à dimensão da reflexão da prática profissional, aliado aos
conteúdos presentes na grade curricular para construir um conceito do que é ser enfermeiro.
[...] a parte prática e a parte teórica influenciaram essa mudança, por mais que ate
o oitavo semestre no caso, foi mínima essa vivencia prática, no oitavo e no nono que
agente começou a vivenciar mais, foi isso que contribuiu eu acho com maior peso,
pra essa concepção, porque agente vivenciando, por cada setor, tinha um
enfermeiro diferente, então querendo ou não você vai comparando, e você vai
moldando dentro de você a concepção de um enfermeiro, do que é, de como ele
trabalha, do que ele pode, do que ele não pode, o que ele tem que ter, o que ele não
pode ter. D.C. 02
É possível perceber até aqui a forma que os discentes apresentaram uma mudança de
concepção do que é ser enfermeiro, realizando reflexões acerca da questão, estes também
vislumbraram que a prática profissional influenciou o que acreditavam ser a enfermagem no
início do curso, sem destacar o viés de memória decorrido do tempo perpassado até o nono
semestre de graduação. Destacamos como um fator importante a inserção do aluno no campo
de trabalho do enfermeiro, para que ele possa construir seu conhecimento a cerca do processo
131
de trabalho da enfermagem e da saúde em geral, de uma forma que não somente a partir das
disciplinas que contemplam práticas, mas também desde o ingresso do mesmo, a fim permitir
certa aproximação do curso pretendido e os conteúdos iniciais da graduação como a história
da profissão (LUNARDI FILHO; LUNARDI; SPRICIGO, 2001).
Permitir então ao discente vislumbrar como se dão as relações de trabalho, o processo
de trabalho, as relações de poder, de forças, em diferentes pontos de vista, permitindo a
formação profissional visando à produção da subjetividade do indivíduo, permitindo ao aluno
como futuro profissional questionar-se, refletir sobre o profissional, das possibilidades, das
formas de resistir, enfrentar ou discordar da situação do enfermeiro, imerso no sistema de
acumulação do capital.
4.3 “ QUANDO VOCÊ TÁ DENTRO DA SALA, É TUDO MUITO BONITO” – a
enfermagem ideal confrontada com a prática real.
Buscaremos nesta seção tecer algumas considerações em relação às falas apresentadas
pelos discentes no que diz respeito à concepção de sua prática, enfatizando o ideal da
enfermagem, ou seja, uma prática que tem como seu objeto de trabalho o cuidado, sob este
olhar ideal assim Pires (2009, p. 742) apresenta o cuidado genericamente.
O cuidar em enfermagem, em termos genéricos, tem o sentido de promover a vida, o
potencial vital, o bem estar dos seres humanos na sua individualidade, complexidade
e integralidade. Envolve um encontro interpessoal com objetivo terapêutico, de
conforto, de cura quando possível e, também, de preparo para a morte quando
inevitável.
O autor supracitado corrobora com a ideia de que sob o olhar da enfermagem enquanto
trabalho, esta prática concreta não ocorre exatamente desta forma ideal dentro dos espaços
institucionais. O cuidado assim apresentado de forma conceitual e todos os atos relativos ao
cuidado, como procedimentos, atos éticos e legais, pode mostrar-se diferente durante o
momento de prática pelos personagens inseridos no mundo do trabalho, sendo que estes ainda
possuem autonomia de modificar seus atos no momento em que ocorrem, assim o cuidado, a
enfermagem e seu processo de trabalho difere-se do idealizado na sala de aula pelos docentes
aos alunos de graduação.
132
No que tange ainda essas concepções é possível observar a forma como os alunos ao
final da graduação são capazes de dimensionarem a importância do trabalho da enfermagem
inserida no contexto da produção da saúde. Também se apresentam reflexivos quanto à forma
precarizada em que os profissionais realizam o cuidado, fazendo comparações salariais, de
carga horária, condições de trabalho e percebendo a realidade tanto no âmbito público como
privado. Justificando a exposição deste núcleo de sentido com o título acima apresentado.
Apresentamos a seguir o relato do discente quanto à visão ideal da enfermagem,
aprendida em sala e reforçada pela mídia. Porém este o confronta com a realidade de suas
práticas enquanto aluno.
[...] quando você tá dentro da sala, é tudo muito bonito, o que todo mundo fala, a
enfermeiro é isso, enfermeiro é aquilo, você vai vendo aquelas mensagezinha na
internet, e coisa, como se fosse um mil maravilhas, que a vida do enfermeiro é só
realizar ação, que ele vai lá cuida do paciente, o paciente sai de lá curado, sai bem,
que o paciente vai agradecer mil anos pra você, que foi tudo aquilo, dentro do
hospital você ve que não é isso, você recebe mais chingão, do que agradecimento
[...] D.C.01
Adentramos o campo da prática profissional para refletir desde a criação da
enfermagem moderna até a atualidade e tecer algumas considerações da fala apresentada. A
imagem apresentada pelo aluno do paciente curado, dos agradecimentos ao enfermeiro, tem
uma origem histórica, explícita em no discurso de muitos profissionais, ou seja a docilização
dos corpos na enfermagem, esta tem sua raiz com Florence Nightingale, para ela a disciplina
era essencial a enfermagem, e desta forma o ponto chave para um bom enfermeiro, era ser
disciplinado o que também significava ser dócil e submisso (SOUZA et al, 2006).
Durante as décadas seguintes, conforme abordado no primeiro capítulo deste trabalho,
a busca pelo conhecimento científico aliado a procedimentos práticos alicerçou-se, sem
dissociar-se totalmente desta imagem do enfermeiro bondoso, dócil e do paciente agradecido.
O que se percebe é um contra ponto, visto a relação dos cuidadores, que se submetem a
rotinas de tarefas árduas, divergências em seu trabalho, submissos a um modelo médico
hegemônico difícil de sucumbir, visto sua total valia ao capital, pois não deixa de ser um
modelo produtor de mercadorias, no caso os atos e procedimentos de saúde, como já abordado
anteriormente.
Este aluno então percebe que o processo de enfermagem se dá sob outra perspectiva,
com jornadas extensas de trabalho, precariedade de serviços ofertados, plantões noturnos
(também as jornadas em finais de semana e feriados), além da competição profissional e falta
de ética seja pelos profissionais enfermeiros, mas principalmente uma ética que conduza
133
interdisciplinarmente o trabalho na saúde, enfatizando principalmente o profissional médico
(SOUZA et al, 2006).
A afirmação trazida na fala a seguir confirma como o ideal concretiza-se em um real
frustrante ao discente, em diversos momentos, mas mais especificamente nos momentos de
atuação direta com o paciente como durante a realização de procedimento.
[...] agente acaba tendo uma visão diferente, porque você ve que o que você
aprende, você não pode colocar em prática tudo, porque, não tem subsidio, não tem
vamos dizer assim, você não tem formas de você fazer. Muitas vezes assim você tem
vontade de fazer, mas não tem estrutura, você atende uma população, vamos dizer,
que você trabalhe em um PSF, você não consegue abranger a população toda, que é
da sua área, num hospital, você não consegue fazer um atendimento humanizado
com todos os pacientes, tem vez que você está com trinta pacientes num quarto,
como você vai fazer trinta SAE, numa noite, num plantão de doze horas, é difícil.
D.C. 04
Pode-se ainda perceber que a precarização do cuidado, enquanto o provimento de
materiais, de reais condições para que ele aconteça ocorre não somente em âmbito hospitalar,
mas também na Estratégia de Saúde da Família (ESF), onde os alunos dentro do Programa de
Saúde da Família (PSF), por ela citado exige uma abrangência não somente local, mas
territorializada das ações de saúde, e cabe ao enfermeiro dimensionar seu espaço de trabalho.
Esta ainda aborda a obrigação legal de realização da Sistematização da Assistência de
Enfermagem, cobrada pelo Conselho Federal de Enfermagem, instituída na Resolução
COFEN 358/2009, em seu art 1º “O processo de enfermagem deve ser realizado, de modo
deliberado e sistemático, em todos os ambientes, públicos ou privados, em que ocorre o
cuidado profissional de enfermagem”, sendo ato exclusivo do profissional enfermeiro, que
deve ser devidamente registrado, mas que compreende cinco passos (coleta de dados,
diagnóstico de enfermagem, planejamento de enfermagem, implementação e avaliação de
enfermagem).
A inviabilidade na questão tempo e número de pacientes é evidente, mas também é
evidente o quanto esta prática é essencial para enfermagem, no intuito permitir que o cuidado
se dê de forma organizada, efetiva, e com qualidade tanto prática quanto resolutivamente. O
enfermeiro então sujeito ao mercado capitalista submete-se a necessidade de subsistir,
permitindo-se não contribuir efetivamente para sua prática, o que culmina na precarização do
seu cuidado. Na verdade não existe uma escolha, pois entre ter que ser responsável por todo o
cuidado de um número extrapolado de pacientes, e uma equipe para comandar, e a falta de
salário para subsistir o enfermeiro, assim como outras profissões sujeita-se a depreciação de
seu trabalho e sua saúde.
134
Assim todos os fatores apresentados acima, tem repercussão no cuidado, e apesar do
cumprimento de resoluções, e das diretrizes curriculares dos cursos de graduação em
enfermagem, repercutem no produto, ou seja, na formação do profissional como elabora
Souza et al (2006, p. 807).
Apesar das mudanças no currículo de enfermagem, das discussões suscitadas dentro
das escolas que culminaram na elaboração, em 1990, das diretrizes curriculares para
a profissão, ainda não produziram mudanças profundas no ensino de enfermagem no
sentido de aproximá-lo o mais possível das exigências do mercado de trabalho e ao
mesmo tempo de preparar profissionais comprometidos com uma verdadeira
transformação da realidade prática da enfermagem brasileira. O cuidado de
enfermagem está distanciado da prática profissional à medida que os enfermeiros
não têm conseguido, com poucas exceções, viabilizar ações de enfermagem voltadas
para o cuidado individualizado da clientela. A ênfase nos procedimentos técnicos,
mediante o cumprimento de regras e normas e da priorização de tarefas voltadas
para aspectos biológicos do ser humano, ainda está presente no seu cotidiano, o que
muitas vezes a torna apenas uma atividade complementar à atividade de outros
profissionais, principalmente da atividade médica.
Ou seja, mudanças profundas não foram efetivas nos currículos, não havendo mudança
real na formação de profissionais críticos e reflexivos em um contexto brasileiro, este devem
visualizar o enfermeiro enquanto defensor da saúde de todos, comprometido com a profissão,
na justa medida que seja capaz de integrar os conhecimentos práticos aos conhecimentos
adquiridos em sua graduação, com a formação de um elo, que não se rompa com a inserção no
mercado de trabalho.
Mas em que medida esta realidade pode ser mudada, ao olharmos o mundo do trabalho
de uma forma geral? A precarização do cuidado, o objeto de trabalho do enfermeiro, escorre
por suas mãos, e torna-se pouco palpável, e indiscutivelmente ideal, sob a exploração do
capitalismo.
O enfermeiro dissociado de seu objeto de trabalho, da capacidade idealiza-lo, realiza-
lo e concretiza-lo, esta passa sofrer decorrente da expropriação de seu trabalho, e neste ponto
sob uma leitura marxista, as pressões acentuam as necessidades, faz-se crescer as carências, a
medida que o modo de produção capitalista coage o homem a trabalhar, na produção de mais,
para receber menos. Como já elaborado anteriormente os detentores dos meios de produção
acumulam e os executores perdem-se do produto de seu trabalho. O tempo despendido nesta
disputa entre o trabalhador e o capital desgasta a vida do homem, e não diferente de um
trabalhador da construção civil, os profissionais da saúde, aqui representados pelos
enfermeiros também gastam suas vidas.
135
Esta manipulação a proveito do capital, do tempo de trabalho, da força de trabalho,
cega o individuo que não se vê instrumento de trabalho, e de alguma forma não pode
relacionar sua importância enquanto engrenagem desta máquina. O relato a seguir
apresentado, coloca o enfermeiro como ponto central de um processo ímpar, a produção do
cuidado, sendo que este assim caracteriza o trabalho do enfermeiro:
[...] é uma bagagem enorme, é sei lá dentro do âmbito hospitalar, e relacionado a
saúde mesmo, independente do local que o enfermeiro trabalhe, eu acredito que o
peso maior sempre cai sobre o enfermeiro, é incrível isso, porque é assim, em
relação aos técnicos ele tem que ser a referencia, em relação aos médicos também,
que médico nunca tá a par de toda a situação, então sobrou alguma coisa, então ah,
é o enfermeiro. O técnico, ah eu tenho um problema, ah, é o enfermeiro, então assim
é uma profissão que, que além de toda a bagagem teórica, que você tem que ter
durante todo o curso e até a experiência conforme você for trabalhando, você tem
que ter uma capacidade, de relacionamento, e de estar uma postura frente a equipe,
que eu acho que é impar. É bem diferente em relação as outras profissões da área
da saúde, porque por mais que você tenha uma equipe multidisciplinar, num
ambiente que você tá trabalhando, eu pelo menos vejo assim que o enfermeiro é
referencia, pra tudo. D.C. 02
A responsabilidade do enfermeiro o processo de trabalho na saúde, excede o cuidado,
o enfermeiro é percebido como ponto de intersecção entre os profissionais da saúde, como
demonstrado acima e no relato que se segue.
Acho que é uma responsabilidade muito grande, por que você é tudo, você é
psicólogo, você é meio médico, tudo. E é você cuidar do paciente, você ter aquela
responsabilidade de olhar o paciente com um todo, por que ele tá assim, se ele tá
com aquela doença, se por que, é problema em casa, na alimentação, enfermagem é
cuidado, cuidado integral ao paciente. D.C. 04
Sob a perspectiva do capital, é interessante que o trabalhador dissocie-se do seu ato
produtivo, e assim sem uma visão do todo, este passa ser um instrumento a serviço da
acumulação capitalista, como apresentado nas falas dos discentes de graduação este consegue
enxergar o papel fundamental do enfermeiro. Outro ponto dentro das estratégias capitalistas
para a alienação do trabalho é a divisão do trabalho, no sentido de desvalorizar e até mesmo
simplificar o trabalho individual, reduzindo a capacidade criativa e subjetiva do trabalhador,
visto que este não participando da concepção de seu trabalho não reflete sobre a tarefa a ser
executada (LUNARDI FILHO; LUNARDI; SPRICIGO, 2001).
Acreditamos ser este um fator contribuinte para a situação de precarização que o
trabalhador enfermeiro vivencia, pois este não consegue atingir o cuidado idealizado, sua
assistência parcela-se seja através da divisão intelectual do trabalho que acontece no que diz
respeito à presença de uma classe técnica, que executa a tarefa, ou seja, pela presença da
136
divisão do trabalho da saúde, com a presença de diversos atores no cenário do cuidado. Sob
esta perspectiva por não conseguir visualizar sua contribuição na produção do cuidado, não se
vislumbra necessário a tal medida que possa engendrar lutas para uma mudança de
paradigma, considerando a precarização do seu cuidado.
A concepção do discente de graduação quanto à importância do trabalho do
enfermeiro, sua centralidade dentro do processo de produção do cuidado, esta representado
nas falas a seguir.
Eu acho que o enfermeiro do hospital ele tem que se responsabilizar pela
administração, da saúde pública ele aborda mais a comunidade em geral, as
condições de trabalho, as vezes as condições de trabalho eu acho que tem forçado
um pouco a responsabilidade dos enfermeiros, por exigir uma carga horária muito
alta de trabalho, sendo que o trabalho é muito duro né, dentro do hospital para o
enfermeiro, por que ele é responsável por uma série de, de uma equipe e tem que ser
responsável pelos atos desta equipe, então ele tem que treinar para que ele não
precise responder por algo, que aconteça dentro da instituição, então é isso, eu
acho que o enfermeiro da saúde pública então ele tem que abordar uma população
de certa quantidade de pessoas, então ele tem que ser treinado para poder saber
desenvolver as formas de abranger esse pessoal, então se ele não recebe uma boa
formação ele não consegue atingir essa população, e as metas do SUS de
abordagem ficam defasada, então, acho que o enfermeiro de saúde pública, tem sua
importância fundamental nas atitudes preventivas de saúde. D.C. 03
O enfoque dado neste relato diz respeito à concepção de como o discente compreende
a responsabilidade forçada a qual o enfermeiro responde no exercício legal da profissão, mas
principalmente em que medida esta é demasiadamente imposta se levar em consideração as
condições para execução do cuidado. Corroborando a fala apresentada acima, o discente a
seguir observa que a coordenação da equipe é a cargo do enfermeiro, e sua obrigação se dá
inclusive na observação dos outros atores como no caso do profissional médico.
[...] o enfermeiro é o que, na minha visão, é o coordenador, é o responsável, pelo
cuidado, é tão importante quanto o médico, tão importante porque, se não tiver esse
cuidado, não ia adiantar nada prescrever, antibiótico, prescrever medicamento se
não, vai dar infecção, vai complicar, o psicológico do paciente também não vai
ajudar, o apoio da família e tudo, o enfermeiro é, que vai faltar no hospital, que vai
gerenciar tudo, se não tiver o enfermeiro, não anda, e assim, é isso, e o bom
enfermeiro, é aquele que coordena, que tem visão, que dá atenção pro paciente
também, e que sabe fazer o exame físico, que sabe observar quando está ruim,
quanto que não tá, que dá o atendimento e não somente o procedimento. [...] No
início eu não sabia muito bem o que era ser enfermeiro, que ele tinha um pouco
mais de responsabilidade do que o técnico, e também não tinha toda a autonomia,
digamos assim, que agente vê. Eu não sabia que tinha tanta sobrecarga de trabalho,
e o estresse do médico, mas eu acho que é só. D.C. 05
137
Ainda no que diz respeito às falas supracitadas e a centralidade do enfermeiro no
processo de trabalho na saúde, e do seu papel de gerente do trabalho Lunardi Filho, Lunardi e
Spricigo (2001, p. 96) refletem.
Há que se ressaltar que o enfermeiro, ao dedicar-se ao gerenciamento das tarefas
desempenhadas pelos demais membros da equipe de enfermagem, apesar do
controle que este lhe possibilita, seu raio de ação tem-se restringido,
fundamentalmente, aos aspectos inerentes à concepção do funcionamento
assistencial global, na unidade de trabalho, fugindo-lhe, na maioria das vezes, o
controle sobre os aspectos pertinentes à concepção e execução de cuidados em nível
individual, em posse de seus subalternos. Então, o enfermeiro, como gerente do
processo de trabalho da enfermagem, exerce o controle sobre seus subordinados,
porém, contraditoriamente, no exercício de tal função, assujeita-se aos desejos e ao
controle da direção, em detrimento de sua própria autonomia.
Ao compilar os vários pontos apresentados nas concepções dos discentes quanto ao
trabalho do enfermeiro, destaca-se o fato deste profissional ser de fundamental importância no
processo de produção do cuidado, o fato deste apresentar-se com uma responsabilidade
demasiadamente extensa sob o enfoque da responsabilidade pelo trabalho de outros, enquanto
gerente do cuidado, mas também se evidencia nos relatos as percepções destes discentes
quanto a exploração do trabalho, porém sem uma reflexão mais aprofundada do modo
capitalista de produção.
Torna-se impossível não questionar o porquê então do papel submisso desta profissão,
não somente no que diz respeito as suas relações de trabalho com outros atores do cuidado, no
caso o profissional médico, mas também a sua submissão a precarização do seu trabalho, que
ocorre de diversas formas, seja pelas extensas cargas horárias, pelas más condições de
realização do cuidado, pela má remuneração. Sendo ainda mais evidente quando comparado
aos ganhos salariais do profissional médico.
Para Lunardi Filho, Lunardi e Spricigo (2001), estas questões enunciadas tem uma raiz
que transcende a formação visto que este profissional está imerso em uma teia de relações de
poder, onde sofreu um processo de assujeitamento, marcado pela história através de seu
caráter vocacional, através da questão do gênero predominante da profissão, como fatores
indissociavelmente ligados a esta situação consentida. É fato que existe nos discursos da
formação deste profissional, um ideal de formação do profissional crítico, reflexivo,
politizado com autonomia, criatividade e liderança, contanto o que observa-se é um
profissional que sujeita-se e submete-se à determinações superiores e o julgo capitalista para
acúmulo do capital.
138
A história desta profissão como abordado no primeiro capítulo deste trabalho, pode
esclarecer muitas questões relacionadas à submissão, porém é obrigação do enfermeiro ao
cumprir seu código de ética profissional (CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM,
2007) em sua seção 1, artigo 10 dispõe sobre os direitos dos profissionais é interessante
ressaltar que este tem como direito recusar-se a executar atividades que não sejam de sua
competência, mas principalmente é direito deste recusar a executar atividades que não sejam
capazes de oferecer segurança ao profissional, à pessoa, à família e a coletividade.
Sob este aspecto, destacamos que o argumento supracitado também reforça como este
profissional ao submeter-se a formas precárias de trabalho, seja através dos contratos de
trabalho, ou mesmo na precariedade de materiais para execução do cuidado, não está ele
contrariando o próprio código de ética profissional. Afinal em que medida as consequências
das formas precárias em que seu cuidado se dá pode afetar negativamente o indivíduo a ser
cuidado, ou até mesmo ele profissional ao desgastar-se, estressar-se, a ponto que suas
atividades laborais possam ser prejudicadas, implicando em dano?
Na formação deste discente estas questões poderiam ser discutidas mais a fundo,
perfazendo um resgate histórico dos fatos, mas sob um olhar de crítica ao sistema hegemônico
imposto, que descaracteriza o trabalho sob diversas formas, expropria a atividade intelectual,
prazerosa, e engendra formas cada vez mais duras para a acumulação de capital, sendo que a
área da saúde não se difere de outras, mas sim acrescenta o fato de seu trabalho ser executado
em um indivíduo.
4.3.1 Além do ideal e o real está o trabalho no setor público e no setor privado –
considerações quanto a precarização.
Em continuidade as ideias expostas anteriormente, destacaremos além a concepção
dos discentes de graduação quanto ao trabalho do enfermeiro, as impressões do que é precário
para este, observamos que o conceito apresentado tende a prática dos atos de cuidar, porém
não deixam de expressar suas impressões sobre carga horária de trabalho, diferenças salariais,
condições materiais para a realização do cuidado, e as diferenças percebidas no âmbito da
saúde no setor público e no setor privado, refletindo-se em qualidade da assistência prestada.
139
Assim o conceito de trabalho precário como apresentado no capitulo anterior está
ligado às formas diversas e flexíveis de contratação, porém estas formas flexíveis podem
tornar-se precárias em relação a direitos do trabalhador. E ainda sob o ponto de vista de
Baraldi (2005) sobre o que considera trabalho precário, como uma descaracterização do
trabalho no que diz respeito a recursos disponíveis para a realização do cuidado, compõe
como apontado pela autora uma forma de trabalho precário, na medida em que o trabalhador
não pode reconhecer seu trabalho em seu amplo sentido, de satisfação, de instrumentos
necessários para sua execução, afetando diretamente na qualidade do cuidado prestado.
Vislumbramos ao questionar os alunos sobre o que estes conhecem do trabalho do
enfermeiro, das condições de trabalho e da precariedade da mesma, a existência de duas
vertentes, como apontado no título deste tópico, este discente por realizar suas práticas tanto
em âmbito da saúde pública, como na hospitalar, em instituições públicas e particulares,
revelou aspectos contraditórios e interessantes quanto a precarização, levando em
consideração os conceitos acima apresentados.
Ai tem duas coisas, depende da instituição que você está trabalhando, acho que vai
muito disso, independente da instituição, acho que hoje o enfermeiro não tem
salário bom, principalmente porque você não deixa de comparar com o salário de
um médico, um médico vai ganhar quinze vinte mil, então você compara, agora as
condições depende da instituição, porque tem instituição, dá pra colocar nosso caso
aqui, eu to estagiando em instituição pública, lá você não precisa se preocupar com
material, você não precisa se preocupar com, assim, quanto você vai gastar pra
fazer um procedimento, então você consegue fazer um trabalho mais eficaz, mais
cuidar certinho de tudo, agora quando você vai numa instituição privada, você tem
que ficar cuidando e você tem a cobrança, da instituição que diz assim, não gasta
mais que isso, não faz mais que isso, porque se acontecer você vai ter que tirar do
seu bolso, e você vai ter que fazer isso, intão isto varia, mas, em termo de tempo
tanto na pública, quanto na privada, você vai ter que fazer 12 por 36, as vezes tem
que fazer um plantão extra, para cobrir alguém, porque tem muita falta, mas é, pra
quem gosta, não pode desistir. D.C. 01
Apresentamos o relato acima destacando aspectos apontados por quase a totalidade
dos relatos, sendo estes a diferença salarial entre médicos e enfermeiros, as diferenças
materiais em relação ao serviço público e privado, e a carga horária imposta a esses
profissionais. Mas também um trecho repetiu-se nos relatos, e que foram marcantes aos
discentes iniciantes, ou seja, a submissão à forma precária como o enfermeiro está inserido no
processo de trabalho na saúde, com um tom de conformismo, baseado em um gostar,
distanciando novamente as questões de luta por melhores condições de trabalho. Assim
também apresentamos em destaque no trecho a seguir.
140
[...] eu adquiri conhecimento, adquiri bagagem teórica, e prática, dentro do curso
de enfermagem, agora eu acho que se eu não tivesse esse apreço, esse cuidado com
as pessoas, eu teria que desistir do curso [...] as opções que estamos tendo ao sair
da faculdade eu acho que o salário do enfermeiro poderia ser melhor comparado ao
salário da medicina por exemplo, por que a responsabilidade é maior, um médico
ele tem que fazer um diagnóstico, mas quem vai prestar esse cuidado, quem vai
acompanhar esse tratamento? Quem vai fazer essa pessoa seguir ou não esse
tratamento? É o enfermeiro. Quem vai ser responsável por uma atitude de
enfermagem errada, pela equipe é o enfermeiro. Então eu acho que as condições de
trabalho são defasadas, eu acho que o enfermeiro deveria sim receber um salário
maior, deveria ter uma carga horária um pouco reduzida, para que pudesse prestar
um cuidado de maior qualidade [...] D.C. 03
Para Padilha et al (1997) a questão do apreço ou vocação para o cuidado tem um
caráter histórico, já apresentado, e o papel dócil dos profissionais enfermeiros refletem-se
ainda na diferença salarial percebida como discrepante, mais precisamente no que diz respeito
ao salário do profissional médico, de certa forma ligado ao conformismo do enfermeiro
(PADILHA et al, p. 25).
Estudos mais críticos foram publicados a partir da década de 80, com uma
preocupação em compreender a enfermagem como parte de um processo histórico,
social, cultural, político e educativo, analisando e denunciando de modo mais nítido
a conduta humilde, conformista e dócil das enfermeiras nas relações com quem
representa o poder, contrário a sua conduta autoritária, frequentemente assumida nas
relações com os demais elementos da equipe de enfermagem. Não obstante, grande
parte desses estudos é restrita à enfermagem “nightingaleana”, a qual só se tornou
realidade no Brasil, com a criação no Rio de Janeiro, da Escola de Enfermeiras do
Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1923.
Assim o que existe hoje na enfermagem, é uma herança decorrente de uma profissão
que historicamente foi feminina, vocacional e não linear estes fatores influenciaram e ainda
influenciam a ação dos profissionais no que diz respeito a lutas por direitos, sejam salariais,
contratuais e de execução das atividades do cuidado. O discurso e comportamento baseado em
estereótipos das enfermeiras também esta contido nas falas de outros profissionais como o
profissional médico, como demonstra o estudo de Padilha et al (1997, p. 27).
O momento em que Nightingale cria a profissão de enfermagem na Inglaterra
coincide com as transformações evidenciadas por Foucault no ambiente hospitalar,
estabelecendo o vínculo entre o saber de enfermagem e o saber médico, numa
situação de subordinação. Acreditamos que o fato desta relação se estabelecer (na
maioria das vezes) entre gêneros diferentes, com a predominância específica do
gênero feminino para a enfermagem e até bem pouco tempo do gênero masculino
para a medicina, tem um peso significativo na forma como se relacionam esses
profissionais.
141
Buscando elaborar a questão submissão desta profissão, podemos perceber que as
raízes são profundas e históricas, consideramos relevante abordar ainda que o gênero
feminino também tem uma história de preconceitos e estereótipos tão antiga quanto à
humanidade, assim corroborando a isto Spindola e Santos (2005, p. 157) coloca alguns fatores
comuns entre o ser mulher e a enfermagem.
Quanto à enfermagem como opção profissional decorre do fato de ser uma profissão
de mulheres, do gênero feminino, que envolve representações sociais inerentes às
"características" da mulher ideal numa sociedade ainda dominada pelos homens, tais
como: submissão, abnegação, disciplina, pureza, humildade e domesticidade. Assim
sendo, foi só deslocar uma cultura pronta, que era da mulher, mãe e esposa no
espaço privado cuidando da casa, dos filhos e do marido, para o espaço público:
substitui-se, neutralizando, a casa pelo hospital, os filhos pelos sujeitos do cuidado,
o povo e o marido pelo médico.
Finalizando a ideia da hegemonia médica Padilha et al (1997, p. 31, negrito do autor)
finaliza seu estudo constatando algo que pretendemos demonstrar até aqui.
No passado e no início deste século, o poder disciplinador das palavras contidas no
discurso médico auxiliou na forma como foi modelado e docilizado, com a ajuda da
Igreja, o comportamento daquelas que eram eleitas para cuidar dos doentes e manter
a organização do espaço hospitalar. É a formação profissional da enfermeira
modelada pelo discurso médico construindo imagens estereotipadas e demarcadas
pelas enfermeiras “nightingaleanas”, e que foram se constituindo em modelos de
comportamento desejado e até mesmo esperado pela equipe de saúde e pela
sociedade a quem prestamos serviço. As características marcantes no
comportamento da enfermeira eram o silêncio, a cortesia, a obediência e o espírito
de servir ao próximo sem esperar recompensa. A enfermeira foi se configurando
como o detalhe branco e silencioso, presente e indispensável, distante e impessoal,
contida e contendo, obediente e servil – mulher ocupando o espaço público para o
trabalho, mas ainda privada da liberdade de ser, fazer e sentir como desejasse.
Dessa forma ainda que exista a presença do gênero masculino no trabalho em
enfermagem é relevante destacar esses aspectos para procurar compreender a dinâmica das
relações dos trabalhadores. Podemos então suscitar pontos relativos à defasagem entre os
salários dentro da área da saúde, destacando o médico, também ligado a uma hegemonia
histórica conforme abordado no segundo capítulo deste trabalho, visto que tratam de
profissões distintas, dessa forma não há como comparar a questão salarial médica e da
enfermagem, porém questionar a melhoria salarial é fundamental.
Assim não somente das questões salariais entre os profissionais consistiram as falas
dos discentes, mas estes apresentaram ainda uma diferença em relação ao trabalho nas
instituições públicas e privadas, sendo que os salários mais altos consideram as públicas e
142
também a questão da execução do cuidado, em relação ao aporte material. Diferentemente do
que ocorre no privado, como demonstrado pelo discente D.C. 01 e no relato de D.C. 05.
[...] agora as condições depende da instituição, porque tem instituição, dá pra
colocar nosso caso aqui, eu to estagiando em instituição pública, lá você não
precisa se preocupar com material, você não precisa se preocupar com, assim,
quanto você vai gastar pra fazer um procedimento, então você consegue fazer um
trabalho mais eficaz, mais cuidar certinho de tudo, agora quando você vai numa
instituição privada, você tem que ficar cuidando e você tem a cobrança, da
instituição que diz assim, não gasta mais que isso, não faz mais que isso, porque se
acontecer você vai ter que tirar do seu bolso, e você vai ter que fazer isso [...] D.C.
01
Depende muito do lugar e da condição, se ele trabalha no particular, ele tem que
economizar material, a ter pouca verba pro pessoal dele, atender muito, muito,
excelentemente bem todos os clientes, todos os clientes bem, porque qualquer coisa
reclama, mais exigente mesmo, e no SUS, tem que também atender muito bem,
porque, porque se não nossa, no estágio do boa esperança lá, meu deus, você
atendendo muito, muito, muito bem as pessoas ainda, só porque é SUS, ainda tem
ainda aquele preconceito de que não é bom, de que vai atender de qualquer jeito, de
que vai fazer de qualquer jeito, de que não tem consideração pela pessoa, então eles
já chegam com aquela visão, então eles já chegam meio bravo, entendeu? D.C. 05
Percebe-se em ambos os relatos as diferenças materiais, e o resultado no cuidado,
quanto se trata de maior cobrança pela instituição privada, porém sem garantir um cuidado
feito com qualidade, e na instituição pública o cuidado pode ser melhor executado, visto as
condições materiais. Neste sentido Anselmi, Angerami e Gomes (1997), realizaram um estudo
sobre a rotatividade dos profissionais da saúde na cidade de Ribeirão Preto, tanto em
instituições públicas como privadas, destacando os seguintes pontos (ANSELMI;
ANGERAMI; GOMES, 1997, p. 49).
No tocante aos hospitais privados onde a lógica predominante é a de mercado, em
que a produtividade deve traduzir matematicamente o uso mais eficiente entre
capital e trabalho na busca de maximização dos lucros e minimização dos custos, o
trabalhador, assim como os demais recursos produtivos, pode ser manipulado no
sentido de conter ou estimular os desligamentos, conforme estes afetem a
produtividade organizacional. A rotatividade encontrada nestas instituições, para
algumas em níveis comprometedores, leva-nos a refletir acerca das bases ou critérios
que alicerçam a produtividade. Em algumas instituições filantrópicas e privadas, o
mecanismo de redução e controle de custos foi supostamente a própria rotatividade,
com a substituição de categorias mais qualificadas, com salários maiores, por
categorias sem preparo formal e de menor custo, como os atendentes.
Lógica de mercado, exploração capitalista, eis o contexto que a enfermagem e as
outras profissões da área da saúde estão inseridas, sob esta lógica esta também o paciente que
necessita dos atos de saúde, e que sofre as consequências da precarização através da
insegurança de ser receber cuidado integral, efetivo e eficiente, e ao profissional resta
143
submeter-se ao que tem para manter sua sub-existência, mais ainda submisso do que a história
já lhe imprimiu, visto que a esta lógica de mercado, está também a competitividade e a
possibilidade de perda do emprego, com danos salariais mais expressivos.
Dentre os apontamentos dos discentes sobre o que acreditam ser precarização estão as
formas de utilização do tempo de trabalho, ou seja a jornada de trabalho extenuante que este
imprime no seu dia a dia. Assim representada nos relatos a baixo.
Querendo ou não eu sei mais do que hoje agente ve na prática, só que assim, eu
acredito que não é o ideal, as condições que agente encontra não são as ideais
porque, pelo menos aqui, são plantões de 12 por 36 nos hospitais, o salário não é o
melhor do mundo, então o profissional vive trocando plantão, as vezes fica 24
horas, 36 horas, então, ao meu ver isso não é favorável, porque chega um momento
que você não rende mais, e você já ta num ambiente, que querendo ou não você está
com tudo nas suas costas, então são inúmeros pacientes, sabe, uma, duas, três
enfermarias, que você tem que estar atento e você tem que estar responsável por
aquilo, então. E também a questão de os hospitais aqui também, a estrutura também
não é a melhor, recursos materiais também é muito falho ainda, então o enfermeiro
ele trabalha no limite ali, ele faz o que pode e o que não pode, pra prestar uma
assistência o mais próximo do adequado, pro paciente. D.C. 02
São precárias, muito precárias. O salário, não é valorizado. A carga horária, 40
horas semanais, é puxado. A estrutura, vamos dizer assim, não dá condições para
ele, poder trabalhar, para ele poder fazer, o atendimento correto, que muitas vezes
não tem material, falta material, falta a equipe, falta o técnico atender aquele
paciente, falta médico, então não é só o salário que está ruim, é toda a estrutura.
Pelo o que agente aprendeu e pela prática que agente tem realidades muito
diferentes, que você aprende a fazer de uma forma, e que chega lá você tem que
improvisar, você tem fazer de uma maneira diferente, então [...] D.C. 04
Assim iniciava Pires (2009, p. 659) a redação do editorial da Revista Brasileira de
Enfermagem.
Este número chega aos leitores em um momento histórico de grande mobilização
pela aprovação, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei 2295/2000, que limita a
jornada de trabalho dos profissionais de Enfermagem em 30 horas semanais.
Esperamos fechar o ano de 2009, com a conquista da definição deste padrão mínimo
requerido para o desenvolvimento de um trabalho seguro para os profissionais de
enfermagem e para os usuários dos serviços de saúde. Trata-se do resgate de uma
dívida do Estado brasileiro para com este grupo profissional que desenvolve um
trabalho tão importante quanto a própria vida.
Porém desta forma Pires et al (2010, p. 116) vai finalizando seu artigo a respeito das
sonhadas 30 horas semanais da jornada de enfermagem.
Em outubro de 2010, o empenho das entidades e as fortes mobilizações da
enfermagem conquistaram a inclusão da reivindicação de regulamentação da jornada
de trabalho na agenda das eleições para a presidência da República, com
posicionamento favorável dos candidatos que disputavam o segundo turno. Nesse
144
novo cenário, aumentam as possibilidades de aprovação do PL 2295/2000 ainda
nessa legislatura.
Não há argumentos quanto aos benefícios que uma jornada justa e medida do trabalho
da enfermagem trariam ao usuário da saúde. Assim também os relatos dos discentes
apresentados anteriormente denotam o quão este trabalho é prejudicado ao ocorrer no formato
em que se encontra, mas principalmente como a percepção do trabalho do enfermeiro como
árduo, e estafante é observado por eles, mesmo antes de estarem definitivamente inseridos no
contexto prático.
A luta pela enfermagem em um contexto de 30 horas semanais de trabalho, é um ponto
fortalecedor para a profissão, no contexto social principalmente, pois trata-se do
reconhecimento do trabalho que se realiza em condições diferenciadas, necessitando que sua
prática ocorra de forma segura. Por trabalhar com a dor, conviver com o sofrimento,
enfermidades, em turnos extensos, durante feriados e finais de semana, são somente alguns
pontos, quando comparado às más condições para o trabalho, o excesso de responsabilidade e
a pouca valorização tanto salarial quanto social, levam o profissional experimentar-se doente,
além dos altos índices e absenteísmo na profissão (PIRES et al, 2010).
Há doze anos a enfermagem luta pela jornada de trabalho de 30 horas, não contando o
tempo decorrido desde a aprovação da Lei do Exercício Profissional, que teve como único
ponto vetado, justamente a jornada de trabalho de 30 horas, compatível com a situação em
que este trabalho se dá. O mais importante desta medida seria sacramentar algo que parece
óbvio e normal a todos os profissionais da saúde, ou seja, a garantia do cuidado prestado de
forma segura, além disso iniciar uma desprecarização do trabalho da enfermagem, no que diz
respeito as formas justas de contratação, e assim permitir que este não necessite desenvolver
duplas jornadas de trabalho, que atualmente consistem em cerca de 88 horas semanais (PIRES
et al, 2010).
Refletindo sobre o exposto acima, não é possível cuidar desta forma, não é possível
viver desta forma, mas é a realidade de muitos profissionais da saúde, não somente o
enfermeiro há ainda os que se sujeitam a plantões noturnos e diurnos, possibilitando períodos
de sono a cada 24 horas apenas.
Finalizo a expropriação percebida do trabalho humano pelo capital, com Antunes
(2001, p. 44).
Neste sentido, desregulamentação, flexibilização, terceirização, downsizing,
“empresa enxuta”, bem como todo esse receituário que se esparrama pelo “mundo
empresarial”, são expressões de uma lógica societal onde tem-se a prevalência do
capital sobre a força humana de trabalho, que é considerada somente na exata
145
medida em que é imprescindível para a reprodução deste mesmo capital. Isso porque
o capital pode diminuir o trabalho vivo, mas não e l i m i n á - l o. Pode intensificar
sua utilização, pode precarizá-lo e mesmo desempregar parcelas imensas, mas não
pode extinguí-lo. Estas consequências no interior do mundo do trabalho evidenciam
que, sob o capitalismo, não se constata o fim do trabalho como medida de valor,
mas uma mudança qualitativa, dada, por um lado, pelo peso crescente da sua
dimensão mais qualificada, do trabalho multifuncional, do operário apto a operar
com máquinas informatizadas, da objetivação de atividades cerebrais. Por outro
lado, pela intensificação levada ao limite das formas de exploração do trabalho,
presentes e em expansão no novo proletariado, no subproletariado industrial e de
serviços, no enorme leque de trabalhadores que são explorados crescentemente pelo
capital, não só nos países subordinados, mas no próprio coração do sistema
capitalista.
A enfermagem experimenta não o fim da natureza de seu trabalho, o cuidado, mas sim
uma mudança qualitativa do mesmo, sob a forma da precarização, sendo esta não restrita
unicamente aos contratos de trabalho, mas principalmente em um não reconhecer sua prática,
e um não reconhecer-se enfermeiro, sob o julgo capitalista. Porém não somente com um tom
conformista e de submissão a realidade desta profissão deve manter-se na inércia, mas sim
utilizar de seus apoios legais, seja através do seu código de ética, seja através das melhorias
na formação do aluno crítico e reflexivo, mas principalmente na tentativa de extrair os pontos
negativos deixados da história desta profissão, e permitir que uma nova história possa ser
construída, imersa em conceitos reflexivos da prática e atitudes efetivas para implementação
real.
146
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta dissertação versamos sobre o trabalho da enfermagem, sob a percepção dos
discentes do curso de graduação em enfermagem, estes alunos pertenciam a distintas etapas
da formação profissional, sendo os alunos que haviam acabado de adentrar a universidade, e
os alunos que estavam na última etapa do curso, no nono semestre de graduação.
O enfoque dado ao trabalho teve como principal apoio a escolha profissional feita
pelos discentes, fundamento para tecermos algumas considerações sobre a prática profissional
da enfermagem, confrontando paradigmas, na tentativa de desvelar as concepções que
discentes iniciantes e concluintes do curso de graduação em enfermagem têm sobre o que é a
profissão e tecer considerações entre estas concepções e a precarização do trabalho na saúde e
na enfermagem.
A relevância desta pesquisa encontra-se no tocante as concepções dos alunos em
relação ao trabalho do enfermeiro, voltando-se para uma reflexão real das condições precárias
da execução do cuidado de enfermagem, que refletem diretamente na qualidade do cuidado a
ser prestado.
Valemo-nos do referencial do materialismo histórico dialético para tratar questões
referentes à produção e reprodução material da vida humana nos diferentes contextos
históricos, desta forma o trabalho emerge como tema central desta dissertação, em um
contexto assumido por esta profissão.
Baseado em um contexto histórico a enfermagem e o trabalho percorreram um longo
período sob diversos olhares, o cuidado mudou em seu sentido conceitual, mas principalmente
da forma como foi entendido e assumido nos diversos momentos históricos, e assim o
trabalho nos diferentes modos de produção também assume diversos enfoques, porém é com o
capitalismo que se apresenta de modo alienante, o trabalhador neste contexto não é mais dono
de seu trabalho, mas sim força de trabalho que é comprada para o ganho do capital.
A enfermagem, a saúde e cuidado possuem pontos dentro da história determinantes
para a construção dos saberes práticos e teóricos. Assim para entender este contexto histórico
utilizamo-nos de autores da história da profissão como Padilha (2011, 1997, 1998), e através
de sua leitura observamos que as formas que o trabalho da enfermagem assumiu durante toda
a história, tendo como ponto de profissionalização o legado de Florence Nightingale, foram
147
determinantes e fundamentais para a compreensão das concepções trazidas pelos alunos de
graduação, com ênfase maior no aluno iniciante na graduação em enfermagem.
Ainda em nossa leitura foi fundamental abordarmos o trabalho sob a visão de Marx
(1982, 1987, 1998, 2003, 2004 e 2007) para entendermos o trabalho em seu sentido
ontológico, como este foi modificado baseado nos modos de produção vigentes em diferentes
períodos, mas principalmente nos utilizarmos de sua crítica ao capitalismo, e de sua
concretude tão contemporânea.
Outros autores que corroboram com as ideias de Marx, considerados então marxistas
também foram de fundamental importância e que permitiram aproximarmos do mundo do
trabalho, entre eles podemos citar Frigotto (2009, 2001, 2006), Braverman (2001), Antunes
(2004, 1999) e Cattani (1997, 2002, 2009).
Destacamos ainda que o conceito do trabalho compreendido por esta autora no inicio
de sua jornada na educação muito se diferenciava da apreendida no momento, e os autores
com enfoque no trabalho porém na saúde, foram fundamentais para a construção deste texto,
principalmente por conseguirem integrar a crítica marxista dentro do trabalho em saúde, com
uma linguagem peculiar e por vezes mais fácil.
Trabalhamos então os conceitos de trabalho em saúde, reestruturação produtiva na
saúde e precarização na saúde, com auxilio e leitura vigorosa dos trabalhos de Merhy (2002,
1997) e Pires (2006, 1989, 2008) além de outros tantos artigos publicados por estes autores
conduziram a discussões e reflexões aproximando-nos do nosso objeto de estudo.
As questões que pretendemos responder com este estudo remetem a desvelar a
concepção dos discentes ingressantes no curso quanto a sua escolha profissional, e neste
ponto chegamos as considerações quanto a uma escolha profissional entremeada de aspectos
caritativos, de doação e vocação, inclusive com cunho religioso, apresentando o enfermeiro
como um ser ideal, quase que divino.
Refletimos ainda nestas falas como a escolha precoce da profissão, encontra-se
flutuando em um imaginário ideal, onde o cuidado assume para este discente ingressante o
sinônimo de ajuda. Observamos então que através da história da profissão esta visão foi
marcada pela submissão a Igreja e a hegemonia médica.
Ainda tratando-se dos discentes ingressantes um fato marcante foi apresentação da
forma de trabalhar do enfermeiro, no que diz respeito a precarização do processo de produção
do cuidado, como sendo algo normal para este profissional, não havendo por parte do discente
uma contestação da submissão deste profissional a esta prática precarizada, sem ideais de
148
embates ou de luta para uma mudança, mas principalmente como a precarização foi concebida
como sinônimo de improviso dentro do processo de trabalho da enfermagem.
Desta forma isso muito nos chamou a atenção, principalmente enquanto docente do
Curso de Graduação em Enfermagem, pois percebemos uma leitura irreal dos fatos, onde este
profissional esta sob esta condição de improviso devido as formas de trabalho precário a que
está exposto, e o conformismo destes discentes implica em manutenção do caráter submisso
desta profissão. Sendo importante dentro dos espaços pedagógicos de formação uma leitura
crítica e reflexiva da realidade, trazendo este profissional regido sob o modo capitalista de
produção, sendo este explorador, desapropriador e construtor de um trabalhador aliena sem
força de luta.
Outra questão pretendida neste estudo foi quanto às concepções desses acadêmicos
agora no último semestre de graduação, perpassado as aulas teóricas e as práticas em campo,
seja no âmbito hospitalar quanto no âmbito da saúde pública.
Assim percebemos as representações de um cunho profissional sem muitos resquícios
da prática caritativa colocado pelos discentes ingressantes, sendo que em sua maioria as
concepções apontaram contrária a dos primeiros. Sob esse olhar da profissão perpassado todos
os pontos chaves da formação, estão concepções carregadas de responsabilidade, excesso de
atividades, e obrigações, com um caráter de gerência, também resultado da divisão técnica do
trabalho na enfermagem, do enfermeiro.
O cuidado passa a ser entendido como objeto de trabalho do enfermeiro, diferenciando
e entendendo que são trabalhos distintos, os exercidos pelo profissional enfermeiro e o
profissional médico, onde estes podem integrar a mesma equipe em torno da produção dos
atos de cuidado, porém não há uma relação de supremacia entre uma profissão e outra.
Fato este que se colocado confrontado as concepções dos discentes iniciantes é
completamente diferente, visto que este identifica o trabalho do enfermeiro como sendo o de
obedecer ao médico, também com uma forte representação histórica.
A formas de precarização do cuidado pelos discentes concluintes reflete-se em baixos
salários, jornadas longas de trabalho, e a precarização do seu ato de cuidar, no que diz respeito
a realização de suas práticas assistenciais.
A concepção do discente concluinte apresenta ainda um caráter de reflexão quanto as
condições reais e ideais da enfermagem, quanto ao que acontece em sala de aula e as reais
formas precárias em que ocorrem os atos do cuidado, juntamente a este fator, as diferenças
entre a realização dos atos de cuidar nas instituições públicas e particulares é abordado, com
ênfase a baixa qualidade da assistência prestada, quando há uma cobrança por economia de
149
materiais, no caso da instituição particular, e como esse pode ser executado no setor público
de forma melhor.
Todas as concepções apresentadas ao longo deste trabalho, não tinham como pretensão
tecer uma comparação, visto que são dois grupos distintos, expostos a fatores diferentes, logo
com concepções diferentes no que diz respeito ao trabalho da enfermagem, porém foi
essencial para demonstrar aspectos comuns que podem correlacionar a história desta profissão
à submissão e falta de ação percebida destes futuros profissionais e as formas precárias de
produção do cuidado.
Assim a descaracterização do ato de cuidar seja no início do curso ou no final, pode
em alguma medida ser resultado do processo formativo destes profissionais, que ainda não
conseguiram apesar de tão distante temporalmente dos fatos marcantes da história desta
profissão, superar seus paradigmas, tentar mudar sua realidade enquanto sob o modo
capitalista de produção.
Levando em consideração o perfil do profissional que se pretende formar, atendendo
as propostas curriculares descritas no interior deste trabalho, ou seja, um profissional que seja
crítico, reflexivo, humano, atenda de forma geral a população, os agravos de saúde, seja
qualificado para o exercício da profissão, primando pela ética e cientificidade da prática do
cuidado e que ainda possa intervir sobre as situações/problemas de saúde-doença, responsável
e compromissado com a cidadania e com a promoção da saúde do ser humano, é
imprescindível que sua formação contribua efetivamente para este fim.
Não pretendemos colocar como única forma de redenção da atual condição da
profissão somente a formação desses discentes de graduação em enfermagem, visto que o
modo de produção capitalista forja amarras a toda a sociedade, mas também é o que sustenta a
subsistência desses profissionais, ainda que de forma precária. Porém vimos como ponto
primordial a ser trabalhado nos cursos de graduação em enfermagem a crítica e a reflexão
tanto instituída pelos projetos de curso e diretrizes, onde os docentes destas instituições de
ensino superior possam também libertar-se de currículos defasados, através de efetivas
discussões sobre práticas pedagógicas que permitam a ação-reflexão-ação, para a construção
de soluções ou alternativas a atual degradação do cuidado imposta pela lógica do sistema.
Enquanto propostas deste trabalho refletimos sobre a necessidade de mudança no foco
de discussão do cuidado, não somente como algo ideal, mas como algo que socialmente é
essencial, e fundamental para a manutenção da vida humana, e que não pode permanecer
submisso e conformado com a precarização de sua prática, visto que se perde de sua
subjetividade e separa-se do seu objeto de trabalho, o cuidado.
150
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.
159
APÊNDICE 1 – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS DISCENTES
INGRESSANTES
1 – Porque optou pela Graduação em Enfermagem?
2 – Descreva como foi o seu ingresso no curso?
3 – O que você acredita significar ser enfermeiro?
4 – Fale o que você sabe sobre o trabalho de enfermagem e as condições trabalho?
160
APÊNDICE 2 – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS DISCENTES
CONCLUINTES
1 – Porque optou pela Graduação em Enfermagem?
2 – Descreva como foi o seu ingresso no curso?
3 – O que você acredita significar ser enfermeiro?
4 – Fale o que você sabe sobre o trabalho de enfermagem e as condições trabalho?
5 – O que você acredita ter mudado em sua concepção sobre o trabalho em enfermagem desde
o início da graduação?
6 – Sua concepção sobre o trabalho em enfermagem sofreu influências?
Se sim. Quais influências você acredita ter sofrido?
Se não. Por quê?
161
APENDICE 3 – TERMO DE CONSCENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)
Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, da pesquisa intitulada “ A
enfermagem enquanto profissão: as concepções dos acadêmicos quanto ao trabalho e sua
precarização” . Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte
do estudo, assine ao final deste documento, que está me duas vias, uma delas é sua e a outra é do
pesquisador responsável. Em caso de recusa você não terá nenhum prejuízo em sua relação com o
pesquisador ou com a instituição que recebe assistência. Em caso de dúvida você pode procurar o
Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller – UFMT, pelo telefone (65) 3615
8254. O objetivo deste estudo é conhecer às percepções dos discentes de graduação em enfermagem
tem sobre a profissão ao início e ao término deste curso, e assim relacionar estas falas com as formas
de precarização do trabalho nesta profissão. Sua participação nesta pesquisa consistirá em conceder à
pesquisadora uma entrevista na qual você referirá qual motivo o levou a escolher esta profissão, com
ênfase no seu conhecimento sobre o trabalho nesta área baseado em suas experiências, lembrando que,
as entrevistas serão gravadas em um gravador digital, e transcritas de forma literal, não utilizaremos
fotos ou outras formas de mídia visual. Não há risco quanto a participação nesta pesquisa, visto que
estaremos trabalhando apenas com respostas das questões norteadoras. Os benefícios para você
enquanto participante da pesquisa, não serão imediatos, mas posteriores, e se darão através das falas
mencionadas pelos sujeitos que em um futuro próximo poderão ser utilizadas para traçar novas formas
de tratar assuntos como a valorização do trabalhador e do trabalho na enfermagem, e nortear melhores
formas de abordar estes temas nos cursos de graduação para os futuros profissionais. Os dados
referentes à sua pessoa serão confidenciais e garantimos o sigilo de sua participação durante toda
pesquisa, inclusive na divulgação da mesma. Os dados não serão divulgados de forma a possibilitar
sua identificação e para tal utilizaremos pseudônimos, garantindo assim o sigilo e anonimato. Você
receberá uma cópia desse termo onde tem o nome, telefone e endereço do pesquisador responsável,
para que você possa localizá-lo a qualquer tempo. Seu nome é Luciene Mantovani Silva Andrade,
Docente do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso – Campus
Universitário de Sinop e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, como telefone para
contato (66) 9995 4226, e-mail: [email protected] ou [email protected]
Considerando os dados acima, CONFIRMO estar sendo informado por escrito e verbalmente
dos objetivos desta pesquisa e em caso de divulgação por foto e/ou vídeo AUTORIZO a publicação.
Eu, ..........................................................................................................................., idade:...........
sexo:...............Naturalidade:......................................................portador(a) do documento RG
Nº:.................................declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na
pesquisa e concordo em participar.
Assinatura do participante
(ou do responsável, se menor):
.......................................................
Assinatura do pesquisador principal: ................................................................................................
Testemunha*
............................................................................................
* Testemunha só é exigido caso o participante não possa por algum motivo, assinar o termo.
Data (Cidade/dia mês e ano) ____________ ___ de ______________de 20___
162
APENDICE 4 – ENTREVISTAS DOS DISCENTES INICIANTES
Entrevista Nº 01
PORQUE VOCÊ OPTOU PELA GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM?
Hum a Enfermagem, por que... a enfermagem pra mim é assim desde quando eu me conheço
eu gosto de tá assim mexendo com gente com... doente, assim. Ai na época em que meu irmão
no caso veio falece né... na época o meu padrasto também tava... tava internado ficou acho
que 40 dia no hospital... ai eu tinha que dá banho, não conseguia tomar banho, tão aquilo
tudo assim já me ainda aumentou muito mais do que a vontade que eu já tinha, sentia de
fazer enfermagem só que eu não podia fazer porque tinha os filhos que estudavam e eu tinha
que trabalhar pra...
MAS ASSIM VC CONHECIA A PROFISSÃO OU VOCÊ SÓ CONHECEU ATRAVÉS DO
HOSPITAL? Não, o ato de cuidar desde de quando assim... do meu casamento, quando eu
casei que tinha 14 para 15 anos, é.. o esposo tinha farmácia, é era no Peixoto, então mas eu
sempre, nunca ficava, eu sempre tava levando um pro hospital, outro... aquela coisa de tá..
ENTÃO VOCÊ SEMPRE ESTEVE ENVOLVIDA ... sempre com pessoas com problemas de
saúde, é assim que... não ... sem entender né...mas assim sempre no que eu podia ajudar, tipo
tá levando, trazendo, cuidando, correndo atrás de um medicamento.
E ASSIM O TRABALHO NA ENFERMAGEM O QUE VOCÊ ACHA QUE É?... que que eu
acho que é? Aí, independente da pessoa, independente né, do que seja né, é cuidar eu assim
eu acho assim, eu quero ver aquela pessoa boa, entendeu, ai se aquela coisa de você, poder
ter feito alguma coisa, não assim, dó, as vezes eu falo assim eu não tenho, não é porque eu
não tenho dó, é porque eu sei que aquilo ali vai fazer bem, tipo fosse pra aplicar uma injeção
num filho meu, geralmente tem mãe assim que chora, eu já não... eu aplicava porque sabia
que se o médico mando com dois dias vai tá boa... eu não tinha dificuldade nessa parte não.
ENTÃO ANTES DE VOCÊ RESOLVER ESCOLHER A ENFERMAGEM MESMO VOCÊ
CHEGOU A FAZER ESSE TIPO DE COISA, COMO APLICAR INJEÇÃO?...sim que eu
trabalhava na farmácia daí, é... lá geralmente lá, naquela região... ah, tem que eu acho que
deixa eu ver, deve tá com quinze anos, que nós tamo aqui, então lá, nas farmácia, aplicava
soro pra malária, fazia tratamento assim,então na farmácia, assim... então isso eu gostava de
fazer...
FALA PRA MIM COMO É QUE ACONTECEU, QUE VOCÊ VIR PRA CÁ, NA UFMT?
COMO SE DEU ESSE PROCESSO, DE VOCÊ ESCOLHER A PROFISSÃO, AÍ VOCÊ FEZ
VESTIBULAR?
É assim, quando eu fiz aquele provão já lá naquela escola, tem uns 12 anos, é no Camões,
acho que tem uns 12 anos isso, e aí... aquela vontade só que eu nunca, eu queria saber assim
meu conhecimento, ai então eu não aceitava, ai eu consegui, fazer até o segundo ano, que eu
tinha eliminado aquela do segundo, e fazer o terceiro no Nilza...
Só que aí era assim, tudo pra mim era difícil né... as dificuldades com o base né.. sempre
assim, e daí eu tive que parar, pra trabalhar, fazia unha né, e as minhas crianças estudava lá
no Regina, então... eu tinha que trabalhar pra manter eles lá, né... que eu não queria que eles
tivessem o estudo que eu... não tive né... e daí quando agora que já casou, as minhas filhas, e
tá só o menino, não agora eu vô fazer o que eu quero né... e daí como eu consegui ir pra
UNIC, aí, eu pra mim, era o estudo da enfermagem, tipo assim, era eu tava assim, achando,
difícil né, com as minhas dificuldades né, mas tava levando né, achava que aqui não seria tão
163
assim, difícil, mas é um difícil que eu to me sentindo, assim mesmo eu não, conseguindo as
vezes, mas eu to achando aquilo assim, maravilhoso, uma coisa assim que parece que eu to....
isso, é que lá é assim, o que eu agora com tempo, é que tem muita coisa que eu ainda assim,
não é igual um que já pega aquilo né... tipo aí agora, eu vejo no histórico, muita coisa que
tem lá, que eu nunca tive, tipo eu decorava pra ter lá uma anatomia, uma parte só, sendo que
aqui você... estuda um todo né...então é totalmente diferente, aí quando foi pra fazer essa
transferência eu não achava que, mesmo querendo fazer, eu achava que a capacidade minha
não... mas eu nunca gostei de... de admitir que agente não é capaz, pra mostrar pros meus
filhos que eles não é capaz, mas no fundo eu achava que eu num era... num tinha capacidade
de tá aqui, e aí foi onde as meninas chamaram assim, bom, não vou perder nada em fazer
essa prova, né... só que daí eu num, na verdade eu nem estudar pra vir pra cá, eu não estudei,
porque eu tava em DP em uma matéria, e era no dia que tinha que fazer essa prova, lá
também, aí... eu rezei e vim...e seja o que Deus quiser...(risos) e graças a Deus eu... fala
assim agora, me colocou aqui...até eu me emociono... aí eu falo.. ah, dez anos você sai de
lá...(risos)...
E O QUE VOCÊ ACREDITA QUE É SER ENFERMEIRO?
Ai...assim pra enfermeiro, é você cuida das pessoas, cuida... tipo assim cuidado de uma
pessoa mas é...assim o enfermeiro cuidar... eu sempre gostei de cuidar.. mas então eu num
tinha como é que fala, qualificação, pra cuidar... então é isso que eu to buscando... pra saber
realmente cuidar...é isso que eu quero...
E ASSIM VOCÊ IMANGINA O QUE O ENFERMEIRO FAZ, SE VOCÊ OLHAR HOJE NO
HOSPITAL AGORA QUE VOCÊ TÁ ESTUDANDO, VOCÊ SABE QUE AGENTE TEM
TÉCNICOS E TEM ENFERMEIROS, isso..., O QUE VOCÊ CONSIDERA SER O
TRABALHO DO ENFERMEIRO?
É assim o que eu tenho conhecimento e o que muita gente fala, que tem técnico e tem
enfermeiro, que uma amiga minha, no caso, eu penso né... tem enfermeiro que ele no caso ele
mais... pega lá uma.. um departamento.. e manda os técnicos... mas tem uns, que também
coloca a mão na massa, também né... então daí, parte pra várias áreas, eu acho assim, tem
vários departamentos.. mas o enfermeiro ele... tá pra lavar, colocar uma sonda, limpar.. eu
acho que tem que tá pronto pra tudo...
E COMO É QUE VOCÊ ACHA QUE ACONTECE ASSIM, DO QUE VOCÊ CONHECE DA
PROFISSÃO, QUE VOCÊ ACHA QUE SÃO AS CONDIÇÕES QUE O ENFERMEIRO TEM
PRA TRABALHAR... VOCÊ CONHECE?
Eu acho assim que...tem que ter muito amor... pela profissão.. é como se comparasse um
professor, to bem ciente disso assim.. tipo assim eu acho na minha opinião, eu não quero ser
professor, não é minha vontade.. então eu não tenho.. te várias vontades.. agora nessa altura
né...então assim..eu já mais a profissão só se fosse necessidade de ser um professor... mas eu
acho que o Brasil, ele é assim.. muito mau pago o professor, porque dali é que sai tudo,
então... acho isso... na minha opinião... assim é o enfermeiro.. o enfermeiro também não
tem... é... assim... quanto eu conheço coisas e já vi coisas assim, meu sobrinho.. tava na UTI
lá... uma coisa que eu to... é meu né... assim por isso que eu to colocando né... é... FICA A
VONTADE.. no caso assim do meu sobrinho... de chegar na UTI lá ... no hospital da Santa
Casa.. num lembro o hospital.. e a chefe lá da , do setor da UTI, porque o menino ia na parte
da tarde pra enfermaria, não queria usar o remédio que era muito caro, antibiótico.. uma
dose...
Isso é uma coisa de uma enfermeir??? Tem amor a profissão?? Sendo que o médico tinha
mandado colocar.. como se dái saísse da UTI aquele remédio, na época eu não entendia
muito, não entendo ainda né.. então aquele medicamento era da UTI, tipo ele não iria tomar
lá... na enfermaria, então tipo ele era muito específico dali né.. então porque não aplicasse o
164
remédio já.. é... e sem contar com muita falta da necessidade das coisas, que tem muito no
Brasil...
Então o enfermeiro vai ter que pegar... é... não poder ajudar, com o coração porque não vai
poder ajudar em nada ninguém.. né... e.. a falta .. tipo ele bai ter que se virar com o que tem
pela falta que eu vejo e assisto muito a necessidade de ele ter na mão pra pegar e passar pra
um paciente...então é isso que é sufrido, então.. é.. pra mim eu penso que quando eu tiver lá..
é eu vô ter que saber conviver... isso é uma coisa que eu sei que eu vou ter que trabalhar...
pra mim... porque saber que se você chega lá, necessidade de um medicamento.. e eu vo lá
olhar não tem.. tipo ou tem uma dose.. e não tem pro outro...e você ter que decidir entre um e
outro... então é isso que... é isso que... eu assim, ainda tenho... a minha preocupação é essa..
do que vou encarar.. mas tipo de trabalhar não... no meu limite do que puder.. ENTÃO VOCÊ
ACREDITA QUE ÉSSA É A CONDIÇÃO QUE AGENTE TEM HOJE DE TRABALHO... é...
que eu acho é... eu acho assim, que o Brasil tá deixando muito a desejar.. é... porque eu mais
vejo na mídia é isso... então na minha opinião é essa..
Por que você não vai tá.. é tipo .. eu saí daqui e vo trabalhar no hospital... no.. no... não sei
como que é o nome lá.. que é lá... da... São Paulo... lá...aqueles... é... caríssimo... lá...É...
ALBERT EINSTER... isso... então..não é todos que vai ter a sorte... não é que eu não possa tá
lá um dia.. isso que eu falo.. mas pelo oque eu vejo... num ...eu conheço gente que já foi pra lá
tudo.. então lá é... o hospital... você num tem.. você num toca, pelo que já ... diz que ce passa
assim.. é tudo.. bem.... então lá é preparado.. a estrutura né... lá num deve... no meu
pensamento.. acho que lá não tem falta de ... no caso disso.. eu falo assim mais no SUS, essas
coisas que ...
Entrevista nº02
COMO FOI O SEU INGRESSO AQUI NA UNIVERSIDADE?
Olha, eu sou uma pessoa muito nervosa.. então quando eu fiz a prova.. na primeira e na
segunda chamada eu não fui chamado..fiquei pra lista de espera.. foi assim.. eu achei que eu
não ia conseguir mais entrar aqui.. mais eu fiz a prova tranquilo... tava confiante.. que ia
conseguir.. e consegui entrar no que eu gostei.. VOCÊ FEZ ENTÃO O ENEM O ÚLTIMO
ENEM, isso 2011... VOCÊ PASSOU PELO SISTEMA SISU.. isso mesmo.. E VOCÊ .. ESSE
CAMPUS FOI O PRIMEIRA ESCOLHA? Foi minha primeira opção... curso de graduação
em Enfermagem...
E PORQUE A GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM? Ah... eu acho que eu sempre me
identifiquei com isso.. E O QUE VOCÊ ACHA QUE FAZIA COM QUE VOCÊ SE
IDENTIFICASSE? Ah.. eu acho com a enfermagem.. ah.. eu sempre fui apaixonado pela área
da saúde... eu sempre.. porque é uma coisa muito... ah.. como é que eu vou falar.. que as
pessoas tem que se dar.. se dar muito pra fazer, você vai tá cuidando de pessoas, vai tá
lidando com vidas e eu sempre achei isso muito bonito, e sempre me chamou atenção..VOCE
TEVE ALGUMA OPORTUNIDADE ASSIM QUE ALGUM DIA VOCÊ LIDOU MAIS PERTO
DE PESSOAS NA ÁREA DA SAÚDE?
A minha mãe é técnica de enfermagem eu sempre gostei, li os livros dela do curso, fui em
algumas aulas com ela, sempre fui gostando... sempre me identifiquei..
E VOCÊ CONSEGUE PENSAR E ME DIZER O QUE VOCÊ ACHA QUE É SER
ENFERMEIRO?
Olha eu tenho uma visão muito diferente do que o povo ai fora pensa, porque todo mundo
pensa que o enfermeiro vai te aplicar injeção, coloca o soro no hospital, pra mim é uma
165
forma totalmente diferente.. eu penso mais na cientificidade da profissão no lidar com
pessoas na questão psicológica, na questão familiar, porque vai tá cuidando de uma pessoa
que tem sentimento, você não vai poder chegar e aplicar uma técnica nela que você aprendeu
na graduação sem primeiro conhecer,conversar, saber o estado da pessoa, então eu, eu tenho
essa visão, não aquela visão de que o enfermeiro vem aplica injeção e a pessoa te dá o
remédio no hospital e só isso não..Pra mim é outra coisa, é muito mais além disso.
E QUE VOCÊ SABE SOBRE O TRABALHO DA ENFERMAGEM?COMO VOCÊ ACHA
QUE ACONTECE O TRABALHO DA ENFERMAGEM?
No geral eu vejo muito condições precárias de trabalho, vejo bastante reclamação do
trabalho, é no hospital, com condições bem precárias pra trabalhar, não só pro enfermeiro,
mas pra todos os profissionais que tão lá.. Salário baixo, é o que o pessoal mais reclama, é o
que eu vejo, mas conhece, conhece dentro da profissão ainda não tenho essa visão.
Entrevista nº03
CONTE COMO FOI SEU INGRESSO NA UFMT? E PORQUE A ENFERMAGEM?
Bom é assim, eu vim pra cá, primeiro pra cidade, junto com a minha irmã, que veio fazer
faculdade, então eu ainda fazia o ensino médio, aí, depois que eu acabei o ensino médio, eu
entrei no cursinho, e aí eu fiz um período de cursinho, uns 6 meses, que eu fiquei fazendo
cursinho, aí eu já tava pensando nisso, que profissão, que curso que eu ia fazer, comecei a
pensar, tudo isso, e eu não tinha certeza de nada né... porque eu pensei nossa acho que eu
vou me dar bem em tantos cursos, porque eu gosto de várias coisas, menos exatas, isso eu já
sabia que eu não ia me envolver com essas áreas, e aí eu fiquei pensando, nossa que que eu
vou fazer, né... Eu pensei que seria pedagogia, teve uma hora que eu tava, com certeza que
seria pedagogia, e aí depois, fisioterapia, biomedicina, pensei em ingressar numa partícula...
e aí eu falei.. mas tem o ENEM, e já que era uma prova que eu podia fazer, porque não?... aí
eu ainda não tinha certeza que opção que eu ia colocar, no SISU.. (risos).. aí chegou na hora
do SISU eu falei gente eu ainda não escolhi, eu falei nossa será que eu to tão pra traz assim...
parece que eu sou tão indeterminada, né... mas conversei com algumas pessoas na época..
mas não era só eu... (risos)
Eu pensei assim nossa, eu queria ter uma coisa já fixa né, eu tava me achando assim muito
inferior que eu não tinha uma opinião formada assim a respeito, aí, mas não conversei com
outras pessoas e não era só eu.. aí eu na hora de colocar as opções no SISU eu coloquei pra
enfermagem não sei... Deu na minha cabeça, comecei a pensar eu li sobre a profissão na
internet, conversei com a minha tia também que já exerce a um tempo, e eu falei eu acho que
eu vou gostar, aí eu coloquei a opção.. aí eu passei né...
E eu pensei assim eu to preparada pra enfrentar isso, eu gosto de cuidar das pessoas, em
casa eu sempre tive indícios disso, né.... (risos) e assim nos meios onde eu vivi, e eu... E O
QUE VOCÊ ACHA QUE FORAM OS SEUS INDÍCIOS?
Bom assim, gostar realmente de ajudar as pessoas, sempre gostei, sentia bem quando eu fazia
isso né...tanto em casa quanto fora, ajudar em todos os sentidos, na hora de cuidar da saúde,
na hora de dá uma opinião, na hora de dá uma ajuda qualquer, né... sempre gostei, no meio
da rua, em casa, com os meus vizinhos, todo mundo, na igreja, e tipo assim e na saúde
também, em casa as pessoas as vezes, tinham medo né... meu pai chegava, com um
machucado, e todo mundo tinha medo de chegar perto, e eu era a única que chegava,
mesmo.. enfrentava, e eu novinha ainda, mesmo assim eu tendo dó, não deixava de fazer, o
que precisava, né... se era... ele já chegou com uma madeira que caiu na cabeça, então virou
166
um buraco, tinha que ficar cuidando daquilo né... então eu fazia, todo mundo tinha dó,
tremia, desmaiava (risos), e eu conseguia sabe fazer... e aí eu parei pra pensar, nisso.. eu
falei olha, tantas coisas que eu fiz, acho que eu vou gostar, sim.
Mas quando eu entrei no curso eu vi que, tipo enfermagem não é tão... o principal é isso,
cuidar.. hospital, mas não é tão limitado, assim, você pode trabalhar em muitas outras áreas,
que eu não sei qual que eu vou ainda, mas eu acho que tantos né... até a área da docência
mesmo.. e eu sempre gostei, eu sempre pensava assim, eu ... de ser professora, em alguma
coisa, não sei.. o que eu vou fazer, da mesma forma que eu não sabia, como que seria eu
entrar nesse curso né.. não sei o que eu vou fazer daqui pra frente, só sei que eu quero fazer,
que eu to disposta e tudo essas coisas né...
As pessoas elas sempre te perguntam em todos os lugares que eu vou... e como eu entrei
recente, então tem muita gente que não sabe que eu to fazendo enfermagem, aí pergunta.. e aí
como é que tá sua vida de estudante? E eu conto de novo que entrei, aí de novo, as pessoas
falam, ENFERMAGEM!!! Meu Deus.. você já se imaginou cuidando, das pessoas (risos), ... e
eu sim.. sim.. , você vai gostar? Tem certeza? ... nossa quanta certeza eu tive que falar (risos).
MAS O QUE VOCÊ ACHA QUE É SER ENFERMEIRO?
Bom, eu acho que é assim.. eu acho que é cuidar, eu acho que é você ter, uma, como eu posso
dizer, acho que você tem que ter uma, uma, ... personalidade característica, bem.. bem forte,
e ao mesmo tempo humana, pra você saber lidar, né com.. não ser assim, eu acho que mais
ou menos isso, e dentro do hospital,..que eu to dizendo assim, e agora fora.. eu já vi assim,
várias enfermeiras que não atuam exatamente dentro do hospital, e aí eu acho que é mais ou
menos assim,não sei... (risos)... eu to descobrindo.
O QUE VOCÊ SABE DO TRABALHO DO ENFERMEIRO?
O que que eu acho? Que dentro do hospital, envolve tudo no hospital, .. bom ele vai ter que...
inicialmente eu achava assim, que o enfermeiro ele cuidaria... ele ia ali do lado da pessoa
sempre, aquele que auxilia e dpois ele tipo assim... ele é orientado pelo médico, e as
satisfações ele tem que dar pra o médico, acompanha o médico na verdade, mas eu escuto as
pessoas falarem... não perguntei ainda pra nenhum enfermeiro, não fui em nenhum hospital
perguntar, que não é ele que realmente fica cuidando cuidando,.. é o técnico, então assim
disso eu não sei.. ainda né... eu não coloquei isso na minha cabeça de uma vez pra pensar
que, eu to fazendo enfermagem, não preciso aprender porque eu não sou eu que vou cuidar, é
técnico, eu não coloquei isso na minha cabeça, eu acho que ele tem que saber fazer tudo, que
aí ele tá se formando é pra isso, de verdade, pra saber lidar com os problemas sociais da
pessoa, com os problemas físico, com não somente, com o exterior dele, com o problema
físico que ele tá passando, saber olhar e enxergar, não como o psicólogo, mas de tudo um
pouquinho, disso, você aprende a lidar, um pouquinho.. com o que a pessoa tá sentindo, com
o que ela tá passando..
E VOCÊ SABE ALGUMA COISA DE COMO SÃO AS CONDIÇÕES DE TRABALHO?
Que não é tudo perfeitinho, falta muita coisa, você tem que ser uma pessoa que sabe lidar
com o improviso, né.. nem sempre você vai ter todo os aparelhos que você precisa, fazer um
determinado procedimento, e se você se limitar a que você só consegue fazer o procedimento
com 10 aparelhos, por exemplo, você não vai conseguir ser bem sucedido, vai ter que
improvisar e conseguir fazer com bem menos, porque.. não é só no hospital público, que
faltam essas coisas, e... eu digo assim.. em relação as condições de materiais mesmo, dentro
do hospital, agora assim.. em relação ao cuidado, ao trabalho assim, segurança profissional,
eu sei tem todo um cuidado que eles tem que ter, tá mexendo com saúde, com alguma coisa
que pode prejudicar eles também, eu acho mais ou menos assim.
Eu acho que as pessoas normalmente não trabalham sem pensar também no financeiro, né..
porque todo mundo tem que ter dinheiro, pra poder se manter né...
167
Mas se a pessoa se focar só que ela precisa do dinheiro, ela não vai conseguir, ser uma
pessoa que atende as necessidades das outras na área da enfermagem, né.. que vê com amor
o que ela tá fazendo, não consegue se dedicado, eu acho que não dá certo, acho que você tem
que pensar que você precisa daquilo, não é por isso, não é porque você tá lá pra ajudar as
pessoas que você não vai pensar... em lutar pelos seus direitos, mas eu acho que não é o
principal, você tem que estar disposto, realmente poder ajudar pessoas que estão precisando,
ali, atender com vontade, gostar daquilo que você tá fazendo, independente de que profissão
seja, de passar o que você sabe seja de ensinar, de realmente preparar pessoas, pra que eles
sejam bem sucedidos no futuro, tanto no ensino, o professor é uma responsabilidade enorme
na mão dele. Não é simplesmente passar horas, lá e ganhar o dele... ele tá formando,
passando um conhecimento que vai refletir, talvez mudar a sociedade... mudar pessoas,
através da educação que transforma né..
Entrevista nº04
COMO ACONTECEU SUA ESCOLHA PELA ENFERMAGEM? COMO SE DEU SUA
ENTRADA NO CURSO?
Bom, desde de criança sempre tive consciência de que eu queria algo na área da saúde, né...
até então eu não sabia o que? Aí eu tenho uma tia, tenho parentes né, trabalham na área da
enfermagem onde então são técnicos, aí eu fui observando assim, eu comecei a achar
interessante, aí eu vim embora pra Sinop... á principio eu queria começar a fazer cursinho,
né.. começar a me prepara pra tá fazendo medicina, né... por causa que, eu tenho um sonho
que daí eu só vou conseguir concretizar ele com o salário que é obtido na medicina, que o
enfermeiro ainda ganha, infelizmente um valor muito baixo, apesar que dependendo do local
voce ganha bem, lá em Terra Nova, tem um enfermeiro que ganha super bem, enfim... aí eu
vim na verdade com a intenção de fazer cursinho, só que pai falou pra mim, que aí... que
pagar um cursinho, e uma faculdade, ele preferia pagar uma faculdade particular, aí... eu
vim... eu estudei na FASIPE a princípio, ano passado.. fiz um ano na FASIPE de enfermagem
né... que pra mim ainda era a área que mais se aproximava de medicina.
Só que oque aconteceu, eu fui fazendo enfermagem e fui entendendo como que realmente é o
trabalho, ou pelo menos achando que eu tava entendendo né... o pouco que agente ouve falar,
e fui gostando, sabe, comecei a achar uma profissão muito bonita, que lida com o cuidado,
sabe, você tá sempre ali com o paciente, toda a atenção...
E eu gosto disso, sabe, de tá me preocupando com as pessoas, de tá assim esse apego sabe...
e daí eu... peguei e decidi, não eu agora, como decidi que eu quero fazer enfermagem, resolvi
fazer... vir pra UFMT, que eu toda a vida uma federal, é mais, compensa mais que uma
particular, aí eu fiz o processo de transferência, aí eu consegui passar, pra cá... aí esse ano
eu estou aqui.. só que daí durante as férias, eu vim pensando muito...voltando a pensar
naquele sonho, por causa que assim.. eu sou muito assim... voltada pra igreja, sabe.. e daí eu
sempre... foi daí com 15 anos que veio essa vontade de realizar esse sonho que me veio a
mente... e foi sempre em oração, que eu tava em oração que me vinha essas vontades, que eu
tava em oração que imaginando como poderia ser meu futuro, e só me vinha, me via dessa
forma... montar uma ONG, alguma coisa assim... algo assim... unir a cura, assim, o cuidado
com a evangelização... né...
168
E daí.. começou a me voltar essa vontade de tentar fazer medicina, mas pra isso né.. e eu
pegue não.. decidi fazer cursinho, aí eu aqui na UFMT, eu estudando aqui o dia inteiro,
fazendo cursinho a noite, mas daí eu vi que tava ficando muito complicado, que eu não estava
dando conta, que a UFMT puxa bastante, e daí eu desisti do cursinho, entreguei nas mãos de
Deus esse sonho, né... super... aí eu tava assim conversando com um amigo meu lá da igreja,
e ele falou pra mim que as vezes na área da enfermagem dá pra mim... mim, incluir a respeito
disso sabe, basta me informar, né... tem que ir atrás, porque eu ainda não... pra falar a
verdade, eu ainda não comecei a mover um dedo a respeito disso né... acho que isso é mais
pro futuro, quando eu tiver quase me formando, que eu vou começar a ir atrás disso, né... e
daí agora eu decidi, que eu quero fazer enfermagem, acho uma profissão muito bonita, e eu
quero tá ali sempre cuidando e evangelizando os meus pacientes (risos)...
E O VOCÊ ACHA QUE É O TRABALHO DA ENFERMAGEM?
Assim, a prática mesmo.. no caso pegar pesado, eu descobri que é mais, assim.. mais voltado
pros técnicos, né... ai, quando tiver, vamos supor... uma saturação de ter muitos pacientes, ou
poucos técnicos daí é onde o enfermeiro, também vai auxiliar no banho de leito, essas coisas
mais, eu ainda não sei muita coisa né.. da profissão, ainda estou por descobrir...acho que é
você tá ali com o paciente, dando força psicológica pra ele, lógico, cuidando também, a
saúde, sempre vendo, observando a alimentação, de acordo com o que o médico fala, é como
se fosse cuidar de um bebe, é você vai tá ali o tempo todo com ele, ele vai tá dependendo de
você como se fosse uma criança..
O QUE VOCÊ SABE SOBRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DA ENFERMAGEM?
Ah... eu ouvi falar, que no hospital assim, as condições são muito precárias, as vezes falta
alguns instrumentos, daí agente vai lidar, muito com o improviso, né... muitas coisas vai ter
que acabar improvisando, as vezes falta, por exemplo, quando você vai dar um banho de
leito, tem aquele tampão que você coloca em volta do paciente... né... as vezes não tem vai ter
isso, que é o próprio as vezes vai ter que pegar um negócio de soro, pegar uns lençóis... tudo
a base do improviso, né.. então acho que ainda, em relação a isso, que pro enfermeiro
conseguir fazer seu trabalho, ainda falta algum, algumas coisas, na estrutura, só que aí vai
da ... vontade do enfermeiro... de ... sei lá.. de tentar ser criativo, né... de te... aí... mais ou
menos isso...
169
APENDICE 5 – ENTREVISTAS DOS DISCENTES CONCLUÍNTES
Entrevista Nº 01
PRIMEIRAMENTE COMO ACONTECEU O SEU INGRESSO NA UFMT? DESDE A
ESCOLHA PELO CURSO DE ENFERMAGEM.
De vim pra UFMT, na época que eu ingressei era vestibular ainda, então de eu vim pra
UFMT Sinop, foi meio que assim, é... pelos amigos, pela galera.. por que eu já estudava fora
antes, e daí tinha um grupo de dois três amigos, que agente optou assim.. vamos todos, todo
mundo opta por um mesmo lugar, pra gente continuar junto, pra gente mora junto em tal
lugar, a primeira opção que eu tentei foi o Campus Barra do Garça, eu ia pra lá, aí o menino
que até hoje mora comigo ainda ele também.. se vamo pra Barra vamos os dois, aí o curso
que ele queria, que era engenharia florestal não tinha no campus dele, então ele falou, eu vou
pra Sinop, porque lá tem o que eu quero, e vai ficar mais perto da minha casa, e fiquei
pensando não vou sozinho pra Barra do Garça... E QUAL CURSO VOCÊ TINHA PENSADO
LÁ EM BARRA?
Eu ia fazer enfermagem lá em Barra também, só que o dele não tinha.. que era engenharia
florestal, aí eu falei.. ah pra mim tanto faz, num... por causo disso num dá diferença, não
vamo pra Sinop também... aí acabei optando por Sinop...
Já a questão enfermagem, se eu falar que desde o começo eu queria enfermagem não..porque
antes da enfermagem, eu fazia técnico agrícola, então não tem nada a ver com a enfermagem,
todo mundo fala, porque que você não fez uma veterinária, uma agronomia? E coisa.. eu não
gostava mesmo muito daquela área, só que quando eu entrei na enfermagem eu também não
gostei, foi bem por exigência da minha mãe mesmo.. pessoal fala não você escolhe porque
você quer.. não é.. influencia de casa sim.. aí minha mãe .. não.. faz enfermagem... que isso é
bom.. que não sei o que.. não sei o que... tão tá... vamo fazer o negócio que a mãe quer..
acabei me inscrevendo pra enfermagem, Sinop eu decidi em cima da hora, assim, foi na hora
de preencher o catálogo, do vestibular... eu coloquei.. Sinop.. e dai acabou meio que sendo
isso... agente acabou que os três amigos que tinham optado por Sinop, agente passou os três,
pra cá.. e os três pra primeira turma... e vamo vim.. eu pra enfermagem, um pra florestal, e
um pra agronomia.. aí foi aquele negócio.. foi bom que agente veio pra cá, ninguém tava
sozinho, eu to atrasado, só que eu sou da segunda turma de enfermagem, então quando eu
vim pra cá.. era tudo muito novo, eu tive aula na FASIPE, nem campus tinha.. ainda.. aí foi
aquele negócio.. no começo aquele baque porque era enfermagem, que eu sabia de
enfermagem.. gente.. eu... tudo foi novidade.. O QUE VOCÊ SABIA DE ENFERMAGEM.. O
QUE SUA MÃE SABIA QUE TE INFLUENCIOU?
É que todo mundo fala assim, que quando você trabalha na enfermagem, você nunca fica
desempregado, o salário é bom.. é isso e aquilo.. ai conforme vai passando o tempo da
faculdade você vai vendo, que não é bem aquilo, e coisa, só que assim, é , até o quarto
semestre, eu até o quarto semestre, eu pensei em desistir mesmo, eu fiquei pensando o que
que eu to fazendo aqui? Não era mesmo o negócio, só que daí vc fica pensando, passa o
semestre vc não, não vou desistir, quem sabe eu goste, pq já passou um semestre, passa dois,
não, não vou desistir pq, já passou dois, ai foi indo, ai quando foi quando eu cheguei no
quarto semestre, eu fiz práticas a primeira vez, reprovei de práticas, reprovei na prática
mesmo, ai eu pensei será que agora eu desisto? Será que eu largo mão, desse trem. Ai eu
conversei com a Profa Heloísa, uma vez, daí ela falou não não desiste que vc vai gostar, não
sei o que , não sei o que, ai eu pensei, vamo.. ai fui de novo pra prática, fiz práticas, aí
começou a gostar, ai quando eu gostei de práticas mesmo, foi quando eu fiz urgência e
170
emergência, com a Suellen no quinto, que foi assim que eu me achei, que meio, agente é meio
tapadinho, ainda na época, mas, começou a gostar mesmo, daí, ai o trem deu uma alinhada.
OLHANDO A ENFERMAGEM, QUANDO VC OPTOU POR ELA, O QUE ELA ERA PARA
VOCÊ?
No começo... eu levava mais pelas mesmas questões da minha mãe, eu pensava assim eu
terminando a faculdade de enfermagem, eu não vou ficar desempregado, vai ter um emprego
legal, e o salário é mais ou menos. Aí vai por essa, só que durante a graduação, quatro, cinco
anos, vc muda de idéia, hj em dia eu já penso assim, eu sei que emprego não seria ruim, se
você passasse em um concurso público, só que eu não vejo a enfermagem como uma coisa
que eu quero levar pro resto da minha vida, porque é assim, dá pra vc ter uma vida legal
como enfermeiro, só que é um trabalho judiado, e coisa, que no final do mês vai vir aquele
teu salário, e só.. então hj em dia o que eu penso da enfermagem, é assim, alguma coisa que
eu quero levar, agora durante cinco ou dez anos, só que durante esse tempo, se possível eu
quero fazer outra faculdade, ai ver alguma coisa que dê para eu trabalhar como autônomo.
O QUE VC ACHA QUE É A PROFISSÃO, QUAL O TRABALHO DO ENFERMEIRO?
SUA CONCEPÇÃO MUDOU DO INÍCIO PARA AGORA NO FINAL?
A mudou, no começo vc acha que enfermeiro é.. é o topetudo, que vc tá,... primeiro todo
mundo fala que enfermeiro é auxiliar do médico, e isso já muda, porque no início da
faculdade vc acha isso mesmo, que vc tá ali, pra obedecer o que o médico falou, e só, o
medico fala faz isso, faz isso, tipo, agora já no final da faculdade, vc ve que não, vc tem uma
graduação, igual a do médico, vc tá ali, o médico vai, dá o diagnóstico, e coisa, passar a
medicação, vc vai ficar responsável pelo cuidado, são duas situações diferentes, e vc ve que o
médico, tipo, eu vejo isso, o médico não está preocupado com o cuidado em si, ele tá
preocupado em estar aí, dar o dignóstico, e a medicação, se o paciente melhora ou não, ele
não vai intervir, no seu cuidado, na sua forma de cuidar, é você quem lidera sua equipe para
agir de tal forma, agora do começo da faculdade, o que eu pensava assim, eu tinha uma idéia
errada do negócio, achava que o enfermeiro obedecia o médico, e a enfermagem seria o
serviço do técnico mesmo. O que o técnico faz eu via como o serviço do enfermeiro. E dpois
vai passando o tempo e vc ve que é mais, o enfermeiro tem que ver a equipe como um todo,
tem que fazer a educação continuada, tem muitas coisas fora do hospital que o enfermeiro
tem que cuidar também, então, a idéia sempre muda. Eu acho que em cada setor que você vai
trabalhando você vai abrindo as... que o enfermeiro tem umas funções a mais.
O FATOR PARA SUA MUDANÇA DE CONCEPÇÃO, FORAM AS PRÁTICAS?
Isso, daí você vivencia mesmo, porque daí quando você tá dentro da sala, é tudo muito
bonito, o que todo mundo fala, a enfermeiro é isso, enfermeiro é aquilo, você vai vendo
aquelas mensagezinha na internet, e coisa, como se fosse um mil maravilhas, que a vida do
enfermeiro é só realizar ação, que ele vai lá cuida do paciente, o paciente sai de lá curado,
sai bem, que o paciente vai agradecer mil anos pra você, que foi tudo aquilo, dentro do
hospital você ve que não é isso, você recebe mais chingão, do que agradecimento, então eu
acho que nessa parte mudou bastante.
E O QUE VOCÊ SABE HOJE SOBRE AS CONDIÇOES DE TRABALHO DO
ENFERMEIRO, E A PRECARIZAÇÃO O QUE VOCÊ SABE?
Ai tem duas coisas, depende da instituição que você está trabalhando, acho que vai muito
disso, independente da instituição, acho que hoje o enfermeiro não tem salário bom,
principalmente porque você não deixa de comparar com o salário de um médico, um médico
vai ganhar quinze vinte mil, então você compara, agora as condições depende da instituição,
porque tem instituição, dá pra colocar nosso caso aqui, eu to estagiando em instituição
pública, lá você não precisa se preocupar com material, você não precisa se preocupar com,
assim... quanto você vai gastar pra fazer um procedimento, então você consegue fazer um
trabalho mais eficaz, mais cuidar certinho de tudo, agora quando você vai numa instituição
171
privada, você tem que ficar cuidando e vc tem a cobrança, da instituição que diz assim, não
gasta mais que isso, naõ faz mais que isso, porque se acontecer você vai ter que tirar do seu
bolso, e você vai ter que fazer isso, intão isto varia, mas, em termo de tempo tanto na pública,
quanto na privada, você vai ter que fazer 12 por 36, as vezes tem que fazer um plantão extra,
para cobrir alguém, pq tem muita falta, mas é.. pra quem gosta, não pode desistir.
A situação salarial no privado é muito ruim, ai o público, se você der sorte de passar em um
público, tem concursos bons, hoje em dia, aí sim você tem um salário, não seria o ideal, mas
comparando aos outros, você tem um salario bom, aí a questão pra você passar em um
concurso é muita gente disputando poucas vagas, então não é sempre também.
Entrevista Nº 02
PORQUE VOCÊ OPTOU PELA GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM?
Eu sempre quis alguma coisa na área da saúde, e daí como eu tava terminando o terceiro
ano, a cidade mais próxima que tinha esse, aporte, no caso, vestibular, e tal universidade, era
Sinop, aí tinha aberto as inscrições para enfermagem, era público né, eu prestei, e na sorte,
não foi nem por esforço, eu passei e minha mãe me obrigou a fazer o curso.
Eu não tinha nem idéia de como seria o curso, do conteúdo, não tinha noção, mas assim, eu
não gosto da parte de exatas, e eu queria algo na área da saúde. Eu tenho uma tia que é
técnica de enfermagem, e a minha mãe sempre quis ser enfermeira, mas isso também foi
coincidência, porque ela nunca cultivou nada relacionado a isso, dentro, de casa, e como a
minha mãe é professora, eu também não queria seguir a profissão dela, ai eu optei pela
enfermagem, mas assim o porque.
E AGORA AO FINAL DO CURSO, O QUE VOCÊ ACHA QUE É SER ENFERMEIRO?
O que é ser enfermeiro?.. é uma bagagem enorme, é sei lá dentro do âmbito hospitalar, e
relacionado a saúde mesmo, independente do local que o enfermeiro trabalhe, eu acredito
que o peso maior sempre cai sobre o enfermeiro, é incrível isso, porque é assim, em relação
aos técnicos ele tem que ser a referencia, em relação aos médicos também, que médico nunca
tá a par de toda a situação, então sobrou alguma coisa, então ah.. é o enfermeiro. O técnico,
ah eu tenho um problema, ah, é o enfermeiro, então assim é uma profissão que, que além de
toda a bagagem teórica, que você tem que ter durante todo o curso e até a experiência
conforme você for trabalhando, você tem que ter uma capacidade, de relacionamento, e de
estar uma postura frente a equipe, que eu acho que é impar. É bem diferente em relação as
outras profissões da área da saúde, porque por mais que você tenha uma equipe
multidisciplinar, num ambiente que você tá trabalhando, eu pelo menos vejo assim que o
enfermeiro é referencia, pra tudo.
SUA CONCEPÇÃO SOBRE A ENFERMAGEM MUDOU?
Mudou completamente, na verdade eu entrei sem ter muita noção, eu sabia que o enfermeiro
ficava ali cuidando do paciente o dia inteiro, mas assim, não tinha uma concepção do era
aquilo. E conforme foram passando os semestres, inclusive no quarto semestre onde começou
mesmo, as disciplinas específicas do curso, eu pensei em desistir, porque eu comecei a me
apavorar, mas hoje eu vejo que assim, o conceito mudou completamente, o que eu pensava
não tinha uma base assim concreta, e hoje eu vejo que na verdade tudo foi se encaixando,
desde o primeiro semestre até agora, foi sendo criado um profissional, uma pessoa que está
172
apta, pelo menos teoricamente, para quando sair daqui atuar no hospital, no psf
independente do lugar.
O QUE INFLUENCIOU A MUDANÇA DA SUA CONCEPÇÃO?
Acho que a parte prática e a parte teórica influenciaram essa mudança, por mais que ate o
oitavo semestre no caso, foi mínima essa vivencia prática, no oitavo e no nono que agente
começou a vivenciar mais, foi isso que contribuiu eu acho com maior peso, pra essa
concepção, porque agente vivenciando, por cada setor, tinha um enfermeiro diferente, então
querendo ou não você vai comparando, e você vai moldando dentro de você a concepção de
um enfermeiro, do que é, de como ele trabalha, do que ele pode, do que ele não pode, o que
ele tem que ter, o que ele não pode ter.
E O QUE VOCE SABE HOJE SOBRE O TRABALHO DO ENFERMEIRO, AS CONDIÇÕES
E A PRECARIZAÇÃO.
Querendo ou não eu sei mais do que hoje agente ve na prática, só que assim, eu acredito que
não é o ideal, as condições que agente encontra não são as ideais porque, pelo menos aqui,
são plantões de 12 por 36 nos hospitais, o salário não é o melhor do mundo, então o
profissional vive trocando plantão, as vezes fica 24 horas, 36 horas, então, ao meu ver isso
não é favorável, porque chega um momento que você não rende mais, e você já ta num
ambiente, que querendo ou não você está com tudo nas suas costas, então são inúmeros
pacientes, sabe, uma, duas, três enfermarias, que você tem que estar atento e você tem que
estar responsável por aquilo, então. E também a questão de os hospitais aqui também, a
estrutura também não é a melhor, recursos materiais também é muito falho ainda, então o
enfermeiro ele trabalha no limite ali, ele faz o que pode e o que não pode, pra prestar uma
assistência o mais próximo do adequado, pro paciente.
Entrevista Nº 03
PORQUE VOCÊ OPTOU PELA GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM?
Eu escolhi a enfermagem porque, porque eu gostava eu, sempre fui muito atencioso, acho que
isso envolve, um pouco a questão da enfermagem, eu estava um pouco em dúvida, de que
curso escolher, e eu optei pela enfermagem, porque é um curso, que eu acho que eu pudesse
me identificar, até pelo fato de ser um pouco, um pouco de amor pelas pessoas, de ter
cuidado. Eu não conhecia mesmo.
E QUE VOCÊ ACREDITA SER ENFERMEIRO, O TRABALHO?
Pra mim ser enfermeiro, é saber cuidar de forma integral, das pessoas dentro de uma
instituição de saúde, ou vinculado em uma instituição de saúde, que seja pra comunidade, e
poder gerenciar, poder prestar esse serviço de saúde, e oferecer esse uma atenção integral
mesmo. Abordar as variáveis que atinjam a população, que atinjam a saúde da população.
Em cooperação com as outras, os outros ramos da área da saúde, com a medicina, com a,
então trabalhar junto para poder, abordar todas as variáveis que atingem a saúde das
pessoas.
E O QUE VOCE SABE HOJE SOBRE O TRABALHO DO ENFERMEIRO, AS CONDIÇÕES
E A PRECARIZAÇÃO.
Eu sei que a enfermagem atua em várias formas, dentro da instituição hospitalar, na área da
saúde pública, também tem o Home Care, que já vem sendo executado, na verdade eu acho
que começou com o Home Care e dpois que evoluiu pra...
Eu acho que o enfermeiro do hospital ele tem que se responsabilizar pela administração, da
saúde pública ele aborda mais a comunidade em geral, as condições de trabalho, as vezes as
173
condições de trabalho eu acho que tem forçado um pouco a responsabilidade dos
enfermeiros, por exigir uma carga horária muito alta de trabalho, sendo que o trabalho é
muito duro né, dentro do hospital para o enfermeiro, por que ele é responsável por uma série
de, de uma equipe e tem que ser responsável pelos atos desta equipe, então ele tem que
treinar para que ele não precise responder por algo, que aconteça dentro da instituição,
então é isso, eu acho que o enfermeiro da saúde pública então ele tem que abordar uma
população de certa quantidade de pessoas, então ele tem que ser treinado para poder saber
desenvolver as formas de abranger esse pessoal, então se ele não recebe uma boa formação
ele não consegue atingir essa população, e as metas do SUS de abordagem ficam defasada,
então, acho que o enfermeiro de saúde pública, tem sua importância fundamental nas
atitudes preventivas de saúde.
Pelas opções que estamos tendo ao sair da faculdade eu acho que o salário do enfermeiro
poderia ser melhor comparado ao salário da medicina por exemplo, por que a
responsabilidade é maior, um médico ele tem que fazer um diagnóstico, mas quem vai prestar
esse cuidado, quem vai acompanhar esse tratamento? Quem vai fazer essa pessoa seguir ou
não esse tratamento? É o enfermeiro. Quem vai ser responsável por uma atitude de
enfermagem errada, pela equipe é o enfermeiro. Então eu acho que as condições de trabalho
são defasadas, eu acho que o enfermeiro deveria sim receber um salário maior, deveria ter
uma carga horária um pouco reduzida, para que pudesse prestar um cuidado de maior
qualidade, até por que eu acho que o sistema de ensino tem facilitado muito a entrada no
ensino superior do profissional enfermeiro, a qualidade do profissional vem sendo afetada
por isso, até mesmo pela questão do capitalismo, as instituições de ensino superior privadas
tem muito lucro com a formação dos profissionais e talvez não tem se preocupado muito, eu
acho que isso é outro fator que altera não no trabalho, mas é o um outro fator que altera na
qualidade, na prestação direta de assistência de enfermagem.
A SUA CONCEPÇÃO DE ENFERMAGEM MUDOU?
Eu acho que mudou de certa forma, eu adquiri conhecimento, adquiri bagagem teórica, e
prática, dentro do curso de enfermagem, agora eu acho que se eu não tivesse esse apreço,
esse cuidado com as pessoas, eu teria que desistir do curso, não mudou, mas eu apenas
implementei essa questão com o conhecimento. Pra que pudesse desenvolver a sistematização
de enfermagem, que devemos desenvolver durante o trabalho.
Entrevista Nº 04
PORQUE QUE VOCÊ OPTOU PELA GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM?
A minha mãe é técnica de enfermagem desde de que eu me entendo por gente ela trabalha na
área da saúde e eu sempre gostei, tanto que antes, quando eu tava no terceiro ano, eu
comecei a fazer o técnico, de enfermagem, ai eu fiz o técnico e comecei a fazer vestibular
para a enfermagem, mas não conseguia passar, ai eu já tinha desistido, passei num concurso
público, na minha cidade como técnico, passei em primeiro lugar, aí comecei a trabalhar,
acho que com uns vinte dias que eu estava trabalhando, descobri que eu tinha passado no
vestibular, daí foi aquele vem, num vem, e acabei vindo porque, eu queria fazer enfermagem,
sempre quis, todo mundo, ah porque você não faz medicina, nunca quis fazer medicina, agora
dpois de ver toda a situação da enfermagem, talvez eu faça medicina, mas sempre tive
vontade desde criança.
174
Acho que a escolha da enfermagem sempre foi uma coisa minha, minha mãe nunca
influenciou, sempre deixou agente muito livre pra escolher o que queria, tanto que só eu
escolhi a área da saúde, a enfermagem né. Mas é um gosto, eu gosto de enfermagem.
O QUE VOCÊ ACREDITA SIGNIFICAR SER ENFERMEIRO?
Acho que é uma responsabilidade muito grande, por que você é tudo, você é psicólogo, você é
meio médico, tudo. E é você cuidar do paciente, você ter aquela responsabilidade de olhar o
paciente com um todo, por que ele tá assim, se ele tá com aquela doença, se por que, é
problema em casa, na alimentação, enfermagem é cuidado, cuidado integral ao paciente.
SUA CONCEPÇÃO SOBRE O QUE É A ENFERMAGEM MUDOU?
Não, não alterou o que eu achava, mas agente acaba tendo uma visão diferente, porque você
ve que o que você aprende, você não pode colocar em prática tudo, porque, não tem subsidio,
não tem vamos dizer assim, você não tem formas de você fazer.
Muitas vezes assim você tem vontade de fazer, mas não tem estrutura, você atende uma
população, vamos dizer, que você trabalhe em um PSF, você não consegue abranger a
população toda, que é da sua área, num hospital, você não consegue fazer um atendimento
humanizado com todos os pacientes, tem vez que você está com trinta pacientes num quarto,
como você vai fazer trinta SAE, numa noite, num plantão de doze horas, é difícil.
O QUE VOCÊ SABE SOBRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DA ENFERMAGEM E DA
PRECARIZAÇÃO?
São precárias, muito precárias, O QUE VOCÊ ACHA QUE É PRECÁRIO? O salário, não é
valorizado. A carga horária, 40 horas semanais, é puxado. A estrutura, vamos dizer assim,
não dá condições para ele, poder trabalhar, para ele poder fazer, o atendimento correto, que
muitas vezes não tem material, falta material, falta a equipe, falta o técnico atender aquele
paciente, falta médico, então não é só o salário que está ruim, é toda a estrutura.
Pelo o que agente aprendeu e pela prática que agente tem realidades muito diferentes, que
você aprende a fazer de uma forma, e que chega lá você tem que improvisar, você tem fazer
de uma maneira diferente, então..
Entrevista Nº 05
PORQUE VOCÊ OPTOU PELA GRADUAÇÃO EM ENFERMGEM?
Por que é assim, eu gosto muito de ajudar, sempre gostei muito assim, de ah você, ah num sei
desde pequenininha eu sempre vi na televisão o trabalho do enfermeiro, o trabalho do
médico, o trabalho de saúde em geral, e sempre achei aquilo muito bonito, sabe, primeiros
socorros, assim, que daí fazia até reanimação, eu achava aquilo, eu nossa, eu fica assim, ai
eu tive a oportunidade de fazer um curso técnico por que eu não sabia se eu ia estudar fora,
porque lá em Juína não tem, só tem contabilidade, administração, essas coisas assim, você
sabe. Não tinha nada, nada, nada na área da saúde, aí, eu não gostava, aí esse negócio de
trabalhar no escritório, fechada, vendo número, fazendo cobrança e essas coisas eu não
gosto, então assim teve a oportunidade de fazer o técnico de enfermagem, eu não tinha nem
terminado o ensino médio ainda, e comecei a fazer, eu vi que eu gostei eu vi que eu tinha
facilidade, que no estágio que, eu conseguia fazer, que muita gente não consegue ve sangue,
não consegue muito, que eu conseguia que comecei a gostar. Ai eu prestei o vestibular para
cá, e vim, mas assim sempre pergunta, ah você gostaria de fazer medicina, eu gostaria, mas
assim to satisfeita com enfermagem, gostei, gosto é realmente o que eu pensava que era, que
o enfermeiro é o que, na minha visão, é o coordenador, é o responsável, pelo cuidado, é tão
importante quanto o médico, tão importante porque, se não tiver esse cuidado, não ia
175
adiantar nada prescrever, antibiótico, prescrever medicamento se não, vai dar infecção, vai
complicar, o psicológico do paciente também não vai ajudar, o apoio da família e tudo, o
enfermeiro é, que vai faltar no hospital, que vai gerenciar tudo, se não tiver o enfermeiro,
não anda, e assim, é isso, e o bom enfermeiro, é aquele que coordena, que tem visão, que dá
atenção pro paciente também, e que sabe fazer o exame físico, que sabe observar quando está
ruim, quanto que não tá, que dá o atendimento e não somente o procedimento.
No início eu não sabia muito bem o que era ser enfermeiro, que ele tinha um pouco mais de
responsabilidade do que o técnico, e também não tinha toda a autonomia, digamos assim,
que agente vê. Eu não sabia que tinha tanta sobrecarga de trabalho, e o estresse do médico,
mas eu acho que é só.
O QUE VOCÊ ACREDITA QUE É SER ENFERMEIRO?
Enfermeiro é ser responsável pelo funcionamento de uma unidade de saúde, e ser responsável
até pelo trabalho do próprio médico, se responsável por até vigiar se ele está fazendo o certo,
se não, ser responsável pelo paciente, é ser enfermeiro.
O QUE VOCÊ SABE SOBRE O TRABALHO DO ENFERMEIRO EM RELAÇÃO AS
CONDIÇÕES E PRECARIZAÇÃO?
Depende muito do lugar e da condição, se ele trabalha no particular, ele tem que economizar
material, a ter pouca verba pro pessoal dele, atender muito, muito, excelentemente bem todos
os clientes, todos os clientes bem, porque qualquer coisa reclama, mais exigente mesmo, e no
SUS, tem que também atender muito bem, porque, porque se não nossa, no estágio do boa
esperança lá, meu deus, você atendendo muito, muito, muito bem as pessoas ainda, só porque
é SUS, ainda tem ainda aquele preconceito de que não é bom, de que vai atender de qualquer
jeito, de que vai fazer de qualquer jeito, de que não tem consideração pela pessoa, então eles
já chegam com aquela visão, então eles já chegam meio bravo, entendeu, então você
atendendo muito bem ainda vai ter de trinta, um que vai chegar bravo, mas ainda assim aí,
ele consegue ainda se acalmar se ve que você tem consideração por ele, e ainda também que
os outros falam, não mas pq aquela enfermeira, é assim, assado, aquela enfermeira, aquele
doutor, é assim assado, ai ele já diminui um pouco esse preconceito que ele tem. Então é, ter
que dá muita atenção ao ser humano, porque o mais difícil é o ser humano.
Não é difícil você gerenciar que material falta, ou seja gerenciar, quem que trabalha bem, e
quem não trabalha bem, isso não é difícil, o difícil é você fazer o seu trabalho bem feito, e dar
valor com ética na medida certa, é difícil.
SUA CONCEPÇÃO SOBRE A ENFERMAGEM MUDOU?
Eu não sabia antes o que o enfermeiro fazia, sabia que ele fazia procedimento, que ele ficava
olhando, por exemplo no postinho, não faz consulta, eu achava né, eu achava que não faz
consulta, não pode prescrever medicação, o que ele faz lá? Eu pensava que ele assim, não faz
nada né (risos).
E agora eu vejo que ele faz muita coisa, ele faz preventivo, ele faz consulta de enfermagem,
ele faz uma avaliação, por que é muita gente no PSF, ele dá orientação, orientação, porque
ele é muito na prevenção, é responsável por vacina, é responsável pela qualidade da vacina,
é responsável pela medicação, por não deixar faltar, por tudo isso assim, tem muita coisa que
ele não pode fazer, ele organiza todo o encaminhamento, tudo o que é prioridade, o que não
é, ele sabe exatamente o que ele tem que fazer, só que tem muita coisa que ele não pode
mudar, vacinar, e coisa, ele avalia quem que é principal, que é que não é, as vezes já agiliza,
ele gerencia mesmo.
O QUE INFLUENCIOU A MUDANÇA DE CONCEPÇÃO?
Acho que mudou porque eu não sabia mesmo o que ele fazia, igual, eu não sabia que ele
coletava preventivo, eu não sabia nada. Eu só sabia que ele era responsável pela unidade
mas eu não sabia o que ele fazia lá dentro. Ai conforme entrou no primeiro semestre, que
você já vai criando uma noção, ai já vai falando, tal, aí no estágio que agente vai ver o que
176
ele faz mesmo, só que assim principalmente administração, aprendi bastante o que ele faz e
introdução a enfermagem, que eu aprendi mais. Mas ai em cada matéria, você aprende o que
ele faz em cada setor, em pediatria você aprende a função dele, com criança, em neonatal,
em urgência e emergência você aprende a função dele na urgência, e em cada estágio vai
aprendendo um pouco mais o que ele faz.
Mas antes eu não sabia não. Eu sempre ouvia falar que ele não pode fazer isso, não pode
fazer aquilo, mas o que ele pode? Daí eu pensava que ele só comandava o trabalho do
técnico, e não é.
Tipo, a sondagem, a aspiração que só enfermeiro que pode fazer, não sabia destes detalhes,
foi na graduação que eu fui aprender mesmo.
Assim também, a forma de atuar no público e no hospitalar é diferente, pelo menos é assim lá
no Boa Esperança, eu tinha muita autonomia, muito, muito, ela atendia muita criança, e
mandava vir no outro dia para o doutor olhar, só que ela atendia, muitas vezes ela passava
medicação, entendeu, ela via o doutor não estava mais lá, muita coisa ela resolvia.
E quando eu fiz clinica médica, tem autonomia, tem saber o que você está administrando, tem
que saber porque você está fazendo, se tiver uma coisa errada, você tem que saber, porque
não vai poder matar o paciente, prever algum erro, algum lapso de memória do médico, você
tem que saber corrigir, só que na maioria das vezes você faz o que ele prescreve, na maioria
das vezes você acaba presa naquilo lá, e na saúde publica ela também fica presa, só que é um
pouquinho diferente.
177
X
ANEXO 1 – FOLHA DE APROVAÇÃO COMITÊ DE ÉTICA CEP/HUJM
Ministério da Educação
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO JÚLIO MÜLLER
Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller Registrado na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa em 25/08/97
TERMO DE APROVAÇÃO ÉTICA DE PROJETO DE PESQUISA
REFERÊNCIA: Projeto de protocolo Nº 161/CEP-HUJM/2011
“Com pendências”
Aprovado “ad referendum”
APROVAÇÃO FINAL
Não aprovado
O projeto de pesquisa intitulado: “A enfermagem enquanto profissão: As
concepções dos acadêmicos quanto ao trabalho e a sua precarização”
encaminhado pelo (a) pesquisador (a) Luciene Mantovani Silva Andrade foi
analisado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HUJM, sendo aprovado “ad
referendum”.
Cuiabá, 05 de Março de 2012.
Profa. Dra. Shirley Ferreira Pereira P/Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa do HUJM
Hospital Universitário Júlio Müller
Avenida Fernando Corrêa da Costa, Nº 2367 Bairro Boa Esperança - Cuiabá –MT, Brasil
CCBS I – 1º Piso – Universidade Federal de Mato Grosso
Fone: 65-3615-8254 - e-mail: [email protected]
http://www.ufmt.br/cep_hujm
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